563 - Laboratório de Metamorfoses Vol. 1
563 - Laboratório de Metamorfoses Vol. 1
563 - Laboratório de Metamorfoses Vol. 1
LABORATÓRIO DE METAMORFOSES
VOLUME 1
Organizadores
José Rodrigo Rodriguez
Maria Cândida Simon Azevedo
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni
Imagem de Capa: Nicolaas Struyk | A Caterpillar and Two Moths on a Branch and Two
Butterflies | The Metropolitan Museum of Art (metmuseum.org)?
532 p.
ISBN: 978-65-5917-563-5
DOI: 10.22350/9786559175635
CDD: 340
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito 340
SUMÁRIO
PREFÁCIO 9
José Rodrigo Rodriguez
PARTE 1
IMAGINAÇÃO INSTITUCIONAL
1 15
DEFICIÊNCIA, DIREITO E EMANCIPAÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA FEMINISTA SOBRE O
CUIDADO
Larissa de Oliveira Elsner
2 49
ENTRE ECOLOGIZAÇÃO DO DIREITO, NÃO ANTROPOCENTRISMO E
ANTICAPITALISMO: COMPREENDENDO A EMERGÊNCIA DE UM DIREITO PÓS-
HUMANO
Maria Cândida Simon Azevedo
3 88
CONTROLE SOCIAL SOBRE A ATUAÇÃO DISCRICIONÁRIA NEGATIVA DAS
ADMINISTRAÇÕES TRIBUTÁRIAS
Miguel Ângelo Maciel
4 137
DEMOCRACIA MULTINORMATIVA E OS LIMITES DE UMA GRAMÁTICA DE REGRAS: AS
ESTRUTURAS DE SUBORDINAÇÃO COMO IMPEDIMENTO À REGULAÇÃO SOCIAL SOB
UMA PERSPECTIVA DECOLONIAL
Rodrigo da Silva Vernes-Pinto
5 168
A DEMOCRATIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO: A POTENCIAL EMANCIPAÇÃO E
AUTONOMIA DOS SUJEITOS – UM CAMINHO PARA A “OUTRIDADE”
Rodrigo Rodrigues Dias
6 244
O PROJETO VOLTA GRANDE E A CONSULTA PRÉVIA DOS POVOS INDÍGENAS DO
XINGU: POTENCIALIDADES MULTINORMATIVAS E DESCOLONIAIS
Lara Santos Zangerolame Taroco
PARTE 2
CRÍTICA DA REGULAÇÃO
7 291
O DIREITO À CIDADE NA LÓGICA DO MERCADO
Tibério Bassi de Melo
8 333
O DIREITO DE GREVE COMO LIBERDADE DE INSURREIÇÃO
Rafael Selicani Teixeira
9 366
PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS E ANTIJURIDICIDADE
Eduardo Luiz Busatta
10 409
A PROPOSTA DE UMA TEORIA REALISTA DO DIREITO EM BRIAN TAMANAHA:
REVISITANDO AS BASES DO PRAGMATISMO
Diogo Lopes Cavalcante
Fabiane Grando
11 447
A FALTA DE COERÊNCIA E INTEGRIDADE DEU CAUSA A TEORIAS COMO A DO DIREITO
PENAL DO INIMIGO: O QUE MAIS PODE VIR ELA FRENTE SE NÃO HOUVER
RAZOABILIDADE NAS LEIS?
Leonardo Ribas Tavares
12 479
DUAS TIPOLOGIAS DE PERVERSÃO DO DIREITO: A AUTORREGULAMENTAÇÃO DAS
REDES SOCIAIS E A DESRREGULAMENTAÇÃO DO MEIO AMBIENTE NO DIREITO
BRASILEIRO
Eduardo Hoffmann
Lucas Paulo Orlando de Oliveira
13 509
O CONCEITO DE POLÍTICO EM SCHMITT COMO UMA FORMA DE DOIS LADOS: A
LÓGICA DA IDENTIDADE E A EXCLUSÃO DO OUTRO POR MEIO DA COMUNICAÇÃO
SUBVERSIVA
David Denner de Lima Braga
Selmar José Maia
PREFÁCIO
José Rodrigo Rodriguez
1 INTRODUÇÃO
1
Doutoranda em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Bolsista
PROEX/CAPES. Mestra em Direito Público pela UNISINOS. Especialista em Direito do Trabalho pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Membro dos Grupos de pesquisa Trabalho e Capital da UFRGS,
Núcleo de Direitos Humanos da UNISINOS (NDH) e Grupo Jurisgêneses da UNISINOS. Advogada e
pesquisadora. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/9215715351032855. E-mail:
[email protected].
16 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
2
Em breves notas sobre o modelo biomédico da deficiência, esclarece-se que constituiu um discurso
regido pela área da medicina, a qual traduzia a deficiência somente enquanto uma patologia (doença),
que deveria ser tratada e curada. Outras características inerentes a esse modelo são as práticas de
institucionalização de pessoas com deficiência em hospitais psiquiátricos, por exemplo, e por
consequência, o afastamento e exclusão do convívio social. (ELSNER, 2021).
18 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
3
A lesão é a tradução indicada para o termo em inglês ‘impairment’, por Debora Diniz e Tiago Henrique
França, nas obras utilizadas nesta pesquisa. (DINIZ, 2012; FRANÇA, 2013).
4
Deficiência é a tradução indicada para o termo em inglês ‘disability’ por Debora Diniz e Tiago Henrique
França, nas obras utilizadas nesta pesquisa. (DINIZ, 2012; FRANÇA, 2013).
Larissa de Oliveira Elsner • 19
5
“The need for care, or as many would rather say ‘assistance’ is viewed not as a sign of dependence, but
as a sort of prosthesis that permits one to be independent". (KITTAY, 2011, p.50).
24 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
6
“The point of a public ethic of care is to spread the costs and burdens of dependency more evenly
through the population. This offers ‘insurance’(so to speak) to all who are potentially dependent (and
that excludes no one) that if they either become dependent or have to take on responsibilities for caring,
they will not have to bear unduly the costs and burdens of their own or their charge`s dependency”.
(KITTAY, 2001, p.537).
7
“[...] desde la crítica que busca desmantelar los discursos dualistas entre cuidador/cuidado;
discapacitado/no discapacitado, dependiente (carga)/independiente (autónomo), desarraigo/
responsabilidad, normal/anormal” (RODRÍGUEZ, 2019, p.212).
Larissa de Oliveira Elsner • 25
deficiência, uma vez que é reconhecido pela ética do cuidado como uma
característica humana, no sentido de que todo ser humano necessita de
cuidado, mas ao mesmo tempo, considera que esse cuidado deve se
estabelecer mediante escolha da pessoa cuidada. “Ou seja, no caso de
pessoas com deficiência, precisamos ser protagonistas das ações que
envolvem o cuidado não só do nosso corpo, mas de toda gestão da nossa
vida”. (LUIZ; SILVEIRA, 2020, p.117-118). Nessa linha de pensamento, o
cuidado humano não é reservado ao grupo familiar, mas sim é um
compromisso social e político, visto que compreender o cuidado
enquanto um
8
“Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]. § 3º Os tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)” (BRASIL, 1988).
Larissa de Oliveira Elsner • 27
9
“El derecho internacional de los derechos humanos incorpora este abordaje a partir de la aprobación
de la Convención Internacional sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad (CDPD)”.
(PALACIOS, 2019. p. 2, tradução nossa).
10
“[…] as a landmark in the history of the disability rights movement”. (MEEKOSHA; SOLDATIC, 2011. p.
1384, tradução nossa).
28 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
11
“Artigo 12. Reconhecimento igual perante a lei. 1.Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com
deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei”. (BRASIL,
2009).
Larissa de Oliveira Elsner • 29
12
“Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
(BRASIL, 2015).
30 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
13
Cabe esclarecer que tanto a CDPD como o EPD definem a plena participação social em todos os
âmbitos da vida pública, ou seja, aqui se considera o exercício dos direitos humanos como a educação,
trabalho, lazer, saúde e, também, os direitos políticos relativos ao direito de votar e ser votado.
14
“Art. 3º. Os princípios da presente Convenção são: a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia
individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; b) A não-
discriminação; c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) O respeito pela diferença e
pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) A
igualdade de oportunidades; f) A acessibilidade; g) A igualdade entre o homem e a mulher; h) O respeito
pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com
deficiência de preservar sua identidade” (BRASIL, 2009, grifo nosso).
15
“Capítulo IV. Do direito à participação na vida pública e política. Art. 76. O poder público deve garantir
à pessoa com deficiência todos os direitos políticos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de
condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2015).
Larissa de Oliveira Elsner • 33
16
“Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em
ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL, 2015).
17
“Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar
e avaliar: [...] III - projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado,
assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes
com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a
conquista e o exercício de sua autonomia; [...]” (BRASIL, 2015, grifo nosso).
18
“Art. 18. É assegurada atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de
complexidade, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário. § 1º É assegurada a
participação da pessoa com deficiência na elaboração das políticas de saúde a ela destinadas. § 2º É
assegurado atendimento segundo normas éticas e técnicas, que regulamentarão a atuação dos
36 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
19
“O Plano Individual de Atendimento é um instrumento técnico norteador da relação entre os
residentes e os profissionais, nele deve constar a história de vida de cada morador, a situação e dinâmica
de sua família, esta última quando os vínculos familiares não estiverem rompidos. O Projeto Político
Pedagógico, por sua vez, é um documento que visa o planejamento das rotinas da residência, tem foco
nos cuidados relacionados aos moradores e também na orientaçã o dos profissionais quanto às suas
condutas, especialmente no sentido de não adotarem atitudes de superproteç ão e/ou subestimaç ão
das habilidades dos residentes”. (LUIZ; SILVEIRA, 2020, p.120).
38 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
20
“Artigo 19. Vida Independente e inclusão na comunidade. Os Estados Partes desta Convenção
reconhecem o igual direito de todas as pessoas com deficiência de viver na comunidade, com a mesma
liberdade de escolha que as demais pessoas, e tomarão medidas efetivas e apropriadas para facilitar às
pessoas com deficiência o pleno gozo desse direito e sua plena inclusão e participação na comunidade,
inclusive assegurando que: a) As pessoas com deficiência possam escolher seu local de residência e
onde e com quem morar, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e que não sejam
obrigadas a viver em determinado tipo de moradia; b) As pessoas com deficiência tenham acesso a uma
variedade de serviços de apoio em domicílio ou em instituições residenciais ou a outros serviços
comunitários de apoio, inclusive os serviços de atendentes pessoais que forem necessários como apoio
para que as pessoas com deficiência vivam e sejam incluídas na comunidade e para evitar que fiquem
isoladas ou segregadas da comunidade; c) Os serviços e instalações da comunidade para a população
em geral estejam disponíveis às pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades, e atendam
às suas necessidades” (BRASIL, 2009).
Larissa de Oliveira Elsner • 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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e seus reflexos na ordem jurídica interna no Brasil. In: FERRAZ, Carolina Valença;
LEITE, George Salomão; LEITE, Glauber Salomão; LEITE, Glauco Salomão (coord.).
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6, n. 6, p. 472–484, 2012. Disponível em: https://search.ebscohost.com/login.aspx?
direct=true&db=edselc&AN=edselc.2-52.0-84861897077&lang=pt-br&site=eds-live.
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conectas.org/wp-content/uploads/2017/11/sur8-port-amita-dhanda.pdf. Acesso
em: 17 fev. 2020.
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Salomão; LEITE, Glauber Salomão; LEITE, Glauco Salomão (coord.). Manual dos
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pt-br&site=ehost-live. Acesso em: 14 fev. 2021.
KITTAY, Eva Fender. The Ethics of Care, Dependence, and Disability. Ratio Juris, [s. l.],
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MINOW, Martha. Making All the Difference: Inclusion, Exclusion, and American Law.
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Larissa de Oliveira Elsner • 47
https://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=sih&AN=18791671&lang=
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RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? Para uma crítica do direito
brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2013.
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Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.18, n. 3, p. 501-519, 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
73312008000300008&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 28 dez. 2019.
SILVA, Simone Schuck da; RODRIGUEZ, José Rodrigo. Para que serve ser uma pessoa no
Direito? Diálogos no campo crítico. Revista Direito Práxis, Rio de Janeiro, v.10, n.4,
p. 2968-3023, 2019. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/
revistaceaju/article/view/45693. Acesso em: 17 fev. 2021.
1 INTRODUÇÃO
1
Doutoranda e Mestra em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Bolsista pelo Programa
de Excelência Acadêmica (PROEX) da CAPES. Pesquisadora do Jurisgenesis - Grupo de Pesquisa em
Direito, Crítica e Multinormatividade. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5707331017730262. E-mail:
[email protected].
50 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
2
Uma versão modificada desse capítulo foi apresentada no III Encontro Virtual do Conpedi, no Grupo
de Trabalho Direito e Sustentabilidade II e encontra-se publicado nos Anais do Evento. Ver: AZEVEDO,
Maria Cândida Simon. Direito senso-bio-ecocêntrico: uma construção não antropocêntrica. In: REZENDE,
Elcio Nacur; TYBUSCH, Jerônimo Siqueira; SOBRINHO, Liton Lanes Pilau (Coord.). Direito e
sustentabilidade II. Florianópolis: CONPEDI, 2021. Disponível em: http://site.conpedi.org.br/
publicacoes/276gsltp/5ey7a3w4/w6u1tUDvDXGvcfLR.pdf. Acesso em: 13 maio 2022.
Maria Cândida Simon Azevedo • 55
melhor a cada cinco anos. São apenas palavras inúteis. Não há ação,
apenas promessas”.
Resta questionar se o direito ambiental (ou ecológico) está
exercendo, de fato, algum papel capaz de proteger efetivamente o meio
ambiente. De acordo com o último relatório do Climate Change
Performance Index - índice de pontuação projetado pela organização
ambiental alemã Germanwatch, que vem acompanhando os esforços
dos países no combate às mudanças climáticas desde 2005 - “Nenhum
dos países alcançou as três primeiras posições. Nenhum país está
fazendo o suficiente para prevenir mudanças climáticas perigosas”
(BURK et al., 2020).
Com isso, é possível questionar a efetiva ecologização do direito,
citando como exemplo os casos de Mariana/MG e Brumadinho/MG, em
que as Mineradoras Samarco e Vale foram as protagonistas de duas
tragédias ambientais que entraram para a história dos desastres no
Brasil. Embora estejam sendo tomadas diversas medidas pelo
Ministério Público Federal ([2020?]), a empresa Vale, por exemplo,
continua em pleno desenvolvimento de suas atividades, tendo tido,
inclusive, crescente valorização de suas ações na bolsa de valores
brasileira.
Tendo em vista o quadro atual sobre a problemática ambiental, o
debate começa a se encaminhar para um outro patamar, que visa
romper com alguns paradigmas que reinavam até então. Mais uma vez,
vislumbram-se impulsos que procuram apontar para a necessidade de
ecologizar o direito, como uma das medidas a serem tomadas no sentido
de frear o progresso indiscriminado da utilização de recursos naturais.
Os debates giram em torno de concepções éticas como o biocentrismo,
o ecocentrismo e, também, o sensocentrismo, que, de uma forma ou de
Maria Cândida Simon Azevedo • 61
Serres (1994, p. 28) entende que “Devemos definir a guerra como uma
das relações de direito entre os grupos ou as nações: estado de facto,
claro, mas sobretudo de direito”, esclarecendo que onde antes existia
violência, estabeleceu-se guerra através de um contrato de direito.
