Instrumentalidade e Linguagem

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Cristiana Maria Venâncio

UMA ANÁLISE DA INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO


SOCIAL: DESNUDANDO OS RELATÓRIOS DE
DESLIGAMENTO DOS PAEFIS DE FLORIANÓPOLIS.

Dissertação submetida ao Programa de


Pós-Graduação em Serviço Social da
Universidade Federal de Santa
Catarina para a obtenção do Grau de
Mestre em Serviço Social.
Orientador: Prof. Dr. Hélder Boska de
Moraes Sarmento

Florianópolis
2018
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do
Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Venâncio, Cristiana Maria


Uma análise da instrumentalidade do Serviço
Social: Desnudando os relatórios de desligamento dos
Paefis de Florianópolis / Cristiana Maria Venâncio;
orientador, Hélder Boska de Moraes Sarmento, 2018.
184 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal


de Santa Catarina, Centro Sócio-Econômico, Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social, Florianópolis,
2018.

Inclui referências.

1. Serviço Social. 2. Assistência Social. 3.


Racionalidades e linguagem. 4. Relatório dos Paefis.
5. Instrumentalidade do Serviço Social. I. Sarmento,
Hélder Boska de Moraes . II. Universidade Federal de
Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social. III. Título.
AGRADECIMENTOS

Todo o caminho percorrido sempre é motivado por algo ou


alguém, por pessoas que com seus exemplos nos estimulam a ir adiante
ou a mudar de rota. São atitudes, gestos, oportunidades,
comportamentos, sinais, palavras, silêncio, que quase sem pretensões
nos indicam a trajetória a seguir, assim como o caminho a desviar, e
neste processo de vir-a-ser, enquanto seres viventes, seguimos na
tentativa de deixar um legado, de contribuir de alguma forma para a
construção de princípios e valores morais, éticos e políticos que
favoreçam o desenvolvimento daquilo que se pode chamar humanidade.
Nessa minha trajetória, que já acumula algumas décadas, posso
olhar para trás e para os lados e facilmente encontrar essas pessoas. Sem
medo de ser óbvia, assim como valorizando o que me é precioso,
reconheço em meus pais (Maria da Glória, Glorinha, Dona Maria ou
simplesmente Mãe, e, in memoriam, Seu Osvalci, meu Pai), em meus
irmãos, representados por Rogéria (irmã e amiga de toda uma vida), e
em meus sobrinhos, muito do que sou e conquistei. Gratidão por
fazerem parte da minha vida.
Agradeço ao Matheus e a doce Luna por preencherem a minha
vida, por me aceitarem como sou, por estarem presentes nessa
caminhada do mestrado, pelos abraços e lambidas recebidos. Voces são
a família que constitui.
Agradeço a outra família, tão preciosa quanto a biológica, que é a
família feita de amigos. Amigos dos tempos da graduação em Serviço
Social (lá se vão 30 anos); e amigos de trabalho, que com a convivência
e seus ombros e ouvidos sempre prontos a acolher e escutar semearam e
cultivaram a amizade, o sentimento fraternal.
Na especificidade da trajetória do mestrado, agradeço muitíssimo
ao Professor Hélder Boska de Moraes Sarmento por me aceitar como
sua orientanda e me guiar intelectualmente nessa jornada. Igualmente,
agradeço a Professora Adriana De Toni e a Professora Helenara Silveira
Fagundes, que prontamente aceitaram participar da banca de
qualificação e de defesa do mestrado, contribuindo efetivamente para a
minha dissertação. Agradecimentos às professoras e professores que
ministraram as disciplinas das quais participei, sem dúvida as aulas
foram um grande diferencial, tanto pelas leituras indicadas quanto pelas
discussões realizadas em sala. Por fim, agradeço a Patrícia Chaves de
Souza, colega de turma com a qual dividi as angustias, os receios e os
aprendizados do mestrado.
Agradeço a gestão da Secretaria de Assistência Social do
município de Florianópolis que, corroborando com a importância da
pesquisa para a qualificação do processo de trabalho e capacitação
profissional, autorizou a sua realização.
Agradeço a todas as profissionais dos Paefis de Florianópolis
(coordenações, equipe administrativa, assistentes sociais e psicólogas),
sem as quais a realização desse estudo não seria possível. Agradeço
especialmente as profissionais do Serviço Social que contribuíram na
participação direta da pesquisa, socializando os relatórios de
desligamento.
Agradeço, também de forma especial, a toda a equipe de trabalho
do Paefi Continente, que foi grande apoiadora desse projeto acadêmico.
Almejo que de alguma forma esse estudo contribua para refletirmos
sobre o exercício profissional e para qualificarmos o trabalho
desenvolvido na perspectiva de irmos ao encontro de um projeto
societário mais equânime e livre de quaisquer tipos de despotismo.
Antes de ser um animal racional ambulante, o
homem é um ser que permanentemente busca um
sentido para si e para o mundo em que se vê
envolvido. O homem possui cabeça, coração,
braços e mãos para agir, e por isso tudo teoriza.
Teoriza porque pensa. Teoriza porque sente.
Teoriza porque age (Octaviano Pereira, 1982).
RESUMO

Nesse estudo buscou-se identificar e analisar particularidades do Serviço


Social através dos relatórios de desligamento elaborados por equipe de
referência interdisciplinar dos serviços de Proteção e Atendimento
Especializado a Famílias e Indivíduos-Paefi de Florianópolis. O Paefi é
um serviço da proteção social especial do Sistema Único de Assistência
Social-SUAS, que tem como objetivo o atendimento a famílias e
indivíduos em situação de risco e violação de direitos. No cotidiano de
trabalho do Paefi uma das ações desenvolvidas pelas equipes de
referência são os relatórios de desligamento. Esse instrumental
representa uma sistematização do processo interventivo e visa informar
sobre o encerramento da família do acompanhamento familiar e
assegurar direitos. Por tratar-se de um instrumental de elaboração
conjunta com a Psicologia, e diante da compreensão de que é pela
linguagem que o profissional evidencia a perspectiva teórica que dá o
direcionamento à intervenção, revelando racionalidades, que surgiu o
interesse pelo estudo da instrumentalidade do Serviço Social. A escolha
desse objeto de pesquisa foi motivada pela experiência profissional
dessa acadêmica e pelo entendimento do qual se parte sobre o
instrumental técnico dos relatórios, ou seja, que se constituem em meios
que possibilitam a avaliação da intervenção, a racionalização do tempo e
o direcionamento ético do trabalho. Entende-se que é pela linguagem
que a instrumentalidade do Serviço Social se concretiza,
instrumentalidade que está diretamente relacionada ao projeto societário
ao qual o profissional se vincula. Nessa perspectiva, toda a prática
imprime uma ideologia, um direcionamento teórico-metodológico.
Diante dessa interpretação, infere-se que o relatório constitui-se em um
instrumental, enquanto que a linguagem manifesta a instrumentalidade e
as racionalidades subjacentes a ela. Procurou-se discutir os relatórios,
decodificar o seu conteúdo e pensar a intervenção profissional do
Serviço Social e das equipes de referência do Paefi, sob a perspectiva
crítica. Trata-se de pesquisa qualitativa, de natureza documental, com o
universo constituído por 7 (sete) relatórios de desligamento e cuja
técnica de pesquisa empregada para a coleta, análise e interpretação dos
dados foi a Análise de Conteúdo Temática.

Palavras-chave: Instrumentalidade do Serviço Social. 1. Racionalidade


2. Cotidiano 3. Linguagem. 4. Relatório de desligamento 5. Paefi. 6.
Política de Assistência Social 7. Matricialidade sociofamiliar 8.
ABSTRACT

This study sought to identify and analyze particularities of Social


Service through the Reports of Shutdown prepared by an
interdisciplinary reference team of the Protection and Specialized
Attention Services to Families and Individuals-Paefi of Florianópolis.
Paefi is a special social protection service of the Unified Social
Assistance System-SUAS, whose objective is to provide assistance to
families and individuals at risk and violation of rights. In the daily work
of the Paefi one of the actions developed by the teams of reference are
the Reports of Shutdown. This instrument represents a systematization
of the intervention process and aims to inform about the closure of the
family of family accompaniment and ensure rights. Because it is an
instrument of joint elaboration with Psychology, and before the
understanding that it is through the language that the professional
evidences the theoretical perspective that gives the direction to the
intervention, revealing rationalities, that the interest arose for the study
of the instrumentality of the Service Social. The choice of this object of
research was motivated by the professional experience of this academic
and by the understanding of which is based on the technical instruments
of the reports, that is, they constitute means that allow the evaluation of
the intervention, the rationalization of the time and the ethical direction
of work. It is understood that it is through language that the
instrumentality of Social Service is materialized, instrumentality that is
directly related to the corporate project to which the professional is
linked. In this perspective, the whole practice implies an ideology, a
theoretical-methodological orientation. In view of this interpretation, it
is inferred that the report is an instrumental one, whereas language
manifests the instrumentality and the rationalities underlying it. We
sought to discuss the reports, to decode their content and to think about
the professional intervention of the Social Service and the reference
teams of Paefi, from the perspective of critical-dialectical theory. This is
a qualitative research, of a documentary nature, with the universe
constituted by 7 (seven) Reports of Shutdown and whose research
technique used to collect, analyze and interpret the data was the
Thematic Content Analysis.

Keywords: Instrumentality of Social 1. Work. Rationality 2. Daily 3.


Language 4. Reports of Shutdown 5. Paefi 6. Social Assistance Policy 7.
Socio-family matricity 8.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Relação entre matriz de pensamento, racionalidade e


compreensão da realidade. .................................................................... 44
Quadro 3 - Relação entre as ações desenvolvidas e os objetivos do Paefi.
............................................................................................................. 118
Quadro 4 – Elementos argumentativos que repercutiram na vida dos
usuários e implicaram na tomada de decisão do desligamento. .......... 120
Quadro 5 – Conteúdos extraídos dos relatórios que trazem indicativos
sobre as racionalidades. ....................................................................... 122
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Serviços que compõem a Proteção Social Especial/SUAS .. 58


Tabela 2 - A presença das palavras gênero e mulher/mulheres em
documentos da Política de Assistência Social. ...................................... 63
Tabela 3 - Dados preliminares para a composição dos grupos e definição
da amostra ............................................................................................. 94
Tabela 4 - Dados finais da composição dos grupos e definição da
amostra .................................................................................................. 95
Tabela 5 – Forma/Estrutura dos relatórios analisados do Paefi Ilha ... 103
Tabela 6 - Forma/Estrutura dos relatórios analisados do Paefi
Continente. .......................................................................................... 104
Tabela 7 – Relação entre tempo de atendimento, extensão dos relatórios
e tempo de atuação profissional. ......................................................... 105
Tabela 8 - Configuração familiar e dados socioeconômicos das famílias.
............................................................................................................. 110
Tabela 9- Participação dos pais e da rede familiar na proteção social. 111
Tabela 10 – Rede de atendimento articulada nos acompanhamentos
familiares analisados. .......................................................................... 114
Tabela 11 - Instrumentais técnicos utilizados pelas equipes de referência
............................................................................................................. 115
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa de Serviço


Social
ASSIM Associação Instituto Movimento
CAPSI Centro de Atenção Psicossocial Infantil
CCEA Centro Cultural Escrava Anastácia
CEDEP Centro de Educação e Evangelização Popular
CFESS Conselho Federal de Serviço Social
CFP Conselho Federal de Psicologia
CRAS Centro de Referência de Assistência Social
CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência
Social
CRESS Conselho Regional de Serviço Social
CS Centro de Saúde
CT Conselho Tutelar
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA Educação de Jovens e Adultos
FCEE Fundação Catarinense de Educação Especial
FUCAS Fundação Catarinense de Assistência Social
IGP Instituto Geral de Perícia
LA Liberdade Assistida
LOAS Lei Orgânica de Assistência Social
NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família
MP Ministério Público
NISFAPS Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar: Sociedade, Família
e Políticas Sociais
NOB SUAS Normas operacionais Básicas Sistema Único de
Assistência Social
NOB RH Normas operacionais Básicas Recursos Humanos
PAEFI Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e
Indivíduos
PAIF Proteção e Atendimento Integral à Família
PBF Programa Bolsa Família
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PMF Prefeitura Municipal de Florianópolis
PNAS Política Nacional de Assistência Social
PSC Prestação de Serviço à Comunidade
PSE Proteção Social Especial
SEPREDI Serviço de Proteção Especial para Pessoas com
Deficiência, Idosas e suas Famílias.
SGD Sistema de Garantia de Direitos
VIJ Vara da Infância e Juventude
TNSS Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais
TSF/PNAS Trabalho Social com Famílias/ Política Nacional de
Assistência Social
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................ 21

2 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: O


PROCESSO CONSTITUINTE DA PROFISSÃO,
RACIONALIDADES CONSTITUÍDAS E LINGUAGEM....... 29
2.1 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: O
PROCESSO CONSTITUINTE DA PROFISSÃO.......................... 29
2.2 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL:
RACIONALIDADES CONSTITUÍDAS E LINGUAGEM........... 38

3 A TRAJETÓRIA PARA A IMPLANTAÇÃO E


OPERACIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL E A DIRETRIZ DA
MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR.................................. 51
3.1 DISPOSITÍVOS, REGULAMENTOS E NORMATIVAS
DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL................................ 52
3.2 A PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE MÉDIA
COMPLEXIDADE: O EQUIPAMENTO DO CREAS E O
PAEFI.............................................................................................. 56
3.3 A DIRETRIZ DA MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR
E A QUESTÃO DE GÊNERO NOS DISPOSITIVOS,
REGULAMENTOS E NORMATIVAS DA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL................................................................ 60

4 O COTIDIANO: ESTRUTURA E INTERFERÊNCIA NO


PROCESSO DE TRABALHO DO PAEFI................................. 69
4.1 A ESTRUTURA DA VIDA COTIDIANA............................ 69
4.2 A TRAJETÓRIA DE CONSTITUIÇÃO DOS PAEFIS DE
FLORIANÓPOLIS CONTADA A PARTIR DO COTIDIANO
DE TRABALHO............................................................................. 74
4.3 O INSTRUMENTAL TÉCNICO DOS RELATÓRIOS:
UMA ATIVIDADE DO COTIDIANO DE TRABALHO DOS
PAEFIS DE FLORIANÓPOLIS..................................................... 80

5 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL:


DESNUDANDO OS RELATÓRIOS DE DESLIGAMENTO
DOS PAEFIS DE FLORIANÓPOLIS......................................... 89
5.1 METODOLOGIA.................................................................. 89
5.2 OS PROCEDIMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DA
AMOSTRA DA PESQUISA........................................................... 92
5.3 A COLETA DE DADOS....................................................... 95
5.3.1 A etapa da pré-análise......................................................... 96
5.3.1. 1 Os Relatórios de Desligamento a partir da forma...... 99
5.3.1.2 Sobre o conteúdo manifesto dos documentos analisados. 107
5.3.2 A etapa da exploração do material................................... 116
5.3.3 A etapa do Tratamento dos resultados, da inferência e
da interpretação dos dados........................................................... 124
5.3.3.1 Desnudando os Relatórios de Desligamento em seu
conteúdo latente............................................................................... 124

6 CONCLUSÃO.......................................................................... 143

REFERÊNCIAIS........................................................................... 149

APÊNDICE 1: A autorização da pesquisa....................................... 159


APÊNDICE 2: Fragmentos dos relatórios....................................... 161
ANEXO A: Parâmetros de referência para a definição do número
de CREAS considerando o porte do município............................... 179
ANEXO B: Resolução Cfess nº 557/2009....................................... 181
21

1 INTRODUÇÃO

Os espaços de formação e a prática da pesquisa em Serviço


Social representam um grande desafio aos assistentes sociais que atuam
nas políticas públicas de assistência social, sobretudo àqueles que estão
na execução terminal dessa política. Desafio porque exige tempo,
dedicação, disponibilidade para leituras. Desafio porque exige o
movimento de ir além do que está posto, ir além do que se aprendeu a
fazer, ir além da aparência. Desafio porque remete pensar a grande
questão da relação teoria e prática no Serviço Social e, nesse contexto, a
sua instrumentalidade.
Todos esses desafios foram vivenciados na trajetória dessa
pesquisadora, que culminou no ingresso no mestrado em Serviço Social
da Universidade Federal de Santa Catarina - Ufsc, no ano de 2016, e que
ora finda, embora não definitivamente, porque a busca do conhecimento
ultrapassa os limites dos campos universitários, ainda que encontre nele
um espaço de fecundas discussões e aprendizados.
A caminhada para chegar até aqui se iniciou de forma
despretensiosa com a participação, no ano de 2014, no Núcleo de
Pesquisa Interdisciplinar: Sociedade, Família e Políticas Sociais -
Nisfaps, do curso de Serviço Social da Ufsc. A inclusão no referido
núcleo deu-se por demanda de trabalho do serviço de Proteção e
Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos - Paefi1 Continente,
diante da proposta de uma pesquisa que se pretendia aplicar e para a
qual as professoras do Nisfaps contribuíram efetivamente.
Pode-se dizer, de forma metafórica, que a participação no núcleo
de pesquisa significou a suspensão de um estágio de letargia, e
contribuiu para romper com a barreira invisível que separa os
profissionais do Serviço Social em duas categorias: os que atuam na
execução das políticas públicas e os que atuam na formação
profissional, no espaço acadêmico.
A aproximação com a academia gerou um turbilhão de
inquietações, sobretudo no que se referia ao trabalho social

1
Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos. O
Paefi necessariamente deve compor o equipamento do Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (Creas). Trata-se de Serviço da Proteção
Social Especial -PSE de média complexidade do Sistema Único de Assistência
Social - SUAS (BRASIL, 2009).
22

desenvolvido com as famílias, considerando-se aqui a proximidade do


tema com os objetivos institucionais do Paefi. A inquietação, em sua
principal característica que é a negação, gerou o movimento e
possibilitou momentos de suspensões da cotidianidade. Objetivamente,
conduziu a uma interpretação mais crítica das leis, regulamentos e
normativas da Política de Assistência Social; motivou a participação em
seminários, conferências, congresso do Serviço Social, seja como
ouvinte ou para apresentar trabalhos; incitou a inscrição como aluna
especial em algumas disciplinas do Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social da Ufsc.
No primeiro semestre de 2015, a participação dessa acadêmica
como aluna especial na disciplina Tópicos Especiais em Serviço Social,
a qual foi ministrada pelo Professor Dr. Hélder Boska de Moraes
Sarmento, foi de importância fundamental no processo subsequente que
culminou no ingresso no mestrado. Na referida disciplina os textos e as
discussões colocavam em evidência o exercício profissional
(possibilidades, limites e competências) e, diante disso, a
instrumentalidade do Serviço Social.
No transcorrer do exercício profissional como assistente social2
nos programas e serviços da Política de Assistência Social, dentre eles o
extinto SOS Criança e o serviço Sentinela, e atualmente o serviço Paefi
da região continental de Florianópolis, inquietações sobre a
instrumentalidade do Serviço Social foram se avolumando, sobretudo
tomando-se por referência o conteúdo expresso nos relatórios
elaborados pelas equipes de referência dos serviços e encaminhados ao
Sistema de Garantia de Direitos - SGD.
Tais inquietações tomaram maiores proporções após o ano de
2005, com o início da operacionalização das Normas Operacionais
Básicas do Sistema Único de Assistência Social - NOB/SUAS no
município de Florianópolis, especificamente a atuação em equipe
interdisciplinar. A partir deste marco histórico, e de forma progressiva,
todas as famílias e indivíduos atendidos no Paefi passaram a ser
acompanhados por dois profissionais de referência: um (a) assistente
social e um (a) psicólogo (a).
A intervenção com equipe de referência implicou e implica na
efetivação de várias ações em conjunto, como: visitas domiciliares e
institucionais, reuniões intersetoriais, abordagens individual e familiar,

2
Assistente social com ingresso no serviço público da Prefeitura Municipal de
Florianópolis no ano de 1995. Desde 2003 atua na área da violência e na
intervenção com crianças, adolescentes e famílias.
23

elaborações de documentos (ofícios, termos de comunicação, relatórios,


dentre outros).
No percurso da trajetória profissional, considerando-se os
objetivos institucionais dos espaços sócio-ocupacionais de atuação e a
interlocução com o SGD3, foi estabelecida uma relação bem próxima ao
instrumental dos relatórios. Muitos deles resultaram de produção
individual4; outros foram elaborados em conjunto com profissionais de
diferentes áreas. Ainda, na função de supervisora técnica5 da equipe do
Paefi do Continente, foi possível acessar relatórios elaborados por
outros profissionais do Serviço Social; relatórios estes qualificados
como psicossociais por serem produtos de intervenção interdisciplinar e
por representarem “elaborações conjuntas” 6 entre assistente social e
psicólogo (a).
Na função de supervisora técnica foi possível perceber que a
forma pré-definida do modelo dos relatórios (forma esta que se entende
como necessária e importante, considerando-se a interlocução com
diferentes Órgãos e serviços e a rotina institucional/burocratização), não
exime de diferenças em seus conteúdos, as quais indicam que para a
análise de situações de violação de direitos - em especial as de violência
intrafamiliar contra crianças, adolescentes e suas famílias -, diferentes
aspectos da realidade social são considerados e explicitam formas
heterogêneas de agir, sentir e pensar o Serviço Social e sua relação com
a realidade dos usuários, isto é, de como a instrumentalidade da
profissão é concebida.
Nos espaços de discussões dos Paefis, muito recorrentemente os

3
Conselhos Tutelares, Varas de Direito (sobretudo Vara da Infância e
Juventude), Ministério Público, Defensoria Pública.
4
Essa produção individual se deu com maior volume entre os anos de 2003 a
2005.
5
Trabalho exercido no ano de 2014, por período aproximado de seis meses.
6
Colocou-se elaborações conjuntas entre aspas, pois embora os relatórios de
desligamento representem o produto do acompanhamento psicossocial, eles não
são construídos em um mesmo momento e com a presença do assistente social e
do psicólogo, juntos. Na imensa maioria das vezes é um (a) dos (as)
profissionais (assistente social ou psicólogo (a)) que assume a responsabilidade
pela elaboração do documento, repassando ao outro, quando da sua finalização
para as contribuições e observações que se fizerem pertinentes e necessárias. A
decisão de quem realizará o relatório será da dupla de referência, escolha
técnica impactada por alguns fatores, como: contingente de trabalho, horários de
expediente nem sempre compatíveis, características pessoais, agilização do
trabalho, dentre outras questões.
24

relatórios são colocados em evidência, são pautas de debate, sobretudo


quando a metodologia dos serviços está sendo repensada, como ocorre
atualmente. Questiona-se o formato dos relatórios, a pertinência das
informações incluídas neles, a extensão dos documentos, as questões
éticas (como o sigilo profissional), o direito do usuário a solicitar cópia
dos relatórios, etc.
Os argumentos acerca dos debates sustentam-se, sobretudo, na
longa trajetória de alguns profissionais na atuação em programas e
serviços na área da violência intrafamiliar; nos indicativos da Guia de
Orientação Técnica do Creas (2011); nas diferentes percepções sobre o
instrumental dos relatórios pelos profissionais, considerando-se as
particularidades das profissões e as singularidades dos profissionais,
como a linha de atuação e a perspectiva teórica que dá o norte à
intervenção.
Na especificidade mesma dos relatórios, da peça em si, a
percepção que se atribui aqui a esse instrumental é a de que deve ser
compreendido para além de um fim em si mesmo, mas como um meio,
um caminho necessário para a avaliação do que foi possível alcançar no
processo de acompanhamento familiar, bem como possibilita perceber
lacunas e contradições que se fizeram presentes no transcorrer da
intervenção, oferecendo subsídios para a superação destas condições e
para a compreensão das possibilidades e dos limites institucionais e
profissionais.
Para além dessas questões objetivas, entende-se que o relatório é
muito mais do que a peça física, é o argumento, o que ele constrói,
indica, fala, o que revela sobre a intervenção profissional do assistente
social e sobre a profissão, além de que, nesse caso, tem impacto direto
na vida dos usuários.
Para os fins desse estudo, elegeu-se a análise dos relatórios de
desligamento encaminhados ao Conselho Tutelar - CT pelas equipes de
referência dos Paefis de Florianópolis. Com esse recorte, explicita-se
que os documentos analisados serão referentes às violações de direitos
que envolvem crianças e adolescentes. Esse esclarecimento se faz
necessário, uma vez que o público-alvo do Paefi, conforme a
Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais - TNSS (2009),
corresponde a um universo bem mais ampliado do que o atendimento à
criança, ao adolescente e suas famílias. São sujeitos da Proteção Social
Especial - PSE de média complexidade todos aqueles que se encontram
com direitos violados, os quais podem ser materializados, dentre outras
formas, na violência intrafamiliar, na exploração sexual, no abandono de
crianças, adolescentes e idosos, na discriminação de gênero, raça, etnia,
25

religião, orientação sexual.


