Efeitos Das Políticas de Correção de Fluxo Sobre As
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RESUMO
As políticas de correção de fluxo escolar têm sido debatidas na literatura gerando
conclusões polêmicas. Elas tiveram consequências importantes sobre as taxas de aprovação
e permanência e no combate à defasagem escolar, mas há dúvidas sobre sua eficácia no
combate às desigualdades educacionais nacionais. Neste artigo, buscamos abordar o tema a
partir de uma nova perspectiva. Tomando a Educação de Jovens e Adultos/Ensino Médio
como margem do sistema regular de ensino, investigam-se as trajetórias de duas gerações
escolares separadas por tais políticas e propõe-se um debate acerca do valor de dois eventos
usados como marcadores de trajetória escolar no estudo: repetência e abandono.
Finalmente, a comparação entre as trajetórias escolares de jovens e não-jovens nos permite
identificar as diferenças que marcam os modos de escolarização destas gerações, separadas
por um modelo de expansão escolar que, sem deixar de ser seletivo, amplia seu alcance e
extensão, criando, porém, novas margens.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Gerações escolares. Políticas de correção
de fluxo escolar. Trajetórias escolares.
ABSTRACT
School Flow Correction Policies have been discussed in the literature generating controversial
conclusions. We agree that these policies have had important effects on pass rates and
retention and school delay combat, but we continue to raise doubts about its effectiveness in
combating national educational inequalities. In this article, we address the issue from a new
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perspective. Taking the EJA / EM as a margin of the regular school system, we investigate the
trajectories of two school generations separated by such policies and propose a debate about
the value of two major events, used as school life markers: retention and abandonment. Finally,
the reconstruction and comparison between the school trajectories of young and non-young
people allowed us to identify the differences that mark the modes of schooling of these
generations separated by a model of school expansion that, while being selective, extends its
reach and extension, creating, nevertheless, new margins.
Key words: School flow correction policies. School generations. School trajectories. Youth and
Adult Education
RESUMEN
Las políticas de corrección del flujo escolar se han debatido en la literatura generando
conclusiones controvertidas. Se acuerda que han tenido importantes consecuencias sobre las
tasas de aprobación y baja y al abordar los retrasos escolares, pero aún quedan dudas sobre
su eficacia para abordar las desigualdades educativas nacionales. Abordamos el tema desde
una nueva perspectiva. Tomando la Educación de Jóvenes y Adultos / Secundaria como un
margen del sistema educativo regular, investigamos las trayectorias de dos generaciones
escolares separadas por estas políticas y proponemos un debate sobre el valor de dos eventos
utilizados como marcadores de la trayectoria escolar: repetición y abandono. Finalmente, la
comparación entre las trayectorias escolares de jóvenes y no jóvenes nos permitió identificar
las diferencias que marcan los modos de escolarización de estas generaciones, separados por
un modelo de expansión escolar que, al permanecer selectivo, amplía su alcance y extensión,
creando, sin embargo, nuevos márgenes
Palabras clave: Educación de jóvenes y adultos. Generaciones escolares. Políticas de
corrección del flujo escolar. Trayectorias escolares.
Introdução
1
Tais políticas foram predominantes até o início do milênio, quando, sem serem substituídas em
seu objetivo central (a aceleração de fluxo escolar, com vistas à ampliação dos indicadores de
escolarização), fizeram-se acompanhar de uma ampliação de perspectiva, que lhes forneceu novo
contorno – ampliação do seu alcance e do investimento realizado; ampliação do seu espectro de
ação, passando a abarcar desde a educação infantil até o ensino médio, passando pela modalidade
EJA por meio do advento do FUNDEB; busca de canais para qualificação dos egressos nos vários
níveis escolares, a partir de programas tais como Proeja, Projovem Trabalhador, Pronatec etc.;
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ampliação da formação técnica, a partir da criação de uma rede nacional de escolas e da ampliação
do acesso à Universidade, por programas tais como Prouni e Reuni.
2
Em seu artigo, os autores nos indicam que esse novo patamar de investigação pode ser alcançado
através do estudo das provas de ampla avaliação de sistemas, ou testes de avaliação em larga
escala.