Para além desse estado de violência subjetiva, continua Serres
(1994, p. 31), existe um estado de violência objetiva contra a natureza e,
portanto, propõe pensarmos “Um novo pacto, um novo acordo prévio,
que devemos estabelecer com o inimigo objetivo do mundo humano: o
mundo tal e qual. Uma guerra de todos contra tudo”. Com isso, Serres
(1994) faz uma crítica também aos filósofos do Direito Natural Moderno,
pois estes teriam reduzido a natureza em natureza humana e à razão.
Por outro lado, seria necessária uma revisão radical dessa concepção
que compreende apenas o ser humano como sujeito de direitos. Ele
acredita na necessidade de estabelecermos um novo pacto, um pacto
contra a violência objetiva, que interrompa a guerra da humanidade
contra a natureza, o que chamou de Contrato Natural.
Traçando uma crítica a essa posição, Branco (2014) refere que a
concepção desenvolvida por Serres estaria vinculada ao Direito das
Coisas que concede à natureza uma racionalidade inexistente, já que
“[...] na verdade, a natureza é avessa à lógica, regendo-se por tentativas
ao acaso, as quais são objeto de posterior seleção” (BRANCO, 2014, p.
167). Para ele, portanto, não faz sentido falarmos em uma ética para com
a natureza e o estabelecimento de um contrato, pois um contrato exige
duas partes contratantes e conscientes das obrigações contratuais.
Acredita na inclusão da proteção à natureza pelo próprio Contrato
Social, já que esse pressupõe a sobrevivência da sociedade e, portanto,
da natureza enquanto parte dessa sociedade.
70 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
que incorpora valor à vida de qualquer ser vivo, compreende que muitos
seres vivos são incapazes de ter uma perspectiva subjetiva, conferindo
uma grande falta de coerência nessa corrente. No mesmo sentido,
Lourenço defende que a ética ecocêntrica também possui problemas,
tanto no tocante à falta de uma fundamentação teórica, pela ausência
de subjetividade dos sistemas naturais, quanto pelo fato de que essa
visão atribui um valor instrumental aos indivíduos, já que estes seriam
meros instrumentos para a manutenção do todo. Nesse contexto, se
atribuirmos valor à sistemas naturais e ecossistemas e em sendo os
indivíduos apenas um instrumento do todo, seria necessário
reconhecermos a possibilidade de sacrificar indivíduos - inclusive seres
humanos -, o que nenhuma corrente ética parece se arriscar a fazer,
forçando um retorno à visão antropocêntrica.
Contudo, modificações no sentido de incorporar valor à natureza e
aos animais vêm sendo postas em debate no âmbito do Direito e, em
certa medida, incorporadas pelo Direito Positivo. Para além da
dicotomia Positivismo/Jusnaturalismo, existe um fenômeno de
incorporação de direitos naturais ou de uma espécie de ética para com a
natureza nos ordenamentos jurídicos, seja de forma explícita ou
implícita, a exemplo do que ocorreu na Constituição do Equador de
2008, que reconhece direitos à natureza – Pachamama, e o Código do
Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul de 2020, que reconheceu
os animais domésticos de estimação como sujeitos de direitos
despersonificados.
Com isso, vamos analisar no tópico seguinte a correlação entre
anticapitalismo e não antropocentrismo, com o objetivo de estabelecer
uma melhor visão sobre o progresso e a redefinição dos paradigmas da
sociedade moderna e, portanto, também do direito. Isso porque, a
72 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
relação deste tópico com o próximo vai ditar alguns parâmetros que o
direito deve se pautar para conseguir avançar na pauta ambiental e,
para além dela, para avançar em um novo patamar em que as relações
sociais deverão se estabelecer, minando as energias
instrumentalizastes tanto dos indivíduos, humanos e não humanos,
quanto da natureza em que vivemos. Portanto, é possível dizer aqui, ao
menos de forma provisória, que a ecologização do direito vem se
organizando independentemente de uma reestruturação do Positivismo
em favor de uma espécie de Direito Natural que fundamente a questão
ambiental em um plano anterior ao contrato social.
humano. Mas o humano trabalha com a natureza para que possa retirar
seu meio de vida, ou seja, “[...] a natureza se transforma de orgânica em
inorgânica à medida que entra no processo pelo qual o humano vivo e
orgânico Leib busca os meios de viver” (BUTLER, 2021, p. 15). Butler
(2021) acredita que esse argumento é antropocêntrico, mas que Marx vai
além disso, já que ele compreende o humano enquanto parte de uma
natureza orgânica mais ampla. Em verdade, a distinção entre orgânico
e inorgânico é “[...] uma oscilação perpétua de perspectivas
(orgânica/inorgânica) a depender de se a natureza é abordada teórica ou
praticamente, facilitada por esse modo prático de trabalho que prepara
a natureza como um meio de viver para o humano” (BUTLER, 2021, p.
15).
Os ecossocialistas lançaram mão de um pensamento parecido para
compreender uma forma de proteção da natureza a partir do marxismo,
questionando se o pensamento de Marx e Engels seria compatível com
a ecologia. Para Löwy (2014), a crítica marxista ao capitalismo é um
fundamento indispensável para uma ecologia radical, apesar das
críticas dos ecologistas ao marxismo. A ação humana está limitada ao
mundo vivo e, portanto, Butler (2021) conclui que qualquer crítica deste
mundo ou qualquer projeto de justiça deve intervir nas questões
ecológicas, na manutenção das espécies e nas mudanças climáticas,
lançando mão da valorização de toda e qualquer vida, já que “[...] somos
ligados ao mundo dos vivos no nível da necessidade, do desejo e da
obrigação. Portanto, esse corpo, embora separado do corpo da natureza,
está vinculado a ele, e esse vínculo, essa relação, é o que agora queremos
afirmar como ‘corpo’” (BUTLER, 2021, p. 17).
O ecossocialismo refuta as críticas que colocam o marxismo como
um humanismo conquistador e produtivista, salientando que Marx e
Maria Cândida Simon Azevedo • 77
REFERÊNCIAS
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é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
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Acesso em: 05 fev. 2021.
1 INTRODUÇÃO
1
Pós Doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca/ESP. Doutorando em Estado de
Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca/ESP. Doutor em Ciências Jurídicas e
Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - Buenos Aires. Aluno especial dos Cursos de
Doutorado em Direito e em Filosofia na UNISINOS. Mestre em Direito Internacional Econômico pela
Universidade Católica de Brasília (UCB/DF). Especialização em Direito Tributário pelo ICAT/UNIDF (2002).
Especialização em Teoria do Direito, Dogmática Crítica e Hermenêutica - ABDConst (cursando).
Graduado em direito pelo UNICEUB (1999 - conclusão)/ UFPEL - RS (1992 - ingresso) - Ex-Executivo de
Tributos do Conglomerado Banco do Brasil e Subsidiárias. Advogado. Ex-Professor de Direito da
Universidade Regional da Campanha - URCAMP/RS. Ex-Professor substituto de direito da Universidade
Católica de Brasília - UCB/DF. Grupos de Pesquisa: Terceiro Setor e Tributação da UCB (coord. José
Eduardo Sabo Paes). Autor. Membro associado da FESDT - Fundação Escola Superior de Direito
Tributário. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/4017414060253098. E-mail: [email protected].
Miguel Ângelo Maciel • 89
2
Curiosidade útil. Disse-me um professor de francês que na França o boxe sequer ocupa na cultura
posição de esporte. Informação que não pode ser confirmada.
Miguel Ângelo Maciel • 91
golpear o outro dado que este outro não tem o dever/obrigação de ser
golpeado. Estariam, sim, legitimados a evitar os golpes sem poder
esperar (ter direito) que seu oponente não os desfira, portanto, direito
e dever não são suficientes para descrever a relação entre os sujeitos
esportistas, assim também ocorreria nos conflitos sociais. Direito e
dever são aqui tomados, pelo que se apreende da leitura, de algo muito
próximo de que a um direito subjetivo corresponde um dever legal.
Sugere o uso do termo “privilégio”, que melhor compreendo por
faculdade-liberdade, de golpear ou não o adversário frente a
titularidade negativa de direito, ou seja, titularidade de um “não-
direito” de se opor juridicamente à liberdade (uso da faculdade ou do
privilégio de desferir golpes) do oponente.
A reserva do diálogo parcial com a dinâmica entre contribuinte e
Estado tributante reside na compreensão que esta relação é muito mais
complexa (imaginem um jogo de boxe com múltiplos atletas
concomitantemente) e o direito posto autorizaria, ao menos
dogmaticamente, que o Estado desfira os golpes e que o contribuinte os
receba. Claro, esta visão não é a qual compartilho, pois partiria de uma
leitura libertária ou da premissa a agressão às liberdades contida na
ação tributária. Antecipo que visualizo a tributação como um
comportamento social solidário em sua essencialidade.
Mas a metáfora é interessante pois de alguma forma traduz o
comportamento corrente que será visto com mais cuidado adiante. Por
ora importa ressaltar que é tido por legal que os contribuintes se
comportem elisivamente e arrisco a dizer que socialmente, para uma
parcela de cidadãos, que é legítimo o comportamento evasivo.
Estariam, então, patentes a insuficiência do binômio direito/dever
para descrever a praxis com a relação fisco/contribuinte sendo útil
92 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
3
Con otros términos: Si A tiene derecho a que B haga el acto X, B tiene el deber frçnte a A de hacer el
acto X. Si A tiene frente a B el privilegio de hacer el acto X, B no tiene el derecho (tiene el no-derecho) de
exigir que A se absten- ga de hacer X. Si A tiene la potestad de producir ciertos efectos jurídicos respecto
de B, mediante el acto X, B está sujeto (está en un estado de sujeción) frente a A, en el sentido de que la
situación jurídica de B se verá alterada por los efectos del acto X. Si A tiene frente a B una situación de
inmunidad respecto de los efectos jurídicos dei posible acto X de B, B es incompetente (tiene
incompetência) para alterar, mediante el acto X, la situación jurídica de A. (CARRIÓ, 2001, p.15).
4
O cidadão não pode se recusar a efetuar o pagamento dos impostos que sobre ele recaem; até mesmo
a desaprovação impertinente dessas obrigações, se devem ser pagas por ele, pode ser castigada como
um escândalo (que poderia causar uma desobediência geral). Exatamente, apesar disso, não age
contrariamente ao dever de um cidadão se, como homem instruído, expõe publicamente suas ideias
contra a inconveniência ou a injustiça dessas imposições. (KANT, 1985).
Miguel Ângelo Maciel • 93
seu uso normal, tentar, provavelmente sem sucesso, fazer parecer que uma
coisa ainda é o que ela deixou de ser. É importante apontar a gravidade
destes fenômenos de perversão que atingem em sua essência, por assim
dizer, instituições dotadas de autoridade para estabelecer o que é a verdade
e instituições destinadas a promover o tratamento igualitário entre as
pessoas. Verdade científica, no caso da ciência; verdade dos fatos
contemporâneos, no caso do jornalismo, verdade de fatos passados, no caso
da História e tratamento igualitário no caso das instituições destinadas a
atribuir e a garantir direitos iguais para todas as pessoas. Mas quais seriam
as consequências sociais destas perversões? Ora, na falta de informações
confiáveis sobre o presente e sobre o passado e sem um método confiável
para obtê-las; na falta de dados científicos confiáveis sobre a natureza e sem
disciplinas reconhecidas e em funcionamento destinadas a construir tais
dados, ainda, na falta de mecanismos reconhecidos, com poder para atribuir
direitos de forma igualitária, boa parte do que se compreende como
modernidade simplesmente deixará de existir. “O projeto moderno de
justificação racional de todo e qualquer fato e de todo e qualquer direito
perante esfera pública por meio de um diálogo racional do qual todas as
pessoas possam participar e sejam levadas em conta, poderá ver solapadas
as suas condições de possibilidade simbólicas e institucionais. Tal ameaça
se deve, eu levanto a seguir a hipótese, à ação de agentes sociais
interessados (1) na criação ou expansão de formas de vida hierárquicas
legitimadas pela (2) na construção ou a expansão de narrativas que não
dependam de fatos, que não precisem ser verificadas por métodos racionais.
5
“O direito é costuma ser estudado principalmente a partir da gramática de regras, ou seja, das
proposições que regulam comportamentos descritos em abstrato e ligam a eles consequências jurídicas
positivas ou negativas, respectivamente, prêmios e punições. É também a partir desta gramática que se
costuma criticar o direito como uma gramática que padroniza e normaliza comportamentos com a
finalidade promover a dominação de organismos de poder marcados por tendências burocratizantes
sobre a espontaneidade das interações sociais. (RODRIGUEZ, 2019, p. 287-288).
6
Ao descrever um comportamento em abstrato, ou seja, ao criar um padrão para regular os conflitos
sociais, o direito estaria utilizando uma gramática excludente de tudo o que há de irrepetível e de
singular no mundo social. Neste registro, muito caro a representantes de posições críticas inspiradas em
Nietzsche, o direito seria, por excelência, a linguagem de um poder burocrático. Puramente
instrumental, o direito estaria interessado apenas em normalizar e excluir tudo que há de disfuncional,
de inusitado, de novo e de revolucionário na vida social. De acordo com a mesma racionalidade, a
função do juiz e do poder institucionalizado em geral seria subsumir casos concretos em normas
abstratas de acordo com uma racionalidade tecnocrática mais preocupada com a padronização do que
com a singularidade dos indivíduos e dos acontecimentos (FOUCAULT, 2004; DELLEUZE & GUATTARI,
2010). (RODRIGUEZ, 2019, p. 287-288).
Miguel Ângelo Maciel • 99
7
“A racionalidade é por assim dizer uma comunicação, um processo pelo qual eu torno “evidentes” para
uma pluralidade de indivíduos as conexões que eu estabeleci entre determinados objetivos e os meios
de alcançá-los. A ação racional diz Weber ... é aquela em que os indivíduos procuram explicitar as
conexões de sentido entre os seus desempenhos acionais e os seus objetivos assumidos como tal. Por
este motivo, a ação orientada racionalmente por um fim distingue-se dos demais tipos de ações
orientadas pela intuição (“emocional”, “ receptivo-artística”). Toda racionalidade é, neste sentido,
contextual, e não manifestação de essências. Daí a compreensão de Weber de que uma ação racional,
por exemplo, um sistema político orientado por procedimentos racionais, possa servir a uma finalidade
substantivamente irracional, p. ex., possa servir a princípios de um ideal de superioridade racial. Weber
descreve a construção da razão como que um artesanato. Sua idéia, enfim, é de que a razão é extraída
do fluxo irracional de todas as coisas, numa aproximação novamente com os princípios kantianos da
razão, Weber afirma: Refiro-me, aqui, à doutrina dos “separados, porém iguais”, do sistema jurídico
racista dos E.U.A. e, naturalmente, ao nazismo. ” (RODRIGUEZ, 2004, p.78-79).
8
“Para Neumann, seria possível falar numa racionalidade e num processo de racionalização do direito
mesmo diante do desenvolvimento do capitalismo monopolista (que traz consigo, ...necessariamente,
a materialização do direito). Nesse sentido, faz uma reconstrução do pensamento weberiano sobre o
Direito dando-lhe um sentido evidentemente diferente do original. Neumann ressalta o fato de que a
previsibilidade, que é a razão básica para o desenvolvimento histórico da Rule of Law, na verdade passa
a atrapalhar o pleno funcionamento da economia no momento em que as demandas sociais passam a
100 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
ser incorporadas ao direito positivo, criando-se assim uma incompatibilidade entre as duas esferas”.
(RODRIGUEZ, 2004, p. 78-79).
