MOTTA, RodrigoPattoSá. Cultura Política e Historiografia

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Fichamento: MOTTA, Rodrigo Patto Sá.

Desafios e possibilidades na apropriação de


cultura política pela historiografia. In: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. (Org.). Culturas
Políticas na História: Novos Estudos. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009, p. 13-
37.Fichado por: Roselane e Eduardo.
09 A apresentação da obra é escrita por Rodrigo Patto Sá Motta. Destaca
inicialmente que a obra visa apontar outros objetos de estudos onde os
historiadores “encararam o desafio de aplicar o conceito de cultura política”.
Destaca-se inicialmente que enfoques “voltados para o estudo das culturas
políticas na história abrem novas perspectivas de interpretação de fenômenos
políticos, a partir de um viés pouco contemplado pelas abordagens clássicas. A
análise de fatores culturais como valores, crenças, normas e representações
ajuda a esclarecer e a compreender múltiplas facetas do político, notadamente a
origem de determinadas formas de ação e de comportamento na esfera pública,
que não se explicam somente pela determinação de interesses individuais ou
coletivos, mas também pela influência de valores, da fé, e pela força da tradição
ou do costume. Essa perspectiva de análise é capaz de lançar luz sobre aspectos
importantes das configurações históricas do político, propiciando a
compreensão acerca da persistência de algumas atitudes e fidelidades políticas”.
O livro reúne textos de jovens pesquisadores (do Programa de Pós Graduação
em História da UFMG), na data da publicação da obra em 2009, cujas
abordagens, no entanto, é destacado no texto, não tem “uma unanimidade nos
pontos de vista e, tampouco na compreensão de cultura política, que foi
apropriada de diferentes maneiras pelos autores. Os textos evidentemente,
partilham, alguns pressupostos e leitura comuns, sem o que o diálogo não seria
possível, mas foram respeitadas as escolhas e opções pessoais dos
pesquisadores”.
Apresenta-se os capítulos. Vou fazer aqui uma síntese. No cap. 1, Motta ressalta
que - “serão discutidas as origens e a trajetória do conceito cultura política, com
o propósito de oferecer (...) uma porta de entrada a este universo conceitual
fascinante e inovador”. Informa que, o conceito foi criado pelas ciências sociais
nos anos de 1950. Afirma que há grande necessidade de reflexões teóricas sobre
cultura política para esclarecer confusões e uso inapropriado do conceito.
10 No cap. 2, Adalson Nascimento “analisa a trajetória do movimento escoteiro no
Brasil, enfatizando suas relações com alguns projetos nacionalistas de educação
infanto –juvenil entre as décadas de 1910-1940”. O escotismo se tornou vetor
de implantação da cultura nacionalista no Brasil.
No cap. 3, Adriane Vidal Costa “aborda o impacto sobre a cultura socialista do
evento chave para a esquerda latino-americana: a Revolução Cubana”. A partir
da análise do impacto do evento cubano no engajamento intelectual, nos
pensamentos do escritor argentino Júlio Cortazar.
No cap. 4 Antonio Carlos Figueiredo Costa, trata do jacobinismo “ de inícios da
República, privilegiando sua ação em Minas Gerais. “O texto usa a estratégia
metodológica da História dos Conceitos e a perspectiva Histórica da Cultura
Política”. Analisa “as formas de intervenção dos neojacobinos nos assuntos da
República, sobretudo sua militância nos clubes do republicanismo radical e nos
jornais de ‘combate’, bem como sua participação nos batalhões patrióticos”.

