O Uso Da Fonte Literária No Ensino de História

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DOI: 10.5433/2238-3018.

2012v18n2p179
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O USO DA FONTE LITERÁRIA NO ENSINO DE HISTÓRIA:


DIÁLOGO COM O ROMANCE “ÚRSULA” (FINAL DO SÉCULO
XIX)

THE USE OF LITERARY SOURCE IN HISTORY TEACHING:


DIALOGUE WITH THE NOVEL "ÚRSULA" (LATE NINETEENTH CENTURY)

Janaína dos Santos Correia1

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RESUMO: Discute-se a importância do uso de fontes históricas em sala de
aula, uma das premissas para a construção da literacia histórica ,
apresentando como proposta de trabalho o uso do romance “Úrsula” de Maria
Firmina dos Reis (1859), como uma rica fonte histórica ao apresentar uma
visão de escravo como agente histórico, para se conhecer a dinâmica da
escravidão no Brasil não considerando apenas suas implicações econômicas,
desta forma introduzindo os alunos no fazer historiográfico e/ou na
construção do conhecimento histórico. Apresenta de forma sucinta o debate
ocorrido em torno do tema escravidão negra no Brasil a partir dos anos 60 do
século passado, que resultou em uma gradual mudança nos paradigmas que
até então norteavam seu estudo onde o cativo deixou de ser enfocado apenas
como um objeto da história, um ser submetido às forças econômicas, sociais
e culturais contra as quais quase nada poderia fazer, passando a ser encarado
como um sujeito histórico que atuava sobre a realidade.

Palavras-chave: Ensino de história. Escravidão. Fonte literária. Literacia


histórica.

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ABSTRACT: It discusses the importance of using historical sources in the
classroom, one of the premises for the construction of historical literacy,
presenting work proposal as the use of the novel “Úrsula” - Maria Firmina dos
Reis (1859), as a rich source to present a historical view of slavery as
historical agent, to understand the dynamics of slavery in Brazil considering
not only its economic implications, thereby introducing students to the
historiographical and / or construction of historical knowledge. Briefly
presents the debate occurred around the theme of black slavery in Brazil since
the 60s of last century, which resulted in a gradual shift in paradigms that
hitherto guided his study where the captive is no longer focused just as an
object of history, a being subject to economic forces, social and cultural rights
against which almost anything could make, starting to be seen as a historical
subject who acted on reality.

Keywords: Teaching of history. Slavery. Literary source. Historical literacy.

1
Mestranda em História Social (UEL) e professora de história da rede pública de
ensino (Paraná).
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“Oh! a mente! Isso sim ninguém pode


escravizar! Nas asas do pensamento o
homem remonta-se aos ardentes sertões
da África (...) vê a cabana onde nascera e
onde livre vivera! Desperta porém em
breve dessa doce ilusão, ou antes sonho
em que se engolfara, e a realidade
opressora lhe aparece- é escravo e escravo
em terra estranha!” (REIS, 2009.p. 38)

Introdução

A produção de conhecimento na escola é um tema que se encontra


em debate desde a década de 70, quando se pretendia garantir à escola de
primeiro e segundo graus (hoje ensino fundamental e médio) a qualificação
de locais produtores de conhecimento. Porém podemos dizer que os
questionamentos sobre o ensino de História no Brasil teve seu auge após o
Regime Militar, em meados da década de 80 do século passado buscando a
revalorização da história, como área específica do conhecimento.
Neste contexto, a década de oitenta trouxe a importante
contribuição de André Chervel (1990) para o debate: a configuração de um
saber próprio da escola. Ao criticar a concepção de escola como “puro e
simples agente de transmissão”, Chervel nos lembra do “caráter
eminentemente criativo do sistema escolar” e que, “de fato, ele não forma
somente indivíduos, mas também uma cultura que vem por sua vez
penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global”. Assim o sistema
educativo não vulgariza, simplesmente, as ciências de referência das
disciplinas, mas produz ele mesmo, um saber próprio escolar (ABUD, 1995
p. 149), que por sua vez segundo Chervel não é de fato nem superior nem
inferior ao acadêmico, apenas diferente.
Assim nestes primeiros anos do século XXI, seguimos vivenciando
no Brasil um intenso debate sobre metodologias de ensino de história.
Muitas propostas de renovação das metodologias, de temas e problemas de
ensino têm sido produzidas e incorporadas em salas de aula, tendo como
referencia o processo de discussão e renovação curricular desencadeado
como vimos a partir dos anos 80 do século passado. Pode-se dizer que
entre os temas centrais do debate estão a prática de ensino da disciplina e
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as concepções historiográficas pressupostas na ação de professores e