Miguel Ângelo Maciel • 101
9
“En su voto, el Ministro Dias Tófolli hace referencias a los acuerdos internacionales firmados por Brasil
para enfrentar un alineamiento internacional por el intercambio automático de información financiera,
de tal forma que la Ley Complementaria nº 105, de 2001, fue declarada constitucional, en respeto a la
inserción brasileña a un contexto jurídico global donde es necesario un ajuste entre el derecho interno
y el externo… Lo curioso es que después de todos estos años de indecisión e inseguridad jurídica en
que se esperó que el STF se manifestara, la decisión se haya dado básicamente mencionando
compromisos internacionales y alineamiento a las mejores prácticas administrativas tributarias
internacionales sin que se haya hecho referencia a los principios y valores que motivaron a la Suprema
Corte Brasileña a tomar una posición. Queda, al menos en relación al voto del Sr. Ministro Relator, un
vacío teórico y doctrinario. Ni siquiera se puede inferir de su redacción algo que justifique la demora en
la prestación jurisprudencial, como la referencia a que se trata de un tema controvertido y fundamental
para el derecho patrio y que merecía una profundización y consolidación de criterios para brindar a la
sociedad la mejor decisión posible, lo que no nos permite llegar a otra conclusión que no sea la de que
la demora en actualizar el criterio en terrae brasilis era útil. (MACIEL, 2020. p. 327-328).
102 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
10
“A renaissance do conceito de generalidade das leis na democracia de Weimar e sua aplicação
indiscriminada para direitos de liberdade pessoal, política e econômica foi, portanto, um instrumento
para restringir o poder do Parlamento, que agora não representava exclusivamente os interesses dos
grandes proprietários, do capital, do exército e da burocracia. A lei geral na esfera econômica estava
agora determinada para manter a ordem de propriedade existente e para protegê-la contra
intervenções sociais”. (NEUMANN, 2014. p. 24).
104 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
Resumindo o que foi dito até aqui, pode-se dizer que a cidadania,
compreendida como a possibilidade de que todos e todas tomem parte na
formação da vontade do estado, resolve dois problemas políticos
fundamentais. Ela fornece meios de controle vertical e horizontal do poder,
impedindo que o soberano assuma um caráter arbitrário ao impor a ele a
necessidade de justificar os seus atos; e por evitar que as assimetrias de
poder privado resultem no domínio de indivíduos ou grupos sobre os
demais cidadãos e cidadãs.
11
A proposta, basicamente, é a de criação do que organizações internacionais têm chamado de
instituições fiscais independentes, ou seja, órgãos independentes dos poderes políticos tradicionais
(Judiciário, Legislativo e Executivo), mas financiados publicamente, responsáveis pela fiscalização,
análise e pela sugestão (em algumas propostas mais audaciosas, pela definição) da política fiscal. Como
se percebe, essa agenda de reforma institucional das finanças públicas envolve aspectos centrais de
instituições políticas de qualquer estado democrático. O orçamento sempre representou um espaço de
disputa política, democrática e jurídica por excelência. As decisões fiscais sobre quantos e quais projetos
públicos deveriam ser financiados foram tradicionalmente interpretadas como sendo de competência
do Legislativo e/ou do Executivo, geralmente por meio do orçamento. O caso brasileiro mostra que a
criação de regras fiscais para delimitar a discricionariedade dos responsáveis pelas decisões fiscais foi
um primeiro momento relevante de reforma do regime jurídico da política fiscal e dessas instituições
políticas. A criação de instituições fiscais independentes parece ser o segundo. A legitimidade
democrática da gestão da política fiscal parece ser disputada justamente no contexto dessas reformas
institucionais. A política fiscal é legítima porque decidida politicamente e de acordo com regras
democráticas tradicionais ou ela é legítima quando protegida dos próprios políticos que supostamente
deveriam defini-la – e definidas de acordo com critérios supostamente técnicos a respeito da
sustentabilidade prevista da dívida pública? (RODRIGUEZ, 2004, p. 222-224).
110 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
12
Ver também: TRUBEK; SANTOS, 2006 e LEYS, 1996.
112 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
jurídico que lhe assegura meios, em maior ou menor grandeza, para sua
emancipação social, formal ou material.
O despertar pela cidadania interna ao indivíduo pré-cidadão
referência aspectos objetivos e subjetivos. Opressão e dominação são
expressões utilizadas por Young (2012) para distinguir,
respectivamente, as forças que atuam sobre a livre formação do sujeito
na sociedade civil e a sujeição às instituições formais do estado;
subjetiva e estrutural; autodesenvolvimento e autodeterminação.
Rodriguez (2019, p. 105) evoca uma crítica do coerção com
fundamentos na gramática de regras, (em contraponto com a gramática
da regulação social) para quem “em um sistema capitalista, a coerção
funciona como mecanismo destinado a impulsionar a acumulação
desenfreada de capital para que sejamos capazes de pensar, para além
desse registro, na possiblidade de atribuir outras funções a este
mecanismo institucional” ultrapassando a atualização habermasiana da
teoria moral de Kant, acerca da necessidade de complementar a moral
com coerção em sociedade complexas.
A coerção neste sentido prende o sujeito o mais possível às relações
de produção e acumulação capitalista tolhendo o espaço, a energia vital
e o tempo que seriam imprescindíveis ao indivíduo para a instauração
do debate acerca das necessidades e de mudanças úteis a alterar o estado
de coisas postas, visando incrementar a sua percepção como sujeito de
direitos, membro de uma determinada comunidade de sentidos cidadã
e democrática, para a partir dessa apropriação subjetiva, deliberar
informadamente sobre a forma de vida a ser buscada. Cerceia o agir
comunicativo. (RODRIGUEZ, 2019). A introjecção na subjetividade
identitária da racionalidade da acumulação desenfreada como um valor
tende a legitimar a sua hiperconcentração e acirrar a competição pela
114 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
4 OS A-CONTRIBUINTES
13
“No atual quadro, nota-se pouca adesão social ao pagamento de tributos não só em razão da alta
carga assumida, da complexidade do sistema, dos gastos públicos em excesso e de má qualidade dos
serviços essenciais, dos desvios, da sonegação e de serviços ineficientes, mas, em especial, pela sensação
118 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
14
Ver também: NASH, 1996; STAVRAKAKIS, [2021?]; BROW, 2007; BROW, 2006; MONEDERO, 2012.
122 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
que significa que nem todas as possibilidade estão abertas o tempo todo”
(RODRIGUEZ, 2019, p. 371) absolvendo-lhes, ao menos moralmente, do
encargo da mudança, o que é, mesmo assim, sofrível conceber. Quando
estes desrespeitam à lei tributária, eximidos de culpabilidade, estão
mais a atingir a ilusão ideológica do legalismo liberal interessado.
(RODRIGUEZ, 2004, p. 307-308).
Retomando os a-contribuintes informados (que o fazem a partir da
razão prudencial) configurariam estes uma espécie de escolha por uma
das opções do dilema da classe burguesa de: ou atender às demandas do
proletariado ou de abandonar a democracia (RODRIGUEZ, 2009, p. 108-
109), ao menos neste particular? Então seria realmente o abandono
burguês do pacto social democrático 15 por práticas deliberada e
abertamente autárquicas. Ainda assim, os a-contribuintes informados
configurariam uma voz social a ser ouvida? (RODRIGUEZ, 2009).
As normas gerais sustentam uma dicotomia fundamental, interna
ao direito positivo, que não se alimenta de valores transcendentes a ele,
mas da relação entre sociedade e Estado, ou, nos termos de Neumann, a
esfera de soberania e a esfera da liberdade em relação à soberania. O
governo das normas gerais em sua versão liberal exige que o Estado aja
de acordo com a vontade da sociedade. As necessidades da sociedade
variam com o momento histórico e devem encontrar expressão nas
normas que o Estado produz, ao lado de normas técnicas, relativamente
independentes do contexto.
15
“Grupos que não estão interessados em debater as políticas públicas tendo em vista algo que se
poderia chamar de “interesse geral”, “bem comum”, “comunidade política” ou “projeto de país”. Ao
contrário, sua estratégia é fortalecer fontes normativas que pretendem se livrar dos entraves normativos
dos Estados nacionais, esvaziando, inclusive, o poder da esfera pública de formar as normas que regulam
a vida social” (RODRIGUEZ, 2019, p. 380-382).
Miguel Ângelo Maciel • 123
“[...] grande parte deste processo só pode ser compreendido com a descrição
da disputa política interna a cada país, no interior dos quais determinadas
forças políticas fizeram avançar estas agendas, inclusive a liberalização do
mercado financeiro, a começar pelos Estados Unidos, processo que se
repetiu ao redor do mundo. Os protagonistas destas mudanças foram
agentes sociais interessados em retirar poder do Estado e ampliar o poder
de determinadas ordens normativas, como empresas transnacionais e
grupos religiosos. No campo econômico, o resultado é que os Estados hoje
têm pouco poder sobre os fluxos financeiros e sobre as transações
econômicas ao redor do mundo, perdendo, inclusive, a capacidade de cobrar
Miguel Ângelo Maciel • 125
16
“[...] legalismo democrático, ou seja, não ontologizante, não essencialista; um legalismo tomado como
parte de um projeto de democracia que defenda a necessidade de manter as leis e o Judiciário como
referência para a disputa política, ou seja, que defenda a necessidade de instituições jurídicas
especializadas para solucionar conflitos sem o uso da violência e para garantir o direito das minorias
contra as maiorias, as quais podem e manifestar, por exemplo, em eleições majoritárias” (RODRIGUEZ,
2019, p. 327).
17
“A mera reflexão sobre o direito, nesse sentido, pode vir a influenciar os agentes sociais e estatais
responsáveis por reproduzir e transformar o estado de direito, tendo um papel relevante na justificação
da ordem jurídica perante a esfera pública. (RODRIGUEZ, 2019, p. 59).
130 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
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TRUBEK, David M.; SANTOS, Álvaro. The new law and economic development: a critical
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1 INTRODUÇÃO
1
Advogado, Doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS,
Bolsista (PROEX/CAPES), Mestre em Direitos Humanos pelo Centro Universitário Ritter dos Reis -
UNIRITTER, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS), graduado em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis - UNIRITTER. Link Currículo
lattes: http://lattes.cnpq.br/8342096677530789. E-mail: [email protected].
138 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
2
É sabido sobre as críticas ao pluralismo jurídico no que toca à restrição crítica à gramática de regras
sem a proposta em termos de teoria da democracia. Contudo, a perspectiva pluralista aqui utilizada é
restrita à crítica referida, utilizando-se no decorrer desta investigação de outros substratos teóricos
capazes de atender a uma proposta democrática para o enfrentamento do problema da gramática de
regras. Para o aprofundamento sobre o tema, ver RODRIGUEZ, José Rodrigo. Direito das lutas:
democracia, diversidade, multinormatividade. São Paulo: Liber Ars, 2019, p. 298.
Rodrigo da Silva Vernes-Pinto • 143
3
O aprofundamento sobre o pensamento moderno desumanizante em confronto com uma perspectiva
decolonial se dará no item 4.
144 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
4
O tema do racismo estrutural não será tratado especificamente neste trabalho, mas é citado como um
exemplo de discriminação estrutural que tem sido estudado por juristas no direito da antidiscriminação.
Para um aprofundamento, ver ALMEIDA, 2019.
146 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
5
Tradução do autor: “categorias de pensamento que foram subalternizadas e categorizadas como
racionais ou não racionais ao longo da construção e expansão do mundo moderno/colonial.”
Rodrigo da Silva Vernes-Pinto • 157
CONCLUSÃO
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Rodrigo da Silva Vernes-Pinto • 167
VIVEROS VIGOYA, Mara. Race and Sex in Latin America. Peter Wade. Revista
Colombiana de Antropología, vol. 48, núm. 1, enero-junio, 2012.
XIMENES, Julia Marmann. Por que o problema continua sendo problema? Diferenciando
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YOUNG, Iris Marion. Justice and politics of difference. New Jersey: Princeton
University Press, 1990.
5
A DEMOCRATIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO: A
POTENCIAL EMANCIPAÇÃO E AUTONOMIA DOS
SUJEITOS – UM CAMINHO PARA A “OUTRIDADE”
1
Rodrigo Rodrigues Dias
1 INTRODUÇÃO
1
Juiz de Direito, graduado em Direito pela USP, mestre em Ciências Sociais pela UNIOESTE, doutorando
em Direito pela UNISINOS, professor da FAG e da Escola de Magistratura do Paraná. Currículo lattes:
http://lattes.cnpq.br/8561193699432787. E-mail: [email protected].
Rodrigo Rodrigues Dias • 169
2
Consultar a obra: Participação e teoria democrática (1992).
3
Consultar as obras: Como decidem as cortes? Para uma crítica do direito (brasileiro) (2013) e Direito das
lutas: democracia, diversidade, multinormatividade (2019).
Rodrigo Rodrigues Dias • 171
4
Para mais dados, consultar as obras desse autor: A ciência jurídica e seus dois maridos (1985); Surfando
na pororoca: o ofício do mediador (2004); A Rua Grita Dionísio: direitos humanos da alteridade, surrealismo
e cartografia (2010); e Ecologia, psicanálise e mediação, texto que faz parte da obra Em nome do acordo:
a mediação no Direito (2018).
172 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
5
No “estado de natureza”, o governo civil ainda não foi instituído, ou seja, é a forma como se encontra
o Estado antes da criação do governo. Mediante isso, nesse tipo de estado, John Locke compreende
que todos são independentes, iguais, sendo integralmente livres na decisão de suas ações voltadas à
defesa de seus direitos naturais. (LOCKE, 1994).
Rodrigo Rodrigues Dias • 173
e, iii. “um poder para apoiar e manter a sentença quando ela é justa,
assim como para impor sua devida execução”. (LOCKE, 1994, p. 156-157).
A passagem do “estado de natureza” para o governo civil não
implica, como se viu, à renúncia aos direitos naturais; ao contrário, à
sua preservação via suplantação das carências listadas, com ganho de
reforço na comunidade política, pois, ao fim e ao cabo, os homens
estavam bem no “estado de natureza”, tendo ingressado na sociedade
civil para ficarem melhores. (CHEVALLIER, 1995, p. 109).
A despeito da solução de conflitos – que se entende, hoje, como
cerne do Poder Judiciário – ser a grande motivação para inserção dos
indivíduos na sociedade civil, ao desenvolver seu raciocínio, Locke
aponta que é na remoção dessas inconveniências (os conflitos) que “[...]
encontramos a base jurídica inicial e a gênese dos poderes legislativo e
executivo, assim como dos governos e das próprias sociedades” (LOCKE,
1994, p. 157).
Por qual razão, então, não se concebeu – quando da passagem do
“estado de natureza” para o governo civil – um Poder Judiciário?
A obra de John Locke, é importante entender, se prestou,
principalmente com o direito de resistência, a legitimar, naquele
momento histórico, racional e juridicamente, a deposição do monarca
absolutista James II, efetivando o encerramento da dinastia Stuart, na
Inglaterra, e a assunção de Guilherme de Orange, com a consagração da
supremacia do Parlamento (Poder Legislativo), na Revolução Gloriosa
(1688-1689). 6 Essa Revolução marcou o triunfo final do Parlamento
6
Quanto à Revolução Inglesa, dois pontos básicos podem ser apontados: a intenção de estabelecer
limites ao poder absoluto do monarca e a influência do protestantismo, ambos contribuindo para
afirmação dos direitos naturais dos indivíduos, nascidos livres e iguais, justificando-se, portanto, o
governo da maioria, que deveria exercer o poder legislativo assegurando a liberdade do indivíduo.