A larga experiência dessa pesquisadora como assistente social, a
atuação com equipes de referência e a compreensão dos relatórios como
um instrumental técnico que de forma implícita ou explicita revelam
formas de pensar, agir e sentir do Serviço Social despertaram o interesse
pelo tema da instrumentalidade do Serviço Social. Desta forma, o
relatório de desligamento se constituirá no ponto de partida desse
estudo, e o foco de interesse será o conteúdo deste instrumental,
especificamente naquilo que se refere às particularidades do Serviço
Social.
Nessa perspectiva, entende-se que é pela linguagem que a
instrumentalidade do Serviço Social se concretiza, instrumentalidade
que remete ao processo no qual o Serviço Social se constituiu, é
constituinte e constituído (GUERRA, 2014) e que está diretamente
relacionada à perspectiva de projeto societário ao qual o profissional se
vincula (IAMAMOTO & CARVALHO, 2014a). Diante dessa
interpretação, infere-se que o relatório constitui-se em um instrumental,
enquanto que a linguagem manifesta a instrumentalidade e as
racionalidades subjacentes a ela.
É pelo interesse em investigar essa percepção que a problemática
dessa pesquisa leva à seguinte questão: Quais as racionalidades
subjacentes são incorporadas às linguagens que materializam os
relatórios dos Paefis de Florianópolis, revelando particularidades
quanto à instrumentalidade do Serviço Social?
Para o alcance do estudo proposto, definiu-se como objetivo geral
da pesquisa: Analisar as racionalidades subjacentes aos relatórios de
desligamento dos Paefis de Florianópolis, revelando particularidades
relacionadas à instrumentalidade do Serviço Social.
E, enquanto objetivos específicos: 1) Decifrar elementos
argumentativos (técnicos, políticos, teóricos), elaborados pelos
profissionais, que repercutem na vida dos usuários do serviço e
implicam na tomada de decisão quanto ao seu desligamento; 2) Analisar
perspectivas ideológicas e éticas-políticas que sustentam argumentos
presentes nos relatórios, revelando valores e posturas profissionais
relativas aos usuários e à garantia de direitos; 3) Apresentar
elementos/reflexões no sentido de qualificar os serviços prestados aos
usuários na perspectiva do projeto ético-político profissional do Serviço
Social.
Diante do tema, do problema e dos objetivos da pesquisa a
dissertação foi estruturada em quatro seções (excluindo-se a
Introdução). A primeira foi dedicada à instrumentalidade do Serviço
26

Social. Com o objetivo de demarcar as categorias que subsidiarão a


análise da pesquisa, estruturou-se esse capítulo em duas subseções.
Inicialmente far-se-á um resgate do processo constituinte da
profissão, de sua origem a contemporaneidade, no movimento de
compreender as diferentes matrizes de pensamento que influenciaram e
influenciam a profissão. Em seguida, demarcar-se-á as racionalidades
subjacentes aos paradigmas que dão o direcionamento teórico-
metodológico, ético-político e técnico-operativo ao Serviço Social em
seu processo sócio-histórico. Nesse contexto, entende-se por
racionalidade o conduto de passagem entre teoria e prática, ou uma
propriedade da razão que se relaciona as formas de agir, de pensar e de
sentir a profissão (GUERRA, 2014).
Nessa subseção adentrar-se-á na questão da linguagem, da
palavra, diante do entendimento de que é por meio da linguagem que o
assistente social executa o seu trabalho e perpassa a ideologia, a
racionalidade que dá direção à intervenção profissional.
Como eixo estruturante da análise proposta serão tomados como
referência autores do Serviço Social que adotam a matriz teórica
marxista, dentre os quais: Guerra (2000, 2014, 2017); Netto (1986,
1996, 2011); Souza (1984, 1989); Iamamoto (2005, 2014); Pontes
(2009).
Autores marxistas de outras áreas de conhecimento também
enriquecerão o debate, como Bakhtin (1981), Ianni (2000), Lefebvre
(1991) e Heller (2008).
Na segunda seção, desenvolver-se-á a trajetória da assistência
social a partir de 1988, ou seja, do marco no qual se constituiu como
direito social, dever do Estado e política pública não contributiva.
Da constituição da assistência social como direito à sua
implantação e operacionalização foi necessário a criação de dispositivos
jurídico-normativos para a definição dos seus princípios, objetivos,
diretrizes, tipos de gestão, formas de financiamento e participação, bem
como os níveis de complexidade da proteção social, os equipamentos
executores e, neles, os serviços da política de proteção social. Nesse
percurso, adentrar-se-á na especificidade do Paefi: seu público alvo,
principais demandas de atendimento, objetivos, etc.
Com o intuito de problematizar a diretriz da matricialidade
sociofamiliar da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, e as
questões de gênero que lhes são explicitas, sobretudo no tocante ao
papel social, histórico e culturalmente delegado à mulher no cuidado da
família e dos filhos, ao finalizar-se esse capítulo considerações serão
realizadas sobre a questão de gênero e da mulher em alguns dos
27

regulamentos e normativas da assistência social. As discussões


brevemente fomentadas terão como subsídios os estudos feministas.
Cabe sinalizar que a inclusão dessa discussão na dissertação se
deu a partir da análise dos relatórios que compuseram o universo da
pesquisa, cujas intervenções centraram-se na figura da mulher cuidadora
(mãe, avó, bisavó).
No terceiro capítulo, adentrar-se-á no estudo da estrutura da vida
cotidiana, a qual perpassa todas as atividades humanas, sejam elas
realizadas no espaço da vida privada, no trabalho ou no lazer (HELLER,
2008; NETTO, 1986).
A partir do entendimento da cotidianidade, que se efetiva tanto
por meio de atitudes pragmáticas quanto pela práxis, será realizada a
aproximação com o cotidiano de trabalho dos Paefis de Florianópolis.
Cotidiano esse que sofre os rebatimentos do contexto social, econômico,
político e cultural, e, consequentemente, interfere no exercício
profissional e nas formas de enfrentamento das expressões da questão
social.
Nesse contexto, esforços serão empreendidos para o resgate do
processo sócio-histórico que culminou na implantação dos Paefis de
Florianópolis, bem como para a compreensão da importância dos
instrumentais técnicos no cotidiano do processo de trabalho, com ênfase
nos relatórios. Para esse estudo, buscar-se-á referenciais em autores do
Serviço Social, como Mioto (2009); Fávero (2009, 2013); Magalhães,
(2011).
O quarto capítulo será dedicado à coleta, análise e interpretação
dos dados da pesquisa. Não por acaso trata-se do capítulo mais longo
dessa dissertação. A pretensão será de descrever com a maior minúcia
possível toda a trajetória da pesquisa: a autorização para a sua realização
pela Secretaria de Assistência Social de Florianópolis; os fatores
facilitadores e dificultadores para a composição da amostra da pesquisa;
e o processo de coleta e análise dos dados.
Para imprimir maior cientificidade e validade à pesquisa, que será
documental com abordagem qualitativa, seguir-se-á, passo-a-passo, a
proposta metodológica da Análise de Conteúdo Temática (BARDIN,
2011; MINAYO, 2004, 2015). Assim, as etapas da Pré-análise; da
Exploração do material; e do Tratamento dos resultados, das inferências
e da interpretação dos dados serão trabalhadas separadamente, embora,
no processo mesmo da pesquisa, essas etapas se relacionem
constantemente.
29

2 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: O


PROCESSO CONSTITUINTE DA PROFISSÃO,
RACIONALIDADES CONSTITUÍDAS E LINGUAGEM

Para uma melhor compreensão do Serviço Social na


contemporaneidade faz-se necessário retroceder no tempo e resgatar o
processo sócio-histórico da profissão, de sua protoforma ao movimento
de reconceituação, com ênfase na vertente de “intenção de ruptura”,
cujos defensores, num movimento de ruptura com as origens
conservadoras da profissão, protagonizaram a introdução da teoria social
marxista nos debates acadêmicos e na formação profissional.
De sua institucionalização, datada no ano de 1936, à atualidade, o
Serviço Social sofreu os rebatimentos do contexto social, econômico,
cultural e político, o que significa dizer que a instrumentalidade da
profissão acompanha o processo sócio-histórico, constituindo-se e
reconstituindo-se em movimentos de renovação e conservadorismo, e
nas racionalidades/ideologias que lhes são subjacentes e que dão
direcionamento ao exercício profissional.
Nessa perspectiva, parte-se do entendimento de que toda a prática
imprime uma ideologia, um direcionamento teórico-metodológico, e
toda a ideologia se transmite, dentre outras formas de manifestação, pela
linguagem.
As questões ora pontuadas serão desenvolvidas nas subseções que
seguem e os conceitos e categorias apresentados subsidiarão a análise da
pesquisa proposta.

2.1 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL: O


PROCESSO CONSTITUINTE DA PROFISSÃO

O pluralismo teórico, político e ideológico instaurado no Serviço


Social na atualidade não permite a afirmativa de que desde a sua origem
a profissão apresentou esta característica. No percurso de sua trajetória a
profissão acompanhou o movimento sócio-histórico e sofreu seus
rebatimentos. Se de um lado, adaptou-se, ainda que travestida da
nomenclatura de renovação, à ordem social vigente; do outro, na
intenção de ruptura com o Serviço Social tradicional, buscou na teoria
marxista uma nova leitura da realidade social na perspectiva de sua
transformação (GUERRA, 2014; IAMAMOTO, 2014; NETTO, 2008;
PONTES, 2009).
Segundo Souza (1989), para compreender o Serviço Social é
30

necessário entender as demandas que o instituíram e que, ao se


modificarem, provocaram e provocam alterações no modo de agir e
pensar a profissão. Ao encontro desta inferência, Guerra (2014, p. 32)
contribui no sentido de sinalizar que “É a regularidade dos fenômenos,
processos e práticas sociais e sua historicidade que os tornam
compreensíveis, permitindo à razão apreendê-los nas suas manifestações
dinâmicas”.
No Brasil o Serviço Social surge na década de 1930, período em
que a economia urbano-industrial emerge e novos atores e forças
políticas assumem espaço no cenário nacional. A oligarquia cafeeira se
vê ameaçada pela classe média; novos partidos políticos são criados; a
população urbana cresce e os problemas sociais se avolumam na mesma
medida em que a pobreza; a assistência voluntária e espontânea já não
dá conta da demanda. Neste cenário, o Estado é pressionado a garantir a
coesão social entre as classes sociais e, dentre os mecanismos criados, a
Constituição de 1934 determina o atendimento aos desvalidos e a
formação de um corpo técnico qualificado. É a Igreja, preocupada com a
questão social7 quem vai estimular o surgimento e o desenvolvimento
do Serviço Social no Brasil (SOUZA, 1984; 1989).
Essas situações da Igreja e do Estado eram
favoráveis à criação de um aparato institucional
que privilegiavam as atividades assistenciais.
Assim, se de um lado o Serviço Social se
sustentava na Igreja, de outro ele é estimulado
pelas aberturas institucionais do próprio Estado
(SOUZA, 1989, p. 53).
É nessa propositura que surge, no ano de 1936, a primeira escola
de Serviço Social, alicerçada nos princípio da Igreja Católica, com
formação de referência europeia e ensino direcionado a disciplinas nas
áreas da saúde e da Legislação Social. O Serviço Social de Casos
Individuais é o método central a ser aplicado, e consiste, conforme sua
precursora Mary Richmond, no “conjunto de métodos que desenvolvem
a personalidade, reajustando conscientemente e individualmente o
homem e o meio social” (SOUZA, 1984, p. 59).
Os primeiros assistentes sociais brasileiros foram chamados para

7
Segundo Souza, “[...] após a experiência russa e as recomendações da
Encíclica Rerum Novarum, [a Igreja] assume preocupação com relação às
camadas populares. A questão social, ou seja, as relações entre dominantes e
subordinados, é o que se coloca em jogo. Para a Igreja, entretanto, a questão
social se resumia a uma questão de consciência moral e justa entre patrões e
operários” (1989, p. 52, grifos meus).
31

atuação em asilos, albergues, orfanatos, dispensários e na Congregação


Vicentina. Depois, abriu-se o mercado na área médica, e só então
passaram a intervir com os problemas da força de trabalho no Instituto
de Aposentadoria e Pensões - IAPs, no Serviço Social da Indústria –
Sesi, e Serviço Social do Comércio - Sesc. Desde o surgimento do
Serviço Social, enquanto especialização da divisão social e técnica do
trabalho, o Estado surge como importante empregador desta força de
trabalho, e as políticas sociais o principal lócus de intervenção (SOUZA,
1984; IAMAMOTO; CARVALHO, 2014; KARSCH, 1987).
Diante da contextualização que remete às origens do Serviço
Social, Souza (1984, p. 62), indica três características que desde o início
influenciaram diretamente o modo de agir do assistente social brasileiro
e latino-americano:
 A ação profissional condicionada pela
estrutura da obra social.
 A ação profissional através de obras
públicas mais interessadas no cumprimento de leis
e regulamentos.
 A ação profissional assumindo como
problemas fundamentais a assistência imediata
relativa à sobrevivência da população.
Nesse contexto, tem-se que o Serviço Social sofre influências no
seu fazer das ações assistencialistas que precederam a
institucionalização da profissão; surge mediante demanda do Estado
Capitalista, atendendo, de um lado, as necessidades do capital e, do
outro, empreendendo esforços para intervir na realidade social da
população subalterna e trabalhadora com o objetivo de atender as suas
necessidades objetivas e subjetivas decorrentes da condição de
exploração do trabalho8 na perspectiva de seu ajustamento.
Para Netto (2011, p. 73, grifos do autor) “A profissionalização do
Serviço Social não se relaciona decisivamente à ‘evolução da ajuda’, ‘a
racionalização da filantropia’ nem a ‘organização da caridade’, vincula-
se à dinâmica da ordem monopólica”.
No período de 1950 a 1964, com a abertura política, as camadas
populares da zona urbana e rural vivenciaram um momento crescente de
participação política, e os assistentes sociais, principalmente os que
8
Conforme Netto (2011, p. 34), “No movimento que determinou este giro,
confluíram quer as exigências econômicas-sociais próprias da idade do
monopólio [...], quer o protagonismo político-social das camadas trabalhadoras,
especialmente o processo de lutas e de auto-organização da classe operária
[...]”.
32

atuavam no Movimento de Educação de Base - MEB e no Serviço


Social Rural - SSR, propuseram novas discussões ao fazer profissional.
Essa nova realidade colocou em questão as organizações institucionais e
a própria definição da prática profissional, “[...] que parece ir além de
uma simples intermediação [...] O Serviço Social começa a se defrontar
com novas demandas de instrumentos e técnicas que correspondem a
novas exigências institucionais” (SOUZA, 1989, p. 54).
É nesse contexto sócio-histórico que o movimento de
Reconceituação do Serviço Social emerge. Conforme Pontes (2009, p.
19, grifos do autor):
Do ponto de vista endógeno da profissão, [...] o
processo de renovação conhecido como
Reconceituação foi aparentemente inaugurado por
focos de insatisfação teórico-ideológica com os
quadros referenciais até então hegemônicos na
profissão [...] fazendo com que nas agências
formadoras, nas instâncias de organização e
pesquisa do Serviço Social, se erguessem novas
tentativas de fundação teórica da profissão.
Ainda, segundo o autor, do ponto de vista exógeno9:
O processo de renovação experimentado pela
profissão nas décadas de 70 e 80 obedeceu aos
determinantes mais gerais que matizaram a
realidade brasileira naquele momento, no seu
evolver sócio-econômico e político (PONTES,
2009, p. 19).
A obra de José Paulo Netto (2008) intitulada Ditadura e Serviço
Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64, trata-se de
leitura obrigatória para a compreensão do processo de renovação da
profissão. Conforme o autor, o Serviço Social tradicional sofreu os
rebatimentos do contexto político, econômico, social e cultural da
autocracia burguesa. Este constituir-se e reconstituir-se da profissão se
deu em três direções marcadas por tempo e fundamentações teóricas
distintas.
A primeira direção foi a de Viés Modernizador e o auge de sua

9
Pressões do capital, do Estado e da sociedade civil, aumento significativo dos
usuários, criação de políticas e instituições sociais, inserção (a mais significativa
até aquele momento) de grande número de assistentes sociais na divisão
sociotécnica do trabalho (PONTES, 2009).
33

formulação ocorreu em meados de 1970, com os textos elaborados nos


seminários de Araxá e de Teresópolis, que foram de importância basilar.
A fundamentação para legitimar a profissão e o fazer profissional deu-se
sobre influência do estrutural-funcionalismo norte-americano de matriz
neopositivista. A preocupação maior direcionou-se ao como fazer, não
se questionando a ordem sociopolítica e se atribuindo um cariz
tecnocrático à profissão. Conforme Netto (2008, p. 155, grifos do autor):
“No âmbito restrito da profissão, ela se reporta aos seus valores e
concepções mais ‘tradicionais’, não para superá-los ou negá-los, mas
para inseri-lo numa moldura teórica e metodológica menos débil [...]”.
Ao encontro deste posicionamento, que indica o não
questionamento da ordem sociopolítica nessa primeira vertente do
processo de renovação do Serviço Social, Souza (1984, p. 73) posiciona-
se afirmando que era como se a profissão pensasse “[...] em si mesma
independente das relações e implicações com a dinâmica social; ou
então parte-se do pressuposto de que a realidade social tem uma dada
estrutura, acabada e imutável”.
A segunda direção de renovação do Serviço Social foi designada
como a de Reatualização do Conservadorismo. Nessa vertente o
conservadorismo da profissão se repôs, porém sob base teórico-
metodológica diferenciada. Repudiou-se o positivismo e a matriz
crítico-dialética do marxismo, e, o que se observou foi a reatualização
do conservadorismo com inspiração fenomenológica, destacando-se as
questões subjetivas dos sujeitos/usuários da assistência social,
permanecendo, nesse aspecto, o debate do exercício profissional no
circuito da ajuda psicossocial. Nessa vertente, a relação entre o
profissional e seus “objetos” se dá com embasamento científico. No
entanto, segundo Netto (2008, p. 158):
[...] trata-se de uma ‘cientificidade’ evanescente,
onde, em nome da ‘compreensão’, dissolvem-se
quaisquer possibilidades de uma análise rigorosa e
crítica das realidades macrossocietárias e,
derivadamente, de intervenções profissionais que
possam ser parametradas e avaliadas por critérios
teóricos e sociais objetivos.
Conforme indicado acima, as duas primeiras vertentes de
renovação do Serviço Social propuseram um repensar a profissão com o
foco no fazer, porém, sob as bases do conservadorismo. Não se
questionava a macroestrutura e entendia-se que a condição de vida dos
sujeitos da assistência social era decorrente de sua vontade ou
capacidade, cabendo ao profissional intervir para o ajustamento, para a
34

adaptação, com ações voltadas à orientação e à ajuda psicossocial.


