Cosmologia - Dos Mitos Ao Centenário Da Relatividade

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Contedo 1

COSMOLOGIA
dos Mitos ao
Centenrio da Relatividade

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2 Cosmologia

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Contedo 3

Elcio Abdalla
Instituto de Fsica
Universidade de So Paulo

Alberto Saa
Instituto de Matemtica, Estatstica e Computao Cientfica
Universidade Estadual de Campinas

COSMOLOGIA
dos Mitos ao
Centenrio da Relatividade

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4 Cosmologia

Cosmologia: dos Mitos ao Centenrio da Relatividade


2010 Elcio Abdalla
Alberto Saa
Editora Edgard Blcher Ltda.

FICHA CATALOGRFICA
Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4- andar Abdalla, Elcio
04531-012 - So Paulo - SP - Brasil Cosmologia, dos mitos ao centenrio da
Tel 55 11 3078-5366 relatividade / Elcio Abdala, Alberto Saa, - -
[email protected] So Paulo: Blucher, 2010.
www.blucher.com.br
Bibliografia.
Segundo Novo Acordo Ortogrfico, conforme 5. ed. ISBN 978-85-212-0553-1
do Vocabulrio Ortogrfico da Lngua Portuguesa, 1. Astronomia 2. Cosmologia
Academia Brasileira de Letras, maro de 2009. 3. Cosmologia - Obras de divulgao
I. Saa, Alberto. II. Ttulo.
proibida a reproduo total ou parcial por quaisquer
meios, sem autorizao escrita da Editora. 10-09673 CDD-523.1

Todos os direitos reservados pela Editora Edgard ndices para catlogo sistemtico:
Blcher Ltda. 1. Cosmologia: Astronomia 523.1
2. Universo: Astronomia 523.1

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Contedo 5

Prlogo

Olhar para os cus fascina, desde a mais remota Antiguidade. Na verdade, desde
que o homem teve conscincia de sua prpria existncia. l que nasceu a cincia
prtica da previso do tempo, observando-se as constelaes e sabendo-se em que
poca do ano se estava. Nessas mesmas constelaes, encontramos os deuses, he-
ris, mitos. Procuramos nossa origem, nosso destino.
Apresentamos aqui o cosmos do ponto de vista da fsica, no sem um olhar um
pouco mais lrico de mitos e esperanas do homem. O cosmos, que nem sempre
foi cincia, veste-se aqui, como consequncia das modernas leis da fsica, como
cincia. Na China, a astronomia era considerada uma cincia humana, catlogo de
efemrides. No ocidente, teve ambos os papis, mas hoje o cosmos visto como
um teste de teorias fsicas ao mesmo tempo em que usamos a fsica para melhor
compreender nossa evoluo.
Procuramos nos abster de escrever equaes. A linguagem , tanto quanto
possvel, acessvel a um leitor bem informado. Esperamos ter, neste livro, uma in-
troduo estrutura de teorias fsicas com especial ateno para os cus.

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6 Cosmologia

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Contedo 7

As armas e os bares assinalados


Que, da Ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda alm da Taprobana,
E em perigos e guerras esforados,
Mais do que prometia a fora humana,
Entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram;

E tambm as memrias gloriosas


Daqueles reis que foram dilatando
A F, o Imprio, e as terras viciosas
De frica e de sia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vo da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Lus de Cames,
Os Lusadas (1572)
Canto I, 12

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8 Cosmologia

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Contedo 9

Contedo

1 As Origens nas Preocupaes do Homem.................................................................. 13


1.1 A descrio dos cus............................................................................................... 21
1.1.1 O sistema de duas esferas de Eudoxo........................................................ 21
1.1.2 Os epiciclos e os deferentes........................................................................ 26
1.2 O calendrio............................................................................................................ 28
1.3 A revoluo de Coprnico...................................................................................... 31
1.4 Nossa posio diante do universo.......................................................................... 33
1.5 Uma longa jornada.................................................................................................. 34

2 O Nascimento da Cincia Moderna: o Mtodo Cientfico......................... 37


2.1 O mtodo cientfico................................................................................................. 38

3 A Mecnica de Newton e a Gravitao Universal......................................... 43


3.1 Tycho Brahe e as Leis de Kepler............................................................................ 43
3.1.1 Leis de Kepler.............................................................................................. 45
3.2 Isaac Newton e a mecnica clssica....................................................................... 47
3.2.1 Leis de Newton............................................................................................ 50
3.2.2 Lei da gravitao universal.......................................................................... 51
3.3 O universo mecnico............................................................................................... 53

4 Maxwell e o Eletromagnetismo........................................................................ 59
4.1 Faraday e o conceito de campo.............................................................................. 59
4.2 As equaes de Maxwell......................................................................................... 62
4.2.1 A luz como um fenmeno eletromagntico................................................ 64
4.3 O eletromagnetismo e a segunda Revoluo Industrial........................................ 66

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10 Cosmologia

5 As Grandes Revolues Cientficas do Sculo XX........................................ 69


5.1 A fsica clssica........................................................................................................ 70
5.1.1 Limites da fsica clssica.............................................................................. 70
5.1.2 Energia, tempo e leis de conservao......................................................... 72
5.2 Espao, tempo, matria: a teoria da relatividade especial.................................... 76
5.2.1 O espao-tempo........................................................................................... 80
5.2.2 A ordem temporal........................................................................................ 83
5.3 A teoria da relatividade geral................................................................................. 85
5.4 A mecnica quntica............................................................................................... 86
5.5 tomos, prtons, eltrons e outros qual o fundamental?............................... 90
5.6 Impacto da nova fsica no sculo XX..................................................................... 92

6 Novas Ideias Cientficas e as Teorias Universais........................................ 95


6.1 Teoria das partculas elementares.......................................................................... 95
6.2 A questo da unificao.......................................................................................... 97
6.3 A incluso da gravitao......................................................................................... 105
6.3.1 Supersimetria bsons e frmions............................................................. 106
6.3.2 Teorias duais................................................................................................ 107
6.4 Descrio quntica do universo como um todo: a teoria quntica
da gravitao e o cosmos........................................................................................ 108

7 O Universo em Expanso.............................................................................. 111


7.1 O universo quntico e o Big Bang...................................................................... 114
7.2 Novos fatos e ideias............................................................................................ 118

8 A Viso do Sculo XXI.................................................................................... 121


8.1 A cincia dos dias de hoje.................................................................................. 121
8.2 O modelo cosmolgico padro........................................................................... 127
8.3 A evoluo do universo...................................................................................... 131
8.4 A mecnica quntica e a cosmologia................................................................. 136
8.5 Matria escura e energia escura........................................................................ 137
8.6 Rumo ao futuro sobre a necessidade de uma teoria quntica
da gravitao...................................................................................................... 139
8.7 Cordas................................................................................................................ 142
8.7.1 Dimenses............................................................................................... 144
8.7.2 O estilo teorias de cordas........................................................................ 146
8.7.3 M de mistrio........................................................................................... 146
8.7.4 Cosmologia de Branas........................................................................ 148
8.7.5 Testando a gravidade na Brana............................................................... 148
8.8 Outros modelos e ideias..................................................................................... 150
8.8.1 Atalhos gravitacionais........................................................................ 150
8.8.2 Revises do Big Bang............................................................................. 151

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Contedo 11
9 Consideraes Finais...................................................................................... 155

Apndice: Sistema Solar................................................................................ 157


1 Mercrio........................................................................................... 159
2 Vnus............................................................................................... 163
3 Terra................................................................................................. 163
4 Marte................................................................................................ 163
5 Jpiter.............................................................................................. 164
6 Saturno............................................................................................. 166
7 Urano................................................................................................ 167
8 Netuno............................................................................................. 168
9 Pluto............................................................................................... 169
10 Cinturo de asteroides..................................................................... 170
11 Cinturo Kuiper e os cometas......................................................... 172

Bibliografia....................................................................................................... 176

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As Origens nas Preocupaes do Homem 13

