Cosmologia - Dos Mitos Ao Centenário Da Relatividade
Cosmologia - Dos Mitos Ao Centenário Da Relatividade
Cosmologia - Dos Mitos Ao Centenário Da Relatividade
COSMOLOGIA
dos Mitos ao
Centenrio da Relatividade
Elcio Abdalla
Instituto de Fsica
Universidade de So Paulo
Alberto Saa
Instituto de Matemtica, Estatstica e Computao Cientfica
Universidade Estadual de Campinas
COSMOLOGIA
dos Mitos ao
Centenrio da Relatividade
FICHA CATALOGRFICA
Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4- andar Abdalla, Elcio
04531-012 - So Paulo - SP - Brasil Cosmologia, dos mitos ao centenrio da
Tel 55 11 3078-5366 relatividade / Elcio Abdala, Alberto Saa, - -
[email protected] So Paulo: Blucher, 2010.
www.blucher.com.br
Bibliografia.
Segundo Novo Acordo Ortogrfico, conforme 5. ed. ISBN 978-85-212-0553-1
do Vocabulrio Ortogrfico da Lngua Portuguesa, 1. Astronomia 2. Cosmologia
Academia Brasileira de Letras, maro de 2009. 3. Cosmologia - Obras de divulgao
I. Saa, Alberto. II. Ttulo.
proibida a reproduo total ou parcial por quaisquer
meios, sem autorizao escrita da Editora. 10-09673 CDD-523.1
Todos os direitos reservados pela Editora Edgard ndices para catlogo sistemtico:
Blcher Ltda. 1. Cosmologia: Astronomia 523.1
2. Universo: Astronomia 523.1
Prlogo
Olhar para os cus fascina, desde a mais remota Antiguidade. Na verdade, desde
que o homem teve conscincia de sua prpria existncia. l que nasceu a cincia
prtica da previso do tempo, observando-se as constelaes e sabendo-se em que
poca do ano se estava. Nessas mesmas constelaes, encontramos os deuses, he-
ris, mitos. Procuramos nossa origem, nosso destino.
Apresentamos aqui o cosmos do ponto de vista da fsica, no sem um olhar um
pouco mais lrico de mitos e esperanas do homem. O cosmos, que nem sempre
foi cincia, veste-se aqui, como consequncia das modernas leis da fsica, como
cincia. Na China, a astronomia era considerada uma cincia humana, catlogo de
efemrides. No ocidente, teve ambos os papis, mas hoje o cosmos visto como
um teste de teorias fsicas ao mesmo tempo em que usamos a fsica para melhor
compreender nossa evoluo.
Procuramos nos abster de escrever equaes. A linguagem , tanto quanto
possvel, acessvel a um leitor bem informado. Esperamos ter, neste livro, uma in-
troduo estrutura de teorias fsicas com especial ateno para os cus.
Lus de Cames,
Os Lusadas (1572)
Canto I, 12
Contedo
4 Maxwell e o Eletromagnetismo........................................................................ 59
4.1 Faraday e o conceito de campo.............................................................................. 59
4.2 As equaes de Maxwell......................................................................................... 62
4.2.1 A luz como um fenmeno eletromagntico................................................ 64
4.3 O eletromagnetismo e a segunda Revoluo Industrial........................................ 66
Bibliografia....................................................................................................... 176
CAPTULO 1
A vida humana consciente est pautada sobre o trip formado pelo conhecimento,
pelo prazer e pelo altrusmo. Desde que o homem olhou sua volta, em uma atitu-
de consciente, viu o cu e tentou compreend-lo. Ali enxergou a beleza, sentindo
prazer. Transmitindo o que vira a seus companheiros de jornada e utilizando o
que aprendeu, socializou-se. No conhecimento e em sua utilizao, obteve cincia,
cultura e tcnica. Por meio da introspeco dessas experincias, chegou ao misti-
cismo e religiosidade.
Nesse ir e vir de sensaes e conhecimentos, podemos dizer que um dos pon-
tos centrais veio a ser a preocupao humana com o problema de nossas origens,
que remonta ao incio das preocupaes conscientes do homem, haja vista a enor-
me quantidade de lendas acerca do fato em sociedades mais primitivas e a sua
presena em contedos mitolgicos de vrias religies politestas, que culminam
nas gneses das religies monotestas.