11 No cap. 5 Betzaida Mata Machado “coloca as mulheres em foco, ao mostrar


como determinadas figuras femininas forma erigidas em modelo pela cultura
política comunista” (Elisa Branco, Olga Benário e Leocádia Prestes). Modelos
que serviram com veículos “para disseminar valores caros à cultura comunista”.
No cap. 6 afirma-se que o autor Daniel Barbo “apresenta proposta controvertida
e instigante: a possível existência de uma cultura política homossexual”. Trata
da historiografia que a partir da década de 1970, segundo o autor, interessou-se
pelo homoerotismos grego, pondo em debate a relação entre o fenômeno grego
e a homossexualidade. De cunho essencialista, tal historiografia analisou a
erótica grega em termo de hetero e homossexualidade e dialogou com diversos
movimentos em defesa da cidadania para homossexuais”. Da “inter relação
entre estas duas ordens de fontes” (historiografia e movimentos sociais), o autor
“percebe o surgimento de uma cultura política homossexual”.
No cap. 7, Enrique Luz, realiza um estudo sobre os cartazes de propaganda
nazista, veículo importante na divulgação dos valores da cultura política do
nazismo, que consolidam “vários preconceitos contra judeus e comunistas em
torno da figura estereotípica do ‘Eterno Judeu’. “Tomando como ponto de
partida a análise dos cartazes, o autor propõe-se a formular questões sobre os
motivos que teriam levado parte dos alemães a contribuir com as políticas do
Estado Nazista”.
No cap. 8, Juniele Rabêlo de almeida, “investiga as inter-relações entre a
cultura policial militar e uma cultura política relacionada ao processo de
democratização brasileiro”. Um novo repertório de ação da PM mineira em
1997, apoiada por segmentos da população belorizontina, que indicou “um
relacionamento tenso entre os princípios democráticos e a estrutura de uma
corporação marcada por preceitos disciplinares e hierárquicos”.
12 No cap. 9 com Raquel Pereira, o texto analisa as estratégias de mobilização
cultural do Partido Comunista para ocupar espaços físicos na cidade, que
também tornaram cenário de luta política. Faz uma cartografia política da
atuação do partido em BH.
No último cap. Rosângela Assunção, “analisa o imaginário anticomunista dos
policiais do DOPs/MG entre as décadas de 1930/1960. O “trabalho sinaliza
para a correlação existente entre a instância política e a dimensão cultural, em
questões como valores, crenças, atitudes, linguagem e imaginários são
essenciais para compreender ações políticas. Considerando o imaginário como
um dos elementos constituidores da cultura política”, que ‘conferiu sentido e
legitimou as ações repressivas contra os “inimigos subversivos”.
13 Cap. 1- Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política pela
historiografia.
Motta, faz um histórico sobre suas reflexões em torno do conceito de cultura
política e seus usos. Seu interesse inicia-se em 1995, “quando buscava
encontrar um quadro conceitual para estruturar” sua tese de doutorado. Vinha
de “uma história política ‘clássica’ e desejava renovar horizontes”. Em 1996,
publicou um texto contendo as primeiras reflexões sobre o tema. Esse texto,
segundo o autor, “hoje me parece ingênuo”. Justifica informando que havia
nessa época poucos estudos e por isso “não havia bases sólidas para apoio”. No
entanto, confessa que desconhecia que desde 1992, “um grupo de historiadores
franceses estava empenhado na apropriação do conceito”. Cita os autores
franceses Serge Berstein e Jean –François Sirinelli, “que vinham fazendo uso da
categoria para estudar a história política francesa”. Diz que são textos, hoje
(2009) “ bastante conhecidos e que servem de base par aa maioria das reflexões
dos historiadores brasileiros engajados no debate”.
Para Motta, a “força de atração exercida pela cultura política em anos recentes
deve-se principalmente, à hegemonia do paradigma culturalista”.

