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Cadernos de Linguagem e Sociedade, 18(2), 2017

FAIRCLOUGH, Norman; FAIRCLOUGH, Isabela. Political discourse analysis: a method for


advanced students. London: Routledge, 2012.

Resenhado por Emmanuel Henrique Souza Rodrigues1


(Universidade Brasília - UnB)

Desde quando começou sua carreira acadêmica, Norman Fairclough fez significativas e várias
contribuições para o que se pode chamar de Critical Discourse Analysis (CDA), em português
traduzido por Análise de Discurso Crítica (ADC) 2. Três de suas obras são consideradas chaves para
entender o processo de evolução de sua proposta de ADC (RAMALHO; RESENDE, 2011;
RESENDE; RAMALHO, 2011): Discourse and social change, publicado em 1992, Discourse in late
modernity, publicado em 1999, e Analysing Discourse, publicado em 2003. Sua obra, entretanto, não
para em 2003, tendo o inglês publicado diversos artigos e livros, além de ter publicado reedições. A
obra Political discourse analysis: a method for advanced students, que não tem tradução ao português
ainda, é um desses livros, com um estudo de aprofundamento, na qual o coautor e a coautora buscam
aprofundar e propor uma metodologia de ADC aplicada ao estudo da argumentação. Sugiro, para o
seu título em português, “Análise de discurso político: um método para estudantes avançados”3.
A coautora desse livro, por sua vez, atua na University of Central Lancashire (UCLAN), após
ter atuado na Universidade de Bucareste e na Universidade de Lancaster. Isabela Fairclough tem
diversos estudos ligados à argumentação, tendo publicado, em 2006, os livros Argumentation,
Dialogue and Ethical Perspective in the Essays of H.-R. Patapievici e Discourse Analysis and
Argumentation Theory: Analytical Frameworks and Applications além de vários artigos, capítulos
de livros e apresentação de conferências em eventos acadêmicos com os temas de ADC e
argumentação.
Passando ao livro, um dos pontos cruciais do “Análise de discurso político” é a noção do que
é político e da posição que a autora e o autor tomam. De fato, apontam que

1
Graduado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caruaru – FAFICA, especialista em Linguística
Aplicada a Práticas Discursivas pela Faculdade Frassinetti do Recife – FAFIRE, mestre em Linguística pelo Programa
de Pós-Graduação em Linguística – PPGL da Universidade de Brasília – UnB e doutorando em Linguística pelo mesmo
programa e universidade. Atua em pesquisas balizadas pela Análise de Discurso Crítica e pela Linguística Sistêmico-
Funcional junto ao Núcleo de Estudos em Linguagem e Sociedade (NEliS/CEAM/UnB).
2
Há outra forma de tradução corrente na academia brasileira para Critical Discourse Analisys: esta seria Análise Crítica
de Discurso (ACD). Opto por ADC valendo-me das colocações de Magalhães (2005), nas quais propõe que a
denominação Análise de Discurso Crítica serviria para diferenciá-la da área denominada Análise de Discurso
(Francesa), que está instaurada no Brasil há mais tempo. Acrescentar um “Crítica” ao final serviria para diferenciar uma
tradição da outra.
3
Tanto esta quanto as demais traduções apresentadas nesta resenha de títulos ou de trechos da obra são traduções livres
feitas por mim.
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P. 239– 243 Emmanuel Henrique Souza Rodrigues

o livro se ancora numa visão de política na qual a deliberação, decisão e ação são
conceitos cruciais: política é sobre chegar cooperativamente em decisões sobre o que
fazer nos contextos de desacordo, conflito de interesses e valores, desigualdades de
poder, incertezas e risco (FAIRCLOUGH; FAIRCLOUGH, 2012, p. 1).

Os objetivos do livro colocados pela autora e pelo autor são: fazer uma observação e análise
do discurso político como primariamente argumentativo; observar o caráter e a estrutura da
argumentação prática e desenvolver o arcabouço de análise e avaliação, levando em conta a natureza
da política de acordo com o colocado pela teoria política; integrar a análise argumentativa prática
baseada em uma versão de análise de discurso crítica redefinida e expandida para a argumentação;
aplicar essa proposta na análise e avaliação do discursos político voltado às respostas políticas à crise
financeira e econômica para, por fim, conseguir “prover um modelo de análise que seja
suficientemente compreensivo, sistemático e claro a ser adquirido e aplicado por estudantes e
analistas de discurso político” (FAIRCLOUGH; FAIRCLOUGH, 2012, p. 11).
Esses objetivos são alcançados em seis capítulos, que podem ser divididos em duas partes
diferentes: a primeira metade do livro, composta pelos capítulos de 1 a 3, introduz a nova abordagem
para a análise e avaliação de argumentos práticos; a segunda metade, com os capítulos de 4 a 6, por
sua vez, explora como essa abordagem pode ser aplicada, apresentando uma série de exemplos como
relatórios governamentais, debates parlamentares, discursos políticos e fóruns de discussões em
questões políticas no espaço virtual, tendo como tema a resposta política à crise financeira.
Explorando agora essa primeira metade, o primeiro capítulo, “Análise de discurso político e
a natureza da política”, apresenta conceitos de política e os integra à análise de discurso. Esta obra
toma contribuições de Van Dijk do que é Political Discourse Analysis (PDA), ou Análise do Discurso
Político (ADP), e também adotam sua