Para Souza (1989) e Guerra (2014), até 1980 prevaleceu na
profissão uma concepção de realidade social que pouco considerava as
relações concretas entre os homens, sobretudo em suas questões
objetivas; predominava a ideia do indivíduo problema, do
desajustamento social, e um fazer profissional pragmático, repetitivo,
imediatista que se sustentava na racionalidade da ordem burguesa.
Conforme Souza (1989, p. 59):
Na trajetória dessas modificações, a realidade
social é, em geral, considerada como fenômeno
produzido acima da realidade das relações entre
os homens. Apela-se, por conseguinte, para os
desajustamentos individuais evidenciados a partir
da inadaptação do homem a essa realidade, seja
por problemas de personalidade, seja por
problemas físicos ambientais não superados pelo
próprio homem.
Nessa perspectiva, o racionalismo burguês moderno foi o
empregado para explicar e organizar a sociedade. Esse racionalismo
formal-abstrato equaliza a compreensão entre natureza e sociedade,
limita o conhecimento à aparência imediata, interpreta a realidade a
partir do método lógico-experimental, estabelecendo modelos de
explicação e de intervenção com fundamento em procedimentos
manipulatórios e instrumentais (GUERRA, 2014).
A terceira direção10 do processo de renovação do Serviço Social
foi a que propôs a Intenção de Ruptura da profissão com os ideários
conservadores. Nesse contexto:
Ao contrário das anteriores, esta possui como
substrato nuclear uma crítica sistemática ao
desempenho ‘tradicional’ e aos suportes teóricos,
metodológicos e ideológicos. Com efeito, ela
manifesta a pretensão de romper quer com a
herança teórico-metodológica do pensamento
conservador (a tradição positivista), quer com os
seus paradigmas de intervenção social (o
reformismo conservador) (NETTO, 2008, p.159).
A proposta metodológica da Escola de Belo Horizonte (o método
BH, 1972-1975), cujos representantes se vincularam ao pensamento
10
Para Netto (2008), esta terceira direção do processo de renovação do Serviço
Social aconteceu em três momentos distintos: o da sua emersão (fins de 1960 a
1975), seguido da consolidação acadêmica (da abertura ao início de 1980), para
então sua extensão para a categoria profissional.
35

marxista11 “[...] detalha o como-fazer profissional em estratégias de


ação como parte de um corpo teórico sobre o objeto da ação que é a
realidade social [...] e o objetivo da ação que é a transformação social”
(SOUZA, 1984, p. 76). Para os representantes desta vertente, a realidade
social passa a ser considerada em sua dinâmica sócio-histórica, e o
problema social assume dimensão que vai para além do imediato, do
aparente. A proposta do método de BH influiu consideravelmente no
ensino (formulação do pensamento crítico) e na prática profissional.
Essa aproximação do Serviço Social com a teoria marxista foi
acusada, em um primeiro momento, de promover a defasagem entre
elaborações teórico-metodológicas e a intervenção profissional; de
contribuir para o afastamento dos profissionais das instituições e a busca
pela intervenção nos movimentos sociais; de provocar a confusão na
identificação entre prática profissional e militantismo político-partidário
(GUERRA, 2014; PONTES, 2009). Além disso, também foi acusada de
provocar a dicotomia entre teoria e prática12, debate que persiste na
contemporaneidade.
No que se refere ao distanciamento entre elaborações teóricas e a
intervenção, Souza (1984, p. 77) indica como um dos pontos críticos
dessa direção de renovação do Serviço Social que as reflexões
questionadoras da academia muitas vezes distanciavam-se das situações
concretas, o que conduzia a um vazio quando da sua operacionalização.
De acordo com a autora:
O problema começa quando as informações e
reflexões críticas, dadas de modo genérico, se
confrontam com a prática. Não existe uma

11
Segundo Netto (idem), os representantes desta vertente, em um primeiro
momento, sofreram influências das ideias marxistas, porém sem recorrer às
obras de seus principais pensadores. Foi na década de 1980 que essa
aproximação aconteceu. Marilda Vilela Iamamoto foi importante nesse
processo.
12
Segundo Pontes (2009), a discussão da relação teoria-prática se apresentou de
três formas. A primeira objetivava a ruptura com o método tripartide (caso,
grupo e comunidade) e a construção de um método único ao Serviço Social, o
que conduziu ao que o autor denominou de epistemologismo. A segunda forma
se deu com a aproximação ao pensamento de Gramsci e as fontes marxianas
originais. A terceira forma foi iniciada a partir das discussões da Abepss
(principalmente após 1986) em resposta à crise na formação profissional.
Destacam-se diferentes interpretações da teoria crítico-dialética, como: Netto,
inspiração lukacsiana; Faleiros, Gramsci e Foucault; Iamamoto, Marx e
Gramsci; Alba Carvalho, Gramsci.·.
36

passagem entre o geral e o particular [...] A


formação profissional, tomando como foco
predominante de ensino informações e reflexões
críticas desligadas de situações concretas, se perde
num vazio muito grande quando se faz necessário
operacionalizar ao nível de prática cotidiana essas
informações e reflexões críticas [...] Chega um
ponto em que a profissão tem bons críticos a nível
de discussão e péssimos profissionais a nível de
reflexão/ação.”.
Em complemento a essa assertiva, Pontes (2009, p. 22) indica que
a incorporação da concepção dialética no Serviço Social buscou no
plano político uma explicação das relações sociais e da exploração da
sociedade capitalista de maneira genérica. Essa perspectiva
superestimou as possibilidades políticas do Serviço Social, não
considerando as particularidades da profissão, “[...] cujo impacto
produzido nas relações sociais é de pouca monta [...]”. A pretensão aqui
era a de um Serviço Social que assimilasse tarefas reivindicatórias
cabíveis a outras instâncias da sociedade, como partidos, sindicatos,
movimentos sociais13.
Com o amadurecimento teórico do Serviço Social, que Netto
denominou como a maioridade intelectual e teórica da intenção de
ruptura (tendo como marco os anos de 1980), a teoria marxista de
folhetins foi substituída pelas fontes clássicas da teoria social Marxiana.
São importantes representantes dessa vertente: José Paulo Netto,
Vicente de Paula Faleiros, Marilda Vilela Iamamoto14, Alba Carvalho.
Para Pontes (2009, p. 21), com a apreensão da teoria social
crítico-dialética no Serviço Social:
Incorporou-se ao discurso profissional uma nova
concepção teórica das relações sociais e,

13
Pontes (2009) corrobora com Netto (2008), sinalizando que a assimilação
pelo conjunto dos profissionais para o desmonte desse equívoco se processou
em tempos distintos daquele da vanguarda dos formadores de opinião do
Serviço Social, para estes o desmonte teórico equivocado ocorreu antes.
14
Marilda Vilela Iamamoto e Raul Carvalho foram quem introduziram o
autêntico pensamento marxista no Serviço Social, destacando-se como
protagonistas no projeto de intenção de ruptura com o Serviço Social
tradicional. A Obra Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma
interpretação histórico-metodológica foi de importância axial (NETTO, 2008;
PONTES, 2009).
37

consequentemente, um novo arranjo analítico


categorial, que inaugura para a profissão uma
nova fase de amadurecimento intelectual e de
maior riqueza teórico-política.
Diante desse resgate sócio-histórico do processo constituinte da
profissão, é possível inferir sobre a importância do movimento de
reconceituação, sobretudo a vertente de intenção de ruptura. Para Guerra
(2014) o processo de renovação do Serviço Social colocou à intervenção
do assistente social novas requisições e demandas, pois convocou a
categoria a pensar e refletir sobre os fundamentos teóricos-
metodológicos, bem como sobre os princípios e postulados da profissão.
Para a autora, a partir desse momento histórico:
[...] novas perspectivas se apresentam à
compreensão do significado sócio-histórico da
profissão, da questão social, escopo da
intervenção do assistente social, dos modos de
realizar a prática profissional, enfim, dos sujeitos
envolvidos no processo de intervenção
profissional, resultante da inserção de um novo
interlocutor do Serviço Social: as particularidades
sócio-políticas e econômicas do desenvolvimento
capitalista brasileiro (GUERRA, 2014, p. 22).
E, em Netto (2008, p. 135-136), o processo de renovação do
Serviço Social possibilitou:
a) a instauração do pluralismo teórico, ideológico
e político no marco profissional [...] b) a crescente
diferenciação das concepções profissionais [...]
derivada do recurso diversificado a matrizes
teórico-metodológicas alternativas. c) a sintonia
da polêmica teórico-metodológica profissional
com as discussões em curso no conjunto das
ciências sociais, inserindo o Serviço Social na
interlocução acadêmica e cultural contemporânea
[...]. d) a constituição de segmento de vanguarda,
sobretudo mais não exclusivamente inseridos na
vida acadêmica, voltados para a investigação e
pesquisa.
A trajetória da profissão, conforme explanado, sofreu fortes
influências de forças conservadoras, sobretudo da igreja, do Estado e do
pensamento positivista em sua racionalidade formal-abstrata. Contudo, a
partir do processo de renovação do Serviço Social, novas perspectivas
teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas entraram no
cenário, confrontando diferentes formas de conceber o Serviço Social.
38

De acordo com Pontes (2009, p. 18-19), a coexistência entre


distintas correntes de pensamento15 decorrente do processo sócio-
histórico da profissão e que se constituíram pelas necessidades da
prática social, “[...] traduzem uma busca cada vez mais intensa e
diversificada por ‘paradigmas’ e referências teóricas, capazes de
clarificar e sustentar caminhos para a intervenção profissional e sua
auto-representação”.
Nesse aspecto, compreende-se que as macroteorias que
influenciaram e influenciam o processo constituinte do Serviço Social
atribuem à profissão uma instrumentalidade, visto que enquanto
ideologias são determinantes na forma de agir, pensar e conceber a
realidade social e a intervenção profissional. Esses paradigmas se
corporificam e disseminam por meio de suas racionalidades e da
linguagem, assunto que será desenvolvido na subseção que segue.

2.2 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL:


RACIONALIDADES CONSTITUÍDAS E LINGUAGEM

O Serviço Social se constitui numa especialização inserida na


divisão social e técnica do trabalho, cuja institucionalização (sua razão
de ser) está atrelada ao pensamento conservador e ao desenvolvimento
do capitalismo monopolista (NETTO, 1996; PONTES, 2009;
IAMAMOTO, 2005; KARSCH, 1987; SOUZA, 1982; BARROCO,
2010).
É uma profissão que se caracteriza por sua natureza prática, ou
seja, suas ações são direcionadas a problemas reais e requerem soluções
objetivas (PONTES, 2009; GUERRA, 2014; SOUZA, 1984;
SARMENTO, 2016). A dimensão interventiva exige do profissional um
saber-fazer que promova mudanças, transformações nas relações
interpessoais e sociais, e nas condições objetivas e subjetivas da vida
cotidiana16, lócus privilegiado da intervenção profissional.
Para intervir nas múltiplas demandas advindas da realidade social
- as quais se ampliam e complexificam devido ao modo de produção e
reprodução social do sistema capitalista que agrava as expressões da

15
Positivismo, Fenomenologia, Estrutural-funcionalismo, Marxismo, etc..
16
Segundo Carvalho (1996, p. 17), a vida cotidiana tem sido o centro de atenção
do Estado e da produção capitalista de consumo. O Estado gere a vida cotidiana
através de “[...] regulamentos e leis, pelas proibições ou intervenções múltiplas,
pela fiscalização, pelos aparelhos de Justiça, pela orientação da mídia, pelo
controle das informações etc.”.
39

questão social17 -, o assistente social se apropria de uma


instrumentalidade, entendida por Guerra (2007, p. 1), como “[...] uma
determinada capacidade ou propriedade constitutiva da profissão,
construída e reconstruída no processo sócio-histórico”.
A instrumentalidade não se constitui em algo permanente, mas
acompanha o movimento sócio-histórico, entendendo-se que o Serviço
Social não é um ente autônomo, não é um ser independente daquilo que
o cerca, e sim é construído e reconstruído no processo sócio-histórico. A
capacidade da profissão não está definida desde os seus primórdios, já
que as respostas e as requisições passadas não são as mesmas de agora.
Esta capacidade revela um modo de ser do profissional, implica em uma
racionalidade.
Conforme Guerra (2014, p. 17):
[...] a análise da instrumentalidade do Serviço
Social, tomada tanto do ponto de vista das
particularidades históricas da ordem burguesa
quanto informada por concepções teóricas e
visões de mundo diversas, evidenciou-se a
necessidade de ponderar sobre as racionalidades
subjacentes às formas de ser e pensar o Serviço
Social, racionalidades estas entendidas como
expressões das formas de pensamento e ação,
histórico e culturalmente compartilhados pelos
assistentes sociais.
Nesse contexto, conforme a autora, há uma estreita relação entre
instrumentalidade e racionalidade, não havendo exercício profissional
isento de uma racionalidade, seja ela fundamentada na teoria social
positivista, na fenomenologia ou na matriz critico-dialética.
Em sua origem a instrumentalidade da profissão apresentava
vinculação ao pensamento positivista. As expressões da questão social
nesta matriz teórica são decorrentes de desajustamentos individuais, dos
problemas de personalidade. Em Netto (1986, p. 53), tem-se que o
positivismo é uma tendência necessária ao capitalismo, e que, em
sentido mais exato, consiste “[...] em o pensamento não ultrapassar essa
aparência coisificada dos fenômenos sociais”.
Com o processo de renovação do Serviço Social - iniciado nos

17
Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades
sociais da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção
social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se, mas amplamente social,
enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por
uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2005, p. 27, grifos da autora).
40

anos de 1960 e que adquiriu nova roupagem nas décadas de 1980/1990


(movimento pós-reconceituação) -, a matriz marxista se tornou
hegemônica na formação profissional e passou a dar direcionamento aos
Currículos dos cursos de Serviço Social, à Lei que regulamenta a
profissão18 e ao Código de Ética do Assistente social19.
Entretanto, as tendências teóricas que influenciaram o Serviço
Social desde a sua origem não foram substituídas enquanto novas
tendências emergiam, ao contrário, elas coexistem e atribuem ao Serviço
Social várias racionalidades, as quais:
[...] convivem historicamente e contraditoriamente
no interior da profissão e que se constituem num
conjunto de tendências observáveis, expressam de
um lado, as relações entre sujeitos estabelecidas
na ação profissional e, de outro, os fundamentos
ético-políticos e teóricos sobre os quais essas
relações se apoiam, que por vez demandam
diferentes formas de atuação (GUERRA, 2014, p.
34).
Para a autora, “As racionalidades do Serviço Social podem ser
tomadas como um conduto de passagem e eixo articulador entre teoria e
práticas” (GUERRA, 2014, p. 35).
Esta racionalidade fundamenta-se na razão, constitui-se em uma
expressão da realidade; é uma propriedade da razão e relaciona-se à
forma de concebê-la. Nesta perspectiva, a razão não determina a
realidade, mas significa uma forma de apreensão do real. O real é o que
existe de acordo com a razão (GUERRA, 2014; PONTES, 2009;
LEFEBVRE, 1991). Numa perspectiva dialética:
Penetrar no real é superar o imediato – o sensível
– a fim de atingir conhecimentos mediatos,
através da inteligência e da razão. Esses
conhecimentos mediatos são então pensamentos,
ideias. Penetrar no real, portanto, é atingir pelo
pensamento um conjunto cada vez mais amplo de
relações, de detalhes, de elementos, de
particularidades, captadas numa totalidade. Esse
conjunto, essa totalidade, por outro lado, jamais
pode coincidir com a totalidade do real, com o
mundo. O ato do pensamento destaca da
totalidade do real, mediante um recorte real ou
‘ideal’, aquilo que é corretamente chamado de

18
Lei 8.662/1993 com dispositivo acrescentado pela Lei 12.317/2010.
19
Resolução nº 273/1993 Cfess.
41

‘objeto do pensamento’ (LEFEBVRE, 1991, p.


112).
Para Guerra (2014, p. 44):
O procedimento da razão é o ‘vir-a-ser’. Ela é
uma condição ou momento do pensamento que
busca apreender a realidade como movimento e
por isso tem que caminhar de abstrações mais
simples, dadas pelo intelecto, no sentido de
determiná-las por meio das mediações que
vinculam os fatos a determinados processos,
saturados de determinações. Atinge seu ápice ao
encontrar o substrato material, que é a realidade.
Conforme Guerra são duas as categorias de racionalidade: a
intelectiva e a ontológica. A categoria intelectiva busca captar a unidade
objetiva dos processos sociais, e a categoria ontológica expressa a lógica
dos processos sociais de constituição. Na perspectiva ontológica, tem-se
que a razão inclusiva incorpora elementos do senso comum e os
procedimentos que o intelecto realiza, superando-o.
Nesse aspecto, infere-se que o senso comum em sua lógica
formal, conforme Lefebvre (1991), é insuficiente para a passagem do
entendimento à razão20 e sua aplicação é limitada, no entanto se trata de
uma fase, de um momento da atividade da razão: o momento da
abstração.
A lógica formal, lógica da forma, é assim a lógica
da abstração. Quando nosso pensamento, após
essa redução provisória do conteúdo, retorna a ele
para reapreendê-lo, então a lógica formal se revela
insuficiente. É preciso substituí-la por uma lógica
concreta, uma lógica do conteúdo, da qual a lógica
formal é apenas um elemento, um esboço válido
em seu plano formal, mas aproximativo e
incompleto (LEFEBVRE, 1991, p. 83).
Ao encontro dessa assertiva, Pereira (1982) posiciona-se
asseverando que a lógica formal e a lógica dialética constituem-se em
estágios complementares de um único caminho. A lógica dialética, não é
a superação da lógica formal, mas uma incorporação desta.

20
Conforme Lefebvre (1991, p. 234), “O entendimento (inteligência) analisa,
separa, divide; e deve fazê-lo. A razão une, agrupa, esforça-se por encontrar o
conjunto e a relação. Mas a contradição entre o entendimento e a razão renasce
sempre e deve sempre renascer, e isso porque, incessantemente, o entendimento
deve separar e a razão unir”.
42

A entrada pelas portas da lógica dialética é o ato


de assumir as definições ou as leis do pensamento
concreto, ritmado pela dinâmica da realidade,
conferindo esse mesmo dinamismo a essas formas
de pensamento enquanto discurso aberto
(PEREIRA, 1982, p. 24).
Em Lefebvre (1991) e Pereira (1982), observa-se que a lógica
formal é um elemento, um estágio da lógica dialética. Trata-se, aquela,
de uma aproximação incompleta do real. A lógica formal ao captar a
forma21, a aparência, o fenômeno da coisa, lança sob ela um
entendimento. A lógica formal ao ser incorporada pela lógica concreta
possibilita a apreensão da coisa em si pela razão, possibilita chegar à
essência, à verdade (ainda que aproximativa e em permanente processo
de mudança).
Segundo Lefebvre (1991, p. 84, grifos do autor), a forma tomada
isoladamente se transforma em formalismo. Pontua que “Não é a lógica
formal enquanto tal que deve ser julgada com severidade, mas sim o
formalismo lógico [...]”.
A racionalidade também é trabalhada por Pontes (2009). Para o
autor o conhecimento científico, que deve ser fiel à realidade social, tem
se polarizado em duas grandes matrizes de pensamento e,
consequentemente, em duas racionalidades: a teoria positivista em sua
racionalidade instrumental-manipulativa (positiva); a teoria marxista e
sua racionalidade crítico-dialética (negativa). Para cada formulação a
razão assume formas nitidamente distintas.
Pontes (2009, p. 31) diferencia as duas matrizes de pensamento
apontando que:
A primeira busca compreender o funcionamento
da sociedade e das estruturas que a compõem,
com a finalidade de controlar, corrigir e reformar
as disfunções das relações sociais, contribuindo
para que o mais avançado modo de organização
sócio-econômico (sistema capitalista) que a
humanidade conquistou se mantenha garantido
nas suas formas gerais e no seu aperfeiçoamento
necessário.

21
Em Lefebvre (1991 p. 219, grifos do autor) “[...] a aparência está na coisa. A
essência não existe fora de sua conexão com o universo, de suas interações com
os outros seres. Cada uma dessas interações é um fenômeno, uma aparência. Em
si, a essência é apenas a totalidade das aparências; e a coisa é apenas a
totalidade dos fenômenos [...]”.
.
43

A segunda transita numa concepção


diametralmente oposta, buscando não só conhecer
os processos históricos, que estruturam o ser
social burguês, bem como suas leis tendenciais-
históricas, como apontar as forças sociais,
políticas, culturais etc. de dissolução desta ordem
social.
No percurso teórico desenvolvido até aqui, infere-se que,
conforme Pereira (1982), Lefebvre (1991), Pontes (2009) e Guerra
(2014) são duas as racionalidades que orientam a concepção da
realidade social e a intervenção sobre ela. Uma racionalidade subsumida
ao pensamento positivista e, a outra, ao pensamento crítico-dialético.
Essas racionalidades permeiam todos os espaços e relações, são
constituintes e constituídas pelo ser social em seu processo sócio-
histórico.
Segundo Guerra, o acirramento das expressões da questão social
decorrente do modo de produção e reprodução capitalista monopolista e
todas as suas contradições, propicia o desenvolvimento da racionalidade
formal/abstrata ou instrumental. Para a autora:
É no agravamento dessas contradições que a
racionalidade instrumental adquire um espaço
privilegiado, posto que a ideologia da tecnificação
permite abstrair dos fenômenos e processos
sociais os seus conteúdos concretos e transforma o
essencial em acessório (GUERRA, 2014, p. 73).
O paradigma do positivismo vem ao encontro dos interesses
capitalistas, visto que se assenta no pensamento que não ultrapassa a
aparência dos fenômenos: a realidade social é desestoricizada e
deseconomizada. Nesse aspecto, em referência ao positivismo de
Durkheim, Guerra (2014, p. 61) pontua que na apreensão do real as “[...]
induções amplificantes transformam-se em generalizações, e os fatores
do desenvolvimento econômico não interferem nas formas político-
jurídicas, sociais ou culturais”.
Assim, para a inculcação da ideologia dominante todos os
esforços e meios são empregados pelo capital para a apropriação desse
ideário no imaginário da classe trabalhadora e subalterna de forma a
naturalizar o sistema e as desigualdades sociais decorrentes dele.
Essa racionalidade instrumental é inerente a protoforma do
Serviço Social, tendo perpassado toda a trajetória da profissão, a qual se
constitui e reconstitui, conforme Guerra (2014), entre conservadorismo
e renovação. Para a autora, a racionalidade instrumental é compreendida
como um nível de apropriação da realidade, mas limita as ações nas
44

operações cognitivas. Nessa concepção a atuação profissional se


sustenta no pragmatismo, em ações que se limitam ao atendimento das
necessidades imediatas e ao praticismo.
Embora, segundo Guerra (2014), a racionalidade formal-abstrata
tenha prevalecido na intervenção profissional (até a década de 1980), a
autora discute e traz argumentos sobre a importância da perspectiva
crítica dialética para o Serviço Social, pois é a partir desta matriz teórica
que a realidade social é apreendida em suas múltiplas determinações, em
sua totalidade22. A racionalidade da razão dialética23 vai para além da
aparência e visa ações que ultrapassem a dimensão manipulatória e
instrumental.
Quadro 1 - Relação entre matriz de pensamento, racionalidade e compreensão
da realidade.
- Lógica formal A coisa é entendida somente a
(LEFEBVRE, 1991); partir da lógica da forma, da
- Racionalidades: formal- aparência. Tem por finalidade o
abstrata, instrumental ou controle, o ajustamento, a
Positivismo intelectiva (GUERRA, intervenção nas disfunções
2014); sociais. A realidade social é
- Racionalidade desestorizada e deseconomizada,
instrumental-manipulativa desconsiderando-se, portanto, as
(PONTES, 2009) particularidades.
- Lógica concreta A coisa é entendida a partir da
(LEFEBVRE, 1991); forma e do conteúdo,
- Racionalidade dialética; possibilitando chegar à essência
Marxismo Ontológica (GUERRA, dos fenômenos. Objetiva a
2014); relação entre a teoria e a prática
- Racionalidade crítico- para processos de transformação.
dialética (PONTES, 2009) Apreende a realidade em suas
múltiplas determinações.
Fonte própria.