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3 Os termos “exclusão da escola” e “exclusão na escola” foram cunhados por Alceu Ferraro no final
da década de 1990, a partir de ampla pesquisa acerca da seletividade escolar no País, naquele
período, e permitiram lançar pistas importantes acerca da novas e mais complexas formas de
desigualdade presentes a partir de então. Sobre isso, o próprio autor escreve, 20 anos depois: “foi
em artigo publicado dois anos mais tarde que o termo exclusão escolar apareceu desdobrado com
maior clareza nas categorias exclusão da escola e exclusão na escola: a primeira categoria
compreendendo aquelas crianças e adolescentes que nunca ingressaram na escola, mais aquelas
que, ainda na faixa de escolarização obrigatória (7 a 14 anos, então), já haviam dela sido excluídos;
a segunda categoria tendo a ver diretamente com o próprio processo de alfabetização e
escolarização, habitualmente “obscurecida por expressões como baixo rendimento, fracasso
escolar, reprovação, recuperação, repetência”, sendo que, aqui, “os excluídos ainda estão na escola,
ainda em processo de escolarização” (Ferraro, 1987, p. 93). A já referida expressão excluídos do
interior, que surgiria alguns anos mais tarde (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 1992), parece coincidir
com a categoria de excluídos na escola. A partir do final da década de 1990, multiplicaram-se
estudos em duas direções que aqui interessam: uma, de crítica de algumas concepções sobre
exclusão; a outra, de análise da exclusão escolar (FERRARO; ROSS, 2017).
4 PNAD 2013 – Síntese dos Indicadores Sociais. Disponível em:
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faixa que vai dos 15 aos 17 anos), atingindo desigualdades regionais, de raça e cor da pele,
de gênero e de renda.
Ainda assim, enfrentamos problemas persistentes. Contamos com altos índices de
repetência e inconclusão nos patamares básicos de escolarização, em especial nas séries
finais do Ensino Fundamental (EF) e no Ensino Médio (EM). Desta forma, ao mesmo tempo
em que avançamos bastante em índices importantes de medição da eficácia escolar, o
fizemos mantendo profundos e graves problemas por resolver. Aparentemente, operamos
no modelo descrito por Castel et al. (2013)7 para pensar a particular situação vivida pela
América Latina nos últimos 15 anos. Estes autores nos mostram que, sob a coordenação de
governos de matriz progressista, os Estados Nacionais vinham sendo ampliados em nossa
região. Um dos efeitos desta ampliação em países com longo histórico de dependência
externa, como os nossos, foram, por um lado, a diminuição geral de nossas desigualdades
históricas e a ampliação de direitos para conjuntos da população antes desprovidos dos
mesmos. Por outro lado, é possível percebermos também, nesses mesmos países, uma
resistência à capilarização de tais políticas e ações entre os grupos sociais de inserção mais
vulneráveis.
Pensamos que uma via importante para entendermos mais profundamente as
contradições que nossa escola vem atravessando – e compreendermos esse processo de
ampliação de direitos e qualificação de índices em convivência com manutenção de antigos
problemas e, quem sabe, com a criação de novas desigualdades – seria darmos um mergulho
nas “margens” do sistema escolar.
7Nunca é demais ressaltar que as hipóteses dos autores foram construídas em período anterior à
reversão, legitimada ou não pelas urnas, dos avanços conquistados na América Latina, pela onda
conservadora que hoje assola o continente. Mantemos, porém, a formulação dos autores, por
considerarmos, por um lado, que a escala da análise realizada é mais ampla do que a contingência
dos revezes sofridos pelo continente até agora. Por outro lado, consideramos mais importante do
que nunca inventariarmos as conquistas (assim como as contradições por elas trazidas) realizadas
pelos estados progressistas em nosso continente.
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8 Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/confitea_docbase.pdf>. Acesso em:
12/01/2017
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Hipóteses de trabalho
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A Pesquisa
O objetivo da pesquisa que realizamos a partir do final de 2013, que gerou uma base
de dados em 2014, foi o de caracterizar o perfil da população e as variações das trajetórias
escolares daqueles que, recentemente mantidos por tempo ampliado no interior do sistema
escolar, habitam as suas “franjas”. Neste artigo, apresentamos os achados e conclusões
parciais do estudo comparado dos perfis populacionais e das trajetórias escolares das
gerações escolares que frequentam a modalidade na cidade do Rio de Janeiro, assim como
as contribuições dessa abordagem para o debate acerca dos efeitos das políticas de correção
de fluxo escolar, que vinham organizando a expansão escolar no país.