CAPTULO 1

As Origens nas Preocupaes


do Homem

A vida humana consciente est pautada sobre o trip formado pelo conhecimento,
pelo prazer e pelo altrusmo. Desde que o homem olhou sua volta, em uma atitu-
de consciente, viu o cu e tentou compreend-lo. Ali enxergou a beleza, sentindo
prazer. Transmitindo o que vira a seus companheiros de jornada e utilizando o
que aprendeu, socializou-se. No conhecimento e em sua utilizao, obteve cincia,
cultura e tcnica. Por meio da introspeco dessas experincias, chegou ao misti-
cismo e religiosidade.
Nesse ir e vir de sensaes e conhecimentos, podemos dizer que um dos pon-
tos centrais veio a ser a preocupao humana com o problema de nossas origens,
que remonta ao incio das preocupaes conscientes do homem, haja vista a enor-
me quantidade de lendas acerca do fato em sociedades mais primitivas e a sua
presena em contedos mitolgicos de vrias religies politestas, que culminam
nas gneses das religies monotestas.
Podemos apreciar, por exemplo, nas pinturas da Capela Sistina (ver Figu-
ra 1.1), que o problema da criao passa pela arte de contedo religioso. Tambm
observamos a satisfao do pensamento na caracterstica hierrquica da criao,
como aps a separao entre a luz e as trevas quando temos, nas pinturas renas-
centistas, a criao do Sol, e finalmente a criao humana.
A busca da compreenso do cosmos motivou geraes de pesquisadores em
todas as reas do conhecimento. O ser humano, tornado consciente, passa a viver

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14 Cosmologia

Figura 1.1 A criao de Ado, Michelangelo 1511. Detalhe do teto da Capela Sistina, Roma.

o mito do heri e a planejar a compreenso de si mesmo e de seu mundo exte-


rior, principalmente por meio da cincia, almejando poder descrever a criao do
mundo, suas leis e consequncias. assim que a preocupao humana, desde os
antigos, tomou forma em objetos longnquos, primeiramente no macrocosmo. No
havia, na poca, como se preocupar com o microcosmo, por falta da tcnica ade-
quada. Foi somente ao final do sculo XVIII, que este caminho em direo ao micro
comeou a ser trilhado e, posteriormente, pavimentado.
O incio do pensamento humano sistemtico bem antigo. Os egpcios co-
nheciam metais, faziam medidas, tinham uma matemtica primitiva. Faltou-lhes a
filosofia. Sem ela, no construram uma cosmologia e sua cincia no prosperou.
Os mesopotmios iniciaram-se na observao dos astros, mas tampouco desen-
volveram uma filosofia. Os gregos foram capazes de perscrutar e desenvolver uma
filosofia, marchando em direo a uma cincia atravs da iniciao ao misticismo. O
misticismo faz tomar forma, no inconsciente, a busca de uma causa. O misticismo
uma procura interior, vindo a desenvolver uma mitologia que, ainda que no cient-
fica, tenta uma explicao dos fatos. Esta busca de uma explicao eventualmente
toma a forma de uma cincia. Vejamos como se d esse crescimento interior.
Os mitos, crenas e religies formam o inconsciente humano. As dvidas sobre
a natureza e o culto aos mortos so uma pequena parte daquilo que chamamos

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As Origens nas Preocupaes do Homem 15
religio. Uma pesquisa sobre as cincias religiosas deve andar em grande parte em
direo ao que a religio e a mitologia querem saber, alm de indagar sobre o que
o homem quer sentir.
No sabemos exatamente como nasceram a mitologia e a religiosidade. Os
mitos, no entanto, sempre fizeram parte do imaginrio humano. Ao serem re-
petidos e recontados acabam se moldando ao inconsciente coletivo, sendo um
espelho deste.
Na antiga Grcia pr-helnica havia mitos selvagens de povos primitivos. Os
cultos dionisacos eram bastante selvagens. Dionsio, cujo nome latino Baco, foi
originariamente um deus dos Trcios, um povo agricultor, visto como brbaro pelos
gregos. Era um dos deuses da fertilidade. Quando os trcios descobriram o lcool,
nas formas de cerveja e de vinho, fizeram homenagem a Dionsio.
O culto a Dionsio penetrou ento na Grcia que, tendo adquirido civilizao
de modo rpido, tinha certo apego pelo primitivo, segundo Bertrand Russell [1]. No
ritual dionisaco, havia um grande entusiasmo. A palavra entusiasmo, etimologica-
mente, significa que os deuses penetraram o sujeito, que se identifica com o deus.
Na sua forma original, as festas dionisacas, chamadas bacanais pelos romanos,
eram bastante selvagens. Dilaceravam-se animais para com-los crus; as mulheres
gritavam freneticamente em xtase e se consumia lcool. O costume de dilacerar
animais e com-los a imagem do mito segundo o qual, sendo Dionsio filho de
Zeus e Persfone,1 foi dilacerado, quando criana, pelos Tits, os quais ganharam
divindade ao com-lo. Zeus o fez renascer comendo seu corao.
Estes costumes j vigoravam por volta de 12 a 14 sculos antes de Cristo. Orfeu
reformou os ritos dionisacos, transformando-os em uma forma mais sutil. Ele teria
vindo da Trcia ou de Creta. Esta ltima, influenciada pelos egpcios, tinha uma
forma religiosa com uma doutrina que inclua a transmigrao da alma, por meio da
qual o homem deveria procurar se purificar. Portanto, o orfismo foi um movimento
de reforma dos mitos dionisacos.
O pitagoreanismo um movimento que continuou o orfismo. O orfismo era
uma protorreligio. Pitgoras inaugurou uma ligao entre o mstico e o racional,
uma dicotomia que sempre permeou a histria do pensamento humano, no ten-
do, todavia, uma unio harmnica no ocidente depois dos gregos antigos. Na Gr-
cia Antiga, os mitos anteriores acerca de deuses e ritos menos civilizados foram
transformados nos mitos acerca dos deuses olmpicos por Homero, j que um povo
guerreiro, de grandes heris, necessitava de deuses condizentes com tal descrio.
Bastante humanos, os deuses olmpicos tinham poder e majestade, e, de modo ge-
ral, j falavam em justia.

___
1
Numa outra verso, Dionsio seria filho de Zeus e Semele.

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16 Cosmologia

Ainda assim, pode-se dizer que a Mitologia tenha sido o incio da cincia,
como vemos nos pitagricos que foram o elo de ligao entre o Orfismo e uma
protocincia.
Interessa-nos aqui a questo da criao: a cosmogonia. Em muitas civiliza-
es, a criao do universo tem carter similar a uma criao que inclui at mes-
mo o advento do tempo (o que de fato correto na concepo da relatividade
geral, que viria a ser descrita muitos sculos mais tarde). A criao, entre os
gregos, em algumas de suas vertentes, apresenta um aspecto geral bastante pa-
recido com a criao judaica. Para os gregos, h vrias verses da histria da
criao. Em uma delas, Caos juntou-se com a Noite (Nix) com quem teve vrios
filhos. Posteriormente, rebo (Escurido) casou-se com Nix, gerando ter (Luz)
e Hemera (Dia) que, por sua vez, com a ajuda do filho Eros, gerou o Mar (Pon-
tus) e a Terra (Gaia). Gaia gerou o Cu (Urano). Gaia e Urano geraram os doze
tits, entre os quais Cronos e Rhea, pais de Zeus, trs ciclopes e os trs gigantes
Hecatnqueires. Gaia estava farta do apetite sexual de Urano e pediu ajuda aos
filhos, que lhe negaram, com exceo de Cronos. Armado de foice afiada, Cronos
esperou o pai em uma emboscada e o castrou. Jogou os restos ao mar, de onde,
em uma das verses mitolgicas, nasceu Afrodite e, do sangue, as Ernias. Urano
ento previu que o reinado de Cronos terminaria ao ser ele vencido pelo prprio
filho. O equivalente de Cronos na mitologia romana era Saturno, que nomeou o
planeta mais distante conhecido na poca.
Cronos representa o tempo. Receoso da concretizao da profecia paterna,
devorava seus filhos logo aps o nascimento de cada um. Esta tambm uma per-
sonificao daquele que cria para destruir, tal como o prprio tempo. Rhea, sua
esposa, salva Zeus do destino delineado por Cronos a seus filhos, ao dar uma pedra
embrulhada para que Cronos comesse no lugar desse novo filho. Tendo enganado
o marido, leva Zeus para o Monte Ida, onde Zeus passou a infncia escondido do
pai. Quando crescido, rebela-se contra o pai, resgatando os irmos do interior pa-
terno. Exilou Cronos e os tits no Trtaro e reinou absoluto. Casou-se com Hera,
sua irm. Gerou a vrios outros deuses olmpicos, tanto de Hera, como de outras
deusas e mortais. Tambm gerou filhos s, como foi o caso de Palas Atena, que saiu,
at mesmo com sua armadura, de um buraco aberto pelo machado de Hefesto em
seu crnio. As nove filhas de Mnemosine (deusa da memria) e de Zeus foram as
musas. Inspiraram poetas, literatos, msicos, danarinos, astrnomos e filsofos.
Urnia era a musa da astronomia.
Esta brevssima histria, que em suas verses originais so ricas de detalhes
sobre o psiquismo humano, mostra a preocupao do homem com a criao do
mundo e seu destino [2]. Os deuses olmpicos preocuparam-se com os homens e
suas lutas como se fossem questes deles mesmos. Foram deuses humanizados,
tanto no melhor quanto no pior sentido, tal como na histria bblica de J [3]. Os
deuses Olmpicos nos trouxeram a preocupao com as cincias, com as artes e

