A Cosmologia Na Sala de Aula (Miolo, Prova 1)
A Cosmologia Na Sala de Aula (Miolo, Prova 1)
A Cosmologia Na Sala de Aula (Miolo, Prova 1)
Horvath
Marinho, Paulucci, L.
Bibliografia.
ISBN 978-65-5563-000-0
1. XXXXXX
00-0000000 CDD-000.0000
1. XXXXX 000.0000
ISBN: 978-65-5563-000-0
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1998.
Apêndices 199
Introdução
Boa leitura!
Os autores - Fevereiro de 2022
Capítulo 1
epistemológica das Ciências tal como nós as concebemos. Como exemplo, pude-
mos testemunhar um episódio que aconteceu em um congresso internacional da
União Astronômica Internacional, onde uma astrônoma profissional dos Estados
Unidos descreveu uma viagem a um mosteiro do Tibete com o intuito de “mostrar
para os monges qual é seu lugar no Universo”. Por mais delirante que possa pare-
cer esta pretensão, o pior de tudo foi que nenhum dos 150 astrônomos e educado-
res presentes a achou descabida (a menos de um dos autores deste livro...). Boa
parte das diferenças descritas antes estão em evidência direta neste breve relato.
Para muitos antropólogos e sociólogos, estas esferas são incomensuráveis, e a
submissão da cosmovisão à Ciência resulta inevitável dado o ponto de vista ado-
tado. A alternativa às vezes seguida (o Relativismo Cultural) é igualmente pro-
blemática, mas por outras razões.
Tendo diferenciado e caracterizado os termos mais comuns utilizados, e
os fundamentos que os embasam, procederemos neste texto a discutir a Cos-
mologia como reconstrução racional da história do Universo fundamentada na
tradição Ocidental. Dentro de cada assunto ficarão evidentes os métodos e idei-
as que pairam nesta tarefa, tão importantes quanto os fatos apresentados como
“verdadeiros”, já que estes dependem daqueles de forma direta. Um panorama
histórico pode ajudar a ver com maior clareza esta longa tarefa que recebemos e
desenvolvemos nos dias de hoje, e a conectar o corpus de conhecimento com o
resto da cultura humana.
■ O Universo na Pré-História
A visão ambiente no qual estamos imersos, tanto o local (ou “Mundo”)
quanto o global (o “Universo”) deve ter sido contemporânea à emergência da
consciência humana e sua organização social elementar, ao menos como “cos-
movisão” no sentido do ponto anterior. A organização das sociedades (primeiro
caçadoras-coletoras, antes da emergência de grandes civilizações) teve segura-
mente os céus como atores importantes, já que existe farta evidência em um
número de casos da interdependência do mundo terreno com o cósmico . Po-
rém, não devemos esquecer a dimensão humana destas relações: já que se os
céus estão presentes para todos, a construção de uma relação com os objetos
reais e mitológicos é própria de cada cultura e cada momento histórico, não uma
realidade empírica objetiva como é para nós hoje, a ser entendida e quantitati-
vamente descrita.
A Cosmologia na sala de aula 19
Figura 1.1. O carreto do Sol achado em Dupljaja, atual Sérvia, um dos exemplos de transporte do
Sol compartilhado por várias culturas européias e indicativa de uma matriz cultural de traços
comuns Proto-Indo Europeus.
Figura 1.2. O Disco de Nebra, achado na atual Alemanha, representa o Sol, a Lua e as Plêiades (o
conjunto de pontos entre os dois). A datação é de uns 2000 A.C. Os arcos podem representar o
levantamento e o ocaso do Sol entre os solstícios. Fonte: Goethe Universitat Frankfurt
Mesopotâmia
Figura 1.3. Babilônia no centro do Universo, tanto na Terra quanto nos céus indicados pelo Zodíaco.
22 A Cosmologia na sala de aula
Egito
Figura 1.4. O básico de várias cosmologias do Mundo Antigo, incluindo a Egípcia e a Hebraica. A
Terra e o Céu estavam sustentados por pilares, com um infra-mundo inferior e água além do
firmamento que contém as estrelas.
A Cosmologia na sala de aula 23
Figura 1.5. A deusa Nut (o céu estrelado) arqueada acima de Geb (a Terra, deitada) e mantida com
a ajuda de Shu (com as mãos em alto).
Índia
Figura 1.6. O complicado esquema da Terra sustentada por quatro elefantes acima de uma tarta-
ruga na cosmologia hindu. A serpente que morde seu rabo é indicação do tempo cíclico, medido
em dias de Brahma.
China
América
Figura 1.7. Wiracocha, o criador do mundo, segundo os Incas, tudo começou no lago Titicaca.
África e Brasil
Figura 1.8. O mundo conhecido (esquerda) e o Universo (direita) de Anaximandro. Estas são as
primeiras representações gregas do mundo natural conhecidas.
A Cosmologia na sala de aula 31
ceito de vácuo, o qual embora correspondesse ao não-ser parmenídeo (ou seja, não
caracterizava nenhuma substância), tinha existência perfeitamente concreta co-
mo substrato no qual os átomos se movimentam, sendo essencial para o movi-
mento deles. Tudo o que há no Universo, segundo os atomistas, seria composto
por átomos e vazio, como a música que seria composta por notas e pausas (certa
duração de silêncio). Átomos se diferenciariam por sua geometria (como a dife-
rença entre as figuras A e N), pela disposição ou ordem (como as diferenças entre
NA ou AN) e pela posição (como N é um Z deitado). Diferentes combinações e
proporções seriam responsáveis pelas diversidades de corpos. Vemos que o Uni-
verso atomista não contém uma única substância primordial, mas átomos indes-
trutíveis de muitas classes. Ainda mais, os átomos podiam se combinar por fica-
rem “enganchados”, e formar outras substâncias. Assim sendo, podemos dizer
que os atomistas inventaram o conceito moderno de molécula [21].
A Cosmologia atomística reconhece pela primeira vez que a Via Láctea é
formada por estrelas, as quais não enxergam como muito distantes e sim como
muito pequenas (Demócrito). Esta afirmação é o primeiro registro histórico que
conhecemos do chamado problema da escala de distâncias no Universo [22]. Os
filósofos gregos provavelmente não poderiam compreender uma “especializa-
ção” como a de nossos dias, já que para eles todos os problemas da Natureza
eram importantes e interligados. Já na cosmogonia atomística, a origem do
mundo seria explicada por um processo puramente mecânico e aleatório, sem
recorrer à intervenção de uma inteligência sobrenatural. Os átomos se movendo
no vácuo infinito com movimentos retilíneos e velocidades desiguais poderiam
se chocar e da formação de imensos vórtices ou turbilhões se originariam a Terra
e os mundos. O atomismo grego não tinha nenhuma possibilidade de experi-
mentar e comprovar suas idéias, e de fato iam decorrer 20 séculos até que isto
fosse feito. Contudo, a visão da escola atomística a respeito deste problema foi
um marco conceitual historicamente importante para compreendermos a ma-
téria e o Universo, pelo menos depois dos aportes de Newton e outros à ideia de
unidades fundamentais.
Sócrates no século V A.C. marca um desvio importante do interesse nas
questões “naturais” para as humanas (de fato os pré-socráticos eram conhecidos
como “os físicos” em reconhecimento a seus interesses e trabalho), mas o méto-
do socrático de se chegar a verdade, conhecido como maiêutica, embutia ideias
do que mais tarde comporia o método científico. Os sucessores de Sócrates, os
quais incorporaram e reciclaram boa parte do pensamento socrático, são dois
34 A Cosmologia na sala de aula
Figura 1.9. O Universo aristotélico (gravado em madeira das Crônicas de Nuremberg, 1493). Sucessi-
vamente encontramos as esferas dos planetas, o Zodíaco e as estrelas. Além delas, Deus e os anjos
habitam o Cosmos.
Figura 1.10. A Lua em quadratura, os ângulos que Aristarco mediu a olho nu (em preto) e os valores
reais (vermelho). Embora o raciocínio é correto e muito agudo, era praticamente impossível uma
acurácia maior sem nenhum instrumento. Assim, o tamanho do Sol e da Lua, embora significati-
vamente grandes, ficaram aquém dos seus valores reais. Mas este problema prático não diminui o
valor da visão de um grande cientista.
38 A Cosmologia na sala de aula
Figura 1.11. O logaritmo da distância estimada até as estrelas através do tempo utilizando-se como
referência a distância da Terra ao Sol. Os pontos correspondem, em sequência, aos modelos de
Eudoxo (~400 a.C.), Aristarco (~300 a.C.), Ptolomeu (~150 d.C.), Descartes e Bruno (~1600), Bessel
(~1838) e o intervalo de valores do “século 20” (> 1930) (vide texto).
Figura 1.12. Esquerda: Roger Bacon (1214-1294) conduzindo experimentos, num gravado de 1617.
Direita: o Bispo Robert Grosseteste (1175 - 1253), estudioso da luz e criador de um cenário precursor
do Big Bang.
Sol e a Terra não eram nada “especiais”. Isto provocou uma forte reação da Igreja
Católica, ameaças a Galileu pela defesa desta “heresia” e convulsão por décadas
no meio intelectual. Veremos mais para frente que Copérnico é um dos pilares
da construção dos princípios que balizam a Cosmologia atual.
Com estas perspectivas, e seguindo um raciocínio bastante lógico, Des-
cartes considerou o Sol e as estrelas como sendo “da mesma” natureza. Um pou-
co antes, e por razões mais teológicas e filosóficas, Giordano Bruno tinha chega-
do à noção de um Universo infinito onde cada estrela era identificada como um
“Sol”, com seu próprio sistema planetário. Assim, para explicar as observações, a
estimativa da distância até as estrelas aumentou ordens de grandeza, ainda,
porém, sem a possibilidade de se efetuar medidas concretas. Cabe apontar que
o matemático e astrônomo indiano Aryabhata tinha formulado esta ideia (Sol =
estrelas) 1 milênio antes , mas isto era desconhecido para Copérnico, Bruno e
Descartes.
Com o desenvolvimento dos telescópios e sua utilização para estudar o
céu, a caça às distâncias estelares passou pela primeira vez a um plano experi-
mental, não mais filosófico e doutrinário. O próprio Galileu tentou estimar estas
distâncias medindo os diâmetros estelares, mas conseguir perceber, a partir da
imagem em sua luneta, que o raio de uma estrela, mesmo das mais próximas,
estava muitas ordens de grandeza além da sua capacidade tecnológica (e de
fato só pôde ser atingido bem recentemente). Mas estavam colocados os alicer-
ces para uma exploração de caráter diferente nas questões cosmológicas, e de
certa forma aberta a porta da cosmogonia baseada em ideias científicas que se
desenvolveu a partir do século XX.
Johannes Kepler é uma figura importante nos primórdios da Revolução
Científica. Seu trabalho observacional que o levou à generalização e estabeleci-
mento das Leis de Kepler teve um impacto muito grande, mas na sua época
também o teve seu modelo de Universo. Kepler tentou construir as órbitas dos
planetas como inscritas nos sólidos platônicos. As órbitas nesta versão do Uni-
verso eram círculos perfeitos, e ao próprio Kepler coube esclarecer que isto não
correspondia com as observações. Mas embora o trabalho de Kepler revelou
regularidades (Leis) depois explicadas utilizando a Mecânica de Newton, sua
procura pelas formas universais é inegavelmente metafísica e prescritiva, ainda
baseada em ideias do Mundo Antigo que teve posteriormente que abandonar.
Kepler abre o caminho para a Astronomia atual onde estes elementos são con-
siderados “fora” da Ciência, embora existam inúmeros resíduos metafísicos par-
cialmente incorporados e não reconhecidos [24].
42 A Cosmologia na sala de aula
Figura 1.13. O Universo geométrico de Johannes Kepler. As órbitas dos planetas eram inscritas
dentro dos sólidos platônicos (esquerda), os quais por sua vez eram associados com os elementos
(direita, do manuscrito original).
onde 𝐴 é o vetor radial multiplicado pela área, e 𝑀𝑖𝑛𝑡𝑒𝑟𝑖𝑜𝑟 é toda a massa inte-
rior à área (geralmente suposta esférica sem perda de generalidade). Isto é o
Teorema de Birkhoff, que estabelece que somente a massa interior atrai as mas-
sas na borda, e que o exterior pode ser ignorado. Melhor ainda é utilizar a equa-
ção de Poisson para determinar o potencial gravitacional 𝜙 da distribuição de
massa, e depois obter a força resultante
𝜕 𝜕 𝜕
( + + ) 𝜙 = 4𝜋𝐺𝜌 , (1.2)
𝜕𝑥 2 𝜕𝑦 2 𝜕𝑧 2
Figura 1.14. Um Universo finito (círculo preto) onde cada estrela interagisse com as outras pela
força da gravitação, seria levado a um colapso num tempo finito. Isto somente é evitado se não
houver limite, ou seja, se for espacialmente infinito (embora possa haver colapso local neste últi-
mo, vide texto).
postula que a Via Láctea observada no céu era um efeito devido à nossa posição
próxima do centro, mas contida no plano horizontal da mesma. Wright anteci-
pou a forma da galáxia como um disco achatado onde grande parte das estrelas
se concentram, e também observou um conjunto de “nebulosas” que hoje sa-
bemos são outras galáxias, determinando em alguns casos sua estrutura espiral.
Mas caberia a Kant especular posteriormente que a Via Láctea era uma estrutura
gigantesca, mas que outras similares poderiam existir, por ele denominadas
“Universos-ilhas”. Kant pensava que os Universos-ilhas estavam separados por
distâncias muito maiores que a distância às estrelas, e chegou a este quadro
desde um ponto de vista puramente lógico, sem intervenção de elementos em-
píricos (vide Capítulo seguinte).
Do ponto de vista observacional, ainda haveria muito para acontecer no
problema da determinação da distância até as estrelas. Isto foi um dos proble-
mas mais importantes na consideração dos astrônomos já nos primórdios do
século XIX, mas agora com uma perspectiva concreta e sólida para sua solução
por meio das observações. Um prêmio em dinheiro tinha sido estabelecido para
quem apresentasse uma medida da paralaxe estelar, quantidade muito peque-
na que tinha escapado à detecção a olho nu na Antiguidade, e que está mistura-
da com o movimento próprio da estrela (vide Atividade Didática). A paralaxe
poderia potencialmente confirmar a visão de Aristarco e outros se detectada. O
prêmio foi finalmente concedido à Friedrich Bessel pela descoberta e medida da
paralaxe de 61 Cygni, a qual implicava uma distância de 11 anos-luz até ela, ou
um fator centenas de vezes maior que o “esperado” no modelo Ptolomaico. O
mundo das esferas com estrelas atreladas se desfez para dar passagem a um
Cosmos gigantesco, possivelmente até infinito, com as estrelas como “outros
sóis” como Bruno tinha imaginado.
