Teseminha
Teseminha
Teseminha
1. História do Brasil
2. História da Arte
3. Positivismo
4. Esculturas e Monumentos Públicos
Introdução
1
BOEIRA, Nelson F. O Rio Grande do Sul de Augusto Comte. In: DACANAL, S. & GONZAGA, S.
(org.) RS: cultura e ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 45.
2
CARVALHO, José M. O positivismo brasileiro e a importação de idéias. In: LEAL, Elisabete;
GRAEBIN, Cleusa (org.). Revisitando o positivismo. Canoas: Editora La Salle, 1998. p. 15.
14
3
BECKER, Howard S. Falando sobre a sociedade. In: Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. São
Paulo: Hucitec, 1993.
4
BECKER, Howard S. Les Mondes de L´Art. Paris: Flammarion, 1988. p. 21-23.
15
nos permite compreender a relação, nem sempre harmoniosa, entre encomendante e artista, o
gerenciamento das divergências no interior da negociação e o resultado plástico ― a obra.
Estar-se-á atento então ao seguinte: O concurso permite que se percebam os diferentes grupos
que se aliam e se dissolvem, tentando gerir seus conflitos políticos e simbólicos; a comissão
julgadora nem sempre consegue gerenciar ou traduzir os distintos desejos em jogo no
concurso; as lutas no interior da comissão servem para consolidar redes de relações pessoais e
de interesses; os artistas envolvidos no concurso, vencedores ou não, quase sempre integram
essas redes; a confecção de um monumento é algo muito dispendioso, e, portanto, existem
interesses financeiros ligados à execução do projeto; e a obra de arte pode traduzir ou não o
que os encomendantes desejavam.
Essa abordagem se valida ao se levar em conta o alerta de Ulpiano Bezerra de
Menezes, em balanço da produção sobre cultura visual: as imagens devem ser estudadas como
objetos materiais, “nas diversas formas e contingências de uso e apropriações”; ele completa
mais adiante que “é possível ir além da ideologia e do imaginário/mentalidades” nos estudos
sobre imagens.5
5
MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual: Balanço provisório,
propostas cautelares. Revista Brasileira de História. v. 23, n. 45, p. 29, jul. 2003.
16
6
BELLOMO, Harry Rodrigues. A estatuária funerária em Porto Alegre ― 1900-1950. Porto Alegre:
PUC/RS, 1988. (Dissertação de Mestrado) p. 155.
7
BELLOMO, Harry Rodrigues. A estatuária... p. 163.
17
do governo estadual, que também se apropriou dos símbolos para se propagandear. O autor
chama atenção para a importância do artista como negociador dos valores, símbolos e
ideologias que serão “impressos” na obra tumular. No entanto, o único artista nomeadamente
positivista – Décio Villares – e que poderia, em tese, melhor negociar as representações do
positivismo não integrou o capítulo destinado à análise dos ateliês e artistas.
Foi na tipologia do herói político que a ideologia positivista do PRR pôde mais se
manifestar. Três aspectos são requeridos pelo autor para enquadrar os túmulos nesta categoria:
o morto deve ter sido considerado um herói; o homenageado deve ter pertencido aos quadros
políticos do PRR; e os mausoléus devem ter sido financiados pelos cofres públicos.
Diferentemente de Bellomo, o autor não propôs estudar a estética positivista e
tampouco entende que as obras tenham conteúdo positivista. Para ele, elas foram produzidas
durante o período de predominância política do PRR e representam simbolicamente o desejo
de dar visibilidade ao poder e ao positivismo.
Ambos os trabalhos ressaltam a importância dos governos do PRR para a
construção de túmulos que teriam então recebido influência do positivismo. O termo
“influência do positivismo”, largamente utilizado na historiografia gaúcha, é impreciso e não
explica os elementos formais e simbólicos das obras artísticas. Contudo, restam algumas
questões: Quem define o sentido das obras de arte? Uma obra de arte é positivista porque seus
encomendantes (o governo do estado) são positivistas? Ela é positivista porque homenageia
políticos afinados com o positivismo? Ela é positivista porque seu conteúdo alude a termos do
positivismo?