Os dados aqui apresentados são produto da análise de um survey aplicado a uma
amostra de 1000 alunos (928 válidos) da EJA/EM e do Programa Autonomia na cidade do
Rio de Janeiro, calculada com base na distribuição proporcional de matrículas da
modalidade, em três grandes regiões da cidade (Zona Norte, Zona Oeste e Zona Centro/Sul)
no ano de 2013, tomando as unidades escolares como unidades de aplicação. O questionário
com 80 perguntas, autoaplicado, divide-se em temas, dos quais usamos aqui aqueles
referentes ao perfil socioeconômico, à trajetória escolar e à experiência de trabalho de
jovens e não-jovens matriculados na modalidade.
9 São predominantes entre as mais baixas faixas de renda, acumulam trajetórias acidentadas de
escolarização e experiência de trabalho concomitante com a experiência escolar, habitam
territórios precários em termos de ofertas de serviços e equipamentos públicos.
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O projeto original, financiado pela FAPERJ, foi construído a partir de uma pesquisa
interinstitucional (Jovens Fora de Série) que reuniu pesquisadores de três universidades
públicas sediadas na cidade e de cinco programas de pós-graduação. O que apresentamos
aqui é o desdobramento desta iniciativa em uma nova investigação (a pesquisa “Escola,
Trabalho e Território: elementos para a compreensão dos modos de transição para a vida
adulta de jovens em “defasagem escolar” no Rio de Janeiro”), sob nossa coordenação,
financiada pela mesma instituição.
Por fim, com o intuito de tornar mais clara a apresentação e a discussão de nossos
resultados, dividimos o debate abordado neste artigo em três tópicos. Primeiro,
apresentamos o perfil geral da população por nós estudada e, no mesmo tópico,
desagregamos os dados, comparando os perfis dos “jovens” e “não-jovens” de nossa
amostra. A seguir, apresentamos as trajetórias escolares de “jovens” e “não-jovens”,
buscando capturar as características de cada um dos conjuntos, nos ensinos Médio e
Fundamental, para cada Geração. Finalmente, apresentamos as características que
emergem da comparação entre elas.
Foram respondidos 928 questionários, sendo que 57% dos alunos respondentes se
declararam pertencentes ao sexo feminino e 43% ao sexo masculino. A clara desproporção
entre sexos exige explicação. A proporção entre homens e mulheres no CENSO 2010 era de
51% de mulheres para 49% de homens, mas as PNADS subsequentes vêm indicando
aumento percentual da população de mulheres (os homens são maioria até os 20 anos e,
depois, sua participação na população cai proporcionalmente). Assim, numa população
composta por jovens, mas também por adultos acima de 30 anos, a desproporção entre
sexos não chega a ser surpreendente. Além disso, dados contidos no Documento Base
Nacional preparatório à VI CONFITEA, de 2008, já apontavam tendência à menor
escolaridade dentre mulheres mais velhas na população brasileira, o que também poderia
justificar a desproporção aqui encontrada.
Quanto à cor da pele, temos, a partir da autodeclaração de nossos pesquisados,
27,8% de brancos e 64,9% de pretos e pardos. Segundo os dados do CENSO 2010,
declararam-se brancos 47,7% da população brasileira; 7,6% declararam-se pretos e 43,1%
declararam-se pardos. Portanto, 50,7% de pretos e pardos numa maioria apenas
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10
Disponível em:
<ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas_tematicos/mapas_murais/brasil_pretos_pardos_2010.pdf>.
Acesso em: 11/03/2017
11 Para 41% de moradores da Zona Oeste em nossa amostra, encontramos um percentual geral de
41,3% de moradores nesta região da cidade, de acordo com os dados do CENSO; na zona norte, para
os “nossos” 35,5%, o CENSO nos aponta 38% de moradores nesta região da cidade; para os 15,5%
de moradores do Centro e zona sul presentes na amostra da pesquisa, há, segundo o CENSO, 20%
de moradores (os percentuais da Zona Sul são quase idênticos. Mas no centro, encontramos, nesta
amostra, 11% de moradores, 15,3% segundo os dados do IBGE).