(DALLARI, 1995, p. 125).
Rodrigo Rodrigues Dias • 177
[...] tanto no momento de fazê-la quanto no ato de sua execução, [...] ela [a
lei por eles produzida] teria interesses distintos daqueles do resto da
comunidade, contrários à finalidade da sociedade e do governo. (LOCKE,
1994, p. 170).
178 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
Como os legisladores são incapazes de prever e prover leis para tudo o que
pode ser útil à comunidade, o executor das leis, possuindo o poder em suas
mãos, tem pela lei comum da natureza o direito de utilizá-lo para o bem da
sociedade em casos em que a lei civil nada prescreve, até que o legislativo
possa convenientemente se reunir para preencher esta lacuna. (LOCKE,
1994, p. 181).
180 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
Seja quem for que detenha o poder legislativo, ou o poder supremo, de uma
comunidade civil, deve governar através de leis estabelecidas e
permanentes, promulgadas e conhecidas do povo, e não por meio de
decretos improvisados; por juízes imparciais e íntegros, que irão decidir
as controvérsias conforme estas leis; e só deve empregar a força da
comunidade, em seu interior, para assegurar a aplicação destas leis, e, no
exterior, para prevenir ou reparar as agressões do estrangeiro, pondo a
comunidade ao abrigo das usurpações e da invasão. E tudo isso não deve
visar outro objetivo senão a paz, a segurança e o bem público do povo
(LOCKE, 1994, p. 159, grifo nosso).
se, a partir desse raciocínio, que o magistrado nada mais fará do que
precisar, diante de uma controvérsia, o sentido exato da lei. Em outras
palavras, basear-se-á tão somente na literalidade do texto de lei, que
resume todos os sentidos possíveis. De se notar que o julgamento se
restringe à dicção de um dispositivo, do que, realmente, se extrai que o
Judiciário “[...] torna-se, por assim dizer, invisível e nulo”.
(MONTESQUIEU, 1996, p. 169). É bastante conhecida, nessa perspectiva,
a formulação que resume a postura contida e rígida que o
filósofo/sociólogo impõe aos juízes, como sendo estes: “[...] a boca que
pronuncia as palavras da lei; são seres inanimados, que não podem
moderar nem sua força, nem seu rigor”. (MONTESQUIEU, 1996, p. 175).
Depois de escrever sobre os três poderes, conclui Montesquieu que
o ato de julgar “[...] é, de certa forma nulo. Só sobram dois [...]”: o Poder
Legislativo e o Executivo. (MONTESQUIEU, 1996, p. 172).
A teoria de Montesquieu, verifica-se, está mais centrada em evitar
o despotismo, usando o poder para se contrapor ao poder, do que em se
figurar como um verdadeiro princípio jurídico, ao que, na realidade,
acabou sendo elevado posteriormente. Tanto que Ferraz Junior conclui,
a partir desse ponto de vista, que “[...] o princípio não era o da separação
de poderes, mas de inibição de um pelo outro de forma recíproca”.
(FERRAZ JUNIOR, 1994b, p. 14, grifo do autor).
Se se retrocede um pouco em O Espírito das Leis, especificamente
ao capítulo III, do Livro Sexto, o pensador analisa acerca do seguinte:
“Em que governos e em que casos deve-se julgar segundo um texto
preciso da lei”. (MONTESQUIEU, 1996, p. 87). Assim, nos Estados
despóticos, não há lei, na medida que ela não passa de mera vontade do
déspota. Já nas “[...] monarquias, existe uma lei: e onde ela é precisa, o
juiz segue-a; onde ela não o é, ele procura seu espírito”.
Rodrigo Rodrigues Dias • 189
7
“Their status, education, and personal, family, and class interests combined to motivate their extremely
conservative attitude, an atitude which eventually contributed to the triggering of the revolutionary
explosion”.
Rodrigo Rodrigues Dias • 191
8
“[...] established that no control whatsoever by the judiciary was allowed either of legislative or of
administrative action”.
9
“[...] were exempt from any check by a third, independent, nonpolitical or, at least, less political branch”.
10
“[...] shall refer to the legislative body whenever they find it necessary either to have a statute
interpreted or to have a new statute”.
Rodrigo Rodrigues Dias • 193
[...] simples, claro e apropriado à Constituição [...], de tal modo que ‘toda
gente o possa compreender’; ela esperava, assim – utopia [...] – poder um
dia suprimir tribunais e advogados, pois “quando cada um conhecer seu
direito, já ninguém os infrigirá”. (GILISSEN, 1995, p. 450).
11
“Il pensiero politico di Rousseau muove da un presupposto fondamentale: la contrapposizione fra la
società civile e l´individuo, fra le esigenze proprie dela natura dell´individuo e la vita quale l´uomo è
costretto a vivere nella società”.
198 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
2020, local. 1535). Enfim, não há ninguém que possa querer pelo outro.
Carole Pateman, filósofa britânica da teoria política, pensadora da
democracia participativa, ao dissertar sobre a participação em
Rousseau, explica que, se todos são iguais, na assembleia dos cidadãos
(soberanos no seu papel ativo), a “[...] única política a ser aceita por todos
é aquela em que os benefícios e encargos serão igualmente
compartilhados” (PATEMAN, 1992, p. 37). Assim, não são vontades
individuais ou particulares que prevalecem, mas os interesses que são
inerentes à comunidade formada pelo contrato social. Retomando
Pateman: “haveria uma dependência igual por parte de cada indivíduo
em relação a todos os outros [...] e a participação independente constitui
mecanismo pelo qual essa interação é reforçada”. (PATEMAN, 1992, p.
36).
Dessa forma, a participação de todos no processo legislativo
garante a igualdade e a liberdade, sendo a ação dos cidadãos, via
participação ativa, “responsável, individual, social e política”
(PATEMAN, 1992, p. 38), do que se extrai uma verdadeira função
educativa. Uma vez instaurado esse sistema baseado na participação de
todos, ele se tornaria autossustentável, já que as qualidades necessárias
aos indivíduos para que esse sistema alcance êxito são aquelas em “[...]
que o próprio processo de participação desenvolve e estimula: quanto
mais o cidadão participa, mais ele se torna capacitado para fazê-lo”.
(PATEMAN, 1992, p. 39).
Como resultado, as decisões coletivamente tomadas ganham altos
níveis de aceitação, fornecendo “[...] a sensação de que cada cidadão
isolado ‘pertence’ à sua comunidade”. (PATEMAN, 1992, p. 41, grifo do
autor).
200 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
“[...] se recolhem numa identidade própria que não possa ser dissolvida
pela vertigem dos fluxos globais. Refugiam-se em sua nação, em seu
território, em seu deus”. (CASTELLS, 2018, p. 14).
Esse movimento de insulamento revela-se cruel para a
democracia, que imprescinde dos vínculos entre as pessoas e delas para
com o Estado (o qual compõem), enquanto centro de sua organização
político-jurídica. Por consequência, o Direito produzido por esse
Estado, em crise de legitimação, também sofre da mesma falta de
amparo popular, o que, igualmente, ocorre com o Poder Judiciário.
Em outras palavras: há um ordenamento imposto pela mesma
classe política que não tem eco nas mentes daqueles a quem as normas
se destinam. Ainda que de maneira limitada, uma ordem normativa
precisa de consenso para se sustentar e se legitimar. A título de
exemplificação, quando o Direito é concretizado, nos diversos fóruns e
tribunais, a sensação de total perda de controle na produção normativa
se amplia, considerando que, no seu próprio caso, isto é, na experiência
de tratar seu conflito, a pessoa é imersa num mundo ritual, de fórmulas
técnicas e pouco acessíveis, gerenciadas por profissionais que falam
uma linguagem ininteligível ao usuário.
Esse cenário torna ainda mais importante a reflexão em relação ao
papel criador do Poder Judiciário e sobre como os usuários e as usuárias
dos serviços judiciais participam, pois, da criação de um Direito no caso
concreto, que está tão próximo de si (mas ao mesmo tempo tão distante).
Pouco importa, rapaz. Se eles me ouvissem, não veriam minha pessoa; mas
embora a vissem, de mim não se apiedaram. Mas preciso pedir-lhes, muito
embora sem proveito. Por isso digo às pedras meus pesares. Se às minhas
dores responder não podem, num ponto são melhores que os tribunos, por
não interromperem meu relato. Quando choro, recebem minhas lágrimas,
humildes, a meus pés, só parecendo que de mim se condoem. Se em solene
vestuário se envolvessem, não teria Roma tribunos de tão grande preço. A
pedra é mole como cera; duros como pedra são todos os tribunos. Calada é
a pedra e não nos incomoda; os tribunos, com sua fala, à morte condenam
qualquer um. (SHAKESPEARE, 2013, local. 421-424).
[...] sempre haverá desejos e interesses que ainda não emergiram na esfera
pública, que ainda não logram transformar seu sofrimento em demandas
que possam ser direcionadas para as instituições formais e se transformar
em direito positivo; ou que possa se organizar na forma da gramática da
regulação social em espaços auto-organizados, protegidos em sua
racionalidade própria pelos poderes soberanos e pela forma direito
democrático, ou seja, pelo respeito a determinados direitos fundamentais e
a um certo procedimento de produção das normas que regulam a vida social
Rodrigo Rodrigues Dias • 207
que garanta que os interessados nas mesas tomem parte de sua criação.
(RODRIGUEZ, 2019, p. 33, grifo do autor).
12
No texto original, a pergunta foi apresentada da seguinte forma: “The court system treats everyine
fairly?”.
208 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
13
“What is public legitimacy and why does it matter?”.
14
“I define public legitimacy as the beliefs among the mass public that an international court has the
right to exercise authority in a certain domain”.
15
“The decisions of a trusted court are perhaps more likely to be accepted without a challenge than the
decisions of a court that is less trusted”.
Rodrigo Rodrigues Dias • 213
- Para 65% dos usuários vale à (sic) pena recorrer à Justiça, contra 56% dos
não.
- 36% dos que usam apontam o Judiciário como o Poder que melhor cumpre
seu papel[,] e 32% dos que não usam [apresentam essa opinião.] (AMB/FGV,
2019, p. 38, adaptado, grifo do autor).
[...] o papel que você ou eu escolhemos jogar no mundo social pode ser
singular, mas o fato de nós podermos identificar um “roteiro” comum torna
essa existência “sã” – uma comprovação cabal de que nós compartilhamos
um nomos. (COVER, 2016, p. 195, grifo do autor).
(COVER, 2016, p. 196). Dessa forma, “[...] por meio da jurisgênese, grupos
ou comunidades não apenas criam regras, mas instituem novos
mundos” (FLORES; RODRIGUEZ, 2017, p. 97). E a primazia do Estado na
produção do Direito e seus sentidos não se deve a seu caráter
qualitativamente superior, mas porque ele, o Estado, maneja o uso da
violência, o que é fonte de poder na obtenção de comprometimento das
pessoas. Consequentemente, a interpretação oficial do Estado é
jurispática, repise-se, na medida em que elimina todas as interpretações
concorrentes.
A força do processo jurisgenerativo impulsiona a criação de vários
espaços normativos que não se restringem à “parafernália” formal e
estatal do Direito. Acerca disso, explica Cover:
16
“[...] deliberately seek to create or preserve spaces for conflict among multiple, overlapping legal systems”.
(grifo do autor).
Rodrigo Rodrigues Dias • 219
17
“The skeletonization of fact, the reduction of it to the genre capacities of the law note, is in itself, as I
have already said, an unavoidable and necessary process. But it grows increasingly tenuous as empirical
complexity (or, a critical distinction, the sense of empirical complexity) and the fear of such complexity
220 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
Admito que todos esses são casos particulares, mas deve observar, meu caro
Ródion, que no caso comum, o caso para o qual todas as formalidades e
regras foram prescritas, para o qual foram concebidas e publicadas,
simplesmente não existe; pelo fato de que cada caso, cada crime, por
exemplo, tão logo ocorre torna-se um caso perfeitamente particular e às
vezes totalmente diferente dos precedentes (DOSTOIÉVSKI, 1998, p. 362).
grows, a phenomenon that has rather seriously disquieted a number of prominent legal thinkers from,
again, Judge Frank to Lon Fuller and John Noonan, as well as, and I daresay even more seriously, a far
larger number of plaintiffs and defendants made suddenly aware that whatever it is that the law is after
it is not the whole story”.
18
“The rendering of fact so that lawyers can plead it, judges can hear it, and juries can settle it is just
that, a rendering: as any other trade, science, cult, or art, law, which is a bit of all of these, propounds
the world in which its descriptions make sense”.
Rodrigo Rodrigues Dias • 221
19
Esses fundamentos teóricos podem ser consultados nas obras (já citadas) de Luiz Alberto Warat em:
A ciência jurídica e seus dois maridos (1985); Surfando na pororoca: o ofício do mediador (2004); A rua grita
Dionísio!: direitos humanos da alteridade, surrealismo e cartografia (2010); e em Ecologia, psicanálise e
mediação (2018).
Rodrigo Rodrigues Dias • 225
a. rendição, como forma de cessão ao que o outro exige e com negação dos
sentimentos, buscando não perder esse outro;
que deve ser eliminado, para uma visão ampla de conflitos, que
mobilizam sentimentos que precisam ser processados. Conflitos que
devem ser tratados dentro de um aspecto de aprendizado, com
fortalecimento dos vínculos interpessoais.
A partir dessas necessidades é que as estruturas judiciais devem
ser repensadas. Logo, partindo-se dessa concepção de conflito é que a
inserção da mediação no ordenamento brasileiro, por força da
Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2010) e por meio do
Código de Processo Civil de 2015 (BRASIL, 2015), deve ser interpretada e
analisada. Seria esse meio adequado a gerar maior sensibilidade à
jurisdição permitindo uma participação mais ampliada e efetiva?
Esse é um tema para outras pesquisas. Para os fins desta, conclui-
se que uma mudança no pressuposto da jurisdição, qual seja, do que
significa o conflito e como ele deve ser tratado, é o ponto de partida
fundamental para reflexão sobre a administração da justiça e o processo
adjudicatório adotado pela lei e pela cultura pátrias como paradigma.
O fato conclusivo a se destacar é que pensar na necessidade de
redefinições institucionais para que aqueles e aquelas em disputa
judicial possam reconstruir simbolicamente seus conflitos, aprendendo
democraticamente com o outro a inscrever no devir a adequada solução,
é um impositivo democrático.
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6
O PROJETO VOLTA GRANDE E A CONSULTA
PRÉVIA DOS POVOS INDÍGENAS DO XINGU:
POTENCIALIDADES MULTINORMATIVAS E
DESCOLONIAIS 1
2
Lara Santos Zangerolame Taroco
1 INTRODUÇÃO
1
A primeira versão deste artigo foi publicada na Revista Direito e Práxis. TAROCO, Lara Santos
Zangerolame. O protocolo de Consulta Juruna (Yudjá) e o caso Belo Sun: espaços multinormativos e
possibilidades descoloniais. Revista Direito e Práxis, Ahead of print, Rio de Janeiro, 2021. Disponível
em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/59298 . DOI:10.1590/2179-
8966/2021/59298.
2
Professora do Curso de Direito da Universidade Federal do Tocantins - UFT. Doutoranda em Direito
Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (bolsista Capes/PROEX). Integrante do
Núcleo de Direitos Humanos da UNISINOS. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV.
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5532900244875374. E-mail: [email protected].