Figura A1. a) A paralaxe trigonométrica da Atividade, a distância D pode ser medida medindo o
ângulo Beta e a distância da linha de base d. b) Na Astronomia, tudo é similar, mas a linha de base
precisa ser enorme para detectar o ângulo de paralaxe que é muito pequeno. No meio da figura se
mostram as imagens que vê o observador em cada caso.
𝑑/2
tan 𝛽 =
𝐷
A Cosmologia na sala de aula 47
1 𝑈. 𝐴.
𝐷= = 206 265 𝑈. 𝐴. = 3,26 𝑎𝑛𝑜𝑠 − 𝑙𝑢𝑧
1′′
Figura 1.15. Esquerda: Universo observado por W. Herschel, na imagem original da sua publicação.
Hoje sabemos que as “irregularidades” na distribuição das estrelas são causadas pela extinção da
luz pela poeira cósmica. O Sol é mais uma destas estrelas, que se encontram até distâncias de
milhares de anos-luz. (Plate 8, figura 4 do trabalho “On the construction of the heavens”, de William
Herschel, Philosophical Transactions of the Royal Society, vol.75 (1785), pp.213-266). Direita: um dos
telescópios refletores de Herschel, no caso com 6 m de distância focal, utilizados para construir o
mapa do Universo (Crédito: Royal Society, London).
te estão na nossa galáxia (de fato observamos as mais próximas a olho nu, e
algumas até dezenas de anos-luz com binóculos, mas sabemos que elas existem
até ~10 kpc de nós sem sairmos da galáxia). Estas escalas, desde poucos anos-luz
até os confins da nossa galáxia, é o indicado com o intervalo vertical mais à direi-
ta na Fig. 1.11, marcado como “século XX”. Mas a história de como as “outras ga-
láxias” vieram a ser finalmente comprovadas, e como isto aumentou de forma
absurda as dimensões atribuídas ao Universo, merece uma discussão à parte,
apresentada no próximo Capítulo.
Referências
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[6] E. Pásztor, Prehistoric Cosmology. A Methodological Framework for an Attempt to Reconstruct Bronze Age Cosmolog-
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Alberdi, Eds.. ASP Conference Series 409 ( 2009)
[7] O Livro dos Mortos do Antigo Egito, E. A. Wallis Budge (Org.) (Ed. Madras, São Paulo, 2019)
[8] Rigveda 10:129-6 . Henry White Wallis. The Cosmology of the Ṛigveda: An Essay. Williams & Norgate. (London,
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[10] N.J. Girardot, The Problem of Creation Mythology in the Study of Chinese Religion, History of Religions 15, 289
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[11] S.R. Gullberg, Astronomy of the Inca Empire: Use and Significance of the Sun and the Night Sky, (Springer Nature,
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[12] M.R. Gamarra, S.R. Gullberg, M Estrázulas, J.E. Horvath and C.A.Z. Vasconcellos, Inka's cosmovision, space,
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[14] https://pib.socioambiental.org/pt/Mitos_e_cosmologia, acessado em 1 de Agosto de 2021 e referências
nele sugeridas
[13] M.A. de Pádua Lopes da Silva. Mitos e cosmologias indígenas no Brasil: breve introdução. Em Índios no Brasil.
(Global, São Paulo 2005)
[15] vide a conferência de G. Afonso, Astronomia Indígena https://www.google.com/search?client=firefox-
bd&q=germano+afonso+cosmologias+brasil e referências nele sugeridas
[16] R. Santana da Silva, Orisun ati awǫn ayie ati awǫn aráyé. A cosmogonia Iorubá como uma proposta didática para a
explicação da origem do mundo e da vida no Ensino de História do 6º ano. (Dissertação, UFBA, 2017) e referências nele
sugeridas
[17] E. Ferreira Rocha, Resignificações da Cosmologia Afro-Brasileira, CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências
Sociais 11 (2010) e referências nele sugeridas
[18] K.Woortmann, Cosmologia e geomancia: um estudo da cultura Yorùbá-Nágô (1977). http://www.dan.unb.br
50 A Cosmologia na sala de aula
Figura 2.1: A nebulosa M51 (galáxia do Redemoinho) conforme observada, da esquerda para a
direita, por John Herschel em 1833 (aqui reproduzida do trabalho de G.F. Chambers [1]), Lord Rosse
em 1850 com seu telescópio de 1,8 m de diâmetro [2] e em imagem composta a partir de dados do
telescópio Hubble (imagem de NASA e STScI). A resolução da estrutura da galáxia aumentou
consideravelmente com o passar do tempo, mas só a partir da década de 1920 foi possível identifi-
car que muitas nebulosas eram de fato outras galáxias, compostas por ~bilhões de estrelas.
A Cosmologia na sala de aula 53
Figura 2.2: Uma fonte de luz, indicada pela estrela vermelha ao centro, emite igualmente em
todas as direções. Se não há nada que bloqueie a propagação da luz ou outra fonte no meio do
caminho, então a quantidade de luz delimitada pelas linhas radiais tracejadas é sempre a mesma.
A área a uma distância r1 da fonte, e indicada pelos 4 quadrados vermelhos de área A, é iluminada
pela mesma quantidade de luz total que chega na região à distância r2 = 2 r1, indicada por 16 qua-
drados vermelhos de área A. Deste modo, a iluminação em um dado quadrado de área A localiza-
do sobre r2 será 4 vezes menor do que a do mesmo quadrado à distância r1.
54 A Cosmologia na sala de aula
com 𝐶 uma constante a ser definida a partir de uma calibração da escala, ou seja,
o estabelecimento de um “zero” referencial. Tipicamente, determina-se que a
estrela Vega, a mais brilhante da constelação de Lira, a cerca de 25 anos-luz de
distância, é o “ponto zero” da escala.
De acordo com a equação (2.1), a magnitude aparente de um objeto
dependerá, portanto, da sua luminosidade e da distância entre a fonte e o ob-
servador, não sendo, deste modo, uma grandeza que caracteriza de forma abso-
luta a fonte.
Se soubermos exatamente o quanto de luz um dado objeto emite por
unidade de tempo (sua luminosidade) e medirmos o quanto de luz chega vindo
desta fonte sobre uma certa área (sua magnitude aparente), é possível estimar
sua distância ao ponto de medição. Quando existe um objeto com luminosidade
bem definida, permitindo realizar tal tipo de comparação, dizemos em Astro-
nomia que temos uma “vela-padrão”.
Uma vela-padrão já conhecida no início do século XX são as chamadas
variáveis Cefeidas. Estas são estrelas que, em determinado estágio de sua evolu-
ção, apresentam uma fase “pulsante”, na qual os seus raios, e consequentemen-
A Cosmologia na sala de aula 55
Figura 2.3: Diagrama HR, com indicação da localização da Sequência Principal, gigantes, supergi-
gantes e anãs brancas, além das regiões de instabilidade, que correspondem às fases nas quais as
estrelas apresentam variações periódicas do seu brilho, representadas por Cefeidas, variáveis de
longo período e RR Lyrae.
56 A Cosmologia na sala de aula
Figura 2.4: Relação período-luminosidade para variáveis Cefeidas na Pequena Nuvem de Maga-
lhães, conforme obtida por Leavitt e Pickering em 1912 [3]. À esquerda, magnitude aparente como
função do período e à direita, como função do logaritmo do período. Os pontos na curva de cima
representam as máximas luminosidades observadas para as Cefeidas, enquanto os de baixo,
representam seus valores mínimos. Note que, por não ser possível ainda determinar a distância
até a nuvem, o gráfico é apresentado em função da magnitude aparente dos objetos e não da
absoluta, o que não prejudica o indicativo de correlação entre as duas variáveis pois as distâncias às
Cefeidas da nuvem são essencialmente as mesmas.
A Cosmologia na sala de aula 57
Figura 2.5: Representação pictórica dos modelos de Universo propostos à época do Grande Debate
de 1920. À esquerda, o modelo de Curtis, de uma Via Láctea pequena, achatada, com o Sol (repre-
sentado pela estrela amarela) deslocado do centro, marcado com um xis. Ao centro, o modelo de
Kapteyn e van Rhijn, cerca de duas vezes mais extenso que o de Curtis e com o Sol praticamente no
seu centro. Nestes dois casos, as nebulosas (não mostradas) são de tamanho comparável à Via
Láctea e muito distantes, são “universos-ilha”. À direita, o modelo de Shapley, de uma Galáxia
muito maior, com uma distribuição de matéria praticamente esférica, com o Sol fora do centro e
nebulosas (representadas pelas nuvens cinzas) pequenas e muito próximas à Via Láctea.
Figura 2.6: Representação pictórica do processo de dispersão da luz causada pela poeira intereste-
lar e a influência sobre o espectro estelar. Uma nuvem de poeira espalha e absorve a luz passando
por ela, em proporção que depende da densidade de grãos de poeira, do comprimento de onda da
luz e da espessura da nuvem. O observador A vê a estrela mais avermelhada devido ao espalha-
mento do comprimento de onda menor pela poeira na nuvem enquanto o observador B enxerga
a luz espalhada (com menor comprimento de onda), resultando em uma nebulosa azulada. Note
que a forma do espectro da estrela é afetada pela passagem da luz pela nuvem.
A relação entre o período das Cefeidas e sua luminosidade foi obtida an-
tes sequer de haver a compreensão dos fenômenos físicos que ditavam o pro-
cesso oscilatório (a explicação veio em 1941 com Arthur Eddington). Deste modo,
é evidente que este foi um processo observacional, que dependeu da determi-
nação experimental das três quantidades físicas envolvidas: período, luminosi-
dade e distância. O período é uma determinação simples, obtido a partir da lu-
minosidade observada da estrela como função do tempo; a distância foi obtida
para estrelas próximas pelo método da paralaxe, que já era conhecido na época
60 A Cosmologia na sala de aula
e que teve um grande impulso no início do século XX com o uso de chapas foto-
gráficas (na época permitia a determinação de distâncias de até ~160 anos-luz);
já a luminosidade, parâmetro intrínseco da estrela, era obtida a partir do seu
brilho aparente e da sua distância, em um processo inverso ao que se faz no caso
de velas-padrão. E foi justamente este último ponto que trouxe as discrepâncias
evidentes no debate de 1920. A curva de calibração (luminosidade como função
do período de oscilação) para variáveis Cefeidas foi obtida com observações
feitas majoritariamente no disco da galáxia. Nesta região, a quantidade de poei-
ra tende a ser grande e sua influência sobre a luminosidade determinada não foi
levada em conta, o que resultou em uma curva que subestimava as luminosida-
des, portanto, as distâncias.
As observações realizadas por Curtis, Kapteyn e van Rhijn para a deter-
minação da estrutura da Galáxia foram feitas com estrelas localizadas no plano
galáctico. Aqui, a influência da poeira é grande e isso resultou em uma estrutura
pequena demais, com o Sol muito próximo ao centro, pelo fato de que a luz das
estrelas era bastante atenuada, resultando em fluxos não detectáveis na época
para estrelas muito distantes (a poeira não permite a observação clara no visível
acima de ~6600 anos-luz). Já Shapley observou aglomerados estelares no halo
galáctico, no qual a visibilidade é mais estendida pelo fato de haver uma peque-
na quantidade de poeira nesta região, o que o permitia determinar objetos mais
distantes, com a distribuição esférica observada. No entanto, o problema estava
na curva de calibração utilizada.
Estrelas são formadas a partir do colapso de nuvens moleculares no
meio interestelar. Quando terminam as suas vidas, elas ejetam parte desta ma-
téria, agora mais rica em elementos pesados, que acaba sendo “reciclada” para
formar novas estrelas. A cada nova geração de estrelas, portanto, a metalicidade
(quantidade de elementos mais pesados que o hélio) tende a aumentar. As es-
trelas do disco galáctico são mais ricas em metais do que as estrelas do halo,
mais antigas, presentes nos aglomerados globulares. A correspondência entre o
período e a luminosidade de Cefeidas depende da quantidade de metais pre-
sente nas suas atmosferas, sendo as mais ricas em metais (“classical Cepheids”)
mais luminosas do que as mais pobres em metais (“type II”), como mostrado na
figura 2.7. Isso ficou evidente na década de 1940 quando Walter Baade identifi-
cou as bases para as duas diferentes populações estelares (as componentes da
galáxia estão mostradas na figura 2.8).
A Cosmologia na sala de aula 61
Figura 2.7: Relação período-luminosidade para variáveis Cefeidas clássicas, que são ricas em me-
tais (pontos cinzas acima), e tipo II, que são pobres em metais (pontos coloridos), observadas na
Grande Nuvem de Magalhães conforme referência [3]. Está claro que sem separar estas classes o
erro induzido para a constante de Hubble será substancial, como aconteceu antes de 1940.
Figura 2.8: Estrutura da Via Láctea. À esquerda, representação das principais componentes da
Galáxia: o bojo central, com cerca de 6.500 anos-luz de raio, o disco com 160.000 anos-luz de com-
primento e 1000-3200 anos-luz de espessura, e o halo com pelo menos 326.000 anos-luz de ex-
tensão (considerando-se a distribuição de matéria escura). O Sol encontra-se a ~26.000 anos-luz
do centro (adaptado de Agência Espacial Europeia, ESA). À direita, representação artística com
detalhes do disco galáctico, seus braços espirais e barra central (fonte: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt
(SSC/Caltech)).
Figura 2.9: Exemplos de distribuições em duas dimensões que são: (a) homogênea e isotrópica, à
esquerda; (b) isotrópica mas não homogênea, ao centro; e (c) homogênea mas não isotrópica, à
direita.
64 A Cosmologia na sala de aula
Como podemos notar em uma noite de céus limpos, o Universo não pa-
rece homogêneo: é possível observar uma faixa de aparência leitosa, composta
por uma mais densa aglomeração de estrelas (quando olhamos na direção do
disco da Via Láctea), e regiões menos populosas, com objetos mais esparsos
(quando observamos fora do disco). Observação semelhante pode ser feita em
relação à distribuição dos elementos que compõem o sistema solar, por exem-
plo. O Princípio Cosmológico seria válido, portanto, apenas quando tratamos de
escalas de centenas de milhões de anos-luz, dimensões muito superiores às
definidas pelas escalas galácticas, e este assunto será retomado à luz das evidên-
cias no Capítulo 4.