Um terceiro trabalho que também trata de arte funerária busca analisar a
influência do positivismo na construção da memória farroupilha, inicialmente por meio da
literatura e, por fim, materializada no monumento-túmulo de Bento Gonçalves, erguido na
cidade de Rio Grande. Juarez José Rodrigues Fuão, em sua dissertação de mestrado em
História na Unisinos, argumenta que a produção literária e historiográfica em fins do século
XIX sobre a Revolução Farroupilha permitiu a formação de uma mentalidade favorável à
construção do monumento-túmulo nos anos dez do século XX. O positivismo no Rio Grande
do Sul, reapropriado e reinterpretado não somente nos quadros do PRR, mas também entre os
historiadores e literatos, contribuiu para a formação de um imaginário no qual os grandes
homens, ou os heróis, encontraram espaço privilegiado para serem cultuados. A construção do
19
11
FUÃO, Juarez José Rodrigues. Monumento-túmulo ao general Bento Gonçalves da Silva: da
fundação à materialização do mito na sociedade sul-rio-grandense. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
(Dissertação de Mestrado)
12
DOBERSTEIN, Arnoldo W. Estatuária e Ideologia. Porto Alegre 1900-1920. Porto Alegre: SMC,
1992. p. 02.
20
explica, afirma o autor, pela inexistência de um “corpo de críticos que vigiasse pela ditadura
de um estilo oficial”13, pela formação principalmente francesa dos arquitetos ligados à
Secretaria de Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul – SOP e pela finalidade do
prédio ou do monumento. Parece adequado o elenco de elementos usados pelo autor para sua
análise: gosto dos encomendantes, crítica de arte, formação artística, função da obra; no
entanto, tudo isto se inviabiliza em termos analíticos quando se considera o positivismo como
uma ideologia de Estado, permeando todas as etapas de confecção das obras.
Nas análises sobre o positivismo no Rio Grande do Sul realizadas nas últimas
décadas, os autores tomaram essa doutrina como única, coerente e transpassável a todas as
esferas de poder do PRR, nos governos estadual e municipal. Já em 1980, Nelson Boeira, em
texto que analisa as formas de manifestação do positivismo no Rio Grande do Sul, alertava
para apropriação desta filosofia por parte de variados setores sociais gaúcho de forma
dinâmica e sincrética. Para ele, não foi uma manifestação de rigidez filosófica, mas um
exercício de tolerância doutrinária, no qual os desvios de sentido e as deformações fazem
parte da apropriação de idéias. “Os sistemas de idéias não guardam, no contato com o
dinamismo e a diversidade da vida social, a coerência interna que buscam ou apregoam na
inércia das páginas impressas.”14 É na apropriação do positivismo que está a potencialidade
de análise de sua manifestação.
Nesta produção historiográfica sobre o positivismo, alguns trabalhos buscaram
mostrar a coerência doutrinária das ações do poder público nos governos do PRR e os textos
comtianos; outros quiseram mostrar que a elite política gaúcha não era tão ortodoxa assim,
mas continuam recorrendo somente aos escritos do filósofo francês. Os trabalhos sobre arte e
arquitetura comentados consideram que a presença das idéias positivistas nos governos do
PRR ou na cultura em geral, com os escritores, marcou a produção de imagens e que estas
representavam o desejo dos encomendantes de fixar heróis, de criar uma memória
republicana/farroupilha e de dar visibilidade ao poder autoritário do PRR. Chamado de
ideologia no primeiro momento, de mentalidade e imaginário, mais tarde, o positivismo de
Comte, e não o dos influenciados por ele, foi tomado como ponto de partida para a análise de
imagens.
Na conceituação de Panofski, o significado intrínseco ou conteúdo são “[...]
princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, de um período, classe
social, crença religiosa ou filosófica – qualificados por uma personalidade e condensados
13
DOBERSTEIN, Arnoldo W. Estatuária... p. 07.
14
BOEIRA, Nelson. O Rio Grande... p. 34.
21
numa obra.”15 Por exemplo, para compreender o sentido iconográfico de um quadro da última
ceia, o historiador deveria estar familiarizado com os textos do evangelho e também procurar
saber o que os autores dessas representações leram ou conheceram.16 A análise do significado
ou conteúdo seria, na proposição do autor, o ponto de partida da análise das artes visuais. Por
analogia, estudar o positivismo como ponto de partida implica abandonar a prática de tomá-lo
como dado, como conhecido. Implica desconfiar das explicações que parecem coerentes entre
intenções e práticas artísticas e considerar a importância das negociações entre artista e
encomendante.
Mas a influência do positivismo na produção artística não foi uma prerrogativa
somente do Rio Grande do Sul, embora os trabalhos sobre este estado aqui discutidos sejam
numericamente superiores. A historiografia gaúcha demonstra uma predileção pelo assunto,
pois o positivismo estruturou as bases da política governamental gaúcha, quando foi
promulgada a Constituição Estadual, redigida por Júlio de Castilhos, em 1891. Mas Belém do
Pará também teve um presidente de província positivista ― Lauro Sodré ―, que assumiu
publicamente que seguia a Religião da Humanidade e que publicava textos de propaganda do
positivismo, no entanto, o interesse da historiografia pelo positivismo é menor, exceto na
análise do monumento à República.