Lara Santos Zangerolame Taroco • 245
3
Dentre esses cabe mencionar Protocolo de Consulta do Povo Munduruku, Protocolo de consulta do
povo Krenak; Protocolo de consulta do povo Wajãpi, Protocolo de consulta do povo Waimiri Atroar
(Kinja), Protocolo de consulta da comunidade quilombola de Abacatal-Aurá, Protocolo de consulta das
comunidades ribeirinhas Pimental e São Francisco, Protocolo de consulta da comunidade tradicional da
Ponta Oeste, Protocolo de Consulta dos Povos Indígena do Oiapoque, Protocolo de Consulta dos Povos
Yanomami e Ye'kwana, Protocolo de Consulta Povos Ciganos: Etnia Calon, Protocolo de Consulta
Comunidade Rolim de Moura; Protocolo Comunidades Montanha e Mangabal.
Lara Santos Zangerolame Taroco • 247
4
Dois conselhos relevantes para tratar desse tema foram extintos durante o governo Bolsonaro, quais
sejam: o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e o Conselho Nacional de
Política Indigenista (CNPI). A extinção se deu por meio do Decreto n. 9.759, de 11 de abril de 2019. O
CNPCT possuía ampla representação, sendo composto por indígenas, quilombolas ciganos, pescadores
artesanais, dentre outros, e foi instituído pelo Decreto n.6040/2007, que estabeleceu a Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e implementou a Comissão
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, antecessor do
Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais. O decreto que extingue diversos colegiados
da administração pública federal direta, autárquica e fundacional foi objeto da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 6121, cuja liminar de 13 de julho de 2019 suspendeu a eficácia da extinção até
o exame definitivo da questão pelo Supremo Tribunal Federal até a data da redação deste artigo.
(BRASIL, 2019).
Lara Santos Zangerolame Taroco • 253
Como as reuniões devem ser Na Terra Indígena, na aldeia escolhida, respeitando os horários e
realizadas? devendo durar o tempo suficiente para garantir uma boa
discussão. Todos os custos das reuniões com o governo e das
reuniões internas deverão ser pagos pelo órgão público
interessado na consulta. A ata da reunião deve ser elaborada e
disponibilizada ao final de cada reunião para todos os
participantes.
Quem pode convocar as reuniões de As reuniões entre nós e o governo podem ser convocadas por
consulta? qualquer um, nós ou o governo. A data da reunião deve ser
combinada entre as partes. A convocatória deve detalhar a pauta
da reunião e ser encaminhada imediatamente para todos os
participantes. As reuniões internas também devem ser
combinadas entre as três aldeias. A pauta divulgada e seu convite
devem ser comunicados com mínimo 15 dias de antecedência.
Lara Santos Zangerolame Taroco • 277
Quais reuniões acontecerão durante Reuniões para discutir informações (Reuniões Informativas) e
o processo de consulta? reuniões para tomar decisões (Reuniões Deliberativas).
Como devem ser discutidas as Toda consulta deve contar com uma fase de informação ampla e
informações durante a consulta? esclarecedora o suficiente antes de qualquer decisão do
processo. A fase informativa da consulta deve incluir o processo
de elaboração de Termos de Referência de estudos de impacto
ambiental, sua elaboração conjunta e avaliação de resultados.
Todas as decisões adotadas no âmbito da elaboração e avaliação
de estudos devem servir para fundamentar as decisões do
processo de consulta. A aprovação dos termos de referência e de
estudos de impacto não se confunde com a aprovação da
proposta da consulta. As reuniões informativas podem se repetir
quantas vezes forem necessárias. Será exigida a presença de
técnicos do governo e do empreendedor para responder e
encaminhar dúvidas e questionamentos. Nas reuniões
informativas com o governo contaremos com assessoria do MPF,
Funai e parceiros convidados por nós. Os detalhes de atividades,
datas e recursos para a fase informativa devem ser definidos no
Plano de Consulta.
O que é o Plano de Consulta? O Plano de Consulta é um documento proposto por nós que
contém o detalhamento de atividades, tempo e recursos
necessários para discutir as informações indispensáveis ao
processo de consulta. Para a elaboração do plano de consulta
poderemos contar com assessoria técnica e jurídica.
Como nós tomamos decisões? Nós conversaremos até tomarmos uma única decisão. Nas
reuniões deliberativas internas buscaremos o consenso. Se o
consenso não for possível, dez representantes adultos de cada
aldeia, escolhidos por nós, votarão
Como se encerra o processo de O processo pode se encerrar com um acordo, ou sem acordo
consulta? entre nós e o governo. Não havendo acordo, informaremos o
governo e o MPF de nossa decisão. Se chegarmos a um acordo, a
consulta será concluída com uma ata de acordos de consulta que
é vinculante entre as partes
tratam sobre nosso presente e futuro não podem continuar sendo tomadas
única e exclusivamente pelo governo. Sabemos que temos direito de ser
consultados, de defender nossa terra e tradições, de lutar por condições
dignas de vida e de escolher nossas prioridades de desenvolvimento. Nem o
280 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
governo e nem qualquer empresa podem negar esses direitos. Por isso
fizemos este protocolo e esperamos que todos o conheçam e respeitem.
(TERRA INDÍGENA PAQUIÇAMBA DA VOLTA GRANDE, 2017).
REFERÊNCIAS
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288 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
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publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/59298. Acesso em: 25 maio
2022.
1 INTRODUÇÃO
1
Advogado. Especialista em Direito Econômico e Empresarial (FGV); Especialista em Direito Ambiental
(UFPEL); Especialista na Moderna Educação (PUC/RS); Mestre e doutorando em Direito Público pelo
PPGD da UNISINOS; Professor de Direito Ambiental da URCAMP/Bagé. Currículo lattes:
http://lattes.cnpq.br/7559156002521705. E-mail: [email protected].
292 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
2
De acordo com o IBGE, Aglomerado Subnormal é uma forma de ocupação irregular de terrenos de
propriedade alheia – públicos ou privados – para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral,
caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e
localização em áreas com restrição à ocupação. No Brasil, esses assentamentos irregulares são
conhecidos por diversos nomes como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas,
loteamentos irregulares, mocambos e palafitas, entre outros. Enquanto referência básica para o
conhecimento da condição de vida da população brasileira em todos os municípios e nos recortes
territoriais intramunicipais – distritos, subdistritos, bairros e localidades –, o Censo Demográfico
aprimora a identificação dos aglomerados subnormais. Assim, permite mapear a sua distribuição no País
e nas cidades e identificar como se caracterizam os serviços de abastecimento de água, coleta de
296 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
esgoto, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica nestas áreas, oferecendo à sociedade um
quadro nacional atualizado sobre esta parte das cidades que demandam políticas públicas especiais.
Tibério Bassi de Melo • 297
3
Segundo Márcio Pochmann, presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) “os pobres
no Brasil pagam 44% mais imposto, em proporção à sua renda, que os ricos. Embora os 10% mais pobres
não paguem Imposto de Renda, consomem bens com alta carga de impostos indiretos, como os da
cesta básica. (SABAG, 2018, p. 196).
304 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
4
Tendo em vista o valor final de todos os tributos arrecadados (cerca de R$ 1,3 trilhão), 68% dessa
quantia fica com a União, deste total, 58% vai para Brasília, 24% para os estados e 18% para os
municípios. (STUDIO FISCAL, [2022?]).
Tibério Bassi de Melo • 305
47% dos brasileiros, utilizam medidas alternativas para lidar com os dejetos
– seja através de uma fossa, seja jogando o esgoto diretamente em rios.
Além disso, mais de 16% da população, ou quase 35 milhões de pessoas, não
têm acesso à água tratada, e apenas 46% dos esgotos gerados no país são
tratados. Os números são do Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento (SNIS), divulgados neste ano e referentes a 2018, e refletem a
atual situação dos serviços básicos de água e esgoto no país.
De acordo com Henri Acselrad (2002, p. 51), “Do lado dos atores da
modernização ecológica - ambientalistas conservadores ou empresários
ambientalizados - nenhuma referência é feita, por exemplo, à
possibilidade de existir uma articulação significativa entre degradação
ambiental e injustiça social”. Isto é, a mesma população que está
segregada na cidade ilegal, e que teria, por assim dizer, uma cidadania
de segunda categoria, é a que mais sofre com a omissão da proteção
ambiental urbana. Segundo o autor, “Formas simultâneas de opressão
seriam responsáveis por injustiças ambientais decorrentes da natureza
inseparável das opressões de classe, raça e gênero” (ACSELRAD, 2002, p.
51).
Não há um levantamento nacional acerca de áreas urbanas
ocupadas de forma irregular nos Municípios brasileiros, muito menos
qual parte delas é de risco. Entretanto, pode-se afirmar que,
provavelmente, essas áreas estão no mesmo percentual médio dos
domicílios não servidos pelo saneamento básico, isto é,
aproximadamente a metade de cada cidade brasileira.
A Lei n. 12.608/12 (BRASIL, 2012) criou o Programa Nacional de
Proteção e Defesa Civil, exigindo de todos os Municípios que realizem
um levantamento, que servirá de cadastro para as áreas de risco; esse
trabalho vem sendo desenvolvido.
306 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
Tragédia na Serra do RJ completa dez anos; R$ 500 milhões ainda devem ser
investidos em obras. Sete cidades da região foram atingidas pelas chuvas de
11 de janeiro de 2011, que deixaram 918 mortos e pelo menos 99 pessoas
desaparecidas. De lá para cá, obras foram realizadas, moradias foram
entregues e a Defesa Civil implantou novas estratégias para evitar
catástrofes.
5
“Desde a aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC 95/2016), todo o Sistema Único de Saúde tem
sido afetado não mais pelo cenário de subfinanciamento, ou seja, de gastos públicos em saúde, e em
especial os gastos federais que ficam muito abaixo dos gastos realizados por outros países que possuem
sistemas universais (Canadá, Inglaterra, França, entre outros). Enquanto tais países dedicam
aproximadamente 8% do Produto Interno Bruto (PIB) de gastos públicos em saúde, no Brasil esse valor
não chega a 4%, segundo dados do Banco Mundial. Outra forma de medir o quão subfinanciado o SUS
é, considerando o ano de 2017, contava-se com R$ 3,50 per capita/dia para financiar o acesso dos
brasileiros à saúde, sendo que o gasto público (45%) foi menor do que o gasto privado, muito diferente
de outros países com sistemas universais em que o gasto público é equivalente, em média, a 70% dos
gastos totais com saúde”. (O DESMONTE..., 2019).
6
MEC prevê corte de R$ 4,2 bilhões no orçamento para 2021. Previsão para o ano que vem reduz em
18,2% as despesas não obrigatórias, informou o Ministério da Educação. (OLIVEIRA, 2020).
7
Capitão reformado do Exército, o presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso nesta segunda-
feira (31/08) sua proposta de Orçamento para 2021 destinando uma fatia considerável do aumento das
despesas às Forças Armadas. Conforme antecipou a BBC News Brasil, a proposta prevê R$ 110,7 bilhões
para as despesas primárias do Ministério da Defesa, alta de 4,7% em relação ao proposto pelo governo
para 2020 (R$ 105,7 bilhões).
310 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
8
A Shell iniciou suas operações no bairro Recanto dos Pássaros na metade da década de 70. Em 2000,
a fábrica foi vendida para a Basf, que a manteve ativada até o ano de 2002, quando houve interdição
pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O acordo fixou a indenização por danos morais coletivos em R$
200 milhões, destinados a instituições indicadas pelo MPT, que atuem em áreas como pesquisa,
prevenção e tratamentos de trabalhadores vítimas de intoxicação decorrente de desastres ambientais.
Também ficou garantido o pagamento de indenização por danos morais individuais, na porcentagem
de 70% sobre o valor determinado pela sentença de primeiro grau do processo, o que totaliza R$ 83,5
milhões.
O mesmo percentual de 70% foi também utilizado para o cálculo do valor da indenização por dano
material individual, totalizando R$ 87,3 milhões. As duas indenizações devem ser pagas até sete dias
após a homologação, que ocorreu nessa segunda, sob pena de multa de 20% e 10%, respectivamente,
por período de atraso. (PORTAL NACIONAL DO DIREITO DO TRABALHO, [2021?]).
312 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
9
É um conselheiro econômico, professor, autor e comentarista político americano. Ele serviu na
administração dos presidentes Gerald Ford e Jimmy Carter, bem como atuou como Secretário do
Trabalho dos Estados Unidos de 1993 a 1997 sob Bill Clinton. Ele foi membro do conselho consultivo de
transição econômica do presidente Barack Obama.
314 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
10
Segundo dados do Sistema Integrado de Informação Penitenciária (InfoPen), os jovens representam
54,8% da população carcerária brasileira. Em relação aos dados sobre cor/raça verifica-se que, em todo
o período analisado (2005 a 2012), existiram mais negros presos no Brasil do que brancos. Em números
absolutos: em 2005 havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos, ou seja, considerando-se a parcela da
população carcerária para a qual havia informação sobre cor disponível, 58,4% era negra. Já em 2012
havia 292.242 negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra.
Constata-se, assim, que quanto mais cresce a população prisional no país, mais cresce o número de
negros encarcerados. (BRASIL, 2015).
Tibério Bassi de Melo • 319
CONCLUSÕES
11
XVIII ENANPUR – Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Planejamento Urbano e Regional. A construção do conceito de direito à cidade: uma proposta reflexiva.
Anais dos Trabalhos ISSN 1984-8781. 2019.
Tibério Bassi de Melo • 327
uma vez que os tributos têm efeito regressivo, por sua maioria estar
sobre o consumo.
Essa crise da democracia e do direito liberal se reflete diretamente
na gestão democrática das cidades, retirando dos cidadãos a
possibilidade da reivindicação de novos direitos ou mesmo da eficácia
dos instrumentos já existentes, no sentido de garantir-lhes seus
direitos fundamentais.
As gestões públicas municipais têm o dever de intervir do mercado
da cidade, por meio de instrumentos legais e legítimos, a fim de garantir
o direito à cidade e à emancipação. Tal emancipação significa que o valor
de uso seja maior que o valor de troca, isto é, que a cidade seja voltada
para os cidadãos. O processo de aprofundamento democrático é
fundamental para isto, não só no sentido de que toda a decisão sobre a
cidade deve ser precedida de audiência pública, mas também no tocante
à formulação de leis que incidirão sobre ela. Antigamente, isso era
impraticável, em grandes cidades, considerando a mobilidade urbana e
o tempo necessário, mas com a internet essa é uma possibilidade
factível, dependendo da vontade política.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969. Altera a redação do art. 66, da Lei
nº 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sôbre alienação
fiduciária e dá outras providências. Brasília, DF: Ministério da Marinha de Guerra,
do Exército e da Aeronáutica Militar. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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ser investidos em obras. In: G1. [São Paulo], 11 jan. 2021. Disponível em:
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têm acesso à rede de esgoto. In: G1. [São Paulo], 24 jun. 2020. Disponível em:
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8
O DIREITO DE GREVE COMO LIBERDADE DE
INSURREIÇÃO
1
Rafael Selicani Teixeira
1 INTRODUÇÃO
1
Doutorando em Direito Público pela UNISINOS. Mestre em Ciências Jurídicas pela UNICESUMAR.
Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela FMP. Graduado em Direito pela UEM.
Membro do Grupo de pesquisa Trabalho e Capital da UFRGS e do Núcleo de Direitos Humanos da
UNISINOS (NDH). Analista Judiciário no TRT4 e professor de Direito Processual do Trabalho e Prática
Processual Trabalhista na UNIFIN. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0964047420167332. E-mail:
[email protected].