caracterização do discurso político enquanto anexado aos atores políticos –


indivíduos (políticos, cidadãos), instituições políticas e organização, engajados nos
eventos e processos políticos e eventos – e sua ênfase que uma noção de contexto é
essencial ao entendimento do discurso político (FAIRCLOUGH; FAIRCLOUGH,
2012, p. 17–18).

A autora e o autor ancoram seu criticismo da ADP na discussão de duas já existentes


abordagens ao discurso político, ao apresentar, neste capítulo, a teoria aristotélica clássica e a
moderna, apresentando a argumentação e deliberação práticas na ADP justificadas pela própria
natureza da política. A partir deste capítulo se vê que a obra defende a democracia deliberativa como
a melhor possibilidade para a atividade política. A argumentação, por conseguinte, é essencial para a

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democracia. O capítulo termina dizendo que seu principal objetivo é estabelecer a base de
desenvolvimento de uma nova abordagem para a ADP.
O segundo capítulo segue nesse construir de uma abordagem. Ele é intitulado “Raciocínio
prático: uma estrutura para análise e avaliação” e apresenta um “conceito original da estrutura e
avaliação do raciocínio prático, a partir de pontos existentes na teoria da argumentação e da filosofia”
(FAIRCLOUGH; FAIRCLOUGH, 2012, p. 15). O capítulo anuncia em seu início que apresentará o
arcabouço analítico usado no livro: o entrelaçar entre a teoria da argumentação e a ADC. A partir daí
o capítulo apresenta o raciocínio prático (relacionado ao que fazer) e o teórico (relacionado ao que se
é), bem como os tipos de argumentação, com conceitos advindos da tradição dos estudos
argumentativos. A partir da página 39 é apresentada a “proposta de análise da estrutura do raciocínio
prático”. Essa apresentação é materializada de maneira gráfica na página 45, quando é apresentada,
em forma de diagrama, a proposta em si resumida; na página 48, no diagrama “estrutura de raciocínio
prático: uma representação mais detalhada”; na página 51, no diagrama “deliberação: argumento e
contra-argumento”. A partir da página 62, por sua vez, apresenta a “proposta de avaliação do
raciocínio prático” a partir da discussão de abordagens filosóficas ao que conceituaram como
raciocínio prático.
Vale ressaltar, a partir de uma observação mais atenta e guiado pela tradição que gerou a ADC
faircloughiana, um diálogo constante com categorias inspiradas na Linguística Sistêmico-Funcional,
além de claras inspirações em outras obras de Norman Fairclough. Este capítulo segundo, de fato, é
o coração da obra. O pulsar dele, entretanto, segue para o terceiro capítulo, que é intitulado “Análise
de discursos crítica e análise da argumentação”, no qual é apresentada

uma abordagem para a ADC e discutida sua relação com a ciência social crítica e as
formas de crítica associadas com ela, discutindo, então, como a análise e a avaliação
dos argumentos como foram apresentados no capítulo 2 podem aumentar a
capacidade da ADC perseguir seu objetivo de estender a crítica discursiva
(FAIRCLOUGH; FAIRCLOUGH, 2012, p. 16)

A autora e o autor apresentam, de fato, o conceito de ciência social crítica para, na sequência,
apresentar a ADC e seu arcabouço, passando desde o conceito de discurso até a trama da abordagem
crítico discursiva. Fairclough e Fairlclough (2012) resgatam conceitos já apresentados em obras como
Chouliaraki e Fairclough (1999), aqui sendo clara a influência de autores como Bhaskar, em seu
realismo crítico, Bourdieu e outros pensadores que ajudam a tecer a ADC faircloughiana.
Para esse capítulo são utilizados os discursos do primeiro ministro britânico Tony Blair, que
já foram analisados em outra obra de Norman Fairclough (2000). Neste capítulo a autora e o autor