materiais didáticos em diferentes períodos, bem como a identificação do
conhecimento histórico escolar e, particularmente das construções dos
alunos (BITTENCOURT, 2004; FONSECA, 2003).
Do movimento historiográfico e educacional é possível apreender
uma nova configuração do ensino de história. Houve uma ampliação dos
objetos de estudo, dos temas, dos problemas, das fontes históricas
utilizadas em salas de aula. Os referencias teórico-metodológicos são
diversificados. Questões até então debatidas apenas no ensino de
graduação chegam ao ensino médio e fundamental, mediadas pela ação
pedagógica de professores que não se contentam com a reprodução dos
velhos manuais (FONSECA, 2003 p. 243).
A partir de 2004, no Brasil, vem se destacando a Educação Histórica
em algumas regiões, em especial, no Sul e no Sudeste. A Educação
Histórica, ao preocupar-se em fundamentar propostas através da
“observância sistemática do real e centrar-se não nos formalismos e
recursos da aula (embora eles sejam factores contributivos da
aprendizagem), mas nas ideias históricas de quem aprende e ensina: os
alunos e professores” (BARCA, 2008, p.24), e ao procurar analisar os
resultados obtidos conforme a teoria específica da História vem superando a
dicotomia “empiricismo” e “sociologismo”, que ora extremam a dimensão
prática, ora a dimensão teórica, ou seja, busca superar abordagens como
aquelas baseadas em: “relatos de experiências” restritos à prática; empiria
restrita ao aspecto quantitativo distanciado de uma análise teórica /
qualitativa e discussões teóricas sem vínculo com a prática já chamada por
Tardif de “sociologismo” (TARDIF, 2002).
Resumidamente:

A Educação Histórica se preocupa com a busca de respostas


referentes ao desenvolvimento do pensamento histórico e a
formação da consciência histórica de crianças e jovens. Essa
perspectiva parte do entendimento de que a História é uma
ciência particular, que não se limita a compreender a
explicação e a narrativa sobre o passado, mas possui uma
natureza multiperspectivada, ou seja, contempla as múltiplas
temporalidades pautadas nas experiências históricas desses
sujeitos. Parte, também dos referenciais epistemológicos da
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ciência da História como orientadores e organizadores teórico-


metodológicos da investigação histórica (SOBANSKI et al,
2010, p. 10-11).

Neste contexto ensinar História é desenvolver a literacia histórica,


que pode ser compreendida resumidamente como uma forma histórica de
“ler” o mundo, um raciocínio potencialmente histórico. Destaca-se nesta
forma, a orientação temporal, que “exige identificações múltiplas, a várias
escalas (do local ao global)”, uma habilidade de “perspectivar de alguma
forma o futuro, à luz de experiências humanas do passado” (BARCA, 2006,
p. 95). Para Peter Lee, literacia histórica é o processo de cognição, ou
alfabetização histórica que propicia aos alunos não apenas a “aquisição de
fatos ‘objetivos’, ele envolve também o conhecimento histórico”. A literacia
histórica considera as experiências cotidianas do aluno, porém, supera o
senso comum, contribuindo no desenvolvimento de uma consciência
histórica, de uma postura crítica que o faça intervir na realidade (LEE, 2006,
p.135).
A Educação Histórica, que se baseia na literacia histórica como
possibilidade de ler o mundo historicamente, compreende como
fundamental o uso escolar da fonte documental, bem como: partir do
conhecimento prévio do aluno; desenvolver o que se convencionou chamar
a partir de Peter Lee de “empatia”, e, construir determinadas habilidades ou
sub-literacias históricas, que se referem às habilidades perceptivas,
interpretativas e orientativas, que constituem a percepção do passado,
presente e futuro em seu delineamento próprio e distinto, a conexão de
significados e sentidos com a realidade presente e a tomada de posição que
sempre implica em construção de valores e ao mesmo tempo de práticas
(RÜSEN, 2007, p. 111-117).
Rüsen chama a atenção para três dimensões que o raciocínio
histórico requer: a competência interpretativa, que significa conectar
significados e sentidos com a realidade presente (RÜSEN, 2007, p. 111-
117), de ver “o passado no presente”. Esta “competência” reporta à
vinculação do entendimento do passado com “acertar no futuro”
demonstrando uma competência orientativa, em que situar-se no tempo

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entendendo o fluxo da experiência capacita a tomada de posição o que


sempre implica em construção de valores e ao mesmo tempo, de práticas
(RÜSEN, 2007, p. 111-117 ). Entender o processo histórico, no curso do
tempo, seria construir e reconstruir identidade(s) – a consciência de si –, na
relação com o “Outro” – a alteridade –, estabelecendo “um quadro
interpretativo do que experimenta como mudança de si mesmo e de seu
mundo...” (RÜSEN, 2001, p. 58). Aqui, construção de identidade implica na
construção da alteridade, e mais do que isto, uma forma de “se colocar no
lugar do Outro” para entender e respeitar o que este Outro pensa, objetiva,
necessita, vivencia, rejeita, admira, questiona, etc.: “a nossa compreensão
histórica vem da forma como sabemos como é que as pessoas viram as
coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo que sentiram os
sentimentos apropriados aquela situação, sem nós próprios as sentirmos.
(LEE, 2002, p.21). Desta forma, quanto à “empatia”, em um primeiro
momento podemos pensá-la – de forma inadequada – como categoria
ligada ao psicológico e/ou emocional, porém para Peter Lee, pensando pela
epistemologia da História, seria se “colocar no lugar do Outro” tanto do
passado como do presente, de duas formas: empatia pela “disposição”
(reconhecimento de que ações e pensamentos são próprios de um contexto
histórico) e como “realização” (compreensão da intenção dos sujeitos nas
ações humanas em outro contexto temporal).
Para Rüsen, a aprendizagem histórica está relacionada com a vida
humana prática considerando em especial a temporalidade. Para este
historiador “... o homem necessita estabelecer um quadro interpretativo do
que experimenta como mudança de si mesmo e de seu mundo...” (RÜSEN,
2001, p. 58). Consciência histórica é o assenhorear-se do tempo para que
se possa realiza intencionalmente o agir. E assim, podemos entender que
quando o objetivo de desenvolvimento do raciocínio histórico que
subentende a temporalidade e a intencionalidade do agir (literacia histórica)
não acontece, não há articulação com a vida humana prática, e, se não há
esta articulação, o ensino de História é anódino.
São essas premissas que sustentam o trabalho com a Educação
Histórica, o que para nós significa o referencial tanto para reflexão quanto