334 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
Não há nenhum céu social acima de nossas cabeças, o que há é apenas nós e o
conjunto de laços, de amizades, de inimizades, de proximidades e de distâncias
efetivas que experimentamos. Não há nada senão vários nós, potências
eminentemente situadas e sua capacidade para estender as ramificações no seio
do cadáver social que se decompõe e recompõe sem parar. (COMITÊ INVISÍVEL,
2016, p. 231).
2
Para os colonos, os índios eram vistos somente como mão de obra necessária para a produção da cana
de açúcar e extração dos lucros. Os jesuítas pretendiam a catequização dos índios, muito embora não
eram em princípio contrários à escravização do indígena.
3
Segundo dados do Projeto Transatlantic Slave Trade (www.slavevoyages.org), citado por Tarcísio R.
Botelho, entre 1530 e 1856 o número de africanos escravizados e trazidos compulsoriamente para o
Brasil foi de 12.331.639, correspondendo a 44,9% do total de africanos escravizados enviados para
América e Europa, sendo a região do mundo que mais recebeu africanos escravizados e onde o tráfico
teve maior duração. (BOTELHO, TARCÍSIO R. 2017, p. 43-4).
Rafael Selicani Teixeira • 337
4
As condições de transporte nos tumbeiros contam uma história à parte no horror do tráfico. Os
traficantes carregavam um número alto de cativos, cientes de que, apesar do aumento da mortalidade,
os lucros estariam garantidos. (REIS et al., 2017, p. 102).
338 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
5
Segundo dados do Anuário Estatístico do Brasil citados por Tarcísio Rodrigues Botelho, o total de
imigrantes europeus que chegaram no Brasil entre 1820 e 1950 foi de 4.838.943 (BOTELHO, TARCÍSIO R.
2017, p. 49).
340 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
6
Everardo Dias expõe com extrema clareza a dificuldade de integração dos imigrantes e formação de
uma classe trabalhadora uniforme no Brasil no início do século XX, ao afirmar que “[...] não seria com
gente assim [os imigrantes], com uma massa cujo pensamento estava voltado para suas terras de
origem, com ideias arraigadas de nacionalismo, às vezes até exacerbado, deprimindo o próprio país e
as gente, onde vinha viver e ganhar a vida apontando como estigma as doenças tropicais, as pragas, os
insetos, a insegurança pessoal; exprimindo-se mal e olhando com desprezo para os habitantes,
considerados tipos inferiores (negros, mulatos, caboclos), vadios, indolentes, dados à embriaguez, mal
vestidos, mal alimentados, sem moral, enfim”. (DIAS, Everardo, 1962, p. 40).
Rafael Selicani Teixeira • 341
7
Segundo a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça publicada em 2019 pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres pretas ou pardas receberam em 2018 metade dos salários
dos homens brancos (44,4%) e o rendimento médio mensal das pessoas ocupadas brancas (R$2.796,00)
Rafael Selicani Teixeira • 343
foi 73,9% superior ao das pretas ou pardas (R$1.608,00). A pesquisa ainda destaca que além de ganharem
menos, pretos ou pardos representam cerca de 2/3 da população desocupada (que totalizavam em
2018, 12 milhões de pessoas) e 66,1% do grupo dos subutilizados, que inclui, além dos desocupados, os
subocupados e a força de trabalho potencial. Em relação à distribuição de renda, o a pesquisa aponta
que os pretos ou pardos representavam 75,2% da camada mais pobre do país (10% com menos
rendimentos). Dentre os 10% mais ricos, eram apenas 27,7%. (IBGE, 2019)
8
Não obstante a existência recente de alguns estudos sociológicos relacionando os movimentos
sindicais com gênero e raça, a doutrina jurídica ainda tem forte tendência em não se aprofundar e
trabalhar de forma interseccional.
344 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
9
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade
de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º A lei definirá os serviços ou
atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º
Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
10
O direito de greve dos servidores públicos civis da iniciativa pública tem previsão em norma
constitucional de eficácia limitada e, em razão da omissão do Poder Legislativo, o STF, nos autos dos
Mandados de Injunção 670, 708 e 712, adotou posição concretista geral, determinando a aplicação
temporária ao setor público, no que couber, da Lei de Greve vigente no setor privado, até que o
Congresso Nacional edite uma lei regulamentadora.
346 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
11
Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a
cessação coletiva do trabalho.
348 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
12
A greve geral de 1917 foi um movimento paredista que que teve a adesão de cerca de 100 mil
trabalhadores somente em São Paulo (com população estimada em 500 mil pessoas). Em 09 de julho de
1917, a morte de José Ineguez Martinez, sapateiro de 21 anos, baleado durante o confronto entre a
polícia e os grevistas, deu vida ao movimento. No mesmo dia foi formado o Comitê de Defesa Proletária
(CDP), que nos dias seguintes se reuniria com 36 associações operárias e várias comissões de grevistas
para elaboração da pauta de reivindicações. Durante uma semana, houve forte repressão da polícia,
tendo fim somente em 16 de julho, com a decisão tomada em praça pública pela suspensão da greve.
(LOPREATO, 2019, p. 20).
Rafael Selicani Teixeira • 349
13
Somente nos anos de 2018 e 2019 foram julgadas e consideradas abusivas pelo TST vinte greves, por
terem sido consideradas de natureza política.
Rafael Selicani Teixeira • 353
4 A LIBERDADE DE INSURREIÇÃO
14
O termo aqui é utilizado no sentido utilizado por Ruy Braga no livro “A rebeldia do precariado”, como
sendo “uma metáfora de espoliação social, capaz de agregar tanto os processos de exploração nacional
dirigidos pelas forças de financeirização quanto as batalhas por projetos alternativos de mudança social
e política. [...] a expressão “Sul global” será utilizado neste livro como uma maneira de localizar as lutas
sociais que ocorrem em regiões e países semiperiféricos submetidos às políticas de espoliação impostas
pela globalização financeira”. (BRAGA, 2017, p. 30)
Rafael Selicani Teixeira • 355
15
O termo, não obstante a discussão quanto a ser ou não uma nova classe social, foi relacionado por
Guy Standing à falta de garantia do emprego e da renda social segura, somada a uma carência de
identidade baseada no trabalho. “Ser precarizado é ser sujeito a pressões e experiências que levam a
uma existência precariada, de viver no presente, sem uma identidade segura ou um senso de
desenvolvimento alcançado por meio do trabalho e do estilo de vida” (STANDING, Guy, 2015, p. 37)
356 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1 INTRODUÇÃO
1
Doutorando em Direito Público pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos - UNISINOS. Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL.
Procurador do Estado do Paraná. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/9028666388347459. E-mail:
[email protected].
Eduardo Luiz Busatta • 367
2
Conforme grafia apresentada no documento original – tradução para o português consoante grafia
utilizada em Portugal.
3
A tradição legislativa brasileira na matéria, em regra, é bastante clara a respeito da modalidade de
responsabilidade – se subjetiva ou objetiva –, fazendo menção expressa à necessidade ou dispensa da
culpa como requisito do dever de indenizar. Uma rápida leitura dos Arts. 186 e 927 do Código Civil e
dos Arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor não deixam dúvida a respeito. (BRASIL, 2002;
BRASIL, 1990).
368 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
4
A respeito da distinção, consultar: SILVA, 2020.
5
Grafia conforme texto original.
370 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
6
Importante asseverar que o referido autor não considera ato ilícito como sendo o (ato) que
simplesmente não está conforme o Direito, por entender que os atos não conformes ao Direito podem
não ser ilícitos na hipótese de contrariarem normas dispositivas.
7
No mesmo sentido: COSTA, 2006, p. 514-519.
Eduardo Luiz Busatta • 371
O direito à proteção de dados deve ser alocado como uma nova espécie do
rol aberto dos direitos da personalidade, dando elasticidade à cláusula geral
de tutela da pessoa humana. Caso contrário, corre-se o risco de ele não se
desprender das amarras conceituais e da dinâmica do direito à privacidade
e, em última análise, inviabilizar uma normatização própria para regular o
372 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
8
Do voto do Ministro Gilmar Mendes extrai-se a seguinte passagem que bem retrata a questão: “A
afirmação de um direito fundamental à privacidade e à proteção de dados pessoais deriva, ao contrário,
de uma compreensão integrada do texto constitucional lastreada (i) no direito fundamental à dignidade
da pessoa humana, (ii) na concretização do compromisso permanente de renovação da força normativa
da proteção constitucional à intimidade (art. 5º, inciso X, da CF/88) diante do espraiamento de novos
riscos derivados do avanço tecnológico e ainda (iii) no reconhecimento da centralidade do Habeas Data
enquanto instrumento de tutela material do direito à autodeterminação informativa.” (BRASIL, [2020b]).
Eduardo Luiz Busatta • 373
9
Importante asseverar que tramita Proposta de Emenda à Constituição (17/2019), que visa a incluir a
proteção de dados entre os direitos fundamentais. (BRASIL, 2019).
10
Ver a respeito em: PARISER, 2012 e SILVEIRA, 2019.
374 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
“neutra”, mas sim um diploma legislativo que visa, da mesma forma que
o Código de Defesa do Consumidor (doravante simplesmente CDC), a
proteger a parte vulnerável da relação jurídica, no caso, o titular dos
dados pessoais. É interessante observar que a LGPD não positivou
expressamente a vulnerabilidade do titular dos dados pessoais, como o
fez o CDC no Art. 4º, inciso I, em relação ao consumidor. (BRASIL, 1990).
Contudo, trata-se de um verdadeiro arquétipo legal 11 implícito, já que
toda a lei foi estruturada sob tal consideração, a ponto de o substantivo
proteção ser inserido na própria ementa da lei – “Lei Geral de Proteção
de Dados Pessoais (LGPD)”. (BRASIL, 2018). (grifo nosso).
A primeira hipótese de descumprimento das normas de proteção
dos interesses do titular de dados se dá com o tratamento de dados
pessoais sem base legal. A LGPD elenca nos Arts. 7º e 11 (esse último em
relação aos dados pessoais sensíveis) as hipóteses exaustivas em que é
admissível o tratamento de dados pessoais. Em que pese não ser possível
detalhar aqui todas as questões relevantes ligadas ao ponto, dadas as
finalidades da presente pesquisa, é certo que assume especial relevância
o consentimento do titular autorizando o tratamento de seus dados
pessoais (Art. 7º, I). 12 E a hipótese que gera maiores controvérsias dá-se
no tratamento de dados pessoais fundado no legítimo interesse do
11
A expressão “arquétipo legal” é utilizada aqui no sentido que lhe dá Jeremy Waldron, ou seja, “[...] a
um item específico (ou a vários itens) em um sistema normativo que tem um significado que vai além
de seu conteúdo normativo imediato, um significado decorrente do fato de fornecer, resumir ou
produzir de forma vívida para nós, ou parece fornecer a chave para o ponto, propósito, política ou
princípio (ou um dos pontos, propósitos, políticas ou princípios) de toda uma área do direito”. (tradução
nossa). No texto original: “[...] a particular item (or ste of items) in a normative system which has a
significance going beyond its immediate normative content, a significance stemming from the fact that
it furnishes or sums up or makes vivid to us or seems to provide the key to the point, purpose, policy, or
principle (or one of the points, purposes, policies, or principles) of a whole area of law”. (WALDRON,
2004, p. 47).
12
A respeito disso, consultar: TEPEDINO; TEFFÉ, 2019.
376 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
13
A respeito disso, consultar: BUCAR; VIOLA, 2019.
14
“Atente-se, ainda, para o fato de que além dos princípios literalmente enunciados no art. 6º (em
número de dez) e de outros que possam ser deduzidos do texto, o caput do referido artigo faz referência
expressa, como a um primus inter pares, ao princípio da boa-fé. Em tema de proteção de dados pessoais,
o radicamento da boa-fé como dever de conduta é de fundamental importância, principalmente ao se
levar em conta o caráter massificado de diversos mecanismos de tratamento de dados e da própria
opacidade intrínseca a estas operações.” (MENDES; DONEDA, 2018, p. 5, grifo do autor.).
Eduardo Luiz Busatta • 377
os limites dos fatos previstos pelas aludidas cláusulas gerais são fugidios,
móveis; de nenhum modo fixos.
15
Estima-se que somente um dos ataques realizados no ano de 2017, denominado WannaCry, tenha
gerado prejuízos superiores a US$ 8 bilhões. (PARENTY; DOMET, 2020).
Eduardo Luiz Busatta • 379
16
Para mais dados, leia: SOUZA; SILVA, 2019, p. 261.
382 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
17
Ainda no mesmo sentido cabe citar Wolfgang Hoffmann-Riem, para quem, nesse âmbito, “[...] a
transformação digital se depara com um reajuste já por ela introduzido na relação entre direito
estabelecido por privados e pelo Estado, especialmente em consequência de medidas anteriores de
desregulação e privatização. Pode-se perceber, em especial, um recuo do direito estabelecido pelo
Estado como meio de estruturar situações da vida – e isto não obstante o maior número de regras
jurídicas estatais. Particularmente duradouro é – não só, mas também – o deslocamento da
responsabilidade para portadores privados nas esferas determinadas pela digitalização, especialmente
nas áreas de negócios das grandes empresas de TI que operam no mundo inteiro, como, por exemplo,
das chamadas big five [cinco grandes]: Alphabet/Google, Facebook, Amazon, Microsoft e Apple. Elas
atuam, em grande parte, segundo normas elaboradas por conta própria e, na maioria das vezes,
estabelecidas e implementadas unilateralmente, também na medida em que elas atingem terceiros –
por exemplo, os usuários de seus serviços”. (HOFFMANN-RIEM, 2019, p. 18. grifo do autor.).
384 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
18
“Uma zona de autarquia se caracteriza, insisto, nas situações em que não se possa identificar nenhuma
justificação racional, nenhum conjunto de regras que organize a fundamentação da decisão tomada. A
zona de autarquia é formada por argumentos sob a aparência de direito, mas que, na prática, não
permitem o controle da argumentação pela sociedade, uma vez que não possibilitam a reconstrução
organizada do raciocínio que serve de fundamento para a decisão ou para as decisões tomadas.”
(RODRIGUEZ, 2019, p. 51).
19
Nesse sentido é a lição de Wolfgang Hoffmann-Riem: “As inovações tecnológicas estão geralmente
disponíveis em todos os lugares. Em contraste, as inovações sociais devem ser adaptadas às culturas
específicas da sociedade a menos que elas tomem em conta os problemas decorrentes das
Eduardo Luiz Busatta • 385
características regionais, locais ou étnicas, devendo ter em consideração as tradições sociais, os valores
específicos ou as estruturas sociais estabelecidas.” (HOFFMANN-RIEM, 2015. p. 13).
20
Ver a respeito em: HOFFMANN-RIEM, 2019.
386 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
21
Vide: AMARAL, 2003. p. 549 e STOCO, 2010, p. 609.
22
“A ilicitude representa uma qualificação fundamental. Mas não se basta com a mera desconformidade
à lei. Supõe uma posição subjetiva do agente, negativamente valorada pela ordem jurídica. Essa posição
traduz no dolo ou na negligência” (ASCENSÃO, 2001. p. 70).
Eduardo Luiz Busatta • 387
23
“No direito francês, o codificador cogitou da faute, figura cuja dificuldade de tradução em estudos
comparatistas tornou‑se quase lendária, já que congrega não apenas o aspecto culposo (que já se
depreende da semântica coloquial do termo) como também a própria conduta de descumprimento
de um dever jurídico pre‑existente (sic).” (SOUZA, 2018. p. 44).
