A Linguagem Gerencial Analisada À Luza Da Teoria de Austin

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DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8077.

2014v16n40p173

Artigo recebido em: 4/8/2013


Aceito em: 19/2/2014

A LINGUAGEM GERENCIAL ANALISADA À LUZ DA TEORIA DOS


ATOS DE FALA DE J. L. AUSTIN: ESTUDO DO PENSAMENTO DE
PETER DRUCKER
The Managerial Language Analyzed in the Light of the J. L.
Austin’s Theory of Speech Acts: a study of the Peter Drucker’s
thought

Dorival De Stefani
Professor visitante da Universidade Positivo. Curitiba, PR. Brasil. E-mail: [email protected]

Ariston Azevêdo
Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS. Brasil. E-mail: [email protected]

Resumo Abstract
Neste texto analisa-se a dimensão linguística da ação In this paper we analyzed the linguistic dimension
administrativa em sua vertente gerencial à luz da of the administrative action in his managerial axis in
Teoria dos Atos de Fala de John Austin. Tal análise the light of John L. Austin’s Theory of Speech Acts.
toma como objeto a obra de um autor clássico da As an object of analysis we chose the thought of an
literatura administrativa sobre o assunto, Peter Drucker, author of the management’s classical literature on the
selecionando, do conjunto de seus escritos, livros que subject, Peter Drucker, that from the set of his texts, we
contribuíram significativamente para o desenvolvimento chose the books that have contributed significantly to
da teoria e da prática gerencial. Dessas obras, procurou- the development of theory and managerial practice.
se identificar formas simbólicas caracterizadoras da From them we seek to identify symbolic forms that
prática linguística do gerente. Conclui-se que Drucker characterize the manager’s linguistic practice. We
confina e dirige a linguagem e a comunicação do concluded that Drucker confines and directs the use of
administrador para a esfera dos objetivos da empresa, language as well as the administrator’s communication
com o fim de obter aquiescência nos empregados. to the company goals’ sphere, in order to obtain the
compliancy from the employees.
Palavras-chave: Pensamento Administrativo.
Gerência. Atos de Fala. Peter Drucker. J. L. Austin. Keywords: Administrative Thought. Management.
Speech Acts. Peter Drucker. J. L. Austin.

Esta obra está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso.


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1 INTRODUÇÃO operar. Destacam-se, nessa vertente analítica, estudos


que seguem a linha tayloriana, como os do próprio
“Fazendo coisas com palavras” Taylor (1970), mas também os de Fayol (1916) e
John L. Austin
Church (1922). Tal vertente sofreu forte revigoramen-
to com os estudos das funções administrativas feitos
Não são recentes as reflexões que se voltam desde meados do século passado, com destaque para
para a figura do administrador com o objetivo de Newman (1951), Koontz e O’Donnell (1974), Drucker
abordar seu modus operandi, melhor dizendo, a ação (1964; 1975; 1977) e Jucius e Schendler (1960), e
administrativa. É bem verdade que, em sua maioria, a que, nos dias atuais, sustenta os trabalhos de Stoner
sistematização dessas reflexões data do final do século & Freeman (1985), Bateman e Snell (1998) e Montana
XIX e início do século XX, no seio de um contexto e Charnov (1998). Segundo a corrente gerencialista,
social singular na história da humanidade, contexto a administração é gerência; o administrador é, em es-
em que tanto o processo de industrialização quanto o sência, um gerente (ou executivo, conforme defendeu
sistema de mercado ganhavam tons imperativos, ética Peter Drucker em seu clássico livro O gerente eficaz), e
e comportamentalmente, individual e coletivamente, sua prática, gerencialista; o conflito organização versus
tendo como matriz organizacional aquela de natureza indivíduo parece não existir, ou está a priori resolvido
formal e de caráter econômico.1 Foi esse tipo de orga- em favor da organização.
nização que ditou, para os primeiros administrativistas,
Ainda dentro do mesmo nível abstrativo, mas sob
as necessidades de design que deveriam ser atendidas,
outra corrente discursiva, no caso, a vertente lideracio-
determinando, assim, o referencial temporal e espacial
nista da administração5, a ação do administrador é vista
sob os quais tecnologia e pessoas teriam que operar.
como sendo exercida não mais em meio a elementos
Decorrem dessas exigências tipos específicos de ação
mecanomórficos, como na corrente anterior, mas em
administrativa e, consequentemente, padrões psico-
um contexto social dinâmico e centrado na psicologia
lógicos de trabalhadores e administradores2 que lhes
individual e nas relações sociais internas ao espaço
correspondem.
organizacional, o que proporcionou destacar elementos
Considerando a história recente do pensamento como a cultura, os valores e os sentimentos humanos,
administrativo, ou seja, a partir do início do século estando estes a acondicionar, portanto, o ambiente
XX, é possível dizer que os discursos administrativos, primário onde a ação administrativa desenrola-se.
ao enfocarem a figura do administrador e sua ação, Inegavelmente, a vertente lideracionista tornou-se
fazem-no, por um lado, a partir de uma perspectiva mais aparente desde os estudos de Mayo (1933),
que privilegia a organização como a totalidade social Tead (1935) e Barnard (1938), aprofundando-se em
referente e, por outro lado, a partir de um escopo social meados do século XX com os trabalhos dos comporta-
mais amplo, escopo que se define por meio de um cam- mentalistas Tannenbaum, Wescher e Massarik (1961),
po de interações organizacionais, configurando, assim, Likert (1961) e Schein (1982), e consolidando-se, na
tal conjunto de interações como sendo a totalidade literatura atual, por meio de textos como os de Bennis
referente.3 Essa distinção entre os diferentes níveis de e Nanus (1988), Kets de Vries (1997) e Kotter (2000).
abstração do pensamento administrativo aponta menos Denominada também como corrente humanista do
para a unificação discursiva do que para a pluralidade pensamento administrativo, esta vertente sustenta ser
de discursos, melhor dizendo para a pluralidade de a liderança uma atividade distinta, por vezes de modo
correntes discursivas de mesma natureza. radical, da gerência, dado que objetiva “[...] a criação
Perspectivado a partir do plano organizacional de uma comunidade humana que se mantém unida
de análise, o administrador, segundo os discursos que através do trabalho em nome de uma causa comum”
convergem para a corrente discursiva aqui designada (BENNIS, 1996, p. 12). Embora o conflito organização
de gerencialista da administração4, quase sempre é visto versus indivíduo exista, o mesmo é concebido como
operando dentro de um quadro composto pela tríade possível de ser superado, por meio da integração de
tarefas – pessoas – estrutura, onde lhe cabe a atribuição interesses, já que a relação líder–liderado é suposta-
de procurar o arranjo ótimo desses elementos, dadas mente estabelecida de acordo com uma concepção
as condições sob as quais tal arranjo deve ser posto a simétrica de poder.