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para a prática no que diz respeito ao uso da literatura como fonte histórica
em sala de aula.

Escravidão Negra no Brasil: Historiografia e Ensino Frente à Lei


10.639-03

O século XX foi palco de um intenso processo de renovação no


campo da História, o que resultou na multiplicação de seu universo temático
e de seus objetos, bem como das fontes históricas utilizadas na sua
construção. Dentre as inúmeras e profundas transformações ocorridas no
âmbito da História, a redefinição do conceito de fonte e de sua metodologia
de análise ampliou as fronteiras da pesquisa histórica. Dentro da
perspectiva positivista, o historiador podia contar apenas com os
documentos escritos e oficiais, que eram vistos como portadores da verdade
que deveria ser revelada. O movimento dos Annales contribuiu
significativamente para alterar essa concepção e, atualmente, entendemos
que qualquer vestígio de determinado tempo pode ser considerado fonte
histórica (CAMPOS, 2009, p. 44).
A nova concepção de fonte histórica permitiu que os arquivos
brasileiros começassem a ser revirados por pesquisadores em busca de
novas evidências sobre os mais variados temas tornando os estudos sobre a
escravidão, segundo Maria Carvalho (2008), praticamente um campo
específico da História do Brasil. Sem o objetivo de traçar a trajetória
histórica da pesquisa sobre escravidão no Brasil, apenas com o propósito de
tecer algumas considerações podemos dizer que a importância da cultura,
e, em especial, do trabalho afro-brasileiro na formação da sociedade
brasileira passou a ser considerada a partir do trabalho de Gilberto Freyre
com Casa Grande e Senzala, de 1933.
Gilberto Freyre usou fontes e técnicas inusitadas para a época, no
Brasil, como aquelas características da história do cotidiano e das
mentalidades. Procurou repensar o processo histórico brasileiro, imprimindo
uma visão antropológica interessada em inserir as parcelas sociais
subalternas. Este processo contestava as interpretações históricas político-
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administrativas, factuais e deterministas hegemônicas desde meados do


século XIX (FONTANELLA, FARINATI, 2008 p. 125), para o qual o escravo é
um ser abstrato que, no máximo, “contribuiu” para a história.
Contudo, é também a partir de seu trabalho que se estruturou o
mito da democracia racial, uma ideologia que prega o desenvolvimento de
relações étnicas sem conflitos onde a miscigenação inibiu conflitos raciais.
Para Freyre, a miscigenação proporcionou um encontro solidário, generoso,
fraterno e democrático entre os portugueses conquistadores e os indígenas
e negros conquistados e, portanto, diminuiu a distância social que separava
a casa grande da senzala (REIS, 1999).
Para Duarte e Santos:

Freyre, dá atenção central à uma escravidão amena, suave e


adocicada. Ele não nega que houve conflito, mas este não é
seu foco. A análise é feita sob uma perspectiva onde o cativo
tem direitos assegurados gentilmente pelos senhores que,
graças à miscigenação, quebrou-se a rigidez social
harmonizando as relações sociais. Neste processo de
moderação dos antagonismos, as raças se misturavam no
interior da casa-grande e alteravam as demais relações sejam
elas sociais ou culturais (DUARTE; SANTOS, 2008.P.03).

Freyre reconheceu e valorizou a influência e importância do negro


cativo, no entanto, terminou por vê-lo como agente histórico passivo,
conformado com sua condição social degradante. Acreditou em uma
escravidão consensual entre senhores e escravos, chegando ao ponto de
alegar que muitos negros desfrutavam-na com alegria. A decorrência desta
forma de pensar não apreende o conflito como central na análise, mas
superestima-se o encurtamento das distancias sociais explanada sob a
forma de conciliação.
Foi, em boa medida, devido à excessiva ênfase na suavidade do
sistema escravista colonial, que o autor veio a ser duramente criticado,
nas décadas de 1960-70 como veremos posteriormente. No entanto,
embora passível de críticas no que diz respeito à construção de uma
imagem idílica da sociedade, é inegável a grandeza da contribuição de
Freyre, que deixou um importante legado sendo, até hoje, referência para

