368 219 PB PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 352

Imprensa da Universidade de Coimbra | Coimbra University Press N.º 34 Vol. 19, N.

º 1 - 2019

PUBLICIDADE: TEORIAS, MÉTODOS E PRÁTICAS


ADVERTISING: THEORIES, METHODS AND PRACTICES

ORGANIZAÇÃO EDITORIAL
IVONE FERREIRA
(Página deixada propositadamente em branco)
Media&Jornalismo
revista do centro de investigação media e jornalismo

PUBLICIDADE: TEORIAS, MÉTODOS E PRÁTICAS


ADVERTISING: THEORIES, METHODS AND PRACTICES

ORGANIZAÇÃO EDITORIAL
IVONE FERREIRA

Nº 34, Vol. 19, Nº 1 – 2019

CIMJ Centro de Investigação Media e Jornalismo


FICHA EDITORIAL

MEDIA&JORNALISMO
UMA REVISTA DO CENTRO DE INVESTIGAÇÃO MEDIA E JORNALISMO

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas


Universidade Nova de Lisboa
Edifício I&D, Gabinete 3.20
Av.de Berna, 26 C • 1069-061 Lisboa • Portugal
T.: (+ 351) 21 790 83 00 • E.: [email protected] • W.: cicdigitalpolo.fcsh.unl.pt

N.º 34, VOL.º 19, N.º 1 – 2019

Título: Publicidade: teorias, métodos e práticas | Advertising: theories, methods and practices
Diretores: Carla Baptista, Francisco Rui Cáidima, Marisa Torres da Silva
Gestão da Revista Media & Jornalismo: Patrícia Contreiras
Organização: Ivone Ferreira
Fotografia da Capa: Madalena Sena - PhD in Science Communication (Communication Design)
ICNOVA

Edição: Imprensa da Universidade de Coimbra


Morada: Rua da Ilha, 1, 3000-214 Coimbra, Portugal
Telefone: 239 247 170
Email: [email protected]
URL: http://www.uc.pt/imprensa_uc

Capa e Paginação: Mickael Silva

Periodicidade: Semestral
ISSN: 1645­‑5681
ISSN digital: 2183-5462
DOI: https://doi.org/10.14195/2183-5462_34
Depósito Legal: 186314/02
Nº de Registo ERC: 124296

Impressão: Artipol
Morada: Zona Industrial de Mourisca do Vouga, Apartado 3051, 3754-901 Águeda
Telefone: 234 644 435
Email: [email protected]
URL: http://www.artipol.net/

Revista online disponível em URL: http://impactum-journals.uc.pt/mj/issue/archive


e http://www.icnova.fcsh.unl.pt/revista-media-jornalismo/

@2019 Imprensa da Universidade de Coimbra


Todos os direitos reservados

Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a
Tecnologia no âmbito do projecto Refª: UID/CCI/04667/2019
Índice/Index

1. Publicidade: teorias, métodos e práticas - Nota introdutória


Advertising: theories, methods and practices - introductory note
Ivone Ferreira......................................................................................................................................................... 9

2. Que a Força esteja contigo –


os desafios da publicidade na nova galáxia comunicacional
May the Force be with you -
the challenges of advertising in the new communicational galaxy
Sara Balonas........................................................................................................................................................ 13

3. A publicidade face aos novos contextos do digital:


privacidade, transparência e disrupção
Advertising versus the new contexts of the Digital era:
privacy, transparency and disruption
Francisco Rui Cádima......................................................................................................................................... 35

4. Posicionamento de rádios jovens brasileiras em redes sociais:


compreendendo estratégias e ações de interatividade
Positioning of young Brazilian radios in social networks:
interactivity strategies and actions
Nair Prata, Débora Cristina Lopez, Marcelo Freire, Kamilla Avelar, Danielle Diehl...............................................47

5. Smartphones: o sistema nervoso da comunicação líquida


Smartphones: the nervous system of liquid communication
Paulo Silva, Cláudia Seabra, Isabel Ferin Cunha................................................................................................ 65

6. Marcas, produtos e temáticas na ficção televisiva:


um ensaio sobre o placement como estratégia de produção
Brands, products and themes in television fiction:
an essay on placement as a production strategy
Nuno Goulart Brandão, Catarina Duff Burnay.................................................................................................... 83

7. A publicidade: um campo em transformação


The Advertising: a field in transformation
Lucas Alves Schuch, Juliana Petermann........................................................................................................... 95

8. Incursão pelos modelos de análise da imagem publicitária


Foray into analysis models for advertising image
Ivone Ferreira..................................................................................................................................................... 115

9. Formas emotivas do discurso persuasivo


Emotive forms of persuasive discourse
Samuel Mateus ................................................................................................................................................. 127

ÍNDICE | 3
10. Rhetoric of affections, seduction and truth
Retórica dos afetos: publicidade, sedução e verdade
Paulo Barroso ................................................................................................................................................... 143

11. O discurso publicitário que incita o medo e a superstição


The advertising discourse that incite fear and superstition
Danielle Cândido Nascimento.......................................................................................................................... 155

12. Narrativa publicitária e identidades culturais


Advertising in Brazil: professional identities and work organization in the agencies
Everardo Rocha, Bruna Aucar........................................................................................................................... 169

13. Estratégias identitárias na comunicação das marcas


cidade do Porto e o vinho do Porto: encontros e desencontros
Advertising with the argument at origin.
An exploratory approach to the Porto city brand and Port wine brand
Paula Lobo, Ivone Ferreira................................................................................................................................ 181

14. Personal traits Behind Blood Donation


Traços pessoais por detrás da intenção de Doar Sangue
Ana Margarida Barreto...................................................................................................................................... 193

15. A crise humanitária como tema publicitário


The humanitarian crisis as an advertising subject:
some ethical and legal questions
Ana Amorim....................................................................................................................................................... 207

16. A influência publicitária no consumo de marcas de vestuário


e de calçado em contexto juvenil
The advertising influence on the consumption of clothing
and footwear brands in a youth context
Cristina Santos.................................................................................................................................................. 221

17. A natureza do fenómeno da reputação científica:


o caso dos consórcios universidade-indústria
The nature of the scientific reputation phenomenon:
the case of an university-industry consortia
Teresa Ruão, Clarisse Pessôa.......................................................................................................................... 233

18. The Impact of the purchase channel on unplanned purchases


O Impacto do canal de compra nas compras não planeadas
Inês Henriques, Ana Margarida Barreto ................................................................................................................... 249

19. Garantias processuais e o caso escola base (brasil-sp)/ 1994: estudo de caso
Violation of procedural guarantees by the brazilian Media: an analysis of Case School
Base/1994
Thaís dos Santos Souza.............................................................................................................269

20. Reflexões sobre o discurso das publicidades de organizações privadas diante do


cenário político brasileiro

4|
Reflections on the discourse of the publicities from private organizations in face of the
Brazilian political scene
Mariana Carareto, Renata Calonego, Roseane Andrelo.................................................................................. 295

21. Embalagem: o elemento imagem do produto


Package: the image element of the product
Madalena Sena.................................................................................................................................................. 313

Recensões

1. The Internet Trap: How the Digital Economy Builds Monopolies


and Undermines Democracy, by Matthew Hindman
Eduardo Acquarone........................................................................................................................................... 323

2. Sobre a Tirania. Vinte Lições do Século XX, de Timothy Snyder


Francisco Rui Cádima....................................................................................................................................... 327

3. Network Propaganda: Manipulation, Disinformation,


and Radicalization in American Politics, by Yochai Benkler, Hal Roberts, & Robert Faris
João Carlos Martins.......................................................................................................................................... 329

4. Post-truth, by McIntyre
Patrícia Sá Rêgo................................................................................................................................................ 333

|5
(Página deixada propositadamente em branco)
Publicidade: teorias, métodos e práticas - Nota
introdutória
Advertising: theories, methods and practices -
introductory note

Ivone Ferreira
Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Instituto de Comunicação da NOVA FCSH
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_1

Em 2014, Kima, Hayesb, Avanta & Reid publicavam “Trends in Advertising Re-
search: A Longitudinal Analysis of Leading Advertising, Marketing, and Communica-
tion Journals, 1980 to 2010” onde davam conta das tendências no que diz respeito
à investigação – e publicação - sobre publicidade em jornais de referência durante
30 anos. Nos resultados realçavam o aumento dos estudos sobre o consumidor, o
foco na prática publicitária bem como dos estudos empíricos e quantitativos. Van
Ries e Laura Ries apregoavam, em 2008. A queda da publicidade e a ascensão das
RP, remetendo para a inserção da publicidade nas estratégias de comunicação inte-
grada e o mesmo tem sido feito pela perspetiva do marketing que a considera como
uma das suas sub-disciplinas.
É neste contexto que olhamos para a publicidade de hoje, procurando recolher
perspetivas multidisciplinares sobre um discurso em constante adaptação aos meios
e aos públicos.
Neste número intitulado “Publicidade: teorias, métodos e práticas” encontram-
-se reunidos textos que apresentam diversos ângulos (metodologias, abordagens e
problemáticas ) sobre a publicidade, ora dando foco ao discurso (Sara Balonas, Sa-
muel Mateus, Paulo Barroso; Ivone Ferreira; Everardo Rocha e Bruna Aucar; Danielle
Cândido Nascimento), aos meios (Francisco Rui Cádima), aos consumidores e suas
práticas (Paulo Silva et al; Ana Barreto; Cristina Santos; Inês Henriques e Ana Mar-
garida Barreto), à sociedade (Thaís Souza; Ana Amorim; Mariana Carareto, Renata
Calonego e Roseane Andrelo), aos espaços onde o discurso publicitário é produzido
ou apresentado (Nuno Goulard Brandão e Catarina Duff Burnay; Lucas Alves Schuch
e Juliana Petermann, Madalena Sena), não deixando de sublinhar a articulação com
o domínio da comunicação estratégica (Paula Lobo e Ivone Ferreira; Teresa Ruão e
Clarisse Pessôa; Nair Prata et al).
No texto “Que a Força esteja contigo – os desafios da publicidade na nova galá-
xia comunicacional”, Sara Balonas reflete sobre a crise de identidade da publicidade
atual, levantando questões sobre a dificuldade da avaliação da sua eficácia.
“A Publicidade face aos novos contextos do Digital: privacidade, transparência e
disrupção“, artigo assinado por Francisco Rui Cádima, convida a pensar a publicidade
tendo por base o atual sistema de media. Nair Prata et al trazem-nos o “Posiciona-
mento de rádios jovens brasileiras em redes sociais: compreendendo estratégias e
ações de interatividade”. Tendo como objeto de estudo três emissoras de rádio bra-

ARTIGOS | 9
sileiras (Rádio Mix, Rádio Jovem Pan e Rádio Transamérica) os autores pretendem
compreender o posicionamento e as estratégias de comunicação digital usadas para
engajar os públicos nas redes sociais das referidas emissoras.
Os “Smartphones: o sistema nervoso da comunicação líquida“ são o tema do
texto de Paulo Silva, Cláudia Seabra e Isabel Ferin Cunha. Os autores pronunciam-se
sobre o uso dos telemóveis feito pelos millennials e quais as gratificações e efeitos
sociais gerados por esta utilização.
O artigo de Nuno Goulard Brandão e Catarina Duff Burnay intitulado ”Marcas,
produtos e temáticas na ficção televisiva: um ensaio sobre o placement como es-
tratégia de produção”, refletem sobre a dupla estratégia do uso do placement na
ficção televisiva: promover produtos e, simultaneamente, garantir a subsistência de
produtos culturais.
Lucas Alves Schuch e Juliana Petermann apresentam-nos “A publicidade: um
campo em transformação” a partir do conceito de rizoma de Deleuze e Guatari.
Ivone Ferreira apresenta uma “Incursão pelos modelos de análise da imagem
publicitária” a partir dos modelos semióticos dominantes de Barthes, Peninou, Flo-
ch e Eco, realçando a importância de descortinar o caráter sedutor da imagem pu-
blicitária. Em “Formas Emotivas do Discurso Persuasivo“, Samuel Mateus recoloca
as emoções no centro do discurso persuasivo e apresenta algumas formas emoti-
vas presentes nos discursos de natureza persuasiva, nomeadamente a publicidade.
Em “Rhetoric of affections: advertising, seduction and truth”, Paulo Barroso apre-
senta uma proposta de reflexão sobre o poder da retórica para provocar afetos atra-
vés da publicidade.
“O discurso publicitário que incita o medo e a superstição” é o título do artigo de
Danielle Cândido Nascimento. A autora parte da criação do anúncio “Veloster 2013”
para relacionar os conceitos de produção, regulamentação e responsabilidade social.
Everardo Rocha e Bruna Aucar pronunciam-se sobre “A publicidade no Brasil: iden-
tidades profissionais e organização do trabalho nas agências”. Os autores partem
da teoria da ação coletiva de Howard Becker para pensar as funções nas agências
de publicidade brasileiras.
No artigo “Estratégias identitárias na comunicação das marcas Cidade do Porto
e o Vinho do Porto”, Paula Lobo e Ivone Ferreira partem dos conceitos de identidade
e de imaginário social para justificarem o posicionamento das Origin Bounded Brand
mas que consideram ser um argumento igualmente válido para promover territórios.
“Personal Traits Behind Blood Donation”, de Ana Margarida Barreto, relata o estu-
do exploratório realizado junto de uma amostra da geração Y para compreender as
motivações de dadores e não dadores de sangue e como estas motivações se rela-
cionam com as características sociais dominantes dos inquiridos.
Ana Amorim parte de uma campanha recente da Benetton para refletir sobre a
articulação entre o direito à dignidade da pessoa e o regime jurídico da publicidade
em “A crise humanitária como tema publicitário”.
O texto “A influência publicitária no consumo de marcas de vestuário e de calça-
do em contexto juvenil” de Cristina Santos, procura apurar a capacidade de influên-
cia (informativa e/ou persuasiva) junto da publicidade em estudantes do 9º ano de
escolaridade, no que diz respeito ao consumo de marcas de vestuário e calçado.
No manuscrito “A natureza do fenómeno da reputação científica: o caso dos

10 | MEDIA&JORNALISMO
consórcios universidade-indústria”, Teresa Ruão e Clarisse Pessôa desenvolvem
um estudo para compreenderem a natureza do fenómeno da reputação aplicado
ao domínio da ciência, no ambiente de um consórcio de investigação universidade-
-indústria em Portugal.
Inês Henriques e Ana Margarida Barreto em “The impact of the purchase channel
on unplanned purchases” apresentam um estudo exploratório sobre a influência do
canal no consumidor no que diz respeito a compras não planeadas.
O artigo de Thaís dos Santos Souza intitulado “Garantias processuais e o caso
escola base (brasil-sp)/ 1994: estudo de caso” sai da publicidade para o domínio da
esfera pública. A autora retrata a influência dos media sobre as decisões judiciárias
e elenca momentos em que os media desrespeitaram a Constituição.
Em “Reflexões sobre o discurso das publicidades de organizações privadas dian-
te do cenário político brasileiro” os autores Mariana Carareto, Renata Calonego e Ro-
seane Andrelo, refletem sobre a responsabilidade da publicidade na sua função de
esclarecer a sociedade face ao atual momento político conturbado no Brasil. São
analisadas as campanhas publicitárias de Habib’s e Havan que disseminam discur-
sos sobre o contexto político brasileiro, tendo como fundamentação teórico-meto-
dológica a análise de discurso de Charaudeau.
Madalena Sena reflete sobre a dupla função da imagem: manter a qualidade do
produto, escondendo-o e promovendo-o, mostrando em “Embalagem: O elemento
imagem do produto”
As recensões de autoria de Eduardo Acquarone, Francisco Rui Cádima, João Car-
los Martins e Patrícia Sá Rêgo encerram este volume da Revista Media & Jornalismo
sobre a Publicidade: teorias, métodos e práticas. Eduardo Acquarone apresenta-nos
uma leitura de The Internet Trap: How the Digital Economy Builds Monopolies and
Undermines Democracy de Matthew Hindman. Francisco Rui Cádima analisa Sobre
a Tirania. Vinte Lições do Século XX, de Timothy Snyder. João Carlos Martins, Net-
work Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American
Politics de Yochai Benkler, Hal Roberts, & Robert Faris. E Patrícia Sá Rêgo analisa
Post-truth, de McIntyre.
A perspetiva de académicos e profissionais da publicidade que aqui apresenta-
mos é também um convite literal a revisitar os territórios, as teorias e as práticas
da publicidade.
Os textos publicados nesta edição seguem as regras do Acordo Ortográfico de
1990 e garantem o respeitado pelas variantes ortográficas dos vários países lusófonos.

Nota biográfica

Ivone Ferreira é Professora Auxiliar no Departamento de Ciências da Comunicação da


NOVA-FCSH na área de especialidade de Comunicação Estratégica e Investigadora Integra-
da do ICNOVA.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3283-2373
E-mail: [email protected]
Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

ARTIGOS | 11
(Página deixada propositadamente em branco)
Artigos | Articles
(Página deixada propositadamente em branco)
Que a Força esteja contigo – os desafios da publicidade
na nova galáxia comunicacional
May the Force be with you - the challenges of advertising
in the new communicational galaxy
Que la Fuerza esté contigo - los desafíos de la publicidad
en la nueva galaxia comunicacional

Sara Balonas
Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho
Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_2

Resumo
Pelo menos desde o início do século XXI que a Publicidade, tal como a conhecemos,
vive numa crise de identidade. No caso português, como noutras geografias, o panora-
ma económico, social e tecnológico alterou-se significativamente. A crise económica
e financeira, a quebra do consumo, a valorização da opinião dos círculos informais em
detrimento das campanhas publicitárias, mas também a valorização do digital e do tec-
nológico, trouxeram novos desafios. Todavia, as agências de publicidade não reagiram
prontamente, optando por manter os seus modelos de negócio e de funcionamento.
Plataformas como a Televisão, a Rádio ou a Imprensa - palcos onde as agências
se sentiam confortáveis - deram lugar ao digital e ao online. Sites, aplicações, redes
sociais, gestão de conteúdos, gaming, storytelling, enfim, uma plêiade de novos vo-
cábulos entraram no quotidiano dos interlocutores da área, substituindo a desgas-
tada “Publicidade”, associada a grandes investimentos.
Vaticinou-se a morte da Publicidade (Rust & Oliver, 1994). As start ups tecnológi-
cas pareciam ter a resposta certa. O meio passou a ser hipervalorizado.
Eis o grande equívoco: a publicidade tem sido confundida com as plataformas onde
é veiculada. Contudo, a publicidade é, acima de tudo, uma técnica de comunicação. Orien-
ta-se por métodos, técnicas e princípios adaptando-se ao offline e ao online. Assim, deve
ser julgada pela sua competência comunicacional, discutida pela validade dos conteú-
dos. É aí que reside a sua essência. Como a avaliar? De todas as características que a
Publicidade possui, duas são absolutamente determinantes: a capacidade de fazer uso
da persuasão e da criatividade por forma a exercer influência sobre o consumidor ou ci-
dadão. Reconhecer este valor é condição para compreender a essência da Publicidade.

Palavras chave
Publicidade; plataformas; tecnologia; persuasão; criatividade

Abstract
At least since the beginning of the 21st century Advertising faces an identity crisis.
In the Portuguese case, as in other geographies, the economic, social and technologi-

ARTIGOS | 13
cal panorama has significantly changed. Economic and financial crisis, consumption
reduction, trust in informal circles rather than in the advertising, as well as digital and
technological enhancement, brought new challenges. However, advertising compa-
nies did not react immediately, opting to keep their business and operating models.
Platforms such as Television, Radio or the Press - stages where agencies felt
comfortable - gave way to digital and online. Sites, applications, social networks,
content management, gaming, storytelling, in sum, a pleiade of new vocabulary en-
tered on the daily life of the area, replacing the jaded “Advertising”, associated with
large investments.
The death of Advertising was announced (Rust & Oliver, 1994). Technological start
ups seemed to give the right answer. The medium became hyper-valued.
Here’s the big misunderstanding: Advertising has been mixed up with the pla-
tforms. However, Advertising is, above all, a communication technique. It is guided
by methods, techniques and principles able to adapt to offline and online. Thus, it
must be judged for its communicational competence and discussed for its con-
tents. This is where Advertising essence lies. How to evaluate it? Of all the charac-
teristics that Advertising has, two are absolutely crucial: the capacity to make use
of persuasion and creativity in order to operate an influence on the consumer and
on the citizen. Recognizing those strengths is a major condition to understand the
essence of Advertising.

Keywords
advertising; platforms; technology; persuasion; creativity

Resumen
Desde el inicio del siglo XXI que la Publicidad, tal como la conocemos, vive en
una crisis de identidad. En el caso portugués, como en otras regiones, el panorama
económico, social y tecnológico ha cambiado significativamente. La crisis económi-
ca y financiera, la quiebra del consumo, la valorización de la opinión en los círculos
informales en detrimento de las campañas publicitarias y también la valorización de
lo digital y del tecnológico, trajeron nuevos desafíos.
Sin embargo, las agencias de publicidad no reaccionaron rápidamente, optando
por mantener sus modelos de negocio y de funcionamiento.
Plataformas como la Televisión, la Radio o la Prensa - escenarios donde las agen-
cias se sentían cómodas - dieron lugar a lo digital y al online. Los sitios, aplicaciones,
redes sociales, gestión de contenidos, gaming, storytelling, en reusmen, una pléyade
de nuevos vocablos entraron en el cotidiano de los interlocutores del área, sustituyen-
do la desgastada “Publicidad”, asociada a grandes inversiones.
Se ha predicho la muerte de la Publicidad (Rust y Oliver, 1994). Las start ups
tecnológicas parecían dar la respuesta correcta. El medio pasó a ser hipervalorado.
Este es el gran equívoco: la publicidad se ha confundido con las plataformas don-
de se transmite. Sin embargo, la publicidad es, por encima de todo, una técnica de
comunicación. Se orienta por métodos, técnicas y principios adaptándose al offline
y al online. Así, debe ser juzgada por su competencia comunicacional, discutida por
sus contenidos. Es ahí donde reside su esencia.

14 | MEDIA&JORNALISMO
¿Cómo evaluarla? De todas las características que la Publicidad posee, dos son
absolutamente determinantes: la capacidad de hacer uso de la persuasión y la crea-
tividad para operar una influencia en el consumidor y en el ciudadano. Reconocer
estas fuerzas es condición para comprender la esencia de la publicidad.

Palabras clave
publicidade; plataformas; tecnologia; persuasión; creatividad

Ascensão e queda da Publicidade

Como chegámos ao desgaste do termo “Publicidade”? Recuando à primeira meta-


de do século XX e restringindo ao contexto português, muito se alterou no panorama
publicitário. Podemos cunhar o seu início enquanto indústria, ainda que incipiente,
na década de 30, com o surgimento da primeira agência de publicidade - Hora, onde
trabalhou o poeta Fernando Pessoa como redator publicitário. As décadas seguintes
ficaram marcadas pela publicidade gráfica, pelo cartaz publicitário e pelo apogeu da
rádio, com o Rádio Clube Português. À época, os próprios locutores liam os textos pu-
blicitários, integrados nos seus programas. Surgem também os jingles publicitários.
Com o crescimento da economia e o aparecimento de algumas empresas multi-
nacionais no país, a Publicidade ganha relevância. E, a partir de 1957, o fascínio pelo
filme publicitário acontece em definitivo, com o aparecimento da Televisão.
Quanto aos conteúdos, era comum as campanhas enaltecerem as caracterís-
ticas intrínsecas dos produtos, seguindo a fórmula USP – Unique Selling Proposi-
tion (sublinhar a vantagem do qual se é o único detentor em vez de se dispersar em
múltiplos atributos).
O salto qualitativo dá-se com a entrada de Portugal na União Europeia, em 1986.
Nessa década, mas sobretudo nos anos 90, a indústria publicitária adquire práticas e
técnicas alinhadas com outros países. Com a transformação económica e empresarial,
chegam as multinacionais de publicidade como a: Young & Rubicam, BBDO, Ogilvy & Ma-
ther, FCB, Publicis, DDB e RSCG. Modelos de atividade importados formam os profissio-
nais nas agências, numa altura em que ainda não existia ensino superior nesta matéria.
Na década de 90, a publicidade portuguesa atinge verdadeiramente a maiorida-
de com o surgimento de canais televisivos privados (SIC e TVI) e da TV por satéli-
te e com departamentos de comunicação e marketing a ganharem relevância nas
empresas. Em suma, um “boom” empresarial em contexto de mercado comunitá-
rio. Surgem as primeiras ofertas de formação superior nas áreas da comunicação e
do marketing ao que acresce o fenómeno de imigração de publicitários brasileiros.
A atividade publicitária ganha capacidade estratégica e criativa, com reconhecimento
internacional. Em 1992, Portugal ganha o primeiro Leão de Ouro no mais importante
festival de criatividade publicitária do Mundo.
Lembremo-nos que a publicidade era, em Portugal, uma atividade praticada inicial-
mente por homens das letras (escritores, jornalistas) ou ligados às artes (pintores, ilustra-
dores), ancorada na imaginação mas desprovida de processos de geração de estratégias
complexas. Segue-se uma evolução tímida que culmina numa revolução nos métodos
e nos contextos. Do empírico e intuitivo para a copy strategy no anos 60 e para a star

ARTIGOS | 15
strategy da Euro RSCG (1970) até ao primado da Comunicação Integrada de Marketing
(IMC - Integrated Marketing Communications), nos princípios da década de 80.
À entrada do século XXI, as agências de publicidade continuavam formatadas
nos meios clássicos –Televisão, Rádio, Imprensa e Outdoor. Mas o mundo tinha
mudado e Portugal também. A globalização e a tecnologia lançavam novos meios.
A Internet surgia cada vez mais como o arauto de uma nova era, marcada pela me-
dia digital. Inevitavelmente,

“a comunicação das marcas evoluiu de um-para-muitos para um-a-um-


-para-muitos, tendo sido apelidada de ‘tripartida’, com os consumidores a ter
acesso e a partilhar informações sobre a marca, usando uma infinidade de pla-
taformas online para envolver as marcas e envolverem-se entre si em fóruns
comunitários.” (Welch, 2012, p.1)

Ao mesmo tempo, os consumidores tornaram-se mais informados, mais exigen-


tes e mais desconfiados em relação à Publicidade. Apropriaram-se de novas formas
de expressão e de relacionamento. Blogues, tweets, posts, redes sociais em geral
transformam-nos em ativistas e com voz no processo de consumo. As marcas, ha-
bituadas a uma certa hegemonia, tiveram que rever a sua relação e compreender
que o consumidor passou a ser o centro da equação.

O que de verdade importa na Publicidade

No século XXI, a Publicidade é, sobretudo, o discurso das marcas próximas e


humanizadas (Kolster, 2012). É também a Publicidade entretenimento, potenciada
pelo efeito viral, através de mail ou blogues (numa primeira fase) e, mais tarde, atra-
vés das redes sociais - Youtube, Facebook ou Instagram - que tornaram possível a
partilha de filmes publicitários em rede. Em certos casos, é o fascínio pela narrativa,
noutros, é o humor ou o efeito surpresa, no fundo, a meta publicidade a que se refere
Lipovetsky. O risco desta Publicidade espetáculo é tornar-se irrelevante ou superfi-
cial. Mesmo para as marcas que assinam estas campanhas virais, esta propagação
nem sempre significa aumento de notoriedade. Em muitos casos, as pessoas gos-
tam da história mas não se recordam da marca ou do produto.
Acima de tudo, importa pensar qual o papel que poderá estar reservado à publi-
cidade. Para Volli, a publicidade é

“o mais difundido e capilar dos canais de comunicação, aquele que


impõe ao mundo, pela força das ideias e, sobretudo, dos grandes números,
para além dos produtos e mercadorias, imagens, palavras, pensamentos e
gostos. A publicidade é, em suma, “um instrumento estético e ideológico de
massas, uma espécie de reservatório de onde extraímos a nossa forma de
olhar o mundo, de descobrir beleza, de nos divertirmos, de sonhar” (2003, p. 7).

Para que este reconhecimento seja possível, a primeira condição é compreender


que a publicidade, em si própria, está em processo de redefinição. Com a fragmen-

16 | MEDIA&JORNALISMO
tação mediática mas, sobretudo, com o progressivo controlo do consumidor no que
respeita à escolha dos media e dos programas (canais por cabo, por exemplo), face
à imprevisibilidade dos comportamentos e, por fim, com a maturação dos media di-
gitais, os media tradicionais foram perdendo a relevância de outrora. Tendencialmen-
te, a publicidade deverá cada vez mais participativa e partilhada via web, resultado
de um consumidor utilizador digital (Lendrevie et al, 2010).
O digital, o tecnológico e a interatividade, então, são condições chave que revo-
lucionam o modus operandi dos criativos publicitários. Mas não o essencial da pro-
fissão – o domínio da linguagem persuasiva e da criatividade.

A herdeira da retórica Aristotélica

Efetivamente, um dos traços distintivos da publicidade em relação às restantes


disciplinas da comunicação é o recurso à persuasão. “Vinte e cinco séculos passa-
dos sobre as suas origens, a retórica e a argumentação voltam a estar na ordem
do dia.” (Martins, 2004, p.94). Esta valorização da retórica está, para Mayo, ligada ao
discurso da publicidade: “a retórica, uma disciplina com mais de vinte e cinco sécu-
los de antiguidade, e a mensagem publicitária atual partilham do mesmo objetivo: a
persuasão de um público determinado” (2009, p.43).
Para este autor, a retórica é um magnífico recurso na conceção e produção das
mensagens publicitárias. Acredita que a retórica clássica era a ciência da eficácia
persuasiva e que os seus seguidores são, hoje, os peritos em publicidade. No mes-
mo sentido, Eire sublinha que o discurso retórico e a publicidade confluem porque
ambos têm como finalidade o objetivo pragmático da persuasão, adiantando que,
quando nos aproximamos da retórica contida no discurso publicitário, estamos sim-
plesmente perante a moderna conceção sócio-pragmática da retórica (2003, p. 17).
Kurt Spang (1991) chega a definir a publicidade como a última contribuição da
retórica para os géneros já existentes, baseando-se na evidência de que a persua-
são é o denominador comum, tanto da retórica publicitária como dos géneros in-
ventariados pela tradição retórica clássica. Na mesma linha, Moliné afirma: “o mais
inovador, eficaz e insólito dos anúncios que possamos fazer conforma-se com as
regras, simples, práticas e claras da retórica” (1998, p. 19, cit. por Mayo, 2009, p. 47).
Esta característica da publicidade é, muitas vezes, pejorativamente avaliada, en-
tendida como uma forma ardilosa de convencer, de levar a acreditar. Para Martins
“a retórica (…) vê-se ameaçada pela possibilidade de se esgotar na astúcia, de se es-
gotar em tornar forte o argumento mais fraco, através de uma sedução enganadora,
que desvie, e encante, e calcule.” (2004, p. 92). Martins sublinha a ideia da presunção
da verdade em Platão, a quem, segundo o investigador, muito se deve a má reputa-
ção da retórica, ainda hoje. Valoriza, porém o “formidável contributo que a sofística
forneceu à teoria argumentativa” (2004, p. 93).
Parece ser consensual que Aristóteles acrescentou dignidade à retórica (Volli,
1993; Martins, 2004). Propôs o silogismo entimemático1 como suporte das estra-

1
O "entimema" é um raciocínio de verdade provável e não provada, de verdade plausível e
não certa, de verdade verosímil e não evidente (Carrilho, 1990, p. 70, cit. por Martins, 2004, p. 93).

ARTIGOS | 17
tégias que organizam o discurso persuasivo, ou seja, o modo de argumentação.
A esta ideia, acrescentamos outra, ao nível da argumentação: os textos são sem-
pre baseados em conhecimentos prévios do leitor, isto é, são ricos em lacunas
que o leitor preencherá com a sua colaboração (Volli, 1993, p. 78). Esta cumpli-
cidade implícita, gerada pela partilha de códigos é condição – acreditamos - de
adesão ao sentido geral proposto. Ao convocar o destinatário para construir par-
te da mensagem, gera-se entendimento, logo, empatia. O que acontece nas boas
narrativas publicitárias.
Desviar do sentido do logro e associar a significados que não são nem falsos
nem verdadeiros, mas que se cumprem em si próprios – as self-fulfiling prophecies
(Merton, 1984, p. 193-210) – parece ser um traço dominante na publicidade comer-
cial. Já a publicidade de caráter social convoca outro tipo de argumentos para nos
conduzir a uma conclusão. Nesse sentido, não deixando de ser persuasiva, já não
parece recorrer a entimemas ou verdades plausíveis mas em factos retirados do real.
Nascida da retórica e da argumentação, a persuasão é, talvez, o traço mais for-
te da publicidade. Pelo menos parece ser aquele que a faz perdurar ao longo de dé-
cadas, resistindo aos críticos, às mutações nos media e à sofisticação tecnológica.
Como aponta Barthes,

a linguagem publicitária abre para uma representação falada do mun-


do que o mundo pratica desde tempos remotos e que é a “narrativa”: toda a
publicidade diz o produto (é a sua conotação) mas ela conta outra coisa (é a
sua denotação); por isso é que nada mais podemos fazer senão classificá-la
ao lado desses grandes alimentos de nutrição psíquica (segundo a expressão
de R. Ruyer) que são para nós a literatura, o espetáculo, o cinema, o desporto,
a Imprensa, a moda: ao apoderarem-se do produto pela linguagem publicitá-
ria, os homens emprestam-lhe sentido e transformam assim a sua simples
posse em experiência do espírito (1985, p. 169).

Para entender esta força, propomos olhar a publicidade como um discurso cujo
poder reside na sua capacidade de produzir e reproduzir o sentido de uma cultura,
de uma sociedade. “Todo o enunciado contém, de facto, uma conclusão, fundada na
invocação de um topos. E os topoi, sabemo-lo desde Aristóteles, são pontos de vis-
ta, lugares comuns, princípios, pressupostos, fundamentos, que consistem já numa
interpretação do mundo e têm uma força persuasiva.” (Martins, 2004, p. 96).
Em linha com este fio de pensamento, admitimos assim que “para obter os efei-
tos de persuasão a que se propõe, a publicidade se apoia em sistemas de sentidos
já existentes, afirma modelos sociais precisos, tem, numa palavra, um forte cunho
ideológico.” (Volli, 2003, p. 12).
Ao mesmo tempo, a publicidade anuncia as tensões latentes: “as grandes muta-
ções da vida social: fenómenos de enormes dimensões como a alteração da vida da
mulher na sociedade ou a transformação da condição juvenil ou as alterações labo-
rais obtêm-se analisando no tempo o fluxo dos textos publicitários, com uma exati-
dão que dificilmente se reconstitui de outra forma.” (Volli, 2003, p. 12). A este respeito,
veja-se a figura 1, que reproduz, de um modo persuasivo, o sentido de uma sociedade,
num síntese perfeita entre lugares comuns e interpretação das tensões na sociedade.

18 | MEDIA&JORNALISMO
Figura 1 - Never Ride Campaign (Ray Ban).
Fonte: https://www.adsoftheworld.com/media/print/rayban_lovers

Todo o discurso é um fragmento do grande discurso social de uma sociedade e,


por conseguinte, a publicidade inscreve-se como um elo na grande cadeia discursiva,
como aponta Arroyo Almaraz (2009) e como podemos observar na Figura 2. Neste
contexto, a persuasão terá que jogar com os valores sociais, isto é, com os valores
considerados numa determinada realidade e estimáveis. “Os valores têm polarida-
de, podendo ser positivos ou negativos, e hierarquia, podendo ser superiores ou in-
feriores. Esta aceitação de valores permitem-nos organizar o mundo para o tornar
habitável” (Almaraz, 2009, p. 14).

Figura 2 – Campanha Sumol “Mantém-se original”.


Fonte: http://advertisingstuffs.blogspot.com/2011/02/

ARTIGOS | 19
A cadeia de valores varia de sociedade para sociedade, de época para época mas
é sobre tais valores reconhecidos como dominantes, consensuais, que o discurso
publicitário se constrói (a noção de beleza por contraponto à fealdade; de bem em
relação ao mal; de justo em oposição ao injusto, entre outros).
Todavia, a publicidade também pode ser dissonante ou disruptiva em relação ao
instituído. Produz, não raras vezes, novos signos, como sublinham Mota-Ribeiro &
Pinto-Coelho (2009, p. 229). Ou como diz Alex Osborn: “quase todas as figuras retó-
ricas podem dar lugar a novas ideias.” (cit por Mayo, p. 47). Esta geração de ideias
pode ocorrer por via do pensamento associativo, como aponta Kahneman, especia-
lista em heurística2, quando se refere à “máquina associativa” ou processo de “ativa-
ção associativa” (2012, p. 71-72). Explica o autor que as ideias são evocadas a par-
tir de uma palavra concreta que faz disparar muitas outras ideias, numa crescente
cascata de atividade que é o cérebro.
A ideia do novo é algo muito próprio da publicidade. De facto, é quase um imperativo
para a reputação do criativo publicitário procurar um enunciado verdadeiramente
original para temas muitas vezes sem novidade intrínseca. Assim se avalia o seu pro-
fissionalismo e talento, testado em competições do setor da publicidade.
Por conseguinte, se a publicidade se apoia nos valores vigentes, também opera no
emergente na medida em que introduz novidade. Este virtuosismo é particularmente
recorrente nas campanhas de caráter social, como podemos ver nos anúncios pu-
blicados nos anos 90 sobre a SIDA (Figura 3) ou sobre racismo (Figura 4) ou, ainda,
sobre violência doméstica. Temas marginais num tempo passado, que se tornaram
hoje assimilados pela sociedade.

Figura 3 - Campanha da Benetton sobre SIDA. Fonte: https://www.publico.pt/2017/12/03/

2
Estratégia empírica, espécie de atalho mental, que permite a realização de julgamentos e
tomadas de decisão de forma rápida e eficiente mas com alguns riscos.

20 | MEDIA&JORNALISMO
Figura 4 – Campanha da Benetton sobre racismo.
Fonte: https://exame.abril.com.br/marketing/10

A verdade é que a publicidade só cumpre o seu papel se for persuasiva.


Durand (1970) identifica as mensagens publicitárias mais originais como uma
mera transposição das figuras verbais da retórica clássica, tais como a elipse, a
hipérbole, a metáfora ou a metonímia, para nomear algumas. Durand foi respon-
sável pelo primeiro inventário exaustivo do uso de figuras retóricas em publicida-
de (Mayo, 2009, p.46).

Quadro 1 - Operações fundamentais na aplicação das figuras da retórica


(adaptado de Durand, 1970)

ARTIGOS | 21
Quadro 2 - Figuras da retórica na publicidade (adaptado de Durand, 1970)

Para o autor, os tropos retóricos encontram-se nos bons anúncios. Usando mé-
todos persuasivos resgatados do estabelecido ou gerando novos sentidos, este pa-
rece ser, para o criativo publicitário, um processo inconsciente, levando mesmo Du-
rand a acreditar que, se os publicitários tivessem plena consciência do sistema que
utilizam intuitivamente, o processo criativo poderia ter-se facilitado e enriquecido.
Efetivamente, a prática dos publicitários mostra que as opções persuasivas são
inconscientes mas resultam de rotinas criativas: indução ao problema, pesquisa,
brainstorming, seleção e resolução.
Um criativo publicitário, consciente das opções ou não, quer descobrir “como dizer”.
Que técnicas estão na base deste processo? Para Volli “na publicidade, deparamo-nos
frequentemente, com raciocínios aproximativos (entimemas), lugares comuns (topoi),
figuras retóricas da expressão (aliterações, rimas, etc.) e do conteúdo (litotes, hipérbo-
les, metáforas, antonomásias)” (2003, p. 75). Uma dimensão retórica que o autor admite
encontrar-se noutro tipo de discursos, da literatura à política, passando pelo jornalismo.
Estudos académicos como o de Daiton & Zelley (2005) são um notável contributo
no sentido de consolidar e sistematizar modelos persuasivos aplicados à publicidade,
como sintetizado em seguida.
1. A teoria do julgamento social – focada nos processos cognitivos, sugere que
as pessoas fazem juízos de valor sobre o conteúdo das mensagens baseadas nas
suas referências ou nas suas posições sobre um determinado tópico das mensa-
gens (Daiton & Zelley, 2005, p. 105). Conhecer as atitudes das pessoas acerca des-
se tópico pode fornecer pistas sobre como abordar de forma persuasiva. Quanto às
atitudes individuais, estas poderão ser de três tipos:

- latitude de aceitação (ideias que considerem aceitáveis);


- latitude de rejeição (ideias classificadas de inaceitáveis);
- latitude de não compromisso (ideias para as quais não existe uma opinião formada).

De onde se depreende que a reação de uma pessoa a uma mensagem persuasi-


va depende da sua posição relativamente ao tópico comunicado e depende ainda do

22 | MEDIA&JORNALISMO
grau de envolvimento do ego (2005, p. 105). Quanto mais envolvida está uma pessoa,
ou o seu ego, maior é a latitude de rejeição e menor é a latitude de não compromisso.
Na verdade, a teoria do julgamento social reforça a necessidade de segmentar e
estudar o público-alvo de cada campanha, antes de dar início ao processo criativo,
onde se lançam as opções persuasivas. Ou, como referem Daiton & Zelley, devem
ser tidas em conta as atitudes pré-existentes da audiência, antes de se elaborar a
mensagem (2005, p. 108).
2. O modelo de probabilidade – esta segunda teoria, conhecida por ELM (Ela-
boration Likeihood Model) entende a persuasão como um acontecimento cognitivo,
considerando que os alvos recorrem a processos mentais de motivação e raciocínio
para aceitar ou rejeitar as mensagens persuasivas. Para tal, Petty & Cacioppo (1986,
in Daiton & Zelley, 2005) propõem duas vias de influência:

- as mensagens encaminhadas centralmente (compostas por informações consis-


tentes, argumentos racionais e evidências para apoiar uma conclusão parti-
cular) e que tendem a criar mudanças de longo prazo, desde que a audiência
esteja motivada e capacitada para compreender a mensagem;
- as mensagens encaminhadas perifericamente (segue a via do envolvimento
emocional e persuasão através de argumentos mais superficiais sendo des-
tinadas a pessoas que não estão interessadas ou capacitadas para com-
preender a informação). A este propósito, Cialdini (1993, 1994, in Daiton &
Zelley, 2005, p. 111) identifica 7 pistas comuns na construção das mensa-
gens periféricas: a autoridade, o compromisso, o contraste, a afinidade, a
reciprocidade, a escassez e a prova social. Estamos perante domínios do
foro emocional, por oposição às mensagens por via central. Tal como a
primeira teoria, supõe o conhecimento da audiência antes de criar a men-
sagem persuasiva.

3. A teoria da dissonância cognitiva – postula que a persuasão não é o resulta-


do da introdução de novas crenças. Em vez disso, prevê que a influência é frequen-
temente um processo interior, que ocorre quando a incongruência entre as nossas
atitudes e o comportamento gera uma tensão, que é resolvida alterando ou as nos-
sas crenças ou os nossos comportamentos, conduzindo a uma mudança (Festinger,
1957). É uma corrente muito relacionada com a introdução de novas ideias.
A dissonância é uma via eficaz em casos de campanhas de caráter social que vi-
sam promover mudanças comportamentais. A esse respeito, Daiton & Zelley focam
o caso das campanhas de saúde pública antitabágicas mais comuns, como cami-
nho a evitar (exemplo da Figura 5):

“frequentemente presumem que a melhor forma de levar um fumador


a deixar de fumar é massacrá-lo com informação sobre taxas de mortalida-
de, problemas de saúde e estigmas sociais associados ao tabaco para alte-
rar a sua atitude. (…) De acordo com a teoria da dissonância cognitiva, esta
linha de pensamento pode parecer lógica mas potencialmente incorreta, ex-
plicando por que é que tantos fumadores conhecem os riscos para a saúde
e ao nível social e, contudo, persistem nesse comportamento.” (2005, p. 114).

ARTIGOS | 23
Figura 5 - Exemplo de campanha antitabágica não dissonante. Fonte: https://ig-wp
colunistas.s3.amazonaws.com/cip/wp-content/uploads/2009/01/canstopgun-1.jpg

Figura 6 - Exemplo de campanha antitabágica com mensagem dissonante.


Fonte: https://www.boredpanda.com

A campanha em que se induz que os fumadores têm mais probabilidade de mor-


rer mais cedo do que os não fumadores remete para uma verdade provável, quase
evidente (Figura 5). Logo, não acrescenta novidade, é aceite. No caso da Figura 6, a
via escolhida – a alusão ao cancro como forma de curar o hábito de fumar – é dis-
sonante na medida em que, de forma irónica, gera uma contradição e cria tensão,
levando a questionar o comportamento em questão – o ato de fumar.
4. Paradigma da narrativa – a quarta teoria sublinha a eficácia da influência atra-
vés da narrativa – isto é, da persuasão através das histórias contadas, ou storyte-
lling. Apoiando-se em Fischer (1984, 1987, in Daiton & Zelley, 2005), as autoras apon-
tam esta via mais subjetiva como contraponto ao modelo de probabilidade (ELM). “A
mensagem mais persuasiva ou influente não é a que tem o facto racional mas uma
narrativa que nos convence das ‘boas razões’ para nos envolvermos numa determi-
nada ação ou crença” (2005, p. 120). Uma via muito utilizada nos filmes publicitários.

Dar razão à Emoção

Mas, como compreender verdadeiramente a capacidade que a publicidade tem


de persuadir? Não basta considerar a estratégia e a técnica mas também teremos

24 | MEDIA&JORNALISMO
que nos deter na natureza do ser humano. Neste aspeto, os publicitários atribuem
grande importância às emoções. Sinta-se a carga emocional contida num jingle pu-
blicitário ou de campanhas criadas em torno do romance ou da autoestima.
De acordo com Manuel Damásio, “as nossas estratégias de raciocínio são
defeituosas” (1994, p. 202), uma vez que “mesmo que as nossas estratégias de ra-
ciocínio estejam perfeitamente sintonizadas, parece que não se coadunariam muito
com a incerteza e a complexidade dos problemas pessoais e sociais. Os frágeis ins-
trumentos de racionalidade precisam realmente de cuidados especiais” (idem, p. 202).
Damásio defende que a ajuda que a razão precisa vem do sentimento ou emoção,
encontrando “algumas falhas de racionalidade que não se ficam a dever apenas a er-
ros elementares de cálculo mas também à influência de impulsos biológicos como a
obediência, a concordância, o desejo de preservar a autoestima, que frequentemente
se manifestam como emoções ou sentimentos” (1994, p. 203). Neste domínio, a lin-
guagem publicitária estará capacitada com recursos linguísticos que ativam emoções.
Refere May que a razão funciona melhor quando a emoção está presente: a pessoa
vê de forma mais nítida e brilhante quando as suas emoções estão envolvidas (1975,
p. 49). De certo modo, Rollo May introduz a questão da importância das emoções na
criatividade, uma linha reforçada por Pink (2005) quando aponta estarmos a entrar

Quadro 3 - Principais festivais internacionais de criatividade.

numa era em que a criatividade está a ganhar importância de forma crescente. Numa
era conceptual em que precisamos de alimentar e encorajar o lado direito do cére-
bro (da criatividade e da emoção) mais do que o lado esquerdo (do pensamento ló-
gico e analítico).

A criatividade como condição da Publicidade

Ao falarmos sobre alteração da perceção (resultante da persuasão exercida so-


bre a audiência), temos que convocar a criatividade.

ARTIGOS | 25
A criatividade é indissociável da atividade publicitária. Tão indissociável que, na
gíria da publicidade é comum chamar “criativos” aos profissionais que fazem parte
do departamento de criação das agências de publicidade.
Assumindo estatuto informal de profissão, com passagem de atributo a substanti-
vo, os criativos são considerados, entre os seus pares publicitários, como uma classe
profissional. Existem, inclusivamente, os clubes dos Criativos3 destinados a dinamizar
a área, promovendo a criatividade na comunicação, partilhando as tendências mais re-
centes, as campanhas mais inovadoras, os meios, os concursos de criatividade, enfim,
uma multiplicidade de informação. Para quem exerce uma atividade na área da publici-
dade, existe uma infinidade de empresas e eventos relacionados com criatividade a nível
global, desde festivais (sendo o Festival de Cannes o mais notório), a clubes de criativos
(Portugal, Bélgica, Reino Unido e São Paulo), agências criativas e até “criativos” bloggers4.
O que verdadeiramente compete aos criativos, onde se incluem os diretores cria-
tivos, os diretores de arte, os designers e os redatores? Têm como principal tarefa
conceber soluções para problemas apresentados pelos clientes. Ou, por outras pa-
lavras, têm que dar resposta a um briefing5. É-lhes implicitamente exigido criar uma
narrativa que seja diferenciadora em relação às demais, como questão sine qua non
para que o produto ou serviço se diferencie dos restantes no mercado.
É-lhes exigido criar algo original. Por conseguinte, para estes profissionais, a
criatividade, enquanto capacidade de gerar novas soluções, é condição inerente à
profissão. A inovação, a imaginação e a originalidade são preocupações constantes
de um bom profissional nesta área. Não é por acaso que David Droga6, um reco-
nhecido criativo desabafa: “eu não tenho medo da falha, tenho medo da repetição”7.

A Criatividade em contexto

Parece-nos útil compreender que a criatividade, tal como a conhecemos hoje, é


uma ideia relativamente recente, com pouco mais de um século. O significado atual-
mente atribuído à criatividade nada tem a ver o uso do termo nas civilizações ances-
trais. Na Antiga Grécia, qualquer forma de arte, expressa na pintura ou na poesia, por

3
“O Clube de Criativos de Portugal é uma associação sem fins lucrativos que reúne profis-
sionais criativos de Comunicação Comercial – Publicidade, Design, Marketing, Marketing Re-
lacional, Fotografia, Cinema Publicitário, Som e New Media”, in www.clubecriativos.com, ace-
dido a 24 de março de 2017.
4
www.thehiddenpersuader.blogspot.pt, contém uma listagem de bloggers da área. Acedi-
do a 24 de março de 2013.
5
Informação, oral ou escrita, transmitida pelo cliente e que resume o problema ou questão
à qual a agência de publicidade deverá dar resposta. Para além do problema exposto, o brie-
fing deve conter informações sobre a instituição, mercado em que se insere, mercados-alvo,
públicos –alvo, concorrência, descrição do produto, serviço ou ideia central da sua existência,
orçamento disponível para a comunicação, resultados esperados, prazo de implementação,
entre outros aspetos relevantes para o trabalho da agência de publicidade.
6
David Droga é um dos fundadores da agência de publicidade Droga5, criada em Manhat-
tan, Nova Iorque, em 2006, conhecida pelas campanhas para a UNICEF, para as Nações Unidas
e, ainda pela campanha de Obama, em 2008.
7
retirado de www.thehiddenpersuader.blogspot.pt, acedido a 24 de março de 2013.

26 | MEDIA&JORNALISMO
exemplo, não era criação mas sim descoberta. Não existia sequer a palavra “criar”
sendo o mais próximo o “fazer” (Tatarkiewicz, 1980; Albert & Runco, 1999).
Na cultura ocidental, a noção de criatividade surge com o cristianismo mas re-
lacionada com a divina inspiração e não como atributo do ser humano. A visão do-
minante era fornecida pela história bíblica da Criação dada pelo Genesis (Boorstin,
1993). Na cultura judaico-cristã, a criatividade era competência de Deus. Os seres
humanos não eram reconhecidos como providos de capacidade de criar algo novo,
exceto como expressão da obra de Deus (Niu & Sternberg, 2006, p. 18-38).
O indivíduo só foi reconhecido como capaz de criar no período da Renascença, po-
rém, tal era tido como capacidade apenas reservada a “grandes homens”, como susten-
tam Albert & Runco (1999). O conceito de criatividade desviou-se do caráter divino na
Renascença quando o ato criativo deixou de ser exclusivo de Deus. Mas terá sido um
processo gradual que só se tornou evidente com o Iluminismo, surgindo relacionado
com a imaginação ainda de acordo com os autores. Tornou-se objeto de estudo isola-
do apenas nos finais do século XIX, de acordo com Dacey (1999). A atenção dada des-
de então ao processo criativo (Helmholtz, 1896; Poincaré, 1908; Wallas,1926; Einstein,
1945)8 parece reforçar o conceito de criatividade, nas suas atuais múltiplas aplicações.
Wallas (1926) considerava a criatividade como o resultado do processo evolutivo,
que permitia aos humanos adaptarem-se rapidamente a alterações de ambientes,
uma perspetiva reforçada por Simonton, ao debruçar-se sobre a relação do darwi-
nismo com a criatividade (1999).
Hoje, o conceito de criatividade é multidimensional. Surge aplicado às artes e li-
teratura, às áreas científicas, aos meios de comunicação, ao mundo empresarial, às
indústrias e até aos governos. Não raras vezes está relacionado com a capacidade
de gerar respostas, sendo reconhecido como “... a produção de novas e apropriadas
ideias, em qualquer esfera da atividade humana, da ciência, às artes, à educação, aos
negócios ou na vida do dia a dia.” (Amabile, 1997, cit. in Report of Department of Trade
and Industry, 2005, p.4).
Para Richard Florida (2002), há que distinguir três tipos de criatividade: a criati-
vidade tecnológica (invenção), a criatividade económica (empreendedorismo) e a
criatividade cultural/ artística. Para o autor, estas dimensões estão interrelaciona-
das, partilhando um processo de raciocínio comum e reforçando-se mutuamente.
Já a economia criativa é o resultado das interações entre tecnologia, arte e negócios
(Hollanders & Cruysen, 2009, p. 4).
Mas, o que é, afinal, a criatividade na sociedade atual? Existe uma profusão de
definições, sendo extremamente penoso selecionar as que poderão mais relevantes.
De acordo com Swann & Birke (2005, p. 3), certos autores convergem na ideia de que
a criatividade ou a invenção “é ver o que todos viram e pensar o que ninguém pen-
sou”, como Einstein e Feynman (Figura 7) Perspetiva já anteriormente abordada por
May (1975) quando se referia à criatividade como o processo de trazer algo de novo,
que estaria escondido e que aponta para novas vias. Mas a constatação de David &
Morais, é clara quanto à tarefa hercúlea de procurar definir criatividade, sublinhan-
do “a orientação holística e multidisciplinar das perspetivas integradoras recentes,

8
Helmholtz, Pointcaré e Einstein são referenciados por Paty, (2001) A Criação Científica
Segundo Poincaré e Einstein.

ARTIGOS | 27
já que reforçam a impossibilidade redutora de definir ou explicar criatividade por di-
mensões singulares” (2012, p.1). Até porque a “criatividade é algo conceptualmente
complexo e de difícil definição, dependendo esta definição do contexto espacial, tem-
poral, social, económico e ideológico” (Runco, 2006, cit. por David & Morais, 2012).

Figura 7 – Célebre citação de Einstein. Fonte: https://www.redbubble.com

Interessa-nos olhar o conceito e, sobretudo, a sua operacionalidade na vertente


do ato de criação como condição do discurso persuasivo. Propomo-nos, por agora,
procurar compreender os mecanismos que permitem considerar a publicidade uma
área criativa. Passamos então a fixar o essencial do processo criativo.

O processo criativo

O conceito dos 4P’s da criatividade, proposto por Rhodes (1961) parece ser con-
sensual, apelando ao entendimento de criatividade tomando a Pessoa, o Processo, o
Produto e a Pressão do contexto social (Morais, 2012, p. 12). A pessoa corresponde
ao sujeito que cria; processo é o método9 utilizado para levar a pessoa até ao produ-
to; finalmente, o ambiente (contexto social) diz respeito às condições necessárias
para a criatividade (Kaufman & Sternberg, 2010).
Em 2009, Kaufman & Beghetto introduziram os 4C’s como modelo de criatividade
de forma a procurar organizar os tipos de criatividade possíveis (Figura 8).
Partem do pressuposto de que a maior parte dos autores aponta para duas dire-
ções: 1) a criatividade do dia-a-dia – o pequeno C – que pode ser desenvolvida por
qualquer pessoa; 2) a criatividade elevada – o grande C – que é reservada apenas
às mentes brilhantes. Este é ponto de partida para proporem o modelo dos 4 C’s
de criatividade. Assim, alargam a dicotomia, acrescentando o mini C (processo de
aprendizagem) e o pro C – a progressão com base no desenvolvimento e no esfor-
ço, que representa o nível profissional. Nesta dimensão incluem-se os profissionais
das áreas criativas (Kaufman & Beghetto, 2009, p. 1).

9
Um método clássico - as cinco etapas preconizadas por Wallas: preparação, incubação,
intimação, insight e verificação.

28 | MEDIA&JORNALISMO
Importa-nos este último tipo de criatividade: a produção de soluções profissio-
nais no que se refere à atividade publicitária, uma vez que é o processo criativo o que
dá forma ao processo argumentativo. Isto é, a criatividade é a capacidade de gerar
a solução (visual, gráfica, textual, multimédia) para uma metáfora, uma analogia, ou
outro recurso persuasivo. Mas não só. Poderemos falar de criatividade orientada,
com um propósito, aproximando-nos da dimensão do pro C referido anteriormente
seguindo a premissa de que “a criatividade acontece na duplicidade exigente da ori-
ginalidade com a eficácia (a lógica, a utilidade, o sentido que a ideia diferente pode
ter)” (Morais, 2011. P. 9).

Figura 8 - O modelo de criatividade dos 4C’s de Kaufman & Beghetto

Quase tão complexo como o conceito de criatividade são as várias formas apre-
sentadas por diversos autores sobre o processo criativo. Um dos modelos incon-
tornáveis foi apresentado por Wallas (1926) ao identificar 5 etapas no processo:
(1) preparação, (2) incubação, (3) intimação, (4) iluminação ou insight e, finalmen-
te, (5) verificação. Podemos ensaiar um paralelismo entre esta fórmula já clássica
e o que se passa na área de criação das agências: (1) a preparação será acesso
ao briefing / contacto com o problema nas suas múltiplas dimensões; (2) a incu-
bação corresponderá à fase de interiorização do problema e “tensão” criativa; (3)
a intimação corresponde à identificação de possíveis soluções; (4) a iluminação
significa a Ideia; finalmente, (5) a verificação, será a confirmação de que a solução
responde ao problema.
Neste processo, é comum recorrer ao brainstorming, uma técnica criativa exer-
cida em grupo, “na qual se produz um elevado número de soluções criativas através
da interação livre de ideias e da estimulação mútua de vários indivíduos.” (Morais,
2011, p. 4). Para um criativo de publicidade – o tal “pro C” – é muito comum recor-
rer a esta técnica. Contudo, por si só, não basta. É necessário reunir um conjun-
to de condições, identificadas por diversos autores e desenvolver competências,
sendo três as mais relevantes: (1) pensamento bissociativo; (2) autonomia e; (3)
incubação (Swann & Birke, 2005, p. 3). A criatividade envolve a bissociação: reu-
nir diferentes perspetivas - podendo ser incompatíveis - sobre a mesma questão
(veja-se a Figura 9). Mas, muitas vezes, a pessoa criativa, tem (ou deve ter) carac-
terísticas pessoais relacionadas com introversão - nomeadamente, autonomia,
no sentido de independência criativa. A criatividade requer ainda, de acordo com
os autores, um delicado equilíbrio entre a obediência e a desobediência. A pessoa
criativa deve questionar e desobedecer a normas que sufocam o seu pensamen-
to mas, ao mesmo tempo, quem desobedece enfrenta críticas e isolamento. Por
conseguinte, há “regras sobre como quebrar as regras” (Cropley, 1999, p. 518, cit.
por Sawnn & Birke, 2005).

ARTIGOS | 29
Figura 9 - Anúncio Aspirador Rowenta, um exemplo do pensamento bissociativo em Publicidade.
Fonte: https://creatividads.wordpress.com

Finalmente, a incubação. É a terceira condição da criatividade. Por oposição à


ideia de lâmpada luminosa, que surge repentinamente, para Sawnn & Birke, a criativi-
dade é o culminar de longos períodos de pensamento exaustivo e esforço. Não quer
dizer que o culminar não seja repentino mas sublinham que a descoberta se baseia
no processo intelectual que a antecede.
As agências de publicidade sentiram necessidade de desenvolver processos
criativos que, de forma sistematizada, conduzissem o problema do cliente a uma
resposta adequada: Copy Strategy10, Plano Criativo de Trabalho11, Star Strategy (da
RSC)12 são algumas das fórmulas criadas para sistematizar uma tarefa nem sempre
fácil de resolver. De uma forma ou de outra, espelham o que os autores citados sis-
tematizaram.

As forças da Publicidade

O presente artigo propõe uma perspetiva da Publicidade no sistema comunica-


cional que permita compreender como sobreviver, para além dos meios onde circula.

10
Plano de Trabalho Criativo ou PTC, utilizado na década de 80: consiste em definir quatro
pontos: 1) o facto principal; 2) o problema a resolver; 3) o objetivo da publicidade; a plataforma
criativa (alvo, promessa, apoios, tom, constrangimentos (Joannis, 1998: 18).
11
Estratégia criativa escrita após o briefing do cliente e destinada a definir os pontos cha-
ve que vão orientar o processo criativo: benefício para o consumidor, evidência que suporta o
benefício, tom e estilo, público-alvo, suportes e limitações.
12
Star Strategy: formulação própria da agência de publicidade RSC – Roux Seguela Caysac
(atualmente RSCG), baseada na definição das cinco “verdades” (do produto, do anunciante, do
consumidor, da agências, dos estudos de mercado). A Star System sintetiza o que deve ser mar-
ca neste contexto, dividindo-a em três níveis: o físico (o que faz a marca), o caráter (a natureza
profunda marca) e o estilo (o que afirma o caráter). O processo resultará na Star System, o pro-
duto transformado numa estrela (Joannis, 1998, p. 19).

30 | MEDIA&JORNALISMO
No fundo, trata-se de compreender o seu lugar. Sabemos que Publicidade não é anúncio
de Jornal nem de Facebook, não é outdoor nem é folheto, não é post nem evento –
estes são os meios onde se pode expressar. A Publicidade é uma narrativa cuja força
está ancorada nos princípios da persuasão e da criatividade. Pode ser aplicada em
qualquer um dos meios enunciados, entre muitos outros que estarão para vir.
Refletir sobre o conceito implica compreender que a Publicidade tem vivido numa
longa crise de identidade. Os publicitários não se adaptaram de imediato ao novo
ecosistema social, económico e tecnológico, embora, nos anos mais recentes se ve-
rifique um salto qualitativo com as agências de Publicidade a integrarem recursos e
competências digitais. Novos e antigos habitantes da galáxia da comunicação es-
tão agora mais próximos.
Por conseguinte, estaremos mais próximos de numa situação de reformulação
dos processos e de mentalidades, do que perante um caso de declínio. Estaremos
mais próximos de um processo de reformulação do que de destruição criativa, ex-
pressão cunhada por Schumpeter (1942).
Hoje, parece ser evidente que os meios online e digitais, interativos ou não - mas
hiper atraentes, ou “hipercool”, – precisam dos meios “velhinhos” para chegar às
pessoas. Sabemos que um site pode ser uma areia perdida num deserto sem a pré-
via construção de reputação de marca e sem a sua divulgação nos locais habituais
por onde as pessoas passam (via campanhas de publicidade ou ações de relações
públicas, por exemplo), antes de estarem à frente dos ecrãs, seja num smartphone
ou tablet. Pois, há vida para além do online.
Por outro lado, os meios tradicionais tiveram que se adaptar aos novos tempos.
Repensar a sua função, a sua relevância e aprender a conviver com o digital. A cha-
mada complementaridade offline online parece ser a via mais sensata nas estraté-
gias de comunicação. Por conseguinte, a destruição criativa nem sempre tem que
ser total, podendo ficar pela renovação criativa. Renovar, repensar, criar novas com-
binações, como condição de inovação.
Como aplicar esta noção de renovação também às funções da Publicidade? Para
além de pensar em renovação há que pensar em “expansão criativa” a partir do mo-
mento em que aceitemos que a Publicidade tem o poder de influenciar.
Deste modo, perspetivamos, com otimismo, o alargamento da esfera de atuação
da publicidade. A sua natureza persuasiva, herdada da retórica aristotélica, torna-a
apta a induzir valores e a catalisar condutas: educar, prevenir, disseminar, denunciar,
tornar-nos mais informados em relação a questões sociais e ambientais.
A Publicidade inscreve-se ainda como o discurso que aproxima os cidadãos da
ciência, do poder judicial, da saúde, da política ou de outros tantos temas complexos,
tornando acessível a complexidade própria destas áreas. Esta é numa versão, para
muitos, utópica: a publicidade comportamental, de sensibilização e de mobilização.
Porém, uma realidade confirmada pela evidência de estudos (Balonas, 2011, 2013)
que nos mostram a diversidade de organizações – do terceiro setor, instituições pú-
blicas e empresas – que, ciclicamente, a ela recorrem.
Como aponta David Droga, trata-se de usar a criatividade para o bem, para uma
causa. “Trata-se de transcender a natureza tradicional da publicidade dispensável e
provar que o tamanho da ideia é o que importa; agora não é o tamanho do orçamen-
to que está em jogo.” (cit. in Kolster, 2012, p. 136).

ARTIGOS | 31
Bibliografia

Albert, R. S. & Runco, M. A. (1999). A History of Research on Creativity. In Sternberg, R.J. (Ed.),
Handbook of Creativity. United Kingdom: Cambridge University Press.
Arroyo Almaraz, I. (Ed.) (2009). Publicidad Social. Revista de Comunicación Y Nuevas Tecno-
logias ICONO 14, 7(2).
Barthes, R. (1985). A Aventura Semiológica (Vol. 45). Lisboa: Edições 70.
Balonas, S. (2011). Publicidade sem Código de Barras – contributos para o conhecimento da
publicidade a favor de causas sociais em Portugal. Braga: Centro de Estudos Comunica-
ção e Sociedade CECS e Ed. Húmus.
Balonas, S. (2013). A publicidade a favor de causas sociais: caracterização do fenómeno em
Portugal, através da Televisão. Dissertação de Doutoramento. Universidade do Minho.
Boorstin, D. J. (1993). Os Criadores. Uma História dos Heróis da Imaginação. Lisboa: Gradiva
Publicações.
Dacey, J. (1999). Concepts of Creativity: A history. In Encyclopedia of Creativity, eds. Runco,
M.A. & Pritzer, S.R.: Elsevier.
Daiton, M. & Zelley, E. (2005). Applying Communication Theory for Professional Life. California,
USA: Sage Publications.
Damásio, A. (1994). O Erro de Descartes. Emoção, Razão e Cérebro Humano. Mem-Martins:
Publicações Europa-América.
David, A. P. & Morais, M. d. F. (2012). Pensando a Criatividade: apontamentos sobre o percurso
explicativo do conceito. Revista Recrearte: p. 16. Disponível em https://repositorium.sdum.
uminho.pt/bitstream/1822/20475/1/revista%20Recrearte%20.pdf
Department of Trade and Industry, (2005). Creativity, Design and Business Performance, United
Kingdom, [http://www.dti.gov.uk]
Durand, J. (1970). Rhétorique et image publicitaire. Revue Communications, 15, 70-95.  Retrieved
from http://jacques.durand.pagesperso-orange.fr/Site/Textes/t9.htm
Eire, A. L. (2003). La retórica de la publicidad (2ª ed., Vol. 50). Madrid: Arco Libros.
Festinger, L. (1957). A theory of cognitive dissonance. Evanston: Row, Peterson & CO.
Florida, R. (2002). The Rise of the Creative Class. New York: Basic Books.
Hollanders, H. & Cruysen, A. v. (2009). Design, Creativity and Innovation: a Scoreboard Approach.
UNU- MERIT, Maastrich University, Maastrich, the Netherlands.
Joannis, H. (1998). O Processo de Criação Publicitária. Mem Martins: Edições CETOP.
Kahneman, D. (2012). Pensar, Depressa e Devagar. Maia: Círculo de Leitores.
Kaufman, J. C. & Beghetto, R. A. (2009). Beyond Big and Little: The Four C Model of Creativity.
Review of General Psychology, 13(1), 1-12. http://dx.doi.org/10.1037/a0013688.
Kaufman, J. C. & Sternberg, R. J. (Eds.) (2010). The Cambrige Handbook of Creativity. New York:
Cambridge University Press.
Kolster, T. (2012). Goodvertising - Creative advertising that cares. London: Thames &
Hudson.
Lendrevie, J. et al. (2010). Publicitor: comunicação 360º online offline. Lisboa: Dom
Quixote.
Lipovetsky, G. (2000). Sedução, publicidade e pós-modernidade. Revista Famecos.
Martins, M. d. L. (2004). Semiótica. CECS - Publicações Pedagógicas, Repositorium Universida-
de do Minho. Disponível em http://hdl.handle.net/1822/996
May, R. (1975). The Courage to Create. New York: W.W. Norton & Co.

32 | MEDIA&JORNALISMO
Mayo, E. C. (2009). O vasto e tenaz império da retórica na idealização, materialização e análise
das mensagens publicitárias. Revista Comunicação e Sociedade, 16, 43-50. http://dx.doi.
org/10.17231/comsoc.16(2009).1029
Merton, R. (1984). The self-fulfilling prophecy. The Antioch Review, 8, 193-210. http://dx.doi.
org/10.2307/4609267
Morais, M. d. F. (2011). Criatividade: desafios ao conceito. In Congresso Inovação 2011:21.
Mota-Ribeiro, S. & Pinto-Coelho, Z. (2011). Para além da superfície visual: os anúncios
publicitários vistos à luz da semiótica social. Representações e discursos da he-
terogeneidade e de género.. In Pires, H. (Ed.), Publicidade - Discursos e Práticas,
(Vol. 19, pp. 227-246). Braga: Centro de Estudos Comunicação e Sociedade CECS
e Ed. Húmus.
Niu, W. & Sternberg, R. J. (2006). The Philosophical Roots of Western and Eastern Conceptions
of Creativity. Journal of Theoretical and Philosophical Psychology, Nº. 26, 18-38. http://
dx.doi.org/10.1037/h0091265.
Paty, M. (2001). A criação científica segundo Poincaré e Einstein. Estudos Avançados, 15(41),
157-192. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142001000100013.
Petrova, P. K. & B.Cialdini, R. (2011). New Approaches Toward Resistance to Persuasion. In Hast-
ings, G., Angus, K. & Bryant, C. (Eds.), The Sage Handbook of Social Marketing (Vol., Cap.
7). London: Sage Publications Ltd.
Pink, D. (2005). A Whole New Mind. Australia: Allen&Unwin, 1.
Rhodes, M. (1961). An analysis of creativity. Phi Delta Kappan, 42(7) 305-310.
Rust, R. & Oliver, R. (1994). The Death of Advertising. Journal of Advertising, 23(4), 71-77.
Schumpeter, J. (1994 (1942)). Capitalism, Socialism and Democracy. London: Routledge.
Simonton, D. K. (1999). Origins of Genius: Darwinian perspectives on creativity. United States:
Oxford University Press.
Spang, K. (1991). Fundamentos de Retórica Literaria y Publicitaria. Pamplona: EUNSA.
Swann, P. & Birke, D. (2005). How do Creativity and Design Enhance Business Performance? A
Framework for Interpreting the Evidence. Nottingham University Business School.  Retrieved
from http://www.daniel-birke.com/research/research.htm
Tatarkiewicz, W. (1980). A history of six ideas: an essay in aesthetics. Warszawa: Polish Scien-
tific Publishers.
Volli, U. (2003). Semiótica da Publicidade - A Criação do Texto Publicitário. Lisboa: Edições 70.
Wallas, G. (1926). The Art of Thought. New York: Harcourt Brace.
Welch, A. (2012). Collaboration and Co-Creation For Brand Innovation. In Y&R Thought Lea-
dership. Ed. Y&R:2.

Nota biográfica

Sara Balonas é professora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do


Minho e investigadora no CECS - Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Doutorou-
-se em Ciências da Comunicação em 2013. Ensina nas áreas da Comunicação Estratégica
e da Publicidade. O seu trabalho de investigação foca-se na reconfiguração da publicidade,
compreendendo a sua função na sociedade para além do consumo e enquanto contributo
para um melhor exercício de cidadania. As áreas de estudo incluem: comunicação estratégi-
ca, publicidade na esfera social, publicidade comportamental, comunicação do terceiro se-

ARTIGOS | 33
tor, estratégias de responsabilidade social empresarial. Interessa-se ainda por: comunicação
para a saúde, comunicação territorial, comunicação política e relação da comunicação com a
religião. Sara Balonas é, ainda, fundadora da empresa Bmais Comunicação (2002) e do pro-
grama Be True (2010) – programa de atuação em responsabilidade social e sustentabilidade.
Trabalha em publicidade desde 1989, tendo sido copywriter e diretora criativa. Presentemen-
te, dedica-se a estratégias de comunicação e estratégias criativas na empresa. É membro da
direção da Associação Bagos d’Ouro, IPSS dedicada à promoção da educação das crianças
como fator de inclusão. Foi membro da direção da ADDICT, agência para as Indústrias Cria-
tivas (2015- 2017). Foi cronista no jornal Público online. Foi embaixadora de empreendedo-
rismo nomeada pela Comissão Europeia (2010-2013).

ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-0885-1718


Email: [email protected]
Morada: Universidade do Minho, Campus de Gualtar 4710-057 Braga, Portugal

* Submetido: 2018.08.15
* Aceite: 2018.11.06

34 | MEDIA&JORNALISMO
A Publicidade face aos novos contextos da era Digital:
privacidade, transparência e disrupção
Advertising versus the new contexts of the Digital era:
privacy, transparency and disruption
La Publicidad frente a los nuevos contextos de la era
Digital: privacidad, transparencia y disrupción

Francisco Rui Cádima


Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Instituto de Comunicação da NOVA FCSH
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_3

Resumo
O tempo que corre está a complexificar-se extraordinariamente onde justamen-
te julgávamos que se iria tornar mais transparente. A Internet e a economia digital
estão a tornar-se cada vez mais um verdadeiro “data industrial complex”, uma caixa
de Pandora de consequências insondáveis. O que se passa com a publicidade digi-
tal é apenas um esboço do problema, sendo certo que as primeiras consequências
estão aí à vista no sistema de media, que continua a sufocar por falta de receita e de
tráfego na web. Este texto é um contributo para aprofundar esta reflexão.

Palavras-chave
Blockchain; publicidade digital; internet; privacidade; segurança

Abstract
Current times are becoming extraordinarily complex where we just thought it
would become more transparent. The Internet and the digital economy are increas-
ingly becoming a true “data industrial complex,” a Pandora’s box of unsearchable
consequences. What is happening with digital advertising is just an outline of the
problem, and the first consequences are certainly there in the media sector, which
continues to suffocate due to lack of revenue and web traffic. This paper is a contri-
bution to deepen this reflection.

Keywords
Blockchain; digital advertising; internet; privacy; security

Resumen
Los tiempos actuales se están volviendo extraordinariamente complejos donde
justamente nosotros pensábamos que serían más transparentes. Internet y la eco-
nomía digital se están convirtiendo cada vez más en un verdadero “complejo indus-

ARTIGOS | 35
trial de datos”, una caja de Pandora de consecuencias inescrutables. Lo que está
sucediendo con la publicidad digital es solo un resumen del problema, y las prime-
ras consecuencias están ciertamente en el sector de los medios, que continúa asfi-
xiando debido a la falta de ingresos y de tráfico web. Este artículo es un aporte para
profundizar esta reflexión.

Palabras clave
Blockchain; publicidad digital; internet; privacidad; seguridad

A Publicidade face aos novos contextos da era Digital:


privacidade, transparência e disrupção

“A new architecture is arising. And this new architecture solves the


Internet’s increasing concentration problem, as well as remedies the secu-
rity vulnerability that comes from that concentration problem.” George Gilder

“Blockchain technology is bringing us the Internet of value: a new plat-


form to reshape the world of business and transform the old order of human
affairs for the better.” Dan Tapscott

No livro A Força do Hábito, Charles Duhigg (2013) conta a história de Andrew Pole,
com formação em estatística e economia, que entra a certo momento para a Target,
grande empresa norte-americana do sector da distribuição, com o objetivo de desen-
volver estudos de mercado enquanto especialista de dados. A sua obsessão com o
estudo do comportamento humano no contexto do consumo rapidamente o leva a
criar aquilo a que chamou uma “pregnancy-prediction machine”, no intuito de conhe-
cer a fundo as potenciais clientes da empresa suscetíveis de consumir toda a plêia-
de de artigos associados à gravidez e ao nascimento do bebé. O objetivo era iniciar
o marketing dirigido os pais antes que o bebé nascesse, ou, melhor ainda, construir
um algoritmo de previsão de gravidez com uma lógica de microtargeting de forma
a “capturar” as clientes muito antes da concorrência.
Com base no rasto de dados que as clientes iam deixando, através do código de
identificação e do cartão-cliente, do cartão de crédito e de outros dados adquiridos
no mercado pela Target, incluindo navegação online, a empresa rapidamente identifi-
cou milhares de futuras mães. E passou a enviar publicidade e coupons de descontos
para compras específicas nessa área a essas mulheres. E foi assim que um belo dia
um pai, ao ir buscar o correio e receber coupons de desconto que eram destinados
à filha, percebeu que a sua filha adolescente estaria grávida antes mesmo de ela ter
tido oportunidade de lho dizer. Não completamente satisfeito com este feito, Pole
acrescentaria a Duhigg que a próxima etapa seria enviar aos clientes coupons de
produtos que o cliente desejaria mesmo antes de saber que o viria a desejar… Veja-se
um pouco mais em pormenor o tipo de dados que são do conhecimento da Target:

“A Target relacionava também com o código de identificação a infor-


mação demográfica sobre o cliente, que recolhera ou comprara a outras em-

36 | MEDIA&JORNALISMO
presas, incluindo a idade do cliente, se era casado e tinha filhos, em que par-
te da cidade morava, quantos quilómetros fazia até à loja, uma estimativa de
quanto ganhava, se acaso se tinha mudado recentemente, quais os sites da
Internet que visitava, que cartões de crédito tinha na carteira, e os números de
telemóvel e de telefone fixo. A Target consegue comprar dados que indicam
a etnia do cliente, o seu historial de empregos, as revistas que lê, se alguma
vez declarou insolvência, o ano em que comprou (ou perdeu) a sua casa, que
liceu ou universidade frequentou, e se tem preferência por determinada mar-
ca de café, papel higiénico, cereais ou molhos”. (Duhigg, 2013: 240)

Ora, este modelo de “tracking” do consumidor através do rastreio e conhecimento


dos seus dados pessoais está hoje em forte colisão com alguns quadros jurídicos de
proteção de dados do cidadão, nomeadamente o europeu. Transformar o cidadão em
sujeito/target estatístico, deixá-lo à mercê de um qualquer algoritmo cujos fins são,
em regra, insondáveis, para além de estarem fora de qualquer controlo jurídico, anula
a prerrogativa de proteção de dados pessoais, desde logo num contexto de mercado e
consumo, mas depois também num contexto cívico e, naturalmente, político (Cádima,
2015). Daí a aprovação recente na Europa do Regulamento Geral de Proteção de Dados
(RGPD), que vem reforçar claramente os direitos de privacidade do consumidor e/ou
do utilizador. O direito à privacidade por parte do cidadão é assim um fator inexpugná-
vel no contexto das liberdades cívicas, pelo que se a web, o marketing e a publicidade
estão a evoluir para modelos invasivos e de tracking sofisticado pondo em causa as
liberdades, isso significará que pelo menos algumas instituições também virão em de-
fesa da privacidade e da transparência, tal como sucede já na União Europeia com o
RGPD. Do mesmo modo, a tecnologia tem vindo a responder a este modelo crítico com
a associação do modelo Blockchain no sentido de se procurar restaurar os direitos do
indivíduo que têm sido capturados por grandes distribuidores, empresas de dados, de
estudos de mercado, ou mesmo autoridades centrais e de segurança, como foi públi-
co e notório com o exemplo dramático dado no contexto das eleições americanas e
inglesas pela Cambridge Analytica, ou com o caso NSA/Snowden nos Estados Unidos.

O mercado da publicidade global

Comecemos esta análise por uma radiografia do sector global na atualidade. O


mercado da publicidade e a relação entre o anúncio do produto e o efeito de consu-
mo desse mesmo anúncio foram, desde sempre, uma área de grande complexidade
e de uma não menor opacidade. A mera contabilidade dos investimentos publicitários
nos diferentes suportes de media é, só em si mesma, uma aventura que necessita
passar por várias barreiras, todas elas com os seus problemas de transparência e
de alguma conflitualidade entre si: preços de tabela, dumping, investimento líquido
e quotas de mercado de media, GRPs, retorno sobre o investimento, etc. Mesmo a
publicidade digital, por exemplo no Facebook, não escapa à necessidade de clarifi-
cação de métricas “voláteis” e de fiabilidade de dados, chegando inclusivamente a
APAN – Associação Portuguesa de Anunciantes, a pedir uma “avaliação independen-
te” para os dados do Facebook (Nunes, 2018a).

ARTIGOS | 37
Com o recente aparecimento das novas tecnologias e plataformas blockchain
algo pode estar, definitivamente, a mudar. Este nosso artigo procurará equacionar
um conjunto de questões que se prendem com a genealogia desse processo “publi-
citário” de reduzida transparência associado também aos contextos dos respetivos
mercados, para depois aprofundar o tópico sobre o qual começa agora a haver um
debate um pouco mais substantivo, e que tem a ver com o reequacionar das práticas
da publicidade à luz de tecnologias e “machine learning” em boa parte congregadas
no termo e nos previsíveis impactos do modelo blockchain, aplicado, mais em par-
ticular, nesta análise concreta, ao mercado da publicidade.
Importa então fazer um rápido esboço do que significa, no final de 2018, o merca-
do mundial de publicidade, procurando comparar o digital e a contínua pressão que
este vem estabelecendo sobre o mercado de media tradicional, com os valores que,
nomeadamente imprensa e televisão, no seu contexto analógico, vão apresentando
no mesmo período. Assim, o dado mais relevante conhecido ao longo de 2018 é jus-
tamente o facto de a publicidade digital atingir exatamente neste ano o seu ponto de
inflexão, deixando definitivamente para trás os media tradicionais. De acordo com os
dados da Dentsu (2018), o investimento publicitário em digital media terá um cres-
cimento de 12,6% em 2018, o que significa um crescimento de cerca de três vezes a
taxa de todos os meios de comunicação (3,9%), com destaque para o vídeo on-line
(+ 24,6%) e social media (+ 21,6%), sendo que o dado mais marcante é justamente
o facto de o digital ultrapassar a TV a nível global, em investimento em publicidade,
pela primeira vez, exatamente em 2018. Algo que aliás já era conhecido no contex-
to europeu, desde 2015, ano em que a publicidade online já tinha ultrapassado a da
televisão, segundo dados do IAB Europa. Mas a grande quebra de investimento em
2018 verifica-se, no entanto, na imprensa (-7,0%), sendo que a televisão se manterá
estável, ou mesmo com um ligeiro crescimento.
No contexto apenas do mercado europeu convém relevar o facto de a publicida-
de digital ter duplicado o seu nível de investimento em apenas cinco anos. De 2012
a 2017 a publicidade digital na Europa passou de 24,8 para 48 mil milhões de euros,
sendo as áreas mais fortes as que integram as redes sociais, o mobile, o vídeo e os
motores de busca (Figura 1). A publicidade “display” em sites, apps, ou media social,
por meio de banners ou outros formatos com imagem, vídeo ou áudio teve um forte
crescimento em 2017, mas é ainda a publicidade direcionada para a busca e o contexto
que gera mais investimento, mais ainda do que aquela direcionada para classificados.
No caso português, segundo Durães (2017), que analisava os dados da Media
Monitor, pela primeira vez no mercado nacional, em 2016, e a preços de tabela, a
imprensa teria perdido para o digital o título de segundo meio em termos de inves-
timento publicitário. Ainda muito longe, no entanto, dos valores, também a preço de
tabela, indicados para a televisão, em 2016: 6,1 mil milhões de euros. Os valores da
Media Monitor indicavam também um crescimento muito significativo do sector –
15,8%, de 2015 para 2016. No conjunto, o investimento publicitário em Portugal ter-
-se-ia situado, a preço de tabela (excluindo campanhas, descontos e dumping, por
exemplo), nos cerca de 8 mil milhões de euros. Por aqui se vê, aliás, alguma da es-
pecificidade do mercado português, que continua claramente com valores muito
“analógicos” face ao que já se passa no mercado global, como referido acima. Da-
dos disponibilizados no início de 2018 apontavam para valores, em 2017, na ordem

38 | MEDIA&JORNALISMO
dos 20,4% de quota de mercado em Portugal para a publicidade digital, sendo que as
previsões para 2020 são de crescimento relativamente conservador, até aos 27,4%.
Ora, o global do investimento em publicidade digital em Portugal em 2017, calcu-
lado a preço de tabela em 570 milhões de euros, não tem estranhamente qualquer
representação no AdEx Benchmark Study 2017, onde nos 25 principais mercados
europeus não aparece Portugal (Figura 2). No gráfico, o último país referenciado é
a Bielorrússia, que teve um investimento em 2017 de cerca de 39 milhões de euros,
mas que curiosamente é o país da Europa que mais cresceu em investimento, 33,9%
(Figura 3). Veja-se também que só o Reino Unido apresenta valores praticamente
idênticos aos três outros principais mercados europeus – Alemanha, França e Rús-
sia, o que sugere de facto um mercado bastante mais forte do que o que se passa
na restante Europa. Mas retomando o valor de mercado da publicidade digital em
Portugal, se em 2017 valia 570 milhões de euros, e se o dumping no mercado na-
cional tem sido calculado na casa dos 70%, e se sobre este valor cerca de 70% do
mercado é da Google e do Facebook, restam apenas cerca de 50 milhões de euros
para as empresas portuguesas de publicidade digital.

Figura 1. Fonte: AdEx

Figura 2. Fonte: AdEx

ARTIGOS | 39
Figura 3. Fonte: AdEx

Se em Portugal, como referimos, a imprensa perdia, em valores absolutos, para a


publicidade digital em 2016, o facto é que, segundo os grupos de media portugueses,
o grande bolo da publicidade online ia diretamente para as duas grandes plataformas
digitais – Google e Facebook, numa ordem de valores não totalmente conhecida, mas
certamente entre os 60% e os 75% (Ribeiro, 2017), o que naturalmente criava desequi-
líbrios no sistema de media, para além das “naturais” isenções fiscais dado que estas
plataformas não têm residência fiscal em Portugal, e para além ainda de ambas as
plataformas estarem continuamente a aumentar a sua quota de mercado e de terem
um potencial de crescimento futuro muito acima do crescimento dos media nacionais.

Native ads

No contexto mais global, uma das áreas em que se estão a desenvolver, nestes
últimos anos, estratégias de publicidade claramente diferenciadas dos modelos tra-
dicionais e das métricas voláteis do sistema é na “native advertising” ou “native ads”,
que podemos traduzir por “publicidade nativa”, e que tem um potencial muito gran-
de se pensarmos justamente nas possibilidades de convergência com as tecnolo-
gias blockchain. A publicidade nativa é uma forma de comunicação estruturada de
modo a que a especificidade do anúncio siga de muito perto a forma, a função e os
objetivos da experiência do utilizador e o ambiente web em que navega. Estas nati-
ve ads devem procurar corresponder ao design visual de um determinado website,
comportar-se de maneira consistente e próxima da experiência do utilizador e ter a
aparência e funcionar como um conteúdo nativo, natural, com o mesmo lettering, as
mesmas caixas de texto, etc., dessa página web específica.
Ora, é um facto que hoje as principais plataformas digitais como o Facebook, o
Twitter, o Instagram, etc., e também muitas empresas de media, como o Wall Street
Journal, o New York Times ou a Forbes, monetizam os seus feeds de conteúdo com
anúncios nativos, introduzindo novas soluções de publicidade nos dispositivos mó-
veis procurando criar esse “conteúdo natural” para o utilizador.
A questão é que este tipo de publicidade surge nos écrans como se fosse justa-
mente conteúdo “nativo”, perfeitamente integrado no desenho da página na qual o

40 | MEDIA&JORNALISMO
utilizador navega num determinado momento e também completamente adequado
ao contexto da experiência de conteúdo do utilizador nesse mesmo momento. Trata-
-se de algo muito diferente de um banner, por exemplo, que pode não corresponder à
temática específica da experiência do utilizador. Mas também diferente do marketing
de conteúdo, uma vez que este aponta para resultados a prazo, rankings de buscas,
etc., enquanto a publicidade nativa faz sentido no seu local próprio, está focada em
respostas mais imediatas e também se está perante algo que funciona como que
de modo “responsivo” em termos de conteúdos propriamente ditos.
De referir ainda que, numa perspetiva de análise de tecnologias de neurociência e
eye-tracking, tanto a Sharethrough como a Nielsen, a partir de estudos sobre a forma
como os consumidores processam visualmente os anúncios para móvel, obtiveram
novos dados sobre a atenção visual em feeds para dispositivos móveis e sobre como
maximizar o valor da impressão dos anúncios nativos. Porquê então optar por nati-
ve ads? Segundo dados da Sharethrough, à partida, 25% dos consumidores visuali-
zam mais feeds de anúncios nativos do que banners padrão, sendo que a frequência
também é muito superior entre uns e outros, ou seja, o utilizador olha para a publi-
cidade nativa 53% mais vezes do que para banners ads. A Sharthrough / IPG Media
usou tecnologia de rastreamento ocular para avaliar a atenção dos consumidores e
para melhor entender a atenção visual e as atitudes dos utilizadores entre anúncios
nativos e banners padrão. Segundo estes estudos podemos concluir que os anún-
cios nativos têm uma melhor aproximação aos conteúdos editoriais da experiência
do utilizador e, por outro lado, registam aumentos da ordem dos 18% na intenção de
compra em relação aos anúncios com banners. Há ainda uma maior eficácia dos
anúncios nativos, estes geram mais atenção e potenciam o valor da marca em rela-
ção ao modelo tradicional, sendo certo que os anúncios nativos são consumidos da
mesma maneira que as pessoas visualizam o conteúdo editorial. Os mesmos estu-
dos mostram que a atenção visual dos utilizadores para anúncios nativos era quase
equivalente ao engajamento visual do conteúdo editorial original.
Vejamos, por fim, algumas das diferentes modalidades de publicidade nativa, sen-
do que, de um modo geral, podemos identificar entre os principais formatos de anún-
cios nativos os seguintes: In-Feed Native Ads, com grande variação de possibilida-
des; Search and Promoted Listings, que apresentam conteúdo num formato e layout
prontamente disponível para resultados de pesquisa, parecem idênticas aos produ-
tos ou serviços oferecidos num determinado website e são medidas em métricas de
resposta direta; Content Recommendation Widgets, que é uma forma de publicida-
de nativa em que um anúncio ou link de conteúdo pago é entregue por meio de um
“widget”; Custom Content Units, que inclui exemplos que não se encaixam em nenhu-
ma das situações anteriores, como é o caso de listas de reprodução personalizadas.

Publicidade e blockchain

É consensual que o contexto da publicidade necessita, em primeiro lugar, de fiabili-


dade e de transparência, mas também de privacidade e de proteção de dados. Ora, as
aplicações blockchain têm vindo a configurar-se, de forma bastante significativa, como
uma solução inovadora, extremamente segura e precisa neste domínio, permitindo criar

ARTIGOS | 41
sistemas descentralizados e protocolos encriptados e encadeados de tal forma que não
é possível a qualquer entidade exterior alterar conteúdo ou corromper a plataforma de
blocos de informação e de dados. Efetivamente, a robustez destas plataformas está
na sua lógica estrutural interna e nas ligações partilhadas que estabelece. Dado que a
arquitetura do modelo assenta num sistema descentralizado, peer-to-peer, de registo e
armazenamento da informação, isso garante desde logo a segurança desses mesmos
registos através das múltiplas cópias criadas pelo sistema. Para além do mais pode
aumentar a eficiência, reduzir custos e eliminar fraudes.
Estes registos digitais são encriptados com informação diversa sobre a sua en-
trada e origem e ficam depois armazenados em blocos que estão interligados em
cadeia, sendo que para aceder a um qualquer bloco o utilizador necessita introduzir
a sua chave privada, assinatura digital e/ou endereço de carteira. Estes ledgers das
tecnologias blockchain são extremamente importantes porque garantem uma forma
totalmente segura de fazer e registar transações, acordos e contratos. Nestes siste-
mas, todos podem visualizar as transações, sendo que os utilizadores não são iden-
tificados. Qualquer tentativa de viciar o sistema falha à partida dado que os regis-
tos não podem ser adulterados de forma alguma, a informação em ledger pode ser
verificada e está visível em qualquer ponto da rede, e daí a segurança deste modelo
dado que os aplicativos que correm em cima da tecnologia blockchain o que fazem,
na prática, é realizar transações descentralizadas que são, portanto, registadas nos
ledgers digitais partilhados.
É um facto que a publicidade, e muito em particular o potencial da publicidade
nativa, tanto na indústria de media como noutras plataformas digitais, surge com
uma excecional capacidade de adaptação face à nova tecnologia emergente e aos
seus mecanismos de registo e de rede através dos “digital ledgers”. Desde logo, estas
plataformas digitais são suscetíveis de gerir de modo muito preciso a eficiência de
uma estratégia, ou comparar a eficiência de vários investimentos dando dados mui-
to objetivos sobre a cronologia do retorno do investimento (ROI). Uma das grandes
vantagens desta tecnologia é que ao descentralizar todo o processo contratual entre
anunciante e editores, permite uma economia de custos no plano da intermediação
do negócio, sendo que esta passa a ser reduzida praticamente a zero, aumentando
o retorno de investimento do anunciante.
Vejamos alguns exemplos relativos a plataformas emergentes nesta nova indús-
tria: i) Qchain: trata-se de uma aplicação que aposta numa estratégia “smooth” para
media digitais e direcionada para pequenos anunciantes interessados em transa-
ções diretas sobretudo nas áreas do marketing de influenciadores e da publicidade
nativa; ii) a AdHive é uma plataforma um pouco mais ambiciosa, tendo desenvolvido
competências avançadas, com maior eficiência e economia de tempo, no domínio da
automatização da colocação de publicidade nativa com influenciadores; iii) a NYIAX,
desenvolvida através de uma parceria com a Nasdaq, permite que anunciantes e edi-
tores realizem contratos de publicidade numa base de confiança e a transparência;
iv) a AdEx, assente no sistema operativo da Ethereum, tem como prioridade eliminar
a fraude na publicidade ao garantir não só um retorno mais fiável mas também que
os anunciantes pagam apenas por cliques válidos, isto porque se apresenta como
uma plataforma transparente, ou seja, o anunciante com a AdEx tem a possibilida-
de de acompanhar e verificar a eficácia do seu investimento em publicidade de um

42 | MEDIA&JORNALISMO
modo que não seria possível sem este aplicativo blockchain; v) o BAT - Basic Attention
Token, também a correr em Ethereum, propõe-se melhorar radicalmente a eficiência
de uma variedade de serviços de publicidade digital ao criar um novo token que pode
ser partilhado entre editores, anunciantes e utilizadores. No seu website descreve-se
desta forma: BAT “é o novo token para o setor de publicidade digital. Paga aos editores
pelo seu conteúdo e aos utilizadores pela sua atenção, dando mais aos anunciantes
em troca pelos seus anúncios”. Na área do vídeo refiram-se ainda o MadHive, com
uma forte aposta na privacidade das trocas, fornece aos anunciantes de vídeo uma
gestão de dados em que as informações de identificação pessoal do utilizador se
mantêm privadas e permite que os anunciantes alcancem esses potenciais clientes
sem nunca saberem das suas informações privadas; e também o Native Video Box,
neste caso, com produtos especializados para publicidade nativa em vídeo com su-
porte em AI e tecnologia blockchain.
As múltiplas vantagens das tecnologias blockchain aplicadas à publicidade pa-
recem assim evidentes. Por um lado, resolvendo desde logo a questão da interme-
diação no negócio, depois trazendo uma maior fiabilidade e transparência à relação
entre anunciante, produto e/ou suporte/canal propriamente ditos, bem como à apli-
cação e/ou resolução contratual, ou mesmo no plano da arbitragem do retorno do
investimento caso o anunciante não obtenha o tráfego que foi estimado para um de-
terminado contrato. E é um facto que a tecnologia blockchain garante uma renovada
transparência da publicidade digital, aumenta a sua eficiência, reduz custos e elimina
fraudes. Apenas um senão para este mercado emergente, uma vez que se aguarda
que a velocidade na blockchain permita transações de anúncios digitais em tempo
real, o que ainda não estará a suceder de forma conveniente.

Novo ecossistema disruptivo

Veja-se um caso mais em concreto, a partir justamente do exemplo do projecto


BAT - Basic Attention Token, acima referido. Olhando para a estratégia desta plata-
forma, podemos verificar desde logo que o diagnóstico feito relativamente ao sector
da publicidade na era digital não podia ser mais severo: segundo o BAT, plataforma
liderada por Brendan Eich (criador do JavaScript e co-fundador do Mozilla & Firefox),
baseada na plataforma blockchain Ethereum, e que desenvolve aplicações com o ob-
jetivo de trazer maior transparência e assertividade a este mercado desregulado, pre-
judicando por isso mesmo utilizadores, editores e anunciantes, o “digital advertising
is overrun by middlemen, trackers and fraud”. Ainda segundo a plataforma, o univer-
so da publicidade digital “abusa” dos utilizadores, sendo dados diversos exemplos:
até 50% dos dados móveis do utilizador médio são para anúncios e rastreadores; a
carga de anúncios reduz a vida útil da bateria até 21%; a privacidade é violada quan-
do os grandes sites de media hospedam largas dezenas de rastreadores; o malware
(“malvertisements” e ransomware) subiu 132% num ano, etc. Do lado dos publishers
e media, os problemas prendem-se, por exemplo, com o oligopólio das plataformas:
as receitas caem abruptamente, Google e Facebook dominam 73% do investimento
em publicidade online e 99% de todo o crescimento, bots infligem milhares de milhões
de dólares em fraudes, milhões de telefones e desktops executam bloqueios de anún-

ARTIGOS | 43
cios, enfim, os editores e media não conseguem monetizar serviços e, naturalmente,
também os anunciantes perdem neste contexto, uma vez que não conseguem deter
boa informação sobre aquilo que contratam e pagam. O targeting e a segmentação
são considerados fracos, tornando os utilizadores mais propensos a ignorar os anún-
cios e mesmo os publicitários e profissionais de marketing são frequentemente en-
ganados por sites falsos e bots que em regra não passam de fraudes.
Neste contexto, a plataforma de Brendan Eich propõe-se encontrar soluções disrup-
tivas e inovadoras em concordância com as potencialidades das tecnologias baseadas
na Ethereum Blockchain, introduzindo um sistema digital, descentralizado e transparente
de ad exchange. Desde logo, através da criação de um novo browser, denominado Brave,
de fonte aberta e focado na privacidade, que bloqueia “malvertisements”, rastreadores e
contém um sistema contábil que de forma anónima captura a atenção dos utilizadores
para “premiar” com precisão os editores. Através do Basic Attention Token o utilizador
acede a uma variedade de serviços baseados em publicidade, que são trocados entre
editores, anunciantes e utilizadores, sendo que a utilidade do token é aqui denominada
por “atenção do utilizador”. Combinando ambas as fases, o navegador Brave gera um
ecossistema de publicidade digital baseado em tecnologia blockchain transparente e
eficiente, que otimiza toda a informação em torno da “atenção” dos utilizadores no siste-
ma. Assim, segundo esta plataforma, os editores recebem mais receita porque os inter-
mediários e as fraudes são reduzidos; os utilizadores, que optam por receber, recebem
menos anúncios, mas com melhor segmentação, sendo menos propensos a malware;
e os anunciantes obtêm melhores dados sobre os seus investimentos.
Esta nova tecnologia pode efetivamente ajudar a resolver um dos maiores desafios
do setor, que se prende com práticas de publicidade opacas, com métricas voláteis e in-
termediários pouco transparentes. E repare-se que a Internet não é apenas fortemente
pulverizada por anúncios que não solicitamos, mas está também repleta de bots e mal-
ware. Procurando ver um pouco mais além, poder-se-ia dizer que o modelo oligopolista
que domina a Internet não está a cumprir os desígnios dos fundadores de abertura e pri-
vacidade da rede, entre eles Tim Berners-Lee e Vint Cerf, mas, pelo contrário, está priori-
tariamente apostado num modelo centralizador e agregador de conteúdos direcionado
para as receitas de publicidade segundo o modelo de métrica “the winner takes it all”, na
expressão de Matthew Hindman (2009), ou, pior ainda, numa estratégia que configura o
modelo como um “data industrial complex”, na expressão de Tim Cook (Lomas, 2018).
Este oligopólio, onde pontuam sobretudo Google e Facebook, representa, segun-
do Gilder (2018), o apogeu da centralização, mas está de facto sendo cada vez mais
posto em causa por tecnologias descentralizadoras, e de recuperação da segurança
e da privacidade, que procuram “devolver” a Internet aos cidadãos, onde claramente
se destacam as tecnologias Blockchain. Na Internet, a confiança na segurança das
operações e na privacidade são componentes essenciais para a sustentabilidade
do modelo computacional e para a arquitetura de informação, e neste ponto o atual
sistema deixa muito a desejar. Por isso esta evolução “natural” de uma Googlearchy
(Hindman, 2009) para um Cryptocosm (Gilder, 2018), de um sistema centralizado
no oligopólio que domina o tempo que passamos online e fica com os dados e lu-
cros dessa “economia da atenção” (Hindman, 2018), para um modelo autónomo que
garanta privacidade, segurança e neutralidade da rede. E acima de tudo “liberdade”,
o valor maior, para utilizadores e cibernautas.

44 | MEDIA&JORNALISMO
É, portanto, evidente que o que Brendan Eich pretende com um navegador como o
Brave é algo mais do que regular mercados estratégicos para a comunicação de um
modo geral, mas mais em particular para a publicidade digital. Também nos parece ób-
vio que Eich pretende ir um pouco mais longe e basicamente atacar o atual “complexo
industrial” oligopolista, onde ele acaba por ser mais pernicioso. E aí estamos a falar, sem
dúvida, de um potencial navegador que se está a posicionar para retirar poder às grandes
plataformas digitais, devolvendo-o aos utilizadores, editores e criadores de conteúdo.
Podemos assim dizer que faliu em definitivo o ciberoptimismo em torno da pos-
sibilidade da Internet ser um acelerador tecnológico da transparência, da privacidade
e da segurança dos cibernautas. As velhas hierarquias cristalizaram e constituem-se
hoje nas principais barreiras à entrada e à abertura da rede, são hoje geradores de no-
vas desigualdades, num sistema altamente concentrado que também não assegura
a diversidade de acesso aos conteúdos. Estamos perante uma “googlearchy”, que se
replica e auto-perpetua na Web através da regra do “the most heavily linked” (Hindman,
2009: 55). Daí que a densidade de ligações seja um instrumento plenamente eficaz
para a obtenção de quota de audiência, havendo claramente uma inabilidade cogniti-
va, intrínseca, do utilizador para responder a esta espécie de obsolescência programa-
da dos conteúdos online, publicitários e outros, do modelo que domina a Internet. As
tecnologias blockchain têm aqui um papel determinante a desenvolver, não restando
dúvidas de que este princípio tecnológico baseado em segurança e privacidade é
decisivo para a consolidação próxima futura da Net, havendo assim, para já, garantias
de que a liberdade do utilizador e da rede poderão efetivamente ser reconquistadas.

Bibliografia

AdEx (2017). AdEx Benchmark Study 2017. Digital Advertising in Europe. May 2018. https://
www.iabeurope.eu/wp-content/uploads/2018/05/IAB-Europe_AdEx-Benchmark-2017-results-
at-Interact_23.05.18-V3.pdf
BAT (2018). “Blockchain Based Digital Advertising”. Basic Attention Token (BAT) Brave Soft-
ware, March 13. https://basicattentiontoken.org/index/BasicAttentionTokenWhitePaper-4.pdf
Cádima, F. (2015). “Media, Cidadania e Big data”. Media & Jornalismo, nº especial, dezem-
bro de 2015, pp. 63-72.
Dentsu (2018). “Asia Pacific advertising spend to grow by 4.5% in 2018 as FIFA World Cup
stimulates growth”. Dentsu Aegis Network, 14 JUN. http://dentsuaegisnetwork.com/asiapacific/
Media/DentsuAegisNetworkNewsDetaila/2018/apac-2018-06-14
Duhigg, C. (2013). A Força do Hábito. Lisboa: D. Quixote.
Durães, P. (2017). “Investimento no digital ultrapassa pela primeira vez o da imprensa em
Portugal”. Meios e Publicidade, 20 de Janeiro.
http://www.meiosepublicidade.pt/2017/01/investimento-no-digital-ultrapassa-pela-primeira-
-da-imprensa-portugal/
Gilder, G. (2018). Life After Google: The Fall of Big Data and the Rise of the Blockchain
Economy. Washington: Gateway Editions.
Hartley, G. (2018). “Is blockchain the answer for increasing trust in digital advertising?” The
Drum, 10 September. https://www.thedrum.com/opinion/2018/09/10/blockchain-the-answer-
increasing-trust-digital-advertising

ARTIGOS | 45
Hindman, M. (2018). The Internet Trap. How the Digital Economy Builds Monopolies and
Undermines Democracy. New Jersey: Princeton University Press.
Hindman, M. (2009). The Myth of Digital Democracy. New Jersey: Princeton University Press.
IAB (2013). The Native Advertising Playbook. https://www.iab.com/wp-content/uploa-
ds/2015/06/IAB-Native-Advertising-Playbook2.pdf
IAB (2018). Blockchain for Video Advertising: A Market Snapshot of Publisher and Buyer Use
Cases. February 2018. https://www.iab.com/wp-content/uploads/2018/02/Blockchain_for_Vid-
eo_Advertising_Publisher-Buyer_Use_Cases_2018-02.pdf
James, D. (2018). Your next browser will pay you. The Attention Revolution: The path forward
from a broken internet. Hackernoon, Sep, 18. https://hackernoon.com/the-attention-revolution-
your-next-browser-will-pay-you-b8b12399c3f7
Kloefkorn, S. (2018). “What’s Coming: Blockchain And Advertising”. Forbes.com, June, 8.
https://www.forbes.com/sites/forbesagencycouncil/2018/06/08/whats-coming-blockchain-
and-advertising/#29a7b3024db9
Lomas, N. (2018). “Apple’s Tim Cook makes blistering attack on the ‘data industrial com-
plex’”. TechCrunch, 2018/10/24. https://techcrunch.com/2018/10/24/apples-tim-cook-makes-
blistering-attack-on-the-data-industrial-complex/
Nunes, C. (2018). “Publicidade no digital debaixo de fogo”. Expresso – Economia, 17 de fe-
vereiro de 2018.
Nunes, C. (2018a). “Anunciantes contra mudanças na medição da publicidade no Face-
book”. Expresso online, 6/03/2018.
https://expresso.sapo.pt/economia/2018-03-06-Anunciantes-contra-mudancas-na-medi-
cao-da-publicidade-no-Facebook#gs.9w1QyWY
Ribeiro, S. (2017). “Google e Facebook dominam publicidade online”. Jornal de Negócios,
23 de março de 2017. https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/tecnologias/detalhe/google-
-e-facebook-dominam-publicidade-online
Tapscott, D. and Tapscott, A. (2016). Blockchain Revolution. How the Technology Behind Bit-
coin is Changing Money, Business and the World. New York: Penguin.
Thornburg, W. (2018). “Blockchain, Digital Advertising, and the Great Escape”. CoinCentral.
com, 20 July. https://coincentral.com/blockchain-digital-advertising/

Nota biográfica

Francisco Rui Cádima é Professor Catedrático do Departamento de Ciências da Comuni-


cação (DCC) da NOVA FCSH; - Investigador Responsável do ICNOVA - Instituto de Comunica-
ção da NOVA / CIC.Digital; - Coordenador do curso de Doutoramento do DCC da NOVA FCSH;
- Membro da Direção da revista Media & Jornalismo (SCOPUS). É autor de uma vasta obra aca-
démica no campo das ciências da comunicação.

Ciência ID: 231F-D7BA-F635


Email: [email protected]
Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submetido: 2018.07.10
* Aceite: 2018.10.18

46 | MEDIA&JORNALISMO
Posicionamento de rádios jovens brasileiras em
redes sociais: compreendendo estratégias e ações de
interatividade
Positioning of young Brazilian radios in social networks:
interactivity strategies and actions
Posicionamiento de radios jóvenes brasileñas en redes
sociales: estrategias y acciones de interactividad

Nair Prata
Universidade Federal de Ouro Preto

Débora Cristina Lopez


Universidade Federal de Ouro Preto

Marcelo Freire
Universidade Federal de Ouro Preto

Kamilla Avelar
Universidade Federal de Ouro Preto

Danielle Diehl
Universidade Federal de Ouro Preto
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_4

Resumo
O rádio brasileiro, inserido na nova ecologia de mídia, enfrenta desafios de ordem
diversa assumindo diferentes configurações frente ao cenário de constante desen-
volvimento tecnológico. Dado o contexto, este artigo volta seu olhar para o posiciona-
mento no Facebook de três emissoras radiofônicas jovens brasileiras, a saber: Rádio
Mix, Rádio Jovem Pan e Rádio Transamérica. Utilizando a metodologia de Análise
de Conteúdo em Redes Sociais e o estudo de caso comparativo (Yin, 2001), o objeti-
vo é compreender as principais estratégias de postagem e engajamento usadas pe-
las emissoras para captar a atenção da audiência nas redes sociais. Os resultados
apontam para a falta de estratégia e o baixo engajamento nas fanpages. Nenhuma
das emissoras analisadas constrói um efetivo processo de interação em suas redes
sociais, predominando a participação, característica do rádio jovem dos anos 1990.

Palavras-chave
rádio jovem; redes sociais; interatividade; rádio expandido; Brasil

Abstract
Brazilian radio, inserted in the new media ecology, faces diverse challenges, as-
suming different configurations in front of the scenario of constant technological

ARTIGOS | 47
development. Given the context, this article turns its attention to the positioning on
Facebook of three Brazilian radio stations, namely Radio Mix, Rádio Jovem Pan and
Radio Transamérica. Using the methodology of content analysis in social networks
and the comparative case study (Yin, 2001), the objective is to understand the main
strategies of posting and engagement used by the broadcasters to capture the at-
tention of the audience in social networks. The results point to the lack of strategy
and low engagement in fanpages. None of the analyzed stations builds an effective
process of interaction in their social networks, predominating the participation, cha-
racteristic of the young radio of the years 1990.

Keywords
young radio; social networks; interactivity; expanded radio; Brazil

Resúmen
La radio brasileña, inserta en la nueva ecología de medios, enfrenta desafíos de
orden diverso asumiendo diferentes configuraciones frente al escenario de cons-
tante desarrollo tecnológico. En el contexto, este artículo vuelve su mirada hacia el
posicionamiento en Facebook de tres emisoras radiofónicas jóvenes brasileñas, a
saber: Radio Mix, Radio Joven Pan y Radio Transamérica. El objetivo es comprender
las principales estrategias de publicación y accionamiento utilizadas por las emiso-
ras para captar la atención de la audiencia en las redes sociales, utilizando la meto-
dología de Análisis de Contenido en Redes Sociales y el estudio de caso comparati-
vo (Yin, 2001). Los resultados apuntan a la falta de estrategia y el bajo compromiso
en las fanpages. Ninguna de las emisoras analizadas construye un efectivo proceso
de interacción en sus redes sociales, predominando la participación, característica
de la radio joven de los años 1990.