12 Segundo o CENSO 2010, 6% da população brasileira vivem em aglomerados subnormais (onde
moradias tais como as favelas são categorizadas). Segundo o mesmo estudo, estas são moradias que
ocupam, de maneira geral, as áreas menos propícias à urbanização e operam com indicadores de
qualidade de vida abaixo daqueles encontrados para o restante da população. 20 regiões
metropolitanas brasileiras concentram 88,6% desses domicílios. 49,8% dos domicílios assim
categorizados encontravam-se na região Sudeste (e, destes, 23,2% no estado de São Paulo e 19,1%
no do Rio de Janeiro). 22% da população da cidade do Rio de Janeiro vivem em favelas. Em nossa
amostra, 58% da população estudada o fazem.
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recente, mais distante das regiões centrais e com menor acesso a bens de consumo coletivo,
é permeada por favelas igualmente submetidas e esses problemas em relação àquelas
distribuídas pelo restante da cidade. O que indica, provavelmente, as condições de moradia
mais precárias de toda a amostra (e provavelmente também da cidade).
Quanto ao estado civil, 59% são solteiros, 35% são casados e 5% são separados. Isso
parece ser explicado pela composição etária de nosso conjunto. A distribuição do estado
civil está provavelmente relacionada ao fato de que, das pessoas que responderam ao
questionário, 64% tinham até 29 anos (faixa de idade coberta, no Brasil, pelas políticas de
juventude) e apenas 36% tinham 30 anos ou mais.
Com referência ao nível de escolaridade familiar, vemos que, no que se tange à
escolaridade das mães de nossos pesquisados, 75% tinham escolaridade igual ou menor do
que a dos filhos e apenas 25% das mesmas possuíam escolaridade superior à dos filhos.
Esse dado é muito interessante, porque, mesmo que a escolaridade aqui ainda não tenha
alcançado o nível da educação básica, o fato de 75% das mães terem nível educacional
menor do que o dos filhos (nesse caso, predominantemente Ensino Fundamental
incompleto) demonstra os avanços realizados na ampliação escolar do brasileiro.
Em relação ao trabalho, verificamos que, do conjunto dos alunos, 11% só estudam,
17,3% procuram emprego, 55% têm trabalho fixo; 12,7% fazem biscates e 3% trabalham
em casa, ajudando nos afazeres domésticos. Somando as formas de trabalho declaradas às
buscas de emprego, temos 86% da população na PEA (População Economicamente Ativa).
E, se a relação com o mundo do trabalho se apresenta como bastante significativa (o que, de
resto, é esperado numa turma de EJA), verificamos também que a relação com o trabalho
não é recente para a maioria dos respondentes. Quando perguntamos aos alunos a idade em
que começaram a trabalhar, constatamos que 7,3% declararam ter começado a trabalhar
ainda antes dos 10 anos de idade; 27,3% começaram entre os 10 e os 15 anos, 38% entre os
16 e os 18 anos e apenas 15,9% com mais de 18 anos.
Em síntese, o conjunto é constituído, predominantemente, de mulheres, negros(as)
e pardos(as), com renda mensal de até 2 SM, moradores(as) das zonas Norte e Oeste, em
favelas (numa proporção duas vezes e meia superior àquela encontrada para a cidade),
solteiros(as), com escolaridade superior àquela alcançada por suas mães, trabalhadores(as)
desde a adolescência/juventude.
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13Antes de entrarmos nas análises que buscam expor o perfil das populações de jovens e de não-
jovens estudados e de suas trajetórias escolares, é importante fazer alguns esclarecimentos de
maneira a trazer maior consistência à interpretação dos dados. Em primeiro lugar, é importante
destacar que o questionário foi respondido por um conjunto de 928 alunos matriculados no Ensino
Médio, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, na cidade do Rio de Janeiro. Dados os
contornos da amostra e os desafios que marcavam a pesquisa, decidimos que usaríamos a
autoaplicação para preenchimento dos questionários. Ora, um dos limites da autoaplicação está na
maior possibilidade de encontrarmos inconsistências no preenchimento dos questionários. Por
conta disso, aplicamos um número de questionários 50% maior do que aquele indicado em nosso
cálculo amostral. É importante frisar que naquilo que se refere aos dados aqui analisados, TODOS
encontram-se acima do limite estabelecido pelo estudo amostral. Por outro lado, nas análises de
perfis e de trajetórias escolares, de jovens e de não-jovens além do percentual de respostas válidas,
levamos também em consideração a proporção entre as gerações. Abaixo, incluo uma tabela
indicando o percentual de respostas válidas e a proporção entre jovens e não-jovens para cada uma
das tabelas apresentadas neste artigo.