Em 1915, Albert Einstein publica sua Teoria da Relatividade Geral, des-
crevendo a gravitação dentro de uma proposta na qual corpos em movimento
seguem os caminhos ditados pelas deformações de um espaço-tempo plano
devido à presença de matéria-energia (conforme será detalhado no Capítulo 3).
Em 1917, Einstein aplica as equações da Relatividade Geral ao Universo como um
todo [4] e, tomando o Princípio Cosmológico como válido, descreve um Universo
estático, finito, com uma curvatura esférica. Por acreditar em um Universo imu-
tável com o tempo, introduziu a chamada constante cosmológica, um termo de
repulsão que serviria para contrabalançar a atração exercida por um Universo
com uma distribuição homogênea de matéria. Este foi o primeiro modelo relati-
vístico de Universo, colocando as bases para os trabalhos seguintes.
Em 1922, Aleksandr Friedmann resolve as equações da Relatividade Ge-
ral de Einstein [5], também supondo válido o Princípio Cosmológico, derivando
um Universo esférico oscilante, que passa por fases de expansão e de contração.
Mais tarde foi verificado que esta solução era apenas uma das possíveis na Rela-
tividade Geral, que ficaram conhecidas como modelos de Friedmann, que serão
apresentadas no Capítulo 3.
Algumas indicações de que o Universo não era estático, apareceram já
no começo da década de 1920. O estudo de espectroscopia, quando a luz visível é
decomposta em suas cores, de fontes astronômicas é feito desde o começo do
século XIX, quando Joseph von Fraunhofer decompôs o espectro solar, notando
uma grande quantidade de linhas de absorção (escuras) no espectro. Estas li-
nhas são definidas pelos níveis de energia dos elétrons em um dado átomo e,
portanto, um conjunto de linhas é característico de um dado elemento. Quando
há deslocamento relativo entre a fonte de ondas eletromagnéticas e o detector,
há um deslocamento da posição das linhas em relação ao detectado quando a
velocidade relativa é zero. Classicamente, isso ocorre quando a velocidade relati-
A Cosmologia na sala de aula 65
Figura 2.10: Exemplo de um espectro galáctico, obtido com o software CLEA-VIREO, com três
linhas de absorção típicas indicadas: linhas H e K do cálcio e linha da banda G. Em vermelho, os
comprimentos de onda em laboratório (sem deslocamento), que correspondem a 3934, 3969 e
4304 Angstroms, respectivamente. Em azul, os comprimentos de onda identificados no espectro
da galáxia. A diferença entre cada par é o equivalente ao deslocamento sofrido.
𝜆−𝜆0 𝑣
≃ (2.4)
𝜆0 𝑐
1
Este telescópio foi inaugurado em 1917 e se manteve como o maior telescópio óptico do mundo por 40 anos.
Com 100 polegadas de abertura, podia captar quase três vezes mais luz que o segundo maior telescópio da
época, de 60 polegadas, também localizado no Monte Wilson (a comparação na capacidade de coleção da luz
de telescópios é feita a partir da razão entre seus diâmetros ao quadrado). Quanto mais luz coletada, maior a
capacidade de observação, aumentando a escala de distância para detecção de estrelas fracas, nebulosas e
galáxias distantes.
A Cosmologia na sala de aula 67
Figura 2.11: Comparação entre os dados para distâncias obtidas a partir da observação de variáveis
Cefeidas publicados em 1929 por Hubble [8], 1931 por Hubble e Humason [9] e em 2001 pelo Hub-
ble Space Telescope “Key Project” [10]. Note que a inclinação da reta indicada pelos dados de Hub-
ble era maior do que a estimativa atual por um fator de ~7. As distâncias são dadas em milhões de
parsecs, sendo que 1 parsec equivale a 3,26 anos-luz.
𝑟1 ,
𝑣1 = 𝐻0 ⃗⃗⃗
⃗⃗⃗⃗ (2.5)
𝑟2 .
𝑣2 = 𝐻0 ⃗⃗⃗
⃗⃗⃗⃗ (2.6)
𝑣2 − ⃗⃗⃗⃗
⃗⃗⃗⃗ 𝑣1 = 𝐻0 ⃗⃗⃗ 𝑟1 = 𝐻0 (𝑟⃗⃗⃗2 − ⃗⃗⃗
𝑟2 − 𝐻0 ⃗⃗⃗ 𝑟21 ,
𝑟1 ) = 𝐻0 ⃗⃗⃗⃗⃗ (2.7)
Figura 2.12. A expansão do espaço-tempo pode ser comparada ao caso de um panettone com
passas. As “galáxias”-passas se afastam umas das outras quando a massa cresce, arrastradas por
ela. Se medidas, as distâncias crescem mais quanto mais afastadas estão umas das outras, isto é,
satisfazem a Lei de Hubble.
■ Voltando no tempo
Conforme o Universo expande, ele esfria. Deste modo, uma conse-
quência de voltar no tempo e diminuir o tamanho do Universo é que não só a
densidade de matéria aumenta mas também a sua temperatura média. Ralph
Alpher, Robert Herman e George Gamow, no final da década de 1940, desenvol-
veram estudos sobre o modelo de Big Bang e a radiação que permearia todo o
Universo, um resquício desta sua infância muito quente.
Quando um gás é descomprimido em uma câmara que não permite
trocas de calor com o meio externo (descompressão adiabática), há uma dimi-
nuição na temperatura do gás, com a conversão de energia interna do gás em
A Cosmologia na sala de aula 71
trabalho realizado pelo mesmo, fazendo diminuir a agitação térmica das molé-
culas. A depender da variação de temperatura, é possível que ocorram transi-
ções de fase da matéria, como a liquefação, por exemplo. A matéria da qual o
Universo é composto também pode sofrer transições de fase ao longo do tempo,
como resposta às mudanças de temperatura, pressão e densidade impostas
pela expansão do espaço-tempo.
No Universo muito jovem, com temperatura e densidade elevadas, a
matéria está presente nos seus componentes mais fundamentais, as partículas
elementares. A interação entre os componentes é grande já que o livre caminho
médio, que mede essencialmente o quanto uma partícula pode percorrer antes
de colidir com outra, é pequeno. Já que em temperaturas mais altas as partículas
também possuem energias médias mais altas, estas colisões ocorrem de modo
que a formação de estados ligados (ou formação de partículas mais pesadas)
entre elas não é favorecida nessas condições. Conforme o Universo esfria, as
partículas podem rearranjar-se formando outras, não elementares, mais conhe-
cidas, como os núcleos atômicos, os átomos e as moléculas. O que permitirá ou
não a formação destas combinações é o livre caminho médio dos fótons, as par-
tículas de luz.
Um gás ideal em equilíbrio térmico apresenta uma distribuição de velo-
cidades (ou energias) de seus componentes que segue a distribuição de
Maxwell-Boltzmann, exemplificada na figura 2.13. Quanto maior a temperatura,
maior a probabilidade de se ter uma partícula com velocidade (energia) maior
que um determinado limiar. Analisando-se agora a questão da formação de
átomos, elétrons precisam se ligar aos núcleos atômicos, em um processo que
libera energia, definida pelo arranjo dos elétrons nas camadas atômicas. Para
quebrar a ligação entre um elétron em um átomo e seu núcleo, é necessário que
um fóton com energia acima de um determinado valor transfira sua energia ao
elétron, de tal modo que ele consiga ficar livre. Fótons com energia menor do
que o limiar de ionização atômica não poderão ionizar um determinado átomo.
72 A Cosmologia na sala de aula
raio da Terra. Todas estas estimativas estão indicadas na Fig. 1. Sem conseguir
muito mais que uma percepção relativa das distâncias, esta Atividade põe os
alunos em contato com as escalas de comprimento extragalácticas e do Univer-
so de forma concreta, e deve contribuir bastante para repensar nosso lugar no
Universo.
Figura A2. Visualização das escalas galáctica e extragaláctica com objetos comuns, tal como expli-
cado no texto. Note-se a progressiva redução da escala até finalmente “encaixar” as outras galáxias
no último estágio.
Tabela 2.1: Lista de distâncias e velocidades medidas pelo Hubble Space Telescope Key Project [10]
para galáxias com variáveis Cefeidas identificadas. As distâncias são dadas em milhões de parsecs
(Mpc), sendo que 1 Mpc equivale a 3,086 × 1019 𝑘𝑚.
Referências
[1] G. F. Chambers, A handbook of descriptive astronomy (3rd edition, Oxford, UK, 1877), p. 523.
[2] The Earl of Rosse, Observations on the Nebulae. Philosophical Transactions of the Royal Society of London 140,
499 (1850). Disponível em www.jstor.org/stable/108449.
[3] H.S. Leavitt e E.C. Pickering, Periods of 25 Variable Stars in the Small Magellanic Cloud. Harvard College Observa-
tory Circular, 173, 1 (1912). Disponível em: https://bit.ly/3LrMeS7.
[3] B.F. Madore, W.L. Freedman, The Cepheid Distance Scale. Proc. Astron. Soc. Pac. 103, 933 (1991).
[4] A. Einstein, em Textos Fundamentais da Física Moderna, Tradução do original alemão, Das Relativitatssprinzip
(Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1971), p. 225; A. Einstein, em Cosmological Constants - Papers in Modern
Cosmology, editado por J. Bernstein e G. Feinberg (Columbia University, New York, 1986), p. 16.
[5] A.F. Friedmann, em Cosmological Constants - Papers in Modern Cosmology, editado por J. Bernstein e G.
Feinberg (Columbia University, New York, 1986), p. 49.
[6] V. M. Slipher, The Radial Velocity of the Andromeda Nebula. Lowell Observatory Bulletin 1, 56 (1913).
___ . Spectrographic Observations of Nebulae. Popular Astronomy 23, 21 (1915).
___ . Radial velocity observations of spiral nebulae. The Observatory 40, 304 (1917).
___ . Two Nebulae with Unparalleled Velocities. Popular Astronomy 29, 128 (1921).
[7] G. Lemaître, Un Univers homogène de masse constante et de rayon croissant rendant compte de la vitesse radiale des
nébuleuses extra-galactiques. Annales de la Société Scientifique de Bruxelles (1927). Tradução parcial para o inglês
em G. Lemaître, Monthly Notices of the Royal Astron. Soc. 91, 483 (1931).
[8] E. Hubble, A relation between distance and radial velocity among extra-galactic nebulae. Proceedings of the Na-
tional Academy of Sciences 15, 168 (1929).
[9] E. Hubble e M. L. Humason, The velocity-distance relation among extra-galactic nebulae. The Astrophysical
Journal 74, 43 (1931).
[10] W. L. Freedman, et al. Final Results from the Hubble Space Telescope Key Project to Measure the Hubble Constant.
The Astrophysical Journal 553, 47 (2001).
[11] W. Baade, The period-luminosity relation of the Cepheids. Publications of the Astronomical Society of The Pacific
68, 5 (1956).
[12] E. Rutherford, Origin of Actinium and Age of the Earth. Nature 123, 313 (1929).
[13] R.A. Alpher e R.C. Herman, Evolution of the Universe. Nature 162, 774 (1948).
Capítulo 3
Modelos Relativísticos de
Cosmologia
78 A Cosmologia na sala de aula
𝑡 𝑐 𝑑𝑡
𝑟 = ∫𝑡 1 . (3.1)
0𝑎(𝑡)
𝐿
e para que esta expressão se reduza à forma “convencional” 𝐹 = , a defini-
4𝜋𝑑 2
ção de 𝑑𝐿 resulta (lembrando que 𝑎0 = 𝑎(𝑡 = 𝑡0 ), onde 𝑡0 é o tempo atual)
𝑑𝐿 = 𝑎0 𝑟 (1 + 𝑧) . (3.6)
como limite físico máximo faz pensar que sempre é válido, quando o Universo
como um todo não obedece a Relatividade Restrita, mas às equações da Relativi-
dade Geral e as definições sui generis que o caracterizam como sistema físico.
Figura 3.3. Uma galáxia longínqua emite luz, e quando os fótons emitidos “entram” no horizonte
devem chegar ao observador. Isto acontece porque o Universo visível (horizonte cosmológico)
cresce com o tempo.
Existe outra série de conceitos equivocados que tem a ver com a nature-
za dos instantes iniciais, já que a expressão Big Bang sugere uma explosão no
espaço-tempo preexistente, enquanto deve-se pensar na expansão do espaço-
tempo em si próprio. O exemplo do Capítulo 2 nos mostra que não há local privi-
legiado ou “centro” do Big Bang. Outro erro comum é pensar que o Universo era
“menor” que o que é hoje; Sua escala era certamente menor, mas provavelmente
sua extensão espacial era, do começo, infinita tal como hoje. É bem verdade que
nossa região visível ou horizonte cosmológico era bem menor, por exemplo, do
tamanho minúsculo depois da Era Inflacionária (Capítulo 4).
Finalmente, existe também o problema de compreender se os objetos
dentro do Universo são afetados pela expansão. Embora todo o espaço-tempo
está se expandindo, as forças que determinam a estabilidade e estrutura da
matéria são muito mais do que capazes de equilibrar este efeito. Por exemplo,
uma pessoa não se expande com a lei de Hubble porque quando a matéria or-
gânica que a compõe quer seguir esta expansão, as forças mecânicas que a cons-
tituem não o permitem. O mesmo vale, por exemplo, para uma estrela ou uma
galáxia como um todo, as quais encontram uma posição de equilíbrio levemen-
te diferente e param de “esticar”. Os objetos ligados não “esticam” com a lei de
Hubble, e mesmo se o fizessem, o resultado seria imperceptível porque sua
escala é muito pequena para que isto se manifeste.
Figura 3.4. O astrônomo num elevador-nave não consegue saber sem olhar para fora se está sen-
do acelerado pelo foguete em ascensão (direita) ou atraído pela gravitação do planeta 𝑔 (esquer-
da) enquanto o foguete está quieto. Assim, baseado nesta observação, Einstein chegou a postular
que a inércia e a gravitação têm a mesma natureza.
A Cosmologia na sala de aula 89
𝜕 𝜕 𝜕
⇒ 𝑎 = −( 𝒊+ 𝒋+ 𝒌) ɸ . (3.10)
𝜕𝑥 𝜕y 𝜕z
Por outro lado, podemos ver que partículas ou corpos massivos no espa-
ço “dizem” ao campo gravitacional como este deve ser, já que este último é a
solução de
𝜕 𝜕 𝜕
( + + ) ɸ = 4𝜋𝐺𝜌 , (3.11)
𝜕𝑥 2 𝜕𝑦 2 𝜕𝑧 2
Figura 3.5. Imagem em 2D da analogia visual de diferentes massas colocadas sobre um tecido
esticado. O tamanho do poço que criam é proporcional às massas. Um projétil enviado que entra
na depressão “cai” e assim é que a deformação do tecido é vista como causa da queda. Einstein
mostrou que a teoria da Relatividade Geral põe o espaço no lugar de um “tecido” fundamental, e
que a deformação deste é a causante da queda, indo além da ação à distância entre duas massas
da teoria Newtoniana.