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os estudos e pesquisas sobre o período colonial brasileiro e,


principalmente, sobre escravidão (FONTELLA, FARINATI, 2008. p.130).
A geração de historiadores e cientistas sociais estudiosos das relações
raciais que produziram seus trabalhos nas décadas de 1960 e 1970,
contudo, propõem uma revisão no tema escravidão, combatendo o que
dizem ser o mito da democracia racial, questionando as relações “doces” e
“benevolentes” entre senhores e escravos, denunciando os “horrores” da
escravidão em nosso país.
Tais interpretações destacam o protesto e passam a desmistificar as
ideias de passividade e submissão por parte dos escravizados, focalizando a
denominada rebeldia. Os estudos sobre a escravidão passaram a enfocar a
face cruel dessa instituição que foi entendida dentro da lógica do processo
de acumulação do capital. Dentro desse contexto, as pesquisas deveriam
trazer à tona o que teria sido nesta perspectiva ocultado por Freyre: o
conflito social, a luta de classes que era inerente às relações escravistas
(CAMPOS, 2009. p.83).
Dessa maneira, o escravo é visto como um ser submisso aos
poderes e desejos de seu senhor, incapaz de influenciar nas transformações
sociais e sem lugar para expressar suas convicções e tradições culturais.
Sem muita alternativa, o cativo transforma-se num objeto da relação
escravista e não em agente histórico. Assume, assim, um papel de vítima
em um sistema cruel contra o qual não tinha muita condição de lutar. O
cativo negava sua condição de coisa apenas quando resistia e, nessa
perspectiva, a resistência é entendida apenas como rebeliões, fugas e atos
violentos (CAMPOS, 2009. p. 85).
Se a tônica nas décadas de 1960 e 1970 foi mostrar a luta de
classes e denunciar as formas de opressão e resistência às quais os negros
foram submetidos, nos anos 1980 passaram a ser pesquisadas também
formas cotidianas de resistência e negociação no cativeiro, além da pressão
e medo produzidos pelas revoltas de escravos, as diferenciações entre os
tipos de escravidão entre homens, mulheres, crianças, cidade e campo
(ALEGRO, SILVA, 2010. p.293 ).

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A partir da década de 1980, tais estudos com orientações teóricas e


metodológicas diferentes das décadas anteriores, influenciados
principalmente pela Nova História Cultural e pela História Social Inglesa,
fizeram emergir uma nova imagem da escravidão negra no Brasil. A
segunda metade da década de 1980 foi especialmente fecunda para
historiadores e outros pesquisadores que lançaram seus olhares para o
escravismo, isso porque a comemoração do centenário da abolição criou um
ambiente propício para se repensar e publicar obras a esse respeito. Como
nos aponta Schwartz (2001), esse momento de comemoração levou os
brasileiros a refletirem e a fazerem um balanço do passado nacional, mais
especificamente sobre o período em que vigorou a escravidão e seus
reflexos na sociedade brasileira após a abolição até os dias atuais (CAMPOS,
2009. p.86).
As novas orientações historiográficas, juntamente com o contexto
específico que dirigiu os olhares dos estudiosos de todo o país para a
questão da escravidão, propiciaram a realização de uma série de pesquisas
que renovaram esse campo de estudos. Uma nova visão do escravo surgiu
a partir desses trabalhos. Passou-se a negar a coisificação e a vitimização
dos cativos. Em contrapartida, os escravos que surgiram dos arquivos de
pesquisa eram seres sociais ativos, agentes históricos capazes de agir e
influenciar o mundo ao seu redor, capazes de elaborar inúmeras estratégias
para facilitar suas vidas e diminuir sua dependência com relação aos seus
senhores.
A partir de exaustivo trabalho com diversos tipos de fontes,
descobriu-se que as relações escravistas não eram marcadas o tempo todo
pelo enfrentamento, mas que havia espaços de negociação e de
estabelecimentos de acordos entre senhores e escravos. Como nos lembram
Reis e Silva (1989, p.07-08), “Ao lado da sempre presente violência, havia
um espaço social que se tecia tanto de barganhas quanto de conflitos”.
Além disso, outros tipos de vínculos, muitas vezes de natureza afetiva, se
misturavam ao da dominação. Essa relação era fruto de uma realidade
dinâmica que envolvia cativos e senhores, e não uma construção imposta

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unilateralmente, de cima para baixo, marcada apenas pelos desejos e