Palabras Clave
radio joven; redes sociales; interactividad; radio expandida; Brasil

Partindo do contexto em que se insere o rádio brasileiro, suas mutações e a po-


tencialização das ferramentas e estratégias de interação e diálogo na nova ecologia
de mídia, olhamos neste estudo para emissoras jovens brasileiras em redes sociais.
Este contexto, apresentado por Cunha (2016), remete a desafios constantes vincula-
dos à narrativa, ao conteúdo, às rotinas, ao modelo de negócio e à própria definição
do que é o meio. O processo de radiomorfose (Prata, 2009; Gago, 2008) vai além da
simples estrutura técnica, mas reflete-se na experiência radiofônica, nas dinâmicas
de interação e no perfil do que Masip et al (2015) denominam de audiências ativas.
Quando se pensa nas mudanças pelas quais passa a audiência em si e nas técnicas
e processos do rádio, observa-se o redesenho, a metamorfose do meio.
As relações entre meios de comunicação e sua audiência refletem a naturali-
zação da presença das tecnologias no cotidiano e a intensificação dos espaços
de diálogo característicos da Cultura da Conexão (Jenkins et al, 2015). A nova au-
diência do rádio (Lopez, 2016) caracteriza-se como ativa, ocupa espaços diversos

48 | MEDIA&JORNALISMO
(que são compartilhados com o próprio meio), integra o rádio e seu conteúdo nos
territórios híbridos de convivência que ocupa, ressignifica conteúdos, contata a
emissora, corrige-a quando necessário e constantemente avalia seu posicionamen-
to em redes digitais. Entre os espaços de circulação e recirculação de conteúdo
mais desafiadores para o rádio expandido (Kischinhevsky, 2016), principalmente
aquele voltado para a audiência jovem, estão as redes sociais digitais. Caracte-
rizadas como um espaço de trocas, de circulação de conteúdo e de estabeleci-
mento de grupos e conexões, redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter
são comumente ocupadas por emissoras de rádio, mas seu uso nem sempre é
desenhado com um objetivo específico (Quadros, 2013). Essa presença acaba se
consolidando como formal, instrumental, simplesmente para garantir a “obriga-
toriedade de fazer parte”, exigida pela audiência, nas redes sociais, mas não pen-
sada como estratégia.
Neste artigo olhamos para o posicionamento de emissoras radiofônicas jovens
brasileiras (especificamente Rádio Mix, Rádio Jovem Pan e Rádio Transamérica) no
Facebook. Utilizando a metodologia de Análise de Redes Sociais pretendemos com-
preender as principais estratégias de postagem e engajamento da audiência nas re-
des das emissoras. O estudo de caso comparativo nos permitirá ter um panorama
do olhar das rádios para seus processos de expansão e seu comprometimento com
a audiência específica destes espaços.
Para fazermos a mineração de dados, utilizamos a ferramenta Stilingue e reali-
zamos a coleta entre os dias 01 e 30 de abril de 2017. Por meio dela, os dados são
replicados em tempo real para garantir integridade das informações e então são
coletados através de APIs (Application Programming Interface) públicas das redes:
(Facebook, Twitter, Instagram, Linkedin, YouTube, Google Plus, Tumblr, blogs, fóruns,
reviews de produtos, comentários em artigos, Reclame Aqui, FourSquare), além de
portais de notícias que são coletados através de módulo de clipping. Neste artigo
optamos por restringir a coleta de dados ao Facebook e ampliar o olhar comparati-
vo, desenhando as redes construídas pelas emissoras e compreendendo sua rela-
ção com a audiência também por meio das reações às postagens, dos comentários
e do conteúdo circulado por cada uma delas.
Entre os principais resultados obtidos, destacamos a presença das promoções
como vetor de motivação de diálogo entre a emissora e a audiência e também como
estratégia de estímulo à circulação de postagens das rádios. A atividade no Face-
book varia muito entre as emissoras. A mais ativa delas é a Jovem Pan FM, com
média de 25 posts diários.
Nenhuma das emissoras analisadas constrói, em suas fanpages do Facebook,
um efetivo processo de interação. O que predomina é a participação, característica
do rádio jovem dos anos 1990, sem a exploração plena dos potenciais oferecidos
pelas plataformas digitais. Embora as postagens considerem o perfil específico da
audiência das emissoras nas redes sociais, não conseguem romper a barreira da
participação e, consequentemente, derivam em um baixo índice de engajamento.
Destacamos também como as redes sociais agem como um espaço de revisão da
relação entre a audiência e a emissora. Especificamente no caso da Jovem Pan FM,
observamos uma queda no número de fãs na página, com comentários questionan-
do a decisão editorial de incorporar na programação músicas do gênero Sertanejo.

ARTIGOS | 49
O rádio na nova ecologia de mídia

Ao incorporar-se às plataformas digitais, o rádio passa a se inserir em uma reali-


dade de trocas e entrecruzamentos entre dispositivos e dinâmicas de produção, cir-
culação e consumo de conteúdo que é essencial na nova ecologia de mídia. Neste
cenário, algumas de suas características são potencializadas e auxiliam no redese-
nho de suas estratégias narrativas (Lopez, 2017) e de seu posicionamento em mídias
sociais. Como lembra Kischinhevsky (2016), trata-se de um meio em expansão, que
redefine ações e características em um contexto mais amplo, o que o caracteriza
como um fenômeno complexo a ser observado com apuro.
Na tentativa de ocupar espaços onde se encontra sua audiência, o rádio hoje rea-
prende a dialogar e a dar passos no caminho da fidelização e da (re)aproximação
com a audiência, como lembra Lopez (2016). Neste sentido, observamos a presença
de emissoras de rádio em espaços distintos que se caracterizam por serem os am-
bientes de circulação e desenvolvimento de relações pessoais e/ou individuais dos
sujeitos que compõem o público. Como lembram Pessoa et al (2017), os caminhos
de entrada do conteúdo radiofônico estão se adaptando às novas dinâmicas de tro-
cas estabelecidas em uma ecologia midiática complexa, chegando a apropriar-se e
reconfigurar os usos de plataformas antes pessoalizadas, como o WhatsApp. Esta
expansão, que agora identifica a presença do rádio em antena, mas também em ca-
nais de TV, em streamings e sites, em gerenciadores de conteúdos da podosfera e
em redes sociais, a cada dia estende mais sua entrada nos dispositivos pessoais,
naturalizando o protagonismo do áudio – e das demais manifestações das emisso-
ras – no cotidiano do ouvinte.
Esta proximidade, embora tenha potenciais para alterar as relações entre a au-
diência e as emissoras, não se reflete necessariamente nas suas práticas. Como
lembra Pessoa (2017), o que ocorre é um empoderamento sutil do ouvinte por um
rádio que se alia a seu cotidiano. “[...]a escuta é aqui tomada de empréstimo das ma-
neiras cotidianas de fazer, isto é, nos modos como são constituídas as práticas por
meio das quais os usuários se apropriam de espaços organizados e definidos pelos
produtores socioculturais” (p. 361).
Entre estes espaços estão as redes sociais, que convertem as emissoras de
rádio em um protagonista colocado no mesmo fluxo de relações pessoais dos
usuários, ampliando seu potencial de proximidade – já característico do meio.
Lembramos, no entanto, que esta mudança de lugar de fala das emissoras apre-
senta-se como potencial, mas não necessariamente se efetiva. Quando pensamos
em rádios especializadas esta efetividade tem maior possibilidade de se estabe-
lecer, já que o compartilhamento do espaço e do consumo associa-se ao de inte-
resse, falando sobre temas e sujeitos que interessam diretamente à audiência e
que, portanto, são mais espalháveis (Jenkins et al, 2015) e podem ampliar a fide-
lização do público. Como destaca Pessoa (2016), “As pessoas comuns estariam
em busca de registrar os afetos e as memórias, bem como de se sentirem parti-
cipativas e próximas, estabelecendo vínculos, mesmo que sejam frágeis, com os
produtores de informação” (p. 368). As redes sociais, acreditamos, são o cenário
mais propício para esse registro e essa participação, principalmente quando se
trabalha com a audiência jovem.

50 | MEDIA&JORNALISMO
O segmento de rádio jovem no Brasil

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que um


quarto da população brasileira é formada por jovens. Isto é, 51,3 milhões de pessoas
têm de 15 a 29 anos, a maioria vivendo nos centros urbanos (85%). Mais da metade
dos jovens está no mercado de trabalho (53,5%) e apenas 36% estudam. Menos de
10% estudam e trabalham simultaneamente.
O meio rádio alcança 89% da população nas 13 regiões metropolitanas onde a
audiência é aferida, o que equivale a 52 milhões de pessoas. De acordo com o Kan-
tar Ibope Media, na composição do perfil do ouvinte brasileiro de rádio, 29% estão
na faixa de até 29 anos de idade, sendo 11% de 10 a 19 anos e 18% de 20 a 29 anos
(Book de Rádio, 2017).
O padrão do que se conhece hoje como segmento jovem de rádio teve início no
Brasil nos anos 1970, com o crescimento do número de emissoras FM a partir da
adoção do modelo americano: locutores com linguagem despojada, interação com
a audiência, promoções, informalidade, brincadeiras e músicas de sucesso.
O Brasil possui um grande número de emissoras de rádio que se encaixam nes-
te perfil de segmento jovem e boa parte delas trabalha nesta linha que aposta na
música, nas promoções e na forte interação com o público por meio das transmis-
sões orais, mas também pelo site e pelas redes sociais. Três redes de rádio jovem
se destacam neste cenário, seja pelo grande número de emissoras constitutivas da
rede, seja pela interação com a sua audiência, e, por esta razão foram escolhidas
como corpus desta pesquisa. São elas: Rede Jovem Pan, Rede Mix e Rede Transa-
mérica, detalhadas a seguir.

a) Rede Jovem Pan

A Rede Jovem Pan foi inaugurada no dia 3 de maio de 1944, como Rádio Pana-
mericana, por Julio Cosi e Oduvaldo Vianna, com o objetivo de transmitir novelas.
Posteriormente, a emissora foi vendida para o empresário Paulo Machado de Car-
valho e hoje é administrada por Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tuti-
nha. Em 1945, foi transformada em “A emissora dos esportes”. O nome Jovem Pan
surgiu em 1965, mas a grande transformação da Panamericana começou em 1966,
quando a rádio transmitiu programas com ídolos da música popular brasileira. Na
década de 1970, a rádio passou a investir em jornalismo, sendo uma das mais anti-
gas emissoras de rádio noticiosas de São Paulo. O formato de jornalismo e presta-
ção de serviços continua até hoje. A Jovem Pan FM nasceu em 1976, em São Paulo,
coordenada por Tutinha, que introduziu uma nova linguagem para as rádios volta-
das para o público jovem.  
A Rádio Jovem Pan é uma das maiores redes de rádio do mundo e a maior do
Brasil para o público jovem. A rede abriga quase 80 emissoras próprias e afiliadas
em todo o território brasileiro. Com o slogan Sempre ao seu lado, foca sua programa-
ção no tripé jornalismo-esportes-entretenimento. Um dos programas de destaque é
o Pânico que, em 2003, passou a ser transmitido também pela televisão – primeira-
mente pela Rede TV! e depois pela Band.

ARTIGOS | 51
b. Rádio Mix

A Rádio Mix foi fundada em 1995, em São Paulo, com as transmissões tendo iní-
cio no ano seguinte, sempre com foco no público jovem. As primeiras emissões em
rede ocorreram em 2004, já com três estações afiliadas. Hoje é a segunda maior rede
jovem/pop do país em número de afiliadas e em faturamento e pertence ao Grupo Ob-
jetivo, do empresário João Carlos Di Genio. O Grupo é um conglomerado de empresas
nas áreas de mídia e educação, que abriga tanto a Rede Mix de Rádio, quanto a Mix TV,
RBI TV, a Mega TV, o Colégio objetivo, as Faculdades Objetivo e a universidade UNIP.
O slogan O melhor Mix do Brasil representa uma mistura musical de pop, reggae, rock
e hip-hop, além de informação, programas interativos e promoções com prêmios para o
público. A Rede Mix de Rádio possui emissoras em 23 cidades brasileiras (Além Paraíba,
Aracaju, Atibaia, Avaré, Belém, Brasília, Campinas, Capão Bonito, Carazinho, João Pessoa,
Macapá, Maceió, Manaus, Maringá, Natal, Ponta Grossa, Porto Alegre, Rio de Janeiro, San-
tos, São Paulo e Vitória) e também no Vale do Paraíba e litoral do estado de Santa Catarina.

c. Rádio Transamérica

A primeira emissora da Rede Transamérica de Rádio nasceu em Recife, em 1973,


e hoje é uma das maiores redes do país com foco no público jovem. No início da
década de 1990 começaram as transmissões via satélite, gerando programação ao
vivo para várias localidades simultaneamente. A rede faz parte do Grupo Alfa, um
conglomerado de empresas que inclui o Banco Alfa, Agropalma, C&C, Hotéis Tran-
samérica, Soubach, La Basque e Transamérica Expo Center.
A rede atua em três vertentes: Transamérica Pop, Transamérica Hits e Transa-
mérica Light, cada uma delas com características específicas:
Transamérica Hits: Com emissoras em 56 cidades brasileiras, tem sede em São
Paulo e transmite via satélite e pela internet para a rede. Tem uma programação
e-clética, composta por grandes sucessos nacionais como pop, rock, sertanejo, pa-
gode, samba e sucessos internacionais românticos. Tem foco no segmento popu-
lar, atingindo uma faixa etária mais abrangente, dos 15 aos 39 anos.
Transamérica Pop: A ala pop da Transamérica possui emissoras em 12 cidades brasi-
leiras e sede em São Paulo. A programação é dirigida ao público jovem, das classes socioe-
conômicas A, B e C, de 20 a 34 anos, com gêneros que vão do pop ao rock e dance music.
Transamérica Light: Lançada em 1999 com o slogan Rádio para quem tem clas-
se, é dirigida ao público adulto qualificado, com mais de 30 anos, das classes socioe-
conômicas A e B, com programação adulta e contemporânea, mesclando música
e jornalismo. A Transamérica Light possui estúdios e sede em Curitiba e emissoras
em duas cidades brasileiras.

O posicionamento de emissoras radiofônicas jovens brasileiras no Facebook

A metodologia aplicada neste estudo é o monitoramento das redes sociais e


influenciadores de inteligência artificial por meio da ferramenta Stilingue, que foi

52 | MEDIA&JORNALISMO
utilizada em caráter de parceria acadêmica. A empresa brasileira trabalha na van-
guarda da inteligência artificial aplicada à interpretação de textos e imagens. Foi
fundada em 2014 por um grupo de competências combinadas - cientistas de dados,
profissionais de comunicação, consultores de gestão, experts em mídia e pesqui-
sadores acadêmicos. Trabalha de forma a criar o estado da arte em analytics de
conteúdo e influência na língua portuguesa e na cultura brasileira.
A infraestrutura está centralizada no Cloud Google e IBM Softlayer, com diversas
certificações de segurança, entre elas ISO 27001. A lista completa de certificações
está disponível no site da companhia. Os dados são replicados em tempo real para
garantir integridade das informações e são coletados através de APIs públicas das
redes (Facebook, Twitter, Instagram, Linkedin, YouTube, Google Plus, Tumblr, blogs,
fóruns, reviews de produtos, comentários em artigos, Reclame Aqui, FourSquare),
além de portais de notícias que são coletados por clipping.
Neste artigo, delimitamos coleta e análise de dados ao período de 01 a 30 de abril
de 2017, na plataforma do Facebook. Nosso objetivo é ampliar o olhar comparativo,
desenhando as redes construídas pelas emissoras e compreendendo sua relação
com a audiência também pelas reações às postagens, dos comentários e do con-
teúdo circulado por cada uma das emissoras.  
Durante o período de análise, a rádio com o maior número de seguidores em sua
fanpage é a Rádio Mix, com 1.528.855 fãs, seguida da Jovem Pan e Transamérica
com 921.089 e 331.792, respectivamente. Dentre as emissoras, a Rádio Jovem Pan
possui o maior número de publicações (440) em sua fanpage, seguida pela Transa-
mérica e a Mix, com 301 e 134 postagens respectivamente. A Rádio Mix abarca a
maior base de fãs e tem o maior número de interações – contabilizadas pela ferra-
menta pelas curtidas, compartilhamentos e comentários. A emissora com maior nú-
mero de interações é a Rádio Mix, com 254.734, seguida da Jovem Pan com 97.392
e da Transamérica com 39.801.

a. Rádio Mix

A Rádio Mix é a rádio oficial do evento Rock in Rio e a fanpage teve uma taxa de
incremento de fãs de 4,2647% em abril de 2017. O mais significativo aconteceu no
período entre 5 a 6 de abril, por relação direta com o evento musical que ocorreu no
Rio de Janeiro. A rádio fez uma promoção que sorteou dois ingressos para o evento.
Para participar era necessário curtir a fanpage e compartilhar o post da promoção,
que teve 56.121 compartilhamentos. Outro aumento considerável na base de fãs da
Rádio Mix aconteceu entre os dias 24 e 26 de abril, quando novamente a fanpage
investiu em uma promoção, que exigia a curtida da página e o compartilhamento
do post. A promoção sorteou ingressos para o show do Ed Sheeran em São Paulo,
e teve 56.520 compartilhamentos.

ARTIGOS | 53
Figura 1: Promoção Ed Sheeran - Rádio Mix
Fonte: Dados da pesquisa

A taxa de interação na página da Mix mantém um padrão entre 2 e 3 mil intera-


ções diárias. O aumento dessa taxa está diretamente ligado às duas promoções do
mês, em que o número de interações teve picos, com 87.881 e 75.403 interações
nos dias 6 e 25 de abril de 2017, respectivamente.  
A fanpage mantém um volume de publicações diárias padrão, que varia entre 3
a 6 por dia. Os comentários feitos pelos seguidores também seguem um padrão de
quantidade e em sua maioria possuem um teor positivo ou neutro, como podemos
observar no gráfico a seguir:

Figura 2: Gráfico de Sentimento nos comentários – Rádio Mix


Fonte: Dados da pesquisa com ferramenta Stilingue – 2017

Os termos mais citados em comentários na fanpage da Mix são “Risos”, “Vivian” e


“Emily”, respectivamente com 3.013, 1.087 e 837 menções no período. Podemos observar
pelos comentários referentes às duas participantes (Emily e Vivian) do reality show da
Rede Globo de Televisão, Big Brother Brasil, que a rádio recebeu muitos comentários refe-
rentes ao programa, que teve sua final no dia 13 de abril daquele ano. Podemos observar
também outros termos com muitas menções, como é o caso de: Rock in Rio, Ed Shee-
ran, sonho, Deus, ingresso, show, rádio mix, como mostra a nuvem de palavras a seguir.

54 | MEDIA&JORNALISMO
Figura 3: Wordcloud Rádio Mix
Fonte: Dados da pesquisa

b. Rádio Jovem Pan

A Rádio Jovem Pan é, dentre as três fanpages pesquisadas, a que mais faz pos-
tagens por dia, com picos que chegam a 25 posts diários. Entretanto, teve uma taxa
de incremento de fãs negativa de 0,1480%. Podemos observar uma queda contínua
de fãs durante o mês de abril.

Figura 4: Gráfico de evolução da base de fãs – Rádio Jovem Pan


Fonte: Dados da pesquisa

Tal queda tem relação direta com a polêmica em que a emissora se envolveu
quando decidiu incluir em sua programação os novos hits brasileiros do sertanejo

ARTIGOS | 55
universitário. A Jovem Pan, que sempre foi de um perfil jovem que tocava majorita-
riamente rock e pop brasileiro e internacional, ao incluir o sertanejo sentiu um efeito
negativo em sua base de fãs antigos e conservadores, que começaram a reclamar
da novidade. Em uma pesquisa rápida feita com a ferramenta Stilingue, consegui-
mos chegar a um total de 1601 menções de Jovem Pan + sertanejo, em sua maio-
ria de reclamações e pedidos de revisão da decisão da emissora, como podemos
observar nos exemplos a seguir.

Figura 5: Comentários no Facebook – Rádio Jovem Pan


Fonte: Dados da pesquisa

Os termos mais citados em comentários na fanpage da Jovem Pan são “Risos”,


“Jovem Pan” e “Brasil”, com 541, 162 e 116 menções, respectivamente, no período.
A rádio também recebeu muitos comentários referentes ao Big Brother Brasil, pelos
termos: “Emily”, “Marcos”, “BBB”. Podemos observar também outros termos com
muitas menções que possuem relação com a polêmica do sertanejo: “Sertanejo Uni-
versitário”, “Sertanejo”, “Sertanejo Jovem”, “Pop de Verdade”, etc. Na classificação de
sentimento dos comentários da Jovem Pan há um número maior de comentários
negativos, comparado com a fanpage da Rádio Mix.

56 | MEDIA&JORNALISMO
Figura 6: Gráfico de Sentimento nos comentários – Rádio Jovem Pan
Fonte: Dados da pesquisa

c. Rádio Transamérica

A fanpage da Transamérica é a que possui menor número de seguidores e,


consequentemente, a menor taxa de interações. Durante o período analisado, a
fanpage atingiu dois picos de interações - nos dias 12 e 19 de abril - com 10.514 e
7.954 interações respectivamente. Assim como no caso da Rádio Mix, os picos de
maior interações na Transamérica também aconteceram em dias de promoção.
No caso do dia 12 de abril, a promoção foi para o Dia das Mães e teve 7.321 com-
partilhamentos. Já no dia 19, o pico se deu pela participação ao vivo do happer
Hungria, publicação que atingiu 4.398 comentários. Podemos observar os dois pi-
cos no gráfico a seguir:

Figura 7: Gráfico de volume de interações – Rádio Transamérica Pop


Fonte: Dados da pesquisa

A taxa de incremento dos fãs também está ligada a essas duas publicações,
como mostra o gráfico através do crescimento que se inicia do dia 12 e atinge um
pico considerável no dia 19 de abril. Os termos que mais aparecem nos comentários
da página são respectivamente: “Bom Dia”, com 728, “Casal”, com 336 e “Risos”, com
290 menções. O termo “Casal” faz referência ao programa comandado pela dupla
Gislaine Martins e Ricardo Sam, chamado “Resumo 2 em 1”. Outro termo muito cita-
do foi “Hungria”, devido ao rapper que participou ao vivo na fanpage. Os sentimentos
expressos nos comentários da Rádio Transamérica são majoritariamente positivos
também, como representado no gráfico a seguir:

ARTIGOS | 57
Figura 8: Gráfico de Sentimento nos comentários – Rádio Transamérica
Fonte: Dados da pesquisa com ferramenta Stilingue – 2017

Estudo Comparativo das rádios

Os relatórios feitos com a ferramenta Stilingue revelam uma consistência dos


dados de interações nas páginas que são baseadas nas promoções realizadas e
que acabam norteando os dias com mais interações no mês. A ferramenta possui
uma forma de calcular o engajamento médio de cada página, que leva em consi-
deração os dados de interações, seguidores e quantidade de posts, pelo uso de
uma fórmula (soma das interações do mês/soma das publicações/número total
de seguidores). Através dessa fórmula entende-se de que forma o engajamento
na página funciona.
A Rádio Jovem Pan possui o menor engajamento médio entre as três porque mui-
tas postagens por mês que acabam passando despercebidas pelos seguidores, que
não interagem. Isso leva a uma taxa de engajamento de 0,024%. A Rádio Mix está no
intermédio das três analisadas, com o engajamento em 0,12%. Isso porque apesar de
não realizar muitos posts no período, possui a maior base de fãs - que acabaram não
interagindo. Já a Rádio Transamérica Pop possui a melhor taxa de engajamento, em
0,30%. Este número se explica por uma consistência das interações quando se leva
em conta o número de publicações e sua relação com a quantidade de seguidores.
Dessa forma, conclui-se que apesar da Transamérica possuir a menor base de
fãs, ela consegue um equilíbrio das interações, atraindo a pouca base que tem da
melhor forma. Nessa métrica levamos em consideração todo o mês analisado, en-
tretanto teremos outros resultados se levarmos em consideração o período com
maior interação.
Selecionando apenas os dois dias com mais interações em cada fanpage, temos
a Rádio Mix liderando em engajamento com 1,6%, seguida da Transamérica Pop com
0,22% e da Rádio Jovem Pan com 0,07%. Isso demonstra que o engajamento está
diretamente ligado às promoções criadas pelas rádios e que essa é a principal es-
tratégia de atração utilizada por elas.
Deve-se levar em consideração também o fato de que a promoção não atrai ne-
cessariamente fãs efetivamente fiéis para a página, pois muitos deles podem curtir
apenas para participar da promoção e depois não interagir com a fanpage. Esse as-
pecto acaba aumentando a base de fãs, mas não garante que irão acompanhar as
publicações realizadas após a promoção.

58 | MEDIA&JORNALISMO
Através do gráfico de termos relacionados conclui-se que as rádios focam suas
publicações na divulgação dos seus próprios programas ou de links que não trazem
conteúdos diferentes para a atração do seguidor.

Figura 9: Gráfico de termos relacionados das três rádios analisadas.


Fonte: Dados da pesquisa

Levando em consideração o horário que as fanpages escolhem para realizar suas


postagens, observa-se que a Rádio Mix e a Jovem Pan se comportam de forma se-
melhante, iniciando as postagens sempre após as 10h, e concentrando a maior parte
das publicações no período da tarde de 13h às 17h. Já a Transamérica Pop não possui
uma regra muito definida, realizando um número considerável de publicações durante
a madrugada e pela manhã antes das 10h, totalizando 80 publicações nesse período.
As hashtags foram criadas no Twitter como uma ferramenta de monitoramento,
para rastrear as informações. Através da representação do sinal # (hash), elas agre-
gam conteúdos rastreáveis por palavras-chave, o que facilita a busca e a recupera-
ção dessas publicações na plataforma, principalmente porque sua API é aberta e de
fácil acesso para a realização de coletas automáticas.
Tal mecanismo foi incorporado em outras redes como Instagram e Facebook. Segun-
do pesquisa realizada em 2013 pela EdgeRank Checker, as hashtags possuem menos al-
cance no Facebook, mas ainda representam uma forma de rastreamento de informações.
As hashtags mais utilizadas pelas rádios analisadas foram: #madruga (que se
relaciona com um programa da Rádio Mix), #clubedainsonia (que se refere a um pro-
grama da Transamérica Pop) e #sonatransamerica.

ARTIGOS | 59
Considerações finais

Os dados coletados e analisados no Facebook das emissoras pela ferramenta


Stilingue nos levam a inferir que as rádios utilizam suas fanpages com baixo planeja-
mento de mídia, resultando em baixíssimos índices de engajamento. Ao somarmos os
percentuais de engajamento das três rádios nas redes sociais, durante toda a semana
de análise, chegamos ao inexpressivo resultado de 0, 444% de um total de 100%, o
que explicita a falta de pensamento estratégico das emissoras em relação às redes
sociais. A baixa efetividade da ação nos leva dois questionamentos: qual a real fun-
ção dessas postagens? E o que pretendem as emissoras ao utilizar as redes sociais?
Os dados demonstram a pouca variedade de conteúdo desenvolvido para as re-
des sociais revelando, mais uma vez, uma lacuna no pensamento estratégico das
rádios que, ao replicar o conteúdo da antena direciona suas publicações para a di-
vulgação de links e programação própria, perdendo a oportunidade de engajar a au-
diência e oferendo muito do mesmo.
Há um tensionamento entre a quantidade de publicações e a interação dos ouvin-
tes em todas as rádios, mas na Jovem Pan, a ineficiência das ações nas redes é mais
intensa. A emissora possui o maior número de postagens na fanpage e a menor inte-
ração dos ouvintes (0,024%). Inferimos assim que a publicação meramente formal não
engaja a audiência e além de correr o risco de passar despercebida, pode assumir fun-
ção reversa, fazendo com que os seguidores conquistados pela rádio se desinteressa-
rem pela fanpage. Na Rádio Mix FM o cenário é semelhante. Mesmo possuindo a maior
base de fãs entre as emissoras analisadas, o índice de engajamento é inexpressivo, al-
cançando 0,12% da audiência. Assim como detectamos na Jovem Pan, a ausência de
estratégia de posicionamento nas redes revela um ponto de vista tecnicista e formal
das atividades que, apoiadas em parâmetros pouco profissionais, acaba operando por
tentativa e erro. O engajamento nas redes é tão pouco expressivo que a rádio com o
melhor índice, a Rádio Transamérica Pop, consegue interagir com 0,30% dos seus fãs.
Outro aspecto que chama atenção é a falta de preparo das rádios para explorar
as potencialidades do Facebook no que tange, principalmente, ao estabelecimento
de relacionamento com os ouvintes. Durante todo o período da análise, a audiência
se manifestou ora para reclamar da programação, ora para participar de promoções,
demonstrando disposição e desejo de participar das rotinas das emissoras. O exem-
plo mais expressivo e que ilustra os anseios do público de ser notado e valorizado
são as promoções feitas nas redes sociais. A estratégia de diálogo funciona como
vetor de motivação para os ouvintes que, além de interagirem, podem impulsionar a
circulação de postagens das rádios. Entretanto, tal ação não apresenta novidade em
termos de estratégia para redes sociais, que acabam exercendo a função de, mais
uma vez, replicar o conteúdo da antena, desconsiderando os potenciais da platafor-
ma e demonstrando a inconsistência nas ações.
Com raras exceções, as redes sociais das rádios funcionam como canais uni-
laterais de comunicação que ignoram os comentários e opiniões dos ouvintes, de-
monstrando descompromisso com a audiência. Esse posicionamento, além de ir na
contramão dos preceitos da nova ecologia de mídia, não compreendendo os ouvintes
como uma audiência ativa (Masip et al, 2015), acaba por anular duas das principais
funções das redes sociais: o engajamento e a interação.

60 | MEDIA&JORNALISMO
Por fim, podemos afirmar que nenhuma das emissoras analisadas constrói, em
suas fanpages, um efetivo processo de interação e engajamento, prevalecendo a
participação, característica do rádio jovem dos anos 1990, sem a exploração dos
potenciais oferecidos pelas plataformas digitais. Embora as postagens considerem
o perfil específico da audiência das emissoras nas redes sociais, não conseguem
romper a barreira da participação.  

Financiamento

Este artigo decorre do projeto de pesquisa “Conhecer o ouvinte-internauta: Um


estudo sobre o perfil da audiência de rádio no cenário de convergência”, financiado
pelos editais PROPP Auxílio Financeiro ao Pesquisador da UFOP, Chamada CNPq/
MCTI Nº 25/2015 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas e Edital FAPEMIG
01/2015 – Demanda Universal e FAPEMIG – Bolsa Pesquisador Visitante.

Referências

Kantar Ibope Media (2017). Book de Rádio (3ª ed). Disponível em https://www.kantaribopeme-
dia.com/book-de-radio-fevereiro-de-2017-download/
Cunha, M. (2016). O rádio na nova ecologia de mídia. In Zuculoto, Valci; Lopez, Debora; Kischi-
nhevsky, Marcelo (Eds.), Estudos radiofônicos no Brasil: 25 anos do Grupo de Pesquisa
Rádio e Mídia Sonora da Intercom. São Paulo, Brasil: Intercom.
Gago, L. (2008). La radio du XXIe siècle: à la rencontre d’Internet. Médiamorphoses, 23, 127-132.
Jenkins, H., Green, J. & Ford, S. (2015). Cultura da Conexão. São Paulo, Brasil: Aleph.
Kischinhevsky, M. (2016). Rádio e mídias sociais: mediações e interações radiofônicas em pla-
taformas digitais de comunicação. Rio de Janeiro, Brasil: Mauad X.
Lopez, D. C. (2016). (Re)Construindo o conceito de audiência no rádio em cenário de con-
vergência. In Zuculoto, V.; Lopez, D.; Kischinhevsky, M. (Eds.), Estudos radiofônicos no
Brasil — 25 anos do Grupo de Pesquisa Rádio e Midia Sonora da Intercom. São Paulo,
Brasil: Intercom.
Lopez, D. C. (2017). La radio en narratives immersives: le contenu journalistique et l’audience.
Cahiers d’histoire de la Radiodiffusion, 132.
Masip, P., Guallar, J., Peralta, M., Ruiz, C. & Suau, J. (2015). Audiencias Activas y Periodismo:
¿ciudadanos implicados o consumidores motivados? Brazilian Journalism Research,
1(1), 240-261.
Pessoa, S. C. (2016). O empoderamento sutil do ouvinte no radiojornalismo: os desafos de uma
cultura além da escuta. In Zuculoto, V.; Lopez, D.; Kischinhevsky, M. (Eds.), Estudos radio-
fônicos no Brasil — 25 anos do Grupo de Pesquisa Rádio e Midia Sonora da Intercom. São
Paulo, Brasil: Intercom.
Pessoa, S. C., Prata, N. & Avelar, K. (2017). Rádio em ambientes digitais: experiências de seg-
mentação em aplicativos para dispositivos móveis. Revista Logos, 24(1).
Prata, N. (Org.) (2011). Panorama do rádio no Brasil. Florianópolis, Brasil: Insular.
Prata, N. (2009). Webradio: novos gêneros, novas formas de interação. Florianópolis,
Brasil: Insular.

ARTIGOS | 61
Quadros, M. R. de (2013). As redes sociais no jornalismo radiofônico: as estratégias interativas
adotadas pelas rádios Gaúcha e CBN. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de
Santa Maria, Santa Maria, Brasil. Disponível em https://repositorio.ufsm.br/handle/1/6346
Souza, T. G. (2016, julho). O jovem no Brasil - Orientações da Unesco para as políticas de juven-
tude. Reunião Científica Regional da ANPED. UFPR. Curitiba – Paraná, Brasil.
Yin, R. (2001). Estudo de Caso, planejamento e métodos (2ª ed.). São Paulo, Brasil: Bookman.

Notas biográficas

Nair Prata é Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universida-


de Federal de Ouro Preto (UFOP), Brasil. Doutora em Linguística Aplicada (UFMG) e estágio de
pós-doutoramento na Universidade de Navarra, Espanha. Diretora Científica da Intercom, vice-
-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar), membro
do Grupo de Pesquisa Convergência e Jornalismo (Conjor).

Lattes: http://lattes.cnpq.br/0361994058120484 
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-9127-7720
Email: [email protected]
Morada: UFOP. Código Postal: 35400-000 Brasil

Débora Cristina Lopez é Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Univer-


sidade Federal da Bahia. É professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e da
Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto. Coordena o Grupo de Pes-
quisa Convergência e Jornalismo e o Laboratório de Inovação em Jornalismo.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/9830131024810576
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-1030-1996
Email: [email protected]
Morada: UFOP. Código Postal: 35400-000 Brasil

Marcelo Freire é Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade


Federal da Bahia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e da graduação
em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto. Coordena o Grupo de Pesquisa Conver-
gência e Jornalismo (ConJor) e o Laboratório de Inovação em Jornalismo (Labin).

Lattes: http://lattes.cnpq.br/3878744186155188
Orcid: http://orcid.org/0000-0003-1936-7243
Email: [email protected]
Morada: UFOP. Código Postal: 35400-000 Brasil

Kamilla Avelar é Jornalista pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), doutoranda
em Administração pela Universidade FUMEC, mestre pelo programa de Pós-Graduação em Co-
municação e Temporalidades pela Universidade Federal de Ouro Preto (PPGCOM/UFOP),  es-
pecialista em Gestão de Marketing pela Fundação Dom Cabral, membro do Grupo de Pesquisa
Convergência e Jornalismo (Conjor). Bolsista da FAPEMIG.

62 | MEDIA&JORNALISMO
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2716628655619941
Orcid: http://orcid.org/0000-0001-8021-0160
Email: [email protected]
Morada: UFOP. Código Postal: 35400-000 Brasil

Danielle Diehl é Jornalista pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Tem experiên-
cia em Marketing de Conteúdo, Gerenciamento de Mídias Sociais, Jornalismo Científico, Pro-
dução de TV de Eventos, e Rádio.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/5405846266685881
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-1475-6541
Email: [email protected]
Morada: UFOP. Código Postal: 35400-000. Brasil

* Submetido: 2018.07.01
* Aceite: 2018.12.15

ARTIGOS | 63
(Página deixada propositadamente em branco)
Smartphones: o sistema nervoso da comunicação líquida
Smartphones: the nervous system of liquid communication
Smartphones: el sistema nervioso de la comunicación
líquida

Paulo Silva
Instituto Superior Politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação de Viseu

Cláudia Seabra
Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras

Isabel Ferin Cunha


Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras
Instituto de Comunicação da NOVA
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_5

Resumo
A utilização das novas tecnologias móveis tornou-se um fenómeno global. Exis-
te “uma cultura jovem móvel global” e uma “emergência da sociabilidade em rede”
(Castells et al., 2009: 183-184). O objetivo deste estudo passou por compreender a
utilização dos telemóveis pelos millennials, que gratificações procuram e os efeitos
sociais gerados pela utilização destes equipamentos. O trabalho desenvolvido, atra-
vés de uma metodologia mista que reuniu a investigação quantitativa e qualitativa,
compreendeu a análise de 649 questionários a jovens adultos e 46 posts das páginas
da rede social Facebook, dos principais operadores do setor das telecomunicações,
em Portugal. O efeito da vivência da experiência de fluxo, entre outros resultados re-
velados pelo modelo de equações estruturais, poderá servir de advertência para os
próprios utilizadores, pais, empresas e escolas que funcionam como mediadores do
ensino da linguagem, através das novas tecnologias.

Palavras-chave
millennials; publicidade; telemóveis; usos & gratificações; experiência de fluxo

Abstract
The use of new mobile technologies has become a global phenomenon. There is
“a global mobile youth culture” and an “emergency of the sociability in a network” (Cas-
tells et al., 2009: 183-184). This study main goal is to understand the mobile phone
use by the millennials, and inherent gratifications and social effects generated by the
use of such equipment. The research carried out through a mixed methodology that
met the quantitative and qualitative research included the analysis of 649 question-
naires applied to young adults and 46 posts obtained from the Facebook webpages

ARTIGOS | 65
of the main telecommunications operators in Portugal. The flow effect among other
results revealed by structural equation model, may serve as a warning to the users
themselves, parents, companies and schools, which act as educational mediators of
language, through new technologies.

Keywords
millennials; advertising; mobile phones; uses & gratifications; flow

Resumen
El uso de nuevas tecnologías móviles ha llegado a un fenómeno global. “Hay
una” globalización global de la juventud “y una” emergencia de la sociabilidad en
la red “(Castells et al., 2009: 183-184). El objetivo de este estudio consiste en en-
tender el uso de los teléfonos móviles por millennials, y heredar las gratificaciones
y los efectos sociales generados por el uso de estos equipos. El trabajo desar-
rollado, a través de una metodología mixta que reunió la investigación cuantita-
tiva y cualitativa, incluyó el análisis de 649 cuestionarios aplicados a los adultos
jóvenes y 46 posts obtenidos de las páginas web de Facebook de los principales
operadores de telecomunicaciones en Portugal. El efecto del flow entre otros re-
sultados que se muestra a través del modelo de ecuaciones estructurales, pue-
de servir de advertencia para los propios usuarios, padres, empresas y escuelas,
que actúan como mediadores de la enseñanza del lenguaje a través de las nue-
vas tecnologías.

Palabras clave
millennials; publicidad; teléfonos móviles; usos y gratificaciones; flow

1. Introdução

A utilização das novas tecnologias móveis é hoje um fenómeno global e que acon-
tece de uma forma massiva. Distingue-se “uma cultura jovem móvel global” (Caste-
lls, Fernandez‑Ardvol, Qiu & Sey, 2009: 183) e uma “emergência da sociabilidade em
rede” (Castells et al., 2009: 184). Não se tratando de um fenómeno individual é pre-
ciso localizar os seus principais intervenientes, nomeadamente os jovens adultos,
os que mais utilizam estas tecnologias, para depois conseguir‑se enquadrar as suas
práticas nas novas tendências do consumo. Assiste-se hoje à “passagem do para-
digma da lentidão para o do encontrão” (Pais, 2010: 131), um paradigma em que “a
comunicação verbal cara-a-cara tem vindo a ser ultrapassada pela comunicação à
distância” (Pais, 2010: 141) e talvez por isso os dispositivos móveis ofereçam muito
mais estímulos que os sistemas de comunicação convencionais.
A pertinência da observação deste fenómeno, através da publicidade dissemi-
nada em uma rede social online - considerando-se o termo publicidade “uma forma
de comunicação comercial difundida através dos meios” (Associação da Auto Re-
gulação Publicitária, 2014) – justifica‑se na medida em que “para atingir os sujeitos
e para que estes se identifiquem com a mensagem, a publicidade acaba por ser um

66 | MEDIA&JORNALISMO
reflexo da sociedade ao inspirar-se na vida quotidiana e nas interações dos atores
sociais” (Pereira & Veríssimo, 2004: 28).
Na investigação realizada, através de uma metodologia mista, optou-se por definir
uma amostra de jovens adultos, nascidos entre os anos de 1980 e 2000, possuido-
res de telemóvel. A razão desta escolha deve-se ao facto deste cluster integrar “indi-
víduos que nunca vivenciaram o mundo sem computadores pessoais” (Lingelbach,
Patino & Pita, 2012: 136), um segmento que tem sido designado pelo “sweet spot da
indústria das comunicações” (Haverila, 2011: 310). Uma vez que “os alunos universi-
tários têm sido identificados como o segmento mais importante para os mercados”
(Head & Ziolkowski, 2012: 2331) optou-se ainda por estabelecer mais uma condição
de participação, nomeadamente a frequência do ensino superior.
O trabalho desenvolvido compreendeu a análise de seiscentos e quarenta e nove
questionários recolhidos de forma eletrónica onde foi aplicado o Modelo de Equa-
ções Estruturais que permitiu “encontrar as relações entre as variáveis específicas”
(Bisquerra, 2000: 242) de um modelo iniciado a partir da teoria, de causalidade en-
tre constructos em estudo, até ao desenvolvimento de um modelo final completo e
ainda a análise de quarenta e seis posts das páginas da rede social Facebook, dos
principais operadores do setor das telecomunicações, em Portugal, a partir do mo-
delo proposto por Herring (2009), um paradigma de análise de conteúdos web, uma
tipologia de análise que “surge como resposta aos desafios suscitados pelos media
online” (Herring, 2009: 12).

1.1 Relevância do tema

“O maior problema da maioria das previsões sobre tecnologia é serem invaria-


velmente feitas com base em como funciona hoje o mundo, em vez de como vai
funcionar amanhã” (Morozov, 2011: 247). Este será, com certeza, um dos grandes
desafios da sociedade atual: conseguir prever, em movimento, as alterações pro-
duzidas pela tecnologia, no quotidiano. Atente‑se, por exemplo, à emergência da
nova linguagem presente nas mensagens escritas, repletas de abreviaturas e sím-
bolos, “um dos fenómenos linguísticos mais inovadores dos tempos modernos”
(Crystal, 2008: 172).
Muito mais que questões de estilo ou da própria linguagem, as relações interpes-
soais preocupam os investigadores. O phubbing, fenómeno que consiste em ignorar
socialmente os outros desviando o olhar para o telemóvel e a nomofobia1 são dois
dos efeitos que têm recebido alguma atenção dos especialistas.
Pressente-se um afastamento social. Não porque seja uma escolha própria.
A necessidade social de viver intensamente, privilegiando a mobilidade, tem vin-
do a alterar o quotidiano e os riscos associados à sociabilidade, traços incertos
que são essenciais de gerir porque “enquanto as culturas e as fases de desen-
volvimento social anteriores confrontaram ameaças de várias maneiras, a socie-
dade de hoje é confrontada por si própria através da sua relação com os riscos”
(Beck, 1992: 183).

1
Medo de ficar sem o telemóvel.

ARTIGOS | 67
2. Revisão de literatura
A revisão de literatura encontra-se dividida em três principais partes. A primeira
dedicada a um conjunto de temas introdutórios, uma segunda que se debruça sobre
a sociedade e as novas tecnologias móveis de comunicação e a terceira parte rela-
cionada com o desenvolvimento do modelo concetual do estudo.

2.1. Temas introdutórios

2.1.1. Consumo, vida moderna e mobilidade

As instituições da sociedade atual encontram-se mais orientadas para o indivíduo


do que para o grupo confirmando‑se a tendência da individualização “uma condição
social que não chegou por uma decisão livre dos indivíduos” (Beck & Beck‑Gernsheim,
2002: 4), acabando por ser “uma fatalidade, não uma escolha” (Bauman, 2001: 34) na
medida em que “a possessão dirigida de objetos e de bens de consumo é individuali-
zante, dessolidarizante e desistoricizante (Baudrillard, 2011: 102). É no encadeamento
deste confronto, entre as políticas neoliberais, a compreensão e aceitação da individua-
lização e a própria intervenção de cada cidadão na sociedade atual, que se descobre
parte de um modelo, fechado e redutor, sem grande margem de manobra e que con-
centra no consumo parte da sua energia. “O uso do termo cultura de consumo serve
para enfatizar que o mundo das mercadorias e os seus princípios de estruturação são
centrais para compreender a sociedade contemporânea” (Featherstone, 1995: 82).
No entanto e antes de se “julgar” as práticas do consumo, questiona-se na atualida-
de se existirão outros caminhos alternativos à individualização. “O abismo entre a indivi-
dualidade como fatalidade e a individualidade como capacidade realista e prática de au-
toafirmação está a aumentar” (Bauman, 2001: 43) tornando revelador o instinto felino e
de sobrevivência de qualquer cidadão. Esta nova realidade é marcada pela globalização,
aumento da intensidade concorrencial e mobilidade dos cidadãos. Na observação do
conceito de mobilidade, como uma “categoria positiva” (Urry, 2007: 7), surgem inevitavel-
mente as tecnologias móveis. As facilidades que os telemóveis trouxeram ao quotidiano
potenciam inclusivamente o estado móvel. Estar móvel e “ligado” acaba por aumentar o
raio de ação do fluxo do próprio movimento, independentemente do seu caráter pessoal
ou profissional. Hoje em dia, a proliferação das tecnologias acaba por funcionar como
o combustível da sociedade, tornando‑a mais fluída e líquida, ou até, no sentido inverso,
gerando entropia. O processo na família reflete igualmente esta nova realidade. Agora,
“a família é um hub2 de comunicação, um centro da capital de rede” (Urry, 2007: 224).

2.1.2. Comunicação, identidade e estilos de vida

A construção do estilo de vida alterou-se após a chegada da internet. Vive-se numa


altura propícia para a evolução da cultura de consumo. Este desenvolvimento deve‑se à

2
O hub é um dispositivo que permite interligar computadores de uma rede.

68 | MEDIA&JORNALISMO
evolução dos próprios media e ao surgimento da internet, à multimédia, aos smartphones
e outras tecnologias que proporcionaram e alteraram a forma como as marcas são comer-
cializadas e observadas pelos consumidores. Estas mudanças têm influenciado a diver-
sidade e vitalidade dos media, a relação de consumo com as definições de prosperidade
e felicidade, a privacidade, o impacto ambiental, entre outros fatores (McAllister, 2010).
Os jovens adultos têm revelado facilidade em integrar diferentes dispositivos
tecnológicos nas suas rotinas diárias, salientando-se a perícia com que o fazem, de
diversas formas, em diversos momentos e circunstâncias. É uma geração livre de
ansiedade uma vez que “nunca vivenciaram o mundo sem computadores, internet ou
telemóveis” (Yarrow & O’Donnel, 2009: 8) e que revela consumidores com algumas
caraterísticas diferenciadoras. Consumidores habituados à velocidade do quotidia-
no, que desenvolvem diferentes tarefas em simultâneo (multitasking) e interagem
com os outros, sem necessitarem de interações físicas, grande parte das vezes. In-
dependentemente da qualidade dos relacionamentos realça-se a capacidade de a
tecnologia gerar estes mesmos encontros, em maior quantidade, o que muitas vezes
é impossível no modo físico. São “tecnologias do relacionamento” (Turkle, 2011: 157).

2.1.3. Publicidade, consumo e satisfação de necessidades

Os discursos das mercadorias, publicidade e outras formas de comunicação promo-


cionais raramente revelam as questões de produção da própria mercadoria. É nos sig-
nificados adicionais que a publicidade tenta impor as mercadorias (marcas), ou seja, os
publicitários contribuem para o fetichismo da mercadoria, atribuindo valor “simbólico” aos
produtos. A transformação não ocorre apenas nas mercadorias porque também as pró-
prias pessoas, os consumidores, são “construídas”, enquanto pessoas que têm desejos
(McAllister, 2010). “O modo de produção capitalista, portanto, corrompe não só o mundo
material de consumo, mas também os próprios consumidores” (Sulkunen, 2009: 105).
A publicidade é uma indústria em transição (Yarrow et al., 2009: 34), também nas
redes sociais online, onde os millennials procuram relações de maior interatividade,
proximidade e genuinidade. A “publicidade de hoje deve ser observada no contexto
de um mundo de imensa variedade e escolha. Nas economias em que não há esco-
lha, não há necessidade de publicidade” (Fletcher, 2010: 131) destacando‑se que é
através da publicidade que os consumidores tomam as suas decisões de compra,
distinguindo produtos e serviços. Para outros, “a publicidade é considerada como re-
presentante ou encarnação do capitalismo de uma forma destilada” (Cronin, 2000:
38) e “não é mais nem menos que uma forma eficiente de vender” (Ogilvy, 1987: 206).

2.2. Os millennials, a sociedade e as novas tecnologias móveis da comunicação

2.2.1. Os millennials

Os millennials, também designados por Geração Y, têm sido identificados como uma
geração ligada ao crescimento das redes sociais online, abrangendo “indivíduos que nunca

ARTIGOS | 69
vivenciaram o mundo sem computadores pessoais” (Lingelbach et al., 2012: 136). Uma “ge-
ração sempre conectada” (Malikhao & Servaes, 2010: 68) que compreende pessoas nasci-
das entre 1982 e 2000, que têm preferência por uma estrutura equilibrada entre o trabalho e
a família, não sendo exclusivamente dedicados ao trabalho. Investem tempo em atividades
de lazer e cultura procurando o bem‑estar e a qualidade de vida (Lingelbach et al., 2012).
A importância do telemóvel está relacionada com estilo de vida móvel dos jovens
de hoje (Abeele et al., 2014). Trata-se do surgimento de uma cultura jovem móvel
que valoriza os equipamentos e as suas funcionalidades enquanto parte integrante
da sua vivência. Estes equipamentos contribuem, também, para o aumento da ca-
pacidade de influência e de popularidade junto dos grupos de pertença e ainda para
atenuar a sensação de falta de tempo dos utilizadores.

2.2.2. Perspetivas sobre as tecnologias e novos media: debates em torno da


comunicação móvel

A adoção em massa dos telemóveis não tem precedentes no mundo da tecno-


logia. “O impacto dos telemóveis no mundo desenvolvido é nada menos do que es-
petacular: ampliou a conetividade, estimulou as empresas, e criou postos de traba-
lho” (Katz, 2008: 27). A conetividade acaba por ser um impulsionador do quotidiano
e mesmo em estado de negação, torna-se difícil de desprezar ou até de contrariar.
Este fenómeno, que liga uns aos outros, não tem limites e fronteiras. “Nos dias de
hoje, estar conectado depende não da nossa distância, mas da disponibilidade das
tecnologias de comunicação” (Turkle, 2011: 155).
Independentemente da perspetiva assumida em relação à observação dos novos
hábitos de comunicação, através dos telemóveis, seja de descontinuidade, uma pers-
petiva que considera que “as tecnologias são pensadas ​​para ser revolucionárias” ou
de continuidade, que “rejeita a retórica revolucionária e afirma que as consequências
sociais da mudança tecnológica tendem a ser mais graduais e incrementais” (Ha-
ckett et al., 2007: 963) o telemóvel surge como “um instrumento de mudança social.
Mudou a forma de como e quando as pessoas comunicam com os amigos, fami-
liares e colegas” (Kling, 2009: 10). A consciência da importância desta conetividade
e as inúmeras possibilidades provenientes das potencialidades dos equipamentos
móveis “levou os programadores a analisarem formas de permitir que os utilizado-
res dos telemóveis utilizem a World Wide Web nos seus telefones” (Kling, 2009: 74).
O quotidiano tornou-se “fundamentalmente heterogéneo e parte dessa hetero-
geneidade são vários objetos materiais (incluindo “natureza” e “tecnologias”) que di-
reta ou indiretamente se movem ou bloqueiam o movimento de objetos, pessoas e
informações” (Urry, 2007: 50).

2.2.3. A comunicação móvel na vida quotidiana: novas tecnologias, novos


laços e sociabilidades comunicativas

As pessoas comunicam, mas afastam-se, agora que já não é necessário estarem


próximas para simplesmente transmitirem uma mensagem. Existe um antagonis-

70 | MEDIA&JORNALISMO
mo criado pelas distâncias cuja proveniência tão pouco é certa. Os “fluidos globais
não demonstram um claro ponto de partida” (Sheller & Urry, 2003: 117) e a incerteza,
dada agora como certa, vai revelando novos domínios, sem precisar quais deles são
indispensáveis. A mobilidade “envolve um deslocamento - o ato de movimento entre
locais. Esses locais podem ser vilas ou cidades, ou podem ser pontos a poucos cen-
tímetros de distância” (Cresswell, 2006: 2). Normalmente a ponte entre “estes locais”
acaba por ser o telemóvel e outras tecnologias móveis. São pontes que se estabele-
cem e que dão a noção de melhor aproveitar o tempo individual.
Com a comunicação reduzida ao instantâneo é fundamental aliar as novas com-
petências comunicacionais com o ritmo de um quotidiano globalizado em que para
além do aprender a saber ser, saber fazer e saber estar, importa saber viver.

2.3. O desenvolvimento do modelo concetual

2.3.1. Os Usos e Gratificações (U & G)

A perspetiva dos Usos e Gratificações passou a identificar a audiência como


uma entidade ativa, contrariamente às perspetivas anteriores que consideravam as
audiências como entidades passivas, sujeitas aos diversos estímulos dos media. O
novo paradigma, introduzido pela primeira vez por Katz, recebeu a contribuição de
Jay Blumer e Michael Gurevitch (Rossi, 2002) revelando uma nova perceção do es-
tudo das audiências.
“A perspetiva teórica dos Usos e Gratificações tem sido frequentemente utilizada
para examinar os novos padrões de comportamento e sua motivação subjacente ao
uso dos novos media” (Wang et al., 2012: 1829). As necessidades englobam “o pro-
duto combinado de disposições psicológicas, fatores sociológicos e as condições
ambientais’’ (Wang et al., 2012: 516) que acabam por motivar o uso das novas tec-
nologias. Não é certo que os social media satisfaçam socialmente os utilizadores,
porque estes, apesar de identificarem as necessidades sociais como a principal ra-
zão de utilizarem estes media, acabam por não afirmar que estes são socialmente
gratificantes (Wang et al., 2012).
A “quantidade de tempo gasto, os traços de personalidade, e os motivos do uso
da internet são significativamente associados ao fluxo e dependência para cada tipo
de media (Khang et al., 2013: 2422). Existe uma separação dos usos e gratificações
quando o utilizador contribui com conteúdos e o momento em que recolhe conteúdos,
concluindo‑se que as gratificações são diferentes de um caso para o outro (Chua et
al., 2011: 14). A utilização do telemóvel poderá até tornar-se um hábito que se pode
transformar num vício para os utilizadores tal é a forma intensa como utilizam os
seus equipamentos. Destaca‑se um modelo relacionado com o vício da utilização
dos telemóveis em que a relação entre o uso e a experiência de fluxo é salientada.
Existe uma “fase de desenvolvimento de tolerância, os utilizadores dos media tendem
a procurar estímulos mais fortes, que esta pesquisa assume estar correlacionada
com a fase de vício” (Khang et al., 2013: 2423). Deste modo, propõem-se a seguinte
hipótese de investigação:

ARTIGOS | 71
Hipótese 1: O uso do telemóvel potencia a vivência de momentos de fluxo por
parte dos seus utilizadores.

2.3.2. A atitude perante o uso de telemóvel

O paradigma dos Usos e Gratificações assume a existência de uma “audiên-


cia relativamente ativa, que conscientemente seleciona conteúdos e meios de
comunicação para satisfazer necessidades ou desejos específicos” (Papacha-
rissi, 2008: 137), desejos esses que surgem no estudo realizado por Bagozzi et
al. (2007) relacionados com a atitude. Neste caso, o conceito de atitude foi ana-
lisado com a tentativa de encontrar e procurar compreender se as atitudes de-
sencadeadas pelo uso do telemóvel têm como “alvo” um ou mais desejos dos
seus utilizadores reconhecendo-se, antecipadamente, diversas tipologias de te-
lemóveis, ambientes e recursos utilizados. É nesta diversidade de equipamen-
tos e contextos que se pretende analisar a atitude e a potencial relação com os
Usos e Gratificações.
Em resumo, as duas perspetivas, a partir da atitude, indiciam que os telemóveis
permitem satisfazer necessidades ou desejos dos seus utilizadores e ainda que a sua
utilização contribui para a vivência da experiência de fluxo. Deste modo, propõem-
-se as seguintes hipóteses:
Hipótese 2: As atitudes desencadeadas pelos telemóveis têm como “alvo” um
ou mais desejos dos seus utilizadores;
Hipótese 3: A atitude dos utilizadores dos telemóveis contribui para gerar ou in-
fluenciar a experiência de fluxo.

2.3.3. A Experiência de Fluxo dos utilizadores

Independentemente do local, é habitual encontrar-se alguém ao telemóvel que


está completamente “distraído(a)” do que se passa à sua volta. Este ignorar ou alhea-
mento da realidade e dos outros, por parte dos utilizadores dos telemóveis, tem ge-
rado alguma discussão pública tendo inclusivamente originado um movimento de-
signado por “Stop Phubbing”3.
Muitas vezes é referido pelos utilizadores dos telemóveis que quando estão
a utilizar os seus equipamentos “não dão conta de o tempo passar” o que aca-
ba por originar alguma distração. “A experiência de fluxo representa um estado
de consciência em que uma pessoa está tão absorvida por uma atividade que
está a desenvolver que não tem consciência sobre si mesma durante todos os
seus movimentos” (Finneran & Zhang, 2005: 82). Recorda‑se Csikszentmihalyi,
o fundador da teoria da Experiência de Fluxo no sentido em que “a pessoa que
vivencia a experiência de fluxo deve ter objetivos claros, sentir-se em contro-
lo, perder a sua autoconsciência e vivenciar o tempo distorcido” (Finneran &
Zhang, 2005: 83).

3
http://stopphubbing.com/.

72 | MEDIA&JORNALISMO
No modelo concetual a experiência de fluxo surge como consequência da atitu-
de e dos Usos e Gratificações. O envolvimento com os telemóveis, presente nos dois
conceitos chave (Khang et al., 2013; Esteban-Millat et al., 2014) possibilita vivenciar
a experiência de fluxo, mesmo tendo em consideração a atual diversidade de equi-
pamentos na atualidade.

Figura 1 - Proposta de modelo concetual.

3. Metodologia

No estudo desenvolvido acentuou-se a intenção de apresentar diversas perspe-


tivas e neste sentido a investigação incorpora diferentes métodos, abordagem que
Maxwell (2005) considera ser vantajosa para garantir a validade dos dados obtidos
ao longo da investigação. Para além de diferentes paradigmas impôs-se a necessi-
dade de apresentar as diferentes perspetivas da investigação:
A partir dos consumidores, os jovens adultos, através da aplicação do modelo
de equações estruturais;
A partir da comunicação gerada no Facebook, pelas principais marcas/operado-
res do mercado, através do paradigma de análise de conteúdos web (WebCA) que
integra a análise do discurso, no seio da “rede social”, uma abordagem que “surge
como resposta aos desafios suscitados pelos media online” (Herring, 2009: 12).

3.3. Amostra do estudo

A amostra, não probabilística ou não aleatória objetiva (Maroco, 2007: 31), foi
constituída por jovens adultos estudantes do ensino superior, nascidos entre 1980 e
2000, que possuem telemóvel. Obtiveram-se 1323 respostas, tendo sido validados
649 questionários. Em relação à comunicação da rede social foram analisadas 46
publicações das páginas da rede social Facebook, dos principais operadores do se-
tor das telecomunicações, em Portugal.

ARTIGOS | 73
4. Resultados

4. 1. Questionário

4.1.1. O Modelo de Equações Estruturais

A realização da análise fatorial confirmatória incluiu duas fases distintas. A pri-


meira, que consistiu na análise dos alfas de Cronbach, seguindo-se a análise do mo-
delo com validade convergente. Deste modo foi possível definir os constructos com-
preendidos no modelo final. Na primeira fase relativa à análise fatorial confirmatória
foram identificados os alfas de Cronbach, incluídos no modelo concetual, tendo sido
retiradas as variáveis que apresentaram valores mais baixos.
Seguiu-se um primeiro teste do modelo concetual através do software LISREL,
versão 8.80. Eliminaram-se alguns fatores e/ou variáveis de modo a obter-se uma
solução convergente, seguindo‑se, uma nova análise fatorial confirmatória utilizan-
do agora os procedimentos de estimativa de full information maximum likelihood
(FIML), do LISREL. Através desta fase, os fatores restantes, que não apresentaram
coeficientes superiores ou iguais a .60 foram depurados das variáveis resultando um
grupo de conceitos e variáveis.
Este modelo foi alvo de nova análise, compreendendo quatro fases distintas, se-
gundo Lages, Silva & Styles (2009):

1. Grau de confiança do modelo através dos índices de medida adicionais (CFI,


TLI, IFI e RMSEA);
2. Consistência interna analisada através da validade compósita (Bagozzi, 1980);
3. Validade convergente medida pelo peso médio dos diversos itens;
4. Validade discriminante medida pelo teste de Fornell & Larcker (1981) e ain-
da pela comparação do quadrado das intercorrelações com a variância mé-
dia explicada nos itens pelo constructo (Fornell & Larcker, 1981; MacKenzie,
Podsakoff & Rich, 2001).

Após o desenvolvimento dos procedimentos anteriores o modelo foi avaliado de


uma forma global, observando-se as diversas hipóteses bem como a importância
relativa dos diversos constructos.

4.1.2. Teste das hipóteses

O modelo estrutural final apresenta um Chi-Square = 610.08 (df=239, p<0.00).


Os índices gerais de ajuste do modelo foram bastante aceitáveis: RMSEA = 0.049;
CFI = 0.99; NFI = 0.98; IFI = 0.99. Relativamente à hipótese geral, relacionada com
a utilização do telemóvel, pelos jovens adultos, essencialmente desenvolvida com o
propósito de fomentar relações sociais, não ficou provada. No modelo final é possí-
vel observar que a utilização do telemóvel acaba por ser híbrida, integrando a manu-

74 | MEDIA&JORNALISMO
tenção do relacionamento e a componente social e uma vertente mais interior onde
surge o lazer e a procura de informação, podendo assumir esta última um cariz pro-
fissional ou pessoal.
A hipótese 1 que propõe a relação entre o uso do telemóvel e a experiência de flu-
xo ficou provada. O uso relaciona-se com a curiosidade e a distorção do tempo dos
utilizadores, vivenciando estes, em determinados momentos, a experiência de fluxo.
A hipótese 2 que relacionava as atitudes desencadeadas pelo telemóvel com de-
terminados desejos dos utilizadores não ficou provada. Foi encontrada uma outra
relação, no sentido inverso, que indica existir uma ligação entre as gratificações de
procura dos utilizadores, nomeadamente o lazer, e a atitude dos utilizadores.
Por último, a relação entre a atitude dos utilizadores dos telemóveis e a expe-
riência de fluxo dos mesmos, indicada como hipótese 3, ficou provada. Verificou-se
uma ligação entre a atitude e o fluxo, nomeadamente a curiosidade, que por sua vez
é geradora de distorção do tempo dos utilizadores.

Figura 2 – Modelo estrutural final (standardized coefficients).

Para além da análise das hipóteses referidas foi encontrado suporte para outras
relações que surgem a partir dos constructos que se mantiveram e que são o resul-
tado da aplicação do modelo de equações estruturais: a) manutenção do relaciona-
mento, como gratificação de partilha que os utilizadores obtêm quando partilham
através do telemóvel, está interligada ao processo de socialização dos mesmos.
Ainda em relação a estas gratificações, o processo de socialização está relacionado
com as gratificações de procura, nomeadamente com os recursos de informação e
ainda com o lazer, que se pode obter através dos telemóveis; b) em relação às gra-
tificações de procura identificou-se uma relação entre os recursos de informação
e o lazer. Por sua vez os recursos de informação relacionam-se com o uso. O lazer
relaciona-se igualmente com o uso, atitude e ainda com a curiosidade pertencente à
experiência de fluxo; c) o uso surge relacionado com a atitude e a experiência de flu-
xo, nomeadamente com a curiosidade e a distorção do tempo. O uso acaba por ser
a ação que integra os hábitos e rotinas dos utilizadores sugerindo a relação, que em
alguns casos, pode levar à vivência da experiência de fluxo; d) a atitude está relacio-
nada com a experiência de fluxo, concretamente com a curiosidade, assinalando-se
que a atitude dos utilizadores pode influenciar a experiência de fluxo; e) finalmente

ARTIGOS | 75
a experiência de fluxo que revela uma relação entre a curiosidade e a distorção do
tempo. Esta relação, suportada pelos resultados, indica que a curiosidade gerada
pela utilização do telemóvel pode fazer com que os seus utilizadores vivenciem a
experiência de fluxo, levando à distorção do tempo.

4.2. Análise de conteúdo web

Através do modelo de análise de conteúdos web de Herring (2009) foram anali-


sadas cinco páginas dos principais operadores de telecomunicações, em Portugal,
nomeadamente Meo, NOS, Vodafone, Moche e Yorn. A análise efetuada debruçou-
-se sobre as imagens/vídeos, temas/assuntos tratados, características, links, inte-
ração e linguagem presente no Facebook, durante 12 dias, o período selecionado
para a amostragem.
A comunicação analisada no Facebook revelou um tom informal. Os principais
assuntos estão relacionados com as áreas de negócio de cada empresa/marca, re-
tirando estes o protagonismo aos fait divers, que não revelaram preponderância.
O estudo desenvolvido indica que o uso dos passatempos nas redes sociais online
é uma das estratégias usadas. Esta tendência foi igualmente identificada na investi-
gação quantitativa tendo esta revelado que o lazer se relaciona com o uso, atitude e
experiência de fluxo e que por sua vez o uso e a atitude dos utilizadores influenciam
a experiência de fluxo destes, confirmando o estudo de Esteban‑Millat et al. (2014).
A interferência no uso e nas atitudes dos consumidores é clara. As estratégias
call to action, dos operadores de telecomunicações, são usadas como estímulos,
comunicando aos utilizadores o que devem fazer de seguida (Treadaway & Smith,
2010: 144). É a ponte para as gratificações de procura como o acesso à informa-
ção e o lazer que influenciam o uso e a atitude e acabam por gerar a vivência da ex-
periência de fluxo, confirmando o estudo de Khang et al. (2013). As hashtags são
também utilizadas bem como a colocação de perfis de figuras públicas como links
para aumentar a partilha das publicações. O humor é utilizado na comunicação e
os emoticons podem acrescentar emotividade à comunicação, em especial quando
dirigida aos mais jovens.

5. Conclusões

Este estudo pretendeu contribuir para o desenvolvimento da literatura e inves-


tigação das tecnologias de comunicação procurando refletir sobre a sociedade
e as novas tecnologias móveis, onde se revela o consumo e os efeitos da publi-
cidade sobre os jovens consumidores, especialmente hoje em que a sociedade
discute diversos problemas sociais, entre eles o efeito da individualização, aqui
entendido “como um processo historicamente contraditório da socialização” (Beck
& Beck-Gernsheim, 2002: 31).
A relação entre as atitudes desencadeadas pelo telemóvel e determinados dese-
jos dos utilizadores, aqui referidas como gratificações, ficou por provar, não se confir-
mando o estudo de Bagozzi et al. (2007). A atitude acaba por não interferir nas gra-

76 | MEDIA&JORNALISMO
tificações, sendo a procura destas, o centro dos seus desejos, as suas prioridades e
rotinas, a influenciar a atitude o que acaba por demonstrar que os utilizadores “com
base nos seus valores, ideais, experiências e contextos sociais, é que recorrem aos
media para recolherem satisfações que respondam às suas necessidades cogniti-
vas, intelectuais, entre outras” (Rabot & Oliveira, 2012: 2).
Realça-se que 55,54% dos indivíduos que compuseram a amostra utilizam duas
ou mais horas por dia os seus telemóveis e todos os dias enviam sms. São estes jo-
vens que “estão entre os primeiros a crescer com uma expetativa de conexão contí-
nua” (Turkle, 2011: 17). Os comunicadores instantâneos que privilegiam a comunica-
ção constante e os pesquisadores de informação que entendem o telemóvel como
uma ferramenta (Head et al., 2012).
Os jovens adultos, que compuseram a amostra, mostraram uma perspetiva prag-
mática relativamente ao uso do telemóvel, demonstrando que estes equipamentos
têm uma função essencialmente prática, não servindo propriamente para impressio-
nar os outros, conscientes de que “nos dias de hoje, estar conectado depende não da
nossa distância, mas da disponibilidade das tecnologias de comunicação” (Turkle,
2011: 155). Porém, os efeitos negativos da utilização devem servir de reflexão dado
que “o estímulo intrusivo quebra a nossa concentração na tarefa que temos em mão,
e o desempenho degrada-se” (Baron, 2008: 218).
A experiência de fluxo é influenciada pela tecnologia mesmo considerando que
a vivência deste estado, numa sociedade repleta de incertezas, pode ser difícil (Csi-
kszentmihalyi, 1990: 86) tendo sido demonstrado pelo estudo que a curiosidade, va-
riável integrante da experiência de fluxo, potencia a distorção do tempo quando os
jovens adultos usam telemóveis.
A necessidade de comunicar de uma forma mais rápida gerou estilos mais cur-
tos (Benedito, 2003: 193). Este tipo de comunicação é normalmente utilizado pelos
millennials tendo o estudo quantitativo revelado que a gratificação de partilha de
manutenção do relacionamento facilita o processo de socialização e que este está
ligado às gratificações de procura, nomeadamente com os recursos de informação
e ainda com o lazer.
No modelo final da investigação é possível observar-se a distorção do tempo
como último efeito resultante da ação dos telemóveis: “a distorção do tempo e o
foco da atenção são os antecedentes diretos mais importantes do fluxo” (Esteban-
-Millat et al., 2014). Através da análise descritiva é possível concluir que este aspeto
não é unânime entre a amostra do estudo. Aceitar a distração não é porventura fácil,
muitos menos assumir a nomofobia. Ficou provado, através do estudo, que o lazer
(como gratificação de procura), o uso e a atitude relacionam‑se diretamente com a
curiosidade, que é hoje “uma paixão de massas” (Lipovetsky, 2007: 38).
Um dos resultados da análise descritiva indica a utilização intensa dos sms pe-
los millennials, O texting é uma adaptação ao novo ritmo de uma “sociedade em
que aumentaram as pressões sobre tempo e períodos curtos de atenção” (Crystal,
2008: 96). Uma linguagem híbrida, que apresenta diversas dimensões e expandiu a
sua universalidade, talvez porque esta nova forma de comunicar instantaneamente,
através de palavras ou símbolos, “acrescentou uma nova dimensão para uso da lín-
gua” (Crystal, 2008: 8). São tecnologias da “nova” comunicação que “nós podemos
necessitar de aprender a usá-las de forma mais responsável” (Baron, 2008: 231).

ARTIGOS | 77
Destaca-se ainda a complementaridade dos resultados dos dois estudos na me-
dida em que se o primeiro revelou que o efeito da utilização dos telemóveis encontra
a experiência de fluxo como último efeito da utilização destes equipamentos e que a
mesma pode ser considerada um estádio inicial do vício (Khang et al., 2013) a utili-
zação das redes sociais revelou que existe uma predisposição para a interação com
conteúdos relacionados com os temas lúdicos e o entretenimento.

5.1. Limitações e futuras linhas de investigação

O estudo realizado apresenta um conjunto de limitações que devem ser consi-


deradas para o efeito. Em primeiro lugar refere-se uma revisão da literatura mais
completa uma vez que em virtude da atualidade do tema a produção científica vai
revelando frequentemente novos estudos. Com o reforço da amostra seria possível
alcançar resultados mais robustos. Por último, uma referência à própria metodolo-
gia mista do estudo que poderia evoluir para uma triangulação através da integra-
ção de focus group ou de um estudo etnográfico que permitisse à investigação um
contacto mais próximo com a amostra do estudo.

Bibliografia

Abeele, M., Antheunis, M. & Schouten, A. (2014). Me, Myself and My Mobile: A Segmentation of
Youths Based on their Attitudes towards the Mobile Phone as a Status Instrument. Tele-
matics and Informatics, 31(2), 194-208.
Auto-Regulação Publicitária (2014). Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária em ma-
téria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial. Lisboa: ARP.
Bagozzi, R. (1980). Causal Models in Marketing. New York: John Wiley.
Bagozzi, R., Dholakia, U. & Pearo, L. (2007). Antecedents and Consequences of Online Social
Interactions. Media Psychology, 9, 77-114.
Baudrillard, J. (2011). A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70.
Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Baron, N. (2008). Always On. New York: Oxford University Press.
Beck, U. (1992). Risk Society: Towards a New Modernity. London: SAGE.
Beck, U. & Beck-Gernsheim, E. (2002). Individualization: Institutionalized Individualism and its
Social and Political Consequences. London: Sage.
Benedito, J. (2003). Dicionário da internet e do telemóvel. Lisboa: Centro Atlântico.
Bisquerra, R. (2000). Metodos de Investigacion Educativa: Guia Practica. Barcelona: Ceac.
Castells, M., Fernandez-Ardvol, M., Qiu, J. e Sey, A. (2009). Comunicação móvel e sociedade.
Uma perspetiva global. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Chua, A., Goh, D. & Lee, C. (2011). Mobile content contribution and retrieval: An exploratory
study using the uses and gratifications paradigm. Information Processing and Manage-
ment Journal, 48, 13-22.
Cresswell, T. (2006). On the Move - Mobility in the modern western world. New York: Routledge.
Cronin, A. (2000). Advertising and Consumer Citizenship. London: Routledge.
Crystal, D. (2008). Txtng: The Gr8 Db8. New York: Oxford University Press.

78 | MEDIA&JORNALISMO
Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: The psychology of optimal experience. New York: Harper-Bass.
Esteban-Millat, I., Martínez-López, F., Huertas-García, R., Meseguer, A.& Rodríguez‑Ardura, I.
(2014). Modelling students’ flow experiences in an online learning environment. Compu-
ters & Education Journal, 71, 111-123.
Featherstone, M. (1995). Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel.
Finneran, C., Zhang, P. (2005). Flow in Computer-Mediated Environments: Promises and Chal-
lenges. Communications of the Association for Information Systems, 15, 82-101.
Fletcher, W. (2010). Advertising: A Very Short Introduction. Oxford: University Press.
Fornell, C. & Larcker, D. (1981). Evaluating Structural Equation Models with Unobservable Vari-
ables and Measurement Error. Journal of Marketing Research, 18, 39-50.
Hackett, J., Amsterdamska, O., Lynch, E., Wajcman, J. & Bijker, E. (2007). The Handbook of Sci-
ence and Technology Studies. Cambridge: The MIT Press.
Haverila, M. (2011). Behavioral aspects of cell phone usage among youth: an exploratory study.
Young Consumers, 12(4), 310-325.
Head, M. & Ziolkowski, N. (2012). Understanding student attitudes of mobile phone features:
Rethinking adoption through conjoint, cluster and SEM analyses. Computers in Human Be-
havior Journal, 28, 2331-2339.
Herring, S. (2009). Web Content Analysis: Expanding the Paradigm. In J. Hunsinger, M. Allen &
L. Klastrup (Eds.). The International Handbook of Internet Research (pp. 233-249). Spring-
er Verlag.
Katz, J. (2008). Handbook of Mobile Communication Studies. Cambridge: The MIT Press.
Khang, H., Kim, J., Kim, Y. (2013). Self-traits and motivations as antecedents of digital media
flow and addiction: The Internet, mobile phones, and video games. Computers in Human
Behavior Journal, 29, 2416-2424.
Kling, A. (2009). Cell Phones. Farmington Hills; Lucent Books.
Lages, L., Silva, G. & Styles, C. (2009). Relationship Capabilities, Quality, and Innovation as Deter-
minants of Export Performance. Journal of International Marketing, 17(4), 47-70.
Lingelbach, D., Patino, A. & Pitta, D. (2012). The emergence of marketing in Millennial new ven-
tures. Journal of Consumer Marketing, 29(2), 136-145.
Lipovetsky, G. (2007). A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo. Lis-
boa: Edições 70.
Mackenzie, S., Podsakoff, P., Rich, G. (2001). Transformational and Transactional Leadership
and Salesperson Performance. Journal of Academy of Marketing Science, 29(2), 115-134.
Maroco, J. (2007). Análise Estatística – Com utilização do SPSS. Lisboa: Sílabo.
Maxwell, J. (2005). Qualitative Research Design: An Interactive Approach. California: Sage.
Mcallister, M. (2010).  Consumer culture and new media: Commodity fetishism in the digital
era.  In S. Papathanassopoulos (Ed.), Media perspectives for the 21st century, (pp. 149-
165). London: Routledge.
Morozov, E. (2011). The net delusion: The dark side of internet freedom. New York: PublicAffairs.
Ogilvy, D. (1987). Ogilvy on Advertising. New York: Vintage Books.
Pais, J. (2010). O “corre-corre” cotidiano no modo de vida urbano. Revista TOMO, 16, 131-156.
Papacharissi, Z. (2008). Uses and Gratifications. An Integrated Approach to Communication
Theory and Research. Michael Salwen, Don Stacks (Eds.), Lawrence Erlbaum (pp. 137-
152). London: Routledge
Pereira, F., Veríssimo, J. (2004). Publicidade – O estado da Arte em Portugal. Lisboa: Edições
Sílabo.

ARTIGOS | 79
Rabot, J., Oliveira, M. (2012). Usos e Gratificações da População Idosa com o Uso da Internet.
In X Congresso da Lusocom, Comunicação, Cultura e Desenvolvimento, pp. 1-17.
Rossi, E. (2002). Uses and gratifications/dependency theory [online]. [Acedido em 21/02/2015].
Disponível em: http://zimmer.csufresno.edu/~johnca/spch100/7-4-uses.htm.
Sheller, M., Urry, J. (2003). Mobile transformations of public” and private life. Theory, Culture &
Society, 20(3), 107-25.
Sulkunen, P. (2009). The Saturated Society. London: Sage.
Treadaway, C., Smith, M. (2010). Facebook Marketing: An Hour a Day. Indianapolis: Wiley Pub-
lishing.
Turkle, S. (2011). Alone Together. New York: Basic Books.
Urry, J. (2007). Mobilities. Cambridge: Polity.
Wang, Z., Tchernev, J., Solloway, T. (2012). A dynamic longitudinal examination of social me-
dia use, needs, and gratifications among college students. Computers in Human Behavior
Journal, 28, 1829-1839.
Yarrow, K., O’Donnel, J. (2009). Gen Buy: How Tweens, Teens, and Twenty-Somethings Are Rev-
olutionizing Retail. San Francisco: Jossey-Bass.

Notas biográficas

Paulo Pinto Silva é Licenciado em Comunicação Empresarial e Relações Públicas pela Escola
Superior de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Lisboa, Mestre em Gestão de Siste-
mas elearning pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,
Especialista em Marketing e Publicidade pelo Instituto Politécnico de Viseu e Doutor em Ciências
da Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Atualmente é Professor
Adjunto Convidado da Escola Superior de Educação de Viseu, Diretor de Marketing e Contas de
um grupo empresarial do setor da Comunicação e formador nas áreas do Marketing e Comuni-
cação. É membro da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação - SOPCOM e do Cen-
tro de Estudos em Educação, Tecnologia e Saúde - CI&DETS do Instituto Politécnico de Viseu.
Ciência ID 5F1E-AA84-1996
Email: [email protected]
Morada: Escola Superior de Educação de Viseu, Rua Maximiano Aragão 3504 - 501 Viseu, Portugal

Cláudia Seabra concluiu o Doutoramento em Turismo em 2010 pelo(a) Universidade


de Aveiro, e o Mestrado em Ciências Sociais - Território, Identidades e Património em 2004
pelo(a) ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa e Licenciatura em Comunicação Social em
2000 pelo(a) Instituto Politécnico de Viseu. É Professora Auxiliar no(a) Universidade de
Coimbra Faculdade de Letras e Professora Adjunta Convidada no(a) Instituto Politécnico
de Viseu Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu. É investigadora nos seguintes
Centros de Investigação: CEGOT - Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Ter-
ritório, NOVASBE – Nova School of Business and Economics, CI&DETS - Centro de Estudos
em Educação Tecnologia e Saúde. 
Ciência ID: 881B-576B-3B6D
Email: [email protected]
Morada: Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Departamento de Geografia e Tu-
rismo, Colégio de S. Jerónimo, Largo da Porta Férrea, 3004-530 Coimbra, Portugal.

80 | MEDIA&JORNALISMO
Isabel Ferin Cunha é Licenciada em História pela Faculdade de Letras de Lisboa (1974),
Mestra (1984) e Doutora (1987) em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo,
Brasil e Pós-Doutorada em França (CNRS, 1991). Foi professora da Universidade de São Paulo de
1983 a 1991 e da Universidade Católica de Lisboa, 1992-2002. É atualmente Professora Associa-
da com Agregação da Universidade de Coimbra. Foi vice-presidente do Centro de Investigação
Media e Jornalismo, actualemnte ICNOVA – Instituto de Comunicação da NOVA (2004-2006)
e tem coordenado alguns projetos aprovados pela Fundação Ciência e Tecnologia/Portugal.
Coordenou de 2003 a 2007 uma equipa de investigação que desenvolveu com o apoio do Alto
Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME) o Projeto Media, Imigração e Mino-
rias Étnicas. Coordena desde 2006 a secção portuguesa do projeto internacional Observatório
de Ficção Ibero-Americano. Integra o projeto Inclusão e Participação Digital desenvolvido pela
Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Porto e Universidade de Austin no Texas /EUA
(2009-2011). As suas áreas de interesse são: Análise dos Media (Imprensa e Televisão); Públi-
cos, Audiências e Receção; Ficção Televisiva (Telenovelas e Séries) e Comunicação Política.
Ciência ID: B411-9FD4-B5FB
Email: [email protected]
Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submetido: 2018.08.15
* Aceite: 2018.12.15

ARTIGOS | 81
(Página deixada propositadamente em branco)
Marcas, produtos e temáticas na ficção televisiva: um
ensaio sobre o placement como estratégia de produção
Brands, products and themes in television fiction: an
essay on placement as a production strategy
Marcas, productos y temáticas en la ficción televisiva:
un ensayo sobre el planteamiento como estrategia de
producción

Nuno Goulart Brandão


Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas

Catarina Duff Burnay


Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_6

Resumo
O presente paper procura discutir, de forma preliminar e ensaística, o uso do pla-
cement de marcas, produtos e temas na ficção televisiva, enquanto estratégia co-
mercial, mas também enquanto estratégia social. Num tempo de superabundância
de oferta de conteúdos e de proliferação de plataformas de distribuição e de dispo-
sitivos de acesso, o recurso a alternativas criativas de produção e financiamento de
conteúdos procura garantir a fidelização de telespectadores e, por consequência,
desencadear a compra, num constante processo dialógico entre anunciantes/mar-
cas, canais/conteúdos e recetores/consumidores. Assim, e numa atitude reflexiva, é
explorado o product placement enquanto conceito, atendendo às suas potencialida-
des e impactos, fazendo-se o contraponto e a analogia com o placement de temas
(merchandising social), enquanto campo disciplinar dentro dos estudos dos media,
mas ainda com pouca expressão analítica e académica em Portugal.

Palavras-chave
marcas; product placement; temáticas sociais; televisão; conteúdos ficcionais

Abstract
The present paper tries to discuss, in a preliminary and essayistic way, the use of
the placement of brands, products and themes in television fiction as a commercial
strategy, but also as a social strategy. In a time of overabundance of content and
proliferation of distribution platforms and access devisces, the use of creative alter-
natives to produce and finance content, seeks to ensure the loyalty of viewers and,
consequently, to trigger the purchase, in a constant dialogical process between ad-
vertisers/brands, channels/contents and receivers/consumers. Thus, in a reflexive

ARTIGOS | 83
attitude, product placement is explored as a concept, taking into account its poten-
tialities and impacts, making up the counterpoint and analogy with the placement of
themes (social merchandising), as a disciplinary field within media studies, but still
with little analytical and academic expression in Portugal.

Keywords
brands; product placement; social themes; television; fictional content

Resumen
El presente documento busca discutir, de forma preliminar y ensayística, el uso
del posicionamiento de marcas, productos y temas en la ficción televisiva, como
estrategia comercial, pero también como estrategia social. En un tiempo de sobrea-
bundancia de oferta de contenidos y de proliferación de plataformas de distribución
y dispositivos de acceso, el recurso a alternativas creativas de producción y finan-
ciación de contenidos, busca garantizar la fidelización de telespectadores y, por con-
siguiente, desencadenar la compra, en un constante proceso dialógico entre anun-
ciantes/marcas, canales/contenidos y recetores/consumidores. Así, y en una actitud
reflexiva, se explora el product placement como concepto, atendiendo a sus poten-
cialidades e impactos, haciendo el contrapunto y la analogía con el planteamiento
de temas (merchandising social), como campo disciplinario dentro de los estudios
de los medios, pero incluso con poca expresión analítica y académica en Portugal.

Palabras clave
marcas; product placement; temáticas sociales; televisión; contenidos ficcionales

Introdução

O consumo de produtos audiovisuais faz-se, crescentemente, de forma perso-


nalizada, tanto na escolha dos conteúdos, como de plataformas e dispositivos, co-
locando desafios aos produtores, em especial aos canais em sinal aberto e genera-
listas, e, em consequência, aos anunciantes. Captar a atenção dos telespectadores,
levá-los ao consumo de longo prazo e à criação de engagement com os conteúdos
e com os canais, embora não sejam objetivos novos, mostram-se mais complicados
de alcançar, fruto do desenvolvimento da oferta por subscrição, da world wide web
e das over-the-top, assim como da tecnologia de suporte a um visionamento mais
plástico e à medida (VOSDAL, timeshift, …). Se, no passado, os indivíduos adaptavam
as suas rotinas à televisão, sujeitando-se à sincronização dos tempos e ao consu-
mo de segmentos publicitários entre conteúdos, hoje, a televisão convive com outras
plataformas, os tempos tornam-se assincrónicos e individuais e ver publicidade, em
algumas situações, torna-se uma opção.
Não negando a queda de audiências dos canais em sinal aberto, parece existir
um desfasamento entre a narrativa vigente sobre o fim da televisão e a realidade dos
números, com o universo cabo e outros (VoD, consolas, serviços OTT) a fecharem o
ano de 2017 abaixo dos 50% de audiência diária (Burnay et al., 2018), situação que

84 | MEDIA&JORNALISMO
se manteve praticamente inalterada em 2018 (+1,1%1), enquanto que os canais em
sinal aberto continuaram (e continuam) a liderar o mercado. Paralelamente, parece-
-nos interessante recuperar o estudo desenvolvido pela ERC (Entidade Reguladora
para a Comunicação), “As novas dinâmicas do consumo audiovisual em Portugal”
(2016)2, que mostra, claramente, a manutenção do interesse pela televisão e pelo
televisor por parte da população portuguesa (acima dos 90%), mesmo pelos mais
jovens (15-24 anos).
No que respeita ao investimento publicitário, fator essencial para a sobrevivência
dos canais em sinal aberto (SIC e TVI), constata-se um contínuo crescimento des-
de 2014, após seis anos de declínio em alinhamento com as condições de reces-
são económica vivida no país. A título de exemplo, o ano de 2017 fechou com mais
de 14.000 horas de publicidade nos canais de televisão monitorizados, fazendo do
meio o líder da tabela com 79% do investimento total nos media. Destes 79%, 60%
do investimento foi feito nos canais por subscrição e, os remanescentes, 40% nos
canais em sinal aberto (30% dos quais nos canais comerciais). Em números gerais,
o investimento gerou 38 horas de publicidade diária (Burnay et al., 2018).
Os canais em sinal aberto e generalistas portugueses (RTP, SIC e TVI), confron-
tados com este cenário dicotómico – perda de audiências, mas manutenção da li-
derança no conjunto dos meios e aumento do investimento publicitário – , procura-
ram (e procuram) alternativas para dar lastro ao binómio produção/promoção, tendo
em atenção que fidelização pode não implicar mudança e que a retenção das faixas
etárias mais jovens, migrantes por natureza para outros canais e plataformas, não
se faz com ofertas mimetizadas ou adaptadas. Assim, identificamos cinco linhas de
força em termos de programação: i) Uso dos canais de notícias para fazer eco das
agendas mediáticas dos canais mãe; ii) a aquisição de direitos para transmissão de
encontros desportivos, nomeadamente de futebol; iii) a oferta de grandes formatos
de entretenimento adaptados localmente, com transmissão em direto ao fim de se-
mana e de sumários alargados durante a semana, potenciando o visionamento gre-
gário e familiar e a ideia de “encontro diário” com os canais; iv) a oferta continuada
de telenovelas em horário nobre (canais comerciais), com transmissão seis dias por
semanas e ao longo de um ano e a exploração de formatos alternativos (séries) por
parte do canal de serviço público e v) o uso das plataformas digitais como reposi-
tórios, mas também como extensões, capitalizando os ativos da estação. No que
respeita à promoção, elegemos, entre outras i) o product placement como comple-
mento à publicidade tradicional, em especial dentro dos conteúdos de entretenimen-
to e ficção; ii) a autopromoção cruzada entre conteúdos e meios nos/dos diferentes
canais e estações3 e iii) o recurso a narrativas ancoradas nos quotidianos e o uso de
temáticas sociais fundadas na realidade e próximas dos indivíduos.

1
http://www.meiosepublicidade.pt/2019/01/audiencias-tv-subiu-desceu-2018/. Acedido
em 15.07.2018
2
http://www.erc.pt/documentos/Estudos/ConsumoAVemPT/ERC2016_AsNovasDinami-
casConsumoAudioVisuais_web/assets/downloads/ERC2016_AsNovasDinamicasConsumoAu-
dioVisuais.pdf. Acedido em 15.07.2018.
3
Embora não tenhamos como meta o seu desenvolvimento, este descritivo remete para o
conceito de internal product placement. Ver, entre outros: Lehu, J.M. (2007). Branded Entertainment:
product placement & brand strategy in the entertainment Business. London: Kogan Page.

ARTIGOS | 85
Partindo desta sistematização, e atendendo aos nossos objetivos, isolamos as
telenovelas (ficção nacional) e procuramos olhar, analiticamente, para o papel dos
diversos placement como estratégia de produção dos canais em sinal aberto e ge-
neralistas dentro deste novo ecossistema mediático.

1. (Product) Placement(s): definições e evolução do conceito

Os primeiros usos desta técnica remontam à década de 90 do século XIX, ha-


vendo relatos do uso da marca sunlight/Lever no filme Washing Day in Switzerland
por parte dos irmãos Lumière. Nesta sequência, a indústria cinematográfica foi per-
cebendo a importância da ação enquanto forma de captar investimento financei-
ro e, simultaneamente, envolver o espectador ao tornar as obras mais reais (Law &
Latour, 2004). Exemplos disso mesmo são Mildred Pierce (1945) onde apareceu Joan
Crowford a beber whiskey da marca Jack Daniels (Nebenzahl & Secunda, 1993), bem
como em 1950 no filme Destination Moon onde quatro viajantes no espaço bebiam
Coca-Cola e vestiam jeans da marca Lee (Vollmers & Mizerski, 1994). A partir da dé-
cada de sessenta do século XX, o product placement chega às marcas de automóveis
e na década de setenta inúmeros agentes envolvem-se nesta técnica consolidando-a,
não apenas como uma tendência, mas como uma realidade que se irá desenvolver e
alastrar, ainda mais, no futuro (Lehu & Bressoud, 2008; McCarthy, 1994).
A grande afirmação de product placement do campo cinematográfico para o
televisivo dá-se após o êxito em E.T. (1982) de Steven Spielberg com a inserção da
marca de doces Hershey Company (Reese’s Pieces). O recurso ao product place-
ment foi acentuando-se e entrando em vários formatos e géneros televisivos (sé-
ries, talk-shows, telenovelas, programas musicais (Russell, 2002; Romaniuk, 2009),
chegando aos vídeo-jogos (Herrewijn & Poels, 2013), ou seja, envolvendo produtos
e marcas com a indústria do entretenimento, em troca de um determinado benefí-
cio financeiro (Gupta & Gould, 1997; Karrh, 1998). E que, sobretudo, varia em fun-
ção do número de cenas em que as aparições de determinado produto e/ou marca
tiverem (Karrch et al., 2003), bem como na sua proeminência evidenciada e seus
impactos (McCarty, 2004).
Se, na década de 1980, o recurso ao product placement por parte da televisão
começou a ser mais expressivo, vai ser a partir de 2000 e da colocação de marcas
de grande consumo no reality-game show Survivor que essa simbiose começa a
ser mais explorada (Hardy, 2010). Na verdade, a quantidade de conteúdos e diver-
sidade de formatos, assim como a sua duração e “presença diária em casa” dos
telespectadores, fazem como que, por um lado, os produtos tenham uma exposi-
ção mais continuada e, por outro, que beneficiem da relação e envolvimento emo-
cionais criados com os conteúdos e personagens/apresentadores (Russel, 1998;
Moura, 2010; Ferraro & Avery, 2012). Por esta razão, a televisão mostra-se como
o meio privilegiado para o uso, de maneira recorrente e sob diversas formas, do
product placement como alternativa, mas também como complemento à dita pu-
blicidade tradicional.
O conceito foi evoluindo ao longo dos tempos, num acompanhamento das ne-
cessidades quer dos anunciantes, quer dos produtores e mesmo dos consumidores,

86 | MEDIA&JORNALISMO
levando à emergência de novos conceitos como product integration ou advertain-
ment – que olham a colocação de produto de forma imbricada com as narrativas,
tornando a comunicação das marcas um ato natural – até ao brand entertainment
ou branded content através do qual a marca orienta o desenvolvimento do programa
(por exemplo, “Querido, Mudei a Casa” ou “Querido comprei uma casa”, TVI; “Vizinho
mudei a Loja”, SIC Mulher) (Hudson & Hudson, 2006; Moura, 2010).
Parece-nos também interessante identificar o placement de locais (nível global,
nacional, regional e local), estreitamente ligado ao marketing de turismo (Morgan &
Pritchard, 1998) e aos conceitos de national branding e destination branding (Anholt,
2006, 2016; Moura, 2010), ou seja, a utilização de espaços geográficos como per-
sonagens de narrativas ficcionais. A exposição dos locais nos conteúdos, quer em
cinema, mas principalmente em televisão, contribuem, positivamente para a econo-
mia dos locais, mas também para os conteúdos em si ao tornarem-se mais realistas
(no caso da televisão, alguns exemplo são as telenovelas Ilha dos Amores, TVI-2007,
passada nos Açores; Mar Salgado, SIC-2014, passada em Setúbal; Coração D’Ouro,
SIC e Belmonte, TVI – 2015 desenroladas no norte de Portugal).
Por fim, e de acordo com os nossos objetivos, isolamos o conceito de
merchandising social que, na prática, desenvolveu-se na esteira dos primados do
marketing social (Pringle & Thompson, 2000). Usado de forma recorrente nas te-
lenovelas brasileiras, fruto do seu impacto e alcance, permite transmitir informa-
ção de relevo social – campanhas de vacinação, rastreio de doenças, violência do-
méstica – mas também de temas fraturantes em discussão no espaço público,
em contexto, como, por exemplo, a homossexualidade e o casamento entre pes-
soas do mesmo sexo. Embora haja um paralelo entre a publicidade tradicional e
o placement de temáticas sociais, Schiavo (2002) defende que não deve envolver
investimentos de clientes, mas sim as necessidades e/ou interesses partilhados.
Desta forma, o placement de temáticas sociais, em especial em telenovelas, deve
ser entendido como mais uma fonte de informação, reforçando a capacidade das
narrativas ficcionais seriadas, dada a sua aproximação aos quotidianos, de inter-
vir civicamente nas sociedades e junto dos indivíduos. As telenovelas portuguesas
procuraram, desde o seu início em 1982, integrar temas fraturantes, destacando-se
a referência à prostituição em Vila Faia, através da ação da personagem principal
(Mariete interpretada por Margarida Carpinteiro) ou, na telenovela Origens (1983)
a alusão à toxicodependência com a personagem Nando (interpretada por António
Feio). Em 41 anos de telenovelas, é indiscutível a presença (pontual e desenvolvi-
da) de outras temáticas, sempre com o objetivo de expor o problema/questão e
ajudar o telespetador a perspetivá-lo, sendo alguns deles mais recorrentes como
a superação da incapacidade física (a cegueira em O Teu Olhar, TVI-2003; a para-
plegia em Perfeito Coração, SIC-2009 ou alterações do foro psiquiátrico em Dan-
cing’ Days, SIC-2012 e Amor Maior, SIC-2017); a homossexualidade (Podia Aca-
bar o Mundo, SIC-2008; Sol de Inverno, SIC-2013, O Beijo do Escorpião, TVI-2014
ou Alma e Coração, SIC-2018) ou a violência doméstica (Sol de Inverno, SIC-2013;
A Única Mulher, TVI-2015; Amor Maior, SIC-2017).
No que concerne a legislação sobre a colocação de marcas e produtos, Portugal,
embora tenha iniciado experiências mais expressivas na década de 1990 (Médico
de Família, SIC), só viu aprovada regulamentação/legislação próprias em 2009 e em

ARTIGOS | 87
2011. Na sequência da Diretiva Europeia Televisão Sem Fronteiras de 2007, onde
foram estabelecidos princípios que asseguram o não incitamento à compra, assim
como a necessidade de indicação clara ao telespectador sobre a presença de produ-
to, Portugal consagrou-se como o primeiro Estado-Membro a assinar um acordo de
auto-regulação sobre a matéria, em 2009 – “Acordo de Auto-Regulação em Matéria
de Colocação de Produto e Ajudas à Produção e/ou Prémios”4, assinado pela RTP,
SIC, TVI, Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social e pelo Insti-
tuto Civil da Autodisciplina da Publicidade. Em 2011, na revisão da Lei da Televisão
de 2007, foram introduzidas indicações claras sobre o product placement5, como a
necessidade de indicação expressa da presença do produto, a proibição de mostrar
determinados produtos, como o tabaco, ou o uso de programas infantis como veí-
culo de bens ou marcas. Apesar das fragilidades e das potenciais lacunas6, a exis-
tência de linhas de orientação e limites permite uma utilização mais consciente, ca-
paz de chegar aos consumidores e potenciando a técnica como uma alternativa e/
ou complemento à publicidade tradicional. No que respeita ao placement de temas,
não existe regulamentação própria, cabendo a cada entidade produtora identifica os
temas e definir a melhor abordagem atendendo, sim, aos limites morais e éticos que
cada problemática pode envolver.

2. Placement(s) e a indústria de ficção e entretenimento

O product placement tornou-se um desafio para as marcas e indústria de ficção


e entretenimento, na aplicação de novos métodos e formas de relacionamento, mas
sempre com o mesmo propósito – gerar notoriedade e melhoramento na imagem
das marcas recorrendo às inserções quer de modo implícito, de representações no-
tória (Lehu & Bressoud, 2008) e de forma subliminar (Ferrés, 1998).
Visa-se, assim, criar com o product placement um efetivo método promocional
integrante que consiga transmitir, a dada audiência, os atributos e valores do produ-
to e/ou marca aludindo à realidade (DeLorme & Reid, 1999), num modo dominante
de criação e reprodução de uma determinada realidade e elo social (Brandão, 2006) .
O product placement tem, deste modo, como seus principais objetivos a devida
exposição do consumidor a dada mensagem, seu reconhecimento e sensibilização
e que possa, em alguns casos, proporcionar uma maior visibilidade, mudança de ati-
tude e geração de associações positivas perante dado produto ou marca (Cowley &
Barron, 2008; Reijmersdal et al., 2007). Mais precisamente, é um efetivo método co-
municacional que ajuda no crescimento e sustentabilidade do brand equity, como
um agregado de ativos aliados à valorização da marca, com envolvimento e emoção
com a audiência gerada (Aaker, 1991; Balasubramanian, 1994).

4
http://www.gmcs.pt/ficheiros/pt/acordo-de-auto-regulacao-em-materia-de-colocacao-de-
-produto-e-ajudas-a-producao-eou-premios.pdf, acedido em 22.12.2018.
5
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/276860/details/maximized. Acedido em
22.07.2018
6
Ver, entre outros: https://www.cuatrecasas.com//media_repository/docs/por/um_alia-
do_anti-crise_620.pdf. Acedido em 23.07.2018

88 | MEDIA&JORNALISMO
Tal como sustentam Morton & Friedman (2002), o product placement tem a ca-
pacidade de aumentar o reconhecimento e de definir novos envolvimentos e com-
portamentos de compra ou atitudes face à marca. Logo, a sua intenção passa tam-
bém por aumentar a notoriedade de dado produto e/ou marca, assim como de dar
a conhecer os seus específicos atributos de valor, no propósito de gerar reconheci-
mento e imagem positiva (Ivory & Kalyanaraman, 2007).
Podemos então destacar algumas das vantagens que o product placement pode
gerar através dos programas onde seja utilizado: i) conseguir gerar realismo e auten-
ticidade ao enredo, transportando a realidade para a ficção e associá-lo a persona-
gens com caraterísticas específicas que as aproxime da vida real (DeLorme & Reid,
1999); ii) gerar um maior nível de concentração por parte do público no decorrer de
dado programa ou filme, permitindo assim uma maior interatividade entre o produ-
to ou marca com esse público ou audiência; iii) funcionar como um verdadeiro en-
dosso de celebridades; e, em consequência, iv) associar à marca / produto e sua as-
sociação a dada personagem / celebridade (D’Astous & Chartier, 2000). Para além
disso, ao reduzir-se o tempo dos breaks ou mesmo aboli-los no decorrer de certos
conteúdos, pode impedir a mudança de sinal e, assim, contribuir para o aumento ou
estabilização da curva de audiência.
Neste contexto, são vários os autores que sistematizam as diferentes formas de
placement. Destacamos o modelo tripartido de Russell (1998): i) screen placement;
ii) script placement e iii) plot placement. De forma semelhante, McCarthy (2004) ex-
plora i) a inserção meramente visual; ii) a visual e verbal; e iii) o produto e/ou marca
como parte integrante da história. Outras três categorias são também destacadas
por Lai-Man & Way-Yee (2008): i) a implícita – quando a sua colocação é realizada
de modo subtil; ii) a explícita integrada – quando os produtos ou marcas podem
estar integrados no enredo escolhido; e iii) – a explícita não integrada – quando os
produtos ou marcas são formalmente expressos de modo verbal, mas, não visual.
Na relação marca/produto, Lehu (2007) distingue quatro tipos de utilização: i) pro-
duct placement clássico – é alusivo à inserção de um produto específico num dado
programa e em qualquer formato; ii) product placement corporativo – alusivo à mar-
ca, e não, a um dado produto específico, não existindo por isso nenhuma analogia
a nenhum produto dessa dada marca; iii) product placement evocativo – quando a
marca não é explícita e só através das suas caraterísticas é que a audiência conse-
gue associar o produto à marca; e iv) product placement encoberto – modo de as-
sociação muito discreto onde a marca não aparece de forma explícita.
Já no que concerne o placement de temas sociais, Schiavo (2006)7 classifica
quanto à natureza, as ações, situações ou cenas em seis categorias: i) conceitual –
um tema surge em conversa entre personagens; ii) menção em texto – quando uma
personagem lê um artigo de imprensa, uma notícia online ou televisiva e comenta; iii)
dialógicas – quando uma personagem mais velha e mais conhecedora orienta outra(s)
personagen(s) em relação a determinado comportamento; iv) de uso – uma persona-
gem mostra, explicitamente, a conduta ou reação certa num determinado contexto; v)
estímulo visual – a câmara foca determinado objeto ou sinalética que encerra o pro-

7
O autor é o pensador por excelência sobre este conceito, contudo, tem pouca produção
literária. Para mais informações sobre os seus trabalhos, ver: www.comunicarte.com.br

ARTIGOS | 89
cedimento correto dentro do contexto temático abordado; vi) promocional – quando
são realizadas campanhas dentro das tramas, tendo em vista a alteração de condu-
tas ou situações instaladas consideradas nefastas para determinada comunidade.

3 – Influência do placement: memória, atitude, perceção e familiaridade

Quanto às principais influências do product placement destacam-se as que se


podem gerar na i) memória; ii) atitude; iii) persuasão; e iv) familiaridade junto dos
consumidores e seus comportamentos.
i) ao nível da memória, as experiências passadas, a capacidade de aprendizagem
e de lembrança consciente dessas experiências são determinantes para o product
placement ser eficaz. Deste modo, a memória acaba por se poder definir como um
efetivo sistema de ação onde as informações dos indivíduos são conservadas e que
serão, em momento oportuno, utilizadas (Law & La-tour, 2004). Ou seja, que sejam
capazes de atrair a atenção deixando traços significativos da marca ou produto na
memória do consumidor (Wedel & Pieters, 2000).
ii) ao nível da atitude, é aqui determinante a influência que tem no destaque e
reforço positivo da marca em suas possíveis situações de compra junto dos con-
sumidores (Romaniuk & Sharp, 2004). Deste modo, as pessoas têm atitudes po-
sitivas face às marcas em que reconheçam essa avaliação positiva (Fishbein &
Ajzen, 2000), desde que essa inserção seja devidamente bem integrada. Se assim
for, torna-se muito mais persuasiva na mudança de atitudes por parte dos consu-
midores (Russell, 2002). Mais precisamente, se o consumidor não valorizar que
a inserção de uma marca em product placement visa mais influenciar a sua ati-
tude perante a marca, do que, a sua aceitação de modo integrado na história de
certo filme ou programa televisivo, então, a eficácia do placement é muito maior
(Bhatnagar et al., 2004).
iii) quanto à persuasão, pode reforçar-se o papel decisivo que tem nas mudan-
ças ao nível cognitivo de dado indivíduo que é persuadido e na influência que poste-
riormente pode ter, ou não, sobre outros indivíduos (O´Keefe, 2002). Neste contexto,
face à eficácia do product placement, se dado indivíduo reconhecer a marca inserida
em dado filme, videojogo ou programa televisivo como sendo uma tentativa persua-
siva direta, e não como parte integrante e valorativa da história desse dado filme ou
programa, podem ser ativadas defesas cognitivas que levam à interpretação de re-
jeição dessa marca (Russell, 2002). Logo, se dado indivíduo não atribuir relevância à
inserção dessa marca pode levar a um impacto condicionado do product placement
(D’Astous & Chartier, 2000; Law & Braun, 2000).
iv) quanto à importância da familiaridade dos consumidores face a dada marca,
ela reforça a atitude positiva dos consumidores, desde que exista um conhecimen-
to na sua memória face a essa marca (Campbell & Keller, 2003). Ou seja, desde que
exista um reconhecimento dessa marca como lhe sendo familiar, existe uma maior
predisposição de envolvimento do consumidor (Petty et al., 1983), o que reforça e
gera uma maior empatia e sentimento positivo para com a situação proposta de
product placement, bem como concede maior realismo a essa interpretação gera-
da (Russell, 1998).

90 | MEDIA&JORNALISMO
De forma paralela, as ações de placement de temáticas sociais procuram im-
pactar os telespectadores ao nível da memória, da atitude, da perceção e da fami-
liaridade levando, não necessariamente à compra de um determinado bem, mas,
acima de tudo, a uma reflexão mais informada sobre os temas. No limite, as ações
pretendem gerar o debate público e levar à mudança quer de mentalidades, quer de
condutas pessoais, comunitárias e institucionais, ao mesmo tempo que geram in-
teresse nos conteúdos.

Notas Conclusivas

Não se tratando de um trabalho acabado, mas sim de um ensaio para a promoção


de pistas de leitura sobre um tema ainda não muito desenvolvido academicamente
em Portugal, o presente paper procurou discutir o uso do placement, nomeadamen-
te de marcas, produtos e temáticas – como técnica comercial, mas também como
prática social. De forma dialógica, a presença de produtos, bens, locais e temáticas
dentro das narrativas ficcionais tornam, por um lado, os produtos mais reais, próxi-
mos dos quotidianos dos consumidores e ancorados na contemporaneidade e, por
outro, permitem financiar os conteúdos, complementando a publicidade tradicional
e/ou evitando os seus efeitos mais negativos (por exemplo, a mudança de canal).
Numa era marcada pela superabundância de informação, de conteúdos e de plata-
formas, a ficção televisiva, em especial o formato telenovela, ganha o estatuto de
lugar de memória (Nora, 1989) e de recurso comunicativo (Lopes, 2009), ao mesmo
tempo que capitaliza o brand equity das marcas e dos produtos expostos, mostrando
a vitalidade do setor audiovisual e da forma inteligente de se adaptar ao novo ecos-
sistema mediático e, consequentemente, publicitário.

Bibliografia

Aaker, D. A. (1991). Managing brand equity. New York: Free Press.


Anholt, S. (2006). Competitive Identity: the new brand management for nations, cities and re-
gions. UK: Palgrave Mcmillan.
Anholt. S. (2016). Places: identity, image and reputation. UK: Palgrave Mcmillan.
Avery, R e Ferraro, R. (2000). Verisimilitude or advertising? Brand appearances on prime-time
television. The Journal of Consumer Affairs, 34 (2), 217-244.
Balasubramanian, S. (1994). Beyond advertising and publicity: hybrid messages and public pol-
icy issues. Journal of Advertising 23(4), 1-29.
Bhatnagar, N; Aksoy, L. & Malkoc, S. (2004). Embedding brands within media contente: the im-
pacto f message, media, and consumer characteristics on placement efficacy. In L. Shrum
(org.), The psychology of entertainment media: the blurring of the lines between entertain-
ment and persuasion (pp. 99-116). New Jersey: Lawrence Erlbaum.
Brandão, N. (2006). Prime Time. Lisboa: Casa das Letras.
Burnay, C. D., (2018). Portugal: televisão em rede. Novas estratégias para a ficção. In Lopes, Ma-
ria Imacollata Vassalo, Gomez, Guillermo Orozco (coords.). OBITEL 2018 - Ficção Televisiva
Ibero-Americana em plataformas de video on demand (pp. 319-347). Sulina: São Paulo.

ARTIGOS | 91
Campbell, M. & Keller, K. (2003). Brand familiarity and advertising repetition effects. Journal of
Consumer Research, 30, 294-304.
Cowley, E. & Barron, C. (2008). When product placement goes wrong: the effects of program
liking and placement prominence. Journal of Advertising, 37(1), 89-98.
D’Astous, A. e Chartier, F. (2000). A study of factors affecting consumer’s evaluation sand mem-
ory of product placement in movies. Journal of Current Issues and Research in Advertis-
ing, 22 (2), pp. 31-40.
Ferraro, R. & Avery, R.J. (2012). Brand appearances on prime-time television. Journal of Current
Issues and Research in Advertising, 22(2), 1-15.
DeLorme, D. e Reid, L. (1999). Moviegoer’s experiences and interpretations of brands in films
revisited. Journal of Advertising, 28(2), 71-75.
Ferrés, J. (1998). Televisão subliminar – socializando através de comunicações despercebi-
das. São Paulo: Artmed.
Fishbein, M. & Ajzen, I. (2000). Attitudes and the attitude-behaviour relation: resosoned and au-
tomatic processes. European Review of Social Psychology, 1-33.
Gupta, P. e Gould, S. (1997). Consumer’s perceptions of the ethics and acceptability of product
placement in movies: product category and individual differences. Journal of Current Is-
sues and Research in Advertising, 19(1), 37-50.
Hardy, J. (2010). Cross-media promotion. New York: Peter Lang.
Herrewijn, L. e Poels, K. (2013). Putting brands into play: how game difficulty and player experiences in-
fluence the effectiveness of in-game advertising. International Journal of Advertising, 32(1), 17-44.
Hudson, S., Hudson, D. (2006). Branded Entertainment: a new advertising technique or
product placement in disguise?. Journal of Marketing Management, 22(5), 489-504.
Ivory, J. & Kalyanaraman, S. (2007). The effects of technological advancement and violent con-
tent in video games on players feeling of presence, involvement, psychological arousal and
aggression. Journal of Communication, 57, 532-555.
Karrh, J. (1998). Brand placement: a review. Journal of Current Issues and Research in Adver-
tising, 20(2), 31-49.
Karrch, J.; Mckee, K. & Pardun, C. (2003). Practioners evolving views on product placement ef-
fectiveness. Journal of Advertising Research, 43(2), 138-149.
Lai-Man, S. & Wai-Yee, S. (2008). Predicting the effectiveness of product placement: a study on
the execution strategy and impacts on hierarch of effects. Oxford: Business & Economics
Conference Program.
Law, S. & Braun, K. (2000). I’ll have what she’s having: gauging the impact of product placement
on viewers. Psychology and Marketing, 17(12), 1059-1075.
Law, S. & La-tour, K. (2004). Product Placement: how to measure their impact. In L.J. Shurm (ed.),
The Psychology of entertainment media – blurring the lines between entertainment and
persuasion. University of Texas – San Antonio, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.
Lehu, J. (2007). Branded entertainment – product placement & brand strategy in the entertain-
ment business. London: Kogan Page Limited.
Lehu, J. & Bressoud, E. (2008). Effectiveness of brand placement: new insights about viewers.
Journal of Business Research, 61(10), 1083-1090.
Lopes, M.I.V. (2009). Telenovela como recurso comunicativo. Revista Matrizes, n.º 1, 21-47.
McCarty, M. (1994). Studios place, show and win: product placement grows up. Brandwwek, 35(13).
McCarty, J. (2004). Product placement: the nature of the practice and potential avenues of in-
quiry. In L. J. Shurm (ed.). The Psychology of entertainment media – blurring the lines be-

92 | MEDIA&JORNALISMO
tween entertainment and persuasion. University of Texas – San Antonio, New Jersey: Law-
rence Erlbaum Associates.
Morgan, N., Pritchard, A. (1998). Tiurism Promotion and power: creating images, creating iden-
tities, NY: Wiley.
Morton, C. & Friedman, M. (2002). I saw it in the movies: exploring the link between product
placement beliefs and reported usage behavior. Journal of Current Issues and Research in
Advertising, 24(2), 33-40.
Moura, S. (2010). Marcas e Entretenimento: product placement em televisão. Importância na
estratégia integrada de comunicação. Lisboa: Guerra & Paz.
Nebenzahl, I. & Secunda, E. (1993). Consumer’s attitudes toward product placement in movies.
International Journal of Advertising, 12, 1-11.
Nora, P. (1989). Between Memory and History: Les Lieux de Mémoire. In Representations, n.º
26 (pp. 7-24). University of California Press.
O’Keefe, D. (2002). Persuasion: theory and research. London: Sage Publications.
Petty, R.; Caccioppo, J. & Schumann, D. (1983). Central and peripheral routes to advertising effec-
tiveness: the moderating role of involvement. Journal of Consumer Research, 10, 134-148.
Pringle, H. & Thompson, M. (2000). Marketing Social: marketing para causas sociais e con-
strução das marcas. São Paulo: Makron Books.
Reijmersdal, E.; Neijens, P. e Smit, E. (2007). Effects of TV brand placement on brand image.
Psychology and Marketing, 24(5), 403-420.
Romaniuk, J. (2009). The efficacy of brand-execution tactics in TV advertising, brand placement,
and internet advertising. Journal of Advertising Research, 49(2), 143-150.
Romaniuk, J. & Sharp, B. (2004). Conceptualizing and measuring brand salience. University of
South Australia: Sage Publications.
Russell, C. (1998). Toward a framework of product placement: theoretical propositions. Ad-
vances in Consumer Research, 25, 357-362.
Russell, C. (2002). Investigating the effectiveness of product placement in television shows: the
role of modality and plot connection congruence on brand memory and attitude. Journal of
Consumer Research, 29, 306-318.
Schiavo, M. R. (2002). Merchandising Social: as telenovelas e a construção da Cidadania. XXV
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação Disponível em http://www.intercom.org.
br/papers/nacionais/2002/congresso2002_anais/2002_np14schiavo.pdf
Volmmers, S. & Mizerski, R. (1994). A review and investigation into the effectiveness of
product placement placement in films. In K.W.King (ed.), Proceedings of the American
Academy of Advertising Conference. Richmond, VA: American Academy of Advertising;
Wedel, M. & Pieters, R. (2000). Eye fixations on advertisements and memory for brands: a model
and findings. Marketing Science, 19(4), 297-312.