A reflexão sobre a instrumentalidade do Serviço Social e suas


racionalidades necessariamente conduz ao projeto profissional, que:

22
Para Pontes (2009, p. 51, grifos do autor), a totalidade, em Hegel, assume um
significado novo e dinâmico “Na relação parte-todo, as partes além de se
condicionarem reciprocamente, também são totalidades parciais mutualmente
determinadas e articuladas. A realidade não é um amálgama rígido de partes
num todo”.
23
A totalidade, a negatividade e a mediação são os principais eixos categoriais
do núcleo racional crítico-dialético (idem)
45

[...] ilumina a especificidade mesma da profissão:


sua inserção sócio-constitutiva; sua
particularidade em face da divisão social do
trabalho; a complexa relação entre demanda
institucional e demanda profissional; as
perspectivas teórico-metodológicas próprias dos
vários projetos profissionais particularizados no
interior da profissão; as perspectivas
historicamente construídas pelos profissionais no
direcionamento político-institucional da área de
intervenção privilegiada no âmbito das políticas
sociais: a assistência social (PONTES, 2009, p.
17).
É nesse campo de mediações, cujas complexidades assumem
proporções imensas diante do objeto de intervenção do Serviço Social,
que o assistente social é chamado a intervir, e será através da linguagem,
em todas as suas formas, que se manifestarão os princípios teórico-
metodológico, ético-político e técnico-operativo, os quais atribuem
estatuto de profissionalidade ao exercício profissional.
A linguagem, portanto, não está esvaziada de conteúdo
ideológico, ao contrário, trata-se de um meio por excelência para a
inculcação de princípios e de valores morais e éticos, informando, nessa
perspectiva, sobre a visão de homem e mundo do seu locutor
(BAKHTIN, 1981).
No Serviço Social a linguagem é compreendida por muitos
autores como o principal instrumento de trabalho do assistente social
(IAMAMOTO, CARVALHO, 2014; FALEIROS, 2008;
MAGALHÃES, 2011). Esta afirmação remete à compreensão de que é a
partir da linguagem (enquanto meio) que o profissional intervém nas
relações de produção e reprodução social, nas vidas dos sujeitos, seja
através da linguagem falada (entrevistas, reuniões, trabalhos de grupo,
etc.), seja por meio da linguagem escrita (relatórios, termos de
comunicação, encaminhamentos, etc.), seja pela linguagem corporal.
Para Lacerda (2014), na perspectiva ontológico-crítica, em sua
racionalidade dialética, o processo de trabalho do assistente social,
enquanto práxis social se efetua pelas categorias da teleologia e da
causalidade, ou seja: na atividade direcionada a um fim; no
conhecimento do objeto sobre o qual se trabalha (as expressões da
questão social); no emprego de instrumentos (meios) e na sua
materialização (produto). Entendida como principal recurso de trabalho
do assistente social, a linguagem se constitui em um meio, e objetiva o
alcance de determinado fim previamente pensado.
46

Conforme Marx e Engels (2007, p. 35, grifo dos autores),


[...] a linguagem é a consciência real, prática, que
existe para os outros homens e que, portanto,
também existe para mim mesmo; e a linguagem
nasce, tal como a consciência, do carecimento, da
necessidade de intercâmbio com outros homens, é
um produto social.
Sobre a formação da consciência, Bakhtin (1981, p. 22), pensador
marxista que trouxe contribuições para o estudo da filosofia da
linguagem, entende que “A consciência só se torna consciência quando
se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente,
somente no processo de interação social”. Acrescenta: “A consciência
individual não só nada pode explicar, mas ao contrário, deve ela própria
ser explicada a partir do meio ideológico e social. A consciência
individual é um fato sócio-histórico” (BAKHTIN, 1981, p. 23).
Enquanto produto social, também a linguagem reflete e refrata o
meio social, econômico, político, cultural, religioso, linguístico de
determinada sociedade. Nesse aspecto, a linguagem não está livre de
influências das diferentes formas de comunicação social, ao contrário,
constitui-se e está impregnada dos seus signos, os quais, segundo
Bakhtin (1981, p. 21), possuem valor ideológico e realidade objetiva.
Cada signo ideológico é não apenas um reflexo,
uma sombra da realidade, mas também um
fragmento material dessa realidade. Todo o
fenômeno que funciona como signo ideológico
tem uma encarnação material, seja como som,
como massa física, como cor, como movimento
do corpo ou como outra coisa qualquer.
Tem-se que linguagem e consciência se constituem a partir da
necessidade de intercâmbio entre os homens, e por essa natureza são
produtos sócio-histórico. Essas sociabilidades são determinadas pelo
modo de produção e reprodução social e pelas condições materiais de
existência. Nesse sentido, linguagem e consciência tem como base
fundante o mundo material, as relações sociais concretas. Daí advém a
afirmativa de Marx e Engels (2007, p. 94) que sinaliza que “Não é a
consciência que determina a vida, mas a vida que determina a
consciência”
Segundo os autores de A Ideologia Alemã, a linguagem é a
realidade imediata do pensamento, no entanto na sistematização destes
pensamentos em linguagem, nem pensamento nem linguagem se
constituem em um reino próprio, mas sim são manifestações da vida
real.
47

Ao encontro dessa posição está o pensamento de Ianni (2000),


que salienta a importância da linguagem enquanto produto e condição
de pensamento e como elemento essencial da cultura.
Cabe relembrar que linguagem é pensamento.
Ambos se formam, conformam e transformam
simultânea e reciprocamente. Enquanto produto e
condição do pensamento, a linguagem expressa a
multiplicidade das relações, processos e estruturas
que constituem a organização e a dinâmica da
vida social, em todas as suas manifestações. Tudo
o que diz respeito à sociedade está envolto e
impregnado de cultura, sendo que a linguagem,
enquanto componente essencial da cultura,
taquigrava, expressa, compreende, explica,
exorciza ou sublima o turbilhão histórico-social
em que estão imersos indivíduos e coletividades,
grupos e classes sociais, nações e nacionalidades
(IANNI, 2000, p. 251/252).
Segundo o autor, a relação existente entre linguagem e
pensamento não significa que o pensamento24 quando expresso em

24
O autor em sua Obra Lógica formal, Lógica Dialética trabalha no Capítulo II
aquilo que denomina como os movimentos do pensamento. Para Lefebvre
(1991), são oposições às quais se movem nosso pensamento: Movimento e
pensamento: o pensamento é um movimento de pensamento, de um devir.
Verdade e erro: não estão absolutamente separados, há verdade e há erros, mas
ambas se modificam, acompanhando o movimento do real. Absoluto e relativo
“O relativismo dialético admite a relatividade de nossos conhecimentos, não no
sentido de uma negação da verdade objetiva, mas no sentido de uma perpétua
superação dos limites de nosso conhecimento [...] complementa, completa, não
suprime” (p. 98). Desconhecido e conhecido: O pensamento, em si mesmo pode
ser considerado como conjunto de forma, as quais devem ser compreendidas em
seu conteúdo. Inteligência (entendimento) e razão: o primeiro determina o
elemento, negando o todo, é o primeiro momento do conhecimento; a segunda
busca a unidade. São atividades opostas que devem ser reunidas. Imediato e
mediato: o conhecimento imediato, a impressão sensível, não se dá por
processo, pode ser chamado na linguagem filosófica como intuição “Indica a
coisa a conhecer e não aquilo que a coisa é” (p. 106). O conhecimento mediato
supera as sensações do entendimento, tornando-se percepção, são operações que
se complementam. Abstrato e concreto: não podem ser separados, convertem-se
um no outro, são características do conhecimento “[...]o concreto determinado
torna-se abstrato; e o abstrato aparece como concreto já conhecido” (p.112).
Análise e síntese: São atividades inseparáveis, visto que o sentido da análise
está no concreto que se apresenta de forma sintética. A análise é a atividade de
48

palavras seja refletido em sua integra como uma cópia fiel, mas que ao
tornar-se fala, palavra, o pensamento passa por transformações e ganha
existência.
[...] enquanto não se expressa em palavra, o
mundo está no limbo, revela-se uma nebulosa
misteriosa; mas quando palavreado, articulado e
significativo, esse mesmo mundo corre o risco de
descobrir-se delimitado, prisioneiro ou significado
(IANNI, 2000, p. 253).
Sobre a importância da palavra, Bakhtin (1981) a identifica como
signo por excelência no estudo das ideologias. Nessa perspectiva afirma
que é a ideologia que modela a consciência, o pensamento e toda a
atividade mental. Identifica que os fenômenos ideológicos estão ligados
à comunicação social e que os signos são a materialização dessa
comunicação e encontra na linguagem, na palavra, um papel contínuo de
comunicação social.
A palavra é o fenômeno ideológico por
excelência. A realidade toda da palavra é
absorvida por sua função de signo. A palavra não
comporta nada que não esteja ligado a essa
função, nada que não tenha sido gerado por ela. A
palavra é o modo mais puro e sensível de relação
social (BAKHTIN, 1981, p. 24).
A palavra representa um signo, e como signo está tomado de
significado ideológico e apresenta natureza sócio-histórica. Neutra em
sua essência, a palavra não possui uma função ideológica específica, o
seu significado vai apresentar variações de acordo com a entonação
empregada, bem como do seu locutor/emissor e do interlocutor/receptor,
da relação entre ambos, do contexto e das condições em que está sendo
emitida, etc.(MAGALHÃES, 2011; BAKHTIN, 1981).
Pereira (1982, p. 84) salienta a influência direta da ideologia nos
atos humanos:
Direta ou indiretamente as ideologias estão
presentes no que pensamos e fazemos. Ou seja, na
relação teoria/prática e, consequentemente, na

penetrar de fora no objeto, não é passiva nem exaustiva, mas infinita e concreta.
“Analisar uma realidade complexa e atingir seus elementos reais é o mesmo que
descobrir seus momentos” (p. 117). A síntese refaz, em sentido inverso, o
caminho realizado pela análise. “A síntese mantém em todo o momento o
contato com o todo, guia a análise, evita que se perca” (p. 120). Indução e
dedução: A indução vai dos fatos à lei (de um conjunto de fatos particulares a
conclusão geral).
49

práxis, em tudo o que fazemos, em todos os


momentos. Nossos atos são ideológicos porque
são sociais e históricos.
Para o autor ninguém escapa das interferências ideológicas, seja
como agente dominante ou dominado. Nesse aspecto, conforme Pereira
(1982, p. 84), o gênero humano:
[...] não projeta e não age no vazio absoluto,
independentemente de suas relações, as ideologias
interferem sobretudo no seu pensamento e na sua
ação, no pensamento e ação dos grupos e das
classes sociais. Elas o tornam um criador ou
articulador de ideologias sociais (boas ou
perversas) ou em um inocente útil, assimilador
passivo de ideologias que interferem no seu ato de
fora para dentro, ainda que ele não saiba.
No modo de produção e reprodução social do capitalismo de
monopólios a ideologia dominante é a positivista com princípios
neoliberais e com racionalidade instrumental-manipulativa, formal.
Nessa perspectiva, as condições de pobreza ou riqueza são decorrentes
de atributos individuais, a realidade é vista em fragmentos, nega-se a
essência dos fenômenos, fortalece-se o individualismo, as relações são
coisificadas e o trabalho é alienado.
Conforme Netto (1996, p. 86):
Na idade avançada no monopólio, a organização
capitalista da vida social preenche todos os
espaços e penetram todos os interstícios da
existência individual: a manipulação desborda a
esfera da produção, domina a circulação e o
consumo e articula uma indução comportamental
que permeia a totalidade da existência dos agentes
sociais particulares [...].
Destarte, as características do paradigma positivista em sua
racionalidade impregnam não só as relações de produção, mas também
as relações de reprodução social; expandem-se das empresas aos lares;
são amplamente propagadas pela cultura do consumo, pela
obsolescência programada, pelo culto ao individualismo (fortalecimento
da vertente irracionalista). Nesse contexto, a racionalidade formal
penetra e interfere no modo de pensar, agir e sentir do indivíduo e dos
grupos sociais.
A categoria profissional dos assistentes sociais, inserida nessa
realidade concreta, está sujeita a impregnar-se dessa ideologia
dominante. Entretanto, a tendência ao predomínio da racionalidade
50

instrumental-manipulativa não significa a inexistência de outras


tendências, ao contrário, há forças em enfrentamento e disputa de
hegemonia.
O paradigma marxista, com sua crítica contundente ao modo de
produção e reprodução social capitalista, vem sendo amplamente
divulgado e discutido nos espaços de formação e pela categoria
profissional desde o movimento de renovação da profissão, ganhando
maior visibilidade a partir da década de 1980, quando passou a dar
direcionamento às diretrizes curriculares dos cursos de Serviço Social,
bem como à Lei que regulamenta a profissão e ao código de ética.
Ao trazer elementos para discutir a instrumentalidade do Serviço
Social e fazê-lo a partir de uma leitura crítica, muitas questões
emergiram, dentre elas a compreensão de que a racionalidade -
entendida como uma propriedade da razão que se refere à forma de
conceber a realidade - é o eixo condutor da ação profissional. É o que
antecede a técnica e os instrumentos e relaciona-se ao paradigma ao qual
o profissional se identifica. Paradigma este que informa sobre o projeto
societário e sobre o projeto profissional.
Essa racionalidade se constitui no processo de interação social,
relaciona-se ao meio social, cultural, político, econômico, aos valores
morais e éticos e a identificação com determinada classe social.
Portanto, possui conotação ideológica, e, nessa perspectiva, encontra na
linguagem (palavra enquanto signo ideológico) um importante, senão
principal meio de manifestação.
Com essas ponderações o que se pretende inferir é que o
paradigma ao qual o profissional do Serviço Social se identifica dará o
norte para a intervenção, explicitando através da linguagem o modo de
pensar, agir e sentir a profissão, ou, de outra forma, revelará a
instrumentalidade do Serviço Social.
51

3 A TRAJETÓRIA PARA A IMPLANTAÇÃO E


OPERACIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL E A DIRETRIZ DA MATRICIALIDADE
SOCIOFAMILIAR

Com o advento da Constituição de 1988 a assistência social


compõe o tripé da seguridade social, sendo reconhecida como política
não contributiva, direito do cidadão e dever do Estado, rompendo assim
com uma longa trajetória histórica na qual a assistência social se
constituía em uma política de governo de subsidiariedade, com fortes
traços assistencialista, clientelista e de benemerência.
Esse marco histórico foi construído com a participação da
sociedade civil e com o embate de forças, num contexto político,
econômico e social marcado pela abertura democrática; por exigências
dos organismos internacionais fomentadas pela nova onda neoliberal
que propôs uma série de reformas econômicas para a América-Latina
(BATISTA, 1995); e pelo acirramento das expressões da questão social
decorrente do modo de produção e reprodução social capitalista e
monopolista.
Foi nesse cenário de conquista e contradições que a assistência
social passou a ser reconhecida, no artigo 20325 da Carta Magna do país,
como direito, apresentando como objetivos, dentre outros, a proteção à
família, à infância e à adolescência, com ênfase no amparo às crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Para a consolidação da assistência social como política de Estado,
fez-se necessário todo um percurso jurídico-regulatório demarcado por
leis, normativas, guias de orientações, cadernos, que atribuíram um
direcionamento à política e à concepção dos serviços, projetos,
programas e benefícios, definindo objetivos, princípios e diretrizes da

25
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a
promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei
(BRASIL, 1988)
52

Política de Assistência Social.


Nessa seção será explanado brevemente sobre esses dispositivos,
demarcando-se a trajetória que culminou na implantação e
implementação dos Paefis. Especial atenção será atribuída à diretriz da
matricialidade sociofamiliar, que é um dos eixos estruturantes da
política. A compreensão da qual se parte é a de que a matricialidade
sociofamiliar repercute significativamente no exercício profissional do
assistente social que está inserido no espaço sócio-ocupacional dos
Paefis.

3.1 DISPOSITIVOS, REGULAMENTOS E NORMATIVAS DA


POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Para objetivar a assistência social como direito e como política


pública (ainda que em um contexto político, econômico e social
adverso), percorreu-se todo um caminho regulatório, que iniciou com a
aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social - Loas26 (1993),
seguida da Política Nacional de Assistência Social - PNAS (2004), das
Normas Operacionais Básicas - NOBs27 e da Tipificação Nacional dos
Serviços Socioassistenciais28 - TNSS (2009). Ainda, com o objetivo de
padronizar os serviços em âmbito nacional, conforme preconiza o
Sistema Único de Assistência Social - SUAS, publicaram-se as Guias de
Orientações Técnicas do Cras e do Creas (2011), e alguns cadernos
direcionados a demandas específicas do atendimento ofertado pelo
Suas29 (2016).
A Loas é o instrumento legal que dispõe sobre a organização da
assistência social (definição, objetivos, diretrizes, organização da gestão,
benefícios, serviços, projetos, programas, dentre outros). Propõe a
extensão dos direitos sociais, a ampliação da responsabilidade do Estado
26
Lei nº 8.742/1993.
27
Com ênfase na NOB/SUAS (2005), na NOB/RH (2006) e na NOB (2012).
28
Aprovada pelo CNAS, resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, e
alterada no ano de 2014 com a inclusão da faixa etária de 18 a 59 anos no
Serviço de Convivência e Fortalecimentos de Vínculos.
29
Mais recentemente, no ano de 2016, foram publicizados os cadernos:
Fundamentos éticos-políticos e rumos teórico-metodológicos para fortalecer o
Trabalho Social com Famílias na Política Nacional de Assistência Social –
TSF/SUAS; Orientações Técnicas Trabalho Social com família indígenas:
Proteção Social Básica para uma oferta culturalmente adequada; e Orientações
Técnicas: Atendimento no SUAS às famílias e aos indivíduos em situação de
vulnerabilidade e Risco Social associada ao consumo de álcool e outras drogas.
53

e da sociedade civil no âmbito da proteção social, a universalização do


acesso aos serviços, a garantia dos mínimos sociais, a qualidade dos
serviços. Em suas diretrizes estabelece: a participação da sociedade civil
no processo de elaboração da política e controle das ações através dos
conselhos de direitos; a descentralização político-administrativa; e a
primazia da responsabilidade do Estado na execução das políticas
sociais.
Em 2011, a Loas foi alterada pela Lei nº 12.435 (a Nova Lei do
SUAS) e, dentre os avanços, cita-se a regulamentação do SUAS e dos
serviços de proteção social; como retrocesso, alterações das condições
para o recebimento do benefício de prestação continuada, o que
restringiu o seu acesso.
A PNAS materializa a Loas, estabelece, dentre outras questões, as
proteções sociais afiançadas e as seguranças30 que devem ser garantidas
na prestação dos serviços socioassistenciais. Dentre as diretrizes da
PNAS, destaca-se a da centralidade na família para a concessão dos
benefícios e para a organização dos serviços, programas e projetos.
Nessa perspectiva, a matricialidade sociofamiliar se constitui em diretriz
e eixo estruturante do SUAS (BRASIL, 2004).
A concepção da assistência social como direito social e política
de seguridade social não contributiva fomentou a discussão e elaboração
de algumas NOBs, no entanto as que foram mais amplamente
divulgadas e servem de referência são a NOB/SUAS (2005) e a
NOB/RH (2006).
A primeira dispõe sobre as bases para a implantação do SUAS:
tipos de gestão, condições para habilitação e desabilitação dos
municípios, instrumentos de gestão, instâncias de articulação, pactuação
e deliberação, financiamento, dentre outros. Já a NOB/RH, direciona as
ações no âmbito da gestão de trabalho: os princípios éticos
indispensáveis aos trabalhadores da assistência social, as equipes de
referência, as diretrizes para as capacitações, para o plano de cargos,
carreiras e salários, para os co-financiamentos, dentre outros. De forma
abrangente as NOBs constituem-se em normativas que visam a
operacionalização e implantação do SUAS nos munícipios, e
direcionam-se, sobretudo, à gestão e aos trabalhadores da Política de
Assistência Social.
Para dar orientação e direcionamento à intervenção nos
equipamentos socioassistenciais, o extinto Ministério do

30
Segurança da acolhida, segurança de sobrevivência (rendimento e
autonomia); segurança de convívio ou vivência familiar.
54

Desenvolvimento Social e Combate à Fome31 publicizou a TNSS e as


Guias de Orientações Técnicas do Creas e do Cras. Esses documentos
são recorrentemente mencionados e estudados nos espaços sócio-
ocupacionais e, de certa forma, empregados como guias para definição
de quem é o público alvo dos serviços, do direcionamento do trabalho
das equipes de referência, de orientação quanto a procedimentos
técnico-operativos, dentre outros.
Pontua-se que os regulamentos jurídico-normativos que
materializaram a Política de Assistência Social foram elaborados com a
participação da sociedade civil, especialmente em espaços de discussões
coletivas como as instâncias deliberativas dos fóruns e conselhos de
direitos e as instituições representativas do Serviço Social, como o
Conselho Federal de Serviço Social - Cfess, os Conselhos Regionais de
Serviço Social - Cress e a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa de
Serviço Social - Abepss.
Nesse aspecto, observa-se nos dispositivos jurídicos-normativo
da referida política o emprego de palavras carregadas de significados
que sugerem transformação, como: emancipação, empoderamento,
participação, autonomia, direito, justiça social, equidade. E, em
concomitância, sugere-se a existência de um Estado com característica
Keynesiana, garantidor de direitos e cidadania.
No entanto, com o avanço da onda neoliberal que foi deflagrada
na década de 1990, os organismos internacionais implementaram
reformas políticas e econômicas na América Latina definidas pelo
Consenso de Washington32, as quais, sob a égide do discurso da
estabilidade econômica enquanto precursora do desenvolvimento social,
impuseram reformas que interferiram na relação do Estado com a
sociedade, identificando o Estado keynesiano como contrário à
estabilidade econômica e ao desenvolvimento dos países (BATISTA,
1995; BEHRING, 2009).
Respaldado nos ideais da política neoliberal e na
monopolizaçãodo capital, implementaram-se a reestruturação

31
Com a posse de Michel Temer na presidência da República, esse ministério
passou a chamar-se Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.
32
São regras impostas pelo Consenso de Washington: disciplina fiscal, redução
dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, abertura comercial,
investimento estrangeiro direto com eliminação de restrições, privatização das
estatais, desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas,
etc.) (BATISTA, 1995).
55

produtiva33, a mundialização do capital34 e a limitação do Estado de bem


estar social35. Segundo Behring (2009), são alguns dos resultados dessas
reformas: 1) do ponto de vista social, o aumento do desemprego ao lado
da enorme concentração de renda, além do aumento da dívida pública e
privada; 2) do ponto de vista político, o esvaziamento das instituições
democráticas; 3) do ponto de vista da cultura, o aprofundamento do
individualismo, do consumismo e do pensamento único.
Diante dessa configuração, considerando-se os agravamentos das
expressões da questão social, há um aumento crescente do público
usuário da assistência social, ao mesmo tempo em que o acesso a essa
política pública torna-se cada vez mais restritiva, como é possível
constatar pelos cortes orçamentários previstos para a assistência social
no ano de 2018. Ademais, aumentam-se as exigências para a concessão
de benefícios socioassistenciais, diminuem-se os prazos para a
atualização de cadastros, condições que por si só retiram o direito à
assistência social a uma parcela significativa da população.
Segundo Behring (2009), essa configuração da Política de
Assistência Social é resultante do neoliberalismo, o qual em um
primeiro momento atacou o Keynesianismo e o Welfare State; e, no
segundo, apresentou proposições às políticas sociais no trinômio
articulado da focalização, privatização e descentralização. Nessa

33
Mudanças introduzidas na organização produtiva. Segundo Behring (2009, p.
72), a reestruturação produtiva subsidia-se nas “[...] liberações,
desregulamentações e flexibilidade no âmbito das relações de trabalho”,
culminando, entre outros, na diminuição dos salários, nos processos de
privatização, na abertura comercial e financeira.
34
Segundo Chenais (1994, apud ALVES, 1999), a mundialização do capital é o
novo regime mundial de acumulação do capital “[...] regime de acumulação
predominantemente financeira [...]” caracterizado pela: taxa de crescimento do
Produto Interno Bruto - PIB muito baixas; deflação rastejante; conjuntura
mundial extremamente frágil; alto nível de desemprego estrutural;
marginalização de regiões inteiras em relação ao sistema de trocas; concorrência
internacional cada vez mais intensa.
35
Na literatura do Serviço Social é possível identificar diferentes concepções
sobre o Estado de bem estar social no Brasil. Para Pereira (2009), o modelo de
proteção social brasileiro identifica-se como misto ou plural, pois apresenta
características dos regimes liberais, conservadores e social democrata. Carvalho
(2000) sinaliza que no Brasil, assim como na América Latina, há um Estado-
Providência frágil e uma Sociedade-Providência forte, o que caracteriza o
Welfare Mix, que se operacionaliza na partilha da responsabilidade da proteção
social entre o Estado, a sociedade civil e a iniciativa privada.
56

perspectiva, a ação intervencionista do Estado através das políticas


sociais dá-se em situações extremas, ou seja, quando o mercado, a
comunidade e a família não conseguem absorvê-las. Contudo, ainda que
diante de um cenário tão crítico, a Política de Assistência Social
possibilitou a garantia de direitos a uma parcela da população, a qual
teve acesso a benefícios e ao atendimento de algumas de suas
necessidades, ainda que de forma paliativa e emergencial.
Essa característica das políticas sociais está bastante demarcada
para o público da assistência social. Para este, o direito à assistência
social é muitas vezes concebido como uma invasão de privacidade e não
como um apoio efetivo as suas necessidades e garantia de direitos. A
intervenção estatal vem carregada do sentimento de impotência, diante
de uma ideologia dominante que atribui ao indivíduo a responsabilidade
pelo seu sucesso ou fracasso, desconsiderando as mediações que
constituem o ser social.
A Política de Assistência Social, em seus dispositivos jurídico-
normativos, objetiva a garantia do direito e a assistência social àqueles
que dela necessitam. No entanto, diante de um Estado que está atrelado
aos interesses do capital, a efetividade da política é bastante restritiva e
direcionada à população em situação de risco e vulnerabilidade social.
Nesse aspecto, a crescente minimização do Estado aos interesses da
classe trabalhadora e subalterna restringiu e vem restringindo cada vez
mais o acesso aos direitos sociais.