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P. 241– 243 Emmanuel Henrique Souza Rodrigues

expandem e aplicam o colocado no segundo capítulo. A página 89 e a 91 apresentam a aplicação dos


diagramas do capítulo segundo aos argumentos apresentados por Blair. As seções desse capítulo
desenvolvem teoricamente a partir da análise prática: é uma proposta típica da apresentação
pedagógica da ADC. É assim quando há a proposição de um uso mais específico, restrito, do conceito
de legitimação, apresentando-o como um tipo particular de justificação argumentativa, diferente do
uso mais amplo que tem sido corrente na ADC.
É corrente que livros de ADC, novamente evoco aqui a pedagogia linguístico-aplicada da
ADC, apresentem seções com a prática do arcabouço apresentado na primeira parte das obras. É
assim, por exemplo, as obras Discurso e mudança social (FAIRCLOUGH, 2001) e Análise de
Discursos (para a) Crítica (RAMALHO; RESENDE, 2011). Enfim, passemos agora à segunda metade
da obra, que tem esse cunho. Ela é aberta com o quarto capítulo: “A crise econômica no Reino Unido:
estratégias e argumentos”. O autor e a autora dizem que “neste e nos três capítulos seguintes devem
se mover para a análise de argumentação prática na resposta política à crise” (FAIRCLOUGH;
FAIRCLOUGH, 2012, p. 117). Esse capítulo disseca os argumentos colocados na política inglesa
sobre a crítica econômica, a partir do que foi desenvolvido no capítulo segundo e apresentado no
terceiro capítulo.
O quinto capítulo segue esta linha de exemplificação e é intitulado “Valores como premissas
no debate público sobre os bônus aos banqueiros”. Ele é uma versão revisada de Fairclough e
Fairclough (2011) no qual os autores ilustram “a visão de como valores entram como premissas em
argumentos por analisar um fragmento de um amplo debate público (no Reino Unido) em se
banqueiros devem ou não continuar a receber benefícios” (FAIRCLOUGH; FAIRCLOUGH, 2012,
p. 176).
O sexto capítulo, intitulado “Deliberação como gênero no debate parlamentar sobre taxas de
matrículas universitárias” é o capítulo que encerra essa obra. Neste capítulo há a discussão da
deliberação no debate parlamentar, focando “no debate na Casa dos Comuns quanto à proposta
governamental de aumentar a taxa de matrícula das universidades […] apresentando como os
argumentos são avaliados pelos próprios participantes e sugerir a nossa [do autor e da autora] própria
avaliação” (FAIRCLOUGH; FAIRCLOUGH, 2012, p. 16); o debate aconteceu no dia 9 de dezembro
de 2010.
Uma leitura possível dos três últimos capítulos é que se relacionam de alguma forma também
com o framework apresentado em Fairclough (2003), afinal o quarto capítulo trata da análise da
argumentação em si, da relação entre as partes presentes na discussão, ou seja, do significado
interpessoal presente nos discursos políticos; o quinto capítulo trata de discursos de valores, de

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representações de mundo, logo, do significado representacional e; o sexto capítulo, que trata de


discussões sobre gênero, sendo relacionado ao significado acional.
É possível, dessa maneira, dizer que uma das grandes contribuições presentes nesta obra é a
observação da presença da argumentação dentro dos significados do arcabouço da ADC, mesclando
diversas epistemologias, num processo essencialmente inter e transdisciplinar que, segundo o próprio
Fairclough (2003), se trata de fazer uma disciplina funcionar a partir da lógica da outra. É nesse
sentido, por fim, que os autores apresentam sua conclusão, apontando algumas contribuições para a
ADC, para os estudos argumentativos, para a análise social e para a análise política. Dada a sua
complexidade, é uma obra, de fato, como o subtítulo apresenta, que trata de “um método para
estudantes avançados”.
Encerro esta resenha com os mesmos votos que a autora e o autor apresentam nas últimas
palavras do livro: “esperamos ter comunicado aos nossos leitores algo do nosso entusiasmo por
desenvolver a ADC integrando-a com a teoria da argumentação e pensando sobre argumentos no
discurso político” (FAIRCLOUGH; FAIRCLOUGH, 2012, p. 245).

Recebido em: agosto de 2017


Aprovado em: outubro de 2017
[email protected]

REFERÊNCIAS
CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in Late Modernity. 1. ed. Edinburg: Edinburg
University Press, 1999.

FAIRCLOUGH, N. New Labour, New Language. London: Routledge, 2000.

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. 1. ed. Brasilia: Universidade de Brasília, 2001.

FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. London and New
York: Routledge, 2003.

FAIRCLOUGH, N.; FAIRCLOUGH, I. Practical reasoning in political discourse: moral and


prudential arguments in the debate over bankers’ bonuses in the British press’. In: Proceedings of
the Seventh Conference of the International Society for the Study of Argumentation.
Amsterdam: Sic Sat, 2011. p. 434–447.

FAIRCLOUGH, N.; FAIRCLOUGH, I. Political discourse analysis: a method for advanced


students. London: Routledge, 2012.

MAGALHÃES, I. Introdução: a análise de discurso crítica. DELTA, v. 21, spe, p. 1–9, 2005.

RAMALHO, V.; RESENDE, V. DE M. Análise de discurso (para a) crítica: O texto como


material de pesquisa. 1. ed. Campinas-SP: Pontes Editores, 2011.

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P. 243– 243 Emmanuel Henrique Souza Rodrigues

RESENDE, V. DE M.; RAMALHO, V. Análise do discurso crítica. 2. ed. São Paulo: Contexto,
2011.

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