Documentos online consultados:

http://www.meiosepublicidade.pt/2019/01/audiencias-tv-subiu-desceu-2018/, acedido em
15.12.2018
http://www.erc.pt/documentos/Estudos/ConsumoAVemPT/ERC2016_AsNovasDinamicasCon-
sumoAudioVisuais_web/assets/downloads/ERC2016_AsNovasDinamicasConsumoAudio-
Visuais.pdf, acedido em 15.12.2018.

ARTIGOS | 93
http://www.gmcs.pt/ficheiros/pt/acordo-de-auto-regulacao-em-materia-de-colocacao-de-produ-
to-e-ajudas-a-producao-eou-premios.pdf, acedido em 22.12.2018.
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/276860/details/maximized. acedido em 22.12.2018
https://www.cuatrecasas.com//media_repository/docs/por/um_aliado_anti-crise_620.pdf, ace-
dido em 23.12.2018

Notas biográficas

Nuno Goulart Brandão é Professor Associado Convidado da FCH/UCP e investigador no


Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC) (linha de investigação Media, Technolo-
gy, Contexts). Representa a FCH como membro fundador nas atividades do Observatório de
Comunicação Interna e Identidade Corporativa (OCI). As suas principais áreas de investigação
são a comunicação estratégica e os estudos televisivos.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2740-6161
Email: [email protected]
Morada: Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas, Palma de
Cima 1649-023 Lisboa, Portugal

Catarina Duff Burnay é Professora Auxiliar Convidada da FCH/UCP desde 2011, é Coor-
denadora da Licenciatura em Comunicação Social e Cultural. Investigadora do Centro de Es-
tudos de Comunicação e Cultura (CECC) (linha de investigação Media, Technology, Contexts),
assegura a coordenação da equipa portuguesa para o Observatório Iberoamericano da Ficção
Televisiva (OBITEL). As suas principais áreas de investigação são os estudos televisivos, a fic-
ção televisiva na óptica da produção e da receção, estratégias de produção e programação,
públicos e audiências.

Ciência ID: 0C15-E2D0-10BF


Email: [email protected]
Morada: Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas, Palma de
Cima 1649-023 Lisboa, Portugal

* Submetido: 2018.08.15
* Aceite: 2018.12.11

94 | MEDIA&JORNALISMO
A Publicidade: um campo em transformação
The Advertising: a field in transformation
La Publicidad: un campo en transformación

Lucas Alves Schuch


Universidade Federal de Santa Maria

Juliana Petermann
Universidade Federal de Santa Maria
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_7

Resumo
Este artigo compõe uma etapa da cartografia que estamos realizando, e que
possui como tema as transformações no campo da publicidade, e inclusive de seus
modelos de negócios. Utilizamo-nos de duas técnicas de produção de dados (estado
da arte e entrevistas semi-abertas) e analisamos os elementos coletados, a partir da
obra de Deleuze e Guattari (1995), com o conceito de rizoma, para que fosse possível
traçar o nosso próprio objeto, o campo da publicidade em transformação, de forma
rizomática. Este artigo responde ao seguinte questionamento: Quais os principais
platôs que compõem os tensionamentos no campo da publicidade e suas reformu-
lações atuais? Após as análises, além do debate frutífero acerca do conceito de rizo-
ma, foi possível identificar os tensionamentos atuais que levam o fazer publicitário a
ser questionado e revisado, bem como, possibilitou o início da construção rizomática
de nosso objeto de pesquisa, o que pretendemos expandir com incursões futuras.

Palavras-chave
comunicação; publicidade; prática publicitária; rizoma; modelo de negócios

Abstract
This article composes a stage of the cartography that is carrying out, and that
has as its theme the transformations in the advertising field, and even of its busi-
ness models. We use the two techniques of data production and semi-analysis and
analyze the elements collected, from the work of Deleuze and Guattari (1995), with
the concept of rhizome, so that it was possible to trace this object is the field of ad-
vertising in in a rhizomatic way. This article answers the following question: What are
the main programs that make up the tensions in the advertising field and the current
reforms? In addition to the fruitful debate about making the rhizome concept, it was
possible to identify the current tensions that lead to the making of a publicity being
a questioned and revised being, as well as, enabled the beginning of the rhizomatic
construction of our research object, which we intend to expand with future incursions.

Keywords
communication; publicity; advertising practice; rhizome; business model

ARTIGOS | 95
Resumen
Este artículo compone una etapa de la cartografía que está realizando, y que tiene
como tema las transformaciones en el campo de la publicidad, e incluso de sus mo-
delos de negocios. Utilizamos las dos técnicas de producción de datos y de análisis
semiáridos y analizamos los elementos recogidos, a partir de la obra de Deleuze y
Guattari (1995), con el concepto de rizoma, para que fuera posible trazar el Este ob-
jeto es el campo de la publicidad en el medio transformación, de forma rizomática.
Este artículo responde al siguiente cuestionamiento:
¿Cuáles son los principales programas que componen los tensos en el campo
de la publicidad y las reformas actuales? En el caso de que se produzca un cambio
en la calidad del producto, se debe tener en cuenta que, en el caso de los productos,
con incursiones futuras.

Palabras clave
comunicación; publicidad; práctica publicitaria; rizoma; modelo de negocios

Introdução

Nossa pesquisa está inserida no campo da publicidade, e procura entender quais


são os principais movimentos que pressionam este campo a revisar suas práticas.
A partir de uma prévia pesquisa documental realizada ao longo de nossa jornada de
mestrado, passamos a perceber atravessamentos na publicidade. Tais atravessa-
mentos estão relacionados a inúmeras mudanças: desde novos modelos de negócio
surgindo1, até a busca por definir um próximo formato de operação para as agências
de publicidade2, ou ainda, o importante questionamento étnico-racial e de gênero no
interior das agências de publicidade3.
Além desses, o mais recente assunto na indústria da comunicação: uma pes-
4
quisa publicada pelo Grupo de Planejamento de São Paulo a respeito do que seria
chamado de uma “cultura de assédio” em agências nacionais. Este último que re-
vela altos índices de insalubridade para profissionais do mercado da comunicação
e da publicidade. Todos estes fatores que identificamos demandam reformulações
do mercado publicitário.
A título de contextualização, em nossa pesquisa de mestrado estamos realizando
uma cartografia que se divide em quatro etapas (rastreio; toque; pouso; reconheci-

1
Audi, M. (2017). Que tal uma agência de publicidade sem sede, sem chefe e com remu-
neração aberta? É o que a Humans propõe… In Projeto Draft. Disponível em
https://projetodraft.com/que-tal-uma-agencia-de-publicidade-sem-sede-sem-chefe-e-com-
-remuneracao-aberta-e- o-que-a-humans-propoe/
2
Bennin, K. & Kapoor, N. Agência do futuro: a próxima geração de modelos de operação para
agências de marketing. Disponível em https://www.strategyand.pwc.com/report/agency-of-the-future
3
Julio, K. Debate étnico-racial chega (atrasado) às agências. Disponível em http://www.
meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2017/08/21/debate-etnico-racial-chega-atra-
sado-as-age ncias.html.
4
Sacchitiello, B. & Lessa, I. Assédio: o que as agências estão fazendo? Disponível em
http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2018/11/19/assedio-o-que-as-
-agencias-estao-fazendo.ht ml

96 | MEDIA&JORNALISMO
mento atento. Kastrup, 2007). Depois de passarmos pela primeira etapa do “rastreio”,
constituída por uma pesquisa documental em portais e veículos importantes para
nosso campo, iniciamos a segunda etapa chamada “toque” (Kastrup, 2007) que vem
a ser quando “algo se destaca e ganha relevo no conjunto, em princípio homogêneo,
de elementos observados” (p.42). Esta segunda etapa é a que iremos relatar neste
artigo5. Partimos então de uma predisposição cartográfica, com apontamentos de
Deleuze e Guattari, a fim de construir um mapeamento dos principais tensionamen-
tos no campo da publicidade hoje, e é neste sentido que esperamos que a presente
incursão teórico-metodológica auxilie.
Assim, nosso objetivo aqui é identificar os principais platôs que compõem o ob-
jeto rizomático que é tema de nossa pesquisa - o campo da publicidade em trans-
formação. A partir do estado da arte que desenvolvemos nesta etapa da pesquisa,
e também de duas entrevistas semi-abertas realizadas, pretendemos aproximar os
questionamentos acadêmicos que atravessam o campo dos aspectos empíricos e
práticos do fazer publicitário.
Portanto, este artigo pretende responder a um questionamento central: Quais os
principais platôs que compõem os tensionamentos no campo da publicidade e suas
reformulações atuais? A partir da resposta a este questionamento, utilizamos estes
tensionamentos identificados como platôs, delineando visualmente nosso objeto de
pesquisa de forma rizomática (Deleuze e Guattari, 1995).
Para que consigamos cumprir tal objetivo e problema, dividimos esse artigo da
seguinte forma: primeiro, apresentaremos nossa metodologia e técnicas de coleta
de dados nesta etapa de nossa cartografia; segundo, debateremos o conceito de ri-
zoma, a partir dos apontamentos de Deleuze e Guattari (1995). E, por fim, traçaremos
um mapeamento baseado nos dados advindos do estado da arte e das entrevistas
realizadas, elaborando uma construção rizomática do nosso objeto de pesquisa - o
campo da publicidade em transformação.

Metodologia

A seguir, descreveremos como se deram as duas técnicas de coleta de dados


que que utilizamos nesta etapa da pesquisa. Como dissemos, este artigo descreve a
segunda etapa de nossa cartografia - denominada por Kastrup (2007) como a etapa
de Toque -, e definimos que esta seria composta inicialmente por uma pesquisa de
estado da arte, para verificarmos como outros autores já avançaram em investiga-
ções a respeito das transformações no campo da publicidade. Além disso, definimos
também, que esta seria composta por duas entrevistas semi-abertas com profissio-
nais do mercado de publicidade. A opção por estas duas técnicas de produção de
dados se deu no intuito de entender, tanto no âmbito acadêmico, quanto no âmbito
das práticas publicitárias, quais são os principais atravessamentos atuais que mo-
tivam este campo a revisar suas práticas. Passamos agora a um relato de como se
deram estes procedimentos metodológicos.

5
Este trabalho foi originalmente apresentado no IV Pró-Pesq PP – Encontro de Pesquisa-
dores em Publicidade e Propaganda, que teve lugar de 23 a 25/05/2018 na ECA/USP, Brasil.

ARTIGOS | 97
a. Estado da Arte

Para iniciar esta exploração de estudos científicos que se assemelham ao nosso,


escolhemos três eixos (ou palavras-chave) que nos são pertinentes em relação ao teor
de nossa pesquisa, e que surgiram a partir de uma etapa anterior de nossa cartogra-
6
fia, a etapa do Rastreio. As palavras-chave utilizadas na busca foram: (1) Práticas
publicitárias; (2) Mudanças na publicidade; (3) Agências de publicidade e propaganda.
Após essa filtragem, chegamos ao montante de seis teses e dissertações que
consideramos pertinentes ao nosso tema, “o campo da publicidade em transforma-
ção”, às quais citaremos brevemente, e retomaremos nos tópicos seguintes, quan-
do efetivamente construiremos nosso objeto de forma rizomática: (1) “A Reconfigu-
ração das Práticas Publicitárias no Contexto das Mídias Digitais”, de Danielle Vieira
da Silva; (2) “A publicidade no Brasil: agências, poderes e modos de trabalho (1914
- 2014)” de Bruna Sant’ana Aucar; (3) “COMO É TRISTE ESSA PÁGINA: As dinâmicas
de interação e interferências subjetivas dos profissionais de publicidade que traba-
lham com novas mídias.”, de Letícia Gomes da Rosa; (4) “Publicidade on-line con-
temporânea: tecnologia e criatividade”, de Fábio Ramos; (5) “Trabalho e Cultura em
Agências de Publicidade do Brasil analisados sob perspectiva da Sustentabilidade
Organizacional”, de Daniela Ferreira de Oliveira; e por fim (6) “’NÃO PODEMOS DEI-
XAR PASSAR’: práticas de contestação da publicidade no início do século XXI”, de
Laura Hastenpflug Wottrich.
Se olharmos de maneira geral para esta pesquisa da pesquisa, já conseguimos
tirar algumas conclusões prévias que nos interessam, como por exemplo, a intensi-
dade de pesquisas que discorrem sobre novas formas de se fazer publicidade, o que
vem a confirmar o momento de transformação que vivemos no campo.
Estas novas formas se apresentam caracterizadas pela a busca por novos mode-
los de negócio de agências, ou pelos atravessamentos éticos que permeiam o cam-
po, temáticas relacionadas às minorias e às desigualdades sociais e o modo como
estas questões atuam na publicidade. Porém, se precisássemos elencar um tema
mais latente entre estes estudos, certamente seria aquele relacionado às novas tec-
nologias, aos formatos de trabalho e novas funções técnicas exigidas do publicitário.
Traremos ao longo da discussão teórica e da análise, mais questões relacionadas a
esta pesquisa de estado da arte.

b. Entrevistas Semi-Abertas

Ainda em nossa etapa de Toque, definimos como técnica de coleta de dados prin-
cipal a “entrevista semi-aberta”, que descrevemos aqui a partir de agora. Para este
artigo, apresentamos duas entrevistas e analisaremos este material juntamente com
nosso exercício de estado da arte descrito acima. Dentre os tipos de entrevistas pos-
síveis, optamos pela entrevista semi-aberta que segundo Duarte e Barros (2009) se-
gue “um roteiro de questões-guia que dão cobertura ao interesse de pesquisa” (p. 66).

6
Esta pesquisa foi realizada no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações.
http://bdtd.ibict.br/vufind/

98 | MEDIA&JORNALISMO
Optamos por esse tipo de entrevista pois nos permitiria, mesmo que com um ro-
teiro, ir “tateando” (Kastrup, 2007) sobre os assuntos que os entrevistados mais se
sentissem à vontade para discorrer, e adaptando nossas perguntas ao longo da en-
trevista. Neste sentido, Richardson (1999) nos apresenta um conceito semelhante, o
da “entrevista não diretiva”, que “permite ao entrevistado desenvolver suas opiniões e
informações de maneira que ele estimar conveniente. O entrevistador desempenha
a apenas funções de orientação e estimulação” (p. 210).
Assim sendo, definimos um roteiro de dez questionamentos, baseado na primeira
etapa de nossa cartografia (rastreio), questionando a opinião desses entrevistados,
sobre os temas mais latentes ao campo da publicidade em transformação.
Para a seleção das fontes destas entrevistas, utilizamos o critério de “seleção in-
tencional”, a partir do qual, segundo Duarte e Barros (2009), o pesquisador “faz a se-
leção por juízo particular, como conhecimento do tema ou representatividade subje-
tiva” (p. 69). Assim, nos valemos de nosso conhecimento empírico sobre o mercado
publicitário e sobre as características dos principais sujeitos deste para a seleção
das fontes, nos valendo do que os autores sugerem como “juízo particular”. Ainda
segundo os autores, em um segundo momento, o pesquisador filtra as possibilida-
des “por conveniência”, o que ocorre “quando as fontes são selecionadas por proxi-
midade ou disponibilidade” (2009, p.69).
Além de entendermos esse processo de seleção das fontes como um processo bas-
tante subjetivo e, portanto, de características similares àquelas que Deleuze e Guattari
apontam como fundamentais durante o processo rizomático e de uma cartografia, nos
parece importante ressaltar que, ainda segundo Duarte e Barros (2009), a seleção dos
informantes “não tem seu significado mais usual, o de representatividade estatística
de determinado universo. Está mais ligada à significação e à capacidade que as fon-
tes têm de dar informações confiáveis e relevantes sobre o tema de pesquisa” (p. 68).
Assim, usamos nosso “juízo particular” como os autores sugerem, e seleciona-
mos nomes importantes para o mercado publicitário por sua experiência e “conhe-
cimento do tema”. O primeiro entrevistado foi um publicitário que atuou em diversas
agências brasileiras de porte nacional, e hoje ocupa o cargo de sócio e Chief Creative
Officer de uma agência recém inaugurada no país, e que, de acordo com pesquisa,
aparece entre as agências mais procuradas por jovens publicitários para trabalhar.
O fator de conveniência e disponibilidade pela seleção desta fonte se deu pois, o pu-
blicitário estava palestrando em um evento no qual participamos como ouvintes, e
o mesmo se mostrou solícito em colaborar com a pesquisa.
Nosso segundo entrevistado nesta etapa foi o Diretor Executivo do maior veículo
de comunicação do país especializado em cobrir o mercado de comunicação bra-
sileiro e internacional. Escolhemos este profissional pela experiência em descrever
os momentos de mudança deste campo, e também pelo fator “disponibilidade” (que
os autores também sugerem), pois este profissional também se mostrou disposto a
contribuir com nossa pesquisa.
Aproveitamos para explicitar que optamos por não divulgar os nomes e empre-
sas que estes entrevistados representam por questões éticas. Portanto, iremos nos
referir a estas fontes pelo cargo que ocupam, ou seja, pela sigla “CCO” (Chief Crea-
tive Officer, fonte primeira da entrevista), e “DIR” (Diretor Executivo de veículo de co-
municação e segundo entrevistado).

ARTIGOS | 99
A partir de agora, passamos a apresentar o conceito de rizoma e, por consequên-
cia, a ideia de uma cartografia, para que, a posteriori, possamos tecer, a partir dos
dados coletados, o objeto de nossa investigação de forma rizomática.

2. O Rizoma por Deleuze e Guattari

Iniciamos da mesma forma que o fazem os autores, construindo a noção de ri-


zoma a partir da metáfora de um “livro”, de uma leitura do mundo. De acordo com
Deleuze e Guattari (1995), “num livro, como em qualquer coisa, há linhas de articu-
lação ou segmentaridade, estratos, territorialidades, mas também linhas de fuga,
movimentos de desterritorialização e desestratificação” (p.10), são estas linhas de
articulação que nos interessam e que formam um mapa múltiplo, sem centro, ou
ainda, sem um objeto central.
Nesse sentido, podemos começar também pelo contraponto apresentado pelos
autores entre árvore-raiz e raiz fasciculada. Na primeira, a “lógica binária é a realida-
de espiritual da árvore-raiz” (p.12): trata-se da maneira como historicamente sempre
enxergamos o mundo, de forma “dicotômica”. Já a segunda, trata da figura da qual
“a nossa modernidade se vale de bom grado” (p.12), e ainda trata da figura na qual a

raiz principal abortou, ou se destruiu em sua extremidade: vem se en-


xertar nela uma multiplicidade imediata e qualquer de raízes secundárias que
deflagram um grande desenvolvimento. Desta vez, a realidade natural aparece
no aborto da raiz principal, mas sua unidade subsiste ainda como passada
ou por vir, como possível. (Deleuze e Guattari, 1995, p.12-13)

Sobre isso, Suely Rolnik (1989) afirma que no rizoma “todas as entradas são boas
desde que as saídas sejam múltiplas” (p.66), ou seja, como já dissemos, com essa
inexistência de um caule principal, uma entrada e um caminho lógico a seguir, o rizo-
ma não deve ter nunca única entrada e tão pouco uma única saída possível, um final.
É esse aborto da raiz principal, em favor da multiplicidade que nos chama a aten-
ção, como um olhar não binário ao mundo, tentando encontrar não um único, mas
uma complexidade de fatores relacionados às transformações no mundo da publi-
cidade. Segundo Passos, Kastrup e Escóssia (2007), ao referirem-se à obra de De-
leuze e Guattari de modo geral:

Há uma clara recusa à organização que é própria de um “livro-raiz”,


livro que se estrutura como se fizesse o decalque do que quer tratar; que se
aprofunda para desvelar a essência do que investiga; que trata da realidade
de “seu objeto” como se só pudesse representá-la. (Kastrup, V. et al, 2007, p.9)

É nesta lógica que nos inserimos ao tentarmos entender a complexidade de uma


realidade fasciculada. Abrindo mão da centralidade de um assunto em detrimento da
multiplicidade, e fazendo as conexões necessárias entre linhas e segmentaridades,
a fim de acompanharmos movimentos de transformação no campo da publicidade.
Optamos por tal conceito para entender estas movimentações no campo, pois des-

100 | MEDIA&JORNALISMO
de nossa aproximação empírica e acompanhamento, por meio de pesquisa explora-
tória prévia no momento do rastreio, percebemos que são inúmeras as razões que
estão levando a indústria da publicidade a revisar suas práticas, e, portanto, seria
demasiado simplório partir de uma lógica binária para apontar uma ou outra moti-
vação central para estas mudanças. Um olhar rizomático ajuda-nos a pensar de ma-
neira múltipla, percebendo tais transformações de maneira engendrada também na
busca de novos formatos de trabalho novos modelos de negócios na publicidade .
Agora, sobre efetivamente o que vem a ser a representação de um rizoma, os
autores afirmam que “têm formas muito diversas, desde sua extensão superficial
ramificada em todos os sentidos até suas concreções em bulbos e tubérculos” (De-
leuze e Guattari, 1995, p.14).
Definir algumas características basilares ao rizoma é importante para entender-
mos como este se configura visualmente, e também como se forma diante da ob-
servação do pesquisador, no decorrer da pesquisa. Assim, passamos a apresentar
de forma resumida para não extrapolarmos os limites desta incursão, quais são os
elementos chaves que compõem um rizoma.
Dentre as propriedades de um rizoma, começamos pelo conceito de “agenciamento”:

Um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões


numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que
ela aumenta suas conexões. Não existem pontos ou posições num rizoma
como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somen-
te linhas. (Deleuze e Guattari, 1995, p.16)

Assim, podemos definir o agenciamento como o ato de dispor efetivamente as


linhas que compõem o rizoma. Articular as linhas e linhas de fuga que compõe o
rizoma são os próprios agenciamentos em si. Trata-se, segundo Deleuze e Guatta-
ri (1995) de “alongar, prolongar, revezar a linha de fuga, fazê-la variar, até produzir a
linha mais abstrata e a mais tortuosa, com n dimensões, com direções rompidas”
(p.19). Ou seja, um agenciamento é de fato o ato de dispor as linhas ao longo de um
mapa e entender a razão deste.
A citada “linha de fuga” também é um dos conceitos que nos interessam, definido pe-
los autores como algo que é “ao mesmo tempo: a realidade de um número de dimensões
finitas que a multiplicidade preenche efetivamente; a impossibilidade de toda dimensão
suplementar, sem que a multiplicidade se transforme segundo esta linha” (1995, p.16).
Dentre as possibilidades de interpretar o conceito de uma linha de fuga, nos inte-
ressa a interpretação de que é algo que parece por vezes escapar ao rizoma como
se fosse chegar a um final, porém com a possibilidade de se transformar e conectar-
-se a outra linha e reorganizar o que está dado.
Por último, e talvez mais importante, o conceito de platô é imprescindível para en-
tendermos o que conectamos com tais linhas e agenciamentos. Deleuze e Guattari
(1995) chamam de platô “toda multiplicidade conectável com outras hastes subter-
râneas superficiais de maneira a formar e estender um rizoma” (p.19), assim, os pla-
tôs são as áreas de intensidade que compõem um rizoma. Efetivamente, um platô
é uma área conectável por meio das linhas de segmentaridade e linha de fuga que
mencionamos anteriormente.

ARTIGOS | 101
E como já dissemos ser o rizoma, um sistema sem centro, “um platô está sem-
pre no meio, nem início, nem fim” (1995, p.20), assim, os platôs, por mais à margem
da figura que estiverem representados, sempre estarão conectados com diversos
outros semelhantes, pois estes isolados, poderiam representar um início ou fim do
rizoma. Fato este que, agora sabemos, não existe nesta perspectiva rizomática.
Os platôs são, em suma, as multiplicidades de um rizoma. A soma das linhas de
segmentaridade, o encontro das hastes que compõem o objeto rizomático e tam-
bém as áreas de intensidade deste mapa. No nosso caso, os platôs representarão
os motivos das transformações no campo publicitário em si, e, serão a resposta ao
questionamento central desta investigação. Aqui nos interessa uma passagem que
além de elucidar o conceito de platôs, exemplifica toda a complexidade que pode
acompanhar um objeto rizomático:

Assim, adentramos no objeto pelo meio, deixando que ele indique suas
próprias direções. Entramos pelo meio, buscando o acesso aos platôs, que
constituem parte do nosso rizoma. Isso equivale a dizer que, depois de uma
tentativa de entrada no objeto pela árvore raiz, retrocedemos e, ao buscar
que o objeto se mostrasse como é – e não como pensávamos que fosse –,
percebemos algumas das multiplicidades que o compõe, suas diversas en-
tradas e as inúmeras conexões que o configuram. (Petermann, 2011, p. 35)

Ou seja, os platôs são partes do rizoma, e buscar acesso a eles é uma das ma-
neiras possíveis de iniciarmos a caminhada, evitando a entrada pela árvore raiz, que
conduziria a um pensamento e a uma análise menos complexas. Assim, buscaremos
este acesso aos platôs para respondermos nosso questionamento, que retomamos
aqui: Quais os principais platôs que compõem os tensionamentos no campo da pu-
blicidade e suas reformulações atuais?
Os autores Deleuze e Guattari (1995) afirmam que, sem explicar algumas proprie-
dades básicas do rizoma, não seria efetivo continuarem. Mais uma vez, seguiremos
caminho semelhante, explorando cada um dos seis eixos apresentados por eles, que
definem as características de um objeto rizomático.

a. Princípio da Conexão e Heterogeneidade

Este princípio se relaciona com o que falamos antes. Sendo o rizoma algo sem
início ou fim, apenas meio, este princípio nos diz que “qualquer ponto de um rizoma
pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo” (Deleuze e Guattari, 1995, p.14).
Já neste primeiro princípio conseguimos encontrar visualmente a diferença entre
a “árvore-raiz” e a “raiz-fasciculada”. Se observarmos a estrutura de uma árvore, a
base do tronco apenas se conectam com as folhas da copa, por um único caminho,
o central. Ou ainda, o cerne do caule toca os frutos através de um único caminho
possível. O que não se dá no sistema da raiz-fasciculada, onde várias sãos as pos-
sibilidades de conexões.
No exemplo acima citamos “caule” e “frutos” pois tem a ver com a heterogenei-
dade que os autores propõe: “um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióti-

102 | MEDIA&JORNALISMO
cas, organizações de poder, ocorrências que remetem às artes, às ciências, às lutas
sociais” (1995, p.14-15).
Aguiar7 (2011), em sua dissertação, escreveu de maneira muito similar que “o ri-
zoma é livre, ou seja, conecta-se por contato e desenvolve-se por qualquer direção
infinitamente. Não busca uma raiz única, mas, ao contrário, diferentes naturezas,
efetuando o descentramento” (p.22).

b. Princípio da multiplicidade

Este princípio está ligado a estrutura do rizoma, ou, a falta desta. Para Deleuze e
Guattari (1995) o rizoma não se dá a partir de um sistema de unidades, mas sim de
dimensões: “Nós não temos unidades de medida, mas somente multiplicidades ou
variedades de medida” (p.16)
Aguiar (2011) também nos auxilia nesse ponto, nos informando que isso se dá
pois em um rizoma “não há pontos ou posições como se encontra em uma estru-
tura, mas apenas linhas que se conectam heterogeneamente” (p.22), ou seja, um
rizoma não pode ser quantificado, pois se dá por uma multiplicidade, ou ainda, “as
multiplicidades se definem [...] pela linha abstrata, linha de fuga ou de desterritoria-
lização, segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às outras”. (De-
leuze e Guattari, 1995, p.16)

c. Princípio da ruptura a-significante

Este princípio nos ajuda a entender quais os limites de um rizoma, e até onde
direcionamos nosso olhar enquanto pesquisador. Para Deleuze e Guattari (1995)
“contra os cortes demasiado significantes que separam as estruturas, ou que
atravessam uma estrutura. Um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar
qualquer, e também retoma segundo uma ou outra de suas linhas e segundo ou-
tras linhas” (p.17), assim, o rizoma permite sim rupturas, mas não recortes. Isolar
completamente uma ou outra linha do rizoma é o que não acontece.
Este princípio está ligado aos processos de territorialização e desterritoria-
lização das linhas segmentares. Novamente, “todo rizoma compreende linhas
de segmentaridade segundo as quais ele é estratificado, territorializado, orga-
nizado, significado, atribuído, etc” (1995, p.17), porém sempre que uma linha
de fuga é identificada e perseguida, consideramos este como um movimento
de desterritorialização. Esta linha de fuga, como já dissemos, pode se reorga-
nizar e se reterritorializar. Dito de outra forma, nas próprias palavras de Deleu-
ze e Guattari (1995) “corre-se sempre o risco de reencontrar nela organizações
que reestratificam o conjunto, formações que dão novamente o poder a um
significante” (p.17).

7
Título da dissertação: “Processualidades da cartografia nos usos teórico-metodológicos
da pesquisa em comunicação social”. Defendida no Programa de Pós-Graduação em ciências
da Comunicação, da Universidade do Vale do Rio do Sinos – UNISINOS.

ARTIGOS | 103
d. Princípio de cartografia e decalcomania

Neste princípio, Deleuze e Guattari apresentam efetivamente diretrizes da carto-


grafia e das oposições entre mapa e decalque. A cartografia é mais do que apenas
mapear/ traçar algo. Para Aguiar (2011) “a cartografia deixa de ser apenas uma arte
ou ciência de compor cartas geográficas, e passa a ser vista, também, pelo prisma
do que se convencionou chamar de filosofia da diferença” (p.22-23).
“Diferente é o rizoma, mapa e não decalque. Fazer o mapa, não o decalque. [...]
Se o mapa se opõe ao decalque é por estar inteiramente voltado para uma experi-
mentação ancorada no real” (Deleuze e Guattari, 1995, p.20-21). Ou seja, se mapa é
uma representação do real (e como vimos o real está em constante transformação
através de agenciamentos e trocas) o decalque é um fragmento, ou ainda a represen-
tação do pequeno momento em que representamos o mapa que estamos acompa-
nhando. Ainda segundo os autores deste conceito “são os decalques que é preciso
referir aos mapas e não o inverso” (1995, p.32). Isto posto, dizemos que a ideia não
é fazer um decalque de um momento, mas acompanhar um processo de transfor-
mação no campo, e o representar em toda a sua complexidade.
Neste momento que temos mais nítido a nossa frente os conceitos de rizoma e
como este se apresenta, a partir de seus princípios, passamos a traçar visualmente
nosso próprio objeto rizomático, com base nos dados coletados nesta segunda eta-
pa de nossa cartografia, composta por uma pesquisa de estado da arte e por duas
entrevistas com agentes importantes do campo publicitário brasileiro.

3. Objeto Rizomático

Nesta etapa inciaremos a construção rizomática do nosso objeto, tendo como


base duas fontes de dados: os dados coletados na etapa do estado da arte, assim
como aqueles coletados na etapa de entrevistas. A intenção aqui é de ir tecendo es-
tes dados, a partir de sua relevância no que diz respeito ao nosso objetivo e ao nos-
so problema central neste artigo. Passamos, então, à análise:
8
Durante a entrevista, CCO já nos traz uma das primeiras considerações impor-
tantes, a de que hoje “o dinheiro está muito pulverizado”. O emprego deste adjetivo
nos auxilia, pois remete a formas visuais para a construção efetiva do nosso rizo-
ma. O publicitário justifica o uso deste termo por dois fatores: o primeiro diz respei-
to aos novos formatos de mídia; e o segundo diz respeito a novos parceiros de ne-
gócio surgindo no campo.
Sobre o primeiro fator, nosso entrevistado diz que: “antigamente você entrava em
uma agência, você tinha outdoor, rádio, TV, jornal, impresso, e hoje você tem muito
mais coisa”.
Além disso, quando chegamos no ponto relacionado a estes novos formatos de
mídia e canais disponíveis, comentados pelo publicitário como uma das razões pela
verba pulverizada, sobretudo no ambiente digital que vivemos hoje, encontramos em

8
Relembramos que doravante chamaremos por CCO o publicitário com o cargo de CCO de
agência entrevistado, e por DIR, o diretor do veículo de comunicação sobre publicidade entrevistado.

104 | MEDIA&JORNALISMO
nosso estado da arte um indício de que este é de fato um tema pulsante em nosso
rizoma. Três, das seis teses e dissertações que se assemelham a nossa pesquisa,
versam sobre os tensionamentos nas agências com estas novas formas possibili-
tadas pelo ambiente digital. Para facilitar a compreensão, elaboramos um quadro
com a problemática destes três estudos.

Autor Objeto Empírico Problema

Danielle Vieira da Silva Ori- Cinco anúncios com Como se configuram novas práti-
entador: Marcos Nicolau novas formas narrativas cas do fazer publicitário a partir
possibilitadas pelo novo das novas possibilidades digitais?
fazer publicitário.

Leticia Gomes da Rosa Ori- - Facebook De que maneira as práticas publici-


entador: Francisco Rudiger tárias, gerenciamento e execução
de publicidade em agências de
publicidade, foram impactadas
pelo advento das novas mídias,
mais precisamente pelo Facebook?

Fábio Ramos Duas campanha de Como são os resultados comuni-


Orientador: Wilton Garcia publicidade veiculadas cacionais produzidos por campan-
em ambiente online has publicitárias com estratégias
orientadas para a criatividade e
como se distinguem de campan-
has orientadas para a tecnologia
e mídia?

Quadro 1: Estudos sobre novas possibilidades do ambiente digital em agências.


Fonte: o próprio autor.

Optamos por utilizar em nosso rizoma a expressão “Dinheiro Pulverizado” em pri-


meiro lugar pois foi este o adjetivo empregado pelo nosso entrevistado, mas também
por ser uma maneira recorrente de outros publicitários terem se referido tanto à dis-
persão de investimento de mídia em publicidade, quanto em número de parceiros de
negócio. Com isso pretendemos não reduzir a uma ou outra coisa.
De acordo com o publicitário, o segundo fator para este cenário de investimentos
pulverizados está no fato de que ele percebe o surgimento de novos concorrentes,
entregando o mesmo produto que uma agência entregaria. Nas palavras do CCO,
“mal ou bem, uma VICE9 é concorrente de uma agência; Facebook é concorrente
em algumas plataformas;
Google a gente não sabe, mas tem criativos trabalhando dentro do Google; in-
fluencers; consultorias; tudo isso é dinheiro pulverizado”.

9
VICE é o maior grupo de mídia global do mundo focada em jovens. Conta com 36 escri-
tórios espalhados em mais de 25 países e segue ampliando sua operação. Globalmente, opera
uma plataforma de conteúdo digital (o VICE.COM), uma branded content house, uma produtora
de filmes, uma gravadora, uma revista e uma produtora de branded experience. Disponível em
https://www.vice.com/pt_br/page/about-58477f133bbbf901f85613df

ARTIGOS | 105
Ou seja, além do anunciante ter inúmeras opções de escolha de mídia, pode optar
também por parcerias diretamente com empresas que operavam até então apenas
como veículos ou que eram contratadas exclusivamente pelas agências, sendo chama-
dos até então de fornecedores, mas que agora assumem um papel como concorrentes.
Explicando como essa parceria funciona, nosso segundo entrevistado, DIR, nos
elucida que “entram players como as consultorias, como Google e Facebook. No Fa-
cebook você tem uma unidade de criação de projetos na área digital que substitui
plenamente o que pode fazer uma agência de propaganda”. E ainda nesse caminho,
dá indícios importantes desta nova organização e do porquê de um “tripé clássico”
da indústria ser questionado:

Então, esse tensionamento e esse questionamento vem dos modelos


de negócios; do modelo de remuneração das agências; do trabalho que as
agências prestam, vinham e vem prestando por seus anunciantes; a cadeia
de negócios como ela está estruturada tendo os veículos, as agências e os
anunciantes como um tripé clássico da indústria. Esse questionamento vem
também da chegada da tecnologia e a vinda de grandes players, invadindo o
mundo de publishing de conteúdo e de distribuição da mídia, e eu estou fa-
lando especificamente dos maiores que são o Facebook e Google.

Percebemos tanto os novos formatos de mídia, quanto o surgimento de novos


concorrentes como tensionamentos importantes conectados por linhas segmentá-
rias, tanto ao formato de agência que temos hoje (haja visto a concorrência que sur-
ge em contraponto ao modelo tradicional de agência10), mas principalmente a uma
nova área de intensidade que muito nos interessa: o próprio publicitário.
Novas possibilidades criativas, ainda segundo nosso primeiro entrevistado, é
outro fator importante nesse cenário, pois “capacidade de adaptação é o que mais
vai se falar daqui pra frente” segundo o CCO. Neste sentido, entre tantas mudanças,
perguntamos ao nosso segundo entrevistado - da perspectiva de quem está acom-
panhando os movimentos do campo de fora da agência -se ele percebe, da parte
dos publicitários, interesse na adaptação a estas novas possibilidades profissionais
Ao responder esta pergunta, DIR afirma que “o publicitário que trabalha nas gran-
des agências de propaganda tem muita dificuldade de ver a importância disso”, fato
que vai ao encontro do que propõe CCO, quando diz que, por parte dos publicitários,
“primeiro tem um bloqueio. Tentando fingir que isso não está acontecendo, ou isso
talvez não seja tão grave assim. Uma vez que você bloqueia isso você começa a viver
no escuro durante muito tempo e depois é difícil você se movimentar”. Isto parece-
-nos muito sintomático acerca do período que o campo publicitário atravessa, visto
que estamos falando de adaptação, embora um dos problemas seja certa resistência
individual à transformação. Dito isso, o “publicitário” se confirma como um platô im-

10
VICE é o maior grupo de mídia global do mundo focada em jovens. Conta com 36 escri-
tórios espalhados em mais de 25 países e segue ampliando sua operação. Globalmente, opera
uma plataforma de conteúdo digital (o VICE.COM), uma branded content house, uma produtora
de filmes, uma gravadora, uma revista e uma produtora de branded experience. Disponível em
https://www.vice.com/pt_br/page/about-58477f133bbbf901f85613df

106 | MEDIA&JORNALISMO
portante de nosso rizoma, que detém o poder da tomada de decisões entre revisar
as suas próprias práticas, ou não fazê-lo. Ou seja, o publicitário, como a gente com
poder de ação neste campo, influencía quando as práticas serão ou não revisitadas.
A fim de guiar o pensamento do leitor, propomos um primeiro esquema visual de
como se encontra nosso rizoma até aqui. Desse modo, fica mais facilmente percep-
tível as linhas que conectam nosso rizoma a partir de agora.

Figura 1: Primeira configuração do rizoma. Fonte: O próprio autor.

Assim se dá a construção de nosso rizoma até aqui. As linhas são o que chama-
mos, a partir de Deleuze e Guattari (1995), de “linhas segmentárias” que conectam
uma área de intensidade à outra. Estas áreas são os “platôs” (1995, p.20), que con-
forme citamos, são pontos de concentração de forças ao longo de um rizoma, que
acabam por se destacar. E a ação de dispormos estes platôs e as linhas segmen-
tárias ao longo desta imagem, é a representação do que explicamos ser um “agen-
ciamento”(1995, p.19). Estes agenciamentos são percebidos como um trabalho in-
tuitivo do pesquisador que ao “tatear” seu objeto percebe como estas áreas estão
conectadas através dos princípios do rizoma que debatemos anteriormente. Por
exemplo, podemos verificar a heterogeneidade das conexões, comentadas no prin-
cípio da multiplicidade, quando temos o platô “publicitário”, que a primeira vista não
teria qualquer ligação com o platô “dinheiro pulverizado”, por exemplo, conectando-
-se entre si a partir de outras áreas como as “agências” e os “novos concorrentes”.
Ou ainda, a partir do princípio da ruptura a-significante, vemos um cenário sem rup-
turas abruptas ou recortes, e o veremos ainda mais, a medida que a quantidade de
platôs forem aumentando. Assim, como sugeriram os autores, não é possível en-
contramos um início ou um final para nosso rizoma. Estamos sempre imbricados
em uma ou outra área de intensidade.
Avançando em nossas análises, a partir da configuração do rizoma atual perce-
bemos as agências sendo parte do processo comunicacional, mas não mais agente
centralizador de decisões para o anunciante, e deste fato seria possível debatermos

ARTIGOS | 107
sobre uma possível perda do protagonismo da agência frente ao fluxo de comuni-
cação que se tinha até então.
Nesta perspectiva as falas de nossos entrevistados são confluentes. O publicitá-
rio CCO de agência informa-nos que acredita em uma perda de relevância da agência
para o anunciante nesse novo cenário, e que esta só será reconquistada “por aqueles
que realmente tem interesse no diálogo e entender o que está acontecendo do ou-
tro lado. A gente ainda está nesse momento ‘deixa quieto. Isso aqui não vai mudar’”.
Nosso segundo entrevistado, DIR, afirma que “a indústria vem se transformando, e
os anunciantes vêm percebendo que o valor agregado que as agências entregam
não é mais aquele que foi historicamente”.
Com a perda de relevância das agências mais tradicionais deparamo-nos com
outro ponto importante: um que diz respeito ao interesse dos jovens no mercado
publicitário ou, ainda, quando já inseridos neste mercado, com a perda de interesse
no mundo do trabalho relacionado ao modelos mais tradicionais da propaganda. Ou
seja, os jovens publicitários vêm refutando os paradigmas do mercado - veremos a
seguir com dados de pesquisas - e isso inclui as agências de propaganda. Por isso,
é imprescindível que o próprio ensino nos cursos de graduação em publicidade tam-
bém passe por transformações, acompanhando as movimentações que vêm ocor-
rendo no mercado - quando estas forem saudáveis, obviamente. Em nosso estado
da arte, encontramos pesquisas importantes no âmbito do ensino da criação publi-
citária, principalmente da parceria entre a Doutora Juliana Petermann e os Doutores
Fábio Hansen e Rodrigo Correa, já começando a problematizar o habitus docente
neste novo cenário de transformações das práticas publicitárias.
Nosso inquietamento neste sentido vem do fato de que, segundo pesquisa11 pu-
blicada pelo site B9, importante veículo sobre o cenário da publicidade nacional, os
estudantes recém formados, historicamente, tinham o desejo de trabalhar em gran-
des agências de propaganda.
Em julho de 2017, o site abriu essa pesquisa questionando em qual empresa (não
mais exclusivamente agências) esses profissionais desejariam trabalhar. As respos-
tas foram surpreendentes, e incluíam empresas como o já citado Google e Netflix nas
primeiras posições. Isso confirma, mais uma vez, um cenário pulverizado, mesmo
entre os estudantes, que, historicamente, após concluírem sua graduação, tinham
como única opção de trabalho as agências de propaganda.
Na contramão deste movimento, a agência da qual nosso entrevistado é sócio e
CCO aparece em segundo lugar na opção dos publicitários, com apenas três anos de
existência no Brasil. Quando questionamos à que ele atribui esse interesse dos pro-
fissionais de trabalhar na sua agência, mesmo com tantas novas opções, ele sugere
que isso se deva a “Cultura de agência” 12 que eles estão implementando.
O CCO afirma que na abertura da filial de sua agência no Brasil, muito se discutiu
sobre cultura de agência: “porque a gente tá abrindo uma agência em um momento
de crise e em um momento do decrescimento do mercado. De muita competição. E

11
Disponível em https://www.b9.com.br/68633/em-qual-empresa-voce-deseja-traba-
lhar-2016/. Acessado em 09 de Janeiro de 2019
12
Trataremos de cultura de maneira geral, ligada a comportamento organizacional e valo-
res da empresa difundidos entre os funcionários.

108 | MEDIA&JORNALISMO
a gente achava que a cultura forte, retém talento. Ela atrai novas pessoas”. E como
benefício secundário, “ela cria um time pra valer assim, sabe? Hoje por exemplo se
alguém não encaixa na agência, é muito fácil, é visível para todos que aquela pes-
soa não se encaixa”.
Neste mesmo sentido, nosso outro entrevistado, DIR, afirma que não é parte
da “estrutura biológica” da agência lidar com estas novas possibilidades trazidas
com a transformação digital, a análise de dados e outros avanços. Com isto nosso
entrevistado quer dizer, que historicamente, no dia a dia de uma agência, lidava-
-se pouco com números, estatísticas e com as ferramentas que o ambiente digital
oferece. Porém, afirma que é possível uma agência transformar seu “DNA”, mas
que é preciso “uma transformação Darwiniana para sobreviver. Complexa, muito
profunda e demorada. Algumas não vão sobreviver, como algumas espécies na
teoria da evolução humana morreram desapareceram ou se transformaram em
outras coisas para sobreviver”.
Deste ponto de vista organizacional, a tese de Daniela Ferreira de Oliveira13, que
aparece no nosso estado da arte, analisa essa questão a partir de atravessamentos
éticos sobre jornadas de trabalho, e responde ao questionamento “Como se confi-
gura o atual perfil organizacional e profissional da publicidade brasileira, frente ao
conceito de sustentabilidade organizacional?”.
Assim, talvez tenhamos encontrado a nossa primeira linha de fuga, que chama-
remos “Cultura de Agência” seguida pela expressão “DNA”, fazendo referência à cul-
tura organizacional que os modelos de negócio no campo da comunicação estão
atravessando. Não queremos dizer com isso que temas como “Cultura de Agência”
e “DNA” não se reencontrarão com outras linhas do nosso rizoma, mas conforme
citamos na definição de linha de fuga, sentimos “uma desterritorialização, ou seja,
possibilidade de romper com um sistema já estabelecido”, e, portanto, as definire-
mos como linhas de fuga do nosso rizoma. Isto porque estes temas nos parecem
fugir dos temas que viemos debatendo até aqui, contudo, tais temas foram citados
pelos nossos dois entrevistados, e portanto não poderemos ignorar esta área de in-
tensidade em nosso rizoma.
Além de todo o cenário comentado, não poderíamos deixar de acrescentar em
nosso rizoma, dois outros platôs comentados e citados anteriormente por nossos
entrevistados: “veículos” e “anunciantes”, pois estes também tensionam o mercado
publicitário. Os anunciantes porque estão relacionados diretamente aos processos
que identificamos como “pulverização de investimentos”, e os veículos, por vezes
atuando como parceiros, e, por vezes, atuando como concorrência na criação de
conteúdos, ampliando assim, seu leque de atividades, mas também tensionam o
mercado publicitário.
Assim, tendo tratado de todos os pontos centrais deste momento de transforma-
ção, construímos nosso objeto de forma rizomática, a partir de dados coletados em
nosso estado da arte e também em nossas entrevistas. Ao encerrarmos as análises,
apresentamos visualmente como se configura o rizoma que encontramos, com os
platôs que surgiram deste movimento.

13
Título da Tese: Trabalho e Cultura em Agências de Publicidade do Brasil analisados sob
perspectiva da Sustentabilidade Organizacional

ARTIGOS | 109
Figura 2: Configuração final do rizoma a partir dos dados coletados. Fonte: O próprio autor.

Considerações Finais

A presente investigação traz resultados que vão muito além dos esperados por
nós. É possível constatar, a partir deste rizoma, algo que poderíamos chamar de “cam-
po pulverizado”, no que se refere às agências de propaganda e seus arredores. Além
disso, estudos sob a perspectiva de “campo” parecem promissores ao olhar para
este rizoma, no qual novos agentes e instituições surgem tensionando a práticas de
outras instituições já estabelecidas. Dizemos isto pois vemos novas empresas sur-
gindo no campo, entregando o mesmo produto final que historicamente eram entre-
gues exclusivamente pelas agências. Encontramos também como possibilidade de
debates futuros, investigarmos se nestes novos espaços de trabalho existem tam-
bém os mesmos tensionamentos de transformação que recaem sobre as agências,
como as questões da transformação digital, novas possibilidades criativas surgindo
e demandando revisões nas práticas.
Este mapeamento visual que traçamos, é a resposta para o questionamento cen-
tral deste artigo, porém, gostaríamos de responder de maneira textual e sucinta ao
nosso problema de pesquisa. Assim, os principais platôs que compõem os tensio-
namentos no campo da publicidade e suas reformulações atuais são os que estão
ligados a uma perda da centralidade das agências de comunicação no processo de
decisão sobre a comunicação dos anunciantes.
Dizemos que todos os platôs têm a sua importância, porém, percebemos que os
dados coletados, tanto no estado da arte, quanto nas entrevistas, levam a identifica-
ção de uma relativa perda de protagonismo destas instituições que até então, eram
pilares centrais do fazer publicitário.
De maneira sucinta para este momento, retomamos os platôs que compõem as
principais mudanças na prática publicitária contemporânea:

110 | MEDIA&JORNALISMO
a. Dinheiro Pulverizado: conforme vimos, a verba anteriormente destinada a pou-
cos canais e empresas parceiras, hoje está dividida entre inúmeras possibili-
dades; Este platô está conectado por linhas segmentárias que são de mesma
natureza tanto ao platô “Agências” quanto ao platô “Novos concorrentes às
agências”, visto que o dinheiro se pulveriza entre essas duas possibilidades
de parceiros de negócios. Além disso, se conecta também ao platô “Novos
formatos de mídia” pois esta mesma verba de investimento está sendo di-
recionada a não mais um ou outro veículo, e sim uma pluralidade deles.
b. Agências: As agências de publicidade ainda são um platô importante ao pro-
cesso, mas passam por um momento de descentralização e perda de rele-
vância frente aos anunciantes; como podemos visualizar, este platô se co-
necta à todas as outras áreas de intensidade presentes em nosso rizoma. A
partir do princípio da multiplicidade observamos que este platô está ligado
por linhas segmentárias curtas com o que sempre foi tido como indústria
tradicional da comunicação (veículos, anunciantes e formatos tradicionais),
e por linhas mais distantes de tensionamentos mais recentes como os “no-
vos concorrentes às agências” e os “novos formatos de mídia”.
c. Novos concorrentes às agências: Empresas que antes eram contratadas pelas
agências, hoje são capazes de entregar produtos finais muito semelhantes
aos delas, e acabam por concorrer com estas instituições;
d. Veículo: Este é um dos platôs que mais tensionam as reformulações, pois às
vezes podem se portar como parceiro de uma agência, às vezes como con-
corrência. Isto porque podem operar criando diretamente para os anuncian-
tes, sem o intermédio de uma agência;
e. Anunciante: Intensamente conectado ao platô ‘Dinheiro pulverizado’, pois tais
tensionamentos surgem de uma linha segmentária de natureza semelhante: a
verba de comunicação destes anunciantes. Esta linha financeira que conecta
estas duas áreas é que o que está configurando este mapa tão disperso e
múltiplo. Tais áreas de intensidade e transformações tensionam as práticas
publicitárias, pois tem o poder de decisão sobre a cadeia de negócios inteira;
f. Novos formatos de mídia: As novas possibilidades e novos formatos de anún-
cios exigem com que os agentes pertencentes ao campo atualizem suas
práticas;
g. Publicitário: Como o principal agente do campo, tem o poder da transforma-
ção em si. Pelo que foi observado é o quem tem o potencial de rever suas
próprias práticas, e por consequência, alterar, ou não, o campo a sua volta,
porém, muitas vezes, é resistente a mudanças; partindo do princípio da he-
terogeneidade que elencamos, este platô está conectado por uma linha de
mesma natureza tanto ao platô “agências” quanto ao platô “novos concor-
rentes às agências”, pois estes ainda são os lugares que mais comumente
atuam os publicitários do mercado, mesmo que encontremos profissionais
desta área trabalhando nos veículos e anunciantes.
h. Formatos Tradicionais: Por termos utilizado esses formatos por muito tempo
na indústria publicitária, ainda é um dos principais platôs que estruturam o
campo, pois no que tange a organização das agências, este ainda é o mo-
delo mais comum, no qual as empresas se valem de áreas departamentais

ARTIGOS | 111
estruturadas (criação, atendimento, produção, etc), e portanto, este platô está
conectado apenas com as “agências” em nosso rizoma, pois não verificamos
qualquer outra linha heterogênea que conecte esse formato de trabalho tra-
dicional, à “novos concorrentes às agências”, por exemplo.

A partir desta análise foi possível traçar as transformações que estão aconte-
cendo no campo da publicidade. Além disso, foi possível perceber que trata-se de
um movimento constante e que conta com períodos de intensificação - como o que
estamos vivendo agora. Assim, entendemos que transformações no campo da pu-
blicidade são uma constante, desde o passado e assim continuará no seu futuro.
Como informamos no início, conforme nossas coletas de dados forem avançando,
nosso rizoma tende a se complexificar e aumentar generosamente, visto que nas
próximas etapas da pesquisa teremos novos dados a tramar em nosso rizoma. Em
nossas próximas investidas, nossa pesquisa inclui a ampliação de nossas fontes,
com a entrevista de outros profissionais relevantes no campo da comunicação para
entendermos a profundidade e extensão destas transformações.

Bibliografia

Aguiar, L. (2011). Processualidades da cartografia nos usos teórico-metodológicos de pesquisas em


comunicação social. Dissertação. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil.
Berger, P. L. & Luckmann, T. (1985). A construção social da realidade. Tratado de Sociologia do
Conhecimento. Petrópolis, Brasil: Ed. Vozes.
Bourdieu, P. (1983). Sociologia. São Paulo, Brasil: Ática.
Deleuze, G. & Guatari, F. (1995). Mil Platôs. Rio de Janeiro, Brasil: Editora 34.
a
Duarte, J. & Barros, A. (2009). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação (2 ed). São
Paulo, Brasil: Atlas.
Kastrup, V. (2007). O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. In: Passos, E. Kas-
trup, V. Escóssia, L (Eds). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produ-
ção de subjetividade. Porto Alegre, Brasil: Sulina.
Petermann, J. (2011). Do sobrevôo ao reconhecimento atento: a institucionalização da criação
publicitária, pela perspectiva do Habitus e dos capitais social, cultural e econômico. Tese.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Brasil.
Richardson, R. J. (1999). Pesquisa Social. Métodos e Técnicas (3.ª ed). São Paulo, Brasil: Atlas.
Rolnik, S. (1989). Cartografia Sentimental: Transformações Contemporâneas do Desejo. São
Paulo, Brasil: Estação Liberdade.

Notas biográficas

Lucas Alves Schuch é Mestrando no programa de Pós Graduação em Comunicação da


Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui graduação em Comunicação Social - Pu-
blicidade e Propaganda pelo Centro Universitário Franciscano (2012). Tem experiência na área
de Comunicação, com ênfase em Criação Publicitária.
Pesquisador do grupo Nós Pesquisa Criativa.

112 | MEDIA&JORNALISMO
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0333974254217802
Email: [email protected]
Morada: Universidade Federal de Santa Maria, nº 1000. Prédio 21. FACOS - Sala 5235,
Camobi 97105900 - Santa Maria, RS - Brasil

Juliana Petermann é Professora no Programa de Pós-graduação em Comunicação e no


Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Doutora
em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Coordenadora do
grupo Nós Pesquisa Criativa.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/9049669566284488
Email: [email protected].
Morada: Universidade Federal de Santa Maria, nº 1000. Prdio 21. FACOS - Sala 5235, Ca-
mobi 97105900 - Santa Maria, RS - Brasil

* Submetido: 2018-06-11
* Aceite: 2018.12.20

ARTIGOS | 113
(Página deixada propositadamente em branco)
Incursão pelos modelos de análise da imagem publicitária
Foray into analysis models for advertising image
Incursión por los modelos de análisis de la imagen
publicitaria

Ivone Ferreira
Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Instituto de Comunicação da NOVA
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_8

Resumo
O protagonismo da imagem nos media beneficia as disciplinas que melhor domí-
nio tenham dos seus mecanismos. Entre elas, a Publicidade destaca-se sem esforço
pois, num momento em que a comunicação vê acentuada a sua dimensão imagética
e, com ela, um certo carácter superficial, fragmentado e/ou desprovido de contexto,
esta disciplina enfatiza o poder da imagem para a comunicação e a persuasão sob
a capa de uma permanente sedução. Consequentemente, a Publicidade emerge na
cultura contemporânea como um discurso de cunho marcadamente imagético, ca-
paz de contagiar todos os outros (Ferreira, 2012), vulneráveis ao poder sedutor da
imagem e de uma cultura que se define a partir dela. Desta forma, a sua associação à
Retórica, enquanto “faculdade de teorizar sobre o que é adequado em cada caso para
convencer” (Aristóteles, 1355b), embora inevitável, não surge isenta de obstáculos,
nomeadamente no que diz respeito à escolha do modelo de análise mais adequado
para abordar a especificidade da imagem publicitária. Este artigo percorre os mode-
los semiótico-retóricos de análise da imagem publicitária de Roland Barthes (1964),
Durand (1964), Péninou (1973), Grupo µ (1987), Floch (1981), Sonesson (1993), Um-
berto Eco (1997), Martine Joly (1999) e José Saborit (1999).

Palavras-chave
publicidade; modelos de análise; semiótica visual; retórica da imagem; imagem
publicitária

Abstract
The protagonism of the image in the media benefits the disciplines that better
control its mechanisms. Among them, Advertising stands out effortlessly because,
in a moment when the communication sees its image dimension accentuated, this
discipline emphasizes the power of the image to communicate and persuade under
the cloak of a permanent seduction. Consequently, Advertising emerges in contem-
porary culture as a markedly imaginative discourse, capable of infecting all others
(Ferreira, 2012), vulnerable to the seductive power of the image and a culture that

ARTIGOS | 115
defines itself from it. In this way, its association with Rhetoric, while “faculty of theo-
rizing about what is appropriate in each case to convince” (Aristotle, 1355b), though
inevitable, does not appear free of obstacles, especially in which regards the choice
of the model to analyse the specificity of the advertising image. This article presents
the semiotic-rhetorical models related to image analysis of Roland Barthes (1964),
Durand (1964), Péninou (1973), Grupo μ (1987), Floch (1981), Sonesson (1993), Um-
berto Eco (1997), Martine Joly (1999) and José Saborit (1999).

Keywords
advertising; analisys models; visual semiotics; rhetoric of image; advertising image

Resumen
El protagonismo de la imagen en los medios beneficia a las disciplinas que me-
jor dominio tengan de sus mecanismos. Entre ellas, la Publicidad se destaca sin es-
fuerzo pues, en un momento en que la comunicación ve acentuada su dimensión
imagética y, con ella, un cierto carácter superficial, fragmentado y / o desprovisto de
contexto, esta disciplina enfatiza el poder de la imagen para la comunicación y per-
suasión bajo la capa de una permanente seducción. En consecuencia, la publicidad
emerge en la cultura contemporánea como un discurso de cuño marcadamente ima-
gético, capaz de contagiar a todos los demás (Ferreira, 2012), vulnerables al poder
seductor de la imagen y de una cultura que se define a partir de ella. De esta forma,
su asociación a la retórica, como “facultad de teorizar sobre lo que es adecuado en
cada caso para convencer” (Aristóteles, 1355b), aunque inevitable, no surge exenta
de obstáculos, en particular en lo que se refiere a la elección del modelo de análisis
más adecuado para abordar la especificidad de la imagen publicitaria. Este artícu-
lo presenta los modelos semiótico-retóricos de análisis de la imagen publicitaria de
Roland Barthes (1964), Durand (1964), Péninou (1973), Grupo μ (1987), Floch (1981),
Sonesson (1993), Umberto Eco (1997), Martine Joly (1999) y José Saborit (1999).

Palabras clave
publicidad; modelos de análisis; semiótica visual; retorica de la imagen; imagen
publicitaria

Se o potencial comunicativo da imagem já não encontra propriamente oposição,


a sua natureza é, mais que nunca, alvo de múltiplas análises, que perpetuam o seu
eterno fascínio e, de certa forma, a inevitável suspeita que tem definido e pautado os
termos da sua relação com o ser humano desde os tempos mais ancestrais. Ainda
assim, não encontrar oposição não torna menos problemática a noção da imagem
como elemento de comunicação, não só devido ao seu carácter polissémico, mas
também à recusa de que a sua interpretação passe, necessariamente, pelo paradigma
linguístico, como tentou Roland Barthes, na década de 1960, em pleno Linguistic Turn.
Ainda que a Semiologia tenha sido responsável, durante as primeiras décadas da
segunda metade do século XX, pela imposição do modelo verbal à leitura da imagem,
consideramos que o aceso debate em torno desta questão e da defesa da autono-

116 | MEDIA&JORNALISMO
mia da imagem enquanto elemento semiótico, ou seja, enquanto origem de sentido,
relativamente à palavra, embora importante e pertinente, deve ser superado. Acei-
temos que palavra e imagem se complementam, integrando ambas, individualmen-
te ou em conjunto, a natureza comunicativa do ser humano. O próprio Saussure, ao
definir signo – algo que está por algo – como junção de um significante e de um
significado, fala-nos de uma imagem acústica como correspondente conceptual da
forma que a evoca. Este aspeto é particularmente significativo, porque nos dá conta
de que, na origem do estudo da significação, está já a noção, tanto da parte de Ferdi-
nand de Saussure na Europa, como de Charles Sanders Peirce nos Estados Unidos,
de que palavra, imagem e som integram o mesmo processo, sem que tenhamos de
privilegiar uns ou subjugar outros.
As perspetivas destes dois autores têm distintas proveniências – no caso de
Saussure, a Linguística; no caso de Peirce, a Filosofia e a Lógica – e evoluirão de for-
ma igualmente diferente – até em termos da denominação da nova ciência, que o
primeiro designa Semiologia e o segundo Semiótica. Ainda assim, une-os o objeto de
estudo: o signo, a significação e os processos em que esta se dá, resultando numa
herança que, na segunda metade do século XX, revitaliza com particular expressivi-
dade o estudo de áreas dominadas pela imagem, como o Teatro, do Cinema, da Pu-
blicidade e, mais recentemente, do Design, entre outras.
Sonesson (1993: 138-141) distingue três modelos representativos na Semiótica
da imagem. Um deles enquadra o Grupo µ (de Liège) e a sua Retórica Geral que, no
Tratado do Signo Visual (1987), explora tanto as especificidades semióticas como
retóricas presentes na análise da imagem. O segundo modelo teria sido apresentado
pelos trabalhos de Thurlemann e Floch sobre pintura e propaganda, baseados na se-
miótica greimaseana. O terceiro modelo seria defendido por Fernande Saint-Martin,
com a sua gramática semiótica da imagem.
Mais especificamente sobre Retórica visual, destacam-se os trabalhos de Ro-
man Jakobson, Umberto Eco, Grupo µ, Algirdas J. Greimas, Joseph Courtés, Jaques
Durand ou John Lyons, autores cujo pensamento é construído sob a influência do
estruturalismo e da influência clássica da Arte Poética de Aristóteles e da Epístola
aos Pisões de Horácio.
Compreende-se o interesse despertado pelo estudo da imagem e a entusiástica
adesão a novos modelos e perspetivas. Sobretudo se considerarmos que a evolução
dos meios de comunicação de massa tem vindo a fazer-se num sentido predomi-
nantemente visual, multiplicando-se em distintas interfaces tecnologicamente cada
vez mais sofisticadas e reforçando a noção insistentemente repetida de que vivemos
numa sociedade da imagem – complexo sinónimo de informação e da própria reali-
dade percecionada, num universo crescentemente desmaterializado. Seguindo essa
linha de pensamento, Catarina Moura (2011) problematiza, precisamente, esta ques-
tão ao estudar a natureza contemporânea da imagem e da nossa relação com ela:

Embora presentificada nos mais diversos suportes que determinam


a nossa experiência do mundo, a imagem é sempre ausência, um espace du
dehors (Blanchot) que nos fala de um mundo que assumimos como nosso
porque, apesar da distância que impede que o toquemos e sintamos, nos é
repetidamente mostrado como tal. De tal modo que, pouco a pouco, a reali-

ARTIGOS | 117
dade instituída nos parece apenas uma continuação do que vimos em foto-
grafias, na televisão, no cinema ou na Internet (2011: 151).

A cultura visual, na qual a Publicidade ocupa um lugar de destaque, parece conter


a promessa de uma aguardada democratização do acesso aos bens culturais (Ben-
jamin, 1992), gerando a apetecível ilusão de que pode ser potencialmente universal
e consumida como tal, graças a um interminável ritual de sedução e “embelezamen-
to integral da vida através da contínua satisfação do olhar”, capaz de ocultar o efi-
caz processo de formatação do nosso modo de ver, de que somos alvo diariamente
(Idem: 152). Compreender este trabalho de contínua satisfação do olhar e de forma-
tação da visão implica estudar a imagem e o seu modus operandi, conduzindo-nos
aos modelos de análise de um conjunto de autores que, na nossa perspetiva, se des-
tacam pela relevância e impacto das ideias que desenvolveram.

Roland Barthes e a leitura da imagem

É pela mão de um discípulo de Saussure que nos chega o primeiro modelo de


análise da imagem publicitária. A expressão “Retórica da imagem” deriva de um ar-
tigo com o mesmo nome publicado em 1964 pelo autor, no qual se propõe analisar
a imagem publicitária, empresa para a qual elege como objeto o anúncio impresso
das massas Panzani.
O autor parte de uma breve descrição do anúncio – “Temos aqui uma publicidade
Panzani: pacotes de massas, uma lata, tomates, cebolas, pimentões, um cogumelo,
todo o conjunto saindo de uma sacola de compras entreaberta, em tons de amarelo
e verde sobre fundo vermelho” (Barthes, 1984: 28) -, na qual não inclui o slogan, ou
seja, o que viria depois a descrever como mensagem linguística, localizada na parte
inferior da imagem – “Patês – Sauce-Parmesan. A l’Italienne de luxe”.
Embora não a inclua a sua descrição, Barthes aprecia a sua importância para o
sentido geral da imagem. No anúncio Panzani, a função da mensagem verbal é de
ancoragem, contribuindo para “fixar a cadeia flutuante dos significados, de modo a
combater o terror dos signos incertos” (Idem: 33), reforçando a italianidade dos pro-
dutos da marca no país onde (também) é comercializada, França, e minimizando o
carácter polissémico de qualquer mensagem na qual predomine a imagem. Ainda
assim, considerando as componentes verbal e imagética deste anúncio – tomado
como paradigma do discurso publicitário em geral -, o autor identifica três tipos de
mensagem: linguística, icónica codificada e icónica não-codificada.
Por mensagem icónica codificada, Barthes entende o conteúdo que, na imagem
e na sua construção, terá um carácter essencialmente informativo e, portanto, de-
notativo; ou seja, dirá respeito ao momento em que, na leitura de qualquer imagem,
nos apercebemos dos elementos que contém – neste caso, “pacotes de massas,
uma lata, tomates, cebolas, pimentões, um cogumelo, todo o conjunto saindo de
uma sacola de compras entreaberta, em tons de amarelo e verde sobre fundo ver-
melho” (Idem, Ibidem), as cores, o slogan – sem que tenhamos ainda processado
o seu sentido. No momento, eventualmente inalienável da primeira leitura, em que
todos estes elementos adquirem um carácter comunicativo, simbólico, ou seja, no

118 | MEDIA&JORNALISMO
momento em que, no seu conjunto, começamos a percecionar a inevitável italianida-
de que esta imagem, no seu todo, procura transmitir, entramos no território da men-
sagem icónica não-codificada.
A relação entre estes três tipos de mensagem será, essencialmente, de reforço
ou redundância. E compreende-se porquê: num universo, como o publicitário, em
que o risco de insucesso de implementação da marca (seja ela produto, serviço ou
até mesmo pessoa) procura ser mínimo, todos os elementos da sua mensagem são
consciente e estrategicamente colocados para reforçar o sentido uns dos outros, re-
petindo cada um à sua maneira a mensagem global, de modo a não arriscar que esta
se perca. No caso das massas Panzani, o seu anúncio não só continha os produtos
da marca, como alimentos frescos que facilmente associamos à culinária italiana,
organizados numa imagem que fazia igualmente uso das cores da bandeira des-
te país (e, coincidentemente, do logótipo da marca). Quando o olhar do observador
chega ao slogan, a italianidade da mensagem completa-se e o objetivo cumpre-se.
Face à polissemia da imagem, a linguagem precisa os termos de significação
e conduz o observador por entre os significados que devem ser lidos e os que não
devem, identificando o objeto ou tema ilustrado e construindo a sua interpretação.
A ausência do elemento linguístico seria, no entender de Roland Barthes, profunda-
mente arriscada quando ponderados os objetivos da imagem publicitária. No entan-
to, a imagem também precisa ou determina a mensagem linguística, pois é através
dela que esta ganha a sua verdadeira dimensão e significado, permitindo explorar o
implícito e o conotativo e que a linguagem se adapte a moldes económicos de co-
municação que a imagem enriquece semanticamente.
Os distintos elementos complementam-se, definindo a cadeia conotativa a esta-
belecer. Na perspetiva do autor, só se encontram imagens sem palavras nas socie-
dades semianalfabetas que vivem numa espécie de estado pictográfico da imagem.
Desde o aparecimento do livro, a imagem acompanha o texto ou vice-versa. Conside-
rando a cadeia flutuante de significantes que, na imagem, pode apresentar-se desor-
ganizadamente ao observador, a mensagem linguística opera, compreensivelmente,
como forma de fixar a significação e, consequentemente, estabilizar a interpretação.
Barthes considera que a ancoragem da palavra à imagem tem um “valor repressi-
vo”, na medida em que o texto, seja ele título, slogan ou legenda, restringe e limita os
múltiplos significados que emergem naturalmente da imagem. Ainda assim, o autor
defende que também a imagem pode desempenhar uma função de ancoragem, em-
bora operando de modo distinto. A imagem pode limitar o carácter polissémico da
própria mensagem linguística, substituindo, de certa forma, a imaginação ao fornecer
uma ilustração já construída do texto e, portanto, poupando esforços de evocação ao
observador, que se podiam revelar desviantes em relação ao efeito persuasivo pre-
tendido, pois a imagem associada ao texto é criada nas condições pretendidas pelo
anunciante. No entanto, num segundo momento, a função de ancoragem da imagem
adquire um valor de abertura, ou seja, a imagem abre o sentido das palavras, ainda
que dentro do espectro intencionado pelo objeto publicitário em causa. O significado
de um anúncio, mais do que o seu objeto em si, é a abertura do sentido desse objeto.
O termo “Retórica” volta a surgir num outro texto do mesmo autor (1978), dedi-
cado ao pintor maneirista Giuseppe Arcimboldo e ao trabalho que desenvolve em
meados do século XVI. As figuras compostas por Arcimboldo tinham sobretudo fun-

ARTIGOS | 119
ções distrativas, mas Barthes considera que o pintor brinca com a língua, transfor-
mando as imagens presentes na sua pintura em figuras de estilo, como acontece
em “As quatro estações”, série de quatro quadros pintados em 1573, representando
cada uma das estações do ano. A Retórica da Imagem de Roland Barthes consiste
numa desconstrução de cada elemento presente na imagem, com o intuito de des-
cobrir nele alguma figura Retórica. O autor coloca uma questão fundamental: a de
perceber se a imagem – que remete ao seu significado latino de imitação – poderá
ser verdadeiramente portadora de sentido. No entanto, a perspetiva que adota para
este questionamento – procurando averiguar se a imagem poderá realmente cons-
tituir uma linguagem e, em caso afirmativo, como nela opera o sentido – viria a ser
amplamente criticada, devido à imposição do modelo linguístico à análise de um ele-
mento que tem vindo a ser reforçado como algo profundamente distinto.

Umberto Eco e os níveis de sentido

N’ A estrutura ausente, Eco (1997) desenvolve uma metodologia de análise da Publi-


cidade sob influência da teoria da informação. O título do livro apresenta uma crítica aos
fundamentos do estruturalismo francês, apesar de o autor apresentar claras influências
de Saussure, Hjelmslev e Barthes, compreensíveis se atendermos à sua raiz europeia.
Eco adota o modelo triádico do signo de Charles Sanders Peirce e conclui que a
cada uma das definições de signo pode corresponder um fenómeno de comunica-
ção visual específico. Nessa linha de pensamento, a imagem publicitária é abordada
como um aglomerado de camadas que o autor analisa separadamente. O seu méto-
do baseia-se no duplo registo, o registo verbal e registo icónico ou visual, invocando
para o efeito os conceitos de denotação e conotação bartheanos.
O autor divide a imagem publicitária em cinco níveis, sendo os três primeiros es-
pecíficos da imagem e os dois seguintes da argumentação. O primeiro, o nível icóni-
co, está situado no plano da denotação e inclui os dados concretos da imagem ou
os elementos gráficos que representam o objeto de referência. O nível iconográfico,
o segundo, trabalha com dois tipos de codificação, a histórica e publicitária: no pri-
meiro, a Publicidade usa significados convencionais e no segundo incluem-se con-
venções criadas pela própria Publicidade, como a maneira de uma modelo cruzar as
pernas ou de olhar para o leitor.
Ao nível da argumentação, encontramos os níveis tropológico, tópico e entime-
mático. O primeiro diz respeito às figuras de retórica clássicas aplicadas à comuni-
cação visual, o nível tópico compreende as premissas e os lugares argumentativos
e o nível entimemático refere-se às conclusões desencadeadas pela argumentação
e ao aparecimento de uma determinada imagem no anúncio.

Jacques Durand: figuras de linguagem

O artigo “Retórica e imagem publicitária”, publicado na revista Communications


em 1970, é o principal contributo de Jacques Durand para o estudo da imagem pu-
blicitária. A partir do estudo de Roland Barthes, Durand desenvolve um projeto so-

120 | MEDIA&JORNALISMO
bre a imagem publicitária em que procura encontrar as figuras da Retórica clássica
presentes nos anúncios impressos. Nesse estudo, analisa um corpus de mais de
mil anúncios impressos publicados nos anos 60, com a intenção de construir uma
base de dados de imagens em que as figuras de estilo fossem identificadas e estu-
dadas por forma a constituir uma Retórica visual. Neste trabalho, o autor consegue
encontrar todas as figuras clássicas traduzidas em imagens e conclui que as melho-
res ideias criativas encontradas nos anúncios são aplicações da Retórica clássica.
Para identificar as figuras da Retórica visual, Durand constrói uma tabela de re-
lações entre os conteúdos e as formas das figuras de Retórica estabelecendo, no
plano do conteúdo, cinco tipos possíveis de relações entre os elementos associa-
dos (identidade, semelhança, diferença, oposição e falsas homologias) e, no plano
das formas, quatro tipos de operações retóricas. No final do artigo, Durand frisa que
a análise das figuras de Retórica aplicada a anúncios isolados pode ser alargada a
campanhas. As tabelas de figuras de Retórica visuais identificadas por Durand con-
tinuam válidas, sendo ainda uma referência na área.

Georges Péninou: publicidade substantiva e publicidade adjectiva

Georges Péninou fez estudos complementares ao trabalho de Jacques Durand.


Entre as suas obras mais conhecidas estão o artigo “Física e metafísica da imagem
publicitária” e o livro, nascido da sua tese de doutoramento, Intelligence de la publi-
cité, que reúne as suas reflexões sobre a imagem publicitária, feitas ao longo de dé-
cadas. Nesta obra, Péninou elabora um estudo das formas de expressão da imagem
publicitária e apresenta um modelo de análise para um anúncio impresso, que as-
sume como ponto de partida para as mais variadas considerações sobre a questão
da imagem na Publicidade.
A forma como analisa o anúncio da Indian Tonic Schweppes revela uma forte
inspiração no modelo de Roland Barthes, particularmente evidente quando identifi-
ca, na imagem, os níveis denotativo e conotativo. A semelhança emerge igualmen-
te no modo como separa o material imagético do escrito, também reminiscente do
modelo de Umberto Eco. Tal como os seus antecessores, Péninou inicia a análise
com uma descrição do anúncio.
Apoiando-se em Barthes, Péninou sustenta que toda a imagem emite duas men-
sagens, uma de apresentação, referente à leitura denotativa, e outra de simboliza-
ção, o nível conotativo, para além de uma mensagem de representação do género
publicitário que permite o reconhecimento imediato pelo leitor. Segundo o autor, os
anúncios podem ser classificados de acordo com dois grandes regimes, (1) subs-
tantivos ou denotativos e (2) adjetivos ou conotativos.
A publicidade substantiva é aquela que assume a apresentação do produto, corres-
pondendo à consagração fotográfica do objeto, com destaque para o seu nome e ca-
racterísticas, com ou sem apresentadores. Quando há um apresentador, o seu posicio-
namento em relação ao leitor pode ser frontal ou de perfil e admite outras implicações.
A publicidade substantiva que utiliza apresentadores classifica-se em duas ca-
tegorias, os anúncios de designação e os de exibição. A designação compreende os
anúncios que integrem gestos que remetam para algo particular. A exibição faz-se

ARTIGOS | 121
com recurso ao código gestual
Quando não recorre aos apresentadores, a publicidade pode ser de auto-apre-
sentação e aparecimento. Por auto-apresentação entende-se uma publicidade sem
tempo, em que a imagem mostra o objeto na sua singularidade. Quanto ao apareci-
mento, por norma ajusta-se ao lançamento de um produto, reforçando essas carac-
terísticas na mensagem escrita.
Por sua vez, a publicidade adjetiva destaca as características do produto, apli-
cando figuras de Retórica na imagem, tais como a metáfora ou a sinédoque, quando
as imagens estabelecem uma analogia com o produto ou evidenciam um detalhe
para estimular a perceção da relação com a imagem total do objeto, entre outras.
Um contributo importante deixado por Georges Péninou foi sem dúvida a iden-
tificação e análise dos códigos cromático, tipográfico, fotográfico e morfológico
na Publicidade, pois é a partir deste que estes aspetos começam a ser estudados.

Jean Marie Floch e as valorizações publicitárias

Jean Marie Floch apresenta uma nova abordagem no âmbito dos estudos da
imagem ao aplicar a semiótica greimasiana como instrumento de análise. O seu tra-
balho sobre a imagem começa a ser desenvolvido em 1981, sendo posteriormente
publicado no livro Petites mythologies del’œil et de l’esprit. Floch não desenvolve
um modelo de análise semiótica aplicado exclusivamente à Publicidade, pois o seu
modelo abrange as mais distintas áreas da imagem, nomeadamente a Escultura, a
Arquitetura, a Pintura, o Design e a Publicidade.
Ainda assim, o livro Sémiotique, marketing et communication destaca-se particu-
larmente na bibliografia de Floch, pois é considerado a primeira obra de semiótica es-
pecificamente consagrada ao estudo da Comunicação, do Marketing e da Publicidade.
Nesta obra, o autor apresenta seis ensaios cujos objetos de análise são case-studies
de Marketing e Comunicação aos quais aplica o modelo semiótico. Três desses casos
aplicam-se concretamente à Publicidade. O capítulo “J´aime, j´aime, j´aime (...)” tem por
objeto de análise a publicidade do sector automóvel e o sistema de valores em jogo
quando o consumidor decide comprar um carro. Usando uma lógica parecida com o
primeiro estudo de caso apresentado, “Etes-vous arpenteur ou somnambule?”, em que
Floch cria um modelo para descobrir algumas tipologias de comportamentos dos utili-
zadores do metro de Paris, o autor constrói um quadrado semiótico e estabelece uma
tipologia dos modos de valorização criados pela Publicidade: prática, correspondente
aos valores de uso; utópica, relativa a valores existenciais como identidade e liberdade;
lúdica, que diz respeito à valorização lúdica e ao luxo; e, por fim, crítica, no âmbito da
qual são feitas relações entre elementos como qualidade e preço ou custo e benefício.

Martine Joly: uma análise tripartida da imagem

Em Introdução à análise das imagens (1999), Martine Joly apresenta uma pro-
posta de análise da imagem publicitária, mostrando-se conhecedora das conceções
semióticas e dos modelos de análise de Roland Barthes, George Péninou e Jacques

122 | MEDIA&JORNALISMO
Durand e apresentando a imagem como objecto da Semiótica, resgatando os con-
ceitos de signo de Peirce e Saussure.
Para esta autora, uma fase essencial da análise da imagem é a sua descrição,
que traduz a perceção visual em linguagem verbal. Esse procedimento coloca em
evidência as escolhas percetivas e de reconhecimento essenciais para a interpreta-
ção de uma imagem, que também passa por uma aprendizagem cultural.
Um dos anúncios analisados pela autora é um anúncio de duas páginas da marca
de roupas Marlboro Classics, publicado na revista “Nouvel Observateur” em outubro
de 1991. Tendo como ponto de partida o modelo de Roland Barthes, Joly procura
percorrer o caminho inverso - se Barthes partia dos significantes para chegar aos
significados que compõem a mensagem global, vinculados a um contexto sociocul-
tural e a uma mensagem linguística, Joly considera que o seu objetivo é a desco-
berta da mensagem implícita existente no anúncio e delimitar com maior precisão
o público-alvo do mesmo.
A sua proposta de análise divide-se em três fases: a descrição da imagem, a re-
produção do texto e a separação e análise de três tipos de mensagens em plástica,
icónica e linguística. De acordo com a autora, a análise detalhada de cada fase per-
mite descobrir a mensagem implícita e global do anúncio.
A mensagem plástica é formada pelo conjunto de elementos concretos, por dizê-
-lo assim, que compõem a imagem, tais como o suporte, a dimensão do mesmo, o
enquadramento, a iluminação ou a textura. Por sua vez, a análise dos significantes
icónicos nascem conotações carregadas de significados socioculturais, naturalmente
inerentes ao carácter polissémico da imagem. Por fim, para a análise da mensagem
linguística, Joly relembra Roland Barthes, declarando que toda a imagem é polissé-
mica e que, consequentemente, a mensagem linguística é fundamental para a inter-
pretação correta da imagem. A autora analisa ainda cada bloco de texto de acordo
com as funções previstas por Barthes e as figuras de Retórica também são classifi-
cadas. No entanto, reflete sobre a escolha tipográfica, nomeadamente cor e formato
dos caracteres, aspetos descurados até então pelos modelos de análise anteriores.

Da imagem fixa para a imagem em movimento

Em La imagem publicitaria en televisión, José Saborit (1999: 71) enumera um


conjunto de ângulos a partir dos quais podem analisar-se os spots publicitários: (1)
Iconicidade, (2) Objeto, (3) Personagens, (4) Cor, (5) Movimento, (6) Texto, Logótipo
e Marca, e (7) Sonoridade. A pertinência deste modelo e a proximidade encontrada
com o seu objeto de análise levam-nos não só a estudá-lo, como a procurar adaptá-
-lo à investigação de doutoramento que finalizámos em 2012 e que procurava averi-
guar a linguagem (texto e imagem) da publicidade televisiva.
Segundo Saborit, ainda que grande parte dos anúncios publicitários assentem
puramente na iconicidade (Idem: 72), a Publicidade dirigida ao público infantil utiliza
desenhos animados ou bonecos inanimados aos quais dá vida ou movimento recor-
rendo à tecnologia ou a um simples movimento de mãos para manobrar o brinquedo.
Estes são personagens intervenientes em séries infantis, heróis míticos detentores de
poderes sobrenaturais, podendo ser extraterrestres, cyborgs ou outra criatura admi-

ARTIGOS | 123
rada pelas crianças e capaz de se tornar credível entre um público ainda incapaz de
fazer a separação entre o mundo da fantasia e a realidade. No caso da Publicidade
dirigida a um público-alvo adulto, imperam as imagens em movimento por possuí-
rem maior grau de semelhança com a realidade, o que permite que a descodificação
da imagem seja feita automaticamente pelo telespectador. Este é um dos motivos
pelos quais defendemos que a Publicidade televisiva convida ao imaginário e trans-
porta o telespectador para um mundo de sonho diferente daquele em que se vivem
as contingências do quotidiano.
Relativamente à presença de objetos no anúncio, importa reparar se é apresen-
tado um objeto/produto único para perceber qual a estratégia do anunciante e em
que cenário. O tempo de exposição reduzido, desencadeado pelos custos elevados
do tempo em televisão, conduz à necessidade de centrar a Publicidade no mais im-
portante, fazendo-o de forma rápida, objetiva e eficaz. Deste modo, compreende-se
que o número de objetos apresentado em cada anúncio seja, também, muitas ve-
zes limitado, para evitar que a mensagem se perca. Importa averiguar se o tempo
do anúncio pode condicionar a forma de apresentação do objeto (nomeadamente
recorrendo a planos curtos, rápidos e densos) e a eficácia da mensagem.
No que diz respeito às personagens, torna-se importante averiguar tanto o pa-
pel como o número de intervenientes no anúncio, pois o desempenho e a quantida-
de de atores em cena podem não só rivalizar com o produto, como interferir com a
identificação que com ele deverá sentir o público-alvo. Em nome da redução deste
esforço de identificação e credibilização, a Publicidade recorre, alguma frequência,
à presença de celebridades.
Na perspetiva de Saborit, a maioria dos anúncios são a cores porque estas po-
dem atuar como nexo identificativo com a marca. A cor torna o anúncio mais realis-
ta, conferindo-lhe maior grau de semelhança com o real. Contudo, o preto e branco
pode atuar como agente diferenciador, por remeter para uma altura em que poucos
podiam pagar o seu próprio retrato ou para a qualidade de uma fotografia de moda.
Nos anúncios pode, ainda, intercalar-se o preto e branco com a cor para marcar a
diferença entre o antes e o depois de um produto ser utilizado.
A propósito do movimento, é importante averiguar de que modo é que este inter-
fere com a transmissão da mensagem e de que forma é construído - se pela cadên-
cia dos planos, se pela introdução de música ou algum tipo de som.
Geralmente os spots integram igualmente elementos como texto, logótipo e mar-
ca, pelo que se torna também necessário questionar de que modo são utilizados e
se o seu papel é escasso, incisivo ou fundamental em termos argumentativos. No
respeitante ao logótipo e à marca, importa analisar de que forma é que estes, desti-
nados a diferenciar o produto dos seus concorrentes, surgem no ecrã pois, segundo
Saborit, trata-se de elementos que funcionam como imagens e não como palavras,
sendo a legibilidade fundamental.
A possibilidade de usar a palavra falada em televisão leva a que averiguemos se
existem diálogos, monólogos ou se o recurso à voz off é frequente. Mais que isso,
impõe-se indagar com que intenções se utiliza a palavra – adotam-se frases facil-
mente memorizáveis, rimas, trocadilhos ou jogos de palavras? Recorre-se ao jingle?
O slogan é repetido ao longo do anúncio?
O som é, igualmente, um elemento fundamental no spot televisivo, sendo fundamental

124 | MEDIA&JORNALISMO
descortinar qual a relação que lhe é dado ter com a imagem. Efetivamente, importa saber
de que forma pode o som, seja ele música, som ambiente ou ruído, credibilizar, associar
determinados valores ao produto ou, simplesmente, despertar a atenção do espectador.

Conclusão

Na tese de doutoramento que desenvolvemos adotou-se o modelo de Saborit


para averiguar a natureza retórica da publicidade televisiva (2012) mas impôs-se a
inclusão de outros critérios de análise, puramente fundados na retórica aristotélica e
que é referente aos valores, tempo, tipo de argumentos, auditório, provas intrínsecas
e finalidade presentes em cada anúncio, em conformidade com o quadro aristotéli-
co dos géneros para procurar apurar o que mudou com o discurso publicitário com
a interferência dos media audiovisual. Neste âmbito, analisou-se a forma como as
provas, argumentos, tempo do discurso, ação e valores se manifestam no discurso
retórico publicitário, interessando igualmente identificar orador e auditório em cada
anúncio e verificar a forma como o primeiro se apresenta e averiguar qual o grupo
de consumidores a que o anúncio se destina.
Falkheimer &Heide (2018) encontram na Retórica clássica um dos fundamentos
da Comunicação Estratégica. Afastando-se da conotação negativa que a disciplina
tem assumido pela sua associação à propaganda, os autores defendem que a retó-
rica aristotélica dispõe de um “arsenal de ferramentas” à disposição de quem pre-
tende uma melhor compreensão sobre situações comunicativas diversas (Idem: 37).

Bibliografia

Adam, J.-M.; Bonhome, M. (2004). La argumentacion publicitaria. Madrid: Ediciones Cátedra.


Aristóteles (1998). Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda.
Barthes, R. (1970). L’Ancienne Rhétorique. Communications 16, 172-230.
Barthes, R. (1984). O óbvio e o obtuso. Coleção Signos, Lisboa: Edições 70.
Benjamin, W. (1992). Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio d’ Água Editores.
Clemente de Souza, T. (2001). A análise do não verbal e os usos da imagem nos meios de comu-
nicação. Ciberlegenda nº 6 (em linha). Disponível em http://www.uff.br/mestcii/tania3.htm
Eco, U. (1997). A estrutura ausente. 7ª edição. São Paulo: Perspectivas.
Falkheimer, J; Heide, M. (2018). Strategic Communication: an introduction. Abingdon, Oxon;
New York: Routledge.
Fecé, J. L. (1998). Do realismo à visibilidade. Efeitos de realidade e ficção na representação au-
diovisual. Revista Contracampo, nº 2 (em linha). Disponível em www.uff.br/mestcii/fece.htm
Ferreira, I. (2012). A publicidade como género retórico. De uma retórica da persuasão para
uma retórica da sedução (tese de doutoramento). Covilhã, Universidade da Beira Interior.
Gauthier, G. (1996). Veinte Lecciones sobre la Imagen y el Sentido. Madrid: Ediciones Cátedra.
Genette, G. (1970). La rhétorique restreinte. Communications 16,158-172.
González Requena, J. (1999). El discurso televisivo: espectáculo de la posmodernidad. Madrid:
Ediciones Cátedra.
Grupo µ (1987). Retórica general. Barcelona: Paidós comunicación.

ARTIGOS | 125
Joly, M. (2002). A Imagem e a sua Interpretação. Lisboa: Edições 70.
Moura, C. (2011). Signo, Desenho e Desígnio. Para uma Semiótica do Design. Tese de Doutora-
mento em Ciências da Comunicação, Covilhã: Universidade da Beira Interior.
Newhagen, J. (2002). The role of meaning construction in the process of persuasion for viewers
of television images. In Dillard, J. P.; Pfau, M., The Persuasion Handbook. Developments in
Theory and Practice. EUA: Sage Publications.
Ribeiro de Souza, S.; Godinho Santarelli, C. (2008). Contribuições para uma história da análise
da imagem no anúncio publicitário. Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comuni-
cação, 31(1), 133-156.
Saborit, J. (1999). La imagen publicitaria en television. Madrid: Cátedra.
Sonesson, G. (1993). Pictorial semiotics, Gestalt psychology, and the ecology of perception.
Semiotica, 99: 3/4.
Volli, U. (2004). Semiótica da publicidade. Lisboa: Edições 70.

Nota biográfica

Ivone Ferreira é Professora Auxiliar no Departamento de Ciências da Comunicação da NOVA-


-FCSH na área de especialidade de Comunicação Estratégica e Investigadora Integrada do ICNOVA.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3283-2373
E-mail: [email protected]
Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submetido: 2018.08.15
* Aceite: 2018.11.15

126 | MEDIA&JORNALISMO
Formas emotivas do discurso persuasivo1
Emotive forms of persuasive discourse
Formas emotivas del discurso persuasivo

Samuel Mateus
Universidade da Madeira
Labcom e ICNOVA
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_9

Resumo
Tal como a Retórica no-lo ensina, as emoções (pathos) estão no centro do dis-
curso persuasivo. A racionalidade argumentativa da retórica não exclui as emoções
como elemento fundamental do processo persuasivo. Primeiro, porque razão e emo-
ção andam a par no que diz respeito ao raciocínio e à tomada de decisão, tal como
demonstrado por vários estudos de Neurociência e de Psicologia Social. Em segun-
do lugar, porque a própria persuasão envolve uma modalidade emocional paralela a
uma modalidade estritamente formal ou dita “racional”.
O presente artigo salienta algumas das principais formas emotivas que pontuam
os discursos de natureza persuasiva, como o da publicidade: o uso da sugestão, a
utilização de linguagem figurada e conotativa, ou ainda a concentração sobre as ne-
cessidades e desejos do auditório. Além dessas, destacam-se, ainda, um conjunto
de efeitos emocionais relativos, quer ao auditório, quer ao orador.
Embora este elencar de formas emotivas não se pretenda exaustivo, a enume-
ração de procedimentos emocionais nos discursos publicitários oferece-nos um
preliminar esboço do alcance e consequências práticas da persuasão emocional.

Palavras-Chave
retórica; retórica da publicidade; persuasão; emoções; persuasão emocional

Abstract
As the rhetoric teaches us, the emotion (pathos) is at the heart of persuasive
discourse. The argumentative rationality of rhetoric does not exclude emotions as
fundamental element of the persuasive process. First, because reason and feelin-
gs go hand in hand with regard to the reasoning and decision making, as shown
by several studies of Neuroscience and Social Psychology. Secondly, because the
persuasive process involves an emotional mode parallel to a strictly formal mode
so-called “rational”.

1
Este artigo é uma versão revista e aumentada da comunicação intitulada “As Emoções
como Ferramentas Retóricas” apresentada no Colóquio “A Retórica no Pensamento
Contemporâneo”, realizado na Universidade da Madeira a 29 de Setembro de 2017.

ARTIGOS | 127
This paper highlights some of the main ways that punctuate the emotional di-
mension of persuasive speeches in advertising: the use of suggestion, the use of fi-
gurative language and connotation, or the concentration on the needs and desires of
the audience. In addition to these, there are also a set of emotional effects relating
to either the audience or the speaker. Although this list does nor exhaust all the pos-
sibilities, the description of the emotional procedures in advertising offers us a pre-
liminary outline of the scope and practical consequences of emotional persuasion.

Keywords
rhetoric; advertising rhetoric; persuasion; emotions; emotional persuasion

Resumen
Como la retórica nos enseña, la emoción (pathos) está en el centro del discurso
persuasivo. La racionalidad argumentativa de la retórica no excluye las emociones
como elemento fundamental del proceso persuasivo. Primero, porque razón y emo-
ción van de par con respecto al razonamiento y la toma de decisiones, como lo de-
muestran varios estudios de la neurociencia y la Psicología Social. En segundo lugar,
porque la propia persuasión implica un modo emocional estrictamente modo para-
lelo al modo formal o dicho “racional”.Este artículo destaca algunas de las formas
principales que jalonan los discursos persuasivos de naturaleza emocional, como la
publicidad: el uso de la sugestión, el uso de lenguaje figurativo y connotativo o la con-
centración en las necesidades y deseos del auditorio. Además de éstos, hay también
un conjunto de efectos emocionales relacionados con el auditorio o el orador. Aun-
que esta lista de maneras no sea exhaustiva, los procedimientos emocionales en la
publicidad nos ofrecen un esbozo preliminar del alcance y consecuencias prácticas
de la persuasión emocional.

Palabras clave
retórica; retórica de la publicidad; persuasión; emociones; persuasión emocional

Introdução

No seu tratado sobre retórica, Aristóteles consagra às emoções (pathos) um pa-


pel fundamental na realização da persuasão. O pathos diz respeito à influência emo-
cional que o orador possui sobre o auditório e tal é a sua importância que o filósofo
de dedica a este assunto nos três livros que compõem o tratado. Se o objectivo é
persuadir o auditório tal apenas é possível se o orador for capaz de desencadear os
estados emocionais apropriados a cada situação. As emoções são aqueles senti-
mentos que não apenas modificam os homens como também afectam o seu julga-
mento (Aristóteles, Retórica, 1378 a).
Aliás, trata-se, na retórica, não apenas de saber colocar o auditório numa dispo-
sição anímica favorável ao orador e ao discurso persuasivo mas sobretudo de des-
poletar as emoções certas nos momentos oportunos. Cícero, por exemplo, refere
que uma estratégia certa de gerar comoção e piedade perante um júri em tribunal é

128 | MEDIA&JORNALISMO
apresentar-se de cabelos desgrenhados, barba por aparar e olhos encovados (Tus-
culanae Disputationes, XII). E Aristóteles (Retórica, 1378 a) acrescenta que o orador
deve descobrir o estado anímico do auditório, bem como os temas, as personalida-
des ou os assuntos a que ele reage habitualmente de forma emotiva.
A Retórica possui um lado argumentativo e eloquente associado ao logos e ao
ethos. Mas, simultaneamente, detém uma dimensão emocional ligada ao pathos
que sublinha como central a necessidade de gerar, suscitar ou apelar a determina-
dos estados emocionais para que a persuasão ocorra. Este facto é confirmado por
um conjunto de autores clássicos que incluem Cícero (De Oratore), bem como nos
manuais antigos de retórica como o Rhetorica Ad Herennium.
Neste artigo, pretendemos discutir o papel das emoções no discurso persuasivo-
nomeadamente o publicitário- a partir do elencar de um conjunto de “ferramentas”
ou apelo emocionais habitualmente usados. O nosso método foi ilustrar a discussão
com citações, quer modernas quer antigas, de forma a reconhecermos a persistência
(senão agudização) do papel das emoções nos procedimentos persuasivos desde a
Antiguidade até à contemporaneidade.
Começaremos, então, por discutir a possibilidade de um discurso persuasivo de
carácter emocional através da perspectiva das neurociências e das pesquisas acer-
ca da persuasão levadas a cabo pela psicologia social. As conclusões das investi-
gações realizadas apontam para a utilidade, não de separar e dicotomizar “razão” e
“emoção”, mas de as aproximar de forma indelével e de considerar uma “persuasão
emocional”. De seguida, e adotando um ponto de vista mais prático, fazemos algumas
considerações sobre a utilização das emoções como utensílios persuasivos e desta-
camos, de entre vários possíveis, a relevância da sugestão, da linguagem adjectiva-
da e conotativa e a satisfação de necessidades e desejos do auditório. Enunciamos,
de seguida, alguns apelos emocionais relativos, quer ao auditório, quer ao orador.
A lista de procedimentos ou formas emotivas que suscitam e despoletam es-
tados anímicos não pretende ser exaustiva, mas constituir somente um guia útil
de sistematização de alguns dos principais instrumentos de exercício emocional
que os oradores realizam durante a argumentação e a que a publicidade não é
certamente alheia.

1. Neurociência: razão e emoção

A cognição emocional e racional é melhor percebida como sendo um continuum


e não um dualismo inconciliável (Gruber, 2016: 40). Isto significa que a maneira como
apreendemos os discursos envolve não apenas um esforço intelectual, crítico, analí-
tico e “racional”, mas igualmente uma apreensão intuitiva, espontânea e visceral que
assenta, não no cálculo, mas na experimentação de sensações.
Ao escutarmos o discurso e a argumentação, ao vermos um anúncio de publici-
dade no ecrã, não estamos apenas perante um exercício lógico de persuasão. Nós
pensamos em consonância como sentimos. Dito por outras palavras, as maneiras
como julgamos e decidimos não são lineares e simples. Com efeito, não deixa de
ser intuitivo que, por vezes, paralelamente ao puro exercício de razão, surjam aspe-
tos associados às emoções que são decisivos na argumentação.

ARTIGOS | 129
Aliás, esta intuição é corroborada pela investigação neurocientífica acerca do
modo como pensamos e decidimos (Sousa, 1990; Damásio, 1995). Não parece sen-
sato “excluir as emoções e sentimentos de qualquer conceção geral da mente, muito
embora seja exatamente o que vários estudos científicos respeitáveis fazem quando
separam as emoções e os sentimentos dos tratamentos dos sistemas cognitivos”
(Damásio, 1995: 172). Para Damásio, é evidente que a emoção se desenvolve no âm-
bito da estrutura subcortical e neocortical. Mais, segundo a investigação realizada,
os sentimentos parecem tão cognitivos como qualquer outra imagem perceptual
(Damásio, 1995: 172). Ao contrário do que vulgarmente se atribui - no seguimento
da filosofia cartesiana que separa corpo e mente – as emoções não distorcem tan-
to a nossa realidade quanto são responsáveis por ela (Sousa, 2000). Em vez de elas
serem considerados impedimentos, limitações ou obstruções, as emoções criam in-
teresses, reforçam as motivações e permitem cumprir as metas traçadas. Elas não
são necessariamente deformações de um processo de deliberação alegadamente
racional e esclarecido, mas um dos componentes precisamente desse processo
cognitivo de resolução.
Este ponto de vista vem colocar em xeque a crença numa razão nobre capaz de
melhor decidir através lógica formal, analisando os custos e os benefícios, e deixan-
do de parte as emoções. De acordo com essa hipótese “racional”, nós decidiríamos
qual o destino de férias a escolher exclusivamente através de um cálculo e de uma
reflexão rigorosos. Assim, por exemplo, o papel da publicidade que procura deslum-
brar, encantar e seduzir os potenciais clientes para esses destinos de férias paradi-
síacos teria um papel meramente secundário. Contudo, reconhecemos que, em so-
ciedades intensamente mediatizadas, a natureza afectiva das mensagens assume
uma grande preponderância como se pode verificar no valor-notícia da morte ou da
elevada aposta estética do discurso publicitário.
Ora, o que a investigação em neurociência nos chama a atenção é que se ape-
nas decidíssemos (e em última análise, fossemos persuadidos) desse modo formal
e linear, a nossa racionalidade não apenas seria incompleta como disfuncional. Com
efeito, apenas pesando os prós e contras levaríamos um tempo muito superior até
chegarmos a uma conclusão aceitável, a qual só chegaria após um cálculo poten-
cialmente infinito (Cunha, 2005: 1834).
A hipótese dos marcadores somáticos, proposta por Damásio, mostra o quan-
to um cálculo lógico aumentaria a probabilidade de más-escolhas: “os marcadores
somáticos são um caso especial do uso de sentimentos que foram criados a partir
de emoções secundárias (…). Quando um marcador-somático negativo é justapos-
to a um determinado resultado futuro, a combinação funciona como uma campai-
nha de alarme. Quando, ao invés, é justaposto um marcador-somático positivo, o
resultado é um incentivo” (Damásio, 1995: 186). Isto ajuda-nos a compreender por-
que alguns anúncios de publicidade, aparentemente pobres em informação factual,
produzem tão bons resultados ao nível da mudança de percepção do espectador
acerca de um produto. É que eles estão a transferir as emoções agradáveis e posi-
tivas dos modelos e personagens que os protagonizam para o próprio produto que
vendem. É como se existisse uma marcador-somático positivo no qual as emoções
associadas contribuem para incentivar a relação do indivíduo com o anúncio e com
o produto publicitado.

130 | MEDIA&JORNALISMO
A inseparabilidade entre razão e emoção, bem como a simbiose entre os proces-
sos cognitivos e os processos emocionais (Damásio, 1995: 187) leva-nos, assim, a
considerar que, qualquer estudo sobre persuasão (Sousa, 2000) e argumentação
(Walton, 1992) tem de incluir a sua consideração
Aquilo que a neurociência tem confirmado é reiterado pela investigação em psico-
logia social em torno da persuasão (Elliot, 1998; Petty e Briñol, 2008; Miceli et ali., 2011).
O modelo Affect-Reason- Involvement (ARI) proposto por Buck at.ali, (2004), por
exemplo, descreve as relações entre afectos, razão e envolvimento defendendo que,
quer o envolvimento racional, quer o envolvimento emocional, são determinantes na
mudança de atitude e no processo geral de persuasão. O ARI não apenas sublinha
a importância da emoção no processo de influência como elabora uma escala de
avaliação que mede, conceptualiza e operacionaliza as emoções como elementos
integrantes do processo persuasivo.
O que estes trabalhos nos demonstram é que, ao sobrepormos a maneira como
julgamos e raciocinamos à maneira como sentimos, torna-se possível discernir as
consequências profundas que as emoções podem ter na formação da opinião, mu-
dança de atitude e manutenção do comportamento. A persuasão não se apresenta
como um conceito monolítico e homogéneo. Pelo contrário, os discursos persuasi-
vos decompõem-se em modalidades racionais e emocionais, frequentemente arti-
culando-se em torno de códigos sociais e culturais de apropriação e interpretação
das emoções. (cf. Loseke, 2009).
E também por isso é tão importante contemplar as emoções.

2. Elementos da Persuasão Emocional

Uma das dimensões mais salientadas da retórica é a sua argumentatividade e


encadeamento lógico: de como uma expressão rigorosa do pensamento contribui
para a persuasão do auditório. Daí a Nova Retórica se consolidar sobretudo como
uma Teoria da Argumentação (Perelman, 1999).
Porém, como acabamos de constatar, as pesquisas recentes obrigam-nos a con-
siderar que a razão partilha com a emoção o protagonismo persuasivo. Nesse caso,
urge recuperar a importância dos apelos e argumentos emocionais. E isto é tão mais
premente quanto assistimos, um pouco por todas as áreas desde a publicidade até à
política, a uma insistência sobre processos persuasivos subtis (soft persuasion). Com
efeito, se a retórica é uma técnica (techné) que estuda a persuasão no discurso, ela não
deixa de enfatizar processos de mudança de atitude e de comportamento insuspeitos
e impercetíveis que envolvem modos particulares de sentir- mais do que juízos, racio-
cínios e operações complexas de cálculo custo-benefício. O estudo das emoções na
retórica consubstancia o interesse pela persuasão emocional a qual se coloca como
uma outra modalidade para além da persuasão lógico-argumentativa. Devemos, pois,
explorar os densos sistemas de significado que advêm da persuasão emocional (Heath,
2006) e de que modo, por exemplo, a estimulação de simpatia/antipatia, amor/ódio, en-
tusiasmo/apatia, etc contribui para modificar a forma de pensar e de agir do auditório.
Anaximenes de Lâmpsaco, a quem é atribuída a autoria da Rhetorica ad Alexan-
drum, refere, neste tratado, a utilidade da emoção para a argumentação. O valor que

ARTIGOS | 131
concedia às emoções era tal que se dedica a descrever três emoções “amigáveis”
(piedade, boa vontade e gratidão) e três emoções “hostis” (ira, ódio e inveja). Aliás,
na oratória Ática encontramos evidências discursivas que demonstram o uso de téc-
nicas retóricas emocionais como parte da estratégia de persuasão. Estas técnicas
são normalmente manifestas com alusões explícitas às emoções, mas também se
realizam de forma encoberta ou indirecta com emoções suscitadas indiretamente
através do uso judicioso de palavras e frases que actuam como despoletadores psi-
cológicos (psychological triggers) (Sanders e Jonhcock, 2016: 17).
Por outro lado, uma longa secção do De Oratore (Livro II, 178-216) discute as téc-
nicas emocionais que recapitulam os ensinamentos gregos. Cícero salienta a impor-
tância da voz, dos gestos e da aparência. E Quintiliano, na Institutio Oratoria também
se detém sobre as emoções de forma extensa oferecendo-nos contribuições perti-
nentes para reflectirmos sobre o acto de suscitar uma emoção, mas também o acto
de apresentar ou representar uma emoção. Demóstenes (apud Carey, 1996: 30), por
exemplo, chega inclusivamente a apelar à cólera e convida o júri em tribunal a se en-
raivecer: “Eu exorto-vos, então, membros do júri… tal como cada um de vós iria odiar
o acusado se ele fosse a vitima, a registar, do mesmo modo, a raiva contra Conon, e a
não considerar como privada qualquer ofensa deste tipo que aconteça a outra pessoa”.
Este interesse pelas emoções não é surpreendente. Como recorda Hollingworth
(apud Baird, 1950: 216): “os membros do auditório estão mais em sintonia (more ali-
ke) com os seus instintos e emoções do que com a sua competência em seguir um
raciocínio lógico: assim, os tópicos e apelos emocionais irão geralmente influenciá-
-los de forma uniforme. É que as crenças do auditório não dependem exclusivamente
das provas; elas definitivamente encontram-se enredadas (warped), mesmo contra
as evidências, em desejos e esperanças”.
Os auditórios compõem-se, afinal, por pessoas emocionais e reactivas. É a al-
ternância entre a sua competência racional de ajuizar, e a sua capacidade de sen-
tir e reagir emocionalmente que agora pretendemos salientar. A retórica é uma arte
emocional porque é uma arte humana. A persuasão e argumentação, dotadas de
um raciocínio rigoroso, irão influenciar a conduta do auditório ao fornecer-lhe mo-
tivos para adoptar uma certa disposição ou acção sobre um determinado assunto.
Todavia, como se constata no nosso dia a dia, o processo de persuasão não ocorre
apenas avançando argumentos lógicos ou cálculos racionais.
Quando nos convencem a ajudar um amigo, isso não quer dizer que tenham apre-
sentado as justificações mais objectivas e as razões mais constringentes do mundo
(ex: está comprovado cientificamente que ajudar os outros melhora em 67% estado
anímico e ajuda a ter 40% mais saúde”). Por vezes, nem é necessário que sejamos
convencidos. Paralelamente, ao raciocínio lógico e à demonstração objectiva, as nos-
sas crenças, atitudes e comportamentos são influenciados por apelos emocionais
(ex: “deves-me ajudar porque és a pessoa mais bondosa que conheço”). Indepen-
dentemente da profissão, estatuto, preferências ou personalidade, todas as pessoas
adotam padrões de pensamento e comportamento mais intelectuais (ou reflexivos)
e, simultaneamente, padrões mais emocionais (ou sentimentais).
De seguida, apresentamos alguns aspectos que caracterizam os discursos emo-
cionais (fundados no pathos) e que o orador respeita quando realiza uma persuasão
de tipo emocional. Dito de outro modo, detalhamos as condições que tornam os ape-

132 | MEDIA&JORNALISMO
los emocionais elementos tão sugestivos e eficazes da persuasão. Procuramos, as-
sim, contribuir para explicar o funcionamento prático da persuasão emocional atra-
vés dos seus mais básicos princípios.

