Temas em Psicologia 1413-389X: Issn

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 14

Temas em Psicologia

ISSN: 1413-389X
[email protected]
Sociedade Brasileira de Psicologia
Brasil

Silva Neves, Anamaria; Brito de Castro, Gabriela; Marques Hayeck, Cynara; Gonçalves
Cury, Daniel
Abuso sexual contra a criança e o adolescente: reflexões interdisciplinares
Temas em Psicologia, vol. 18, núm. 1, junio, 2010, pp. 99-111
Sociedade Brasileira de Psicologia
Ribeirão Preto, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513751435009

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2010, Vol. 18, no 1, 99 – 111

Abuso sexual contra a criança e o adolescente:


reflexões interdisciplinares
Anamaria Silva Neves
Universidade Federal de Uberlândia

Gabriela Brito de Castro


Universidade de São Paulo

Cynara Marques Hayeck


Universidade Federal de Uberlândia

Daniel Gonçalves Cury


Universidade Federal de Uberlândia

Resumo
O presente trabalho resgata teoricamente o fenômeno do abuso sexual perpetrado contra
crianças e adolescentes por abusadores do espaço doméstico (intrafamiliar) e por estranhos
(extrafamiliar), sob uma perspectiva interdisciplinar, possibilitando a construção de uma visão
ampliada e complexa sobre o fenômeno. Buscou-se compreender os principais conceitos de
violência e as prerrogativas que sustentam as discussões sobre a criança enquanto sujeito de
direitos. O artigo apresenta um panorama com dados nacionais e internacionais sobre a
violência contra a infância e a adolescência e aponta as principais diretrizes brasileiras calcadas
na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Por fim,
enfatiza-se a importância da estruturação da rede de atenção e de proteção à infância e à
adolescência como uma estratégia horizontalizada de poder, com relações intra e
interinstitucionais dinâmicas e efetivas.
Palavras-chave: Abuso Sexual, Crianças e Adolescentes, Instituições, Rede de Proteção.

Sexual abuse against children and adolescents:


Interdisciplinary reflections

Abstract
This paper presents theoretically the phenomenon of sexual abuse perpetrated against children
and adolescents by offenders of the domestic space (intrafamily) and strangers (extrafamily), in
an interdisciplinary perspective, allowing the construction of a complex and broader view on the
phenomenon. We attempted to understand the main concepts of violence and prerogatives
which sustain the discussions of the child as a rights holder. The paper presents an overview
with national and international data on violence against children and adolescents, and identifies
the main guidelines based on Brazil´s Federal Constitution from 1988, and the Child and
Adolescent Act, 1990. Finally, we emphasize the importance of structuring the child and
adolescence protection network as a horizontal strategy of power, with internal and external
relations in institutions, which are dynamic and effective.
Keywords: Sexual Abuse, Children and Adolescents, Institutions, Protection Network.

________________________________________
Endereço para correspondência: Anamaria Silva Neves - Av. Pará, 1.720 - Bloco 2C - Uberlândia - MG -
CEP. 38405-320 Telefone: (34) 3218-2235. E-mail: [email protected]
100 Neves, A. S., Castro, G. B., Hayeck, C. M., & Cury, D. G.

em suas participações simbólicas e


Violência: caracterização culturais (p. 10).
A violência é um fenômeno relatado
A retórica dos autores elencados
desde a Antiguidade e cuja complexidade
enfatiza que a violência emerge como
dinâmica emerge da vida em sociedade
implicação interacional e relacional, com
(Filho, 2001). É considerada um fenômeno
usurpação do poder. As prerrogativas que
social (Vendruscolo, Ribeiro, Armond,
sustentam as discussões sobre a violência
Almeida & Ferriani, 2004) que,
perpetrada contra a criança e o adolescente
particularmente a partir dos últimos trinta
estão engendradas no paradigma do sistema
anos, vem adquirindo maior visibilidade
de direitos e amparadas pela noção de
social, sendo objeto de preocupação por
criança, sujeito de direitos. Assim, “(...)
parte do poder público e fonte de estudos
qualquer ação ou omissão que provoque
científicos nas áreas da Psicologia, Ciências
danos, lesões ou transtornos ao seu
Sociais e Saúde Pública (Minayo & Souza,
desenvolvimento, pressupõe uma relação de
1999; Organização Mundial de Saúde –
poder desigual e assimétrica entre o adulto e
OMS –, 2002).
a criança” (Fundo das Nações Unidas para a
Compreender a violência implica em
Infância – UNICEF –, 2005, p. 2).
analisá-la historicamente com a interface de
No Brasil, somente na década de 1980 é
questões sociais, morais, econômicas,
que a temática sobre violência apareceu
psicológicas e institucionais em geral
como um problema de saúde pública
(Minayo, 1994).
(Deslandes, 1994; Minayo & Souza, 1999;
Para Chauí (1985), a violência não é
Habigzang, Azevedo, Koller & Machado,
uma violação ou transgressão de normas,
2006). Anteriormente, profissionais da área
regras e leis, mas sim a conversão de uma
da saúde não dispunham de capacitação e
diferença e de uma assimetria numa relação
formação que favorecessem o reconhecimento
hierárquica de desigualdade, com fins de
da violência perpetrada contra crianças e
dominação, exploração e opressão, que se
adolescentes. Com o Estatuto da Criança e do
efetiva na passividade e no silêncio. Ela se
Adolescente (ECA), de 1990, o
mostra ligada ao poder, pois se um domina
reconhecimento sobre a questão ficou mais
de um lado, do outro está o sujeito
evidente e a notificação sobre a violência
dominado, violentado, ou seja, fica
contra crianças e/ou adolescentes por
estabelecida uma relação de forças em que
profissionais de saúde e de educação tornou-
um polo se caracteriza pela dominação e o
se compulsória (Brasil, 2003).
outro pela coisificação. Porém, nem a
A mobilização societária é lenta, e o
violência nem o poder são fatores naturais,
amadurecimento de questões sociais como a
intrínsecos ao ser humano.
violência infanto-juvenil carece de
Nesse sentido, Araújo (2002) argumenta
discussões e instrumentos articulados de
que a violência é uma violação do direito de
diálogo. É preciso destacar que, antes da
liberdade, do direito de ser sujeito da própria
regulamentação oficial dos direitos da
história, ou seja, a liberdade é uma
criança e do adolescente, os processos de
capacidade e um direito fundamental do ser
debate devem ser instaurados.
humano. A violência seria, então, toda e
Sobre a conceituação, Bringiotti (2000,
qualquer forma de opressão, de maus-tratos e
citado por Neves, 2004) diferencia as
de agressão, tanto no plano físico como no
principais etapas do desenvolvimento da
emocional, que contribuem para o sofrimento
abordagem e intervenção em casos de
de uma pessoa.
violência:
Conforme análise de Michaud (1989)
sobre esse tema, Desconhecido: até meados da década
de 1940, a maioria dos profissionais
(...) há violência quando, numa
não reconhecia a ocorrência dos
situação de interação, um ou vários
maus-tratos. Relatos de pais, datados
atores agem de maneira direta ou
do início do século XX, são
indireta, maciça ou esparsa, causando
contraditórios e confusos.
danos a uma ou várias pessoas em
graus variáveis, seja em sua Descrição dos sintomas sem
integridade física, seja em sua identificação: de 1940 a 1960 há
integridade moral, em suas posses, ou registros de vários estudos e
Abuso sexual e instituições 101