3.2 A PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE MÉDIA


COMPLEXIDADE: O EQUIPAMENTO DO CREAS E O PAEFI

A PNAS definiu os níveis de proteção social36 da assistência


social, que são: a Proteção Social Básica - PSB37 e a Proteção Social
36
Boschetti (2009) pontua que o sistema de proteção social brasileiro restringe a
previdência aos trabalhadores inseridos no mercado formal de trabalho;
universaliza a saúde e limita a assistência social. Nessa lógica, deixa sem acesso
aos direitos da seguridade social mais de 50% da população economicamente
ativa, considerando-se que grande parcela da população não está inserida no
mercado de trabalho formal; que o sistema de saúde está cada vez mais
sucateado, fator que favorece a procura por planos privados; e que a assistência
social não consegue atender toda a demanda decorrente do aumento do
desemprego estrutural, de modo que oferece Serviços e benefícios apenas aos
mais pauperizados.
37
A PSB é composta pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família
- Paif (equipamento Cras); Serviço de Convivência e Fortalecimento de
57

Especial - PSE. A diferença entre esses dois níveis dá-se pela avaliação
da situação na qual se encontra o sujeito da assistência social, se em
situação de vulnerabilidade social38 e com vínculos familiares, trata-se
de público da PSB; se em situação de risco39 e violação de direitos,
trata-se de usuário da PSE.
O recorte para a definição do usuário que apresenta perfil para a
PSB ou para a PSE está longe de ser de fácil compreensão ou de
consenso, sobretudo para os profissionais que atuam nos Cras e nos
Creas, ao contrário, gera discordâncias, já que as categorias de
vulnerabilidade e de risco muitas vezes caminham juntas, convergem.
Sobretudo considerando o usuário da assistência social no Brasil, que é,
com raras exceções, a população desprovida das necessidades básicas de
sobrevivência e, pela condição de pobreza ou de miserabilidade,
estabelecem moradia em territórios onde há o predomínio da violência
urbana. Diante dessa realidade, como definir se o usuário está sujeito a
vulnerabilidades ou a riscos sociais?
Conforme sinalizado, a proteção social no âmbito da assistência
social divide-se em dois níveis, sendo que a PSE se subdivide em média
e alta complexidade. A TNSS estabelece os serviços que se adequam a
estas complexidades, seus objetivos, recursos físicos, materiais e
humanos, além de explanar sobre o impacto social esperado.
Sobre os serviços socioassistenciais, estes são entendidos na
Nova Lei do SUAS, art. 23, como: “[...]atividades continuadas que
visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as
necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes
estabelecidos nesta Lei”(grifos meus).
De forma abrangente a PSE de média complexidade visa o
atendimento a famílias40 e indivíduos que se encontram em situação de

Vínculos; Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com


Deficiência e Idosas (BRASIL, 2009).
38
A vulnerabilidade social materializa-se nas situações que desencadeiam ou
podem desencadear processos de exclusão social de famílias e indivíduos que
vivenciem contexto de pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo
acesso a Serviços públicos) e/ou fragilização de vínculos afetivos, relacionais e
de pertencimento social, discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por
deficiência, dentre outras (BRASIL, 2004).
39
O conceito de risco social “[...] relaciona-se com a probabilidade de um
evento acontecer no percurso de vida de um indivíduo e/ou grupo, podendo,
portanto atingir qualquer cidadão (ã)” (idem).
40
A família na PNAS é entendida como um “[...] conjunto de pessoas que se
acham unidas por laços consanguíneos, afetivos e, ou, de solidariedade”
58

ameaça ou violação de direitos e com vínculos familiares fragilizados. A


PSE de alta complexidade visa o atendimento a famílias e indivíduos em
situação de risco ou violação de direitos e vínculos familiares rompidos.

Tabela 1 - Serviços que compõem a Proteção Social Especial/SUAS


Proteção Social Especial/SUAS
Média Complexidade Alta Complexidade
-PAEFI; -Serviços de Acolhimento Institucional;
-Serviço Especializado em -Serviço de Acolhimento em República;
Abordagem Social; -Serviço de Acolhimento em Família
-Serviço de proteção social a Acolhedora;
adolescentes em cumprimento de -Serviço de proteção em situações de
medida socioeducativa de LA e de calamidades públicas e de emergências.
PSC;
-Serviço de PSE para Pessoas com
Deficiência, Idosas e suas
Famílias/SEPREDI;
-Serviço Especializado para
Pessoas em Situação de Rua.

Fonte: Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (Brasil, 2009).

Preferencialmente, conforme preconiza o SUAS, é no


equipamento do Creas que os serviços da PSE de média complexidade
devem ser instalados41. A lei nº 12.435/2011, artigo 6-c, § 2º, define o
Creas como:
[...] unidade pública de abrangência e gestão
municipal, estadual ou regional, destinada à
prestação de Serviços a indivíduos e famílias que
se encontram em situação de risco pessoal ou
social, por violação de direitos ou contingência,
que demandam intervenções especializadas da
proteção social especial.

(BRASIL, 2004, p. 25). Impende destacar que para a concessão de benefícios


esse conceito se restringe ao “[...] conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo
teto, assim entendidos, o requerente, o cônjuge, a companheira, o companheiro,
o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido, os
pais, e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou
inválido” (Lei do SUAS/2011, artigo 20, § 1).
41
No município de Florianópolis são nos equipamentos do Creas, do Centro
POP e do Centro de Referência e Assistência às Mulheres Vítimas de Violência
- Cremv que a PSE de média complexidade se efetiva.
59

Com relação aos serviços, a TNSS determina que


necessariamente todo equipamento Creas deve ter implantado o Paefi,
definido na Lei supramencionada, artigo 24B, como serviço que:
[...] integra a proteção social especial e consiste
no apoio, orientação e acompanhamento a
famílias e indivíduos em situação de ameaça ou
violação de direitos, articulando os Serviços
socioassistenciais com as diversas políticas
públicas e com órgãos do sistema de garantia de
direitos.
São objetivos do Paefi (BRASIL, 2009)
- Contribuir para o fortalecimento da família no
desempenho de sua função protetiva;
- Processar a inclusão das famílias no sistema de
proteção social e nos Serviços públicos, conforme
necessidades;
- Contribuir para restaurar e preservar a
integridade e as condições de autonomia dos
usuários;
- Contribuir para romper com padrões violadores
de direitos no interior da família;
- Contribuir para a reparação de danos e da
incidência de violação de direitos;
- Prevenir a reincidência de violações de direitos.
Constitui-se no público-alvo deste serviço as famílias e
indivíduos que vivenciam violações de direitos por ocorrência de
violência física, psicológica e negligência; violência sexual: abuso e/ou
exploração sexual; afastamento do convívio familiar devido à aplicação
de medida socioeducativa ou medida de proteção; tráfico de pessoas;
situação de rua e mendicância; abandono; vivência de trabalho infantil;
discriminação em decorrência da orientação sexual e/ou raça/etnia;
outras formas de violação de direitos que provoquem determinados
danos e agravos à sua condição de vida e os impedem de usufruir
autonomia e bem estar; descumprimento de condicionalidades do PBF e
do Peti em decorrência de violação de direitos (BRASIL, 2009).
Considerando-se os objetivos e o público alvo do Paefi, estão
entre as ações essenciais do serviço: acolhida e escuta qualificada;
estudo social; orientação e encaminhamentos para a rede de Serviços;
elaboração do plano de atendimento individual e/ou familiar; orientação
sociofamiliar; atendimento psicossocial e trabalho interdisciplinar;
orientação jurídico-social; referência e contrarreferência; informação,
comunicação e defesa de direitos; apoio à família na sua função
60

protetiva; acesso à documentação pessoal; identificação da família


extensa ou ampliada; articulação da rede de Serviços socioassistenciais,
da rede intersetorial e do SGD; elaboração de relatórios e/ou
prontuários, dentre outros (BRASIL, 2009).
Como é possível inferir, o público de atendimento do Paefi é
bastante abrangente, e as demandas institucionais substantivamente
complexas, visto que o acompanhamento está direcionado a famílias e
indivíduos com vínculos fragilizados e em situação de risco ou violação
de direitos. A complexidade se potencializa mediante os agravamentos
das expressões da questão social associado à restrição do acesso a
direitos. Nesse contexto, a função de proteção social cada vez mais se
volta para as famílias, e o Estado tende a intervir apenas na falta ou
fracasso destas.

3.3 A DIRETRIZ DA MATRICIALIDADE SOCIOFAMILIAR E


A QUESTÃO DE GÊNERO NOS DISPOSITIVOS,
REGULAMENTOS E NORMATIVAS DA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL

A matricialidade sociofamiliar foi definida como uma das


diretrizes e eixo estruturante da PNAS. Essa diretriz refere-se à
centralidade atribuída à família, que é concebida na política enquanto
“[...] núcleo social fundamental para a efetividade de todas as ações e
Serviços da Política de Assistência Social” (BRASIL, 2004, p. 40).
Diante do lugar central que a família ocupa na PNAS cabe refletir
sobre a potencialidade e os limites dessa instituição social. Carvalho
(2000, p. 19) pontua que a família somente estará apta a cumprir com a
função de proteção social de seus membros, se ela, antes, também for
protegida. Nesse sentido, a autora afirma que “[...] o potencial protetor e
relacional aportado pela família, em particular daquela em situação de
pobreza e exclusão, só é possível de otimização se ela própria recebe
atenções básicas”.
Em complemento a essa assertiva, Pereira (2009, p. 36),
identifica que,
[...] a família, como toda e qualquer instituição
social, deve ser encarada como uma unidade
simultaneamente forte e fraca. Forte, porque ela é
de fato um lócus privilegiado de solidariedade, no
qual os indivíduos podem encontrar refúgio […]
porque é nela que se dá, via de regra, a reprodução
humana, a socialização das crianças e a
61

transmissão de ensinamentos que perduram pela


vida inteira das pessoas. Mas é frágil, ‘pelo fato
de não estar livre de despotismo, violências,
confinamentos, desencontros e rupturas’.
Na atuação profissional nos diferentes espaços sócio-
ocupacionais em que os assistentes sociais são chamados a intervir,
dentre eles o Paefi, essas reflexões sobre a família precisam estar
sempre em evidência para não se cair em armadilhas que conduzem aos
princípios do Familismo.
Para Campos e Mioto (2017), o familismo resulta de uma
alternativa (exigência) das políticas públicas para que as unidades
familiares assumam a responsabilidade pelo bem-estar social. Nessa
perspectiva, as autoras pontuam que no familismo a família passa a ser
analisada sobre duas óticas: como unidade econômica e como unidade
prestadora de cuidados:
A tradição ‘familista’ no âmbito da política social
tem se construído a partir do pressuposto que
existem dois canais ‘naturais’ para satisfação das
necessidades dos cidadãos: o mercado (via
trabalho) e a família. Somente quando falham
estes canais é que o Estado intervém, e de forma
temporária (CAMPOS; MIOTO, 2010, p. 184).
Destarte, na perspectiva familista imputa-se a responsabilidade
pelo bem-estar aos indivíduos e à família. No entanto, na ótica do
direito, essa lógica não pode se sustentar e o Estado deve ser
responsabilizado quando da não garantia de direitos, condição que
contribui diretamente para as situações de vulnerabilidades e riscos
sociais do público alvo da assistência social e, consequentemente, do
Paefi.
Ao definir-se a matricialidade sociofamiliar como diretriz das
ações e estruturação dos serviços, programas, projetos e benefícios
socioassistenciais, intentou-se deslocar os atendimentos dos indivíduos,
até então visto isoladamente, e situa-los dentro da família, ou seja, em
suas relações primárias.
Nesse aspecto, conforme Teixeira (2010, p. 5-6, grifos meus):
Vale ressaltar que a PNAS (BRASIL, 2004) e
SUAS (BRASIL, 2005) ao adotarem o princípio
da matricialidade sociofamiliar não conseguem
superar a tendência familista da política social
brasileira, em especial da assistência social, pois,
se por um lado o termo significa que a família é a
matriz para concepção e implementação dos
62

benefícios, Programas e projetos, que em hipótese


pode romper a fragmentação do atendimento, por
outro, toma a família como instância primeira ou
núcleo básico da proteção social aos seus
membros, devendo ser apoiada para exercer em
seu próprio domínio interno as funções de
proteção social, portanto, continua-se a
responsabilizar a família, em especial às
mulheres, pelos cuidados e outras tarefas de
reprodução social.
Na intervenção profissional, corroborando com as contribuições
de Teixeira (2010), a diretriz da matricialidade sociofamiliar muitas
vezes se direciona para a centralidade dos atendimentos na mulher
cuidadora, considerando-se que historicamente, na construção social
dos papéis de gênero na cultura ocidental, o espaço da família e do
privado é atribuído à mulher.
Diante desse posicionamento, muitas vezes as categorias família
e mulher/cuidadora são tomadas como congêneres. Obviamente que esse
entendimento está esvaziado de uma perspectiva crítica e tem respaldo
no senso comum.
Conforme Pereira (1982, p. 82), o senso comum “[...] é um mal
porque nos esconde ou nos dissimula muitos elementos básicos à
compreensão da realidade, por nos simplificar por demais as coisas na
maioria das vezes”.
As questões pontuadas motivaram o interesse em pensar no
direcionamento dado as categorias42 mulher e gênero nos documentos da
Política de Assistência Social, os quais foram brevemente apresentados
nas subseções anteriores e que causam implicações diretas na
organização dos serviços e na intervenção profissional.
O interesse em traçar esse caminho deu-se: 1) pelo fato da
assistência social ser constituída por um público eminentemente
feminino, seja na maioria absoluta de profissionais, seja pelo público
demandatário da assistência social (LISBOA, 2010; SIMÕES, ZUCCO,
2010); 2) pelo lugar atribuído à família/mulher na PNAS, que tem a
matricialidade sociofamiliar como eixo estruturante e diretriz da
política; 3) pelos estudos sobre gênero realizados pela historiadora e
feminista Joan Scott (1990), especificamente sobre o que denomina de
Sistema de Significados.

42
O uso das categorias mulher e gênero está imbuído aqui da concepção de que
se referem a construções sociais, aos papéis sociais que são determinados
socialmente (SCOTT, 1990)
63

Para o alcance do objetivo proposto buscou-se localizar43 as


palavras mulher/mulheres44 e gênero em alguns documentos da Política
de Assistência Social, na tentativa de aprender o significado atribuído a
essas categorias e os seus sentidos, conforme dados que seguem na
tabela abaixo.

Tabela 2 - A presença das palavras gênero e mulher/mulheres em documentos


da Política de Assistência Social.
DOCUMENTOS GÊNERO MULHER/MULHERES
LOAS 0 1
PNAS 2 14
NOB/SUAS 1 2
ORIENTAÇÕES 7 6
TÉCNICAS CREAS
T.S.F/PNAS 2 0
Fonte própria.

Na Loas não há referência ao gênero, enquanto que na PNAS, o


termo foi empregado duas vezes, sendo mencionado como uma forma
de discriminação a ser trabalhada na PSB; e o preconceito de gênero
como indicador importante a ser sistematizado na Vigilância Social,
possibilitando identificar territórios de vulnerabilidade e risco social.
Na NOB/SUAS a categoria gênero foi utilizada quando da
referência ao princípio da matricialidade sociofamiliar e a ampliação do
conceito de família, entendida “[...] como núcleo afetivo, vinculado por
laços consanguíneos, de aliança ou afinidade, que circunscrevem
obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de
geração e de gênero” (2005, p. 90).
Nas Orientações técnica do Creas a categoria gênero foi citada
mais vezes, sete (7), considerando-se tratar-se de um guia de orientação
para a execução da Política de Assistência Social, nesse contexto
descreve algumas demandas de atendimento no âmbito da PSE de média
complexidade.

43
Como instrumental foi utilizado o recurso “localizar” do aplicativo Dropbox.
44
Cabe esclarecer que a não diferenciação entre mulher e mulheres se deu ao
fato de que a palavra mulheres, nos documentos analisados, significava tão
somente o plural de mulher, não dando ênfase a questões de interseccionalidade,
que entende que há diferença entre as mulheres, as quais dependendo da raça,
idade, religião, gênero, classe social, orientação sexual vivenciam diferentes
formas de opressão, subordinação e exploração/dominação.
64

Na guia de orientação técnicas do Creas o gênero é apresentado


como um fator que pode levar a situação de vulnerabilidade social,
decorrente de discriminação, dentre outros; informa que a PSE de alta
complexidade deve prestar atendimento personalizado ao seu público
alvo e com respeito às diversidades (gênero e orientação sexual,
raça/etnia, religião, etc.); pontua que a questão de gênero deve ser
considerada quando da elaboração do plano individual/familiar de
atendimento; considera que o caráter especializado do Creas, exige
profissionais capacitados, para trabalhar com questões como a
discriminação de gênero; resgata o conceito de família da PNAS, e sua
organização em torno das relações geracionais e de gênero, e situa que o
gênero pode ser um agravador das situações de violação de direitos;
sinaliza que a especificidade de gênero e dos ciclos de vida deve ser
considerada no trabalho social com famílias e indivíduos, com vista à
autonomia dos sujeitos, a compreender suas potencialidade e
necessidades.
No TSF/PNAS, o gênero foi citado duas vezes, fazendo menção
às desigualdades de recursos em decorrência de questões de gênero,
étnicas e de classe; e pontua sobre a necessidade de desonerar a família
de funções que já não lhe são compatíveis se considerar as
desigualdades de recursos das famílias dadas às condições de etnia,
gênero e classe.
Nas referências ao gênero nos documentos da Loas, da PNAS, da
NOB/SUAS, das Orientações técnicas e do TSF/PNAS, não foi possível
identificar com precisão o significado que foi atribuído ao gênero, pois
em nenhum dos documentos o termo foi conceituado. De forma bastante
simplista, mas considerando os estudos de gênero, o termo parece ter
sido utilizado de forma generalizada, parecendo responder mais as
exigências de organismos internacionais e das ciências sociais, por sua
maior aceitação acadêmica, do que para fazer referência a sua conotação
mais crítica, histórica e desbiologizante, que questiona a ordem binária,
as relações de poder estabelecidas na relação homem e mulher, o longo
percurso histórico de subordinação, opressão, dominação e exploração
da mulher.
Observa-se nos documentos analisados que as menções ao gênero
podem dar margem a sua substituição por mulher e/ou sexo. Contudo,
segundo Scott (1990, p. 7), qualquer dos usos do gênero como substituto
de mulher pode ser entendido como:
[...] uma maneira de indicar as ‘construções
sociais’ – a criação inteiramente social das ideias
sobre os papéis próprios aos homens e às
65

mulheres. É uma maneira de se referir às origens


exclusivamente sociais das identidades subjetivas
dos homens e das mulheres [...].
Mesmo diante desta significação, que sem dúvida é intrínseca ao
termo gênero, há que se levar em consideração que o pouco espaço de
discussão da temática na formação profissional45, bem como nos
espaços sócio-ocupacionais, conduzem muitas vezes ao entendimento
do termo gênero como sinônimo de mulher, mas sob a perspectiva
essencialista, retirando destas categorias de análise todo o seu escopo
crítico e transformador.
Na PNAS a referência sobre a mulher se faz para informar sobre
a queda da taxa de fecundidade e de natalidade; sinaliza o crescimento
do número de mulheres como pessoa de referência da família, chegando,
no ano de 2002, ao porcentual de 42% em Salvador, e 25,5 % na região
sul; menciona a mudança no comportamento reprodutivo, com o
aumento de gravidez nas mulheres mais jovens; apresenta dados sobre
pessoas idosas como de referência da família (38,5 % são mulheres -
dado de 2002); dá primazia, na segurança de sobrevivência ou de
rendimento e de autonomia, ao recebimento pela mulher e seus filhos de
benefícios eventuais ou continuados quando em situações de forte
fragilidade pessoal e familiar.
Quanto à NOB/SUAS, coloca como um dos princípios
organizativos do SUAS a articulação interinstitucional para a defesa dos
direitos humanos, dentre eles o da mulher; considera com população
vulnerável a família na qual a mulher, na condição de analfabeta, seja
chefe, sem cônjuge, e com filhos menores de 15 anos.
Nas Orientações técnicas do Creas a mulher é mencionada como
grupo vulnerável à situação de violação de direitos; pondera que as
situações de fragilidade e rompimento de vínculos familiares podem
estar associadas à violação de direitos, como o da mulher; pontua que o
coordenador e os técnicos do Creas devem ter conhecimento da
legislação da Política de Assistência Social, de direitos

45
Essa questão foi discutida nas disciplinas de Gênero, Políticas Públicas e
Serviço Social, e de Tópicos Especiais em Direitos Sociais I (1º semestre/2016),
ambas ministradas no curso de Pós-Graduação em Serviço Social da UFSC pela
docente Luciana Patrícia Zucco, especialmente no seminário apresentado pela
Professora Dra. Tereza Kleba Lisboa.
66

socioassistenciais, de legislações de segmentos específicos, dentre eles o


da mulher; destaca como legislação importante de ser conhecida pelos
profissionais do Creas: o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à
Violência contra a mulher, 2007.
A mulher nos documentos da assistência social é referida como
reprodutora, sendo que ao mencionar os dados sobre natalidade,
fertilidade e aumento de gravidez na juventude, não faz menção às
responsabilidades do homem no processo de reprodução. A mulher é
explicitamente colocada no papel de principal responsável pelos
cuidados da família, e a ausência de um cônjuge, pode representar
indicativo de vulnerabilidade familiar. Dessa forma, e
contraditoriamente, ao mesmo tempo em que é sinalizado o lugar de
destaque da mulher no processo de cuidado, representação que é a
corrente na sociedade ocidental e que indica o lugar da mulher como o
do espaço doméstico, também reforça a importância do cônjuge na
família como fator minimizador de vulnerabilidades, reforçando a
ideologia dominante da figura do homem como de autoridade, poder,
respeito.
Essa perspectiva atribuída às categorias mulher e gênero na
Política de Assistência Social se insere dentro do que Scott (1990)
denomina de Sistema de Significados, entendido como:
[...] às maneiras como as sociedades representam
o gênero, o utilizam para articular regras de
relações sociais ou para construir o sentido da
experiência. Sem o sentido, não tem experiência;
e sem processo de significação, não tem sentido
(SCOTT, 1990, p. 15).
Segundo a autora, para fazer surgir o sentido, para compreender
como o gênero funciona e para proposituras de mudança se faz
necessário tratar do sujeito individual e das organizações sociais nas
quais estão inseridos, suas interrelações.
Conforme Scott (1990), o gênero apresenta quatro elementos que
se relacionam entre si e que precisam ter seus sentidos decodificados
para o entendimento da complexidade das diversas formas de interações
humanas. São esses elementos: os símbolos culturalmente disponíveis;
os conceitos normativos que afirmam o sentido do masculino e do
feminino; a inclusão de uma noção de político e referência às
instituições e organização sociais que vá além da família e do universo
doméstico, mas que inclua também o mercado de trabalho, a educação,
o sistema político; e o quarto elemento é a identidade subjetiva.
Esses sentidos, em seus quatro elementos, são cotidianamente
67

trabalhados no espaço sócio-ocupacional do Paefi, tanto com as mães,


madrastas, avós, tias, irmãs que assumem o lugar de cuidadoras e
responsáveis (e no exercício desses papéis sociais também podem se
autoidentificar ou serem identificadas como autoras de violência),
quanto com as crianças e adolescentes atendidos.
Nesse contexto, os elementos que compõem os subsistemas da
categoria gênero mencionados por Scott (1990) são essenciais para o
entendimento da definição dos papéis de gênero, que são construídos
através das relações que estabelecemos e que são constantemente (re)
significadas. No que se refere ao elemento dos conceitos normativos do
subsistema da categoria gênero, foco de interesse aqui, visto que se está
analisando documentos da assistência social, há o entendimento de que:
[...] colocam em evidência interpretações do
sentido dos símbolos que tentam limitar e conter
as suas possibilidades metafóricas [...] e
tipicamente tomam a forma de uma oposição
binária que afirma de forma categórica e sem
equívocos o sentido do masculino e do feminino
[...] (SCOTT, 1990, p 21).
A autora pontua, contudo, que as normativas não são
estabelecidas sem confrontações, e que a posição que predomina
(dominante), acaba sendo declarada como a única possível. Nesse
sentido, a importância fundamental da leitura e apreensão crítica dos
documentos que compõem Política de Assistência Social. Qual a
ideologia que está sendo afirmada e para quem? Tratam-se de
documentos que visam a transformação social ou individual, ou a
manutenção do que está posto?
A questão de gênero e das mulheres (perspectiva da
interseccionalidade) é pouco discutida no espaço sócio-ocupacional dos
Paefis, ainda que a mulher seja a pessoa que mais acione e é acionada
pelo serviço. Se considerar-se a implicação dos dispositivos normativos
jurídicos da Política de Assistência Social na estruturação e
funcionamento dos serviços e diante da pouca visibilidade que é dada ao
gênero e às mulheres, talvez se encontre aqui um dos motivos da parca
atenção atribuída à discussão.
Contudo, o exercício profissional do assistente social, o qual é
mediado por uma instituição, deve cumprir com os objetivos
institucionais mantendo sempre uma perspectiva crítica. Para tanto se
faz necessário o esforço de ir além das propostas da Política de
Assistência Social e seus regulamentos, normativas, guias de
orientações, visto que estes documentos, conforme sinalizado, não estão
68

imunes de uma ideologia.