92 A Cosmologia na sala de aula
O Princípio Cosmológico
𝑝 = 𝑝(𝜌) . (3.12)
𝑝 = 𝜔𝜌 , (3.13)
Uma equação de estado deste tipo torna solúvel o sistema de equações [1, 2]
1 𝑑𝑎 2 8𝜋𝐺 𝑐2
3( ) = 𝜌 + Λ + 3𝜅 , (3.14)
𝑎 𝑑𝑡 𝑐2 𝑎2
96 A Cosmologia na sala de aula
3 𝑑2𝑎 4𝜋𝐺
=− (𝜌 + 3𝑝) + Λ , (3.15)
𝑎 𝑑𝑡 2 𝑐2
1
ou simplesmente 𝜔 = . Tal equação de estado, quando substituída nas equa-
3
ções de Friedmann, leva à seguinte solução para o fator de escala:
𝑘𝐵 𝑇
𝑝= 𝜌 , (3.18)
𝜇
𝑘𝐵 𝑇
𝑝= 𝜀. (3.19)
𝜇𝑐 2
〈𝑣 2 〉
𝑝= 𝜀, (3.21)
3𝑐 2
〈𝑣 2 〉
𝜔= . (3.22)
3𝑐 2
𝑝=0, (3.23)
de modo, então, que esta seja a forma com que distâncias evoluem no Universo
na Era da matéria. Neste momento, devemos salientar que o Universo expande
desde o Big Bang, mas que até o fim da era da matéria esta expansão ocorre de
forma desacelerada, ou seja, a velocidade da expansão diminui com o tempo.
Ao final da Era da matéria, à época em que o Universo tem cerca de 10 bilhões de
anos, este cenário muda radicalmente e começa a Era da energia escura, já que
esta última domina a dinâmica da expansão.
Na verdade, a desaceleração na expansão do Universo, que ocorre até o
fim da Era da matéria, é, de certo modo, esperada ou intuitiva. Lembrando que
em escalas cosmológicas apenas os efeitos gravitacionais devem ser levados em
conta (e não os das demais forças fundamentais), o caráter atrativo da gravita-
ção “freia” a expansão do Universo, causando sua desaceleração. No entanto, no
Universo “recente”, passamos a observar uma aceleração na taxa de expansão.
Matematicamente, verificamos que esta aceleração pode ocorrer se o Universo
tiver como componente dominante de sua dinâmica, um tipo de fluido “exótico”
A Cosmologia na sala de aula 101
com uma equação de estado com pressão negativa. Isto pode ser visto diretamen-
te da eq.(3.15) ao examinar o segundo membro.
É a este fluido que damos o nome “energia escura” como solução possí-
vel para explicar as observações, mas sem sabermos se é a causa real. A partir do
momento em que a aceleração da expansão do Universo inicia, temos também
o início da chamada Era da energia escura.
De fato, pode-se verificar que ainda em posse da equação de estado
𝑝 = 𝜔𝜌 (eq. 3.13), as soluções para a(t) obtidas a partir das Equações de Fried-
mann indicam uma aceleração na expansão do Universo quando 𝜔 < −1/3.
O sinal da quantidade 𝑑 2 𝑎/ 𝑑𝑡 2 é quem efetivamente informa se a expansão
ocorre de forma acelerada ou desacelerada, tal que 𝑑 2 𝑎/ 𝑑𝑡 2 > 0 indica ex-
pansão acelerada e 𝑑2 𝑎/ 𝑑𝑡 2 < 0 expansão desacelerada. A título de curiosi-
dade, o sinal de 𝑑𝑎/𝑑𝑡, por outro lado, indica contração ou expansão do Univer-
𝑑𝑎 𝑑𝑎
so, tal que > 0 para um Universo em expansão (nosso caso) e < 0 para
𝑑𝑡 𝑑𝑡
um Universo em contração.
A constante cosmológica pode ser simplesmente entendida como um
componente do Universo com equação de estado
𝑝 = −𝜌 . (3.25)
𝑎(𝑡) ∝ 𝑒 𝑡 , (3.26)
Figura 3.6: Curva de rotação para os planetas no sistema solar utilizando-se as velocidades orbitais
e distâncias médias ao Sol dos planetas. Como praticamente toda a massa do sistema solar está
concentrada no Sol, o comportamento é kepleriano e o ajuste de curva é feito para um decaimen-
to do tipo 𝑟 −1/2 , como pode ser visto pela curva vermelha.
distância ao Sol). Mas não é isso que acontece! A curva de rotação aumenta ligei-
ramente para distâncias maiores. Isto indica que a quantidade de massa é maior
que aquela vista, evidência para a existência da matéria escura.
Figura 3.7: Curva de rotação de 7 galáxias espirais como função da distância ao centro. Note que as
curvas de rotação não decaem para grandes distâncias como seria esperado pela distribuição de
matéria luminosa. Isso indica que há mais matéria do que a que conseguimos enxergar. Figura
adaptada de [7].
𝐺𝑀𝑟 𝑚
𝐹= , (3.27)
𝑟2
𝑚𝑉 2 𝐺𝑀𝑟 𝑚
𝐹 = 𝑚𝑎 → = , (3.28)
𝑟 𝑟2
𝑉 2𝑟
𝑀𝑟 = . (3.29)
𝐺
A Cosmologia na sala de aula 105
𝑑𝑀𝑟 𝑉2
= = 4𝜋𝜌𝑟 2 , (3.30)
𝑑𝑟 𝐺
sendo que no último passo a derivada da massa com a distância foi igualada à
equação da conservação da massa, para uma distribuição de massa que depen-
de apenas da distância ao centro. Para uma curva de rotação constante, ou seja,
na qual 𝑉 não depende da distância, a distribuição de massa deve ter uma de-
pendência de 𝜌(𝑟) ∝ 𝑟 −2 . A contagem de matéria luminosa na região mais
𝐻𝑎𝑙𝑜
externa da Via Láctea apresenta um perfil de densidade 𝜌𝑙𝑢𝑚 ∝ 𝑟 −3.5 , ou
seja, que cai muito mais rapidamente do que a densidade necessária para man-
ter uma curva de rotação constante. A conclusão é a de que nossa galáxia con-
tém matéria não visível que se estende muito além da matéria visível!
Figura 3.8: Curva de rotação da Via Láctea (adaptado de [8]), à esquerda, e de NGC 6503 (adaptado
de [7]) à direita, onde são evidenciadas as contribuições da matéria do disco, do gás e a do halo de
matéria escura necessário para a explicação do formato da curva.
𝐺𝑀𝑟
𝑣2 = . (3.31)
𝑟
𝐺𝑀𝑟
𝑘= , (3.32)
𝑟
ou
𝑘𝑟
𝑀𝑟 = . (3.33)
𝐺
A equação acima nos diz que nessa região, 𝑀𝑟 deve ser diretamente
proporcional a 𝑟, mesmo para valores de 𝑟 em que não há matéria lumino-
sa/visível. Se a massa deve crescer com 𝑟 mesmo para regiões externas ao “raio
luminoso” da galáxia, então infere-se a existência de um halo de matéria escura
que se estende até regiões bem maiores que este raio.
Os dados indicam, na realidade, que todas as galáxias, independente-
mente de serem espirais ou não, possuem halos extensos de matéria escura
totalizando cerca de 90% da sua massa total. Os resultados apresentados por
Rubin, Ford e Thonnard foram inicialmente recebidos na comunidade científica
com certo ceticismo. No entanto, trabalhos subsequentes também detectaram
anomalias gravitacionais que levaram a conclusões similares, o que abriu toda
uma área de pesquisa, não só em Astronomia mas também em Física de Partí-
culas, a da matéria escura.
Outra grande fonte de evidências para a existência de matéria escura é
o efeito de lentes gravitacionais causado por galáxias, aglomerados e super-
aglomerados de galáxias. Este é um efeito explicado dentro da teoria da relativi-
dade geral pela curvatura causada no espaço-tempo pela presença de massas. A
trajetória da luz é afetada nas proximidades de grandes massas, de modo que
será observada uma posição aparente da fonte de luz. Dependendo das posi-
ções relativas entre o objeto atuando como lente e aquele que será observado,
pode haver imagens múltiplas deste. Se o alinhamento é perfeito, há a distorção
do objeto distante no formato de um anel, o chamado anel de Einstein. Analisan-
do-se as imagens formadas pela lente gravitacional, a distribuição de massa da
lente pode ser mapeada, ou seja, as lentes gravitacionais são diretamente sensí-
veis à distribuição de matéria escura, já que o efeito de lente é sensível apenas ao
potencial gravitacional. Sendo desnecessário saber sobre o tipo de galáxia que
se está observando, como se formam, como se comportam ou que cor emitem,
este constitui um teste cosmológico claro e confiável que se apoia em poucas
suposições e aproximações. Alguns efeitos podem ser vistos na figura 3.9.
A Cosmologia na sala de aula 107
Figura 3.9: Efeito de lentes gravitacionais. Acima: Um modelo de como a distorção do espaço-tempo
causado por um objeto massivo pode alongar a imagem de um objeto localizado mais distante e/ou
causar imagens múltiplas deste objeto. Crédito da imagem: NASA, ESA. Abaixo: À esquerda, o aglo-
merado de galáxias Abell 370, que contém centenas de galáxias unidas pela atração gravitacional. É
possível ver entre as galáxias alguns arcos de luz azulada. Estas são imagens distorcidas de galáxias
remotas, localizadas atrás do aglomerado, que são muito fracas para serem observadas diretamente.
A deformação do espaço-tempo causada pelo aglomerado age como uma lente que amplifica e
estica as imagens das galáxias de fundo. Crédito da imagem: NASA, ESA, J. Lotz e o time HFF (STScI).
À direita, a galáxia vermelha luminosa vista no centro da imagem distorce a luz da galáxia azul muito
mais distante. O alinhamento das duas galáxias é quase perfeito, causando uma distorção que lem-
bra uma ferradura. Crédito da imagem: ESA/Hubble & NASA.
108 A Cosmologia na sala de aula
Figura 3.10: Aglomerado da Bala [9]. À esquerda, imagem do telescópio Magellan no ótico com
contornos da distribuição espacial de massa, obtida por lentes gravitacionais. À direita, os mes-
mos contornos colocados sobre a imagem do telescópio de raio-X Chandra com o qual é possível
observar o plasma quente em uma galáxia. É possível observar que o centro da distribuição da
maior parte da matéria é diferente do centro do plasma quente, que sofreu perda de energia por
fricção durante a colisão dos aglomerados e desacelerou.
sendo que estes últimos são bastante diferentes entre si, sendo indicativo de
matéria não bariônica em excesso. Também as inomogeneidades presentes no
FRC apontam para densidades em excesso insuficientes para formar as estrutu-
ras atuais como galáxias, aglomerados e super-aglomerados, sendo necessária
mais massa do que a observável para a formação de estrutura no Universo.
Também a análise de gás quente em aglomerados de galáxias massi-
vos, a partir de sua emissão em raios-X, indica que a densidade de matéria escu-
ra aumenta em direção ao centro dos aglomerados. O poço de potencial gravita-
cional mantém o gás quente no aglomerado mas a massa visível das galáxias
não é o suficiente. É preciso uma grande quantidade de matéria invisível para
balancear a pressão do gás, que está a temperaturas superiores a 106 K. Deste
modo, a distribuição do gás quente parece ser determinada pela matéria escura
e não pela matéria visível, o que permite uma medição precisa da distribuição de
matéria escura na região interna de um aglomerado.
Cabe aqui discutir o porquê de dizer que a matéria escura é não-
bariônica. Inicialmente foi aventada a possibilidade de que esta matéria “faltan-
te” fosse simplesmente matéria usual mas que passasse despercebida às obser-
vações. Mas como seria possível deixar de detectar a maioria da matéria se ela
possuísse as mesmas propriedades da matéria que conhecemos?
Na década de 1980, surgiu a hipótese de que a matéria escura fosse
formada por MACHOs, objetos do halo massivos e compactos (do inglês, MAssi-
ve Compact Halo Objects). Estes seriam constituídos por anãs marrons, “Júpiteres”,
estrelas comuns, mas de baixo brilho, anãs brancas, estrelas de nêutrons, bura-
cos negros, ou seja, matéria bariônica normal mas de luminosidade muito baixa
(ou nula) de modo que sua detecção fosse difícil.
Para a detecção destes objetos, pequenos e de relativa baixa massa, é
usada a técnica de microlentes gravitacionais, que consiste em analisar as curvas
de luz de diferentes estrelas. Quando um MACHO passa na frente de uma es-
trela de fundo, a luz da estrela é focalizada na Terra, o que faz com que a estrela
pareça mais brilhante por algumas horas ou dias. Pela curva de luz da estrela de
fundo pode-se determinar a massa do MACHO.
O Projeto MACHO analisou 12 milhões de estrelas na Grande Nuvem de
Magalhães de 1992 a 1998 com um telescópio no observatório Mt. Stromlo na
Austrália. Foram detectados entre 13 e 17 eventos de microlente gravitacional, o
que permite uma extrapolação para estimar a massa total devido aos MACHOs
na Via Láctea. Este projeto e outros similares detectaram vários MACHOs, ou
seja, eles de fato existem, mas de longe não possuem número/massa suficiente
110 A Cosmologia na sala de aula
3𝑐 2
𝜌𝑐 (𝑡) = 𝐻 2 (𝑡) (3.35)
8𝜋𝐺
Figura 3.11. A curvatura do universo nos três casos possíveis: positiva (topo), negativa (centro) e
nula (abaixo). A área dos triângulos vermelhos resulta diferente em cada caso, e somente é “dois
ângulos retos” se estivermos num Universo com curvatura nula (como parece ser o caso). Fonte:
https://www.cienciaquenosfazemos.org/post/2019/11/04/o-universo-é-plano-talvez-não-um-
universo-redondo-faria-o-fim-encontrar-o-in\%C3\%ADcioe-tudo-mu
3𝑐 2
𝜌𝑐0 = 𝐻0 . (3.36)
8𝜋𝐺
Lembre que 𝜌𝑐0 é a densidade de energia crítica atual, de modo que a densidade de
massa equivalente resulta simplesmente 𝜌𝑐0 ⁄𝑐 2 = (8,7 ± 0,5) × 10−27 𝑘𝑔/𝑚3 .