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com a medicina. Palas Atena foi a mais sbia das deusas, e Febo Apolo foi o pai de
Asclpio, o fundador da Medicina, cujos filhos Macone e Podalrio foram mdicos
que participaram da guerra de Troia ao lado dos gregos.
A cosmogonia mitolgica foi uma importante pea na estrutura do pensamento
humano, j que d um carter divino s atribuies humanas, fazendo dos cus um
habitat dos deuses paralelo Terra. Toda civilizao tem alguma resposta para a
pergunta sobre a estrutura do universo. Os babilnicos tiveram sua cosmogonia.
No santurio de Eridu, era na gua a origem de tudo; o mundo habitado saiu do
mar, e ainda est cercado por ele. Fora disto, estaria o deus-sol cuidando de seu
rebanho. Certamente se conhece, no ocidente, a gnesis mosaica. Mas foi na ci-
vilizao helnica que o homem foi-se aproximando de uma resposta a partir da
observao dos cus, uma resposta que andava na direo do racional, apesar de
partir do irracional, do onrico.
A cincia grega era, no entanto, uma protocincia. Conhecia-se muito, mas,
apesar disto, os conceitos estavam, dentro do aspecto da cincia moderna, equivo-
cados. Todavia, foram essenciais para a posterior evoluo do pensamento humano.
Em particular, o conhecimento dos cus, primeiramente atravs da antiga crena
astrolgica vinda j desde os babilnicos, posteriormente atravs da observao
direta dos cus, foi bastante grande, tendo evoludo para o universo ptolomaico
que discutiremos adiante.
Eram duas as vertentes da cincia dos cus na antiguidade. Por um lado, os
msticos, os astrlogos e os sacerdotes se preocupavam com questes de princ-
pios, com os deuses, com a origem, formando o imaginrio mitolgico e religioso.
Por outro lado, havia preocupaes quotidianas com as medidas de tempo; afinal, o
homem depende muito, principalmente no incio da civilizao, do ciclo anual que
rege as colheitas, do vero e do inverno. A medida do tempo tambm era parte do
cotidiano, assim como o hoje, j que todos temos um relgio disposio para nos
localizarmos nesta to transcendente direo que a temporal. As medidas de tem-
po, assim como as observaes astrolgicas, levaram a uma astronomia, enquanto
as preocupaes msticas e mitolgicas foram o princpio de uma cosmologia.
Mais de 1.000 anos antes da era crist, j havia observaes precisas dos movi-
mentos do sol, atravs da variao do tamanho da sombra de uma vara vertical, o
gnomon, durante o dia e de um dia para outro; combinando-se com relgios dgua,
havia uma marcao do tempo.
Os movimentos das estrelas so mais regulares que os do Sol ou da Lua, porm
sua observao mais complexa, pois necessrio que se reconheam estrelas, dis-
tinguindo-as de uma noite para outra. So excelentes para marcaes de tempo. Isto
hoje nos claro, pois o movimento aparente das estrelas est relacionado quase ex-
clusivamente com a rotao da Terra. Como as estrelas esto a uma enorme distncia
da Terra, efeitos locais inerentes ao sistema solar no interferem, o que no verdade

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18 Cosmologia

Figura 1.2 Elevao do Sol.

para o movimento aparente do Sol. O fato que o dia solar aparente2 no constante
ao longo do ano. A maioria das constelaes reconhecidas pelos antigos foram coloca-
das em correspondncia a figuras mitolgicas, de onde temos uma pr-protocincia, a
astrologia, que mistura observaes precisas com elementos mitolgicos. Note-se que
as constelaes no so, necessariamente, objetos reais, pois o que observamos so
projees dos objetos na esfera celeste. Dois objetos projetados em pontos prximos
na esfera celeste podem estar a enormes distncias um do outro, na direo dos raios
que os ligam a ns.
Foi assim que se comeou a descrever o cu, na antiga babilnia, por meio da
astrologia. Os sacerdotes, responsveis pelas obrigaes junto aos templos, como a
adorao dos astros, sabiam muito sobre o movimento dos corpos celestes. Mas foi
com os gregos que este conhecimento se transformou em uma primeira forma de
cincia, por meio de uma melhor descrio quantitativa dos cus.
Os pitagricos foram provavelmente os primeiros a pensar na esfericidade
da Terra. Foi Pitgoras quem primeiro usou a expresso cosmos para falar dos
cus. Antes deles, as ideias ainda estavam bastante aqum de uma compreenso

___
2
O dia solar aparente corresponde ao intervalo de tempo entre duas posies subsequentes do sol ao
meio-dia. O perodo de rotao das estrelas 3 minutos e 56 segundos menor, devido ao movimento
de translao da Terra.

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As Origens nas Preocupaes do Homem 19
direta, e at Thales, sabia-se tanto quanto soubera Homero. Herdoto j sabia
que havia povos no extremo norte, cuja noite durava seis meses, e que os fencios
supostamente j haviam circum-navegado a frica, tendo o Sol sua direita ao
navegar para o poente. Apesar de grandes imprecises e dvidas, os pitagricos
formularam um tipo de teoria geocntrica do universo. Era uma prototeoria que
continha um enorme nmero de imprecises, tendo sido formulada por Philolaus.
Tais imprecises continuaram por algum tempo, j que Plato, um continuador
natural, preocupou-se pouco com o mundo fsico, e sua compreenso das cin-
cias naturais foi pouco alm de seus antecessores. Em particular, apesar de co-
nhecerem algo sobre os planetas e seu movimento errante pelo cu, no tinham
uma explicao precisa para o fato.
Para que as observaes feitas aqui na Terra fizessem sentido, caracterizou-se
o movimento dos cus atravs de duas grandes esferas que, em uma interpretao
moderna, se referem aos movimentos da Terra. Desse modo, uma esfera contendo
as estrelas move-se para oeste, com uma rotao a cada 23 horas e 56 minutos.3 Por
que no a cada 24 horas? O tempo de adiantamento, de quase 4 minutos em relao
ao dia solar, se soma, em um ano, a cerca de 360 4/60 horas, o que corresponde
a 24 horas, ou um dia. Isso porque a cada ano, mesmo que a Terra no girasse, se
passaria um dia solar em decorrncia de seu giro em torno do Sol. Outro modo
mais direto de se compreender esse fato verificando-se que, ao passar 24 horas,
uma estrela no estar no mesmo lugar, pois a Terra ter se movido de 1/365 de sua
revoluo, ou seja, 1/365 de uma rotao completa. Isso mostra tambm, de outro
modo, que a direo de rotao da Terra, em relao a seu eixo e aquela em relao
ao Sol, se fazem no mesmo sentido. De fato, quase todos os astros do sistema solar4
se movem no mesmo sentido, qual seja, de oeste para leste, provocando uma sensa-
o de que o universo ao nosso entorno se move de leste para oeste no movimento
dirio. Em seu movimento anual, o Sol se move de oeste para leste, tendo a esfera
celeste como fundo. Foi assim que se inventaram as constelaes astrolgicas, o
zodaco, em cuja regio o Sol vai caminhando: quando o Sol passar na esfera celeste
na regio onde est a constelao de Virgem, dizem os astrlogos que estamos sob
a influncia de Virgem.
Consideremos a grande esfera celeste, onde imaginamos as estrelas fixas que
formam, por exemplo, as constelaes, e que esto paradas na esfera celeste. As
estrelas nascem e morrem, respectivamente, a leste e a oeste. H um grande cr-
culo, a ecltica, com uma inclinao de 23, e o Sol se move uma vez a cada 365
dias pela ecltica, de oeste para leste, quando projetado na esfera celeste. Isso cor-
responde revoluo da Terra em torno do Sol, mas vista desde a Terra. Mais pre-
___
3
O que corresponde a um dia sideral.
4
Vnus e Urano so excees, no que tange revoluo em torno do prprio eixo, veja o Apndice.
Quanto revoluo em torno do Sol, o movimento da Terra pode, por vezes, parecer retrgrado, ou
seja, de leste para oeste.