14 Para Motta, como “tudo tem sido explicado pela influência dos fatores culturais,
a política não poderia ser exceção, daí o caráter sedutor de cultura política, que
permita uma abordagem culturalista dos fenômenos relacionados as disputas de
poder”.
Tornou-se um conceito da moda tanto para mídia, quanto em vários estudos. A
partir dessa inferência, aponta cuidados para evitar a “banalização” ou usos
inapropriados, “sem preocupação com rigor e clareza na sua utilização. Muitas
vezes, a categoria tem servido de rótulo novo para conteúdo antigo, como
estratégia para alcançar melhor inserção no mercado acadêmico ou na mídia”.
Diz que a expressão as vezes é utilizada “sem a preocupação de definir seu
significado- em situações em que o mais apropriado seria usar termos como
ideias políticas, discursos políticos ou hábitos políticos”. Também não concorda
que se fale “ em cultura política de épocas, às vezes até de períodos de tempos
mais precisos, como décadas (a cultura política da década de 1920...) ”.
Ele justifica suas preocupações com a “convicção de que para haver
inteligibilidade na discussão acadêmica são necessárias clareza e algum rigor no
uso de conceitos e categorias”. Diz ainda que, “os conceitos são polissêmicos” é
possível “admitir a existência ade mais de um significado”, porém “há
concepções mais consistente e precisas, enquanto existem usos inadequados e
/ou confusos”.
Sugestão de cautela no uso do conceito. Mas, cultura política “envolve um
campo intelectual muito fértil”.
15 Tem possibilidades “instigantes de alargar nossos horizontes de conhecimento e
compreensão. Por isso, a exposição se centrará na discussão dos aspectos
problemáticos do uso de cultura política, mas também nas potencialidades que
ele oferece”.
Destaca que antes via fazer “breves referências á origens do conceito”, com o
objetivo de “situar a discussão e esclarecer a maneira como ele será apropriado
no seu texto.
Origens da categoria- foi construída no século XX, mas com base em autores
que escreveram no século XIX. “Um deles foi Alexis de Tocqueville, no livro A
Democracia na América, de 1835”. Em síntese, a obra destaca “que a força da
organização política dos norte-americanos derivava não somente das
instituições, mas tinha relação com os hábitos e costumes daquele povo, o que
ele chamou de ‘hábitos do coração’ (Formisano, 2001:393-426) ”. Na busca dos
precursores entende que valeria a pena “investigar a eventual contribuição da
historiografia e filosofia alemãs do século XIX, que desenvolveram o conceito
de Kultur” (itálico no texto).
Segundo o autor, em “seus usos iniciais o conceito implicava certa
hierarquização, a compreensão de que alguns povos possuem cultura política,
são mais avançados, enquanto outros ainda não tem, ou apenas em forma
inferior e incompleta”. Nos ‘casos de ausência era necessário desenvolver a
cultura política, inculcá-la nos povos e sociedades ignaros”. Nesse sentido, diz
que no Brasil “o termo cultura política” aparece no título da “conhecida revista
do Estado Novo.
Importa destacar que como referência (nota de rodapé) sobre a revista Cultura
Política utiliza o texto de Ângela Castro Gomes, publicado em 1996, História e
historiadores: política cultural do Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
O objetivo era criar uma cultura política para uma nação considerada em
estágio infantil”.

16 Destaca que “curiosamente, após o fim do Estado Novo e o fechamento da


revista “Cultura Política, o Partido Comunista apropriou-se do termo” em “sua
mais importante “publicação teórica: Problemas – Revista Mensal de Cultura
Política, que circulou entre 1947 e meados de 1950”. A intenção no uso do
termo deveria ser “atuar na formação e disseminação de valores políticos
comunistas”.
Sobre como o conceito de cultura política “ ganhou estatuto acadêmico e as
primeiras reflexões sistemáticas nos anos de 1950 e 1960, em meio ao debate
das ciências sociais americanas”, visando “compreender melhor a origem dos
sistemas políticos democráticos”. Os autores usaram o termo questionando as
explicações tradicionais, partiram da percepção “da insuficiência dos
paradigmas iluministas que viam o homem como ator político racional”. Nesse
debate, “alguns cientistas sociais começaram a formular a hipótese de que
democracias estáveis demandavam cidadãos com valores e atitudes políticas
internalizadas, ou seja, a presença de uma cultura política”.
Aponta como outro motivado para esses estudos a “preocupação de fortalecer o
campo ‘democrático’, num contexto de disputa com o bloco socialista”.
“Nesse campo, ficaram célebres os trabalhos de Gabriel Almond e Sidney
Verba, principalmente no livro The Civic Culture. Influenciados pelas pesquisas
da antropologia, mas principalmente da psicologia, eles entendiam que a
compreensão das ações políticas demandava enfoque capaz de entender a
influência de valores, sentimentos e tradições