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Além das vertentes discursivas gerencialista e interno às organizações.7 Há, contudo, linhas teóricas
lideracionista, uma terceira pode ser destacada no bojo dentro daquelas correntes discursivas que prezam mais
do pensamento administrativo. Esta corrente pode ser pelo enfoque externo do que interno às organizações,
denominada de “politica”6. Diferentemente dos autores já que tratam de situar o administrador e sua prática
vinculados às duas anteriores, os desta corrente primam em um contexto social total referenciado que se projeta
por ressaltar do âmbito relacional humano, no plano para além dos horizontes organizacionais ao qual se
organizacional, o poder como a principal dimensão encontram existencialmente posto. A respeito dessas
da realidade organizacional, sendo a administração, linhas teóricas, é possível afirmar que elas avança-
em essência, entendida como poder obtido por in- ram consideravelmente, se se toma em apreço o que
termédio da influência e negociação, donde a ação antes era dito sobre a prática administrativa.8 Com a
administrativa dá-se, sempre, em função de interesses mudança do nível de abstração, tanto as organizações
de indivíduos e de grupos, implicando o fato de o como a própria figura do administrador perderam, de
administrador ter, como sua principal competência, a certa forma, o caráter fragmentário e isolado que os
capacidade de negociar, entre os vários interessados acometia, para, então, ganharem em articulação com
internos, o sentido da realidade, reconhecendo que tal os demais elementos que compõem a tessitura social.
sentido virá do grupo com maior poder e servirá como Daí, novas temáticas resultaram, como discussões so-
base para legitimação dos seus interesses. A abordagem bre conflito de interesses organizacionais, alocação de
política da administração, desde os pioneiros textos recursos, relações ambientais, construção da própria
de Hoxie (1915), Follett (1924) e Burnham (1941) e realidade organizacional (ambiente organizacional),
também característica dos estudos de Weber (1947), ecologia populacional e, mais recentemente, respon-
Bendix (1956), Dahl (1959), March (1962), Pfeffer sabilidade social.
(1964), Etzioni (1967), cresce e firma-se na literatura O presente texto parte, portanto, dessas três
nacional e internacional mais recente sob a insígnia de correntes discursivas para examinar, relativamente à
poder nas organizações, tal como pode ser encontrado primeira delas, um caso por demais representativo,
nos trabalhos de, por exemplo: Clegg (1975), Hardy qual seja, a obra de Peter Drucker9, notadamente um
(1995), Motta (1986), Mintzberg (1985; 1995), Tragten- dos autores de maior repercussão, tanto fora quanto
berg (1992), Faria (2004a; 2004b; 2004c) e Carvalho no meio acadêmico, dentro da temática gerencialista.
e Vieira (2007), Enquanto nas vertentes anteriores, No Brasil, esse impacto pode ser constatado, por um
o discurso vai caminhar no sentido de não apenas lado, pelas diversas edições que seus livros receberam
ocultar os interesses subjacentes aos encaminhamentos – The practice of management, de 1954, por exemplo,
administrativos, como também de aceitá-los aprioris- foi editado pela primeira vez em 1962, depois em
ticamente convergentes; nesta última, o discurso vai 1964, 1969, 1970, 1971, 1972, e, por fim, editado
servir como mais um instrumento para legitimar ou em 1981 com uma nova tradução – e, por outro, tanto
afetar a legitimidade dos interesses em disputa. Dessa pela recepção positiva que o campo dos profissionais
forma, a possibilidade de administrar torna-se depen- teve pelo seu pensamento administrativo quanto pela
dente da quantidade de poder que determinado agente recepção crítica de nosso metier acadêmico. Neste
(ou grupo) possui dentro da organização: administrar sentido, não são recentes as críticas ao trabalho deste
é adquirir e usar poder; é, em essência, fazer “políti- autor austro-americano. João Bosco Lodi foi um dos
ca”. Aqui, o conflito existe e não pode ser resolvido primeiros autores brasileiros a ressaltar o “notável
de forma simétrica, como na vertente lideracionista. impacto das ideias de Drucker sobre seus contempo-
Grupos tentam legitimar seus interesses e, assim, impor râneos” e a dedicar atenção especial ao estudo dessas
uma resolução para o conflito que lhes seja favorável, ideias. Em 1968, Lodi, em tom elogioso, resenhou as
suplantando os demais indivíduos ou grupos. principais obras escritas por Drucker, desde The end
Dessas três abordagens deriva uma série de of the economic man (1939) até The effective exe-
reflexões, tanto de caráter prescritivo e normativo, cutive (1967). Nessa época, havia pouco menos de
quanto de caráter explicativo e descritivo, sobre a ação dez anos que o autor havia tomado contato com as
do administrador , com enfoque predominantemente ideias de Peter Drucker, e elas o tinham, segundo seu

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depoimento, deixado “encantado”, pois suas ideias nada, uma instituição produtiva permanente,
traziam “originalidade” à compreensão do fenômeno pois o acionista passa e a empresa permanece,
daí ele propor a corporação enquanto profissão
administrativo, principalmente devido à sua “teoria
de fé militante.
da administração por objetivos” e seu enfoque sobre
inovação. (LODI, 1968, p. 81) Assim como Lodi, Tragtenberg (1980, p. 15)
No ano seguinte, Lodi (1969), mesmo mantendo também critica o escamoteamento ideológico do con-
a sua admiração por Drucker, não o tornou refratário flito de classes que Drucker impõe em seus discursos,
a críticas. Assim, embora advertindo que o pensador ao defender a ideia de que o advento das grandes
austro-americano merecesse “uma tese acadêmica com corporações levaria à “superação do conflito de clas-
uma exegese mais ampla”, tanto pela “relevância que ses”, uma vez que os trabalhadores passariam a ser os
ele ocupa na história do pensamento administrativo” “próprios capitalistas”. Dizendo de outra maneira, o
como pela “influência dos seus ensinamentos no capitalismo, à luz do pensamento de Drucker, ao dis-
desempenho das empresas brasileiras”, e que consi- solver tanto a classe proprietária quanto a proletária,
derava prematura qualquer crítica mais geral ao autor, daria origem a “um povo classe-média”, onde a luta
Lodi afirmou ser Drucker um “ideólogo conservador de classes acusada por Marx deixaria de fazer sentido.
e tecnocrata” (LODI, 1969, p. 37). Isso em razão do (TRAGTENBERG, 1980, p. 12)
fato deste acreditar e postular que o “conflito entre o Nessa mesma linha, alguns anos mais tarde, Faria
capital e o trabalho” estaria superado com a ascensão (1985) também fez críticas à obra druckerniana. Segun-
da “sociedade burocrática-industrial”, esta que teria a do Faria (1985, p. 79), Drucker faz “[...] uma apologia
capacidade de converter aquele conflito tão bem de- não da administração, mas do capitalismo, assumido,
nunciado por Marx em um novo confronto, desta vez sem disfarces, o papel de ideólogo, nas vestes da admi-
entre administração (ou seja, o corpo político formado nistração [...]”, pois, para o autor austro-americano, as
pelos gerentes) e trabalhadores. Foi devido a esta ope- empresas deveriam sustentar os aparelhos ideológicos
ração escamoteadora, portanto ideológica, que Lodi do Estado que lhe oferecem proteção e segurança, e,
vinculou Peter Drucker (1969, p. 37) à “[...] tradição assim, contribuir para a manutenção do sistema eco-
liberal do iluminismo europeu”, o qual, segundo o nômico. Além disso, Faria faz outras duras críticas. Por
autor brasileiro, depositava confiança no “messianismo um lado, observa, em Drucker, um projeto ideológico
da indústria”. de persuasão do trabalhador sobre a necessidade do
A crítica de Lodi está muito próxima à que iria re- lucro, assim como dos benefícios deste para ele mes-
alizar, anos mais tarde, Tragtenberg (1980). No referido mo e, por outro, questiona as possíveis “inovações
texto, Tragtenberg (1980, p. 10), relacionando os gran- administrativas” do pensamento druckerniano, pois,
des “ideólogos da corporação” da época, colocava, ao segundo pensa, a proposta de descentralização de
lado dos nomes de Adolf Berle e Rathenau, a figura Drucker não afeta o “que há de mais essencial nas
de Peter Drucker, todos eles pensadores convictos do relações de poder e na dicotomia dirigente-dirigido: a
fato de ser a corporação a “instituição hegemônica na presença do autoritarismo”, na verdade, “cada unidade
sociedade industrial”. Na realidade, o autor brasileiro descentralizada funciona de forma tão centralizada
percebia que tanto Drucker quanto aqueles outros quanto a própria empresa” (FARIA, 1985, p. 82). Da
pensadores contribuíam para o forjamento de “uma mesma forma, ao tratar sobre o controle dentro das
ideologia neo-capistalista”, visando à “legitimação do organizações, o que Drucker faz é apenas mudar da
status quo como o único possível e desejável” (TRAG- dominação explícita para a dominação implícita, por
TENBERG, 1980, p. 13). No discurso druckerniano meio da noção de autocontrole. Em suma, Faria (1985)
particularmente, frisa Tragtenberg (1980, p. 12), afirma que não há mudanças entre o pensamento
administrativo clássico e o de Drucker.
A grande corporação impõe-se independente
do regime sócio-econômico [...]; no entanto, Recentemente 10, outros autores também for-
apesar de sua importância, ela não possui uma mularam suas críticas ao assim chamado “Pai da
definição precisa no que se refere ao regime Administração Moderna”. Secchi (2004, p. 21), com o
político. A corporação é, para ele, antes de mais intuito de alertar para a necessidade de uma formação