vontades senhoriais.
Enfim, afirmar o escravo como sujeito significa dizer que ele
negociava, resistia, estabelecia redes de sociabilidade, conquistava espaços
de autonomia e mobilidade, buscava e conquistava sua liberdade e
elaborava estratégias as mais variadas para transformar a vida em cativeiro
menos árdua. Para além da fragmentação, mas sim recuperando a
diversidade, os novos estudos sobre o Brasil escravista têm recuperado as
experiências dos trabalhadores escravizados, sua agência, arranjos
familiares, cotidiano, mentalidades e reinvenções culturais.
Assim os novos estudos não amenizam nossa visão negativa da
escravidão, nem procuram fazer isso. Apenas devolvem ao escravismo sua
‘historicidade como sistema construído por agentes sociais múltiplos, entre
eles senhores e escravos. O que se infere aqui é a possibilidade de entender
o escravo com um sujeito histórico ativo, com capacidade de desenvolver
uma visão crítica da sociedade, de suas condições, e atuar politicamente ao
seu modo.
No que se refere ao ensino de história, o estudo da história da
escravidão negra no Brasil está hoje inserido em um conjunto mais amplo
de orientações e políticas públicas para o ensino básico e, em especial, para
o ensino de história. Essas orientações, segundo Campos (2009, p. 93) são
influenciadas pelas inovações historiográficas e do campo educacional e
também pelas demandas do tempo presente que se articulam às novas
finalidades para o ensino de história.
No final da década de 1970 o cenário político-administrativo do
Brasil foi alcançado pelo avanço das lutas sociais verificadas no mundo,
novos atores sociais na cena política, protagonizados pelos movimentos
populares, sobretudo os ligados ao gênero e à etnia, passaram a reivindicar
uma maior participação e reconhecimento de seus direitos de cidadania,
cujo efeito promoveu o desencadeamento de fecundas discussões que
levariam ao processo de mudanças que assistimos hoje, sobretudo, no que
diz respeito à legislação educacional envolvendo a questão do negro (SILVA,
et al 2007. p. 139).
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Percebendo a evidente inferiorização do negro, ou seja, a produção


e a reprodução da discriminação racial contra os negros e seus
descendentes no sistema de ensino brasileiro, os movimentos sociais e
intelectuais negros militantes passaram a incluir em suas agendas de
reivindicações junto ao Estado, o estudo da história do continente africano e
dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o
negro na formação da sociedade nacional brasileira (SANTOS, 2005 apud
SILVA, 2011.p. 03).
Em suma a defesa da responsabilidade histórica do Estado no
combate às desigualdades entre brancos e negros está ligada ao passado de
escravidão e à forma como foi conduzida a abolição e a integração do negro
na sociedade brasileira durante a República (CAMPOS, 2009.p. 20). Esta
pressão dos movimentos sociais nas últimas décadas refletiu também no
campo educacional. Desde então o poder público passou a se preocupar
com a normatização relativa à questão das relações étnico-raciais na
educação básica.
No governo de Luís Inácio Lula da Silva, foi regulamentada, em
janeiro de 2003, a Lei nº 10.639, que estabelecia as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira (ABREU, et al, 2010. p. 23). A partir desta
lei, tornou-se obrigatório no currículo escolar da educação básica o “estudo
da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política
pertinentes à História do Brasil” (art. 26-A, § 1º apud FERNANDES, 2005. p.
383).
Segundo Abreu et. al (2010. p.35) a inclusão da história da África e
dos afro-brasileiros nos currículo escolares está ancorada, sem dúvida em
um projeto de afirmação do Brasil como uma sociedade multicultural e de
reconhecimento do importante papel dos negros na formação da sociedade
brasileira, em todos os aspectos, muito além da escravidão ou da
submissão. As vitórias alcançadas não asseguraram uma igualdade de
condições nos campos educacionais e econômicos, tampouco conseguiram

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impedir evidentes expressões do racismo no Brasil. Seria necessário colocá-


las em relevo nos currículos escolares, como as Diretrizes apontam.
Ainda, como aponta Lee (2006, p. 135) se pensamos em formar
uma sociedade democrática, plural e fundada na equidade, então o ensino
de História em sua principal função (formar a consciência histórica) deve
superar a perspectiva etnocêntrica. Segundo Cerri (2011, p. 13) tais
questões, de fundo identitário, estão na base do conceito de consciência
histórica que, em poucas palavras, podemos definir como uma das
estruturas do pensamento humano, o qual coloca em movimento a
definição da identidade coletiva e pessoal, a memória e a imperiosidade de
agir no mundo que está inserido.
Por seu papel em nos orientar no tempo, “a consciência histórica
tem uma função prática” (RÜSEN, 1993, p. 67). A história não pode, de
acordo com o ponto de vista de Rüsen, se contentar com um “pluralismo
lento” proliferando múltiplas perspectivas com “nenhuma possibilidade de
decidir entre perspectivas em um ‘objetivo’, isto é, caminho
intersubjetivamente obrigatório” (RÜSEN, 1993, p. 53). Portanto, a tarefa
da história é nos fornecer “um senso da nossa própria identidade”, mas de
uma forma que estimule e facilite nossa cooperação com outras pessoas,
outras nações e outras culturas. Uma vez que a humanidade, no sentido
amplo da palavra, é o estágio no qual as relações inter-humanas são
ordenadas, a humanidade deve ser a base sobre a qual toda história é
escrita (ANKERSMIT, 1998, p. 88 apud LEE, 2006. p. 135).
Semelhante consciência histórica não produziria uma identidade
baseada na negação do outro, mas sim no princípio da equidade com o
mútuo reconhecimento da diferença. A mutualidade, por sua vez, efetivaria
a igualdade, e este modo de igualdade assumiria a forma de um inter-
relacionamento equilibrado, meta política decisiva em um processo
educacional que mire a formação de cidadãos libertos de ideologias
opressoras (VICTOR, AFONSO, 2011. P.06-07)