17 ” Criaram um esquema “para enquadrar as diferentes formas de cultura


política”: “cultura política paroquial, cultura política da sujeição e cultura
política participativa”. A última era o estágio superior.
Ressalta que o esquema teórico proposto pela dupla não era tão simplório”, pois
eles “apontavam a complexidade do fenômeno e a presença de situações
híbridas, sociedades em que vigoravam simultaneamente dois ou mesmo os três
tipos de cultura política”. E por isso criaram o termo subcultura política. Alerta
que “a cultura política por esses autores é pensada em termos de espaço
nacional (alemão, italiano, inglês e etc), com óbvias implicações etnocêntricas.
Os historiadores, como “foi comum ao longo do século XX”, “se apropriaram
de mais essa construção teórica da ciência sociais”. Apresenta Bernard Bailyn, e
sua obra As origens ideológicas da Revolução Americana” (1967), em “
referência ligeira menciona a influência de uma cultura política anglo –
americana sobre os colonos que se rebelaram e construíram uma nova nação”,
que recomendaria conforme Motta explica em sua nota de rodapé que
recomendava os países em atraso “investir na modernização industrial e no
desenvolvimento da educação, pois tais processos ajudariam na formação da
cultura cívica. Porém, advertiam, que a verdadeira cultura política democrática
demandaria tempo para ter consolidados seus valores básicos (pluralismo,
tolerância, moderação, confiança nas instituições entre outros) ”.
18 No entanto, segundo Motta, entre 1950 e 1970, “a historiografia mais dinâmica
estava pouco interessada em estudar fenômenos políticos”.
Será no início dos anos de 1990 que S. Berstein e J.F. Sirinelli. São
“historiadores franceses externos ao movimento dos Annales, que
tradicionalmente foi pouco receptivo à história política”. Cita que eles
trabalham no Fundação Nacional de Ciências Políticas e no Instituto Político de
paris, sob a liderança de René Rémond, cuja obra Por uma História Política
(1988- ano da primeira edição) tem “entre seus colaboradores’ Sirinelli e
Berstein.
19 Apresenta a obra Por uma História Política e sua importância para os caminhos
trilhados pela ‘nova’ história política, e, também, para situar os estudos de
cultura política nesse processo. Mas, Motta, aponta que não há um capítulo
específico sobre cultura política, porém “não está ausente do trabalho”, mas
aparece em referências breves na introdução e conclusão, escritas por Rémond.
Rémond, de acordo com Motta, “ prenuncia que cultura política, conceito novo
tendia a ocupar lugar de destaque em futuros trabalhos e apresenta definição da
categoria mais próxima de modelos tradicionais, associando-se à configuração
nacional (“ethos de uma nação”, “gênio de um povo”.
Motta, na nota de rodapé, mais uma vez, faz comentários importantes, inclui a
citação completa de Rémond e cita o trabalho de Lynn Hunt sobre a Revolução
Francesa, na utilização do conceito de cultura política.
Para finalizar a análise diz que os historiadores franceses, diferentes dos
americanos, são mais influenciados pelos estudos da antropologia, de cujo
conceito de cultura se apropriaram.
20 Esses autores “formularam outra forma de conceber cultura política, tomando
por base duas críticas principais ao modelo americano”: etnocentrismo e a
superioridade da cultura política cívica (ou democrática) aliada a perspectiva
nacional, considerada generalista “ao atribuir a todo um povo as características
de uma mesma cultura política”.
Porém, cabe ressaltar, que na nota de rodapé, Motta acrescenta que os
argumentos críticos de Berstein, em relação aos estudos de Almond e Verba,
visa a um tema secundário, deixando de atacar o ponto principal que seria
“resumir toda a gama do fenômeno de culturas políticas a apenas três formas
essenciais”.
“Ao contrário, os historiadores franceses, preferem enfatizar as diferenças
existentes dentro de um mesmo espaço nacional, a ‘pluralidade de culturas
políticas’ (Berstein, 1988: 354) ”. Buscam “identificar as diferentes culturas
políticas que integram e disputam um mesmo espaço nacional. Dessa forma,
privilegia-se o estudo das culturas políticas comunista, socialista, liberal,
conservadora (tradicionalista), republicana, entre outras que Berstein chama de
famílias políticas”. Mas, Motta, destaca que não fica clara a diferença,