Podemos apreciar, por exemplo, nas pinturas da Capela Sistina (ver Figu-
ra 1.1), que o problema da criao passa pela arte de contedo religioso. Tambm
observamos a satisfao do pensamento na caracterstica hierrquica da criao,
como aps a separao entre a luz e as trevas quando temos, nas pinturas renas-
centistas, a criao do Sol, e finalmente a criao humana.
A busca da compreenso do cosmos motivou geraes de pesquisadores em
todas as reas do conhecimento. O ser humano, tornado consciente, passa a viver
Figura 1.1 A criao de Ado, Michelangelo 1511. Detalhe do teto da Capela Sistina, Roma.
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1
Numa outra verso, Dionsio seria filho de Zeus e Semele.
Ainda assim, pode-se dizer que a Mitologia tenha sido o incio da cincia,
como vemos nos pitagricos que foram o elo de ligao entre o Orfismo e uma
protocincia.
Interessa-nos aqui a questo da criao: a cosmogonia. Em muitas civiliza-
es, a criao do universo tem carter similar a uma criao que inclui at mes-
mo o advento do tempo (o que de fato correto na concepo da relatividade
geral, que viria a ser descrita muitos sculos mais tarde). A criao, entre os
gregos, em algumas de suas vertentes, apresenta um aspecto geral bastante pa-
recido com a criao judaica. Para os gregos, h vrias verses da histria da
criao. Em uma delas, Caos juntou-se com a Noite (Nix) com quem teve vrios
filhos. Posteriormente, rebo (Escurido) casou-se com Nix, gerando ter (Luz)
e Hemera (Dia) que, por sua vez, com a ajuda do filho Eros, gerou o Mar (Pon-
tus) e a Terra (Gaia). Gaia gerou o Cu (Urano). Gaia e Urano geraram os doze
tits, entre os quais Cronos e Rhea, pais de Zeus, trs ciclopes e os trs gigantes
Hecatnqueires. Gaia estava farta do apetite sexual de Urano e pediu ajuda aos
filhos, que lhe negaram, com exceo de Cronos. Armado de foice afiada, Cronos
esperou o pai em uma emboscada e o castrou. Jogou os restos ao mar, de onde,
em uma das verses mitolgicas, nasceu Afrodite e, do sangue, as Ernias. Urano
ento previu que o reinado de Cronos terminaria ao ser ele vencido pelo prprio
filho. O equivalente de Cronos na mitologia romana era Saturno, que nomeou o
planeta mais distante conhecido na poca.
Cronos representa o tempo. Receoso da concretizao da profecia paterna,
devorava seus filhos logo aps o nascimento de cada um. Esta tambm uma per-
sonificao daquele que cria para destruir, tal como o prprio tempo. Rhea, sua
esposa, salva Zeus do destino delineado por Cronos a seus filhos, ao dar uma pedra
embrulhada para que Cronos comesse no lugar desse novo filho. Tendo enganado
o marido, leva Zeus para o Monte Ida, onde Zeus passou a infncia escondido do
pai. Quando crescido, rebela-se contra o pai, resgatando os irmos do interior pa-
terno. Exilou Cronos e os tits no Trtaro e reinou absoluto. Casou-se com Hera,
sua irm. Gerou a vrios outros deuses olmpicos, tanto de Hera, como de outras
deusas e mortais. Tambm gerou filhos s, como foi o caso de Palas Atena, que saiu,
at mesmo com sua armadura, de um buraco aberto pelo machado de Hefesto em
seu crnio. As nove filhas de Mnemosine (deusa da memria) e de Zeus foram as
musas. Inspiraram poetas, literatos, msicos, danarinos, astrnomos e filsofos.
Urnia era a musa da astronomia.