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O uso escolar de fontes literárias: O Romance Úrsula de Maria


Firmina dos Reis

O desenvolvimento de uma literacia histórica e/ou a aprendizagem


histórica depende de “uma leitura contextualizada do passado a partir da
evidência fornecida por variadíssimas fontes” (BARCA, 2006, p. 95). Para
Peter Lee, a literacia histórica demanda um “compromisso de indagação”
com as “marcas de identificação” da História, como “passado”,
“acontecimento”, “evento”, “causa”, “mudança”, etc., “o que requer um
conceito de evidência” (LEE, 2006, p. 136). Nesta perspectiva, “os
documentos não serão tratados como fim em si mesmos, mas deverão
responder às indagações e às problematizações de alunos e professores,
com o objetivo de estabelecer um diálogo com o passado e o presente,
tendo como referência o conteúdo histórico a ser ensinado” (SCHMIDT;
CAINELLI, 2009, p. 117).
Segundo Fonseca (2003, p. 217) a utilização de documentos numa
perspectiva metodológica dialógica propicia o desenvolvimento do processo
de ensino e aprendizagem que tem como pressuposto a pesquisa, o debate,
a formação do espírito critico e inventivo.
O que possibilita uma literacia histórica é ler as representações
sobre o passado que circulam na sua sociedade. Utilizar fontes não quer
dizer ensinar a produzir representações através das fontes, mas ensinar
como os historiadores produzem conhecimento sobre o passado a partir das
fontes disponíveis e quais os problemas implicados nessa produção.
(PEREIRA, SEFFNER, 2008. p.126).

Uma nova concepção de documento histórico implica,


necessariamente, repensar seu uso em sala de aula, já que
sua utilização hoje é indispensável como fundamento do
método de ensino, principalmente porque permite o diálogo
do aluno com realidades passadas e desenvolve o sentido da
análise histórica. O contato com as fontes históricas facilita a
familiarização do aluno com formas de representação das
realidades do passado e do presente, habituando-o a
associar o conceito histórico à análise que o origina e
fortalecendo sua capacidade de raciocinar baseado em uma
situação dada (SCHMIDT; CAINELLI, 2009, p. 94)

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Seria próprio do desenvolvimento da literacia histórica o trabalho


com documentos históricos no ensino de História pautado na análise crítica
das fontes, respondendo às questões sobre a produção e circulação desses
documentos, tais como os autores, locais de produção, datas, diferentes
usos a que já foram submetidos, acervos nos quais estão localizadas, entre
outras. A partir de um trabalho sistematizado com as fontes, nas quais os
parâmetros de análise estão bem definidos, os alunos podem compreender
a existência das múltiplas explicações históricas, pois o conhecimento
histórico é fruto de seleções, sem, no entanto, cair em ceticismos ou
relativismos bem como desenvolver nos alunos conceitos como
probabilidade, incerteza, função, causalidade múltipla (ou não causalidade),
relações não-simétricas, graus de diferença e incongruência (ou diferença
simultaneamente apropriada).
Com relação à literatura tipo de fonte escolhida para a proposta, sua
conversão em fonte histórica efetivou-se dentro de uma mudança de
enfoque do historiador, interessado em compreender o universo mental de
homens e mulheres. O estabelecimento deste diálogo foi uma tarefa árdua
que implicou em um amplo questionamento das concepções das correntes
historiográficas resultando com que nas últimas décadas a literatura fosse
vista pelo historiador como material propenso a diversas leituras, pela sua
riqueza de significados para o universo cultural, dos valores sociais e
experiências dos homens e mulheres no tempo.
Nas palavras de Pesavento (2006, p. 7) a literatura é uma fonte
para o historiador privilegiada, porque dará acesso especial ao imaginário,
permitindo-lhe enxergar traços e pistas que outras fontes não lhe dariam.
Para a autora, a literatura configura-se em fonte especialíssima, porque lhe
dá a ver, de forma por vezes cifrada, as imagens sensíveis do mundo.
Através da Literatura podemos encontrar dados dispersos ou até mesmo
silenciados por outras fontes.
A sua utilização como documento possibilita ao pesquisador um
exercício grandioso no trato com as fontes. O texto literário, tratado como
fonte histórica, requer que se façam os questionamentos necessários tais
como: Quem é o autor? Qual o seu público? A quem se destina a obra? Em
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que momento histórico foi criado? Qual a importância desta obra nos dias
atuais? Perguntas essenciais para se iniciar um trabalho interdisciplinar
envolvendo a Literatura no ensino de História. Desta maneira, a Literatura,
como qualquer outro documento, só permite acesso aos dados e
informações mais densas à medida que é questionada. Portanto, a
Literatura pode e deve ser utilizada como documento histórico, capaz de
revelar as mudanças e permanências da sociedade de uma época, assim
como qualquer outro documento histórico, que só tem o seu valor quando o
historiador faz as perguntas necessárias para extrair as informações que
procura.
Logo a História e a Literatura, no processo pedagógico do ensino de
História, possibilitam espaço privilegiado de produção do conhecimento
histórico escolar. O texto literário, como fonte histórica, requer que se faça
o diálogo com outras fontes de informações históricas que possibilitem, ao
relacioná-las, analisar as mudanças e permanências da sociedade de uma
época, as possibilidades colocadas e as opções de caminhos escolhidos por
seus agentes. A perpetuação da história como ciência, ao inverso da
vertente acadêmica dominante no panorama atual, necessita da
interdisciplinaridade. Entretanto, não se trata de simplificar a análise
histórica, mas sim de complexificá-la, enriquecer seu rigor metodológico
através da aceitação de seu papel literário e, simultaneamente, do valor da
literatura como fonte complementar. (RAMOS, 2003 p.10)
No contexto específico da escravidão no Brasil, apresentamos aqui
como proposta de trabalho em sala de aula, o romance Úrsula de Maria
Firmina dos Reis publicado em 1859. Este a primeira vista pode ser
considerado um romance ingênuo, cheio de arroubos sentimentais como
ressalta Telles (1989), mas uma leitura mais atenta pode nos revelar
muitas outras coisas, ela ousou nessa obra denunciar a arbitrariedade,
violência e problemas que envolviam a servidão negra em uma sociedade,
por excelência, escravista.
Segundo Eleuza Tavares:

Em 1859, em pleno regime escravista, no momento em que as


teorias científicas ratificam a inferioridade da população
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africana e afro-descendente, bem como a incapacidade


feminina para tratar sobre as questões de fórum público, uma
mulher afro-descendente, nordestina, de origem humilde,
elaborou um discurso precursor no cenário do romantismo
brasileiro, tornando públicas as condições a que estavam
submetidos o negro e a mulher na sociedade brasileira.
Produziu a autora um discurso que possibilitava aos
marginalizados o direito a contar sua história, buscando a
empatia com seu público leitor. (TAVARES, 2007. p. 01)

O período histórico em que está inserida a escritora, do ponto de


vista cronológico, é fundamental para a compreensão de sua obra. Vivendo
em uma sociedade sustentada pela diferenciação, ancorada no patriarcado,
estratificada entre homens e mulheres, brancos e negros, pobres e ricos,
legítimos e bastardos. Havia todo um modus vivendi, constituído e
legitimado para definir o que era uma mulher e sobremodo o que ela não
era. O que ela deveria ser e qual papel social desempenharia era definido
desde cedo, a partir da diferenciação da educação entre os sexos
(TAVARES,2007.p. 03).
Maria Firmina dos Reis parece demonstrar uma noção clara disso,
nota-se essa percepção logo ao início do prólogo de Úrsula: “Sei que pouco
vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de
educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados,
que aconselham, que discutem e que corrigem...” (REIS, 2009, p. 13)
Sabia da condição da mulher em seu tempo, discriminada e com formação
precária, assim Úrsula foi editado pela primeira vez no ano de 1859, em
São Luís do Maranhão, assinado simplesmente por “uma maranhense”,
recurso bastante usado no século XIX, principalmente pelas mulheres que
se aventuraram a escrever.
Segundo Telles (1889, p. 75) para a mulher escrever dentro de uma
cultura que define a criação como dom exclusivamente masculino, e
propaga o preceito segundo o qual, para a mulher, o melhor livro é a
almofada e o bastidor, é necessário rebeldia e desobediência aos códigos
culturais vigentes. Assim a escrita de Úrsula constitui-se com um duplo
movimento, que oscila entre a realização da obra, enquanto arte, e o ato
político, toda a obra é permeada pelas idéias e influências da época, por

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isso fica evidente o imaginário da escritora representando seu período.


(HOSHINO, SILVA, 2010, p. 8822)
Maria Firmina dos Reis, com essa obra, atribuiu ao negro a
configuração até então negada: a de ser humano privilegiado, portador de
sentimentos, memória e alma. Não coisas obsoletas, como a ideologia dos
escravocratas os faziam acreditar, sempre subestimando a capacidade da
raça africana. É aí que se concentra seu grande mérito e originalidade
(MENDES, 2008. p.02).
O enredo inicia-se com Túlio um jovem escravo, salvando a vida do
cavaleiro Tancredo após uma queda do cavalo. Túlio leva-o ferido até a
jovem Úrsula filha de sua senhora (a qual se encontra entrevada e
passando por dificuldades financeiras), e esta por sua vez é quem irá cuidar
do ferimentos de Tancredo. Tais cuidados fazem nascer entre os dois uma
paixão a qual será ameaçada pela inveja e desejo do tio de Úrsula que
também anseia o amor da bela e jovem sobrinha. É ao lado do amor entre
os dois jovens protagonistas, Úrsula e Tancredo, que Maria Firmina
apresenta os personagens Túlio e Susana que vão dar a nota diferente ao
seu romance.
Logo, para além do exagero romântico, ou das peripécias do enredo
o que nos interessa aqui é o tratamento que a autora dá ao escravo. A
negra Susana personagem secundária do livro é dedicado todo um capítulo
onde é narrada a sua vida antes da escravidão, na África o que, em termos
de Brasil e de período, é extremamente original. Neste contexto tenta dar
cores próprias à terra natal dos escravos, assim como descrever costumes
diferentes e que são apresentados como ideais, idílicos até (TELLES, 1889.
p.77).
Segundo Mendes (2008) Maria Firmina dos Reis, ao criar a
personagem Susana, personificação do sentimento africano, contraria tudo
que já tinha sido feito até então. A negra Susana é a imagem do africano
que, tirado à força, de forma brutal e bestial, de sua terra natal, foi
animalizado e classificado como objeto, coisa, mão-de-obra forçada e
gratuita para senhores inescrupulosos. É ela quem explica ao jovem Túlio,
escravo alforriado pelo branco Tancredo, o sentido da verdadeira liberdade