Para visualizar melhor a contribuião da cada componente da sopa cósmica, cos-
114 A Cosmologia na sala de aula
ρi
tuma-se definir Ω𝑖 ≡ , onde o “𝑖” pode corresponder à radiação, matéria
𝜌𝑐0
(visível ou “escura”) ou energia escura em geral. Veremos no Capítulo 4 quanto
aporta cada componente à mistura, ou seja, que fração da densidade crítica é
medida e quanto é a soma ∑ Ω𝑖 , sendo que Ω𝑖 = 1 corresponderia ao valor de
um Universo “plano” com geometria euclidiana.
Isto é equivalente à densidade de um próton por 200 litros, o que refor-
ça o fato de que 𝜌𝑐0 é extraordinariamente baixa. Na verdade, observações da
RCF apontam para um Universo com 𝜌0 ≅ 𝜌𝑐0 , ou seja, a densidade atual do
Universo é aproximadamente igual à sua densidade crítica atual, de modo que a
seção espacial do Universo seja plana, com curvatura 𝜅 nula. Isto quer dizer que
o que não vemos ajuda o Universo a ter uma geometria análoga ao espaço eu-
clidiano, o espaço no Universo não parece ter nenhuma curvatura e não é hiper-
bólico ou esférico (ditos “aberto” e “fechado” em muitos textos). Também vale
vale ressaltar ao leitor que a maior parte do volume do Universo consiste de
vazio ou “vazios cósmicos”, à moda de um enorme queijo gruyère com galáxias e
associações nas bordas dos vazios (vide figura 4.2 do próximo Capítulo).
Energia Escura
Figura 3.12: Duas anãs brancas começam a coalescer, a princípio, a distâncias de muitos raios
estelares (painel superior). Devido à emissão de ondas gravitacionais, a distância entre as anãs
brancas diminui com o tempo (painel central) até que eventualmente elas se tocam e fundem
(painel inferior). O resultado é uma Anã Branca que viola o Limite de Chandrasekhar e, logo, ex-
plode numa supernova Ia. Fonte: https://forbes.com.br/forbeslife/2018/07/os-7-shows-de-luzes-
mais-poderosos-do-universo/#foto1
Figura 3.13: Uma anã branca acreta matéria de sua estrela companheira (painel superior) e sua
massa aumenta até chegar perto do limite de Chadrasekhar, e explodir pela fusão descontrolada
do carbono (painel inferior) numa supernova Ia. Fonte: https://bit.ly/3D5yIR5.
A Cosmologia na sala de aula 117
Figura 3.14: Imagens de explosões supernova Ia e valores para seus redshifts. Fonte: Ref. [9].
Figura 3.15. As curvas de luz de várias SNIa para diferentes redshifts (esquerda), e a forma obtida
depois de aplicadas as correções (direita). Este procedimento é conhecido como a calibração de
Hamuy-Phillips [2].
𝐿 1/2
𝑑𝐿 = ( ) . (3.38)
4𝜋𝐹
𝑑𝐿
Figura 3.16: Módulo de distância, definido como 𝑚 − 𝑀 = 5 log10 ( ) + 5, versus redshift
𝑀𝑝𝑐
para uma amostra de 580 supernovas Ia, contendo suas barras de erro. Enquanto a linha pontilha-
da-tracejada superior representa um Universo preenchido apenas com constante cosmológica e a
linha pontilhada um Universo apenas com matéria, a linha sólida descreve um Universo cuja
composição é ~ 30% de matéria e ~ 70% de constante cosmológica. Fonte: Ref. [10].
terceira lei de Kepler. Deve ser destacado que o Sol é responsável pela quase
totalidade da massa no sistema solar.
Com os dados da tabela 3.2, os alunos podem calcular a massa do Sol.
Para isso, em se tratando de valores médios, pode-se igualar a força gravitacio-
nal com a centrípeta para um movimento circular uniforme e obter que
𝐺𝑀𝑠𝑜𝑙 𝑚 𝑣2 𝑟 𝑣2
=𝑚 → 𝑀𝑠𝑜𝑙 = ,
𝑟2 𝑟 𝐺
Tabela 3.2: Dados para distância e velocidade orbital média dos planetas no sistema solar.
Tabela 3.2: Dados para distância e velocidade orbital de objetos em algumas galáxias espirais [12].
NGC 2841
A Cosmologia na sala de aula 125
Raio Velocidade
(kpc) (km/s)
2,75 315
5,5 325
8,25 323
11 308
13,75 299
16,5 296
19,25 289
22 288
24,75 283
27,5 272
30,25 274
33 281
35,75 282
38,5 288
41,25 289
NGC 3198
126 A Cosmologia na sala de aula
Raio Velocidade
(kpc) (km/s)
42,525 68
85,05 82
127,575 99
170,1 103
233,8875 115
318,9375 127
403,9875 127
489,0375 128
574,0875 128
659,1375 131
744,1875 136
829,2375 134
914,2875 134
999,3375 133
1084,3875 136
1169,4375 134
NGC 2403
A Cosmologia na sala de aula 127
Raio Velocidade
(kpc) (km/s)
0,68 55
1,36 92
2,04 110
2,72 123
4,08 142
5,44 147
6,8 152
8,16 156
9,52 157
10,88 153
12,24 153
13,6 154
14,96 153
16,32 150
17,68 149
19,04 148
20,4 146
21,76 147
23,12 148
24,48 148
25,84 149
Tabela 4: A cronologia dos eventos mais marcantes na história do Universo, a serem expressados
pelos alunos em frações de um ano terrestre.
Referências
[1] B. Ryden, Introduction to Cosmology (Addison Wesley, San Francisco, USA, 2003).
[2] J.E. Horvath, G. Lugones, M.Porto, S. Scarano Jr. e R. Teixeira, Cosmologia Física (Ed. Livraria da Física, São
Paulo, 2011).
[3] G. Lemaître, Un Univers homogène de masse constante et de rayon croissant rendant compte de la vitesse
radiale des nébuleuses extra-galactiques . Annales de la Société Scientifique de Bruxelles 47, 49 (1927).
[4] vide por exemplo H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1 (Editora Edgard Blücher Ltda., RJ, 2013).
[5] A. Einstein, transcrito em A. Pais, Subtle Is the Lord: The Science and the Life of Albert Einstein (Oxford University
Press, UK, 2005).
[6] R.A. Alpher e R.C. Herman, Evolution of the Universe. Nature 162, 774 (1948).
[7] V.C. Rubin, W.K. Ford Jr. e N. Thonnard, Extended rotation curves of high-luminosity spiral galaxies. IV.
Systematic dynamical properties, Sa -> Sc. Astrophys. Jour. Letters 225 L107 (1978).
[8] D.P. Clemens, Massachusetts-Stony Brook Galactic plane CO survey: the galactic disk rotation curve. The
Astrophysical Journal 295, 422 (1985).
[9] K. Freese, Review of Observational Evidence for Dark Matter in the Universe and in upcoming searches for Dark Stars,
EAS Publications Series, 36, p. 113-126, arXiv:0812.4005 (2009).
4
A aparição do ser humano (homo sapiens) na Terra não tem nenhuma importância ou relevância para a linha
de evolução temporal do Universo, mas visando aguçar ainda mais a curiosidade do aluno, sua inserção nesta
atividade é mais do que bem-vinda.
A Cosmologia na sala de aula 129
[10] S. Perlmutter et al., Measurements of 𝛺 and 𝛬 from 42 High-Redshift Supernova. Astrophys. J. 517, 565 (1999).
[11] A. Reiss et al., Observational Evidence from Supernovae for an Accelerating Universe and a Cosmological
Constant . Astron. J. 116, 1009 (1998).
[12] M.P. Hobson et al., General Relativity: an introduction for physicists (Cambridge University Press, Cambridge,
2006).
[13] K. Begeman, HI rotation curve of spiral galaxies, Tese de Doutorado, University of Groningen, Groningen
(2016).
[14] C. A. Cirillo, Matéria Escura: Proposta de uma Unidade de Ensino Potencialmente Significativa para a Introdução de
Física Contemporânea no Ensino Médio, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do ABC, Santo André
(2021).
Capítulo 4
A História do Universo
Yakov Zel'dovich (1914-1987), físico russo pioneiro no estudo
da formação da estrutura no Universo
𝟎 < 𝑧 < 𝟏𝟎
134 A Cosmologia na sala de aula
Figura 4.1. Mapa da estrutura em larga escala do Universo produzido pelo CfA2. Cada ponto repre-
senta uma galáxia brilhante no hemisfério norte celeste. As diferentes cores representam as dis-
tâncias medidas, com as mais próximas em vermelho, seguidas das em azul escuro, rosa, azul
claro e verde. Crédito da imagem: Smithsonian Astrophysical Observatory.
Figura 4.2. À esquerda, “fatia do Universo” representando o primeiro mapeamento do CfA, com
cerca de 1100 galáxias em uma região de 6 graus de largura e 130 graus de altura. À direita, a mes-
ma fatia no segundo mapeamento, CfA2. A estrutura densa que se estende de 8 a 17 horas e de
5000 a 10000 km/s é a Grande Muralha, com dimensões de 600x250x30 milhões de anos-luz. A
coordenada radial é o redshift, apresentado em km/s, com o arco externo da figura a uma distân-
cia de cerca de 700 milhões de anos-luz. Crédito da imagem: Smithsonian Astrophysical Obser-
vatory.
136 A Cosmologia na sala de aula
Figura 4.3. Simulação da evolução de uma região do Universo pelo projeto Illustris, de baixo para
cima, indo de redshift 𝑧 = 4 a 𝑧 = 0 (hoje). As quatro colunas destacam, da esquerda para a
direita, a densidade de matéria escura, a densidade do gás, a temperatura do gás e a metalicidade
do gás. Crédito da imagem: Projeto Illustris [4].
138 A Cosmologia na sala de aula
Figura 4.4. Perturbações na superfície do mar levam a existência de ondas em várias escalas de
comprimento, desde aquelas que quebram na praia até pequenas ondulações de cm . Medin-
do o padrão de flutuações poderíamos (com muito esforço), em princípio, reconstruir os processos
que produziram este padrão. É exatamente isto que é feito quando estudamos a estrutura do
Universo e sua possível origem na Era Inflacionária ou qualquer mecanismo alternativo.
Vamos supor agora que existe uma concha concêntrica de raio R que
envolve esta região esférica . Este R pode ser escolhido para que a densidade
média dentro da concha seja igual à densidade média do fundo 𝜌̅ , ou seja (𝜌̅ +
𝛿𝜌)𝑟 3 = 𝜌̅ 𝑅3 . Um observador externo não distinguirá essa configuração de
qualquer outra região onde não haja inomogeneidade, já que a massa total
encerrada é a mesma. Quando 𝑟 → 𝑅 então 𝛿𝜌 → 0. Se escrevermos o raio da
região inomogênea como 𝑟(𝑡) = 𝑅(1 + 𝜉(𝑡)), onde 𝜉(𝑡) ≪ 1 é um pa-
râmetro para esta diferença, temos de imediato que 𝛿 = 3𝜉, e a equação de
movimento resulta 𝛿̈ = 4𝜋𝜌̅ 𝛿 . Esta é a equação de movimento de um oscila-
dor, e sua solução imediata nos diz que a inomogeneidade cresce segundo
𝛿(𝑡) = 𝛿0 𝑒 √4𝜋𝜌̅ 𝑡
(4.2)
15𝑘𝐵 𝑇 1/2
𝜆𝐽 = ( ) , (4.5)
4𝜋 𝜇𝑚𝐻 𝜌𝐺
Figura 4.6. A curva de rotação da Via Láctea obtida com a observação das cefeidas clássicas. A
rotação kepleriana predita pela contagem de matéria deveria produzir uma queda na curva de
rotação para uns 100 𝑘𝑚/𝑠 à direita da figura. As observações de aglomerados e outros marca-
dores mostram que a velocidade de rotação se mantém quase constante a grandes distâncias do
centro. Estas curvas são o tipo de evidência mais antiga em favor da presença de matéria escura
em escalas galácticas. (Crédito: OGLE Collaboration, https://bit.ly/3wyW3t2.)
𝛿𝑀
= 𝐴𝑀−𝛼 (4.7)
𝑀
Figura 4.7. Resultados medidos do espectro de potência da estrutura do Universo utilizando amostras
de galáxias do SDSS (preto), o RCF (verde) e outros métodos. O eixo horizontal é o número de onda 𝑘 =
2𝜋/𝜆 em unidades da constante de Hubble sem dimensões ℎ = 𝐻 / 70 𝑘𝑚 𝑠 −1 𝑀𝑝𝑐 −1 . A
identidade das flutuações na RCF e na matéria é evidente, tal como era esperado da teoria (Créditos: M.
Tegmark et al. [7]).
146 A Cosmologia na sala de aula
Figura 4.8. A galáxia MACS1149-JD1 detectada pelo telescópio ALMA. Esta galáxia é a mais antiga
(e por tanto, a mais distante) conhecida até hoje, com um redshift medido das suas linhas espec-
trais de 𝑧 > 10. Sua formação deve ter acontecido quando o Universo tinha somente uns 500
milhões de anos. (Créditos: ALMA - ESO, Chile)
O que ninguém esperava até uns 30 anos atrás é que o processo de cres-
cimento das flutuações estivesse ligado à presença de buracos negros supermassi-
vos presentes possivelmente em todas as galáxias. Com efeito, os centros galác-
ticos, tais como a nossa Via Láctea, contém massas entre 106 𝑀ʘ e 109 𝑀ʘ em
regiões espacialmente minúsculas. Como as velocidades das estrelas mais pró-
ximas a eles (nos chamados bojos galácticos) está correlacionada (maior é a
massa estimada, maior a velocidade das estrelas), é claro que a formação da
galáxia teve a ver com eles, que estão aí desde sempre. O “nosso” buraco negro,
na região chamada de Sgr A* no centro galáctico tem 3 × 106 𝑀ʘ aproxima-
damente, mas não se manifesta muito. É dito que está “adormecido”, sem sugar
gás e somente cada tanto produzindo um surto breve de fótons quando alguma
nuvem de gás é engolida [5].