Incorporar a discussão da questão de gênero e das mulheres no
Paefi qualificará as intervenções e possibilitará processos reflexivos
significativos que, quiçá, medeiem o acesso ao humano genérico, essa
condição que permite a suspensão da cotidianidade, tema que será
trabalhado na próxima seção.
69

4 O COTIDIANO: ESTRUTURA E INTERFERÊNCIA NO


PROCESSO DE TRABALHO DO PAEFI

O cotidiano, conforme o significado que está implícito na própria


palavra, é caracterizado por repetições, por probabilidades, por
tentativas de acertos e erros, por verdades que vão se formando e que se
radicam. O cotidiano é o espaço das singularidades, do eu, do
suprimento das necessidades de sobrevivência, do predomínio da ação
sobre o pensamento, portanto do pragmatismo e do imediatismo
(HELLER, 2008; NETTO, 1996).
O cotidiano, com as características indicadas, é uma categoria
que está presente na vida de todos os seres humanos, independente de
classe social, de capacidades intelectivas ou de quaisquer outros
atributos. Sem o cotidiano viver seria algo demasiadamente mais
complexo e dificultoso, senão impensável.
Ao encontro desta assertiva, Netto (1996, p. 66, grifos do autor)
em interpretação ao pensamento lukacsiano, sinaliza: [...] a vida
cotidiana é insuprimível. Não há sociedade sem cotidianidade, não há
homem sem vida cotidiana. Enquanto espaço-tempo de constituição,
produção e reprodução do ser social, a vida cotidiana é ineliminável.
O trabalho se constitui em um dos componentes da
heterogeneidade da vida cotidiana, e, assim sendo, está sujeito às suas
determinações e estruturas. Diante dessa condição, entende-se pertinente
adentrar nas categorias que estruturam a cotidianidade, visto constituir-
se em um conhecimento necessário para o entendimento do processo de
trabalho do Paefi, que deve se dar tanto na lógica formal da vida
cotidiana quanto na suspensão dela, através dos processos de
homogeneização e de práxis.

4.1 A ESTRUTURA DA VIDA COTIDIANA

A cotidianidade, a partir do pressuposto de sua insuprimibilidade,


apresenta determinações que são fundamentais: a heterogeneidade, a
imediaticidade e a superficialidade extensiva (NETTO, 1996).
O cotidiano é heterogêneo porque é composto por uma série de
atividades, visto que enquanto ser social no processo de constituição,
produção e reprodução social somos inseridos em uma variedade de
relações e atividades.
Conforme Netto (1996, p. 67)
[...] o caráter heteróclito da vida cotidiana
constitui um universo em que, simultaneamente,
70

se movimentam fenômenos e processos de


natureza compósita (linguagem, trabalho,
integração, jogo, vida política e vida privada,
etc.).
A imediaticidade refere-se à relação direta entre pensamento e
ação nas ações cotidianas, que possibilita o automatismo e o
espontaneísmo, características imprescindíveis à reprodução do
indivíduo. Imagine-se o quão difícil seria se em todas as atividades
cotidianas, desde o simples movimento de acordar, caminhar, atravessar
a rua fosse necessário calcular segundos, milímetros, fazer cálculos
matemáticos e físicos para executar as ações, viver seria bem mais
complicado e os gastos mentais em atividades simples suprimiria muito
do tempo para as atividades mais complexas.
As características da heterogeneidade e da imediaticidade
culminam nas respostas as situações cotidianas de forma superficial, ou
na superficialidade extensiva, o que significa que “[...] a vida cotidiana
mobiliza em cada homem todas as atenções e todas as forças, mas não
toda a atenção e toda a força” (NETTO, 1996, p. 67, grifos do autor).
Ou, de outra forma, na vida cotidiana o indivíduo se coloca por inteiro, e
não em toda a sua inteireza (HELLER, 2008).
Heller (2008), em convergência com Netto (1996), apresenta
algumas características da vida cotidiana. A autora identifica que são
estruturas da cotidianidade, as quais se implicam: a espontaneidade, a
atuação sobre a base da probabilidade, o economicismo, o pragmatismo,
a fé e a confiança, a ultrageneralização, a mimese e a entonação.
A espontaneidade em Heller (2008) é a característica
predominante da vida cotidiana, embora nem toda a atividade seja
espontânea, mas há uma tendência à espontaneidade, que se realiza na
assimilação do comportamento consuetudinário, nas exigências sociais e
nos modismos.
A atuação com base nas probabilidades refere que em toda a
atividade humana se calcula as consequências; o fracasso de tais
probabilidades pode levar a catástrofes. Já, a característica do
economicismo, indica que pensamento e ação manifestam-se
exclusivamente para a continuação da cotidianidade, o que gera a atitude
pragmática. Esta, por sua vez, carrega consigo a fé e a confiança “[...] a
confiança é um afeto do indivíduo inteiro e, desse modo, mais acessível
à experiência, à moral e à teoria do que a fé, que se enraíza sempre no
individual-particular” (HELLER, 2008, p. 52).
Para a autora a fé e a confiança assumem lugar mais importante
na vida cotidiana do que em outras esferas da vida, apresentando
71

funções mediadoras em muitas situações. Nessa perspectiva, para Heller


(2008, p. 52):
Os homens não podem dominar o todo com um
golpe de vista em nenhum aspecto da realidade;
por isso, o conhecimento dos contornos básicos da
verdade requer confiança [...] Na cotidianidade, o
conhecimento se limita ao aspecto relativo da
atividade, e, por isso, o ‘espaço’ da confiança e da
fé é inteiramente diverso. Ao astrônomo, não
basta ter fé em que a Terra gira em redor do sol;
mas, na vida cotidiana, essa fé é plenamente
suficiente.
A ultrageneralização consiste em outra característica da
cotidianidade, refere-se aos juízos provisórios confirmados pela prática
e que orientam a ação. Quando o juízo provisório se apoia na confiança,
é possível de modificação, quando apoiado na fé, não. Trata-se então de
preconceitos.
Formas de ultrageneralização são as analogias e os precedentes;
no primeiro caso compara-se uma situação singular com outra que se
assemelha. Essa atividade pode conduzir a necessidade de compreender
melhor o fenômeno, ou o seu oposto, cristalizá-lo. Os precedentes
informam sobre formas de agir em determinadas situações; é uma
atitude que possibilita uma margem de acerto diante de algo que
necessita ser realizado. Torna-se um problema quando esses precedentes
impedem de captar o novo.
Da mesma forma que as características pontuadas acima, também
a mimese e a entonação são imprescindíveis à vida cotidiana. É pela
imitação que ocorre a assimilação de valores, normas, cultura; enquanto
a entonação refere-se ao impacto, aos efeitos que um sujeito produz
quando em relação com outros.
As determinações e estruturas da cotidianidade se fazem
presentes na vida de todos os indivíduos, possibilitam a resolução de
problemas com base nas probabilidades e na ultrageneralização, no
espontaneísmo e no imediatismo, tem na fé e na confiança importante
suporte de apoio. Estas características conduzem a superficialidade
extensiva o que indica que as decisões do dia-a-dia são tomadas com
base na aparência dos fenômenos, no pensamento direcionado para a
ação. Esse modo de agir pragmático possibilita ao indivíduo participar
por inteiro das formas heteróclitas que constituem a vida cotidiana.
Pereira (1982, p. 80) reflete sobre os perigos do praticismo na
atividade humana, que ocorre na ação que acentua sobremaneira a
prática e anula o ato consciente e transformador. Nesse sentido “A teoria
72

é colocada no lado da ‘contemplação inútil’, estabelecendo-se uma cisão


entre teoria e prática, numa redução do prático ao utilitário. Esta
perspectiva leva ao senso comum”.
Segundo o autor:
O que acontece é que em nosso conhecimento
diário e ordinário estamos de tal forma imbuídos
de senso-comum que nem percebemos a
profundidade das coisas simples. A simplificação
demasiada das coisas pode levar-nos ao estado de
certa inconsciência ou de ‘inocência teórica’ e
representar sério entrave à articulação crítica de
nossa visão de mundo e de nosso ascenso à práxis
(PEREIRA, 1982, p. 82).
A atividade que se inicia e termina no senso comum conduz à
alienação e à cristalização da racionalidade formal que estrutura a vida
cotidiana e que considera verdadeiro o que é útil. Nesse sentido, o
imediatismo necessário para decidir entre proteger-se de um perigo
iminente representa o desejo de permanecer vivo, enquanto que o
imediatismo na intervenção profissional, por exemplo, não se justifica
por si, mas requer compreender as mediações que constituem o contexto
em evidência, requer a avaliação fundamentada dos riscos, requer agir
com base muito mais no conhecimento do que na confiança, na fé, na
ultrageneralização, ainda que tenha nesses elementos seu ponto de
partida. De outra forma, exige a suspensão da cotidianidade, o que
acontece quando o indivíduo sai da sua singularidade e acessa a
consciência humano-genérica, condição que ocorre, conforme Netto
(1996, p. 69, grifos do autor):
[...] quando o indivíduo pode superar a
singularidade, quando ascende ao comportamento
no qual joga não todas as suas forças, mas toda
sua força numa objetivação duradoura (menos
instrumental, menos imediata), trata-se, então, de
uma mobilização anímica que suspende a
heterogeneidade da vida cotidiana – que
homogeneiza todas as faculdades do indivíduo e
as direciona num projeto em que ele transcende a
sua singularidade numa objetivação na qual se
reconhece como portador da consciência humano-
genérica. Nesta suspensão (da heterogeneidade)
da cotidianidade, o indivíduo se instaura como
particularidade, espaço de mediação entre o
singular e o universal, e comporta-se como
inteiramente homem.
73

Ao encontro desta compreensão, Heller (2008, p. 49) contribui no


sentido de diferenciar a atividade prática e a práxis. Segundo a autora:
O pensamento cotidiano orienta-se para a
realização de atividades cotidianas e, nessa
medida, é possível falar de unidade imediata de
pensamento e ação na cotidianidade. As ideias
necessárias à cotidianidade jamais se elevam ao
plano da teoria, do mesmo modo como a atividade
cotidiana não é práxis. A atividade prática do
indivíduo só se eleva ao nível da práxis quando é
atividade humano-genérica consciente; na unidade
viva e muda de particularidade e de genericidade
[...].
Destarte, infere-se que a suspensão da cotidianidade (o processo
de homogeneização) ocorre pela práxis, que se caracteriza por ser uma
atividade de transformação social.
Vázquez (2011) esclarece que teoria e prática são atividades
diferentes, mas que não estão em oposição. No que se refere à atividade
teórica expõe que enquanto não se materializa a ação cogniscente,
subjetiva, não pode ser denominada como práxis. Da mesma forma, a
prática, esvaziada de teoria, guiada pelo senso comum e em seu valor
estritamente utilitário, também não se constitui em práxis.
Na verdade, só se pode falar de oposição – e,
sobretudo, de oposição absoluta – quando as
relações entre teoria e prática são estabelecidas
em uma base falsa, seja porque esta última tende a
desligar-se da teoria, seja porque a teoria se nega a
vincular-se conscientemente com a prática
(VÁZQUEZ, 2011, p. 242).
A práxis, em Pereira (1982, p. 77):
É a prática aprofundada por esta ‘meditação’ ou
reflexão que não deve ser solta, mesmo na
consciência da relativa autonomia da teoria, na
capacidade do ato teórico em antecipar idealmente
a prática como objeto da mesma. A práxis, enfim,
é a ação com sentido humano. É a ação projetada,
refletida, consciente, transformadora do natural,
do humano e do social.
Nesse sentido, tem-se que a práxis exige a unicidade entre teoria
e prática, pois a práxis existe quando apresenta alguns elementos: o
objeto, a intencionalidade, os meios e instrumentos, os conhecimentos
práticos e teóricos acumulados. Assim, toda práxis social se manifesta
pelo próprio trabalho humano guiado por uma finalidade (caráter
74

consciente), o que requer uma atividade de cognição da realidade


vinculada ao conhecimento com o objetivo de transformação da
realidade.
Para Fernandes (2016, p. 17), a práxis “[...] não é apenas a junção
da teoria e prática, ela deve estar voltada à transformação de um
processo, seja ela na perspectiva da matéria, da consciência ou da
prática”.
No espaço sócio-ocupacional como o Paefi, é pela práxis,
entendida como a relação constante entre teoria e prática, que
movimentos de transformação poderão ocorrer. A teoria orienta a
compreensão da realidade para além do senso comum, permite a
suspensão da cotidianidade. Contudo, a realidade, a partir da prática e
em toda a sua complexidade, impõe questionamentos, validando,
negando, relativizando a teoria, exigindo novos conhecimentos. Assim,
teoria e prática se retroalimentam e possibilitam a compreensão e a
transformação da realidade objetiva e/ou subjetiva.
A estrutura da vida cotidiana, como registrado, é ineliminável,
visto que permite respostas rápidas a questões objetivas do dia-a-dia.
Porém, ao adentrar-se no trabalho, um dos elementos que compõem a
heteroclicidade da cotidianidade, faz-se imprescindível a realização de
movimentos para ir além do praticismo, da repetição de ações, evitando-
se cair na armadilha da cristalização, condição que somente se faz
possível pela práxis.

4.2 A TRAJETÓRIA DE CONSTITUIÇÃO DOS PAEFIS DE


FLORIANÓPOLIS CONTADA A PARTIR DO COTIDIANO DE
TRABALHO

O cotidiano é esse espaço onde se vivem as histórias, onde o


“turbilhão” da vida acontece. Uma das atividades que se processa no
cotidiano é o trabalho, atividade pela qual o ser social se reconhece,
produz e se reproduz, se transforma e é transformado.
Na trajetória profissional dessa pesquisadora nos serviços
socioassistenciais da PMF, alterações na forma de vivenciar o cotidiano
de trabalho ocorreram com o passar dos anos, ora motivadas por fatores
subjetivos (desencadeados, sobretudo, por formações, capacitações, e
pela experiência profissional), ora por questões determinadas pela
Política de Assistência Social em seus dispositivos jurídicos-normativos,
os quais contribuíram efetivamente para um redirecionamento do
trabalho desenvolvido no âmbito da assistência social municipal.
É com base nessa assertiva que se buscou contar um pouco da
75

trajetória histórica que levou a implantação dos Paefi(s) de


Florianópolis, o que implicou na reestruturação dos serviços e em uma
nova metodologia de atendimento. Não se tratou de substituir o que se
pode nomear de velho, porque o novo muitas vezes vem travestido do
velho, ainda que com nova roupagem, como será possível identificar na
trajetória descrita abaixo.
Em Florianópolis, no ano da aprovação da PNAS, o atendimento
socioassistencial ofertado pela então Secretaria Municipal Assistência
Social e Habitação era realizado pelo programa SOS Criança, pelos
programas de Enfrentamento da Violência Sexual contra a Criança e o
Adolescente (Projeto Acorde e Projeto Mel46), e pelo Programa de
Orientação e Apoio Sociofamiliar (Poasf). Todos esses programas
estavam concentrados no Complexo da Agronômica, que entre os anos
de 2005 a 2009 era denominado como Cidade da Criança.
O programa do SOS Criança visava a verificação de denúncias47
de violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes. A equipe
técnica constituía-se majoritariamente por assistentes sociais e algumas
psicólogas e educadores sociais. O regime de trabalho predominante era
o celetista, porém, com a presença de alguns servidores estatutários. No
atendimento, o profissional de referência era o (a) assistente social, e as
poucas psicólogas, requisitadas somente em situações avaliadas como
mais complexas. O atendimento psicológico acontecia na sede do
programa/serviço e tinha com objetivo a avaliação psicológica.
A partir da verificação da denúncia pelo SOS Criança, avaliava-
se sobre a necessidade da família ser inserida nos programas de
acompanhamento familiar. Se situação de violência sexual ou física,
tratava-se de público do Projeto Acorde, se por ocorrência de
negligência ou violência psicológica, tratava-se de demanda do Poasf.
Muitas vezes o intervalo entre o encaminhamento da família pelo
SOS Criança para os programas de acompanhamento familiar, que era
intermediado pelo Conselho Tutelar para a aplicação da medida de
proteção, tardava anos. Essa condição se dava devido à extensa
demanda de atendimento e a metodologia de trabalho das equipes,
sobretudo do Projeto Acorde, cujo tempo de atendimento das famílias
era bastante alargado, podendo chegar a 5 anos.

46
Tratava-se de projeto de prevenção que tinha por objetivo trabalhar junto à
rede de atendimento (sobretudo da educação) questões relacionadas à violência
intrafamiliar.
47
No ano de 2004, quando esta pesquisadora passou a atuar nesse programa, a
demanda que aguardava atendimento era superior a 2.000 denúncias.
76

A partir do ano de 2005, com a mudança da gestão municipal e


tomando-se como referência a PNAS e a NOB/SUAS, o programa SOS
Criança ficou restrito ao atendimento do disque denúncia, que passou a
ser realizado por uma profissional do setor administrativo, e a equipe
técnica desse programa, juntamente com a equipe que compunha o
projeto Acorde, constituiu o então criado serviço Sentinela, o qual se
dividia em duas equipes: uma de Acompanhamento e outra de
Diagnóstico.
Enquanto a equipe de acompanhamento prestava o
acompanhamento às crianças, adolescentes e suas famílias com situação
de violência física e sexual (atendimento que antes era realizado pelo
projeto Acorde), a equipe de diagnóstico realizava a verificação das
denúncias e a avaliação da necessidade de acompanhamento familiar
(deslocamento do trabalho realizado pelo SOS Criança).
No campo interventivo, observava-se que de acordo com o
objetivo institucional de cada equipe havia direcionamento diferenciado
das ações. Enquanto a equipe de acompanhamento e o Poasf
trabalhavam no sentido de fortalecer vínculos e desenvolver as
potencialidades da família; a equipe de diagnóstico focava a intervenção
na vítima e no autor da violência, na responsabilização.
A segmentação do atendimento familiar nessa configuração de
trabalho passou a ser questionada pelas equipes, considerando-se tanto a
demanda reprimida do serviço, quanto o espaçamento do tempo de
espera das famílias.
Pontua-se que, exceto situações avaliadas como extremamente
graves, o tempo de espera de atendimento era bastante espaçado,
podendo demorar anos para a família ser atendida pela equipe de
diagnóstico, bem como anos para ser inserida na equipe de
acompanhamento. Não era incomum, por exemplo, uma denúncia
registrada no ano de 2002, vir a ser atendida pela equipe de diagnóstico
no ano de 2005, e, depois, pela de acompanhamento no ano de 2008.
Esse intervalo entre os atendimentos acabava por culminar na
necessidade de nova investigação quando da entrada das famílias na
equipe de acompanhamento, sujeitando os membros da família a
retomada de um processo muitas vezes entendido como superado, dado
a dinamicidade da vida cotidiana.
Outro ponto crítico nessa metodologia de atendimento referia-se a
fragmentação das equipes e as diferenças na proposta interventiva,
conforme já exposto.
Em cumprimento aos dispositivos jurídico-normativos que
estruturam a Política de Assistência Social, no ano de 2009, implantou-
77

se o primeiro equipamento do Creas em Florianópolis, situado no bairro


da Agronômica e que veio a substituir o complexo da Cidade da
Criança. Nesse equipamento, denominado como Creas Ilha, funcionam
o Paefi, a LA e a PSC, e o Sepredi.
O segundo equipamento foi implantado no ano de 2011, na região
continental de Florianópolis. Inicialmente estava situado no bairro do
Abraão e, a partir de 2013, localiza-se no Estreito. No Creas Continente
estão implantados os serviços Paefi e Sepredi.
O município de Florianópolis, no ano de 2010, conforme dado do
IBGE, possuía população aproximada de 422 mil pessoas. O número de
habitantes somado às áreas de segregação socioespacial e aos índices de
vulnerabilidades e riscos sociais48, habilitaram o município a ter dois
Creas, conforme indicado no Caderno de Orientações Técnicas Creas
(Anexo A).
Pela área de abrangência, número de habitantes e identificação de
índices de vulnerabilidades e risco social, tomando-se por referência a
diretriz do SUAS de territorialização, o Creas Ilha presta atendimento às
famílias e indivíduos em situação de risco e ameaça de direitos que
residem na região insular de Florianópolis, enquanto que o Creas
Continente atende a região continental da capital.
Embora a parte continental, no que se refere à extensão,
corresponda a apenas 12,1% da área territorial de Florianópolis, há
nessa região uma segregação socioespacial49 significativa (WITT,
2010), condição que favoreceu a implantação do segundo Creas naquele
território.
Para a constituição do Paefi de Florianópolis foi realizada a
junção dos profissionais que atuavam no serviço Sentinela e no Poasf,
os quais foram redistribuídos nas equipes de acompanhamento e de
diagnóstico.
No entanto, foi no ano de 2010 que se vivenciou um momento
histórico, o qual culminou em uma nova metodologia de atendimento às

48
Ademais de outros requisitos descritos na NOB/SUAS 2005, como o
município possuir Conselho Municipal, Fundo e Plano anual de Assistência
Social, dentre outros.
49
São áreas de segregação socioespacial da região continental de Florianópolis:
Arranha-céu, Nova Jerusalém, Vila Aparecida I, Vila Aparecida , Mac Laren;
Baixada do Sapé, Chico Mendes, Monte Cristo, Santa Terezinha I, Santa
Terezinha II, Nossa Senhora da Glória, Nova Esperança, Novo Horizonte;
Morro da Caixa I, Morro da Caixa II, Morro do Flamengo, Jardim Ilha
Continente; Nossa Senhora do Rosário, PC-3, Ponta do Leal.
78

famílias. A partir de então se extinguiram as equipes de


acompanhamento e de diagnóstico e todos os profissionais passaram a
constituir uma única equipe: a do Paefi.
Com a nova configuração do serviço, o foco de atendimento, que
antes se diferenciava entre as equipes, deixa de ser um sujeito, uma
vítima, para ser a família. Nesse contexto, parafraseando Teixeira (2010,
p.5):
O novo desenho da Política de Assistência Social
busca romper com a tradição de atendimentos
pontuais, dispersos, descontínuos e fragmentados,
voltados para situações limites extremas [...] Há,
entre seus princípios estruturadores, a
matricialidade sociofamiliar como antídoto à
fragmentação dos atendimentos, como sujeito à
proteção de uma rede de Serviços de suporte à
família.
A partir dessa nossa perspectiva metodológica, observam-se
diferenças na atuação profissional, que se caracteriza como menos
punitiva e controladora. De certa forma, a responsabilidade pela
ocorrência de violência no espaço doméstico tira o foco do agressor, e o
objetivo da intervenção direciona-se mais a desenvolver as
potencialidades da família e de seus membros, do que encontrar
culpados. O trabalho em interface com outras políticas públicas se
intensifica.
Esta mudança de postura relaciona-se diretamente as orientações
dos dispositivos do SUAS, com ênfase na TNSS e na intervenção às
famílias por equipe de referência formada por assistente social e
psicóloga (o).
Na especificidade dos serviços socioassistenciais de gestão
municipal de Florianópolis, foi no ano de 2005 que o trabalho
interdisciplinar começou a ganhar os contornos que apresenta na
atualidade50. A partir desse marco as intervenções com algumas51
famílias passaram a ser realizadas por equipe de referência, o que
significou a troca de conhecimento entre as diferentes áreas e a
efetivação dos instrumentais técnico-operativos em conjunto (visitas

50
No ano de 2012 o atendimento por dupla de referência abrangia todas as
famílias em acompanhamento, condição que permanece.
51
Como os serviços contavam com número menor de psicólogas do que de
assistentes sociais, o processo de atendimento era iniciado pela assistente social,
e esta, após algumas intervenções com a família e com a rede de atendimento,
avaliava da necessidade da intervenção da Psicologia.
79

domiciliares, abordagens, elaboração de documentos, etc.).