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universitária de administradores mais “cientificamen- administração, e necessita, segundo julgamos, que seja
te rigorosa”, acusa a obra druckerniana de conter devidamente aclarada, isto é, que se diga, de fato, o
“excessos de a-cientificidade, dogmatismo, falta de que ela é e quais as implicações e limitações que ela
humildade, fraqueza e volatilidade conceitual”, o que, acarreta para a prática administrativa em um sentido
por consequência, conduz a “ensinamentos de baixo mais amplo. Em outras palavras, a análise empreendida
valor teórico-prático”. Com críticas mais contundentes, neste trabalho possui importância para nosso campo
Pereira (2006) e Pereira e Misoczky (2006) afirmam, de conhecimento, principalmente porque permite
aproximando-se consideravelmente das opiniões de compreender como a vertente gerencialista teoriza e
Lodi, Tragtenberg e Faria, que os discursos de Dru- prescreve a comunicação no âmbito das organizações
cker contribuem para a legitimação e a sustentação de trabalho e o papel do administrador nesse contexto
da hegemonia neoliberal do capitalista, isso porque comunicativo, possibilitando, portanto, compreender a
seu discurso da desestabilização e da competitividade natureza linguística implícita na vertente gerencialista
reafirma o “fatalismo acerca das desigualdades” na e prescrita para o agir administrativo, no âmbito das
sociedade, “dos jogos de dominação instituídos”, da relações de trabalho.
“supremacia do econômico sobre o social” e a “demis- Para levar a efeito essa empreitada, tem-se
são do Estado” de suas funções sociais, proferindo um como referência a Teoria dos Atos de Fala de Austin.
“discurso assistencialista que transfere as obrigações do A presença de Austin neste texto não tem caráter
poder público para outros setores da sociedade” (PE- meramente analítico, pois ela se justifica, também,
REIRA, 2006, p. 141). Além disso, os autores destacam como fundamento do próprio pressuposto do qual se
outros pontos, por exemplo, o fato de, segundo eles, está partindo, qual seja, que a administração é uma
o discurso druckerniano ser impregnado de “crenças ação (práxis) discursiva (rhetorikê), e o administrador,
preconceituosas”, haja vista que, para ele, o branco por conseguinte, um discursador, um agente que age
norte-americano seria, por natureza, mais propenso à enquanto discursa, e que discursa sob determinado
aceitação das mudanças sociais, principalmente aque- argumento (AZEVEDO; GRAVE, 2014). Como se ob-
las relativas à transformação do trabalho manual para servará, a Teoria dos Atos de Fala sustenta que todo
o trabalho do conhecimento. (PEREIRA; MISOCZKY, ato de fala não apenas expressa um estado de coisas,
2006, p. 12) mas, também, realiza uma ação, provocando certos
A partir desse resgate das análises da obra de efeitos sobre o interlocutor. Nesse sentido, a teoria
Drucker no Brasil, podemos constatar que: primeiro, de Austin, por um lado, atua como elemento basilar
as críticas que lhe foram dirigidas dizem respeito, do pressuposto já explícito e, por outro, permite via
principalmente, a questões mais amplas, tais como seu aparato analítico, que se compreenda a natureza
sua visão sobre a sociedade; segundo, é notável a falta linguístico-discursiva do agir administrativo, no caso,
de estudos da qualidade dos de Lodi (1968; 1969), do agir administrativo gerencial.
Tragtenberg (1980), Faria (1985) e Pereira e Misoczky Metodologicamente, assumiu-se a Hermenêuti-
(2006), que busquem analisar criticamente a visão de ca de Profundidade, de John B. Thompson (2000).
Drucker, uma vez que esta, de tanta influência na prá- O cerne dessa propositura metodológica está centra-
tica administrativa, tornou-se parte do senso comum; do na análise e interpretação das formas simbólicas,
terceiro, a ausência, a partir desses dois pontos, de compreendidas como “[...] construções significativas
um questionamento do modo como o fenômeno e a que exigem uma interpretação; elas são ações, falas,
prática da administração vêm sendo conceitualizados. textos que por serem construções significativas, podem
Nesse sentido, tem-se, aqui, a pretensão de seguir ser compreendidas e interpretadas” (THOMPSON,
a postura crítica dos quatro trabalhos anteriormen- 2000, p. 357). As formas simbólicas possuem cinco
te citados, enfocando, no entanto, a concepção de dimensões que lhes caracterizam, ou seja, são in-
linguagem própria ao administrador que perpassa o tencionais, convencionais, estruturais, referencias e
pensamento druckerniano. É tal concepção que tem contextuais. Tais dimensões permitiram a análise dos
assumido o caráter hegemônico entre os praticantes e textos druckeriano e, por conseguinte, possibilitaram a
mesmo entre boa parte dos pesquisadores da área de caracterização da ação administrativa gerencial como

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ação linguística. Para tanto, lançou-se mão de questões ciados performativos depende não do que o mundo é
voltadas para a compreensão do papel do adminis- ou parece ser (verdadeiro ou falso), tal como advoga
trador e de seu modo de comunicar, quais sejam: “o a lógica positivista, mas das condições em que são
que é o administrador?”, “o que ele faz?”, “como ele proferidos, quer dizer: contexto apropriado, autoridade
faz o que faz?” e “por que ele faz o que faz?”. Ao se legitimada e sinceridade do falante, além da existência
responder a tais questões, o enfoque desta pesquisa de certas convenções culturais (PATER; SWIGGERS,
centra-se na caracterização da comunicação adminis- 2009). Segundo argumenta Austin (1962), os enuncia-
trativa gerencial, sob a perspectiva austiniana. dos constatativos têm servido aos filósofos analíticos
da linguagem (e aos linguistas) que colocam o sujeito
em suspensão e valem-se do texto (descrição) como
2 COMPREENDENDO A TEORIA DOS ATOS objeto de suas análises; enquanto os enunciados per-
DE FALA: QUANDO FALAR É FAZER formativos servem àqueles que se valem da fala. Em
verdade, na fala o sujeito faz algo ao dizer algo, o que
O uso da linguagem tem normalmente o caráter efetivamente o caracteriza como um ato performativo:
de ações. Esse fato foi deixado de lado por aqueles o ato de fala é um ato que realiza algo.
que estiveram engajados no estudo da linguagem até Na interpretação de Souza Filho (1986), com
o final do século XIX, e nos estudos em que a ação esse argumento Austin provocou um deslocamento
era tomada como um fenômeno linguístico, ela era da linguagem de sua condição de estar inserida numa
tratada como uma questão marginal, pois prevalecia teoria do significado para estar inserida em uma teoria
a atitude investigativa aristotélica de interessar-se ape- de ação, o que trouxe implicações significativas para
nas por sentenças declarativas (statement-making)11 o campo em termos ontológicos, epistemológicos e
(SMITH, 1990; 2003). J. L. Austin (1911-1960) e metodológicos. Reafirmando a singularidade da con-
seus discípulos e seguidores, em especial, J. R. Searle tribuição de Austin, Ottoni (1998, p. 89) destaca que
(1932), romperam com esse preceito positivista lógico o texto (descrição) foi deslocado para a fala (enun-
então dominante na escola de Oxford, desenvolvendo ciação), para satisfazer o pressuposto de que “[...] a
a Teoria dos Atos de Fala. Na escola de Oxford, até fala produz um ato que tem uma força e produz um
então, o significado de um enunciado era função das efeito [...]”, e, por consequência desse deslocamento,
suas condições de veracidade e os enunciados sobre os meios de averiguação do texto também foram des-
os quais não fosse possível averiguar tal condição, ou locados, ou seja, a verificação do texto quanto à sua
mesmo aquilo que diziam ou acerca dos quais não condição de veracidade (verdadeiro ou falso) empre-
houvesse lugar para proceder tal verificação, não teriam gada para explicitar o significado de um texto dá lugar
sentido. Austin colocou esse pressuposto em questão à verificação (i.e. no sentido de assegurar) de que o
e fez notar que muitos enunciados proferidos não sentido do enunciado tenha sido (ou não) apreendido
poderiam ser submetidos ao teste de veracidade, pois e compreendido pelo interlocutor (i.e. secure uptake)12.
não haveria sentido questionar se são verdadeiros ou Assim, Austin passou a distinguir o enunciado
falsos (exemplos: a sessão está aberta; prometo pagar- pelos efeitos que produz no interlocutor e, para com-
lhe amanhã) e, por esse fato, apenas, tais categorias preendê-los, o dividiu em três subatos que simulta-
de enunciados jamais poderiam deixar de ter sentido. neamente se apresentam no processo de enunciação,
(CEIA, 2011) quais sejam: (i) todo ato de fala expressa um estado
Baseado nessa crítica, Austin (1962) colocou de coisas que porta um conteúdo proposicional e uma
em evidência a dicotomia existente entre enuncia- significação no sentido tradicional, compreendendo tão
dos de tipo constatativos e de tipo performativos. somente o ato de dizer algo, pois que, o ato é o que é
Os enunciados constatativos são aqueles que podem dito, isto é, um ato locucionário, o qual corresponde
ser julgados pela condição de veracidade (verdadeiro aos atos fonético, fático e rético13; (ii) todo ato de fala
ou falso), ao passo que os enunciados performativos compreende a realização de uma ação ao dizer algo
devem ser julgados por sua condição de felicidade (ou que, pelo modo como a sentença é empregada, expres-
infelicidade). Nesse sentido, o [in]sucesso dos enun- sa uma força: uma afirmação, promessa, um comando,