Totais Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela
1 2 3 4 5 6 7
Respostas 928 826 789 837 787 816 799 702
válidas
Respostas 100% 89% 85% 90% 85% 88% 86% 76%
válidas(%)
Jovens 64% 66% 66% 65,5% 64,5% 66,5% 66,5% 66,4%
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interior dos sistemas de ensino – sem eliminar as desigualdades que marcavam e ainda
marcam a escolarização no Brasil –, novas formas de seleção, de segregação e de
marginalização de conjuntos da população de educandos, produzindo uma nova
estratificação escolar, onde sistemas, modalidades educativas e instituições de ensino
combinam-se na constituição de modos de escolarização diversas e desiguais.
Trabalhamos também com a ideia - e ela é central nesta análise - de que as
desigualdades e as diversidades que marcam esses modos de escolarização podem ser
compreendidas e explicadas a partir do desvendamento das trajetórias realizadas pelos
estudantes no interior dos sistemas escolares.
Chamamos aqui, portanto, de jovens e de não-jovens aqueles cuja experiência
escolar foi separada pelas políticas de correção de fluxo, ainda que hoje frequentem a
mesma escola média, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
Quando dividimos nossa população entre jovens e não-jovens, verificamos que, em
nosso conjunto (933 questionários), 594 responderam ter até 29 anos (64%) e 316
afirmaram ter mais de 30 anos (34%). As variáveis cor da pele, tipo de moradia e renda
domiciliar aproximam as gerações, delimitando um grupo predominantemente negro e
pardo (65% dos jovens e 66% dos não-jovens), morador de favela (57% dos jovens e 59%
dos não-jovens) e com renda domiciliar de até 2 salários mínimos. Naquilo que concerne às
demais variáveis trabalhadas, tais como sexo, zona e tipo de moradia, trabalho e estado civil,
os grupos apresentam diferenças e nuances importantes.
2.1) Sexo
Quando tomamos a variável sexo, verificamos que o percentual de mulheres (73%)
é três vezes maior do que o de homens (27%) entre os não-jovens. Já entre os jovens, o
equilíbrio entre homens (51%) e mulheres (49%) é maior.
Isso nos permite algumas deduções: em primeiro lugar, podemos interpretar o
percentual significativamente maior de mulheres mais velhas nos bancos da EJA, por um
lado, pela existência de maior defasagem escolar entre mulheres nas gerações mais velhas
e melhor desempenho escolar entre mulheres nas gerações mais jovens14. O mesmo
fenômeno explicaria os percentuais observados dentre os jovens: se, na população em geral,
temos algo próximo de 51% de mulheres e 49% de homens, dentre os jovens que
14 Para
melhor entender as relações entre gênero e desempenho escolar no Brasil hoje, ver Ferraro
(2011).
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frequentam a EJA no Rio de Janeiro teríamos a proporção inversa a esta (51% de rapazes e
49% de moças). Nossa interpretação é de que este também é um efeito do crescimento das
credenciais escolares entre mulheres.
Uma das hipóteses que desenvolvemos neste artigo é a de que a EJA vem se
transformando em margem dos sistemas regulares de ensino. Nesse sentido, essa
modalidade de ensino estaria incorporando grupos à margem do sistema escolar. Estaria aí
– nessa tendência a uma “marginalidade escolar masculina”, pensamos – a explicação para
a desproporção entre sexos na população estudada, quando tomamos como referência o
grupo dos jovens.
ZO ZN CENTRO ZS
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Quanto ao tipo de moradia (favela ou não favela), já sabemos que uma das
peculiaridades do grupo aqui pesquisado está no fato de apresentar um percentual de
moradores de favelas que beira os 60%, tanto entre jovens quanto entre não-jovens. Ocorre
que, ainda que o percentual possa ser semelhante para essa variável, seu significado pode
não ser.