Se antes o profissional da Psicologia, como os que atuavam no
SOS Criança, tinha o seu trabalho direcionado para a avaliação
psicológica, a partir de então, amplia a sua área de atuação, intervindo
no espaço da sala de atendimento e em contextos externos. Se o
profissional do Serviço Social definia os encaminhamentos e
orientações, detendo centralidade nas intervenções, agora precisa
discutir o processo do acompanhamento familiar e construir argumentos.
O largo histórico de atendimento a crianças e adolescentes
vítimas de violência doméstica no município de Florianópolis acabou
por corroborar para que o público alvo de atendimento do Paefi
permanecesse sendo, eminentemente, crianças e adolescentes em
situação de violência intrafamiliar.
Nesse contexto, cabe informar que o acompanhamento familiar
pelo Paefi de Florianópolis52 corresponde a uma das medidas de
proteção aplicáveis pelo SGD diante da suspeita de violação de direitos
contra a criança e/ou adolescente, conforme expresso no Estatuto da
Criança e do Adolescente, artigo 101, inciso IV, que define que a
autoridade competente poderá determinar a aplicação de medida de
proteção de inclusão em serviços e programas oficiais de proteção,
apoio e promoção da família, da criança e do adolescente. Neste caso a
autoridade competente é o conselheiro tutelar, o promotor de justiça ou
o juiz de direito, e os serviços são o Paif/PSB ou o Paefi/PSE.
Outra forma de inserção das famílias ou indivíduos no Paefi de
Florianópolis é o encaminhamento para acompanhamento familiar
efetuado por Creas de outros municípios, considerando-se tratar-se de
medida de proteção aplicada pelo SGD.
Pontua-se que o público alvo de atendimento dos Paefis de
Florianópolis e a forma de inserção no serviço vêm sendo
problematizadas e redefinidas pelas equipes por meio de discussão e
elaboração de novos procedimentos metodológicos.
Nesse aspecto, a partir do ano de 2016 começou a se efetivar nos
serviços o acolhimento da demanda espontânea, o que significa que
qualquer sujeito, ao direcionar-se ao Creas com suas demandas
específicas, será acolhido, orientado e encaminhado de acordo com suas
necessidades, sendo que, caso se identifique ser público de atendimento
do Creas, será inserido na demanda do serviço para o acompanhamento
familiar. Dessa forma, a inserção se dará espontaneamente, ou seja, sem

52
Esse é o entendimento que a gestão da assistência social de Florianópolis
apresenta historicamente.
80

a determinação a priori do SGD. Contudo, quando se identificar


demanda de violação de direitos contra criança e adolescente, a
ocorrência será encaminhada ao Conselho Tutelar para verificação e
providências
A partir dos procedimentos metodológicos em discussão e diante
do posicionamento da atual gestão da Secretaria de Assistência Social
do município, o referenciamento e contrarreferenciamento entre a PSB e
PSE está sendo implementado e vem acontecendo a partir da realização
de estudos de casos, sendo que na especificidade de situações de
violência que envolvem crianças e adolescentes, faz-se necessária a
notificação ao Conselho Tutelar.
Por fim, pontua-se que as coordenações e equipes dos
equipamentos dos Creas de Florianópolis possuem relativa autonomia
na definição dos procedimentos metodológicos que norteiam as ações
dos serviços, considerando-se aqui, sobretudo, as especificidades dos
territórios, as características das equipes e a interpretação da gestão com
relação aos dispositivos, regulamentos e normativas da Política de
Assistência Social.

4.3 O INSTRUMENTAL TÉCNICO DOS RELATÓRIOS: UMA


ATIVIDADE DO COTIDIANO DE TRABALHO DOS PAEFIS DE
FLORIANÓPOLIS

As mudanças ocorridas com a nova concepção dos serviços,


sobretudo no que se refere à matricialidade sociofamiliar e à intervenção
interdisciplinar, interferiram no cotidiano do exercício profissional, visto
que o cotidiano sofre interferências das particularidades que compõem o
universal, adequando-se a elas, ainda que em meio a conflitos e
contradições.
Os instrumentais técnicos, compreendidos como os meios
necessários para o alcance de objetivos pré-definidos e que revelam uma
intencionalidade, em certa medida permaneceram os mesmos (as visitas
domiciliares e institucionais, as abordagens individuais e familiares, as
reuniões de equipe e as reuniões interinstitucionais, os contatos
telefônicos e a elaboração de documentos). No entanto, a forma de
conhecer e interpretar a realidade e o foco interventivo sofreram
alterações, exigindo dos profissionais um esforço teórico e prático para
acompanhar as mudanças propostas, mantendo-se os critérios do
81

estatuto de profissionalidade53 apresentado por Pontes (2009).


Quando não apanhados com criticidade os instrumentos e
técnicas podem ter um fim em si mesmo, visto que baseados no
espontaneísmo, no automatismo, na ultrageneralização, na mimese, na
confiança e na fé, ou seja, na estrutura da vida cotidiana. Conforme
sinalizado, a problemática se coloca quando essas estruturas se
cristalizam, impedindo a compreensão do objeto interventivo para além
do fato.
Magalhães (2011, p. 9) reflete sobre os instrumentais técnicos e
afirma que não podem ser utilizados com o fim em si mesmo, embora
inerentes ao trabalho. Ignorá-los, segundo a autora, significa o perigo de
direcionar a prática ao senso comum e à alienação,
[...] impregnando-se de uma rotina nociva, que
muitas vezes nos impede de perceber o quanto a
utilização desse instrumental facilita nossa
atuação, racionaliza nosso tempo, direciona
eticamente nossa proposta de trabalho e – o mais
importante – demonstra respeito ao usuário.
No espaço sócio-ocupacional como o do Paefi, com intensas e
complexas demandas de atendimentos, faz-se necessário o constante
exercício de realizar suspensões da cotidianidade, de forma que a ação
profissional não se restrinja a meras práticas e os instrumentais54
cumpram uma função que vá além de exigências burocráticas/
institucionais.
Nesse contexto, conforme Azevedo (2013, p. 328), os
instrumentais devem ser “[...] criados em consonância com as
finalidades da ação profissional, contribuindo para a passagem da teoria
à prática, do ideal ao real”.
Na especificidade do instrumental técnico dos relatórios,
Magalhães (2011, p. 58, grifos da autora) sinaliza que:

53
Conforme Pontes (2009), para se manter em um estatuto de profissionalidade
o Serviço Social precisa de um corpo de conhecimento (condições necessárias e
mínimas para a ação profissional), que se expressa: pela teoria social (e o
método) que orienta a intervenção; pelo projeto societário (demarcado pela
utopia); pelo projeto profissional; e pelo instrumental teórico-técnico de
intervenção.
54
Martinelli & Koumrouyan (1994, p. 137) atribuem ao instrumento “a natureza
de estratégia ou tática” e à técnica “a habilidade no uso do instrumental”,
concluem: “o instrumental não é nem o instrumento nem a técnica tomados
isoladamente, mas ambos, organicamente articulados em uma unidade
dialética”.
82

[...] resultam de estudos e de avaliações,


corporificados sob forma escrita, e assumem,
ainda, um papel de intervenção indireta, pois, a
partir do seu conteúdo, providências e decisões
são tomadas, ou até mesmo ‘vidas’ são definidas.
A essa assertiva acrescenta-se a compreensão de Fávero (2009, p.
624), que corrobora indicando que os relatórios são registros que
evidenciam as dimensões teórico-metodológica, técnico-operativa e
ético-política que os subsidiam “[...] as quais são documentadas em sua
objetividade, mas também revelam traços de subjetividade dos sujeitos”.
Destarte, enquanto atividade cotidiana parte-se da concepção de
que os relatórios se caracterizam em um instrumental técnico, cuja
materialidade se dá pela linguagem (comunicação escrita); apresentam
intencionalidades, dentre elas assegurar direitos e refletir sobre a ação
profissional. Representam em seu conteúdo a descrição e a análise do
objeto interventivo, e embora tenha como foco questões objetivas, não
está isento da subjetividade dos seus emissores, revelando por meio da
linguagem diferentes racionalidades.
Conforme Sarmento (1994), é por meio dos relatórios que a
produção científica do profissional será evidenciada. Nesse instrumental
será registrado todo o processo de trabalho realizado em determinado
período. Para o autor, na elaboração dos relatórios, como de qualquer
informação utilizada como instrumento de ação profissional, faz-se
imprescindível o uso de linguagem clara e de acordo com os objetivos
propostos; e que a mensagem seja transmitida com conteúdo (conceitos
que atribuem sentido), lógica e orientação teórica e técnica.
A elaboração de relatórios é inerente ao processo de trabalho no
Paefi. Conforme o objetivo do documento, os relatórios podem ser
nomeados como: Relatório de Acompanhamento Familiar ou Relatório
de Desligamento.
Enquanto o primeiro é elaborado no transcorrer do processo
interventivo e tem por finalidade, via de regra, solicitar a aplicação de
medidas de proteção previstas pelo Eca; o segundo visa comunicar ao
órgão ou ao serviço encaminhador o encerramento formal do
acompanhamento familiar, que se dá, majoritariamente, conforme
pesquisa realizada no Paefi Continente55 : pela mudança de endereço,

55
Entre o ano de 2014 e 2015 foi realizada a pesquisa intitulada “Os fatores que
atuam em situações de violação de direitos em contextos familiares: um estudo
das famílias atendidas no Paefi Continente de Florianópolis/SC”. Para a
efetivação da pesquisa foram coletados dados dos acompanhamentos familiares
83

pelo cumprimento dos objetivos institucionais, pela não adesão56, e pelo


afastamento da criança ou do adolescente do contexto familiar abusivo.
Salvo exceções, a regra do Paefi é que todos os atendimentos
sejam encerrados com o Relatório de Desligamento. A mesma regra já
não é válida para os Relatórios de Acompanhamento Familiar, esses
serão elaborados por avaliação técnica das equipes de referência ou a
pedido do SGD. Como sinalizado, tem por objetivo solicitar a aplicação
de medidas protetivas que venham ao encontro da garantia de direitos
dos usuários.
Embora os relatórios possuam intencionalidades distintas, são
bastante parecidos na forma, no conteúdo e na extensão; assemelham-se
substancialmente com o modelo de estudo social ou estudo
socioeconômico proposto por Mioto (2009). Nesse aspecto, os relatórios
do Paefi, de forma generalizada, contemplam as seguintes informações:
[...] a identificação dos sujeitos demandantes dos
estudos e dos sujeitos implicados na situação e da
situação; a descrição concisa da situação estudada
que deve trabalhar, de forma organizada, o
conjunto de informações contidas nos relatórios
de entrevistas, documentos, visitas domiciliares,
observações; a análise da situação na qual o
profissional dará a conhecer como articulou os
dados da realidade com o marco teórico-
metodológico que orientou sua ação e com seu
conhecimento da área em que está se realizando o

encerrados (por período de um ano), que totalizaram 129 encerramentos. Dentre


os principais motivos do desligamento da família do serviço foram
identificados: mudança de endereço (36), alcance dos objetivos do atendimento
(33), não adesão (28), afastamento da criança ou adolescente do contexto
familiar abusivo (8).
56
O desligamento pela não adesão significa que o processo de acompanhamento
foi encerrado por não se identificar novas estratégias interventivas para a ação
profissional. A não adesão pode ser decorrente das dificuldades encontradas
para a participação da família ou indivíduos à proposta do Serviço, o que
culmina em faltas aos atendimentos agendados. A não adesão também pode se
caracterizar como a não alteração na dinâmica abusiva, embora o
comparecimento do usuário aos atendimentos. Em alguns casos, no transcorrer
do processo interventivo, a não adesão pode trazer elementos para o pedido de
advertência junto ao Conselho Tutelar, ou da representação ao Ministério
Público para a abertura de autos junto à Vara da Infância e Juventude, ou, em
situação de avaliação de risco iminente, na solicitação do acolhimento
institucional das crianças ou adolescentes envolvidos
84

estudo, das legislações em vigor e de outros


estudos que embasem sua perspectiva analítica
[...] (MIOTO, 2009, p.492).
A partir dessa concepção, indicativos são lançados no sentido de
referendar o quão consistentes são os relatórios elaborados pelas equipes
dos Paefis de Florianópolis, e sinalizar o comprometimento técnico dos
profissionais tanto em observar as leis e os códigos de ética das
profissões envolvidas quanto em cumprir com os objetivos
institucionais.
Dentre as informações indicadas por Mioto (2009) para a
elaboração do estudo social, a que se refere à articulação dos dados da
realidade com o marco teórico-metodológico que orientou a ação não é
explicitada nos relatórios, embora o conteúdo do documento possa
trazer indicativos sobre tais dados.
Todo o documento - ademais do conjunto das ações humanas que
compõem a heterogeneidade da vida cotidiana -, carrega características
subjetivas dos profissionais, informa sobre o modo de ser, de agir e de
pensar do seu emissor. Assim, de acordo com as perspectivas teórico-
metodológica e ético-política, associadas ao estilo de escrita dos
profissionais, os relatórios podem apresentar características mais
descritivas ou analíticas e, ainda, descritivas e analíticas; podem
considerar o indivíduo e a família como sistema fechado ou entendê-los
em suas múltiplas determinações; podem compreender o fenômeno da
violência intrafamiliar restringindo-o a características do indivíduo ou
considerar questões macroestruturais (sociais, econômicas, culturais,
religiosa, de gênero).
As diferentes racionalidades que orientam a instrumentalidade do
Serviço Social e que se materializam através da linguagem constituem-
se em eixos condutores do processo interventivo e se materializam nos
relatórios, ainda que se parta do entendimento que pensamento e
linguagem não representem o real, mas uma aproximação desse real.
Por serem elaborados por equipe de referência composta por
assistente social e psicólogo (a), os relatórios são produtos de
intervenção interdisciplinar. Interdisciplinaridade entendida como a
relação entre profissionais de diferentes áreas de conhecimento e que
pressupõe a superação da fragmentação dos saberes, o reconhecimento e
o respeito às especificidades das áreas profissionais que dialogam.
Envolve flexibilidade, originalidade e criatividade; constitui-se em uma
prática cuja tendência é gerar aprendizagem e relações de poder
horizontais (FERREIRA, 2014; JOSGRILBERT, 2002;
VASCONCELOS, 2007).
85

Nesse contexto, cabe pontuar que o relatório elaborado por


equipe interdisciplinar sistematiza o acompanhamento efetuado por
esses profissionais, contudo, pressupõe-se que há diferenciação em seu
conteúdo se comparado a documentos de atribuição ou competência
privativa do Serviço Social ou da Psicologia.
A prática interdisciplinar não significa a interferência nas
especificidades das profissões, ao contrário, permite a pluralidade de
contribuições para a compreensão do objeto de intervenção. A interação
entre diferentes disciplinas do conhecimento deve corroborar com o
melhor entendimento do objeto em questão, possibilitando uma
apreensão mais abrangente de sua dinâmica e mediações.
Sobre as particularidades do Serviço Social na elaboração de
relatórios, a resolução do Cfess, nº 557/2009 (Anexo B), dispõe sobre a
elaboração de pareceres, laudos, opiniões técnicas do Serviço Social em
separado quando de documento elaborado por equipe multidisciplinar. A
referida resolução, em seu artigo 4º, parágrafo primeiro, indica que:
O entendimento ou opinião técnica do assistente
social sobre o objeto da intervenção conjunta com
outra categoria profissional e/ ou equipe
multiprofissional, deve destacar a sua área de
conhecimento separadamente, delimitar o âmbito
de sua atuação, seu objeto, instrumentos
utilizados, análise social e outros componentes
que devem estar contemplados na opinião técnica.
Essa resolução é seguida parcialmente pelas profissionais que
atuam no Paefi, pois embora por meio dos relatórios seja possível
identificar o objeto, os instrumentos empregados e a análise do contexto
social, é difícil identificar quais dos profissionais incluíram as
informações, visto que toda a peça é resultado de uma elaboração
conjunta, inclusive as Considerações Finais. Contudo, por tratar-se de
um serviço da Política de Assistência Social, de forma geral o conteúdo
dos relatórios coloca em evidência essa área de conhecimento.
Pontua-se, ainda, que a resolução supramencionada se constitui
em questão de debate entre os membros das equipes, sendo um dos
pontos divergentes o direcionamento diferenciado dado pelo Conselho
Federal de Psicologia – CFP, por meio de nota técnica57 e resoluções58
que versam sobre elaborações de documentos por psicólogos (as) que

57
Nota Técnica 001/2016 da Comissão Nacional de Psicologia na Assistência
Social - Conpas/CFP.
58
Resoluções CFP nº 007/2003 e 001/2009.
86

atuam no SUAS. Nessas normativas maior ênfase é dada ao trabalho


interdisciplinar, não havendo um direcionamento tão claro sobre a
elaboração de pareceres, laudos ou opinião técnica em separado, como a
resolução do Cfess.
Importante refletir também sobre as normativas da Política de
Assistência Social, especificamente a Guia de Orientações Técnicas do
Creas no que versa aos instrumentais técnicos dos relatórios. Nesse
documento o relatório é mencionado como um instrumental que deve
ser elaborado sempre que necessário, respeitando-se o sigilo e a
privacidade, conforme o código de ética das profissões. Quanto ao seu
conteúdo, as indicações são de que:
[...] os relatórios podem dispor de informações
sobre as ações desenvolvidas e os progressos em
relação às famílias e aos indivíduos
acompanhados. Quando couber, poderá também
dispor de outras informações, observada a
pertinência, relevância e benefício para os
usuários. Os relatórios sobre o acompanhamento,
todavia, não devem se confundir com a elaboração
de ‘laudos periciais’, que constituem atribuição
das equipes interprofissionais dos órgãos de
defesa e responsabilização [...] (BRASIL, 2011, p.
69).
O relatório, na Guia de Orientações Técnicas, apresenta uma
proposta diferenciada daquela que propõe o relatório com características
de estudo social, como é o modelo recorrentemente utilizado pelas
equipes de referência dos Paefis.
Enquanto a indicação da Política de Assistência Social direciona
para a construção de relatórios mais concisos e com foco nas ações e na
não sobreposição de responsabilidades, o direcionamento dado aos
relatórios pelas equipes toma como referência o processo sócio-histórico
dos profissionais que atuaram nos serviços no período que antecedeu ao
Paefi, tendendo a serem densos, complexos, descritivos e propositivo.
Nesse aspecto, a proposta da Guia de Orientações não se coaduna
com o modelo de relatórios que foi construído pelas equipes a partir da
experiência dos profissionais, dos debates teóricos e das discussões
metodológicas desencadeadas pelas equipes.
Fato é que tais contradições são temas de reflexão entre os
profissionais do Paefi. Há aqueles que, em consonância com o que está
colocado na Guia de Orientações Técnicas, entendem que os relatórios
devem ser mais objetivos e breves; outros, que os compreendem como
um instrumento importante para a avaliação de todo o processo de
87

acompanhamento, condição que é possível através da construção de


relatório a partir do modelo de estudo social.
Outro fator a observar refere-se às condições objetivas de
trabalho. A complexa demanda de atendimento e as precárias condições
estruturais e de equipamentos interferem na elaboração e, por vezes, na
qualidade técnica dos relatórios, transformando, por vezes, essa peça em
mero cumprimento de procedimentos burocráticos.
Encerra-se esta seção com o posicionamento de Fávero (2009),
que indica que os relatórios são registros que informam sobre questões
objetivas dos sujeitos demandatários da assistência social, mas que
também revelam traços da subjetividade de seu locutor. Nesse aspecto,
reafirma-se o entendimento de que os relatórios constituem-se em
instrumentais que refletem o modo de ser, agir e pensar dos
profissionais; que são instrumentais carregados de intencionalidade, de
racionalidades, sejam elas direcionadas a perspectiva crítico-dialética ou
conservadora.
.
89

5 A INSTRUMENTALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL:


DESNUDANDO OS RELATÓRIOS DE DESLIGAMENTO DOS
PAEFIS DE FLORIANÓPOLIS

Nessa seção será discorrido sobre todo o processo para a


realização da pesquisa: da constituição da amostra à análise dos
resultados. Se a fase exploratória exigiu disciplina, dedicação,
capacidade intelectiva para realizar abstrações, inferências, relações,
ponderações, objetivando-se a construção e a apreensão dos conceitos e
das categorias que iriam subsidiar a pesquisa, a fase da coleta, da análise
e interpretação dos dados exigiu persistência, trabalho exaustivo do
corpo e da mente, capacidade de relacionar teoria e prática, e muitas
reflexões sobre o exercício profissional.
A preocupação com o rigor metodológico e em atribuir
cientificidade à pesquisa, motivou esta pesquisadora a seguir, passo-a-
passo, a técnica de análise de conteúdo, a qual foi empregada para a
coleta, análise e interpretação dos dados. No entanto, a pouca
familiaridade com a prática da pesquisa pode haver contribuído para
eventuais equívocos de interpretação.
Procurou-se esmiuçar os documentos analisados com o intuito de
captar o máximo de informações possíveis. Nesse sentido, os relatórios
de desligamento (que serão denominados com a sigla RD) foram
apresentados sobre duas perspectivas, as quais se complementam: a
partir de sua forma e de seu conteúdo.
Pontua-se que a análise dos dados da pesquisa foi sendo realizada
à medida que se avaliou pertinente trazer elementos teóricos ao
contexto. Todavia, será na última subseção que as análises se
concentrarão.