388 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
24
Pode-se ver claramente uma visão kelseniana do Direito, no sentido de que somente há ato ilícito
quando o ordenamento previr uma sanção: “Se o Direito é concebido como ordem coercitiva, uma
conduta somente pode ser considerada como objetivamente prescrita pelo Direito e, portanto, como
conteúdo de um dever jurídico, se uma norma jurídica liga a conduta oposta um ato coercitivo como
sanção.” (KELSEN, 2009. p. 129).
25
“Na concepção que chamaremos, por brevidade, de clássica, o ilícito é pensado e tratado, sempre e
sem exceção, como um apêndice da responsabilidade civil. Não haveria, para os que perfilham
semelhante concepção, razão maior para diferenciação, porquanto, segundo raciocinam, o ilícito
produz sempre, como eficácia, a responsabilidade civil, de modo que estudando essa estaremos, com
vantagem, estudando aquele, ainda que nem toda responsabilidade civil advenha de atos ilícitos.”
(BRAGA NETTO, 2014. p. 32).
26
Isso foi repetido, em grande medida, no Código Civil de 2002, como se percebe do disposto em seu
Art. 189. (BRASIL, 2002).
Eduardo Luiz Busatta • 389
27
Ver a respeito em: USTÁRROZ, 2014.
390 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
28
“Art. 2043 Compensação por delito civil Qualquer ato doloso ou negligente, que cause danos
injustos a terceiros, obriga a pessoa que cometeu o ato a ressarcir o dano [...].” (tradução nossa). Texto
original: “Art. 2043 Risarcimento per fatto illecito Qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad
altri un danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso il fatto a risarcire il danno [...].” (ITÁLIA. 1942).
394 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
29
“ARTIGO 1717.- Antijuricidade. Qualquer ação ou omissão que cause dano a outro é antijurídica se
não for justificada”. (tradução nossa). Texto original: “ARTÍCULO 1717.- Antijuridicidad. Cualquier acción
u omisión que causa un daño a otro es antijurídica si no está justificada”. (ARGENTINA, 2018).
Eduardo Luiz Busatta • 395
30
A respeito disso, consultar: BUSATTA, 2020. p. 25-56.
396 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
31
Sobre isso, consultar: MARTINS-COSTA, [2014] e TARTUCE, 2018. p. 75.
Eduardo Luiz Busatta • 397
32
É importante ressaltar que, tamanho era o apego da doutrina à culpa como integrante do ato ilícito,
que tal qualificação foi criticada, pois seria apta a permitir que o abuso de direito fosse contaminado
pelo subjetivismo. Nesse sentido: “A concepção do abuso de direito como espécie de ato ilícito, permita-
se insistir, além de obscurecer seus contornos, caminha no sentido da responsabilidade subjetiva, sendo
a culpa elemento quase indissociável do conceito de ilicitude”. (CARPENA, 2002. p. 382.).
33
Para um maior aprofundamento, consultar: CATALAN, 2019.
398 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
CONCLUSÃO
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10
A PROPOSTA DE UMA TEORIA REALISTA DO DIREITO
EM BRIAN TAMANAHA: REVISITANDO AS BASES DO
PRAGMATISMO
Diogo Lopes Cavalcante 1
Fabiane Grando 2
1 INTRODUÇÃO
1
Doutor em Desenvolvimento Econômico pela UNIOESTE. Doutorando em Direito Público pela
UNISINOS. Mestre em Processo Civil pela UNIPAR. Especialista em Direito Público pela Unb. Graduado
em Direito pela UFPR e em Economia pela FAE Business School. Procurador da Fazenda Nacional. Ex-
advogado da Petrobras. Professor da FAG e da UNIOESTE. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/
7417042733205654. E-mail: [email protected].
2
Doutoranda em Direito Público pela UNISINOS. Mestre em Direito do Estado pela UFPR. Graduada em
Direito pela UFPR e em Letras Português-Inglês pela PUCPR. Procuradora Municipal. Professora da FAG
e da UNIOESTE. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/7138104223540723. E-mail: [email protected]
410 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
3
Importante referir que Cornellis de Waal (2007, p. 17) faz um contraponto à origem norte-americana
do pragmatismo, bem como analisa a ironia dessa denominação, pois, naquela época, a metafísica era
considerada “fora de moda” nos círculos de debates filosóficos. Ademais, o pragmatismo clássico,
representado por tais autores, rejeitava justamente a construção da verdade como sendo algo
abstrato e metafísico.
412 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
(...)
4
Os fundamentos do empirismo informam o método pragmático e sua concepção de verdade, uma
vez que estes são empiricamente orientados na medida em que se baseiam na experiência de testar
os rumos de ações voltados para objetivos e a observação das consequências (JAMES, 1975, apud
TAMANAHA, 2020, p. 3).
414 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
3 DIFERENCIANDO AS ABORDAGENS
A vida do Direito não tem sido lógica: tem sido experiência. As necessidades
do tempo, as teorias morais e políticas que prevalecem, as instituições das
políticas públicas, claras ou inconscientes, e até mesmo os preconceitos
com os quais os juízes julgam têm importância muito maior do que
silogismos na determinação das regras pelas quais os homens devem ser
governados. O Direito incorpora a história do desenvolvimento de uma
nação através de muitos séculos, e não pode ser tratado como se
compreendesse tão somente axiomas e corolários de livros matemáticos.
(HOLMES, 1991, p. 1).
(...)
4 DIREITO E PRAGMATISMO
5
Posner é considerado, juntamente com Gary Becker, um dos grandes responsáveis pela disseminação
das propostas da Análise Econômica do Direito (AED). Essa referência não será objeto de
aprofundamento neste estudo. De toda forma, em linhas gerais, cabe pontuar a AED como o
movimento teórico que defende a utilização da economia e seus instrumentos para avaliar a
adequação de determinada norma frente às suas reais consequências sobre a sociedade. A ligação da
AED com o pragmatismo decorreria justamente do trato jurídico dissociado de questões filosóficas. “O
objeto da análise pragmática é afastar a discussão das questões semânticas e metafísicas e aproximá-
las das questões factuais e empíricas” (POSNER, 2007, p. 520).
Diogo Lopes Cavalcante; Fabiane Grando • 425
6
Cabe esclarecer que as obras The Problems of Jurisprudence e Overcoming Law, foram traduzidas para o
português como Problemas de Filosofia do Direito (2007) e Para Além do Direito (2009),
respectivamente, as quais foram a fonte de pesquisa para o pensamento de Posner nesse ponto.
426 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
7
Existe um debate acirrado entre Dworkin e Posner; dentre os argumentos deste, pode-se destacar:
“(...) ironia do projeto de Dworkin é que, quanto mais ampla for a definição do direito, menos e não
mais seguro se tornará o ‘Estado de Direito’. O direito perde a sua nitidez, incorporando-se à moral e
depois, quando se reconhece que a sociedade é moralmente diversa, à política, abandonando de vez
a esfera do direito. Se este incluir uma ampla amostra de princípios políticos, os juízes poderão fazer
política e afirmar, sem problemas de consciência, que o que fazem não é política, mas direito”
(POSNER, 2007, p. 32; pp. 263-272).
430 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
as pessoas não têm direito a nada além de uma decisão judicial que, apesar
de interpretar o direito, desconsidera absolutamente o passado.
(...)
8
Acerca dessa questão recomenda-se a leitura Tamanaha, Brian Z., The Rule of Law and Legal Pluralism
in Development (2011) e Tamanaha, Brian Z., Understanding Legal Pluralism: Past to Present, Local to
Global (2007).
Diogo Lopes Cavalcante; Fabiane Grando • 437
Na versão ideal, muitas vezes adotada por funcionários legais, bem como
teóricos, a lei é uma instrumento para promover o bem-estar público e o
bem comum, um instrumento que mantém uma justa ordem social -
ajudando a coordenar comportamentos e resolver disputas, trazendo
ordem, estabilidade, certeza e previsibilidade, e limitando o exercício
arbitrário do poder governamental. (...) A visão crítica, em contraste (...),
sustenta que a lei opera como um meio de dominação que fortalece e reforça
as hierarquias sociais, econômicas e políticas ao longo de várias linhas:
casta, raça, riqueza e classe, gênero, religião e outros. Esta função da lei
frequentemente não é expressa ou está latente, embora se manifeste em
ação. Teorias do direito tendem a enfatizar uma perspectiva sobre a outra.
Uma teoria realista de que a lei é o que a lei faz incorpora tanto a visão ideal
quanto a crítica.
(...)
Além de reconhecer que a lei é uma forma de poder coercitivo (...), uma
teoria realista também reconhece que os ideais defendidos por funcionários
legais e pelo público têm uma grande impacto na lei. Ideais sobre a lei,
particularmente reivindicações de que a lei representa a justiça e o bem
comum, além de ideais como liberdade, igualdade, devido processo e justiça,
fornecem padrões para avaliar, criticar e reformar a legislação.
Diogo Lopes Cavalcante; Fabiane Grando • 439
(...)
Por fim, Tamanaha (2002, p. 48) sustenta que "a lei envolve uma
interação entre as necessidades naturais e tendências dos seres
humanos que vivem dentro dos grupos sociais, um complexo de
instituições historicamente enraizadas, contingentes e em
440 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Rachel Gazolla de. Considerações sobre a palavra pragma. Cognitio Revista
de Filosofia. Ano I, n. I, 2º sem 2000, São Paulo, pp 8-18.
ARRUDA, Thais Nunes de. Juízes & Casos difíceis: o pragmatismo de Richard Posner e
a crítica de Ronald Dworkin. Juruá, Curitiba, 2014.
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
DWORKIN, Ronald. Pragmatism, right answers and true banality. In: Pragmatism in
Law ans Society, 359-88. Michael Brint & William Weaver eds, 1991.
GICO JÚNIOR, Ivo. Introdução ao Direito e Economia. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.).
Direito e economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012.
HABERMAS, Jürgen. Richard Rorty’s pragmatic turn. In: BRANDOM, R. (ed.) Rorty and
his critics. Oxford: Blackwell, 2000.
HOLMES JUNIOR, Oliver Wendel. The essential Holmes. Chicago: Chicago University
Press, 1992.
HOLMES JUNIOR, Oliver Wendel. The common law. Reprint. Originally published:
Boston: Little, Brown, 1881. Copyright 1991 by Sheldon N. Novick.
MACCORMICK, Neil. Legal reasoning and legal theory. Oxford: Oxford University Press
Scholarship Online, 2012.
MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the rule of law. Oxford: Oxford University Press,
2005.
POSNER, Richard A. Para além do Direito. Tradução Evandro Ferreira e Silva. São Paulo:
Martins Fontes, 2009.
RORTY, Richard. The banality of Pragmatism and the Poetry of Justice. In: BRINT,
Michael; WEAVER, William. Pragmatism in law and society. San Francisco:
Westview, 1991. p. 89-97.
TAMANAHA, Brian Z. Law as a means to an end: threat to the rule of law. Oxford:
Cambridge University Press, 2006.
TAMANAHA, Brian Z. The Rule of Law and Legal Pluralism in Development (July 1, 2011).
Legal Pluralism and Development: Scholars and Practitioners in Dialogue, Caroline
Sage, Michael Woolcock, Brian Z. Tamanaha, eds., Cambridge University Press, 2012,
Hague Journal on the Rule of Law, Vol. 3, p. 1, 2011, Washington University in St.
Louis Legal Studies Research Paper No. 11-07-01.
1 A TEORIA E A CRÍTICA
1
Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná - UFPR (1996). Especialista. Mestre
em Direito do Estado pela UFPR. Doutorando pela Unisinos. Já foi professor de graduação e pós-
graduação em várias instituições de ensino. Atualmente é professor de pós-graduação na EMAP - Escola
da Magistratura do Paraná (na qual já foi Diretor - Núcleo de Cascavel/PR). Juiz de Direito Titular da 3ª
Vara Criminal de Cascavel/PR - TJPR. Já foi Advogado da União e ocupou a função de Procurador-Chefe
da União (substituto) em Santa Catarina. Já foi Técnico Judiciário no TRF/4ª Região, ocupando as funções
de Oficial de Gabinete e Diretor de Secretaria Substituto. Currículo lattes:
http://lattes.cnpq.br/7305817036591737. E-mail: [email protected].
448 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
1.2 A CRÍTICA
[...] a única e verdadeira medida dos delitos é o dano que fazem à nação, e,
assim, erraram aqueles que consideraram verdadeira medida dos delitos a
intenção de quem os comete. Essa intenção depende da impressão atual dos
objetos e da precedente disposição da mente: ambas variam em todos dos
homens e em cada homem com a velocíssima sucessão das ideias, das
paixões e das circunstâncias. Seria, portanto, necessário formar não só um
código particular para cada cidadão, mas também uma nova lei para cada
delito. Às vezes, os homens com a melhor intenção fazem o maior mal à
sociedade; outras vezes, com a pior vontade fazem-lhe o maior bem.
(BECCARIA, 2020).
2
Classificação criada por Jesús-Maria Silva Sánches.
454 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
O Direito penal não pode abandonar a ideia de ser humano como indivíduo,
como cidadão e como ser comunicacional social inato, cujo exercício da
liberdade se materializa em uma intercomunicabilidade e
intersubjetividade com o exercício da liberdade dos demais. O Direito penal
é uma manifestação de liberdade e de afirmação do ser humano como
pessoa digna de igualdade de tratamento seja ou não delinquente. Mesmo
que seja um terrorista. (VALENTE, 2020).
456 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
2 A COERÊNCIA DA TEORIA
O Direito, para Jakobs, não pode ser um sistema puramente normativo, que
leve “uma vida própria na qual a única coisa que interessa é se as normas
jurídicas e suas concreções foram inferidas de modo formalmente correto”.
Pouco importa ao proprietário de um valioso notebook que o Direito proteja
a sua propriedade, estabelecendo que ela não deve ser furtada ou roubada;
ele ainda assim evitará caminhar à noite em uma região de grande
incidência de assaltos. O exemplo se presta a ilustrar algo que, para Jakobs,
Leonardo Ribas Tavares • 459
Seria absurdo demais admitir que o Estado, neste caso de exceção, tenha
que deixar o terrorista em total ‘liberdade de decisão e exercício da vontade’
(§136StPO) a respeito do cumprimento de seus deveres, ao mesmo tempo
em que ele, o Estado, tenha que matar emergencialmente os não
responsáveis a fim de evitar um dano máximo. (JAKOBS, 2009).
• ele conta com leis mais rígidas e direcionadas aos ‘inimigos’ após a edição
da Pacote Anticrime;
3
Permitam-nos, a partir daqui, usar primeira pessoa, porquanto as constatações e conclusões são nossas
e não podem ser confundidas com as de terceiros, para efeito de originalidade.
4
Dizemos ‘interno’ porque somos operadores do Direito, na condição de magistrado.
464 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
5
Vide Lei 13.260, de 16 de março de 2016.
Leonardo Ribas Tavares • 465
6
Para não ir muito longe, basta lembrar que o sujeito que supostamente integre organização criminosa
terá proibida a liberdade (art. 310, § 2º do CPP), contemporizando-se a sua presunção de inocência em
caso de prisão em flagrante.
466 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
O fenômeno não é recente; também não podemos dizer que não seja
necessário. Tendemos a concordar com o professor Jakobs quando, em
outras palavras, reconhece que o Estado de Direito ideal só se atingirá
com condições e circunstâncias ideais, o que está longe de ser a
realidade brasileira. Não é preciso muito esforço (e aqui, por brevidade,
vamos evitar levantamentos e estatísticas e recorrer à notoriedade)
para reconhecer que a criminalidade brasileira é crescente, em boa
medida ocasionada por associações criminosas muito bem estruturadas.