A construção do monumento à República, em Belém do Pará, também teve o
positivismo como pressuposto ideológico. O livro de Geraldo Mártires Coelhos, publicado em
2002, buscou explicar como o erguimento do primeiro monumento à República no Brasil
obedeceu às demandas ideológicas republicanas, dentro dos cânones da escultura monumental
européia, sobretudo francesa. Para o autor, a “intelligentsia brasileira” marcada pela cultura
francesa desenvolveu um ideário político à luz do positivismo. O cruzamento destes dois
elementos – cultura francesa e ideologia positivista de Progresso – marcou a iniciativa e
execução do monumento.
Justo Chermont, primeiro governador republicano do Pará, era um simpatizante
do positivismo, sensível à herança política da Revolução Francesa e um exemplar
representante da elite culta republicana; foi ele que teve a idéia de erguer o monumento. O
edital do concurso internacional saiu pela Intendência Municipal, e vários artistas italianos se
inscreveram, um número menor de franceses e dois estrangeiros radicados no Brasil; nenhum
brasileiro. Mesmo com a cultura francesa a impregnar a intelligentsia brasileira e paraense, o
15
PANOFSKY, Erwin. Significado das artes visuais. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 52.
16
PANOFSKY, Erwin. Estudos de iconologia – temas humanísticos na arte do renascimento. 2. ed.
Lisboa: Estampa, 1995. p. 25.
22
projeto vencedor foi o de um artista italiano. Porém, alerta o autor, os artistas italianos eram,
no final dos oitocentos, alheios à monarquia de seu país, e sua arte era influenciada pela
francesa, pela estética política da Terceira República. O projeto vencedor, explica Coelho,
“sinalizava as mentalidades dominantes da elite política paraense do começo da República,
em cujo quadro ideológico era flagrante a presença do positivismo e sua religião laica de
adoração da Pátria e do Progresso”17.
É corrente na bibliografia sobre política e República no Brasil, a absolutização do
positivismo em decorrência disso, a associação entre promoção do civismo e adoração de
heróis. Nesta tese, não se negará a contribuição do positivismo para essas práticas, mas se
questionará se foi sua única matriz filosófica. As práticas cívicas francesas e norte-americanas
não tiveram por base doutrinária o positivismo, exclusivamente. A historiografia mostra que o
Brasil tem uma longa tradição na realização de festas e comemorações cívicas e religiosas,
que, aperfeiçoada durante a monarquia ― facilitada pela centralidade do imperador e pelo uso
do aparelho estatal ―, contribuiu para a continuação de tais práticas na República, com outros
heróis a serem reverenciados.
O positivismo é voltado para o passado, reverencia os mortos e os heróis e
estimula o patriotismo em todos os níveis. Mas qual das doutrinas do século XIX que
serviram de base ao republicanismo não era assim? Patriotismo, adoração de heróis, práticas
republicanas cívicas e laicas não são prerrogativas exclusivas do positivismo.
O autor analisa os projetos franceses e italianos com o intuito de mostrar como o
modelo escultórico vigente nas propostas remontava à simbologia francesa de 1848, só que
destituído de seu caráter revolucionário, portanto político. O projeto vencedor seguiu essa
fórmula. Coelho revela como a comissão julgadora era, de certa forma, despreparada para
julgar os trabalhos e vulnerável às opiniões alheias e às pressões da imprensa. Destacou-se, no
episódio do concurso, a interferência do cônsul do Brasil em Gênova (mesma cidade do artista
vencedor), o paraense J. A. Rodrigues Martins, que não só influenciou o júri na escolha do
projeto, como orientou o artista em algumas modificações da obra. Coelho demonstra
surpresa pelo resultado do concurso e se questiona como o projeto do renomado escultor
francês Jules Roulleau não foi o vencedor.
É compreensível a surpresa do autor, pois tem como argumento que os
republicanos paraenses eram muito familiarizados com a simbologia cívica francesa e que os
artistas italianos a reproduziam em suas obras. Mas parece ter imperado na escolha do artista
17
COELHO, Geraldo Mártires. No coração do povo: o monumento à República em Belém do Pará,
1891-1897. Belém: Paka-Tatu, 2002. p. 27.
23
italiano o jogo dos interesses e influências pessoais, onde há pouco espaço para idealismos
doutrinários.