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declaração, entre outras, desde que seja realizado em Na mesma linha de pensamento de Ottoni (1998),
circunstâncias apropriadas: em um contexto apropria- o estudo de Hugo Mari (2008) aborda exaustivamente
do por um sujeito investido de autoridade formal ou a questão do sujeito como lugar de produção de sen-
informal (i.e. convencional), desse modo, o ato em si tidos. O autor afirma que “[...] o sentido é tenso por
possibilita fazer uma distinção entre o dizer e o dito, natureza e por se construir em um espaço que acolhe
isto é, um ato ilocucionário; e, por fim, (iii) todo ato a intervenção aleatória e intencional daqueles que
de fala preme pela realização de certos efeitos sobre o atuam sobre ele”. (MARI, 2008, p. 38)
interlocutor ao dizer-se alguma coisa, isto é, um ato Por fim, vale dizer que para suplantar a dicotomia
perlocucionário (AUSTIN, 1962; ALCOFORADO, constatativo/performativo, a atenção de Austin (1962)
1986; OTTONI, 1998). Habermas (1984, p. 330) sin- se volta para realizar uma doutrina centrada no locucio-
tetiza esses três subatos numa frase (catchphrase): “[...] nário e ilocucionário como uma teoria geral que lhe
dizer algo, agir em dizendo algo, para obter alguma permitiu, ainda que de forma preliminar, estabelecer
coisa através da ação em dizendo algo”. classes gerais de forças ilocucionárias dos atos de fala,
Os atos ilocucionários, por serem atos convencio- segundo Austin (1962, p. 150), os quais são:
nais, diferem dos atos perlocucionários, mas, contudo,
a) Veriditivos (verdictives): expressões inerentes
ele pode ter um efeito perlocucionário. Austin (1962, p.
ao provimento de um veredito por um júri, árbi-
121) defende a tese de que um ato ilocucionário pode tro ou juiz, podendo ainda ser inerente também
ser intentado para dar cabo de um ato perlocucionário a uma estimativa, parecer ou avaliação.
e exemplifica: “[...] ao ouvir o que foi dito pode-se b) Exercitivos (exercitives): expressões associa-
saber que atos locucionário e ilocucionário foram das ao exercício de poder, direitos ou influên-
realizados, mas não que atos perlocucionários foram cias (voto, ordem, impulso, conselho, aviso,
alcançados”. Portanto, o sentido de um ato de fala, entre outras).
para esse autor, está na convenção (i.e. força ilocucio- c) Compromissivos (commissives): expressões
nária; sentido) ou na intenção de um falante, mas, em que dizem respeito à promessa ou compromis-
última instância, segundo Ottoni (1998), a intenção e a so; elas comprometem alguém para fazer algo;
significação de um ato de fala almejadas pelo locutor elas têm conexões óbvias com as expressões
são de fato determinadas pelo interlocutor, pois ambas veriditivas e exercitivas.
se realizam no interlocutor por meio do uptake14. d) Comportamentativos (Behabitives): expres-
Compreender a questão da intencionalidade e sões diversas inerentes a atitudes e comporta-
sua relação com a significação, segundo Ottoni (1998), mento social (desculpar, felicitar, elogiar, con-
comporta certa dificuldade pelo fato de que, na pro- dolências, xingar, desafiar).
posição de Austin, a noção de diálogo não foi expli- e) Expositivos (expositives): expressões que
citada15. Dessa forma, o autor fornece os contornos deixam claro como nossos proferimentos
de uma dialogia subjacente à Teoria dos Atos de Fala: encaixam-se no curso de uma discussão ou de
uma conversa, ou seja, como estamos usan-
Pode-se concluir [...] que em qualquer situ- do as palavras (resposta, defesa, concessão,
ação de fala não há um ‘controle’ do sujeito ilustração, assunção, postulado)
(falante) sobre sua intenção, já que ela se rea-
As ideias de Austin chegaram ao Brasil, na década
liza juntamente e através do uptake (com seu
interlocutor). O uptake é então uma condição de 1980, por meio de trabalhos realizados notadamente
necessária do próprio ato (de fala), e é ele que nos campos da filosofia, da linguagem e da educação.
produz o ato. [...] Deste modo, pode-se dizer que Alguns dos trabalhos mais significativos sobre a teoria
o uptake numa versão branda é o lugar em que austiniana podem ser verificados nas obras de Danilo
se complementam o ‘eu’ e o ‘tu’, em que se as-
Marcondes de Souza Filho, Paulo Ottoni e Hugo Mari,
segura a fala. Numa versão mais forte, o uptake
já citados anteriormente. Porém, parece que foi Paulo
é o lugar do desmantelamento da intenção, o
caminho próprio da desconstrução. (OTTONI, G. Suess (1979) o primeiro, em território brasileiro, a
1998, p. 81-82, grifos do autor) utilizar as ideias de Austin, ao explicar sobre a estru-
tura transcendental da comunicação do cristianismo.
Contudo, a aplicação da Teoria dos Atos de Fala no