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20 Cosmologia

Figura 1.3 Movimento retrgado do planeta Marte.

cisamente, se localizarmos o Sol, na esfera celeste, sempre em uma mesma hora do


dia, este ponto far nela um grande crculo, e este crculo se chama ecltica, e no
corresponde ao equador celeste, o crculo mximo da esfera celeste, pois a Terra,
conforme sabemos hoje, tem um eixo de rotao inclinado de 23 em relao ao
seu plano de revoluo em torno do Sol.
Porm, algumas estrelas tinham movimentos bastante distintos, pois, em certa
poca do ano, andavam em sentido contrrio, em movimento retrgrado (ou seja, dia
aps outro, encontram-se mais a oeste, indo de leste a oeste com o passar dos dias).
Foram chamadas de planetas, palavra que, em grego, traz o sentido de movimento
errante. Hoje sabemos que esses movimentos esto ligados ao movimento dos pla-
netas em torno do Sol. Sabemos ainda que nosso sistema solar muito pequeno em
relao s estrelas. Na Antiguidade, esse fato era completamente desconhecido.
A descrio dos cus foi ficando mais sofisticada. Nessa nova descrio, os planetas
movem-se em crculos, em torno de outros crculos, ao redor da Terra, os epiciclos e os
deferentes. Este sistema deu origem ao que podemos chamar de sistema ptolomaico
de descrio dos cus. Recebido pelos rabes, os guardies da cincia e da filosofia
durante a Idade Mdia, o sistema foi aperfeioado a ponto de ter uma preciso de at
8 minutos de arco!5 A cincia moderna teve incio mais de mil anos mais tarde, com a
revoluo de Coprnico acerca de nosso conhecimento sobre o cosmos.

___
5
Um crculo completo tem 360 graus, e cada grau, 60 minutos. Portanto, com o passar de 1 hora, um
astro se move 15 graus.

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As Origens nas Preocupaes do Homem 21

Figura 1.4 A esfera celeste. Na viso dos antigos, a esfera celeste contm os astros e gira de leste para
oeste, com um perodo de aproximadamente 23h 56min, correspondendo rotao da
Terra. Nela, esto as chamadas estrelas fixas e os planetas, dentre os quais se inclua o
Sol, que se desloca, em seu movimento anual, na ecltica, definida pelo crculo hachurado
na figura. Para um observador no hemisfrio sul, o ponto N corresponde posio do Sol
no solstcio de inverno e o ponto S, ao solstcio de vero. O equincio de outono se d na
interseco da ecltica com o equador celeste, direita da figura, e o equincio de prima-
vera, na mesma posio do lado esquerdo.

1.1 A descrio dos cus


1.1.1 O sistema de duas esferas de Eudoxo
Aps o que convencionaremos chamar de era mitolgica, incluindo desde astro-
logia at pouco antes da ideia de uma Terra esfrica, passando pelos mitos da cria-
o, podemos dizer que o primeiro conceito de universo, baseado em observaes,
veio com as esferas de Eudoxo.
Eudoxo foi um grande matemtico; dizem mesmo que teria sido o responsvel
pelo quinto livro de Euclides. Estudou com Plato e tambm no Egito. Props o
ciclo de quatro anos para o Sol, incluindo o ano de 366 dias, trs sculos antes de
Jlio Cesar, que o efetivou. Seu esquema de esferas concntricas chegou at ns
por meio da metafsica de Aristteles e de um comentrio de Simplcio.

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22 Cosmologia

Figura 1.5 Estaes sob o ponto de vista do hemisfrio sul (para o hemisfrio norte, basta trocar vero
por inverno e primavera por outono). As propores no correspondem realidade, tendo
sido exageradas para uma melhor compreenso.

Coloquemos alguns prolegmena. Conforme sabemos hoje, a Terra gira em tor-


no do Sol, mas de maneira um tanto irregular. H uma inclinao do eixo da Terra
em relao ao plano de revoluo em torno do sol. H dois dias no ano em que este
eixo est no plano perpendicular ao plano de rotao da Terra, passando pela Terra
e pelo Sol. Estes so os pontos mais prximo e mais longnquo, respectivamente, do
Sol (ver Figura 1.5). O exato dia pode mudar ligeiramente (de um dia) de um ano
para outro. Em 2004, por exemplo, foram os dias 21 de junho (hora de Greenwich
0h 57min) e 21 de dezembro. O dia 21 de junho marcou o incio do inverno no he-
misfrio sul, quando o hemisfrio norte esteve virado em direo ao Sol. Aconteceu
o oposto no dia 21 de dezembro, quando o hemisfrio sul esteve virado para o Sol,
e tivemos o incio do vero no hemisfrio sul. Essas duas datas marcaram os Sols-
tcios de 2004; dia 21 de junho de 2004 foi o solstcio de inverno no hemisfrio sul,
ou o solstcio de vero no hemisfrio norte. Quando, por outro lado, temos o meio
caminho entre os dois solstcios, em que o eixo de rotao est no plano perpendi-
cular ao definido anteriormente, o dia e a noite tero a mesma durao. Isto se deu
nas datas de 20 de maro de 2004 e de 22 de setembro de 2004, correspondendo,
respectivamente, ao equincio de outono e ao equincio de primavera no hemisfrio
sul, ou equivalentemente, ao equincio de primavera e ao equincio de outono do
hemisfrio norte. No equincio, dia e noite tm a mesma durao. Note-se, na Figu-
ra 1.5, que o Sol no est exatamente no centro, conforme sabemos hoje. Esse fato