2.1 Sugestionabilidade

A sugestão é um elemento recorrente nos discursos persuasivos de índole emo-


cional e, através dele, o orador procura influenciar e controlar o poder de decisão do
auditório de forma discreta ou latente. Ela é especialmente importante nos processos
emocionais de influência – como a publicidade- na medida em que a sugestão tende
a gerar uma resposta automática a um estímulo. Mais exactamente, a sugestão é
poderosa porque pode suscitar a adesão e aceitação de uma ideia sem deliberação
(Baird, 1950: 217). Isto é, a aprovação é directa, imediata e aparentemente espontâ-
nea. Uma vez que ela pode nem sequer ser reflexivamente percebida, o auditório fica
com a impressão que a aceitação foi desprovida de motivação (ou influência) externa.
Um dos mais conhecidos discursos do sofista Górgias, Encómio a Helena, não
somente reconhece a importância da persuasão emocional, como também deixa en-
tender o alcance da sugestão: “O discurso é um senhor poderoso que (…) pode ba-
nir o medo e apagar a tristeza e instilar prazer e potenciar a piedade. (…) O poder do
discurso tem uma mesmo efeito sobre a alma do que a aplicação de drogas sobre
os corpos; tal como diferentes drogas dissipam diferentes fluidos do corpo e alguns
acabam com a doença e outros acabam com a vida, assim alguns discursos cau-
sam dor, algum prazer, algum medo” (Górgias apud Sanders e Jonhcock, 2016: 14).
Uma emoção que é frequentemente alvo preferencial por parte dos oradores é o
medo ou temor. Inclusivamente, na Antiguidade apelava-se frequentemente ao temor
aos deuses. Assim, Licurgo (apud Carey, 1996: 32), alerta o júri para as consequên-
cias dos seus actos. Contudo, em vez de o fazer de forma aberta e explícita deixa o
significado da sua elucubração implícito. Por outras palavras, ele intimida os mem-
bros do júri ao sugerir que os deuses irão estar atentos a essa decisão e agirão de
acordo com ela: “Fiquem descansados, meus senhores, que enquanto cada um de
vós vota em segredo, a vossa atitude fica bem clara perante os deuses”. Aliás, ape-
lar ao medo era uma prática retórica que Aristóteles (Retórica, 1378 a) associava, tal
como a confiança, às deliberações sobre o futuro e ao género deliberativo.
A sugestão é extremamente útil quanto ao despoletar de acções porque é uma
proposta velada que nem sequer possui a aparência de um processo formal de per-
suasão- aspecto sobejamente explorado pela publicidade. A sugestão não assume
que pretende influenciar a conduta, não obstante, é precisamente isso que ela faz.
Actualmente, a sugestão é um poderoso aditivo das redes sociais online onde a ac-
ção de “gostar” (like no Facebook) tende mais a seguir uma disposição emocional
que é intensificada pelo número de likes previamente atingidos por um post. Frequen-
temente, os utilizadores fazem like sem um grande envolvimento reflexivo e crítico
sugeridos pelo facto de, por exemplo, 200 mil pessoas terem já dado o seu apoio
espontâneo à publicação.
Por outro lado, a sugestão pode intensificar as emoções, especialmente em con-
textos multitudinários onde os impulsos de imitação assumem uma importância in-

ARTIGOS | 133
contornável. Por exemplo, um ajuntamento popular em torno de uma personalida-
de, expositor ou loja tenderá a despoletar o interesse dos transeuntes que cedem
ao poder subtil da sugestão e pretendem constatar, por si próprios, a ocorrência. Do
mesmo modo que o anúncio de publicidade online que é referido ou partilhado ape-
la ao impulso de imitação.
A sugestão configura uma situação aparentemente acidental e imprevista. Con-
tudo, se a sugestão parece um fraco processo de influência, na verdade configura
um catalisador de respostas emocionais muito fortes, capazes de moldar a respos-
ta às propostas do orador.

2.2 Linguagem Adjectivada e Conotativa

O que, do ponto de vista emocional, possui uma enorme capacidade de influen-


ciar a conduta humana, é a linguagem figurada. Já na Antiguidade Clássica era reco-
nhecido o poder um discurso verbal elegante com estilo elevado (Cicero, De Oratore),
e, com efeito, o que perdurou, durante a Idade Média, foi sobretudo a importância
estilística da retórica.
Nos seus Discursos, Licurgo (1.134) oferece-nos um exemplo onde as palavras
são usadas com a sua força figurativa e intensidade dramática: “Contudo, quando
um homem é odiado e rejeitado até por aqueles que não sofreram mal nenhum, o
que ele deve sofrer de vós que haveis sido tratado da maneira mais monstruosa?”
(apud Carey, 1996: 29). Com efeito, Licurgo não parece deixar de utilizar uma prá-
tica retórica popular que é diabolizar. A diabole deriva do verbo diabollein que sig-
nifica hostilizar alguém. Aristóteles (Retórica, 1415 a) e Anaxímenes (Rhetorica ad
Alexandrum, 1436 b) referem esta tentativa de ataque ofensivo. Mas enquanto Aris-
tóteles aconselha a sua utilização no fim do discurso, durante a peroração, na altura
em que o orador conclui a sua argumentação, já Anaxímenes recomenda que essa
prática ocorra no proémio.
Ésquines (apud Carey, 1996: 30), um dos dez grandes oradores Áticos, não hesi-
ta em utilizar vocábulos de forte carga emocional: “Irei limitar a minha exposição às
pessoas em cujas casas ele viveu, desgraçando o seu corpo e a cidade e ganhando
dinheiro pelos próprios meios pelos quais a lei proíbe alguém de acção política ou
de discursar”. Há, assim, a tentativa de despertar as emoções do auditório optando
por uma interpretação em detrimento da exposição factual dos acontecimentos.
Algumas palavras, quando correctamente aplicadas no contexto persuasivo, fa-
zem acrescer uma intensidade emocional capaz de, metaforicamente, fazer crescer
o orador perante o seu auditório. Por exemplo, expressões estimulam a aprovação e
cooperação como “especialista”, “celebridade”, “académico”, “voluntário”, “pai de família”,
“mãe carinhosa”, etc. Outros reenviam o auditório para emoções negativas de repúdio
e antipatia: “inimigo”, “hipócrita”, “ladrão”, “corrupto”, “ditador”, etc. (cf. Baird, 1950: 217).
Com efeito, o vocabulário utilizado no discurso pode ser um utensilio muito im-
portante a despertar, de forma espontânea, emoções no auditório. Mas além disso,
o léxico contém apreciações latentes que orientam a reflexão do auditório em rela-
ção a determinado assunto. Afinal, alguém que é “ladrão” dificilmente pode ser visto
como idóneo e confiável. Assim, aquilo que aparentemente são apenas descrições

134 | MEDIA&JORNALISMO
inócuas são, na verdade, formas emocionais de condicionamento do pensamento
e da reflexão posteriores.
O efeito das palavras na persuasão emocional é evidente no efeito que a publici-
dade provoca em nós. Não é acaso nenhum que os adjetivos usados tendam a des-
pertar desejos e paixões: “seja especial”, “seja único”, “conquiste o seu sonho”, “des-
lumbre-se ao volante deste espectacular e irreverente automóvel”; “reivindique o luxo”;
“more no paraíso”, “tenha uma obra de arte em casa”, etc, são exemplos onde as pala-
vras têm um papel fundamental no despertar de emoções que conduziram o ulterior
processo de decisão. Como explica Baird (1950: 217), “as palavras mais atraentes
funcionam porque sentimentos vagos e desprovidos de análise são despoletados”.

2.3 Satisfação de necessidades e desejos

A persuasão emocional realiza-se, também, em torno da satisfação das necessi-


dades e desejos (percebidos) dos auditórios. Isso inclui as necessidades primárias
(fisiológicas e biológicas como comer, dormir, auto-preservação, etc) e necessidades
secundárias (psicológicas, sociais, aprendidas, como ser amado, ser popular, reco-
nhecido publicamente, etc).
A importância nas necessidades e desejos na persuasão emocional é muito clara
nos discursos multimodais de anúncios a bens de consumo de luxo onde o desejo
de distinção e estatuto sociais constitui a grande força motriz da mensagem per-
suasiva. O que os publicitários cedo perceberam é que as mensagens são mais po-
derosas se forem de encontro às expectativas, experiência, desejos e necessidades
das pessoas que formam o público-alvo. Oferecer uma mensagem que prometa a
satisfação imediata e duradoura de uma crença ou desejo é garantir a facilitação do
processo persuasivo. “Os auditórios, como qualquer indivíduo, querem argumentos
e apelos que lhes assegurem a satisfação social, económica e segurança” (Baird,
1950: 217). “Sou escravo. Escravo do tempo livre” é o slogan de uma publicidade
da BMW onde a insinuação a uma vida tranquila e lúdica desponta. Ou exemplo da
mesma marca: “Afirmação de distinção” exemplifica a satisfacção de necessidades
psicológicas ligadas à auto-estima e ao estatuto social.

3. Efeitos Emocionais Relativos ao Auditório

No seguimento de emoções advindas com a satisfação de desejos primários,


podem enumerar-se alguns efeitos ou apelos emocionais que trabalham o estado
anímico e a benevolência do auditório.
O próprio Aristóteles descreve a importância do auditório manifestar um estado
emocional que o torne receptivo às teses do orador (Retórica, 1378 a). Aí reside, em
grande medida, a importância do proémio ao lançar as qualidades, valores e premis-
sas que o auditório vai respeitar, ou a suscitar simpatia ou boa vontade (eunoia, em
grego ou benevolentia em latim) para a causa apresentada (Demóstenes apud Carey,
1996: 27). Um bom exemplo de benevolentia é-nos dada no discurso de Cícero “Em
Defesa do Poeta Árquias” (1999). O advogado começa por procurar gerar a genero-

ARTIGOS | 135
sidade e condescendência da assembleia. Como o faz? Simplesmente retratando
modestamente as suas virtudes e talentos naturais fazendo com que pareçam in-
feriores aos talentos e virtudes do seu cliente. Em 62 A.C, Cícero estava no auge da
sua carreira política e havia apenas meses que tinha discursado, com enorme suces-
so, contra Catilina. Esta estratégia emocional de humildade visava, assim, engrande-
cer, por comparação, o carácter do poeta Árquias e simultaneamente afastava uma
imagem sobranceira ou arrogante de Cícero. Mais, ele coloca o carácter e virtude do
poeta (a força do génio como lhe chama Cícero) como justificando a atribuição da
cidadania romana (Cícero, 1999: 4).
O elenco que apresentamos constitui uma indicação possível de alguns apelos
mais comuns, mas muitos mais poderiam, naturalmente, ser incluídos. Estes efeitos
emocionais poderiam, inclusivamente, possuir outras designações. Ainda assim, cons-
tituem uma divisão elementar do uso das emoções enquanto ferramentas persuasivas
na argumentação. No fundo, os efeitos emocionais provenientes do auditório congre-
gam uma diversidade de emoções desde a simpatia, gratidão, esperança, condescen-
dência, tolerância ou boa vontade e as suas congéneres opostas. Pense-se no anún-
cio da Cadbury que tem como slogan: “Another way to say thank you” e que procura
instilar associações positivas entre um sentimento de gratidão e os seus chocolates.
Um dos traços mais marcantes da persuasão emocional é a defesa da integridade
(física e moral) do auditório, mais especificamente, a defesa dos seus interesses prá-
ticos. Assim, constatamos discursos argumentativos onde se apela ao voto em deter-
minado candidato porque apenas ele ( e só ele) poderá evitar o desemprego dos cida-
dãos. Ou, noutros casos, apela-se aos interesses pessoais dos membros do auditório:
“Pelo futuro dos seus filhos e por si, deixe de fumar”. Noutros casos, ainda, tange-se as
emoções dos indivíduos quando se sugere uma ameaça futura na qual ele tem a opção,
no momento presente, de evitar: “Assine já esta petição, antes que seja tarde demais”.
Em cada um destes casos, as emoções são usadas tendo em vista despertar, no
indivíduo, uma mudança de atitude em relação ao momento presente em relação a
um futuro que se anuncia como trágico e nefasto.
Em contraste com a defesa dos interesses práticos e de auto-preservação do in-
divíduo, por vezes os oradores apelam ao auto-sacríficio. Isto é, desenvolvem efeitos
emocionais baseados na necessidade do individuo cumprir aquilo que dele é moral e
civicamente esperado. Suponha-se, por exemplo o seguinte: “O País espera que cum-
pra o seu dever cívico e que defenda a Pátria alistando-se no Exército”.
O discurso retórico da publicidade é fértil, mais uma vez, em discursos de índole
emocional. E um dos apelos emocionais que mais refere prende-se com as mordo-
mias, comodidades e possibilidades que o indivíduo conseguirá se aderir à tese do
orador. Assim, constatamos anúncios em que se apregoa algo semelhante a: “Nunca
mais deixe de dançar só porque não tem dores. Compre a pomada X e tenha uma
vida cheia”. Ou “É necessário que contribua para a nossa causa de modo a que dis-
frute de uma piscina municipal e mantenha uma vida saudável e activa”.
Em ambas as situações, os apelos às emoções instilam uma melhoria da situa-
ção presente através do aumento de actividades que o indivíduo poderá ter. O au-
mentar das possibilidades presentes pode, igualmente, ocorrer no que diz respeito
a bens materiais, e mais precisamente, apelando também ao lugar-comum da quan-
tidade: “Porquê ter dois quando pode ter três?”. Ou ainda ser construído numa su-

136 | MEDIA&JORNALISMO
cessão de estados emocionais latentes: “Tenha o corpo com que sempre sonhou.
Agora é possível. É muito fácil. Basta marcar uma consulta de emagrecimento Y e
comece a ser feliz”. Repare-se que neste tipo de estrutura a realidade sucede-se ao
sonho e culmina na felicidade.
Em síntese, na maior parte dos efeitos emocionais relativos ao auditório é a au-
to-estima que é massajada sendo precisamente aqui que reside o seu grande poder
de persuasão: na estimulação e reforço (por vezes inculcação) de estado emocio-
nais associados à motivação dos indivíduos.

4. Efeitos Emocionais Relativos ao Orador

A beleza e atractividade do orador é um dos aspectos a ter em conta quando se


reflecte os efeitos emocionais provocados pelo orador. Que, desde tempos imemo-
riais, as pessoas se tenham arranjado em momento formais e cuidado da sua apa-
rência parece confirmar uma centralidade que o aspecto físico pode assumir na in-
teracção social e nos processos de influência.
Chaiken (1979) e Maddux e Rogers (1980) concluíram que a aparência, e em es-
pecial a atracção física, não apenas influencia a modificação da atitude como modula
o próprio processo persuasivo. Uma possível explicação é que a aparência física (in-
cluindo o aspecto físico, a indumentária ou a higiene) projectam virtudes e qualidades
que, de forma sub-reptícia ou inconsciente, são atribuídas ao orador. O que é curioso
é que o nível de atracção física do orador se encontra directamente relacionado com
o facto de ser percebido como sendo mais sociável, interessante e caloroso. Por ou-
tras palavras, a beleza e aparência do orador são associadas a melhores competên-
cias interpessoais e tornam-no mais atraente e persuasivo. Como Chaiken (1979)
comenta, isto está de acordo com o lugar-comum de que “aquilo que é belo é bom”.
Petty e Cacciopo (1996) também destacam a atractividade como um factor
preponderante na modificação de atitudes. Dois oradores podem ser reconhecidos
especialistas de idêntica reputação. Contudo, o facto de um ser mais simpático ou
fisicamente mais atractivo confere-lhe uma capacidade extra de persuasividade.
Naturalmente, subsiste a dificuldade de estabelecer o que é rigorosamente a atrac-
tabilidade. Será que alguém é atraente por ser belo fisicamente ou será que pode
ser atraente mesmo sem uma aparência física considerada atraente? É difícil definir
com exatidão o que faz de uma pessoa ser atraente até porque a irradiação de sim-
patia bem como a sua dimensão relacional poderão contribuir para essa perceção
(cf. Sousa, 2000). A verdade é que a publicidade não prescinde de se preocupar com
a beleza estética, quer dos anúncios, quer dos próprios participantes do anúncio.
Ao referir a aparência física como um elemento de índole emocional capaz de
potenciar a persuasão do orador, isso não equivale a passar um cheque em branco
quanto ao seu poder.
Com efeito, as experiências realizadas no domínio da Psicologia Social revelam
que, combinada com outras categorias como a capacidade de argumentação ou o
nível de conhecimentos, a beleza física não parece ser um facto tão importante no
processo persuasivo. Aliás, o facto do orador possuir um elevado nível de conhe-
cimento e ser um especialista numa determinada questão, parece afectar mais a

ARTIGOS | 137
persuasão do que a sua argumentação ou aparência física (Maddux e Rogers 1980:
242-243). Isto poderá querer dizer que, em certas situações, é o ethos (credibilida-
de como especialista) que prevalece face ao pathos (a sua aparência distinta). Com
efeito, ethos e pathos devem ser pensados em sobreposição já que o próprio ethos
pode fazer parte de uma dramatização da persona do orador (cf. Carey, 1996: 44) e,
eventualmente, assumir uma forma argumentativa que corrobore as teses postas
à consideração do auditório. Isto é especialmente notório nos anúncios onde figu-
ram celebridades (como, por exemplo, actores) fazendo com que nem sempre seja
fácil perceber se a celebridade fala em nome próprio ou se está a representar uma
personagem publicitária.
A este título, é conveniente reflectir sobre a personalidade, ou se preferirmos, a
persona (papel) que o orador assume perante o auditório. Existem, em especial, dois
atributos que fundamentam positivamente o desempenho do orador e que lhe gran-
jeiam, em potência, emoções positivas capazes de suscitar a benevolência do audi-
tório: a sinceridade e a cortesia2 (Baird, 1950: 231).
Aquele que exsuda sinceridade está tacitamente a afirmar que pode (e deve) ser
acreditado. Mais, que é um orador genuinamente comprometido com aquilo que
defende e com aquilo que o auditório acredita. É precisamente a ausência de since-
ridade por parte dos sofistas que, entre outras coisas, Platão critica em Górgias. O
próprio Demóstenes, considerado um dos grandes oradores da Antiguidade, decla-
rava que ninguém, nem mesmo o orador, tem o direito de deformar ou mentir sobre
as suas reais convicções (Baird, 2010: 231). Assim, uma das coisas que mais pode
prejudicar o acto de persuasão (e mesmo uma boa argumentação) é um vislumbre
de insinceridade. É precisamente isto que as ciências comportamentais confirma-
ram. Borg (2010), por exemplo, concluiu que a empatia e a sinceridade são duas pe-
dras basilares da persuasão.
A cortesia parece, também, suscitar emoções benévolas em relação ao orador.
Os auditórios tenderão a repelir o orador se considerarem que não foi respeitador
e educado. Na maior parte dos casos (as Catilinárias de Cícero sendo, talvez, a ex-
cepção), um orador corrosivo, agastado e insolente não merecerá o melhor apreço
do auditório (Baird, 1950: 233). Como sublinha Aristóteles (Retórica, 1354 a), não se
deve conduzir o júri à ira ou à inveja.
Um orador distribui invectivas e o seu tom pode ser inflamado e agressivo para
melhor fazer veicular as emoções necessárias a convencer o auditório. Recordemos,
a título exemplificativo, a pergunta retórica com que Cícero inicia o primeiro discur-
so das Catalinárias, um dos vários discursos proferidos por Cícero contra Lúcio Sér-
gio Catilina, senador romano: “Quosque tandem Catilina abutere patientia nostra?”.
“Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há
de zombar de nós a tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia
desenfreada? (….) Nem os temores do povo, nem a confluência dos homens hones-
tos, neste local protegido do Senado, nem a expressão do voto destas pessoas, nada

2
Poder-se-iam desenvolver mais características da persona do orador, como o humor ou
a autoconfiança, que são influentes elementos emocionais e que podem afectar o processo de
persuasão. Cícero, por exemplo, não deixa de referir o humor no De Oratore (Livro I, LVII, 243).
Contudo, por motivos de concisão, cingimo-nos à sinceridade e à cortesia.

138 | MEDIA&JORNALISMO
consegue te perturbar? Não percebes que teus planos foram descobertos? Não vês
que tua conspiração foi dominada pelos que a conhecem? Quem, entre nós, pensas
tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, a quem
convocaste, que deliberações foram as tuas?” (Cícero, 1974).
Porém, mesmo se os discursos podem ser corrosivos, um orador nunca deverá
descurar a cortesia pois é ela que sustenta a relação com o auditório. Se ele deseja
a adesão às suas teses, tem antes de mais, garantir a sua polidez com vista a não
hostilizar o auditório. Este é o primeiro passo para o auditório se sentir respeitado e,
assim, dispor-se a aceitar aquilo que o orador tem para lhe dizer.
Em síntese, existem diversos elementos que contribuem para delinear emocional-
mente o processo persuasivo. Sejam emoções latentes no auditório, sejam emoções
conduzidas ao auditório pelo orador, estudar os discursos persuasivos deve incluir
um estudo da influência emocional aprofundando as intuições de Aristóteles de que
as emoções (pathos) são aspectos essenciais de uma boa persuasão.

Conclusão

Um pouco por todos os domínios científicos, os investigadores têm descoberto


a importância das emoções como catalisadores da vida social, inclusivamente na
argumentação e no discurso (Micheli, 2010; Plantin, 2011). Desde a historiografia,
passando pelos estudos clássicos até às ciências da comunicação, múltiplos deba-
tes têm sido suscitados quanto à sua utilidade, forma e corolários.
A retórica antiga, como vimos, colocou as emoções no centro do discurso per-
suasivo. Porém, isso não impediu que os sentimentos e as paixões fossem coloca-
dos num segundo plano relativamente à força “racional” da argumentação. Ora, a
racionalidade argumentativa da retórica não exclui as emoções como elementos
fundamentais do processo persuasivo.
Primeiro, porque razão e emoção andam a par no que diz respeito ao raciocínio
e à tomada de decisão, tal como foi defendido a propósito dos recentes trabalhos
da Neurociência e da Psicologia Social.
Em segundo lugar, porque a própria persuasão, isto é, “o processo simbólico no qual
os comunicadores procuram convencer outras pessoas a alterar as suas atitudes ou
comportamento em relação a um assunto através da transmissão de uma mensagem,
num ambiente de liberdade” (Perloff, 2003: 8) envolve, ela própria, uma modalidade
emocional paralela a uma modalidade estritamente argumentativa, linear ou formal.
Nesta reflexão, nomeámos algumas das formas emotivas que contribuem para
suscitar ou incarnar determinadas emoções tidas por auxiliares dos discursos de per-
suasão. E verificámos que, quer nos tratados antigos, quer na contemporaneidade, o
pathos continua a ser uma prova artística (como lhe chama Aristóteles) imprescindível.
Os apelos que exploram a disposição do auditório e as emoções que o orador de-
sempenha dramaticamente na sua persona constituem dois eixos centrais da pesqui-
sa em persuasão emocional. E embora a discussão que aqui iniciámos seja somente
preliminar, foi, todavia, possível designar um conjunto de técnicas (uso da sugestão,
utilização de linguagem figurada e conotativa ou, ainda, a concentração sobre as
necessidades e desejos do auditório) utilizadas pelos discursos e pela argumenta-

ARTIGOS | 139
ção que nos oferecem um primeiro esboço da utilidade prática da persuasão de tipo
emocional nos discursos contemporâneos persuasivos, incluindo o da publicidade.
No fundo, procurámos salientar a dignidade e centralidade das emoções na per-
suasão e na retórica. Ao fazê-lo sublinhámos as formas emocionais que são mais
frequentes. É nossa convicção que (re-)descobrir os meandros emocionais dos dis-
cursos persuasivos e argumentativos nos trará novas e estimulantes perspetivas
sobre essa competência inseparável do Homem que é influenciar o pensamento e
a acção dos seus pares através do discurso. E ao mesmo tempo deixa-nos mais
sensíveis à importância da retórica da publicidade para a realização dos objectivos
comunicacionais dos anunciantes.

Bibliografia

Aristotle (2012). The Art of Rhetoric. London, Harper Press.


Baird, A C. (1950). Argumentation, Discussion and Debate. New York, Toronto, London, McGraw-Hill.
Borg, J. (2010). The Art of Influencing People. New York, Pearson Education Ltd.
Buck R.; Anderson, E.; Chaudhuri, A. & Ray I. (2004). Emotion and reason in persuasion: Ap-
plying the ARI model and the CASC Scale. Journal of Business Research, 57(6), 647-656.
Carey, C. (1996). Rhetorical Means of Persuasion. In Worthington, Ian (Ed.), Persuasion: Greek
rhetoric in action (pp. 26-45). London and New York, Routledge.
Cícero, M. T. (1927). Tusculan Disputations. Paris, Loeb Classical Library.
Cícero (2012) [1892]. De Oratore. London, Forgoten Books.
Cíceroo, M. T. e Maria Helena da Rocha Pereira (dir.) (1974). As Catilinárias. Lisboa: Verbo.
Cícero (1999). Em Defesa do Poeta Árquias. Lisboa: Inquérito.
Chaiken, S. (1979). Communicator’s physical attractiveness and persuasion. Journal of Perso-
nality and Social Psychology 37, 1387-1397.
Cunha, T. C. e (2005). A Racionalidade da Retórica. Livro de Actas – 4º SOPCOM, pp. 1828-1836.
Damásio, A. (1995). O Erro de Descartes. Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. Ed.).
Elliot, R. (1998). A model of emotion-driven choice. Journal of Marketing Management, 14, 95-108.
Gruber, D. R. (2016). Suasive Speech: a stronger affective defense of rhetoric and the politics of
cognitive poetics. Language&Communication, 49, 36-44.
Heath, R. (2006). Emotional Persuasion. Advertising Research, 46-48.
Maddux J. E. y Rogers, R. W. (1980). Effects of source expertness, physical attractiveness, and
supporting arguments on persuasion. A case of brains over beauty. Journal of Personality
and Social Psychology, 39, 235-244.
Miceli, M.; Rosis, F. de; Poggi, I. (2011). Emotion in Persuasion from a Persuader’s Perspective:
A True Marriage Between Cognition and Affect. In Petta, P. et ali. (ed.), Emotion-Oriented
Systems The Humaine Handbook (pp.527-558). Heildelberg, Spring-Verlag.
Micheli, R. (2010). L’émotion argumentée: l’abolition de la peine de mort dans le débat parla-
mentaire français. Paris: Le Cerf.
Loseke, D. R. (2009). Examining Emotion as Discourse: Emotion Codes and Presidential Speech-
es. Sociological Quarterly, 50, 497–524.
Perelman, C. (1999). Tratado da Argumentação. S. Paulo: Martins Fontes.
Perloff, R. M. (2003). The Dynamics of Persuasion – communication and attitudes in the 21th
century. London and New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.

140 | MEDIA&JORNALISMO
Petty, R. E. & Brinol, P. (2008). Persuasion – from single to multiple to metacognitive processes.
Perspectives on Psychological Science, 3(2), 137-147.
Petty, R. E. & Cacioppo, J. T. (1996). Attitudes and Persuasion: Classic and contemporary ap-
proaches. Boulder, CO, US: Westview Press.
Plantin, C. (2011). Les Bonnes Raisons des Émotions: principes et méthode pour l’étude du dis-
cours émotionné. Berne: Peter Lang.
Quintiliano, M. F. (2013). Institutio Oratoria (Livros I e II). Traduvarius.
Sanders, E. & Jonhcock, M. (eds.).(2016). Emotion and Persuasion in Classical Antiquity. Franz
Steiner Verlag.
Sousa, A. de (2000). A Persuasão – estratégias para uma comunicação influente. Tese de mes-
trado em Ciências da Comunicação, Universidade da Beira Interior.
Sousa, R. de (1990). The Rationality of Emotion. Massachusetts: MIT Press.
Walton, D. (1992). The Place of Emotion in Argument. Pennsylvania: The Pennsylvania State
University Press.

Nota biográfica

Samuel Mateus é licenciado, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Univer-


sidade Nova de Lisboa. É Investigador no LABCOM.IFP e colaborador no ICNOVA. É Professor
Auxiliar na Universidade da Madeira. São da sua autoria os livros electrónicos: Introdução à Re-
tórica no séc. XXI, Covilhã, Labcom Books, 2018 [ISBN: 978-989-654-438-6]; A Tele-Realidade –
o princípio de publicidade mediatizado, Covilhã, Labcom books, 2013 [ISBN 978-989-654-112-5];
e Publicidade e Consumação nas Sociedades Contemporâneas, Covilhã, Labcom books, 2011
[ISBN 978-989-654-069-2]

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1034-6449
Email: [email protected]
Morada: Universidade da Madeira, Campus Universitário da Penteada Gab. 1.47, 9020-105
Funchal, Portugal

* Submetido: 2018.08.15
* Aceite: 2018.10.15

ARTIGOS | 141
(Página deixada propositadamente em branco)
Rhetoric of affections: advertising, seduction and truth
Retórica dos afetos: publicidade, sedução e verdade
Retórica de los afectos: publicidad, seducción y verdad

Paulo Barroso
Escola Superior de Viseu
Instituto de Comunicação da NOVA
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_10

Abstract
Advertising frequently provokes pathos and elicits emotional reactions (e.g.
fear, patriotism, guilt, pity, joy, satisfaction, etc.) to get what it wants. Considering
the rhetorical ability and the proliferation of advertisements in the contemporary
Western societies, this article analyzes these omnipresent, seductive and affective
discourses. Following a theoretical and reflexive approach, the objective is to argue
and understand the power of rhetoric developing seduction and provoking affec-
tions in advertising strategies.

Keywords
advertising; deception; rhetoric; seduction; truth

Resumo
A publicidade frequentemente provoca o pathos e estimula reações emocionais
(como medo, patriotismo, culpa, pena, alegria, satisfação, etc.) para conseguir o que
quer. Considerando a habilidade retórica e a proliferação de anúncios publicitários
nas sociedades ocidentais contemporâneas, este artigo analisa esses discursos
onipresentes, sedutores e afectivos. Seguindo uma abordagem teórica e reflexiva,
o objetivo é discutir e compreender o poder da retórica em explorar a sedução e
provocar afetos nas estratégias publicitárias.

Palavras-chave
engano; publicidade; retórica; sedução; verdade

Resumen
La publicidad a menudo provocan el pathos y estimulan reacciones emocion-
ales (como miedo, patriotismo, culpa, pena, alegría, satisfacción, etc.) para
conseguir lo que quiere. Considerando la habilidad retórica y la proliferación
de anuncios publicitarios en las sociedades occidentales contemporáneas,
este artículo analiza estos discursos omnipresentes, seductores e afectivos.
Siguiendo un enfoque teórico y reflexivo, el objetivo es discutir y comprender el

ARTIGOS | 143
poder de la retórica en explorar la seducción y provocar afectos en las estrate-
gias publicitarias.

Palabras clave
engaño; publicidad; retórica; seducción; verdad

1. Introduction

“Power derives from knowledge and


also from madness and passionate emotion.”
(Plato, Protagoras)

Rhetoric is a skillful use of language to influence how people think, feel, and act;
it is a set of fixed, regulated, insistent figures (Barthes, 1991, 151) which may ap-
peal to rational (logos) or emotional (pathos) reactions. The focus of this article is
the pathos, i.e. the rhetoric of pathos or rhetoric of affections. In its most general
acceptance, pathos means “something that happens” to bodies (qualities) and to
souls (emotions), notes F. E. Peters (1967, 152). The perspective of this article is
that of pathos as something that happens to bodies and souls indistinctly caused
by the intentional and strategic use of language, like advertising. According to Bar-
thes (1977, 33), “in advertising the signification of the image is undoubtedly inten-
tional; the signifieds of the advertising message are formed a priori by certain at-
tributes of the product and these signifieds have to be transmitted as clearly as
possible”. If this is so, the use of rhetoric is emphatic to explore the pathos in the
advertising image.
For Aristotle, the pathos is action and response; it is an expression of contin-
gency, a mobile, reversible and susceptible psychological state. The pathos causes
changes in people and differentiates their judgments. The pathos is a set of passions
or emotions of the audience. The second book of Aristotle’s The Art of Rhetoric is
entirely dedicated to the passions. However, passions left the field of rhetoric about
two thousand years ago (Meyer et. al. 1999). The relevance of pathos is because it
influences with a passional logic. Passions are obsessive, blind, irrational, illusory,
and people only see what they want. The logic of the pathos is a logic of emotional
reactions. Therefore, the rhetoric of affections is based on rhetorical illusions ap-
plied and conveyed as believes by the speaker (Meyer et. al. 1999).
The rhetoric of affections is the appeal to emotions and it is evident in some pub-
lic discourses, like advertising. Advertising aims consumption, but also satisfaction,
pleasure, comfort, happiness, or status and social success (Wharton, 2013, 4). Fac-
ing the increasing profusion of advertising messages in contemporary Western so-
cieties, typical of the industrialized world, this article focuses on a critical analysis of
such public discourses.
The profusion of advertising messages in the public space appealing to every-
thing leads to the mass, unconscious, and conspicuous consumption. This changes
the socio-cultural ecosystem, transforming it into a more and more secular, visual,
and popular culture.

144 | MEDIA&JORNALISMO
Following a theoretical and reflexive approach, the objectives of this article are: a)
to show the power of rhetoric when developing seduction and provoking affections
in advertising strategies, producing simulacra (collective illusions and social imagi-
naries) and masking reality; b) to argue the complexity of the perception of certain
subliminal (below the liminal, i.e. under the threshold or transitional stage) meanings
in words and images of deception.
In a more and more visual and popular culture, it is relevant to recognize the in-
fluence of advertising’s rhetorical strategies. They are everywhere and affect the way
people think, feel and act.
Argumentation theory covers the whole field of speech that seeks to convince or
persuade (Perelman 1977, 19) and it is useful to understand how affections are used
in public discourses with a large reach of influence.
Consumers are frequently shaped by seduction-appeals. Advertising messages
constantly appeal and conceive an illusory, ideally imagined or fantastic world, i.e. a
virtual dimension that induces the idea or sensation that it is more real than reality it-
self. Today, lie or falsity becomes more staggering and decisive. The masses are more
credulous and distracted, and a rhetorical message is more effective to influence.
For this reason, there is a rhetorical dialectic between the ancient and the modern.
The rhetoric remains active today in the mass discourses like advertising, consist-
ent with Barthes’ (1993, 19) claim that “the world is incredibly full of ancient rhetoric”.

2. Advertising and rhetoric: developing the pathos

Advertising messages reveal much about what we are and what we desire to be.
The power of advertising messages is in its capacity to shape people’s desires and
fuel their dreams. As a rule, dreams and desires are non-rational. Both cannot be re-
duced to a normal rational and conscious thought. Passion is what is beneath logos:
“The irreducibility of expressed passion into logos means that the logic of emotions
(what Meyer calls affective reasoning) is always metaphorical” (Kastely 2004, 228).
The pathos (passions, emotions, affections, desires, feelings) come to us either as a
discourse itself or in the signs (words and images) used by the advertising message.
The rhetoric of affections cannot be accomplished without the power of language. For
this reason, Huxley (1961, 127) remarks that advertisement is “the most exciting, the
most arduous literary form of all, the most difficult to master, the most pregnant in cu-
rious possibilities”. A summarized and fulminating meaning presented in a synthetic
image is preferable; it fascinates and seduces more (Sartori 1998, 150); it is more spec-
tacular and sensational in thrilling effects and affections. Fashion is the language of
seduction. Consequently, it is also the language of advertising (Lipovetsky 1996, 165).
How does a given product or brand become an object of desire? Zizek defines
desire by what is always just out of our reach and, for this reason, our search can
continue. Desire is the feeling that accompanies an unsatisfied state, an inclination
to want things, a strong feeling difficult to self-control or sustain. That is why adver-
tising messages use desire. When they do, consumers sympathize the feeling.
In Western modern industrial societies, brands mean social and symbolic values
and express moral principles like prestige, elegance, honesty, etc. (e.g. fashion brands,

ARTIGOS | 145
namely the premium and luxury fashion segment like Versace, Armani, or Hugo Boss).
Objects, products and brands are signs expressing certain qualities and meanings. In
almost every culture, “objects are chosen to represent the power of the bearer” (Csik-
szentmihalyi & Rochberg-Halton 1999, 26). This power represents different values for
men such as virile virtues, strength, bravery, prowess and endurance; and for women,
seductiveness, fertility, and nurturance.
Thoughts and feelings are connected to the products and brands, according to
the signs used in the advertising strategy. For example, Lancôme’s slogan for the
fragrance Magie Noire says “The source of enchantment”, representing the perfume
with social, cultural, and emotional meanings (Leiss et al. 2005, 221). The aim of this
slogan is to provoke emotions. For this reason, Lipovetsky (1996, 214) argues that
advertising does not seduce the homo psychanalyticus (the intelligent man who re-
flects), but the homo ludens (the superficial man who amuses himself). The effec-
tiveness is due to its amusingness.
Lacan locates the essence of human existence in desire (Wood 2012, 85). Ap-
proaching the Lacanian perspective about desire, Zizek notes the problem of the re-
flexivity of desire: “desire is always a desire of a desire” (2008, 196); it is never simply
desire (2005, 247). “The Real of desire is a lack that cannot be filled; in this sense,
desire is the desire to desire” (Wood 2012, 102). The question is not what one should
desire, since there are a lot of things to desire, states Zizek (2008, 196), but “which
of them is worth being the object of my desire?” or “Which desire should I desire?”.
Zizek examines how desire operates around us with products, goods, services,
brands, ideas, concepts. The Coke advertising, for example, stages this relationship
to desire. For Zizek, Coke promises us the “it” when the advertisement says “Coke is
It!” (the slogan from the early eighties), while Kinder Surprise Chocolate egg actually
materializes this “it” offering a superfluous supplement. Coke and Kinder Surprise
manipulate and deceive consumers’ desires and needs.
The Coke advertising message is paradoxical: the product does not satisfy any
need. On the contrary, notes Zizek, the result is unexpected: the more we drink it, the
thirstier we get. It is the product itself that makes our thirst for it more insatiable (Zizek
2000, 22). Advertising create dreams, desires, needs.
The desire of consumers is fascinated by the need or lack and by what they think
they can do with the object, when they imagine themselves using the object. A fantasy
is an imagined scenario representing the realization of desire, but this usual defini-
tion is, according to Zizek (2008, 132), somewhat misleading or at least ambiguous:
“in the fantasy-scene the desire is not fulfilled, ‘satisfied’, but constituted (given its
objects, and so on) - through fantasy, we learn ‘how to desire’”.
The famous advertisement for Marlboro uses the picture of “the bronzed cowboy,
the wide prairie plains” connoting “a certain image of America”, “the land of hard, hon-
est people, of limitless horizons” (Zizek 2008, 106). The rhetoric of affections occurs
when “real” Americans start to identify themselves (in their ideological self-experi-
ence) with “the image created by the Marlboro advertisement”, when “America itself
is experienced as ‘Marlboro country’” (Zizek 2008, 106). The Marlboro billboards de-
velop passionate reactions instead of intellectual reactions. A picture of a cowboy on
a horse smoking a cigarette has a patriotic visual influence, which is more powerful
than any possible reasoning offered by words. Seeing the cowboy is feeling America.

146 | MEDIA&JORNALISMO
Regarding the advertisement for Coca-Cola, like all “mass-media symbols” of
America, the point is not the connotation to a certain ideological experience or vision
of America; the point is that this vision of America achieves its identity by identify-
ing itself with the signifier “Coke”, saying “America, this is Coke!”. The crucial point to
grasp is that the ideological vision of America as a land of diversity is given in the ad-
vertisement by the signifiers “Coke”, “this is it!” and “the real thing”, i.e. the unattain-
able X, “the object-cause of desire” (Zizek 2008, 106).
Marlboro cowboy, Coca-Cola and all mass-media symbols of America exploited
in advertising are Americanisms: peculiar customs of the US or its culture and peo-
ple. This concept operates meanings, social imaginaries and cultural identifications,
like the concept of “Italianness” or “Italianicity”, meaning the Italian character, quality
or state of what belongs to Italy, expressesing what is coded as Italian. E. L. Wyss
(2012, 180) notes that the nationalizing construction of Italianicity “endows the prod-
ucts with an identity, a sort of specific anthropomorphic ontology”, which is affective.
When these concepts are processed in advertising, they provoke exuberant af-
fections, reporting national or patriotic ways of life, fashion styles, and daily cultural
patterns. In these cases, advertising connects the commercial product or brand with
a stereotyped cultural and national identity (Edensor 2002; Wyss 2012). Following
this strategy, advertising creates stereotypes, meanings and affections of patriot-
ism and national culture.
Marlboro cowboy and Coca-Cola are symbolically transformed by the style they
are represented in advertising images of seduction. Advertising show consumers’
habits where these products become traditions, symbols, mass-media symbols of
America. These products and their images become national symbols of good taste,
wellbeing, contentment, status and power. They suggest desire: the desire to live in
a desirable environment or situation as it is represented in the attractive and sugges-
tive images used to advertise these products. Images that have signs of seduction,
social enjoyment and pleasure. These are emotional and visual arguments for con-
suming; they use passionate and seductive associations between the product and
sensuality, pleasure, desire. Advertisements of Swiss chocolate, German cars, Italian
pasta, etc. also seduce developing a cultural and national character of the products.

2.1. Using fallacies of affections

Seductive advertisements have a personal and humanized look, a soul, like the con-
fident Marlboro cowboy or the sensual Dior woman, symbols of fashion and seduction.
Fashion and seduction are ingredients of advertisements; they are associated with physi-
cal aspect, body outside appearance for the Platonian concept of cosmetic in Gorgias
(465b); they are directed to the eye. That’s why “many products are sold by appealing
to sexual attraction and physical beauty” (Fennis & Stroebe 2010, 17). Seduction and
attractiveness often function as a halo or a simple decision rule like “what is beauti-
ful is good” or what is pleasurable, comfortable, elegant, tasty, beautiful, etc. is good.
Some advertisements explore the fallacy named appeal to emotion (viz. appeal to
pity or argumentum ad misericordiam) to persuade, inducing pity and manipulating
people’s affections instead of using valid reasons. For example, the advertisement

ARTIGOS | 147
of the Portuguese League for Animal Rights and Acção Animal, a close-up shot of a
chimpanzee face-painted of clown behind bars, uses an argument that does not pro-
voke intellectual impact or thought. It follows a simple strategy: the development of
an easier way to make people understand the idea (the animal rights) touching their
emotions. The advertisement’s rhetorical argument is both textual and visual, but affec-
tions are caused particularly by the image. The close-up emphasizes a sad expression.
The argument is emotional; it’s a pathos appeal and it fulfils the meaning struc-
ture. The chimpanzee (signifier) is a sad clown (signified). This is a metaphor of ani-
mal abuse and lack of freedom. A chimpanzee behind bars represents the captivity,
incarceration, which means sadness instead of joy. The clown is the exponent of joy,
fun, amusement and happiness in the circus.
Dark colors prevail, emphasizing sorrow for animal mistreatment; on the other
side, the vivid colors of the clown face-painting are not sufficient to transmit joy, fun,
amusement and happiness (these are the peculiar emotions aroused by clowns in
the circus, always the most hilarious moment of the show).
In the advertisement for Opium perfume, from Yves Saint-Laurent, the mythical
meaning “female beauty” is explored through the representation of a typical scene of
ecstasy, a state in which a woman is carried away by an overwhelming emotion. The
model Sophie Dahl is a stereotype of female beauty in the advertisement. “Clearly the
sign ‘Opium’ has connotations of indulgent pleasure which derive from the codes for
representing drugtaking and sexual abandonment, and the connotations of the ad’s
visual signs supported them” (Bignell 2002, 33). The mythical meaning associates
the product (the perfume) and an exotic sensual pleasure. The same development of
pathos happens with the supermodel Kate Moss. During the famous 1993 campaign
for Calvin Klein’s Obsession perfume, Kate Moss is lying naked on a sofa and it took
about ten days to photograph this scene and get the intended and ideal picture. This
scene is iconic, seductive; it provokes strong emotional reactions, as the name of the
fragrance (Obsession) reveals.
The rhetoric of pathos is a strategical appeal to emotion, namely: a) pity (develop-
ing an argumentum ad misericordiam or appeal to pity); b) fear (using an argumen-
tum ad metum or appeal to fear to provoke concerns or anxious feelings about some
consequence); c) flattery or adulation (to show praise and appeal to self-conviction
and self-presumptuousness of consumers if they use the product or brand adver-
tised); d) joy and enthusiasm (whether real or illusory happiness, people feel satis-
faction and fulfillment); advertisements are typically happy-ending messages and,
therefore, they correspond to the expectations (needs and problems) of consumers
and present an easy and simple solution to them; e) wishful thinking, a rhetorical ex-
ploitation or development of affections, because a wishful thinking, as it suggests,
is a type of appeal to pathos based on a suggestion of a desire and a believe creat-
ing the illusion that what receivers wish for is true or beneficial and that is offered by
the product or brand, and suggested by the advertising message, according to what
consumers want to hear. A wishful thinking is a desire or believe that correspond to
what is pleasing to imagine; it is wished and thought in a consistent way to the ex-
pected affections (not reasons nor facts).
The rhetorical appeal to emotion is often based on logical fallacies; their argu-
ments are made to increase the pathos and manipulate recipient’s emotions. Argu-

148 | MEDIA&JORNALISMO
ments induce emotional stimulation. The purpose of the rhetorical appeal to emotion,
and rhetoric lato senso, is to provoke passionate reactions. This strategy doesn’t use
factual evidence or reasons. Emotions (viz. pity, fear, flattery, joy, and wishful thinking)
may be provoked by a fallacious appeal; rational arguments with intellectual reaction
are neither used nor necessary.

2.2. Seduction and truth

Persuasion and seduction are two old abilities of communication strategies.


Both aim to influence. We receive advertising’s messages everywhere (including in
our home, brought by the TV screen) and everytime. Whether we like it or not, wheth-
er we are aware of the messages or not, advertising is part of everyone’s daily life.
Seduction is peculiar to human nature and it appeals to strong emotions. Using
seductive strategies to disarm reflection in its quest to persuade and sell, advertis-
ing easily run over ethical-moral values and principles. It suggests a gap, a lack or a
need for the consumers, saying what is convenient (not necessarily the truth) and
that’s why it always tells us a happy-end story. This strategy might be a perverse way
to satisfy people’s needs, but it also shows a persuasive strength.
A way by which advertising is rhetorically effective and unethical is by seeking to
create false needs. False needs “are those which are superimposed upon the individual
by particular social interests in his repression”, with common ones being “to relax, to
have fun, to behave and to consume in accordance with the advertisements, to love
and to hate what others love and hate” (Marcuse 2007, 7). Advertising encourages
consumers to develop false needs and to satisfy those needs in misdirected ways
purchasing non-essential commodities (Leiss et al. 2005, 83).
Advertising lies or deceives when it says what is convenient (false needs), which
is different or the opposite of true needs. Advertising does not lie nor deceive, strictly
speaking, when it says “this car will make you fly”, “this perfume will let you conquer
any women” or “lose 60 pounds in one week eating all you want”. The hyperboles are
tolerated, even when we know that it is not possible to obtain the results and bene-
fits the advertising assures. Advertising lies and deceives if it says literally (nor met-
aphorically) the previous assertions. Exaggeration of benefits and affections given
with the products (and expressed by the messages) is a technique to get influence
and provoke emotions.
When seduction is used in advertising messages, it is always intentional, it is de-
veloped or performed consciously (by the seducer). However, the effects are often
unconscious for the seduced. This happens with the subliminal advertising. Seduc-
tion is never explicitly; otherwise, it would not work effectively. People are not aware
that they are led astray; most of the time people are seduced and yearn to be seduced
(Greene 2003, xxiv).
Seduction is both in the commodities and in the appeals to commodities, i.e.
in the messages intentionally produced with certain meanings to create intended
moods in the public about the acquisition of those commodities. Marx (1982, 163)
uses the expression “fetishism of the commodity” and notes that “a commodity ap-
pears at first sight an extremely obvious, trivial thing”, i.e. it is a product of human la-

ARTIGOS | 149
bor and it satisfies human needs by its properties; nevertheless “it is a very strange
thing, abounding in metaphysical subtleties and theological niceties”. Marx (1982,
164) underlines “the mystical character of the commodity” to mean a fetishistic ef-
fect exerted by the commodity, to describe the regulating social power that objecti-
fied value relations gain under the capitalist system. This power causes a false be-
lief about social properties ascribed (the fetish-induced illusion). The “fetishism” is a
sort of influence or seduction.
In this regard, Baudrillard (1990, 21) characterizes seduction having signs for so-
cial relation based on appearances, artifices, meanings connected; a ritual order with
peculiar rules; and ways of thought. Masses are psychologized and seduced by me-
dia discourses. It is like everything is driven by seduction, ideology, desire, illusion,
etc. widespread by advertising messages.
Meaning something in a hidden way is seducing through appearances, artifices,
semblances, simulations, illusions. Meaning in a hidden way is also the power to im-
ply, i.e. “saying without saying”. Signs don’t mean only what exists, but also appear-
ances, artifices, semblances, simulations, illusions.
Seduction is an ability to cause affections, a strategical process to lead astray or
to reach and lead the seduced to think in a certain way or to take certain actions. Se-
duction lays in affections, not in reasons. Recalling the distinction between persuading
and convincing made clear by Perelman and Olbrechts-Tyteca in The New Rhetoric: A
Treatise on Argumentation (1991, 27), “to someone concerned with the rational charac-
ter of adherence to an argument, convincing is more crucial than persuading”. Persua-
sion is appropriate for emotions (pathos) and convincing for reasons (logos). Persua-
sion uses emotive reasons to buy and consume; convincing uses “rational reasons”.
By the rule, advertising messages evoke passionate reactions instead of intellec-
tual and comprehensive reactions. According to Key (1976, xi), advertising messages
are designed for emotional or passionate reactions and not for intellectual impact, i.e.
for affective and feeling appeals rather than cognitive and thinking appeals, evoking
emotions instead of thought. Using hidden meanings or subliminal messages, the
perception is conscious or subconscious. In both cases, the message produces ef-
fects on people. In the subconscious case, the message produces effects even with-
out people noticing it. The meaning reaches the subconscious without intermedia-
tion of the conscious brain, in an inadvertent way to the reason (Grijelmo (2000, 15).
Some words are more powerful in exciting emotions than others. In advertising,
this difference between the emotive power of words is more noticeable and, therefore,
more decisive and effective in producing persuasive meanings (Ogilvy, 2004, 133)
and making the words extremely effective and subtle instruments to provoke or ma-
nipulate certain attitudes, behaviours, choices/decisions and feelings. The way words
are used or pronounced can further provoke the pathos of the audience. Some words
are emotive when they are used in a rhetorical way, influencing the way we see, think
and feel the reality they represent. According to Macagno & Walton (2014, 5), “emo-
tive words have been regarded as crucial instruments for persuasion and manipn”.
The seductiveness of words is not either in their grammatical function or in the mean-
ing, which must be easily understandable, but in the latent values of their sound and
history (Grijelmo 2000, 33). As such, subliminal advertising is a questionable way to ma-
nipulate and to transform rational and critical reactions into uncritical buying reactions.

150 | MEDIA&JORNALISMO
The seductiveness of words and images rhetorically used in advertising is not ad-
dressed to rational understanding of the consumers, but to their emotions (Grijelmo
2000, 37). The seduction of signs (words and images) does not need any logic, but
the expressive and the implicit. As Grijelmo (2000, 38) notes: “a mathematical proof
convinces, but a perfume seduces”. The seduction of words and images cause af-
fective reasons, not rational reasons.
In a deductive reasoning (e.g. “It is convenient to buy an economical car”; “The
car model X is economical”; “Therefore, to buy the car model X is convenient”), the
understanding is simple and easy; it is based on culture and it doesn’t cause intellec-
tual efforts. Advertising language follows the logic of predicative statements such as
“This is X”, meaning “This product is good”. The word “good” has a positive cultural
meaning (Lakoff & Johnson 1980, 14). The typical use of advertising messages in-
fluence and structures the collective thought as well the shared forms of communi-
cation, behavior, feeling, attitude, and action. The argument “millions of consumers
have already tried the new product X... what about you?...” is simply deductive and
direct mainly due to the fallacy ad populum.
In a rhetorical perspective, the more successful messages are not those we love
or hate (or even those with new or interesting and creative concepts and approach-
es), but those “that are able to effortlessly slip things under our radar and influence
our behavior without us ever really knowing that they have done so” (Heath 2012, 6).
These advertising messages seduce the subconscious with creativity, but the para-
dox is that “the less attention we pay, the more effective the subconscious seduction
becomes” (Heath 2012, 10).
Seduction is more effective at the subconscious level. The way advertising influ-
ence us without our knowledge might be manipulating subconsciously our behavior
and this is a worrying matter, because this way has quite possibly much more influ-
ence than persuasion. For Heath (2012, xi), “even more worrying is that advertising
ability to seduce our subconscious uses elements that are in our full view and easy
for us to discern”.
One of the most subconscious seductive strategies is the product placement.
This practice is frequent and effective in popular TV programs (e.g. soup operas)
and people are not aware about it. For this circumstance, advertisers might prefer
“to compel people to buy a product without even knowing why they’re buying it – as
a visceral response to a stimulus, not as a conscious decision” and “this is best done
through images” (Hill 2008, 37). This situation is more effective in TV commercials
that “invade our private space and time and reach us when we tend not to be alert
and vigilant” (Blair 2008, 56). Seduction proceeds from double-meanings, from mes-
sages between the lines rather than explicit statements.
Advertising is deceptive or malicious when rhetoric is used as a technique to per-
suade based on illogical or fallacious reasoning, which may be intentional or not inten-
tional. If it is intentional, it is a sophism, i.e. a deliberately invalid argument displaying
ingenuity in reasoning in the hope of deceiving someone; if it is not intentional, it is a
paralogism, i.e. an unintentionally invalid or wrong argument.
An example of deception and manipulation is the advertisement for Weather-
proof, showing the former U.S. President Barack Obama wearing a coat of this brand.
The billboard was placed in Times Square, New York, and it is basically a picture of

ARTIGOS | 151
Obama taken during his visit to the Great Wall of China. The problem is that this im-
age was used without Obama consent or knowledge, remarks The New York Times
(dated January 7th, 2010).
A rhetorical deception happens when someone is persuaded about something
through an opinion based on unreliable reasoning, provoking false beliefs. Consider-
ing that seduction is usually regarded as a deception, manipulation or enticement,
the rhetoric of seduction in advertising messages plays with polysemy and hidden
signs and meanings. The effect is in the strings of words producing intended sublimi-
nal meanings. That is why the word “subliminal” means ideas, images, and concepts
perceived in the brain below the threshold of consciousness.

Conclusion

Advertising messages require a special ethical caution, because they are pub-
lic and influential; their commercial ends do not justify their rhetorical means. They
have responsibilities about what is communicated, and they must be regulated by
codes of ethics and laws.
The function of advertising is not to educate, but to increase the selling of prod-
ucts, goods, services, brands, ideas, concepts. Doing this, advertising may be moral,
immoral or amoral. It may follow or not social values or moral principles, as well as
tell the truth about what is advertised.
Truth must be always a condition for discourses. If not, they may neglect the prin-
ciples and values that lead to the fair and accurate use of language. An unethical way
to use rhetoric in advertising is to lie, omit or exaggerates about the benefits of the
products, goods, services, brands brought by the messages. As Packard (2007, 31)
notes in The Hidden Persuaders, “many of us are being influenced and manipulated,
far more than we realize, in the patterns of our everyday lives”. Following sophisticated
and subliminal techniques of persuasion, some advertising messages are impossi-
ble to perceive at the conscious level of awareness and people just get the message
without realize that it will produce further effects in the decision making in the act of
buying the product. There are rational and non-rational or emotional techniques of
persuasion. The latter are imperceptible at the conscious level of awareness.
A persuasion that does not embody an appropriate use of argumentation is un-
ethical. The legitimacy of persuasion and rhetoric is determined by how it is used
(honestly or deceptively) and for what end it is used (for good or for evil). Ethics fol-
lows thoughtfulness and consciousness about what we responsibly do concerning
and caring other people. It is an action guidance.
There are seductive, rhetorical, fallacious, deceptive, immoral, and unethical or
anti-ethical advertisements. Advertising messages chose specific signs to the under-
standing of a large amount of people; they are necessarily open to public view, they are
public discourses and, therefore, must have restrictions, i.e. they must be conceived
by (and show) a careful, virtuous and conscientious use for good purposes and ends.
Advertising explores both rational and emotional arguments, appealing through
reasons (logos) and emotions (pathos). Seduction, for example, is a way to get what
is wanted persuading with affections. Emotional arguments are more effective, be-

152 | MEDIA&JORNALISMO
cause people don’t resist to them as much as with rational arguments. As the epi-
graph from Plato’s Protagoras (351a) says in the beginning of this article, power de-
rives from passionate emotion, but it is more powerful, and it derives even more from
rhetorical emotion.

References

Aristotle. (2004). The Art of Rhetoric. London: Penguin.


Barthes, Roland (1977). “Rhetoric of the Image”, in Roland Barthes, Image, Music, Text. (trans.
Stephen Heath). London: HarperCollinsPublishers.
Barthes, Roland (1993) La Aventura Semiológica. (trans. Ramón Alcalde) [Spanish edition of
The Semiotic Challenge]. Barcelona: Ediciones Paidós.
Barthes, Roland (1991). Mythologies. (trans. Annette Lavers). New York: The Noonday Press.
Baudrillard, J. (1990). Seduction. Montreal: New World Perspectives.
Bignell, J. (2002). Media Semiotics. Manchester: University Press.
Blair, J. A. (2008). The Rhetoric of Visual Arguments. In Hill, C. A. & Helmers, M. (eds.), Defining
Visual Rhetorics, (pp. 41-61). New Jersey: Lawrence Erlbaum.
Csikszentmihalyi, M., & Rochberg-Halton, E. (1999). The Meaning of Things – Domestic Sym-
bols and the Self. Cambridge: University Press.
Edensor, T. (2002). National Identity, Popular Culture and Everyday Life. Oxford: Berg.
Fennis, B. M. & Stroebe, W. (2010). The Psychology of Advertising. New York: Psychology Press.
Greene, R. (2003). The Art of Seduction. London: Penguin.
Grijelmo, Á. (2000). La Seducción de las Palabras. Madrid: Santillana.
Heath, R. (2012). Seducing the Unconscious: The Psychology of Emotional Influence in Adver-
tising. Sussex: Blackwell.
Hill, C. A. (2008). The psychology of rhetorical images. In: Hill, C. A. & Helmers, M. (eds.) Defining
Visual Rhetorics, 25-40. New Jersey: Lawrence Erlbaum.
Huxley, A. (1961). On the Margin – Notes and Essays. London: Chatto & Windus.
Kastely, J. L. (2004). Pathos: Rhetoric and Emotion. In Jost, W. & Olmsted, W. (ed.) A Companion
to Rhetoric and Rhetorical Criticism, 221-237. Oxford: Blackwell.
Key, W. B. (1976). Media Sexploitation. New Jersey: Prentice Hall.
Lakoff, G., & Johnson, M. (1980). Metaphors We Live By. Chicago: The University of Chicago Press.
Leiss, W. et. al. (2005). Social Communication in Advertising – Consumption in the Mediated
Marketplace. New York: Routledge.
Lipovetsky, G. (1996). El Imperio de lo Efímero: La Moda y su Destino en las Sociedades Mo-
dernas. Barcelona: Anagrama.
Macagno, Fabrizio & Walton, Douglas (2014). Emotive Language in Argumentation. New York:
Cambridge University Press.
Marcuse, H. (2007). One-Dimensional Man – Studies in the Ideology of Advanced Industrial
Society. New York: Routledge.
Marx, K. (1982). Capital – A Critique of Political Economy. London: Penguin.
Meyer, M. et. al. (1999). Histoire de la Rhétorique – Des Grecs à nos Jours. Paris: Librairie Gé-
nérale Française.
Ogilvy, David (2004). Confessions of an Advertising Man. London: Southbank Publishing.
Packard, V. (2007). The Hidden Persuaders. New York: Ig Publishing.

ARTIGOS | 153
Perelman, C. (1977). L’Empire Rhétorique. Paris: Vrin.
Perelman, C. & Olbrechts-Tyteca, L. (1991). The New Rhetoric: A Treatise on Argumentation.
University of Notre Dame Press.
Peters, F. E. (1967). Greek Philosophical Terms – A Historical Lexicon. New York University Press.
Plato. (2002). Protagoras. Oxford: University Press.
Plato. (2004). Gorgias. London: Penguin.
Sartori, G. (1998). Homo Videns: La Sociedad Teledirigida. Bogotá: Santillana.
Wharton, Chris (2013). Advertising as Culture. Chicago: The University of Chicago Press.
Wood, K. (2012). Zizek: A Reader’s Guide. Sussex: Wiley-Blackwell.
Wyss, E. L. (2012). Italianicity goes global – National and transcultural strategies in advertising
discourse. In Hauser, S. & Luginbühl, M. (ed.), Contrastive Media Analysis: Approaches to
linguistic and cultural aspects of mass media communication, 179-197. Amsterdam: John
Benjamins.
Zizek, S. (2000). The Fragile Absolute. London: Verso.
Zizek, S. (2005). Interrogating the Real. London: Continuum.
Zizek, S. (2008). The Sublime Object of Ideology. London: Verso.

Biographical note

Paulo Barroso is a Assistant professor at the Polytechnic Institute of Viseu, Portugal (Col-
lege of Education, Department of Communication and Art), teaching Advertising Semiotics, So-
ciology of Communication, and Communication Ethics and Deontology; integrated researcher
(ORCID 0000-0001-7638-5064) at the Investigation Centre in Communication, Information and
Digital Culture (CIC-Digital) of the Faculty of Social Sciences and Humanities, New University of
Lisbon; current research interest in Semiotics, Argumentation and Rhetoric, Ethics, Media Lan-
guages, and Theories and Models of Communication; BA and MA in Communication Sciences;
BA, MA and PhD in Philosophy (in the scientific area of Philosophy of Language); post-doctora-
te researcher (6 years) in Communication Sciences, having participated in international confe-
rences and published several articles and books in these fields (e.g. Grammar, Expressiveness,
and Inter-subjective Meanings: Wittgenstein’s Philosophy of Psychology. Newcastle-Upon-Tyne:
Cambridge Scholars Publishing, 2015).

ORCID: https://orcid.org/ 0000-0001-7638-5064


Email: [email protected]
Address: College of Education, Rua Maximiano Aragão, 3504-501 Viseu, Portugal

* Submitted: 2018.06.30
* Accepted: 2018.12.20

154 | MEDIA&JORNALISMO
O discurso publicitário que incita o medo e a superstição
The advertising discourse that incite fear and superstition
El discurso publicitario que incita el miedo y la
superstición

Danielle Cândido
Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Letras
Maria Virginia Borges Amaral
Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Letras
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_11

Resumo
O ato de pensar e criar estratégias para marcas origina inúmeras discussões
sobre a sociedade de consumo. Neste artigo, que tem como objeto de estudo o
discurso publicitário, procuramos refletir sobre as questões éticas e legais da pu-
blicidade que incita o medo e a superstição. Mais especificamente, procuramos
desvelar os efeitos de sentido do discurso da marca Hyundai, por meio dos pres-
supostos teórico-metodológicos da Análise de Discurso, de linha francesa, funda-
da no final da década de 1960, por Michel Pêcheux. Dedicamo-nos a uma análise
materialista das práticas de linguagem ao trabalhar, na materialidade da língua,
articulando o materialismo, a psicanálise, a linguagem e o sujeito. O estudo refle-
te sobre as estratégias discursivas da marca na relação entre desejo e consumo
na sociedade capitalista, para então pensar sobre a publicidade que é ensinada e
praticada atualmente.

Palavras-chave
discurso; publicidade; ética; medo; consumo

Abstract
The act of thinking and creating strategies for brands leads to countless discus-
sions about consumer society. In this article, which aims to study the advertising
discourse, we try to reflect on the ethical and legal issues of advertising that inci-
tes fear and superstition. More specifically, we sought to unveil the Hyundai brand’s
meaningful sense effects through the theoretical-methodological assumptions of the
French Line Discourse Analysis, founded in the late 1960s by Michel Pêcheux. We
are dedicated to a materialistic analysis of language practices in working in the ma-
teriality of language, articulating materialism, psychoanalysis, language and subject.
The study reflects on the discursive strategies of the brand in the relation between
desire and consumption in capitalist society, to then think about the publicity that is
taught and practiced today.

ARTIGOS | 155
Keywords
discourse; advertisement; ethic; fear; consumption

Resumen
El acto de pensar y crear estrategias para marcas origina innumerables discu-
siones sobre la sociedad de consumo. En este artículo, que tiene como objeto de
estudio el discurso publicitario, tratamos de reflexionar sobre las cuestiones éticas
y legales de la publicidad que incita el miedo y la superstición. Más específicamen-
te, buscamos desvelar los efectos de sentido del discurso de la marca Hyundai, por
medio de los presupuestos teórico-metodológicos del Análisis de Discurso, de línea
francesa, fundada a finales de la década de 1960, por Michel Pêcheux. Dedicamos a
un análisis materialista de las prácticas de lenguaje al trabajar, en la materialidad de
la lengua, articulando el materialismo, el psicoanálisis, el lenguaje y el sujeto. El es-
tudio refleja sobre las estrategias discursivas de la marca en la relación entre deseo
y consumo en la sociedad capitalista, para entonces pensar sobre la publicidad que
se enseña y se practica actualmente.

Palabras-clave
discurso; publicidad; ética; miedo; consumo

Introdução

As questões éticas e legais da publicidade vêm à tona no momento em que o


mercado entende a necessidade de se reinventar. Em decorrência da crise econô-
mica, esse processo de mudança traz uma reflexão sobre o ato de pensar e criar
estratégias para marcas por meio da publicidade que incita o medo e a superstição.
Nesse sentido, precisamos pensar sobre a publicidade que é ensinada e praticada
atualmente e, em decorrência disso, analisar os efeitos de sentido do discurso pu-
blicitário, em circulação na mídia, que desrespeita o consumidor e a concorrência.
Ao problematizar o discurso da publicidade que explora o medo e a superstição,
procuramos analisar, mais especificamente, as condições sócio-históricas de produ-
ção que levaram a marca Hyundai (por meio do anunciante Caoa e da agência Z+)
a produzir o anúncio “Veloster 2013. O máximo em segurança total”, que circulou o
seguinte dizer: “carros mais baratos podem colocar em risco sua segurança e a da
sua família”. Essa peça publicitária foi analisada pelo Conselho Nacional de Autor-
regulamentação Publicitária (Conar), que propôs alteração do anúncio devido à au-
sência de responsabilidade social por parte do anunciante.
Sobre o discurso e os mecanismos que regulam a argumentação, Orlandi (2000,
p. 39) defende que não existe escolha neutra. Isso porque, por meio do mecanis-
mo de antecipação, que condiciona todo discurso, “o sujeito dirá de um modo, ou
de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte”. Essa posição ar-
gumentativa de convencer e/ou persuadir é uma característica do discurso publi-
citário, que “intenta alcançar um alto grau de persuasão, uma vez que idealmente

156 | MEDIA&JORNALISMO
deve desencadear uma ação, o ato de consumo, ainda que num futuro impreciso”
(CARRASCOZA, 1999, p. 18).
Por um lado, está a finalidade da mensagem publicitária: de chamar a atenção
do público para as qualidades deste ou daquele produto, serviço ou marca. Por ou-
tro lado, está o objetivo de desvelar os efeitos de sentido desse discurso publicitá-
rio que incita o medo e a superstição. Para isso, buscamos, na disciplina Análise do
Discurso (AD), de linha francesa, fundada por Michel Pêcheux, no final da década de
1960, entender as relações de produção, explanadas por Karl Marx, existentes no
modo de produção capitalista – sistema econômico no qual o discurso publicitário
em questão está inserido.
Para essa investigação, adotamos os critérios metodológicos que decorrem dos
princípios teóricos da AD, a partir da intermitência (descrição-interpretação) que per-
mite chegar à ampla compreensão do discurso que circulou no anúncio da Hyundai.
Sobre essa perspectiva de apreciação, Pêcheux (2002) aponta que a AD trabalha com
a ideia de que o enunciado é linguisticamente descritível como uma série de pontos
de deriva possíveis, que oferecem lugar à interpretação, a qual se procurou apresen-
tar neste artigo como uma contribuição aos estudos da Comunicação e Consumo,
com ênfase nas questões éticas e legais da publicidade.

As condições de produção do discurso contemporâneo

Os discursos contemporâneos são resultado do antagonismo entre as classes


sociais presentes no sistema capitalista. Logo, as práticas discursivas atuais, e aqui
ressaltamos o discurso publicitário, possuem como fundante as relações de produ-
ção, como afirmam Magalhães e Silva Sobrinho (2014, p. 178), ao esclarecerem so-
bre a relevância das condições de produção para a análise dos discursos:

[...] as amplas Condições de Produção referem-se, do ponto de vista


do materialismo histórico-dialético, às relações de produção de determinado
período histórico de uma sociabilidade. Ou seja, as condições de produção
devem ser tomadas como fundantes de toda práxis humana. Por isso, res-
saltamos que em uma sociabilidade capitalista, particularmente no período
contemporâneo e atual, todas as práxis sociais, inclusive as discursivas, se-
rão afetadas pelas relações de classes geradas pela lógica capitalista (MA-
GALHÃES e SILVA SOBRINHO, 2014, p. 178).

Para compreender as relações de produção entre capitalistas e trabalhadores,


que foram elucidadas por Marx e estão presentes no discurso, aclaramos acerca de
alguns conceitos adotados pela Análise do Discurso (AD), de perspectiva pecheutia-
na, que propõe uma análise materialista das práticas de linguagem ao trabalhar, na
materialidade da língua, a relação teórica entre ideologia e inconsciente.
A noção de texto para a AD é a de um objeto simbólico que produz sentidos;
e a noção de discurso como objeto teórico é definida como efeito de sentidos en-
tre locutores, articulando o materialismo, a psicanálise, a linguagem e o sujeito. A
partir desse entendimento, o primeiro conceito que apresentamos, modo de pro-

ARTIGOS | 157
dução, está apoiado na proposição de Marx (1983, p 24) de que “o modo de pro-
dução da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e in-
telectual em geral”.
Outro conceito, o da determinação, refere-se à inter-relação que os sujeitos sus-
tentam em determinadas posições em relação às formações ideológicas (FI). Já
as FI se caracterizam por “um conjunto complexo de atitudes e representações [...]
que se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito”
(PÊCHEUX & FUCHS, 2014, p. 166).
Vale ressaltar que as formações ideológicas determinam os sentidos das palavras
porque os inscrevem nos processos discursivos das formações discursivas (FD) que as
representam. Já essas formações discursivas determinam “o que pode e deve ser dito
a partir de uma posição [ideológica] dada numa conjuntura” (PÊCHEUX, 1988, p. 160).
A partir do entendimento da teoria materialista do discurso, é possível identifi-
car que é no interior das formações discursivas que os sujeitos podem manifestar
as posições ideológicas que ocupam no meio social. Logo, a posição do sujeito é
marcada pela intervenção da ideologia. O sujeito passa a ter a ilusão de que é dono
de seu discurso e que tem a autonomia na escolha das palavras que emprega no
discurso que julga ser seu – o que Pêcheux denomina, respectivamente, de esque-
cimentos 1 e 2. (PÊCHEUX, 1993).
Considerando que todo discurso é ideológico, a sua análise implica o entendimen-
to daquilo que expressa através do seu processo discursivo, na relação que mantém
com a posição ideológica do sujeito que o expressa. No entanto, as expressões des-
se sujeito já não são aquelas de um “indivíduo singular”, e sim a de um “sujeito his-
tórico”, que se define em relação às formações ideológicas de uma dada formação
social (CHASIN, 1978, p. 66-73).
Sobre a relação discurso-ideologia, Orlandi (1996, p. 11) acrescenta que “no dis-
curso há sempre um discurso outro, função da relação do todo com a ideologia”. As-
sim, o que está em discussão com a noção de condições de produção do discurso
é o movimento do discurso, a dialética. Esse movimento faz o discurso ser o que é,
ao compreender que a essência, no caso da historicidade contemporânea, são as
relações de produção capitalistas.
Entretanto, a compreensão dos efeitos de sentido produzidos no funcionamento
do discurso publicitário a ser analisado requer a identificação dos discursos que se
articulam no interior de uma formação discursiva e ainda do processo de interpela-
ção dos sujeitos pela ideologia. Isso porque, segundo Silva Sobrinho (2011, p. 27) “é
das contradições sócio-históricas que brota a natureza conservadora e/ou revolu-
cionária/transformadora de todo discurso”. E complementa:

[...] No caso da sociabilidade capitalista, suas contradições são fun-


dadas na propriedade privada, na divisão social e técnica do trabalho, na ex-
ploração dos homens pelos homens, na lógica fetichista da mercadoria que
visa à reprodução do capital. É essa base material, em seus aspectos e me-
diações contraditórias, que gera e sustenta as classes sociais da conjuntu-
ra histórica atual e suas posições antagônicas em lutas (visíveis ou não) no
complexo contraditório-desigual-subordinado das relações sociais de produ-
ção. (SILVA SOBRINHO; 2011, p. 27).

158 | MEDIA&JORNALISMO
Nesse sentido, como o discurso publicitário da marca Hyundai está inserido e é
determinado pelas relações de classe geradas pela lógica capitalista, é fundamental
tratar do mercado, especificamente o automobilístico brasileiro, visto que as exigên-
cias do consumo determinam o que o mercado produzirá. Além do fato de que um
dos princípios do processo de reestruturação do capitalismo é o da transferência do
poder centrado no Estado para o mercado (AMARAL, 2005).

A sociedade de consumo e formação discursiva de mercado

Ao delinear a História do Brasil na fase inicial da indústria automobilística na-


cional, Fausto (2007) afirma que é do governo Juscelino Kubitschek (JK), entre
1956 e 1961, a definição da política econômica nacional-desenvolvimentista, que
estava integrada ao Programa de Metas. Essa política econômica tratava de com-
binar o Estado, a empresa privada nacional e o capital estrangeiro para promover
o desenvolvimento com ênfase na industrialização, ou seja, na política de substi-
tuição de importações.
Para efetivar essa medida, o governo autorizava as empresas a importar equipa-
mentos estrangeiros sem cobertura cambial.

As diretrizes para uma efetiva implantação da indústria partiram do


Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), criado por um decreto
de Juscelino. O GEIA propôs que se incentivasse a produção de automóveis
e caminhões, com capitais privados especialmente estrangeiros. Estes foram
atraídos para o Brasil graças às facilidades concedidas pela Instrução 113 e
outras, e graças também às potencialidades do mercado brasileiro. As gran-
des empresas multinacionais, como a Willys Overland, a Ford, a Volkswagen
e a General Motors, concentraram-se no ABC paulista, mudando completa-
mente a fisionomia daquela região. Entre outras consequências, a indústria
automobilística passou a concentrar operários em proporções inéditas no
país. (FAUSTO, 2007, p. 428).

Se por um lado a instalação da indústria automobilística no Brasil representou


um inegável êxito em relação aos termos numéricos e de organização empresarial,
por outro lado ela se enquadrou no propósito de se criar uma “civilização do automó-
vel”. E isso acontece em detrimento da ampliação de meios de transporte coletivo
para a grande massa, tornando o país dependente da extensão e conservação das
rodovias e do uso dos derivados do petróleo na área de transportes.
Diante desse contexto nacional, de aumento da força de trabalho na indústria
automobilística (dominante) sem o benefício do transporte por parte dessa massa
de operários (dominados), recorremos a Marx (2013) que pontua sobre a produção
e circulação de mercadorias. De acordo com o autor, o comércio forma os pressu-
postos históricos a partir dos quais o capital emerge.
No entanto, para que o possuidor do dinheiro encontre, no mercado, a força de
trabalho como mercadoria, é preciso que essa força de trabalho seja colocada à ven-
da, ou seja, seja vendida pelo próprio possuidor. Há, entretanto, uma diferença entre

ARTIGOS | 159
o grau de exploração da força de trabalho de uma sociedade da escravatura para
a do trabalho assalariado: a forma como mais-trabalho1 é extraído do trabalhador.
Marx (2013) esclarece ainda sobre a influência que o aumento do capital exerce
sobre o destino da classe trabalhadora. Segundo ele (2013, p. 690-695), “a acumula-
ção do capital é, portanto, multiplicação do proletariado”. Este cuja força de trabalho
só é vendável “na medida em que conserva os meios de produção como capital, re-
produz seu próprio valor como capital e fornece uma fonte de capital adicional em
trabalho não pago” (MARX, 2013, p. 690-695).

A força de trabalho é comprada, aqui, não para satisfazer, mediante


seu serviço ou produto, às necessidades pessoais do comprador. O objetivo
perseguido por este último é a valorização de seu capital, a produção de mer-
cadorias que contenham mais trabalho do que ele paga, ou seja, que conte-
nham uma parcela de valor que nada custa ao comprador e que, ainda assim,
realiza-se mediante a venda de mercadorias. (MARX, 2013, p. 695).

Esses trabalhadores assalariados são aqueles “recém-libertados [que] só se con-


vertem em vendedores de si mesmos depois de lhe terem sido roubados todos os
seus meios de produção” (MARX, 2013, p.787). Essa expropriação do produtor a tra-
balhador assalariado aponta para as relações de produção, que são as formas como
os seres humanos desenvolvem suas relações de trabalho e distribuem no processo
de produção e reprodução da vida material.
Ratificamos que as relações de produção no sistema de produção capitalista
são determinadas pela luta de classes, que se expressam nos terrenos econômico,
ideológico e político. Elas designam o confronto entre o que se considera os opres-
sores (burguesia) e os oprimidos (operários) das classes antagônicas e existentes
no modo de produção capitalista.
Aclarados os conceitos acerca das relações de produção na sociedade de consu-
mo, apresentamos as contribuições de Amaral (2005) sobre a Formação Discursiva
do Mercado, objeto da análise a seguir. Segundo a autora, por se constituir em um
“sítio de significância”, como qualquer outra, esta formação discursiva pode

operar a articulação entre os diversos saberes já sedimentados, que


circulam na sociedade em prol da sua reprodução, e produzir saberes dife-
rentes, caracterizando “um novo saber”, que mobiliza essa sociedade para o
futuro, para a modernização. Esta formação discursiva representa assim a for-
mação ideológica capitalista da sociedade moderna. (AMARAL, 2005, p. 131).

Os questionamentos que levantamos para buscar o porquê da discursividade


em sua relação com a concretude histórica refletem sobre como o anúncio “Velos-
ter 2013. O máximo em segurança total” circulou produzindo um efeito de sentido de

1
A taxa de mais-valor (ou mais-trabalho, ou mais-produção) é a expressão exata do grau
de exploração da força de trabalho pelo capital ou do trabalhador pelo capitalista. Ou seja, é
a diferença entre o valor final da mercadoria produzida e a soma do valor dos meios de pro-
dução e do valor do trabalho, que seria a base do lucro no sistema capitalista (MARX, 2013).

160 | MEDIA&JORNALISMO
medo por meio de uma mensagem amparada na estratégia discursiva da superstição.
Quais bases ideológico-discursivas constituem esses dizeres e como ele ressignifica
a posição do sujeito (anunciante) no discurso e dos que foram afetados pelos dize-
res que se escusam de responsabilidade social para com os espectadores? Essas
questões serão elucidadas na análise discursiva a seguir.

Análise discursiva: “Veloster 2013. O máximo em segurança total”

As condições determinantes da sociedade capitalista foram apresentadas ante-


riormente, bem como as suas contradições foram inseridas na realidade brasileira.
Neste momento da análise discursiva, especificamos as condições restritas de produ-
ção do anúncio “Veloster 2013. O máximo em segurança total”, do anunciante Caoa,
um grupo importador oficial de marcas de grande relevância no mercado automotivo
(no caso deste estudo, a Hyundai). A criação publicitária foi concebida pela agência de
publicidade Z+, situada em São Paulo e que pertence ao Grupo Havas (multinacional).
O produto vendido no anúncio é o veículo Veloster (modelo 2013) da Hynduai. Ele
é descrito pela empresa automobilística como “um esportivo ágil, com visual excên-
trico e porta oculta traseira”, à venda (no período de lançamento, em 2012) pelo valor
inicial de R$ 88.300,002. Atualmente (2018), o mesmo modelo (2012-2013) custa R$
49.851,00. Essa distorção de valores representa a fluidez e a efemeridade prevalente
no sistema capitalista, que passa não só a reger a produção de bens como também a
influenciar os valores das mercadorias. Inclusive, a motivar a necessidade do consumo,
levando a antecipar o lançamento de um modelo 2013 (neste caso) já no ano anterior.
O modelo em questão, o Veloster, foi lançado em 10 de janeiro de 2011 no salão
do automóvel de Detroit (maior feira de carros dos Estados Unidos). Teve o início das
vendas no segundo semestre de 2011, mesmo ano em que a Hyundai ergueu a sua
fábrica no Brasil, em Piracicaba (SP). Esta é a sétima fábrica da marca fora da Co-
reia do Sul e a décima no mundo, recebendo investimento de US$ 600 milhões para
a construção da nova unidade. De acordo com portal da marca no Brasil,

[...] o projeto do Pólo Automotivo de Piracicaba pretende gerar 5 mil


empregos diretos, sendo que 2 mil deles serão na Hyundai e os outros 3 mil
em seus fornecedores. No total, serão cerca de 20 mil empregos indiretos.
[...] A Hyundai iniciou oficialmente suas obras no Brasil em 25 de fevereiro de
2011. Ocupando uma área total de 1.390.00m² e 69.000m² construídos, a
montadora desenvolve atividades de estamparia, carroceria, pintura e mon-
tagem final dos veículos. A capacidade de produção da fábrica é de 150 mil
carros por ano, todos dedicados ao mercado nacional. (SOBRE A HYUNDAI
MOTOR BRASIL, 2015).

O investimento na filial brasileira da Hyundai refletiu também no orçamento desti-


nado à mídia. No ano de 2011, quando foi construída a fábrica em Piracicaba e lançado
o modelo Veloster, a agência Z+, detentora da conta dessa indústria automobilística,

2
Valor estimado de acordo com a tabela FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

ARTIGOS | 161
fechou o ano na 13ª posição do IBOPE Monitor3, que analisa o investimento publici-
tário nos principais meios de comunicação. No caso da materialidade discursiva em
análise, o anúncio circulou na mídia imprensa nacional. Neste artigo, apresenta-se,
mais especificamente, a peça veiculada no dia 30 de maio de 2012, na revista Veja4.
Nesse processo de análise, é importante frisar os dizeres de Carrascoza (1999),
que esclarece a relação entre o código linguístico (título, texto, slogan) e o código
visual (morfológico, cromático, fotográfico e tipográfico): a peça publicitária veicula-
da em mídia escrita resulta em reforços persuasivos. Reforços esses que se valem
fundamentalmente da retórica e das conceituações linguísticas por meio das quais
se origina o diferencial da redação publicitária.
No plano descritivo do anúncio, identificamos na primeira parte da peça publi-
citária tons escuros representando o código visual. A relação cromática de clarida-
de se dá apenas no interior do veículo que, junto aos dizeres “o lugar mais seguro
no trânsito: o interior do Veloster” (código linguístico em tom de amarelo), passa
o sentido de uma segurança a ser conquistada pelo caminho indicativo da lumi-
nosidade. Essa parte do anúncio traz também dados técnicos que garantem a in-
formação de segurança, apesar de a comunicação ser apresentada numa fonte
menos chamativa.
O texto técnico informa “segurança total comprovada no crash test5 mais exigente
do mundo”, mas não esclarece o que significa o “crash test”, acrescentando apenas
a informação de “5 estrelas” com fonte menor e em tonalidade branca. É questiona-
dor que a marca (Hyundai) surge no canto superior direito, diferentemente do que é
comum nos anúncios, que colocam a marca do anunciante no canto inferior direito
com o objetivo de concluir o plano de leitura com a lembrança da marca.
Agora no plano interpretativo, é possível apontar que tanto a ausência de expli-
cação sobre “crash test” quanto o posicionamento da marca no anúncio represen-
tam, respectivamente, um status silenciado. Ou seja, o anúncio é direcionado a um
público específico, que já conhece sobre o assunto (os cidadãos de primeira cate-
goria, a classe alta) e, por isso, a opção de não explicar o significado do termo escri-
to em inglês. Assim como o posicionamento de superioridade da marca (Hyundai),
diferente do local onde geralmente os logotipos de anunciantes surgem no anúncio.
No plano descritivo da segunda parte do anúncio, onde temos uma publicidade
em página dupla, os tons continuam escuros e a luminosidade agora é destinada
à parte externa do veículo. A marca se mantém no mesmo posicionamento, assim
como se repetem a posição e informação técnica sobre o “crash test”. Dessa vez, a
sentença que chama a atenção na página é “A Hyundai adverte: carros mais baratos
podem colocar em risco sua segurança e a da sua família”.
Para compreender o enunciado acima, antes é preciso entender como se dá o
processo criativo do texto publicitário. Conforme menciona Carrascoza (2004), é pre-

3
A empresa de pesquisa IBOPE apresenta os valores que reportam o Investimento Publi-
citário dos anunciantes atendidos pelas respectivas agências.
4
VELOSTER 2013. O MÁXIMO EM SEGURANÇA TOTAL. In: Revista Veja, São Paulo, edição
2271, ano 45, nº 22, págs. 27-29, 30 de maio de 2012.
5
Crash test é um teste de colisão realizado pelo Programa de Avaliação de Carros Novos
da Europa (Euro NCAP), entidade responsável por avaliar a segurança dos veículos.

162 | MEDIA&JORNALISMO
ponderante entre as várias configurações de redação na publicidade, as terminolo-
gias adotadas por Nietzsche: apolíneo, que apresenta um viés racional; ou dionisíaco,
que se apoia na emoção ou no humor.

A trama do texto publicitário apolíneo assemelha-se à do gênero do


discurso deliberativo, na classificação de Aristóteles em sua Arte retórica, cuja
função é aconselhar ou desaconselhar sobre uma questão de interesse par-
ticular ou geral [...] e o demonstrativo [modelo dionisíaco] abrange o elogio e
a censura. (CARRASCOZA, 2004, p. 39).

Entre as variantes que se apoiam na racionalidade ou sensibilidade para conven-


cer, persuadir, informar e seduzir o consumidor, o anúncio em questão se utiliza tan-
to de argumentos lógicos e objetivos, quanto de uma persuasão que leva à recom-
pensa ou punição a depender da escolha do consumidor. Sobre essa última forma
de construção linguística, que apresenta o elemento condicionante “se” implícito no
texto, a exemplo do que foi enunciado “(se) você comprar carros mais baratos, (vai)
colocar em risco sua segurança e a da sua família”, temos a presença de um discur-
so de medo que tem como base a estrutura narrativa da superstição.
O medo, por sua vez, é o elemento que sustenta o comportamento supersticioso,
como defende Espinosa (apud CHAUÍ, 2015). Ele justifica que por causa do medo de
perder dinheiro, poder e prazer, o supersticioso não pensa, delira, oscilando entre a
esperança da recompensa e o medo da punição. Esse elemento condicionante “se”
é identificado tanto no pensamento do supersticioso como também no comporta-
mento do consumidor, visto que, ao se deparar com o ato de escolha (a busca pelo
prazer ou a fuga do desprazer), ambos apresentam respostas a uma necessidade
de segurança de caráter defensivo.
Essas escolhas são motivadas com base nos desejos e imagens sentimentais
presentes numa crença, numa promessa de satisfação, e não em leis lógicas. E, na
busca pela necessidade de certeza representada pela fuga dos estados de incerte-
za, tanto o supersticioso é facilmente manipulado, bem como é persuadido o consu-
midor. No entanto, em razão de a superstição influenciar os hábitos cotidianos por
meio da linguagem persuasiva direcionada ao consumidor e por essa intuição com-
preensiva da realidade funcionar há séculos e de modo eficaz, a legislação conside-
ra como publicidade abusiva a que explora o medo ou a superstição, como dispõe o
Código de Defesa do Consumidor, no artigo 37, § 2º:

É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer na-


tureza, a que incite a violência, explore o medo ou a superstição, se aprovei-
te da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores
ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de
forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (Código de Defesa
do Consumidor, Lei 8078/90).

A legislação se configura, portanto, como a formação discursiva, aquela “que re-


gula o que o sujeito pode e deve dizer e, também, o que não pode e não deve ser dito”
(COURTINE apud FERREIRA, 2005, p. 15). Assim como se posiciona também o Con-

ARTIGOS | 163
selho Nacional de Regulamentação Publicitária (Conar)6 sobre o assunto, ao impedir
que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a
empresas, além de defender a liberdade de expressão comercial. Assim, a formação
discursiva é aquilo que, numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de
classes, determina o que pode e deve ser dito (PÊCHEUX, 1988).
Diante desse contexto, dois meses após a veiculação do anúncio da Hyundai na
mídia impressa, a decisão do Conar foi a de alteração da peça publicitária devido
ao questionamento do consumidor sobre a responsabilidade social da marca. Isso
porque, “no entender do consumidor paulistano, [o anúncio] encerra menosprezo
à condição de quem só pode adquirir carros de menor preço” (CONAR, 2015). Vale
ressaltar que o conflito de interesses (indústria automobilística versus cidadão-con-
sumidor com baixo poder aquisitivo) representa as relações existentes no modo de
produção capitalista.
O posicionamento do anunciante e sua respectiva agência foi o de negação da
motivação da denúncia. Eles informaram que “a peça publicitária reproduz resultados
de testes internacionais de itens de segurança automotiva, destacando os bons resul-
tados alcançados pelo Veloster” (CONAR, 2015). Mas, quando a marca enuncia “se-
gurança” na formulação do discurso (intradiscurso), percebemos a presença de uma
ameaça e de uma imposição que gera medo e produz sentido (interdiscurso) a partir
da relação da língua (o dito) com o posicionamento ideológico do capital (o não-dito).
Identificamos, então, que as posições-sujeito em análise (marca Hyundai - con-
sumidor) são as mesmas das relações de produção entre capitalistas e trabalhado-
res. E mais: da mesma forma que o consumidor é incitado a consumir pelo medo
de perder seus bens de fortuna, também a marca produz um discurso de medo pelo
mesmo motivo: temor de perder poder, dinheiro e prazer diante da crise econômica
do sistema capitalista.
Uma das saídas em relação à crise é apresentada no anúncio por meio dos dizeres
“Redução do IPI. Antecipando-se às medidas oficias, os juros já caíram na Hyundai”.
Esse discurso remete à produção de sentido oriunda da análise histórica da indústria
automobilística e à relação de intervenção do Estado para o apoio do empresário em
sua comercialização. Isso porque, no mesmo ano do anúncio, “as medidas do gover-
no para preservar o setor deram certo. A principal foi a volta do desconto do Imposto
sobre Produtos Industrializados”7, conforme noticiado pelo portal G1 (MIOTO, 2015).
A era da liquidez explanada por Bauman (2008) assim como a falta como cau-
sa do desejo apontada por Lacan (2005) são elementos presentes na sociedade de
consumo. O anúncio analisado é um exemplo dessa necessidade de antecipar o
desejo incessante pelo objeto anunciado. Isso acontece quando a marca Hyundai
se apresenta, num anúncio que circulou em 2012, já como patrocinadora oficial da

6
O Conar não exerce censura prévia sobre peças publicitárias, já que se ocupa somente do
que está sendo ou foi veiculado. Quando comprovada a procedência de uma denúncia, é sua
responsabilidade recomendar alteração ou suspender a veiculação do anúncio.
7
Ainda conforme notícia publicada no G1, a medida foi determinada no fim de maio, quan-
do os estoques de carros nos pátios de lojas atingiram altos níveis. Como resultado, a indústria
automobilística fechou 2012 com mais um recorde de vendas: 3.801,859 veículos emplacados,
um crescimento de 4,6% sobre 2011. Os dados são da Federação Nacional da Distribuição de
Veículos Automotores – Fenabrave.

164 | MEDIA&JORNALISMO
Copa do Mundo FIFA 2014. Essa associação criada pela marca gera expectativa de
um episódio futuro, da mesma forma que o lançamento de um carro modelo 2013
acontece no mês de maio do ano anterior também apresenta uma antecipação do
desejo, o que evidencia a efemeridade desse desejo na atual sociedade capitalista.

Considerações finais

O medo está presente e, mesmo que indiretamente, consegue influenciar o mun-


do social, inclusive nas suas formas de consumo. Uma das grandes consequências
dessa reorganização proposta pela prática do consumo é, segundo Martins e Pal-
ma (2015), a demarcação de uma nova via de segregação social: quem pode pagar,
assume um lugar de maior conforto face à insegurança; aqueles que não possuem
o mesmo poder de consumo, sentem-se mais expostos.
Segundo Bauman (2008), com o advento do consumismo gerado pelo modo de
produção capitalista, a coerção, os padrões de conduta, o policiamento do compor-
tamento e a regulação normativa – pensados para controlar a liberdade individual,
foram substituídos, respectivamente, pela estimulação, sedução, publicidade e rela-
ções públicas e incitação de novos desejos e necessidades. Afinal, “os tempos são
líquidos porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser sóli-
do”, respondeu o sociólogo Bauman, em entrevista ao portal Isto é (PRADO, 2015).  
Assim, com base na proposição de que a superstição surgiu para civilizar a so-
ciedade, entendemos que o discurso publicitário que se utiliza da estrutura narrativa
da superstição para gerar medo almeja civilizar o consumidor, no sentido de condi-
cionar seu comportamento para o consumo determinado a partir da ameaça. Nes-
se sentido, para desvelar os efeitos de sentido do discurso publicitário que incita o
medo e a superstição, fez-se necessário atentar para a língua, a história e a ideologia,
para que o discurso publicitário passasse a fazer sentido, da aparência (fenômeno)
à essência (totalidade).
Vale ressaltar também que esse entendimento funciona por meio do estudo que
alia o conhecimento da e sobre a linguagem com o sujeito que a pratica, a história, a
ideologia e a sociedade. Isso porque o saber sobre o funcionamento da linguagem é
decisivo para a compreensão de qualquer objeto das ciências humanas e sociais. Por
essa razão, a disciplina Análise do Discurso (AD) foi o caminho apresentado por este
artigo para caracterizar, pela observação do funcionamento da linguagem em sua rela-
ção com a exterioridade, e compreender diferentes formas de discurso, em seu modo
de existência na sociedade, e a maneira pela qual um objeto simbólico produz sentidos.
Portanto, a análise discursiva se prefigura neste estudo como uma ferramenta efi-
caz, que contribui no entendimento de como o processo comunicacional em apreço
funciona: os processos discursivos da redução dos problemas e a imposição de uma
normalidade de comportamento são os mecanismos de maior conteúdo ideológico
da publicidade. A perspectiva da AD oferece um mapa lógico para o entendimento
do objeto desta pesquisa: as questões éticas e legais da publicidade e os efeitos de
sentido do discurso publicitário que incita o medo e a superstição. Isso porque ao
vincular as relações e sentimentos a mercadorias, a publicidade estabelece os limi-
tes de tais relações e sentimentos, cerceando a espontaneidade.

ARTIGOS | 165
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Uma
versão preliminar do texto foi apresentada no XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciên-
cias da Comunicação, no Rio de Janeiro, Brasil, em setembro de 2015.

Bibliografia

Amaral, M. V.(2005). Discurso e relações de trabalho. Maceió: Edufal.


Bauman, Z (2008). Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar.
Carrascoza, J. A. (1999). A evolução do texto publicitário: a associação de palavras como ele-
mento de sedução (2. ed.) São Paulo: Futura.
_____. (2004). Razão e sensibilidade no texto publicitário. São Paulo: Futura.
Chasin, J. (1978). O integralismo de Plínio Salgado. São Paulo: Ciências Humanas.
Chauí, M. (2010). Baruch Espinosa: Uma subversão filosófica, o homem e a liberdade. Retrieved
from http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/baruch-espinosa/
Código de Defesa do Consumidor. Lei 8.078 de 11/09/90. Brasília, Diário Oficial da União, 1990.
Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Disponível em http://www.
conar.org.br/
Fausto, B. (2007). História do Brasil (12. ed.). São Paulo: EdUSP.
Ferreira, M. C. L. (2005). Glossário de Termos do Discurso. Porto Alegre: Instituto de Letras
UFRGS.
Ibope. Ranking de agências. Disponível em http://www.ibope.com.br/pt-br/conhecimento/Ta-
belasMidia/rankingdeagencias/Paginas/default.aspx
Lacan, J. (2005). O seminário, livro 10: a angústia. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Marx, K. (1983). Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes.
_____. (2013). O capital: crítica da economia política. Livro I, o processo de produção do capital.
São Paulo: Boitempo.
Magalhães, B. & Silva Sobrinho, H. (2014). “Erro” no apoio ao Golpe de 64: sujeitos enfrentam-
-se nesse acontecimento discursivo. Letras, 24(48), 177-192.
Miotto, R. (2013). Brasil fecha 2012 com novo recorde de vendas de veículos, diz Fenabrave.
Disponível em http://g1.globo.com/carros/noticia/2013/01/brasil-fecha-2012-com-novo-
-recorde-de-vendas-aponta-fenabrave.html
Orlandi, E. P. (1996). Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis:
Vozes.
_____. (2000). Análise de discurso: princípios e procedimentos. São Paulo: Pontes.
Pechêux, M. (1975). Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Unicamp.
_____. (1993). Análise Automática do Discurso. (ADD-1969).. In Gadet. F & Hak. T. (ed.),
Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux.
Campinas: Unicamp.
_____. (2002). O discurso: estrutura ou acontecimento (3.ed.). São Paulo: Pontes.
Pêcheux, M.; Fuchs, C. (2014). A propósito da análise automática do discurso: atualização e
perspectivas. In Gadet. F & Hak. T. (ed.), Por uma análise automática do discurso: uma in-
trodução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Unicamp.

166 | MEDIA&JORNALISMO
Prado, A. (2016). Zygmunt Bauman: “Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”. Disponível
em https://istoe.com.br/102755_VIVEMOS+TEMPOS+LIQUIDOS+NADA+E+PARA+DURAR+/
Silva Sobrinho, H. (2011). Análise do Discurso e a insuportável luta de classes na teoria e na
prática. In Tfouni, L. et al. (ed.), A Análise do Discurso e suas interfaces. São Carlos: Pedro
& João Editores.
Sobre a Hyundai Motor Brasil. Disponível em http://www.hyundai.com/br/pt/About­Us/local-
company/index.html

Notas biográficas

Danielle Cândido é Jornalista especializada em Comunicação Empresarial, Mestre e Dou-


toranda em Linguística, na vertente Análise do Discurso, pelo Programa de Pós-Graduação em
Letras e Linguística – Universidade Federal de Alagoas. Desenvolve atualmente uma investiga-
ção sobre o discurso do medo na era da ansiedade. Tem como áreas de pesquisa a Análise do
Discurso, os estudos da Comunicação e Consumo, e a história das Emoções – sobretudo no
ambiente digital. É docente no Centro Universitário Tiradentes, em Maceió/AL. Possui 10 anos
de experiência profissional em Marketing e Comunicação, tendo contribuído em empresas de
diferentes mercados, assumindo variadas funções ao longo do tempo.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/0364352087622268
Email: [email protected]
Morada: Centro Universitário Tiradentes.  Avenida Comendador Gustavo Paiva, 5017 Cruz
das Almas 57038000 - Maceió, AL - Brasil

Maria Virgínia Borges Amaral é doutorada em Letras e Linguística pela Universidade Fede-
ral de Alagoas (1999). Atualmente é professora Titular da Universidade Federal de Alagoas. É
Coordenadora de Programas de Pós-Graduação - CPG - Pró-Reitoria de Pós-Graduação - PRO-
PEP, na atual gestão da UFAL. Ministra aulas nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em
Serviço Social e em Letras e Linguística. Possui livros e artigos publicados, discutindo, prin-
cipalmente, os seguintes temas: serviço social, análise do discurso, trabalho, direitos sociais,
ideologia e história.

Lattes:  http://lattes.cnpq.br/4082641028014994
Email: [email protected]
Morada: CEP 57083-410 Maceió – AL – Brasil

* Submetido: 2018.06.29
* Aceite: 2018.12.15

ARTIGOS | 167
(Página deixada propositadamente em branco)
A publicidade no Brasil: identidades profissionais e
organização do trabalho nas agências
Advertising in Brazil: professional identities and work
organization in the agencies
La publicidad en Brasil: identidades profesionales y
organización del trabajo en las agencias

Everardo Rocha
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Bruna Aucar
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_12

Resumo
Este trabalho pretende realizar uma interpretação do mundo da publicidade e
das identidades profissionais nele negociadas através da teoria da ação coletiva de
Howard Becker. O objetivo é pensar as várias funções e denominações corporativas
elaboradas dentro de uma agência de propaganda no Brasil. Os elos cooperativos e
redes de convenções estabelecidos no campo foram determinantes para o reconhe-
cimento da profissão e para a materialização desse tipo específico de comunicação.
Atores sociais e suas ações são partes determinantes da produção do conhecimento
e da construção das identidades em um determinado sistema social. Neste sentido,
é possível entender o discurso que a publicidade deposita na cultura, analisando o
resultado da ação conjunta e coordenada de identidades profissionais cuja colabo-
ração é necessária para que o trabalho se realize.

Palavras-Chave
publicidade; agências brasileiras; identidades profissionais; ação coletiva; Ho-
ward Becker

Abstract
This paper intends to make an interpretation of the world of advertising and pro-
fessional identities it traded through the theory of collective action of Howard Becker.
The objective is to think about the various functions and corporate denominations
elaborated within an advertising agency in Brazil. The cooperative ties and conven-
tions networks established in the field were decisive for the recognition of the profes-
sion and for the materialization of this specific type of communication. Social actors
and their actions are crucial parts of the production of knowledge and the construc-
tion of cultural identities in a particular social system. It is possible to understand

ARTIGOS | 169
the speech that advertising deposited in the culture, analyzing the result of joint and
coordinated action of professional identities whose assistance is necessary so that
the work is done.

Keywords
advertising; Brazilian agencies; professional identities; collective action; Howard
Becker

Resumen
Este trabajo pretende realizar una interpretación del mundo de la publicidad y de
sus identidades profesionales a través de la teoría de la acción colectiva de Howard
Becker. La meta es pensar las diversas funciones y denominaciones corporativas ela-
boradas dentro de una agencia de propaganda en Brasil. Los enlaces cooperativos y
redes de convenciones establecidos en el campo fueron determinantes para el recono-
cimiento de la profesión y para la materialización de ese tipo específico de comunica-
ción. Los actores sociales y sus acciones son partes determinantes de la producción
del conocimiento y de la construcción de las identidades culturales en un determina-
do sistema social. En este sentido, es posible entender el discurso que la publicidad
deposita en la cultura, analizando el resultado de la acción conjunta y coordinada de
identidades profesionales cuya colaboración es necesaria para que el trabajo se realice.

Palabras clave
publicidad; las agencias brasileñas; identidades profesionales; acción colectiva;
Howard Becker

Introdução

Para expressar seu ponto de vista sobre o mundo artístico, Howard Becker (1977)
recorreu a uma tradição sociológica que sustenta que o conhecimento e os produtos
culturais possuem um caráter social ou uma base social (Simmel, 2002; Park, 1950,
1952, 1955; Blumer, 1966). A arte é analisada como um fenômeno revelador de uma
determinada sociedade e momento histórico.
O maior expoente vivo da Escola de Chicago é um autor bastante estudado nas
ciências sociais, especialmente citado nos trabalhos voltados para estudos urbanos
e temáticas que dialogam com o interacionismo, análise do indivíduo e da sociedade
de forma ampla. A ideia de ação coletiva – doing things together – é central para a
compreensão da obra de Becker, seja nos textos sobre desvios, seja nos textos so-
bre arte. Sua perspectiva destaca rituais e estratégias de interação como preciosos
elementos para a compreensão de processos envolvidos na construção dos imagi-
nários culturais (Becker, 2013).
A abordagem interacionista de Howard Becker (1977, 1977a) pode ser aplicada
para uma interpretação do mundo da publicidade. Assim como a arte, as condições
de existência da narrativa publicitária são resultado e expressão de tipos de intera-
ção social e ação coletiva que se materializam dentro do ambiente das agências de

170 | MEDIA&JORNALISMO
propaganda. Ou seja, é possível compreender o discurso que a publicidade deposita
na cultura ponderando o resultado da ação conjugada de identidades cuja colabora-
ção é necessária para que o trabalho seja realizado de determinada forma. Seguin-
do a teoria de Becker (1977), podemos dizer que um “mundo” se define a partir da
totalidade de identidades e organizações que produzem determinadas ações neces-
sárias para a existência de acontecimentos e produtos específicos e próprios de tal
“mundo”. Seja qual for o objeto da produção, qualquer universo pode ser demarcado
pelo conjunto de sujeitos que realizam atividades correlacionadas para esta produ-
ção aparecer. “Toda atividade é o trabalho de alguém. Isso quer dizer que para com-
preender uma atividade, qualquer que seja, é necessário pesquisar junto às pessoas
para quem aquela atividade é um trabalho” (Becker, 2013, p.132). Atores sociais e
suas ações são parte determinante do conhecimento e da construção de identida-
des dos sistemas de organização culturais. São as atividades coletivas humanas que
criam os produtos sociais e as marcações identitárias, bem como as estruturas que
proporcionam os sistemas de criação destes produtos e identidades.
Desta maneira, o mundo da publicidade pode ser pensado a partir do grupo de
pessoas e instituições que produzem os acontecimentos e objetos definidos por eles
próprios como uma narrativa publicitária. Podemos entender a publicidade através da
articulação das identidades individuais projetadas dentro de uma agência de propa-
ganda, seus elos cooperativos, suas redes de convenções para a materialização desse
tipo de mensagem midiática. Além dessa conjuntura intrínseca da publicidade, tam-
bém é possível considerar, de forma mais ampla, a publicidade como uma atividade
definidora de nosso mundo social, uma vez que ela produz um tipo de acontecimen-
to – o anúncio – que só é possível no contexto capitalista moderno-contemporâneo
e através dele consegue transformar a realidade cultural e subjetiva dos sujeitos.

Publicidade como ação coletiva

Grande parte da bibliografia sociológica faz referência aos sistemas sociais,


apontando correspondências que não incluem a análise das ações dos sujeitos que
formam as organizações ou sistemas. Becker destaca justamente a participação
dos atores sociais e o encadeamento de todas as atividades para que um sistema
apareça. “As ações coletivas e os acontecimentos que elas produzem são as unida-
des básicas de investigação sociológica” (Becker, 1977, p. 222). A organização social
se fundamenta no modo como as pessoas atuam em conjunto para produzir uma
abundância de eventos diferentes de maneira cíclica. Ao pensar o mundo artístico,
o autor vai elencar todas as atividades que devem ser realizadas para que uma obra
de arte qualquer exista no plano social:

Para que uma orquestra sinfônica dê um concerto, por exemplo, instru-


mentos precisaram ser inventados, fabricados e conservados, uma notação
precisou ser planejada e a música composta utilizando-se aquela notação, as
pessoas devem ter aprendido a tocar aquelas notas nos instrumentos, horas
e locais para apresentações precisaram ser providenciados, anúncios para o
concerto foram colocados, publicidade preparada e entradas vendidas e uma

ARTIGOS | 171
plateia capaz de ouvir e de alguma maneira entender e responder à apresen-
tação precisou ser recrutada. (Becker, 1977, p. 206)

Um repertório de atividades semelhantes e cadeias de correspondências tam-


bém pode ser aplicada para explicar o aparecimento de um anúncio na esfera so-
cial. Para que uma narrativa publicitária se torne um discurso persuasivo, capaz de
vender não apenas produtos e serviços, mas também valores e ideologias que mo-
difiquem a sociedade como um todo (Balonas, 2011), temos que ter profissionais
capazes de desenvolver ideias, textos e imagens para estas mensagens. Para isso,
esses profissionais tiveram que ser contratados, treinados e formados por agências
de publicidade, organizações que se especializaram no oficio de elaborar anúncios.
Agências tiveram que ser criadas por operadores que desejavam profissionalizar
o campo da publicidade. Neste ambiente profissional, identidades próprias foram
moldadas pouco a pouco de acordo com as convenções constituídas para o meio.
Além das identidades, departamentos tiveram que ser organizados e funções esta-
belecidas para que uma espécie de “cartilha” da produção de anúncios pudesse ser
definida para estes agentes produtores.
Também foi preciso que os consumidores dispusessem de condições de apreen-
são da mensagem publicitária e seus códigos narrativos. Logo, o campo publicitário
também precisou criar uma linguagem própria que permitisse a compreensão de
seus anúncios pela sociedade. Antes de tudo, entretanto, foi necessário ter o pro-
duto em si, em geral um artigo manufaturado por sistemas industriais que recebe a
marca de uma instituição ou empresa organizada em preceitos capitalistas. Para a
criação do anúncio, a corporação contratou a agência com o objetivo de impulsionar
não só as vendas, como também a influência cultural de seu produto. E, sobretudo,
um público consumidor capacitado para “de alguma maneira entender e responder”
a esses anúncios precisou ser recrutado.
Em termos gerais, estamos falando sobre atividades necessárias que interliga-
das formam uma rede de colaboração, baseada em divisões de trabalhos, para que
o acontecimento do anúncio se realize socialmente. Caracteristicamente, as ações
incluem a concepção da ideia para o anúncio, o desenvolvimento de artefatos físi-
cos para a sua realização, a formação de instituições que encadeadas dão forma às
leis e regras das transações e do mercado, o treinamento de profissionais que en-
tendam e aperfeiçoem o funcionamento estrutural interno das agências de publici-
dade, a elaboração de uma linguagem própria adequada aos fins de compreensão
de determinados interlocutores sociais, o adestramento de um público consumidor
que capte as mensagens e as traduza em forma de consumo, valores, ideologias.
As agências só se desenvolveram com a necessidade das sociedades industriais
em estabelecer uma comunicação que ultrapassasse os redutos locais de comercia-
lização de bens e serviços. A partir das primeiras décadas do século XX, as mensa-
gens publicitárias passaram a ser fundamentais no esforço de vendas e no processo
de aceleração, expansão, multiplicação de mercados e hegemonia cultural mundo
afora. Anúncios produzidos por agências e distribuídos em meios de comunicação
foram responsáveis por formar novos mercados consumidores e modos de compor-
tamento ajustados aos conteúdos publicitários e atento as novidades trazidas pelo
imaginário que esses mesmos meios promoviam. O alargamento da comunicação

172 | MEDIA&JORNALISMO
massiva foi determinante para o aparecimento das narrativas publicitárias. Foram
as plataformas de comunicação que passaram a levar as mensagens do campo da
publicidade para além dos limites até então conhecidos.
É preciso sublinhar que a publicidade, durante muito tempo, foi entendida como
uma atividade que pretende vender produtos, carregando até um sentido pejorativo
ligado apenas a propósitos capitalistas. No entanto, seria restritivo demais pensar
a mensagem publicitária somente por suas finalidades comerciais. Seu discurso
fascinante e sua força de persuasão chegam a alcances muito mais amplos, capa-
zes de transformar a realidade social. Como salienta Balonas (2011), a publicidade
é um meio de informação e sensibilização que envolve a sociedade como um todo,
incluindo questões ambientais e sociais das mais diversas, como poluição, violência
doméstica, racismo, entre outras. Atualmente, o debate em torno da responsabilida-
de social da publicidade é uma tendência que expõe o paradoxo da publicidade sem
fins lucrativos, destinada também a causa sociais (Balonas, 2011). Neste sentido, é
importante ponderar que a publicidade pode ser pensada de múltiplas maneiras e
suas narrativas, ao longo do tempo, só se fortaleceram como poderosos instrumen-
tos que traduzem e mediam as problemáticas travadas entre cidadãos e sociedades.
Para Becker (1977), todas as atividades que conhecemos envolvem circuitos ela-
borados de colaboração e uma divisão do trabalho. Dentro do processo de apareci-
mento, seja de uma representação seja de um artefato, existem muitos envolvidos nas
diferentes etapas do trabalho. É preciso uma cadeia de tarefas e um concatenamento
de atos propositivos para que a realização de algo seja efetivada. É claro que as vá-
rias ações podem eventualmente coincidir em uma mesma pessoa. Uma divisão de
atividades é resultado de uma definição consensual prévia da situação ou do campo.
No caso da narrativa publicitária, entendemos que os elos de cooperação pen-
sados por Becker (1977) para definir a constituição de determinado campo e sua
representação identitária estão aglutinados em torno da estrutura das agências de
propaganda. A agência vai reunir todas as premissas necessárias para a fabrica-
ção de mensagens públicas a respeito de produtos, serviços e questões sociais. O
aparecimento das agências organiza e demarca o campo profissional da publici-
dade. Bourdieu (1983) considera que são as instituições que tem o poder de fala
no social, acima da voz dos sujeitos particulares. Sendo assim, a legitimidade do
campo é a autorização outorgada pelos próprios agentes sociais em conjunto, é a
credibilidade dada ao setor para a construção e circulação de determinadas iden-
tidades na vida coletiva.
Embora o estudo se concentre na realidade brasileira, é importante destacar que
as disposições profissionais do país são derivadas do contexto da publicidade ameri-
cana. As primeiras agências de publicidade do mundo surgiram nos Estados Unidos,
França, Alemanha e Inglaterra em meados do século XIX. Estes países foram pioneiros
em instituir modelos de negócios padronizados e rotineiros que forneceram as bases
para as demarcações profissionais instituídas posteriormente em outras localidades
(Pincas e Loiseau, 2008). O padrão brasileiro foi claramente inspirado em diretrizes
norte-americanas. Com o advento da globalização, a partir das últimas décadas do
século XX, as agências passaram, cada vez mais, a interagir em âmbito internacio-
nal, aproximando seus rituais produtivos, nomenclaturas, inovações com o objeti-
vo de atender múltiplos mercados e alargar sua capacidade de influência cultural.