distinção entre cultura política e família política. Porém, Motta destaca que
Berstein aponta “a necessidade de tratar culturas políticas sempre no plural,
Bernstein admite, em determinados contextos, a predominância de algumas
delas, como a cultura republicana na França dos anos iniciais do século XX”.
O contexto político francês, com disputas acirradas em diferentes momentos,
“em que não há consensos políticos básicos e os grupos se engalfinham em
torno de projetos mutuamente excludentes, fica difícil imaginar a existência ade
referências políticas coletivas, aceitas sem contestação por todos ou mesmo pela
maioria”.
21 Em seu trabalho mais recente, Cultures politiques en France, Berstein,
“partindo da constatação de que a exceção francesa já não existiria mais
(Berstein, 1999: 396). A França estaria vendo o fim da característica que a
distinguia de outros países centrais: o fato de ser dividida e conflagrada por
culturas políticas rivais. Nos albores do século XXI, o país caminharia para um
quadro de virtual consenso básico em torno dos valores liberal-democráticos, de
modo que deixava de ser exceção e se aproximava do modelo de cultura política
dos outros países desenvolvidos”.
Neste texto, para Motta, Berstein “deixa entrever uma oposição menos rígida
em relação à conceituação ao estilo norte-americano; e ao chamá-las de
subculturas, implicitamente está sendo admitida a existência de uma cultura
política nacional”. Assim, não “há razão para se opor os dois modos de aplicar
o conceito”, cultura política e culturas políticas disputando para ocupar o
mesmo espaço. Diz que essa discussão será retomada mais adiante, mas por
agora Motta ressalta que “as duas maneiras são válidas”.
A partir dessa historicidade e das características das reflexões já realizadas,
Motta aponta que “ é possível, além de necessário, construir uma conceituação
de cultura política”, na tentativa de aprofundar o debate. Segundo o autor:
“Uma definição adequada de cultura política, evidentemente influenciada
pelos autores já mencionados, poderia ser: conjunto de valores, tradições,
práticas e representações políticas partilhadas por um determinado grupo
humano, que expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns
do passado, assim como fornece inspiração para projetos políticos
direcionados ao futuro”.
Explica o entendimento sobre a categoria representações: “com base em
enfoque de sentido amplo, representações configuram um conjunto que inclui
ideologia, linguagem, memória, imaginário e iconografia, e mobilizam,
portanto, símbolos, discursos, vocabulários e uma rica cultura visual (cartazes,
emblemas, caricaturas, cinema, fotografia, bandeiras e etc.)”.
22 De acordo com Motta o trabalho “com tal tipo de conceituação traz uma série
de questões e implicações, e sugere algumas reflexões” que são apresentadas de
forma mais detalhada. Em síntese apresenta que:
 “As variadas formas de manifestação das culturas políticas podem ser
mais bem observadas em dimensão comparativa”. Ou seja, “quando
comparadas com culturas políticas diversas, melhor visualizamos suas
características e peculiaridades ficam mais visíveis quando comparadas
com o diferente, o outro”.
 Cita Fernand Braudel, para apontar que é preciso “para configurar uma
cultura política seria preciso num mínimo uma média duração, ou em
alguns casos possam ser classificados como de longa duração (a
exemplo de republicanismo, liberalismo e socialismo) ”. Aponta que é
inadequado usar cultura política para situações efêmeras. A força do
conceito “reside exatamente em mostrar como certos comportamentos
políticos são influenciados por elementos arraigados na cultura de um
grupo. O valor explicativo do conceito reside em mostrar como as ações
políticas podem ser determinadas por crenças, mitos, ou pela força da
tradição. Por isso não há lugar para o efêmero”.
 “As diferentes culturas políticas não devem ser encaradas como
realidades estanques, como se estivessem encerradas em si mesmas e
imunes ao contato com as outras, concorrentes na disputa pelo espaço
público e controle do Estado”. As vezes embora diferentes, se deixam
influenciar, especialmente quando encontram “grande aceitação social”.
“As que demonstram maior rigidez e dificuldade para se reciclar correm
sério risco de esclerosar-se e perder densidade social, como tem
acontecido em alguns casos (Berstein, 1999,394-395) ”.