publicações com o tema maus-tratos, entre uma criança e um adulto ou


e em 1959 houve a aprovação da outra criança, que, em razão da idade
Declaração dos Direitos da Criança ou do desenvolvimento, está em uma
em Assembleia na ONU (Organização relação de responsabilidade, confiança
das Nações Unidas). ou poder (World Health Organization
– WHO –, 1999, p. 7).
Identificação: de 1960 ao início de
1970, a área médica publica as Essa definição ampla inclui as diversas
Síndromes da Criança Agredida e a do modalidades de violência sexual. Assim,
Bebê Sacudido. neste trabalho será reconhecido o termo
Reconhecimento: de 1970 a 1980, os abuso sexual com o intuito de nomeá-lo
maus tratos são reconhecidos como enquanto uma violência interpessoal.
problema clínico, psicológico e social, O abuso sexual, a depender da relação
com início de prontuários de estabelecida pela criança/adolescente com o
atendimento. autor, pode ser considerado intrafamiliar ou
extrafamiliar.
Prevenção: de 1980 até os dias atuais,
O abuso sexual infanto-juvenil
vários países têm se preocupado em
extrafamiliar é definido como qualquer forma
implantar programas de atenção a
de atividade sexual entre um não membro da
famílias em situação de risco.
família e uma criança, podendo ser o
A Constituição da República vitimizador um conhecido ou desconhecido
Federativa do Brasil de 1988 (Brasil, 2000) da família/criança (Viodres Inoue & Ristum,
sinalizou espaços mais democráticos de 2008). O abusador geralmente tem acesso à
discussão e reflexão sobre o significado de criança em ocasiões de visita à família da
infância e adolescência e os direitos a eles mesma, ou quando goza de confiança por
reservados. Em 13 de Julho de 1990, criou- parte dos pais. Entretanto, pode ocorrer ainda
se o ECA (Estatuto da Criança e do que o responsável pelo abuso não seja
Adolescente), uma conquista social conhecido pela criança, e os atos sejam
inegável que hoje, após 20 anos de realizados fora do ambiente familiar (Seabra
implantação, ainda sofre resistências quanto & Nascimento, 1998).
a sua natureza e aplicabilidade. Considerar O abuso sexual infanto-juvenil
o Estatuto implica em valorizar, intrafamiliar é também denominado incesto.
redimensionar e assegurar à criança e ao Há cinco formas de relações incestuosas:
adolescente o direito à vida digna de um pai-filha; irmão-irmã; mãe-filha; pai-filho;
cidadão em formação e desenvolvimento. mãe-filho (Seabra & Nascimento, 1998).
Entretanto, é importante ampliar o conceito
e compreender que o abuso sexual
O abuso sexual intra e perpetrado por avós, tios, padrastos,
extrafamiliar: um panorama sobre madrastas e primos também se configura
o cenário e os personagens como uma relação incestuosa.
Para Guerra (1998), que utiliza o termo
A OMS (1999), ao referir-se à violência
violência doméstica (e não intrafamiliar), tal
sexual em que a vítima é uma criança ou um
modalidade de violência apresenta uma
adolescente, adota o termo abuso sexual
relação com a violência estrutural – entre
infantil.
classes sociais, inerentes ao modo de
Abuso sexual infantil é o produção das sociedades desiguais. A autora
envolvimento de uma criança em define a violência doméstica em quatro
atividade sexual que ele ou ela não categorias: violência sexual como sendo
compreende completamente, é todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou
incapaz de consentir, ou para a qual, homo entre um ou mais adultos e uma
em função de seu desenvolvimento, a criança ou um adolescente, estimulando-os
criança não está preparada e não pode sexualmente; a violência psicológica,
consentir, ou que viole as leis ou tabus quando um adulto deprecia a criança,
da sociedade. O abuso sexual infantil bloqueia seus esforços de autoaceitação,
é evidenciado por estas atividades causando-lhe grande sofrimento mental; a
102 Neves, A. S., Castro, G. B., Hayeck, C. M., & Cury, D. G.