ARTIGOS | 173
As diferentes etapas que hoje envolvem divisões das agências no Brasil, como
criação, planejamento, produção e veiculação de campanhas foram cunhadas e insti-
tuídas sob inspiração dos modos operacionais já praticados nos mercados america-
nos. A primeira agência estruturada no Brasil foi a Eclética, em 1914 (Rabelo, 1956).
Posteriormente, o país também incorporou referenciais europeus, mas o modelo es-
trutural americano ainda é o principal protótipo das empresas brasileiras. Um estudo
interessante a ser desenvolvido seria a comparação dos moldes das agências bra-
sileiras com os da realidade portuguesa, incluindo traduções, a partir do inglês, das
funcionalidades e convenções profissionais das agências de comunicação.
A incorporação de normas profissionais, funções, regulamentos, associações
empresariais trouxe uma aparência de profissionalismo e reconhecimento para o
trabalho do publicitário no Brasil. Dentro do campo, as definições consensuais são
elaboradas pelos grupos de poder, são discursos dos dominantes que se põem
como práticas, instrumentos de ação de uns sobre outros com a composição de
diretrizes que o grupo deve seguir e acreditar. Uma vez instituídas, são como que
apagadas as relações de poder que as originaram no campo e a percepção domi-
nante que governa as práticas passa ser a de uma “naturalidade” ou a de uma “ló-
gica auto evidente” (Bourdieu, 1983).
Com a gerência de todos os processos relacionados à confecção de um anún-
cio integrada por agências de propaganda, um campo se constituiu e a publicidade
ganhou uma nova representação e importância na esfera social brasileira. A agência
instaurou uma rotina própria para a fabricação de anúncios, maneiras convencionais
de desempenhar atividades em que seus membros se dedicaram habitualmente por
meio de suas funções de competência, ou seja, os profissionais foram treinados para
realizar com facilidade e eficiência tudo que precisa ser feito. Antes das agências, os
pressupostos capazes de reger a atividade publicitária estavam dispersos e desorga-
nizados, o que embaraçava, e mesmo impedia, o reconhecimento do campo no país.

Representações culturais do publicitário no Brasil

A agência se torna a instância responsável por assessorar qualquer empresa ca-


pitalista em suas necessidades de divulgar a si mesma. Entre as atividades articula-
das que seus profissionais exercem estão a criação e execução de ideias para venda
de produtos, serviços ou a propagação de mensagens de impacto social, contato e
interposição de relações entre o cliente e o veículo de comunicação, coordenação
dos trabalhos de fornecedores e produtoras, avaliação de custos e despesas para
que o anúncio aconteça seja para a agência, seja para a empresa que a contratou,
seja para a mídia que o veiculou e ou para público ao qual atingiu.
Desde seu aparecimento no Brasil – em 1914 com a Eclética – a agência foi plane-
jada privilegiando o interacionismo na elaboração de anúncios. A construção de uma
identidade profissional própria para a função de publicitário fez com que a atividade,
marginalizada como um ofício menor ou até mesmo não percebida como tal, nas pri-
meiras décadas do século XX ganhasse, pouco a pouco, um campo e com ele status e
prestígio social no país. O depoimento do publicitário Francisco Gracioso à revista Pro-
paganda ilustra a dificuldade de percepção que a atividade carregava naquele tempo:

174 | MEDIA&JORNALISMO
Em 1937, quando a propaganda começou a lançar raízes mais pro-
fundas em nosso mundo comercial, as atividades publicitárias não deviam
ocupar mais de 200 pessoas em todo o Brasil. A propaganda era considera-
da uma atividade marginal, sem o status de profissão reconhecida, e aque-
les que tinham a coragem de se confessar publicitários (ou propagandistas,
como muitos insistiam em chamá-los) eram olhados com clara desconfian-
ça. As primeiras agências de propaganda dignas desse nome somente então
começavam a estruturar-se, nos padrões americanos. (Reis, 1990, p. 309)

Alguns mecanismos de legitimação foram acionados pelas agências brasileiras,


sobretudo a partir dos anos 1950, a fim de legitimar o campo e cultivar a “identidade
sofisticada” do publicitário perante a sociedade como um grupo sério, diferenciado,
hierarquicamente privilegiado. Entre eles estão a necessidade de curso superior, re-
quisito específico e elaborado para desempenhar funções de grande reconhecimento
do mercado, altos salários e padrão de vida, responsabilidade e função socioeconô-
mica da publicidade (Rocha, 1985). O jornalista Genival Rabelo descreve os hábitos
do diretor da agência Standard no início dos anos 1950 como um rico empresário
que possui carro do ano, cavalos de corrida, piscina em casa (Rabelo, 1956). O mo-
delo funciona como uma representação do publicitário, uma identidade que o grupo
buscou criar socialmente, e para a qual pouco importa sua efetiva realidade.
Para encadear as atividades do processo cooperativo de produção de anúncios,
as agências brasileiras criaram departamentos conectados e, ao mesmo tempo,
autônomos. Nomenclaturas próprias e incumbências particulares de cada setor
foram traçadas discriminatoriamente para trazer valoração e ordenação ao cam-
po, assim como estabelecer o aparelhamento da função de publicitário em cada
ambiente profissional.
O primeiro deles é o Atendimento, segmento responsável por fazer todo o conta-
to com o cliente. Seus integrantes atuam como gestores, responsáveis pela rentabi-
lidade da conta, já que concentram dados relativos a faturamento, custos e gastos
internos. O profissional de Atendimento é a porta de entrada na agência para novos
negócios, por isso acredita-se que devem ser comunicativos, simpáticos e bem ves-
tidos para impressionar os clientes, além de informados sobre as características do
negócio, tanto o próprio quanto o do virtual cliente, e os hábitos dos consumidores.
O nome atendimento é criticado no meio publicitário brasileiro por se confundir com
“atendente”, uma função que não exige os requisitos necessários da categoria. Nos
Estados Unidos, a função é denominadas de “Account Handler” ou “Account Mana-
ger”, que podemos traduzir por gerente de contas, nomenclatura que enfatiza um es-
tilo profissional, que o aproxima do imaginário, altamente prestigiado, dos “grandes
executivos” empresariais (Sant´anna, Rocha Junior e Garcia, 2009).
O setor de Planejamento é o que vai traçar planos de marketing, estratégias de
comunicação, avaliar caminhos para levar uma solução que resolva o problema
do cliente. Seus integrantes, geralmente chamados de Planners, fornecem ideias
para outras áreas, tendo um diálogo próximo com o setor de Criação. A partir de
análises do mercado e de pesquisas sobre o produto ou serviço e seu universo de
consumidores, o profissional procura desenvolver conteúdos que fundamentem os
anúncios, contribuam com a construção da marca e identifiquem oportunidades

ARTIGOS | 175
e ameaças que ajudem a posicionar a empresa. A imagem projetada se aproxima
de uma espécie de grande “pensador”, capaz de planejar ou “teorizar” todo o pro-
cesso (Sant´anna et al., 2009).
Na área de Mídia, os profissionais vão investigar as características de cada meio
para indicar o melhor veículo para a propagação de determinado anúncio, além de fa-
zer contato com os canais de comunicação para a compra de espaço ou tempo para
inserção ou transmissão dos anúncios. Estuda-se também a posição, formato, dis-
tribuição ou volume que a mensagem deverá ter. Com a complexidade e a fragmen-
tação dos meios de comunicação, exige-se que o profissional de mídia não apenas
proponha caminhos para que a mensagem chegue ao público-alvo, mas que tenha
um conhecimento específico e profundo das diversas plataformas comunicativas.
Esse lugar é identificado como eminentemente “exato” e “técnico”, no limite, se apro-
ximando da imagem de um “cientista”.
A Criação é o departamento mais prestigiado, tido como a alma da agência.
Não por acaso, são comuns as referências dos publicitários aos poetas, escritores
e artistas que fizeram anúncios antes das agências existirem. O setor exerce muito
fascínio entre aqueles que almejam alcançar estes desejados e concorridos postos.
Os “criadores” das agências são responsáveis pelas ideias, transformadas em textos
e imagens, que serão utilizadas nas campanhas, tem a missão de despertar desejos
de compra, fortalecer marcas em relação aos competidores e edificar uma imagem
pública favorável. A partir dos anos 1970, no Brasil, foi comum termos duplas de
criação atuando neste setor, sendo um diretor de arte e um redator que trabalham
em parceria para achar soluções para os anúncios. O diretor de criação coordena
todas as campanhas e profissionais deste departamento. Um “artista criador” é a
idealização dominantemente desejada no imaginário em torno das funções típicas
deste departamento. Temos ainda o revisor, responsável pela checagem e avalia-
ção de todo material textual, o arte-finalista, que vai fiscalizar as peças finais antes
do envio para gráficas ou produtoras de vídeo. E o produtor gráfico, aquele que in-
termedia o Departamento de Criação com os de Atendimento, Mídia e fornecedores
(Sant´anna et al., 2009).
Atendimento, Planejamento, Mídia e Criação são as quatro grandes divisões den-
tro das agências de publicidade, no entanto, existem outras funções complementa-
res, como produção gráfica, fotografia, pesquisa, tráfego e gerenciamento de proje-
tos. Cada uma destas ramificações aglutina profissionais que concebem o trabalho,
o executam, fornecem equipamentos e materiais e ordena os canais de divulgação
para o público que vai consumir a mensagem. Juntos, esses setores formam uma
rede cooperativa determinante para o evento do anúncio (Sant´anna et al., 2009).
O ambiente das agências também é composto de modo que o trabalho em equi-
pe seja destacado como uma marca imediata daquela identidade profissional. Não
à toa, os anúncios – se e quando assinados – o são, não por indivíduos, mas com o
nome da agência. Em geral, poucas paredes dividem os espaços arquitetônicos dos
escritórios brasileiros. Funcionários se acomodam em torno de mesas interligadas,
dispostas em um grande salão comum. As salas dos diretores, executivos ou donos
das agências ficam localizadas no entorno deste escritório coletivo, separadas por
estruturas de vidro e portas, que costumam ficar abertas. Esta diferenciação espa-
cial demarca territorialmente as hierarquias e graus de poder. No entanto, a comuni-

176 | MEDIA&JORNALISMO
cação entre os diferentes setores é facilitada pela disposição fluida dos elementos
arquitetônicos que permitem a circulação dinâmica dos conteúdos e trocas de todas
as partes envolvidas na produção de um anúncio. Cores fortes e adornos modernos
são sempre incorporados à decoração, além de sofás e pufes que proporcionem
conforto para a geração de ideias e também diferenciem a agência de um escritó-
rio convencional. Cartazes ou quadros com algumas propagandas de sucesso da
organização costumam ser expostos nas paredes desde o hall de entrada. No con-
junto, a imagem projetada é a de um ambiente contemporâneo, de ideias arejadas,
mentalidade ousada e práticas integradas.
A interligação entre setores confere e reforça o espírito de ação coletiva, estimu-
lando a edificação de identidades em torno de valores que prezam as convenções
partilhadas pelo campo da publicidade. O interacionismo também aguça um sen-
so de pertencimento àquele empreendimento e reforça o efeito de recompensa que
cada agente sente por ter contribuído de alguma forma para o produto final. A troca
dependente entre as partes produz um sentido comum do valor daquilo que é pro-
duzido coletivamente (Becker, 1977a).
Nestes termos, podemos observar dentro das agências aquele tipo de profissio-
nal que Becker (1977a) classificou como integrado. Os profissionais integrados são
aqueles que produzem rigorosamente de acordo com as convenções vigentes na-
quele mundo. As agências organizaram as identidades e ações do mundo da publi-
cidade, elas requisitaram todos os materiais, instrumentos e condições de difusão
para que anúncios pudessem ser produzidos e posteriormente veiculados, bem como
condicionaram a elaboração do mesmo em torno de preceitos exclusivos e acaba-
dos. O profissional integrado é aquele que vai se encaixar nesta estrutura montada
para a produção publicitária. Ele não vai usar recursos próprios ou optar por saídas
distantes dos elementos disponibilizados em seu mundo. Assim, os integrados re-
forçam as convenções que legitimam o campo conseguindo atingir um público que
entende, aprecia e consome suas narrativas. São profissionais que conhecem, se
adaptam e usam as convenções e atividades padronizadas que regulam o funcio-
namento de seu mundo. A forma satisfatória com que desempenham seu trabalho
reflete em todos os aspectos da produção, desde o emprego de materiais, formas,
conteúdos, apresentação, tamanho e financiamento de um projeto. O fato dos inte-
grados se conformarem às convenções faz com que os anúncios sejam produzidos
de forma mais rápida e fácil, o que não quer dizer que as dificuldades não existam,
apenas que as convenções foram pensadas tentando minimizá-las ao máximo (Be-
cker, 1977a). A existência de uma rotina não significa necessariamente que não haja
variações, mas a cadeia imposta na estrutura como um todo privilegia muitas vezes
a quantidade. Assim, o aprimoramento das convenções é incorporado lentamente
sempre que não prejudicarem o ordenamento da produção sucessiva.
As convenções em geral ditam os direitos e obrigações de cada parte. São os
termos pelos quais as identidades e as redes de cooperação serão estabelecidas.
Por isso, a necessidade de atividades profissionais concatenadas dentro de uma
agência de publicidade é fundamental para a produção dos anúncios. Os acordos
que definem cada funcionalidade não são tomados diante de uma nova ocasião ou
necessidade. Ao contrário, as definições dos elos que conduzem as diferentes pes-
soas na produção de um anúncio são resultado de acertos anteriores que acabam

ARTIGOS | 177
por se tornar costumeiros, um “habitus”, determinações que se tornaram parte da
maneira padronizada de fazer as coisas. O habitus do campo é o efeito automático
de vinculação ao campo (Bourdieu, 1983). Pode ser verificado na fala, no gestual, na
maneira de olhar, na postura e no andar dos sujeitos. São os “conhecimentos adqui-
ridos”, as “disposições incorporadas” (Bourdieu, 2000), as convenções planejadas. O
habitus opera categorias de percepção e princípios de classificação no plano práti-
co (Bourdieu, 1983). As convenções especificam tanto as identidades profissionais,
quanto os materiais e as decisões subjetivas ou abstratas que serão combinados
para a elaboração de um anúncio. O que se passa em um campo jamais é efeito de
demarcações externas e sim resultado da expressão simbólica do mesmo (Bour-
dieu, 1983). Portanto, ainda que uma decisão particular modifique o processo de
produção de um anúncio específico, por exemplo, as normatizações estabelecidas
como modelo de produção da agência e suas funções exclusivas já estão traçadas
e fundadas dentro do campo publicitário. As mudanças ocorrem sutil e milimetrica-
mente em cada caso, mas não mudam substancialmente o sistema. O conjunto de
pequenas mudanças em determinada área pode ser adotado como convenção no
futuro, mas será encarado muitas vezes como aperfeiçoamento de uma parte e não
como um novo sistema.

Considerações finais

A publicidade, como um setor dentro do macrocosmo social que cria certas con-
venções formadoras de estilos de vida, cultiva metamorfoses constantemente. É pre-
ciso que novas ideias sejam elaboradas para que a publicidade continue a anunciar e
tentar vender produtos, serviços e ideologias. O setor tem a incumbência de atribuir
novas categorias de valoração ao mundo de práticas e objetos, assim como também
tem alargado sua atuação para a sensibilização de problemáticas sociais vigentes
(Balonas, 2011). O anúncio é a plataforma que vai articular vínculos de sentidos en-
tre os produtos e os consumidores. Tais vínculos precisam ser sempre renovados e
reinventados para que o ritual do consumo se perpetue indiscriminadamente (Rocha,
1985). O sistema publicitário e sua produção narrativa organizada pelas agências de-
marcam processos de transferência de sentidos do mundo social para os produtos
e dos produtos para as identidades dos consumidores, fazendo do consumo uma
expressão comunicacional central em nossa cultura.
Desde o marco fundador no Brasil, em 1914, com a agência Eclética, a primeira de
muitas que viriam criar um campo de atividades e consagrar a publicidade como essa
instância sociocultural reveladora de valores íntimos da vida coletiva, que a agência
passou a ser a instituição que localiza as funções necessárias para que o aconteci-
mento do anúncio se realize socialmente através de uma ação coordenada e conven-
ções estabelecidas. Para Becker (2013), o termo “convenção” indica que os significados
partilhados tornam a vida social possível. A agência também teve papel privilegiado
para a consolidação das identidades profissionais em torno da função do publicitá-
rio, atribuindo status, valoração financeira, influência social e prestígio ao profissional.
Assim, são as convenções publicitárias estabelecidas pelas agências que tornam
a atividade publicitária possível. As diversas práticas encadeadas nestas empresas

178 | MEDIA&JORNALISMO
são executadas com base em composições que provocam uma ação social eficaz
e simplificada sem a qual a esfera da produção não se completaria no consumo e
os produtos deste mundo não poderiam aparecer (Rocha, 1985).
Com o desenvolvimento das agências, propagandas e campanhas renomadas
deram sua parte no tom da vida pública e incentivaram atitudes e comportamentos
traduzidos como estilos de vida, além de reforçarem o consumo como o fenômeno
que baliza a experiência cultural em nossa sociedade. Assim como Becker (1977a)
afirmou que o mundo da arte expressa a sociedade mais ampla na qual se inscreve,
o mundo da publicidade, liberado dos paradoxos e conflitos próprios da complexida-
de artística, expressa a sociedade moderno-contemporânea ao tecer a narrativa que
sustenta a ideologia que nos define como sociedade de consumo.

Bibliografia

Balonas, S. (2011). Publicidade sem código de barras. Ribeirão: Húmus.


Becker, H. (1977). Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
_________(1977a). Mundos artísticos e tipos sociais. In G. Velho (org.), Arte e Sociedade. Rio de
Janeiro: Zahar editores.
_________(2013). Uma carreira como sociólogo da música. Contemporânea – Revista de So-
ciologia da UFSCar, 3, 131-141.
Blumer, H. (1966). Sociological implications of the thought of George Herbert Mead. American
Journal of Sociology, 71, 535-544.
Bourdieu, P. (1983). O campo científico. In R. Ortiz (org.). Pierre Bourdieu. São Paulo Ática.
___________(2000). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 
Park, R. (1950). Race and culture. Nova York: Free Pass.
_______(1952). Human Communities: the city and human ecology. Nova York: Free Pass.
_______(1955). Societies. Glencoe Ill: The Free Press.
Pincas, S. & Loiseau, M. (2008). A History of Advertising. Colonia: Ed. Taschen.
Rabelo, G. (1956). Os tempos heroicos da propaganda. Rio de Janeiro: Empresa Jornalística
PN S/A.
Reis, F. (1990). São Paulo e Rio: a longa caminhada. In R. Castelo Branco, R.L. Martensen e F.
Reis (orgs.), História da Propaganda no Brasil. São Paulo: T.A. Queiroz.
Rocha, E. (1985). Magia e Capitalismo. São Paulo: Brasiliense.
Sant’Anna, A. Rocha Junior, I. e Garcia. L.F. (2009). Propaganda: teoria, técnica e prática. Rio
de Janeiro: Cengage.
Simmel, G. (2002). The persistence of social groups. American Journal of Sociology, 3, 662-698.

Notas biográficas

Everardo Rocha é Professor associado e coordenador de pesquisa do Departamento de


Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Coorde-
nador do Laboratório de Antropologia do Consumo da PUC-Rio. Doutor pelo Museu Nacional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor de mais de 20 livros sobre consumo e nar-
rativa publicitária.

ARTIGOS | 179
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4125143035504078
E-mail: [email protected]
Morada: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Sociais, De-
partamento de Comunicação Social, Rua Marques de São Vicente 225. Prédio Kennedy. De-
partamento de Comunicação Social. 6º andar. Gávea. Rio de Janeiro. Brasil. Cep: 22451-900

Bruna Aucar é Professora do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Univer-


sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Coordenadora do Laboratório de Antropologia do
Consumo da PUC-Rio. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-Rio.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/1571341987794675
E-mail: [email protected]
Morada: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Sociais, De-
partamento de Comunicação Social, Rua Marques de São Vicente 225. Prédio Kennedy. De-
partamento de Comunicação Social. 6º andar. Gávea. Rio de Janeiro. Brasil. Cep: 22451-900.

* Submetido: 2018.05.14
* Aceite: 2018.10.24

180 | MEDIA&JORNALISMO
A publicidade com o argumento na origem.
Uma abordagem exploratória das marcas cidade do Porto
e Vinho do Porto
Advertising with the argument at origin. An exploratory
approach to the Porto city brand and Port wine brand
La publicidad con el argumento en el origen.
Un enfoque exploratorio de las marcas ciudad de Oporto y
vino de Oporto

Paula Lobo
Escola Superior de Educação de Viseu
Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade

Ivone Ferreira
Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Instituto de Comunicação da Nova
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_13

Resumo
Os efeitos da globalização e as alterações económicas das últimas décadas têm
intensificado as reflexões académicas sobre o desenvolvimento de estratégias de
branding com vista à promoção de lugares: países, territórios, cidades.
Sabemos que uma boa marca não só acrescenta traços identitários positivos,
como constrói ligações emocionais, molda as percepções dos consumidores sobre
a realidade, influenciando os seus comportamentos. No caso de uma marca lugar
ou marca-cidade “it is a powerful mediator of culture, communities, and people and
if it has positive reputation it will make it easier to compete for attention, resources,
people, jobs, and money.” (Morgan, Pritchard and Pride, 2011: 5).
A intensificação da concorrência entre cidades, num mercado progressiva-
mente mais global, tem aumentado a necessidade de desenvolver estratégias or-
ganizadas de marketing e a atualização constante de campanhas de divulgação
(Kavaratzis, 2005; Kavaratzis & Asworth, 2006) já que, atualmente, se um lugar
não cumpre os requisitos valorizados pelos seus públicos-alvo, outro lugar, algu-
res no mundo, o fará.
Neste contexto, consideramos que as questões da identidade têm assumido
um papel cada vez mais preponderante na construção das marcas-cidade, uma
vez que a identidade é uma ferramenta crucial na constituição dos valores de
uniqueness e autenticidade da marca, traços que são, hoje, cada vez mais valo-
rizados pelos públicos-alvo e que representam vantagens competitivas sólidas e
muito difíceis de ser reproduzidas pela concorrência. A identidade de uma marca
é algo único que representa uma mais-valia insubstituível para os seus públicos.

ARTIGOS | 181
A par das marcas-cidades ou marcas lugar, as marcas associadas a uma locali-
zação geográfica ou de origem têm igualmente demonstrado o valor estratégico da
inclusão dessa dimensão de lugar na sua identidade.
Este artigo propõe-se a analisar a forma como esta dimensão identitária do terri-
tório e do imaginário a ele associado é operacionalizada nas estratégias de branding
de marcas tipicamente associadas ao lugar, como as marcas-cidade, e de marcas
que tiram partido de uma associação histórica a um determinado espaço geográfico.
No âmbito desta análise, interessou-nos particularmente reflectir sobre a coexistên-
cia de marcas-cidade e marcas fortemente associadas à cidade como é o caso, aqui
em análise, da marca da cidade do Porto, cuja identidade histórica se encontra inexo-
ravelmente associada a outra marca de traços identitários muito fortes, em boa parte
coincidentes com os da própria identidade da cidade, que é a marca Vinho do Porto.

Palavras-chave
publicidade; origin bounded brands; marcas locais; identidade; marcas cidade

Abstract
The effects of globalisation and economic changes in recent decades have in-
tensified academic reflections on the development of branding strategies aimed at
promoting places: countries, territories, cities.
An effective brand adds positive identity traits by building emotional bonds, sha-
ping consumer perceptions about reality and influencing their behaviors. In place
marketing or city branding, a brand «is a powerful mediator of culture, communities,
and people, and if it has positive reputation it will make it easier to compete for at-
tention, resources, people, jobs, and money.» (Morgan, Pritchard and Pride, 2011:5).
The intensification of competition between cities, in a progressively more glo-
bal market, has increased the need to develop organized marketing strategies and
the constant updating of dissemination campaigns (Kavaratzis, 2005; Kavaratzis &
Asworth, 2006) since, currently, if a place does not meet the requirements valued by
its target audiences, elsewhere, another place, somewhere in the world, will do so.
In this context, we consider that the issues of identity have assumed an increa-
singly preponderant role in the construction of brands, since identity is a crucial tool
in creating values of uniqueness and authenticity. These traits are being increasingly
valued by the targeted audiences and represent strong competitive advantages that
are also very difficult to reproduce by competition. The identity of a brand is some-
thing unique that represents an irreplaceable value for its publics.
Alongside place branding or city branding, brands associated with a place of ori-
gin have also proved the strategic value of the place dimension in brands’ identity.
This article proposes to analyze how this identity dimension - of territory and the
imaginary associated with it – is operationalized in branding strategies when brands
are typically associated with place, such as city brands, and brands that develop their
indentity around historical associations or a certain geographic space.
In the context of our analysis, we were particularly interested in reflecting on the
coexistence of city brands and brands which are strongly associated with a city, as is
the case, here under analysis, of the city brand Porto, whose historical identity is ine-

182 | MEDIA&JORNALISMO
xorably associated with another brand with very strong identitary traits, largely coin-
cident with those of the city’s own identity, which is the Port Wine brand.

Keywords
Advertising; origin bounded brands; local brands; identity; city brands

Resumen
Los efectos de la globalización y los cambios económicos en las últimas déca-
das han intensificado las reflexiones académicas sobre el desarrollo de estrategias
de branding orientadas a promover los lugares: países, territorios, ciudades.
Sabemos que una buena marca no sólo añade rasgos de identidad positivos,
como la construcción de lazos emocionales, la conformación de las percepciones
de los consumidores sobre la realidad, influir en sus comportamientos. En el caso de
una marca de lugar o marca-ciudad “ it is a powerful mediator of culture, communi-
ties, and people and if it has positive reputation it will make it easier to compete for
attention, resources, people, jobs, and money”. (Morgan, Pritchard y Pride, 2011:5).
La intensificación de la competencia entre las ciudades, en un mercado progre-
sivamente más global, ha aumentado la necesidad de desarrollar estrategias de ma-
rketing organizadas y la actualización constante de las campañas de divulgación
(Kavaratzis, 2005; Kavaratzis & Asworth, 2006) ya que, en la actualidad, si un lugar
no cumple los requisitos valorados por sus destinatarios, en otro lugar, en alguna
parte del mundo, lo hará.
En este contexto, consideramos que las cuestiones de identidad han asumido
un papel cada vez más preponderante en la construcción de las marcas de la ciu-
dad, ya que la identidad es una herramienta crucial en la constitución de los valores
de singularidad y autenticidad de la marca, rasgos que hoy en día son cada vez más
valorados por el público y que representan fuertes ventajas competitivas y muy difí-
ciles de reproducir por la competencia. La identidad de una marca es algo único que
representa un valor insustituible para sus audiencias.
Junto a las marcas-ciudades o marcas, las marcas asociadas a una ubicación
geográfica o de origen también han demostrado el valor estratégico de la inclusión
de esta dimensión de lugar en su identidad.
Este artículo propone analizar cómo esta dimensión de identidad del territorio y
el imaginario asociado con ella se pone en práctica en estrategias de marca de mar-
cas típicamente asociadas con el lugar, tales como marcas de la ciudad, y marcas
que aprovechan una asociación histórica a un cierto espacio geográfico.
En el contexto de nuestro análisis, nos interesaba especialmente reflexionar so-
bre la coexistencia de marcas de ciudades y marcas fuertemente asociadas con la
ciudad, como es el caso, aquí bajo análisis, de la marca de la ciudad de Porto, cuya
identidad histórica es inexorablemente asociada con otra marca de rasgos identita-
rios muy fuertes, en gran parte coincidentes con los de la propia identidad de la ciu-
dad, que es la marca de vino de Porto.

Palavras clave
publicidade; origin bounded brands; marcas locales; identidade; marcas ciudades

ARTIGOS | 183
Identidade, cultura e lugar na comunicação das marcas

As estratégias de branding têm sido cada vez mais utilizadas na promoção de


cidades, em moldes muito semelhantes ao que é feito com produtos e serviços. Na
perspetiva de Kotler e Gertner (2002) o conceito de city branding foi desenvolvido
com base no place marketing e permite gerir países, regiões ou cidades, no contex-
to de um mercado altamente competitivo como é o mercado turístico atual, de uma
forma idêntica à gestão de marketing de produtos. Por outro lado, tal como as mar-
cas dos produtos, os nomes dos lugares evocam também um conjunto de atribu-
tos e emoções que influenciam as atitudes de consumo (Berger & Gertner, 2006).
De acordo com Pike (2011), de um modo geral, os valores de uma marca já se
encontram, a vários níveis, imbuídos de associações e conotações espaciais e as
marcas dificilmente podem ser dissociadas dos seus contextos geográficos. Por
outro lado, ao longo dos anos, os próprios objetos (produtos) e estratégias das mar-
cas vão acumulando histórias de natureza socio-espaciais, condicionando a forma
como as próprias marcas evoluem. Já do lado dos públicos-alvo, também o modo
como as pessoas reagem ou respondem às estratégias de branding é influenciado
pelas suas relações sócio-espaciais.
Na perspectiva de Kavaratzis & Ashworth (2005) o city branding eficaz deve con-
seguir condensar os diversos componentes da identidade do lugar numa imagem
organizada, que sinalize a singularidade (uniqueness) de uma cidade, território ou
país: as marcas-cidade deverão ter a capacidade de comunicar a reputação e a indi-
vidualidade de um lugar para atrair visitantes e investimento.
Contudo, trata-se de um desafio considerável: os lugares são entidades comple-
xas, constituídos por muitas características que vão desde o design urbano, a His-
tória, a cultura, a política, o ambiente, etc. Uma marca-cidade eficaz será capaz de
identificar e ampliar os valores que tornam um determinado lugar único, aumentar a
atratividade da marca junto dos públicos-alvo, originar desenvolvimento económico
e reforçar a identidade local tanto do ponto de vista dos habitantes, como do ponto
de vista dos visitantes (Kavaratzis 2004).
Apesar do aumento crescente deste tipo de marcas, a literatura na área das es-
tratégias de branding não se tem debruçado muito sobre a questão da criação de
valor e da construção de marcas ligadas ao lugar de origem.
No âmbito deste trabalho, e tendo em conta a literatura analisada nesta área, op-
támos por utilizar a definição e o modelo de análise proposto por Spielmann (2014)
que, a partir de uma análise extensa e sistemática deste tipo de marcas, cuja identi-
dade se encontra evidentemente e fortemente associada ao local de origem, desen-
volveu o conceito de OBB (Origin Bounded Brands): marcas que não podem ser dis-
sociadas do seu local de origem no que respeita ao design, produção e montagem
(2014: 2); e que podem ser identificadas por três características-chave: o marcador
claramente identificativo da origem (made in, product of, etc); o respeito pelos mate-
riais de origem ao longo das fases de design, produção e montagem; e a utilização
explícita do local de origem no marketing mix do produto.
Spielmann considera que, no processo de construção e criação de valor para a
marca, as OBB devem ter as mesmas preocupações que as marcas que não estão
associadas ao lugar de origem e que têm sido amplamente descritas pela literatura

184 | MEDIA&JORNALISMO
na área do branding (lealdade, notoriedade, etc) mas, por sua vez, possuem vanta-
gens (ativos) e desvantagens (passivos) que as diferenciam das restantes, pelo que
deverão utilizar um modelo de criação de valor próprio.
No que respeita às vantagens, as OBB contam com boas perceções de autenticidade
da marca, lealdade ao local de origem e maior tolerância em relação a inconsistências
(por causa da força identitária da marca); já no que concerne às desvantagens, as OBB
por vezes lidam com incompreensão de vocabulário associado ao contexto local e au-
sência de reconhecimento do lugar de origem da marca por parte dos públicos-alvo.
Em “Do Global Brands Use Similar Executional Styles Across Cultures? A Compa-
rison of U.S. and Japanese Television Advertising”, Charles Taylor afirma que a inves-
tigação sobre as marcas globais tem demonstrado que o crescimento destas tem
sido feito a par com a evolução da global consumer culture theory (GCCT). Neste
artigo, o autor compara uma amostra de anúncios norte-americanos com anúncios
japoneses para avaliar se os anúncios de marcas globais usam estratégias seme-
lhantes às das marcas locais. Os resultados apontam para algumas diferenças, no-
meadamente constata-se que as marcas globais tendem a olhar para o consumidor
como parte do mercado global, um consumidor estandardizado que pretende mos-
trar o quão integrado está na sociedade (global) através dos produtos que utiliza.
Relativamente à identidade visual dos produtos, o investigador não encontra diferen-
ças consideráveis, sobretudo quando analisa publicidade de serviços e não de produto.
A global consumer culture theory (GCCT) tem vindo a ganhar destaque no ma-
rketing internacional (Arnould and Thompson 2005) e defende que a globalização
levou à existência de uma cultura de consumidor global. Defende ainda que a exis-
tência de uma cultura global de consumo facilita a promoção e a venda de produtos
semelhantes a públicos (semelhantes) residentes noutros locais do mundo (Taylor
& Okazaki, 2015). A vantagem desta teoria, como fazem notar Alden, Steenkamp e
Batra (1999), é que estas descobertas podem ser úteis a multinacionais que operam
no mercado internacional e usam estratégias únicas para promoção dos produtos
em todo o mundo pois, se os consumidores partilham os mesmos símbolos, cren-
ças e comportamentos pelo mundo, é possível criar uma estratégia única mundial.
No entanto, Akaka and Alden (2010) reparam, que “the existence of global consum-
er culture does not suggest complete homogenization or “globalization” of markets in
the way suggested by Levitt (1983 apud Taylor & Okazaki, 2015); instead, it allows for
the idea that under some circumstances marketing mixes must be tailored.”(p.276).
Ora, a nosso ver, a procura da alternativa dos produtos personalizados, adequados
ao consumidor (tailored) cria a oportunidade das OBB oferecerem não só um produ-
to, mas também envolvimento dos públicos no local onde este é produzido, vivendo
o ritual de fabricação do produto, transformando a publicidade numa estratégia de
comunicação integrada em que a publicidade dá a ver mas o local de produção serve
de cenário para viver a experiência do produto. Assim, podemos considerar as OBB
como marcas que apresentam produtos diferenciados, com certificado de qualida-
de, tendo por argumento a origem e que beneficiam de um acréscimo de valor que
as aproxima das marcas de luxo por apresentarem produtos autênticos, genuínos,
cujo processo e local de fabrico fazem parte do imaginário da marca.
Para Nijman’s (1999, p. 148, apud Taylor & Okazaki, 2015) a globalização cultural é
“acceleration in the exchange of cultural symbols among people around the world to

ARTIGOS | 185
an extent that leads to changes in local popular cultures and identities.” Para o autor,
os símbolos culturais e a troca destes entre pessoas de diferentes partes do mundo
são os dois factores chaves pela globalização.
Como entendem que a perceção das marcas globais é influenciada pela exposi-
ção dos consumidores às marcas, também consideram que a perceção de que uma
marca é global pode impactar positivamente o prestígio e a qualidade da mesma. As-
sim, consideram Becker-Olsen et al (2011) que isto constitui um incentivo para que
os publicitários comuniquem os símbolos e os valores comuns ao target.
Na perspetiva de Arnould e Thompson (2005), as marcas são os principais símbolos
culturais que surgem da cultura de consumo contribuindo para a globalização. Nesse
contexto, a partilha de valores e símbolos pelos media é fundamental para o sucesso
das marcas e para o desenvolvimento de uma cultura de consumo padronizada global-
mente, com vantagens diversas para os profissionais de publicidade que têm, assim, a
possibilidade de replicar, pelo mundo, estratégias antes aplicadas a outros segmentos
geográficos. Alden, Steenkamp, e Batra (1999) (apud Arnould & Thompson, 2005) de-
fendem que isto pode levar a que as marcas apostem numa estratégia de promoção
assente na divulgação dos símbolos comuns e na marca como “symbol of global cultu-
re. The use of such a strategy means the brand must be associated with signs such as
language, aesthetics, and theme that reflect the emerging global culture » (Idem, p.277).
No período de análise considerado pelos autores, os anos oitenta, tidos como início da
globalização, e o ano 2000, verificou-se uma maior preocupação com a criação de mar-
cas globais do que de marcas locais. No entanto, agora, a tendência parece ser inversa.
Calvo Porral e Pierre Levy-Mangin (2013) procuram perceber quando é que os con-
sumidores preferem as marcas locais em detrimento das globais num estudo dedicado
ao mercado espanhol da cerveja. A investigação relata que as marcas locais podem ser
economicamente lucrativas para as empresas que podem encontrar estratégicas únicas
para o seu mercado internacional, o que se torna mais financeiramente mais vantajoso e
facilita a perceção de qualidade e notoriedade da marca. Por outro lado, as marcas locais
parecem ser mais próximas do consumidor, mais atentas aos seus valores e, portanto,
com maior capacidade de fidelização. Esta perspetiva não é, no entanto, consensual:
“(…) some studies report that consumers prefer global to local brands and pro-
ducts (Alden et al., 1999; Batra et al., 2000; Steenkamp et al., 2003), whereas other
studies report that consumers prefer local to global brands (Shimp and Sharma, 1987;
Swaminathan et al., 2007; Riefler, 2012) and that some consumers would not buy
global brands if given a choice (Holt et al., 2004).” (Porral & Levy-Mangin, 2013: 566).
Contudo, o estudo de Porra e Levy-Mangin conclui que existem algumas classes
de produtos para as quais as marcas locais funcionam melhor, como as bebidas e a
comida (regional) e que as marcas locais obtêm maior engagement do que as globais.

O potencial do imaginário social na contrução de marcas locais

Para Samuel Mateus, o conceito de imaginário social pode ser extremamente útil
para perceber as relações sociais mas também a publicidade atual, na medida em
que “as relações histórico-sociais e as interações humanas dependem, numa par-
te significativa, das construções mentais com que as sociedades”, e explica que “os

186 | MEDIA&JORNALISMO
imaginários sociais consignam-se, precisamente, por serem formas de significação
institucionalizadas que as sociedades adotam com vista a operar processos de de-
cisão, ação e juízo.” (2013: 103). O conceito é “fundador de coletividades”, tem a ver
com a forma como o imaginário individual é partilhado e torna a praxis social mais
inteligível. Considera também que se trata de “uma intrincada trama de figurações que
permeiam as sociedades” (Idem, p.104), aquilo que contribui para que uma comuni-
dade seja estável e assegure a sua continuidade, através das fábulas e repertórios.
Para Baeza (2000 apud Mateus, 2018, p. 104) os imaginários sociais são um “pa-
trimónio representativo (…) um conjunto de imagens mentais acumuladas pelo indiví-
duo durante o processo de socialização, numa “(re)criação psíquica, social e histórica
de figuras simbólicas (…) que determinam significativamente o pensamento coletivo.”
Assim, fundado em Baczko (1991), Mateus defende o aspeto regulador do imaginá-
rio coletivo na vida das sociedades e a importância da sua divulgação, salientando o
papel da publicidade, no sentido de tornar público contribuindo para conjurar os ima-
ginários sociais: “Sem a ação propagadora, disseminadora e coletiva da publicidade,
os imaginários sociais poderiam ser instituídos, mas não poderiam ser instituintes.
Apenas porque eles são passíveis de apropriação e de reconstrução publicitárias
é que os imaginários sociais atingem a sua máxima concretização.”(2018, p.115).
O autor refere ainda que os imaginários, por serem imateriais, precisam de tornar-
-se visíveis pelo que “cabe à publicidade dar a ver, dar a agir e dar a pensar o univer-
so simbólico de que se reveste a materialidade dos imaginários sociais. Entre o real
e o ideal, o material e o imaterial deparamo-nos com o “transcendente comunitário”
(Castoriadis, 1989: 254) cuja presença é sempre mediada pelo princípio de publici-
dade, um princípio arquetípico existente em todas as sociedades (Mateus, 2012). As-
sim, Mateus defende “a comunicação e a publicidade como categorias-chave para
compreender a noção de imaginário social, os imaginários sociais como formas
simbólicas dinâmicas e interativas determinadas comunicacional e publicamente.”
(p. 107). Para o autor, o imaginário social contribui para a ordem na sociedade, para
a memória coletiva e promove a identificação dos membros da cidade. Aponta, ain-
da, a existência de imaginários de terceira ordem, relativamente aos media, que são
responsáveis pela tarefa de alimentar e renovar a sociedade e as suas tradições.

Queremos, então, propor que o princípio de publicidade seja entendido


como uma espécie de cimento coletivo que propicia a transformação da multi-
plicidade em unidade e da unidade em multiplicidade. (…) Quando declaramos a
publicidade como cimento agregador pretendemos evidenciar as suas qualida-
des agregadoras, integradoras e simbólicas (…). A publicidade age, pois, como
força centrípeta ou convergente capaz de atrair a participação e cooperação
dos indivíduos em torno de um determinado imaginário social. (2018: 112)

Note-se que os imaginários podem ser comunicados mas, até que sejam objeto
de um escrutínio público, isto é, sejam operadores publicitários, os imaginários não
possuem um apelo coletivo capaz de os tornar como artefactos socialmente rele-
vantes. A dimensão centrípeta da publicidade é o que possibilita que os imaginários
adquiram força gravitacional que atraia as suas operações de instituição coletiva.
Os imaginários sociais são um fator de equilíbrio psicossocial (Dittus, 2006: 172)

ARTIGOS | 187
Porto, a cidade e o vinho: a origem como dimensão fundamental da identidade

Do ponto de vista da sua identidade, a cidade do Porto é, desde há, muito associa-
da ao famoso vinho do Porto. Um vinho que traz consigo o nome da própria cidade,
produzido no Vale do Douro desde a Alta Idade Média, na mais antiga região viníco-
la demarcada do mundo, e que foi classificada, em 2001, como Património Mundial
pela UNESCO. O vinho do Porto teve, desde logo, e ainda tem, um peso considerável
na economia da região e mesmo do país.
Famoso desde o séc. XVII, o vinho do Porto é uma marca que remete para mais
do que um simples vinho, é também um repositório coletivo de histórias, mitos, len-
das, amores e desamores que integram a sua História e que se encontram, irrevo-
gavelmente associados à nobre e invicta cidade apesar de, na realidade, o vinho do
Porto ser produzido nos vales socalcados do rio Douro, transportado pelos barcos
rabelos rio abaixo e armazenado nas caves da cidade de Vila Nova de Gaia.
Pela especificidade da sua geografia, clima (micro-climas) e processo de fermen-
tação, o vinho do Porto tem características únicas no mundo. A distintividade e au-
tenticidade da marca resultam do facto de ser um vinho produzido exclusivamente
a partir das uvas de castas protegidas da mais antiga região vinícola demarcada do
mundo. Para além disto, todo o património feérico associado à marca, que advém
dos diversos enredos, lendas e intrigas, amplamente documentado e ficcionado num
vasto conjunto de obras literárias, ensaios académicos, documentários e até mesmo
séries televisivas, tem contribuído para o desenho de uma identidade de marca sólida
e fortemente implementada na percepção e no imaginário dos seus públicos-alvo.
A perspetiva narrativa do estudo da identidade organizacional destaca a impor-
tância das narrativas (“estórias” sobre a instituição, seus fundadores, líderes e heróis),
como mecanismos top-down de construção e controle da identidade coletiva à manei-
ra das elites. Defende esta abordagem que “a identidade assenta na criação efetiva de
uma narração colectiva” (Kahane & Reitter, 2002:127), pois a narração liga a realidade
à fantasia (identidade imaginada) através da elaboração simbólica. A narração seria
a identidade professada (defendida) que é projetada (comunicada) e gradualmente
reforçada (ou não) pela identidade manifesta (histórica) (Soenen e Moingeon, 2002).
Muito deste património simbólico que sustenta a identidade da marca Vinho do
Porto se entretece e se confunde com a mitologia e histórias que alimentam, tam-
bém, a própria identidade da marca-cidade.
Uma cidade de vocação mercantil que se torna evidente, desde logo, pelo seu
nome - “Porto” – vocábulo que significa o lugar na costa onde se embarca ou desem-
barca, onde os barcos atracam, onde se carrega e descarrega mercadorias e passa-
geiros. Um nome que poderíamos dizer inevitável se tivermos em conta que a cidade
aí nasceu e se foi desenvolvendo, nesse espaço que vai da margem do rio Douro até
à sua foz, no Atlântico, incluindo também alguma costa marítima.
Local de passagem por excelência, a identidade do Porto esteve, desde a sua ori-
gem, associada ao comércio, aos movimentos de passagem e ao contacto intercultural.
Na perspectiva de Vásquez, “a cultura corporativa é produto da experiência com-
partilhada pelos integrantes da organização e manifestada por meio de quatro ele-
mentos: valores, símbolos, ritos e heróis. Neles assentam as bases da identidade
conceitual que é única e pertence apenas a uma empresa” (p.204).

188 | MEDIA&JORNALISMO
Barney e Stewart (2000) são dois dos defensores desta ideia, de que a identidade
organizacional pode criar valor económico para as empresas/instituições. Mas para
ser fonte de vantagem competitiva, não pode ser apenas entendida como valiosa,
tem de ser realmente “rara” e ter “custos de imitação elevados”, refere Barney (1991,
in Barney & Stewart, 2000: 39). Isto é problemático pois muitas empresas parecem
pensar ser mais diferenciadas do que realmente são, num mercado cada vez mais
global e interdependente.
Por outro lado, os media interessam-se crescentemente pela “vida privada” das
empresas, expondo qualquer divergência entre as características enunciadas e a rea-
lidade organizacional. Os analistas de negócios avaliam estratégias, estilos de gestão.
Parece ser cada vez mais difícil falar em identidades verdadeiramente distintas.
Quando muito, deveremos falar em distinção no contexto de um grupo de concor-
rentes, ou de uma região, mas dificilmente numa situação global (van Rekom, 1997).
Uma identidade com uma história única – pessoas, personalidades ou tecnolo-
gias singulares que definem a empresa é algo procurado pelas empresas, públicas
e privadas. Gray e Balmer (1998) são alguns dos autores a apresentar a identidade
organizacional como algo que deve ser comunicado através da comunicação das
empresas por forma a aumentar a reputação da mesma.
Os autores explicam o modelo operacional em que a identidade corporativa (que
inclui a cultura da empresa e sustenta o seu carácter diferenciador) é comunicado
aos públicos através da publicidade, da identidade gráfica da empresa e de outros
canais de comunicação institucionais. A identidade como traço distintivo das organi-
zações tem merecido destaques nos artigos de Ruão, Balmer e Van Riel e merece ser
investigada no domínio da comunicação publicitária. O que aqui defendemos é que
o argumento da identidade, isto é o posicionamento das OBB como marcas que co-
municam a identidade dos locais de produção e a sua autenticidade, pode potenciar
não só um maior reconhecimento da marca mas aumentar a procura dos territórios
que acolhem esses produtos locais. Diferente do made in ou certificado por, as OBB
podem comunicar a origem, não só através da publicidade mas em estratégias de co-
municação integrada que incluam ativações de marca ou a organização de eventos.
A criação da identidade revela-se importante para os bons desempenhos econó-
micos e liderança dos mercados, pelas suas competências diferenciadoras (Barney
e Stewart, 2000; Costa, 2011), mas mais do que isso como parte das “competên-
cias nucleares” (Prahalad e Hamel, 1990) a desenvolver por qualquer organização.

Reflexões finais

Podem as marcas de produtos locais, ser apresentadas como marcas com argu-
mento assente na origem, que permite aproximarmo-nos das tradições ancestrais,
do rústico, das origens, do rural frugal e genuíno por oposição a uma sociedade ca-
pitalista, onde o consumo tende para a homogeneidade?
As marcas locais aproximam-nos, de facto, da origem, do autêntico, do espontâneo,
e procuram levar-nos ao local onde experimentalmente, por intuição, as mãos fizeram o
primeiro queijo ou os pés pisaram as primeiras vinhas que dariam o nome à cidade, que já
foi porto (de chegada) mas ainda é conhecida pela comunidade que produz o Porto-vinho.

ARTIGOS | 189
Pensar as OBB a partir dos conceitos de identidade e de cultura organizacional
convida-nos a recuar, no processo criativo, a conhecer as origens, transformando a
publicidade numa re-apresentação da marca, da sua identidade, da cultura empresarial
das pequenas oficinas familiares que criavam uns poucos produtos, sempre diferen-
tes e por isso únicos, distintos. Combinar as estratégias publicitárias das OBB com as
estratégias de promoção dos territórios seria um importante reforço da comunicação,
pois as OBB remetem para o local de origem e este transpira OBB em tudo o que faz.
Num mundo em disrupção, em que as redes de acesso aberto começam a ser
substituídas por pequenas redes aparentemente geridas de forma espontânea e im-
pulsiva, repensar a promoção da autenticidade das gentes e dos seus produtos tem
ainda mais razão de ser, fazendo-o de forma sustentável, protegendo pessoas, terri-
tórios e marcas, avaliando os riscos de políticas de turismo descontrolado e massi-
ficado que alteram substancialmente a vida dos locais e a produção de produtos que
comunicam a sua origem e, assim, alimentam o imaginário coletivo.

Bibliografia

Alden, Dana L., Steenkamp, J. B. & Batra, R. (1999). Brand Positioning Through Advertising in Asia, North
America, and Europe: The Role of Global Consumer Culture. Journal of Marketing, 63 (1), 75–87.
Arnould, Eric J., & Craig J. Thompson (2005). Consumer Culture Theory (CCT): Twenty Years of
Research. Journal of Consumer Research, 31(1), 868–92.
Baudrillard, J. (2008). A sociedade de consumo. Lisboa : Edições 70.
Becker-Olsen, K. L. ; Taylor, C. R. ; Hill, R. P. & Yalcinkaya, G. (2011). A Cross Cultural Look at Cor-
porate Social Responsibility Marketing Communications in Mexico and the United States:
Strategies for Global Brands. Journal of International Marketing, 19(2), 30–44.
Calvo Porral, Cristina; Levy-Mangin, J-P. (2015). Global brands or local heroes?: evidence from
the Spanish beer market. British Food Journal, 117(2), 565-587.
Costa, J. (2011). Design para os Olhos. Marca, cor, identidade, sinalética. Lisboa : DinaLivro.
Gray, E ; Balmer, G. (1998). Managing Corporate Image and Corporate Reputation. Long Range
Planning, 31(5), 695 - 702.
Gertner, R. K., Berger, K. A., & Gertner, D. (2007). Country-dot-com: Marketing and branding des-
tinations online. Journal of Travel & Tourism Marketing, 21(2-3), 105-116.
Kavaratzis, M. (2004). From city marketing to city branding: Towards a theoretical framework
for developing city brands. Place branding, 1(1), 58-73.
Kavaratzis, M. (2005). Place branding: A review of trends and conceptual models. The market-
ing review, 5(4), 329-342.
Kavaratzis, M., & Ashworth, G. J. (2005). City branding: an effective assertion of identity or a tran-
sitory marketing trick?. Tijdschrift voor economische en sociale geografie, 96(5), 506-514.
Kavaratzis, M., & Ashworth, G. J. (2006). City branding: an effective assertion of identity or a
transitory marketing trick?. Place Branding, 2(3), 183-194.
Kotler, P., & Gertner, D. (2002). Country as brand, product, and beyond: A place marketing and
brand management perspective. Journal of brand management, 9(4), 249-261.
Levitt, T. (1983). The Globalization of Markets. Harvard Business Review, 61(3), 92–102.
Mateus, S. (2018). Um contributo da Teoria da Comunicação para a Teoria dos Imaginários So-
ciais. ALCEU, 18(36), 103-121.

190 | MEDIA&JORNALISMO
Mateus, S. (2013). El imaginal público: prolegómenos a un tratamiento comunicacional del ima-
ginario”. Comunicação Mídia e Consumo, 29, 31-50.
Mateus, S. (2012). O princípio da publicidade. Da dimensão crítica à dimensão socio-antropo-
lógica. Cadernos de Estudos Mediáticos, 9, 71-84.
Morgan, N., Pritchard, A., & Pride, R. (2011). Destination brands: Managing place reputation.
Routledge.
Pike, A., et al.(2011). Introduction. In Pinke, A., Brands and branding geographies. Edward El-
gar Publishing 
Spielmann, N. (2014). Brand equity for origin-bounded brands.  Journal of Brand Manage-
ment, 21(3), 189-201.
Schuiling, I.; Kapferer, J-N. (2004). Real Differences between Local and International Brands:
Strategic Implications for International Marketers. Journal of International Marketing, 12(4),
97-112.
Taylor, C.; Okazaki, S. (2015). Do Global Brands Use Similar Executional Styles Across Cultures?
A Comparison of U.S. and Japanese Television Advertising. Journal of Advertising, 44(3),
276–288.

Notas biográficas

Paula Lobo é Professora Adjunta Convidada na Escola Superior de Educação de Viseu e


Investigadora Integrada no CECS-UM.
She holds a PhD in Communication Sciences by Universidade do Minho. She has taught
subjects concerning ethics and deontology of the media, media economy and strategic commu-
nication. Her work has been published in many national and international articles, conference
books and book chapters. She is member of several scientific associations and has acted as
reviewer in national and international publications on Communication and the Media. Her main
research interests include media studies, gender, public sphere, citizenship and media literacy.
 
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4176-8983
E-mail: [email protected]
Morada: ESEV, Rua Maximiano Aragão, 3504-501 Viseu, Portugal

Ivone Ferreira é Professora Auxiliar no Departamento de Ciências da Comunicação da NO-


VA-FCSH e Investigadora Integrada no ICNOVA. Supervised more than 15 master thesis in the
strategic communication and she is reviewer in several national scientific magazines. Between
2014 and 2016 coordinated the graduation in Communication (“Comunicação Social”), Poly-
thecnic Institute of Viseu.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3283-2373
E-mail: [email protected]
Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submetido: 2018.08.15
* Aceite: 2018.12.20

ARTIGOS | 191
(Página deixada propositadamente em branco)
Personal traits behind the intention to Donate Blood
Traços pessoais por detrás da intenção de Doar Sangue

Ana Margarida Barreto


Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Instituto de Comunicação da NOVA
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_14

Abstract
Understanding the impact of personal traits on prosocial behavior becomes vital
for the development of effective advertising messages to the target audience. Hence,
this exploratory study was developed to contribute to a better understanding of the
motivations of actual and potential blood donors, by analyzing and comparing the
effect of some of the most prominent personal traits for predicting or explaining pro-
social behavior (blood donation).
125 participants from generation Y answered an online survey that besides ask-
ing about their blood donation intention also pertained to establish a relation with
their personality traits by considering: attribution theory, self-image, social respon-
sibility, altruism, social influence, and empathy. We also take into consideration the
possible effect of framing.
According to our findings, blood donors are positively influenced to donate blood
by self-image and internal attribution. On the other hand, nondonors are only posi-
tively influenced by self-image.

Keywords
blood donation; prosocial behavior; motivators

Resumo
A compreensão do impacto dos traços pessoais no comportamento pró-social tor-
na-se vital para o desenvolvimento de mensagens publicitárias eficazes junto do públi-
co-alvo. Este estudo exploratório foi por isso desenvolvido com o fim de contribuir para
uma melhor compreensão sobre as motivações dos dadores de sangue actuais e poten-
ciais, analisando e comparando o efeito de algumas das características pessoais mais
proeminentes na previsão ou explicação do comportamento pró-social (doar sangue).
125 participantes da geração Y responderam a um inquérito on-line que, além de
questionar sobre a sua intenção de doar sangue também estabelecia uma relação
com os seus traços de personalidade considerando: teoria da atribuição, auto-ima-
gem, responsabilidade social, altruísmo, influência social e empatia. Também foi tida
em consideração o possível efeito do enquadramento da mensagem.
De acordo com os nossos resultados, os dadores de sangue são influenciados
positivamente pela auto-imagem e pela atribuição interna. Por outro lado, os não da-
dores de sangue são positivamente influenciados apenas pela auto-imagem.

ARTIGOS | 193
Palavras-chave
doação de sangue; comportamento pró-social; motivações

Introduction

Despite an increase of reported blood donations in recent years, a severe shortage


of donated blood remains a critical issue (World Health Organization, June 2017). In
many countries more than 50% of blood supply is collected from family/replacement
or paid donors, which is why recently the World Health Organization, the International
Federation of Red Cross and the Red Crescent Societies have set the ambitious aim
to achieve 100% voluntary blood donation.
Particular consideration is necessary to increase the percentage of voluntary, or
un-paid, donations, as currently only represents 30% of the global blood supply. This
is a key issue because for every donation of blood three lives can be saved1. Unders-
tanding motivations is central to understanding, and consequently influencing, vo-
luntary behavior change (Ryan & Deci, 2000). Accordingly, the purpose of this paper
is to further elucidate the internal motivations for donating blood as a means to de-
veloping more effective campaigns. We particularly focus our research on students.
Previous research identified younger donors, chiefly donors pertaining to “Gen Y”, as
a particularly difficult segment who are difficult to acquire and exhibit low retention
rates (Russell-Bennett, Hartel, Russell, & Previte, 2012). It is therefore appropriate to
focus specifically on this segment.

Increasing Blood Donations as an Issue in Social Marketing

While an important topic for health professionals, blood donation has been a re-
latively minor topic in social marketing, with only a small number of papers exami-
ning ways of increasing the behavior from a social marketing perspective (Truong,
2014). Of these, Polonsky et al (2015) examined blood donation from migrant popu-
lations, a analogously hard to reach and motivate population as Gen Y. Their findings
highlighted the importance of removing barriers as a “hygiene factor” for increasing
blood donations, though noted that this alone is not sufficient to motivate people to
donate. Previously, Russel-Bennet et. al. (2013) suggested improvements in service
quality as a means to increase blood donations, while Beerli-Palacio and Martín-San-
tana (2009) suggested that providing information is key to increase the disposition
to donate blood. Kidwell and Jewell (2003) studied blood donation amongst univer-
sity students as an example of the applicability of the Theory of Planned Behaviour
(TPB), and highlighted internal control factors as the most likely to influence beha-
viour. Contradicting the importance of TPB, Holdershaw et al (2011) find that TPB is

1
When a whole blood unit (obtained in the donation) is processed in the laboratory, it is di-
vided into three components: erythrocyte concentrate (red blood cell), platelet, and plasma (the
liquid part of the blood, which contains proteins responsible for example for coagulation). Some
people only need to receive transfusions from one of these components.

194 | MEDIA&JORNALISMO
a poor predictor of actual behaviour. The gap between intention and actual behaviour
has also been highlighted by Griffin et al. (2014), with a call for more research focu-
sing on motivational factors. However, it should be noted that previous experience
with blood donations has been consistently noted to be a contributor to future blood
donations by the aforementioned studies.
Apart from internal factors, external rewards, have also been studied. In their Co-
chrane review, Mortimer et al. (2013) find that, although public financial incentives
(PFI) show a positive impact on blood donations, such impact on future donations
is negative where PFIs are withdrawn.
Few studies have analyzed blood donation from the social marketing and social
promotion/advertising perspective so far. One recent exception is the work of Healy
& Murphy’s (2017) on social marketing advertising messages to increase the supply
of blood among young donors and non-donors. The authors found that young peo-
ple found most effective advertising messages that stressed the altruistic nature of
donating blood. While to non-donors the advertisements that could be more effec-
tive were the rational-based fear advertisements that challenged their excuses and
complacency to donate. On the other hand, Ferguson and Lawrence (2016) found
that blood donation is not pure altruism (caring about the welfare of others at per-
sonal expense) but rather a mixture of warm-glow giving (finding the act of donation
emotionally rewarding) and reluctant altruism (cooperation in the face of free-riding
rather than punishment of free-riders). For Kolins & Herron (2003) the way to achie-
ve growth in blood donor numbers lies with a market-type approach with targeted
marketing campaigns aiming young people.
Hence, the contribution this paper makes is therefore two-fold: Firstly, by focusing
on the personality traits as a guide to developing promotional material, we further
contribute to the literature on the subject of blood donations. Secondly, by resear-
ching motivations of Gen Y blood donors, we contribute to an understanding of this
hard to reach, and hard to motivate target group, which seems to be more prompt
to express their individuality through practices that resemble sharing rather than gi-
ving (Urbain et al., 2013).

Establishing the Personality Traits

As the aim of this paper is to understand the effect of some personality traits on
blood donation intention of Gen Y blood donors, we decided to test six potential mo-
tivating factors (empathy, altruism, social responsibility, social influence, self-image,
attribution) with a view to providing social marketers with assistance in order to de-
velop potentially successful social marketing campaigns, and more specifically pro-
motional campaigns designed to encourage Gen Y blood donors.
Empathy, or the “affective response that stems from the apprehension or
comprehension of another’s emotional state or condition, (…) similar to what
the other person is feeling or would be expected to feel” (Eisenberg, 2010, p.1)
has been discussed as a possible factor influencing prosocial behavior (Einolf,
2008), but very few studies have tried to understand if and how it impacts blood
donation behavior or donation intention. One example is Karacan et al (2013)

ARTIGOS | 195
study that showed that empathic concern had no effect as a predictor for blood
donation motivation.
Within the blood donation literature, altruism has been traditionally highlighted as
not having a strong effect on blood donation (c.f. Evans & Ferguson, 2014). However,
this finding is not consensual, since it contradicts a recent study that highlighted that
altruism is the biggest reason why young people donate blood (Healy & Murphy, 2017).
Social responsibility, or “feelings of moral obligation to act pro-socially” (De Groot
& Steg, 2009, p. 443), has also been associated with increasing intentions to perform a
range of prosocial behaviors, including blood donations (Ibid.). However, as it happens
with empathy, there is still no sufficient empirical evidences in the literature on the im-
pact of social responsibility on blood donation behavior. In fact, while this motivator has
traditionally been linked with prosocial behaviors, Griffin, Grace and O’Cass (2014) stu-
dy actually points out that individuals may be socially responsible, may find the blood
donation issue important, may evaluate the issue positively, and yet, be non-donors.
According to Sojka and Sojka (2008) study, social influence has been one of the
most frequently reported reasons for giving blood the first time (47.2% of donors were
influenced by a friend), while the most commonly reported motive for donating blood
(among general reasons/motives with highest ranking of importance) were ‘general
altruism’ (40.3%), ‘social responsibility/obligation’ (19.7%) and ‘influence from frien-
ds’ (17.9%). These findings are in line with the ones from Griffin, Grace and O’Cass
(2014). Focused on comparing individual characteristics, attitudes, and feelings of
blood donors and nondonors, the authors found that the relationship between sus-
ceptibility to interpersonal influence and attitude towards the issue was significant
only for donors, but it was a negative relationship, supporting the view that donors
are less likely to be influenced by social pressure.
Self-image, or the totality of internalized images and ideas a person holds about
themselves, also plays an important part when guiding behavior, a relationship that
has a longstanding tradition within the marketing literature and is considered funda-
mental when designing persuasive marketing strategies (Sirgy, 1982). For example,
people who consider themselves as moral consumers, tend to look for and respond
more favorably to marketing strategies emphasizing principles aligned to their values.
According to attribution theory, the perception that a person may have about who
asks for help can be crucial in deciding whether to assist or not. This theory explains
that in this situations people make a kind of judgment, the “attribution”, internal (abi-
lity, effort) or external (task difficulty, luck), on the behavior of others or themselves,
attributing causes to events. Attributions can be directed to the fact that a person is
in need or can be made on the character of the person who helps (Heider, 1958, and
Jones and Davis, 1965, cited by Batson and Powell, 2003). For instance, in Decety et
al. (2010) study participants were significantly more sensitive to the pain of indivi-
duals who had contracted AIDS as the result of a blood transfusion as compared to
individuals who had contracted AIDS as the result of their drug addiction. In Conner
et al. (2013) study perceived behavioral control, combined with anticipated negative
affective reactions, cognitive attitude, anticipated positive affective reactions and sub-
jective norms, was found to be a significant predictor of intentions to donate blood.
In short, the perception that the benefactor has about the person or institution asking
for help can sometimes be decisive in the decision to help or not.

196 | MEDIA&JORNALISMO
Methodology

In order to better understand the motivational factors that should be used to gui-
de social marketing, especially social advertising campaigns a survey was developed
and administered to 125 undergraduate students at a Portuguese university.
The survey started with a brief introductory text about blood donations. In order
to avoid framing effects, the text concluded with either a gain-framed or loss-framed
message (see Table 1). Respondents were randomly assigned to see either a loss- or
a gain-framed conclusion message (gain-frame: 70 students; loss-frame: 55 students).

Common There is a constant need for blood in hospitals and Portugal is in a phase
message of loss of donors. When a whole blood unit (obtained in the donation) is
processed in the laboratory, it is divided into three components: erythrocyte
concentrate (red blood cell), platelet, and plasma (the liquid part of the blood,
which contains proteins responsible for example for coagulation). There are
people who only need to receive transfusions from one of these components.
Gain-framed So, for every donation of blood, 3 lives can be saved.
message
Loss-framed So, for every donation of blood not received, 3 lives may not be saved.
message

Table 1 – Questionnaires used

Following on from this, the respondents were asked about their blood donation
intention and if they had previously given blood. This was followed by questions de-
signed to measure their motivational factors in a randomized order (see attachment).
The questions used for this were based on the sources given in Table 2. All questions
used can be found on Table 1 in Attachments.

Construct Measurement Instrument


Attribution An adaptation of Russell’s (1982) Causal Dimension Scale was used to
Theory develop a scale with 14 items on a 5-point agreement scale (1 = strongly
disagree; 5 = strongly agree) (α = .604). Internal attribution was assessed
with 7 items, and external attribution with other 7 items. Responses were
then averaged to create two independent indexes of internal and external at-
tribution—high scores indicate greater self and others attribution for causes
to donate blood.
Self-Image A scale with 6 questions rated on a 5-point agreement scale (1 = strongly
disagree; 5 = strongly agree) (α = .611) was developed by adapting the
the Reader Self-Perception Scale (RSPS) of Henk and Melnick (1995). To
calculate an overall score, item scores were summed with a higher score
indicating higher levels of self-perception.
Altruism Scale with 7 questions based on the self-report altruism scale (SRA)
proposed by Rushton, Chrisjohn and Fekken (1981) (α = .374) was used.
Different hypothetical altruistic situations were described, and participants
were instructed to indicate if they have already exhibited those behaviors
(“true” or “false” were the response options). To calculate an overall altruism
score, item scores were summed with a higher score indicating higher levels
of altruism.

ARTIGOS | 197
Empathy Basic Empathy Scale (BES) (Anastácio, Vagos, Nobre-Lima, Rijo, & Jolliffe,
2016) was used to measure empathy levels, focusing on affective and cogni-
tive factors of empathy, and four basic emotions (i.e., anger, fear, happiness,
and sadness). Participants had to give their ratings on a 5-point Likert type
scale (1=Strongly Disagree, 5=Strongly Agree) (α = .529). The higher the
value obtained, the greater the degree of empathy.
Social Influ- Social influence awareness was determined by asking participants if they
ence were aware of their friends, family or colleagues have supported the social
cause in analysis (α = .454).
Social Re- Questions aiming assessing social responsibility norm levels of participants
sponsibility were extracted from the proposed revised Social Responsibility Scale of
Leonard Berkowitz and Louise R. Daniels (1964). From the proposed 22
questions, 8 were applied in this study, and the distribution of response to
the five alternatives provided (“strongly agree” to “strongly disagree”) (α =
.644). After reversing the score of some items, the scores for each item
were summed up to form an overall score. Higher scores are interpreted has
indicating higher levels of social responsibility.

Table 2 –Measurement instrument to each analyzed construct

Results

4. Results:

Of all participants, 88.8 per cent expressed a donation intention, despite the fact
that the majority have not donated blood before (72 per cent). Moreover, the majo-
rity of both groups exposed to a gain-framed message (87 per cent) and to a loss-
-framed message (91 per cent) agreed on donating blood. Not surprisingly, the ANO-
VA showed no significant main effect of the gain-and loss-framed messages on the
intention scores (p = .511).
In order to evaluate the possible impact of personality traits with respect to each
the already mentioned theories on blood donation intention two binominal logistic
regression model were employed (for current donors and non-donors) that included
blood donation intention as dependent variable, social influence index, self-concept
score, social responsibility score, internal and external attribution scores, and empa-
thy and altruism scores as predictors (independent variables).
For current donors, the explained variation in the dependent variable based on this
binominal logistic regression model ranges from 36.7% to 68.5% (Cox & Snell R2 and
Nagelkerke R2 methods, respectively). The Hosmer & Lemeshow test of the good-
ness of fit suggests the model is a good fit to the data, that is, the estimated values
are close to the values observed, so the model fits the data with a Chi- square value
of 1.420 (8) and p=0.994 (>.05).
Our data suggest that for current blood donor’s self-image (b = .725, p = .022)
and internal attribution (b = .965, p = .013) added significantly to the model/predic-
tion, but the remaining variables did not add. Moreover, internal attribution seems to
be the variable that most significantly impact the depended variable (donation inten-
tion), positively (Table 3).

198 | MEDIA&JORNALISMO
B S.E. Wald df Sig. Exp(B)
Self-Image .724 .317 5.222 1 .022 2.062
Social Responsibility -.207 .200 1.071 1 .301 .813
BES -.154 .131 1.379 1 .240 .857
Altruism -1.557 .828 3.537 1 .060 .211
Internal Attribution .965 .390 6.105 1 .013 2.624
External Attribution -.095 .158 .360 1 .549 .909
Social Influence (1) 20.136 12252.957 .000 1 .999 555636822.400
Constant -5.842 10.073 .336 1 .562 .003

Table 3 – Binominal logistic regression output for blood donors

For non-donors, the explained variation in the dependent variable based on this
logistic regression model ranges from 13.6% to 29.9% (Cox & Snell R2 and Nage-
lkerke R2 methods, respectively). The Hosmer & Lemeshow test of the goodness of
fit suggests the model is a good fit to the data, that is, the estimated values are close
to the values observed, so the model fits the data with a Chi- square value of 6.056
(7) and p=0.533 (>.05).
Our data suggest that for this group self-image (b = .640, p = .049) added signifi-
cantly to the model/prediction, but the remaining variables did not add significantly
to the model/prediction (Table 4).

B S.E. Wald df Sig. Exp(B)


Self-Image .640 .325 3.892 1 .049 1.897
Social Responsibility .015 .114 .017 1 .896 1.015
BES .089 .101 .773 1 .379 1.093
Altruism -.577 .536 1.158 1 .282 .562
Internal Attribution -.194 .166 1.363 1 .243 .824
External Attribution -.035 .170 .042 1 .838 .966
Social Influence (1) -2.780 1.577 3.105 1 .078 .062
Constant -6.204 7.773 .637 1 .425 .002

Table 4 – Binominal logistic regression output for non-blood donors

5. Discussion of Results

The main purpose of this study was to contribute to a better understanding of ac-
tual and potential blood donors’ motivations by analyzing and comparing the effect
of some of the most prominent personal traits for predicting or explaining intention
to donate blood (attribution theory, self-image, social responsibility norm, altruism,
social influence and empathy), as well as the effect of framing on the decision to be
(or not) a blood donor.

ARTIGOS | 199
According to our findings, actual blood donors are positively influenced by both
internal attribution and self-image, while potential donors (who have not donated
blood) seem to be (positively) influenced only by self-image.
According to the theory of self-perception, people act prosocially for the happi-
ness they expect to feel when helping others. When people reflect on experiences of
donations, they tend to see themselves as benefactors, rather than seeing themsel-
ves as beneficiaries, developing prosocial behavior, fulfilling and affirming the desire
to help (Freedman and Fraser, 1966; Daryl Bem, 1972). This perception contributes
to strength their values ​​and their identities as careful, attentive, and prosocial indivi-
duals. So, by seeing themselves as benefactors, people feel happier and more moti-
vated to help (Verplanken and Holland, 2002).
We interpret our own actions the way we interpret others’ actions, and our actions
are often socially influenced and not produced out of our own free will, as we might
expect (Bem, 1972). So, when we talk about self-image or self-perception it is almost
impossible to neglect the role of social influence in one’s mind. Moreover, previous
studies (Reid and Wood, 2008; Nook et al., 2016) have concluded that social influen-
ce has an impact on participants’ blood donation intention and that this influence
could be affected by prior experience (Sojka and Sojka, 2008). Interestingly, our data
suggests that social influence has no effect on donation intention.
It is worth mention that this data comes from a self-report survey. Despite the
fact that answers were collected anonymously, it is plausible that our participants
may wanted to show a version of themselves aligned with what society expects from
them or approves. Yet, the gap between attitude and action (when what people say
and what they do are different) is well known in the literature applied to social domains
(see for instance Carrington et al, 2010). As Carrington et al (2010) proposes, many
of us do intend to act more ethically than we end up actually doing, being hampered
by various constraints and competing demands before we perform as we would like.
People tend to see cause and effect relationships. Apparently, past donors when
they assign the cause of a behavior to internal characteristics, rather than to outsi-
de forces show higher blood donation intention. On the other hand, situational or
environment features of the event (external attribution) seem not to affect donation
intention. In other words, when the attribution of causality or causal locus is percei-
ved as internal seems to trigger an emotional state that lead to help (Weiner, 1980).
Altruism, empathy, and social responsibility had no effect on blood donation in-
tention. Although at first glance counter-intuitive, this observation confirms previous
findings from the literature. Griffin, Grace and O’Cass (2014) concluded that indivi-
duals may be socially responsible, may find the blood donation issue important, may
evaluate the issue positively, and yet, be nondonors. In addition, previous literature
suggested that, in the context of blood donation, altruism is multifaceted and com-
plex and does not reflect pure altruism (Evans and Ferguson, 2014). Previous studies
have also suggested that empathic concern may not be an important motivator for
planned helping decisions and decisions to help others who are not immediately pre-
sent (Einolf, 2008; Forgiarini et al., 2011; Decety and Cowell, 2015; Melloni et al., 2014).
Finally, our data also suggest that message frames (gain vs. loss) had no main effect
on donation intention. Again, intuitively surprising, this observation contradicts the findin-
gs from other researchers (Reinhart, Marshall, Feeley, and Tutzauer, 2007; Cao, 2016), so

200 | MEDIA&JORNALISMO
it should be taken consciously. Perhaps the lengthy framing rather than a small quick and
easy message may have contributed to this result and little attention has been paid by
participants to the second part of the message with either a gain-framed or loss-framed.

6. Conclusion and Research Agenda

Understanding personality traits is vital when developing advertising messages


that resonate with the target audience. Historically, blood donation campaigns tend
to appeal to altruistic motives for giving blood, such as “give the gift of blood” or “save
a life, give blood”. However, for Gen Y donors, this type of motivational appeal may
not be suitable, as neither existing nor potentially new donors appear to be motiva-
ted by altruism. Instead, based on these findings, future campaigns should be more
focused on the self-image of the donor and less on the victim, as well on internal at-
tribution in the case of actual donors.
Hence, following McVittie, Harris, and Tiliopoulos (2006) call for a better unders-
tanding of blood donation intentions, this paper contributes to the debate by highli-
ghting the vital role of self-image (for both donors and non-donors) and internal at-
tribution (donors), while at the same time opening up avenues for future research.
This study has some limitations, yet it stills contributes to the debate. The most pro-
minent finding of the study is that self-perception /image has a stronger and positive
impact on pro-social behavior (blood donation intention) than other motivators, such as
social influence, social responsibility norm, altruism, social learning and empathy. As
mentioned before, to our knowledge no previous study attempted to understand the rela-
tion between self-image and blood donation behavior or intention among donors and no
donors. Hence, by confirming the positive relation between both variables in both condi-
tions we believe we are promoting the need for more empirical evidences in this domain.
The dependent variable (donation intention) is dichotomous. Future studies could
benefit from a continuous measure, which could deal with the ceiling effect found
in this study (90% of the participants responded positively). Also, several scenarios
are needed to increase the accuracy of the measurements. Hence, more studies are
needed that can shed more light on the effects of social influence on the analyzed
domain, as well as understanding the negative impact of altruism and social respon-
sibility perception warrants examination. For instance, could the type of relation be-
tween the sender and the receiver determine the effectiveness of a social campaign?
It has been argued that, with repeated performance, past behavior can also be a
predictor of intentions and behavior (e.g., Conner & Armitage, 1998; Conner, Warren,
Close, & Sparks, 1999; Conner et al., 2002). We have asked participants if they have
donated, but we did not ask them how many times.
Also, participants were primed with a particular framing, but our data suggest that
message frames (gain vs. loss) had no main effect on donation intention, contradic-
ting past observations (Reinhart, Marshall, Feeley, and Tutzauer, 2007; Cao, 2016).
Hence, future research should look to how long framing effect last.
Finally, one should bear in mind the difference between intention and action, whi-
ch stress the need for new studies that can confirm or reduce this attitude-action
gap on blood donation.

ARTIGOS | 201
References

Anastácio, S., Vagos, P., Nobre-Lima, L., Rijo, D., & Jolliffe, D. (2016). The Portuguese version of
the Basic Empathy Scale (BES): Dimensionality and measurement invariance in a commu-
nity adolescent sample. European Journal of Developmental Psychology, 13(5), 614–623.
https://doi.org/10.1080/17405629.2016.1167681
Batson, C. D., & Powell, A. A. (2003). Altruism and Prosocial Behavior. In T. Millon, & J. M. Lern-
er, Handbook of Psychology (pp. 463-484). New Jersey: John Wiley & Sons, Inc., Hoboken.
Beerli-Palacio, A., & Martín-Santana, J. D. (2009). Model explaining the predisposition to donate
blood from the social marketing perspective. International Journal of Nonprofit and Volun-
tary Sector Marketing, 14(3), 205–214. https://doi.org/10.1002/nvsm.352
Bem, D. J. (1972). Self-perception theory. Advances in experimental social psychology, 6, 1-62.
Cao, X. (2016). Framing charitable appeals: the effect of message framing and perceived sus-
ceptibility to the negative consequences of inaction on donation intention. International
Journal of Nonprofit and Voluntary Sector Marketing, 21(1), 3-12.
Conner, M., & Armitage, C. (1998). Extending the theory of planned behavior: A review and av-
enues for further research. Journal of Applied Social Psychology, 28, 1429-1464.
Conner, M., Godin, G., Sheeran, P., & Germain, M. (2013). Some feelings are more important:
Cognitive attitudes, affective attitudes, anticipated affect, and blood donation. Health Psy-
chology, 32(3), 264.
Conner, M., Norman, P., & Bell, R. (2002). The theory of planned behaviour and healthy eating.
Health Psychology, 21, 195-201.
Conner, M., Warren, R., Close, S., & Sparks, P. (1999). Alcohol consumption and the theory of
planned behavior: An examination of the cognitive mediation of past behavior. Journal of
Applied Social Psychology, 29(8), 1676-1704.
De Groot, J. I. M., & Steg, L. (2009). Morality and Prosocial Behavior: The Role of Awareness, Re-
sponsibility, and Norms in the Norm Activation Model. The Journal of Social Psychology,
149(4), 425–449. https://doi.org/10.3200/SOCP.149.4.425-449
Decety J, Cowell JM. (2015) Empathy, justice, and moral behavior. AJOB Neuroscience. 6, 3–14.
https://doi.org/10.1080/21507740.2015.1047055
Decety J, Echols S, Correll J. (2010) The blame game: the effect of responsibility and social
stigma on empathy for pain. J. Cogn. Neurosci. 22, 985–997. https://doi.org/10.1162/
jocn.2009.21266
Einolf, C. J. (2008). Empathic concern and prosocial behaviors: A test of experimental results
using survey data. Social Science Research, 37(4), 1267-1279.
Eisenberg, N. (2010). Empathy-related responding: Links with self-regulation, moral judgment,
and moral behavior. Prosocial motives, emotions, and behavior: The better angels of our
nature, 129-148.
Evans, R., & Ferguson, E. (2014). Defining and measuring blood donor altruism: a theoretical ap-
proach from biology, economics and psychology. Vox Sanguinis, 106(2), 118–126. https://
doi.org/10.1111/vox.12080
Ferguson, E., & Lawrence, C. (2016). Blood donation and altruism: the mechanisms of altruism
approach. ISBT Science Series, 11(S1), 148-157.
Forgiarini, M., Gallucci, M., & Maravita, A. (2011). Racism and the empathy for pain on our skin.
Frontiers in psychology, 2, 108.
Freedman, J. L., & Fraser, S. C. (1966). Compliance without pressure: the foot-in-the-door tech-
nique. Journal of personality and social psychology, 4(2), 195.

202 | MEDIA&JORNALISMO
Griffin, D., Grace, D., & O’Cass, A. (2014). Blood Donation: Comparing Individual Characteristics,
Attitudes, and Feelings of Donors and Nondonors. Health Marketing Quarterly, 31(3), 197–
212. https://doi.org/10.1080/07359683.2014.936276
Healy, J., & Murphy, M. (2017). Social Marketing: The Lifeblood of Blood Donation?. In The Cus-
tomer is NOT Always Right? Marketing Orientations in a Dynamic Business World (pp. 811-
811). Springer, Cham.
Healy, J., & Murphy, M. (2017). Social Marketing: The Lifeblood of Blood Donation?. In The Cus-
tomer is NOT Always Right? Marketing Orientationsin a Dynamic Business World (pp. 811-
811). Springer, Cham.
Heider, F. (1958). The Psychology of Interpersonal Relations. New York: Wiley.
Henk, W. A., & Melnick, S. A. (1995). The Reader Self-Perception Scale (RSPS): A new tool for mea-
suring how children feel about themselves as readers. The Reading Teacher, 48(6), 470-482.
Holdershaw, J., Gendall, P., & Wright, M. (2011). Predicting blood donation behaviour: further
application of the theory of planned behaviour. Journal of Social Marketing, 1(2), 120–132.
https://doi.org/10.1108/20426761111141878
Jones, E. E., & Davis, K. E. (1965). From acts to dispositions the attribution process In person
perception1. In  Advances in experimental social psychology  (Vol. 2, pp. 219-266). Aca-
demic Press.
Karacan, E., Seval, G. C., Aktan, Z., Ayli, M., & Palabiyikoglu, R. (2013). Blood donors and fac-
tors impacting the blood donation decision: motives for donating blood in Turkish sample.
Transfusion and Apheresis Science, 49(3), 468-473.
Kidwell, B., & Jewell, R. D. (2003). An examination of perceived behavioral control: Internal and
external influences on intention. Psychology and Marketing, 20(7), 625–642. https://doi.
org/10.1002/mar.10089
Kolins, J., & Herron, R. (2003). On bowling alone and donor recruitment: lessons to be learned.
Transfusion, 43(11), 1634-1638.
Martín-Santana, J. D., Reinares-Lara, E., & Reinares-Lara, P. (2018). Using Radio Advertising to
Promote Blood Donation. Journal of Nonprofit & Public Sector Marketing, 30(1), 52-73.
McVittie, C., Harris, L., & Tiliopoulos, N. (2006). “ I intend to donate but…”: Non-donors’ views of
blood donation in the UK. Psychology, health & medicine, 11(1), 1-6.
Melloni, M., Lopez, V., & Ibanez, A. (2014). Empathy and contextual social cognition. Cognitive,
Affective, & Behavioral Neuroscience, 14(1), 407-425.
Mortimer, D., Ghijben, P., Harris, A., & Hollingsworth, B. (2013). Incentive-based and non-incen-
tive-based interventions for increasing blood donation. Cochrane Database of Systematic
Reviews. https://doi.org/10.1002/14651858.CD010295
Nook, E. C., Ong, D. C., Morelli, S. A., Mitchell, J. P., & Zaki, J. (2016). Prosocial conformity: Pro-
social norms generalize across behavior and empathy. Personality and Social Psychology
Bulletin, 42(8), 1045-1062.
Polonsky, M., Francis, K., & Renzaho, A. (2015). Is removing blood donation barriers a donation
facilitator?: Australian African migrants’ view. Journal of Social Marketing, 5(3), 190–205.
https://doi.org/10.1108/JSOCM-08-2014-0054
Reid, M., & Wood, A. (2008). An investigation into blood donation intentions among non‐donors. In-
ternational Journal of Nonprofit and Voluntary Sector Marketing, 13(1), 31-43.
Reinhart, A. M., Marshall, H. M., Feeley, T. H., & Tutzauer, F. (2007). The persuasive effects of
message framing in organ donation: The mediating role of psychological reactance. Com-
munication Monographs, 74(2), 229-255.

ARTIGOS | 203
Rushton, J. P., Chrisjohn, R. D., & Fekken, G. C. (1981). The altruistic personality and the self-re-
port altruism scale. Personality and individual differences, 2(4), 293-302.
Russell-Bennett, R., Hartel, C., Russell, K., & Previte, J. (2012). It’s all about me! Emotional am-
bivalence Gen-Y blood-donors (pp. 43–43). Presented at the Proceedings from the AMA
SERVSIG International Service Research Conference, Hanken School of Economics.
Russell-Bennett, R., Wood, M., & Previte, J. (2013). Fresh ideas: services thinking for so-
cial marketing. Journal of Social Marketing, 3(3), 223–238. https://doi.org/10.1108/
JSOCM-02-2013-0017
Russell, D. (1982). The Causal Dimension Scale: A measure of how individuals perceive
causes. Journal of Personality and social Psychology, 42(6), 1137.
Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2000). Self-determination theory and the facilitation of intrinsic moti-
vation, social development, and well-being. American Psychologist, 55(1), 68.
Sirgy, M. J. (1982). Self-Image/Product-Image Congruity and Advertising Strategy. In V. Ko-
thari (Ed.), Proceedings of the 1982 Academy of Marketing Science (AMS) Annual Con-
ference (2015th ed., pp. 129–133). Cham: Springer International Publishing. https://doi.
org/10.1007/978-3-319-16946-0_31
Sojka, B. N., & Sojka, P. (2008). The blood donation experience: self‐reported motives and ob-
stacles for donating blood. Vox sanguinis, 94(1), 56-63.
Truong, V. D. (2014). Social Marketing: A Systematic Review of Research 1998–2012. Social
Marketing Quarterly, 20(1), 15–34. https://doi.org/10.1177/1524500413517666
Urbain, C., Gonzalez, C., & Gall‐Ely, M. L. (2013). What does the future hold for giving? An ap-
proach using the social representations of Generation Y. International Journal of Nonprofit
and Voluntary Sector Marketing, 18(3), 159-171.
Verplanken, B., & Holland, R. W. (2002). Motivated Decision Making: Effects of Activation and
Self-Centrality of Values on Choices and Behaviour. Journal of Personality and Social Psy-
chology, 443-447.
Weiner, B. (1980). A Cognitive (Attribution)- Emotion- Action Moel of Motivated Behavior: An
Analysis of Judgments of Help-giving. Journal of Personality and Social Psychology, 2
(39), pp. 186-200.
World Health Organisation. 2010. Towards 100% voluntary blood donation - A global framework
for action. Retrieved from http://www.who.int/bloodsafety/publications/9789241599696_
eng.pdf?ua=1.
World Health Organisation. 2017. Blood safety and availability. Retrieved from http://www.who.
int/news-room/fact-sheets/detail/blood-safety-and-availability.

Attachment

Social It is my duty to help in this social cause even if there is no recognition.


Responsibility It’s always important to finish anything started by me.
It’s no use worrying about current events.
When a person does not declare all his income, to avoid paying some of his
taxes, it is as bad as stealing government money.
When I work in a group, I usually let other people do most of the work.
I am often late for my appointments.
I’m the kind of person people can rely on.
I do my tasks as best I know.

204 | MEDIA&JORNALISMO
Attribution The beneficiary of this social cause has control of his problem.
Theory -Inter- The solution of the problem of the beneficiary of this social cause depends
nal Attribution on his effort.
The beneficiary of this social cause is responsible for his problem.
The social cause originates in the beneficiary.
The social cause is addressed to me.
The social cause is related to me.
The social cause is capable of changing / transforming / improving.
Attribu- The beneficiary of this social cause was unlucky with his problem”;
tion Theory Solving the problem of the beneficiary of this social cause depends on the
- External efforts of other people.
Attribution The responsibility for the problem of the beneficiary of this social cause is
of other people or of no one.
The social cause derives from the situation.
The social cause is directed to other people.
The social cause is related to other people.
The social cause is not likely to change / transform / improve.
Self-Image/ I like to support social causes with which I identify myself.
Perception I feel good when I help other people”.
I consider myself a benefactor of this social cause.
I feel motivated to support this social cause.
People think I’m a person who helps those who need it.
Other people expect me to contribute to this cause.
Social Influ- My friends have participated for this social cause.
ence My family have participated for this social cause.
I know who have participated for this social cause.
Altruism I have already donated goods or clothing to a charity.
I have helped push a stranger’s car into trouble.]
I have volunteered for a charity.]
I have already delayed an elevator and held the door open for a stranger.
I have given money to a stranger who needed it (or who asked me to).
I have already given money to a charity.
I have helped change a stranger’s house.
Empathy I do not get much affect from what my friends are feeling.
Whenever I have a friend who is sad about something, I often feel sad as well.
I can understand the joy of a friend when he does well in something.
I get scared when I see a bad character in a good horror movie.
I easily get involved in the feelings of others.
I have trouble noticing when my friends are scared.
I do not feel sad when I see someone crying.
I do not bother with other people’s feelings.
When someone is “down”, I usually understand what they are feeling.
I can usually tell when my friends are scared.
I feel sad when I see sad things on TV or movies.
I can usually understand how people are feeling, even before they tell me.
Seeing a person who is angry does not have any impact on my feelings.
I can usually tell when people are excited and cheerful.
If I am with friends who are afraid, I tend to be scared too.
I usually understand when a friend is angry.
I easily let myself captivated by the feelings of my friends.
My friend’s sadness does not mess with me.
I do not usually notice my friends’ feelings.
I have some difficulty in noticing when my friends are happy.

Table 1. Measurement Scales used

ARTIGOS | 205
Biographical note

Ana Margarida Barreto holds a PhD degree from New University of Lisbon where she tea-
ches Marketing, Consumer Behavior, and Strategic Communication. She completed a post-doc
at Tel Aviv University where she studied attention, perception and memory, and fieldwork as
a visiting scholar at University of Texas at Austin, University of Westminster, King’s College of
London, and Columbia University. She is also part of the coordination team of ICNOVA and is
the founder and coordinator of the research group on Strategic Communication and Decision-
-Making Processes of that center. Her work has been recognized with many invitations to take
part in the review panel of worldwide journals, such as Communications: The European Journal
of Communication Research, European Journal of Marketing, Journal of Business Research,
Cogent Social Sciences, Information Processing & Management, etc, having received twice in
three years the Outstanding Reviewer Award at the Emerald Literati Network Awards for Excel-
lence (2015 and 2017). Ana Margarida Barreto has also worked for five years in communication
and advertising, both in Portugal and in Spain.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7465-327X
Email: [email protected]
Address:: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submitted: 2018.08.15
* Accepted: 2018.01.10

206 | MEDIA&JORNALISMO
A crise humanitária como tema publicitário: algumas
questões éticas e jurídicas
The humanitarian crisis as an advertising subject: some
ethical and legal questions
La crisis humanitaria como tema publicitario: algunas
cuestiones éticas y jurídicas

Ana Amorim
Universidade Portucalense
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_15

Resumo
Face à globalização dos mercados e à dimensão eminentemente emocional e
simbólica das decisões económicas, o recurso à crise humanitária como tema publi-
citário, que voltou a verificar-se recentemente numa campanha da Benetton, recupera
o problema da dignidade da pessoa humana enquanto valor absoluto universal con-
formador do conteúdo das mensagens. O respeito pela dignidade da pessoa huma-
na enquadra-se no princípio da licitude previsto no regime jurídico da publicidade. Na
era digital, apesar da escassa celeridade e eficácia dos mecanismos sancionatórios
tradicionais da publicidade ilícita, a lesão de valores constitucionais na comunicação
comercial tende a desencadear uma tutela informal, que constitui manifestação da
consciência ética da comunidade.

Palavras-chave
campanhas publicitárias; crise humanitária; princípio da licitude; dignidade; ideologias

Abstract
In the face of markets globalization and the eminently emotional and symbolic di-
mension of economic decisions, the use of humanitarian crisis as an advertising sub-
ject, which occured again recently in a Benetton’s campaing, retrieves the problem of
human dignity as an absolute universal value defining the content of messages. The
respect of human dignity is covered by the principle of lawfulness provided on advertis-
ing legal framework. In the digital era, despite the scarce promptness and effectiveness
of traditional sanctioning mechanisms against unlawful advertising, the infringement
of constitutional standards in commercial communication tends to cause an informal
protection, which is a manifestation of the community ethical conscience.

Keywords
advertising campaigns; humanitarian crisis; principle of lawfulness; dignity;
ideologies

ARTIGOS | 207
Resumen
Ante la globalización de los mercados y la dimensión eminentemente emocional
y simbólica de las decisiones económicas, el recurso a la crisis humanitaria como
tema publicitario, que volvió recientemente a constatarse en una campaña de Be-
netton, recupera el problema de la dignidad de la persona humana como valor abso-
luto universal conformador del contenido de los mensajes. El respeto de la dignidad
de la persona humana se enmarca en el principio de licitud previsto en el régimen
jurídico de la publicidad. En la era digital, a pesar de la escasa celeridad y eficacia de
los mecanismos sancionadores tradicionales de la publicidad ilícita, la lesión de va-
lores constitucionales en la comunicación comercial tiende a desencadenar una tu-
tela informal, que constituye manifestación de la conciencia ética de la comunidad.

Palabras Clave
campañas publicitarias; crisis humanitaria; principio de licitud; dignidad; ideologías

1. Enquadramento

A publicidade assume um papel determinante no processo de comercialização,


como instrumento da diferenciação dos profissionais e da própria dimensão sim-
bólica do consumo, deixando de relevar apenas como mecanismo de escoamento
da produção. Mas assume igualmente um papel determinante na construção das
ideologias, tendências e expectativas dominantes em cada época histórica, espe-
cialmente quando abandona o recurso a argumentos de natureza técnica e funcio-
nal, relativos às características demonstráveis e aos benefícios decorrentes da uti-
lização dos produtos, passando a convocar sobretudo a componente emocional da
decisão de transação.
Em 17 de junho de 2018, a Benetton publicou nas redes sociais duas fotografias
de refugiados resgatados no Mar Mediterrâneo (Figuras 1 e 2).

Figura 1
Fonte - https://www.instagram.com/benetton

208 | MEDIA&JORNALISMO
Figura 2
Fonte - https://www.instagram.com/benetton

Esta utilização da crise humanitária como tema publicitário foi objeto de polémi-
ca, à semelhança do que se verificou nos anos 80 e 90 do século XX, quando num
movimento de rutura com a publicidade tradicional, as campanhas da Benetton pas-
saram a incidir sobre as questões raciais e a xenofobia, os conflitos armados, a SIDA
e as agressões ambientais, que constituíam alguns dos assuntos políticos e sociais
mais controversos (Veríssimo, 2001, p. 46).
Ora, o regime jurídico da publicidade funda-se axiologicamente na proteção
dos consumidores consagrada no artigo 60.º da Constituição da República Por-
tuguesa (doravante CRP) que abrange, entre outros, o direito à informação e a ga-
rantia dos interesses económicos (n.º 1), proibindo a “publicidade oculta, indireta
ou dolosa” (n.º 2). Na medida em que a tutela dos anunciantes assenta na liber-
dade de expressão e informação (artigo 37.º da CRP) e na garantia da iniciativa
económica privada (artigo 61.º da CRP), a regulação da comunicação comercial
– em especial, as restrições ao conteúdo das mensagens – deve, de acordo com
o princípio da proporcionalidade, “limitar-se ao necessário para salvaguardar ou-
tros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (artigo 18.º n.º 2 da
CRP). Ao nível legislativo, resulta sobretudo do Código da Publicidade (doravan-
te CPub) e do regime jurídico das práticas comerciais desleais, aprovado pelo DL
n.º 57/2008, de 26 de março (doravante DL PCD), na sequência da transposição
da Diretiva 2005/29/CE.
Num contexto económico, social e tecnológico em constante mutação, im-
porta ponderar o recurso à crise humanitária como tema publicitário, numa du-
pla perspetiva ética e jurídica. Assim, depois de delimitado o conceito legal de
publicidade, serão abordadas as principais questões suscitadas pela transição
para a dimensão emocional e simbólica da comunicação comercial, bem como
a garantia de valores constitucionais e os mecanismos sancionatórios da pu-
blicidade ilícita.

ARTIGOS | 209
2. Conceito legal de publicidade

Influenciado pela orientação comunitária consagrada na Diretiva 84/450/CEE, o


ordenamento jurídico nacional adotou uma noção ampla de publicidade, que é inde-
pendente do “suporte utilizado para a sua difusão” (artigo 1.º do CPub) e coincide com
“qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no
âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo direto
ou indireto de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens
ou serviços” e de “promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições” (artigo 3.º n.º
1 do CPub). Esta definição viria a ser reiterada pelo artigo 1.º n.º 4 alínea a) da Lei n.º
6/99, de 27 de janeiro, que regula a publicidade por via postal, distribuição direta, tele-
fone e telecópia. Acresce que “a publicidade e a promoção comercial” cabem expres-
samente no conceito de prática comercial enunciado no artigo 3.º alínea d) do DL PCD.
Desta forma, o legislador afastou a perspetiva tradicional, que faz depender a pu-
blicidade do recurso aos meios de comunicação de massas e da remuneração do
titular do suporte. A par dos elementos objetivo e subjetivo, o conceito legal centra-
-se na finalidade persuasiva da mensagem, que tem sido maioritariamente privile-
giada pela doutrina para efeitos da qualificação como publicidade (Almeida, 1985,
p. 129). Esta dimensão teleológica não coincide com a intenção do anunciante, nem
com a natureza promocional percebida pelos destinatários. O que importa aferir é
a idoneidade da mensagem para promover produtos ou serviços, bem como ideias,
princípios, iniciativas ou instituições.
Assim, ficam hoje abrangidas pelo conceito legal de publicidade as modalidades
emergentes da decadência dos meios de comunicação de massas, como a venda
porta-a-porta e a venda por correspondência, nomeadamente através de catálogos,
bem como a publicidade por telefone e telecópia, que constituem as principais mani-
festações do marketing direto. Com a generalização do recurso à Internet, fica também
abrangida a comunicação difundida pelos anunciantes através dos influenciadores
digitais – especialmente, nos blogues pessoais e nas redes sociais – ou fenómenos
mais recentes como o marketing viral. No conceito legal, incluem-se ainda as rela-
ções públicas, cujo incremento tem assentado na credibilidade das mensagens que
não são imediatamente percebidas como publicidade.
De facto, atenta a permanente evolução das modalidades de comunicação co-
mercial, apenas uma noção ampla permite garantir cabalmente os “princípios da
licitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos dos consumidores”
(artigo 6.º do CPub). Pelo contrário, a opção por um critério formal, como as condi-
ções contratuais estabelecidas entre o anunciante e os titulares dos suportes, sacri-
ficaria injustificadamente a proteção dos destinatários. Neste sentido, a difusão da
mensagem a título gratuito não deve prejudicar a necessidade de dar cumprimento
ao regime jurídico da publicidade (Amorim, 2018, p. 40).

3. A transição para a dimensão emocional e simbólica da comunicação comercial

A partir da segunda metade do século XX, perante os primeiros sinais de exces-


so de oferta na generalidade dos sectores de atividade, o escoamento de uma pro-

210 | MEDIA&JORNALISMO
dução indiferenciada e o crescimento do consumo passaram a estar dependentes
da comunicação comercial de massas, que começou a generalizar-se não só na
imprensa e no exterior mas também progressivamente na rádio, na televisão e no
cinema. O conteúdo das mensagens publicitárias coincidia então com o elogio do
produto, que visava as suas características demonstráveis ou os benefícios decor-
rentes da sua utilização. No quadro do modelo de comportamento desenvolvido pe-
las teorias económicas neoclássicas, que postulam a racionalidade das decisões
de consumo, este predomínio dos argumentos de natureza técnica e funcional per-
mite a maximização da utilidade e a minimização dos custos. Ao nível legislativo,
justifica a centralidade da publicidade enganosa resultante atualmente dos artigos
10.º e 11.º do CPub e dos artigos 7.º a 9.º do DL PCD, que incidem sobre elemen-
tos objetivos da oferta – como as vantagens, os riscos, a execução, a composição,
o modo de fabrico, as garantias de conformidade, as utilizações, as especificações
e a origem geográfica – ou ainda sobre o preço e outras condições de aquisição
(Amorim, 2015, p. 169).
No entanto, com a emergência da gestão estratégica de marketing, a consta-
tação do carácter funcionalmente indiferenciado das várias ofertas disponíveis e
a recusa do referido modelo de comportamento determinaram uma mudança de
paradigma ao nível do conteúdo das mensagens publicitárias, que deixam de se
centrar nas características demonstráveis e nos benefícios decorrentes da utiliza-
ção do produto, para passarem a incidir sobre as necessidades e os desejos mas
também as motivações, a personalidade e os estilos de vida dos consumidores. A
comunicação comercial visa, desta forma, a diferenciação emocional ou simbóli-
ca face à concorrência, que é especialmente significativa nos sectores de atividade
caracterizados pela inexistência de barreiras comerciais, tecnológicas ou financei-
ras à entrada, como a moda.
Neste contexto, desenvolve-se igualmente a comunicação de marca, que visa
criar envolvimento através de associações positivas suscetíveis de acrescentar
valor e significado à vida dos consumidores. Este envolvimento potencia a repe-
tição da compra, pelo que se manifesta sobretudo face à dificuldade de construir
relacionamentos de longo prazo com os consumidores. Os anúncios salientam
agora elementos extrínsecos aos produtos, convocando, designadamente, os
efeitos subjetivos gerados pelo consumo, a experiência resultante da compra e
as emoções sociais, que potenciam a escolha de marcas capazes de conferir um
determinado estatuto ou de favorecer a aceitação do indivíduo num grupo de per-
tença ou de referência.
É também no quadro desta mudança de paradigma que a publicidade passa a
recorrer predominantemente a imagens, cujo impacto mais direto e mais imediato
é reconhecido face ao texto escrito. As imagens têm ainda a vantagem de consti-
tuir uma linguagem universal, o que releva especialmente numa época histórica que
coincide com a globalização de alguns sectores de atividade. Acresce que a eficácia
da comunicação comercial depende sobretudo da criatividade e do impacto criado
nos destinatários e já não do carácter repetido e permanente dos anúncios. A recen-
te campanha da Benetton que recorreu à crise humanitária como tema publicitário,
através da publicação nas redes sociais de duas fotografias de refugiados resga-
tados no Mar Mediterrâneo, constitui um exemplo desta mudança de paradigma.

ARTIGOS | 211
3.1. Evolução do apelo a sentimentos e tendência de liberalização

A recusa do apelo a sentimentos na comunicação comercial coincide historica-


mente com a crença na racionalidade das decisões de consumo. À medida que o
conteúdo das mensagens foi deixando de ter conexão com os produtos e passou a
incidir sobre assuntos políticos e sociais controversos, a doutrina e a jurisprudência
alemãs começaram a censurar a publicidade chocante com fundamento no princí-
pio da prestação (Leistungswettbewerb). De acordo com este princípio, a concor-
rência entre agentes económicos deve assentar nos elementos objetivos da oferta,
garantindo-se a liberdade de escolha dos consumidores e o funcionamento correto
do mercado (Henning-Bodewig, 1993, p. 953). Assim se justificou a proibição do ape-
lo a sentimentos na comunicação comercial, dominante na generalidade dos orde-
namentos jurídicos europeus pelo menos até ao final do século XX.
No entanto, na transição para uma nova abordagem jurídica da publicidade, a
liberalização do apelo a sentimentos resulta da inexistência de fundamento consti-
tucional para uma proibição genérica. Afastada a crença na racionalidade das deci-
sões de consumo, a mera ausência de conexão com o produto – que caracterizava
a publicidade chocante e que se verifica hoje frequentemente no marketing viral –
parece constituir uma opção legítima dos anunciantes, cuja liberdade publicitária se
funda axiologicamente na liberdade de expressão e informação (artigo 37.º da CRP)
e na iniciativa económica privada (artigo 61.º da CRP). Daqui decorre que a dimen-
são emocional e simbólica da comunicação comercial não determina a existência
de uma categoria de ilícito publicitário, aplicável genericamente na ausência de ou-
tras valorações (Amorim, 2017, p. 422).
Assim, com a generalização do apelo a sentimentos na comunicação comercial,
diminui progressivamente o âmbito de aplicação do regime jurídico vigente, centra-
do na proibição da publicidade enganosa. De facto, os anúncios invocam atualmente
sobretudo benefícios emocionais e simbólicos do consumo de determinado produto
ou serviço, que não correspondem às alegações “exatas e passíveis de prova” sobre
que incide o artigo 10.º n.º 2 do CPub. Segundo a doutrina maioritária, a aplicabilida-
de do princípio da veracidade, em que assenta a proibição da publicidade engano-
sa, restringe-se às expressões concretas e comprováveis, relativas a circunstâncias
objetivas, excluindo apreciações meramente subjetivas, como os juízos estéticos
ou as considerações relativas a gostos pessoais (Fernández-Novoa, 1975, p. 378).
Desta forma, começa a verificar-se igualmente uma redefinição da própria pu-
blicidade, que para efeitos do comércio eletrónico exclui já as “mensagens que se
limitem a identificar ou permitir o acesso a um operador económico ou identifiquem
objetivamente bens, serviços ou a imagem de um operador, em coletâneas ou listas,
particularmente quando não tiverem implicações financeiras, embora se integrem em
serviços da sociedade da informação”, nos termos do artigo 20.º n.º 1 alínea a) do DL
n.º 7/2004, de 7 de janeiro. O alcance prático desta opção legislativa coincide com a
descrição dos produtos nos sítios eletrónicos que funcionam como ponto de venda.
No entanto, importa referir que a tendência de liberalização do apelo a sentimen-
tos na comunicação comercial tem como exceções a exploração do medo, da an-
siedade, da insegurança ou do sentimento de culpa dos destinatários, que integra o
conceito de coação para efeitos da qualificação como práticas comerciais agressi-

212 | MEDIA&JORNALISMO
vas (artigo 11.º do DL PCD) e a violação do princípio da licitude, que tem adquirido
progressiva centralidade na regulação do conteúdo das mensagens publicitárias.

3.2. O princípio da licitude como garantia de valores constitucionais

Face ao aumento exponencial da concorrência num quadro de globalização dos


mercados, o apelo a sentimentos redunda por vezes numa desconformidade com
o artigo 7.º n.º 1 do CPub, que proíbe “a publicidade que, pela sua forma, objeto ou
fim, ofenda os valores, princípios e instituições fundamentais constitucionalmente
consagrados”. Também em sede de autodisciplina, para efeitos do princípio da lega-
lidade, o artigo 5.º do Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária estabelece
que “a comunicação comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reco-
nhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.
O artigo 7.º n.º 2 do CPub consagra a título exemplificativo um conjunto de hipó-
teses de violação do princípio da licitude. Na medida em que os preceitos constitu-
cionais têm valor normativo direto, as normas de remissão podiam ter sido dispensa-
das, como reconhece predominantemente a doutrina espanhola face ao ordenamento
jurídico que inspirou a redação do diploma nacional (Cuesta Rute, 1989, p. 59). Re-
corde-se ademais que a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações en-
tre particulares é hoje pacificamente aceite, tendo consagração expressa, entre nós,
no artigo 18.º n.º 1 da CRP.
Serão abordadas as hipóteses de violação do princípio da licitude em causa no
recurso à crise humanitária como tema publicitário, que traduzem restrições ao con-
teúdo das mensagens publicitárias. No quadro desta abordagem jurídica, serão igual-
mente analisadas as normas emanadas pelos organismos profissionais em sede de
autodisciplina, cuja acentuada componente ética e de responsabilidade social conduz
quase sempre ao equilíbrio adequado dos interesses dos profissionais, dos consumi-
dores, do mercado publicitário e da sociedade em geral (Gómez Segade, 1980, p. 161).

3.2.1. A dignidade da pessoa humana

A alínea c) do n.º 2 do artigo 7.º do CPub proíbe a publicidade que “atente contra
a dignidade da pessoa humana”, reiterando o disposto no artigo 1.º da CRP, segundo
o qual “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa huma-
na e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e
solidária”. Também o artigo 8.º do Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária,
relativo à responsabilidade social, prevê que “a comunicação comercial deve respei-
tar a dignidade da pessoa humana e não deve incitar ou veicular qualquer forma de
discriminação, seja ela fundada em questões raciais, de nacionalidade, de origem
religiosa, género, etária, deficiência física ou orientação sexual”.
Num contexto económico, social e tecnológico em constante mutação, a digni-
dade da pessoa humana deve considerar-se determinante da regulação da comuni-
cação comercial, tendo concretização em várias normas legais, como as que proí-
bem a publicidade violenta ou a publicidade discriminatória. Mas pode ser também

ARTIGOS | 213
objeto de aplicação direta uma vez que, perante a crescente globalização dos mer-
cados, oferece um parâmetro de aferição do conteúdo das mensagens publicitárias
difundidas numa rede aberta. Recorde-se que face ao movimento de rutura inicia-
do pelas campanhas da Benetton nos anos 80 e 90 do século XX, a dignidade da
pessoa humana já tinha sido invocada pela doutrina e jurisprudência alemãs como
fundamento da proibição da publicidade chocante em sede de concorrência desleal
(Schlieper, 2011, p. 114).
A violação do princípio da licitude face à dignidade da pessoa humana depende,
desde logo, do recurso ao consumidor médio e não a grupos de pessoas especial-
mente vulneráveis. Este critério traduz, segundo a Diretiva 2005/29/CE, o “consu-
midor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, tendo
em conta fatores de ordem social, cultural e linguística” (Considerando 18). Acresce
que no ordenamento jurídico espanhol têm sido enunciados parâmetros comple-
mentares, cuja relevância se manifesta sobretudo nas hipóteses de lesão indireta
ou implícita de valores constitucionais (Martínez Escribano, Herrero Suárez, Martín
García & Hernández-Rico, 2015, p. 96). Com interesse para o caso da campanha
da Benetton, importa referir que a probabilidade de violação é menor se a situação
apresentada na campanha publicitária for imaginária ou irreal, nomeadamente, com
recurso ao humor.
Daqui decorre que as fotografias publicadas em 17 de junho de 2018, enquanto
retrato da crise humanitária que afetou os refugiados no Mar Mediterrâneo, pare-
cem constituir uma inaceitável instrumentalização da pessoa a finalidades comer-
ciais. No entanto, para efeitos do princípio da proporcionalidade enunciado no artigo
18.º n.º 2 da CRP, deve ser ponderada a prevalência do interesse público inerente ao
tema da referida campanha. De facto, mais do que invocar a liberdade publicitária
dos anunciantes relativa ao conteúdo das mensagens ou o aproveitamento econó-
mico das imagens, haverá que ponderar se esta campanha representa – como tem
invocado a própria Benetton – um contributo útil para a reflexão sobre os assuntos
atuais mais controversos. Acresce que o Estado deve assumir deveres de proteção
de pessoas em situações especiais propícias a atentados graves à dignidade, como
acontece com os refugiados (Canotilho & Moreira, 2007, p. 199).
A ilicitude da comunicação comercial que adota como tema publicitário a crise
humanitária pode ainda resultar da contrariedade ao bom gosto e decência. Porém,
na medida em que o conteúdo do bom gosto e decência fica dependente das con-
ceções morais, sociais, culturais e religiosas em cada momento vigentes, esta proi-
bição deve abranger hipóteses meramente residuais, como o recurso a linguagem
obscena consagrado do artigo 7.º n.º 2 alínea f) do CPub ou a publicidade de con-
teúdo pornográfico, nos termos do artigo 1.º n.º 1 do DL n.º 254/76, de 7 de abril. Na
verdade, apesar de não integrar diretamente um valor suscetível de justificar restri-
ções aos direitos, liberdades e garantias, o conceito de “moral pública constitucio-
nal” pode ser construído a partir da dignidade da pessoa humana e de outros bens
jurídicos protegidos (Machado, 2002, p. 854).
Em sede de autodisciplina, o artigo 6.º do Código de Conduta da Auto Regulação
Publicitária prevê que “a comunicação comercial deve proscrever qualquer declara-
ção ou apresentação áudio e/ou visuais que possam ofender os padrões de decên-
cia prevalecentes no país e cultura em causa”.