Esta brevssima histria, que em suas verses originais so ricas de detalhes
sobre o psiquismo humano, mostra a preocupao do homem com a criao do
mundo e seu destino [2]. Os deuses olmpicos preocuparam-se com os homens e
suas lutas como se fossem questes deles mesmos. Foram deuses humanizados,
tanto no melhor quanto no pior sentido, tal como na histria bblica de J [3]. Os
deuses Olmpicos nos trouxeram a preocupao com as cincias, com as artes e
para o movimento aparente do Sol. O fato que o dia solar aparente2 no constante
ao longo do ano. A maioria das constelaes reconhecidas pelos antigos foram coloca-
das em correspondncia a figuras mitolgicas, de onde temos uma pr-protocincia, a
astrologia, que mistura observaes precisas com elementos mitolgicos. Note-se que
as constelaes no so, necessariamente, objetos reais, pois o que observamos so
projees dos objetos na esfera celeste. Dois objetos projetados em pontos prximos
na esfera celeste podem estar a enormes distncias um do outro, na direo dos raios
que os ligam a ns.
Foi assim que se comeou a descrever o cu, na antiga babilnia, por meio da
astrologia. Os sacerdotes, responsveis pelas obrigaes junto aos templos, como a
adorao dos astros, sabiam muito sobre o movimento dos corpos celestes. Mas foi
com os gregos que este conhecimento se transformou em uma primeira forma de
cincia, por meio de uma melhor descrio quantitativa dos cus.
Os pitagricos foram provavelmente os primeiros a pensar na esfericidade
da Terra. Foi Pitgoras quem primeiro usou a expresso cosmos para falar dos
cus. Antes deles, as ideias ainda estavam bastante aqum de uma compreenso
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O dia solar aparente corresponde ao intervalo de tempo entre duas posies subsequentes do sol ao
meio-dia. O perodo de rotao das estrelas 3 minutos e 56 segundos menor, devido ao movimento
de translao da Terra.
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Um crculo completo tem 360 graus, e cada grau, 60 minutos. Portanto, com o passar de 1 hora, um
astro se move 15 graus.
Figura 1.4 A esfera celeste. Na viso dos antigos, a esfera celeste contm os astros e gira de leste para
oeste, com um perodo de aproximadamente 23h 56min, correspondendo rotao da
Terra. Nela, esto as chamadas estrelas fixas e os planetas, dentre os quais se inclua o
Sol, que se desloca, em seu movimento anual, na ecltica, definida pelo crculo hachurado
na figura. Para um observador no hemisfrio sul, o ponto N corresponde posio do Sol
no solstcio de inverno e o ponto S, ao solstcio de vero. O equincio de outono se d na
interseco da ecltica com o equador celeste, direita da figura, e o equincio de prima-
vera, na mesma posio do lado esquerdo.
Figura 1.5 Estaes sob o ponto de vista do hemisfrio sul (para o hemisfrio norte, basta trocar vero
por inverno e primavera por outono). As propores no correspondem realidade, tendo
sido exageradas para uma melhor compreenso.
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Ou seja, o dia do equincio no se d exatamente a meio caminho entre dois solstcios.
7
Uma vara vertical.
Figura 1.6 Medida efetuada por Aristarco das distncias relativas entre a Terra, a Lua e o Sol.
Aristarco usou duas outras observaes mais simples. A primeira mostra que,
durante um eclipse solar, a Lua cobre exatamente o Sol. Em outras palavras, mes-
mo sem observar um eclipse solar, verificamos que o ngulo subentendido pelo Sol
ou pela Lua o mesmo, qual seja, 0,5. Assim, a relao entre o dimetro do Sol e o
da lua dado pela relao entre suas distncias at ns, ou seja, 19 para Aristarco,
e 400 para ns. Falta-nos ainda um dado para completar o quebra-cabea. Esse
dado suplementar fornecido pelo eclipse lunar, quando se verifica, conforme feito
por Aristarco, que o dimetro da Lua corresponde metade do tamanho do cone
de sombra (veja Figura 1.7). Assim, Aristarco tinha as relaes
x x + 20R x+R
= = ,
2d 19d D
enquanto ns teramos
x x + 401R x+R
= = .
2d 400d D
Portanto,
DT L 75RT ,
O sistema de duas esferas dava uma excelente viso do universo, no que tan-
ge s estrelas e mesmo ao Sol, e configura de modo apenas razovel o movimento
lunar.