negligência, que representa uma omissão em brasileira” (Brasil, 2002). Este encontrou
termos de fornecer as necessidades físicas e como referência os princípios defendidos
emocionais da criança ou adolescente; e a pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
violência física, que é entendida como o (Brasil, 2003) e visou constituir ações que
emprego da força física contra a criança, de permitissem intervenções políticas e
forma não acidental. Vale ressaltar que o financeiras para enfrentar essa modalidade
conceito de violência física tem passado por de violência, por meio da garantia do
constantes transformações. atendimento especializado às vítimas, de
De acordo com Ferrari e Vecina ações de prevenção, do fortalecimento do
(2004), a violência intrafamiliar aparece em sistema de defesa e responsabilização, entre
qualquer nível social, raça, etnia ou credo. outros.
Consoante a isso, Guerra (1998) afirma que Ao longo dos anos, tornou-se evidente a
tal violência tem outros determinantes que necessidade da promoção de políticas
não são apenas estruturais, sendo um tipo públicas que se remetessem à questão da
de violência que permeia todas as classes violência sexual contra crianças e
sociais como uma violência de natureza adolescentes. Segundo o relatório elaborado
interpessoal. Sabe-se que há violência em pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP)
todos os níveis sociais, porém, nas camadas em 2009, intitulado Serviço de Proteção
mais baixas há um maior registro das Social a Crianças e Adolescentes Vítimas de
denúncias que geralmente são Violência, Abuso e Exploração Sexual e
acompanhadas por intervenções dos órgãos suas Famílias: referências para a atuação
públicos. Isso não ocorre nas altas camadas do psicólogo, políticas públicas são aquelas
da sociedade, que em geral, se mantêm no políticas necessárias desenvolvidas,
anonimato em grande parte das vezes. sobretudo, pelos estados capitalistas, no
A violência contra crianças e esforço de garantir os direitos básicos de
adolescentes configura um processo cidadania e de promover a inclusão social.
endêmico e global que tem características e As políticas públicas, intimamente
especificidades inerentes às diferentes relacionadas com os direitos humanos, não
culturas e aspectos sociais. Mas, se configuram apenas em leis, normas e
definitivamente, há abuso do poder programas, mas também na sua construção e
disciplinador e coercitivo dos pais ou no diálogo entre a população e o governo
responsáveis, além da completa por ela legitimado.
expropriação do poder da criança ou O referido relatório do CFP (2009)
adolescente, violando direitos essenciais e delimita diretrizes básicas para a atuação
comprometendo significativamente o seu da(o) psicóloga(o). O atendimento
desenvolvimento afetivo. psicológico deve compor a atenção
Em 1996, o I Congresso Mundial psicossocial, que tem por objetivo efetuar e
Contra a Exploração Sexual Comercial de garantir o atendimento especializado e em
Crianças e Adolescentes, realizado em rede a crianças e adolescentes em situação
Estocolmo, na Suécia, foi considerado um de violência e a suas famílias. Esse
marco inicial na luta internacional e no atendimento tem por princípio a prioridade
reconhecimento dos crimes cometidos absoluta, em razão da condição peculiar de
contra crianças e/ou adolescentes. A desenvolvimento dos sujeitos. Visa também
segunda edição do evento aconteceu no o fortalecimento da autoestima, além do
Japão, em 2001. A mobilização brasileira restabelecimento de direito da
sobre esse tema marcou o dia 18 de maio criança/adolescente à convivência familiar e
como Dia Nacional de Combate ao Abuso e comunitária, em condições dignas de vida.
à Exploração Sexual de Crianças e Deve possibilitar a superação da situação de
Adolescente, com o slogan “Esquecer é violação de direitos, além da reparação da
Permitir. Lembrar é Combater”. violência sofrida. As ações devem estar
Em 2000, o Governo Federal lançou o voltadas para a interrupção do ciclo da
Plano Nacional de Enfrentamento à violência, para a redução de danos sofridos e
Violência Sexual Infanto-juvenil, “fruto da para a construção de condições de proteção e
articulação da rede de proteção e de defesa de autonomia das pessoas em situação de
dos direitos da população infanto-juvenil violência.
Abuso sexual e instituições 103

Ainda de acordo com o relatório, a O relatório do Estudo da ONU sobre a


atenção psicossocial, na qual está inserida(o) Violência contra Crianças, desenvolvido por
a(o) psicóloga(o), é composta por atividades Pinheiro (2006), considera que a violência é
psicossocioeducativas, de apoio e multidimensional e por isso exige resposta
especializadas, realizadas prioritariamente multifacetada. Dentre as recomendações
em pequenos grupos. Tais atividades e ações apontadas, foram ressaltados os esforços de
possuem caráter disciplinar, interdisciplinar prevenção, o empenho na modificação de
e têm cunho terapêutico (não atitudes de tolerância ou aceitação da
necessariamente psicoterapêutico). O plano violência contra crianças, melhora na
de atendimento deve ser desenvolvido em organização de mecanismos sistemáticos de
equipe, com acompanhamento de todas as coleta de dados e pesquisas que
etapas (início, meio e fim) do atendimento proporcionem a formulação de políticas e
oferecido. Esse atendimento deve envolver programas públicos.
acolhimento, escuta, atendimento Dados contidos no relatório Situação
especializado em rede e interdisciplinar, Mundial da Infância divulgado pelo
encaminhamento a outras instituições da UNICEF (2005) estimam que 275 milhões
rede e acompanhamento de crianças,
de crianças no mundo são vítimas de
adolescentes e de suas famílias (inclusive
violência intrafamiliar. Nesse documento, é
dos agressores).
abordado um estudo da OMS que aponta
O documento ressalta também a para as seguintes estatísticas: 150 milhões de
importância da sólida instrumentação meninas e 73 milhões de meninos com
teórica, metodológica e técnica dos menos de 18 anos já sofreram relações
profissionais para que estejam aptos a sexuais forçadas ou alguma outra forma de
observar, interpretar e compreender violência sexual ou física.
constantemente as situações novas que se No que tange ao abuso sexual, o
apresentam no cotidiano do trabalho.
processo de vitimização infanto-juvenil
Em 2001, foi implantado o Programa envolve um espectro de categorias que
Sentinela (Secretaria de Estado de podem não envolver contato físico (abuso
Assistência Social – SEAS –, atual verbal, telefonemas obscenos, exibicionismo
Ministério do Desenvolvimento Social e e voyeurismo), podem contar com o contato
Combate à Fome – MDS), em resposta às físico (atos físicos genitais, exploração
discussões geradas com a aprovação do sexual para fins econômicos) e violência
Plano Nacional de Enfrentamento da (estupro, brutalização e assassinato)
Violência Sexual Infanto-Juvenil, que previa (Azevedo & Guerra, 1993; CFP, 2009).
a garantia de atendimento integral e
Estima-se que 96% dos casos de
especializado às crianças e aos adolescentes
violência física e 64% dos casos de abuso
em situação de violência sexual, bem como
sexual contra crianças de até seis anos de
às deliberações das Conferências Nacionais
idade sejam cometidos por pais ou
dos Direitos da Criança e do Adolescente e
da Assistência Social. Assim, o Programa familiares próximos. Segundo Saffioti
nasceu com o objetivo de investir recursos (1997), as crianças do sexo feminino estão
em projetos que privilegiassem o mais propensas ao abuso sexual do que as do
atendimento social especializado às crianças sexo masculino. Segundo o estudo intitulado
e aos adolescentes vítimas de algum tipo de Situação da Infância Brasileira 2006
violência sexual. O Programa Sentinela (UNICEF, 2005), acredita-se que 20% das
constituiu a primeira ação pública no mulheres e 10% dos homens de todo o
enfrentamento à violência sexual contra mundo tenham sofrido violência sexual na
crianças e adolescentes, representando uma infância. A estimativa do número de
vitória da sociedade brasileira. Hoje, agressores punidos, entretanto, é bem
coordenado pela Secretaria Especial de menor, 6%.
Direitos Humanos da Presidência da O abuso sexual tem pouca visibilidade,
República (SEDH), passando por um já que normalmente é cometido por alguém
momento de transição, recebe a próximo, em quem a criança confia. De
denominação de Serviço de Enfrentamento à acordo com dados da UNICEF, os principais
Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual abusadores são pessoas do sexo masculino,
de Crianças e Adolescentes. sobretudo pais, padrinhos, avós, irmãos, tios,
104 Neves, A. S., Castro, G. B., Hayeck, C. M., & Cury, D. G.