214 | MEDIA&JORNALISMO
3.2.2. O direito à imagem

Nos termos da alínea e) do n.º 2 do artigo 7.º do CPub, é igualmente proibida a


publicidade que “utilize, sem autorização da própria, a imagem ou as palavras de al-
guma pessoa”. Esta hipótese não tem consagração autónoma em sede de autodis-
ciplina, onde decorre diretamente do referido princípio da legalidade.
A norma tutela os direitos à imagem e à palavra consagrados no artigo 26.º n.º
1 da CRP, enquanto manifestações da identidade pessoal e da própria dignidade da
pessoa humana. No ordenamento jurídico português, estes direitos têm também pro-
teção criminal no artigo 199.º do Código Penal, relativo à utilização de gravações e
fotografias ilícitas. Acresce que de acordo com o disposto no artigo 79.º do Código
Civil, em matéria de direitos da personalidade, “o retrato de uma pessoa não pode ser
exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela” (n.º 1). Este
consentimento é relevante sobretudo quando existe aproveitamento económico da
imagem de uma pessoa. No entanto, “não é necessário o consentimento da pessoa
retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe,
exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou
quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de
factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente” (n.º 2). Desta for-
ma, a utilização da imagem ou das palavras de uma pessoa na publicidade depen-
de, em regra, da celebração de um contrato ou, pelo menos, do seu consentimen-
to enquanto causa de exclusão da ilicitude prevista no artigo 340.º do Código Civil.
No caso das fotografias de refugiados resgatados no Mar Mediterrâneo, pode
não ter havido consentimento para a utilização da imagem, ao contrário do que se
verificou na fotografia de David Kirby – doente com SIDA em estado terminal – utili-
zada também numa campanha da Benetton, que foi objeto de polémica no início dos
anos 90 do século XX. Porém, esta ausência de consentimento não parece constituir
fundamento da ilicitude daquela publicidade, na medida em que as imagens não só
se enquadram num lugar público, como têm origem em factos de interesse público.

4. Mecanismos sancionatórios da publicidade ilícita

A tutela contraordenacional enunciada no artigo 34.º do CPub integra o principal


mecanismo sancionatório contra a publicidade ilícita, determinando a aplicação de
uma coima de € 1745,79 a € 3740,98 e de € 3491,59 a € 44 891,81 consoante o infra-
tor seja pessoa singular ou pessoa coletiva. Nos termos do artigo 36.º do CPub, são
punidos como agentes da publicidade ilícita “o anunciante, o profissional, a agência
de publicidade ou qualquer outra entidade que exerça a atividade publicitária, o titu-
lar do suporte publicitário ou o respetivo concessionário, bem como qualquer outro
interveniente na emissão da mensagem publicitária”. A competência para a instru-
ção e o julgamento dos processos cabe, segundo o disposto nos artigos 38.º e 39.º
do CPub, respetivamente, à Direção-Geral do Consumidor e à Autoridade de Segu-
rança Alimentar e Económica.
É igualmente aplicável o artigo 10.º da Lei de Defesa do Consumidor, que asse-
gura “o direito de ação inibitória destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas

ARTIGOS | 215
lesivas dos direitos do consumidor”. Apesar de consagrada também numa dimensão
preventiva, a tutela judicial contra a publicidade ilícita corresponde quase sempre a
uma ação de cessação de determinados comportamentos. Esta ação de cessação
constitui o mecanismo mais eficaz de proteção dos destinatários que não tenham
ainda estado em contacto com o anúncio. E, na medida em que visa afastar um es-
tado de desconformidade objetiva, não fica dependente da culpa do anunciante.
Coincide com esta ação de cessação a alusão às medidas cautelares no artigo
41.º n.º 1 do CPub, segundo o qual “em caso de publicidade enganosa, publicidade
comparativa ilícita ou de publicidade que, pelo seu objeto, forma ou fim, acarrete ou
possa acarretar riscos para a saúde, a segurança, os direitos ou os interesses legal-
mente protegidos dos seus destinatários, de menores ou do público a entidade com-
petente para a aplicação das coimas previstas no presente diploma, sob proposta
das entidades com competência para a fiscalização das infrações em matéria de
publicidade, pode ordenar medidas cautelares de suspensão, cessação ou proibição
daquela publicidade, independentemente de culpa ou da prova de uma perda ou de
um prejuízo real”. Ao contrário do que sugere a referência ao carácter cautelar, as
referidas medidas não têm natureza provisória.
No entanto, com a generalização do recurso à Internet como suporte publicitário,
as novas formas de disseminação de conteúdos suscitam múltiplas dificuldades na
tutela efetiva da comunicação comercial, sobretudo face à crescente globalização dos
mercados e à acentuada dimensão emocional e simbólica das decisões económicas.

4.1. O recurso a sistemas de autodisciplina

A par dos mecanismos sancionatórios de natureza pública, importa considerar


o recurso a sistemas de autodisciplina como instrumento de promoção dos valores
constitucionais na comunicação comercial. Na verdade, através da introdução de
novos patamares de responsabilidade, a autorregulação contribui para elevar o nível
de correção das condutas dos profissionais e para garantir a segurança jurídica face
às cláusulas gerais (Conte, 2006, p. 137). Encontra-se, por isso, em condições privile-
giadas para censurar o recurso à crise humanitária como tema publicitário sempre
que este se revele contrário aos valores constitucionais.
Os Códigos de Conduta constituem uma forma coletiva e não estadual de regular
as relações entre agentes económicos, integrando ordenamentos jurídicos autóno-
mos e não meros postulados de conteúdo ético (Patiño Alves, 2007, p. 61). Atento o
carácter voluntário, fundam-se na autonomia privada e num princípio de reciprocida-
de. O valor jurídico dos Códigos de Conduta é determinado pela sua força coativa, que
resulta da aplicação e execução das respetivas normas. Neste sentido, a prevalência
do recurso a sistemas de autodisciplina justifica-se pela celeridade e eficácia das de-
cisões, sem que fique impedido o recurso à via administrativa ou judicial. Apresenta
como principal vantagem a flexibilidade na abordagem de situações em evolução
e dotadas de uma complexidade crescente, especialmente no domínio da Internet.
A autonomia privada restringe o efeito vinculativo dos Códigos de Conduta às
relações intersubjetivas, com exclusão de terceiros. Ou seja, a eficácia das decisões
assenta na qualidade de associado ou, pelo menos, na sua aceitação expressa pelos

216 | MEDIA&JORNALISMO
intervenientes. Porém, esta limitação não inviabiliza a heteroeficácia dos sistemas de
autodisciplina, que através do controlo da generalidade dos meios de difusão atin-
gem também os anunciantes não associados, como reconheceu o Supremo Tribunal
de Justiça a propósito das decisões do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária
(acórdão de 15 de janeiro de 2009, processo n.º 2234/05.2TVLSB).
Ora, num quadro de adesão voluntária, a relevância da resolução de litígios depen-
de tanto da autoridade social dos organismos, como da referida proteção integrada
de interesses, contrariando a preocupação com o risco de valoração neocorporativa
dos comportamentos. Assim, reitera-se que os sistemas de autodisciplina se encon-
tram atualmente em condições privilegiadas para promover o respeito pela dignidade
da pessoa humana na comunicação comercial. Esta promoção decorre da aplica-
ção dos artigos 5.º, 6.º e 8.º do Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária.

4.2. A reação do mercado como manifestação da consciência ética da comunidade

Entendido num sentido subjetivo amplo, o mercado abrange os intervenientes di-


retos na troca de produtos ou prestação de serviços (profissionais e consumidores),
bem como os destinatários das mensagens publicitárias, nomeadamente os receto-
res efetivos, segundo o conceito enunciado na alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º do CPub.
Verificada hoje sobretudo em ambiente digital, a reação espontânea do mercado
face a determinadas campanhas traduz uma manifestação da consciência ética da
comunidade, integrando um relevante mecanismo sancionatório informal, cuja cele-
ridade e eficácia superam a tutela pela via administrativa ou judicial e até a interven-
ção dos organismos de autodisciplina. Desta forma, a reação espontânea do merca-
do tende a limitar a utilidade dos mecanismos sancionatórios tradicionais. Para além
de determinar, em regra, a cessação voluntária do ato ilícito pelo anunciante, a reação
espontânea do mercado condiciona as decisões de consumo e influencia a perceção
emocional e simbólica da marca pelo público em geral, o que pode corresponder a uma
afetação da reputação económica do profissional e a uma efetiva diminuição do seu
volume de negócios. Ainda que dependa maioritariamente da perceção do consumidor
médio face à campanha publicitária, a tutela informal pode resultar da necessidade de
garantir os interesses de grupos de pessoas especialmente vulneráveis, em função da
consciência ética da comunidade, pautada por critérios de igualdade e solidariedade.
Ora, esta tutela informal beneficia dos instrumentos da Web 2.0 caracterizados
pela interatividade e bidirecionalidade – nomeadamente, as redes sociais, os blogues
pessoais e as comunidades de partilha de conteúdos – que permitem aos utilizado-
res a troca de opiniões relativas aos produtos e serviços mas também às próprias
campanhas publicitárias. É, aliás, nesta dimensão colaborativa da Internet que as-
senta a redistribuição do poder de mercado na Sociedade da Informação (Amorim,
2017, p. 471).
Na medida em que constitui uma manifestação da consciência ética da comu-
nidade, esta tutela informal traduz a valoração das mensagens publicitárias à luz do
seu significado social, ao contrário do que resulta frequentemente dos mecanismos
sancionatórios tradicionais. De facto, o mercado faz depender a garantia de valores
constitucionais na comunicação comercial estritamente do sentido social dominan-

ARTIGOS | 217
te em cada época histórica, que deve prevalecer na interpretação e aplicação das
normas proibitivas. Esta conceção normativa dinâmica permite dar resposta ao ca-
rácter difuso e mutável da publicidade na era digital, sobretudo adequando a censu-
rabilidade das condutas à sua valoração social.
No caso da campanha da Benetton, a tutela informal que se manifestou nas re-
des sociais não parece ter sido suficiente para provocar as consequências que lhe
estão tipicamente associadas, mantendo-se as imagens publicadas nas redes so-
ciais, o que pode justificar-se pela fidelidade dos consumidores à controvérsia sus-
citada pela marca desde os anos 80 e 90 do século XX ou pela reconhecida neces-
sidade de reflexão sobre a crise humanitária, para a qual a comunicação comercial
pode representar um contributo útil.

5. Considerações finais

O direito da publicidade enquadra-se tradicionalmente na proteção do consumi-


dor. No entanto, com a generalização do apelo a sentimentos na comunicação co-
mercial, passa a relevar mais amplamente a tutela dos destinatários, onde cabem
também os recetores efetivos, que são atingidos pelas mensagens por estarem em
contacto com o canal de difusão, independentemente da existência – sequer poten-
cial – de uma decisão de transação (Amorim, 2018, p. 16).
Num quadro de crescente globalização dos mercados, onde importa atender es-
pecialmente ao impacto cultural da comunicação comercial, as fotografias de refu-
giados resgatados no Mar Mediterrâneo publicadas pela Benetton nas redes sociais
permitem recuperar o problema da dignidade da pessoa humana enquanto valor ab-
soluto universal conformador do conteúdo das mensagens. Porém, para efeitos do
princípio da proporcionalidade, na conformação da regulação da comunicação co-
mercial suscetível de limitar a liberdade publicitária dos anunciantes, não pode dei-
xar de ser ponderada a prevalência do interesse público inerente ao tema da referida
campanha. Assim, a reflexão sobre a crise humanitária promovida pode a final con-
tribuir para promover o respeito pela dignidade da pessoa humana.
Mais do que os fundamentos axiológicos da proibição da publicidade chocan-
te, o que mudou relativamente às campanhas difundidas no final do século XX foi o
papel que cabe agora ao mercado na reação contra a comunicação comercial que
se revele contrária à consciência ética da comunidade. Neste sentido, e apesar de
as campanhas representarem um contributo útil para a reflexão sobre os assuntos
atuais mais controversos, cabe aos anunciantes avaliar previamente o impacto que
a publicidade pode vir a criar nos destinatários, tarefa que se revela especialmente
complexa num contexto económico, social e tecnológico em constante mutação.

Bibliografia

Almeida, C. (1985). O conceito de publicidade. Boletim do Ministério da Justiça, 349, 115-134.


Amorim, A. (2015). Comunicação Comercial e Direitos dos Consumidores: Desafios da Socie-
dade da Informação. Revista de Direito Intelectual, 1, 165-189.

218 | MEDIA&JORNALISMO
– (2017). A tutela da lealdade nas relações de mercado. A propósito do ilícito publicitário. Coim-
bra: Almedina.
– (2018). Manual de Direito da Publicidade. Lisboa: Petrony.
Canotilho, J. & Moreira, V. (2007). Constituição da República Portuguesa anotada. Coimbra:
Coimbra Editora.
Conte, G. (2006). Codici etici e attività d’impresa nel nouvo spazio globale di mercato. Contrat-
to e Impresa, 1, 108-140.
Cuesta Rute, J. (1989). Observaciones sobre la Ley General de Publicidad. Revista Jurídica de
Catalunya, 4, 51-104.
Fernández-Novoa, C. (1975). La sujeción de las expresiones publicitarias al principio de veraci-
dad. Actas de Derecho Industrial y Derecho de Autor, 2, 369-391.
Gómez Segade, J. (1980). Jornadas de Derecho de la Publicidad. Madrid: Instituto Nacional
de Publicidad.
Henning-Bodewig, F. (1993). “Werbung mit der Realität” oder wettbewerbswidrige Schockwer-
bung?. Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht, 12, 950-953.
Machado, J. (2002). Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no
sistema social. Coimbra: Coimbra Editora.
Martínez Escribano, C., Herrero Suárez, C., Martín García, L. & Hernández-Rico, J. (2015), Dere-
cho de la Publicidad. Navarra: Aranzadi.
Patiño Alves, B. (2007). La autorregulación publicitaria. Especial referencia al sistema español.
Barcelona: Bosch.
Schlieper, P. (2011). Der Anwendungsbereich der lauterkeitsrechtlichen Generalklausel in § 3
Abs. 1 UWG. Hamburgo: Verlag Dr. Kovač.
Veríssimo, J. (2001). A publicidade da Benetton: um discurso sobre o real. Coimbra: Edições
Minerva.

Nota biográfica

Ana Amorim é Professora Auxiliar da Universidade Portucalense. Membro do Gabinete Téc-


nico-Jurídico da Auto Regulação Publicitária. Doutora em Ciências Jurídicas Privatísticas pela
Escola de Direito da Universidade do Minho. Desenvolve investigação sobretudo nas áreas do
Direito da Publicidade e Concorrência Desleal.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4121-2723
E-mail: [email protected]
Morada: Universidade Portucalense. Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 541 4200-072
Porto, Portugal

* Submetido: 2018.06.30
* Aceite: 2018.09.05

ARTIGOS | 219
(Página deixada propositadamente em branco)
A influência publicitária no consumo de marcas de
vestuário e de calçado em contexto juvenil
The advertising influence on the consumption of clothing
and footwear brands in a youth context
La influencia publicitaria en el consumo de marcas de
vestuario y de calzado en contexto juvenil

Cristina Santos
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_16

Resumo
O objetivo do presente artigo é conhecer qual a influência que a publicidade po-
derá exercer no processo de consumo juvenil de marcas de vestuário e de calçado.
Para o efeito, aplicou-se um inquérito por questionário a estudantes do 9º ano de
escolaridade de três estabelecimentos de ensino de Cascais. Tendo em conta as
perceções da população em estudo, constatou-se que a publicidade é reconhecida
enquanto uma fonte meramente informativa e não persuasiva. Não obstante, pode-
rá estar em causa o não reconhecimento da influência publicitária. Detetou-se ainda
uma vincada relação feminina estabelecida com o discurso publicitário.

Palavras-chave
publicidade; marcas; vestuário; calçado; juventude

Abstract
With this article we pretend to know the influence that advertising may have in
the process of youth consumption of brands of clothing and footwear. For this pur-
pose, a questionnaire survey was applied to students of the 9th year of three schools
in Cascais. We found that advertising is recognized as a purely informative and not
persuasive source. Nonetheless, the advertising influence may not been recognized.
There was also a privileged relation established by girls with advertising.

Keywords
advertising; brands; clothing; footwear; youth

Resumen
El objetivo del artículo es conocer cuál es la influencia que la publicidad podrá te-
ner en el proceso de consumo juvenil de marcas de vestuario y de calzado. Se aplicó
un cuestionario a estudiantes del 9º año de escolaridad de tres escuelas de Cascais.

ARTIGOS | 221
Se constató que la publicidad es reconocida como una fuente meramente informati-
va y no persuasiva. No obstante, la influencia publicitaria puede no haber sido reco-
nocida. Hay una fuerte relación femenina establecida con la publicidad.

Palabras clave
publicidad; marcas; ropa; calzado; juventud

Introdução

Sabe-se que a publicidade, as marcas, o vestuário e o calçado poderão ter algum


impacto em contexto juvenil, dada a importância que os jovens atribuem à aparência
e ao consumo. Com o presente artigo pretende-se perceber qual a influência que a
publicidade poderá exercer no consumo juvenil de marcas de vestuário e de calçado.
Para atingir este objetivo, efetuámos uma pesquisa empírica. Optámos por uma me-
todologia quantitativa, através da aplicação de um inquérito por questionário a 194
jovens que frequentavam o 9º ano de escolaridade num dos três estabelecimentos
de ensino de Cascais participantes na nossa pesquisa: o Colégio do Amor de Deus,
a EB 2,3 Escola Matilde Rosa Araújo e a Escola Salesiana de Manique. Trata-se de
uma problemática pertinente na contemporaneidade, e que, por esse motivo, deverá
ser alvo de um escrutínio académico, dada a importância que as práticas de consu-
mo aparentam deter nas vivências quotidianas dos indivíduos, particularmente na
juventude, tal como demonstra a revisão da literatura que se segue.

Os jovens, a corporeidade, as marcas de vestuário e de calçado e a publicidade

A perceção corporal tem sofrido alterações ao longo do tempo. Na atual socieda-


de, o corpo é encarado como um objeto valioso, que deve ser valorizado, estimado e
exibido, conceção diferente do paradigma anterior, mediante o qual o corpo era en-
tendido como um mero instrumento de trabalho. É durante a fase juvenil do indivíduo
que a corporeidade e a visualidade ganham uma particular expressividade, inclusive
para o desenvolvimento da auto-estima dos sujeitos. A aparência torna-se determi-
nante, destacando-se a importância do vestuário e do calçado (Pina, 2001; Ferreira,
2003; Santos, 2004; Pais, 2005; Pereira et al., 2005; Galhardo, 2006; Quadrado, 2006;
Chan, 2008; Campos, 2010; Santos, 2016, 2017): “(...) a camisola errada pode arruinar
completamente a imagem e o dia de alguém” (Brusdal e Lavik, 2008, p. 396). Efeti-
vamente, possuir as coisas ‘certas’ pode ser vital, dados os ganhos em causa: “(...)
popularidade, identidade, felicidade” (Dittmar, 2008, p. 1).
Vigora uma época estética, e um consequente eu performativo juvenil, construí-
do a partir de encenações corporais (Lopes, 2000; Chan, 2008). Os jovens encaram
o vestuário de uma forma particularmente codificada, emitindo opiniões acerca dos
seus pares, com base apenas na roupa envergada e nas marcas utilizadas (Miles,
2000; Santos, 2004; Arthur et al., 2006; Perse, 2006; Belleau et al., 2007; Hamilton,
2012; Santos, 2017). Realce-se que a juventude tem como marcador identitário o
uso de determinadas marcas de roupa, consideradas como desejáveis. A adesão a

222 | MEDIA&JORNALISMO
marcas prestigiadas pode funcionar enquanto um referencial identitário, mediante
a imagem que se quer passar aos outros, no quadro da convivialidade, permitindo,
inclusive, a filiação em determinados agrupamentos (Miles, 2000; Arthur et al., 2006;
Quadrado, 2006; Cruz, 2009). Assim sendo, é expectável que as marcas de vestuá-
rio e de calçado sejam preponderantes nas dinâmicas de consumo juvenis (Santos,
2004; Chan, 2008), particularmente nas masculinas (Cardoso, 2005; Santos e Neves,
2006; Santos, 2017), sendo as marcas desportivas as insígnias que a juventude mais
valoriza (Miles, 2000; Pina, 2001; Galhardo, 2006; Santos, 2017).
Os jovens são, simultaneamente, um dos públicos mais ambicionados do mer-
cado, devido ao facto de serem considerados consumidores ostensivos; hedónicos;
interessados; recetivos às ofertas existentes e às tendências e particularmente vul-
neráveis a comportamentos de compra excessivos e, consequentemente, um dos
segmentos mais desejados e retratados pela publicidade (Quadrado, 2006; Campos,
2010; Deutsch e Theodorou, 2010). A juventude está ciente dessa sua preponderância,
ao ter a plena consciência da influência que o discurso publicitário procura exercer
sobre os seus padrões de consumo, particularmente numa era em que “A aceleração
do ritmo de vida (...) conduziram a um menor acompanhamento de crianças e jovens
por parte dos agentes tradicionais de socialização. Acompanhando as tendências
dos países industrializados ocidentais, as nossas crianças e jovens são crescente-
mente educados pelos meios de comunicação de massas” (Ribeiro, 2010, p. 182).
Não obstante, se alguns estudos constataram uma atitude juvenil positiva face à pu-
blicidade (Chidid e Leão, 2011; Ribeiro, 2010; Cardoso e Pinto, 2009; Galhardo, 2006;
Miles, 2000), outros revelaram a pouca influência exercida pelo discurso publicitário
nas escolhas dos jovens (Austin et al., 2007; Pina, 2001).
São vários os motivos que justificam a premência que a publicidade poderá as-
sumir no acalentar das dinâmicas de consumo do setor em estudo: apresenta as
marcas de uma forma estratégica, realçando a relevância da posse de certas insíg-
nias; destaca, enquanto temas juvenis, a moda e a aparência; centra-se nos cuida-
dos com a corporeidade; convida os jovens a definirem-se através da indumentária
e, por último, é um indispensável veículo juvenil para a legitimação do que é, ou não,
apropriado adotar, particularmente na escolha do vestuário (Miles, 2000; Ferreira,
2003; Araújo, 2006; Galhardo, 2006; Santos, 2013).
A importância da publicidade em contexto juvenil reflete uma tendência trans-
versal, na medida em que vivemos numa sociedade de consumo, em que o discurso
publicitário é o respetivo hino triunfal: “A publicidade é o papel de parede de uma so-
ciedade de consumo (…)” (O’Guinn, 2007, p. 5). Na contemporaneidade, a publicidade
apresenta os objetos como remédios e terapias para a atribulada vida contemporâ-
nea e as personagens como signos de desejo, devido a uma motivação de natureza
aspiracional (Ashikali e Dittmar, 2012; Crymble, 2012; Cardoso e Pinto, 2009; Dittmar,
2008; Fonseca, 2007; O’Guinn, 2007). Efetivamente, o pertence é exibido como um
suplemento incondicional da existência humana (Fonseca, 2007; O’Guinn, 2007), ex-
plorando a positividade, dissipando as fragilidades do consumidor e exacerbando o
seu lado narcísico. As dificuldades quotidianas e as restantes “(...) facetas negativas
são atreladas ao não-ter o produto” (Camargo, 2013, p. 22). Como consequência, a
linguagem publicitária funciona como uma ficção narrativa, assente numa constru-
ção imagética, que visa persuadir o consumidor, operando enquanto vendedora de

ARTIGOS | 223
sonhos, como uma fábula e fantasia, capaz de produzir signos, elevando meros pro-
dutos a objetos mágicos, alvo de fascínio e de adoração (Silva et al., 2011; Santos,
2013, 2017).

A metodologia e a amostra da investigação

Para tentar inferir se a publicidade influencia o consumo juvenil, na escolha


de marcas de vestuário e de calçado, apostámos na aplicação de um inquérito
por questionário, documento que construímos de raiz e cuja entrega, preenchi-
mento e recolha decorreram em contexto de sala de aula e sob a nossa presen-
ça, orientação e supervisão. Tivemos como referência alguns estudos nacionais:
Consciência histórica e identidade (1999); Condutas de risco, práticas culturais e
atitudes perante o corpo: resultados de um inquérito aos jovens portugueses em
2000 (2003); Juventude, consumo e globalização: uma análise comparativa (2004);
Consumo e auto-estima (2005); O materialismo e a felicidade (2005); Suscepti-
bilidades das crianças à influência dos grupos de referência (2006); Análise das
atitudes e comportamentos dos jovens face aos produtos de moda e vestuário
(2008); Sociedade de bairro (2008); Consumo hedónico e utilitário e atitude face
à publicidade (2009) e Valores e felicidade no séc. XXI (2011). Recorremos, ainda,
a uma obra internacional: Proximity of clothing to self scale (2004). Utilizámos es-
calas que não excedem as cinco hipóteses de resposta, por termos respondentes
com menores graus de escolaridade (Cicourel, citado por Foddy, 2002). Por outro
lado, ao serem escalas de concordância, em detrimento do diferencial semântico,
evitam-se as respostas neutrais.
Esta metodologia quantitativa detém um carácter particularmente determi-
nista e privilegia a quantificação estandardizada, utilizando tipologias e classi-
ficações, ao deter um conjunto fixo de perguntas (Miller et al., 1998; Morgan,
1998). Após a realização do respetivo pré-teste1, e de algumas subsequentes
alterações, o documento foi aplicado, no ano letivo 2012/2013, à amostra da
nossa investigação, constituída por 194 jovens dos sexos feminino e masculi-
no, estudantes do 9º ano de escolaridade em estabelecimentos de ensino de
Cascais: o Colégio do Amor de Deus, a EB 2,3 Escola Matilde Rosa Araújo e a
Escola Salesiana de Manique.
Após a recolha do material, analisámos o conjunto de inquéritos por questio-
nário, recorrendo-se ao tratamento estatístico dos dados através do programa
SPSS® (Statistical Package for the Social Sciences)2. Para medir a intensidade
da correlação entre variáveis, utilizámos o teste estatístico Rho de Spearman
(coeficiente de correlação de Spearman), indicado para medir a intensidade de
relação entre variáveis ordinais. Usámos o teste de aderência do Qui-quadrado
nos casos em que se considerou a distribuição dos sujeitos por sexo. Passemos
para a análise e a discussão de resultados, os quais refletem as perceções da
nossa população em estudo.

1
O pré-teste foi aplicado a uma turma de 9º ano da Escola António Gedeão, em Odivelas.
2
Versão 17.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, USA).

224 | MEDIA&JORNALISMO
A influência publicitária no consumo de marcas de vestuário e de calçado em
contexto juvenil: análise e discussão de resultados

Comecemos por debruçar-nos, precisamente, sobre a relação que os jovens


estabelecem com as práticas de consumo. Alguns estudos identificaram que,
por um lado, a felicidade e, por outro, o prazer, ambos podem ser associados ao
consumo, ligação particularmente acentuada na juventude, uma vez que a ida às
compras é considerada a ocupação social juvenil favorita (Miles, 2000; Pina, 2001;
Brusdal e Lavik, 2008; Ribeiro, 2010). Conclusões reforçadas pelos nossos resul-
tados, já que 83,4% dos inquiridos afirma sentir-se mais feliz quando tem mais di-
nheiro para adquirir o que quiser e 69,9% considera prazerosa a ida às compras.
Desta forma, os respondentes aparentam entender que a possibilidade de consu-
mir poderá ter um impacto positivo na sua vida, pois é a partir do mero exercício
da atividade de consumo, independentemente do tipo de produto em causa, que
poderão retirar felicidade e prazer. Como consequência, a aquisição é valorizada
unicamente per si, dada a satisfação pessoal que a compra, na convicção dos
participantes, lhes proporciona.
Existe, portanto, uma ligação privilegiada estabelecida pelos jovens com o
consumo: “O processo de consumo tornou-se cada vez mais significativo para
a compreensão de como a vida dos jovens é cultural, psicológica e socialmente
construída (…)” (Hill, 2016, p. 6). Trata-se de um processo que se inicia durante a
infância: “O seu quotidiano é dominado pela natureza omnipresente e efémera do
consumismo, ao ponto de as crianças ocidentais não conhecerem outra realidade”
(Hill, 2016, p. 6), com destaque para o que incide sobre marcas com notoriedade:
“Presentemente as crianças procuram definir-se através da aquisição de produtos,
particularmente os de marcas conhecidas” (Hill, 2016, p. 7). É a prevalência do que
é reconhecido: “As pessoas preferem o que é lhes familiar (…)” (Aaker, 2014, p. 10).
Apesar de ser particularmente proeminente na fase juvenil, é um mecanismo co-
mum a todos os indivíduos. Segundo Miles (2010, 2015), vivemos numa socieda-
de em que o poder do consumo é omnipresente e em que os consumidores não
são vítimas desse mecanismo social, uma vez que contribuem ativamente para
a sua existência, sedimentação e expansão: “Ir às compras é (…) uma ideologia;
um processo através do qual uma maneira de pensar e de se comportar torna-se
naturalizada e normal” (Miles, 2015, p. 5).
Detetámos uma dinâmica de género diferenciada: mais raparigas enten-
dem obter prazer com o ato aquisitivo3. Outras pesquisas dão indícios simila-
res: a mulher encara o consumo como algo recreativo, preferindo-o a outras
atividades de lazer e atribui-lhe um valor intrinsecamente gratificante; o sexo
feminino demonstra mais facilmente atitudes positivas relativamente às com-
pras, apresentando uma particular propensão para as práticas de consumo,
independentemente dos produtos em causa e de a compra se concretizar, de-
tendo, por isso, uma maior predisposição para a aquisição compulsiva e hedó-
nica (Santos e Neves, 2006; Belk, 2008; Brusdal e Lavik, 2008; Cardoso e Pinto,
2009; Santos, 2016).

3
χ2 =44,914; p= 0.000< α =0.01; N=192

ARTIGOS | 225
Explanemos a relevância que o vestuário, o calçado e as respetivas marcas
poderão assumir em contexto juvenil. Para 79,4% da amostra estes bens são im-
portantes na sua vida, preponderância extensível, ainda que em menor percenta-
gem, às marcas, uma vez que somente 53,6% dos inquiridos considera que estas
são relevantes na compra de roupa e de calçado. Apesar de as marcas serem “(..)
poderosas” (Aaker, 2014, p. 1), dados os inúmeros benefícios que oferecem (fun-
cionais, emocionais, expressivos e sociais) (Aaker, 2014), 25,8% dos indivíduos
que assinalaram que o vestuário e o calçado são importantes, não consideraram
as respetivas marcas igualmente significantes na aquisição destes bens. Toda-
via, 87,1% dos respondentes demonstrou deter uma capacidade para listar mar-
cas do setor4. Além disso, foram mencionadas, no total, 114 marcas, das quais,
54 foram apontadas, cada uma, somente por um inquirido, constatando-se a di-
versidade de gostos juvenis e um considerável conhecimento das insígnias exis-
tentes no mercado. Em suma, os produtos são, assim, valorizados per si, isto é,
independentemente dos logotipos presentes nas etiquetas, pelo que poderemos
estar perante processos de consumo, ainda que interligados, autónomos. As cin-
co marcas mais apontadas foram, por ordem decrescente, Zara e Bershka, em
ex aequo, cada uma assinalada por 47,4% dos inquiridos, ou seja, por quase me-
tade da nossa população em estudo; Pull&Bear, apontada por 36,1% dos respon-
dentes; Vans, mencionada por 32,0% dos participantes e Stradivarius, indicada
por 30,4% destes jovens.
Sobre estas problemáticas, identificámos duas dinâmicas de género diferen-
ciadas: as raparigas valorizam mais o vestuário e o calçado (87,4%)5, indepen-
dentemente da marca em causa, enquanto os rapazes demonstram possuir uma
lógica de consumo inversa, dado que atribuem uma maior importância às respe-
tivas marcas (64,6%)6, particularmente as desportivas. Não obstante, estas repre-
sentações não tiveram uma destacada influência nas práticas de consumo dos
respondentes, ao contrário do que esperávamos, uma vez que não se verificaram,
praticamente, comportamentos e atitudes diferenciadas, em termos de género,
nos respetivos padrões de compra. Não foram detetadas, por exemplo, variações
ao nível da frequência e das motivações aquisitivas.
Incidamos a nossa análise sobre a influência que a publicidade poderá exercer
na escolha de marcas de vestuário e de calçado: 77,7% dos inquiridos conside-
ra que o impacto publicitário no processo de consumo é residual ou inexistente,
conforme consta no Gráfico 1.

4
Era pedido, no inquérito por questionário, que fossem indicadas cinco marcas de vestuá-
rio e de calçado que gostassem.
5
χ2 =10,466; p= 0.001< α =0.01; N=193
6
χ2 =6,628; p= 0.010< α =0.01; N=193

226 | MEDIA&JORNALISMO
Gráfico 1. Será que quando escolhes uma marca de vestuário e de calçado, a publicidade terá
alguma influência nas tuas decisões? (%)
Fonte: Elaboração própria

Também o visual dos ídolos não foi identificado como sendo um fator relevante (71,1%),
ao contrário de outras dimensões, apontadas, pela nossa população em estudo, como
exercendo algum tipo de influência sobre as marcas de vestuário e de calçado que ad-
quirem: como a opinião do/a namorado/a (69,3%); a opinião dos/as amigos/as (67,8%) e
a opinião da família (56,7%). Em suma, verifica-se a primazia das fontes pessoais (como
a opinião do núcleo amoroso, amical e familiar), em detrimento das fontes impessoais,
(como a publicidade e o visual dos ídolos). Nos processos aquisitivos, um dos vetores
mais reconhecidos como sendo importante é o parecer das pessoas mais próximas, afe-
tivamente. É que as atitudes formadas a partir das experiências diretas, isto é, vivenciadas
pelo indivíduo, são mais fortes, acessíveis, confiantes e preditivas do que as que resultam
de experiências mediadas, como as potenciadas pela publicidade (Elliott e Wattanasu-
wan, 1998; Pina, 2001). No entanto, outros estudos apontam a particular suscetibilidade
juvenil à influência publicitária (Pereira et al., 2005; Perse, 2006; Bonifield e Cole, 2007).
Os dados anteriores são reforçados pelos próximos resultados: 67,2% dos respon-
dentes refere que a publicidade não os ajuda a escolher as marcas adquiridas (Gráfico 2).

Gráfico 2. A publicidade ajuda-me a escolher as marcas de vestuário e calçado que compro (%)
Fonte: Elaboração própria

ARTIGOS | 227
Se não é imputada à publicidade uma aptidão influenciadora relativamente ao
setor em causa, realce-se que 63,7% da amostra afirma que esta variável de comuni-
cação auxilia a saber que marcas de vestuário e de calçado estão na moda, pelo que,
aparentemente, é-lhe reconhecida uma capacidade informativa. A publicidade pode,
de facto, exercer um papel central na divulgação de produtos e marcas: “A gestão de
uma marca pode ser delegada a uma agência de publicidade, pois está em causa
gerir uma imagem (…)” (Aaker, 2014, p. 9). É que os anúncios publicitários são enca-
rados como uma importante fonte de informação sobre a realidade e cultura juvenis,
funcionando como guias, ao facultarem pistas sobre o que será socialmente aceite
e o que se apresenta como sendo mais popular entre os jovens. Desta forma, pode-
rão ser equiparados a uma escola paralela, com conteúdos atrativos e facilmente
acessíveis, ao contribuírem para a aquisição de aprendizagens, de competências e
para a socialização (Perse, 2006; Belleau et al., 2007; Ribeiro, 2010).
Acrescente-se que 52,4% dos jovens menciona não ser frequente estarem atentos
aos anúncios publicitários deste tipo de marcas. Ao cruzarmos estes dois dados, po-
demos identificar um aparente paradoxo. Conforme realçado anteriormente, a maior
parte dos participantes na nossa pesquisa menciona que a publicidade os auxilia a
ter conhecimento de quais as marcas de vestuário e de calçado que estão em voga,
mas que não costumam estar atentos/as aos anúncios publicitários do setor. Ve-
jamos: se não é frequente que a maioria dos inquiridos dedique alguma atenção às
mensagens publicitárias deste tipo de marcas, como é que poderá ficar a conhecer
quais é que estão na moda, através desta variável de comunicação?
Por outro lado, se entendem que o vestuário e o calçado são importantes na sua
vida, tal como se apurou, é expectável que se interessem pelos diferentes discur-
sos que incidem sobre estes produtos e as respetivas marcas, tal como acontece
com a publicidade. Poderemos ainda relacionar esta questão com a problemática
anterior. É possível que considerem que não são influenciados pelas mensagens
publicitárias deste tipo de marcas, por julgarem que não prestam atenção às mes-
mas. Saliente-se ainda que a publicidade poderá, eventualmente, ajudar a escolher
quais as marcas a comprar, ainda que indiretamente, tendo em conta o prévio co-
nhecimento de quais as insígnias que estão em voga. Portanto, se o discurso pu-
blicitário lhes dá a conhecer quais as marcas que têm uma maior popularidade, é
provável que essa informação acabe por ter algum tipo de impacto nas suas prá-
ticas de consumo.
Assim, colocamos a hipótese de os respondentes se alhearem da eventual
influência a que poderão estar sujeitos através da publicidade. Deveras, alguns
estudos relatam esse não reconhecimento da influência publicitária (Alves, 2002;
Galhardo, 2006). Diversos autores argumentam que é difícil a avaliação das moti-
vações de consumo, dada a complexidade dos mecanismos subjacentes à com-
pra: “(...) o consumidor nem sempre diz o que fez ou fará. O consumidor nem
sempre sabe porque o fez ou fará” (Ribeiro, 2010, p. 18); “(…) a maioria do com-
portamento do consumidor é feito de forma inconsciente e muitas pessoas não
têm ideia dos motivos que as conduziram a tomar determinadas atitudes” (Hud-
ders e Vyncke, 2008, p. 42).
Paralelamente, detetámos diferenças de género na forma como os participantes
na nossa investigação encaram a publicidade, verificando-se uma relação mais es-

228 | MEDIA&JORNALISMO
treita estabelecida pelas raparigas com esta variável de comunicação, já que mais
inquiridas: consideram que costumam estar atentas aos anúncios publicitários do
setor7; entendem que a publicidade as ajuda a saber que marcas de vestuário e de
calçado estão na moda8 e referem que a publicidade influencia as suas decisões,
aquando da escolha de uma marca de vestuário e de calçado9. Como consequên-
cia, o sexo feminino aparenta associar ao discurso publicitário uma dupla capaci-
dade: informativa e persuasiva.

Conclusão

Os resultados da nossa investigação indicam que é estabelecida uma re-


lação privilegiada com o consumo, ao qual são associados sentimentos po-
sitivos, como a felicidade e o hedonismo, particularmente no caso feminino.
Constatámos a estreita ligação que os jovens estabelecem com o vestuário,
o calçado e as respetivas marcas, sendo que as raparigas valorizam mais os
produtos e os rapazes as marcas do setor. Verificámos a diversidade de gos-
tos juvenis e o amplo conhecimento do mercado e da oferta existente. As cinco
marcas mais apontadas como fazendo parte do seu rol de gostos foram, por
ordem decrescente, a Zara e a Bershka, em ex aequo, seguindo-se a Pull&Bear,
a Vans e a Stradivarius.
Quanto ao impacto da publicidade nas práticas de consumo juvenis, detetá-
mos que esta variável de comunicação não influencia o processo aquisitivo de
marcas de vestuário e de calçado. Aliás, a maioria dos respondentes assinala que
não costuma estar atenta aos anúncios publicitários do setor, ainda que indique
que a publicidade auxilia a saber quais as marcas que estão na moda. Na pers-
petiva dos inquiridos, o discurso publicitário é valorizado enquanto ferramenta
utilitária, sendo-lhe reconhecida somente uma competência informativa, ao dar a
conhecer o que está em voga, e não uma capacidade influenciadora. Não obstan-
te, poderá estar em causa, como vimos, o não reconhecimento da influência pu-
blicitária. Também apurámos a maior ligação estabelecida pelas raparigas com
a publicidade, já que mais participantes do sexo feminino afirmam estar atentas
aos anúncios publicitários das marcas de vestuário e de calçado, os quais as aju-
dam não só a saber quais as insígnias que estão na moda, como influenciam as
suas práticas de consumo.
Cremos que a presente investigação, ao promover a análise e a discussão destas
problemáticas, relevantes nas vivências quotidianas dos jovens, contemporanea-
mente imersos numa sociedade de consumo, poderá ter implicações académicas
e empresariais, ao contribuir para um maior conhecimento sobre o impacto que a
publicidade exercerá nas práticas de consumo juvenis, permitindo o planeamento
de estratégias de comunicação mais eficazes.

7
χ2 =20,056; p= 0.000< α =0.01; N=190
8
χ2 =6,752; p= 0.009< α =0.01; N=189
9
χ2 =6,265; p= 0.012< α =0.01; N=192

ARTIGOS | 229
Bibliografia

Aaker, D. (2014). Aaker on branding: 20 principles that drive sucess. New York: Morgan James
Publishing.
Alves, C. (2002). Comportamento do consumidor: análise do comportamento de consumo da
criança. Lisboa: Escolar Editora.
Arthur, D. et al. (2006). Understanding and communicating with australia’s young adults. In P.
Cardoso et al. (Orgs.), Jovens, marcas e estilos de vida (pp. 47-59). Porto: Edições Univer-
sidade Fernando Pessoa.
Ashikali, E. & Dittmar, H. (2012). The effect of priming materialism on woboys’s responses to
thin-ideal media. British Journal of Social Psychology 51, 514–533.
Austin, C. et al. (2007). Peer-to-peer media opportunities. The Sage Handbook of advertising.
Thousand Oaks: Sage Publications.
Belleau, B. et al. (2007). Theory of reasoned action: purchase intention of young consumers.
Clothing and Textiles Research Journal, 25(3), 244-257.
Belk, R. 2008. Consumption and Identity. The Cambridge Handbook of Psychology and Eco-
nomic Behaviour.
Bonifield, C. & Cole, C. (2007). Advertising to vulnerable segments. The Sage Handbook of Ad-
vertising. Thousand Oaks: Sage Publications.
Brusdal, R. & Lavik, R. (2008). Just shopping? A closer look at youth and shopping in Norway.
Young, 16(4), 393-408.
Camargo, H. (2013). O filme publicitário como mito atualizado: fantasia, ritual, tempo e totemis-
mo. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação, Covilhã, UBI, 1-35.
Campos, R. (2010). Juventude e visualidade no mundo contemporâneo: uma reflexão em torno
da imagem nas culturas juvenis. Sociologia, Problemas e Práticas, 63, 113-137.
Cardoso, A. (2005). Importância e significado que as crianças atribuem ao vestuário, às marcas
e à moda – recurso à representação gráfica. Comunicação apresentada no XXVIII Congres-
so Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação.
Cardoso, P. & Pinto, S. (2009). Consumo hedónico e utilitário e atitude face à publicidade. Co-
municação Pública, 4(8), 99-117.
Chan, K. (2008). Social comparison of material possessions among adolescents. Qualitative
market research: an international journal, 11(3), 316-330.
Chidid, I. & Leão, A. (2011). Atividades de consumo como recursos da construção da identidade
pré-adolescente em interações verbais. Organizações em contexto, 7(13), 59-83.
Cruz, I. (2009). Entre estruturas e agentes: padrões e práticas de consumo em Portugal Con-
tinental. Dissertação de Doutoramento em Sociologia. Porto: Faculdade de Letras da Uni-
versidade do Porto.
Crymble, S. (2012). Contradiction sells: feminine complexity and gender identity dissonance in
magazine advertising. Journal of Communication Inquiry, 3(1), 62–84.
Deutsch, N. & Theodorou, E. (2010). Aspiring, consuming, becoming: youth identity in a culture
of consumption. Youth & Society, 42(2), 229-254.
Dittmar, H. (2008). Consumer culture, identity and well-being: the searche for good life and the
body perfect. Londres: Psychology Press.
Elliott, R. & Wattanasuwan, K. (1998). Consumption and the symbolic project of the self. In B.
Englis, B. & A. Olofsson (Eds.), European Advances in Consumer Research. Provo: Associa-
tion for Consumer Research.

230 | MEDIA&JORNALISMO
Ferreira, V. (2003). Atitudes dos jovens portugueses perante o corpo. In J. Pais & M. Cabral
(Coords., Condutas de risco, práticas culturais e atitudes perante o corpo: resultados de
um inquérito aos jovens portugueses em 2000. Oeiras: Celta.
Fonseca, R. (2007).A arte como discurso: a identidade como mercadoria. Sociologia, Proble-
mas e Práticas, 53, 117-133.
Galhardo, A. (2006). Marcas com que me identifico – o ponto de vista de um grupo de jovens
consumidores. In P. Cardoso et al. (Orgs.), Jovens, marcas e estilos de vida (pp. 225-234).
Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa.
Hill, J. (2016). How consumer culture controls our kids. Cashing in on conformity. Santa Bar-
bara: Praeger.
Hudders, L. & Vyncke, P. (2008). A dress to impress and a toy to enjoy. How consumer motiva-
tions can be used in luxury ads. In F. Pereira et al. (Eds), New trends in advertising research
(pp.27-44). Lisboa: Edições Sílabo.
Lopes, J. (2000). A cidade e a cultura: um estudo sobre práticas culturais urbanas. Porto: Edi-
ções Afrontamento.
Miles, S. (2015). Retail and the artifice of social change. London: Routledge.
Miles, S. (2010). Spaces for consumption. Pleasure and placelessness in the post-industrial
city. London: Sage Publications
Miles, S. (2000). Youth lifestyles in a changing world. Buckingham: Open University Press.
Miller, D. et al. (1998). Shopping, place and identity. Londres: Routledge.
Morgan, D. (1998). The focus group guidebook, 1. Thousand Oaks: Sage Publications.
Pais, J. (2005). Jovens e cidadania. Sociologia, Problemas e Prácticas, 49, 53-70.
Pereira, F. et al. (2005). Consumo e auto-estima. Comunicação Pública, 1(1), 135-157.
Perse, E. (2006). Advertising, effects on adolescents. Encyclopedia of children, adolescents, and
the media. Thousand Oaks: Sage Publications.
Pina, H. (2001). Jovens, consumo, marcas e revistas: estudo de caso. Dissertação de Mestra-
do em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação. Lisboa: ISCTE - Instituto Uni-
versitário de Lisboa.
Quadrado, R. (2006). Adolescentes: corpos inscritos pelo gênero e pela cultura de consumo.
Dissertação de Mestrado em Educação ambiental. Rio Grande: Fundação Universidade
Federal do Rio Grande.
Ribeiro, R. (2010). Sociologia do consumo: aplicado ao marketing e à comunicação. Lisboa:
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
Santos, C. (2016). Beleza, magreza e juventude: a perfeição corporal feminina na publicidade e
a corporeidade disruptiva da Dove. Comunicación, 35, 13-27.
Santos, C. (2017). O vestuário enquanto capital simbólico: o processo identitário juvenil. Ei-
kon, S/N, 1-12.
Santos, C. (2013). Publicidade e identidade: que relação? Comunicação Pública, 8(14), 37–55.
Santos, F. (2004). Juventude, consumo e globalização: uma análise comparativa. Dissertação
de Doutoramento em Gestão. Lisboa: ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.
Santos, F. e Neves, M. (2006). Estilos de decisão de consumidor com uma amostra portugue-
sa. In P. Cardoso et al. (Org.), Jovens, marcas e estilos de vida (pp. 61-73). Porto: Edições
Universidade Fernando Pessoa.
Silva, S. et al. (2011). O ritual da comunicação e o ritual do consumo: novas tribos, novos rituais.
In H. Pires (Coord.), Comunicação e Sociedade (pp. 301-315). Braga: Centro de Estudos de
Comunicação e Sociedade.

ARTIGOS | 231
Nota biográfica

Cristina Santos é Docente de unidades curriculares ligadas à publicidade e à comunica-


ção, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e investigadora no CICANT.
Tem Doutoramento em Sociologia (ISCTE-IUL), na área do consumo. A investigadora tem
publicado artigos (com peer review) em revistas nacionais e internacionais e apresentado co-
municações em congressos nacionais e internacionais.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5945-2664
Email: [email protected]
Morada: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Campo Grande, 376, 1749-
024 Lisboa, Portugal

* Submetido: 2018.06.28
* Aceite: 2018.10.20

232 | MEDIA&JORNALISMO
A natureza do fenómeno da reputação científica:
o caso dos consórcios universidade-indústria
The nature of the scientific reputation phenomenon:
the case of an university-industry consortia
La naturaleza del fenómeno de la reputación científica: el
caso de los consorcios universidad-industria

Teresa Ruão
Universidade do Minho
Centro de Estudo de Comunicação e Sociedade

Clarisse Pessôa
Universidade Católica Portuguesa
Centro de Estudo de Comunicação e Sociedade
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_17

Resumo
A reputação é um fator muito influente no trabalho de um cientista pelos seus
efeitos na carreira, captação de fundos ou aprovação dos pares. Do mesmo modo
que se revela importante para as unidades de I&D na construção de redes de tra-
balho e na angariação de financiamento, público ou privado. Contudo, o fenómeno
da reputação é difícil de avaliar, pois inclui fatores subjetivos, não detetados nas ha-
bituais técnicas bibliométricas, e porque tem evoluído face às exigências da nova
ciência-empreendedora.
Neste contexto, desenvolvemos um estudo com o propósito de entender a na-
tureza do fenómeno da reputação aplicado ao domínio da ciência, no ambiente de
um consórcio de investigação universidade-indústria em Portugal. Trata-se de uma
investigação-piloto que partiu das necessidades sentidas pela equipa de comunica-
ção do consórcio e que tem em mãos a tarefa de gerir a reputação da parceria e dos
seus investigadores. Esse artigo deixa algumas pistas para um trabalho de Comuni-
cação Estratégica continuado.

Palavras-chave
reputação científica; comunicação da ciência; comunicação estratégica; em-
preendedorismo científico

Abstract
Reputation is a very influential factor in the work of scientists because of its ef-
fects on career, fundraising, or peer approval. In the same way that it is important for
R&D units in building networks or raising funds, public or private. However, the repu-

ARTIGOS | 233
tation phenomenon is difficult to assess because it includes subjective factors not
detected in the usual bibliometric techniques and because it has evolved, as a con-
sequence of the demands of the new entrepreneurial-science.
In this context, we have developed a study with the purpose of understanding the
nature of the reputation phenomenon applied to the field of science in the context
of a university-industry research consortium in Portugal. This is a pilot project that
emerged from the needs felt by the consortium’s communication team with the task
of managing the reputation of the partnership and its researchers. This paper leaves
some clues for continued Strategic Communication work.

Keywords
scientific reputation; science communication; strategic communication; scien-
tific entrepreneurship

Resumen
La reputación es un factor muy influyente en el trabajo de un científico por sus
efectos en la carrera, la captación de fondos o la aprobación de los pares. De la mis-
ma manera que resulta importante para las unidades de I&D en la construcción de
redes de trabajo y en la recaudación de financiamiento, público o privado. Sin embar-
go, el fenómeno de la reputación es difícil de evaluar, pues incluye factores subjetivos
no detectados en las habituales técnicas bibliométricas, y porque ha evolucionado
frente a las exigencias de la nueva ciencia-emprendedora
En este contexto, se desarrolló un estudio con el fin de comprender la naturale-
za del fenómeno de la reputación aplicada al campo de la ciencia, en el ambiente de
un consorcio de investigación universidad-industria en Portugal. Se trata de una in-
vestigación piloto que partió de las necesidades sentidas por el equipo de comuni-
cación del consorcio y que tiene en manos la tarea de gestionar la reputación de la
asociación y de sus investigadores. Este artículo deja algunas pistas para un trabajo
de Comunicación Estratégica continuado.

Palabras clave
reputación científica; comunicación de la ciencia; comunicación estratégica; em-
prendimiento científico

1. Introdução

A excelência e a qualidade sempre foram olhadas como o “cálice sagrado da


ciência” (Parra et al., 2011), constituindo o motor do trabalho dos cientistas, das uni-
versidades e dos centros de investigação. Da comunicação dessa excelência e qua-
lidade, aos pares ou à comunidade em geral, resultam impressões de notoriedade
(reconhecimento) e prestígio (tendência de opinião positiva e edificadora de status),
que, se sustentadas no tempo, dão origem à reputação (avaliação social sobre o
comportamento de alguém ou de alguma instituição). E existem poucos atributos
mais influentes do que a reputação de um cientista para a progressão na carreira,

234 | MEDIA&JORNALISMO
captação de fundos, atração de colegas de trabalho, atenção dos média e aprovação
dos pares. Da mesma forma que esta se revela importante para as instituições cien-
tíficas na construção de redes de trabalho e na angariação de financiamento, públi-
co ou privado. Contudo, a reputação é difícil de avaliar, pois inclui fatores subjetivos
e nem sempre detetados nas técnicas bibliométricas, aplicadas muito comumente
na comunidade científica.
Assim, o propósito deste estudo é entender a natureza do fenómeno da reputa-
ção aplicado ao domínio da ciência no contexto de um consórcio de investigação
universidade-indústria. Trata-se de uma investigação-piloto que partiu das necessi-
dades sentidas pela equipa responsável pela comunicação do consórcio e que tem
em mãos a tarefa de gerir a reputação da parceria, dos seus grupos de pesquisa
(projetos) e dos seus investigadores (que estão integrados em unidades de investi-
gação). Esse trabalho pretende atrair os melhores cientistas para as equipas, reter
esses recursos humanos e conseguir fontes de financiamento para um trabalho de
investigação continuado.
Para tal, cabe à equipa de comunicação usar os recursos da Comunicação Es-
tratégica – a área das Ciências da Comunicação que propõe o uso orquestrado de
mensagens e canais de modo a maximizar o impacto, influenciar os públicos e atin-
gir os objetivos organizacionais (Argenti et al., 2005; Hallahan et al., 2007) - para de-
senvolver um plano de Comunicação Estratégica da Ciência (Ruão et al., 2015), aqui
entendido como um processo organizado e integrado de promover a divulgação dos
resultados alcançados pelos cientistas, seus grupos de pesquisa e organizações de
que fazem parte. Na verdade, acreditamos que a Comunicação da Ciência implica
hoje a definição de um plano estratégico que estimule um conjunto de respostas às
mensagens, enviadas através dos canais mais apropriados. Ou seja, a Comunica-
ção da Ciência deve ser vista como um processo estratégico capaz de promover a
disseminação do trabalho científico, da reputação dos cientistas e do valor social da
ciência. Ainda que neste estudo nos centremos na análise do fenómeno da reputa-
ção científica, com o propósito de pensar os usos da Comunicação Estratégica que
podem estimular esse tipo de representações mentais.
A reputação científica é uma importante construção social, que permite aferir a
qualidade das publicações e da carreira dos cientistas na ausência de um sistema de
informação completo. O trabalho da ciência é feito por investigadores e equipas que
se relacionam em redes dinâmicas e interconectadas de pessoas e organizações.
Destas relações, cada vez mais globais, resulta uma produção científica crescente
e difícil de acompanhar por parte dos agentes da ciência, impossibilitando uma ava-
liação direta da sua qualidade. Nessa medida, a reputação científica emerge como
um conceito-chave para designar um mecanismo mental de simplificação da infor-
mação que tem origem em perfis de publicações, níveis de citações ou rankings.
Funcionando, assim, como garante de qualidade e estímulo à confiança no trabalho
de cientistas e unidades de investigação, bem como recompensa ao esforço desen-
volvido pelos investigadores (Peterson et al., 2013).
Na verdade, a reputação sempre constituiu uma forma de avaliação do trabalho
científico, mas a emergência da universidade-empreendedora (Clark, 1998), nos anos
1990, obrigou a repensar o fenómeno. A exigência política e pública de adoção de orien-
tações de gestão mais empresariais e de comportamentos socialmente responsáveis

ARTIGOS | 235
por parte das universidades, um pouco por todo o mundo, atingiu também a sua mis-
são de investigação que se viu, a partir daí, impelida a melhorar a performance na pres-
tação de serviços e nos resultados financeiros. Tal implicou mudanças organizacionais
profundas e teve efeitos quer nos processos de comunicação da ciência, quer no papel
das impressões de reputação.
Contudo, a evolução do fenómeno da reputação dos cientistas no quadro das
novas exigências da ciência-empreendedora está pouco estudada. Neste contexto,
desenvolvemos um estudo-piloto para avaliar a natureza do fenómeno da reputa-
ção científica a partir da experiência de um consórcio de investigação universidade-
-indústria em Portugal.

2. O Cientista-Empreendedor

A emergência de um modelo de empreendedorismo académico, que encoraja a


exploração comercial da investigação, trouxe alterações profundas às regras de cria-
ção, reconhecimento e competição no mundo da ciência, obrigando os cientistas a
procurarem recompensas em dois espaços: o da ciência e o empresarial. A proposta
é hoje a de que “o trabalho científico pode ser, ao mesmo tempo, puro e aplicado; e a
fronteira entre a produção do conhecimento e a sua exploração pode ser claramente
marcada ou atenuada” (Lam, 2010, p. 8). Mas o assunto não é pacífico nas academias.
Na verdade, a crescente intensificação das relações universidade-indústria e da
“comercialização” do trabalho científico têm levado a um aceso debate entre os cien-
tistas das universidades de todo o mundo, sobre a mudança das práticas de traba-
lho (Angell & Bohlander, 2004; Mirowski & van Horn, 2005; Rasmussen, 2007; Zhao,
2009; entre outros). Uma das grandes preocupações é que os cientistas tenham sido
tomados pelo “ethos da comercialização” à medida que se envolvem cada vez mais
numa ciência lucrativa. E os críticos do paradigma empresarial veem os académicos
quer como promotores, quer como vítimas dessa comercialização, num processo
que estabelece “um regime de capitalismo académico do conhecimento” (Lam, 2010,
p. 4). Contudo, é ainda incerto que tudo isto conduza a uma categoria uniforme de
cientistas- empreendedores orientados para uma causa comum.
As missões primeiras dos cientistas sempre foram a criação e disseminação do
conhecimento, bem como a educação dos seus estudantes. Mas depois dos anos
1990 (ou até mais cedo em alguns países), aos cientistas foi atribuída a missão de
desenvolverem atividades comerciais, incluindo as patentes e a formação em em-
presa. Estas atividades constituem formas das universidades se financiarem, bem
como incentivos ao trabalho dos investigadores. Daqui resultou a intensificação das
relações económicas universidade-empresa, através de atividades de transferência
do conhecimento (Markman et al., 2008).
Mas o que terá mudado em matéria de gestão da reputação com as transfor-
mações operadas nos anos 1990? Com o nascimento de um “novo cientista-em-
preendedor” (Goktepe-Hulten & Mahagoonkar, 2010, p. 406) as questões financeiras,
a compensação monetária e o lucro apareceram na equação das recompensas ao
cientista (Lam, 2010). As próprias universidades passaram a premiar os investigado-
res envolvidos em atividades de comercialização da ciência, com base nos ganhos

236 | MEDIA&JORNALISMO
percebidos das atividades de transferência do conhecimento para a indústria. Neste
contexto, vários estudos mostram que os cientistas e os seus departamentos pas-
saram a ser sensíveis aos incentivos financeiros, que os motivariam ao desenvolvi-
mento de atividades empreendedoras perante a escassez de recursos públicos para
a investigação (Farsi & Talebi, 2009; Yang & Chang, 2009; Goktepe-Hulten & Maha-
goonkar, 2010). Sendo que destas atividades resultaria um tipo particular de reputa-
ção, assente na relevância empresarial e aplicabilidade da sua pesquisa, bem como
na capacidade de atrair financiamento.
Contudo, a pesquisa empírica, sobre o impacto dos incentivos financeiros no
trabalho científico, tem apresentado evidências mistas. Ou seja, alguns estudos en-
contram uma ligação positiva entre os incentivos financeiros e as motivações para a
pesquisa, enquanto outros concluem que a recompensa monetária, oferecida pelas
universidades ou pelos consórcios colaborativos, tem um papel limitado na motiva-
ção dos cientistas, acentuando o papel de outros fatores como: o reconhecimento
pelos pares (reputação), o prazer na resolução de problemas, o fascínio pela desco-
berta ou o desejo de fazer pesquisa per si (Markman et al., 2008; Goktepe-Hulten &
Mahagoonkar, 2010; Lam 2010).
Nesta matéria, destaca-se o trabalho de Goktepe-Hulten e Mahagoonkar (2010)
- assente na análise da atividade de 2 500 cientistas de 67 dos institutos da Max
Plant Society for Advancement of Sciences – que examinou as atividades de cien-
tistas a trabalhar num ambiente de colaboração com a indústria e daqueles que não
tinham atividades colaborativas. Os resultados mostraram que os académicos com
atividades não colaborativas, e que dependiam de fundos públicos, não se sentiam
motivados pelo resultado comercial das suas atividades, mas antes pela expetativa
de reputação. Da mesma forma, os cientistas envolvidos em atividades de pesqui-
sa com a indústria mostraram-se motivados igualmente pelos valores académicos
tradicionais, como reconhecimento e reputação pela novidade da sua pesquisa. Ou
seja, os autores não encontraram uma transição para uma identidade ou missão em-
presarial, já que os cientistas parecem manter as expetativas tradicionais de olhar a
ciência como o centro das suas preocupações.
Neste mesmo sentido, um estudo de Lam (2010) - com 735 académicos de 5
universidades do Reino Unido, líderes em pesquisa científica - mostrou que a gran-
de maioria dos cientistas era motivada pelas recompensas tradicionais, isto é, os
ganhos em reputação e carreira. As recompensas pecuniárias, embora não sendo
irrelevantes, surgiram como menos importantes. Ou seja, os cientistas mais tradi-
cionais pareciam primeiramente motivados pela reputação conseguida; e os cien-
tistas-empreendedores identificavam-se mais com a motivação para prosseguir
objetivos comerciais e conseguir ganhos financeiros, ainda que a sua motivação
pessoal também aparecesse ligada ao estímulo da criatividade e da resolução de
problemas. Mas mais de metade dos cientistas entrevistados foram identificados
como “híbridos”, na medida em que mantinham um firme compromisso com os va-
lores científicos nucleares e clássicos, embora reconhecendo as vantagens do en-
volvimento comercial para conseguirem atingir os objetivos científicos. Ainda que
estes procurassem conciliar os empreendimentos comerciais com a satisfação da
sua curiosidade intelectual e o desejo de contribuir para a sociedade, cada vez mais
em ambiente coletivo.

ARTIGOS | 237
3. O Trabalho Científico Colaborativo

Há muito que a ciência não é feita por cientistas solitários, ligados por “colégios
invisíveis” (Arora & Gambardella, 1998; Markman et al. 2008; Wu, 2009). A ciência é
hoje um trabalho colaborativo desenvolvido por equipas estrategicamente organiza-
das e ocupando espaços visíveis. O trabalho colaborativo junta participantes que pre-
tendem atingir um objetivo ou resultado comum. Essas equipas são crescentemente
interdisciplinares e os cientistas trabalham para resolver problemas complexos que
requerem competências várias. E a confiança e a reputação constituem fatores im-
portantes na constituição dessas equipas (Rana & Hinze, 2004).
Estes grupos de investigação conseguem os seus recursos – humanos e financei-
ros - através de programas públicos geridos por agências governamentais, que atribuem
bolsas ou assinam contratos de I&D com unidades que concorrem entre si, ou através
de relações comerciais com empresas que pagam pelas atividades de I&D aplicadas ao
seu negócio. Este último modelo foi sendo visto como uma forma de promover a ino-
vação e o desenvolvimento económico, mas também fez emergir preocupações várias,
como vimos já, pelo facto da ciência aplicada poder trazer transformações à cultura e
às regras da ciência livre e aberta. E isso foi criando tensões e debates, nomeadamente
sobre o contexto industrial de criação, proteção, pesquisa e desenvolvimento do conhe-
cimento (Zhao, 2004; Markman et al., 2008; Farsi & Talebi, 2009; Yang & Chang, 2009).
Contudo (e como referido anteriormente), os estudos dos últimos anos parecem mos-
trar que o envolvimento dos cientistas em atividades de comercialização da ciência não os
afasta necessariamente das suas preocupações tradicionais, como os ganhos de reputação
e de visibilidade. A decisão de desenvolver atividades comerciais parece implicar antes a
gestão de identidades múltiplas (Pratt e Foreman, 2000), académicas e comerciais, como
forma de responder aos desafios. Considera-se, portanto, que os cientistas não abandonam
necessariamente os seus papéis e valores académicos quando trabalham em consórcios.
Até porque os recursos destes grupos colaborativos são selecionados e aloca-
dos de acordo com a natureza e objetivos do programa, mas também em função
da reputação que a unidade ou o investigador estabeleceu numa área ao longo do
tempo. E este modelo de alocação de recursos supõe que a performance passada,
determinante da competência científica e reputação profissional dos investigadores
associados a uma unidade, tenha efeitos sobre a sua performance futura. Assim, uni-
dades com melhores resultados no passado são aquelas que têm maior hipótese de
receber financiamento e logo atingir melhores resultados no futuro. Daqui se podem
aferir os efeitos da performance passada na produtividade dos grupos de pesquisa
pelo efeito na reputação. Até porque os grupos mais reputados parecem ter maior
capacidade de fazer lobbying pelos seus projetos (Arora & Gambardella, 1998; Rana
& Hinze, 2004). Logo, a reputação aparece hoje como um determinante do financia-
mento e da produtividade científica, também em modelos colaborativos de pesquisa.

4. A Reputação Científica

A reputação desempenha, por conseguinte, um papel muito importante nas dinâ-


micas da ciência. Como sugere Luhmann, trata-se de um mecanismo para orientar

238 | MEDIA&JORNALISMO
a produção do conhecimento, para ligar a ciência ao ambiente social e sobretudo
ao sistema político, como aquele que fornece recursos de pesquisa não-comerciais
(ver Weingart & Pansegrau, 1999).
A reputação científica é maioritariamente entendida na literatura da especialidade
como o prestígio e o reconhecimento atribuído a cientistas ou estruturas científicas,
sobretudo pelos seus pares, mas crescentemente pelos públicos não académicos.
E a reputação de um cientista parece associada à sua contribuição para o conheci-
mento científico, mas também aos resultados dos grupos de que faz parte. Estando
muito dependente do sistema de comunicação científico instalado (Arora & Gambar-
della, 1998; Makino, 1998; Parra et al., 2011).
Na verdade, a reputação reflete a representação que os vários stakeholders têm
sobre os cientistas, formada a partir de diversos processos de comunicação, que
incluem publicações, apresentações em conferências, seminários, reuniões cientí-
ficas ou comunicação interpessoal. Ao que Peterson et al. (2013) acrescentam as
bases de dados, os websites das unidades de investigação e os média. Através des-
tes canais, os cientistas pretendem atingir três segmentos de públicos: os seus pa-
res, os seus empregadores e/ou financiadores e o público em geral. Com o primeiro
grupo partilham informação sobretudo através de conferências e publicações, com
o segundo fazem o reporting das suas atividades e com o terceiro divulgam as suas
descobertas através dos média ou dos meios online. Disto tudo resultará a criação
de impressões de reputação, mais ou menos fortes.
É assim inegável a natureza reputacional do mercado de investigação, que as-
senta no reconhecimento e prestígio de cientistas e de unidades de investigação. E
a importância da gestão das impressões nestas estruturas é tal que as unidades de
I&D parecem sentir-se cada vez mais motivadas à gestão dos intangíveis como for-
ma de atrair e reter o talento científico. De facto, como atesta Florida (2000) – com
base num estudo com organizações de I&D nos EUA - as unidades de investigação
dependem de três fenómenos interrelacionados: a reputação (como capacidade de
atração), a interação (como capacidade de construção de redes) e a imitação (como
capacidade de aprender as práticas das organizações líderes).
Segundo este autor, nestes mercados de trabalho reputacional, a distribuição do
talento científico é desigual, pelo que há uma grande concorrência por atrair cien-
tistas prestigiados. Até porque o recrutamento de “cientistas estrela” parece ter um
“efeito magnético”, aliciando investigadores mais jovens pelo potencial de mentoria e
de inclusão em projetos de relevo (Florida, 2000). Além disso, o recrutamento desses
cientistas afamados traz benefícios reputacionais à organização científica, aumen-
tando o seu prestígio, credibilidade e status. Nesta medida, a reputação científica é
um ativo intangível relevante para investigadores e unidades de pesquisa, continua-
das ou temporárias.

5. Um Estudo de caso de Reputação Científica

Procurando responder às nossas inquietações sobre a natureza do fenómeno


da reputação científica, realizámos um estudo de caso sobre um consórcio entre
uma universidade e uma empresa industrial. Este consórcio existe desde de 2012, já

ARTIGOS | 239
abrangeu dois programas de financiamento, reunindo mais de 40 projetos e 600 in-
vestigadores, deu origem a múltiplas inovações implementadas na fábrica e a cerca
de 12 patentes aprovadas. O último programa englobou 30 projetos de investigação
no âmbito da inovação da indústria automóvel, envolveu cerca de 400 investigado-
res e contou com um investimento total de 54.700,00€. Neste momento, estão em
processo de aprovação 30 novos projetos científicos que irão garantir a continuidade
das investigações e inovações projetadas pelos projetos anteriores

5.1. A Metodologia de Pesquisa

Considerando as questões discutidas no enquadramento teórico e a necessidade


de preparar uma estratégia de comunicação para o consórcio, deparamo-nos com a
seguinte questão de pesquisa: quais são as características da reputação científica
num ambiente de trabalho colaborativo e comercial? Assim, pretendemos com este
trabalho: (1º) avaliar a natureza atual do fenómeno da reputação científica, a partir
da experiência de um consórcio de investigação universidade-indústria em Portugal;
e (2º) aferir indicadores úteis para a definição de um plano de Comunicação Estraté-
gica da Ciência para o consórcio em estudo.
Esta investigação configura-se como um estudo-piloto (já que integrou um pro-
cesso de pesquisa para definição de uma estratégia de comunicação, a ser levada
a cabo num curto espaço de tempo) e assentou numa metodologia qualitativa que
teve como método de recolha de dados principal a entrevista em profundidade. Fo-
ram, assim, realizadas dez entrevistas a investigadores envolvidos no consórcio em
questão, oriundos de diferentes áreas científicas do campo das engenharias, com o
objetivo de conhecer as suas perceções sobre a natureza da reputação científica ao
nível individual, mas também grupal. A seleção destes entrevistados teve uma natu-
reza “acidental”, na medida em que foram escolhidos de acordo com a sua disponibi-
lidade no período da investigação. E em relação ao tratamento dos dados, optamos
por realizar uma análise temática, que seguiu o modelo proposto nas próximas linhas.

5.2 O Modelo de Análise da Reputação Científica

Com base na investigação realizada sobre o fenómeno da reputação científica e


tendo ainda por referência a literatura especializada nos fenómenos de notoriedade,
imagem e reputação pessoais e organizacionais (com autores como Fombrun, 1996;
Bromley, 2001; Winn et al., 2008; Zinko et al., 2012, ente outros), criamos um Compos-
to da Reputação Científica que serviu de suporte à pesquisa empírica. Esse compos-
to incluiria os seguintes fatores definidores do fenómeno: (1) a reputação é reconhe-
cimento (notoriedade) e prestígio (imagem), núcleos da sua natureza percetiva; (2) a
reputação é uma tendência de opinião, com a dupla vertente positiva ou negativa; (3)
a reputação é comportamento e performance, enquanto suportes de perceção; (4) a
reputação é definidora de caráter e responsabilidade, enquanto suportes de atitude;
(5) a reputação é tempo e comunicação, enquanto fontes da sua criação e susten-
tação; e (6) a reputação é autonomia e poder, enquanto formas da sua expressão.

240 | MEDIA&JORNALISMO
A partir deste entendimento sobre o fenómeno da reputação científica, foi então
desenhado um modelo de estudo da sua natureza no quadro das novas exigências da
ciência-empreendedora e tendo em conta o ambiente da pesquisa - um consórcio uni-
versidade-indústria - e o propósito da mesma - servir de suporte para o desenho de uma
estratégia de comunicação. O Modelo de Estudo da Reputação Científica é apresentado
no quadro seguinte, com a indicação das dimensões estudadas – individual, organizacio-
nal e interorganizacional – e os indicadores de análise levantados. Esta concetualização
deu origem a um guião de entrevista, que procurou reunir informações e a perceção dos
investigadores sobre os indicadores pré-determinados. Mas salientamos que o modelo
criado não equacionou todos os aspetos do composto de reputação científica, antes
se centrou naqueles que eram mais relevantes para responder à questão de partida.

Fenómeno da Reputação Científica


Dimensões do Fenómeno Indicadores de Análise

(1) Expressões da reputação


Reputação dos Cientistas - Notoriedade/reconhecimento
(reputação pessoal no trabalho) - Imagem/prestígio

Reputação das Unidades de (2) Princípios orientadores do trabalho académico


Investigação - Ciência pura vs aplicada
(reputação organizacional) - Ciência livre vs mercado
- Financiamento público vs privado
Reputação dos Consórcios - Avaliação docente
Universidade-Indústria - Atração de talentos
(reputação organizacional em co-
laborações temporárias: projetos (3) Medição da performance
e parcerias) - Qualitativa vs quantitativa

(4) Atividades de comunicação promotoras de reputação


- Relevância
- Meios e canais

Quadro 1 - Modelo de Análise da Reputação Científica

5.3. A Apresentação dos Resultados

Os dados recolhidos através das entrevistas serão apresentados de acordo com


os quatro indicadores apontados no modelo de análise e que derivaram da revisão
de literatura: (1) expressões da reputação científica; (2) princípios orientadores do
trabalho académico; (3) medição da performance científica; e (4) atividades de co-
municação promotoras de reputação científica.

(1) Expressões da reputação científica pessoal e grupal

Confirmando estudos anteriores, a maioria dos entrevistados considera que a


reputação científica pessoal está associada ao fenómeno do reconhecimento (no-

ARTIGOS | 241
toriedade) do trabalho realizado no âmbito dos projetos de investigação e assenta,
sobretudo, na avaliação feita pelos pares. Isto porque julgam que é a comunidade de
investigadores que tem uma perceção mais real do esforço exigido e dos desafios
encontrados no processo de investigação.
Quanto à reputação da unidade de investigação de pertença, os entrevistados
consideram que na sua construção é mais relevante o reconhecimento e o prestígio
do grupo. Embora tenham referido que essa avaliação grupal parte também do so-
matório da reputação dos seus membros. Ou seja, veem a notoriedade da unidade
de pesquisa a que pertencem como um fenómeno de projeção grupal, considerando
uma vantagem que estas equipas de investigação reúnam recursos humanos com
competências diversas e complementares.
No que diz respeito à construção da reputação dos consórcios universidade-in-
dústria, a análise realizada aos dados demonstra que os investigadores julgam que
esse fenómeno depende, para além da notoriedade dos cientistas e das unidades
de investigação a que pertencem, da visibilidade das duas organizações parceiras e
dos resultados dos projetos associados à parceria.

(2) Princípios orientadores do trabalho académico individual e em grupo

Relativamente ao aspeto mais controverso surgido na revisão da literatura, so-


bre a influência da “comercialização da ciência” na construção da reputação cien-
tífica, os nossos entrevistados consideram que, na verdade, são sempre impelidos
pela aplicação de conceitos científicos puros, mas com o objetivo de resolver pro-
blemas e criar produtos específicos, contribuindo assim para a inovação nas suas
áreas de conhecimento.
Além disso, os cientistas entrevistados consideram que as parcerias com as em-
presas são benéficas por dois motivos principais: por um lado, proporcionam uma
estrutura real para desenvolvimento de conceitos abstratos pela sua aplicação a pro-
dutos/serviços concretos; e por outro lado, permitem perceber as necessidades da
sociedade e isso pode funcionar como ponto de partida para a investigação e desen-
volvimento de inovação. Nesta medida, a relação com as empresas não é percebida
como negativa para a sua reputação.
Ainda no âmbito dos princípios que suportam a reputação do trabalho académico,
foi abordada a questão do financiamento. E a análise aos resultados das entrevistas
mostra uma perceção não esperada e, provavelmente, muito marcada pela experiên-
cia particular do grupo estudado: para os entrevistados o financiamento que rece-
bem é, na verdade, sempre público, já que a diferença resulta apenas do facto deste
poder vir diretamente de uma entidade pública (como a Fundação para a Ciência e
Tecnologia) ou por intermédio da indústria (que beneficia de investimentos públicos
para a realização de programas I&D e recorre ao contributo das universidades para
este fim). Nesta medida, os investigadores não consideram as parcerias com a in-
dústria como uma forma de comercialização da ciência e logo tal não afeta a sua
reputação profissional.
Até porque nenhum dos entrevistados considera que o financiamento da investi-
gação por via empresarial pode pôr em causa os princípios da liberdade e autonomia

242 | MEDIA&JORNALISMO
da ciência. Pelo contrário, estes referem que os desafios apresentados pelo univer-
so empresarial contribuem para motivar o desenvolvimento de novas ideias. Embo-
ra, reconheçam que o financiamento público “direto” pressupõe um tipo de investi-
gação diferente da pesquisa financiada pela indústria – neste caso mais autónomo
das questões da aplicabilidade.
Outro dos indicadores da reputação científica individual sugerido no nosso mo-
delo de análise foi o sistema de avaliação dos professores universitários. Ora, se-
gundo entrevistados – todos eles docentes-investigadores -, embora a atividade de
investigação conte de diversas formas para a sua avaliação, em termos práticos não
é possível estabelecer uma relação entre a participação em projetos e a subida de
nível hierárquico na academia. Logo, dizem não participar em projetos de investiga-
ção para influenciar a sua reputação em rankings de avaliação docente.

(3) Medição da performance científica individual e do grupo

No que diz respeito à medição da performance individual dos cientistas, alguns


dos entrevistados consideram que há uma sobrevalorização da quantificação da
produção científica, em detrimento de uma avaliação mais voltada para a inovação
real e para os resultados práticos da investigação. Outros reconhecem, por seu lado,
que há um esforço por parte das universidades em estabelecer uma ponderação di-
ferenciada na avaliação dos diversos tipos de trabalho científico.
Também no contexto da avaliação das unidades de investigação e dos consórcios
temporários, os entrevistados dizem perceber uma mudança no sentido de equilibrar
a avaliação qualitativa e quantitativa. No entanto, de modo geral, concordam que é
difícil encontrar parâmetros que comportem uma avaliação sempre justa, conside-
rando a diversidade de projetos de investigação existentes.

(4) Atividades de comunicação promotoras de reputação científica individual


e grupal

Outro dos aspetos destacados pela literatura como relevante na análise do fe-
nómeno da reputação científica é a relação entre essa reputação e a divulgação dos
resultados das pesquisas. No nosso estudo, os dados revelam que para os entre-
vistados é relevante comunicar o trabalho individual realizado, tanto para os pares,
como para o público em geral. Contudo, os mesmos indicam que apenas se preo-
cupam com a divulgação da investigação pelos meios académicos (congressos e
revistas), não usando as redes sociais e outros meios de comunicação dirigidos ao
público em geral.
Já no que diz respeito à construção da reputação das unidades de investigação,
os entrevistados admitem que a atuação deve ser outra. Sugerem que a divulgação
científica deveria ser realizada de modo mais abrangente, com a aposta em canais
de comunicação destinados a um público mais vasto do que apenas a comunida-
de científica. E, no caso específico dos consórcios universidade-indústria, os entre-
vistados são da opinião que a construção da reputação poderia ser mais eficaz se

ARTIGOS | 243
a comunicação dos resultados da investigação realizada fosse mais aberta e con-
tínua. Contudo, reconhecem que esta pode ser uma tarefa difícil, sobretudo, se se
considerarem as questões de confidencialidade inerentes ao mercado empresarial.

5. 4. A Discussão dos Resultados

Do estudo-piloto realizado (que analisou 10% dos grupo de académicos do con-


sórcio), podemos admitir algumas tendências de opinião (que serão objeto de teste
em estudos futuros) relativamente à natureza da reputação científica num ambiente
de consórcio universidade-indústria em Portugal:

• A reputação do cientista assenta no reconhecimento pelos pares a partir da aferição


do avanço de conhecimento produzido.
• A reputação das unidades de I&D assenta no reconhecimento pelos pares e pelos
financiadores, a partir da aferição do trabalho de pesquisa efetuado e do prestígio do
grupo (e seus investigadores de referência).
• A reputação dos consórcios de investigação universidade-indústria assenta no
reconhecido pelos pares, pelos financiadores e pelo público em geral, a partir da afer-
ição do conhecimento aplicado produzido.
• A reputação científica integra o empreendedorismo académico nas lógicas tradicio-
nais da ciência que valorizam o fascínio pela descoberta, o prazer na resolução de
problemas e o avanço do conhecimento humano.
• A reputação científica constitui uma forma simplificada de avaliação da qualidade e
quantidade do trabalho científico individual ou em grupo.
• A reputação científica assenta no trabalho comunicado – à comunidade científica, à
comunidade política, à comunidade empresarial e à comunidade em geral.

Destas aferições, resultantes do estudo realizado e do cruzamento com outros


estudos internacionais, chegamos a alguns indicadores úteis para a definição de um
plano de Comunicação Estratégica da Ciência para a gestão da reputação:

• A reputação científica é um fenómeno de representação mental assente em per-


ceções de notoriedade (reconhecimento e memorização) e de imagem (conjunto de
associações atribuídas a uma pessoa ou entidade); sendo que a notoriedade científica
precede a imagem e esta a reputação.
• A reputação científica integra a distribuição de opiniões – a expressão manifesta de
uma imagem coletiva – acerca de uma pessoa ou entidade, assentando em três di-
mensões: a pessoal, no contexto do trabalho individual do cientista; a organizacional,
no contexto do trabalho em unidades de I&D; e a interorganizacional, no contexto do
trabalho em parcerias empresariais.
• A reputação científica pessoal é a forma como os cientistas são percebidos pelos
pares, ao longo do tempo, na medida em que desempenham o seu trabalho com com-
petência e são cooperantes com outros na comunidade académica.
• A reputação científica organizacional e interorganizacional constitui a avaliação que
os stakeholders fazem do comportamento da unidade de I&D (permanente ou tem-
porária) ao longo do tempo, a partir de experiências de contacto e da comunicação
que recebem, num processo de evolução, crescimento e sustentação.

244 | MEDIA&JORNALISMO
6. Conclusões

A assunção de que os cientistas se sentem motivados pela reputação ou pela


recompensa financeira, enquanto posições dicotómicas puras, não parece, pois,
poder continuar a ser sustentada à luz deste e de outros estudos recentes. Isto
num momento em que os mecanismos de reputação científica desempenham um
papel crescente na sociedade face à omnipresença de sistemas de comunicação
online, que operam segundo lógicas de contágio, ainda que nem sempre válidas.
Pelo que comunicar e gerir a reputação científica parece constituir, por um lado,
uma necessidade de cientistas e unidades de I&D e, por outro, uma inevitabilidade
face ao aumento de produção académica um pouco por todo o mundo e à cres-
cente exigência pública de transparência e responsabilidade na aplicação de fun-
dos públicos e privados.
O nosso estudo apresentou, no entanto, algumas limitações, que julgamos
oportuno referir. O número de entrevistados foi reduzido, pelo que apenas nos per-
mitiu aferir tendências de opinião. Os entrevistados são todos investigadores das
áreas STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics) e, ainda que re-
presentem bem o universo do consórcio estudado, limitam a análise do fenóme-
no da reputação (que poderá ser diferente noutros campos científicos). E a pes-
quisa centrou-se nas perceções dos cientistas, ou seja, no fenómeno da emissão,
sendo útil contrastar agora com as representações de outros stakeholders deste
processo – um trabalho a fazer a seguir, para completar o diagnóstico de Comu-
nicação Estratégica.

Acknowledgements

This work is supported by: European Structural and Investment Funds in the FEDER
component, through the Operational Competitiveness and Internationalization Pro-
gramme (COMPETE 2020) [Project nº 002797; Funding Reference: POCI-01-0247-FED-
ER-002797] ou [Project nº 002814; Funding Reference: POCI-01-0247-FEDER-002814]

Bibliografia

Angell, M., & Bohlander, R. A. (2004). Buying in or selling out? The commercialization of the
American research university. Rutgers University Press.
Argenti, P. A., Howell, R. A., & Beck, K. A. (2005). The strategic communication imperative. MIT
Sloan management review, 46(3), 83;
Arora, A. e Gambardella (1998). Reputation and Competence in publicly funded science: esti-
mation the effects on research group productivity. Annales d’Économie et de Statistique,
49/59, 164-198.
Bromley, D. B. (2001). Relationships between personal and corporate reputation. European jour-
nal of marketing, 35(3/4), 316-334.
Clark, Burton R. (1998). Creating entrepreneurial universities: organizational pathways of trans-
formation. Oxford: IAU Press by Pergamon.

ARTIGOS | 245
Farsi, J. Y., & Talebi, K. (2009). Application of knowledge management for research commercial-
ization, World Academy of Science, Engineering and Technology, 49, 451-455.
Florida, R. (2000). Science, Reputation, and Organization. Unpublished manuscript, Carnegie
Mellon University at Pittsburgh, PA.
Fombrun, C. (1996). Reputation. John Wiley & Sons, Ltd.
Goktepe-Hulten, D. & Mahagoonkar (2010). Inventing and patenting activities of scientists: in the
expectation of money or reputation, Journal Of Technological Transfer, 35, 401-423.
Hallahan, K., Holtzhausen, D., Van Ruler, B., Verčič, D., e Sriramesh, K. (2007). Defining strategic
communication. International journal of strategic communication, 1(1), 3-35.
Lam, A. (2010). What motivates academic scientists to engage in research commercialization:
‘Gold’, ‘Ribbon? Or ‘Puzzle’?, Working Paper Series, School of Management, Royal Holloway
University of London.
Makino, J. (1998). Productivity of research groups – relation between citation analysis and re-
putation within research communities, Scientometrics, 43(1), 87-93.
Markman, G. D., Siegel, D. S., & Wright, M. (2008). Research and technology commercialization,
Journal of Management Studies, 45(8), 1401-1423.
Mirowski, P., & Van Horn, R. (2005). The contract research organization and the commercializa-
tion of scientific research, Social studies of science, 35(4), 503-548.
Parra, C., Casati, F., Daniel, F., Marchese, M., Cernuzzi, L., Dumas, M., & Kisselite, K. (2011). Inves-
tigating the nature of scientific reputation. In 13th International Society for Scientometrics
and Informetrics Conference, Durban, South Africa.
Petersen, A. M., Fortunato, S., Pan, R. K., Kaski, K., Penner, O., Rungi, A., & Pammolli, F. (2014).
Reputation and impact in academic careers, Proceedings of the National Academy of Sci-
ences, 111(43), 15316-15321.
Pratt, M. G., & Foreman, P. O. (2000). Classifying managerial responses to multiple organizational
identities, Academy of Management Review, 25(1),18-42.
Rana, O. F., & Hinze, A. (2004). Trust and reputation in dynamic scientific communities, IEEE Dis-
tributed Systems Online, 5(1).
Rasmussen, E. (2008). Government instruments to support the commercialization of university
research: Lessons from Canada, Technovation, 28(8), 506-517.
Ruão, T., Neves, I. & Magalhães, R. (2015). Science and Strategic Communication: how universi-
ties attract high school students? In A. Melo, G. Gonçalves & Somerville, I. (eds) Organizational
and Strategic Communication Research: European Perspectives II, Braga: ECREA/CECS - Uni-
versidade do Minho, pp. 111-12.
Weingart, P., & Pansegrau, P. (1999). Reputation in science and prominence in the media: The
Goldhagen debate. Public Understanding of Science, 8(1), 1-16.
Winn, M. I., MacDonald, P., & Zietsma, C. (2008). Managing industry reputation: The dynamic
tension between collective and competitive reputation management strategies. Corporate
Reputation Review, 11(1), 35-55.
Wu, W. (2010). Managing and incentivizing research commercialization in Chinese Universities,
The journal of technology transfer, 35(2), 203-224.
Yang, P., & Chang, Y. C. (2009). Academic research commercialization and knowledge produc-
tion and diffusion: the moderating effects of entrepreneurial commitment, Scientometrics,
83(2), 403-421.
Zhao, F. (2004). Commercialization of research: a case study of Australian universities, Higher
Education Research & Development, 23(2), 223-236.

246 | MEDIA&JORNALISMO
Zinko, R., Ferris, G. R., Humphrey, S. E., Meyer, C. J., & Aime, F. (2012). Personal reputation in or-
ganizations: Two‐study constructive replication and extension of antecedents and conse-
quences. Journal of Occupational and Organizational Psychology, 85(1), 156-180.

Notas biográficas

Teresa Ruão é Doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho. Do-


cente do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho e investigadora
do Centro de Estudos em Comunicação e Sociedade. Vice-Presidente e Presidente do Conse-
lho Pedagógico do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, entre 2010-2019.
Diretora-Adjunta do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, desde 2019. Leciona e
investiga nas áreas de Comunicação Organizacional e Estratégica, Marcas e Relações Públicas.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9723-8044
Email: [email protected]
Morada: Universidade do Minho, Campus de Gualtar - 4710-057 Braga, Portugal

Clarisse Pessôa é Doutorada em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho.


Docente na Universidade Católica Portuguesa e investigadora do Centro de Estudos de Comu-
nicação e Sociedade – Universidade do Minho. Leciona e investiga nas áreas da Comunicação
Organizacional e Estratégica e da Literacia Mediática. Coordenadora do Gabinete de Comuni-
cação e Relações Públicas da Universidade Católica, Centro Regional de Braga. 

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5070-6592
Email: [email protected]
Morada: Universidade Católica Portuguesa, Praça da Faculdade de Filosofia 1, 4710-297
Braga, Portugal

* Submetido: 2018.07.15
* Aceite: 2018.10.15

ARTIGOS | 247
(Página deixada propositadamente em branco)
The Impact of the purchase channel on unplanned
purchases
O Impacto do canal de compra nas compras não
planeadas

Inês Henriques
Mestre em Ciências da Comunicação pela NOVA-FCSH

Ana Margarida Barreto


Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humamas
Instiituto de Comunicação da NOVA
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_18

Abstract
This exploratory research aimed to observe if the purchase channel used (online
versus physical store) could influence the number and the type of unplanned purchas-
es in a supermarket purchase situation. 64 participants were asked to simulate a su-
permarket purchase using a shopping list and a predefined budget. Participants were
divided into two conditions: online shopping and physical store shopping simulation.
Findings show that consumers purchase more unplanned items (and spent more
money on unplanned purchases) when they buy in physical stores, as well as items
on promotion. They also tend to spend more time in the decision-making process
when compared to participants shopping online. In addition, online consumers spend
more money on items that were on their shopping list.
Our findings are important to the literature, demonstrating that consumer reac-
tions towards shopping differ according to the channel. Advertisers and web design-
ers can also benefit from these findings by making better decisions regarding online
advertising, specifically in the retail domain. Suggestions for future research are pro-
vided in the end.

Keywords
consumer behavior; purchase channel; unplanned purchases; ecommerce

Resumo
Esta investigação exploratória teve como objetivo observar se o canal de compra
utilizado (online versus loja física) pode influenciar o número e o tipo de compras não
planeadas numa situação de compra de supermercado. 64 participantes simularam
uma compra no supermercado usando uma lista de compras e um orçamento pré-
-definido. Os participantes foram divididos em duas condições: simulação de com-
pras online e de compras offline.
Os resultados mostram que os consumidores compram mais itens não planea-
dos (e gastam mais dinheiro em compras não planeadas), bem como itens em pro-

ARTIGOS | 249
moção, quando compram nas lojas físicas. Além disso, tendem a gastar mais tem-
po no processo de tomada de decisão quando comparados com os participantes
que usaram o online. Estes últimos gastam mais dinheiro em itens que estavam na
sua lista de compras.
Estes resultados são importantes para a literatura, sugerindo que as reações do
consumidor em relação às compras diferem de acordo com o canal. Anunciantes e
web designers também podem beneficiar destas observações ao tomar melhores
decisões em relação à publicidade online, especificamente no domínio do retalho.
Sugestões para estudos futuros são fornecidas no final.

Palavras-chave
comportamento do consumidor; canal de compra; compras não planeadas; co-
mércio eletrónico

1. Introduction

The online purchase channel (website or application that allows ecommerce)


became a fundamental part of the purchasing process, allowing new forms of inter-
mediation between the organization and the consumer. In 2017, an estimated 1.66
billion people worldwide purchased goods online. For the following years, this num-
ber is expected to keep growing1. Regarding grocery purchases, the report “Accelera-
ting the growth of e-commerce: 2015 Edition” (Kantar Worldpanel, 2015) anticipates
that online retailing should reach the worldwide 130 billion dollars in the end of 2025.
Not all countries show the same online purchase adoption rate. Yet, it is possible
to observe a similar behavior trend, revealing the potential of the online market glo-
bally. For instance, in the U.S. (the second biggest market by global eCommerce sales,
according to a study from Remarkety in 20152) about 80 percent of internet users are
expected to make at least one purchase online during 2019 (in 2013 this share stood
at 73 percent). In total, U.S. online grocery sales amounted to about 14.2 billion U.S.
dollars in 2017, which could to rise to nearly 30 billion U.S. dollars by 20213. In Por-
tugal, 61% of Portuguese consumers show confidence in online shopping, while the
European average is 53% (Nielsen, 2017). In addition, 2.65 billion euros were expec-
ted to be spent on e-commerce in Portugal in 2016-alone, an increase of 17% over
2015, reaching almost 3 billion euros (2.95 billion euros) in 20184.
Even though the online retail store has the same purpose as the traditional store,
one should bear in mind that there are structural differences between both purcha-
se channels and that those specific characteristics could explain the observation of

1
Statista, “Number of digital buyers worldwide from 2014 to 2021 (in billions)”. In https://
www.statista.com/statistics/251666/number-of-digital-buyers-worldwide/
2
Remarkety, “Global eCommerce Sales, Trends and Statistics 2015”. In https://www.rema-
rkety.com/global-ecommerce-sales-trends-and-statistics-2015
3
Statista, “U.S. consumers: Online Grocery Shopping - Statistics & Facts”. In https://www.
statista.com/topics/1915/us-consumers-online-grocery-shopping/
4
B!TMagazine “Portugal deverá atingir 3 mil milhões de euros em gastos online até 2018”.
In http://www.bit.pt/portugal-devera-atingir-3-mil-milhoes-euros-gastos-online-ate-2018/

250 | MEDIA&JORNALISMO
different consumer behaviors in online and offline contexts (Davis, Smith, & Lang,
2017; Huyghe, Verstraeten, Geuens, & Van Kerckhove, 2017; to name a few). Howe-
ver, empirical evidences highlighting several possible unexplored differences between
online and offline shopping, with important implications for consumers and retailers,
are still limited in number.
Our goal is to contribute to the literature by observing if the channel can impact
differently consumer reactions, specifically shopping behavior, and how. This data is
important as can lead to the need to rethink and re-apply marketing and advertising
strategies specifically to the online environment.
The work in this study is organized as follows; in the next section we provide a
theoretical overview and we develop research hypotheses. The subsequent section
introduces the methodology employed and then we discuss our findings. The paper
concludes by providing recommendations.

2. Literature review

2.1 Planned and unplanned purchases

For Solomon, Bamossy, Askegaard, and Hogg (2006), consumers can be distin-
guished according to the degree of planning of their purchases. For the authors, there
are consumers, known as planners, who plan in advance, not only the products they
want to acquire, but also their brands. They are distinguished from consumers who
only partially plan what they intend to acquire, identifying certain products or cate-
gories of products they need, but only decide on the brand or other specific features
at the point-of-purchase.
This type of activity and planning presupposes “organized memory structures of
declarative knowledge” (Thomas & Garland, 2004, p. 624) that guide and determine
the sequence of activities related to this type of shopping, known as scripted behavior.
Such structures can be expressed by the preparation of written or mental shopping
lists (Block & Morwitz, 1999; Schmidt, 2012; Thomas & Garland, 1993, 2004). Not only
in traditional purchase channels, such as a supermarket’s physical store, prior plan-
ning becomes preponderant. According to Wolfinbarger and Gilly (2001), the online
purchase channel is associated with a greater degree of planning, and is used when
consumers have specific purchases in mind. The use of shopping lists in this chan-
nel is based on the possibility of the purchasing environment customization. Through
the use of personalized lists, the consumer restricts the information that is available,
failing to have access to the entire category of products and decreasing the level of
competition between products (Degeratu, Rangaswamy, & Wu, 2000).
Despite the pre-purchase planning that the creation of a shopping list presuppo-
ses, the behavior that comes from these intentions is not always observed in a linear
and automatic way, originating discrepancies between the intention-behavior binomial
(Watkins, 1993). Hence, another type of purchases arises - the unplanned purchases.
If we consider that about two thirds of grocery purchases are decided only in the
point-of-purchase aisles or that ninety percent of consumers do not plan at least one

ARTIGOS | 251
third of their purchases, (Solomon et al., 2006) we may reckon that consumers have
considerable flexibility in their approach to the decision-making process (Thomas &
Garland, 2004). Thus, there is no guarantee that the consumer will only get what he
wanted before starting the buying process. It is not recurrent that a shopping list lea-
ds the consumer to bring only the products wrote in it (Schmidt, 2012), as it can be
only considered as a “physical evidence of possible intentions” (Thomas & Garland,
2004, p. 625).

2.2 The purchase channel

The physical and social environment in which a purchase takes place can influen-
ce the motivations for the acquisition of a particular product, and may also alter the
evaluation and construction of attitudes towards it (Solomon et al., 2006).
For instance, according to Levin, Levin and Weller (2005), differences in importan-
ce weights assigned to attributes that favor online shopping and attributes that favor
offline shopping were key predictors of observed differences in shopping mode prefe-
rence across products and across consumers. For Wolfinbarger and Gilly (2001), the
choice of the purchase channel is directly related to the valuation that the consumer
gives to each channel’s attributes. The authors consider that consumers who desire
a more complete experience, based on frequent sensorial attributes, have preference
for offline channels. On the other hand, focused consumers with well-defined buying
goals, a greater sense of control, and shorter time availability, may tend to buy in on-
line channels. Attributes such as convenience, accessibility, selection, availability of
information and reduction of the social component (ie, crowding phenomenon), lead
to a greater interest for these consumers.
The literature also suggest that the vast majority of consumers use online purcha-
se channel when they have a specific purchase goal in mind, associating this channel
with a high level of pre-purchase planning (Wolfinbarger & Gilly, 2001). In this case, it
becomes clear that the type of online navigation used is goal-oriented (Cove & Walsh,
1988), also known as utilitarian. This type of navigation is known for having a negati-
ve effect on unplanned purchases, whereas hedonic navigation causes the opposite
effect (E. J. Park, Kim, Funches, & Foxx, 2011).
Moreover, Huyghe et al. (2017) demonstrated that consumers choose relatively
fewer vices in the online shopping environment than in an offline context. The au-
thors suggest that this shopping channel effect could be explained by the fact that
online channels present products symbolically, whereas offline stores present them
physically. A symbolic presentation mode decreases the products’ vividness, which
in turn diminishes consumers’ desire to seek instant gratification and ultimately lea-
ds them to purchase fewer vices.

2.3 Time

The time spent at a shopping trip is an important factor that affects unplanned con-
sumption. Accordingly, there is a positive relationship between shopping time and unplan-

252 | MEDIA&JORNALISMO
ned buying (Bell, Corsten, & Knox, 2011), given that a longer trip, with no time pressure,
leads to longer exposure to the various influences that occur in the shopping environment
(Yan, Wang, Chen, & Cho, 2016), making the consumer to acquire more unplanned pro-
ducts (Iyer, 1989; Park & Smith, 1989). On the contrary, lack of shopping time and time
pressure brings more anxiety and less capability to pay attention to unplanned products.
For Yan, Wang, Chen and Cho (2016) the effect of the actual shopping time it is
not verified in an online shopping environment. Instead, the authors suggest that the
time consumers previously spent preparing, searching and comparing alternatives
to make a shopping plan can influence negatively the occurrence of unplanned pur-
chases. Therefore, the longer the preparation time, the lower the probability of un-
planned purchases. For the authors, this activity lead to better and more rational de-
cisions. Also, this preparation allows the consumer to have a better understanding
of the purchase’s situation and environment, which can also restrict unplanned oc-
casions (Iyer, 1989; Park & Smith, 1989).
Finally, for Rook and Fisher (1995) impulsive, as opposed to prudent, shoppers are
more likely to have intrinsic motivations for unplanned purchases when they begin
shopping, which lead Suher and Hoyer (2015) to suggest and confirm that shoppers’
motivations change as they spend more time in store, or as trip-progress increases.
Specifically, impulsive shoppers’ intrinsic motivations decrease over time, whereas
prudent shoppers’ intrinsic motivations increase over time. The directions of the
effects were identical in a real grocery shopping setting and in an ecommerce setting.
The authors also confirmed that this balancing pattern will be strongest when
shoppers have larger shopping budgets because financial constraints might under-
mine intrinsic motivations (Dhar & Simonson, 1999). Accordingly to Stilley, Inman,
and Wakefield (2010a), the longer the shopping trip, the greater the budget deviation.

2.4 Price & Promotion

According to Lee and Ariely (2006), the influence of promotions differ with the
objectives’ concreteness and stage of purchase. The more concrete the purchase’s
objectives, the lower the influence of the promotions. The authors also consider that
the influence of this variable is higher at the beginning of the purchase process, when
the objectives are not yet fully defined. With the evolution of this process, the con-
sumer becomes resistant to possible changes, even if provided by attractive deals.
Stilley, Inman and Wakefield (2010b) studied how the effect of promotional sa-
vings impact the number of unplanned items. The authors suggest that savings on
planned and unplanned items result on an incremental spending at the basket level,
specially an increase in unplanned spending. It is also affirmed that this effect occurs
when the consumer’s amount of money available for extra purchases is depleted.
The positive impact that a promotion can have in the unplanned consumption can
be related to the fact that consumers facing a price promotion spend less time con-
sidering choice options (Aydinli, Bertine, & Lambrecht, 2014), which means that the
alternative evaluation process decreases and the decision making process is shorter,
less rational and made in an emotional basis. Also Heilman, Nakamoto & Rao (2002),
confirm this theses suggesting that consumers receiving unexpected coupons in the

ARTIGOS | 253
store also make more unplanned purchases, derived from a psychological income
or an elevated mood effect.

3. Development of hypothesis

With this exploratory study we aim to determine if consumers act differently when
they buy in online and in offline purchase channels, specifically we aim to understand
in which channel the consumer best complies with the shopping list and in which
one chooses a greater number of unplanned products. Thus, the key question that
this research proposes to answer is: Can the purchase channel have an impact on
the consumer’s unplanned purchases?
We proposed that in a grocery shopping situation with resource to a shopping list the
consumer will purchase more unplanned items when buying in an offline purchase channel
than in an online purchase channel (H1), suggesting a more rational decision-making pro-
cess in a online channel, in line with the findings from previous studies (Huyghe et al., 2017).
In an offline shopping environment the consumer is expected to voluntarily or in-
voluntarily have more access to unplanned products than in an online channel, where
he is expected to only browse for the products he needs, having greater control over
the search process and the stimuli he receives (Hoffman & Novak, 1996). For instan-
ce, the use of filters, such as “price” or “relevance”, or the searching bar, allows for
greater control over the search process. This way, in an online context, the consumer
experiences a power of stimulation by the environment of the purchase smaller than
in a traditional supermarket (Degeratu et al., 2000), where it is faced with the neces-
sity of passing through almost all the corridors, finding strong visual signals (Willia-
ms, 1982), a plethora of stimulating factors. According to Streicher, Büttner and Estes
(2016), a broad versus a narrow scope of attention increases attention to products
in the visual periphery, which may lead to more unplanned purchases and spending.
Moreover, we also propose another hypothesis: (H2) In a grocery shopping situa-
tion with resource to a shopping list, consumers price sensitivity to unplanned pur-
chases varies according to the shopping channel.
Relating to the individual characteristics of the consumer, such as lifestyle, social
class or family budget, the price element may or may not dictate the purchase of the
product. According to Degeratu et al. (2000), online customers may not be as price-
-sensitive as customers who shop offline. This emphasizes, once again, the way in
which the chosen purchasing channel for acquisition affects the decision process.
In addition to the above, when combined with the price effect, the promotion
effect on decision-making process seems to be weaker when buying online, than
when buying offline (Degeratu et al., 2000). The same authors state that promotions
in offline channels induce more changes of brands, having a greater effect.

4. Methodology

Consumer behavior, in specific the study of planned and unplanned purchases,


was often deduced only from direct questions about the buying intention of the con-

254 | MEDIA&JORNALISMO
sumer in interviews or from hypothetical choice decisions in experiments without any
constraints, like a time frame or a budget. Furthermore, crucial point-of-sale charac-
teristics and information were excluded.
In order to test the proposed hypothesiswe opted for an experimental study ba-
sed on a purchase simulation via offline and online channels, using a shopping list
and a limited budget previously provided by the observer. Participants were asked to
enact the purchase simulation in the most natural way possible and to buy accordin-
gly to their current habits and needs. Thus, they were invited to regard the shopping
list as an object created by their own, having only the commitment to place the pro-
ducts contained on the list in the shopping cart. If necessary, they could also add pro-
ducts other than those on the list. With no brand or price constraints, they were only
asked to pay attention to the purchasing budget. Finally, they were informed that it
would not be necessary to go to the cashier, nor to checkout the site, after the end of
the purchases. All experimental occurrences, both in the offline and online purchase
channel, were carried out in the same retail brand.
In this simulation, only the final shopping cart of each participant was observed,
and her or his planned and unplanned purchases were registered. A planned purchase
refers to those items listed in the provided shopping list. Unplanned purchases are all
products that the participant wanted to purchase, even though they were not inclu-
ded in the shopping list or exceeded the quantity indicated in the latter. At the end of
the experiment, purchases from all participants were recorded, under the following
parameters: type of product, quantity, brand, promotion, and price.

4.1 Shopping list

The shopping list used in the experiment was elaborated a priori, and all the indi-
viduals that compose the sample used the same object.
Based on the study of Schmidt (2012), a common shopping list has an average
9.24 items, presented mainly by product categories and not by brand. Thus, taking
into account the suitability of the experience to the participants’ available time, the
list presented consists of 8 basic grocery products, a number close to the one pre-
sented by the mentioned author, with no indication of brands. Due to the logistics of
the experience, fresh products, such as meat, fish or vegetables, were not included
in the list. In this sense, the shopping list consisted of 1kg sugar, 1kg rice, 1lt milk, 2
tuna cans, 1 package of spaghetti, 1 package of butter, 1 package of Marie biscuits
and half dozen eggs.

4.2 Budget

Accordingly to Heilman, Nakamoto, & Rao (2002), especialy in the particular case
of supermarket purchases, the mental budget is a common practice among consu-
mers. In fact, as early as 1967, Kollat and Willet claimed that spending on a trip to the
supermarket was surprisingly close to what the consumer intended to spend on that
same purchase and that 50% of purchases were not planned at the outset. Stilley et al.

ARTIGOS | 255
(2010a) argued that consumers use this budgeting strategy because they anticipate both
product forgettings on their shopping list and unplanned and/or impulsive purchases.
Considering the above information, one can consider that the mental budget for su-
permarket purchases consists of two parcels (Stilley et al., 2010b). The first concerns the
amount that the consumer makes available to spend on the categories of products and
brands he plans to acquire, while the second is not affecting by any particular product,
being available to be spent on subsequent decisions taken during the act of purchase.
Taking this into account, the defined budget was developed in two ways: first an ap-
proximate expense was calculated for the products included in the shopping list provi-
ded, by taking into account the highest and the lowest price for each on the retailer un-
der analysis; second, a monetary portion was added to possible expenses on unplanned
purchases. Following the above, it was established that the defined budget would be 20€:
approximately 10€ for the purchase of products included in the shopping list provided
and approximately 10€ intended for the possibility of purchasing products not planned.
It was expected that the budget variable allowed a closer approximation to the
reality of the consumer, taking into account the theory about mental budgeting. Simul-
taneously, it was also expected that this element would be an instrument of control
over the time spent and the type and quantity of unplanned purchases of each partici-
pant, acting as a boundary - a beneficial factor in the logistics of the whole experience.

4.3 Sample

The study sample frame, consisting of 64 Portuguese adults, was constituted


through a non-probabilistic convenience sampling process. Taking into account the
comparative nature of the study, the experiment was performed in two different en-
vironments, which presupposes a division of the sample into two groups. Thus, 31
participants constitute Group 1, whose experience was performed in an offline pur-
chase channel (in a supermarket/ physical store), while the remaining 33 participants,
constituents of Group 2, performed the purchase simulation in an online channel.
This sample can be characterized by gender and age as shown in Tables 1 and 2.

Gender
Woman Men

Frequency % Frequency % TOTAL

18-29 9 47 6 50 15

30-49 4 21 3 25 7
Age
(in years)
>50 6 32 3 25 9

TOTAL 19 100 12 100 31

Table 1 - Distribution of Group 1 according to gender and age group

256 | MEDIA&JORNALISMO
Gender

Woman Men

Frequency % Frequency % TOTAL

18-29 8 40 7 54 15

30-49 6 30 3 23 9
Age
(in years)
> 50 6 30 3 23 9

TOTAL 20 100 13 100 33

Table 2 - Distribution of Group 2 according to gender and age group

4.4 Data analysis

According to the objectives of this study, it was intended to compare the devia-
tion in relation to the shopping list provided in Groups 1 and 2. For this, it was objec-
ted that this deviation was measured through the concept of “unplanned product”.
Any “purchased” product that meets one of the following criteria was considered as
an “unplanned product”:

• Being of a different category from those included in the shopping list provi-
ded, such as chocolate, tea, water, etc.
• Although it is of a category mentioned in the shopping list, the “purchased”
quantity is higher than in the shopping list. An example of this is the acqui-
sition of 3kg of sugar when the shopping list is only 1kg. 2kg of sugar are
considered unplanned.

In order to better understand the concept of “unplanned product” and to carry out
a comprehensive analysis, 4 variables were analyzed that allowed different perspec-
tives on the same observation - the measure of the deviation from the shopping list
provided, which are:

1. Acquisition of Unplanned Products - Number of participants in each group


that “acquired” at least one unplanned product. This variable is categorized
by the answer “yes” or “no.”
2. Type of Unplanned Products - Sum of the number of categories (not mentio-
ned in the shopping list) of unplanned product, regardless the quantity “ac-
quired”. For example, individual A “purchased” 1 pack of detergent, 3 choco-
late tablets and 1 juice, so the individual “purchased” 3 unplanned products.
3. Quantity of Unplanned Products - Sum of units of “acquired” unplanned pro-
ducts. For example, individual B “purchased” 1 pack of detergent, 3 chocolate

ARTIGOS | 257
tablets and 1 juice. Then, individual B “purchased” 5 extra products
4. Expenses Made on Unplanned Products

On the other hand, it was also compared the difference between groups in the
time spent (time variable, measured in minutes) during the shopping experience, whi-
ch was timed by the observer.
The expenses were also studied, noting not only the expenses made with the pro-
ducts purchased outside the shopping list, as already indicated, but also:

1. Expenses Made on Products from the List - Sum of the expenses made on
the products included in the shopping list.
2. Total Expenses – Sum of expenses incurred on all “purchased” products.

Finally, we also studied the difference between groups in terms of the number
of products on promotion acquired by the participants. In this category, three varia-
bles were analyzed:

1. Products from the List on Promotion - Number of products included in the


purchased list acquired on promotion.
2. Unplanned Products on Promotion- Number of unplanned products acqui-
red on promotion
3. Total Products on Promotion - Number of products “purchased” on promo-
tion. It results from the sum of the variables “Products from the List on Pro-
motion” and “Unplanned Products on Promotion”.

In order to evaluate the significance of the differences between groups regarding


the deviation from the shopping list provided, the expenses made, and the number of
products acquired on promotion, a Student’s t-test was used. The two assumptions
of this statistical method were evaluated - the normality of the distributions and the
homogeneity of variance. The distribution normalities were evaluated using the Sha-
piro-Wilk (SW) test, which is recommended when the group of participants is less
than 50 (Maroco, 2011), as it is the case. The homogeneity of variances was asses-
sed with the Levene test based on the mean or median, depending on whether or not
the dependent variable had a normal distribution, respectively.
Although the dependent variable in some groups does not present normal dis-
tribution, the t-student test is considered to be robust to violation of normality when
skewness (sk) and kurtosis (ku) values are not very high, that is, with absolute values
lower than 3 and 7-10, respectively (Maroco, 2011).

5. Findings

In the shopping experience carried out in an offline purchase channel it was found that
74.2% (23 participants) placed at least one extra product in the shopping cart. As to the
experience in online purchase channel, only 14 participants (42.4%) did - an almost half
of the above. But is this fact really related to the purchase channel or is it just by chance?