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campo dos estudos organizacionais e da administração portanto, aos esforços anteriores daqueles pesquisa-
brasileiro ainda é incipiente. Nos últimos anos do sécu- dores.
lo passado e, mais precisamente, a partir dos primeiros
anos deste, alguns trabalhos marcaram timidamente
a presença de Austin, seja por interpretações quase 3 A AÇÃO ADMINISTRATIVA GERENCIAL
marginais do texto original ou por reinterpretações de COMO AÇÃO LINGUÍSTICA
autores comentadores estrangeiros como, por exemplo,
o texto de Rivera e Artmann (2006). Nesse texto, os A sociedade moderna é, em sua essência, uma
autores apontam Rafael Echeverría e Fernando Flores sociedade de organizações. É este o ponto de partida
como aqueles que desenvolveram “a concepção de de Drucker (1994, p. 28, grifos do autor): “[...] em
liderança como fenômeno linguístico”, valendo-se da todos os países desenvolvidos, a sociedade transfor-
taxonomia dos atos de fala de Austin e Searle aplicada mou-se em uma sociedade de organizações, na qual
ao campo organizacional (RIVERA; ARTMANN, 2006, todas ou quase todas as tarefas são feitas em e por
p. 418). Echeverría (2006) destaca a importância do uma organização”. Organização aqui compreende um
poder transformador da linguagem em organizações conjunto significativo de tipos de arranjos sociais, in-
que se orientam cada vez mais para a participação, cluindo empresa, governo, complexo militar-industrial,
autogestão e trabalho em equipe, pois, nesse sentido, universidade, prestadoras de serviços comunitários,
a linguagem estrutura a coordenação das ações entre etc. Nesse contexto, qualquer obrigação social, quer
interlocutores como um conjunto de habilidades de seja um compromisso econômico, um atendimen-
conversação para compreender o trabalho não manual to médico-hospitalar, de educação, seja proteção
(i.e. colarinho branco) como uma rede de conversações ambiental, a procura de novos conhecimentos ou a
que constituem uma relação de linguagem e emoções. defesa nacional, é confiada a grandes organizações.
No campo dos estudos organizacionais e da admi- Elas, sejam empresas privadas ou de serviço público,
nistração brasileiro, salienta-se a contribuição de Mattos são órgãos da sociedade, isto é, não existem para si
(2003a; 2003b) e Honório e Mattos (2010). Nesses mesmas, não são um fim em si mesmo, mas meios, pois
textos, Mattos aborda o debate acerca de problemas a sociedade confia a cada instituição uma finalidade
que afligem as relações entre acadêmicos e consultores, específica. No caso da empresa, a sua finalidade é o
educadores e educandos; a linguagem da consultoria desempenho econômico.
organizacional; e a adoção de papéis nas organizações Dado esse pano de fundo, qual seja, vive-se em
em confronto teórico com a pragmática da linguagem, uma sociedade de organizações, onde cada um de seus
especialmente a Teoria dos Atos de Fala. Apesar de sua tipos possui uma função específica a desempenhar, e
importante contribuição para a inserção das ideias de desempenhar eficaz e eficientemente, vale destacar
Austin em nosso campo é notória a ausência em seus que, para o autor, as empresas têm como função so-
textos do enfoque no que o administrador faz, como um cial o desempenho econômico, que é, ele mesmo, um
agente organizacional, um agente discursivo que age bem social. Compete às empresas, exclusivamente,
por meio da linguagem para alcançar determinado fim. cuidar desse bem, haja vista que o funcionamento das
Como se pode depreender dos autores acima sociedades desenvolvidas depende, cada vez mais,
mencionados, a Teoria dos Atos de Fala de Austin do desempenho econômico, pois somente um bom
se revela com grande potencialidade analítica para desempenho econômico pode proporcionar o atendi-
o campo do estudo da administração. Nesse sentido, mento de necessidades sociais, tais como: educação,
este trabalho é uma tentativa de compreender, via a saúde, segurança e avanço tecnológico, erradicar a
análise do caso exemplar da obra de Peter Drucker, a miséria, procurar novos conhecimentos, proteção ao
administração como uma ação discursiva e linguística ambiente, defender a soberania. Quanto mais a socie-
características da vertente gerencialista, somando-se, dade conferir importância a essas necessidades, maior

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será a dependência que se terá do bom desempenho reflexão: então, o administrador exerce uma função
econômico das empresas. Portanto, o desempenho de liderança? Para Drucker, a liderança é imanente ao
econômico é, em seu entendimento, a mais prioritária administrador, pois, dentre as responsabilidades que
das tarefas sociais, constituindo-se no bem social maior. ele prescreve, acha-se a responsabilidade pela ação
Por essa razão, a sociedade confia às organizações criadora, que nas suas próprias palavras, significa “[...]
os recursos – materiais e humanos – para que elas a responsabilidade pela tentativa de moldar o ambiente
realizem uma finalidade social e satisfaçam a uma econômico pelo planejamento, início e consecução
necessidade específica da sociedade, da comunidade de alterações no ambiente econômico” (DRUCKER,
e do indivíduo. 1964, p. 22). Nessa mesma linha de entendimento, o
Toda empresa comporta um negócio. E, nesse administrador é também um gerente e um executivo.
ponto, ela difere das demais organizações pelo fato de Com a responsabilidade pela ação criadora, o gerente
levar ao mercado um produto ou serviço, ou seja, ela tende a “afeta[r], materialmente, a capacidade da
realiza-se pelo marketing (DRUCKER, 1964). A empre- organização de trabalhar e obter resultados”, e, com
sa fornece bens econômicos e serviços no mercado e o isso, sua responsabilidade estende-se à direção, à quan-
princípio que lhe determina a natureza é a realização tidade e qualidade do trabalho, e sobre os métodos de
econômica. Esta, por sua vez, é a capacidade de uma execução do trabalho. O executivo16 “[...] faz muitas
empresa produzir mais ou melhor do que a soma de to- coisas além de tomar decisão; mas somente executivos
dos os recursos utilizados para isso. O órgão ou função tomam decisões” (DRUCKER, 1973, p. 319, tradução
ou atividade que comporta a atribuição designada pela nossa). A esta distinção, entre gerente e executivo, o
sociedade especificamente para tornar produtivos os autor apresenta um terceiro personagem denominado
recursos [humanos] é a administração, que tem sobre si “supervisor”, ao qual compete “administrar o trabalho
a responsabilidade do progresso econômico organizado dos outros” e “não têm a responsabilidade nem a au-
(DRUCKER, 1964; DRUCKER, 1975). É, portanto, toridade sobre a direção, a quantidade e a qualidade
nesse contexto que a administração e o administrador do trabalho, ou sobre os métodos de execução do
estão situados no pensamento druckeriano. trabalho” (DRUCKER, 1977, p. 13-17). Apesar dessa
A administração é o órgão que ordena e dirige distinção, essas personagens, tal qual apresentadas
uma empresa, sendo suas funções e deveres determi- na obra de Drucker, permanecem sob a jurisdição
nados por uma única coisa: a “realização econômica”, gerencialista.
portanto, ela “é um órgão econômico” e “[...] só pode Essa caracterização anterior é genérica e pouco
justificar sua existência e sua autoridade pelos resul- informa, com especificidade, a ação linguística em
tados econômicos que produza” (DRUCKER, 1964, jogo. Em direção a uma maior aproximação daquilo
p. 20). As funções e deveres da administração são que realmente se quer investigar, será lançada, então,
organizados, estruturados e formalizados na empresa, uma primeira questão: o que faz o administrador? Sua
cuja abrangência circunscreve apenas a organização resposta:
dos chefes e suas funções (DRUCKER, 1964; DRU- a) Estabelece objetivos e metas e as faz chegar
CKER, 1975). Nisso reside a crença de Drucker sobre até àquelas pessoas cujo desempenho leva-os a
o que a administração é e a sua concepção de estrutura atingi-las (DRUCKER, 1975, p. 437). No exer-
organizacional. cício dessa função, o administrador deve lidar
Quem é o administrador, para Drucker? É o com decisões sobre questões inerentes ao for-
elemento chave da empresa. O administrador executa necimento de mercadorias e serviços desejados
um papel central na mobilização dos recursos para a pelo consumidor, ao preço que o consumidor
criação de produtos e serviços. Ele não é apenas um estiver disposto a pagar e, mais, a conservação
catalisador, mas um “elemento dinâmico, vivificante”, ou aperfeiçoamento dos meios produtores de
riqueza, tanto no presente como no futuro. Aqui
que atua em muitos setores da estrutura organizacional
emergem duas habilidades do administrador
(DRUCKER, 1964, p. 15). Sem a sua liderança, os
preconizadas por Drucker: interpretar a reali-
recursos de produção permanecem recursos e nunca
dade e inovar. Dessas habilidades depende a
se tornam produção. Isto, neste ponto, requer uma sua capacidade para dominar as circunstâncias