e o ambiente em que o abuso mais ocorre é o conceituação e a consequente identificação


doméstico. Esse vínculo familiar contribui da violência estão diretamente ligadas com o
para que os dados sejam tão obscuros, pois o desenvolvimento de estratégicas de
mesmo que agride é aquele a quem a criança intervenção junto aos casos e, em outro
ama. Dessa forma, abuso sexual em família nível, de prevenção ao fenômeno do abuso
não é facilmente denunciado. Acredita-se sexual infantil.
que no Brasil menos de 10% dos casos
chegam às delegacias (Ribeiro, Ferriani &
Reis, 2004). Abuso sexual contra a criança e o
Entre 40 e 60% do abuso sexual adolescente: abordagem
familiar, segundo o UNICEF (2005), ocorre
interdisciplinar
mais frequentemente contra meninas de 15
anos ou menos, e diferenças regionais ou O abuso sexual pode ser evidenciado
culturais não parecem ser significativas sob várias formas e apresenta maneiras
nesse sentido. Não há referências, nesse diferenciadas de expressão, tais como:
estudo, sobre a relação entre variáveis estupro, incesto, atentado violento ao pudor,
étnicas ou socioeconômicas e o abuso de acordo com a conceituação jurídica;
sexual. De forma geral, são raros e, por isso, abuso sexual e exploração sexual comercial,
necessários os estudos que investiguem os conforme conceituados pela sociologia e
fatores associados ao abuso sexual na pela antropologia (Queiroz, 2001).
infância. O Direito define abuso sexual como o
Um estudo nos Países Baixos mostrou envolvimento de uma criança menor de 14
que aproximadamente 45% das vítimas de anos em atos sexuais, com ou sem contato
abuso sexual no ambiente doméstico têm físico, ao qual não pode livremente
menos de 18 anos. Destas, as meninas têm consentir, em razão da idade e da natureza
mais probabilidade de serem vítimas de do abusador, ocorrendo com ou sem
incesto do que os meninos. Até os 10 anos violência física e/ou psicológica (Jesus, 2006;
de idade, o tipo de violência predominante é Malacre, 2006).
o atentado violento ao pudor sem nenhum Para Koshima (2003), a sociedade
tipo de agressão física ou mesmo contato tende a valorizar marcas físicas, mas,
genital (UNICEF, 2005). mesmo que tais marcas não sejam visíveis, o
Pesquisa sobre abuso incestuoso abuso contra a criança deve ser considerado
apontou que 71,1% dos agressores eram pais uma forma de violência. Da mesma forma o
biológicos das vítimas e 11,5% eram deve ser em relação aos adolescentes, os
padrastos, perfazendo um total de 82,6% quais não raramente são interpretados como
(Saffioti, 1995). Também na literatura se tivessem facilitado, induzido ou
mundial a figura do pai biológico é aquela consentido a violência sofrida. De acordo
que mais vitimiza sexualmente as crianças com o Código Penal Brasileiro, o abuso
(97% dos casos), enquanto as estimativas de sexual é considerado crime. Se a idade da
agressoras sexuais ficam entre 1% a 3% vítima for inferior a 14 anos, qualquer
(Bontempo, Bosseti, César & Leal, 1995). atividade sexual é entendida como violência
Conclui-se, portanto, que grande parte presumida. Sendo assim, a pena para os
do abuso sexual sofrido pela criança diversos tipos de abuso sexual, de acordo
acontece preponderantemente no contexto com o ECA (Brasil, 2003), pode variar entre
intrafamiliar, sendo perpetrado por 1 a 12 anos de prisão. O Código Penal
abusadores familiares. Brasileiro, até meados de 2009, diferenciava
O panorama nacional e o internacional os crimes de estupro e de atentado violento
auxiliam a visualização do fenômeno do ao pudor. Por atentado violento ao pudor
abuso sexual contra a criança e o definia-se a circunstância em que houvesse
adolescente e incitam a reflexão sobre quais constrangimento de alguém a praticar atos
conceitos regem o reconhecimento e a libidinosos, utilizando violência ou grave
intervenção. A identificação do abuso tem ameaça. Por outro lado, estupro era o termo
intrínseca relação com a capacidade das utilizado apenas nos casos em que as vítimas
entidades responsáveis conceituarem e eram pessoas do sexo feminino. Portanto,
abordarem a questão. Da mesma forma, a era definido como a prática não consensual
Abuso sexual e instituições 105