Como a última época que observamos hoje diretamente é a do Desaco-
plamento da matéria com a radiação, que produziu o FCR quando o Universo
ficou transparente em 𝑧 ≈ 1100, e as primeiras estrelas e quasares somente
se formam em 𝑧 ~ 10, existe um longo período onde o Universo não tem fon-
tes de energia “internas”, e só se expande e esfria. Esta é a chamada Era da Escuri-
148 A Cosmologia na sala de aula
dão, já que não há muito a ser observado. Somente quando aparecem as primei-
ras estrelas e quasares o gás do Universo volta e ser parcialmente reionizado
pela radiação destas fontes. É comum se referir a esta época em torno de
𝑧 ~ 10 como a Reionização.
Figura 4.9. A imagem do buraco negro supermassivo no centro da galáxia próxima M87. Um
“mosaico” de dados de vários telescópios em lugares distantes da Terra foi composto para mostrar
a chamada “sombra” do objeto central. As galáxias aparentemente formam-se de forma simbióti-
ca com os buracos negros, que servem de sementes ao gás em queda desde distâncias muito
maiores (Créditos: EHT Team)
Vimos que muito além da escala das galáxias, uma variedade de fila-
mentos, vazios e outras inomogeneidades foi detectada nos maiores levanta-
mentos efetuados (Fig. 4.10). Alguns deles são visíveis a olho nu e podem ser
estudados utilizando simulações numéricas, desde que também são o produto
da evolução não linear. Segundo a idéia da homogeneidade e isotropia, a estru-
tura presente nas maiores escalas deve se “diluir” totalmente muito antes da
escala de Hubble ≈ 5000 𝑀𝑝𝑐. No entanto, há trabalhos que têm discutido
até que ponto isto é verdadeiro nos dados, e proposto que a estrutura não acaba,
sendo auto-similar até os limites da amostra. Estes são os modelos fractais, onde a
estrutura resulta invariante de escala como produto de um mecanismo de auto-
organização. Antes dos primeiros levantamentos padrões totalmente inespera-
dos, como a “Grande Muralha” de Hércules-Corona Borealis (não confundir com
A Cosmologia na sala de aula 149
a Grande Muralha original da Fig. 4.2 que é uma “pequena mureta” 10 vezes
menor em comparação) em escalas de ≈ 3000 𝑀𝑝𝑐 (Fig. 4.11) não eram con-
siderados possíveis, e de fato o próprio Princípio Cosmológico e o tratamento do
Universo atual como um fluido homogêneo e isotrópico acima de uma escala de
comprimento é agora questionado, já que este tipo de estrutura ocupa metade
do raio de Hubble. Para termos uma perspectiva consistente com a discussão
deste texto, devemos lembrar que para apresentar uma estrutura auto-similar
ou periodicidade deve haver mecanismos físicos para produzir perturbações que
levem a esta estrutura. Assim, o estudo da estrutura no Universo precisa conti-
nuar e resolver estas e outras questões de grande interesse cosmológico.
Figura 4.10. Uma imagem do levantamento SDSS contendo 13 bilhões de galáxias [8]. A distribui-
ção das galáxias em larga escala. Esta imagem contém galáxias de todos os tipos, as quais se asso-
ciam em aglomerados, super-aglomerados e filamentos facilmente visíveis a olho nu. O levanta-
mento enxerga uma fração aproximada de 1/20 do Universo atualmente observável.
150 A Cosmologia na sala de aula
Figura 4.11. Uma imagem da Grande Muralha de Hércules-Corona Borealis, uma associação de
uma escala comparável à do Universo observado. A suposição de isotropia e homogeneidade do
Princípio Cosmológico é contestada baseada neste tipo de estrutura “que não poderia existir”.
A. Penzias (esquerda) and R. Wilson na antena construída nos Laboratórios Bell
com a qual detectaram pela primeira vez a Radiação Cósmica de Fundo
z ~1100
152 A Cosmologia na sala de aula
Figura 4.12. Os fótons emitidos pelas galáxias têm hoje uma frequência mais baixa, já que a ex-
pansão do Universo produziu um “estiramento” do comprimento de onda como visto na imagem.
Assim, o FRC aparece com energias cada vez mais altas quando olharmos para redshifts cada vez
mais altos, fato confirmado em várias observações. (Adaptada de https://bit.ly/3iBq7fA.)
direções do espaço (eles tentaram de tudo mesmo para se livrar do sinal, julgan-
do que pudesse ser uma interferência por conta de depósito de matéria orgânica
proveniente de pombos na antena, que limparam estoicamente). Mas o sinal
não sumiu: Penzias e Wilson detectaram uma radiação que preenche o Univer-
so, vinda de todas as direções, com um máximo no comprimento de onda
𝜆𝑚𝑎𝑥 = 1,06 𝑚𝑚. Eles foram agraciados com o prêmio Nobel em 1978 por
esta descoberta. Medidas posteriores em outros comprimentos de onda confir-
maram um espectro de corpo negro com temperatura menor do que 3 𝐾, con-
forme podemos observar na figura 4.14. Este é o melhor exemplo de corpo negro
já observado em qualquer experimento, inclusive nos laboratórios.
Figura 4.14: Dados de diferentes experimentos para o espectro da radiação cósmica de fundo em
um grande intervalo de frequências. A linha representa um corpo negro de temperatura T = 2,73 K,
descrevendo muito bem o espectro ao redor do pico em intensidade, enquanto o ajuste se mostra
menos preciso para comprimentos de onda acima de 10 cm. Figura adaptada da referência [11].
Figura 4.15. Mapas do céu em 53 GHz (λ = 5.7 mm) com o satélite COBE. O primeiro mapa mais à
esquerda mostra as observações na escala de 0 a 4 K, no qual é observada a uniformidade da
radiação cósmica de fundo. No mapa do meio, os dados são mostrados em uma escala de miliKel-
vin para destacar o padrão dipolar associado à movimentação do sistema solar na Via Láctea. O
último mapa é apresentado na escala de microKelvin após a subtração desta componente dipolar
onde fica evidente a contribuição da emissão nesta faixa do espectro do plano da Via Láctea. Crédi-
to da imagem: NASA / COBE Science Team.
Figura 4.16: Mapa detalhado da temperatura da radiação cósmica de fundo vista em todo o céu a
partir de dados do satélite Planck. As flutuações em temperatura são indicadas pelas diferentes
cores (do mais frio – azul escuro – ao mais quente – vermelho) e estão na escala de ± 200 microKel-
vin. Crédito da imagem: ESA e a colaboração Planck.
Tabela 4.1: Parâmetros cosmológicos advindos dos dados do satélite Planck sobre a radiação
cósmica de fundo [12]. Estas são as componentes definidas depois da eq. (3.37) que perfazem
Ω𝑡𝑜𝑡 = 1 (com erros/desvios muito pequenos).
TRCF H0 Ωb Ωm ΩΛ
(K) (km s−1Mpc−1)
2.7255 ± 0.0006 67.4 ± 0.5 0.0486 ± 0.0010 0.315 ± 0.007 0.689 ± 0.006
158 A Cosmologia na sala de aula
Figura 4.17: Espectro de potência angular da radiação cósmica de fundo a partir de dados do satéli-
te Planck. Os dados são apresentados em vermelho com suas respectivas barras de erro e o melhor
ajuste é apresentado em verde. Note que os primeiros três picos estão muito bem determinados e
são utilizados para a obtenção de informações a respeito das componentes de matéria/energia
que constituem o Universo Ω𝑖 . Crédito da imagem: ESA e a colaboração Planck.
Os primeiros núcleos
𝒛 ~𝟏𝟎𝟗
162 A Cosmologia na sala de aula
■ A nucleossíntese primordial
𝑛 ⇌ 𝑝 + 𝑒 − + 𝜈̅𝑒
𝑛 + 𝑒 + ⇌ 𝑝 + 𝜈𝑒
𝑝 + 𝑒 − ⇌ 𝑛 + 𝜈𝑒 (4.8)
modo, é necessário que 1) haja partículas suficientes para que uma dada reação
ocorra e 2) que a trajetória das partículas as coloquem na “zona de influência” para
que a fusão ocorra, medida pela chamada seção de choque de reação. Assim, a
frequência com a qual uma dada reação ocorrerá depende da densidade das
partículas interagentes, da velocidade relativa entre as partículas (diretamente
relacionada à temperatura) e da seção de choque.
Na nucleossíntese primordial apenas núcleos que contêm poucos nêu-
trons e prótons são formados e apenas 12 reações são de fato importantes, como
mostrado na figura 4.18. Isso ocorre pois, conforme o Universo expande, a tempe-
ratura cai e a densidade de núcleos diminui, o que faz com que a taxa de reações
diminua. Isso somado ao fato de que não existem elementos estáveis com núme-
ro de massa A=5 ou A=8 (5Li, 8Be e 8B são todos elementos instáveis com meias-
vidas curtas) introduz um “atraso” para que as reações rumo a elementos mais
pesados possa ser efetivada nos cerca de 5 minutos que durou todo o processo.
Além de hélio, foram formados montantes microscópicos de deutério, hélio-3,
lítio e berílio.
Figura 4.20. Observações dos núcleos primordiais. A faixa vertical colorida indica o valor da densi-
dade bariónica onde todas as abundâncias batem com o observado [14].
Figura 4.21. Esquerda: o diagrama de fases da QCD (análogo ao da água). Na região branca os
hádrons ordinários são preferidos, mas acima de uma temperatura muito alto ou densidade, o
chamado plasma de quarks e glúons é a fase preferida. O Universo esfria na trajetória quase vertical
indicada. Direita: evento no Large Hadron Collider (LHC), um dos instrumentos construídos para
reconstruir as densidade e temperaturas onde o plasma de quarks e glúons possa ser formado
colidindo hádrons ou núcleos pesados.
A Era inflacionária
𝑧 ≈ ∞
172 A Cosmologia na sala de aula
■ O que é a Inflação?
A construção do modelo do Big Bang descrita anteriormente evoluiu
muito nos últimos 50 anos pelo seu poder preditivo e a insistência dos cosmólo-
gos nos aspectos observacionais a serem conferidos. Existiu na prática um deslo-
camento da ênfase da aplicação da Relatividade Geral (primeira metade do
século XX) para os fatos que podem ser observados e interpretados em termos
do modelo cosmológico. A segunda metade do século XX converteu a Cosmolo-
gia numa verdadeira Ciência empírica, com a descoberta dos quasares, a Radia-
ção Cósmica de Fundo, a formação de estrutura e outras observações e desen-
volvimentos associados.
Porém, e como era esperado, com estes avanços, abriram-se novos in-
terrogantes a respeito dos primórdios do Universo que provocaram consequên-
cias importantes para o Cosmos observado hoje. Existe na literatura um grande
volume de trabalhos a respeito dos principais problemas a serem resolvi-
dos/entendidos a este respeito, principalmente associados às características da
Radiação Cósmica de Fundo. Os principais problemas, já apontados quando
tratamos a RCF, podem ser resumidos assim [14, 15]:
1) O problema da planura
Com as medidas mais recentes o Universo parece ter uma geometria
espacial plana, euclidiana. Não há evidência para uma curvatura espa-
cial substancial (ou seja, K=0 na equação XX). Mas isto indica que a cur-
vatura “original” era ainda muito menor, por 100 ordens de grandeza no
passado, já que se extrapolada para tempos 𝑡 → 0 a curvatura devia ser
verdadeiramente minúscula para que hoje seja compatível com zero.
Por que o Universo é tão plano? Este é o chamado problema da planura.
2) O problema do horizonte
A Radiação Cósmica de Fundo tem, com erro mínimo, o mesmo valor
central da temperatura para qualquer direção. Ou seja, é quase total-
mente isotrópico. Mas de direções muito separadas, até opostas, o ma-
terial ao qual ficou transparente e a deixou escapar não tinha contato
causal. Ou seja, seria impossível que os elementos de fluido de um e do
outro lado se comunicassem para finalizar tendo a mesma temperatu-
ra. Se diz que estes estavam fora do horizonte. Como fez o Universo para
A Cosmologia na sala de aula 173
3) Ausência de monopolos
Há uns 50 anos acreditava-se fortemente que o Universo devia ter pas-
sado por uma (ou várias) transições de fase onde defeitos eram gerados
nas regiões de interface (isto é o que se observa nos sistemas de labora-
tório). Um destes “defeitos” ou irregularidades é o chamado monopolo,
ou carga magnética unitária, que não existe na natureza e nunca foi de-
tectado. Como é que esses defeitos, se gerados, não estão por aí? Este é o
problema da ausência de monopolos no Universo.
𝜌 + 3𝑃 < 0 , (4.10)
−𝜕𝑉(𝜙)
𝜙¨ + 3𝐻𝜙˙ = . (4.11)
𝜕𝜙
8𝜋 1
𝐻2 = 2 ( 𝜙˙ 2 + 𝑉(𝜙)) . (4.12)
3𝑚𝑃 2
𝑎¨ −8𝜋
= 2 (𝜙˙ 2 − 𝑉(𝜙)) , (4.13)
𝑎 3𝑚𝑃
Figura 4.22. O campo escalar do Inflaton 𝜙 e o potencial 𝑉(𝜙) a ele associado. A “rolagem” do
campo na parte plana produz as condições para a Inflação, e acaba quando cai no mínimo locali-
zado em 𝜙 = 𝜙𝐶 . A diferença de energia ΔV vai parar em radiação, produto da dissipação indi-
cada com as oscilações no mínimo.
A Cosmologia na sala de aula 175
Com estas escolhas é fácil mostrar que o fator de escala terá uma ex-
pansão exponencial enquanto o campo Φ role na parte plana do potencial. Nes-
ta região 𝜙¨ ≪ 3𝐻𝜙˙ (de novo lembramos que 𝐻 ≡ 𝑎˙⁄𝑎) e 𝜙˙ 2 ≪ 𝑉(𝜙), e as
eqs. (4.12) e (4.13) são aproximadas por [14, 15]
𝜕𝑉(𝜙)
3𝐻𝜙˙ ≅ − , (4.14)
𝜕𝜙
8𝜋
𝐻2 ≅ 2 𝑉(𝜙) . (4.15)
3𝑚𝑃
vidos. A planura é o que medimos depois do fim da Inflação, e foi para zero pelo
“estiramento” do espaço-tempo. O pedaço do Universo visível esticou tanto que
ficou quase vazio, e todos os monopólos (se produzidos) “saíram do horizonte”
quando o espaço-tempo se expandiu, e hoje é muito improvável achar um se-
quer no volume accessível (vide Atividade Didática). Por último, como a expan-
são foi muito grande, regiões que pareciam causalmente desconectadas esta-
vam, na verdade, em contato e por isso a temperatura de ~3 𝐾 é tão uniforme.