23  “Restringir os estudos de cultura política o tema das representações


pode empobrecer as compreensões do fenômeno, pois as ações e
práticas por elas ensejadas, e que também atuam na sua constituição, são
igualmente importantes”.
“Porém, as representações, ou os diferentes modos como os grupos
figuram o mundo, são determinantes para suas escolhas e ações, pois os
homens agem a partir de apreensões de realidade. Como sabemos elas
são inevitavelmente incompletas e imperfeitas; no entanto algumas
implicam distorção maior da realidade, devido a interesse, paixão
política ou sentimentos como o medo. Influenciados por tais
representações, os homens orientam suas ações, e às vezes agem
movidos por paixões que cegam.
 Também é importante considerar, “seguindo sugestiva análise de Serge
Berstein (desenvolvendo argumento original de Almond e Verba) a
existência de vetores sociais responsáveis pela reprodução das culturas
políticas”. Como:
“família, instituições educacionais, corporações militares, partidos e
sindicatos”. Aponta também os vetores de socialização como as Igrejas
e os “veículos de disseminação impressos, como periódicos e livros”.

24 Ao detalhar os diferentes veículos de socialização ressalta que é preciso


esclarecer uma confusão frequente entre formações partidárias e culturas
políticas. “As culturas políticas são construções que transcendem as
instituições partidárias”.
 “O conceito pode ser aplicado a espaços sociais diferenciados, servindo
para designar desde a coletividade reunidas a volta de projetos
específicos de ordenamento da sociedade (liberalismo, socialismo, etc.)
até grupos nacionais ou mesmo regionais”. Nesta parte, faz
considerações sobre o uso do termo subcultura. Diz que há: “a opção,
também de manter a cultura política para designar coletividade nacional
e usar-se subcultura par aos diferentes grupos em disputa no interior do
espaço nacional, tanto os ligados às grandes tradições (liberalismo,
socialismos, etc.) quanto, no caso de alguns países, aqueles identificados
com discursos regionais”. Diz que “não é fundamental discutir a
adequação ou não do termo subcultura. Mais importante é perceber que
não há incompatibilidade entre os dois modos de conceber cultura
política, no singular e no plural, o modo pluralista e a perspectiva
nacional”. Portanto, para Motta, é “ possível admitir a existência de uma
cultura política brasileira, por exemplo ao mesmo tempo convivendo
com culturas ou subculturas que disputam esse espaço nacional, e que
podem apesar de suas divergências, carregar algumas características
semelhantes em função do pertencimento comum”.
25  Nem “toda história cultural do político implica no uso da categoria
cultura política”.
Portanto, para os que se aventuram no campo da história cultural
do político é preciso atenção para não confundir, por exemplo
imaginário político com cultura política.
 Outro tipo de confusão possível é que “cultura política não é sinônimo
de política cultural, que pode ser definida como o conjunto de ações de
determinado Estado ou agente político direcionadas à cultura”. O autor
destaca que “algumas culturas políticas servem de inspiração par
autoridades estatais criarem suas políticas culturais, a exemplo do que
ocorreu na União Soviética com o realismo socialista. Mas em que pese
esses ‘pontos de encontro’, política cultural e cultura política são coisas
distintas”.
26  Outra questão fundamental que merece reflexões “são as relações
polêmicas existentes entre os estudos de cultura política e a tradição
marxista. Trata-se de uma relação em que há algumas áreas de
convergência, mas também muitos pontos de tensão e eventuais
choques”.
Apresenta, em seguida, reflexões sobre o questionamento dos modelos
marxistas economicistas como uma das razões da descoberta dos
trabalhos de Antônio Gramsci, “cujas reflexões ofereceram
compreensão mais sofisticada sobre o papel de cultura. Destaca também
outros autores como Thompson e Willians, “com trabalhos renovadores
e questionadores dos cânones do marxismo tradicional.
Diz ainda que, pode “ser atribuída à influência marxista a existência de
uma vertente peculiar de apropriação do conceito de cultura política, que
associa o fenômeno à estrutura de classes. Daí a existência de estudos
dedicados à cultura operária, ou à cultura política popular, por
exemplo”. Nesses estudos, embora nem sempre fique claro, o suposto é
de que a cultura política “é determinada pelo fator socioeconômico”. O
problema maior é a generalização de todo um grupo social, por
exemplo, à classe trabalhadora como se tivessem comportamentos e
valores políticos idênticos, desconsiderando as peculiaridades internas
dos grupos estudados.

27 Destaca que, estudos “que enfatizam o potencial agregador das


representações podem oferecer mais consistência, pois não supõem
coincidência entre classe e política. As culturas políticas mais sólidas,
como comunismo, republicanismo ou fascismo, para ficar apenas em
alguns exemplos, cruzam as diferentes classes sociais e atraem pessoas
de origens diversas. E, na história de partidos de esquerda encontram-se
de fato, caso de forte identificação entre grupo social e projeto político.
Mas há momentos em que as organizações de esquerda fazem chamados
mais amplos, dirigindo-se às mulheres, aos jovens e mesmo aos
pequenos proprietários e, às vezes à vasta e indefinida categoria povo,
de modo que as culturas políticas de esquerda atraem aderentes da mais
diversa origem social”. Ressalta que é preciso cuidado para evitar
excessos generalizantes, pois há grupos de trabalhadores mais propensos
a se deixar sensibilizar por apelos de direita.
O último ponto fundamental para discutir as relações entre marxismo e
as pesquisas sobre cultura política é a categoria ideologia. Apresenta
dois conceitos de ideologia. O primeiro significa “falsa consciência e
implica mascaramento da realidade”.
Argumenta que a categoria ideologia em sua segunda conceituação
“significa um conjunto de ideias que dá forma a determinados projetos
políticos e impele à pela conquista do poder e aí teríamos a ideologia
fascista, a liberal, a socialista, etc.”.
Segundo Motta, esse segundo conceito, é compatível com cultura
política e enriquece a compreensão do fenômeno.