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econômicas e alterá-las pela ação consciente as condições de amanhã em conformidade


e dirigida, pois, para o autor, o administrador com as decisões tomadas hoje. (DRUCKER,
estará, de fato, administrando somente na 1964, p. 139)
medida em que dominar as circunstâncias
Para um administrador conhecer as atividades
econômicas e alterá-las pela ação inovadora.
que faz é um passo importante para desempenhá-las,
Assim, o administrador exerce substancial (e
qualquer) autoridade na empresa, em tudo o mas não é garantia de sucesso, pois importa muito
que for necessário, para desempenhar sua res- saber a maneira como ele faz para realizar suas fun-
ponsabilidade econômica. (DRUCKER, 1964) ções. E nisso Drucker é também categórico: por meio
b) Organiza. Há um trabalho a executar e o da comunicação. Assim, para cada uma das funções
recurso com que o faz é o trabalhador. Nisto, de um administrador, há uma indicação de Drucker
dois desafios são colocados: o primeiro está sobre o que deve ser comunicado e a quem, em um
relacionado à organização do trabalho, visa modo que se assemelha à transferência de informação
a tornar o trabalho mais adequado aos seres preconizada pelo modelo de comunicação mecânico
humanos; segundo, relacionado à organização dos manuais administrativo. Sintetizando, um adminis-
do pessoal, visa a fazer com que o trabalhador trador comunica os objetivos e o que deve ser feito às
trabalhe mais produtiva e eficazmente. (DRU- pessoas cujo desempenho faz-se necessário; comunica
CKER, 1964; DRUCKER, 1975) a estrutura de organização das atividades e trabalhos
c) Motiva e transmite. Ou seja, o administrador com seus subordinados, com seu superior hierárquico,
é o agente ativador da empresa, pois todas as bem como com seus colegas para formar uma equipe
necessidades subjacentes ao desempenho do com as pessoas responsáveis pelos vários trabalhos; co-
trabalho somente podem ser satisfeitas por munica padrões ou normas de desempenho para que
intermédio do trabalho e das atribuições do
cada funcionário disponha dos padrões de avaliação,
administrador. (DRUCKER, 1964; DRUCKER,
bem como transmite o sentido de suas avaliações e
1975)
conclusões aos seus subalternos, superiores e colegas;
d) Avalia. A avaliação é o meio que Drucker utiliza
e comunica-se para expressar os seus princípios de
para desenvolver o espírito da organização
integridade de caráter (DRUCKER, 1975, p. 437-440).
alicerçado no espírito de realização. Assim, na
sua concepção, o propósito da organização é E, com isso, o administrador espera um desempenho de
“fazer com que homens comuns façam coisas seus funcionários consoante às expectativas imanentes
incomuns”; e o propósito do administrador é em cada uma de suas funções. Em outras palavras, o
de “transformar homens comuns em homens administrador diz algo na organização quando esta-
incomuns”; homens com elevados alvos e belece os objetivos, organiza as atividades e os traba-
padrões de desempenho, desenvolvidos com lhos, motiva e comunica-se com as pessoas, avalia o
base nas práticas do dia a dia, fundamentado desempenho delas, e quando forma as pessoas e a si
em princípios estritos de conduta e responsa- próprio. Ou seja, o administrador faz algo, dizendo algo
bilidade, padrões altos de realização e respeito aos seus subordinados, superiores e pares.
pelo indivíduo e seu trabalho. (DRUCKER,
Se também fosse perguntado a ele: Por que faz
1964; DRUCKER, 1975)
o que faz o administrador? Aqui, a resposta seria
e) Forma as pessoas, inclusive a si próprio. O bem mais direta: para prover o desempenho econô-
sentido que Drucker aporta para esta função
mico como um bem social e para a sobrevivência do
é a condição de perpetuação da organização.
negócio, de si próprio e da sociedade no presente e
Ao formar as pessoas e a si próprio, o admi-
no futuro. Em suas próprias palavras, temos: “Cada
nistrador propõe as bases para construir e
desenvolver a organização para o futuro. Isto decisão, cada ato, cada deliberação da administração
significa que os administradores do presente de- tem o desempenho econômico em primeiro plano”
vem sistematicamente cuidar da formação dos (DRUCKER, 1975, p. 42); ou ainda: “[...] em toda
administradores de amanhã, pois somente estes ação e decisão, o administrador deve sempre colocar
podem adaptar as decisões de hoje às condi- em primeiro lugar a realização econômica” (DRU-
ções de amanhã; somente eles podem moldar CKER, 1964, p. 21). Se uma organização for privada

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de resultados, decairá e morrerá; e uma organização da empresa. Nesse sentido, o administrador define o
incapaz de perpetuar-se, falhou. É, portanto, dessa conteúdo proposicional (comprometimento) e a força
forma, que Drucker atribuiu ao administrador a respon- argumentativa do enunciado (a lógica e a dinâmica do
sabilidade por manter a empresa rentável e próspera trabalho para alcançar um desempenho econômico es-
no presente; do contrário, não haverá uma empresa a perado), para, então, proceder à devida enunciação às
explorar no futuro. E mais, ao administrador compete pessoas. Assim, combinando as noções druckerniana e
manter a empresa em condições de crescer e prospe- austiniana pode-se afirmar que, nestas circunstâncias,
rar ou, pelo menos, de sobreviver no futuro; de outra o enunciado correspondente ao excerto acima é, na
forma, terá fracassado em sua responsabilidade de concepção austiniana, um ato locucionário e um ato
manter os recursos produtivos, terá destruído o capital. ilocucionário, pois compreende tanto o ato fonético,
A dimensão tempo é inerente ao administrador porque o fático e o rético, como, também, um ato de dizer
a ele compete decisões para a ação – uma ação tem algo, expressando uma força predominantemente de
sempre em mira os resultados futuros. O administrador comando. Desse modo, o falante, isto é, o administra-
tem sempre de viver no presente e no futuro. Deve dor, espera que as pessoas compreendam e aceitem o
sempre harmonizar, em toda decisão e atitude tomada, conteúdo proposicional (i.e. condição de felicidade),
as exigências do futuro imediato e mediato. Não se comprometendo-se com o que espera o administrador.
pode sacrificar nenhuma delas sem por a empresa em Assim, os interlocutores-trabalhadores, por sua vez,
risco. (DRUCKER, 1975; DRUCKER, 1977) no limite, buscam esclarecerem-se sobre os elementos
Para adentrar ainda mais na ação administrativa da enunciação que os levem a compreender e aceitar
gerencial preconizada por Drucker, e dela retirar seu tal proposição, visto que o administrador apenas tem
elemento linguístico, é possível seguir duas análises a incumbência de comunicar e esclarecer suas deci-
exemplares17. De antemão, esclarecemos que a nossa sões acerca das metas e do trabalho a ser realizado.
análise parte do pressuposto de que Drucker, por inter- Além disso, o administrador, ao realizar a enunciação,
médio de seus textos, continua ainda, nos dias de hoje, apresenta-se com legitimidade às pessoas, pois a
a enunciar para estudantes, praticantes, executivos e enunciação é realizada por alguém que detém uma
acadêmicos a sua práxis administrativa. Por essa razão, autoridade formal concedida no âmbito da estrutura
e seguindo as orientações de Mari (2001), é possível organizacional da empresa e é realizada no âmbito
tomar os textos de Drucker como enunciados realizados de um contexto organizacional que é próprio (i.e. por
no tempo presente. convenção).
Primeira análise. Considera-se a seguinte O ato ilocucionário, sendo compreendido e acei-
passagem: to pelos trabalhadores, determina que as metas em
cada área de objetivos e o respectivo trabalho a ser
[...] [o administrador] determina quais devem feito para alcançá-los são atribuídos à organização
ser as metas em cada área de objetivos e o que e às pessoas e, desse modo, pelo sucesso da enun-
deve ser feito para alcançar estes objetivos.
ciação, satisfaz-se, então, a condição de felicidade.
E, finalmente, torna esses objetivos e o que
deve ser feito comunicando-os às pessoas cujo Dessa forma, o pressuposto performativo de Austin
desempenho se faz necessário para se chegar para o ato, o falante ao dizer algo, provoca algo no
a eles. (DRUCKER, 1975, p. 437) mundo, no caso, no mundo organizacional. Todavia,
a compreensão e a aceitação de um ato de fala não
Verifica-se, nesse excerto, a função que Drucker são garantias de que as pessoas cumprirão as ações
concebe acerca de uma das funções do administrador: comunicadas, ainda que se espere que compromissos
estabelece objetivos e metas. Desse modo, a função assumidos sejam cumpridos, mas, como afirma Mari
de determinar quais devam ser as metas em cada (2008), não há nenhuma garantia de que o que é
área de objetivos e o que deve ser feito para alcançar compreendido e aceito pelas pessoas corresponde
estes objetivos corresponde a um esforço preparatório ao que será produzido pelo enunciado. Isso porque
que o administrador faz para estabelecer uma lógica a natureza desse ato ilocucionário que compreende
e uma dinâmica para o trabalho, tendo em vista um o que é dito (i.e. ato locucionário) compreende, ao
desempenho econômico que satisfaça as exigências