As mudanças no projeto, as pessoas que estiveram envolvidas em influenciá-lo e
os interesses que atendiam também são reveladores das escolhas visuais. Durante a execução,
o projeto foi alterado para incluir os nomes de Benjamin Constant, na face principal,
Tiradentes e José Bonifácio, nas faces laterais, e Floriano Peixoto, na face posterior do
monumento. Chama-se a atenção que os seis anos de execução da obra permitiram não só o
envolvimento de novos indivíduos interessados no projeto, bem como novos interesses
políticos que deveriam ser traduzidos visualmente. Com isso, alerta-se para o quanto é
revolucionário, a partir de 1895, incluir o nome de Floriano no monumento e o quanto é
político deixar Deodoro da Fonseca de fora. Tal decisão está relacionada a batalhas políticas
travadas na Primeira República, em que diversos grupos lutavam por suas idéias, traduzidas
em poder de intervenção política. Com isso, é importante saber quais pessoas influenciaram
para definir essas novas inscrições no monumento, quais eram suas idéias, o que pretendiam
com a obra, se eram positivistas, militares ou dirigentes políticos. Tais respostas elucidariam
os anseios de seus encomendantes e a obra, e qual era o papel do positivismo na sua
promoção.
Em outro livro, Coelho analisa o encontro entre romantismo e positivismo na
criação de uma estética da morte de Carlos Gomes: uma série de eventos que visavam
despertar a afeição pública para o maestro tornado herói. Sob a liderança de Lauro Sodré,
então governador do Pará, Carlos Gomes viveu seus últimos meses de vida sob patrocínio
oficial e teve seu funeral também financiado pelo estado. Para o autor, Lauro Sodré,
“reverente a religião cívica comtiana e a exaltação de seus novos santos, os grandes
homens”18, foi figura central nos eventos que se sucederam à morte do maestro. O argumento
de Coelho é que a Religião da Humanidade se fundava na reverência ao passado e na morte,
como forma de um culto social a alguns grandes homens. Essa religião, somada a princípios
nacionalistas também de exaltação a heróis, inspirou Lauro Sodré a homenagear Carlos
Gomes.
Pode-se acrescentar que a acolhida de Carlos Gomes pelo governo estadual
paraense para dirigir o Conservatório de Música, especialmente criado para o maestro,
enquadra-se em um conceito de mecenato oficial às artes discutido no início da República,
inclusive por positivistas. Lauro Sodré se reconhecia como positivista, e teria sido valioso
18
COELHO, Geraldo Mártires. O brilho da super nova: a morte bela de Carlos Gomes. Rio de
Janeiro: Agir, 1995. p. 31.
24
19
CARVALHO, José M. de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Cia. das Letras, 1990. p. 40.
25
20
CARVALHO, José M. de. A formação... p. 40.
26
Os artistas positivistas
21
MILLIET, Maria Alice. Tiradentes: o corpo do herói. São Paulo: USP, 1998. p. 140. (Tese de
Doutorado)
22
MILLIET, Maria Alice. Tiradentes... p. 140.
27
23
MAGALHÃES, Beatriz de A. ANDRADE, Rodrigo F. Belo Horizonte – um espaço para a
República. Belo Horizonte: UFMG, 1989. p. 89.
Outros trabalhos que também relacionam positivismo à arquitetura e urbanismo são estes: GUN,
Philip. Projeto e planejamento: o peso do positivismo brasileiro. In: Seminário natureza e prioridades
de pesquisa em arquitetura e urbanismo. São Paulo: USP/FAU/FAPESP, 1990; PIRES, Mário J.
Idéias de ordem e progresso na arquitetura paulistana. In: AVIGHI, Carlos M. (org.) Comunicações e
artes no nascimento da República brasileira. São Paulo: USP/ECA, 1990; WEIMER, Gunter. A
capital do positivismo. In: PANIZZI, Wrana; ROVATTI, João (org.). Estudos urbanos, Porto Alegre e
seu planejamento. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS; PMPA, 1993; WEIMER, Gunter. O
positivismo gaúcho e sua arquitetura. Porto Alegre: UFRGS/Faculdade de Arquitetura, 1985.
24
MAGALHÃES, Beatriz de A. ANDRADE, Rodrigo F. Belo Horizonte... p. 89.
28
25
CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro:
Pinakotheke, 1983. p. 111.
29
26
GONZAGA-DUQUE, Luis. A arte brasileira. Campinas: Mercado de Letras, 1995. p. 189. (1. ed.
1888).
27
PETIT, Annie. História de um sistema: o positivismo comtiano. In: TRINDADE, Hélgio (org.). O
Positivismo – teoria e prática. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1999. p. 13-47.