28 Afirma que “muitas das culturas políticas consistentes possuem


ideologia, entendida como um sistema de ideias que constitui o seu
cerne”. Mas alerta que, “é importante não resumir uma coisa à outra e
perceber que a cultura política transcende e vai além da ideologia, ao
mobilizar sentimentos (paixões, esperanças, medos), valores (moral,
honra, solidariedade), representações (mitos e heróis) e ao evocar a
fidelidade a tradições (família, nação, líderes). Toda força da categoria
cultura política reside na percepção de que parte das pessoas adere
menos pela concordância com as ideias e mais por identificar-se com os
valores e as tradições representadas pelo grupo”.
Para concluir, essa parte, aponta que a primeira acepção de ideologia
“enfatiza a manipulação e o logro, enquanto cultura política implica a
suposição que pessoas aderem a certas representações da realidade
capazes de oferecer compreensão do mundo, a o mesmo tempo
fornecendo identidades à que se filiar”. Diversas culturas políticas
concorrem entre si para a conquista de pessoas em meio a diversos
grupos sociais, mas isto “não significa negar a ocorrência de
manipulação e logro em outras instâncias do jogo político”.

p. 29 Em relação às possibilidades de se trabalhar com a categoria culturas


políticas no campo historiográfico, Motta afirma que elas são “amplas e
férteis”. Segundo ele, “estudos inspirados por esse campo conceitual
permitem uma compreensão mais rica e sofisticada do comportamento
político, indo além da tradicional ênfase no interesse e na adesão a ideias
como fatores motivadores. Sem a intenção de opor à escolha racional um
paradigma culturalista, os estudos dedicados às culturas políticas revelam
outras dimensões explicativas para os fenômenos políticos, como a força
dos sentimentos (paixão, medo), a fidelidade a tradições (família, religião) e
a adesão a valores (moral, honra, patriotismo)”.
p. 29 No caso do Brasil, Motta elenca algumas lacunas e possibilidades que
poderiam ser abordadas a partir da categoria culturas políticas, desde
aquelas que poderiam partir de olhares comparativos, assim como aquelas
voltadas para as singularidades. Nesse caso, destaca o interessante caso do
Partido dos Trabalhadores, “[...] cuja peculiar militância política inspirou o
uso da expressão petismo. Teria o PT originado uma cultura política
própria? Seja qual for a resposta, seria necessário perceber a influência
sobre o petismo de culturas de esquerda precedentes, como a socialista e a
comunista”.
p. 29- Para Motta, não há necessariamente uma incompatibilidade entre o uso da
30 categoria culturas políticas com enfoque pluralista e seu uso no singular,
pensada a partir de grupos nacionais. Destaca a abordagem singular, na
tentativa de caracterizar a cultura política brasileira, por outros estudiosos,
dentre os quais José Murilo de Carvalho (2000).
Sobre o caso brasileiro, Motta chama a atenção para o tema da conciliação,
“[...] traço marcante da cultura brasileira de maneira geral, não dizendo
respeito apenas à política”. Em relação à conciliação, apresenta os estudos
de Roberto Datta (1997), Gilberto Freyer (1959) e José Honório Rodrigues
(1982), que já apontavam para esse traço na cultura brasileira.
Motta acredita, contudo, que “a força da tradição conciliatória no Brasil
talvez seja uma razão para o comtismo ter encontrado tantos adeptos no
país. A divisão “ordem e progresso” é síntese perfeita do espírito
conciliador, que entre nós se materializou em arranjos políticos de perfil
modernizante-conservador”.
p. 30- Rodrigo P. Sá Motta entende que o recurso a conciliação torna-se mais
31 visível a partir do olhar comparativo. Cita comparações entre Brasil e EUA,
e Brasil e Argentina.
Em relação ao período da história contemporânea do Brasil e da Argentina,
o autor destaca que: “em que pesem as semelhanças, na Argentina houve
pouco compromisso entre os grupos rivais: expurgos dramáticos no serviço
público, matanças maciças de parte a parte e golpes sanguinários. No Brasil
houve repressão e expurgos, bem o sabemos, mas os regimes autoritários
temperaram perseguição com cooptação, violência extralegal com o uso de
mecanismos legais. Essa é uma das principais razões porque a transição
política no Brasil foi mais suave e menos dramática para os militares
envolvidos com a repressão, enquanto na Argentina vários chefes foram