de conjunção carnal, ou seja, com agressor. A falta de credibilidade ao


penetração vaginal, imposta por meio de conteúdo denunciado pela vítima pode ser
violência ou grave ameaça (Pimentel & justificada pela ausência de meios
Araújo, 2007). Em 7 de agosto de 2009, a probatórios: prova testemunhal, prova
Lei 12.015/09 revogou o artigo que documental, confissão, inspeção e prova
tipificava o crime de atentado violento ao pericial.
pudor e ampliou a abrangência do crime de Segundo Azevedo e Guerra (1993),
estupro. Assim, hoje, o estupro consiste em várias teorias tentam explicar os
“Constranger alguém, mediante violência ou determinantes que constituem a violência
grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a doméstica. A perspectiva unidimensional
praticar ou permitir que com ele se pratique ancora-se em um pressuposto de causalidade
outro ato libidinoso”. A pena para o crime linear, apontando para um desvio de
de estupro varia entre seis e 30 anos de natureza particular do indivíduo, tendo como
reclusão (http://www.planalto.gov.br/ccivil principiantes da causalidade os pais
_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12015.htm). agressores. O modelo interativo retira o
Segundo o antropólogo Lévi-Strauss simplismo e a direcionalidade do
(1976, p. 49), “a proibição do incesto possui pressuposto unidimensional ampliando a
ao mesmo tempo a universalidade das compreensão do fenômeno para uma visão
tendências e dos instintos e o caráter multidirecional, com diferentes aspectos
coercitivo das leis e das instituições”. Araújo contribuindo para a violência doméstica,
(2002) considera que quando o autor do incluindo os âmbitos sociais, econômicos,
abuso sexual infantil é o pai biológico e, políticos, história de vida dos envolventes e
assim, se configura o incesto, esse pai as estruturas determinadas por cada
abusador impõe a lei do seu desejo e indivíduo em várias e diferentes relações
transgride a lei cultural que proíbe o incesto, (Azevedo & Guerra, 1993; CFP, 2009).
traindo, dessa forma, a confiança da criança. Estudos apontam que o abuso sexual
A criança passa a viver uma situação vivenciado na infância e na adolescência, se
traumática e conflituosa, permeada por não atendido adequadamente, aumenta o
diferentes sentimentos como o medo, a risco de futuros distúrbios psíquicos na vida
raiva, a culpa e o desamparo. Esse tipo de adulta (Rush, 1980; Russel, 1986; Briere,
abuso é o mais frequente, mas é também 1992; Mcqueen, Itzin, Kennedy, Sinason &
aquele cujo diagnóstico é o mais difícil de Maxted, 2008). Entre a denúncia e as etapas
ser feito. Isso se deve ao fato de a família de investigação e cuidado às vítimas de
aparentemente viver uma vida adaptada violência existem vários procedimentos que
socialmente, mas com confusões de papéis envolvem profissionais de diferentes
sociais e psicológicos por parte dos pais. instituições e formação. Inúmeros são os
Conforme Morales e Schramm (2002), desafios na coordenação de ações. A
no abuso sexual intrafamiliar há uma formação de uma rede de atenção depende
estrutura de poder assimétrica, pois quem então da conciliação dos serviços e da
abusa do outro ocupa uma posição comunicação efetiva entre as instituições
vantajosa, por ter mais idade, por sua envolvidas.
autoridade e pela imposição de alguns
meios, tais como intimidação ou chantagem
emocional. Em um contexto dissimulado, Centros de atendimento e
atos sexuais contra criança e/ou adolescente intervenção: por uma rede de
podem ser realizados durante muito tempo,
atenção
como carícias, toques e beijos, por exemplo,
até que o ato sexual em si aconteça. Segundo Foi em meados da década de 1980 que
tais autores, a criança e/ou adolescente a sociedade brasileira começou a sinalizar
vítima do abuso sexual pode não conseguir respostas efetivas à questão do abuso sexual
contar para terceiros, ou conseguir e não intrafamiliar ou incestuoso, processo que
receber a devida atenção em forma de ocorreu concomitantemente à
credibilidade voltada à veracidade de suas redemocratização do Brasil. As experiências
afirmações, o que facilita que essa situação em torno dessa questão foram se ampliando
seja conhecida apenas pelo agredido e pelo e um mínimo de interesse começou a ser
106 Neves, A. S., Castro, G. B., Hayeck, C. M., & Cury, D. G.

despertado pela problemática, e tanto a também podem contribuir para um


sociedade civil quanto o Estado aumento do dano psicológico sofrido
apresentaram suas propostas de intervenção pela criança.
na área (Azevedo & Guerra, 1993; Minayo
& Souza, 1999; OMS, 2002). Amaral (2004) aponta que a formação
de uma rede impele grandes desafios
Já na entrada dos anos 1990, os
profissionais e pessoais. Esforços
programas direcionaram o foco para a
significativos têm sido empregados para
questão do abuso sexual. Nem sempre a
romper com a cultura tradicional baseada em
intolerância social quanto aos crimes sexuais
relações verticais, especialmente de poder. O
praticados contra crianças e/ou adolescentes
pressuposto de rede implica em relações
ocorreu na nossa sociedade. De forma geral
horizontais, onde todos se responsabilizam.
tal relevância foi exibida após a Constituição
A autora assegura que nas relações de rede
Federal de 1988, art. 227, e com o Estatuto
tem poder aquele que tem iniciativa e, assim,
da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90
sua tutela muda constantemente. Essa
(Zagaglia, 2004).
premissa pode causar certo desconforto
A Lei 8.069 do ECA (Brasil, 2003) àqueles que estão acostumados a obedecer
estabelece que a Política de Atendimento passivamente ou a mandar autoritariamente,
aos Direitos da Criança e do Adolescente a partir de funções fixas, determinadas
deve ser feita por um conjunto articulado de hierarquicamente. Esse desconforto pode ser
ações governamentais e não governamentais. um dos pontos que torna o trabalho em rede
Essa determinação sinaliza a importância da uma tarefa tão árdua.
implantação e estruturação de uma rede de Habigzang et al. (2006) enfatizam que
proteção à infância e à adolescência.
outra dificuldade em rede se centra na
A estruturação da rede implica na comunicação, e alertam para a necessidade
inclusão de atores sociais diversos e emergente de aprimorar os serviços
instituições de setores variados. Habigzang especializados e capacitar os profissionais
et al. (2006) listam como componentes da para que os mesmos obtenham uma
rede social de atenção à criança e ao compreensão dos casos de forma a ter uma
adolescente os Conselhos de Direito, condução e uma intervenção adequadas.
Conselhos Tutelares, Promotoria e Juizado Uma rede só funciona se todos os
da Infância e Adolescência, e instituições profissionais se sentirem envolvidos por ela
como escolas, postos de saúde, hospitais e e, geralmente, esse envolvimento se dá por
abrigos. uma via transferencial e por vínculos afetivos
Uma rede de apoio social é um conjunto que se constituíram ao longo de uma história
de sistemas e pessoas que a criança entende comum. Daí a importância de cursos de
como relacionamentos de apoio e tem início capacitação/sensibilização de profissionais
com o acolhimento da denúncia do abuso com abordagens nas áreas de Educação,
sexual. Esse é um momento importantíssimo, Justiça e Saúde, visando informá-los sobre o
pois uma rede formada por profissionais fenômeno da violência (Tavares, 2004).
despreparados pode oferecer risco de A proteção social especial é voltada
revitimização. Habigzang et al. (2006, p. 381) para indivíduos ou famílias que tiveram seus
afirmam que as ações profissionais e legais direitos violados ou ameaçados por
devem se complementar na busca de um circunstâncias diversas, por exemplo, o
atendimento eficaz: abuso sexual, exigindo atuação
A intervenção legal, desconhecendo interdisciplinar e especializada, inclusive em
os aspectos psicológicos do abuso contato com outros órgãos de proteção de
sexual e as necessidades terapêuticas diretos da Rede de Proteção Social e no
da criança e das famílias Sistema de Garantia de Direitos, como o
disfuncionais, produz um dano Ministério Público e Conselhos Tutelares
psicológico adicional à vítima. Por (CFP, 2009).
outro lado, os profissionais da saúde Existem serviços e ações dentro da
mental, negligenciando os aspectos proteção social especial que se diferem pelo
legais do abuso (proteção à criança e grau de complexidade: média e alta. Os de
prevenção adicional do crime), média complexidade são relativos aos casos
Abuso sexual e instituições 107