Se levarmos em conta os dados disseminados pelo IPP (Instituto Pereira Passos), no
Armazém de Dados, referentes aos números populacionais, desagregados por bairro e
favela da cidade do Rio de Janeiro, veremos que as favelas da zona Oeste expressam
indicadores que apontam para uma maior fragilidade social de seus moradores, o que
corrobora a hipótese defendida por Ribeiro e Lago (2001) de que a zona Oeste e suas favelas,
no fim do século XX e início do novo milênio, poderiam estar se constituindo em espaços de
reprodução da pobreza na cidade do Rio de Janeiro15. Nesse sentido, os jovens,
predominantemente moradores de favelas, em especial na zona oeste, estariam submetidos
a uma fragilidade social potencialmente maior do que aquela à qual estariam submetidos os
não-jovens, também predominantemente moradores de favelas, só que na zona norte da
cidade. Nesse sentido, ainda que os percentuais sobre moradia fora e dentro das favelas
sejam semelhantes para jovens e não-jovens, o significado desse dado pode não ser o mesmo
para cada um dos grupos em análise.
2.3) Faixa etária de ingresso no mundo do trabalho e a relação com o trabalho hoje
Quanto à idade em que começaram a trabalhar, os jovens apontaram
predominantemente para a faixa entre os 16 e os 18 anos. Além disso, em relação aos não-
jovens, eles apresentaram frequência significativa da resposta "nunca trabalhei", com
16,5%. Já os não-jovens responderam com maior frequência que começaram a trabalhar
entre os 10 e os 15 anos. Concluímos, então, que os jovens têm começado a trabalhar mais
tarde, talvez por efeito combinado entre as políticas de erradicação do trabalho infantil, e
de elevação da escolaridade, postergando seu ingresso no mundo do trabalho em relação
aos mais velhos em nossa amostra.
Os dados mostram que 85% dos jovens estão envolvidos com o mundo do trabalho:
têm trabalho fixo (51%), procuram emprego (21%) ou fazem biscates (12%). Não podemos
esquecer que os jovens desta amostra têm, todos, mais de 18 anos e, portanto, seguem a
15Para aprofundar o debate acerca da reprodução das desigualdades territoriais no Rio de Janeiro,
ver Ribeiro e Lago (2001).
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A tabela 1 mostra que a repetência é um agravo que afeta mais a escolarização dos
jovens do que a dos não-jovens em nossa amostra. O que é no mínimo curioso, se levarmos
em consideração que as alterações nos modos de escolarização de jovens que vimos
constatando aqui são produto de políticas de correção de fluxo escolar. Vejamos o gráfico2.
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50.00%
40.00%
30.00%
20.00%
10.00%
0.00%
nunca
jovens uma
não vez
jovens duas ou mais vezes
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relação ao constatado na análise da repetência. Nesse caso, pouco mais que 70% dos jovens
declararam nunca ter abandonado o EF e pouco mais de 20% o fizeram apenas uma vez. Ao
contrário, entre os não-jovens, 42% declararam nunca ter abandonado a escola, 38% o
fizeram uma vez e 20% duas vezes ou mais. Em contrapartida, portanto, o abandono afetou
muito mais a escolarização dos não-jovens, sendo, entre estes, muito mais frequente.
80%
60%
40%
20%
0%
Jovens não jovens
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14-15 34% 7%
anos
16 - 20 56% 26%
anos
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uma tendência a uma escolarização acidentada (por repetências e talvez por abandonos
ocasionais), descontínua, mas não interrompida.
Dentre os não-jovens, apenas 7% terminaram o EF na faixa etária esperada; 26%
terminaram apenas um pouco acima da faixa e 67% muito acima da faixa, indicando
tendência a uma escolarização acidentada (por repetências e, principalmente, por
abandonos), com interrupção prolongada da frequência escolar.
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Como mostra a tabela 5, a maior parte dos jovens (53,5%) ingressou no Ensino
Médio dentro da faixa etária esperada (menos de 18 anos). Ainda neste conjunto, 40% o
fizeram entre os 18 e os 24 anos e apenas 6,5% entraram no EM com 25 anos ou mais. Entre
os não-jovens, porém, a situação se inverte, 85% ingressam no Ensino Médio com 25 anos
ou mais.