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As Origens nas Preocupaes do Homem 23
responsvel por uma diferena de seis dias entre o perodo vernal do hemisfrio
sul e o correspondente perodo no hemisfrio norte.6
Como vimos, h diferentes contribuies aos movimentos da Terra. Sua ro-
tao bastante simples, e tambm vimos que pode servir para acomodar uma
grande esfera, na qual esto todas as estrelas distantes. Tomemos esta primeira
esfera como a primeira descrio dos cus. Para cada outro astro do sistema solar,
precisamos de outra esfera para acomodar cada planeta. De acordo com os gregos,
havia sete planetas: a Lua, o Sol, Mercrio, Vnus, Marte, Jpiter e Saturno.
A esfera solar est inclinada de 23 em relao esfera celeste. O Sol vai
para oeste, mas um pouco mais devagar que as estrelas, para que se leve em conta
o movimento anual do Sol, de modo que ele se atrase 1 por dia, ou em termos de
tempo, 4 minutos por dia, razo pela qual o dia solar tem 24 horas, enquanto o ciclo
da esfera celeste de 23h e 56 min.
Aristteles j falava, quatro sculos antes de Cristo, sobre medidas do raio da
Terra. Eratstenes, o bibliotecrio de Alexandria, foi o primeiro a estimar o raio
da Terra com preciso, por volta do terceiro sculo antes de Cristo. Foi o primeiro
passo para uma viso quantitativa do universo, pois passamos a ter uma ideia da
dimenso do nosso mundo. Esse clculo simples. Ele observou a sombra de um
gnomon,7 em Alexandria, em um certo dia em que o Sol estava a pino em Siena,
uma outra cidade egpcia, a uma distncia de cerca de 5.000 estdios. O ngulo
medido foi de 1/50 do crculo mximo, ou seja, 71/5, o que levou Eratstenes a es-
timar a circunferncia da Terra em 250.000 estdios. Hoje, no sabemos ao certo o
valor do estdio, mas estima-se que o valor obtido esteja apenas 5% abaixo do valor
exato. Como os valores mencionados, usados por Eratstenes, so estimativas j
devidamente arredondadas, podemos dizer que o valor obtido foi excelente.
As observaes de Aristarco de Samos so as mais interessantes. Aristarco
tambm conhecido por ter sido quem props o sistema heliocntrico bem antes de
Coprnico. Aristarco fez medidas muito apreciveis. Para medir a distncia relativa
at o Sol e at a Lua, ele observou a Lua quando estava exatamente com aparn-
cia de meia-lua. Essa observao, sem instrumentos, , na prtica, extremamente
difcil. Medindo o ngulo entre a direo da Lua e a do Sol, ele pde estimar tais
distncias relativas.
Pelas observaes de Aristarco, o ngulo de 87, quando o correto seria de
89 519. O valor relativo entre a distncia Terra-Sol e a distncia Terra-Lua obtido
por Aristarco foi de 19, enquanto o valor correto de 400. Embora haja um erro de
um fator de 20, consideramos que, para uma observao sem qualquer instrumento,
a olho nu, o resultado desta estimativa, para a poca, plenamente satisfatrio.

___
6
Ou seja, o dia do equincio no se d exatamente a meio caminho entre dois solstcios.
7
Uma vara vertical.

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24 Cosmologia

Figura 1.6 Medida efetuada por Aristarco das distncias relativas entre a Terra, a Lua e o Sol.

Aristarco usou duas outras observaes mais simples. A primeira mostra que,
durante um eclipse solar, a Lua cobre exatamente o Sol. Em outras palavras, mes-
mo sem observar um eclipse solar, verificamos que o ngulo subentendido pelo Sol
ou pela Lua o mesmo, qual seja, 0,5. Assim, a relao entre o dimetro do Sol e o
da lua dado pela relao entre suas distncias at ns, ou seja, 19 para Aristarco,
e 400 para ns. Falta-nos ainda um dado para completar o quebra-cabea. Esse
dado suplementar fornecido pelo eclipse lunar, quando se verifica, conforme feito
por Aristarco, que o dimetro da Lua corresponde metade do tamanho do cone
de sombra (veja Figura 1.7). Assim, Aristarco tinha as relaes
x x + 20R x+R
= = ,
2d 19d D

enquanto ns teramos
x x + 401R x+R
= = .
2d 400d D

Aristarco resolveu as equaes, obtendo d = 0,35D e, portanto, Rsol = 6,6RT.


Se fizermos o clculo sem o erro original devido medida imprecisa de ngulo,
obtemos D = 3d, e Rsol = 130RT. Para comparao com valores observados hoje,
temos D = 3,67d e Rsol =109RT, de modo que a ideia foi brilhante. Note-se ainda
que, para o dimetro da Lua, obtemos, aproximadamente, 1/3 do dimetro da
Terra, que corresponde realidade. Se usarmos o fato, j bem conhecido, que o
tamanho aparente da Lua corresponde a um ngulo de 1/2, obtemos a distncia
Terra-Lua,
2
1 RT
sen = sen  = 3 .
2 360 360 DT L

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As Origens nas Preocupaes do Homem 25

Figura 1.7 Mtodo de Aristarco baseado em um eclipse lunar.

Portanto,

DT L  75RT ,

ou seja, a distncia Terra-Lua corresponde, aproximadamente, a 75 vezes o raio da


Terra. Os valores atuais so

Raio da Terra RT 6.378 km,


Raio da Lua RL 1.740 km,
Distncia Terra-Lua DTL 384.000 km 60RT.

O sistema de duas esferas dava uma excelente viso do universo, no que tan-
ge s estrelas e mesmo ao Sol, e configura de modo apenas razovel o movimento
lunar.
Outra estimativa possvel, mas que no chegou a ser imaginada pelos antigos
atravs da paralaxe. Este mtodo, apesar de simples, jamais foi usado. Por parala-
xe temos de observar a posio da Lua desde dois pontos diferentes, com mesma
longitude, comparando os ngulos observados.
O movimento solar, como vimos, bastante complexo. Do hemisfrio sul, ve-
mos o Sol nascer a Sudeste, fazer um grande crculo no Norte, e colocar-se a Sudoes-
te. Conforme chegamos perto do solstcio de vero, o Sol fica, prximo ao meio-dia
(horrio solar), mais prximo ao Sul. O Trpico de Capricrnio corresponde linha
onde o Sol est a pino, ao meio-dia no solstcio de vero. Para pontos ao sul do Tr-
pico de Capricrnio, o Sol sempre fica abaixo dos 90, e ao meio-dia aponta para o
Norte. Entre o Trpico e o Equador, o Sol pode estar, ao meio-dia, tanto ao Norte
(na maior parte do tempo) quanto ao Sul e, por duas vezes no ano, fica a pino ao
meio-dia.

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26 Cosmologia

Figura 1.8 Sol e Lua compreendidos sob o mesmo ngulo, vistos a partir da Terra. Com os clculos de
Aristarco, a distncia Terra-Sol seria cerca de 1.200 vezes o raio da Terra. O valor correto
cerca de 20 vezes maior.

A Lua poderia ser outro astro de medida do tempo, e de fato muito mais sim-
ples obter uma medida de tempo a mdio prazo atravs da Lua. Seu perodo de
cerca de 271/3 dias atravs do zodaco, e uma Lua nova ocorre a cada 29 dias. No
entanto, pode haver diferenas grandes, de at dois dias, e poucos povos mantive-
ram o uso do calendrio lunar por muito tempo. A diviso em quatro semanas, de
acordo com as fases da Lua, fornece uma diviso bastante natural do tempo.
De modo similar, o movimento dos planetas tambm muito complicado. V-
nus e Mercrio, os chamados planetas interiores, movem-se, do ponto de vista da
Terra, sempre no entorno do Sol, o primeiro dentro de um ngulo de 45, e o se-
gundo dentro de 28. Os planetas exteriores so diferentes e podem mover-se em
qualquer abertura.