Note-se ainda que nestes modelos o Universo não tinha realmente
uma temperatura antes da Inflação, embora há uma energia de Planck à qual
associamos uma temperatura de 1032 𝐾. A oscilação do campo 𝜙 no mínimo
𝜙 = 𝜙𝐶 é a que produz um banho de fótons e outras partículas leves, re-
esquentando o Universo até uma temperatura muito alta, possivelmente uns
1020 𝐾 ou mais. Esta seria a temperatura “inicial” do que viria ser o RCF, que não
existia antes da Era Inflacionária.
176 A Cosmologia na sala de aula
A Era de Planck
𝑧 = “∞”
182 A Cosmologia na sala de aula
ℏ𝐺
𝑙𝑃 = √ 3 = 1,6×1033 cm (comprimento de Planck) (4.16)
𝑐
ℏ𝑐
𝑚𝑃 = √ = 2,17×10-5 g (massa de Planck) (4.17)
𝐺
𝑙𝑃 ℏ ℏ𝐺
𝑡𝑃 = = = √ 5 = 5,4×10-44 s (tempo de Planck) (4.18)
𝑐 𝑚𝑃 𝑐2 𝑐
𝑚𝑃 𝑐 2 ℏ𝑐 5
𝑇𝑃 = =√ 2 = 1,4×1032 K (temperatura de Planck) (4.19)
𝑘𝐵 𝐺𝑘𝐵
Figura 4.23. O espaço das teorias físicas construídas até hoje. Cada “plano” contém as teorias onde
a constante relevante é ignorada, colocada igual a zero. Por exemplo, se ignorarmos os efeitos
quânticos (ℏ = 0, o plano projetado à esquerda contém a Gravitação Newtoniana (onde além de
ℏ = 0 há c = 0), a Relatividade Restrita (clássica, mas sem efeitos gravitacionais ou seja, G = 0), a
Relatividade Geral (clássica e com Gravitação, mas sem efeitos quânticos) e a Mecânica Clássica
que dispensa a Relatividade Geral e Restrita (na origem). Já a Teoria Quântica de Campos para
alguns é construída de forma precária nos seus fundamentos, e a Gravitação Quântica está em
desenvolvimento, assim como a “Teoria de Tudo” que é um desafio maiúsculo (e para muitos uma
quimera).
184 A Cosmologia na sala de aula
Figura 4.24. A névoa quântica à escala de Planck. As flutuações nas coordenadas espaciais e no tempo
fariam impossível os eixos dos diagramas da Física Clássica aos quais estamos acostumados.
existia antes do espaço). Caberia, nas cosmologias com rebote, onde o Universo
chega a uma escala mínima e depois expande de novo, uma avaliação quantita-
tiva do que havia “antes”, mas veremos no próximo Capítulo que a contração do
Universo no futuro não parece ser o caso.
Figura 4.25. Um urso polar que empreende uma viagem até o Pólo Norte da Terra. Há coisas “ao
Norte” da sua posição somente antes dele chegar a seu destino. Quando ele chegar e estiver para-
do no Pólo (marcado com a cruz), a pergunta “o que há ao Norte?” não faz mais sentido.
Referências
[1] J. Huchra, M. Davis, D. Latham e J. Tonry, A Survey of Galaxy Redshifts. II. The Large Scale Space Distribution, The
Astrophysical Journal, 253:423-445, (1982) 15; A Survey of Galaxy Redshifts. IV. The Data, The Astrophysical Journal
Supplement Series 52, 89 (1983)
[2] Emilio E. Falco et al., The Updated Zwicky Catalog (UZC), Publications of the Astronomical Society of the Pacific
111, 438 (1999).
[3] M. J. Geller & J. P. Huchra, Mapping the Universe. Science 246, 897 (1989).
[4] https://www.illustris-project.org/
[5] J.E. Horvath et al. , Cosmologia Física (Ed. Livraria da Física, São Paulo, 2006)
[6] K.A. Horvath, P.S. Bretones e J.E. Horvath. Estudos interdisciplinares da síntese da origem dos elementos químicos e
seu papel na formação e estrutura da Terra. Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200160 (2020)
A Cosmologia na sala de aula 187
[7] M. Tegmark et al., Cosmological parameters from SDSS and WMAP. Phys. Rev. D 69, 103501 (2004)
[8] K. Abazajian et al., The Second Data Release of the Sloan Digital Sky Survey . Astron. Jour. 128, 502 (2004)
[9] M. Rees, Apenas seis números (Ed. Rocco, São Paulo, 2000)
[10] R.A. Alpher e R.C. Herman, Evolution of the Universe. Nature 162, 774 (1948).
[11] G. F. Smoot e D. Scott, Cosmic Background Radiation. Review of Particle Physics. Eur. Phys. J. C 3, 127 (1998).
[12] The Planck Collaboration, Planck 2018 results VI. Cosmological parameters. A&A 641, A6 (2020).
[13] K. Horvath, P.S. Bretones e J.E. Horvath. Interdisciplinary study of the synthesis of the origin of the chemical ele-
ments and their role in the formation and structure of the Earth. Revista Brasileira de Ensino de Física 42, e20200160
(2020)
[14] C. Grupen, Big Bang Nucleosynthesis. In: Astroparticle Physics. (Undergraduate Texts in Physics. Springer
2020)
[15] E.W. Kolb and M. Turner, The Early Universe (CRC Press, USA, 1994)
[16] J.A. Vázquez, L.E. Padilla and T. Matos, Inflationary Cosmology: From Theory to Observations, ar-
Xiv:1810.09934v2 (2020)
[17] A. Ijjas, P. Steinhardt and A. Loeb, https://www.scientificamerican.com/article/cosmic-inflation-theory-
faces-challenges/
[18] A.H. Guth et al. (2020) https://blogs.scientificamerican.com/observations/a-cosmic-controversy/
[19] M. Planck, “Über irreversible Strahlungsvorgänge”. Sitzungsberichte der Königlich Preußischen Akademie der
Wissenschaften zu Berlin 5, 440 (1899)
[20] G. Stoney, On The Physical Units of Nature, Phil. Mag. 11, 381 (1881)
[21] H. S. Virk, https://slideplayer.com/slide/12939760/
Capítulo 5
𝑧<0
190 A Cosmologia na sala de aula
Figura 5.1. Acima: o arranjo ALMA no deserto de Atacama, Chile, onde o céu quase nem contém vapor
d'água e permite estudos muito detalhados em ondas milimétricas e submilimétricas. Abaixo: um
exemplo de ciência possível, a detecção da formação de uma “Lua” (ampliada à direita) em torno do
exoplaneta jovem PDS 70c, similar a Júpiter, a 400 anos-luz de distância. Este tipo de observação mostra
a elevada resolução angular mencionada no texto. Créditos: ALMA (ESO /NAOJ/ NRAO)/ Benisty et al.
A Cosmologia na sala de aula 191
Figura 5.2. O ELT (em construção) terá espelhos segmentados com diâmetro de quase 40 m. Deve
permitir detectar magnitudes limites extremas nas bandas ópticas durante 320 noites por ano.
Note-se a escala dos carros na parte inferior.
Figura 5.3. A órbita prevista do interferômetro eLISA para minimizar perturbações solares e obter
uma cobertura ampla do céu.
Figura 5.4. Curvas de sensibilidade obtidas pelo interferômetro LIGO e algumas das projetadas
(eLISA em roxo). O primeiro evento anunciado, GW150914, é a estrela vermelha.
194 A Cosmologia na sala de aula
Figura 5.5. O arranjo de 1 𝑘𝑚2 SKA em construção na Austrália, com a participação de pesquisa-
dores de 10 países e permitirá uma grande resolução angular em ondas de rádio.
A Cosmologia na sala de aula 195
■ O futuro do Universo
Toda a evidência disponível e as ideias que explicam o Universo como o
maior sistema físico têm sido apresentadas nos Capítulos anteriores. Vivemos
num Universo evoluído, “frio” (a temperatura média é de ~ 3 𝐾), cheio de estru-
turas (galáxias, aglomerados de galáxias etc.) onde existe ainda 10-15% de gás
disponível para formar estrelas, e onde estes e outros processos (jatos por exem-
plo) geram e injetam energia que por sua vez modifica as vizinhanças. Temos
provas diretas de todas estas afirmações, e astrônomos trabalhando para en-
tender como funciona cada um destes elementos e como se relacionam entre si.
É assim inevitável a tentação de tentar enxergar que futuro tem o Uni-
verso [3, 4], já que se sua evolução desde o 𝑡 = 0 até hoje é cognoscível, tam-
bém podemos avaliar o que acontecerá depois. Mas há um perigo aqui: para isto
devemos supor que não haverá elementos novos de importância, isto é, que
“todas as cartas estão na mesa”. A descoberta da expansão acelerada há meros
25 anos nos adverte contra um excesso de confiança. Mas com esta ressalva,
podemos discutir o Universo futuro usando o que é conhecido hoje e o marco
conceitual e físico desenvolvido.
A extrapolação do que sabemos hoje do Universo indica que virão aí qua-
tro Eras diferentes em sucessão. Cada uma delas se caracteriza por algum fato
marcante que ajuda na sua denominação, e que descreveremos logo a seguir.
Levando em conta que algumas destas estrelas estão se formando hoje, vemos
que a duração deve ser um fator 1000 vezes a idade atual do Universo. Este tempo
é longo o suficiente quanto para pensar que o gás remanescente nas galáxias será
finalmente consumido pela formação estelar.
Como consequência, todos os bárions do Universo estarão presos nas es-
trelas, e estas quando completarem seus ciclos de vida produzirão anãs brancas
(se tinham até ~ 8 𝑀ʘ na Sequência Principal) ou estrelas de nêutrons/buracos
negros (se excedem esse valor). Desta forma, terá início a Era da degenerescência.
Era da degenerescência
O fato dos elétrons nas anãs brancas e dos nêutrons na estrelas de nêu-
trons estarem no regime quântico ou degenerado, dá o nome a esta Era cósmica
(os buracos negros não precisam de matéria que os sustente, são “gravitação
pura”). Com o Universo composto por estes remanescentes e sem gás, as galá-
xias começam a “desmanchar” por efeito dos processos de relaxação dinâmica.
Este último processo se refere ao encontro de duas estrelas, nos quais geralmen-
te uma adquire uma velocidade alta, de escape da galáxia, enquanto a outra é
freada e acaba sendo capturada pelo buraco negro supermassivo do centro.
Assim, o Universo vira um “gás” de estrelas degeneradas que escapam em ≈
1020 𝑎𝑛𝑜𝑠, e um número enorme de buracos negros de bilhões de massas
solares (Fig. 5.6).
𝑝 → 𝑒+ + 𝜋0 . (5.1)
A Cosmologia na sala de aula 197
chamada de Big Rip (ou Grande Ruptura em inglês) acabará com todo o Universo
conhecido. Não temos ideia do que segue, se é que algo segue.
■ Considerações finais
A história do “fim” do Universo pode sofrer alterações se descobrirmos
fatos relevantes, ou mesmo novos ingredientes na “sopa cósmica”. Já dissemos
que até 1997 ninguém duvidava que a fração da densidade total em termos da
densidade crítica Ω𝑡𝑜𝑡 tinha um valor ≈ 0,2, mas a descoberta da expansão
acelerada e as medidas do FRC mostraram em pouco tempo que Ω𝑡𝑜𝑡 ≅ 1 [5].
Assim, o Universo não é “aberto”, seguramente também não é “fechado” e seu
valor corresponde à fronteira crítica, a curvatura é próxima de zero e se a relação
das energias se mantém, seguirá expandindo-se aceleradamente até o Big Rip.
Sem saber disto, mas pensando no que aconteceria com um Universo
que expandisse eternamente, Freeman Dyson publicou em 1979 um trabalho
muito original [6] no qual mostrou que as civilizações poderiam sobreviver e
trocar informação num Universo arbitrariamente frio, a caminho da “morte
térmica” (por isto Dyson é considerado um “precursor” deste tema). Há mais
para fazer neste campo, incluindo o papel dos Universos paralelos (se houver), a
Cosmologia de Branas e outras ideias radicais. O nosso objetivo aqui foi o de
pintar um panorama do que hoje sabemos para fins de exposição em sala de
aula, fazendo da Cosmologia, uma das mais antigas questões da Humanidade,
tema presente na Educação contemporânea.
Referências
[1] J.E. Horvath, As estrelas na sala de aula (Ed. Livraria da Física, São Paulo, 2019)
[2] A. Blaut, Parameter estimation accuracies of Galactic binaries with eLISA, Astropart. Phys. 101, 17 (2018)
[3] F. Adams and G. Laughin, A Dying Universe: The Long Term Fate and Evolution of Astrophysical Objects, Reviews of
Modern Physics 69, 337 (1997)
[4] S. Hawking, Black hole explosions? Nature 248, 30 (1974)
[5] J.E. Horvath et al., Cosmologia Física (Ed. Livraria da Física, São Paulo, 2006)
[6] F. Dyson, Time without end: Physics and Biology in an open Universe, Reviews of Modern
Physics 51, 447 (1979)
Apêndices
Apêndice A
FÉRMIONS
Partícula Símbolo Massa (MeV/c2) Carga elétrica
Neutrino do elétron νe <1 0
Elétron e- 0,511 -1
Neutrino do múon νμ < 0,17 0
Múon μ 105,66 -1
A Cosmologia na sala de aula 203
BÓSONS
Partícula Massa Força Alcance Força Carga Observações
(MeV/c2) relativa elétrica
à força
forte
Gráviton 0 Gravidade Infinito 10-38 0 Conjectura
Fóton 0 Eletromag- Infinito 10-2 0 Observado dire-
netismo tamente
W+ ~80,39 Fraca Menor 10-13 +1 Observados dire-
W- ~80,39 que -1 tamente
Z0 ~91,19 10-16 cm 0
Gluon 0 Forte Menor 1 0 Permanentemente
que confinado
10-13 cm
Higgs O bóson de Higgs, com uma massa de ~124.97GeV e detectado em
2012, provê massa inercial para as demais partículas.
Referências
[1] O. Pessoa Jr., Conceitos de Física Quântica, (V. 1 e V.2). (Ed. Livraria da Física, São Paulo, 2005)
(vide o curso online https://opessoa.fflch.usp.br/FMQ-18)
[2] M.C. Abdalla, O discreto charme das partículas elementares. (Ed. Livraria da Física, São Paulo,
2016)
Apêndice B
Figura B1. O conteúdo de nosso Universo, desde os menores objetos à escala de Planck até o limite do
quasar mais distante observado, está contido neste diagrama ilustrado com exemplos concretos
(reproduzido de J.E. Horvath et al., Cosmologia Física (Ed. Livraria da Física, São Paulo, 2006).