28
ALONSO, Ângela M. Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo:
Paz e Terra, 2002. p. 21-49.
29
LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. 2ª. Ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1967.
30
caráter nacionalista, isto ocorreu por conta da apropriação e adequação das idéias positivistas.
A doutrina positivista, em sua essência, não é nacionalista. Comte foi um crítico
contemporâneo das ações colonialistas das nações européias nos continentes africano e
asiático no século XIX, censurou também as festas revolucionárias francesas organizadas por
David, os grandes homens reverenciados no Calendário Positivista não eram somente
franceses e a tarefa final do positivismo convergia para a comunhão de uma sociedade
universal e única, acima das diferenças nacionais.30 Portanto, recorrer a positivismo comtista
exclusivamente para explicar tais fenômenos é procedimento inconsistente. É necessário se
conhecer a apropriação que os diferentes positivistas brasileiros fizeram das idéias comtianas
no que concerne à promoção cívica e às idéias nacionalistas.
O culto cívico positivista, pelo menos aquele propugnado por Comte, não é
nacionalista porque cultua os grandes homens e não é individualista porque reverencia a
heróis nacionais. Desse modo, é necessário ler Comte e ler os leitores de Comte; estes
últimos, no desejo de encontrar uma solução civilizatória para o Brasil recém republicano,
misturavam ao comtismo idéias também contrárias a ele. Ao realizar um balanço sobre as
pesquisas no tema “positivismo no Rio Grande do Sul”, nas últimas três décadas, Boeira
alerta para o perigo do assunto parecer familiar demais ao historiadores, obliterando um real
questionamento sobre a natureza desse fenômeno, suas transformações e diferentes formas de
apropriações.31
Problema recorrente encontrado nos trabalhos aqui discutidos é certa confusão
entre o positivismo de Comte e o positivismo dos brasileiros. A situação se agrava quando se
pretende abordar o positivismo sem ler Comte e seus leitores. Tal procedimento é necessário
não para provar uma coerência entre doutrina e a aplicação de modelos, mas para entender
como as idéias se transformam. Portanto, seria proveitoso ler o que os funcionários da SOP
escreveram sobre os prédios e monumentos construídos pelo poder público estadual do Rio
Grande do Sul, o que Justo Chermont ou a comissão promotora do monumento à República
em Belém do Pará escreveram para justificar a obra, o que disse Lauro Sodré sobre Carlos
Gomes, o que Décio Villares e Eduardo de Sá escreveram sobre Tiradentes, o que Araão Reis
disse ao idealizar a cidade de Belo Horizonte. É nesses registros que se pode apreender algo
sobre o pensamento positivista, impregnado nas obras artísticas. O interessante seria não
30
TODOROV, Tzvetan. Nous et les autres ― la réflexion française sur la diversité humaine. Paris:
Seuil, 1989. p. 52.
31
BOEIRA, Nelson. O Positivismo do Rio Grande do Sul ― questões pendentes e temas para pesquisa.
RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; FÉLIX, Loiva Otero (org.). RS: 200 Anos ― definindo espaços na
história nacional. Passo Fundo: UPF Editora, 2002. p. 238-246.
32
medir coerência doutrinária, mas entender os ajustes quando as idéias são apropriadas.
Os capítulos
32
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique du Positivisme. In: Système de Politique Positive. Tomo I.
Paris: Librairie Positiviste, 1912.
33
sobre o positivismo e como essas idéias influenciaram as negociações sobre o conteúdo das
obras de arte que promoviam? Visto que se analisa o positivismo como prática política,
também se tem por objetivo situar as atividades cívicas desses diferentes encomendantes e os
usos de objetos artísticos para realizá-las.
Chega-se então às obras. No sexto capítulo, procurar-se-á discutir as negociações
entre encomendantes e artistas para definir o conteúdo das mesmas. Selecionou-se um
conjunto de obras, principalmente monumentos públicos confeccionadas pelos artistas Décio
Villares e Eduardo de Sá. Serão analisados os monumentos a Benjamin Constant, Tiradentes e
Floriano Peixoto, no Rio de Janeiro, e a Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Discute-se que
os encomendantes, algumas vezes, tinham condições de negociar o conteúdo das obras; em
outras, os artistas conseguiam expressar o positivismo de forma sutil. Em outros casos, as
obras poderiam não expressar o positivismo explicitamente, mas seus usos políticos poderiam
lhes atribuir valores da doutrina. Este capítulo também tratará das práticas culturais em que
essas obras de arte estão imersas: cortejos cívicos e fúnebres, inaugurações, decoração de
prédios públicos.