A essa altura, já é possível começar a perceber padrões diferentes de escolarização
se desenhando para as gerações escolares aqui analisadas. Por um lado, temos o conjunto
de jovens com escolarização acidentada, marcada por repetências frequentes, mas que não
expressa semelhante frequência de abandonos. Eles terminam o EF na faixa etária esperada
ou um pouco acima dela, frequentando predominantemente o sistema regular de ensino.
Finalmente, ingressam no EM dentro da faixa etária esperada para esse patamar de ensino
(53,5%%), ou um pouco acima dele (40%). Por outro lado, temos o conjunto dos não-jovens,
de escolarização igualmente acidentada, porém menos marcada por repetências do que por
abandonos, múltiplos e aparentemente longos, com ruptura de laços com a instituição
escolar na infância ou na juventude e retomada dos estudos por meio da EJA, modalidade
em que, predominantemente, terminam o Ensino Fundamental, em idade muito acima da
16 Tomamos como referência para esta análise, as faixas de idade usadas pelo IBGE para distinção
dos jovens (até 18 anos jovem-adolescente, 18-24 jovem-jovem, 25 a 29 anos jovem-adulto). No
caso de nossa pesquisa, a faixa de idade que abarca os jovens com menos de 18 anos, abarca
exatamente as idades esperadas de frequência ao Ensino Médio.
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faixa etária esperada para a conclusão, ingressando no EM, massivamente, com idade
superior a 25 anos.
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Gráfico 4 Gráfico 5
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Gráfico 6 Gráfico 7
Abandono no EF Abandono no EM
80% 80%
60% 60%
40% 40%
20% 20%
0% 0%
Jovens não jovens Jovens não jovens
nunca uma vez duas vezes ou mais nunca 1 vez 2 vezes ou mais
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Considerações Finais
Antes de mais nada, é necessário dizer que o que singulariza esta abordagem é a
adoção de uma perspectiva sistêmica na análise dos efeitos das políticas de correção de
fluxo sobre a EJA, tomando-se a Escola Regular e a EJA como um continuum, a partir de
meados da década de 1990. Nesse sentido, o que estabelece a continuidade entre as
modalidades ao longo do tempo são as experiências de escolarização recuperadas por nós
por meio do questionário e encarnadas, aqui, nas trajetórias escolares. Trocando em
miúdos, a aplicação do questionário em turmas de EJA/EM permitiu uma abordagem
retrospectiva das trajetórias escolares, o que fez com que a continuidade entre modalidades
se estabelecesse a partir da análise conjunta das experiências individuais.
Nesse tipo de abordagem, as políticas de correção de fluxo escolar são, ao mesmo
tempo, o quadro dinâmico a partir do qual as trajetórias partem e se desenvolvem e
dimensão importante do objeto de investigação. Elas (políticas e trajetórias) configuram os
marcos referenciais dos processos de escolarização que buscamos compreender, com base
nas experiências sociais dos sujeitos (os sujeitos em defasagem escolar). Na verdade, a
singularidade desta pesquisa consiste em tentar relacionar essas duas dimensões: por um
lado, os processos de escolarização (delimitados pelas políticas de correção de fluxo
escolar); por outro, os alunos em defasagem escolar, na EJA/EM da cidade do Rio de Janeiro.
Entre ambos, situam-se as trajetórias escolares que funcionam como elemento transversal
que conecta, por um lado, as políticas públicas – que afetam a todos – e, por outro, um
determinado conjunto – bem caracterizado – de sujeitos sociais sobre quem os efeitos da
política produzem os desdobramentos que buscamos capturar.
Em segundo lugar, essa abordagem também se caracteriza por uma análise
comparativa das trajetórias escolares na divisão entre as gerações de jovens e não-jovens.