1.1.2 Os epiciclos e os deferentes


O movimento dos planetas, ao contrrio daquele das estrelas, muito complexo.
No tocaremos no caso da Lua, complexo demais para nosso intuito. O mais sim-
ples destes astros o Sol. Do ponto de vista moderno, est claro que, mesmo visto
da Terra, o sistema solar tem um movimento razoavelmente simples. Ainda assim
h problemas. Um deles o fato, j percebido na Antiguidade, de que o perodo que

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As Origens nas Preocupaes do Homem 27

Epiciclo
D

ire
te


oa
ren
Defe

leste
e
3 2

est
al
o 1 4

(a) D i re (b)

Direo a leste

4 3
2 1
(c)

Figura 1.9 Epiciclos e deferentes implicando o movimento retrgrado aparente de certos astros.

vai do equincio de primavera ao equincio de outono no Hemisfrio Norte cerca


de 6 dias mais longo que o perodo correspondente no Hemisfrio Sul.
A explicao dada pelos astrnomos da antiguidade, baseada em esferas, pode
ser vista como uma maneira de se compreender o movimento real por aproxima-
es sucessivas. De fato, da Terra vemos o Sol movendo-se anualmente na eclpti-
ca, de oeste para leste. Sabemos hoje que os planetas se movem em torno do Sol.
natural, do nosso ponto de vista, que os planetas faam revolues em torno de um
ponto (o Sol) que gira em torno de ns. Apesar de os antigos no saberem de tal
teoria, era o que eles observavam, como nos bvios casos de Vnus e de Mercrio.
A soluo proposta foi que os planetas se movem em crculos, chamados epici-
clos, cujo centro, o deferente, move-se ao redor da Terra, em um outro movimento
circular (veja Figura 1.9).
Essas correes foram, com o tempo, tornando-se cada vez mais complexas
e sofisticadas. A diferena de 6 dias do movimento do Sol entre o vero no He-
misfrio Norte comparado ao vero no Hemisfrio Sul que descrevemos acima,
e que sabemos hoje ser devido forma elptica da rbita da Terra, foi explicada
tambm atravs de um pequeno epiciclo, cujo raio correspondia a cerca de 4,17%
da distncia Terra-Sol. Isso equivale a desviar a Terra do centro do movimento do
Sol por uma distncia tambm equivalente a 4,17% da distncia Terra-Sol. Assim,
caminhava-se para a descrio cada vez mais exata do movimento dos astros, por
argumentos complexos mas sem um real conhecimento de causa.

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28 Cosmologia

Figura 1.10 Claudius Ptolemaeus, ou Ptolomeu (Alexandria, Egito, aproximadamente de 85 a 150 d.C.),
conforme gravura do sculo XVI. Astrnomo, matemtico e gegrafo helnico. Compilou
muito do conhecimento astronmico, astrolgico e geomtrico da antiguidade. Sua obra,
conservada e atualizada durante a Idade Mdia pelos rabes, ficou conhecida como Alma-
gest (do rabe: A grande obra).

Coube a Ptolomeu a compilao do conhecimento astronmico grego e egpcio.


Sua obra, preservada e difundida pelos rabes, ficou conhecida como Almagest.
Foi uma das obras mais fecundas do mundo helnico. Sobre Claudius Ptolemaeus,
seu nome latino, sabe-se muito pouco. Viveu em Alexandria, entre o primeiro e o
segundo sculo de nossa era. Aparentemente pertencia a uma famlia grega que
vivia no Egito e era cidado romano. Deixou tambm importantes contribuies
matemtica, como sua aproximao de por 317/120 = 3.14166 e diversas tabelas
trigonomtricas, assim como geografia, como seu mapa-mndi que j incluia a
Taprobana (Ceilo, atual Sri Lanka) e a China. Aperfeiou e ajustou todos os mo-
delos baseados em epiciclos e deferentes previamente propostos, principalmente
baseados nos dados de Hiparco e em suas prprias observaes, atingindo a preci-
so incrvel de 89 na descrio do movimento dos planetas. O modelo ptolomaico
perduraria por mais de um milnio.

1.2 O calendrio
Podemos dizer que uma viso mais realista do universo, desde a Antiguidade Cls-
sica at tempos bastante recentes, tenha se baseado em problemas de calendrio.
O calendrio e as medies de tempo estiveram sempre entre as mais importantes
preocupaes do homem. H vrias medies de tempo: relgios de gua e varas ver-
ticais medindo a sombra do Sol; so medies razoavelmente simples. Para medidas
de longo tempo, melhor a observao das estrelas, que no so apenas bastante
parecidas de local para outro, mas tambm constituem observaes mais precisas.

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As Origens nas Preocupaes do Homem 29
No entanto, as medies de tempo pelos vrios processos no so completa-
mente equivalentes, na medida em que os movimentos compostos no so simples.
Como exemplo, vimos que o dia solar tem 24 horas, enquanto o dia sideral 23 horas
e 56 minutos. Enquanto a observao dos cus foi ganhando forma, problemas de
interpretao foram aparecendo, levando a uma forma de cincia, uma astronomia
rudimentar.
No incio, no calendrio dos babilnicos, o ano era de 360 dias, o que condi-
zia com a base 60 da contagem babilnica. A definio de ano necessria para a
marcao de colheitas. No entanto, um ano de 360 dias acaba por atrasar o incio
de datas dependentes do calendrio solar que rege a safra agrcola. O equincio
de primavera, no hemisfrio norte, que de acordo com o calendrio hoje em vigor
chega aos 21 dias do ms de maro, fica atrasado em mdia cinco dias em um ano
de trezentos e sessenta dias. Foi assim que os egpcios introduziram cinco dias adi-
cionais para a espera do prximo ano, j que eventos sazonais importantes, como a
cheia do Nilo, ocorreriam sempre mais e mais tarde. No entanto, mesmo para esse
tipo de calendrio, havia um atraso significativo, e a cada quarenta anos os eventos
sazonais acabavam por se atrasar cerca de dez dias.
Os romanos possuam um calendrio prprio, o Fasti, que sofreu diversos ajus-
tes durante sua histria. Cr-se que, inicialmente, o calendrio romano tenha sido
adaptado do antigo calendrio lunar grego. A origem lendria atribuda ao pr-
prio Rmulo, um dos fundadores de Roma. Iniciava-se no equincio de primavera
e, curiosamente, terminava no solstcio de inverno. O inverno no era contabilizado
no Fasti primitivo. O ano era dividido em 10 meses. Os nomes setembro, outubro,
novembro e dezembro so reminiscncias dos quatro ltimos meses do calendrio
romano. Os outros meses eram: Martius, ms do deus da guerra Marte; Aprilis,
ms em que as flores deveriam se abrir (aperire, em latim), ou ainda, numa outra
intepretao, ms da deusa do amor Vnus, Afrodite em grego, tambm Aphrilis
em latim. Maius era dedicado Bona dea romana, a boa deusa da fartura e fertili-
dade, identificada com a deusa grega Maia, sempre representada com a cornuc-
pia. Junius era o ms de Juno, esposa de Jpiter; Quintilis e Sextilis, o quinto e
o sexto ms, respectivamente.
Inicialmente, os meses romanos tinham 30 ou 31 dias. Alguns dias do ms ti-
nham nomes especiais. Calendas correspondiam ao primeiro dia do ms; nonas,
ao quinto ou ao stimo, dependendo do ms; e idos, ao dcimo terceiro ou dcimo
quinto, tambm dependendo do ms. As calendas, que deram origem ao termo ca-
lendrio, eram muito importantes; diversas atividades mercantis e sociais ocorriam
sempre nas calendas. O calendrio romano sofreu diversas modificaes; as dura-
es dos meses foram alteradas; dois novos meses de inverno foram introduzidos
aps dezembro: janeiro e fevereiro, meses dedicados, respectivamente, aos deuses
Jano, dos portais e entradas, e Februus, entidade etrusca da purificao, que po-
deria ter acabado entre os romanos como Febris, o deus protetor contra a malria

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30 Cosmologia

Figura 1.11 A cornucpia, grande chifre preenchido por frutos, cereais e flores, smbolo da fartura dos
romanos desde o sculo V a.C.