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mesmo tempo, um ato perlocucionário, pois, por sua compromisso moral que, ao mesmo tempo, ex-
realização, o administrador provoca certos efeitos sobre presse o propósito e o caráter das organizações.
(DRUCKER, 1975, p. 890)
os interlocutores ao dizer algo e ele espera das pessoas,
no futuro, a realização do trabalho especificado para
Primeiramente, vale ressaltar que o instrumento
alcançar as metas também especificadas para cada
que informa as ações do administrador é a racionali-
área de objetivos.
dade econômica. Estas, porém, necessitam, em sua
Dado o fato de o administrador realizar as ações
concretização, de dois outros elementos, quais sejam:
pelo feito de outros – uma concepção druckerniana
o exercício do poder sobre as pessoas e um acondi-
de comando –, notadamente, vista sob a concepção
cionamento estrutural regido pela impessoalidade. Ou
austiniana (AUSTIN, 1962), leva à afirmação que
seja, para Drucker, o administrador, para fazer algo, diz
predomina em seus atos a natureza perlocucionária
algo agindo e decidindo, de forma impessoal, com base
e, assim, podem ser enquadrados, por um lado, sob
em uma racionalidade econômica, diretamente sobre
a ótica do falante, na classe dos atos associados ao
as pessoas para alcançar uma intenção (antecipada)
exercício do poder, correspondendo aos atos exer-
de resultados, e o faz não apenas com o uso da lin-
citivos, e, por outro lado, sob a ótica do interlocutor,
guagem, mas também através da aplicação de alguns
na classe dos atos que dizem respeito à promessa ou
instrumentos extralinguísticos, como a racionalidade
compromisso, pois comprometem alguém para fazer
econômica, o poder definido a priori e a impessoalida-
algo, correspondendo aos atos compromissivos. Essa
de legitimada socialmente. O administrador utiliza tais
concepção austiniana é corroborada em Drucker,
instrumentos como mecanismos não linguísticos para
quando este define que cabe ao administrador “[...]
coordenar os planos de ação entre os interlocutores
provocar impactos sobre as pessoas, as comunidades
e usa a linguagem de modo não convencional para
e a sociedade [...]” e que tal finalidade exige ter “[...]
causar um algo no mundo, no mundo organizacional.
ter poder e autoridade sobre as pessoas, como por
Portanto, o administrador, ao comunicar algo,
exemplo, seus empregados”. (DRUCKER, 1975, p. 44)
pretende que sua intenção seja realizada no ouvinte
Segunda análise. Aqui, pretende-se identificar a
(causação) e, dessa forma, constrói o seu ato linguístico
existência e a natureza do instrumento extralinguístico
em conformidade com o seu interesse predeterminado.
que o administrador dispõe para realizar a sua práxis
Sob a perspectiva linguística, o ato de fala é fonético,
discursiva e, posteriormente, fazer a análise do modo
fático e rético e, sob a perspectiva de Austin, a sua
de comunicação associado, partindo-se dos excertos
natureza é predominantemente perlocucionária, pois
a seguir. “O administrador escolhe racionalmente
os interlocutores não encontram um espaço para va-
entre alternativas de ação para efetivar os resultados
lidar as pretensões do administrador em face de sua
desejados” (DRUCKER, 1964, p. 26). “O trabalhador
intenção e da força dos instrumentos empregados no
deve [...] ser administrado de acordo tanto com a ló-
ato discursivo. Nessas circunstâncias, o ato linguístico
gica do trabalho, como a dinâmica de sua atividade”.
não é orientado para o entendimento entre falantes
(DRUCKER, 1975, p. 201)
e ouvintes, mas para ‘intervir’ no curso da interação
e obter a aquiescência dos ouvintes para o objetivo
As pessoas agem à medida que são recompen-
sadas ou punidas. Pois, para elas, isso representa almejado. Predomina, neste tipo de ato, um conteúdo
justiça [...] a verdadeira expressão dos valores proposicional e uma força ilocutória manifestada não
da instituição e de sua verdadeira, e não de com base em uma argumentação convincente, mas
sua propalada, finalidade e papel. (DRUCKER, por uma intenção do falante substanciada em instru-
1975, p. 555). mentos extralinguísticos (i.e. racionalidade econômica,
[Os administradores] mantêm o cargo porque poder-sobre, impessoalidade) que não oferece espaço
desempenham [...]. E, todavia o desempenho
às pessoas para compreender e aceitar, mas aquiescer.
por si nunca foi fundamento suficiente para
a legitimidade. O que os administradores ne- O uso e o efeito que os mecanismos extralinguísticos
cessitam para serem aceitos como autoridade causam nos interlocutores não são tratados com igual
legítima é um princípio de moralidade. Eles proporção aos atos ilocucionários. Na concepção de
precisam fundamentar sua autoridade em um Austin (1962), tais atos podem ser incluídos, de um

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lado, tanto na classe dos atos veriditivos, por prove- subsumir-se, tornando-se, na verdade, um operador
rem uma determinação, um veredito, sobre o trabalho das intenções do administrador. Nessas circunstâncias,
a ser feito, como na classe dos atos exercitivos, pelo a prática discursiva do administrador druckerniano
exercício do poder de mando do administrador e, de é, predominantemente, perlocucionária, centrada na
outro lado, são, também, atos compromissivos, pois voz de comando, consubstanciada pela racionalidade
comprometem alguém para fazer algo, portanto, dizem econômica em todas as ações e decisões, pelo exercício
respeito à promessa ou compromisso. do poder sobre as pessoas e pela impessoalidade nas
relações sociais.
Para não comprometer o desempenho econômico
4 CONCLUSÕES da empresa, da sociedade, e de si próprio, o administra-
dor tem licença legitimada pela sociedade para utilizar-se
As análises feitas demonstram que a prática de uma miríade de controles coercitivos sobre o traba-
linguística gerencial vai além das questões mecânicas lhador (poder-sobre) para realizar a sua contribuição, e
consolidadas nos manuais, pois a questão discursiva, o faz, também, por meio dos princípios de racionalidade
que compreende a linguagem e o modo de comunicar econômica em todas as decisões que toma.
é central para o administrador exercer a sua função No mesmo sentido, de modo a não colocar sua
na organização. Nessa perspectiva gerencialista, o face em risco, o administrador age de modo impessoal,
administrador passa da intenção à realização. Ele mantendo, em todas as suas ações e decisões, certo
transforma objetivos empresariais em realização por distanciamento emocional para não envolver-se ou
meio do trabalho. Neste sentido, para o trabalhador comprometer-se com situações sociais que não estejam
realizar algo, algo tem de ser dito e de certa forma, vinculadas às questões de desempenho econômico,
em certo lugar e em certo tempo. O tempo: presente. isto porque um desempenho inadequado nesse campo
O lugar: a empresa, a organização. E a forma: predo- o colocaria em situação de fragilidade em futuros en-
minantemente perlocucionária, dado a concepção de contros. Por fim, as análise empreendidas corroboram
homem trabalhador druckerniano, que na perspectiva o pressuposto firmado no início deste trabalho, que a
gerencialista se ajusta às demandas que lhe são feitas. administração é uma ação linguístico-discursiva com
O pressuposto secure uptake que preconiza um certo argumento elaborado de modo a provocar efeitos
diálogo não encontra espaço na práxis discursiva sobre o interlocutor. No caso da ação linguístico-dis-
gerencialista do administrador, supõe a obediência cursiva gerencial, da maneira como foi apresentada
pronta, uma vez compreendida a sentido do ato de por Drucker, volta-se para o imperativo desempenho
fala. O discurso desse administrador tem apenas uma econômico como um bem social.
direção: fazer trabalhar o trabalhador, converter a Neste trabalho, tomou-se por base o pensamen-
intenção que é de um, do administrador, na realiza- to de Peter Drucker para compreender a linguagem
ção por outros (dos trabalhadores). Portanto, entre a gerencial à luz da Teoria dos Atos de Fala de Austin.
intenção e a realização está o uso da linguagem e o Como afirmado anteriormente, no âmbito da adminis-
modo de comunicar do gerencialismo que, como a um tração, outras correntes discursivas desenvolveram-se,
conversor de energias, está lá para converter esforço notadamente, a partir da segunda metade do século
humano em realização econômica, processo esse que passado, que, aqui, denominou-se de lideracionista
realiza uma intervenção no modo de ser e no modo e “política”, as quais, se comparadas ao arcabouço
de fazer do trabalhador, alavancado pelo exercício de gerencialista aqui examinado, supõem-se usos distintos
um poder coercitivo – poder-sobre – que se ancora da linguagem pelo administrador. Assim, trabalhos
em uma concepção de homem-flexível em geral e, em futuros poderão também analisar esses temas à luz da
particular, de trabalhador-flexível que busca prover o Teoria dos Atos de Fala de Austin.
seu sustento, pertencer a um grupo e realizar-se como Os autores são gratos pelas contribuições que os
profissional. Não há, portanto, nessa práxis linguística, avaliadores anônimos deram para que o presente texto
espaço para a expressão do contraditório e a mediação fosse aperfeiçoado. Também agradecem ao CNPq, pelo
das diferenças e, dessa forma, o trabalhador tende a financiamento de suas pesquisas.