Para isso, buscamos entender, primeiramente, se há diferenças (mais ou menos marcadas)
entre os perfis das populações “em defasagem escolar” que realizaram sua escolarização
antes e depois das políticas de correção de fluxo. Com isso, buscamos compreender se tais
políticas impuseram diferenças na seleção da população em “situação de defasagem”. A
seguir, buscamos responder se – e até que ponto – os eventos propriamente escolares
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domiciliares eram usados para estimar as taxas de repetência. O modelo mostrou que as
taxas de repetência na 1ª série do Ensino Fundamental (de 50%) constituíam uma barreira
quase intransponível para os alunos pobres, uma vez que após inúmeras tentativas de
progressão de série coroadas de fracasso, os alunos desistiam, abandonando a escola em
seus anos iniciais. Com isso, estabeleceram uma relação de proporcionalidade direta entre
repetência e abandono escolar, assim como as bases para aquilo que ficou posteriormente
conhecido como “pedagogia da repetência”, base e inspiração para as políticas de correção
de fluxo.
Queremos dizer com isso, que as políticas de correção de fluxo escolar, ao alterarem
o VALOR da repetência no processo de escolarização, alterou também o tipo de correlação
que esta estabelecia para com outro: o abandono. Ao atacar o fenômeno persistente,
frequente, precoce da repetência, tornando-o menos intenso, mais diluído, as políticas de
correção de fluxo alteraram também a proporção do seu principal efeito.
É importante destacar, porém, que a mudança na razão repetência/abandono não
foi apenas quantitativa. Nosso estudo demonstra que a qualidade do abandono também
deve ser destacada aqui. É que, ao relacionarmos o evento abandono aos demais
marcadores de fluxo – idades de entrada e saída do Ensino Fundamental, modalidade
escolar em que se deu o término do Ensino Fundamental e idade de ingresso no Ensino
Médio –, que nos dão ideia de como se comportaram os eventos (repetência e abandono) ao
longo do processo de escolarização, foi possível perceber uma outra mudança importante.
É que assim como a repetência, de uma geração para outra, pela mediação das políticas de
correção de fluxo escolar, o evento abandono também mudava de qualidade. Do abandono
longo encontrado na geração escolar mais velha, passamos, na geração dos jovens
escolarizados sob as políticas de correção de fluxo escolar, para um abandono de tipo curto,
que interrompe circunstancialmente a relação com a escola, mas não a interrompe por
tempo indeterminado. Trocando em miúdos, se entre os mais velhos identificamos uma
trajetória descontínua, entre os mais novos percebemos uma trajetória acidentada.
Se, por um lado, é muito bom percebermos que, dentre outras conquistas e limites,
as políticas de correção de fluxo vêm conseguindo diminuir a evasão escolar, mantendo os
jovens na escola por mais tempo, é impressionante percebermos, por outro, que, nas
margens do sistema (na EJA), as políticas que tinham por pressuposto melhorar o fluxo por
meio da diminuição da repetência lograram executar o contrário: o aumento da repetência,
ainda que com a diminuição do seu valor.
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Temos que comemorar, portanto, com vigor, a conquista de uma escola menos
excludente (e, hoje, além disso, garantir que o avanço se mantenha!), uma escola em que se
elimina e expulsa menos crianças, adolescentes e jovens. Mas temos que atentar para o fato
de que, se a escola hoje exclui menos, ela se mantém ainda substantivamente seletiva.
As trajetórias escolares dos jovens, nos achados desta pesquisa, mostram com
bastante clareza que o que muda para eles, a novidade em seus processos de escolarização,
encontra-se no fato de que suas trajetórias acidentadas na escola fundamental regular
encontram continuidade com as acidentadas trajetórias que realizam na EJA/EM. Ao
contrário dos mais velhos, que, efetivamente, recomeçam sua escolaridade no Ensino
Médio, para os jovens, Ensino Fundamental e Ensino Médio, escola regular e escola na
modalidade EJA constituem o mesmo processo de escolarização feito em trajetória
acidentada.
Provavelmente, portanto, os repetentes, os sobrantes, os excedentes das políticas de
correção de fluxo escolar não são mais sumariamente eliminados em massa da escola. Com
uma trajetória recheada de muitas repetências e de abandonos ocasionais, aqueles que
antes ficavam de fora da escola hoje se mantêm em suas margens. Os jovens em situação de
defasagem escolar não saem mais da escola. Eles passam a frequentar a EJA.
Referências
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de Janeiro: Lamparina/Faperj, 2009.
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74, jul/dez 2002.
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RIBEIRO, Luis César Queiros; LAGO, Luciana Corrêa do. A oposição favela-bairro no espaço
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