julgados e condenados. Ressalve-se que não se está dizendo que as nossas
ditaduras são melhores do que as deles, menos ainda negando a existência
de violência política no Brasil, o que seria tolice”.
p. 31 Sobre a conciliação, Motta faz a seguinte provocação: “a conciliação à
brasileira traz mais vantagens ou desvantagens?”
Para ele, “considerando o saldo positivo, é mais fácil passar de um regime a
outro, com menos violência e ódio, menores traumas a administrar;
portanto, há terreno mais fácil para abrir caminho à mudança. Porém,
olhando pelo outro prisma, alguns problemas tendem a não ser resolvidos, e
sim postergados para um futuro indefinido. No que tange ao período
ditatorial, o melhor é perdoar, e com isso evitar novos traumas (pense-se
nos levantes dos caras-pintadas na Argentina, em resposta às punições aos
militares pelo governo Alfonsín), ou punir culpados e com isso
desestruturar os grupos que tomaram parte na repressão? Qual o melhor
caminho para superar o autoritarismo e consolidar a democracia?
p. 31- Motta entende que a tradição conciliadora não basta para caracterizar uma
32 cultura política. Segundo o autor, no caso do Brasil “[...] há outros temas a
explorar, como os laços frágeis entre povo e cidadania [...]”, dentre outros.
Ainda sobre as possibilidades dos estudos de culturas políticas, destaca as
pesquisas sobre culturas regionais que, conforme de menciona, “podem
abrir um bom filão de análise”.
A respeito desse aspecto afirma: “[...] mesmo não se configurando a
existência efetiva de culturas políticas regionais, será possível compreender
melhor as representações políticas construídas pelas elites desses estados, e
sua maior ou menor capacidade de persuadir as pessoas a identificarem-se e
a agirem de acordo com tais construções”.
p. 32- Na última parte do texto, Motta dedica-se a discutir os riscos e os desafios
33 que o uso da categoria culturas políticas implica.
Entre os riscos, destaca a possibilidade de exagerar uma linha de
interpretação conservadora da história. De acordo com Motta, “se a política
é presa à tradição e arraigada à cultura, podemos ser tentados a enxergar
uma história imóvel, na qual nada muda e tudo é eterna repetição”.
p. 33 Outro risco trata-se da “[...] possibilidade de incorrermos numa espécie de
reducionismo culturalista, que tem duas implicações. Primeiro: a tendência
a absolutizar a determinação cultural dos fenômenos políticos, desprezando
outros fatores como o interesse e a escolha individual”.
p. 34 A segunda observação, para Motta, refere-se ao reducionismo culturalista.
Para o autor: “o relativismo radical deve ser evitado, pois leva à conclusão
de que qualquer representação é aceitável, pois todas são parciais. Não é
verdade: algumas são mais distorcidas, às vezes falsas, enquanto outras
produzem versões mais próximas da realidade”.
“Em suma, as culturas políticas resultam da imbricação entre práticas e
representações, e o olhar sensível a apenas uma das esferas é
empobrecedor”.
p. 35 Motta alerta para o fato de que a aplicação da categoria culturas políticas
merece atenção tendo em vista os argumentos sobre a “[...] suposta
fragilidade dos laços entre os brasileiros e a política”.
Essa linha argumentativa afirma que as culturas políticas no Brasil “[...] são
frágeis, pouco enraizadas e com adesão superficial. A não ser na vertente
eurocêntrica do conceito, para a qual, então, o Brasil não teria cultura
política, seria politicamente “inculto”, essa constatação não tira a
legitimidade da aplicação da categoria à história do nosso país. Como disse
antes, esse pode ser um traço da cultura política brasileira: frágil cidadania,
pouco envolvimento da população com a coisa pública. De qualquer forma,
é um dado a ser considerado em futuras pesquisas, para que possa
dimensionar adequadamente as formas de manifestação de cultura política
no Brasil”.
p. 35 Outro desafio apontado por Motta diz respeito à necessidade de investir em
discussões de metodologias de pesquisa. Para ele, fontes quantitativas como
qualitativas são bem vidas aos trabalhos dos historiadores que pensam em
abordar a categoria culturas políticas. Para ele, “[...] fontes quantitativas
podem servir para testar hipóteses correntes sobre comportamentos
políticos supostamente calcados na tradição”.

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