em que os vínculos familiares ainda não Se houver provas suficientes em caso


foram rompidos, embora possam estar de violência física ou sexual, uma denúncia
comprometidos e ficam a cargo dos CREAS ao Ministério Público pode culminar com o
(Centros de Referência Especializados de afastamento do agressor da moradia da
Assistência Social). Os de alta criança e/ou adolescente (previsto no artigo
complexidade, por outro lado, são 130 do ECA, de 1990) quando esta é
destinados àquelas situações em que tal comum. Um dos problemas com o qual se
vínculo já foi rompido e se faz necessária a depara no que tange à violência contra
existência de recursos para garantir a crianças e adolescentes, em especial de
proteção integral do indivíduo, como a cunho sexual, é a não comunicação do fato.
internação em abrigos, aplicação de medidas As limitações do acolhimento e dos
socioeducativas e outros. encaminhamentos evidenciam a
De acordo com a Lei Orgânica da necessidade de formar melhor os jovens
Assistência Social (LOAS), as políticas médicos, assistentes sociais, advogados,
públicas de assistência social devem ser psicólogos e profissionais da educação que,
integradas de tal forma que atendam às em geral, estão desarticulados. É preciso
peculiaridades e às diversidades repensar os currículos e o processo de
socioeconômicas em consonância com as responsabilização social que cada profissão
demais políticas setoriais. Um de seus deve imprimir ao sujeito. Outro fator que
pressupostos diz respeito à inclusão de gera dificuldades na resolução de casos de
pessoas de grupos específicos, a promoção violência infanto-juvenil é a falta de
da proteção social básica e a preocupação integração entre as instituições envolvidas
com o fortalecimento da família, no processo. Para Nathanson (1997), cada
independentemente da forma como se uma das partes pode ter a impressão de que
apresente (CFP, 2009). o outro quer manter o controle da situação.
Da Política Nacional de Assistência Um exemplo disso é a relação entre o
Social, em 2004, adveio o Sistema Único da hospital e a polícia. Esta última pode ficar
Assistência Social (SUAS), um “(...) sistema bastante insatisfeita ao considerar que o
público não-contributivo, descentralizado e hospital dificulta seu trabalho por
participativo que tem por função a gestão do interrogar a vítima antes da própria polícia
conteúdo específico da Assistência Social no e retardando a comunicação dos fatos, o
campo da proteção social brasileira” (NOB, que eventualmente complica a ação
2005, p.15 citado por CFP, 2009). Esse persecutória contra o agressor.
sistema organiza questões da assistência Casos de abuso ou suspeitas requerem
social de acordo com seu grau de reconhecimento e perícia de uma variedade
complexidade, hierarquizadas entre proteção de profissionais da saúde, da educação e de
básica e proteção social especial de média e autoridades legais. O trabalho
de alta complexidade. interdisciplinar forma uma rede de pessoas,
A Lei 8.069 (Brasil, 2003), nos artigos o que pode atenuar problemas comuns que
132 e 88, respectivamente, regulamentou a interferem no atendimento apropriado às
criação dos conselhos tutelares e dos crianças e aos adolescentes vitimizados, bem
conselhos municipais, estaduais e nacionais como às respectivas famílias (Scherer &
de direitos no Brasil. Cabe aos conselhos Scherer, 2005; Neves, 2008).
(tutelares e de direitos) o papel de controlar, A criança deve ser reconfortada e ser
decidir e coordenar. Isso implica em dizer conscientizada de que ela é sujeito e não
que os conselhos devem intervir caso haja o objeto da ação sofrida, ou seja, apesar do
não cumprimento das funções a cargo do processo de vitimização sofrido, existem
Estado, formular políticas de proteção recursos internos que podem ser explorados.
integral a infância, tomar decisões sobre a Além disso, importa esclarecer que o adulto
adequação de programas já implantados e agressor manipulou e agiu contra a criança,
articular os órgãos públicos e iniciativas fez uma contravenção à lei, e que todos os
privadas para a concretização da política de profissionais estão presentes e dispostos a
proteção e desenvolvimento das crianças e ajudá-la a encontrar a melhor alternativa
adolescentes (Gabel, 1997). (Viaux, 1997).
108 Neves, A. S., Castro, G. B., Hayeck, C. M., & Cury, D. G.