Apêndice C
O Princípio Antrópico
ciências elementos não totalmente justificáveis que são adotados pela sua sim-
plicidade, elegância e outros critérios indemonstráveis (“Eu não entendo por quê
é dito que uma teoria é considerada bela se não for verdadeira”, diria Niels Bohr se
opondo a este tipo de considerações).
Uma destas considerações desenvolvida no século XX é o chamado
Princípio Antrópico, ideia que vincula a evolução do Universo (mais precisamente,
da Física que a determina) com a presença de vida (humana ou não) [2]. Descre-
veremos agora os fundamentos deste Princípio e sua relação com a Cosmologia
que emerge da sua validade.
A origem deste tipo de argumento começou com a observação de A.
Eddington, retomada e elaborada pouco mais tarde por P. Dirac, de que existem
relações entre as forças da Natureza que se expressam por grandes números
adimensionais. Por exemplo, a razão da forca gravitacional para a força eletro-
magnética entre um próton e um elétron é
𝑒2
≈ 1040 . (C1)
𝐺 𝑚𝑝 𝑚𝑒
𝑐 3𝑡
≈ 1080 . (C3)
𝐺 𝑚𝑝
ria que a vida existisse como registrado. Mas estava aberta a porta para vincular a
Cosmologia aceita com suas consequências para a vida biológica.
Referências
[1] R. de Andrade Martins, O Universo: Teorias Sobre sua Origem e Evolução (Livraria da Física, São Paulo, 2012)
[2] J.D. Barrow and F. Tipler, The Anthropic Cosmological Principle, (Oxford University Press, UK, 1986)
[3] R. H. Dicke, Dirac's Cosmology and Mach's Principle. Nature 192, 440 (1961)
[4] C. B. Collins and S. W. Hawking, Why is the universe isotropic?, Astrophys. J. 180, 317 (1973)
[5] B. Carter, Large Number Coincidences and the Anthropic Principle in Cosmology, in: Confrontation of Cosmological
Theories with Observational Data, M. S. Longair, ed. (Dordrecht: Reidel, 1974), p. 291
[6] B.J. Carr and M.J. Rees, The anthropic principle and the structure of the physical world, Nature 278, 605 (1979)
[7] S. Weinberg, Anthropic Bound on the Cosmological Constant. Phys. Rev. Lett. 59, 2607 (1987)
[8] S.E. Rugh and H. Zinkernagle, The quantum vacuum and the Cosmological Constant problem, hep-th/0012253v1
(2000)
Apêndice D
Ondas gravitacionais
■ As ondas gravitacionais são uma predição da teoria
da Relatividade Geral
Os cursos de Física tratam da propagação de ondas em fluidos, eletro-
magnéticas e outros. De forma muito geral, uma onda é uma solução da cha-
mada equação da onda, e existem inúmeras possibilidades da física dos fenôme-
nos ondulatórios. Ou seja, a equação da onda pode conter uma variedade de
termos, mas os principais são a derivada segunda com respeito do tempo e a
derivada segunda respeito de alguma dimensão espacial. A equação da onda
trata de forma igualitária as coordenadas espaciais e temporal, e na sua forma
mais simples resulta
214 A Cosmologia na sala de aula
𝜕2 1 𝜕2
( 2 − ) 𝐴=0. (D1)
𝜕𝑡 𝑣 2 𝜕𝑥 2
𝜕2 1 𝜕2
( 2 − ) ℎ=0 (D2)
𝜕𝑡 𝑣 2 𝜕𝑥 2
⃛,
𝐿𝐺𝑊 ∝ 𝑄 (D3)
mas ele próprio duvidou por vários anos a respeito da realidade deste resultado. A
discussão se estendeu por mais de 30 anos, até que foi mostrado que as ondas
realmente deviam existir, que não eram um resultado fictício sem realidade física.
Podemos supor que os movimentos na fonte que levam a emissão das
ondas acontecem em uma escala de tempo característica 𝜏, uma medida de
quanto leva uma massa para se deslocar dentro do sistema. Por outro lado, o
momento quadrupolar é aproximadamente o produto da massa M pelo qua-
drado da dimensão do sistema 𝑅2 . Substituindo
𝑀𝑅2 𝑀𝑣 2 𝐸𝑁𝐸
⃛ ≈
𝑄 ≈ ≈ , (D4)
𝜏3 𝜏 𝜏
216 A Cosmologia na sala de aula
𝐺4 𝑀 5 𝐺 𝑀 2 𝑐5 𝑅 2 𝑣 6
𝐿𝐺𝑊 ~ ( ) ~ ( ) 𝑣6 ~ ( 𝑆) ( ) , (D5)
𝑐5 𝑅 𝑐5 𝑅 𝐺 𝑅 𝑐
2𝐺𝑀
onde 𝑅𝑆 = é o chamado raio de Schwarzschild. Desta fórmula resulta evi-
𝑐2
dente que as maiores luminosidades serão produzidas por objetos compactos,
nos quais 𝑅 ≈ 𝑅𝑆 se movimentando com velocidades relativísticas (𝑣 ≈ 𝑐).
Devemos agora estudar o tipo de eventos reais que podem ser candidatos à
detecção.
𝐺 𝐸𝑁𝐸 𝐺 𝜖𝐸𝐾
ℎ ≈ ≈ , (D6)
𝑐4 𝑟 𝑐4 𝑟
5 𝑐5 𝑎04
𝜏𝐶 = . (D8)
256 𝐺3 𝜇𝑀4
Fig. D3. Uma representação pictórica do PSR 1913+16 e sua companheira, uma segunda estrela de
nêutrons. Os parâmetros da órbita inferidos estão indicados em amarelo.
valor muito maior do que a precisão atingida nas medições pelos erros e incerte-
zas várias. Assim o monitoramento do pulsar binário permitiu determinar a
mudança acumulada e pôde ser comparado com a predição teórica, tal como
mostrado na Fig. D4.
Hulse e Taylor receberam o Prêmio Nobel de Física em 1993 pela desco-
berta do pulsar binário e os trabalhos que mostraram o acordo com a predição
da Relatividade Geral. Desvios menores de 0,1% desta ainda são possíveis, mos-
trando o escasso espaço que há para teorias alternativas, ao menos do ponto de
vista da radiação gravitacional produzida por binárias. Estes resultados foram
melhorados quando descoberto em 2003 o sistema PSR J0737-3039A/B com
período orbital de 2,4 horas, e onde as duas estrelas de nêutrons pulsam, o de-
caimento de acordo com a Relatividade Geral foi confirmado com uma precisão
10 vezes maior, da ordem de ~0.01%, e vários outros efeitos relativísticos me-
didos pela primeira vez.
Fig. D4. A comparação dos dados obtidos (pontos) com a predição da RG, mostrando que o acu-
mulado em 20 anos segue esta com uma precisão de ~0,1%, longe da linha horizontal que
indicaria o caso em que a órbita não decai em absoluto (isto em claro desacordo com os dados).
220 A Cosmologia na sala de aula
Fig. D5. Esquerda: Joe Weber trabalhando com suas barras ressonantes em meados da década de
1960. Direita: imagem do detector Auriga, na Itália, uma das barras operadas 30 anos depois com
melhoras na transdução eletro-mecânica, na suspensão e na supressão do ruído térmico por estarem
operadas 𝑇 ≪ 1 𝐾, atingindo sensibilidades de até ℎ ~ 10−19 no centro da (estreita) banda de
operação. Créditos: esquerda, European Physical Journal History e direita, https://bit.ly/3NmSCvF.
Fig. D6. Esquerda: os interferômetros modernos. O laser do canto inferior esquerdo emite um
feixe dividido no centro, as massas (discos) penduradas carregam espelhos que reciclam a luz (nos
braços A e B), até que finalmente interferem no fotodetector à direita. Direita: O interferômetro
LIGO em Stanford mostrando os braços e as facilidades onde se aloja a detecção e os laboratórios
anexos.
Fig. D7. Os eventos detectados positivamente pela colaboração LIGO no final de 2018. O
GW150914 é o primeiro acima à esquerda. Note-se a diferença com as massas típicas dos buracos
negros conhecidos na galáxia (em lilás) [6].
A Cosmologia na sala de aula 223
Referências
[1] J.E. Horvath, Astrofísica de Altas Energias: uma Première (São Paulo, Edusp 2019)
[2] K. Thorne, Gravitational-wave research: Current status and future prospects
Rev. Mod. Phys. 52, 285 (1980).
[3] J.M. Weisberg e J.H. Taylor, The Relativistic Binary Pulsar B1913+16: Thirty Years of Observations and Analy-
sis . In: ASP Conference Series 328, 25 (2005)
[4] V. Trimble, Biographical Encyclopedia of Astronomers, edited by Hockey, Thomas; Trimble, Virginia; Williams,
Thomas R.; Bracher, Katherine; Jarrell, Richard A.; Marché, Jordan D., II; Palmeri, JoAnn; Green, Daniel W. E..
(New York, NY: Springer New York, 2014), p. 2301
[5] P.R. Saulson, Interferometric gravitational wave detectors. Int. Jour. Mod. Phys. D 27, 1840001 (2018).
Apêndice E
muito mais intensa. Nas escalas do Sistema Solar, os efeitos relativísticos são extre-
mamente pequenos, embora, sim, mensuráveis.
Um destes efeitos mensuráveis está presente nas órbitas planetárias.
Conforme as Leis de Kepler, todos planetas orbitam o Sol numa elipse. Portanto,
há um ponto nessas órbitas em que o planeta encontra-se o mais próximo possí-
vel do Sol. Este ponto é chamado periélio.
Já bem antes do advento da Relatividade Geral, observava-se que con-
forme Mercúrio orbita o Sol, seu periélio avança de uma pequena quantia (vide
figura abaixo). Há uma discrepância de 43 segundos de arco por século entre a
predição newtoniana e a precessão observada [1].
Figura E1: O avanço do periélio de Mercúrio em cada órbita, um efeito que ja foi atribuido ao nunca
detectado planeta Vulcano, mas que na verdade decorre do movimento analisado utilizando a
Relatividade Geral. Fonte: https://go.nasa.gov/3qz5sx2.
Note, a partir da figura, que a cada órbita completa pelo planeta Mercú-
rio, o seu periélio avança progressivamente. Apesar do enorme sucesso em ex-
plicar o movimento dos planetas no Sistema Solar, a gravitação newtoniana não
consegue explicar tal avanço no periélio de Mercúrio, o que levou à hipótese de
existência de um planeta interno (“Vulcano”) à sua órbita, conforme explicado
no Capítulo 3, que a perturbaria, e explicaria essa aparente anomalia no movi-
mento de Mercúrio.
Por outro lado, a Relatividade Geral explica o avanço no periélio de Mer-
cúrio sem a necessidade de um planeta adicional, mas a partir puramente de
A Cosmologia na sala de aula 227
Figura E3. Acima: uma representação do sistema que contém o pulsar PSR J1614-2230 e a compa-
nheira anã branca. Abaixo: em vermelho as medidas das diferenças de tempos de chegada e a
predição da Relatividade Geral (linha cheia). O resultado para a gravitação newtoniana seria a
linha horizontal de ordenada zero [3]. Note-se que o atraso é máximo na conjunção e mínimo na
quadratura do sistema, tal como esperado.
Referências
[1] S. Weinberg, Gravitation and Cosmology: Principles and Applications of the General Theory of Relativity (Wiley &
Sons, NY, 2013)
[2] J.A. Sales de Lima e R.C. Santos, Do Eclipse Solar de 1919 ao Espetáculo das Lentes Gravitacionais . Revista
Brasileira Ensino Física 41, e20190199 (2019)
[3] P. Demorest et al., A two-solar-mass neutron star measured using Shapiro delay. Nature 467, 1081 (2010)
Apêndice F
síveis” mas que depois de suficiente elaboração e inovação podem ser efetivados é
um exemplo maiúsculo da relação entre a Ciência e a Tecnologia que vem se desen-
volvendo há décadas, se não séculos. Nos estudos cosmológicos, é muito impressio-
nante comparar a instrumentação e desenvolvimento nos últimos 50-60 anos. A
Segunda Guerra Mundial pode ser identificada como um fator essencial nos desen-
volvimentos tecnológicos que levaram, por exemplo, à descoberta do FRC. Mas por
30 anos detectar as flutuações foi impossível até que em 1992 o satélite COBE anun-
ciou sua descoberta [2]. Hoje, estudos com instrumentos como o satélite Planck e
muitos outros estão disponíveis, o qual exemplifica essa “ida e volta” da Ciência para
a Tecnologia e vice-versa, com desdobramentos importantes para o resto da socie-
dade na forma de processos e produtos.
Há ainda um aspecto muito característico da Ciência, e da Cosmologia em
particular, que merece destaque: enquanto hoje existe uma pressão pela colaboração
internacional e a globalização das atividades, as Ciências são um exemplo de atividade
global que sempre foi colaborativa e está “globalizada” desde os tempos da Biblioteca
de Alexandria pelo menos. Não há “reserva de mercado” no conhecimento puro, tal
como produzido pelos grupos de cosmólogos que estão compostos por centenas de
membros de todas as origens e nacionalidades, e financiados por consórcios de vários
países. Chegar a um destes grupos, pequeno ou grande, é muito difícil mas não por-
que existam reservas. Antes pelo fato que a Ciência é complexa e requer uma dedica-
ção, tenacidade e determinação incomuns, além de inteligência e talento.
Finalmente poderemos apreciar a resposta que um de nós deu para um jo-
vem economista num voô SP-Rio anos atrás. Quando perguntado (sic) “Qual é o
valor de mercado do produto que emerge do Instituto de Astronomia da USP?”, a
resposta na forma de contra-pergunta foi mais ou menos “qual é o valor da poesia de
Drummond?, ou de um tradutor de farsí? ou da obra de Epicuro?”. Não estamos
seguros que o economista haja compreendido que o dinheiro e o mercado servem,
se tanto, para alimentar e viabilizar os sonhos e desejos da Humanidade, e não ao
contrário. Subordinar todo a seu valor econômico e mais nada seria uma tragédia da
qual dificilmente nos recuperaríamos. Isto é para nós a principal mensagem da
Cosmologia dentro do contexto da Ciência, a Tecnologia e a Sociedade.
Referências
[1] M. Rosenberg, P. Russo, G. Blandon e L.L. Christensen, Astronomy in Everyday Life
https://www.iau.org/public/themes/astronomy_in_everyday_life/
[2] G. Smoot et al., Structure in the COBE Differential Microwave Radiometer First-Year Maps. Astrophys J 396, L1 (1992)