7
Já tínhamos, sem falar dos benefícios da execução, a composição civil dos danos (art. 74 da Lei
9.099/1995), a transação (art. 76 da Lei 9.099/1995) e a suspensão condicional do processo (art. 89 da
Lei 9.099/1995).
Leonardo Ribas Tavares • 469
• Ferir uma pessoa: pena mínima – detenção de 3 meses (art. 129, CP).
• Causar lesão grave numa pessoa: pena mínima – reclusão de 1 ano (art. 129,
§ 1º, CP).
• Mutilar uma pessoa: pena mínima – reclusão de 2 anos (art. 129, § 2º, CP).
Não é o único caso, mas diante desse mais atual exemplo, fica claro
que nossa legislação material não tem sido razoável e coerente na
proteção de bens jurídicos relevantes. Em suma: caso nosso sistema
472 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
8
Por outro lado, se a intenção do legislador era proteger os ‘pets’, por que a proteção não se estendeu
a outros animais de estimação e se restringiu somente a essas duas espécies (cães e gatos)?
9
Inclusive a 2ª Turma do STF, em recente julgamento do dia 06/10/2020:
https://www.conjur.com.br/2020-out-06/converter-flagrante-preventiva-oficio-ilegal-turma-stf
Leonardo Ribas Tavares • 473
10
Só lembrar do recente acordo de não persecução penal, constante do art. 28-A do CPP.
11
Basta ver a exigência de um magistrado somente para cuidar da investigação (juiz das garantias) ou
mesmo a obrigatoriedade legal de audiência de custódia.
Leonardo Ribas Tavares • 475
12
Decisão não publicada. Notícia do site oficial, de 15/10/2020: http://portal.stf.jus.br/
noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=453446&ori=1
13
Nesse sentido o HC 589.544-SC, Rel. Min. LAURITA VAZ, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em
08/09/2020.
Leonardo Ribas Tavares • 477
REFERÊNCIAS
14
Segundo o atlas da violência 2020, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/08/atlas-da-violencia-2020.pdf
478 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
FERRAJOLI, L. Direito e razão. 3a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
JAKOBS, G. Terroristas como pessoas no direito? Novos Estudos CEBRAP, n. 83, p. 27–
36, 2009.
1 INTRODUÇÃO
1
Advogado. Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Toledo. Professor na Centro Universitário FAG.
Mestre em Direito Processual Civil pela Unipar. Doutorando em Direito pela Universidade do Vale dos
Sinos. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/7905296019375832. E-mail: [email protected].
2
Doutorando em Direito pela Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos), linha de Hermenêutica,
Constituição e Concretização de Direitos (2019- ). Mestre em Processo Civil e Cidadania, linha de
Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais pela Universidade Paranaense (2017-2018). Membro
do Grupo de Estudos Culturas Jurídicas Comparadas, Internacionalização do Direito e Sistemas de
Justiça: atores, fatores e processos entre mundialização e cosmopolitismo jurídico, da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (2020- ). Membro do grupo de pesquisas Jurisdição, Mercados e Fronteiras do
Centro Universitário FAG (2021 - ). Professor no Centro Universitário FAG (2015- ). Professor na Faculdade
Focus (2021- ). Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6555859877740673. E-mail:
[email protected].
480 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
3
Neste ponto, cabe citar o caso retratado na série de Black Mirror, contida na base da Netflix; no episódio
03 da segunda temporada, é apresentado o candidato chamado ‘The Waldo Moment’, que é um pequeno
urso azul, que apenas existe no mundo digital; sua forma de abordagem dos demais candidatos é pelo
escarnio e o enxovalhamento público. Claro que, por trás da figura eletrônica de Waldo, há um
‘engenheiro do caos’; sem querer dar qualquer spoiler a respeito deste ponto da trama, ao final, Waldo
chega, com o uso destas ferramentas de mídia, ao poder totalitário.
488 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
4
Exemplo desta situação é a decisão do Twitter e do Facebook de derrubar/impedir o
compartilhamento de notícia do New York Post acerca do candidato à presidência dos Estados Unidos,
Joe Biden. A medida foi tomada independente de um fast checking da informação; as plataformas em
verdadeiros juízes censores impediram a propagação da notícia de um reconhecido órgão da imprensa;
foram verdadeiros juízes do caso. De se ver a notícia: https://nypost.com/2020/10/16/twitter-still-
holding-the-posts-account-hostage-over-hunter-biden-links/. Acessado em 16 out. 2020, às 20h47m.
492 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
5
A guisa de exemplo, as fusões no setor agrícola entre a Syngenta-ChemChina e DuPont-Dow também
seguem em negociação sob o escrutínio das autoridades anti-monopólio em muitos países. Se as fusões se
concretizarem, as três empresas resultantes irão controlar 60% do mercado mundial de sementes comerciais
(incluindo quase 100% de sementes geneticamente modificadas) e 71% dos agrotóxicos a nível global, níveis
de concentração que superam amplamente as regras antimonopólio de qualquer país. Disponível em:
Eduardo Hoffmann; Lucas Paulo Orlando de Oliveira • 493
Pois bem; como advertiu Teubner (2003, p. 10-11), nos dias de hoje
estão se constituindo em “autonomia relativa” diante do Estado-nação, bem
como diante da política internacional setores distintos da sociedade
mundial que produzem a partir de si mesmos ordenamentos jurídicos globais
sui generis. Aponta que, dentre os candidatos para um tal “direito mundial
sem Estado” são inicialmente os ordenamentos jurídicos de grupos
empresarias multinacionais.
É neste ponto, que se observa a independência das redes sociais de
qualquer Estado-nação e/ou mesmo de regramento próprio. Está-se
diante de uma completa ausência de tratamento legal, pelas estruturas
clássicas do ordenamento, é exatamente a proliferação da expansão de
conglomerados multinacionais, longe de qualquer regulação, que
Teubner (2003, p. 11), salienta que o direito mundial não será repolitizado
por instituições políticas tradicionais, e.g., de natureza por assim dizer
parlamentar. Mas justamente pela via daqueles processos nos quais o direito
mundial se ‘acopla estruturalmente’ a discursos altamente especializado,
isolados.
As redes sociais, como sistemas altamente especializados
caminharam nesta última década para a autorregulação ou, a fixação
das regras por si próprias; como agir, o que oferecer, o que pedir e como
atuar no mercado, foram premissas fixadas por seus próprios agentes;
o Estado, foi incapaz de acompanhar tamanha evolução.
A prova da incapacidade do Estado e/ou conivência dele, - vez que,
como se observou na obra de Giuliano Da Empoli, hoje vários
governantes se valem desta ferramenta potencializada que são as redes
http://www.ihu.unisinos.br/186-noticias/noticias-2017/568667-mega-fusoes-agricolas-quem-decidira-
o-que-comemos. Acessado em 22 jan. 2020.
494 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse
momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só
fala de COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e
simplificando normas. De IPHAN, de ministério da Agricultura, de
ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo.
Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação regulam ...
é de regulatório que nós precisamo, em todos os aspectos (...) Não
precisamos de congresso. Porque coisa que precisa de congresso também,
nesse, nesse fuzuê que está aí, nós não vamos conseguir apo ... após . .. é ...
aprovar. Agora tem um monte de coisa que é só, parecer, caneta, parecer,
caneta (sic). (FOLHA DE SÃO PAULO, 2020).
6
A deliberação tornou-se a Resolução 499/2020. (BRASIL, 2020a).
498 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
7
Nesse caso há pretensão do próprio Ministério Público Federal em anular o acordo realizado entre o
Ministério do Meio Ambiente, por meio do IBAMA e a empresa. (PONTES, data).
Eduardo Hoffmann; Lucas Paulo Orlando de Oliveira • 499
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos. Tradução Arnaldo Bloch. 1ª ed. São Paulo:
Vestígio, 2019.
FOLHA DE SÃO PAULO. Leia a íntegra das falas de Bolsonaro e ministros em reunião
ministerial gravada. São Paulo, 22 maio 2020. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/leia-a-integra-das-falas-de-
bolsonaro-e-ministros-em-reuniao-ministerial-gravada.shtml. Acesso em: 25 out.
2020.
HEIM, Michael. The metaphysics of virtual reality. New York. Oxford University Press,
1993.
PONTES, Felipe. Brumadinho: MPF quer anular acordo que prevê multa de R$ 250 mi a
Vale. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-09/
brumadinho-mpf-quer-anular-acordo-que-preve-multa-de-r-250-mi-vale. Acesso
em: 24 out. 2020.
ZUBOFF, Shoshana. The age of surveillance capitalism. New York: PublicAffairs, 2019.
13
O CONCEITO DE POLÍTICO EM SCHMITT COMO UMA
FORMA DE DOIS LADOS: A LÓGICA DA IDENTIDADE
E A EXCLUSÃO DO OUTRO POR MEIO DA
COMUNICAÇÃO SUBVERSIVA 1
David Denner de Lima Braga 2
1 INTRODUÇÃO
1
Texto publicado originalmente na Revista de Sociologia, Antropologia e Cultura Jurídica. Ver: BRAGA,
David Denner de Lima. MAIA, Selmar José. O conceito de político em Schmitt como uma forma de dois
lados: a lógica da identidade e a exclusão do outro por meio da comunicação subversiva. Revista de
Sociologia, Antropologia e Cultura Jurídica, Florianópolis, v. 7, n. 2, p. 01-17, Encontro Virtual, jul./dez.
2021. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/culturajuridica/article/view/8108/pdf.
Acesso em: 16 maio 2022.
2
Doutorando em Direito Público do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (Unisinos) e Mestre em Direito em Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade
de Direito do Sul de Minas (FDSM). Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/7062843998510569. E-mail:
[email protected]
3
Doutorando e Mestre em Direito Público pela Escola de Direito da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos - UNISINOS. Pós-Graduado em Direito Civil e Direito Empresarial pela Damásio Educacional de São
Paulo - SP. Graduado em Ciências Sociais e Jurídicas pelo Centro Universitário da Serra Gaúcha - FSG.
Membro do Grupo de Pesquisa Teoria do Direito e Diferenciação Social, registrado no CNPq e vinculado
ao Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos -
UNISINOS. Juiz de Paz suplente na segunda zona de Caxias do Sul - RS, 2012-2023. Escritor de vários
artigos científicos em revistas e livros Jurídicos. Advogado e Consultor Jurídico. Currículo lattes:
http://lattes.cnpq.br/4660334694235498. E-mail: [email protected].
510 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
2 O CONCEITO DE POLÍTICO
4
Poderia ser usada a expressão invertida, inimigo-amigo, para destacar a partir de qual lado se iniciam
as operações, seguindo o cálculo das formas de Spencer Brown, ou mesmo apenas usar a expressão a
forma inimigo, subtendido que haverá um valor reflexivo, evidente no contexto do presente texto, que
é o outro lado, “amigo”.
David Denner de Lima Braga; Selmar José Maia • 515
5
No prefácio da reedição inglesa do livro, Michael King esclarece que “publicado em 1975, o texto
alemão sobre Macht (Poder) representa a culminação de enormes esforços. O livro pode ser visto como
a primeira aplicação da recentemente desenvolvida, ou em desenvolvimento, teoria dos meios de
comunicação simbolicamente generalizados”. Ele destaca também que nesse momento Luhmann ainda
não havia iniciado a fase autopoiética. Tradução nossa. Cf. (LUHMANN, 2017, p. XIV).
520 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
O inimigo político não precisa de ser moralmente mau, não precisa de ser
esteticamente feio; não tem de surgir como concorrente econômico e até
talvez possa parecer vantajoso fazer negócios com ele. Ele é precisamente o
outro, o estrangeiro, e é suficiente, para a sua essência, que ele seja
existencialmente, num sentido particularmente intensivo, algo outro e
estrangeiro [...].
6
Que será trabalhada no item seguinte.
David Denner de Lima Braga; Selmar José Maia • 521
7
Ver Brown (1972).
522 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
We are living in dark, dark times. In Europe and the United States, the
institutions of interlocking governance and democratic coexistence that
have been carefully nurtured since 1945 are under attack. Nationalism,
tribalism, xenophobia, and racism are fueling right-wing populist revolts
against this legal order despite the fact that the period since 1945 has seen
rises in health, longevity, prosperity, and peace that are perhaps
unparalleled in human history.
There are, however, things for which the ‘right place’ has not been reserved
in any fragment of man-made order. They are ‘out of place’ everywhere;
that is, in all places for which the model of purity has been designed. The
world of the purity- seekers is simply too small to accommodate them. It
won’t be enough to move them to another place; one needs to get rid of
524 • Laboratório de Metamorfoses, Vol. 1: Diálogos Jurídicos Críticos
them once and for all – to burn them out, poison them, shatter them in
pieces, put them to the sword.
8
Ver (NEVES, 2009), sobre a noção moderna de constituição e a respeito da construção de pontes de
transição entre a racionalidade própria da política (democracia) e a do direito (o princípio da igualdade).
David Denner de Lima Braga; Selmar José Maia • 525
CONCLUSÃO
últimas décadas revelou que essa visão de mundo construída nunca foi
totalmente erradicada. Além de conseguir persistir ela se expandiu para
além de grupos radicais, e agora ela ocupa espaços centrais de poder
institucionalizado. Pode-se querer acreditar que esse discurso do
inimigo é mera forma de expressão. Não obstante é bom lembrar que o
inimigo deve ser combatido não apenas figurativamente, mas
existencialmente.
Nesse viés, conclui-se que manifestações, como as do dia 7 de
setembro, embora pacíficas na execução, contém em seu discurso e em
suas reivindicações, traços totalitários e antidemocráticos, na medida
em que fazem apologia ao período ditatorial, pedem o impeachment de
Ministros da Suprema Corte brasileira, recrudescem o discurso da
intervenção militar e carregam o anseio de que o presidente rompa com
o diálogo democrático entre as instituições e passe a não mais respeitar
as decisões do STF, tal como constata-se do próprio discurso do
Presidente Jair Bolsonaro no dia do evento.
No mesmo sentido, embasado em Levitsky e Ziblatt, os discursos
podem ser vistos de uma maneira subversiva pois não contêm traços de
comunicação democrática. Eles tentam desguarnecer as instituições,
deslegitimar o Direito na ameaça ao descumprimento das decisões
jurídicas, e fazer predominar a lógica da política do amigo-inimigo, tal
como demonstrado na teoria de Carl Schmitt.
Portanto, comunica-se uma pretensão por meio de uma roupagem
democrática, que prega a liberdade de expressão, e o cumprimento da
constituição e do dever de ordem, mas o que se transmite e se pode
compreender resulta no oposto, o fim da liberdade de expressão e a
destruição da ordem constitucional, resultando num fechamento
David Denner de Lima Braga; Selmar José Maia • 529
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Postmodernity and its Discontents. Cambrigde: Polity Press, 1997.
BRAGA, David Denner de Lima. MAIA, Selmar José. O conceito de político em Schmitt
como uma forma de dois lados: a lógica da identidade e a exclusão do outro por meio
da comunicação subversiva. Revista de Sociologia, Antropologia e Cultura Jurídica,
Florianópolis, v. 7, n. 2, p. 01-17, Encontro Virtual, jul./dez. 2021. Disponível em:
https://www.indexlaw.org/index.php/culturajuridica/article/view/8108/pdf.
Acesso em: 16 maio 2022.
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RODRIGUEZ, José Rodrigo. Direito das Lutas. 1a ed. São Paulo: Liber Ars, 2019.
www.editorafi.org
[email protected]