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(MENDES, 2008, p.05) que não seria nunca a de um alforriado num país
racista.
Nesse momento, pela primeira vez em um romance brasileiro é
dado o direito à voz para que uma negra conte ao leitor, através de sua
memória, outra perspectiva da história da escravidão. O fato destaca,
portanto, o evento histórico da diáspora negra vivido pelos personagens
arrancados de suas terras e famílias para cumprir no exílio a prisão
representada pelo trabalho forçado (TAVARES, 2007. p.07).
Portanto, mais do que apontar outras direções para a compreensão
de nosso passado histórico, Úrsula pinta os quadros sociais daquele meio,
Túlio e Susana são personagens representativos de afro-brasileiros
conscientes de sua condição assim analisar o romance de Maria Firmina dos
Reis é procurar recuperar os diferentes olhares sobre a questão da
escravidão e liberdade no país (HOSHINO; SILVA, 2010,p. 8822).

Considerações finais

O estudo da escravidão negra no Brasil necessita de um olhar


deslocado para o cotidiano do escravo, tensões, conflitos, sociabilidades,
protestos, lutas e relações sociais complexas que envolveram senhores e
escravizados, para não cairmos em um entendimento genérico sobre o
significado da cultura de resistência. É necessário não considerar o tema da
história da escravidão no Brasil levando em conta apenas suas implicações
econômicas, mas também sua dimensão social, cultural e política. Isso
significa desconstruir a visão do escravo vitimizado e coisificado tão
presente e arraigada no imaginário social (CAMPOS, 2009. p. 93).
Ensinar história na escola significa permitir aos estudantes abordar a
historicidade das suas determinações socioculturais, fundamento de uma
compreensão de si mesmos como agentes históricos e das suas identidades
como construções do tempo histórico. Assim, o uso escolar do documento
histórico procedimento didático-pedagógico importante para a Educação
Histórica pode ser profícuo para desconstruir a perspectiva que exclui os
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escravos da história da escravidão, adotando assim, a posição em que os


escravos são vistos como agentes políticos, dotados de poder e sujeitos
históricos, considerando suas ações, comportamentos, valores, construídos
na malha da experiência cotidiana.
Ao incorporar diferentes tipos de fontes documentais no processo de
ensino de história, reconhecemos não só a e ligação entre os saberes
escolares e a vida social, mas também a necessidade de (re) construirmos
nosso conceito de ensino e aprendizagem. As metodologias de ensino, na
atualidade, exigem permanente atualização, constante investigação e
continua incorporação de diferentes fontes em sala de aula. (FONSECA,
2003.p. 164)
Uma vez selecionado o documento, os alunos devem ser motivados
ao trabalho, construindo, juntos, atividades de leitura, interpretação,
criação e sistematização de novos conhecimentos que levem à “superação
das obviedades” e à “superação da cadeia normatizadora do conhecimento”.
Nesse sentido, é consenso a necessidade de:

1) Situar o documento no contexto que foi produzido, por


meio de perguntas como: Quem produziu? Quando? Onde? Em
que condições? Onde está publicado?
2) Criar diversas atividades de leitura e compreensão dos
textos, possibilitando ao aluno questionar fontes, confrontá-
las, estabelecer um dialogo critico entre as concepções
prévias, os conhecimentos históricos anteriormente adquiridos,
as indagações e os textos.
3) Orientar a produção de conhecimentos, sugerindo formas,
linguagens, construções discursivas que favoreçam o
desenvolvimento da aprendizagem e a compreensão da
historia como construção. (FONSECA, 2003, p. 218)

O professor ao diversificar as fontes e dinamizar a prática de ensino,


democratiza o acesso ao saber, possibilita o confronto e o debate de
diferentes visões, estimula a incorporação e o estudo da complexidade da
cultura e da experiência histórica. Problematizar a história em sala de aula
consiste assim em mobilizar conteúdos que não tenham caráter estático,
desvinculados no tempo e no espaço, como fins em si mesmos, mas que
permitam aos estudantes compararem as situações históricas em seus
aspectos espaço – temporais e conceituais, promovendo diversos tipos de

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relações pelas quais seja possível estabelecerem diferenças e semelhanças


entre os contextos, identificarem rupturas e continuidades no movimento
histórico e, principalmente, situarem-se como sujeitos da história, porque a
compreendem e nela intervém (CAIMI, 2009, p. 76).

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