(do Latim, mau ar). Incluiu-se tambm um Mensis Intercalaris, o Mercedonius,


aps fevereiro, de tempos em tempos, a fim de se ajustar o calendrio ao perodo
solar. O Fasti acabou convergindo ao calendrio atual, sem a existncia dos anos
bissextos, em que fevereiro tem 29 dias. Jlio Csar, com a ajuda de astrnomos
gregos e egpcios, introduziu um novo dia a cada quatro anos e eliminou o Merce-
donius. Modificou, em sua prpria homenagem, o nome do quinto ms para Julius.
Surgiu, ento, o calendrio dito juliano, instituido oficialmente no ano 46 a.C., que
sobreviveu at a Idade Moderna. Csar Augusto, sobrinho-neto de Jlio Cesar, tam-
bm em auto-homenagem, modificou o nome do ms Sextilis para Augustus. Alm
disso, exigiu que seu ms tivesse tambm 31 dias, para que no ficasse mais curto
que o de seu tio-av.
Para os romanos, os anos eram numerados de acordo com imperadores, cnsu-
les e, j no final do imprio, papas. Com o fim do imprio no ocidente, alguns povos
continuaram a considerar o incio do ano no equincio de primavera, outros no

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As Origens nas Preocupaes do Homem 31
solstcio de inverno, outros ainda na pscoa. Foi no sculo VI que a Igreja instituiu
a contagem dos anos a partir do suposto nascimento de Jesus Cristo, no ano 1 d.C.
A contagem dos anos segundo a Era Crist foi difundida pela Europa por Carlos
Magno. Foi somente no sculo XVI, porm, que se instituiu o dia primeiro de ja-
neiro como o incio do ano. Outros problemas com o calendrio sobrevieram ainda
no sculo XVI. Uma nova reforma, que veremos mais adiante, levou ao calendrio
gregoriano, usado at hoje em todos os pases do mundo.

1.3 A revoluo de Coprnico


A cincia moderna teve incio com a revoluo de coprnico acerca de nosso co-
nhecimento sobre o cosmos. Estando as festividades da pscoa recaindo a cada
ano cada vez mais distante na marcao de tempo solar baseada no calendrio
Juliano, a Igreja Catlica encomendou ao sacerdote polons Nicolau Coprnico um
estudo detalhado. O pedido foi feito pelo prprio papa Paulo III. O novo calendrio,
devidamente corrigido, foi institudo pelo Papa Gregrio XIII, cerca de quarenta
anos aps os estudos de Coprnico, em sua bula Inter gravissimas, de 24 de feve-
reiro de 1582 [4]. Nela, instituiu-se que ao dia 4 de outubro de 1582, quinta-feira,
seguiria-se o dia 15 de outubro de 1582, sexta-feira. Alm disso, os anos bissextos
mltiplos de 100, mas no de 400, foram eliminados. Segundo a bula, os dez dias
perdidos no poderiam ser contabilizados para nenhum efeito civil. No calendrio
gregoriano, o erro em relao ao perodo solar menor que um dia para cada trs
mil anos. O calendrio gregoriano foi rapidamente aceito pelo mundo catlico. Os
protestantes tardaram um pouco mais; os britnicos o adotaram no sculo XVIII.
Alguns outros povos, como os russos, s o implementaram muito depois, j no in-
cio do sculo XX.
Nicolau Coprnico nasceu em Torun, atual Polnia, em uma famlia de bom
nvel e muito religiosa. Estudou matemtica, astronomia e teologia na tradicional
Universitas Jagiellonica de Cracvia, Polnia. Em 1497, foi nomeado, pelo polmico
Papa secular Alexander VI (Rodrigo Borja), bispo de Warmia, na Polnia. Partici-
pou das festividades do grande jubileu de 1500, em Roma, fazendo observaes de
um eclipse e dando diversas palestras pblicas. Na mesma poca, trabalhou tam-
bm para autoridades da Prssia oriental, produzindo um tratado sobre o valor do
dinheiro, um dos primeiros textos sobre economia do mundo moderno.
Os estudos astronmicos de Coprnico foram por ele reunidos em sua obra
seminal De Revolutionibus Orbium Coelestium, As Revolues das Esferas Ce-
lestiais, numa traduo direta [5]. Comeou a ser escrita em 1506, foi terminada
em 1530, mas s foi publicada no ano de sua morte, 1543. A obra dedicada ao
Papa Paulo III. O prefcio adverte aos leitores que sua teoria devia ser vista como
uma ferramenta matemtica para a descrio dos movimentos dos corpos celes-
tes, no como uma proposta de uma nova realidade fsica. As preocupaes e os

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32 Cosmologia

Figura 1.12 Nicolau Coprnico (*Torun, Polnia, 1473; Frombork, Polnia, 1543). Clrigo, matem-
tico e astrnomo polons. Seu De revolutionibus orbium coelestium, publicado no ano de
sua morte, assentou as bases do sistema heliocntrico.

conflitos do clrigo Coprnico so compreensveis. Sua obra propunha o abandono


do modelo geocntrico Ptolomaico, aceito por mais de um milnio e perfeitamente
adequado aos dogmas e interesses da Igreja. Mais ainda, propunha o abandono de
um modelo que funcionava satisfatoriamente. De fato, com as correes introduzi-
das pelo matemtico e astrnomo alemo Johannes Mller (Regiomontanus, em
Latim), o sistema ptolomaico chegou incrvel preciso de 89 de arco em suas ob-
servaes [6]. Nenhuma observao desafiava as previses do modelo ptolomaico.
Porm, os epiciclos e deferentes necessrios passaram a ser cada vez mais comple-
xos. A proposta heliocntrica de Coprnico no oferecia, em geral, uma preciso
melhor, mas representava uma considervel simplificao nos clculos. Por isso,
segundo Coprnico, deveria ser vista simplesmente como uma hiptese simplifi-
cadora, uma ferramenta adequada, e no como uma afronta ao geocentrismo, que
certamente seria considerado como heresia, talvez pelo prprio Coprnico.
Houve vrias propostas heliocntricas na antiguidade. Aristarco j havia pro-
posto, no sculo III a.C., um modelo heliocntrico para a descrio dos movimen-
tos dos corpos celestes. Houve tambm propostas heliocntricas entre rabes e
indianos. Todos esses modelos, porm, foram suplantados pela viso ptolomaica,
a qual, alm de ser perfeitamente adequada para descrever os movimentos dos
corpos celestes ento conhecidos, era tambm adequada s pretenses da Igreja,
como j dissemos. A obra de Coprnico, no entanto, influenciou profundamente
seu tempo e sua sociedade. Sua riqueza de dados e tabelas e a clareza de suas
ideias ali expostas contaminaram muitas e muitas mentes, algumas das quais ter-
minaram ousando desafiar o paradigma ptolomaico. A lista dos que pagaram por

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As Origens nas Preocupaes do Homem 33
tal ousadia na fogueira grande e inclui diversos nomes clebres, como Giordano
Bruno. Foi Galileo, no sculo seguinte, quem definitivamente sepultou o modelo
ptolomaico por meio das primeiras observaes com luneta. Primeiro, identificou
quatro luas de Jpiter: Io, Europa, Ganimedes e Calisto. Foi a primeira evidncia
de corpos celestes que no orbitavam em torno da terra. Depois, mostrou que V-
nus possua fases como a nossa Lua, algo impossvel de ser explicado num modelo
geocntrico; finalmente a hiptese heliocntrica foi confirmada. Galileo quase foi
queimado pela Inquisio. Eppur si mueve,8 teria murmurado Galileo aps se
retratar no tribunal da Inquisio.

1.4 Nossa posio diante do universo


Os pensadores da antiguidade observavam com muita frequncia o seu esplendo-
roso cu. Desde muito cedo souberam da forma esfrica da Terra. Como j vimos,
ao medir o ngulo gerado pelos raios solares, ao meio-dia, por uma vara vertical e
comparando-o com uma localidade onde o Sol no mesmo instante estava a pino,
Eratstenes, o bibliotecrio de Alexandria, foi capaz de calcular, aproximadamen-
te, o raio da Terra por volta do terceiro sculo antes de Cristo.
Como observadores perspicazes que eram, os antigos elaboraram mapas para
a localizao dos astros celestes. Na teoria de Ptolomeu, a Terra era o centro
do universo. J sabemos que Ptolomeu viveu em Alexandria, durante o segundo
sculo depois de Cristo. Sua teoria era bem aceita pela Igreja, j que propunha
que o homem era um ser privilegiado pela divindade, no centro do universo. Alm
disso, pode-se imaginar que a teoria alimentava o orgulho dos poderosos, que no
apenas eram os donos do poder no lugar em que habitavam: apropriaram-se do
prprio centro do universo. Esta situao psicolgica ainda persiste hoje, quan-
do muitos acreditam que h vida em outros planetas, enquanto outros insistem
que isto impossvel. O Almagest de Ptolomeu juntamente com o Elementos de
Euclides so os mais antigos textos cientficos da humanidade. O Almagest foi
refinado pelos autores rabes, o que posteriormente deu subsdio estrutural a
Coprnico e Kepler.
Segundo Aritteles, os corpos caem devido sua tendncia natural de ficar no
centro do universo, e o centro do universo seria o centro da Terra. Isto nos leva
a uma viso de mundo homocentrada, na qual todo o universo est naturalmente
relacionado com a existncia da Terra, cuja posio privilegiada. Neste ponto, a
fsica de Aristteles e a astronomia de Ptolomeu acabam por se completar e, de
fato, no podem admitir reinterpretaes que, como vimos, terminaram por mudar
completamente a viso de mundo, a partir de observaes muito simples.