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maio 2014. 7 Com o uso dos termos “interno” e “externo” não se
tem a pretensão de conferir objetividade extrema à noção
WEBER, M. The theory of social and economic de fronteira organizacional. Nesse sentido, seu uso é
organization. New York: The Free Press, 1947. mais com finalidade didática do que a referência a uma
realidade objetiva. Para uma discussão mais precisa sobre
a origem e influência da dicotomia interno-externo na
teoria das organizações, consultar Crubellate (2008, p.
NOTAS 21-35).

1 Um complexo conjunto de autores autoriza tal 8 Os estudos sobre stakeholders exemplificam bem o que
afirmativa, destacando-se, entre eles, Polanyi (1980), se quer dizer.
Guerreiro Ramos (1981), entre outros.
9 Peter Ferdinand Drucker nasceu em 1909 e faleceu no
2 Sobre essa questão, consultar Guerreiro Ramos (1984). final de 2005. No Brasil, o anuncio de seu falecimento
foi generalizado. As matérias jornalísticas, em geral, o
3 Sobre a questão dos diferentes níveis de abstração do
apontavam como tendo sido um dos autores que mais
pensamento administrativo, consultar Rezende (1980).
contribuiu para o desenvolvimento do pensamento
gerencial moderno na segunda metade do século XX.
4 A nomenclatura aqui adotada para designar as três
“O pai da administração moderna”, foi a manchete usual
correntes discursivas do pensamento administrativo
dos jornais e revistas nacionais. “Uma simples declaração
(gerencialista, lideracionista e “política”) é devedora
de Peter Drucker [...]”, grifou o jornal O Estadão (14
dos estudos de Crubellate et al. (1999) e Azevedo e
nov. 2005), “[...] podia mudar o modo como alguns
Grave (2014). Cada corrente discursiva revela distinta
dos líderes corporativos mais poderosos dos Estados
visão da organização e, por conseguinte, abordagem da
Unidos administravam seus negócios”. A Revista Exame
administração e do administrador.
não hesitou em glorificá-lo, afirmando ter sido ele um
5 É importante destacar que muitos dos autores que “profeta” e que ele havia deixado “[...] um legado de
contribuíram para que a vertente lideracionista surgisse ideias que revolucionaram o mundo dos negócios” (21
e se desenvolvesse pertencem, em verdade, à linhagem nov. 2005). Também o Jornal Administrador profissional
gerencialista, pois que seus escritos foram e vem sendo (2006) mantido pelo Conselho Regional de Administração
transplantados para esta vertente. Tal processo de de São Paulo (CRA/SP), destacou o seu falecimento com
transplantação conceitual, quando não se revela um a seguinte manchete: “Peter Drucker: o gênio que deu
tipo de misplacement of concept (GUERREIRO RAMOS, simplicidade à ciência da administração”.
1981), ou uma atitude corruptora às linhas mestras do
10 Aqui não se enfocará o modo como a obra de
pensamento do autor, nada mais faz do que revelar
Peter Drucker aparece comentada nos manuais de
afinidades substancias, que nem sempre estão totalmente
administração. Basta apenas dizer que dois deles
à mostra em uma primeira mirada. Críticas severas às
(CHIAVENATO, 2003; MAXIMIANO, 2004), o tratam
finalidades manipuladoras que geralmente resultam dessa
como “pai” da administração por objetivos.
transposição de conceitos são frequentes.

11 Para Aristóteles (2007, p. 4), toda sentença é


6 Usa-se o termo política aqui entre aspas para designar
significativa, porém nem sempre uma sentença é
não a política em si mesma, tal qual fizeram e fazem
declarativa, propositiva. O fato determinante dessa
estudiosos dos campos da Filosofia Política e da Ciência
característica era a possibilidade de uma sentença ser
Política, em que predomina o Espaço Público, mas uma
testada quanto à veracidade (verdadeira ou falsa); as
espécie de derivação dela, ou seja, trata-se da política
sentenças de outras naturezas, tal como “uma oração
redutível ao plano das organizações ou instituições

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[a prayer,] é uma sentença, mas não é verdadeira nem conjunto de cinco excertos sobre os quais se buscará
falsa”, assim sendo, eram descartadas por se prestarem à compreender a práxis linguístico-discursiva gerencial.
esfera dos estudos da retórica ou da poesia.

12 Para Austin (1962), um ato de fala é bem-sucedido


quando o interlocutor apreende e compreende o sentido
do enunciado e, nestas circunstâncias, uma condição
de felicidade (happiness, felicities) é atribuída ao ato,
do contrário, é atribuída uma condição de infelicidade
(infelicities).

13 Ao fazer um proferimento, o falante realiza: uma


sequência de fonemas (i.e. um ato fonético), uma
sequência de vocábulos estruturados sintaticamente (i.e.
um ato fático) e palavras e frases com certo sentido e
referência (i.e. um ato rético). (VELASCO, 1995, p. 6)

14 A força ilocucionária é constituída de uma série


de fatores, porém o grau de sua expressividade é
consequência do ‘poder’ de argumentação do falante
– isto é mais bem explorado em Searle (1969), cf. atos
preparatórios, expressivos e essenciais; e em Habermas
(1984), pela via da teoria da argumentação associada às
teorias da ação e do sentido.

15 Tal ausência suscitou críticas, ponderações e


interpretações diversas como a de Habermas (1984, p.
294), que considera que Austin confundiu o esquema
teórico por não tratar “[...] essas interações em
conexão com as quais ele analisou o efeito vinculativo
ilocucionário dos atos de fala, como de um tipo diferente
dessas interações em que os efeitos perlocucionários
ocorrem [...]”, pois os efeitos perlocucionários de um ato
comunicativo (ilocucionário), em toda a sua extensão,
complementa Habermas, não podem ser produzidos no
mesmo plano da interação.

16 O termo executive empregado no livro Management:


Tasks, Responsibilities, Practices (Cap. 37, edição
americana) tem sido traduzido para o português pelos
termos: executivo e administrador, como encontrados,
no capítulo 37 da edição brasileira, e, ainda pelo termo
gerente, como no livro Gerente Eficaz. Assim, em nossa
tradução, o termo executive foi traduzido por executivo,
respeitando-se a distinção que ele queria fazer entre
o administrador burocrata (gerente) e o tomador de
decisões.

17 Para fins de análise exemplificativa destaca-se um

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