Temas em Psicologia 1413-389X: Issn
Temas em Psicologia 1413-389X: Issn
Temas em Psicologia 1413-389X: Issn
ISSN: 1413-389X
[email protected]
Sociedade Brasileira de Psicologia
Brasil
Silva Neves, Anamaria; Brito de Castro, Gabriela; Marques Hayeck, Cynara; Gonçalves
Cury, Daniel
Abuso sexual contra a criança e o adolescente: reflexões interdisciplinares
Temas em Psicologia, vol. 18, núm. 1, junio, 2010, pp. 99-111
Sociedade Brasileira de Psicologia
Ribeirão Preto, Brasil
Resumo
O presente trabalho resgata teoricamente o fenômeno do abuso sexual perpetrado contra
crianças e adolescentes por abusadores do espaço doméstico (intrafamiliar) e por estranhos
(extrafamiliar), sob uma perspectiva interdisciplinar, possibilitando a construção de uma visão
ampliada e complexa sobre o fenômeno. Buscou-se compreender os principais conceitos de
violência e as prerrogativas que sustentam as discussões sobre a criança enquanto sujeito de
direitos. O artigo apresenta um panorama com dados nacionais e internacionais sobre a
violência contra a infância e a adolescência e aponta as principais diretrizes brasileiras calcadas
na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Por fim,
enfatiza-se a importância da estruturação da rede de atenção e de proteção à infância e à
adolescência como uma estratégia horizontalizada de poder, com relações intra e
interinstitucionais dinâmicas e efetivas.
Palavras-chave: Abuso Sexual, Crianças e Adolescentes, Instituições, Rede de Proteção.
Abstract
This paper presents theoretically the phenomenon of sexual abuse perpetrated against children
and adolescents by offenders of the domestic space (intrafamily) and strangers (extrafamily), in
an interdisciplinary perspective, allowing the construction of a complex and broader view on the
phenomenon. We attempted to understand the main concepts of violence and prerogatives
which sustain the discussions of the child as a rights holder. The paper presents an overview
with national and international data on violence against children and adolescents, and identifies
the main guidelines based on Brazil´s Federal Constitution from 1988, and the Child and
Adolescent Act, 1990. Finally, we emphasize the importance of structuring the child and
adolescence protection network as a horizontal strategy of power, with internal and external
relations in institutions, which are dynamic and effective.
Keywords: Sexual Abuse, Children and Adolescents, Institutions, Protection Network.
________________________________________
Endereço para correspondência: Anamaria Silva Neves - Av. Pará, 1.720 - Bloco 2C - Uberlândia - MG -
CEP. 38405-320 Telefone: (34) 3218-2235. E-mail: [email protected]
100 Neves, A. S., Castro, G. B., Hayeck, C. M., & Cury, D. G.
negligência, que representa uma omissão em brasileira” (Brasil, 2002). Este encontrou
termos de fornecer as necessidades físicas e como referência os princípios defendidos
emocionais da criança ou adolescente; e a pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
violência física, que é entendida como o (Brasil, 2003) e visou constituir ações que
emprego da força física contra a criança, de permitissem intervenções políticas e
forma não acidental. Vale ressaltar que o financeiras para enfrentar essa modalidade
conceito de violência física tem passado por de violência, por meio da garantia do
constantes transformações. atendimento especializado às vítimas, de
De acordo com Ferrari e Vecina ações de prevenção, do fortalecimento do
(2004), a violência intrafamiliar aparece em sistema de defesa e responsabilização, entre
qualquer nível social, raça, etnia ou credo. outros.