258 | MEDIA&JORNALISMO
5.1 Difference in the acquisition of “extra products” between each group

Regarding the effect that the variable group could have on the purchase of
unplanned products, here expressed by the variables Acquisition of Unplanned
Products, Type of Unplanned Products, and Quantity of Unplanned Products, the
following was obtained: there was a statistically significant effect of the Group
variable (1-offline and 2-online) on the acquisition/non-acquisition of unplanned
products to those mentioned and quantified in the shopping list provided (t (62) =
3.577; p = 0.001), proving that more participants from Group 1 (M = .77, SD = .43)
purchased more unplanned products when compared to Group 2 (M = .36, SD =
.49), this difference being a consequence of the potential effect of the channel and
the group in which participants were inserted. It is considered that this effect is hi-
ghly significant since p-value is equal to 0.001.
There were also statistically significant differences with respect to the effect
of the channel/group variable on the Type of Unplanned Products (t (62) = 2.005; p
= 0.049) and Quantity of Unplanned Products (t (62) = 2.055, p = 0.044) variables.
These results indicate that Group 1 (offline) also purchased more types of un-
planned products, as well as a greater quantity of these same products when com-
pared to Group 2 (online). In this sense, the first proposed hypothesis is confirmed:
“In a grocery shopping situation with resource to a shopping list, the consumer will
purchase more unplanned items when buying in an offline purchase channel than in
an online purchase channel”.

Group t-Student
1 – Offline M(DP) 2 – Online M(DP) t df p
Acquisition of Un-
planned Products .77 (.43) .36 (.49) 3.577 62 .001
Type of Unplanned
Products 1.61 (1.31) .91 (1.49) 2.005 62 .049
Quantity of Un-
planned Products 2.68 (2.86) 1.39 (2.11) 2.055 62 .044

Table 3 - Descriptive statistics (M, SD) and t-student values for independent samples with re-
gard to the purchase of extra products in each group (offline and online)

5.2 Difference of time spent between each group

A statistically significant effect of the Group variable (1-offline and 2-online) on the
time spent, measured in minutes, was found in the purchase simulation carried out
(t (62) = 2.757; p = 0.008). Namely, it was found that Group 1 (M = 11.68, SD = 3.26)
took longer to complete the purchase than Group 2 (M = 9.48, SD = 3.13).

ARTIGOS | 259
Group t-Student
1 – Offline M(SD) 2 – Online M(SD) t df p

Time (minutes) 11.68 (3,26) 9,48 (3.13) 2.757 62 0.008

Table 4- Descriptive statistics (M, SD) and t-student values for independent samples with re-
gard to the time spent on the purchase simulation in each group (offline and online).

5.3 Difference of price sensitivity between each group

During the observation of the purchase experiences that were carried out by the
various participants, it was also decided to verify difference of expenses incurred be-
tween each group and if the “acquired” products were on promotion in order to assess
consumers’ sensitivity to price, in order to confirm the second and last hypothesis pro-
posed: “In a grocery shopping situation with resource to a shopping list, consumers
price sensitivity to unplanned purchases varies according to the shopping channel.”.
It was also verified a statistically significant effect of the Group variable on the ex-
penses incurred in the products mentioned in the shopping list (t (62) = -2.217; p = .030).
By comparing the averages observed in each group, it is perceptible that participants
that constituted Group 2 (M = 9.47, SD = 2.65) spend more money on the products inclu-
ded in the shopping list, compared to the participants of Group 1 (M = 8.16, SD = 2.00).
In the case of products purchased that were not included in the purchasing list, the
effect of the Group variable was also statistically significant (t (62) = 2.114; p = .039),
but in this case, it is the Group 1 (M = 4.99, SD = 6.45) who spent more money (M =
2.32, SD = 3.25). There was no statistically significant effect of the Group variable on
the total expenditure of participants in the purchase simulation (t (62) = .955, p = 0.343).

Group t-Student
1 – Offline 2 – Online
t df p
M(SD) M(SD)
Expenses Made on
Products from the 8.16 (2.00) 9.47 (2.65) -2.217 62 0.030
List
Expenses Made on
Unplanned Products 4.99 (6.45) 2.32 (3.25) 2.114 62 0.039

Total Expenses 13.15 (6.92) 11.79 (4.30) .955 62 0.343

Table 5- Descriptive statistics (M, SD) and t-student values for independent samples with re-
gard to expenditure on products included or not in the shopping list, in each group

As regards to the total number of products purchased on promotion (planned


plus unplanned chosen products), a statistically significant effect of the Group varia-
ble was observed (t (62) = 4.059, p <0.001): Group 1 (M = 2.97, SD = 1.30) purchased
more products on promotion than Group 2 (M = 1.64, SD = 1.32).
When we observed the occurrences with the products mentioned in the shopping
list, the result presented was similar: Group 1 (M = 2.35, SD = .99) also purchased

260 | MEDIA&JORNALISMO
more products on promotion than Group 2 (M = 1.39, SD = 1.17). A statistically sig-
nificant effect of the Group variable on the number of products included in the sho-
pping list purchased for promotion (t (62) = 3.541; p = .001) was also observed. On
the other hand, regarding the products that were not included in the shopping list, but
were also on promotion, no statistically significant effect of the Group variable on the
acquisition of these products (t (34) = .642; p = .525) was found.

Group t-Student
1 – Offline 2 – Online
t df p
M(SD) M(SD)
Products from the
List on Promotion 2.35 (.99) 1.39 (1.17) 3.541 62 .001
Unplanned Products
on Promotion .83 (.89) .62 (1.04) .642 34 .525
Total Products on
Promotion 2.97 (1.30) 1.64 (1.32) 4.059 62 .000

Table 6- Descriptive statistics (M, SD) and t-student values for independent samples with re-
gard to products included or not in the shopping list, purchased on promotion, in each group

A summary table of the statistical results obtained is presented below (Table 7).

Independent Dependent Variable


Variable
SHOPPING Acquisition of un- Statistically Group 1 (offline) acquired a
CHANNEL planned products significant effect greater number of unplanned
(OFFLINE VS. (H1 verified) products than Group 2 (online)
ONLINE) (p ≤ 0.05)
Type of unplanned
products
Quantity of unplanned
products
Time Statistically sig- Group 1 (offline) spent more
nificant effect time in the purchase simulation
than Group 2 (online) (p ≤ 0.05)
Total expenses No statistically significant effect (p ≥ 0.05)

Expenses made on Statistically Group 2 (online) spent more


products from the list significant effect money on products listed in
(H2 verified) the shopping list, compared to
Group 1 (offline) (p ≤ 0.05)
Expenses made on Group 1 (offline) spent more
unplanned products money on products that were
not on the shopping list than
Group 2 (online) (p ≤ 0.05)
Total products on Group 1 (offline) purchased
promotion more products on promotion
than Group 2 (online) (p ≤ 0.05)

ARTIGOS | 261
Products from the list Group 1 (offline) purchased
on promotion more products mentioned in the
shopping list on promotion than
Group 2 (online) (p ≤ 0.05)
Unplanned products No statistically significant effect (p ≥ 0.05)
on promotion

Table 7- Synthesis of the statistical results obtained

6. Discussion

With this exploratory study, we aimed to understand in which retail channel (offline
versus online) the consumer best complies with the shopping list and in which one he
chooses a greater number of unplanned products. Moreover, we wanted to understand
if this possible difference in shopping behavior could also be observed in consumer price
sensitivity. Therefore, we proposed that in a grocery shopping situation with resource to
a shopping list the consumer would purchase more unplanned items when buying in an
offline purchase channel than in an online purchase channel (H1), and that consumers pri-
ce sensitivity to unplanned purchases would vary according to the shopping channel (H2).
According to our data, differences were observed between the two shopping con-
ditions, confirming our hypothesis 1. Specifically, in an offline purchase channel 74.2%
(23 participants) placed at least one extra product in the shopping cart, while in a online
purchase channel only 14 participants (42.4%) did. Also, Group 1 (offline) purchased
more types of extra products, as well as a greater quantity of these same products
when compared to Group 2 (online). We then conclude that consumer acquired more
unplanned items in an offline purchase channel than in an online purchase channel.
One possible explanation to the obtained findings is the fact that the purchasing
process in an online purchase channel allows greater control over the search process
through the use of tools such as the search bar, menus or filters (Hoffman & Novak,
1996). This use may allow bigger manipulation of the results presented, restricting
the number of products available to the consumer. On the other hand, in the offline
purchase channel the stimulation process by the environment and store atmosphe-
re is potentially higher (Degeratu et al., 2000), as there are more products and stimuli
visible to the consumer competing for his attention.
Our findings contradict Kacen and Lee (2002) assumption that the Internet is a
mean of promoting unplanned and impulsive buying, since it increases and facilita-
tes access to the available products and services. This assumption could be true for
hedonism shopping, when consumers may be more open to buy products/services
that they initially did not consider. However, based on our findings we suggest that in
a goal-oriented condition, consumers would be more resistant to deviate their plan-
ned behavior, especially in an online context. In other words, in an offline environment,
shoppers are probably more likely subject to more marketing stimuli and consequen-
tly they are more likely to make unplanned purchase since the shopping could be less
utilitarian than in an online channel.
Moreover, our findings also confirmed that in a grocery-shopping situation, cha-
racterized by the use of a shopping list, the time spent in the decision-making pro-

262 | MEDIA&JORNALISMO
cess was higher in an offline shopping channel than in an online shopping channel.
A finding that is in line with Bell, Corsten and Knox (2011) suggestion that there is a
positive relationship between shopping time and unplanned buying, which could ex-
plain the previous mentioned observation.
If we consider that the corridors in a physical store correspond to the hierarchical
menus in an online store, the time spent in traveling between corridors in an offline
channel is higher than when navigating between menus in an online channel, which
can contribute to the increase of the time spent in Group 1. This justification is suppor-
ted by Morganosky and Cude (2000), who, when studying the online channel purcha-
se, verified a decrease in the actual purchase time, which they justified by eliminating
the physical shop trips. It is also believed that consumers who prefer to shop on on-
line platforms do so to expedite this task, as the Internet as a market has potentially
made it more efficient (Press, 1993), since the consumer manipulates the presented
results, reaching its objectives quickly. For this can also contribute the prior know-
ledge of the platform (site or application) used. Besides, if the number of unplanned
items purchased is higher in the offline channel, it is likely that consumers buying
through this channel will take more time in the total time spent in the decision process.
It is agreed that the Internet can facilitate access to available products and servi-
ces. But as a buying channel, its various specificities, such as the possibility of greater
control and efficiency in the decision-making process, can make access to products
more restricted and less competitive, as it is mainly dependent of previous knowled-
ge, potentially decreasing the number of unplanned purchases.
One other possible explanation to consumers behavior to stick with the planned
shopping list in an online context could be related precisely with the fact that the on-
line is an immernsive store full of possibilities, which could suggest that consumers
become are more goal-oriented in online purchases than in offline environments as
a defense mechanism. Even though consumers like to have choices (Carmon, Wer-
tenbroch, & Zeelenberg, 2003; Shin & Ariely, 2004), people are more likely to make
more purchases when offered a limited array of choices rather than a more exten-
sive array of choices (Iyengar & Lepper, 2000). Previous studies have also shown
us that participants actually reported greater subsequent satisfaction with their se-
lections and wrote better essays when their original set of options had been limited
(Iyengar & Lepper, 2000).
Regarding the second hypothesis, it was also confirmed that, in a grocery-shop-
ping situation using a shopping list, consumers seem to be more price sensitive for
planned products in an offline purchase channel, as they tend to spend less money
on products included in the shopping list and purchase more products on promotion,
compared to participants of Group 2. However, it was also found that when it comes
to unplanned expenses Group 1 spent more money on products that were not on the
shopping list than Group 2.
These findings may suggest that offline buyers may value more the influence of
price on their choices, when considering the products previously planned. In line with
our findings, for Degeratu et al. (2000) online shopping buyers are less attentive and
sensitive to the prices practiced, not becoming this one definitive attribute in the choi-
ce of a product. The authors also point out that in traditional stores, the combined
effect of price and promotions is stronger when compared to online stores.

ARTIGOS | 263
However, offline buyers spend more on extra products, which is why we could
not verify any effect of the purchasing channel in the total expenditure, since this va-
riable corresponds to the sum of the expenditure on the products of the shopping
list and the extra products. The fact that offline consumers chose a larger number
of unplanned and more expensive products, along with the greater number of pro-
motional products purchased, may once again indicate an influence of the store en-
vironment in traditional shops.
Unlike Group 1, online consumers showed a higher expenditure on the products
on the shopping list and did not present relevant data on the purchase of products on
promotion. As mentioned before, since the control of results in the shopping resear-
ch process is different from the offline context, it is expected that online consumers
may not have a more comprehensive idea of the total offers, thus price competition
being drastically reduced.

7. Conclusions

We exposed participants to one of two conditions (online versus offline shopping)


and provided both groups with the same shopping list and budget. At the end of the
study, all fictitious purchases in both groups were recorded and compared.
Based on the literature review, we proposed that in a grocery shopping situation
with resource to a shopping list the consumer would purchase more unplanned items
when buying in an offline purchase channel than in an online purchase channel (H1),
and that consumers price sensitivity to unplanned purchases would vary according
to the shopping channel (H2).
The findings presented and discussed seem to demonstrate that the purchasing
channel used impacts the decision-making process, both in planned and unplanned
purchases, confirming H1 and H2, suggesting that the purchasing decision-making
process is affected by the specificities of each purchase channel. Accordingly, there
are considerable differences in the number of unplanned products purchased, costs
incurred, and the products on promotion purchased, which are mainly explained by the
structural differences between channels, by type of navigation on the online channel
and the strong influence of the store environment on offline channels.
Unexpectedly, our findings also seem to suggest that the shopping channel, which
can affect impulsive shopping behavior, could also affect price sensitivity. The more
money consumer spends on the shopping list items, the less inclined he will be to
spend in impulsive shopping. One the other hand, a consumer more price sensitive
allows himself to buy more unplanned products and spend more money on them.
We are aware that there are many other possible factors that can influence sho-
pping behavior, specifically, unplanned purchases. For instance, impulse buying re-
mains affected by consumer personality, as stated by the most literature (Beatty &
Ferrell, 1998). Our goal was not to address all of these factors, but rather to focus on
the purchase channel by comparing the results from two different environments, so
far treated equally by practioners: the online and the offline channel. Future resear-
ch could expand this study and introduce other factors in order to provide a holistic
perspective on the subject.

264 | MEDIA&JORNALISMO
With regard to the implemented methodology, it is realized that the experience
produced cannot be considered totally natural, which leads to limitations in the ob-
servation. Although the shopping list and the budget have been constructed in order
to simulate a regular shopping momentum, this option can bias results through the
possible influence on the quantity and type of choice made in the unplanned pro-
ducts, which can lead to obscuring consumer needs and impulses, bypassing the
possibility of a fully real-world experience. Also, the fact that participants are aware
that this is an academic study can influence the results, making possible a change in
their decision-making process. It is also possible that the small number of research
participants could limit our conclusions.
Taking into account these limitations mentioned, it is suggested the repetition of
the experience by monitoring in a real moment of purchase each participant, taking
into account the list of purchases self-elaborated and their own budget (mental or
not). This repetition has to be developed in the two channels of purchase in question
in order to maintain the comparative character of the study. This research could also
be adapted to different categories of products.
Finally, in order to invert the unplanned consumption tendency in online grocery
stores, we believe that e-tailers need to focus on a more hedonic consumer expe-
rience where the entertainment side of the purchase should be emphasize (Park et
al., 2011). Unplanned consumption drivers such as atractive pricing strategies, sa-
les promotions and recommended or related products should be considered. None-
theless, online grocery consumption is a main goal-oriented activity. In this sense,
a successful strategy should also be about an expansion of sensory experiences
and the focus on developing the online atmospherics. We recommend a more in-
teractive presentation through the use of tools that provide this possibility, such as
chatbots or virtual assistants.
These findings are expected to contribute to the enrichment of academic and
scientific knowledge in the fields of Consumer Behavior and Strategic Communica-
tion. By reaching a better understanding of the consumer, environment, and deci-
sion-making process triangle, it is hoped that the future construction of better and
more effective communication strategies will be possible.

References

Aydinli, A., Bertine, M., & Lambrecht, A. (2014). Price promotion for emotional impact. Journal
of Marketing, 78(4), 80–96. https://doi.org/10.1509/jm.12.0338
Beatty, S. E., & Ferrell, M. E. (1998). Impulse buying: modeling its precursors. Jour-
nal of Retailing, 74(2), 169–191. https://doi.org/https://doi.org/10.1016/S0022-
-4359(99)80092-X
Bell, D. R., Corsten, D., & Knox, G. (2011). From Point of Purchase to Path to Purchase: How
Preshopping Factors Drive Unplanned Buying. Journal of Marketing, 75(1), 31–45. https://
doi.org/10.1509/jmkg.75.1.31
Block, L. G., & Morwitz, V. G. (1999). Shopping Lists as an External Memory Aid for Grocery Shop-
ping : Influences on List Writing and List Fulfillment, 8(4), 343–375. https://doi.org/10.1207/
s15327663jcp0804_01

ARTIGOS | 265
Carmon, Z., Wertenbroch, K., & Zeelenberg, M. (2003). Option Attachment: When Deliberating
Make Choosing Feel Like Losing. Journal of Consumer Research, 30, 15–29. https://doi.
org/10.1086/374701
Cove, J. F., & Walsh, B. C. (1988). Online text retrieval via browsing. Information Processing and
Management, 24(1), 31–37. https://doi.org/10.1016/0306- 4573(88)90075-1
Davis, R., Smith, S. D., & Lang, B. (2017). A comparison of online and offline gender and goal di-
rected shopping online. Journal of Retailing and Consumer Services, 38, 118–125. https://
doi.org/10.1016/j.jretconser.2017.02.011
Degeratu, A. M., Rangaswamy, A., & Wu, J. (2000). Consumer choice behavior in online and tra-
ditional supermarkets: The effects of brand name, price, and other search attributes. In-
ternational Journal of Research in Marketing, 17, 55–78. https://doi.org/10.1016/S0167-
8116(00)00005-7
Dhar, R., & Simonson, I. (1999). Making complementary choices in consumption episo-
des: highlighting versus balancing. Journal of Marketing Research1, 29–44. http://doi.
org/10.2307/3151913
Heilman, C. M., Nakamoto, K., & Rao, A. G. (2002). Pleasant Surprises: Consumer Response to
Unexpected In-Store Coupons. Journal of Marketing Research, 39(2), 242–252. https://doi.
org/10.1509/jmkr.39.2.242.19081
Hoffman, D. L., & Novak, T. P. (1996). A New Marketing Paradigm for Electronic Commerce. The
Information Society, 13(1), 43–54. https://dx.doi.org/10.1080/019722497129278
Huyghe, R., Verstraeten, J., Geuens, M., & Van Kerckhove, A. (2017). Clicks as a Healthy Alterna-
tive to Bricks: How Online Grocery Shopping Reduces Vice Purchases. Journal of Marketing
Research, 54(1), 61–74. https://doi.org/10.1509/jmr.14.0490
Iyengar, S. S., & Lepper, M. R. (2000). When choice is demotivating: Can one desire too much of
a good thing? Journal of Personality and Social Psychology, 79(6), 995–1006. https://doi.
org/10.1037/0022-3514.79.6.995
Iyer, E. S. (1989). Unplanned Purchasing: Knowledge of Shopping Environment and Time Pres-
sure. Journal of Retailing, 65(1), 40–57.
Kacen, J. J., & Lee, J. A. (2002). The Influence of Culture on Consumer Impulsive Buying
Behavior. Journal of Consumer Psychology, 12(2), 163–176. https://doi.org/10.1207/
S15327663JCP1202_08
Kantar Worldpanel, K. (2015). Accelerating the growth of e-Commerce: 2015 Edition. Retrieved
from https://www.kantarworldpanel.com/pt/news/Disponibilizamos-online-o-relatrio-Acce-
leranting-the-growth-of-e-commerce-2015
Kollat, D. T., & Willet, R. P. (1967). Costumer Impulse Purchasing Behavior. Journal of Marketing
Research, 4(1), 21–31. https://doi.org/10.2307/3150160
Lee, L., & Ariely, D. (2006). Shopping Goals, Goal Concreteness, and Conditional Promotions.
Journal of Consumer Research, 33(1), 60–70. https://doi.org/10.1086/504136
Levin, A. M., Levin, I. P., & Weller, J. A. (2005). A multi-attribute analysis of preferences for online
and offline shopping: Differences across products, consumers, and shopping stages. Jour-
nal of Eletronic Commerce Research, 6(4), 281.
Maroco, J. (2011). Análise estatistica com utilização do SPSS (2nd ed.). Lisboa: Edições
Sílabo.
Morganosky, M. A., & Cude, B. J. (2000). Consumer response to online grocery shopping.
International Journal of Retail & Distribution Management, 28(1), 17–26. https://doi.
org/10.1108/09590550010306737

266 | MEDIA&JORNALISMO
Nielsen. (2017). Consumidores portugueses aderem às compras online. Retrieved February
26, 2017, from http://www.nielsen.com/pt/pt/press-room/2017/portuguese-consumers-
-join-online-shopping.html
Park, C. W., & Smith, D. C. (1989). The effects of situational factors on in-store grocery shopping
behavior: The role of store environment and time available for shopping. Journal of Consu-
mer Research, 15(4), 422–433. https://doi.org/10.1086/209182
Park, E. J., Kim, E. Y., Funches, V. M., & Foxx, W. (2011). Apparel product attributes, web brow-
sing, and e-impulse buying on shopping websites. Journal of Business Research, 65(11),
1583–1589. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2011.02.043
Press, L. (1993). The Internet and interactive television. Communications of the ACM, 36(12),
19–23. https://doi.org/10.1145/163298.163352
Rook, D. W., & Fisher, R. J. (1995). Normative Influences on Impulsive Behavior. Journal of Con-
sumer Research, 22(3), 305–313. https://doi.org/10.1086/209452
Schmidt, M. (2012). Retail shopping lists: Reassessment and new insights. Journal of Retailing
and Consumer Services, 19(1), 36–44. https://doi.org/10.1016/j.jretconser.2011.08.006
Shin, J., & Ariely, D. (2004). Keeping Doors Open: The Effect of Unavailability on Incentives
to Keep Options Viable. Management Science, 50, 575–586. https://doi.org/10.1287/
mnsc.1030.0148
Solomon, Bamossy, G., Askegaard, S., & Hogg, M. K. (2006). Consumer Behaviour: A European
Perspective (3rd ed.). Harlow: Pearson Education Limited.
Stilley, K. M., Inman, J. J., & Wakefield, K. L. (2010a). Planning to Make Unplanned Purchases?
The Role of In‐Store Slack in Budget Deviation. Journal of Consumer Research, 37(2), 264–
278. https://doi.org/10.1086/651567
Stilley, K. M., Inman, J. J., & Wakefield, K. L. (2010b). Spending on the Fly: Mental Budgets, Promo-
tions, and Spending Behavior. Journal of Marketing, 74(3), 34–47. https://doi.org/10.1509/
jmkg.74.3.34
Streicher, M., Büttner, O., & Estes, Z. (2016). Eye Buy: Broad Visual Attention Increases Unplanned
Purchases. In P. Moreau & S. Puntoni (Eds.), NA - Advances in Consumer Research Volume
44 (pp. 760–760). Duluth: MN: Association for Consumer Research.
Suher, J., & Hoyer, W. (2015). Shop Different: Impulsivity, Squential Decision Making, and
Motivations for Unplanned Purchases. In K. Diehl & C. Yoon (Eds.), NA - Advances in
Consumer Research Volume 43 (pp. 705–706). Duluth: MN : Association for Consu-
mer Research.
Thomas, A., & Garland, R. (1993). Supermarket Shopping Lists - their effect on consumer ex-
penditure. International Journal of Retail & Distribution Management, 21(2), 8–14. https://
doi.org/10.1108/09590559310028040
Thomas, A., & Garland, R. (2004). Grocery shopping: list and non‐list usage. Marketing Intelligen-
ce & Planning, 22(6), 623–635. https://doi.org/10.1108/02634500410559015
Watkins, T. (1993). Consumer Purchasing of Low involvement Goods: Routine or Impulse? Ma-
rketing Intelligence and Planning, 2(2), 51–66. https://doi.org/10.1108/eb045700
Williams, T. G. (1982). Consumer Behavior. St. Paul, Minnesota: West Publishing Co.
Wolfinbarger, M., & Gilly, M. (2001). Shopping online for freedom, control and fun. California Ma-
nagement Review, 43, 34–55. https://doi.org/10.2307/41166074
Yan, Q., Wang, L., Chen, W., & Cho, J. (2016). Study on the influencing factors of unplanned con-
sumption in a large online promotion ativity. Electronic Commerce Research, 16(4), 705–
706. https://doi.org/10.1007/s10660-016-9215-x

ARTIGOS | 267
Biographical notes

Inês Henriques is a Master in Communication Sciences, in the Strategic Communication, at


the Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa.
In recent years, she has worked closely with various brands as a project manager in com-
munications departments and advertising agencies. Shows interest in Consumer Marketing
and Behavior trends.

Email: [email protected]
Address: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

Ana Margarida Barreto holds a PhD degree from New University of Lisbon where she teach-
es Marketing, Consumer Behavior, and Strategic Communication. She completed a post-doc
at Tel Aviv University where she studied attention, perception and memory, and fieldwork as
a visiting scholar at University of Texas at Austin, University of Westminster, King’s College of
London, and Columbia University. She is also part of the coordination team of ICNOVA and is
the founder and coordinator of the research group on Strategic Communication and Decision-
Making Processes of that center. Her work has been recognized with many invitations to take
part in the review panel of worldwide journals, such as Communications: The European Journal
of Communication Research, European Journal of Marketing, Journal of Business Research,
Cogent Social Sciences, Information Processing & Management, etc, having received twice in
three years the Outstanding Reviewer Award at the Emerald Literati Network Awards for Excel-
lence (2015 and 2017). Ana Margarida Barreto has also worked for five years in communication
and advertising, both in Portugal and in Spain.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7465-327X
Email: [email protected]
Address: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submitted: 2018.08.15
* Accepted: 2018.12.20

268 | MEDIA&JORNALISMO
Violação das garantias processuais brasileira
praticadas pela Mídia: uma análise do caso Escola
Base/ 1994
Violation of procedural guarantees by the brazilian Media:
an analysis of Case School Base/1994
Violación de garantías procesales por la prensa brasileña:
un análisis de Caso Escuela Base/1994

Thaís dos Santos Souza


Universidade do Porto, Faculdade de Direito
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_19

Resumo
O propósito deste trabalho é analisar a violação das garantias processuais do
Estado Democrático de Direito praticadas pelos meios de comunicação, com ênfa-
se no Caso Escola Base, ocorrido no estado de São Paulo. Apresenta alguns princí-
pios e garantias processuais e direitos que compõem o direito da personalidade as-
segurado pelo Estado Democrático de Direito inerente ao tema. Analisa a aplicação
dos princípios processuais e dos direitos assegurados pela Dignidade da Pessoa
Humana no Caso Escola Base. Retrata a influência da mídia nas decisões judiciais
e administrativas, especificamente no sistema jurídico processual penal brasileiro e
na atuação policial. A base para o estudo foi a doutrina que aborda o tema, além de
reportagens publicadas na época.

Palavras-chave
garantias constitucionais processuais; direitos da personalidade; Estado demo-
crático de Direito; influência da mídia; caso Escola Base.

Abstract
The purpose of this paper work is to analyze the violation of procedural guar-
antees of the democratic State of law practiced by the media, with emphasis on
Case Base School, held in state of São Paulo. Presents some principles and pro-
cedural guarantees and rights that make up the personality law ensured by the
Democratic State of Law inherent in the theme. Analyzes the application of the
procedural principles and rights provided by the Dignity of the Human Person in
the case Base School. Portrays the media influence in judicial and administrative
decisions, specifically in the Brazilian penal procedural legal system and police
action. The basic for the study was the doctrine that discuss the topic, in addition
to reports in the season.

ARTIGOS | 269
Keywords
constitutional procedural guarantees; personality rights; democratic state of law;
influence of the media; case School Base

Resumen
El propósito de este trabajo es analizar la violación de garantías procesales del
Estado democrático de derecho practicado por los medios de comunicación, con
énfasis en el caso escuela Base, ocurrido en el estado de São Paulo en Brasil. Pre-
senta algunos principios procesales y garantías y derechos que conforman la per-
sonalidad derecha garantizada por el estado democrático de derecho inherente en
el tema. Analiza la aplicación de los principios y derechos previstos por la dignidad
de la persona humana en el caso de la escuela Base. Retrata la influencia de los me-
dios de comunicación en las decisiones judiciales y administrativas, específicamente
en el sistema jurídico procesal penal brasileño y desempeño de la policía. La base
para el estudio era la doctrina que aborda el tema, además de los informes publica-
dos en el momento.

Palabras clave
garantías constitucionales de procedimiento; derechos de la personalidad; estado
democratico de derecho; influencia de los medios; caso escuela base

1 Introdução

O presente estudo tem por objeto de investigação as garantias processuais não


observadas no Caso Escola Base, ocorrido no estado de São Paulo em 1994, quan-
do a mídia produziu uma verdadeira histeria a partir de um único depoimento frené-
tico da mãe de uma criança que mudou de vez o destino dos fictícios criminosos.
A finalidade principal deste trabalho é o de expor e analisar a ação do poder ju-
diciário frente às ações da imprensa, buscando averiguar a atuação do Estado no
Caso Escola Base. Diante disso buscou responder ao seguinte questionamento:
considerando as normas e princípios processuais e individuais amparados pelo Es-
tado Democrático de Direito, houve manifestação dessas garantias processuais as-
seguradas pelo Estado Democrático de Direito no caso específico da Escola Base?
Com o intuito de expor uma análise crítica da violação das garantias processuais
no Estado Democrático de Direito praticadas pelos meios de comunicação, os quais
acabam, por vezes, condenando antecipadamente os supostos inimigos da socieda-
de, convertendo-se em um juiz praticamente inquisitorial. A partir dessa ótica se pro-
põe analisar o fato ocorrido na Escola Base, em São Paulo, no ano de 1994, em que
parte da mídia invadiu as garantias processuais e individuais dos acusados, anteci-
pando tanto a atuação policial quanto a do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Entre as diversas abordagens, tomaremos como referencial teórico os doutri-
nadores Nucci (2014), Mendes (2008), Ribeiro (2003) e Fava (2005). Cabe ressaltar,
que foram utilizados vários artigos de sites para aprofundar o conhecimento sobre
o caso. A partir destas referências, procurou-se apresentar a influência da mídia e
sua responsabilidade civil no processo. Em seguida, foi analisado o fato ocorrido na

270 | MEDIA&JORNALISMO
Escola Base, observando a atuação da mídia e do poder judiciário frente aos direitos
e garantias asseguradas pelo Estado Democrático de Direito.
E é nesse cenário que o presente trabalho estudou a violação das garantias pro-
cessuais praticadas pelos meios de comunicação e o poder punitivo da imprensa
e sua responsabilidade civil nos casos judiciais, com o enfoque específico sobre o
caso da Escola Base, um dos maiores casos em que a imprensa brasileira desres-
peitou as normas constitucionais.
Ponderando assim, as garantias e direitos preservados constitucionalmente, ten-
do de um lado a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão sustentada pe-
los abusos midiáticos e do outro lado, a presunção de inocência, o devido processo
legal, o contraditório e a ampla defesa, além da preservação dos direitos tutelados
pelo princípio da dignidade da pessoa humana, como o direito à intimidade, à ima-
gem e à honra, propondo obter o necessário equilíbrio entre os interesses conflitan-
tes no caso concreto.
Na metodologia do trabalho, utilizou-se abordagens exploratória e descritiva, o que
consistiu na aplicação das garantias e direitos assegurados pelo constituinte no Caso
Escola Base. Para isso, foi preciso um levantamento e estudo bibliográfico por meio
de livros e artigos de sites, para posterior análise qualitativa dos fatos no Caso Esco-
la Base, tendo em vista a dificuldade de tratar o tema a partir de um estudo de caso.

2 As Garantias Processuais No Estado Democrático De Direito No Brasil

Em uma sociedade moderna, a imposição de normas gerais é fundamental para


manter a ordem social. Caso haja conflito de interesses, perturbando a ordem social,
o Estado põe-se no dever e no poder de julgar de forma imparcial a litigância apre-
sentada. E por meio do direito processual, o Estado desenvolverá entre as partes li-
tigantes e o agente político (juiz) o exercício da função jurisdicional.
Nesse sentido, para preservar o direito de todos os indivíduos, foram tutelados no
rol do art. 5º da Carta Magna de 1988, direitos e garantias fundamentais. Do mesmo
modo o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que compõe em seu
teor diversas garantias judiciais que foram integradas no ordenamento jurídico inter-
no, como bem retrata seu artigo 8º1 em que o legislador se preocupou em destacar

1
Artigo 8º: Garantias judiciais: 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada
contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou
de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma
sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda
pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado
de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale
a língua do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação
formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua
defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor
de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito
irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não,
segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor

ARTIGOS | 271
detalhadamente os direitos, que consiste nos bens tutelados à pessoa e as garan-
tias, que são os meios para obtenção do direito tutelado. Essas garantias, direitos e
princípios destacados no presente artigo estão traçados pela Constituição Federal
Brasileira de 1988, com o intuito de resguardar as garantias fundamentais do réu,
assegurando-lhe um julgamento justo.
Dentre esses direitos e garantias asseguradas pela Constituição Federal de 1988,
estão os direitos do réu no processo penal, em que o Estado Democrático de Direito
tem como finalidade preservar essas garantias fundamentais do réu no processo pe-
nal como sendo de maior interesse da prestação jurisdicional, para que as falhas na
ação jurisdicional não causem prejuízo ao julgamento. E tomando como referência
as palavras de Vargas (1992, p.67), o autor pontua que “o processo é que assegura a
efetivação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, quando violados, com
base nas linhas principiológicas traçadas pela Constituição”.
Desta forma, em um Estado Democrático de Direito, o Direito Processual Penal
deve-se pautar nas linhas mestras gravadas na Carta Magna, aplicando devidamente
os princípios traçados pela Constituição Federal de 1988 cuja finalidade é preservar
as garantias fundamentais do réu. Posto isto, é importante apresentar as principais
garantias fundamentais do réu no Estado Democrático de Direito que foram desres-
peitados no caso da Escola Base.

2.1 Presunção De Inocência

O princípio da presunção de inocência, conhecido também como da não culpabi-


lidade é a base do Estado de Direito, pois tutela a liberdade dos sujeitos, o que signi-
fica dizer que todo acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sen-
tença condenatória, com trânsito em julgado, conforme prevê o art. 5º, inciso LVII,
da Constituição Federal de 19882.
Como se pode observar, o texto constitucional não exime a culpa do sujeito, ou
seja, não declara a inocência do acusado, mas, sim, a presunção de que o acusado
não é necessariamente culpado da prática do fato que lhe foi imputado, cabendo ao
Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo. Esse direito é primordial no ordena-
mento jurídico pelo fato de garantir ao acusado pela infração penal um julgamento
justo, conforme pontua a Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa em seu art. 6.2: “Toda a Pessoa

dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes
no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas
que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma,
nem a confessar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. 3.
A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado
absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos
mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar
os interesses da justiça. (Humanos, 1969).
2
Art. 5.  Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liber-
dade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (EC nº 45/2004) LVII-
ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (Brasil, 1988).

272 | MEDIA&JORNALISMO
acusada de uma infração presume-se inocente até ser provado culpado de acordo
com a lei.” (citado em Silva, 2011, p.3). E em conformidade com a seção 11 (d) da
Carta Canadense de Direitos e Liberdades:

Qualquer pessoa acusada de um delito tem o direito de ser presumido


inocente até prova em contrário nos termos da lei em uma audiência justa e
pública por um tribunal independente e imparcial (citado em Silva, 2011, p.3).

Diante desse instituto da presunção de inocência, no momento da instrução


processual, como presunção legal da não culpabilidade, o ônus da prova é invertido,
isto é, caberá o ônus da prova ao Ministério Público e não à defesa, tendo em vista
o que Nucci (2014, p. 64) aborda, as pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu
estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, tornando indispensável que o
Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado-juiz, a culpa do réu.
Cabe ressaltar, que o princípio em questão integra-se ao princípio in dubio pro
reo (princípio da prevalência do interesse do réu), no qual garante que, em caso de
dúvida, sempre prevalecerá o estado de inocência, devendo o acusado ser absolvido.

2.2 Devido Processo Legal

O princípio do devido processo legal é considerado uma das pedras fundamen-


tais de todo o funcionamento da jurisdição (Holanda, 2003, p.19), pois envolve e in-
corpora todos os demais princípios, de forma que, ao ferir ou até mesmo respeitar
determinado princípio, estará, consequentemente, cumprindo e violando diretamente
o princípio do devido processo legal.
Assegurado no texto constitucional, no art. 5º, inciso LIV, no qual expõe que “ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (Brasil, 1988),
que vale dizer que ninguém poderá ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem
que haja um julgamento proferido legalmente para a solução de determinado conflito
de interesses. O presente princípio abrange, juntamente com o direito à ampla defesa
e ao contraditório, direito a um órgão julgador imparcial, direito de igualdade entre as
partes e a vedação ao uso de provas ilícitas, com o fim de funcionar como garantias
processuais básicas de uma sociedade justa e democrática (Barroso, 2012, p. 41).
Nessa linha, cabe frisar a tese de Baracho (2003 citado em Holanda, 2003, p. 89),
quando pontua que:

O devido processo exige que os litigantes tenham o benefício de um


juízo amplo e imparcial, perante os tribunais. Seus direitos não se medem por
leis sancionadas para afetá-los individualmente, mas por disposições jurídicas
gerais, aplicáveis a todos aqueles que estão em condição similar. (Baracho,
2003 citado em Holanda, 2003, p. 89).

Desta forma, o devido processo legal afasta argumentos de base autoritária, geran-
do decisões legítimas e coerentes, exigindo assim, que todas as sentenças sejam mo-
tivadas, justificadas e fundamentadas, visando um controle democrático da jurisdição.

ARTIGOS | 273
2.3 Princípio Do Contraditório E Da Ampla Defesa

Assegurado no texto constitucional, no art. 5º, inciso LV, que diz que “aos litigan-
tes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegura-
dos o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (Bra-
sil, 1988), o que significa dizer que uma das partes tem o direito de se manifestar
no processo contra toda alegação ou exposição de prova, se utilizando de todos os
meios e recursos legais favoráveis à defesa de seus interesses e direitos postos em
juízo, conforme ressalta Nucci (2014, p. 67) em que:

A toda alegação fática ou apresentação de prova, feita no processo


por uma das partes, tem o adversário o direito de se manifestar, havendo um
perfeito equilíbrio na relação estabelecida entre a pretensão punitiva do Esta-
do e o direito à liberdade e à manutenção do estado de inocência do acusado
(e.g. art. 5º, LV, Constituição Federal de 1988) (Nucci, 2014, p. 67).

Considerado o princípio mais importante do ordenamento processual, visto que


os atos processuais são pautados por uma bilateralidade em que se deve unir a pos-
sibilidade do direito de ação com o direito de defesa, concedendo assim, tanto à acu-
sação quanto à defesa, a efetiva oportunidade das partes participarem na formação
do convencimento do juiz que proferirá a sentença. Desta forma, a parte se manifes-
tará a cada fato novo surgido no processo, podendo o juiz decidir o caso conforme
as teses desenvolvidas tanto pelo autor quanto pelo réu, como bem expõe Cintra,
Dinamarco e Grinover (2001, p.61) em que:

A bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo. Em todo


processo contencioso há pelo menos duas partes: autor e réu. O autor (de-
mandante) instaura a relação processual, invocando a tutela jurisdicional, mas
a relação processual só se completa e põe-se em condições de preparar o
provimento judicial com o chamamento do réu a juízo. (Cintra, Dinamarco &
Grinover, 2001, p.61).

Esses princípios implicam na necessidade de haver no processo o direito de ser


ouvido; de acompanhar os atos processuais; de produzir provas; de ser informado re-
gularmente dos atos praticados no processo; de que as decisões judiciais sejam fun-
damentadas; de impugnar as decisões (Figueiredo, Alexandridis & Figueiredo, 2013).

2.4 Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana

Conforme define Awad (2006, p.1), a dignidade da pessoa humana é um valor


supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, des-
de o direito à vida. Ela resguarda o ser humano contra tudo o que lhe possa levar
ao menosprezo. O Estado Democrático de Direito adota o princípio da dignidade da
pessoa humana como um valor basilar, uma vez que ele compõe critério que reúne
todos os direitos fundamentais.

274 | MEDIA&JORNALISMO
Segundo Alexy (1993, p. 105-109 citado em Mendes, Coelho & Branco, 2008, p. 151):

O princípio da dignidade da pessoa comporta graus de realização, e o


fato de que, sob determinadas condições, com um alto grau de certeza, pre-
ceda a todos os outros princípios, isso não lhe confere caráter absoluto, sig-
nificando apenas que quase não existem razões jurídico-constitucionais que
não se deixem comover para uma relação de preferência em favor da digni-
dade da pessoa sob determinadas condições. Entretanto, uma tese como
essa – de posição central – vale também para outras normas de direitos
fundamentais, sem que isso afete o seu caráter de princípio. Por isso, pode-
-se dizer que a norma da dignidade da pessoa não é um princípio absoluto e
que a impressão de que o seja resulta do fato de que esse valor se expressa
em duas normas – uma regra e um princípio -, assim como da existência de
uma série de condições sob as quais, com alto grau de certeza, ele prece-
de a todos os demais. (Alexy, 1993, p. 105-109 citado em Mendes, Coelho &
Branco, 2008, p. 151).

Repare que esse princípio obtém critérios que precedam aos demais princípios,
porém a preferência no ordenamento jurídico em favor da dignidade da pessoa hu-
mana não o torna absoluto. Quanto ao seu caráter, há dúvidas dele ser absoluto ou
não, alguns autores advertem que o caráter não é absoluto, como defende Alexy
(1993 citado em Mendes, Coelho & Branco, 2008), isto porque, a ideia de dignidade
da pessoa humana não pode servir, diretamente, de vetor para identificar direitos
fundamentais. Todavia, esse princípio contém critérios que identificam os direitos
fundamentais, em especial o direito à vida, à liberdade e à igualdade de cada sujeito.
Diante disso, os constituintes entendem que o ser humano é a base e o topo do
direito, e que esse princípio veio com o intuito de zelar pela dignidade de todos os
seres humanos. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 retrata em
vários momentos a importância que tem a dignidade humana, para melhor ilustra-
ção, vejamos alguns artigos tutelados na Carta Magna de 1988, o qual retrata esse
valor que o legislador dá à dignidade humana. Vejamos o preâmbulo da Constituição
Federal do Brasil, o qual faz menção ao Estado Democrático de Direito como forma
de garantir o exercício dos direitos individuais e sociais. Em seguida, em seu artigo
1º, I e II, e no caput do artigo 170, observa-se a obrigação da ordem econômica em
assegurar a todos uma existência digna.
Outros artigos que também advertem a garantia da dignidade humana é o arti-
go 226, §7º da Constituição, o qual faz menção à família, como forma de garantir a
dignidade da pessoa humana, e os artigos 3º, III e o artigo 23, X, que são responsá-
veis por apresentar os objetos fundamentais, isto é, a exterminação da pobreza e das
desigualdades sociais. Outro momento no qual o constituinte retrata a dignidade do
individuo é no artigo 6º, que traz em seu texto o mínimo que cada sujeito necessi-
ta, como: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, a
proteção á maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.
Note que o constituinte ligou intimamente todos os direitos sociais citados aci-
ma à dignidade da pessoa humana, isto, para que os direitos fundamentais protejam
o indivíduo em sua dignidade.

ARTIGOS | 275
2.5 Direito À Intimidade, À Imagem E À Honra

A intimidade, a imagem e a honra são direitos invioláveis conforme é positivado


na Carta Magna em seu artigo 5º, X : “São Invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação” (Brasil, 1988).
A intimidade, por si só, é o núcleo no qual a pessoa não admite que outras aden-
trem; é constituída por sentimentos, recordações mais íntimas, e sobre a qual o titular
do direito não tem o desejo ou a pretensão de que outras pessoas venham a tomar
conhecimento (Gonçalves, 2007, p. 47). Já no que tange à intimidade e à vida priva-
da, Silva (2004, p.205 citado em Andrade, 2014) pontua que o direito à intimidade é
quase sempre considerado como sinônimo de direito à privacidade, havendo assim
uma interligação entre ambos os direitos.
Quanto à imagem, os direitos são relativos à própria pessoa, correspondendo ao modo
como ela se apresenta perante a sociedade. Desta forma, conforme defende Andrade
(2014), o direito à imagem vem proteger a reprodução das características fisionômicas e
comportamentais do indivíduo, incluindo também a pessoa jurídica quanto aos atributos
que detém na sociedade. Guerra (1999, p. 57 citado em Gonçalves, 2007, p. 50) expõe que:

O direito á imagem sem dívida alguma, é de vital importância para as


pessoas, pois consiste no direito que a própria pessoa têm sobre a projeção
de sua personalidade física ou moral em face da sociedade, incidindo assim
em um conjunto de caracteres que vai identifica-la no meio social. (Guerra,
1999, p. 57 citado em Gonçalves, 2007, p. 50).

Já a honra obtém uma pequena ligação com a intimidade, visto que ela protege a inti-
midade, vindo a resguardar o indivíduo de possíveis violações a sua fama, já que é carac-
terizada como um atributo que compõe a personalidade do sujeito. Guerra (1999, p. 49
citado em Gonçalves, 2007, p. 44) ressalta que a proteção à honra consiste no direito de
não ser molestado, injuriado, ultrajado ou lesado na sua dignidade ou consideração social.
Cabe ressaltar, que além da Constituição Federal de 1988, o Código Civil Brasileiro
de 2002 também vem a proteger a intimidade, a honra e a imagem, em seus artigos
12 e 17, que fazem menção à possibilidade de cessar a ameaça, ou a lesão a direi-
to da personalidade, podendo ainda, reclamar perdas e danos e proibindo o uso do
nome da pessoa em publicações ou representações que a exponham ao desprezo
público, mesmo que não haja intenção difamatória.
Posto isto, fica evidente a preocupação do legislador em proteger esses três direitos (di-
reito à intimidade, honra e imagem) que são direitos fundamentais com proteção tanto na
esfera constitucional quanto na infraconstitucional, sendo que sua violação resulta tanto no
direito de resposta do ofendido, como também indenização por danos materiais e morais.

3 Meios De Comunicação E Sistema Judicial

A mídia é o meio de comunicação de massa (imprensa, televisão, rádio, inter-


net, dentre outros) o qual se conceitua como sendo o conjunto total de meios de

276 | MEDIA&JORNALISMO
divulgação das mensagens publicitárias, tendo um poder de formação da opinião
pública. (Ximenes, 2001, p.584).
Posto isto, não é de hoje que a mídia possui uma forte influência no pensar e
no agir das pessoas. A forma com que os fatos são veiculados e as imagens são
transmitidas pode acarretar na construção de uma percepção equivocada quanto a
determinado fato, principalmente os relacionados com o universo jurídico, que nor-
malmente, distorce a realidade com o intuito de vender notícia. O problema maior de
tudo isso é o resultado, pois o modo e a forma como são retratados os fatos aca-
bam provocando indignação moral, revolta, repulsa, dentre outros sentimentos seme-
lhantes, interferindo diretamente na opinião das pessoas, podendo produzir efeitos
condenatórios sobre determinados indivíduos, desencadeando assim, uma reação
social sobre determinado delito propagado.
A influência gerada pela mídia tem atingido tantos universos, que nem mesmo
o universo jurídico conseguiu ficar imune. Algumas decisões jurídicas e administra-
tivas, especialmente no sistema jurídico processual penal brasileiro, como ocorreu
no Caso da Escola Base, acaba sendo afetada pelo poder influenciador da mídia no
agir sobre o psiquismo do público, que eventualmente antecipa a atuação do poder
judiciário. A consequência desse mecanismo é que ele pode antecipar a atuação do
sistema judicial, atuando como possível operador do Direito, convertendo-se em um
juiz praticamente inquisitorial, vindo a proferir sentenças inapeláveis, sem qualquer
suporte jurídico, não importando se é culpado ou inocente, ferindo princípios consti-
tucionais como os da ampla defesa, do contraditório, da presunção de inocência, do
devido processo legal, da dignidade da pessoa humana, além dos sagrados direitos à
intimidade, à honra e à imagem e à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa.

3.1 Meios De Comunicação E Imparcialidade Dos Julgamentos

No Direito, o juiz deve assumir uma postura imparcial vindo a exercer sua fun-
ção respeitando o princípio da isonomia, que ensina que todos são iguais perante
a lei. Desta forma, a imparcialidade do juiz, intimamente ligado com o princípio do
juiz natural, não vem a se comprometer com uma das partes e nem se influenciar
por pressões externas, tais como questões pessoais, valores morais e individuais e
até mesmo por pressões da imprensa. Entretanto, na prática, não é bem assim que
acontece, a imparcialidade do juiz muitas das vezes acaba sendo utópica, pois ocor-
rem diversas interferências externas que influenciam no resultando do processo.
A mídia, por exemplo, é uma interferência externa que pode interferir nas decisões
judiciais, por ser uma forte formadora de opinião, assumindo, disfarçadamente ou
até mesmo sem escrúpulos, lados, julgando e opinando sobre determinado fato, se
preocupando, nos casos penais, por exemplo, sempre com uma resposta: a conde-
nação. Ainda que a verdade não seja confirmada, os suspeitos estão sempre na mira
da mídia ou como culpados ou como inocentes, independentemente da verdade real.
Não tão diferente da justiça, o princípio da imparcialidade também se faz pre-
sente na profissão jornalística, não devendo o jornalismo favorecer uma das partes,
pois, conforme enuncia Beleza (2013, p.16) “aquele que noticia não deve tomar par-
tido, expressar a opinião pessoal e nem observar tendendo a um dos lados”. No en-

ARTIGOS | 277
tanto, a imparcialidade não tem sido um princípio fundamental do jornalismo, pois,
eles usam as fontes como um meio de expressar o que, na verdade, é um ponto de
vista próprio. Kovach e Rosenstiel (2003, p. 122 citado em Beleza, 2013, p. 17) escla-
recem bem quando dizem que:

Imparcialidade deve significar que o jornalista está sendo equânime e


isento em relação aos fatos, e ao entendimento que os cidadãos tem deles.
Não deve significar “estou sendo justo com minhas fontes, de forma que ne-
nhuma delas ficará chateada?”. Tampouco deve o jornalista perguntar “será
que a minha matéria parece imparcial?”. Esses são julgamentos subjetivos
que talvez afastem o jornalista da necessidade de checar mais ainda o seu
trabalho. (Kovach & Rosenstiel, 2003, p. 122 citado em Beleza, 2013, p. 17).

E como consequência disso, há influência jornalística no processo judicial, forne-


cendo informação, expressando sugestões, apontando pistas, indicando suspeitos,
permitindo a eliminação de álibis ou oferecendo elementos para uma análise estru-
tural da criminalidade (Rodrigues, 1999 citado em Beleza, 2013, p. 18), ferindo assim,
o princípio da imparcialidade, como ocorre no Caso Escola Base. E o efeito dessa
conduta pode provocar erros e desvios da verdade real, interferindo no julgamento de
um caso, por distorcer ou criar uma nova concepção da realidade e do que, de fato,
está ocorrendo. E como bem ressalta Rodrigues (1999 citado em Beleza, 2013, p.18):

Seja por intenção deliberada de quem veiculou os factos, seja pelo modo
como a mensagem foi elaborada ou se repercutiu nos meios de prova. As regras
de produção da notícia e, designadamente, as formas, por vezes, precárias de
escrutínio das fontes, podem levar a publicação de notícias que se repercutem
negativamente na investigação. (Rodrigues, 1999 citado em Beleza, 2013, p. 18).

Além disso, no que diz respeito ao fornecimento de informações trazidas sobre


o mundo jurídico, especialmente os casos criminais, um erro, um desvio da verdade
do fato que vem a manipular o pensar e o agir das pessoas, pode influenciar na deci-
são judicial, devido à maneira como os fatos são abordados, um novo rótulo é criado
para os indivíduos; objeto de investigação, interferindo no julgamento e na opinião
pública. Como se verá, o caso da Escola Base retrata bem a não manifestação do
princípio da imparcialidade, porque, ao que parece, o juiz teria se deixado influenciar
por fatos externos, comprometendo o andamento justo do processo.
Assim, os meios de comunicação tem o poder de influenciar resultados e pressionar
os sujeitos do processo com a capacidade de manipular a opinião pública, a imprensa ga-
nha poder de silenciar um crime ou de alastrá-lo, conforme o enfoque principal da mídia.

3.2 Liberdade De Expressão

John Milton (1644 citado em Furtado & Melo, 2016) já dizia: “Dêem-me acima de to-
das as liberdades a liberdade de saber, de falar e de discutir livremente, de acordo com a
minha consciência”. Essa passagem aborda bem o presente tema, pois tanto o pensar

278 | MEDIA&JORNALISMO
quanto o se expressar é o que diferencia os seres humanos. E sendo um quesito indis-
pensável para a total realização do homem, o texto constitucional retrata em seu arti-
go 5º, a liberdade de expressão (incisos IV e IX), também conhecida como liberdade de
pensamento por alguns doutrinadores, que vem a garantir a própria liberdade de pensar.
O texto constitucional, em seu artigo 5º expõe em seu inciso IV que “é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (Brasil, 1988), com refle-
xo no inciso IX, que ressalta que “é livre a expressão da atividade intelectual, artísti-
ca, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (Brasil,
1988). Cabe ressaltar que essa garantia também “abrange o direito de opinião, de
informação e de escusa de consciência” (Silva, Sobreira, Figueiredo, Penteado Filho
e Cometti, 2012 p. 57), o que significa dizer que todo indivíduo tem direito à liberda-
de de opinião e expressão, que implica na liberdade de manter as suas próprias opi-
niões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por
qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras, conforme destaca
a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 19.
Por fim, é importante esclarecer que há limites à liberdade de expressão, não de-
vendo confundir limite à liberdade de expressão com a penalidade, visto que

os limites fazem parte do direito á liberdade de expressão sendo ne-


cessários para o exercício pleno desse direito; sem limites não há liberdade,
e sim, arbitrariedade de ações. [...] Já as penalidades referem-se ao desres-
peito ao que estabelece a lei, fazendo-se atuantes apenas a partir do momen-
to em que se constata a violação do direito ao livre expressar, por omissão
ou por abuso do mesmo; são, portanto, de atuação efetiva ulterior ao delito
(Furtado & Melo, 2016).

3.3 A Liberdade De Imprensa

O direito de informar e ser informado são direitos assegurados no texto consti-


tucional por meio da liberdade de imprensa, visto que é por meio dela que a veicula-
ção das informações pelos órgãos de imprensa é assegurada, sendo contemplada
no artigo 220 da Constituição Federal de 1988, que diz que:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a


informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer
restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à
plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunica-
ção social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica
e artística. (Brasil, 1988).

Também, refletida no inciso IX do artigo 5º da Carta Magna, que expõe que “é li-
vre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, inde-
pendentemente de censura ou licença” (Brasil, 1988).

ARTIGOS | 279
Como se vê, a liberdade de imprensa está entre os direitos fundamentais de
maior relevância na ordem constitucional, e conforme ressalta Hungria (1953 cita-
do em Fernandes, 2012) a liberdade de imprensa é o direito da livre manifestação do
pensando pela imprensa, em que é preservado, de um lado, o direito individual à in-
formação, e do outro, o direito coletivo do acesso à informação. Cabe ressaltar que,
mesmo tendo sua liberdade assegurada pela Carta Magna, a liberdade de imprensa
não possui caráter absoluto, podendo sujeitar-se a restrições, como a privacidade e
a honra das pessoas.

3.4 Censura E Controle Da Mídia No Brasil

Os meios de comunicação estão sempre em busca de conquistar e atrair a aten-


ção das pessoas, de modo a garantir maior acessibilidade à população como tam-
bém uma maior qualidade na veiculação da notícia. No entanto, para garantir essa
acessibilidade e essa qualidade na propagação da notícia, muitos acabam violando
direitos de outrem, ferindo as garantias fundamentais asseguradas na Carta Magna.
Presumindo essa possibilidade, o legislador constitucional garantiu a qualquer
indivíduo a reparação de um dano ocasionado pelos meios de comunicação. E mais,
mesmo com essa garantia, a Constituição Federal ainda proíbe a censura aos meios
de comunicação, conforme se observa no artigo 5º, IX, que ressalta que “é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, indepen-
dentemente de censura ou licença” (Brasil, 1988), como também no artigo 220 da
Constituição Federal, como demonstrado.
Diante disso, é evidente o quanto a Constituição Federal é explícita ao proibir práti-
cas de censura aos meios de comunicação. Por sua vez, antes de seguir adiante, cum-
pre definir o que de fato é censura, trazendo o conceito afirmado pelos autores Donnini
e Donnini (2002, p. 43 citado em Gonçalves, 2007, p.41), que pontuam que a censura é:

[...] o sistema ou prática de censurar obras literárias, artísticas ou co-


municações escritas ou impressas. Cabe ao censor (do latim censore) o ato
de opinar e examinar essas obras, manifestando, assim, sua posição quanto
à utilidade ou não da publicidade destas, determinando, a seu critério, a sua
publicação ou difusão, através da imprensa. (Donnini & Donnini, 2002, p. 43
citado em Gonçalves, 2007, p.41).

Posto isto, conclui-se que a censura é o desejo de um sujeito em controlar, por


meio do poder que exerce, buscando assim, reprovar algo. Quanto no universo jurí-
dico, o sentido dado pelo constituinte ao vedar a censura foi exatamente o de proibir
a criação de um órgão que venha a definir qual tipo de informação, imagem ou pro-
paganda vem a ser veiculada.
Repare que o legislador resguarda o direito à liberdade de expressão, porém, tal
direito não é absoluto, pois caso haja confronto entre direitos fundamentais, o Poder
Judiciário buscará solucionar da forma mais justa. No entanto, para que solucione
esse confronto, o judiciário irá sacrificar um direito em benefício de outro, conforme
explica Gonçalves (2007, p. 42).

280 | MEDIA&JORNALISMO
A vedação a uma determinada matéria é imprescindível, tendo em vista o resulta-
do que tal notícia pode causar à coletividade, pois como já dito anteriormente, a liber-
dade de imprensa é assegurada se não violados os direitos individuais, como à inti-
midade, à honra, à imagem, à privacidade como também os direitos coletivos, como
o interesse público e a segurança. Posto isto, prevendo garantir eventuais excessos
da imprensa, ocorre o chamado “controle da mídia”, que funciona não apenas para
evitar esses excessos, como também garantir a não influência dos meios de comuni-
cação em determinado acontecimento, como, por exemplo, os resultados eleitorais.
Em uma matéria publicada na revista eletrônica Veja, Corrêa (2014) aborda sobre
a censura e o controle da mídia, na qual ele explica que o “controle da mídia” funcio-
na, ou pelo menos deveria funcionar como garantia tanto dos direitos da imprensa,
quanto dos direitos individuais e coletivos, assegurando-os dos excessos e abusos
da imprensa e também da influência que a mídia pode causar em alguns casos es-
pecíficos. Corrêa (2014) também discorre que uma coisa é o “controle” sobre o con-
teúdo produzido pelos meios de comunicação, sejam quais forem suas opções e
outra coisa, bem diferente, é a restrição legal à concentração da propriedade de um
grande número de meios de comunicação, nas mãos de monopólio ou oligopólios.
Em que, o primeiro retrata bem a censura e o segundo retrata o “controle da mídia”.
Diante disso, observa-se que na democracia brasileira, a censura ou qualquer tenta-
tiva desta na produção de conteúdo deve ser negada, da mesma forma que os danos e
prejuízos causados pela ação da mídia devem ser ressarcidos, preservando assim os di-
reitos fundamentais tanto da imprensa quanto da coletividade e do sujeito em particular.

4. Análise do Caso Escola Base

As imagens exercem um grande poder na sociedade e é por meio delas que a


mídia constrói um espetáculo influenciador das relações sociais, fazendo com que
entrem pelos olhos e alcançam o cérebro sem ser notados (Novaes, 2005 citado em
Fava, 2005, p. 84). E é nessa ótica que o cenário do Caso Escola de Educação Infan-
til Base é construído, por meio de imagens exageradas, transmitidas pelos meios
de comunicação, o que veio a dificultar a percepção entre o que seria real da ficção.
O caso começa quando Maria Aparecida Shimada (Cida) e sua prima Paula Milhin de
Monteiro Alvarenga, juntamente com a ajuda de seu marido Maurício de Monteiro Alva-
renga, resolvem montar seu próprio negócio, mal sabiam eles que esse negócio iria mu-
dar completamente suas vidas. Ribeiro (2003, p.16-17), relata bem como tudo começou:

Em setembro de 1992, interessaram-se por uma oferta de uma esco-


linha na Aclimação. Nunca tinham ido ao bairro antes, mas, como a escola
estava em franca decadência, o preço não era ruim. Fecharam negócio. Des-
de o principio, as tarefas foram bem divididas: Cida Tomava conta da parte
administrativa e Paula responsabilizava-se pela parte pedagógica. Foi neces-
sário empatar um bom dinheiro para reerguer a escolinha. Levantaram uma
edícula nos fundos, transformaram a casa modesta em um sobradinho de
dois andares, cimentaram todo o quintal e construíram banheiros externos.
(Ribeiro, 2003, p.16-17).

ARTIGOS | 281
Tudo estava indo muito bem, as últimas obras estavam prontas no início de 1994.
De fato, tudo indicava que o sacrifício havia valido a pena, já que em menos de dois
anos o número de alunos havia passado de 17 para 72, conforme informa Ribeiro
(2003, p.17). No entanto, a sorte da Escola Base começou a mudar quando Fábio,
um menino de quatro anos, que estudava nesta escola, enquanto brincava com sua
mãe (Lúcia) começou a fazer movimentos semelhantes a atos sexuais. Vendo aqui-
lo, a mãe, de forma histérica, como se noticiou, iniciou vários questionamentos; de
onde ele havia visto isso, quem o ensinou, concluindo assim, após a indicação de
que o menino havia aprendido aqueles movimentos em uma fita de videocassete,
de que seu filho havia sofrido abusos sexuais (Fava, 2005, p. 86).
E a partir daí, todo um enredo foi montado, o qual Ribeiro (2003, p.20-21) descreve bem:

Lúcia voltou ao quarto, ninguém presenciou a inquirição, mas o fato é


que ela saiu de lá dizendo que o menino revelara barbaridades. A fita porno-
gráfica, ele a teria visto na casa de Rodrigo, um coleguinha da Escola Base.
Um lugar com portão verde, jardim na lateral, muitos quartos, cama redon-
da e aparelho de televisão no alto. Seria levado a essa casa em uma perua
Kombi, dirigida por Shimada, - o Ayre, marido da proprietária da escolinha.
Fábio teria sido beijado na boca por uma mulher de traços orientais, e o beijo
fotografado por três homens: José Fontana, Roberto Carlos e Saulo, pai do
Rodrigo. Maurício – marido de Paula, sócia da escolinha – teria agredido o
pequeno a tapas. Uma mulher de traços orientais faria com que ele virasse
de bruços para passar mertiolate e pomada em suas nádegas. Ardia muito,
o que o garoto disse à mãe. E uma mulher e um homem ficariam “colados”
na frente dele. Outros coleguinhas de Fábio teriam participado da orgia: Ira-
cema, Rodrigo e Cibele. (Ribeiro, 2003, p.20-21).

Diante de tal imaginação fértil, Lúcia procurou Cléa, mãe de Cibele, para ouvir a
versão de Cibele, que, por fim, após várias indagações, confirmou o que Fábio con-
tara. Desde então, não havia dúvidas, as crianças haviam sofrido abusos sexuais.
Com isto, as duas mães denunciaram, por abuso sexual, os donos da escola, um
motorista do transporte escolar e os pais de um aluno. Diante disso, o delegado que
recebera a denúncia; Antonino Primante, encaminhou as duas crianças ao exame
de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML), além de expedir um mandado de
busca e apreensão para entrar na casa de Mara e Saulo, pais de Rodrigo, lugar onde
supostamente ocorriam as orgias (Fava, 2005, p.87).
Ao entrar na casa de Mara e Saulo, viram que nada parecia com a descrição
dada pelas crianças, nada foi encontrado, salvo fitas cassetes do cantor Fábio Jr e
do Globo Repórter sobre ufologia. Logo depois, seguiram para a Escola de Educa-
ção Infantil Base, que estava rodeada de jornalistas e pais indignados. E após revis-
tar toda a escola, a única coisa apreendida foi uma coleção de fitas de Walt Disney.
Inconformadas com a conduta do delegado Primante, as mães decidiram apresen-
tar o ocorrido para a Rede Globo, iniciando assim, o grande espetáculo, pois, foi só
o repórter global Valmir Salaro chegar à Delegacia para que os primeiros acusados,
isto é, Ayres, Cida, Maurílio e Paulo, fossem indagados informalmente, sofrendo uma
grande pressão psicológica.

282 | MEDIA&JORNALISMO
Ribeiro (2003, p.40-41) discorre ainda que Paula afirma que a pressão não foi
apenas psicológica, mas também física, conforme expõe abaixo:

Segundo sua versão, os polícias a colocaram de joelhos no banhei-


ro do distrito e, debaixo de pancadas, ameaçaram mergulhar sua cabeça no
vaso sanitário. Segundo Paula, Salaro estava no distrito nesse momento e,
se não presenciou a tortura, num dos intervalos do espancamento, ela teria
segurado seu braço, pedindo socorro. (Ribeiro, 2003, p.40-41).

Todavia, o espancamento não foi confirmado por nenhum dos demais acusados,
porém, confirmam que os policiais foram bastante duros no interrogatório. Mas a
questão não é apenas se houve tortura ou não, mas sim, o fato do Jornal Nacional,
da Rede Globo, no dia 29 de março, divulgar a denúncia das mães, sem apresentar
nenhuma versão dos acusados. E mais, eles haviam um telex do IML (Instituto Mé-
dico Legal) apresentando o resultado preliminar do exame de corpo delito de Fábio,
no qual informa a possível prática de atos libidinosos.
Com isto, uma perseguição aos acusados era iniciada, tanto pelos jornalistas
quanto pela sociedade. Plantões eram feitos na frente da casa de Mara e Saulo, pe-
los jornalistas e eram recebidos com ofensas pelos vizinhos. Diante disso, todos
buscaram manter-se escondidos, por temerem um linchamento. E as redes de co-
municação, conforme Fava (2005, p. 89) ilustra, mergulharam em uma cobertura
sensacionalista, capitaneada, mormente pelas emissoras de televisão que insistiam
em transmitir o sofrimento das mães das vítimas. E por meio dessas notícias, mos-
trando o sofrimento de mães de crianças que teriam sofrido abusos sexuais, aca-
bavam dominando o ponto de vista de cada telespectador, afirmando e reafirmando
que os acusados eram de fato culpados provocando assim, uma reação de revolta
e clamor popular por justiça.
O jornalista Ribeiro (2003, p. 56-57) narra que a mídia propagava continuamente,
denúncia atrás de denúncia sobre o caso, sem ao menos uma prévia investigação.

Os jornais, portanto, aceitavam publicar qualquer denúncia, mesmo


de pessoas não identificadas. A imprensa não era mais movida pelo Ianimus
narrandi, ou intenção de narra. O que estava mais do que presente era o ani-
mus denunciandi, ou compulsão por denunciar. Essa prática é também cha-
mada de “denuncismo”. A cobertura na mídia imprensa começava a entrar no
ritmo sensacionalista da televisão. A manchete da Folha da Tarde de quinta-
-feira já aceitava denúncias como fatos verdadeiros: “Perua escolar carregava
crianças para orgia”. (Ribeiro, 2003, p. 56-57).

E é nesse cenário de denúncias e mais denúncias escandalizadora que a Comis-


são Parlamentar de Inquérito vem a pedir a quebra do sigilo bancário dos acusados,
tendo em vista uma suspeita das mães da provável contaminação do vírus HIV nas
crianças. A quebra do sigilo bancário acabou sendo deferido, mesmo sem qualquer
prova material do delito.
Finalmente, no meio de toda aquelas denúncias infundadas, selvageria e saquea-
mentos sofridos, os acusados resolveram falar com os jornalistas Florestan Jr., Chico

ARTIGOS | 283
Verani e Regina Terraz. No entanto, dias depois, o delegado responsável pelo caso,
Edélson Lemos se reúne com os advogados que atuavam no inquérito e exige a apre-
sentação dos acusados, pois queria ouvi-los, garantindo, antes de qualquer coisa, que
estes não seriam presos. Todavia, não foi isso que aconteceu, o juiz Galvão Bruno
determinou a prisão dos envolvidos. E como somente Saulo e Mara compareceram
à delegacia para serem ouvidos, conforme queria o delegado Edélson Lemos, estes
foram presos e os demais conseguiram escapar da prisão.
A imprensa, nesse mesmo dia, obteve a cópia do laudo inconclusivo do IML (Insti-
tuto Médico Legal) referente ao menino Fábio, o qual dizia que as lesões encontradas
são comparadas tanto a coito anal quanto a problemas intestinais, sendo a segun-
da causa confirmada algum tempo depois por meio de um depoimento da própria
mãe de Fábio que afirmava que o filho sofria de constipação intestinal. Dias depois,
o casal Mara e Saulo foi solto e o delegado que efetuou a prisão; Edélson Lemos,
afastado do caso, mantendo em silêncio as investigações iniciadas. Era como se os
noticiários liderassem o rumo das investigações (Fava, 2005, p. 94).
Entretanto, esse silêncio não durou muito tempo, pois em virtude de uma denún-
cia anônima, um americano que residia no bairro da Aclimação foi detido por suspei-
ta de pedofilia. Esse cenário foi o suficiente para que o caso da Escola Base voltas-
se às manchetes, retomando o grande espetáculo, uma vez que ligaram o caso do
americano com a Escola Base. Depois de uma série de acareações, a ligação entre
os casos foi desfeita. Após alguns meses de investigação sobre o caso da Escola
Base, o Delegado Gélson de Carvalho concluiu que os seis indiciados eram inocen-
tes, por falta de provas, sendo o inquérito arquivado.
Vale enfatizar que mesmo depois de serem inocentadas, as marcas do ocorri-
do ainda se fazem presentes, pois acarretaram problemas financeiros e de saúde
nos envolvidos, como depressão, síndrome do pânico dentre outros. A escola de
Educação Infantil Base está abandonada, após ser usada pela FEBEM (Fundação
Estadual para o Bem Estar do Menor) por alguns anos. Os acusados ajuizaram vá-
rias ações de indenização com pedido de danos morais e materiais contra alguns
veículos de comunicação que fizeram a cobertura do caso, os quais foram deferi-
dos. Registra-se, por oportuno, que Icushiro Shimada e sua esposa, Maria Apareci-
da Shimada, já morreram.

4.1 Desrespeito Às Garantias Processuais Dos Acusados

O meio mais eficaz e rápido para a construção de ideias é por meio dos meios
de comunicação, pois com seu poder de persuasão a opinião pública é formada ge-
rando uma espécie de controle social, principalmente quando se trata de notícias
referentes a assuntos policiais. Entretanto, a violação a garantias constitucionais ao
indivíduo acaba sendo constante, tendo em vista o modo como é adquirida, formu-
lada e transmitida a notícia aos telespectadores.
O abuso ao direito de Liberdade de Expressão, em especial nos casos de polícia,
vem invadindo as garantias asseguradas aos acusados, interferindo diretamente nas
decisões e opiniões das pessoas, criando um pré-julgamento sobre um determinado
caso, condenando o suposto acusado antes do trânsito em julgado.

284 | MEDIA&JORNALISMO
Para melhor entendimento, vejamos um caso concreto que ilustra a colisão de di-
reitos fundamentais assegurados pela Carta Magna de 1988, que mostra o controle
social que a mídia tem, de forma a interferir em decisões judiciais, ofendendo direi-
tos que constituem a dignidade dos acusados. O caso da Escola Base retrata bem os
conflitos entre o direito de Liberdade de Expressão e de Imprensa, e os direitos que
constituem a Dignidade da Pessoa Humana e os direitos e garantias processuais.
A mídia, ao noticiar o caso em questão, vem provocar uma reação de violenta que-
bra da ordem (Mendes, Coelho & Branco, 2008, p.369), isto é, produziu um falso alarme
sobre o caso de abuso sexual contra criança em uma escola de ensino infantil. A forma
desrespeitosa e sensacionalista como a informação sobre o caso foi divulgada, decre-
tou de imediato a veracidade dos fatos antes mesmo da produção de provas e da defe-
sa dos supostos acusados. Com essa conduta antiprofissional por parte da imprensa
acarretou em diversas ofensas aos direitos tanto processuais quanto individuais dos
suspeitos, interferindo no julgamento destes, causando danos irreparáveis aos acusados.
Passemos agora a entender o modo como esses direitos violados foram mani-
festados no presente caso. Iniciaremos com a Liberdade de expressão, que logo já
encontra limites previstos no texto constitucional, em que, havendo colisão desse
direito com outros, a legislação intervirá, de modo a preservar um dos direitos.
O constituinte proclama, no art. 220 da Carta Magna de 1988, a não restrição ao
direito de manifestação de pensamento, criação, expressão e informação, acrescen-
tando ainda, que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à
plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação so-
cial, desde que observados os dispositivos no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV (§1º do art.
220, da Constituição Federal de 1988). Por sua vez, admite a intervenção legislativa
para, dentre essas normas do art. 5º da Constituição Federal, preservar a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (X) e, para que se assegure a todos
o direito de acesso à informação (XIV).
No caso da Escola Base, os meios de comunicação usufruíram da sua liberdade
de expressão e de imprensa, tendo em vista que ambas referem-se ao direito de livre
manifestação do pensando, para invadir os direitos da personalidade dos acusados,
lesionando a intimidade, a imagem e a honra dos suspeitos, vindo a desconstituir
a imagem que tinham no meio social em que viviam. Ao caracterizar os acusados
como monstros, a imprensa desconstituiu a imagem, suas intimidades e honra que
foi atingida em virtude da má reprodução que foi feita pelos meios de comunicação.
Com sua fixa perseguição aos seis suspeitos, a mídia veio degradando publicamen-
te suas imagens, aniquilando suas carreiras, entregando-as à clandestinidade e al-
terando para sempre suas histórias (Fava, 2005, p.86).
A conduta da imprensa teve como consequência a distorção da imagem e da
dignidade dos seis acusados, com um comportamento agressivo, hipnotizando a to-
dos, inclusive o próprio delegado do caso e o judiciário, que diante da histeria popular,
desencadeada pelas acusações midiáticas, interferiu no próprio rumo das decisões
judiciais, conforme pontua Fava (2005, p.92).
Segundo Mendes, Coelho e Branco (2008, p.375):

O ser humano não pode ser exposto –­­­­máxime contra a sua vontade
– à mera curiosidade de terceiros, para satisfazer instintos primários, nem

ARTIGOS | 285
pode ser apresentado como instrumento de divertimentos alheio, com vis-
tas a preencher o tempo de ócio de certo público. Em casos assim, não ha-
verá exercício legítimo da liberdade de expressão. (Mendes, Coelho & Bran-
co, 2008, p.375).

Observe que a mídia não tinha o direito de expor os acusados da forma como
foram retratados, sem o devido consentimento desses, com o intuito vago de fazer
notícia, abalando assim, a honra dos acusados e seus direitos. Todavia, não foram
apenas direitos da personalidade dos seis acusados que foram violados pela impren-
sa, os direitos e garantias processuais também não ficaram imunes à influência da
mídia. Sem qualquer suporte jurídico, a imprensa converteu-se ao papel de juiz pra-
ticamente inquisitorial e proferiu sentenças inapeláveis, condenando os suspeitos
sem ao menos ouvi-los, não se importando se são culpados ou inocentes.
Parte da mídia, conforme demonstra Fantecelle e Shutte (2013, p.6), não diferencia
acusado de condenado, julgando os suspeitos com informações distorcidas de fontes
não confiáveis, tudo para ter um “foco de notícia”. É importante frisar que a Constitui-
ção Federal de 1988 prevê que os acusados são considerados inocentes até que se-
jam declarados culpados, mediante sentença condenatória, com trânsito em julgado.
Sendo assim, inadmissível a condenação dos suspeitos antes do trânsito em julgado.
Diante disso, ao extrapolar com informações inconclusas, a imprensa além de in-
fluenciar a sociedade, acabou influenciando a atuação policial e judicial no caso em
questão. Isso porque, diante de toda a pressão social, o judiciário ignorou a presunção
de inocência e o direito do contraditório e da ampla defesa e veio a atuar com equívoco
ao expedir mandado de prisão aos seis suspeitos, haja vista que não havia exposição
de provas contra eles, e sim, várias acusações infundadas e fontes não confiáveis.
Cabe frisar que é por meio do direito processual que o Estado desenvolve o exer-
cício da função jurisdicional, para obter um equilíbrio entre os interesses conflitantes.
E para não haver falhas na prestação jurisdicional não causando prejuízo ao réu, o
Estado Democrático de Direito preserva garantias fundamentais ao réu no proces-
so. Uma dessas garantias é a presunção da inocência, isto é, “ninguém será culpado
até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (LVII do art. 5º da Consti-
tuição Federal de 1988). Desta forma, a imprensa ao condenar antecipadamente os
seis acusados, viola um dos direitos primordiais do ordenamento jurídico, tendo em
vista que garante aos acusados um julgamento justo, julgamento este que a mídia
suprimiu dos suspeitos.
Os seis suspeitos nem tiveram a chance de se manifestar no processo contra toda
a alegação ou exposição de provas contra eles, isto, mesmo o constituinte asseguran-
do que todos que tiveram seus direitos fundamentais feridos pela mídia têm o direi-
to de resposta, o que corresponde, segundo Mendes, Coelho e Branco (2008, p.363),
à possibilidade de retrucar uma ofensa veiculada por um meio de comunicação.
Com isso, além de retirar o direito da presunção de inocência dos seis acusados,
a imprensa tirou o direito dos acusados de retrucar tal condenação, nocauteando os
direitos e garantias constitucionais assegurados aos réus. Ademais, ao que parece,
os acusados tiveram seus direitos de personalidade e processuais privados sem uma
audiência justa realizada em um tribunal independente e imparcial, haja vista que o
constituinte assegura no art. 5º, LIV, “que ninguém será privado da sua liberdade ou

286 | MEDIA&JORNALISMO
de seus bens sem o devido processo legal” (Brasil, 1988), isto é, sem um julgamento
proferido legalmente para solucionar o presente caso.
Percebe-se o quanto a mídia tem poder de persuadir, por meio de informações
sensacionalistas, causando pânico e temor na sociedade, vindo a confundir o traba-
lho da polícia nas investigações do caso, quebrando o sigilo resguardado na Carta
Magna de 1988, do inquérito policial, vindo assim a propagar informações do inqué-
rito antes da conclusão da investigação, provocando um grande tumulto no meio
social e no meio jurídico. A influência da mídia pode trazer consequências graves ao
processo, e no caso da Escola Base, as consequências foram irreparáveis, pois os
suspeitos, mesmo depois de julgados inocentes, não tiveram suas vidas de volta.
Problemas de saúde surgiram e abalaram a qualidade de vida destes.

4.3 A Responsabilização Civil Dos Meios De Comunicação

Segundo Almeida (2007, p. 43), “se a mídia influencia na modificação do ordena-


mento jurídico, não é menos verdade que os meios de comunicação podem causar
prejuízos ao indivíduo acusado da prática delitiva”, o que significa dizer que não é ape-
nas o judiciário que pode ser atingido pelas práticas abusivas dos meios de comunica-
ção, os indivíduos envolvidos no delito também são prejudicados por esta influencia.
O legislador, ainda que assegure o amplo exercício da liberdade de imprensa, im-
põe alguns limites que têm como consequência a responsabilidade civil daquele que,
mediante abuso desse direito, ofende direito individual de outrem. Com isso, mes-
mo em nome da liberdade de imprensa, a mídia tem o dever de reparar o prejuízo
causado ao indivíduo, tendo em vista a responsabilidade civil gerada ao jornalista ao
noticiar um determinado fato. Essa responsabilidade provém do exercício abusivo
da liberdade de imprensa, que, segundo a Constituição Federal, em seu artigo 5º, V,
assegura o direito de indenização por danos causados por terceiros, em que expõe
que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indeniza-
ção por dano material, moral ou à imagem” (Brasil, 1988).
O direito de resposta corresponde ao direito de retrucar uma ofensa veiculada
por algum meio de comunicação, já o direito de indenização, tem como finalidade a
reparação pecuniária dos danos causados por essa veiculação. A professora Urban
(p. 43-44 citado em Ferreira, 2014) faz uma ressalva a respeito da responsabilidade
jornalística, o qual ela enuncia que:

A facilidade de acesso á notícia e a quantidade de informações dispo-


nibilizadas no mundo globalizado acarretou no surgimento de uma comuni-
cação de massas. O comunicador passou assim a ser uma espécie de porta
voz dos fatos havidos no mundo, o que fez aumentar a sua responsabilidade
de passar a notícia de modo adequada aos valores constitucionais, legais e
morais. Levando em consideração as consequências sociais, econômicas e
políticas a que se pode chegar por conta da proliferação de uma notícia, e
também considerando que com o desenvolvimento do capitalismo as notícias
passaram a ser repassadas como se fossem mercadorias, com mero intuito
lucrativo, passou-se a dar especial destaque á questão da ‘responsabilidade

ARTIGOS | 287
social da imprensa’. Significa a obrigação da imprensa, através dos meios de
comunicação, de publicar a realidade dos fatos expostos, preservando os va-
lores e princípios institucionalizados, os costumes prevalentes na sociedade,
bem como a ética no desencadeamento do processo de cidadania. (Urban, p.
43-44 citado em Ferreira, 2014).

Observe que o jornalista deve ser criterioso ao expor a privacidade alheia,


além de cumprir religiosamente a lei, tendo em vista que é de sua responsabili-
dade repassar a notícia, retratando a verdade dos fatos, respeitando os valores
constitucionais e mais, se responsabilizando pelas consequências geradas pela
notícia divulgada.
Vieira (2003, p. 265 citado em Ferreira, 2014) ilustra que:

A reportagem sobre crimes e atos judiciais deve ser a mais objetiva


possível. A crônica judiciária que exalta ou denigre, utilizando-se de critérios
unicamente subjetivos, é abusiva. A imprensa pode informar sobre uma in-
vestigação criminal em curso, porque o direito de ser informado abrange o
acesso às fintes de informação. Deve, porém, respeitar o sigilo do inquérito
policial, respeitar a dignidade do suspeito ou investigado, das vítimas e tes-
temunhas. A imagem do investigado, preso ou não, poderá ser divulgada se
houver a anuência dele. A vítima deverá ser resguardada, evitando-se a divul-
gação de sua identidade. As testemunhas, se o caso exigir, por questão de
segurança pessoal, não poderão ser identificadas. O jornalismo investigativo
não é vedado. Todavia, o jornalismo deverá ser prudente e comedido, procu-
rando salvaguardar os valores éticos do ser humano. São abusivas as acu-
sações infundadas – inclusive aquelas feitas sobre uma denúncia anônima –
contra um indivíduo e que ferem a presunção de inocência. Mesmo em bases
sólidas, a afirmação de prática delituosa contra alguém exige cautela. (Vieira,
2003, p. 265 citado em Ferreira, 2014).

Assim, a imprensa precisa sempre harmonizar seus direitos com os do individuo,


isto é, deve haver equilíbrio entre sua liberdade de expressão e as garantias indivi-
duais do acusado, tendo em vista seu poder de influenciar no destino do acusado,
podendo lhe causar sérios danos.
Importante registrar que o presente estudo não questiona danos causados pela
imprensa a pessoas públicas, mas sim a outras pessoas, haja vista que o cenário,
no primeiro caso é um pouco diferente quando se trata de um particular. A responsa-
bilidade de uma empresa jornalística ao divulgar informações acerca da intimidade
ou da vida privada de um sujeito é muito importante, já que a exposição errônea de
tais informações e ainda sem autorização do indivíduo viola outros direitos funda-
mentais tutelados pela Carta Magna.
A título exemplificativo podem ser mencionados alguns casos concretos que
ilustram essa responsabilidade civil da mídia. Comecemos com o caso Isabella Nar-
doni, um dos clássicos casos brasileiro de forte influência da mídia, o qual retrata a
história de uma criança de 5 anos de idade que havia sido morta pelo pai e por sua
madrasta. O caso, desde o início foi marcado por várias suposições, perfis dos acu-

288 | MEDIA&JORNALISMO
sados foram traçados, o crime, reconstituído, e a imprensa, com seu pré-julgamen-
to do caso, lesava a dignidade do casal que estava sendo acusado, sem nenhuma
cautela. Tal conduta gerou um tumulto na sociedade, haja vista que as informações
sobre o julgamento foram usadas de forma errônea, vindo a prejudicar os acusados,
possibilitando a ocorrência de danos irreparáveis.
Note que a mídia viola direitos e garantias asseguradas aos acusados, sem se
preocupar com as consequências que tais ações poderiam causar. A divulgação de
imagens e de informações quanto ao perfil dos acusados agrediram diretamente a
dignidade do casal, acarretando em possíveis danos à vida destes.
O caso Suzane Von Richthofen e irmãos Cravinhos também teve sua repercus-
são na mídia, já que se trata da morte de um casal, cujos assassinos foram duas
pessoas sendo uma delas o namorado da filha do casal, Suzane. No entanto, du-
rante as investigações foi comprovado o envolvimento da própria Suzane no caso.
Outro caso, que é o foco desse trabalho, é o Caso Escola Base, que retrata bem
o abuso dos meios de comunicação, com violação ao direito dos suspeitos, fatos
distorcidos, com informações infundadas, trazendo prejuízo tanto moral quanto ma-
terial aos acusados.
Observe que nos três casos abordados, a mídia aproveitou do exercício da liber-
dade de manifestação do pensamento e informação, lesando os suspeitos com seu
pré-julgamento. Cabe ressaltar que não é o caso, julgar se são culpados ou inocen-
tes, mas sim a responsabilidade civil da imprensa frente aos direitos individuais dos
acusados. Os danos decorrentes dos meios de comunicação se originam da colisão
entre direitos fundamentais, o qual, segundo o Ministro Scartezzini, do Supremo Tri-
bunal de Justiça (2005, p.267 citado em Barreiros, N/A):

A responsabilidade civil decorrentes de abusos perpetrados por meio


da imprensa abrande a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade de
informação e a tutela dos direitos da personalidade (honra imagem e vida pri-
vada). A atividade jornalística deve ser livre para informar a sociedade acerca
de fatos cotidianos de interesse público, em observância ao principio consti-
tucional do Estado Democrático de Direito; contudo, o direito de informação
não é absoluta, vedando-se a divulgação de notícias falaciosas, que exponham
indevidamente a intimidade ou acarreta danos à honra e à imagem dos indiví-
duos, em ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana3.
(Ministro Scartezzini, 2005, p.267 citado em Barreiros, N/A).

Diante disto, a imprensa é obrigada a indenizar pelos danos causados, sejam


eles, morais e/ou materiais. A responsabilidade civil gerada à empresa jornalística é
o resultado da violação de uma norma jurídica, que gera essa obrigação de reparar
o dano causado a outrem, mediante indenização. Entretanto, ela não se resume so-
mente na obrigação de reparar o dano causado a terceiros, mas também de garan-
tir uma relação jurídica equilibrada e ética. Maria Helena Diniz (2003, p.35 citado em
Petroucic & Funes, 2008, p. 2) define que:

3
BRASIL. Alagoas. Superior Tribunal de Justiça. REsp 719.592/AL, Rel. Ministro Jorge
Scartezzini, Quarta Turma, julgado em 12.12.2005, DJ 01.02.2006 p. 567.

ARTIGOS | 289
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma
pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de
ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma
coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. (Diniz, 2003, p.35 cita-
do em Petroucic & Funes, 2008, p. 2).

Essa reparação refere-se ao fato de permitir ao lesado o retorno ao status quo


ante, o qual irá garantir a reparação de suas perdas, preservando o direito de ter tan-
to seu patrimônio moral quanto material protegido em casos de agressão.
Diante do exposto, fica nítido o grande poder que a imprensa possui, podendo
causar danos a particulares, agredindo seus direitos individuais. O seu pré-julgamen-
to nos casos, a forma como descreve os acusados e sua intimidade acarreta numa
lesão direta à Constituição Federal, haja vista que ela assegura esses direitos aos
acusados, tutelando ainda, uma indenização aos lesados, em caso de abuso de li-
berdade de expressão e imprensa.

5 Considerações Finais

Beccaria (2011) já dizia que “um homem não pode ser considerado culpado an-
tes da sentença do juiz; e a sociedade apenas lhe pode retirar a proteção pública de-
pois que seja decidido que ele tenha violado as normas em que tal proteção lhe foi
dada”. Repare que essa assertiva, em regra, não é aplicada pelos meios de comu-
nicação, pelo contrário, parte considerável da imprensa, especialmente os grandes
meios de comunicação, condena o suspeito com seu pré-julgamento antes mesmo
da sentença condenatória, agredindo diretamente seus direitos e garantias e inter-
ferindo no processo.
O caso da Escola de Educação Infantil Base retrata a violação e o desrespeito
aos direitos e garantias individuais dos sujeitos, tanto pela imprensa quanto pelo ju-
diciário, em que a primeira abusou de sua liberdade de imprensa e de expressão e o
outro se deixou influenciar por este abuso da mídia, acarretando em vários erros no
processo. É indiscutível que o fundamento principal do jornalismo é relatar, reportar
e encaminhar fatos ocorridos à sociedade. No entanto, tal exercício exige cautela,
uma vez que requer respeito às normas jurídicas. E com sua capacidade de persua-
dir os leitores e espectadores com suas reportagens, o jornalista cria opiniões, esta-
belecendo julgamentos e construindo princípios, induzindo a consequências irrepa-
ráveis na vida dos envolvidos em determinado caso.
Os meios de comunicação comandaram e ditaram o rumo das investigações,
conduzindo ao grande espetáculo da Escola Base. A consequência desse processo
foi a supressão de alguns direitos processuais e individuais dos acusados. Direitos
estes que eram a base para um processo justo. Parte da mídia, com sua conduta,
antecipou tanto a atuação policial, quanto a do Ministério Público e do Poder Judiciá-
rio, desencadeando vários erros, um atrás do outro no decorrer processo. O juiz com
seu dever de respeitar o princípio da isonomia e agir com imparcialidade, se deixou
influenciar, comprometendo o processo do Caso Escola Base. A postura do judiciário
frente ao caso foi imprudente e as falhas e erros da polícia definiram o rumo da vida

290 | MEDIA&JORNALISMO
dos suspeitos e da decisão judicial. A consequência dessa conduta desenfreada foi
o julgamento precoce tanto do público quanto do próprio judiciário, o qual agrediu
os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, como os direitos à
imagem, à honra e à intimidade, e mais, desrespeitando os direitos processuais dos
suspeitos, tais como a presunção de inocência, o direito ao contraditório e a ampla
defesa e um devido processo legal.
Esse desrespeito retirou violentamente a dignidade dos suspeitos, repudiando
seus direitos resguardados sem dar o direito de resposta e muito menos o direito
da dúvida. Os meios de comunicação não utilizaram do bom senso e nem respeita-
ram os princípios básicos da constituição, ignorando as consequências que pode-
riam ocorrer com seu desrespeito ao devido processo legal e à dignidade da pessoa
humana. Dessa forma, quanto se refere a casos judiciais, o jornalista deve ser cau-
teloso e relatar a real verdade dos fatos, haja vista que ele é formador de opinião o
qual pode acarreta consequências duras que mudam a vida de todos os envolvidos.
Além disso, o jornalista é responsável por sua conduta, podendo o ofendido buscar na
justiça a reparação do dano causado pela conduta do profissional de comunicação.
Posto isto, revelou-se as consequências que ocorre ao violar um direito de um
indivíduo em particular e a forma como a sociedade e o próprio judiciário reagem
nessa situação. O Estado tem o dever de julgar de forma imparcial a litigância apre-
sentada, exercendo um julgamento justo, respeitando todos os direitos dos acusa-
dos, independente se são culpados ou inocentes, afinal, a Constituição Federal asse-
gura esses direitos ao sujeito, devendo o Estado Democrático de Direito preservá-lo
e garantir sua aplicação.
Diante de todo o exposto, o Caso Escola Base retratou falhas tanto do poder ju-
diciário quanto da imprensa, o qual trouxe aos envolvidos consequências que leva-
ram para a vida toda. A falha do Estado em fazer cumprir as garantias processuais
e os direitos individuais dos acusados e o abuso da mídia ao usufruir da sua liberda-
de de imprensa e de expressão foi extremamente antiprofissional. È fato que a im-
prensa pode auxiliar e até completar a justiça, mas jamais fazer seu trabalho. Afinal,
somente será culpado aquele que for condenado em última instância pela justiça.

Bibliografia

Andrade, A. C. G. P. D. (2014). Apontamentos sobre a proteção dos direitos de intimidade, honra


e imagem na Constituição Federal. Conteúdo Jurídico. Brasília – DF: 19 nov. 2014.
Almeida, J. P. (2007). Os Meios de Comunicação de Massa e o Direito Penal: A influência da di-
vulgação de notícias no ordenamento jurídico penal e no devido processo legal. Ciência &
Desenvolvimento-Revista Eletrônica da FAINOR, 1(1), p-20.
Awad, F. (2006). O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista Justiça
do Direito, 21(1).
Barroso, C. E. F. (2012). Teoria geral do processo e processo de conhecimento (13ª. ed.) São
Paulo: Saraiva.
Barreiros, Y. S. D. A. (N/A). Responsabilidade civil por danos causados pela imprensa. Mono-
grafias.com. Retirado de: < http://br.monografias.com/trabalhos909/responsabilidade-civil-
-imprensa/responsabilidade-civil-imprensa.shtml>.

ARTIGOS | 291
Beccaria, C. (2011). De los delitos y de las penas. Fondo de Cultura Económica.
Beleza, A. C. L. (2013). A mídia como Tribunal: quando a imprensa condena antes da justiça.
(Trabalho de conclusão de curso de Comunicação Social, na área de Jornalismo). Centro
Universitário de Brasília – Faculdade de Tecnologia e Ciências aplicadas. Brasília – DF.
Brasil. (2012). Código civil (9.ed.) São Paulo: Saraiva.
Brasil. (1998). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal.
Brasil. (1998). Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em http://www.ohchr.
org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf
Corrêa, W. (2014). Censura e controle da mídia. Revista eletrônica VEJA. Disponível em http://veja.
abril.com.br/blog/augusto-nunes/opiniao-2/censura-e-controle-da-midia-de-william-correa/
Fantecelle, G. M. & Shutte, T. D. (2013). A influência da mídia no processo legal. Revista Cien-
tífica da FENORD.
Fava, A. P. (2005). O poder punitivo da mídia e a ponderação de valores constitucionais: uma
análise do caso Escola Base. Dissertação de Mestrado em Direito. Universidade Candido
Mendes. Rio de Janeiro.
Fernandes, M. C. P. (2012). O poder judiciário e a liberdade de imprensa. Site Migalhas. Disponí-
vel em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI169836,101048-O+Poder+Judiciario+e+
a+liberdade+de+imprensa
Ferreira, C. D. L. G. (2014). A influência da mídia no Processo Penal Brasileiro e a ruptura dos
direitos fundamentais sobre o acusado. Juris Way.
Figueiredo, F. V.; Alexandridis, G. & Figueiredo, S. D. C. (2013). Coleção OAB Nacional, 2ªfase:
direito civil. (2. ed , Vol.1). São Paulo: Saraiva.
Furtado, L. F. & Melo, S. M. (2016). Liberdade de Expressão. Rede de Direitos Humanos.
Gonçalves, R. D. A. (2007). Liberdade de imprensa e dignidade da pessoa humana: uma dis-
cussão além da censura. (Monografia de conclusão de curso para obtenção do grau de
Bacharel em Direito) – Universidades Integradas “Antonio Eufrasio de Toledo” - Faculdade
de Direito de Presidente Prudente. Presidente Prudente, São Paulo.
Holanda, M. I. D. V. (2003). Princípios de processo civil na constituição federal. (Monografia em
Especialização em Processo Civil). Universidade Federal do Ceará - Escola Superior do Mi-
nistério Público. Fortaleza, Ceará.
Humanos, C. I. D. D. (1969). Convenção americana sobre direitos humanos. Assinada na Conferên-
cia especializada interamericana sobre direitos humanos. San José, Costa Rica, em (Vol. 22).
Mendes, G. F, Coelho, I. M., & Branco, P. G. G. (2008). Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva.
Nucci, G. D. S. (2014). Manual de processo penal e execução penal (11. ed. rev. e atual). Rio de
Janeiro: Forense.
Petroucic, M. Z., & Funes, G. P. F. M. (2008). A Responsabilidade Civil Do Médico Anestesiolo-
gista. Intertemas, 16(16).
Ribeiro, A. (2003). Caso Escola Base: os abusos da imprensa (2a. ed., pp.20-21). São Paulo:
Editora Ática.
Silva, W. B. D. (2014). Princípio da presunção de inocência: Caso dos Irmãos Naves. Revista da
Católica .Faculdade Católica de Uberlândia.
Silva, C. A. G., Sobreira, F. T., Figueiredo, F. V., Penteado Filho, N. S., & ComettI, M. T. (2012). Di-
reito Constitucional E Direitos Humanos-Coleção Preparatória Para Concurso De Delega-
do De Polícia. Editora Saraiva.
Vargas, J. C. (1992). Processo penal e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey.
Ximenes, S. (2001). Dicionário da Língua Portuguesa (3ª ed.). São Paulo: Ediouro.

292 | MEDIA&JORNALISMO
Nota biográfica

Thaís Souza tem Bacharel em Direito pela Universidade de Uberaba- UNIUBE, campus
Uberlândia. Licenciada em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU.
No presente momento está a tirar Mestre em Criminologia na Universidade do Porto, Portugal,
cujo tema de pesquisa incidiu sobre a “Exploração do sentimento de insegurança no Brasil a
partir de uma abordagem qualitativa”. Possui experiência na área de Letras, com ênfase em
Língua Portuguesa, Literatura e Linguística, pesquisa social qualitativa, sentimento de insegu-
rança, análise do discurso e mídia.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4013-9256 
Email: [email protected]
Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submetido: 2018.06.04
* Aceite: 2018.10.20

ARTIGOS | 293
(Página deixada propositadamente em branco)
Reflexões sobre o discurso das publicidades de
organizações privadas diante do cenário político
brasileiro
Reflections on the discourse of the publicities from
private organizations in face of the Brazilian political
scene
Reflexiones sobre el discurso de las publicidades de
organizaciones privadas ante el escenario político
brasileño

Mariana Carareto
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquista Filho”

Renata Calonego
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquista Filho”

Roseane Andrelo
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_20

Resumo
Em busca de legitimação, empresas desenvolvem estratégias de comunicação
apropriando-se dos contextos históricos e socioculturais para construir significados
sobre elas, como é o caso da publicidade. Este trabalho, ao olhar para a conjuntura
política vivenciada pelo Brasil após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff,
objetiva refletir sobre os impactos dos posicionamentos políticos disseminados em
publicidades, considerando que as empresas possuem grande responsabilidade ao
se comunicarem com a sociedade. Para isso, são analisadas as campanhas publi-
citárias do Habib’s e da Havan, que disseminam discursos sobre o contexto político
brasileiro, tendo como fundamentação teórico-metodológica a análise de discurso
midiático proposta por Charaudeau.

Palavras-chave
comunicação organizacional; responsabilidade; organizações privadas; posicio-
namento político; publicidade

Abstract
In search of legitimation, companies develop communication strategies appropri-
ating historical and sociocultural contexts to construct meanings about them, as is
the case of advertising. This work, when looking at the political situation experienced

ARTIGOS | 295
by Brazil after the political coup against the government of President Dilma Rousseff,
aims to reflect on the impacts of political positions disseminated in advertisements,
considering that companies have great responsibility in communicating with society.
For this, the study develops an analysis of Habib’s and Havan’s advertising campaigns,
which disseminate discourses on the Brazilian political context, having as theoretical-
methodological foundation the analysis of media discourse proposed by Charaudeau.

Keywords
communication; responsibility; private organizations; political positioning; im-
pacts on society

Resumen

En busca de legitimación, las empresas desarrollan estrategias de comunicación


apropiándose de los contextos históricos y socioculturales para construir significa-
dos sobre ellas, como es el caso de la publicidad. Este trabajo, al mirar la coyuntura
política vivida por Brasil tras el golpe político contra el gobierno de la presidenta Dil-
ma Rousseff, tiene como objetivo reflejar sobre los impactos de los posicionamien-
tos políticos diseminados en publicidades, considerando que las empresas tienen
gran responsabilidad al comunicarse con la sociedad. En este sentido, se analizan
las campañas publicitarias de Habib’s y Havan, que diseminan discursos sobre el
contexto político brasileño, teniendo como fundamentación teórico-metodológica el
análisis de discurso mediático propuesto por Charaudeau.

Palabras clave
comunicación; responsabilidad; organizaciones privadas; posicionamiento polí-
tico; impactos para la sociedad

Introdução

Na sociedade contemporânea, verifica-se que o conteúdo midiático dissemina-


do influencia a pauta de debates, mediados ou não pela tecnologia, e uma constan-
te disputa de significados que reflete em comportamentos sociais diversos. Como
consequência, os crescentes espaços de acesso à informação e interação estabele-
ceram uma inter-relação com a sociedade, exigindo maior compromisso social, ética
e responsividade em diversos âmbitos. Por isso, entende-se que a comunicação no
contexto das organizações adquire uma perspectiva relacional, necessitando consi-
derar o momento sociocultural e as responsabilidades do seu poder de influência ao
desenvolver estratégias discursivas em busca de uma legitimação organizacional.
Assim, o presente artigo parte da atual conjuntura brasileira, que, desde 2014,
enfrenta uma crise política. Diante disso, observou-se que organizações passaram a
utilizar discursos publicitários para se posicionarem em relação à situação vivencia-
da pelo país. Dessa forma, o objetivo deste estudo é refletir sobre os impactos dos
posicionamentos políticos disseminados por empresas privadas em seus discursos

296 | MEDIA&JORNALISMO
publicitários, as quais se apropriaram do contexto como estratégia de legitimação de
sua atividade empresarial na sociedade. Para isso, recorre-se à literatura sobre a co-
municação organizacional e utiliza-se, como fundamentação teórico-metodológica,
reflexões orientadas pela análise de discurso midiático, que considera o discurso um
objeto sócio histórico compreendido pelo processo e pelas condições de produção
da linguagem (Charaudeau, 2005, 2006).
A partir disso, foram analisadas as peças publicitárias do Habib’s, rede brasileira
de restaurantes fast-food, relacionada ao processo de impeachment, e da Havan,
rede brasileira de lojas de departamentos, fazendo menção à Operação Lava a Jato.
As duas campanhas não são casos únicos e isolados que ocorreram, porém, foram
escolhidas devido à repercussão e por permitirem refletir sobre a importância das
organizações olharem para os impactos de sua comunicação e repensarem estra-
tégias que possam gerar relações mais responsáveis com a sociedade.

As implicações do discurso publicitário com posicionamento político para


legitimação organizacional

Desde 2014, o Brasil enfrenta uma profunda crise política que tem gerado graves
consequências econômicas e sociais. A atual conjuntura foi marcada por três fatores
principais: a Operação Lava-jato, os conflitos partidários no governo e o processo de
impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
O início da crise é constatado com a divulgação da Operação Lava-Jato1, con-
junto de investigações realizadas pela Polícia Federal objetivando apurar esquemas
de lavagem de dinheiro, crimes de corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta,
organização criminosa, obstrução da justiça e recebimento de vantagem indevida.
As investigações apontaram um grande escândalo de corrupção envolvendo mem-
bros administrativos da empresa estatal petrolífera Petrobrás, grandes empresas
brasileiras, principalmente empreiteiras, e governantes e políticos de vários partidos.
Um dos partidos atingidos pela operação foi o Partido dos Trabalhadores (PT),
tradicional força política da esquerda, que possui forte representação e ocupou o
cargo de presidência de 2002 até 2016. Por esse motivo, uma série de reações fo-
ram verificadas, fragilizando o executivo: a mídia divulgou intensamente informações
que culpabilizavam um único partido; ataques da oposição se tornaram constantes
e intensos; e, as relações políticas no Congresso Nacional foram impactadas. Como
consequência, ampliaram-se os conflitos partidários e, a oposição, com apoio de par-
te da opinião pública, conseguiu iniciar e consolidar o processo de impeachment da
presidenta em exercício, Dilma Rousseff.
Com essa situação, verificou-se o aumento da discussão sobre a situação do país
nas mídias sociais, as quais fomentaram uma série de movimentos e uma intensa
troca de acusações político-partidárias, marcadas pela polarização de opiniões e de-
bates intolerantes. Nesse contexto, algumas empresas adotaram um posicionamen-
to político e passaram a disseminá-lo por meio de campanhas publicitárias. Porém,
considerando a influência que as organizações podem exercer sob os indivíduos e

1
Informações disponíveis em: http://arte.folha.uol.com.br/poder/operacao-lava-jato/

ARTIGOS | 297
o uso do discurso político em campanhas publicitárias, é importante refletir sobre
as implicações dessa ação comunicacional em um cenário de conflitos ideológicos,
crise política e de intensa desconfiança criada sobre os governantes.
A pertinência desse debate se ampara nas colocações de Castells (2007, p.56),
o qual afirma que os contextos mundial, social e das instituições não estão separa-
dos da atividade empresarial, existe uma relação entre eles e, por esse motivo, “se a
prática empresarial não assimila o que ocorre no mundo e deixa de contribuir para
a transformação do contexto, sua dinâmica chega a um ponto de estancamento”.
Corroborando com esse olhar, Lima e Oliveira (2014, p.91) entendem que “o ambien-
te empresarial na sociedade contemporânea é lócus de tomada de decisões que in-
terferem na vida cotidiana do homem e na coletividade”, uma vez que influenciam
tanto a construção da cultural, quanto o âmbito público.
Assim, acredita-se que, dentre ações organizacionais de interferência na socieda-
de, as ações comunicacionais empresariais precisam ser consideradas. Os discur-
sos disseminados sobre assuntos públicos são compreendidos como estratégias
que colaboram para uma organização expressar e conquistar “seus interesses, criar
e reforçar canais de interlocução com os três poderes, nas esferas estadual e local
e, também, legitimar-se perante a sociedade” (Pires, 2008, p.74).
Nesse sentido, a busca pela legitimação organizacional se ancora no panorama
econômico, especificamente no que tange ao mercado cada vez mais competitivo,
e social, que envolve o acesso às mídias sociais pelo público em geral, ampliando
as cobranças feitas às organizações. Esse cenário, de acordo com Srour (2012) e
Cornelissen (2011), tenciona elas a buscarem uma licença social para exercer suas
funções, uma vez que o retorno social se torna tão importante quanto o aspecto fi-
nanceiro para o sucesso organizacional.
Segundo Valentini, Romentini e Kruckberg (2016, p. 4063), esse contexto atribui,
implicitamente, um papel fundamental a ser desempenhado pela comunicação das
organizações, no sentido de manter as empresas funcionando e assegurar sua so-
brevivência ao ser a responsável em garantir com que o “público perceba a razão de
existência da organização”.
Desse modo, “a legitimação da atividade empresarial perante a sociedade é con-
dição fundamental para a sustentação” de sua atuação, pois “sem a aceitação de
suas atividades e sem a compreensão de seus valores pela sociedade, uma empre-
sa dificilmente conseguirá levar à frente os seus propósitos” (Nassar, 2008, p.192).
Para isso, o autor afirma que é na comunicação e nos relacionamentos que ocor-
rem os processos sociais que legitimam e consolidam a organização na sociedade.
Considerando a indispensável atuação social nesse processo, Castells (2017,
p.59) explica que “a legitimidade depende em grande parte do consentimento obtido
pela construção de significado compartilhado [...]. O significado é construído na so-
ciedade por meio do processo de ação comunicativa”. De acordo com o autor, esse
processo é marcado pelas relações de poder, que definem o grau de influência que
um ator possui diante das decisões de outros atores sociais. Diante disso, entende-
-se que as organizações são atores com alto poder de influência e suas ações têm
potencial de interferência na realidade social.
Assim, para além das estratégias de legitimação, defende-se que o poder da co-
municação organizacional tem potencial para mobilizar os indivíduos e influenciar

298 | MEDIA&JORNALISMO
suas opiniões, interferindo em questões coletivas e refletindo na intensificação dos
conflitos ideológicos e debates superficiais sobre política. Por isso, acredita-se ser
fundamental a comunicação organizacional agir com responsabilidade. Nesse caso,
a responsabilidade é compreendida a partir da relação entre o reconhecimento do po-
der da comunicação (Castells, 2017) e da responsabilidade empresarial (Srour, 2013).
Para Srour (2013), a responsabilidade nas ações empresariais parte de questões
éticas que determinam a Teoria da Responsabilidade. Essa teoria está relacionada a
ação pelo bem comum, ou por questões universalistas, considerando que os atos são
de responsabilidade de quem os pratica, por isso “os agentes priorizam as consequên-
cias das decisões e ações” (Srour, 2013, p. 102). Assim, de acordo com o autor, ela não
é baseada em princípios, normas ou valores que determinam a prática, sua proposta é
que os agentes realizem uma análise da situação para reconhecer as consequências
que uma decisão pode causar. Ou seja, os agentes devem olhar para as opções e agir
diante daquela que “traz benefícios maiores à coletividade [...]” (Srour, 2013, p.104).
Diante disso, compreende-se que a atuação responsável da comunicação está re-
lacionada ao reconhecimento de seu poder e à tomada de decisões estratégicas que
impactem minimamente a sociedade. Nesse caso, as estratégias devem considerar
em suas mensagens o tipo de informação disseminada, a veracidade e profundidade,
uma linguagem que não estimule preconceito, violência, reforço de estereótipos, ou
seja, discursos que causem mínimos impactos paras as relações e contextos sociais.
Com esse olhar, ressalta-se que a comunicação organizacional vai além de seu
viés instrumental e informacional, adquirindo uma perspectiva relacional por ser
compreendida “a partir de um contexto conformado pela relação entre interlocuto-
res”, sendo as organizações sujeitos sociais que, em interação com os indivíduos
da sociedade, configuram esse contexto (Lima, 2008). Valentini, Romentini e Kruck-
berg (2016, p. 4063) ratificam essa compreensão ao afirmarem que ela “não pode
ser representada por um simples modelo de transmissão onde um emissor envia
uma mensagem para um receptor em um canal; ao contrário, [...] é um processo de
interação simbólica em que diferentes indivíduos atuam como receptor e emissor”
(tradução nossa). Por isso, os autores são enfáticos em salientar que a comunica-
ção se configura em um elemento estruturante da sociedade.
Segundo McPhee & Zaug (2009 apud Valentini, Romantini e Kruckeberg, 2016,
4063), esse olhar é pautado na premissa de que “as práticas discursivas que são em-
pregadas todos os dias pelos membros das organizações auxiliam na constituição
de significados em sua vida organizacional”, de maneira a moldar a própria organi-
zação. Nesse sentido, pode-se admitir que a comunicação organizacional se refere a
“um processo de construção conjunta entre interlocutores (sujeitos sociais), a partir
de discursos (formas simbólicas que trazem as marcas de sua produção, dos sujei-
tos envolvidos e do contexto), em situações singulares (dentro de um determinado
contexto)” (Lima, 2008, p.114).
Os discursos na sociedade são envolvidos por contextos históricos e sociocultu-
rais que representam as percepções de mundo dos indivíduos, influenciando a cons-
trução de sentidos sobre diversas questões (Lima & Oliveira, 2014; Almeida & Souza,
2014). Da mesma forma, os discursos organizacionais “expressam um conjunto de
normas e valores correntes em nossa sociedade [...] são, portanto, expressão da cultu-
ra contemporânea e também elementos que a atualizam (Lima & Oliveira, 2014, p. 90).