Outra estimativa possvel, mas que no chegou a ser imaginada pelos antigos
atravs da paralaxe. Este mtodo, apesar de simples, jamais foi usado. Por parala-
xe temos de observar a posio da Lua desde dois pontos diferentes, com mesma
longitude, comparando os ngulos observados.
O movimento solar, como vimos, bastante complexo. Do hemisfrio sul, ve-
mos o Sol nascer a Sudeste, fazer um grande crculo no Norte, e colocar-se a Sudoes-
te. Conforme chegamos perto do solstcio de vero, o Sol fica, prximo ao meio-dia
(horrio solar), mais prximo ao Sul. O Trpico de Capricrnio corresponde linha
onde o Sol est a pino, ao meio-dia no solstcio de vero. Para pontos ao sul do Tr-
pico de Capricrnio, o Sol sempre fica abaixo dos 90, e ao meio-dia aponta para o
Norte. Entre o Trpico e o Equador, o Sol pode estar, ao meio-dia, tanto ao Norte
(na maior parte do tempo) quanto ao Sul e, por duas vezes no ano, fica a pino ao
meio-dia.
Figura 1.8 Sol e Lua compreendidos sob o mesmo ngulo, vistos a partir da Terra. Com os clculos de
Aristarco, a distncia Terra-Sol seria cerca de 1.200 vezes o raio da Terra. O valor correto
cerca de 20 vezes maior.
A Lua poderia ser outro astro de medida do tempo, e de fato muito mais sim-
ples obter uma medida de tempo a mdio prazo atravs da Lua. Seu perodo de
cerca de 271/3 dias atravs do zodaco, e uma Lua nova ocorre a cada 29 dias. No
entanto, pode haver diferenas grandes, de at dois dias, e poucos povos mantive-
ram o uso do calendrio lunar por muito tempo. A diviso em quatro semanas, de
acordo com as fases da Lua, fornece uma diviso bastante natural do tempo.
De modo similar, o movimento dos planetas tambm muito complicado. V-
nus e Mercrio, os chamados planetas interiores, movem-se, do ponto de vista da
Terra, sempre no entorno do Sol, o primeiro dentro de um ngulo de 45, e o se-
gundo dentro de 28. Os planetas exteriores so diferentes e podem mover-se em
qualquer abertura.
Epiciclo
D
ire
te
oa
ren
Defe
leste
e
3 2
est
al
o 1 4
(a) D i re (b)
Direo a leste
4 3
2 1
(c)
Figura 1.9 Epiciclos e deferentes implicando o movimento retrgrado aparente de certos astros.
Figura 1.10 Claudius Ptolemaeus, ou Ptolomeu (Alexandria, Egito, aproximadamente de 85 a 150 d.C.),
conforme gravura do sculo XVI. Astrnomo, matemtico e gegrafo helnico. Compilou
muito do conhecimento astronmico, astrolgico e geomtrico da antiguidade. Sua obra,
conservada e atualizada durante a Idade Mdia pelos rabes, ficou conhecida como Alma-
gest (do rabe: A grande obra).
1.2 O calendrio
Podemos dizer que uma viso mais realista do universo, desde a Antiguidade Cls-
sica at tempos bastante recentes, tenha se baseado em problemas de calendrio.
O calendrio e as medies de tempo estiveram sempre entre as mais importantes
preocupaes do homem. H vrias medies de tempo: relgios de gua e varas ver-
ticais medindo a sombra do Sol; so medies razoavelmente simples. Para medidas
de longo tempo, melhor a observao das estrelas, que no so apenas bastante
parecidas de local para outro, mas tambm constituem observaes mais precisas.
Figura 1.11 A cornucpia, grande chifre preenchido por frutos, cereais e flores, smbolo da fartura dos
romanos desde o sculo V a.C.
Figura 1.12 Nicolau Coprnico (*Torun, Polnia, 1473; Frombork, Polnia, 1543). Clrigo, matem-
tico e astrnomo polons. Seu De revolutionibus orbium coelestium, publicado no ano de
sua morte, assentou as bases do sistema heliocntrico.
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Porm, se move, numa traduo livre, referindo-se ao movimento da Terra em torno do Sol.