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Porm, se move, numa traduo livre, referindo-se ao movimento da Terra em torno do Sol.

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34 Cosmologia

O caminho das observaes da antiguidade at a cosmologia moderna foi muito


longo. Veremos como a revoluo copernicana desembocou na grande revoluo
cientfica do sculo XVIII e na viso mecnica no universo, que acabou por modifi-
car profundamente a relao entre o homem e a natureza, o que, em ltima anlise,
foi causa e motivao do fantstico avano tecnolgico posterior.

1.5 Uma longa jornada


Felizmente, a cincia no se desenvolve baseada apenas em opinies, mas em fa-
tos. Como vimos, Coprnico descobriu que as complicadas tabelas de Ptolomeu
ficavam muito mais simples se, ao invs da Terra ser considerada como centro do
universo, o Sol o fosse. Coprnico no teve problemas com o clero, pois deixou
claro que isso era considerado apenas como uma hiptese de trabalho, e no como
uma realidade. Quando outros filsofos, como Giordano Bruno, tomaram as ideias
de Coprnico como verdades cientficas, houve uma intensa reao Giordano
Bruno foi considerado herege, e queimado vivo. Todavia, com o tempo, os fatos
impuseram-se. De acordo com a teoria de Ptolomeu, segundo a qual os planetas
se movem em epiciclos (crculos menores cujos centros estavam por sua vez em
crculos maiores em torno da Terra), Vnus nunca poderia ter fases como tem a
Lua. Porm, essas fases foram observadas por Galileo, com o advento da luneta.
Mais que isso, as observaes mais modernas foram dando corpo a uma nova teoria,
muito precisa e com maior poder de previso.
Faremos uma breve reviso dos principais fatos que nos levaram da revoluo
de Coprnico at a cosmologia moderna. Obviamente, seria impossvel fazer-se,
num espao to curto, uma reviso de todos os avanos cientficos, filosficos e
tcnicos compreendidos nesse perodo sem algumas omisses.
As anotaes astronmicas de Tycho Brahe, feitas em seus observatrios da
ilha de Hven, localizada entre as atuais Dinamarca e Sucia, deram os subsdios
necessrios para o alemo Johanes Kepler formular trs leis, conhecidas como Leis
de Kepler. A primeira lei dizia que os planetas se moviam em elipses, com o Sol em
um dos focos. A prxima, que a rea varrida pelo planeta ao circum-navegar o Sol,
por unidade de tempo, constante. Finalmente, a terceira reza que o cubo do raio
mdio da rbita proporcional ao quadrado do perodo de revoluo. O ingls Isaac
Newton mostrou que essas leis so consequncia de outras mais simples e, muito
importante, mais gerais: em primeiro lugar h um conceito de fora. Agindo sobre
os corpos, a fora proporcional acelerao do corpo. A constante de proporcio-
nalidade igual massa do corpo. Alm disso, h uma fora gravitacional entre os
corpos proporcional ao produto das massas e ao inverso do quadrado da distncia.
Assim nascera a teoria newtoniana da gravitao universal. Newton precisou inven-
tar o clculo diferencial para resolver suas equaes. Ao resolv-las, mostrou que
delas seguiam, como consequncia, as leis de Kepler para o movimento planetrio.

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As Origens nas Preocupaes do Homem 35
O universo passa a ter uma aparncia completamente diferente: no h um centro
privilegiado, nem a Terra, nem o Sol, mas uma infinidade de astros sujeitos ao
de uma lei fundamental, universal, regendo seus movimentos e suas trajetrias.
Nascia, assim, a primeira descrio cientfica do cosmos.
Aps Newton, vrios desenvolvimentos seguiram-se dentro da fsica. Dois
grandes campos firmaram-se. Por um lado, a fsica do pequeno, com a hiptese
atmica ganhando fora e finalmente se impondo, e de outro lado, a unio de dois
tipos de fora conhecidos milenarmente: o magnetismo (do antiqussimo m) e a
eletricidade (do pr-histrico relmpago). Foi com grande surpresa que se verifi-
cou, no sculo XIX, que as leis que regem o eletromagnetismo so diferentes das
leis que regem a mecnica dos corpos aquela descoberta sculos antes por Isaac
Newton. Para acomodar esses dois tipos de leis, foi proposto que os fenmenos
eletromagnticos (e a luz um destes fenmenos) s ocorreriam em um tipo de
geleia universal chamada ter, que preenche todo o espao. Todavia, foram vs as
tentativas de se detectar o ter.
Em 1905, Albert Einstein, que trabalhava no departamento de patentes em
Berna, na Sua, props que todas as leis devem ter a mesma forma. No impor-
tava de onde observssemos um fenmeno, seja de um trem em movimento, seja
parados vendo-os acontecer, tanto o fenmeno eletromagntico como o mecnico
devem se comportar da mesma maneira. Assim, ele modificou as leis de Newton
na verdade, a modificao era muito pequena e, com os aparelhos da poca, no
podia ser observada em fenmenos mecnicos, pois era da ordem (tamanho) do
quadrado da relao entre a velocidade do objeto e a velocidade da luz! Lembremos
que a velocidade da luz de 300.000 quilmetros por segundo! Dessa maneira, a
modificao em fenmenos do dia a dia (movimento de uma pessoa ou de um carro,
por exemplo) no poderia ser notada por ser menor que uma parte em mil trilhes!
No entanto, quando aplicada ao macrocosmo, a teoria da relatividade traz vrias
consequncias. Desse modo, a teoria da gravitao de Newton tambm foi mudada
para ser relativstica, ou seja, para obedecer teoria da relatividade.
Einstein acreditava que o universo fosse esttico. Tentou resolver suas equa-
es para a relatividade geral (assim foi chamada a nova teoria da gravitao), para
obter um universo estacionrio, e encontrou dificuldades, sendo possvel encontrar
tal soluo apenas no caso de se modificarem as equaes com um termo chamado
cosmolgico. Outras solues existiam, as quais, todavia, no eram estticas e que
sugeriam um universo em expanso.
Em 1929, o astrnomo Edwin Hubble verificou que as estrelas distantes es-
tavam se afastando de ns, e que a velocidade de afastamento era proporcional
distncia que estivssemos da estrela. Ora, se tomarmos um elstico, pintarmos
nele pontos equidistantes e comearmos a estic-lo, vamos verificar que tambm a
velocidade relativa de um ponto a outro proporcional distncia isso significa
que as observaes de Hubble implicam em um universo em expanso, de acordo

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36 Cosmologia

com as equaes originais da teoria da relatividade geral! E mais, se o universo est


em expanso, houve um dia em que tudo estava comprimido numa pequena regio
do espao. A origem do universo, portanto, estaria associada a um tipo de grande
exploso. Foi, contudo, uma exploso bastante peculiar, diferente das que estamos
acostumados: todos os pontos do espao explodem simultaneamente, ou seja, no
h um centro privilegiado! Pela primeira vez na histria, estamos nos aproximando
da origem de nosso universo. Hoje, estamos em condies de descrever grande
parte da mais fantstica das jornadas: a histria do nosso universo.

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