Considerações finais é recente no serviço público e envolve


tabus importantes. Iniciativas do governo
O autêntico funcionamento em rede federal, suportadas pelo ECA e pela
acontece com o envolvimento dos Constituição Federal, têm assegurado novas
profissionais e com os vínculos afetivos que investidas no combate e denúncia do abuso
se constituíram ao longo de uma história sexual contra crianças e adolescentes;
comum. Daí a importância do curso de contudo, ainda são evidentes os serviços
capacitação/sensibilização de profissionais desarticulados nas instituições. O desafio
com abordagem nas áreas de Educação, atual é a articulação efetiva da rede de
Justiça e Saúde para informá-los sobre a atenção e proteção com intercomunicação
imensa e invisível problemática da violência dinâmica, efetiva e democrática. Estudos
(Tavares, 2004).
ulteriores poderão identificar variáveis que
Segundo Minayo (2006), a equipe que influenciam o desenvolvimento e a
acolhe casos de crianças violentadas deve consolidação da rede, ou ainda, corroborar
estar preparada técnica, emocional e na investigação de outros elementos sociais
psicologicamente para que o atendimento e culturais inerentes ao tema.
seja eficaz.
Há algumas instituições que
estabelecem um olhar diferenciado para a Referências
questão da violência focalizando a Amaral, V. (2004). Desafios do trabalho em
problemática como um todo, buscando rede. Disponível em: <http://www.rts.
analisá-la. Como exemplo tem-se o Centro org.br/bibliotecarts/artigos/arquivos/rede
Regional de Atenção aos Maus-Tratos na s_vamaral_desafios.pdf.>. Acesso em: 23
Infância (CRAMI), que se dirige ao nov. 2008.
atendimento de crianças vítimas de maus-
tratos e de suas famílias, com objetivo de Araújo, M. F. (2002). Violência e abuso
proteção e de assistência. A atuação visa, sexual na família. Psicologia em Estudo,
fundamentalmente, a proteção, o registro e 7(2), 3-11. Disponível em:
o tratamento dos casos, bem como a <http//:www.scielo.br>. Acesso em: 08
promoção da criança junto à família. mar. 2007.
(Deslandes, 1994).
Azevedo, M. A., & Guerra, V. N. A. (1993).
Instituições como a citada
Infância e violência doméstica:
implantaram o trabalho multidisciplinar,
fronteiras do conhecimento. 2. ed. São
com vistas a compreender os elementos
interacionais e estruturais que envolvem o Paulo: Cortez.
abuso sexual cometido contra a criança Bontempo, D., Bosetti, E., César, M. A., &
e/ou adolescente, permitindo analisar a Leal, M. L. P. (1995). Exploração Sexual
perspectiva de pais, padrastos e outros que de Meninas e Adolescentes no Brasil.
cometerem tais violências, realizando um Brasília: UNESCO/CECRIA.
atendimento não só à vítima, mas a todos
os envolvidos. Brasil (2000). Constituição da República
Ao final deste estudo, pode-se Federativa do Brasil de 1988. 24. ed. São
compreender que a perspectiva interdisciplinar Paulo: Saraiva.
e interinstitucional amplia a discussão sobre a Brasil (2002). Plano Nacional de
violência sexual contra crianças e Enfrentamento a Violência sexual
adolescentes. Algumas constatações são infanto-juvenil. 3. ed. Ministério da
árduas. Os personagens participantes Justiça. Brasília: SEDH/ DCA.
envolvem famílias fragilizadas, crianças e
adolescentes amedrontados, profissionais por Brasil (2003). Estatuto da Criança e do
vezes inseguros e com poucos recursos para a Adolescente de 1990. 4. ed. Brasília:
implementação da intervenção Os serviços Saraiva.
ainda estão carentes de especialização e de
Briere, J. N. (1992). Child abuse trauma:
atualização de pesquisas.
theory and treatment of the lasting
O tema e a abordagem sobre o abuso
effects. London: SAGE Publications.
sexual contra crianças e adolescentes ainda
Abuso sexual e instituições 109

Chauí, M. (1985). Participando do debate Jesus, N. A. (2006). O círculo vicioso da


sobre mulher e violência. In Cavalcanti, violência sexual: do ofendido ao
M. L. V. C.; Franchetto, B., & Heilborn, agressor. Psicologia, Ciência e
M. L. (Orgs.) Perspectivas Profissão, 26(4), 672-683..
Antropológicas da mulher (pp. 25-62).
Koshima, K. (2003). Palavra de Criança. In:
Rio de Janeiro: Zahar.
G. Gadelha & H. Barbosa. (Orgs.),
Conselho Federal de Psicologia (CFP) Construindo uma História: Tecnologia
(2009). Serviço de Proteção Social a Social de Enfrentamento à Violência
Crianças e Adolescentes Vítimas de Sexual contra Crianças e Adolescentes
Violência, Abuso e Exploração Sexual e (pp. 133-144). Salvador: CEDECA-BA.
suas Famílias: referências para a
atuação do psicólogo. Brasília: CFP. Lévi-Strauss, C. (1976). As estruturas
elementares do parentesco. Petrópolis:
Deslandes, S. F. (1994). Atenção a crianças Vozes.
e adolescentes vítimas de violência
doméstica: análise de um serviço. Malacre, M. (2006). Vite in Bilico: Indagine
Cadernos de Saúde Pública, 10(1), 177- retrospettiva su maltrattamenti e abusi in
187. Disponível em: età infantile. Firenze: Istituto degli
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0 innocenti.
034-89101999000600005&script=sci_ Mcqueen, D., Itzin, C., Kennedy, R.,
arttext >. Acesso em: 8 out. 2005. Sinason, V., Maxted, F. (2009).
Ferrari, D. C. A., & Vecina, T. C. C. (2004). Psychoanalytic psychotherapy after child
O fim do silêncio na violência familiar: abuse. London: Karnac.
teoria e prática. São Paulo: Ágora.
Michaud, Y. (1989). A violência. São Paulo:
Filho, C. M. (2001). Violência fundadora e Ática.
violência reativa na cultura brasileira.
São Paulo em Perspectiva, 15(2), 20-27. Minayo, M. C. (1994). A violência social
Disponível em: sob a perspectiva da saúde pública.
<http://www.scielo.br/scielo.php?script= Cadernos de Saúde Pública, 10(supl. 1),
sci_arttext&pid=S0102- 7-18. Disponível em:
88392001000200004>. Acesso em: 28 <http://www.scielo.br/scielo.php?script=
ago. 2007. sci_arttext&pid=S0102-
311X1994000500002>. Acesso em: 08
Fundo das Nações Unidas para a Infância mar. 2007.
(UNICEF). (2005). Pequenas Vítimas.
Relatório UNICEF – Situação da Minayo, M. C. S. (2006). Violência e saúde.
Infância Brasileira 2006. Brasília: Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
UNICEF. Disponível em: Minayo, M. C. S., & Souza, E. R. (1999). É
<http://www.unicef.org/brazil/pt/>. possível prevenir a violência? Reflexões
Acesso em: 8 out. 2005. a partir do campo da saúde pública.
Gabel, M. (Org.) (1997). Crianças vítimas Ciência & Saúde coletiva, 4(1), 7-32.
de abuso sexual. São Paulo: Summus. Morales, Á. E & Schramm, F. R. (2002). A
Guerra, V. N. A. (1998). Violência de pais moralidade do abuso sexual intrafamiliar
contra filhos: a tragédia revisitada. São em menores. Ciência & Saúde coletiva,
Paulo: Cortez. 7(2),. 265-273. Disponível em:
Habigzang, L. F, Azevedo,G. A., Koller, S. <http://www.scielo.br/scielo.php?script=
H., & Machado, P. X. (2006) Risk and sci_arttext&pid=S1413-
protective factors in the resource network 81232002000200007>. Acesso em: 12
for children and adolescences victims of mar. 2007.
sexual violence. Psicologia: Reflexão e Nathanson, M. (1997). A hospitalização das
Crítica, 19(3), 379-386. Disponível em: crianças vítimas de abusos sexuais. In
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01 Gabel, M. (Org.), Crianças vítimas de
02-79722006000300006&script=sci_ abuso sexual (pp. 155-163). São Paulo:
arttext Acesso em: 22 nov. 2008. Summus.
110 Neves, A. S., Castro, G. B., Hayeck, C. M., & Cury, D. G.