ARTIGOS | 299
Em última instância, entende-se, segundo Hall (2005, p. 342) que “os discursos
na sociedade são os meios pelos quais as pessoas tornam significativo o mundo”.
Isto é, a significação que um discurso recebe está diretamente vinculada ao contex-
to sociocultural e histórico em que foi construído, sendo que a partir dele as repre-
sentações existentes na sociedade são estabelecidas. No âmbito organizacional, os
discursos se conformam como espaços para a divulgação dos princípios e símbo-
los/cultura da própria empresa, sendo um dos principais motivos para as organiza-
ções agregarem valores e posicionamentos em seus discursos a aproximação com
seus públicos (Mello, 2010).
Assim, ao buscarem construir significados para se legitimarem, as organizações
podem enfrentar efeitos causados pelo seu discurso: os indivíduos reagem diante
dele, criam significados e podem reconstruí-lo (Almeida & Souza, 2014). Nesse sen-
tido, as autoras explicam que o discurso organizacional é marcado por uma relação
dialógica, ou seja, construída pela interação entre os interlocutores. Por isso, ele é
capaz de influenciar, mas também é influenciado, pois não é envolvido apenas pelo
ato enunciativo, mas também pelos contextos que representam a realidade dos in-
divíduos com quem as organizações se relacionam.
Considerando a relação dialógica, as estratégias discursivas das organizações
possuem efeitos sob os indivíduos podendo interferir em seus comportamentos, fo-
mentar hábitos, intensificar conflitos, criar cenários que impactam na realidade e re-
lações sociais. A partir disso, é possível estabelecer uma relação entre os discursos
apresentados em campanhas publicitárias com as situações cotidianas em que os
indivíduos estão inseridos. Ou seja, as campanhas assumem estratégias para cons-
truir sentidos diante dos interesses pautados pela sociedade, de acordo com os con-
textos sociais, culturais e políticos que circulam.
Tal raciocínio se ampara no entendimento de Dyer (1982) de que a publicidade
desempenha um papel significativo na forma das pessoas vivenciarem seus contex-
tos sociais. De modo semelhante, Morris e Waldman (2011, p. 947) apontam que “as
publicidades fazem mais do que comunicar sobre seus produtos e serviços; elas tam-
bém nos dizem o quê o produto significa ao modo em que vivemos” (tradução nossa).
Lester e Valdivia (1997 apud Morris e Waldman, 2011) reforçam essa concep-
ção ao indicarem que campanhas publicitárias fazem uso de práticas e referências
culturais objetivando impactar o comportamento social ao mesmo tempo que aca-
bam por influenciar os valores, normas e desejos das pessoas. Morris e Waldman
(2011, p. 947) complementa afirmando que “ao lado de discursos de vendas, estão
textos sociais e culturais que nos ajudam a entender as mensagens do comercial
[...] publicidades refletem e moldam simultaneamente a cultura” (tradução nossa).
Por isso, situações cotidianas são tão utilizadas como uma estratégia no âmbito
da comunicação mercadológica, o que, conforme sugere Kunsch (2003), torna-se um
meio de desenvolver relacionamentos para consolidação da marca. Essa estratégia
não tem como único objetivo divulgar um produto ou um serviço, ela também objetiva
a disseminação de ideias, princípios e valores sobre a organização, constituindo-se
como um “importante e fundamental processo dinamizador do discurso organiza-
cional na medida em que potencializada sua visibilidade e abrangência discursiva”
(Baldissera & Stocker, 2015, p.147). Por isso, ao entender que a ação da comunica-
ção organizacional ocasiona a construção de sentidos, é preciso olhar como os dis-

300 | MEDIA&JORNALISMO
cursos circulam e são produzidos, pois eles “têm potência para influenciar na confi-
guração da cultura, naturalizando e (re)afirmando modos de ser e estar no mundo”
(Baldissera & Stocker, 2015, p. 146).
Diante disso, entende-se que as mensagens de uma publicidade são capazes
de criar significados sobre a realidade dos sujeitos, influenciando as opiniões e os
comportamentos. Nesse sentido, é importante destacar que, no Brasil, a publicidade,
mais comumente, pautava-se em textos ligados ao humor e ao erotismo, sobretudo
o que envolvia o corpo feminino. No entanto, conforme apontam Kotler, Kartajaya e
Setiawan (2010, p. 139), “[...] um número cada vez maior de consumidores prefere
as empresas cujas atividades causam impactos socioculturais positivos”. Os auto-
res destacam que os indivíduos da sociedade contemporânea, devido aos reflexos
do advento das mídias sociais, estabelecem uma relação diferente com as organi-
zações, sendo que a confiança, dentre outros fatores, passa a ser pautada pelos va-
lores presentes no comportamento corporativo.
Ao observar esses fatores, verifica-se que recentemente, no Brasil, as estratégias
discursivas das organizações se aproximaram muito de temáticas socioculturais.
Com isso, a temática da política se torna mais presente na estratégia de algumas
organizações justamente a partir do impeachment, período no qual o assunto ganha
visibilidade na grande imprensa e nas mídias sociais.
Assim, ao considerar a atual conjuntura política brasileira, percebe-se que em-
presas passaram a adotar o discurso anticorrupção para desenvolver estratégias
comunicacionais que colaborem com a legitimação organizacional, seja para con-
seguir mais visibilidade, ao se apoiar na pauta em que uma parcela da população
reivindica, conquistando sua confiança, ou para defender seus interesses empresa-
riais em relação às políticas públicas. Contudo, percebe-se que, com algumas exce-
ções – caso das empresas cujos anúncios foram escolhidos para análise -, a men-
ção às questões políticas foi pontual e não fez parte da comunicação organizacional
de forma mais abrangente.
Diante disso, entende-se que uma publicidade pode intensificar a construção de sig-
nificados sobre a questão política do país, influenciando a percepção dos indivíduos e
acarretando em consequências devido à falta de profundidade e informações sobre a
realidade e os interesses que ocasionaram o cenário de instabilidade. Pois, ao assumir
e disseminar um discurso com posturas políticas, em um contexto com consequências
para a democracia e para os direitos básicos dos indivíduos, pode resultar problemas
em relação às responsabilidades que as organizações possuem com a sociedade.

O discurso político das campanhas publicitárias do Habib’s e da Havan

Para fazer reflexões sobre as implicações que os discursos podem gerar, foi rea-
lizada uma análise das campanhas publicitárias da Havan e do Habib’s, que se apro-
priaram da situação e discussão política do país, considerando o olhar de responsa-
bilidade que uma organização possui ao se comunicar.
O Habib’s se apresenta em seu site como a maior rede de restaurantes brasilei-
ra e a maior rede de comida árabe do mundo. Trabalha com o sistema de franquias,
o que permite a presença em vários municípios brasileiros. Está no mercado há 28

ARTIGOS | 301
anos, tem 22.000 empregados e 430 restaurantes2. Com perfil popular, investe com
frequência em publicidade, normalmente, com perfil promocional, divulgando preços
considerados acessíveis, sobretudo, das esfirras, seu principal produto.
A Havan é uma rede de lojas de departamento, que vende em torno de cem mil
produtos nas 120 filiais distribuídas por 15 Estados do Brasil. Atualmente, o Grupo
Havan inclui outros empreendimentos no Sul do País, nos segmentos de geração
de energia elétrica, postos de combustível, factoring, hotelaria, entre outros3. No site
da empresa, as principais informações destacadas estão associadas ao proprietá-
rio da rede, Luciano Hang.
Os anúncios analisados foram escolhidos, basicamente, por três motivos: 1) re-
ferem-se a grandes empresas com muitos consumidores, de perfis variados; 2) fo-
ram divulgados em redes de televisão com abrangência nacional; e 3) acredita-se
que os anúncios, mais do que promocionais, tiveram posicionamento político claro
em um momento de ampla polarização no Brasil e, consequentemente, produziram
sentidos sobre o conturbado contexto político.
Para a compreensão do ethos discursivo das organizações analisadas, escolheu-se
como referencial teórico-metodológico a análise de discurso midiático (Charaudeau,
2005; 2006), afinal, o discurso, visto como um objeto sócio histórico, precisa ser com-
preendido também pelo processo e pelas condições de produção da linguagem. Para
Charaudeau, o ato comunicativo consiste na troca entre duas instâncias: de produção
e de recepção. Considera-se, portanto, que o sentido gerado é resultado da relação de
intencionalidade entre elas, o que vai determinar três lugares de pertinência: “o da ins-
tância de produção, submetida a certas condições de produção; o da instância de re-
cepção, submetida a condições de interpretação; o do texto como produto, que se acha,
enquanto tal, submetido a certas condições de construção.” (Charaudeau, 2006, p. 24).
No que tange ao lugar das condições de produção, o ponto central baseia-se no
fato do produto ser feito para um destinatário pensado como alvo ideal. São consi-
derados os seguintes aspectos: como incitar o público a se interessar pelo conteúdo
divulgado; como determinar a natureza de seu interesse (segundo a razão) ou de seu
desejo (afetividade); como medir os graus desse interesse ou desejo; como levar em
conta as diferenças intelectuais. Já no lugar das condições de recepção, tem-se o
destinatário ideal, ou seja, o alvo do produto midiático, mas também o receptor real,
que consome e interpreta as mensagens difundidas. A interpretação que ele fará do
produto midiático vai depender de aspectos como o grau de escolarização, o reper-
tório, o espaço geográfico em que está inserido entre outros. Da troca entre emissor
e receptor, surge o produto final ou o lugar das restrições de construção do produto,
onde todo discurso se configura em texto, segundo certa organização semiodiscur-
siva feita de combinação de formas, umas pertencentes ao sistema verbal, outras a
diferentes sistemas semiológicos: icônico, gráfico, gestual.
Dessa forma, utilizou-se duas técnicas de análises, a denotativa e a conotativa, a
fim de identificar a produção de sentido, a partir de elementos que englobam recur-
sos técnicos e estéticos, estratégias, valores, padrões, entre outros. A partir disso, é
possível olhar para os dois casos propostos neste estudo.

2
Informações disponíveis em: https://www.habibs.com.br/institucional/sobre-o-habibs
3
Informações disponíveis em: https://cliente.havan.com.br/Portal/Institucional/LinhaDoTempo

302 | MEDIA&JORNALISMO
A Havan, após boatos na internet que associaram a marca aos ex-presidentes
Lula e Dilma, passou a divulgar em programas de televisão e via Facebook seu apoio
à Lava Jato, por meio do porta-voz Luciano Hang, dono da empresa. Em meio a esse
cenário, diversas peças publicitárias com essa temática foram divulgadas, tanto por
mídias sociais, quanto por televisão aberta, sendo uma delas o comercial analisado.
A peça utiliza do nome da Operação Lava-Jato para vender lavadoras de alta pres-
são, relacionando o uso delas com a limpeza da corrupção no país e divulgando o
apoio da empresa à Operação (Figura 1).

Figura 1 – Comercial Havan4

O discurso é formado pelas seguintes frases, enunciadas por um narrador: “A Havan


apoia a Lava Jato. Os brasileiros também. Por isso está fazendo uma mega liquidação
de lava-jatos Havan. Confira esta oferta imperdível. ” Após apresentar o produto a ser
vendido, com imagens e especificações, o narrador finaliza com a informação: “Va-
mos passar o Brasil a limpo” e, então, divulga a abertura de mais uma loja da empresa.
Diante disso, considerando as instâncias de produção, recepção e texto propostas
por Charaudeau (2005, 2006), observa-se que, primeiramente, a Havan, enquanto polo
emissor, tem suas condições de produção diretamente associadas ao dono da em-
presa, que em entrevistas, vídeos autorais e até mesmo em comerciais da loja, posi-
ciona-se claramente na esfera política. Em janeiro de 2018, o empresário divulgou um
vídeo5 em que solta treze minutos de fogos de artifícios para comemorar a condenação
do ex-presidente Lula, antecessor e do mesmo partido de Dilma Rousseff, reforçan-
do seu posicionamento político que acaba sendo associado com a sua rede de lojas.
Relativo ao comercial, observa-se que uma estratégia é incitar o público a se in-
teressar pelo conteúdo divulgado relacionando, diretamente, o produto anunciado
com o cenário político do país, comunicando claramente o apoio à Operação Lava-
-Jato. Assim, percebe-se que a intencionalidade é a divulgação do material de lim-
peza de lava jatos, mas aproveitando-se dos nomes da Operação e do produto com
um objetivo publicitário.

4
Disponível em https://www.facebook.com/Havanoficial/videos/1615718061794904/.
Acesso em: 28 set. 2017.
5
Disponível em https://www.facebook.com/LucianoHangOficial/videos/2004313179808197/.
Acesso em: 2 abr. 2018.

ARTIGOS | 303
Nota-se, também, um interesse institucional, em segundo plano, em assumir uma
opinião política acerca da realidade brasileira, o que pode ser criticado por apresentar
um conteúdo relevante, sem dispor de mais informações. Em última instância, pode-
-se questionar se o interesse do posicionamento político no comercial da Havan é
apenas de cunho publicitário, ou se há interesse pessoal do empresário, já que seu
posicionamento político é de conhecimento público.
Na perspectiva da recepção, pode-se inferir que o destinatário ideal é aquele que
se identifica com o conteúdo exposto por possuir a mesma opinião política apresen-
tada no comercial e/ou esteja interessado em comprar uma lavadora de pressão com
preço promocional. Por outro lado, tem-se o receptor real, que ao consumir o que foi
difundido, faz interpretações. Assim, considerando a difusão nacional do comercial,
a instância da recepção se constituiu diante dos contextos que os indivíduos estão
envolvidos, suas opiniões e seus interesses e necessidades.
Nesse sentido, entende-se que o discurso publicitário pode, potencialmente, in-
tensificar a polarização política existente no cenário brasileiro ao expor uma temáti-
ca complexa meramente com fins mercadológicos, justamente por ter sua mensa-
gem difundida entre destinatários ideais e reais diversos. Ou seja, o comercial pode
reforçar um posicionamento político no indivíduo sem instigar reflexões e ocasio-
nando embates ideológicos e conflitos, assim como pode tornar a temática política
banalizada ao se apropriar da semelhança dos nomes da Operação e do produto.
Além disso, no que tange ao receptor real, o qual pode interpretar negativamente -
segundo o propósito do material - a mensagem emitida, tem-se a possibilidade da
construção de um discurso de ódio devido à propagação de um discurso polarizado
e enfático acerca do contexto.
Partindo, então, da troca entre emissor e receptor, tem-se o produto final com
o discurso configurado em texto. Referente à análise denotativa, observa-se que o
comercial apresenta recursos estéticos e técnicos simples, com troca de cenas de
imagens congeladas e narrador ao fundo, que reproduz, praticamente, as escritas
apresentadas nas telas, sempre em caixa alta. O pano de fundo se apresenta preto e
cinza, com rabiscos, para depois mostrar a limpeza que o lava-jato pode fazer, o que
é enfatizado, posteriormente, com a troca do fundo para uma imagem clara e limpa.
Ressalta-se, também, que tanto a venda do produto, quanto a identidade visual da
Havan, são destaques ao longo do comercial, sendo ausente a presença de qualquer
personagem. Para a análise conotativa, como o próprio comercial deixa explícito, é
feita a menção da Operação Lavo-Jato. O material passa a ideia da limpeza, fazendo
correlação da sujeira com a corrupção nacional, aproveitando-se da Operação para
divulgar a promoção do produto que leva o mesmo nome, além de enfatizar o dese-
jo em “passar o Brasil a limpo”.
O posicionamento político da organização é claro: apoio à Operação Lavo-Jato.
Com isso, percebe-se que sua estratégia publicitária permeia um posicionamento
político institucional para gerar identificação com os brasileiros que compartilham
da mesma opinião, sendo que, segundo a mensagem transmitida, acredita-se que
todos os brasileiros possuem tal entendimento político (receptor ideal). Os valores
e padrões reforçados na publicidade transpassam por questões relativas à limpeza
e sua ideia de transparência, organização e purificação da política, remetendo, tam-
bém, em segunda instância, elementos sobre ética e honestidade.

304 | MEDIA&JORNALISMO
A segunda peça analisada é da rede de fast food Habib’s. A empresa desenvol-
veu uma campanha durante o processo de impeachment, nomeada como Fome de
Mudança, para incentivar o apoio dos indivíduos nas manifestações a favor do afas-
tamento de Dilma Rousseff. A campanha representou o momento político ao disse-
minar, nas mídias sociais e nas lojas, as quais foram decoradas de verde e amarelo
e ofereceram cartazes para a manifestação, um discurso sobre a importância de
salvar e unir o país6. A estratégia selecionada para a análise (Figura 2) é um comer-
cial, divulgado na internet e na televisão, na véspera da votação do impeachment.

Figura 2 – Comercial Habib’s7

O conteúdo do vídeo apresenta, inicialmente, diversos cenários - um gabinete po-


lítico, um escritório da Bolsa de Valores e uma manifestação de rua – acompanha-
dos com falas enfáticas de diferentes indivíduos informando: “caiu”. Diante da infor-
mação, indivíduos separados por grupos que estão de vermelho e grupos de verde e
amarelo passam a comemorar o ocorrido e, então, um narrador diz: “O Habib’s uniu
o Brasil. O preço da Bib’sfiha de frango caiu para menos de um real”. Posteriormen-
te, o comercial é finalizado com a imagem da esfirra de frango e o valor de setenta
e nove centavos de real.
Partindo da divisão proposta por Charaudeau (2005, 2006), observa-se que o
Habib’s, enquanto polo emissor do material divulgado, utiliza uma estratégia publi-
citária objetivando, como afirma o diretor de marketing da empresa, apresentar em
seus comerciais assuntos cotidianos das pessoas de forma bem-humorada (Julio,

6
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1748807-rede-de-lanchone-
tes-habbibs-convoca-clientes-a-protestos-de-domingo.shtml. Acesso em: 2 abr. 2018.
7
Disponível em https://youtu.be/F17S5s-VFBM. Acesso em: 28 set. 2017.

ARTIGOS | 305
2017). Para a empresa, essa é uma forma de competir com as outras redes de fast
food existentes no país, aproveitando-se da potencialidade de um grupo nacional
manter as campanhas atualizadas com a realidade social. Apesar do Habib’s afirmar
não ter intenções partidárias, o apoio às manifestações contra o governo foi publi-
camente declarado com as campanhas divulgadas.
A intenção da campanha é atrair o destinatário ideal que compartilha dos mesmos
valores, mesmo diante do alto risco de repercussões negativas devido ao cenário polari-
zado, podendo afastar os indivíduos com posicionamentos diferentes. Portanto, verifica-
-se a instância do receptor real, ou seja, a interpretação do discurso realizada pelo sujei-
to a partir de seu repertório e outros elementos pessoais que irão influenciar na forma
como ele se relaciona com a empresa. Assim, o comercial pode ter tido destaque devido
à diminuição do preço do produto, como também, pode ter influenciado consumidores
com a mesma opinião a ir em manifestações (uma ação concreta), ou então, instiga-
do uma reação negativa daqueles que são contrários ao posicionamento da empresa.
Igualmente ao contexto das lojas Havan, a divulgação nacional do comercial, em
ambiente televisivo e digital, agrega uma possibilidade de abrangência ampla entre
variados receptores, tornando a estratégia publicitária ainda mais crítica diante do
cenário de polarização e conflitos. Apesar da escolha da empresa em utilizar como
estratégia publicitária pautas da sociedade, o discurso exposto não fica isento de um
posicionamento político que pode ecoar, para além de fins de negócios, consequên-
cias sociais significativas. As divergentes opiniões políticas podem repercutir de di-
versas maneiras, seja influenciando os indivíduos a tomar decisões ou, até mesmo,
instigando conflitos marcados pelos discursos de ódio entre ideologias políticas di-
ferentes. A situação se agrava frente ao tratamento humorístico do tema, reduzindo
o debate político à comicidade.
Seguindo para a análise do produto final, o estudo denotativo indica um alto in-
vestimento em recursos estéticos e técnicos no comercial, uma vez que aparenta a
necessidade de uma produção visual, com gravações em cenários distintos, persona-
gens variados e elementos criativos e de caracterização intencionalmente alocados,
como a personificação da figura de um político e a representação de manifestações.
Faz uso de ornamentos nacionais (faixas, bandeiras), além do emprego constante
das cores verde, amarelo e vermelho, este último, a cor da marca Habib’s. Destaca-se,
também, que a divulgação do produto, com a exibição de sua imagem, ocorre ape-
nas nos últimos segundos do vídeo, não sendo um elemento enfatizado no material.
Em uma perspectiva de conotação, o contexto utilizado para construir a men-
sagem está associado à tensão política do impeachment, indagando se iria “cair ou
não cair” - sair da presidência ou não - para fazer alusão à queda do preço de um
produto. Para reforçar a associação com o cenário político, a frase “O Habib’s uniu o
Brasil” é utilizada exibindo indivíduos vestindo camisetas verde e amarela e, outros,
vermelha, abraçando-se em comemoração à queda do preço ou à queda da presi-
denta. A demonstração de tais personagens insinua as recorrentes manifestações
que ocorreram no país, onde quem trajava verde e amarelo era, geralmente, a favor
do impeachment e os manifestantes de vermelho apoiavam a presidenta e seu par-
tido. Outros elementos que enfatizam tal compreensão são a figura do político que
aparece no início do vídeo e a menção a um funcionário da Bolsa de Valores, alta-
mente suscetível às questões políticas.

306 | MEDIA&JORNALISMO
Entre os valores e padrões reforçados está a união, indicando que a queda do
preço juntaria as pessoas para irem ao Habib’s. Por outro lado, observa-se, em um
segundo plano, uma sugestão de que o impeachment seria o melhor para unir o Bra-
sil, principalmente, diante das comemorações por causa da “queda”. Dessa maneira,
entende-se que a empresa assume um posicionamento político e utiliza a publicida-
de para a construção de sentidos sobre o cenário brasileiro.
Diante da análise das campanhas publicitárias selecionadas e seus posiciona-
mentos políticos, pode-se considerar que, na perspectiva da responsabilidade que as
organizações possuem ao se comunicar, apresentam discursos que podem interferir
no contexto político atual. Isso porque, ambas as empresas abordam uma temática
complexa e séria para a sociedade brasileira de maneira jocosa, sem seriedade, su-
perficial, que não promove o diálogo, nem proporciona a reflexão.

Considerações: reflexões sobre o discurso político nas publicidades

A partir do que foi apresentado, observa-se que determinadas organizações estão


adotando discursos anticorrupção como uma oportunidade para desenvolver estra-
tégias comunicacionais para a legitimação organizacional. No entanto, acredita-se
que adotar tais posicionamentos pode acarretar consequências para os sujeitos en-
volvidos, seja a organização ou a sociedade em si.
Nos casos estudados, percebe-se a busca por uma legitimação organizacional,
amparada em discursos publicitários com situações cotidianas do contexto social,
como uma estratégia de aproximação com o público para se manterem competiti-
vas no mercado. No entanto, a sensibilidade acerca da temática escolhida e a for-
ma como foi disseminada demonstram problemas em relação ao retorno social e
à responsabilidades das organizações diante de suas atitudes, conforme proposto
por Srour (2012).
Nesse sentido, somando-se à perspectiva de Valentini, Romentini e Kruckberg
(2016), foi compreendido que as estratégias utilizadas, por serem meramente ins-
trumentais e não induzirem informações mais profundas compondo, por exemplo,
uma campanha de conscientização sobre os problemas políticos existentes no país,
tem como intuito único a visibilidade. Ou seja, foram desenvolvidas apenas pelo olhar
econômico e comercial dos anúncios publicitários e não considerando as questões
sociais que envolvem o contexto brasileiro.
Diante disso, é possível refletir, a partir da perspectiva de Castells (2017), que as
duas organizações utilizaram seu poder por meio da comunicação como uma forma
persuasiva para conquistar o interesse dos indivíduos. Pois, não há, considerando
a responsabilidade e a perspectiva relacional da comunicação, uma construção de
sentido compartilhada entre as empresas analisadas e a sociedade mais reflexiva e
colaborativa sobre a questão política.
Isso demonstra que a análise possibilita observar fatores que colaboram para
refletir sobre os impactos das peças publicitárias com discursos políticos, conside-
rando que as empresas possuem grande responsabilidade ao se comunicarem com
a sociedade. De um modo geral, ao comparar o conteúdo das peças e o contexto
que foram disseminadas, entende-se que os discursos com posicionamento políti-

ARTIGOS | 307
co podem refletir em implicações sociais, uma vez que as publicidades, ao mesmo
tempo em que são espelhos da sociedade, também influenciam na configuração da
cultura (Morris e Waldman, 2011).
Primeiramente, destaca-se a responsabilidade que as organizações possuem
devido seu poder de influência e dos impactos gerados por sua ação. No caso do
discurso político, em uma campanha veiculada em qualquer meio de comunicação,
essas empresas estão reforçando e apoiando uma situação política complexa e com
consequências democráticas. Diante disso, é possível, inclusive, questionar quais
são os interesses por trás da veiculação desses discursos: meramente visibilidade
utilizando o contexto oportunamente ou intenções relacionadas a interesses empre-
sariais que são atendidos por partidos políticos que assumiram o poder? Conside-
rando as decisões em relação às negociações do Refis (mecanismo de crédito para
empresas), a reforma trabalhista e discussões sobre a reforma previdenciária, são
empresas que ajudaram a disseminar um discurso que favorece as relações com
um governo que desenvolve programas benéficos aos empresários.
Outra reflexão gerada é em relação à intensificação da polarização como conse-
quência do discurso disseminado, pois ao olhar para o contexto brasileiro e verificar
que há uma divisão agressiva entre direita e esquerda, as peças incentivam os em-
bates e conflitos, os quais têm gerado discursos de ódio e um movimento conser-
vador. Utilizar o discurso anticorrupção de forma superficial, reforçar acusações a
políticos e partidos ou comemorar, como um campeonato esportivo, uma situação
política grave, colabora para a construção de sentidos baseados em muitos estereó-
tipos e poucas reflexões. São discursos que não informam, ao contrário, fortalecem
a intolerância entre as pessoas e não orientam debates construtivos.
Desse modo, considerando o poder da comunicação indicado por Castells (2017)
e a responsabilidade empresarial proposta por Srour (2013), observa-se que as cam-
panhas estudadas não optaram por um discurso que estimule uma maior reflexão
sobre o contexto político por meio de uma linguagem tolerante, branda e neutra. Ao
contrário, apresentaram uma comunicação repleta de estereótipos e despreocupa-
da com a veracidade.
Cabe ressaltar que, independente da opinião dos indivíduos e empresários sobre
o que é certo ou não politicamente, ao olhar como os posicionamentos em questão
foram expostos e disseminados, entende-se que esses discursos publicitários não
agregam informações úteis sobre a situação brasileira e não consideram com serie-
dade a crise enfrentada. Portanto, tendo como embasamento a Teoria da Respon-
sabilidade, pode-se inferir que tais publicidades não priorizaram os efeitos de suas
decisões e ações. Com isso, admite-se que essas empresas não realizaram esco-
lhas responsáveis com essas campanhas, pois não pensaram na coletividade, mas
sim em interesses próprios.
Por último, é fundamental compreender que, do ponto de vista organizacional, ao
assumir um posicionamento único, todos os indivíduos atuantes na organização são
representados por ele, mas não necessariamente possuem a mesma opinião. Res-
gatando o entendimento de McPhee & Zaug (2009) de que os discursos utilizados
na rotina das organizações criam significados em seu ambiente e, a concepção de
Valentini, Romantini e Kruckberg (2016) que os discursos configuram a organização,
fica evidente a ausência de responsabilidade das empresas estudadas ao assumi-

308 | MEDIA&JORNALISMO
rem uma postura política tão enfática em um contexto polarizado. Ou seja, ao invés
de consolidar a organização como um ambiente coletivo e democrático, permitindo
liberdade de opiniões sobre quaisquer assuntos, cria-se um espaço de imposições
e inibições, impedindo, até mesmo, o desenvolvimento de uma comunicação em-
basada pelo diálogo.
Diante desses fatores, ao refletir sobre a responsabilidade de comunicação das
organizações, entende-se que ao olhar para o poder e influência que elas possuem,
é preciso que as estratégias de comunicação, seja uma campanha para emprega-
dos ou uma publicidade, considere não apenas os contextos em que os indivíduos
estão envolvidos, mas suas consequências e implicações que podem ser causadas
para eles.  O principal motivo é que ao disseminar informações superficiais, defender
apenas os interesses próprios nos posicionamentos ou se aproveitar de situações
para ter visibilidade, por mais que gere algum tipo de retorno ou apoio, pode refletir
em questões que vão além do limite organizacional, que dizem respeito a toda a so-
ciedade, como democracia e direitos básicos.
A comunicação organizacional pode utilizar estratégias para atender a todas as
expectativas mercadológicas da organização, porém é fundamental que isso seja
realizado de forma responsável, compreendendo e considerando todos os impactos
que podem ser causados. Essa reflexão se faz cada vez mais urgente à medida em
que estudos sobre a comunicação organizacional convergem para o entendimento
da comunicação como um processo de interação simbólica que estrutura a socie-
dade, pois as organizações são sujeitos sociais em constante relação com seus in-
terlocutores, ou seja, a sociedade. (Valentini et al., 2016; Lima, 2008).
Sendo assim, não se pode mais olhar apenas para o viés somente instrumental,
onde o emissor envia uma mensagem ao receptor e o processo se encerra. Existem
inúmeras variáveis que refletem diretamente na percepção de mundo dos indivíduos
e que, em última instância, influenciam em suas opiniões em relação à diversas te-
máticas relevantes, seja sobre a naturalização de padrões estéticos femininos, a se-
xualização do corpo da mulher ou sobre política, etc.
Com isso, faz-se necessário a reflexão, por parte das organizações, acerca dos
sentidos que podem ser construídos a partir de seus discursos com posicionamen-
tos políticos. Isso porque os discursos que circulam possuem potência para reafir-
mar representações (Hall, 2005) e naturalizar valores e visões de mundo (Baldissera
e Stocker, 2015). Ou seja, quando se assume de forma superficial e, de certo modo,
jocosa, uma postura política frente a um contexto de tensão, depreende-se que as
possibilidades em criar ou sustentar na sociedade uma concepção trivial sobre a te-
mática são maiores.
No cenário brasileiro, onde a democracia é relativamente nova e a política é pouco
debatida a fundo, admite-se que tais campanhas analisadas reforçam uma perspec-
tiva negativa para o desenvolvimento do pensamento crítico político, uma vez que
elas podem potencializar o estímulo à banalização de um assunto sério, à dissemina-
ção de notícias falsas e à formação de discursos de ódio, extremismo, entre outros.
Ou seja, faz-se imprescindível que elas, para assumirem uma postura responsável
diante de seu poder, pensem nos impactos que essas estratégias de comunicação
podem causar, principalmente, por não corroborarem para a pluralidade de ideias e
garantia da democracia.

ARTIGOS | 309
Bibliografia

Almeida, A. L. C., & Souza, M. M. P. de (2014). A construção de sentido do discurso organizacio-


nal e o papel das mídias sociais. In Marchiori, M. (Ed.), Contexto organizacional midiatizado
(pp.61-84). São Caetano do Sul, SP: Difusão.
Baldissera, R., & Stocker, P. (2015). Comunicação organizacional e ethos discursivo: estratégia
para falar de si nos anúncios dos bancos. In Marques, A. C. S., & Oliveira, I. de L. (Ed.), Co-
municação organizacional: dimensões epistemológicas e discursivas (pp.146-162). Belo
Horizonte; FAFICH – UFMG.
Castells, M. (2007). Para além da caridade: responsabilidade social no interesse da empresa na
nova economia. In Cortina, A. (Ed.). Construir confiança: ética na empresa na sociedade da
informação e das comunicações (pp. 55-74). São Paulo: Edições.
Castells, M. (2017). O Poder da Comunicação (2ª ed). Rio de Janeiro/ São Paulo: Paz e Terra.
Charaudeau, P. (2005). Problemas de análise das mídias. In Meditsch, E. (Ed.), Teorias do rádio:
textos e contextos (Vol. 1). Florianópolis: Insular.
Charaudeau, P. (2006). Discurso das mídias. São Paulo: Contexto.
Contracs (2016). Justiça proíbe Habib’s de enviar funcionários aos protestos. Disponível em  ht-
tps://www.cut.org.br/noticias/justica-proibe-habib-s-de-enviar-funcionarios-a-protestos-351f.
Cornelissem, J. (2011). Corporate communication: A guide to theory and practice. Thousand
Oaks, CA: SAGE Publications.
Dyer, G. (1982).  Advertising as communication. New York: Methuen.
Hall, S. (2005). Encoding/Decoding. In Hall, S. et al (Eds.), Culture, Media, Language (pp.117-
127). Centre for Contemporary Cultural Studies. Londres: Routledge.
Julio, K. B (2017, 19 de janeiro). Se o papa gera conflito, imagine nós, diz Habib’s. meio&mensagem.
Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2017/01/19/se-o-
-papa-gera-conflito-imagine-nos-diz-habibs.html.
Kotler, P., Hermawan, K., & Setiawan, I. (2010). Marketing 3.0: as forças que estão definindo o
novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro: Elsevier.
Kunsch, M. M. K. (2003). Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada (5ª
ed.). São Paulo: Summus.
Lima, F. (2008). Possíveis contribuições do paradigma relacional para o estudo da comunica-
ção no contexto organizacional. In Oliveira, I. de L., & Soares, A. T. N. (Eds.), Interfaces e
tendências da comunicação no contexto das organizações (pp.109-127). São Caetano do
Sul, SP: Difusão Editora.
Lima, F., & Oliveira, I. de L. (2014). O discurso e a construção de sentido no contexto organiza-
cional midiatizado. In Marchiori, M. (Ed.), Contexto organizacional midiatizado (pp.85-97).
São Caetano do Sul, SP: Difusão.
Mello, S. F. M. (2010). Comunicação e organizações na sociedade em rede: novas tensões, me-
diações e paradigma. Dissertação de Mestrado em Ciência da Comunicação, Universidade
de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, São Paulo, Brasil. Disponível em http://www.
teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/tde-17082011-110313/pt-br.php
Morris, P. K., & Waldman, J. A. (2011). Culture and Metaphors in Advertising: France, Germany, Italy,
the Netherlands, and the United States. International Journal of Communication 5, 942–968.
Nassar, P. (2008). A mensagem como centro da rede de relacionamentos. In Di Felice, M. (Ed.),
Do público para as redes: a comunicação digital e as novas formas de participação social
(pp.191-201). São Paulo: Difusão.

310 | MEDIA&JORNALISMO
Pires, T. M. de C. C. (2008). Organização e visibilidade político-midiática: considerações prelimi-
nares. In Oliveira, I. de L., & Soares, A. T. N. (Eds.), Interfaces e tendências da comunicação
no contexto das organizações. São Caetano do Sul, SP: Difusão.
Srour, R. H.. (2012). Poder, cultura e ética nas organizações (3ª ed.) Rio de Janeiro: Campus.
Srour, R. H.. (2013).  Ética Empresarial (4ª ed.). Rio de Janeiro: Elsevier.
Valentini, C., Romentini, S., &  Kruckeberg, D. (2016). Language and Discourse in Social Media
Relational Dynamics: A Communicative Constitution Perspective. International Journal of
Communication 10, 4055–4073.

Notas biográficas

Mariana Carareto é Doutoranda em Comunicação no Programa de Pós-Graduação


em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp de Bau-
ru, Mestre em Comunicação com ênfase em Comunicação Midiática pela mesma ins-
tituição, Especialista em Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Rela-
ções Públicas (2014) pela Universidade de São Paulo (USP) e graduada em Relações
Públicas (2012) pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Tem experiência como
docente em disciplinas de Relações Públicas e profissional na área de comunicação
organizacional, relações públicas e pesquisa de opinião, mercado e mídia. Atualmen-
te, pesquisa sobre os desafios e responsabilidades da comunicação organizacional na
sociedade mediatizada.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2964354401293626
E-mail: [email protected]
Morada: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Arquitetura
Artes e Comunicação de Bauru. Av Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Vargem Limpa
17033360 - Bauru, SP - Brasil

Renata Calonego é Doutoranda em Comunicação no Programa de Pós-Graduação da


Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp de Bauru, Mestre em Comu-
nicação com ênfase em Comunicação Midiática pela mesma instituição e graduada em
Relações Públicas (2016) pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Durante o mes-
trado, teve experiência como docente em disciplina de Relações Públicas com foco na
área de comunicação organizacional. Ao longo da graduação, produziu duas iniciações
científicas, tendo realizado um estágio de pesquisa no exterior na The Open University,
Inglaterra, por meio da Bepe/Fapesp. Atualmente, estuda a comunicação em seu âm-
bito crítico, considerando suas responsabilidades na sociedade midiatizada. Seus inte-
resses permeiam temáticas que envolvem gênero, cultura de paz, relações e contextos
socioculturais.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/8686364249439466
E-mail: [email protected]
Morada: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Arquitetura
Artes e Comunicação de Bauru. Av Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Vargem Limpa
17033360 - Bauru, SP - Brasil

ARTIGOS | 311
Roseane Andrelo é Docente na Pós-graduação em Comunicação e do curso de Relações
Públicas da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp), Brasil.
Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Relações Públicas e Jornalis-
mo, atuando principalmente nos seguintes temas: rádio, comunicação dirigida, comunicação
educativa, educação corportiva, mídia-educação e educação às mídias.

Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4737584J0
Orcid: http://orcid.org/0000-0003-4390-4037
E-mail: [email protected].
Morada: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Arquitetura
Artes e Comunicação de Bauru. Av Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Vargem Limpa
17033360 - Bauru, SP - Brasil

* Submetido: 2018.08.16
* Aceite: 2018.12.12

312 | MEDIA&JORNALISMO
Embalagem: o elemento imagem do produto
Package: the image element of the product
Embalaje: el elemento imagen del producto

Madalena Sena
Universidade da Beira Interior
Instituto de Comunicação da NOVA
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_21

Resumo
A embalagem é um objeto completo e complexo que reúne em si mesma duas
grandes funções: a de conter o produto e a de o anunciar. Embora antagónicas estas
duas funções coexistem na embalagem que, por um lado esconde o produto e, por
outro o faz aparecer. O produto é o conteúdo da embalagem, é aquilo que consumi-
mos e, a embalagem é apenas o seu contentor, contudo, a embalagem confunde-
-se com o produto tornando-os praticamente indissociáveis. A embalagem envolve,
protege e dá forma ao conteúdo porém, essa função estrutural essencial tem como
desvantagem a ocultação do próprio produto.
Assim, se o conteúdo embalado fica oculto aos olhos do consumidor cabe
à embalagem a tarefa de comunicar o que contém no seu interior. As imagens
assumem assim o papel de anunciar o produto contido na embalagem de for-
ma a torna-lo visível, mas também de o tornar apelativo ao ponto de influenciar
a decisão de compra. As imagens são, portanto, o melhor património que o pro-
duto pode ter.

Palavras-chave
imagem; produto; embalagem; comunicação; compra

Abstract
Packaging is a complete and complex object that has two main functions: to
contain the product and to advertise it. Although antagonistic, these two functions
coexist in the packaging that, on the one hand, conceals the product and, on the
other, causes it to appear. The product is the content of the packaging, it is what
we consume and the packaging is only its container, however, the packaging is
confused with the product making them practically inseparable. The packaging
involves, protects and shapes the content, but this essential structural function
has the disadvantage of concealing the product itself.
Thus, if the packaged content is hidden from the consumer’s eyes, it is
the packaging that has the task of communicating what is inside it. The ima-
ges thus assume the role of announcing the product contained in the packa-
ging in order to make it visible, but also to make it appealing to the point of

ARTIGOS | 313
influencing the purchase decision. Images are therefore the best asset that
the product can have.

Keywords
image; product; packaging; communication; purchase

Resumen
El embalaje es un objeto completo y complejo que reúne en sí mismo dos gran-
des funciones: la de contener el producto y la de anunciar. Aunque antagónicas estas
dos funciones coexisten en el embalaje que, por un lado esconde el producto y, por
otro, lo hace aparecer. El producto es el contenido del embalaje, es lo que consumi-
mos y, el embalaje es sólo su contenedor, sin embargo, el embalaje se confunde con
el producto haciéndolos prácticamente indisociables. El embalaje envuelve, protege
y forma el contenido, pero esta función estructural esencial tiene como desventaja
la ocultación del propio producto.
Así pues, si el contenido envasado se oculta a los ojos del consumidor corresponde
al embalaje la tarea de comunicar lo que contiene en su interior. Las imágenes asumen
así el papel de anunciar el producto contenido en el embalaje de forma que lo hace
visible, pero también de hacerlo apelativo al punto de influir en la decisión de com-
pra. Las imágenes son, por lo tanto, el mejor patrimonio que el producto puede tener.

Palabras clave
imagen; produto; embalaje; comunicación; compra

Embalagem, o elemento imagem do produto

Joly (2008) refere que apesar da diversidade dos significados da palavra ima-
gem ela é acima de tudo compreendida porque “imagem” designa algo que, embora
não remeta sempre para o visível, toma de empréstimo alguns traços fundamentais
do que é visualizado. Contudo, refere ainda: “a imagem depende da produção de um
sujeito, seja imaginária ou concreta e, portanto, a imagem passa por alguém que a
produz ou a reconhece (op. Cit., p.13).”
Em senso comum, o conceito de imagem tanto define a imagem adquirida como
a gerada pelo ser humano. A imagem surge através da criação pela pintura, desenho,
gravura ou outra qualquer expressão visual de expressão da ideia, ou pode surgir
através de um simples registo fotomecânico, como a fotografia por exemplo. Berger
(1972, p.144) lembra que foi a invenção da fotografia a cores que veio possibilitar a
reprodução da cor, da textura e da tangibilidade dos objetos de uma forma poderosa-
mente tátil. Com a fotografia a cores consegue-se obter a impressão de quase poder
tocar o que está na imagem, ela faz recordar a coisa real e atua sobre o espectador
provocando-lhe a sensação de poder possuir esse objeto.
Hoje as imagens são veiculadas pelos anúncios publicitários impressos em páginas de
revistas ou expostos nas paredes de edifícios ou em mobiliário urbano, na própria arquite-
tura dos edifícios e das obras de engenharia, nos utensílios domésticos e ferramentas, no

314 | MEDIA&JORNALISMO
vestuário, nos veículos de transporte, nas representações sagradas, em todo o material
impresso e, finalmente em toda as exibições passadas nos ecrãs de cinema e de televisão.
O uso contemporâneo da palavra imagem remete a maior parte das vezes para
a imagem mediática, como refere Joly (2008, p.14), e essa é aquela imagem inva-
sora, omnipresente, que criticamos e que faz parte da vida quotidiana de cada um.
E, como refere Cabral (apud Gomes, 1991, p.67) “Todas as pessoas consomem ima-
gens, mesmo aquelas que afirmam não as consumir”. O que as pessoas consomem
hoje são as imagens que têm dos produtos e, como não existem produtos sem ima-
gem, convém que essa imagem corresponda aquilo que se pretende.
Assim, a imagem assume uma importância especial, não só porque “ilustra” o
produto numa lógica da valorização prática, mas principalmente porque pode tornar
visível o seu valor (Volli, 2003, p.92). Essa importância que a imagem encerra, faz com
que a sua criação não seja descurada. A condição base para criar uma imagem será
deter um perfeito conhecimento do produto e do seu potencial consumidor. Assim,
a criatividade é importante para o produto enquanto produtora da sua imagem pois
é ela que corporiza a conceção, a manutenção ou a mudança de imagem de produ-
to (Cabral apud Gomes, 1991, p.70). Do outro lado está o consumidor que não tem
acesso às estratégias, ele só tem acesso e só quer o produto. Contudo, o consumi-
dor pode ser fiel a uma imagem ou produto, mas pode igualmente deixar de o ser ao
querer experimentar algo diferente. Tudo gira à volta das imagens e elas são, decidi-
damente, o melhor património que um produto pode ter (op. Cit, p.70).
Porém Csillag (2010, p.1) adverte que “se mostrarmos uma imagem a dez pessoas
diferentes, obteremos dez pontos de vista também diferentes sobre essa imagem”.
Esta afirmação da autora confirma apenas que “toda a imagem é polissémica” (Bar-
thes, 1982, p.33). A polissemia da imagem é uma “cadeia flutuante de significados”
que cada imagem pode ter e dos quais o leitor pode escolher uns e ignorar outros.
Contudo, para Barthes (1982) a polissemia é uma disfunção, pois esta produz uma
interrogação sobre o sentido da imagem. Barthes (1982) defende, portanto, a anco-
ragem da imagem através de uma mensagem linguística para que esta dirija o leitor
no sentido que havia sido antecipadamente escolhido. Assim o leitor é teleguiado
pelo texto, ainda que por vezes subtilmente, cumprindo, portanto, o texto a função
de explicação sobre a imagem. É frequente encontrar embalagens onde a imagem
é acompanhada por um texto elucidativo de forma a não deixar margem de dúvida
acerca do produto representado na imagem (figura 1).

Fig.1 – Embalagem com texto explicativo do produto representado na imagem

ARTIGOS | 315
A apresentação de imagem e texto em simultâneo numa embalagem, pode ser
redundante para um adulto, dado que percebe a imagem e lê o texto. Contudo, ape-
sar de parecer duplicar a informação o texto, em alguns casos, pode acrescentar à
imagem informações inéditas. Como a mensagem linguística acompanha a ima-
gem, é frequente deste então uma estreita ligação entre a imagem e o texto. Bar-
thes (1982) lembra que para encontrar imagens sem palavras teríamos que recuar
até sociedades parcialmente analfabetas para encontrar uma espécie de estado
pictográfico da imagem.
Joly (2005, p. 111) não nega a polissemia da imagem, contudo acrescenta que
também a palavra pode ser polissémica, argumentando que “a imagem tal como
qualquer enunciado icónico complexo (verbal ou não verbal) pode significar várias
coisas e, assim, a polissemia não é uma característica específica da imagem”. De
facto, “aquilo a que chamamos imagem, mesmo um signo icónico, é um texto visual
e, a prova é que o seu equivalente verbal não é uma simples palavra, mas no míni-
mo uma descrição, um enunciado e por vezes até um discurso.” (Joly, 2005, p. 111)
Uma perspetiva diferente tem Metz (1970 apud Joly, 2005) ao afirmar que “não
é a imagem que é polissémica, mas sim o espectador.” Quando existe “ausência de
focalização excessiva: a imagem fala pouco de si mesma” como refere Metz, uma
imagem não chega a ser tão assertiva como a linguagem verbal. “A imagem por si
só, sem recurso à linguagem real, não afirma nem nega nada, pois, uma imagem não
é uma proposição nem uma declaração e, é a essa falta de capacidade assertiva a
que normalmente e erradamente chamam polissemia.” (Joly, 2005, p. 112)
Assim, esta complementaridade entre o texto e a imagem elimina quaisquer am-
biguidades interpretativas. O texto complementa a imagem e vice-versa e, portan-
to, o interpretante não resvala para interpretações ou significados erróneos. Parti-
cularizando as imagens presentes na embalagem, torna-se fácil para o consumidor
perceber o produto através da leitura em simultâneo dos dois tipos de linguagem.
Contudo, as crianças, e em especial as iletradas, não beneficiam dessa comple-
mentaridade entre texto e imagem por não possuírem ainda a capacidade de inter-
pretar a linguagem escrita e, portanto, terão apenas na imagem do produto a sua
única fonte de informação. A informação sobre o produto chega a estas crianças
principalmente através da imagem, pois a sua incapacidade de ler não permite ob-
ter informação através dos textos. Dammler & Middlelmann-Motz (2002) referem
que as crianças tomam decisões de compra baseadas em muito menos informa-
ção que os adultos e por isso reagem de acordo com a informação que obtêm dos
sinais que compreendem.
Afirma Mestriner (2002, p.40) que “a utilização de imagens nas embalagens re-
presentou sempre a maior possibilidade de inovação ao alcance dos designers. Vin-
das das mais diferentes fontes, as imagens alteram ou criam novos contextos para
o posicionamento do produto.” César (2000, p.144) acrescenta que “as embalagens
de alimentos precisam de cuidados redobrados sendo portanto fundamental esco-
lher uma boa ilustração para que esta possa causar o appetite appeal (vontade de
comer).” Zampini & Spence (2004) atestam também que a aparência visual de comi-
da e bebida pode ter um impacto profundo na nossa perceção e avaliação do sabor.
A principal tarefa dos designers de embalagem contemporâneos é, segundo He-
ller (1999), fazer com que os pacotes, latas, garrafas e sacos de celofane seduzam

316 | MEDIA&JORNALISMO
os nossos desejos mais primitivos. Das convenções antigas usadas na conceção de
embalagens, introduzidas há um século atrás, a ilustração extremista e realista de
alimentos preparados manteve-se inalterada. Assim, um prato de sopa fumegante,
ou um prato de esparguete coberto com molho apetitoso excitam mais as glândulas
salivares que quaisquer decorações rígidas sem qualquer referência ao produto (He-
ller, 1999). Também as imagens de frutas ou legumes com aspeto fresco e saudável
que parecem ter sido colhidos na hora, têm um poder subliminar incalculável (op. cit,
1999). A fotografia deu um enorme contributo a estas representações quase reais
de alimentos frescos e comidas preparadas e, Heller (1999) refere que é preciso ta-
lento para que o resultado seja brilhante e, por essa razão é que os apelidados food
stylists (estilistas de comida) trabalham de perto com os fotógrafos.
A imagem do produto seduz mas também informa e, para perceberem e testarem
qual o efeito informativo proporcionado pela imagem do produto numa embalagem,
Underwood e Klein (2002) realizaram um estudo empírico onde puderam concluir
que, por exemplo, nos produtos alimentares a imagem do produto pode comunicar
informações sobre a marca e assim mudar as crenças sobre ela. Para além disso,
os consumidores que acreditam em determinada marca passam a apreciá-la ainda
mais e, passam igualmente a ter uma atitude mais positiva com a própria embala-
gem só porque ela contém a imagem do produto. Este estudo é importante na medi-
da em que fornece evidências acerca do papel da imagem na embalagem e explica
como um estímulo extrínseco permite que os consumidores possam inferir atribu-
tos intrínsecos do produto e, consequentemente, estabelecer apreciações e avalia-
ções às marcas. Underwood & Klein (2002) defendem que a perceção do produto é
realizada pela imagem ou pelo conhecimento prévio do produto, retido na memória.
Mestriner (2002) refere que as embalagens de alimentos exploram cada vez mais
e de forma mais sofisticada a imagem do produto servido, pronto a ser saboreado.
Farina et al (2006) reforçam a ideia afirmando que a finalidade das imagens nas em-
balagens alimentares é estimular o apetite.
As imagens presentes nas embalagens são muitas vezes responsáveis pelo
envolvimento do consumidor com o produto. O envolvimento com o produto é a
perceção duradoura que o consumidor tem sobre a importância da categoria do
produto, com base nas suas necessidades, valores e interesses (De Wulf et al,
2001 apud Bian & Moutinho, 2011). Foi estabelecido que o grau de envolvimento
determina a profundidade, complexidade e extensão dos processos cognitivos e
comportamentais durante o processo de escolha do consumidor (Kapferer, 1985;
Houston e Rothschild, 1978).
Contudo, as embalagens de hoje não mostram apenas imagens de apetitosas
refeições e generosas imagens de produtos naturais, elas são projetadas para se in-
filtrarem na psique do consumidor (Heller, 1999). São frequentemente apresentadas
imagens atraentes que vão ao encontro do estilo de vida do comprador, das suas
preocupações com a saúde ou das suas aspirações sociais e, portanto, as imagens
das embalagens de hoje, segundo Heller (1999), não são projetadas para provocar
somente estímulos ao nível do paladar, mas também para transferirem simbolica-
mente ambições culturais e sociais ao consumidor.
As crianças são consumidores especiais e as suas aspirações e preocupações
são bem distintas das dos consumidores adultos. As crianças, e principalmente as

ARTIGOS | 317
mais pequenas, não têm preocupações de saúde ou status; elas querem apenas
divertir-se. Tudo na vida tem de ser divertido e, a comida não é exceção. Roberts
(2005) sondou a perceção das crianças face aos produtos e apurou que a atitude
das crianças perante os alimentos tem de possuir um misto de comida e diversão,
ou seja, os alimentos para crianças devem ser percebidos por elas como um entre-
tenimento. Dammler & Middlelmann-Motz (2002) referem também a importância
dos elementos visuais, porque as crianças os usam como fontes de informação.
Os elementos visuais, como a marca, os logótipos ou outros símbolos são fun-
damentais para a correta identificação do produto, contudo, como refere Vaz (2008)
as letras que compõem o nome, ainda que conjugadas com cores e símbolos, não
conseguem interagir com as crianças de forma a conseguirem a sua afetividade.
Chaves (2007) defende que falta a todos esses componentes a expressividade e a
emoção que só as mascotes da embalagem conseguem transmitir.

Bibliografia

Barthes, R. (1982). O óbvio e o obtuso. Edições 70. Lisboa.


Berger, J. (1972). Modos de Ver. Edições 70, Lda. Lisboa.
Bian, X. & Moutinho, L. (2011). The role of brand image, product involvement, and knowledge
in explaining consumer purchase behaviour of counterfeits. European Journal of Marke-
ting, 45(1), 191-216.
Cesar, N. (2000). Direção de Arte em Propaganda. Editora Futura. São Paulo.
Chaves, M. et al (2007). Kids’s Power – A Geração Net em Portugal. Plátano Editora. Corroios.
Lisboa.
Csillag, P. (2010). Relacionando Estudos de Cor ao Modelo de Percepção Visual Sens-Org-Int.
Publicação na revista Marketing.
Dammler, a. & Middlelmann, A. V. (2002). I want the one with Harry Potter on it. Journal: Young
Consumers, 3(2).
Eco, U. (1992). La Production des signes. Le Livre de Poche. Paris.
Farina, M.; Perez, c. & Bastos, D. (2006). Psicodinâmica das Cores em Comunicação. Editora
Edgar Blücher, Lda. São Paulo.
Gomes, A. S. (1991). Publicidade e Comunicação. Texto Editora. Lisboa.
Heller, S. (1999). Appetite appeal. Social Research, 66(1), 213-224.
Joly, M. (2008). Introdução à análise da imagem. Edições 70, Lda. Lisboa.
Joly, M. (2005). A imagem e os signos. Edições 70, Lda. Lisboa.
Kapferer, J. N. (1985). L’Enfant et la Publicité. Dunod Edition. Paris.
Mestriner, F. (2002). Design de embalagem. Curso avançado. 1ª edição. Prentice Hall. São Paulo.
Roberts, M. (2005). Parenting in an obesogenic environment. Journal of Research for Consu-
mers, N. 9.
Underwood, R. L & Klein, N. M. (2002). Packaging as brand communication: Effects of product
pictures on consumer responses to the package and brand. Journal of Marketing Theory
and Practice, 58-68.
Volli U. (2003). Semiótica da Publicidade. A criação do texto publicitário. Edições 70, Lda. Lisboa.
Zampini M. & Spence, C. (2004). The role of auditory cues in modulating the perceived crispness
and staleness of potato chips. Journal of Sensory Studies, 19, 347–363.

318 | MEDIA&JORNALISMO
Nota biográfica

Madalena Sena é Técnica Superior no Gabinete de Relações Públicas da UBI e investiga-


dora Integrada do ICNOVA. É Bacharel em Artes Gráficas, Licenciada em Design Multimédia,
Mestre em Design de Moda e Doutora em Ciências da Comunicação.

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7707-7303
Email: [email protected]
Morada: ICNOVA, Av. de Berna 26 C Lisboa, Portugal

* Submetido: 2018.08.15
* Aceite: 2018.11.15

ARTIGOS | 319
(Página deixada propositadamente em branco)
Recensões | Reviews
(Página deixada propositadamente em branco)
Hindman, M. (2018). The Internet Trap:
How the Digital Economy Builds Monopolies and
Undermines Democracy. Princeton, New Jersey: Princeton
University Press.

Eduardo Acquarone
https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_22

Todos fomos ingênuos. Esse poderia ser um outro título para o novo livro de Mat-
thew Hindman, The Internet Trap: How the Digital Economy Builds Monopolies and
Undermines Democracy. Especialista em comunicação e política de Internet, o autor
faz uma espécie de continuação de seu livro de 2008, The Myth of Digital Democra-
cy, mergulhando nos números para desmentir argumentos que, apesar de repetidos
constantemente, não têm suporte estatístico.
Hindman continua preocupado com a excessiva concentração nos meios digitais
e com uma Internet que parece ampla e democrática, mas que na verdade se torna
cada vez mais monopolística. Não é surpresa para quem acompanha o noticiário
o aumento do poder econômico e político das grandes empresas de tecnologia da
nossa era: Google e Facebook, especificamente, mas também a Amazon. O fasci-
nante em The Internet Trap é ver como Hindman constrói seu argumento baseado
em uma análise detalhada de dados.
Tome-se o jornalismo local norte-americano, por exemplo. No início da transição
para o digital, o mantra dizia que a Internet iria democratizar a produção de conteúdo
e que vozes de todos os tipos iriam tornar o mundo mais diverso e aberto.
Esse raciocínio não levava em conta a distribuição do conteúdo. Na prática, al-
guém estará lendo (vendo, assistindo, experimentando) tudo que é produzido? Para
achar essa resposta, Hindman mergulha em 1.074 websites de notícias baseados
nos 100 maiores mercados americanos de media. A conclusão é que o mundo do
jornalismo local é uma minúscula parte da Internet (cerca de 0,5 por cento), e mes-
mo essa pequena parte é dominada pelas versões digitais dos telejornais de TV ou
pelos sites dos jornais impressos. Os veículos digitais – as tais “novas vozes” – são
uma pequena gota no oceano digital, e não fazem onda alguma.
Segundo Hindman, um dos problemas é que as empresas jornalísticas não en-
tenderam de fato o mundo digital, onde pequenas mudanças nas páginas e na velo-
cidade com que elas são carregadas podem significar a diferença entre sucesso e
fracasso. “O problema de (...) conseguir uma taxa de crescimento composta da au-
diência é o problema mais urgente do jornalismo hoje. Se o jornalismo precisa de
uma audiência para dar certo, então a maioria das publicações digitais estão fracas-
sando”, escreve ele. (Hindman, 2018, Capítulo 7, parágrafo 5)
O autor acredita que existe um caminho de mudança, mas ele é bastante difícil.
Em parte, porque a distribuição de conteúdo no mundo digital não é grátis, como
se falou por muitos anos, e sim extremamente dispendiosa. Custos de distribuição

RECENSÕES | 323
incluem design, personalização de conteúdo, testes A/B, adaptação dos sites para
as diversas plataformas: “Simplesmente porque os custos de distribuição online são
diferentes do que são em outras medias, isso não significa que eles são pequenos”.
(Hindman, 2018, Capítulo 1, Sessão 5, parágrafo 7)
Os antigos parques gráficos e caminhões de entrega dos jornais foram substituídos
por data centers e equipes especializadas que fazem com que os sites das grandes em-
presas sejam mais bonitos, eficazes e, sobretudo, mais rápidos. Questão de segundos,
talvez, mas segundos que, quando acumulados, fazem com que a audiência retorne
ou decida, de modo quase inconsciente, buscar outras alternativas para se informar.
São essas pequenas diferenças, repetidas milhões de vezes, que tornam a con-
corrência ao Google ou ao Facebook uma tarefa quase impossível para os veículos
de media, especialmente os menores. “O Google (...) se reinventou não como uma
ferramenta de busca, mas sim com um bando de atividades online extremamente
recorrentes: email, vídeo, mapas, telemóveis, até mesmo software de produtividade.
(...) Para nós hoje, assim como para o Google há duas décadas, a primeira lição é:
pequenos efeitos que se acumulam rapidamente não são pequenos efeitos.” (Hind-
man, 2018, Capítulo 1, parágrafos 8 e 9)
Na visão de Hindman, até os pequenos veículos digitais têm Google e Facebook
como concorrentes diretos. A ideia de que um site hiperlocal poderia sobreviver
vendendo publicidade para os comerciantes do bairro, por exemplo, não é viável na
maioria dos casos. Essas enormes empresas de publicidade digital (porque, em últi-
ma instância, é isso que Facebook e Google são) não apenas têm dados de compor-
tamento e localização de bilhões de pessoas, mas também dados específicos com
uma granularidade impressionante, o que permite que elas concorram tanto com o
New York Times quanto com o blog de uma pequena freguesia lisboeta.
Os efeitos desse fenômeno já são sentidos ao redor do mundo. Um dado que não
está no livro, mas vai ao encontro do que Hindman diz, vem dos estudos da Columbia
Journalism Review1 e da escola de Media e Jornalismo da Universidade da Carolina
do Norte2. Eles mostram que, nos Estados Unidos, os “desertos de notícias”, cidades
ou regiões que não têm nenhum tipo de jornalismo local diário, continuam a se ex-
pandir. Desde 2014, foram fechados quase 1.800 jornais locais no país.
Um estudo similar feito no Brasil pelo Instituto para o Desenvolvimento do Jorna-
lismo3 traz conclusões ainda mais preocupantes. Não há registro de jornais ou notícias
locais em 4.500 municípios brasileiros, onde moram cerca de 70 milhões de pessoas.
Assim, se a Internet permite, em teoria, que todos tenham acesso a notícias de
qualquer lugar do mundo, a economia digital também causa fenômenos assim: na
prática, a informação está cada vez mais concentrada. O ideal de uma Internet liber-
tadora, livre e grátis soa hoje como uma utopia ingênua dos anos 1990.  
Mas Hindman não quer mais ser ingênuo, e essa talvez seja uma das lições mais
importantes em The Internet Trap. “A internet expandiu de modo significativo o núme-
ro de vozes locais? A resposta que surge dos dados da comScore é um claro ‘não’.”
(Hindman, 2018, Capítulo 6, Sessão 8, parágrafo 1)

1
Disponível em https://www.cjr.org/local_news/american-news-deserts-donuts-local.php
2
Disponível em https://www.usnewsdeserts.com
3
Disponível em https://www.atlas.jor.br

324 | MEDIA&JORNALISMO
Nota biográfica

Eduardo Acquarone é roteirista, diretor e criador de projetos digitais, trabalha com inovação
desde 2008, quando lançou o Globo Amazônia, projeto indicado ao Emmy Digital e que conse-
guiu mais de 55 milhões de protestos virtuais contra a destruição da floresta. Em 2015 estu-
dou no Tow-Knight Center for Entrepreneurial Journalism em Nova York, onde fundou a Flying
Content, uma empresa de histórias digitais. Atualmente trabalha com inovação na TV Globo e
faz um doutorado em Realidade Virtual no ISCTE em Lisboa. Tem inúmeras reportagens pu-
blicadas pela Rede Globo, Reuters e CBS, além de artigos científicos e participação em livros.

Ciência ID: 7B1B-3BAE-54EF


Email: [email protected]
Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submetido: 2018.07.23
* Aceite: 2018.09.15

RECENSÕES | 325
(Página deixada propositadamente em branco)
Snyder, T. (2017). Sobre a Tirania. Vinte Lições do Século
XX. Lisboa: Relógio de Água.

Francisco Rui Cádima


https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_23

Pós-verdade significa pré-fascismo


Timothy Snyder

Editado nos EUA após a vitória de Trump, este livro de Timothy Snyder procura
vir ao encontro da urgência do presente, indo diretamente ao assunto. Não haverá
desculpa para o evitar, até porque as suas cerca de cem páginas se podem ler num
par de horas e sem perder fôlego.
Snyder é historiador e professor da Universidade de Yale, e um dos seus últimos
livros – Bloodlands: Europe between Hitler and Stalin (Basic Books, 2010) obteve em
2013 o Hannah Arendt Prize for Political Thought.
Nesta sua reflexão no contexto do imediato pós-Trump, Snyder aborda a certa
altura um conjunto de referências que vão desde a ficção à história, querendo dizer-
-nos basicamente que nos andamos a perder na Internet e que do que necessitamos
é de nos reencontrarmos com determinantes da nossa memória, de Ray Bradbury a
Orwell, de Victor Klemperer a Arendt, ou de Václav Havel a Tony Judt, com quem aliás
Snyder assinou Thinking the Twentieth Century (Penguin Books, 2012).
Mas também com Harry Potter e os Talismãs da Morte, que segundo Snyder
aborda justamente o tema da tirania e da resistência – “se tu, os teus filhos ou os
teus amigos não o leram assim da primeira vez, então o livro pede uma nova leitura”
(p. 51). Sobre a Tirania procura ser assim um alerta para a reemergência da besta na
barriga do monstro. Ele, em todo o caso, tem alguma relutância em dizer que ventre
é esse, quem gera efetivamente o monstro, e ao evitar esta questão de modo frontal
tergiversa também relativamente ao fundamental nesta discussão sobre o presente.
O livro está dividido em vinte pequenos capítulos, todos eles muito assertivos, com-
pondo, no conjunto, uma espécie de arqueologia sintética dos fascismos e dos totali-
tarismos no século XX, confrontando-a com os embriões surgidos nos novos contex-
tos da pós-verdade da era Trump. Neste contexto, a obra de Snyder assenta também
sobre um conjunto de alertas e recomendações procurando fazer alguma pedagogia
para que, por assim dizer, os holocaustos do século XX não se venham agora a repetir.
Uma das teses centrais desta obra Sobre a Tirania aborda as políticas e os mitos
da inevitabilidade ou os “fins da história” que facilmente conduzem à solução limite e à
exceção, aos sinais de ódio, ao “transe” das políticas da eternidade e aos mitos cíclicos
de que se servem populistas, nacionalistas e oligarquias fascistas para imporem a sua
narrativa, ou a sua gestão do terror, a sua leitura anti-histórica do tempo, seja ele qual for.
Uma outra análise muito interessante de Timothy Snyder prende-se com a relação
que estabelece entre o totalitarismo e a perda ou a violação da privacidade eletrónica
dos cidadãos. Considera que “o roubo, a discussão ou a publicação de comunicações

RECENSÕES | 327
pessoais destrói um fundamento essencial dos nossos direitos” (p. 72). Os media e
os jornalistas, aliás, não ficam nada bem nesta análise de Snyder: “os meios de co-
municação social acabaram por passar ao lado dos verdadeiros acontecimentos
da atualidade. Ao invés de darem conhecimento da violação dos direitos básicos (…)
optaram na generalidade dos casos por ceder ao interesse inerentemente impudico
que temos nos assuntos das outras pessoas” (p.73).
Daí Timothy Snyder ser muito crítico da Internet em geral (chega mesmo a propor-
-nos que nos distanciemos da Internet, em favor do livro) e defender a necessidade
de apoiar o jornalismo de investigação, na sua forma impressa, como refere. O ódio
ao jornalismo, por parte de Trump, leva Snyder a teorizar sobre os próprios media e a
declinação da pós-verdade nos múltiplos écrans, o que revela, na sua perspetiva, “uma
tendência para que nos achemos logo enredados na lógica do espetáculo” (p. 61). Po-
rém, concede que “o trabalho daqueles que se mantêm fiéis a uma ética do jornalis-
mo é de uma espécie diferente do trabalho do que não partilham dessa ética” (p. 62).
E assume que a luta pela verdade na era da Internet está no centro da política e do
processo de decisão contemporâneo – um pouco como em Michel Puech quando o filó-
sofo francês se refere às micro-ações dos indivíduos como algo decisivo nesta chamada
“mediarquia” – defendendo que "cada um de nós tem a possibilidade de provocar uma
pequena revolução no modo como a Internet funciona" (p. 64), havendo efetivamente uma
responsabilidade individual para com o problema que envolve a informação e a verdade.
Isto porque, para Snyder, "repelir os factos é repelir a liberdade" (p. 53). E, justa-
mente, em torno do problema contemporâneo da verdade e dos media, o autor in-
cide sobre outro dos temas centrais desta sua obra, onde os factos alternativos e a
perseguição pelos populistas quer da transparência da informação quer da ética do
jornalismo, e a pós-verdade “restabelece(m) precisamente a atitude fascista peran-
te a verdade” (p. 57). Algo que não deixa de estar influenciado pelo cada vez maior
reforço das oligarquias e dos autoritarismos que, segundo Snyder, potenciam clara-
mente a sua ameaça suportada numa globalização que tem vindo a acelerar as de-
sigualdades e a distribuição de riqueza (p. 25).

Nota biográfica

Francisco Rui Cádima é Professor Catedrático do Departamento de Ciências da Comuni-


cação (DCC) da NOVA FCSH; - Investigador Responsável do ICNOVA - Instituto de Comunica-
ção da NOVA / CIC.Digital; - Coordenador do curso de Doutoramento do DCC da NOVA FCSH;
- Membro da Direção da revista Media & Jornalismo (SCOPUS). É autor de uma vasta obra aca-
démica no campo das ciências da comunicação.

Ciência ID: 231F-D7BA-F635


Email: [email protected]
Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submetido: 2018.07.16
* Aceite: 2018.09.13

328 | MEDIA&JORNALISMO
Benkler, Y.; Roberts, H, & Faris, R. (2018). Network
Propaganda: Manipulation, Disinformation, and
Radicalization in American Politics. New York: Oxford
University Press.

João Carlos Martins


https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_24

Por detrás dos holofotes e dos microfones, perfila-se um governo invisível que é o ver-
dadeiro poder regulador no nosso país (Bernays: 1928). Quase um século depois, Yochay
Benkler, Robert Faris e Hal Roberts confirmam a definição matricial de Propaganda como
meio de organizar e moldar o pensamento e a perceção (Auerbach & Castronovo: 2014)
numa esfera pública vulnerável à desinformação no ecossistema mediático americano.
A campanha eleitoral que conduziu Donald Trump à presidência e o seu primeiro
ano de mandato delimitam o período de investigação académica inspirada num artigo
do BuzzFeed News. Nesse mesmo artigo do final de 2016, Craig Silverman introduz o
termo fake news1. O homem que usa o oxímoro como cruz e credo e o amplifica para
o discurso cultural contemporâneo, toma posse em janeiro de 2017. A partir de quatro
milhões de histórias postadas, tweetadas e partilhadas durante a campanha eleitoral,
os dados modelaram a interpretação da assimetria mediática americana com recurso
ao Media Cloud2, um sistema de análise digital desenvolvido em parceria com o Cen-
ter for Civic Media do Massachusetts Institute of Technology durante uma década.
Uma análise da ligação e partilha de notícias no Facebook e no Twitter combinada
com análise textual para inferir padrões de atenção da audiência, delimitando o terri-
tório da rede, resultou num mapa da arquitetura de autoridade e atenção (pp. 45/74).
Num momento pós-verdade3 de crise epistemológica (pp. 3/23), mas não acom-
panhando o espírito do tempo de uma extrema polarização política tecnologicamen-
te conduzida através do algoritmo de Mark Zuckerberg (pp. 269/288), da polinização
das fake news (pp. 188-268) e da intervenção que veio da Rússia (pp. 235/268), os
autores fazem um diagnóstico duma conspiração exercida por uma máfia inteligente

1
Silverman, C. (2016). This Analysis Shows How Viral Fake Election News Stories Outperformed
Real News On Facebook. BuzzFeed News. Disponível em https://www.buzzfeednews.com/article/
craigsilverman/viral-fake-election-news-outperformed-real-news-on-facebook
2
Disponível em mediacloud.org.
3
O termo pós-verdade foi usado pela primeira vez num ensaio do escritor de teatro Steve
Tesich no The Nation em 1992. Kreitner, R. (2016). Post-Truth and Its Consequences: What
a 25-Year-Old Essay Tells Us About the Current Moment. The Nation. Disponível em https://
www.thenation.com/article/post-truth-and-its-consequences-what-a-25-year-old-essay-tells-
us-about-the-current-moment/.
O termo “política pós-verdade” foi cunhado por David Roberts, onde foi definido como “uma
cultura política na qual a opinião pública e a narrativa dos média se tornaram quase totalmente
desligadas da política”. Roberts, D. (2000). Post-truth politics. grist. Disponível em https://grist.
org/article/2010-03-30-post-truth-politics/.

RECENSÕES | 329
(Rheingold: 2002) que introduziu a sua própria agenda na campanha eleitoral ameri-
cana onde o tecido institucional e político-cultural subjacente está mais desgastado.
A crise é política. Não é tecnológica (pp. 289/293).
O estudo confirma a influência dos média norte-americana na eleição o que re-
monta a uma mudança estrutural política com raízes na talk radio e na entrada em
antena da Fox News em 1996 (pp. 311/339), promovendo uma armada insular e as-
simétrica feita de retórica e política radical mesclada com ansiedade religiosa e racial
(pp.294/310), liderada pelo Breitbart4 que a partir da periférica extrema-direita (pp.
225/233), atacou o núcleo central do eleitorado e segmento flutuante de audiência
televisiva entre os 25 a 35% nos Estados Unidos da Amnésia para recuperar Gore
Vidal5. Um dos pontos críticos foi quando a direita alinhada pela plataforma da alt-
-right atacou violentamente a Fox News por não apoiar o candidato Trump o que a
levou a juntar-se no final da procissão eleitoral e a tornar-se o órgão não oficial de
propaganda no primeiro ano da era Trump (pp. 145/187) dentro do carrossel de pro-
paganda em loop entre os média de direita e o Presidente (pp. 75/144).
A cobertura jornalística da campanha foi crítica e negativa, mas Trump conseguiu
chegar ao eleitorado (pp. 105/144) e sobreviver às acusações (pp. 91/99) enquanto
Hillary naufragou nos escândalos ampliados pelos média do mainstream (pp. 85/91).
Os estudos de caso apresentados demonstram o New York Times a ser instrumen-
talizado por Steven Bannon nas estórias sobre a fundação Clinton e sobre a empresa
Uranium One bem como a cobertura discutível do Washington Post sobre doações da
campanha democrata. Mas este não é apenas um compêndio de diagnósticos acuti-
lantes e conclusões incendiárias: os autores apontam soluções mas antecipam que por
causa do tamanho do problema, não estão otimistas que apenas uma dessas mudan-
ças tenha sucesso na restruturação da situação deteriorada dos média americanos (p.
351). Será necessária uma combinação de medidas e a participação de vários atores.
Após uma profunda apresentação da estrutura assimétrica e do papel que esta
assimetria desempenha na disseminação da desinformação (p. 355), uma suges-
tão é a de que o jornalismo profissional precisa recalibrar o compromisso de rela-
tar mais para a transparência, para a prestação de contas e a verificabilidade longe
da neutralidade demonstrativa (p. 357). Como amplamente descrito nos estudos de
caso da campanha presidencial americana, quando os média profissionais tradicio-
nais insistem na cobertura que realiza a sua própria neutralidade, dando igual peso
a visões opostas, mesmo quando uma é falsa e a outra não, eles falham (p. 356).
Apesar do jornalismo tradicional viver tempos sombrios debaixo do espectro da
sacrossanta internet, existem boas notícias nesta investigação académica para os
jornalistas profissionais que devem continuar a oferecer exatamente o que os tor-
na especiais: reportagens credíveis em organizações comprometidas com normas

4
Bannon que tinha entrado para a direção em 2012, interrompe a colaboração entre 2016
e 2017. Quando é demitido da Casa Branca, regressa ao site que abandona em 2018. Muda-se
para Bruxelas onde cria O Movimento. Hines, N. (2018). Inside Bannon’s Plan to Hijack Europe
for the Far-Right. Daily Beast. Disponível em https://www.thenation.com/article/post-truth-and-
its-consequences-what-a-25-year-old-essay-tells-us-about-the-current-moment/.
5
Felizmente para os loucos atarefados que nos governam, somos permanentemente os Estados
Unidos da Amnésia. Não aprendemos nada porque não nos lembramos de nada. Vidal, G. (2004).
State of the Union. The Nation. Disponível em https://www.thenation.com/article/state-union-2004/.

330 | MEDIA&JORNALISMO
jornalísticas, mas com uma ênfase mais acentuada numa verdade verificável e res-
ponsável e credibilidade em vez de equilíbrio e neutralidade (p. 359).
Em termos políticos, o estudo é ironicamente pessimista e otimista. Otimista quan-
do sugere que não há efeito de câmara de eco que, inevitavelmente, leve uma socieda-
de com uma esfera pública que funcione bem a transformar-se numa esfera sem rei
nem roque apenas porque a internet chegou à cidade. A esfera pública online america-
na é caótica porque foi enxertada numa esfera pública de rádio e televisão que já esta-
va profundamente contaminada. (p. 386). Pessimista quando não encontra uma sim-
ples resolução para crises epistemológicas em países onde uma parcela politicamente
significativa da população ocupa um ambiente ultrapartidário rico em propaganda. A
regulamentação ou a autorregulação das plataformas pode ajudar a lidar com alguns
dos efeitos da poluição comercial (p. 386) prevenindo que qualquer plataforma revele
falhas que possam ser usadas por uma campanha de desinformação. O financiamen-
to público para médias profissionais e o combate à iliteracia digital do público também
são alguns dos caminhos possíveis. Mas se o problema fundamental tem profundas
raízes políticas e assume uma forma política, é difícil imaginar que o mesmo seja resol-
vido por meios tecnocráticos e não políticos e culturais (p. 387). E neste processo de re-
construção da esfera pública digital, quando o prestígio e a credibilidade dos meios de
comunicação diminuem, a academia é um lugar onde a influência pode ser exercida e o
respeito recuperado (Reese: 1999). Um dos primeiros passos começou com este livro.

Bibliografia

Auerbach, J. & Castronovo, R. (eds.)(2014). The Oxford Handbook of Propaganda Studies. New
York: Oxford University Press.
Bernays, E. (2005/1928). Propaganda. Lisboa: Mareantes Editora.
Reese, S. D. (1999). The Progressive Potential of Journalism Education: Recasting the Academic
versus Professional Debate. Harvard International Journal of Press/Politics, 4(4), 70–94..
Rheingold, H. (2002). Smart Mobs: The Next Social Revolution. Basic Books.

Nota biográfica

João Carlos Martins é mestre em Ciências da Comunicação - Estudos dos Media e do Jor-
nalismo pela NOVA-FCSH e doutorando em Ciências da Comunicação - especialização em Co-
municação Estratégica. Trabalhou em jornalismo, assessoria de imprensa e produção teatral.
Investiga e publica sobre comunicação política no poder local.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5711-6333
E-mail: [email protected] 
Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submetido: 2018.08.12
* Aceite: 2018.10.12

RECENSÕES | 331
(Página deixada propositadamente em branco)
McIntyre, L. (2018). Post-truth. Cambridge, MA: MIT Press.

Patrícia de Matos Sá Rêgo


https://doi.org/10.14195/2183-5462_34_25

As fake news ganharam expressão a partir da eleição presidencial dos Estados


Unidos que elegeu o magnata Donald Trump e da votação do Brexit, em 2016, e tor-
naram-se um evento fundamental para entender o pensamento contemporâneo, ape-
sar de não serem um fenômeno recente. No livro Post-truth, Lee C. McIntyre percor-
re um roteiro minucioso para explicar os conceitos de fake news e pós-verdade e o
que levou a humanidade a esse ponto. Filósofo, McIntyre é pesquisador do Centro de
Filosofia e História da Ciência da Boston University e professor de Ética na Harvard
Extension School, nos Estados Unidos. É também autor de Dark ages: The case for
a science of human behavior (2006), publicado pelo MIT Press, e Respecting Truth:
Willful ignorance in the Internet Age (2015), da Routledge.
No primeiro capítulo, What is post-truth?, McIntyre usa a definição do Oxford
Dictionaries, que escolheu pós-verdade como palavra do ano de 2016, para come-
çar a explicar a expressão. A verdade passou a ser irrelevante e sentimentos torna-
ram-se mais importantes do que factos. O prefixo pós indica a perda da relevância
da verdade na atualidade e não está relacionado a um sentido temporal. É traçado
um breve panorama sobre a discussão da verdade na filosofia, citando de Aristóte-
les até filósofos contemporâneos como Harry Frankfurt e o livro On truth (New York:
Knopf, 2006), para concluir que apesar de divergências sobre a teoria, a importância
da verdade é irrefutável.
Em Science denial as a road map for understanding post-truth, o autor trata da
negação da ciência como um factor relevante para a compreensão da pós-verdade.
Ao recuperar a campanha de desqualificação dos estudos científicos que relaciona-
ram o alcatrão ao câncer promovida pela indústria do cigarro nos anos 1950, mostra
as semelhanças com a estratégia de promoção da desinformação no debate sobre
aquecimento global e em outros temas como armas e imigração, servindo a interes-
ses econômicos e ideológicos, como aponta Ari Rabin-Havt em Lies, incorporated:
The world of post-truth politics (New York: Anchor Books, 2016).
Baseado em experimentos como os de Brendan Nyhan and Jason Reifler, The
roots of cognitive bias é o terceiro capítulo e aborda o viés cognitivo — como o back-
fire effect e o Dunning-Kruger effect, também chamado “muito estúpido para saber
que são estúpidos” —, que faz com que alguém mantenha a crença em algo errado
mesmo depois de ser apresentado a evidências. Em seguida, os capítulos The decline
of traditional media e The rise of social media and the problem of fake news tratam
do surgimento de silos de informações nas redes sociais da internet e o declínio dos
jornais. Passamos a ter contato apenas com informações (sejam elas verídicas ou
inverídicas) que fortalecem ainda mais aquilo que acreditamos. Também são apon-
tados o aumento no número de programas de opinião há algumas décadas e a ado-
ção da objectividade jornalística como estratégia para apresentar “ambos os lados”

RECENSÕES | 333
em temas tachados de controversos, mesmo quando baseados em factos científi-
cos, como uma tentativa de jornalistas de evitarem serem tachados de tendenciosos.
Em Did postmodernism lead to post-truth?, McIntyre critica os estudos dos pós-
-modernistas que transformaram tudo, inclusive as ciências naturais, em narrativa
passível de influência ideológica. Para finalizar, em Fighting post-truth afirma que a
importância do livro no entendimento das raízes do problema da pós-verdade é para
que se possa fazer algo em relação à situação atual visto que a verdade continua
tendo importância: The issue for me is not to learn how to adjust to living in a world
in which facts do not matter, but instead to stand up for the notion of truth and learn
how to fight back.
Em sete capítulos, McIntyre disseca as raízes que favoreceram o surgimento do
fenômeno da pós-verdade e permite que o complexo problema seja mais facilmente
compreendido a partir da análise de diferentes aspectos e personagens envolvidos
na questão: políticos, empresários, jornalistas e investigadores. Com a mesma exa-
tidão que contextualiza as fake news e a situação de risco em que encontram-se os
factos e a verdade na atualidade, fornece exemplos que provam a criticidade da si-
tuação em um cenário no qual o presidente Trump, por meio de sua conta no Twitter,
prolifera inverdades e desqualifica qualquer informação contrária às crenças dele.
Rigoroso ao analisar o papel dos jornalistas de ter favorecido a pós-verdade ao
incentivar falsas controvérsias ao invés de se apresentar como um facilitador da
verdade, o autor não poupa também acadêmicos que ajudaram no trabalho de des-
qualificação das ciências a partir da disseminação de um pensamento que coloca-
va qualquer descoberta científica à mercê da dúvida e do obscurantismo. E também
mostra as teias de relações que envolvem de conservadores a liberais, de executivos
de indústrias como a do cigarro e do petróleo a jornalistas e pesquisadores que per-
mitiram a proliferação de notícias falsas. No entanto, embora as redes sociais sejam
discutidas no livro, as empresas tecnológicas aparecem mais como atores secundá-
rios do que protagonistas ao tratar da responsabilidade da publicação e distribuição
de conteúdo na nova mídia.
McIntyre foca principalmente em exemplos nos Estados Unidos sem dar destaque
a movimentos que estão ocorrendo em outros países. A União Europeia, por exemplo,
montou uma equipa para tratar da ameaça da desinformação à democracia e vem
divulgando documentos para tratar da questão. Em um dos relatórios mais recentes,
orienta o uso do termo disinformation ao invés de fake news. O autor também não
se aprofunda no fact-checking, um movimento reformista ligado à ideologia do jor-
nalismo profissional, segundo Lucas Graves (Deciding what’s true: The rise of fact-
-checking in American journalism. Nova Iorque, Columbia University Press, 2016),
uma estratégia clara de jornalistas para o resgate da autoridade que tinha.
Criada em 2015, a Rede Internacional de Checadores (IFCN, na sigla em inglês)
vem atuando como um evangelizador de práticas de fact-checking e ator essencial
na estratégia dos media tradicionais de manter o accountability do jornalismo ao
construir um discurso unitário sobre fake news. Não à toa, a revista norte-americana
Time escolheu como Pessoa do Ano de 2018 Os guardiões e a guerra pela verdade
(no original em inglês, The guardians and the war on truth), em dezembro de 2018.
A dificuldade em se chegar a um consenso sobre factos básicos e a dedicação dos
jornalistas em buscar a verdade foram apresentados como justificativa para a ho-

334 | MEDIA&JORNALISMO
menagem a um grupo de jornalistas de diferentes nacionalidades que foram assas-
sinados ou ameaçados de morte.
É verdade que muitas das ideias apresentadas no texto foram profundamente
trabalhadas por outros autores, muitos deles citados no livro. No entanto, ao reunir
em um único estudo esses trabalhos, cria as conexões necessárias que permitem
o entendimento das raízes que envolvem a pós-verdade e possíveis caminhos para
se enfrentar o problema. Post-truth é um livro que certamente deveria ser lido por
todos que se importam com a verdade; e também por aqueles que sequer reconhe-
cem a pós-verdade.

Nota biográfica

Patrícia de Matos Sá Rêgo é Mestre em Comunicação pela Universidade Federal Flumi-


nense e graduada em Comunicação Social, Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Tem experiência na área de comunicação, com ênfase em jornalismo digital e tele-
jornalismo, atuando principalmente nos seguintes temas: jornalismo, jornalismo digital, auto-
ridade e telejornalismo.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/1573882835217000
Email:
Morada: Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

* Submetido: 2018.07.16
* Aceite: 2018.09.29

RECENSÕES | 335
(Página deixada propositadamente em branco)
REVISTA MEDIA & JORNALISMO

Media & Jornalismo, publicação do Centro de Investigação Media e Jornalismo,


integrado no Pólo FCSH/NOVA do CIC.Digital, é uma revista científica que tem como
objetivo constituir um espaço de debate e divulgação da pesquisa realizada sobre os
media e o jornalismo. Afirma-se como um fórum promotor de discussão qualificada
não só na comunidade académica mas também entre todos os que se interessam
pelos media e pelo jornalismo na sociedade contemporânea. Pretende, assim, con-
tribuir para a compreensão destes complexos fenómenos sociais, investigando de
forma crítica tanto o seu presente como o seu passado.
A revista Media & Jornalismo abre-se a um leque de abordagens diversificadas,
num diálogo que respeita a pluralidade de pontos de vista. As metodologias de análise
são diversas, sempre pautadas pela exigência de rigor científico. Pretende-se que a
reflexão produzida contribua para um conhecimento aprofundado e crítico dos temas
centrais na área, como, por exemplo: jornalismo e democracia; media e identidades
sociais; história dos meios de comunicação social; ética da comunicação e deontolo-
gia do jornalismo; economia e política dos meios de comunicação social; estratégias
da comunicação; televisão e sociedade; tecnologias de informação e jornalismo; no-
vas formas mediáticas e jornalísticas; jornalistas como comunidade interpretativa.

APRESENTAÇÃO | 337
DIREÇÃO | EXECUTIVE EDITORS | DIRECCIÓN
Carla Baptista (Universidade Nova de Lisboa/ Instituto de Comunicação da NOVA, Portugal)
[email protected]
Francisco Rui Cádima (Universidade Nova de Lisboa/ Instituto de Comunicação da NOVA, Portugal)
[email protected]
Marisa Torres da Silva (Universidade Nova de Lisboa/ Instituto de Comunicação da NOVA, Portugal)
[email protected]

CONSELHO EDITORIAL | ASSOCIATED EDITORS | CONSEJO EDITORIAL


Alberto Pena Rodriguez (Universidade de Vigo, Espanha) [email protected]
Barbie Zelizer (Annenberg School of Communication, EUA) [email protected]
Daniel Dayan (Centre National de la Recherche Scientifique, França) [email protected]
Daniel Hallin (University of California, EUA) [email protected]
Eduardo Meditsch (Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil) [email protected]
Elihu Katz (University of Pensylvania, EUA/) [email protected]
Jenny Kitzinger (Brunel University, EUA) [email protected]
Michael Schudson (University of California, EUA) [email protected]
Peter Golding (Loughouborough University, Reino Unido) [email protected]
Serge Tisseron (Université de Paris VII, França) [email protected]
Teun van Dijik (University van Amesterdam, Holanda) [email protected]
Thomas Patterson (University of Harvard, EUA) [email protected]

COMISSÃO DE REDAÇÃO | EDITORIAL COMMISSION | COMITÉ DE REDACCIÓN


Ana Cabrera (IHC/FCSH/NOVA, Portugal) [email protected]
Ana Jorge (Universidade Católica Portuguesa, Portugal) [email protected]
Anabela Sousa Lopes (Escola Superior de Comunicação Social, ICNOVA, Portugal)
[email protected]
António Granado (Universidade Nova de Lisboa. ICNOVA, Portugal) [email protected]
Carla Baptista (Universidade Nova de Lisboa. ICNOVA, Portugal) [email protected]
Carla Martins (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, ICNOVA, Portugal)
[email protected]
Carlos Camponez (Universidade de Coimbra, Portugal) [email protected]
Isabel Ferin (Universidade de Coimbra,ICNOVA, Portugal) [email protected]
Fernando Correia (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Portugal)
[email protected]
João Carlos Correia (Universidade da Beira Interior, Portugal) [email protected]
João Pissarra Esteves (Universidade Nova de Lisboa, ICNOVA, Portugal) [email protected]
Jorge Pedro Sousa (Universidade Fernando Pessoa, ICNOVA, Portugal) [email protected]
Lídia Marôpo (Instituto Politécnico de Setúbal, Portugal) [email protected]
Maria João Silveirinha (Universidade de Coimbra, ICNOVA, Portugal) [email protected]
Hélder Bastos (Universidade do Porto, Portugal) [email protected]
Maria José Brites (Universidade Lusófona do Porto, Portugal) [email protected]
Nelson Traquina (Universidade Nova de Lisboa, Portugal) [email protected]
Rita Figueiras (Universidade Católica Portuguesa, Portugal) [email protected]
Rogério Santos (Universidade Católica Portuguesa, Portugal) [email protected]

COORDENAÇÃO DA EDIÇÃO ONLINE | COORDINATION OF THE ONLINE EDITION |


COORDINACIÓN Y EDICIÓN ONLINE
Patrícia Contreiras (BGCT Instituto de Comunicação da Nova, Portugal)
[email protected]
ARBITRAGEM CIENTÍFICA DESTE NÚMERO | SCIENTIFIC REVIEW OF THIS NUMBER
| ARBITRAJE CIENTÍFICO DE ESTE NÚMERO
Ana Margarida Barreto (Universidade Nova de Lisboa, ICNOVA, Portugal) [email protected]
Anabela Sousa Lopes (Escola Superior de Comunicação Social | ICNOVA, Portugal) [email protected]
Annamaria Palácios (Universidade Federal da Bahia, Brasil) [email protected]
Beatriz Graça Luz Casais (Universidade do Minho, Portugal) [email protected]
Carla Cerqueira (Universidade do Minho, Portugal) [email protected]
Catarina Rodrigues (Universidade da Beira Interior, Portugal) [email protected]
Eduardo Camilo (Universidade da Beira Interior, Portugal) [email protected]
Elena Fernández Blanco (Universidad Pontifícia de Salamanca, Espanha) [email protected]
Fernando Cascais (Universidade Nova de Lisboa, Portugal) [email protected]
Gil Baptista (Escola Superior de Educação de Coimbra, Portugal) [email protected]
Giovanni Damele (Universidade Nova de Lisboa, Portugal) [email protected]
Helena Pires (Universidade do Minho, Portugal) [email protected]
Hermenegildo Ferreira Borges (Universidade Nova de Lisboa| ICNOVA, Portugal) [email protected]
Inês Amaral (Universidade de Coimbra, Portugal) [email protected]
Ivone Ferreira (Universidade Nova de Lisboa, ICNOVA, Portugal) [email protected]
Javier Herrero (Universidad de Salamanca, Espanha) [email protected]
José Gabriel Andrade (Universidade do Minho, Portugal) [email protected]
Luísa Agante (Universidade do Porto, Portugal) [email protected]
Luísa Magalhães (Universidade Católica Portuguesa – Braga, Portugal) [email protected]
Marcial Murciano Martínez (Universidade Autónoma de Barcelona, Espanha) [email protected]
Maria Luísa Garcia Guardia (Universidad Compluense de Madrid, Espanha) [email protected]
Maria Teresa Mendes Flores (Universidade Nova de Lisboa, ICNOVA, Portugal) [email protected]
Nelson Zagalo (Universidade de Aveiro, Portugal) [email protected]
Paula Lobo (Escola Superior de Educação de Viseu, Portugal) [email protected]
Paulo Barroso (Escola Superior de Educação de Viseu, Portugal) [email protected]
Paulo Silva (Escola Superior de Educação de Viseu, Portugal) [email protected]
Rosa Cabecinhas (Universidade do Minho, Portugal) [email protected]
Sandra Lopes Miranda (Escola Superior de Comunicação Social, Portugal) [email protected]
Sara Balonas (Universidade do Minho, Portugal) [email protected]
Teresa Ruão Pinto (Universidade do Minho, Portugal) [email protected]
Tito Cardoso e Cunha (Universidade da Beira Interior, Portugal) [email protected]

Instruções Para Autores

A revista Media & Jornalismo aceita artigos inéditos em português, inglês e


espanhol, que se integrem nas áreas cobertas pela revista nas suas áreas espe-
cíficas das ciências da comunicação.
Para além de ensaios com arbitragem científica, com dupla revisão cega por
pares, a Media & Jornalismo publica ainda recensões críticas de livros, estudos
e outros textos críticos, comunicações em congressos, apresentações de teses
de Mestrado ou Doutoramento recém-defendidas e estados de arte sobre os me-
dia e o jornalismo.

Requisitos de Submissão:

• Os trabalhos propostos à Revista Media & Jornalismo devem ser submetidos


online através da plataforma OJS após realização de registo. Ver [https://

APRESENTAÇÃO | 339
• Na plataforma OJS da Revista Media e Jornalismo, o(s) autor(es) deve(m)
colocar a nota biográfica, incluindo o nome da instituição (Ex: Universida-
de, Faculdade e Departamento/Centro); devem ainda ser referidas moradas
completas (incluindo rua, código postal, cidade e país), endereço electrónico
institucional, e ORCID e CIÊNCIA Vitae (se aplicável).
• Inclua o título do manuscrito e um resumo no máximo com 1000 caracteres
(em português, inglês e espanhol).
• Liste 4 a 5 palavras-chave (em português, inglês e espanhol).
• É importante que os nomes dos autores, e-mails e afiliações não constem no
artigo, remetendo-se essa informação exclusivamente para o preenchimen-
to da plataforma de submissão, de modo a não comprometer o processo de
revisão cega por pares.
• Recomenda-se que os originais sejam editados com um espaçamento du-
plo, alinhamento justificado, em páginas normalizadas (tipo A4), letra Times
New Roman, 12 pt.
• As submissões devem ser enviadas em Word (.doc), OpenOffice ou RTF e
não devem ultrapassar 2MB; PDFs não são aceites.
• Os manuscritos não deverão exceder os 35.000 caracteres, e as recensões
de livros os 5.000 caracteres (incluindo espaços e notas finais).
• Os artigos devem seguir o novo Acordo Ortográfico.
• Quaisquer referências ao nome / trabalho do autor / autores devem ser subs-
tituídas por “Autor”. Os agradecimentos e financiamentos não devem ser in-
cluídos no momento da submissão (mas podem ser posteriores à aceitação
do manuscrito).
• Elementos gráficos (Figuras, Tabelas, Gráficos) devem ter obrigatoriamen-
te uma legenda e fonte, sem ponto final no fim. Inserir no corpo do texto, as
menções aos elementos gráficos por extenso (ex. na Figura 1).
• Usar notas de rodapé e não notas de fim de documento (espaçamento sim-
ples, 10pt).
• URL: todos os endereços de URL no texto e bibliografia / referências devem
estar ativos (prontos para clicar e redireccionar para a respectiva página).

Normas de Referenciação Bibliográfica

Os textos submetidos devem seguir os padrões de estilo e requisitos bibliográfi-


cos específicos das normas da Publication manual of the American Psycho-
logical Association APA, (6ª edição). Ver[ https://www.apastyle.org/]

Citações e referências bibliográficas no corpo do texto

- Todas as citações fazem-se dentro de aspas curvas duplas (“ ”), em texto nor-
mal e não em itálico.
- As citações com 40 ou mais palavras figuram destacadas do corpo do texto, em
tabulação recuada, letra um ponto inferior, sem aspas e em itálico.

340 | MEDIA&JORNALISMO
- As referências bibliográficas relativas às citações incorporadas seguem o se-
guinte formato: (Cádima, 2019 p. 37). Em citações no corpo do texto, a pon-
tuação (ponto final ou vírgula) é colocada a seguir à referência.
- Citações em segunda referência: (citado em Cádima, 2014, p. 34) (quoted in
Cádima, 2015, p. 34).
- Evitar expressões como idem, ibidem, apud, op. Cit…

Lista de referências bibliográficas do final do texto

- Artigo numa revista científica


Author, A. A. (Ano). Título do artigo. Título da revista, Vol(Nº), x–x.
https://doi.org/XXXXXXXXXXXXX

- Capítulo de livro
Author, A. A., & Author, B. B. (Ano). Título do capítulo. In C. C. Editor & D. D. Editor
(Eds.), Título do livro (xx ed., Vol. Xx, pp. Xxx–xxx). Localização: Editora.

- Livro
Author, A. A. (Ano). Título do livro (xx ed., Vol. Xx). Localização: Editora.

- Livro (Editor)
Editor, E. E. (Ed.). (Ano). Título do livro (xx ed., Vol. Xx). Localização: Editora.

Condições para Submissão

Como parte do processo de submissão, os autores são obrigados a verificar a


conformidade da submissão em relação a todos os itens listados a seguir.
As submissões que não estiverem de acordo com as normas serão devol-
vidas aos autores.
• Os artigos devem ser submetidos online através da plataforma Open Jour-
nal Sistem (OJS).
• Os autores dos artigos devem assegurar o seu anonimato garantindo que o
ficheiro submetido não permita a sua identificação nas informações ou pro-
priedades de documento.
• A submissão deve observar os padrões de estilo e requisitos bibliográficos
descritos em “Instruções para Autores”, na secção “Sobre a Revista”.
• Os ficheiros para submissão encontram-se em formato Microsoft Word,
OpenOffice ou RTF e não devem ultrapassar 2MB.
• No caso de serem sugeridas modificações ao manuscrito, o autor tem um
mês para proceder às alterações pedidas pelos revisores e entregar a nova
versão do artigo através do sistema online da revista.
• O registo no sistema e posterior acesso ou autenticação são obrigatórios
para a submissão de trabalhos, bem como para acompanhar o processo
editorial.

APRESENTAÇÃO | 341
Material previamente protegido por direitos autorais
• Compete aos autores a responsabilidade de obtenção da permissão para
reproduzir materiais protegidos por copyright, tanto em formato impresso
como eletrónico.

Compromisso do(s) autor(es) em publicar(em) na Revista Media e Jornalismo

• Os autores que enviarem manuscritos para a Revista Media & Jornalismo


não devem ubmete-los simultaneamente a outra revista.
• Os autores não devem submeter manuscritos que tenham sido publicados
em outro lugar de forma substancialmente similar ou com conteúdo subs-
tancialmente similar.
• Os autores aceitam ainda ceder à Media & Jornalismo os direitos de publi-
cação, reprodução e difusão do texto submetido.

Conduta Ética

Os autores devem assegurar que a referenciação das fontes usadas na produção


do trabalho científico é rigorosa.
Os autores devem identificar, as entidades financiadoras do seu trabalho.
Autores têm permissão a publicar e distribuir o seu trabalho online (ex.: em repo-
sitórios institucionais ou na sua página pessoal).

Declaração de Direito Autoral

Os autores conservam os direitos de autor e concedem à revista o direito de pri-


meira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença
Creative Commons Attribution que permite a partilha do trabalho com reco-
nhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.

342 | MEDIA&JORNALISMO
JOURNAL MEDIA & JORNALISMO

Media & Journalism is the scientific journal of Media & Journalism Research Cen-
tre (CIMJ), integrated in the polo FCSH /NOVA of CIC.Digital, aiming to constitute itself
as a space of debate and dissemination of the scientific research and activities around
media and journalism in Portugal and other countries. With the purpose of being a dis-
cussion forum either for the academic community either for lay publics interested in the
role of media and journalism in modern societies, the journal intends to contribute to the
understanding of complex social phenomena, critically assessing its present and past. 
Media & Journalism is thus open to a wide and plural range of approaches and pers-
pectives. The methodologies used can be very diverse but in all cases scientific accuracy
and rigor is required. The articles shall contribute to a profound and critical knowledge of
issues related to media, journalism and democracy; media and social identities; media his-
tory; journalism and ethics; political economy of media; media strategies; television and so-
ciety; new media and new forms of journalism; journalism as an interpretative community.

Author Guidelines

Media & Journalism accepts previously unpublished papers in Portuguese, En-


glish and Spanish, provided they fit the scientific areas covered by the journal, within
the field of Communication Sciences.
Besides publishing papers that undergo the usual process of double-blind peer re-
view, Media & Journalism also publishes critical reviews of books, studies and other
scholarly texts, as well as conference presentations, presentations of recently con-
cluded Master’s and PhD thesis, and State of the Art essays on media and journalism.

Submission Requirements:

• Manuscripts should be submitted via Open Journal System (OJS) platform, af-
ter registration in the system [https://impactum-journals.uc.pt/mj/user/register]
• Authors should include in OJS plataform, a biographical note with some curricu-
lar data and with complete information on the affiliation of all authors, including
the name of the institution (ex: University, Faculty and Department / Center). The
complete addresses (including street, postal code, city and country), electronic
address and ORCID or CIÊNCIA Vitae (must also be mentioned if applicable).
• Include the manuscript title and an abstract of no more than 1.000 charac-
ters (in portuguese and english).
• List 4 to 5 keywords (in portuguese and english).
• It is important that authors’ names, emails, and affiliations do not appear
anywhere in the manuscript. This information being exclusively inserted
when filling the submission platform, in order to assure the purposes of the
double-blind review process.
• Manuscripts should be typed with double-space on standard pages (A4),
using font Times New Roman 12 pt.
• Submissions must be sent as an electronic Word (.doc), OpenOffice or RTF
and must not overcome 2MB; PDFs are not accepted.

APRESENTAÇÃO | 343
• Manuscripts should not exceed 35.000 characters (including spaces and endnotes).
Book reviews should not exceed 5.000 characters (including spaces and endnotes).
• Papers submitted in Portuguese should follow the 1990 Orthographic
Agreement.
• Any references to the author’s/authors’ name/work must be replaced with
“Author.” Acknowledgements should not be included at the time of submis-
sion (but can be after manuscript acceptance).
• Graphic elements (figures, tables, graphs) must have a legend and source,
without endpoint. In the text, graphic elements are mentioned extensively
(ex. in Figure 1).
• Footnotes: use footnotes, not endnotes (simple space, 10pt).
• URL: all URL addresses in the text and bibliography / references must be ac-
tive and ready to click, redirecting to the referenced website.

Citing References

Submitted manuscripts should follow the APA styleguide for bibliographic refe-
rencing [ https://www.apastyle.org]

Citing and references in the text

- Quotations of less than 40 words should be incorporated in the text and enclo-
sed with double quotation marks (“ ”), in normal text, not italic.
- Quotations of 40 or more words should be highlighted in a free-standing block
quotation on a new line, indented, smaller font and without quotation marks.
- For indirect quotations: (quoted in Cádima, 2014, p. 34).
- Avoid using expressions such as idem, ibidem, apud, op. cit…

References (examples)

- Article in Journal
Author, A. A. (Year). Title of article. Title of Journal, Vol(Number), x–x.
https://doi.org/XXXXXXXXXXXXX

- Chapter in an Edited Book


Author, A. A., & Author, B. B. (Year). Title of chapter. In C. C. Editor & D. D. Editor
(Eds.), Title of book (xx ed., Vol. xx, pp. xxx–xxx). Location: Publisher.

- Authored Book
Author, A. A. (Year). Title of book (xx ed., Vol. xx). Location: Publisher.

- Edited Book
Editor, E. E. (Ed.). (Year). Title of book (xx ed., Vol. xx). Location: Publisher.

344 | MEDIA&JORNALISMO
Submission Preparation Checklist

As part of the submission process, authors are required to check off their
submission's compliance with all of the following items, and submissions may be
returned to authors that do not adhere to these guidelines.
• As part of the submission process, authors must check if their files respect
all the condition stated below. Submissions who fail to meet these conditions
will be returned to the authors.
• Papers should be submitted via the Open Journal System (OJS) platform.
• Submitted files should be in Word format (.doc, .docx), OpenOffice/LibreO-
ffice (.odf) or RichText Format (.rtf), and cannot be over 2 MB.
• Registering on the platform, as well as logging in to submit the paper and to
follow up with the review process, is mandatory.
• Submitters should ensure that there is no identifiable information on the file
or on its metadata (the file properties).
• The submission must follow the style standards and bibliographic requirements
described in "Instructions for Authors", found in the section "About the Journal".

Previously copyrighted material

• Authors are responsible for gaining permission to reproduce any copyrighted


material in their submissions, from other sources in both print and electronic
form.
Submission of a manuscript implies commitment to publish in the journal
• Authors submitting manuscripts to the journal should not simultaneously
submit them to another journal.
• Authors should not submit manuscripts that have been published elsewhere
in substantially similar form or with substantially similar content.
• The authors will also accept to cede the publishing, reproduction and diffu-
sion rights to Media & Journalism.

Ethical Conduct

Authors should ensure that the sources of referencing used in the production of
scientific work are accurate.
Authors should identify the funding organisations of their work.

Copyright Notice

Authors retain copyright and grant the journal right of first publication with the
work simultaneously licensed under a Creative Commons Attribution License that
allows sharing the work with recognition of authorship and initial publication in An-
tropologia Portuguesa journal.

APRESENTAÇÃO | 345
(Página deixada propositadamente em branco)
Números de Revistas Media & Jornalismo publicadas

Revista Media & Jornalismo


V. 1, N. 1 – Outono 2002

Revista Media & Jornalismo


N.2, Ano 2 – Primavera/Verão 2003

Jornalismo em tempo de Guerra


N.3, Ano 2 – Outono/Inverno 2003

Media e Desporto
N.4, Ano 3 – Primavera/Verão 2004

As mulheres e os media
N.5, Ano 3 – Outono/Inverno 2004

Investigação e Globalização
N.6, Ano 4 – Primavera/Verão 2005

Comunicação e Política
N.7, Ano 4 –Outono/Inverno 2005

Imagens da Diferença
N.8, Ano 5 – Primavera/Verão 2006

O jornalismo e a História
N.9, Ano 5 – Outono/Inverno 2006

Jornalismo e Actos da Democracia


N.10, Ano 6 – Primavera/Verão 2007

Crianças e Media: Pesquisas e Práticas


N.11, Ano 6 – Outono/Inverno 2007

Estudos de Teatro e Censura - Portugal-Brasil


N.12, Ano 7 – Primavera/Verão 2008

Um Século de Ensino do Jornalismo


N.13, Ano 8 – Outono/Inverno 2008

A Europa e os Media
N.14, Vol.8 N.1 – Primavera/Verão 2009

Género, Media, Espaço Público


N.15, Vol.8, N.2 – Outono/Inverno 2009
Organização: Maria João Silveirinha / Colaboração editorial: Marisa Torres da Silva

Domesticações na Era dos Self Media


N.16, Vol.9, N.1 – Primavera/Verão 2010
Organização: Anabela Sousa Lopes / Colaboração editorial: Maria José Mata

Media, Jornalismo e Democracia


N.17, Vol.9, N.2 – Outono/Inverno 2010
Organização editorial: Nelson Traquina
Digital divides / Fracturas digitais
N.18, Vol.10, N.1– Primavera/Verão 2011
Organização editorial: João Pissarra Esteves

Inclusão e Participação Digital. Olhares sobre a sociedade portuguesa


N.19, Vol.10, N.2 – Outono/Inverno 2011
Organização editorial: Cristina Ponte e José Azevedo

Imagens e Jornalismo
N.20, Vol.11, N.1 – Primavera/Verão 2012
Organização editorial: Maria José Mata / Colaboração editorial: Anabela Sousa Lopes

Política no Feminino
N.21, Vol.11, N.2 – Junho 2012
Organização editorial: Ana Cabrera / Colaboração editorial: Carla Baptista

Crise, memória e esquecimento


N.22, Vol.12, N.1 – Primavera/Verão 2013
Organização editorial: Francisco Rui Cádima, Nelson Traquina e Marisa Torres da Silva

Repressão vs Expressão: Censura às artes e aos periódicos


N.23, Vol.12, N.1 – 0utono/Inverno 2013
Organização: Ana Cabrera / Apoio editorial: Patrícia Contreiras e Cláudia Henriques

Rádio: Contextos e linguagens


N.24, Vol.13, N.1– Primavera /Verão 2014
Organização editorial: Luís Bonixe

Da Cidade do México à Aldeia Transnacional -


Novas e velhas desigualdades comunicacionais de género
N.25, Vol.14, N.2 – Outono/Inverno 2014
Organização editorial: Maria João Silveirinha

Corrupção Política, Media e Democracia


N.26, Vol.14, N.1 – 2015
Organização editorial: Isabel Ferin Cunha e Estrela Serrano

Educação para os Media na Era Digital


N.27, Vol.15, N.2 –2015
Organização editorial: Ana Jorge, Maria José Brites e Sílvio Correia Santos

Cidadania e Democracia na Era Digital


Número Especial Dezembro 2015
Organização editorial: Teresa Mendes Flores e Marisa Torres da Silva

A dimensão laboratorial do ensino do jornalismo


N.28, Vol.16, N.1 – 2016
Organização editorial: Pedro Coelho e António Granado

Média e Colonialismo(s)
N.29, Vol.16, N.2 –2016
Organização editorial: Teresa Mendes Flores e Ana Cabrera

Mulheres e Media: Implicações Multidimensionais


N.30, Vol.17, N.1 – 2017
Organização editorial: Maria João Silveirinha
Media e Diversidade
N.31, Vol.17, N.2 – 2017
Organização editorial: Francisco Rui Cádima e Marisa Torres da Silva

Ética Jornalística para o Século XXI: Novos Desafios, Velhos Problemas


N.º 32 Vol. 18, N.º 1 – 2018
Organização editorial: Carla Baptista e Alberto Arons de Carvalho

Comunicação Estratégica Institucional e Organizacional


N.º 33 Vol. 18, N.º 2 – 2018
Organização editorial: Estrela Serrano e Ana Margarida Barreto

Publicidade: teorias, métodos e práticas


N.º 34 Vol. 19, N.º 1 – 2019
Organização editorial: Ivone Ferreira

Edição online em:


http://cicdigitalpolo.fcsh.unl.pt/pt/rmj_arquivo/ e http://impactum-journals.uc.pt/index.php/
mj/index
Publicidade: teorias, métodos e Práticas - Nota iNtrodutória | Ivone FerreIra

Que a Força esteja contigo – os desafios da publicidade na nova galáxia comunicacional | Sara Balonas

A publicidade face aos novos contextos do digital:


privacidade, transparência e disrupção | Francisco Rui Cádima

Posicionamento de rádios jovens brasileiras em redes sociais: compreendendo estratégias e ações de


interatividade | Nair Prata, Débora Cristina Lopez, Marcelo Freire, Kamilla Avelar, Danielle Diehl

Smartphones: o sistema nervoso da comunicação líquida | Paulo Silva, Cláudia Seabra, Isabel Ferin Cunha

Marcas, produtos e temáticas na ficção televisiva: um ensaio


sobre o placement como estratégia de produção | Nuno Goulart Brandão, Catarina Duff Burnay

A publicidade: um campo em transformação | Lucas Alves Schuch, Juliana Petermann

Incursão pelos modelos de análise da imagem publicitária | Ivone Ferreira

Formas emotivas do discurso persuasivo | Samuel Mateus

Rhetoric of affections, seduction and truth | Paulo Barroso

O discurso publicitário que incita o medo e a superstição | Danielle Cândido Nascimento

Narrativa publicitária e identidades culturais | Everardo Rocha, Bruna Aucar

Estratégias identitárias na comunicação das marcas


cidade do Porto e o vinho do Porto: encontros e desencontros | Paula Lobo, Ivone Ferreira

Personal traits Behind Blood Donation | Ana Margarida Barreto

A crise humanitária como tema publicitário | Ana Amorim

A influência publicitária no consumo de marcas de vestuário


e de calçado em contexto juvenil | Cristina Santos

A natureza do fenómeno da reputação científica:


o caso dos consórcios universidade-indústria | Teresa Ruão, Clarisse Pessôa

The Impact of the purchase channel on unplanned purchases | Inês Henriques, Ana Margarida Barreto

Garantias processuais e o caso escola base (brasil-sp)/ 1994: estudo de caso | Thaís dos Santos Souza

reflexões sobre o discurso das Publicidades de orgaNizações Privadas


diaNte do ceNário Político brasileiro | Mariana Carareto, Renata Calonego, Roseane Andrelo

Embalagem: o elemento imagem do produto | Madalena Sena

Revista do Centro de Investigação


Media e Jornalismo

Você também pode gostar