Consoante a isso, Guerra (1998) afirma que Ao longo dos anos, tornou-se evidente a
tal violência tem outros determinantes que necessidade da promoção de políticas
não são apenas estruturais, sendo um tipo públicas que se remetessem à questão da
de violência que permeia todas as classes violência sexual contra crianças e
sociais como uma violência de natureza adolescentes. Segundo o relatório elaborado
interpessoal. Sabe-se que há violência em pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP)
todos os níveis sociais, porém, nas camadas em 2009, intitulado Serviço de Proteção
mais baixas há um maior registro das Social a Crianças e Adolescentes Vítimas de
denúncias que geralmente são Violência, Abuso e Exploração Sexual e
acompanhadas por intervenções dos órgãos suas Famílias: referências para a atuação
públicos. Isso não ocorre nas altas camadas do psicólogo, políticas públicas são aquelas
da sociedade, que em geral, se mantêm no políticas necessárias desenvolvidas,
anonimato em grande parte das vezes. sobretudo, pelos estados capitalistas, no
A violência contra crianças e esforço de garantir os direitos básicos de
adolescentes configura um processo cidadania e de promover a inclusão social.
endêmico e global que tem características e As políticas públicas, intimamente
especificidades inerentes às diferentes relacionadas com os direitos humanos, não
culturas e aspectos sociais. Mas, se configuram apenas em leis, normas e
definitivamente, há abuso do poder programas, mas também na sua construção e
disciplinador e coercitivo dos pais ou no diálogo entre a população e o governo
responsáveis, além da completa por ela legitimado.
expropriação do poder da criança ou O referido relatório do CFP (2009)
adolescente, violando direitos essenciais e delimita diretrizes básicas para a atuação
comprometendo significativamente o seu da(o) psicóloga(o). O atendimento
desenvolvimento afetivo. psicológico deve compor a atenção
Em 1996, o I Congresso Mundial psicossocial, que tem por objetivo efetuar e
Contra a Exploração Sexual Comercial de garantir o atendimento especializado e em
Crianças e Adolescentes, realizado em rede a crianças e adolescentes em situação
Estocolmo, na Suécia, foi considerado um de violência e a suas famílias. Esse
marco inicial na luta internacional e no atendimento tem por princípio a prioridade
reconhecimento dos crimes cometidos absoluta, em razão da condição peculiar de
contra crianças e/ou adolescentes. A desenvolvimento dos sujeitos. Visa também
segunda edição do evento aconteceu no o fortalecimento da autoestima, além do
Japão, em 2001. A mobilização brasileira restabelecimento de direito da
sobre esse tema marcou o dia 18 de maio criança/adolescente à convivência familiar e
como Dia Nacional de Combate ao Abuso e comunitária, em condições dignas de vida.
à Exploração Sexual de Crianças e Deve possibilitar a superação da situação de
Adolescente, com o slogan “Esquecer é violação de direitos, além da reparação da
Permitir. Lembrar é Combater”. violência sofrida. As ações devem estar
Em 2000, o Governo Federal lançou o voltadas para a interrupção do ciclo da
Plano Nacional de Enfrentamento à violência, para a redução de danos sofridos e
Violência Sexual Infanto-juvenil, “fruto da para a construção de condições de proteção e
articulação da rede de proteção e de defesa de autonomia das pessoas em situação de
dos direitos da população infanto-juvenil violência.
Abuso sexual e instituições 103
O presente trabalho foi desenvolvido com o apoio do CEVIO (Centro de Referência em Violência e
Segurança Pública), órgão vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade
Federal de Uberlândia (gestão 2004-2008) e contou com o financiamento da FAPEMIG (Fundação de
Amparo à Pesquisa de Minas Gerais). Estiveram envolvidas nesta pesquisa as colegas pesquisadoras
Angélica Luiza Pereira, Nágila Batista Santos Lúcio e Alessandra Duarte.
Anamaria Silva Neves – Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia – Av. Pará,
1.720 – Bloco 2C – CEP: 38405-320 – Uberlândia, MG – Telefone: (34) 3218-2235
E-mail: [email protected]
Gabriela Brito de Castro – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (mestranda)
Alameda do Grão Mestre, 115 – Bairro Jardim Karaíba – Uberlândia – MG – Brasil. CEP: 38411-300 –
Telefone: (11) 7967.3680/ (34) 3086.0830 – E-mail: [email protected]
Cynara Marques Hayeck – Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (mestranda)
Daniel Gonçalves Cury – Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (mestrando)