Neves, A. S (2004). A violência física de Saffioti, H. I. B. (1997). No fio da navalha:


pais e mães contra filhos: cenário, violência contra crianças e adolescentes
história e subjetividade. In: Zélia Maria no Brasil atual. In F.R. Madeira (Org.),
Mendes Biasoli-Alves. (Org.), Livro de Quem mandou nascer mulher? (pp. 134-
Artigos – Tomo II (pp. 111-123). 211). São Paulo: Editora Rosa dos
Ribeirão Preto: Legis Summa. Tempos.
Neves, A.S. (2008). Família no singular,
Scherer, E. A., & Scherer, Z. A. P. (2005). A
histórias no plural – a violência física de
pais e mães contra filhos. Uberlândia: criança maltratada: uma revisão da
EDUFU. literatura. Revista Latino-Americana de
Enfermagem, 8(4), 22-29. Disponível
Organização Mundial de Saúde (OMS). em: <http://www.scielo.br/scielo.php?
(2002). Relatório Mundial sobre script=sci_arttext&pid=S0104-
Violência e Saúde. Genebra: Organização 11692000000400004&lng=en&nrm=iso
Mundial de Saúde.
&tlng=pt>. Acesso em: 08 out. 2005.
Pimentel, A., & Araujo, L. S. (2007).
Concepção de criança na pós- Seabra, A., & Nascimento, H. M. (1998).
modernidade. Psicologia: ciência e Abuso sexual na infância. Pediatria
profissão, 27(2), 184-193. Moderna, 34(7), 395-415.
Pinheiro, P. S. (2006). Relatório do Tavares, M. (2004). Criando a rede
especialista independente sobre o Estudo especializada de atendimento. In G. Pizá
das Nações Unidas sobre Violência & G. F. Barbosa (Orgs.), A violência
contra Crianças, Distr. Geral, 23 de silenciosa do incesto (pp. 201-207). São
agosto. Disponível em: Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
<http://www.unicef.org/brazil/Estudo_PS Paulo; Rio de Janeiro: Clínica
P_Portugues.pdf>. Acesso em: 13 mar. Psicanalítica da Violência.
2007.
Queiroz, K. (2001). Abuso sexual: Vendruscolo, T. S., Ribeiro, M. A.; Armond,
conversando com esta realidade. In Yves L. C., Almeida, E. C. S., & Ferriani, M.
de Roussan (Org.), Centro de defesa da G. C. (2004). As políticas sociais e a
criança e do adolescente. Salvador: violência: uma proposta de Ribeirão
CEDECA-BA. Disponível em: Preto. Revista Latino-Americana de
<http://www.cedeca.org.br/pdf/abuso_se Enfermagem, 12(3), 564-567.
xual_katia_quairoz>. Acesso em: 14 out. Disponível em:
2007. <http://www.scielo.br/scielo.php?script=
Ribeiro, M. A., Ferriani, M. G. C., & Reis, J. sci_arttext&pid=S0104-
N. (2004). Violência sexual contra 11692004000300016&lng=en&nrm=iso
crianças e adolescentes: características &tlng=ptpt>. Acesso em: 27 set. 2008.
relativas à vitimização nas relações
Viaux, J. (1997). A perícia psicológica das
familiares. Cadernos de Saúde Pública,
crianças vítimas de abusos sexuais. In M.
20(2), 456-464.
Gabel (Org.), Crianças vítimas de abuso
Rush, F. (1980). The best kept secret: sexual sexual (pp 121-131). São Paulo:
abuse of children. New York: McGraw- Summus.
Hill Book Company.
Viodres Inoue, S. R., & Ristum, M. (2008)
Russel, D. E. H. (1986). The secret trauma:
Violência sexual: caracterização e análise
incest in lives of girls and women. New
de casos revelados na escola. Estudos de
York: Basic Books.
Psicologia (Campinas), 25(1), p. 1-21.
Saffioti, H. (1995) Circuito fechado: Abuso
Sexual Incestuoso. In: CLADEM. World Health Organization (WHO). (1999).
Mulheres: vigiadas e castigadas. São WHO Consultation on Child Abuse
Paulo: CLADEM. Prevention. Geneva: WHO.
Abuso sexual e instituições 111

Zagaglia, R. (2004). Crimes contra crianças Enviado em Maio de 2009


e adolescentes. In G. Pizá & G. F. Revisado em Dezembro de 2009
Barbosa (Orgs.), A violência silenciosa Aceite final em Fevereiro de 2010
do incesto (pp. 134-161). São Paulo: Publicado em Dezembro de 2010
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo;
Rio de Janeiro: Clínica Psicanalítica da
Violência.

Nota dos autores:


O trabalho foi apresentado na Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia-2008, como
Atividade de Sessão Coordenada, com o título “A atenção a crianças e adolescentes vítimas de violência
sexual: dificuldades intra e interinstitucionais”.

O presente trabalho foi desenvolvido com o apoio do CEVIO (Centro de Referência em Violência e
Segurança Pública), órgão vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade
Federal de Uberlândia (gestão 2004-2008) e contou com o financiamento da FAPEMIG (Fundação de
Amparo à Pesquisa de Minas Gerais). Estiveram envolvidas nesta pesquisa as colegas pesquisadoras
Angélica Luiza Pereira, Nágila Batista Santos Lúcio e Alessandra Duarte.

Anamaria Silva Neves – Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia – Av. Pará,
1.720 – Bloco 2C – CEP: 38405-320 – Uberlândia, MG – Telefone: (34) 3218-2235
E-mail: [email protected]
Gabriela Brito de Castro – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (mestranda)
Alameda do Grão Mestre, 115 – Bairro Jardim Karaíba – Uberlândia – MG – Brasil. CEP: 38411-300 –
Telefone: (11) 7967.3680/ (34) 3086.0830 – E-mail: [email protected]
Cynara Marques Hayeck – Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (mestranda)
Daniel Gonçalves Cury – Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (mestrando)

Você também pode gostar