5.1 METODOLOGIA

Segundo Minayo (2015, p. 14), entende-se por metodologia “[...]


o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da
realidade [...]”.
O estudo proposto trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa,
de natureza documental e cuja técnica de análise, coleta e interpretação
dos dados será a Análise de Conteúdo Temática.
Conforme Minayo (2015, p. 21), a pesquisa qualitativa trabalha
“[...] com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das
crenças, dos valores e das atitudes [...]”. Diante desta proposta, visa
90

identificar as raízes, as causas e as relações entre as categorias em


investigação, numa tentativa de ir além da mera aparência.
Em Chizzotti (2000, p. 79), tem-se que na pesquisa qualitativa a
relação sujeito e objeto se estabelece de forma interdependente, ou seja:
O conhecimento não se reduz a um rol de dados
isolados, conectados por uma teoria explicativa: o
sujeito-observador é parte integrante do processo
de conhecimento e interpreta os fenômenos,
atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um
dado inerte e neutro; está possuído de significados
e relações que sujeitos concretos criam em suas
ações.
Desta forma, o objeto de pesquisa está tomado de significação
para o sujeito que busca o conhecimento, característica que põe em
questão a neutralidade axiológica, tornando-a um objetivo tão
inacessível quanto o determinismo de uma verdade absoluta e o
estabelecimento de leis universais nas ciências humanas e sociais.
A busca da verdade, como princípio básico do conhecimento,
segundo Vázquez (2011), está subordinada às crenças de cada um e a
interesses particulares. A atividade humana é resultante da ação
subjetiva, individual e, também, é material, objetiva e transformadora.
A atividade do sujeito prático nos é oferecida
nessa dupla vertente: por um lado é subjetiva
enquanto atividade de sua consciência, mas em
um sentido mais restrito, é um processo objetivo
na medida em que os atos ou operações que
executa sobre uma dada matéria que existe
independentemente de sua consciência, de seus
atos psíquicos, podem ser comprovados inclusive
objetivamente por outros sujeitos (Vázquez, 2011,
p. 265).
Como fonte para a coleta de dados da investigação proposta
elegeu-se os Relatórios de Desligamento (RD) elaborados por equipe
interdisciplinar que atuam nos Paefis de Florianópolis e endereçados aos
Conselhos Tutelares, portanto que envolvem o acompanhamento a
crianças e adolescentes e suas famílias com vivência de violação de
direitos. No município são dois os equipamentos do Creas e, portanto,
dois Paefis. Um equipamento está localizado na Agronômica (Rua Rui
Barbosa, nº 677). e denomina-se Creas Ilha; o outro, no Estreito (Rua
Arnoldo Cândido Raulino, nº 183), o Creas Continente.
Dessa forma, constituindo-se como fonte da coleta de dados os
RD, tem-se que o estudo realizado é de natureza documental. A
91

pesquisa documental, segundo Gil (2002), serve-se de materiais que


ainda não receberam um tratamento analítico, ou que, de acordo com o
objeto da pesquisa, podem ser reelaborados.
Como critério de escolha para a definição dos profissionais e
documentos elegíveis para a composição da amostra, realizou-se a
seleção com base em três critérios: 1) por tempo de atuação dos
profissionais do serviço social no Paefi; 2) pelo motivo do encerramento
do acompanhamento familiar; 3) pela temporalidade.
Para a seleção por tempo de atuação foram criados dois grupos de
assistentes sociais. O primeiro grupo (G1) foi composto por
profissionais com experiência no Paefi de 2 (dois) a 5 (cinco) anos; o
segundo grupo (G2), por profissionais com mais de 8 (oito anos ) de
atuação em programas e serviços na área da violência intrafamiliar de
Florianópolis59.
O critério adotado para a formação dos grupos foi o do tempo de
implantação do Paefi no município. As assistentes sociais que
compuseram o G1 foram inseridas no serviço no período que procedeu a
implantação do Paefi em Florianópolis, o que implicou em uma nova
metodologia de atendimento. O G2 contemplou profissionais com
atuação nos serviços e programas de atendimento a situações de
violência intrafamiliar de Florianópolis em período anterior a
implantação do Paefi.
O segundo critério de escolha foi o do motivo do encerramento
do acompanhamento familiar. Foram elegíveis relatórios encerrados por
cumprimento dos objetivos do serviço ou por esgotamento técnico60. A
definição desse critério decorreu da percepção de que o
acompanhamento familiar, encerrado pelos motivos elencados, tende a
ser finalizado com um relatório mais completo, ou seja, informa todo o
investimento técnico empreendido para a alteração da situação que
motivou a entrada da família no serviço, e a participação (ou não) dos
sujeitos envolvidos nesse processo.
59
O período de tempo não contemplado, ou seja, de 6 a 7 anos de atuação no
Paefi, foi decorrente da não efetivação de profissionais nos anos de 2010 e
2011.
60
O desligamento por esgotamento técnico ocorre quando a equipe de
referência avalia que os recursos interventivos para a alteração no contexto de
violação de direitos foram esgotados. Muitas vezes, a advertência da família
junto ao Conselho Tutelar e a representação judicial se constituem em ações que
antecedem o desligamento por esgotamento técnico.
92

No que se refere ao critério da temporalidade, foi definido a


escolha de RD elaborados no período de agosto de 2016 a agosto de
2017. Nesse sentido, o critério foi o da analise de relatórios recentes.
Para a definição dos(as) profissionais que iriam contribuir com a
pesquisa, optou-se pela amostra aleatória, que se deu por sorteio.
Aceito o convite para a participação, o(a) profissional indicaria um RD
para a análise, observando-se os critérios pré-estabelecidos.
Nesse aspecto, esclarece-se que inicialmente foi definido como
universo de pesquisa a análise de 10 (dez) RD, considerando-se: a) o
pouco tempo hábil para realização da pesquisa; b) a extensão dos
relatórios, os quais apresentam uma média de 10 (dez) a 15 (quinze)
páginas; c) a complexidade das categorias e codificações que a técnica
da análise de conteúdo exige.
Todavia, por se tratar de pesquisa qualitativa, que por sua
natureza tem como universo não o sujeito em si, mas as suas
representações e práticas, bem como seus conhecimentos, atitudes e
comportamentos, e diante da perspectiva de que a pesquisa qualitativa
não visa à quantidade, a contagem, mas “[...] a exploração do conjunto
de opiniões e representações sociais sobre o tema que pretende
investigar” (MINAYO, 2004, p. 79); o universo da pesquisa foi
composto por 7 (sete) RD, considerando-se o critério de saturação “[...]
ou seja, quando as concepções, explicações e sentidos atribuídos pelos
sujeitos começam a ter uma regularidade de apresentação” (MINAYO,
2015, p. 48).

5.2 OS PROCEDIMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DA


AMOSTRA DA PESQUISA.

Como procedimento inicial para a construção da amostra e


posterior coleta de dados, foi necessário obter a autorização da
Secretária de Assistência Social do Município de Florianópolis
(Apêndice A), cumprindo-se assim com uma exigência burocrática,
visto que a Secretária, pelo cargo que ocupa, responde por todos os
serviços socioassistenciais com gestão municipal. A intermediação para
a obtenção da autorização da pesquisa foi realizada pela diretora da PSE
de Média Complexidade da referida Secretaria.
Cumprido tal exigência, foram efetuados contatos telefônicos e
93

posterior reunião61 com as coordenadoras dos Creas e dos Paefis de


Florianópolis, com o objetivo de socializar o projeto de pesquisa e a
metodologia que subsidiaria o processo de coletas de dados. A partir
desse encontro foi possível viabilizar a relação das assistentes sociais62
que atuaram nos serviços no período de agosto de 2016 a agosto de 2017
(critério de temporalidade definido), bem como as datas de inserção das
profissionais nos Paefis.
Conforme dados obtidos através da coordenação do Paefi Ilha,
aquela equipe era composta no período de agosto de 2016 a agosto de
2017 por 17 profissionais. Destas, 1 (uma) havia sido inserida no serviço
há menos de um ano; 13 (treze) possuíam de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de
atuação no Paefi, e outras 4 (quatro) exerciam a profissão em serviços e
programas de atuação na área da violência intrafamiliar de Florianópolis
há mais de 8 (oito) anos.
Já a equipe do Paefi Continente, no período elegido para a
pesquisa, era composta por 8 (oito) assistentes sociais. Destas, 3 (três)
profissionais possuíam 5 (cinco) anos de atuação no Paefi, e 5 (cinco)
apresentavam mais de 8 (oito) anos de atuação na área da violência
intrafamiliar.
A partir das informações63, viabilizou-se: a) a formação dos
grupos (G1 e G2); b) a definição da quantidade de relatórios que
comporiam cada grupo; c) a participação de cada Paefi na pesquisa.
Embora a soma de assistentes sociais em atuação nos Paefis no
período de agosto de 2016 a agosto de 2017 tenha totalizado 25 (vinte e
cinco), destas, 22 (vinte e duas) participaram do sorteio para compor a

61
A reunião no Creas Ilha foi realizada no dia 18 de setembro de 2017, e no
Creas Continente no dia 26 do mesmo mês. Neste, foi possível reunir-se com a
equipe para a exposição da pesquisa e esclarecimentos necessários. A reunião
foi facilitada devido a esta pesquisadora compor a referida equipe, além de já
haver pelas profissionais um entendimento prévio da pesquisa a ser realizada.
Foram convidadas a participar todas as profissionais do Creas (assistentes
sociais e psicólogas).
62
Com a obtenção desses dados, constatou-se que todas as assistentes sociais
que compunham os Paefis na data da pesquisa eram mulheres, motivo o qual, a
menção a categoria se fará utilizando-se o gênero gramatical feminino. A
mesma regra se aplicará às psicólogas.
63
Contribuíram para a obtenção dos dados mencionados as profissionais do
setor de administração de cada Paefi e as coordenações. As coordenadoras
também colaboraram socializando aos grupos de profissionais, em reunião de
equipe, a intenção da pesquisa e as contribuições que poderia trazer para a
reflexão do trabalho desenvolvido.
94

amostra da pesquisa. Isso ocorreu devido às condições singulares de


duas profissionais, as quais, de acordo com dados obtidos pela
coordenação do serviço, não teriam RD que contemplassem o
encerramento por alcance dos objetivos ou esgotamento técnico.
Também esta pesquisadora não participou da escolha da amostra.
Com o objetivo de obter uma amostra proporcional ao número de
profissionais de cada serviço e considerando-se que seriam analisados
10(dez) relatórios, definiu-se por analisar 7(sete) RD do Paefi Ilha, e 3
(três), do Paefi Continente.
Outro critério empregado para a escolha da amostra, conforme já
informado, foi o tempo de atuação das profissionais (G1 e G2). O G1
totalizou 16 (dezesseis) profissionais, e o G2 totalizou 9 (nove). Para a
definição da quantidade de relatórios que comporiam cada grupo, optou-
se também pela proporcionalidade. Dessa forma, 6 (seis) relatórios
seriam de profissionais do G1, e 4 (quatro), do G2.

Tabela 3 - Dados preliminares para a composição dos grupos e definição da


amostra
Grupo Assistentes Paefi Ilha Paefi Cont. Relatórios
Sociais
Ilha Cont.
G1 16 13 3 5 1
G2 9 4 5 2 2
TOTAL 25 17 8 7 3
Fonte própria

Definida essa etapa, realizou-se o sorteio das assistentes sociais


que seriam convidadas64 a participar da pesquisa. Dentre as 10 (dez)
profissionais que foram sorteadas, 4 (quatro) encontravam-se afastadas
do serviço, 1 (uma) não manifestou interesse em participar, e 1 (uma)
havia retornado de longo período de licença saúde. Dentre as que
estavam afastadas, 1 (uma) aceitou contribuir com a pesquisa.
Para a composição do G2 esta pesquisadora não encontrou
dificuldades maiores, visto haver estabelecida entre as partes
(pesquisadora e profissionais) uma relação de coleguismo. O mesmo
fator facilitador ocorreu para a participação dos profissionais do Paefi
Continente na pesquisa.

64
Os convites foram efetivados primeiramente via e-mail e em seguida por
ligação telefônica. Para duas profissionais não foi possível efetuar contato
telefônico, visto se encontrarem afastadas do trabalho.
95

Na especificidade do G1, fez-se necessária a redefinição do


critério de escolha da amostra, visto que amostra aleatória (por sorteio)
estava confrontando-se com as profissionais afastadas do serviço.
Assim, definiu-se em obter informações com o setor administrativo
sobre as assistentes social que efetivamente estavam em atuação no
serviço e que cumpriam com os critérios definidos. Totalizou 3 (três)
profissionais, as quais foram encaminhados e-mails e realizado contato
telefônico. Destas, 2 (duas) participaram da pesquisa.
Após um período 33 (trinta e três) dias do inicio do contato com
as profissionais e diante da leitura dos relatórios e da avaliação que
houve saturação, fechou-se a amostra da pesquisa com 7 (sete)
relatórios, sendo 4 (quatro) do G1, e 3 (três) do G2.

Tabela 4 - Dados finais da composição dos grupos e definição da amostra


GRUPO RELATÓRIOS TOTAL
PAEFI ILHA PAEFI CONTINENTE
G1 3 1 4
G2 1 2 3
TOTAL 4 3 7
Fonte própria

5.3 A COLETA DE DADOS

Definida a amostra, deu-se início a coleta de dados, que teve


como referência a técnica da análise de conteúdo. Segundo Bardin
(2011, p. 48), a análise de conteúdo pode ser designada como:
Um conjunto de técnicas de análise das
comunicações visando obter por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens indicadores (quantitativos ou não)
que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) dessas mensagens.
Conforme Bardin, o objeto da análise de conteúdo é a fala, ou, de
outra forma, o aspecto individual e em ato da linguagem, levando em
consideração as significações (conteúdo). Outra característica da análise
de conteúdo é a de que é realizada por locutores identificáveis, que estão
inseridos em um meio e num momento determinado. De forma
generalizada, a análise de conteúdo “[...] procura conhecer aquilo que
está por trás das palavras sobre as quais se debruça” (BARDIN, 2011, p.
96

49).
Para Chizzotti (2000, p. 98), “O objetivo da análise de conteúdo é
compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo
manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas”.
A referida técnica de análise apresenta variação de acordo com o
objeto e o objetivo da pesquisa. A técnica de suporte para a investigação
em referência foi a Análise Temática. Segundo Minayo (2004, p. 209,
grifos da autora):
Fazer uma analise temática consiste em descobrir
os núcleos de sentido que compõem uma
comunicação cuja presença ou frequência
signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico
visado. Ou seja, tradicionalmente, a análise
temática se encaminha para a contagem de
frequência das unidades de significação como
definitórias do caráter do discurso. Ou, ao
contrario, qualitativamente a presença de
determinados temas denota os valores de
referência e os modelos de comportamento
presentes no discurso.
A análise de conteúdo temática se divide em três etapas: 1) a pré-
análise; 2) a exploração do material; 3) o tratamento do resultado, a
inferência, a interpretação. Essas etapas não são estanques, mas se
implicam mutuamente (BARDIN, 2011; MINAYO, 2004).
Considerando-se a preocupação com a cientificidade e validade
da pesquisa, procurou-se seguir, com o rigor possível, a metodologia da
Análise de Conteúdo Temática proposta acima.

5.3.1 A etapa da pré-análise

Na pré-análise ou primeira etapa da pesquisa de campo, conforme


sugere Bardin, realizou-se a leitura exaustiva dos relatórios. As
primeiras leituras foram mais dinâmicas e objetivaram ter uma ideia do
todo e construir impressões. Em seguida, buscou-se o aprofundamento
das leituras de cada relatório, de forma a avaliar a pertinência dos
documentos para a constituição do corpus da pesquisa, observando-se as
regras de validade65.

65
São regras de validade em Bardin (2011): a) exaustividade: definido o corpus
é necessário apreendê-lo em todos os seus elementos, sem exceções; b)
representatividade: refere-se à representação do universo pretendido; c)
homogeneidade: os relatórios selecionados devem apresentar formato
97

Esse procedimento analítico inicial foi facilitado devido à


familiarização dessa pesquisadora com o trabalho desenvolvido no Paefi
e com os RD. Ao definir-se como um dos critérios da amostra o
encerramento do acompanhamento familiar por cumprimento dos
objetivos do serviço ou por esgotamento técnico, havia a compreensão
de que esses relatórios contemplavam todo o processo interventivo, e,
nesse aspecto, permitiriam identificar e analisar algumas racionalidades
ou lógicas de pensamento subjacentes ao texto.
Essa familiaridade descrita, se trouxe contribuições, também
lançou desafios. Ao analisar os relatórios e suas racionalidades, esta
pesquisadora foi forçada a avaliar seu exercício profissional e a
instrumentalidade do Serviço Social na perspectiva ideológica da PNAS.
Também, e não menos desafiador, foi analisar os documentos com
cuidado e respeito às profissionais que contribuíram com essa pesquisa.
As críticas e questionamentos que emergiram desse estudo são
direcionadas a toda coletividade do Paefi, pois, não há duvidas, os
relatórios analisados representam o trabalho realizado nos serviços.
Nessa fase da pesquisa, buscou-se primeiramente identificar a
forma, a estrutura, os campos que compunham os relatórios e seu
conteúdo manifesto. Nessa proposta, esforços foram empreendidos para
oferecer a ideia do todo, do corpus da pesquisa, sem abrir mão de
algumas especificidades. Pode-se dizer que foi uma etapa importante
para a sequência do estudo e que mobilizou exaustivamente o cérebro e
o corpo, exigindo tempo significativo para a realização.
Em seguida passou-se a referenciação de índices e a elaboração
de indicadores: os conceitos e as categorias analíticas e empíricas que
subsidiaram a pesquisa (MINAYO, 2004). Nessa etapa o material foi
selecionado a partir da criação de gavetas ou grandes agrupamentos.
Formou-se 13 gavetas, assim denominadas e que se constituíram
na primeira forma de classificação do material: identificação da família,
demandas identificadas, dinâmica da violência, alteração da situação
inicial, medidas de proteção, garantia de direitos, avaliação técnica,
dados socioeconômicos, instrumentais técnicos, configuração familiar,
características da família, objetivos institucionais, e gênero e cuidado
(Apêndice 2).
Esse procedimento, ainda que realizado tomando-se como critério

semelhante, bem como tema e interlocutores; d) pertinência: os documentos


analisados devem ser adequados ao objetivo da pesquisa.
98

a ordem em que as informações foram apresentadas nos relatórios,


contribuiu significativamente para uma aproximação maior ao conteúdo
do material. Foi nessa etapa da pesquisa que se fez salutar incorporar ao
estudo discussões sobre a diretriz da matricialidade sociofamiliar da
Política de Assistência Social e a questão de gênero, considerando-se a
forte centralização das intervenções do Paefi na mulher cuidadora (mãe
e avó).
Após o agrupamento em grandes gavetas, o material selecionado
passou por uma nova leitura onde se buscou sintetizar os conteúdos
tomando-se por referência a frequência em que foram mencionados.
Esse procedimento contribuiu para a definição dos conceitos e das
categorias (analíticas e empíricas) que subsidiaram a análise e
interpretação dos dados da pesquisa.
Conforme Minayo (2004, p. 92), os conceitos podem ser
considerados como operações mentais que refletem uma determinada
forma de compreender a realidade, e, nesse aspecto “[...] se tornam um
caminho de ordenação da realidade, de olhar os fatos e as relações, e ao
mesmo tempo um caminho de criação”. Nessa perspectiva, a escolha
dos conceitos está tomada de significado subjetivo.
Para a pesquisa proposta, são conceitos que nortearão a análise de
conteúdo e que foram trabalhados nesse estudo: Instrumentalidade do
Serviço Social e Política da Assistência Social/PAEFI.
Sobre as categorias analíticas e as categorias empíricas, entende-
se, conforme Minayo (2004, p. 94):
As primeiras são aquelas que retêm
historicamente as relações sociais fundamentais e
podem ser consideradas balizas para o
conhecimento do objeto nos seus aspectos gerais.
Elas mesmas comportam vários graus de
abstração, generalização e de aproximação. As
segundas são aquelas construídas com finalidade
operacional, visando ao trabalho de campo (a fase
empírica) ou a partir do trabalho de campo. Elas
têm a propriedade de conseguir apreender as
determinações e as especificidades que se
expressam na realidade empírica.
A partir desse entendimento constituíram-se como categorias
analíticas desse estudo: racionalidade e matricialidade sociofamiliar.
Essas categorias foram desenvolvidas na fase de exploração da pesquisa
e estão diretamente relacionadas ao tema da instrumentalidade do
Serviço Social.
Compreende-se a racionalidade como conduto de passagem e de
99

articulação entre teoria e prática; como uma propriedade da razão que


indica uma forma de apreensão da realidade; e como expressão de forma
de pensamento e ação (GUERRA, 2014; PONTES, 2009; LEFEBVRE,
1991).
A racionalidade se expressa pela linguagem, a qual revela as
formas de pensamento e ação de uma pessoa, grupo ou classe social. É
um produto social e ideológico (IANNI, 2000; BAKHTIN, 1981).
A definição da matricialidade sociofamiliar como categoria
analítica deu-se em decorrência da forte implicação dessa diretriz e eixo
estruturante da Política de Assistência Social na intervenção profissional
nos Paefis. A centralidade das ações na família propicia uma série de
questionamentos, dentre eles, as características e o lugar da família no
sistema de proteção social brasileiro, e as questões de gênero que
perpassam a política e a intervenção profissional, com ênfase na mulher.
As categorias empíricas foram: proteção social, família, mulher,
intersetorialidade, harmonia familiar, ações socioeducativas,
cidadania, controle e referenciamento.
Essas categorias foram definidas no transcorrer da pré-análise da
pesquisa, sobretudo a partir da organização das grandes gavetas. Foram
categorias que se repetiram e que, acredita-se, trazem importantes
elementos para se pensar a intervenção profissional e suas
racionalidades subjacentes.
Os dados e reflexões que seguem nas subseções abaixo se
constituem em resultados da pré-análise da pesquisa. Enquanto
procedimento metodológico para a identificação dos grupos de
profissionais utilizou-se as siglas G1 e G2, e para os relatórios, as siglas
R1, R2, R3, R4, R5, R6 e R7.

5.3.1.1. Os Relatórios de Desligamento a partir da forma.

O RD, como todo o objeto que é passível de conhecimento


apreendido pela razão, apresenta-se sob uma forma, uma aparência, uma
manifestação, um fenômeno, uma coisa. Essa apreensão inicial do
objeto, embora não revele sua essência, caracteriza uma primeira
aproximação, que se faz primordial para o percurso do entendimento à
razão.
Segundo Lefebvre (1991, p. 83, grifos do autor):
No plano do pensamento teórico, a forma é um
aspecto do conteúdo, um elemento destacado
momentaneamente desse conteúdo. O conteúdo do
pensamento, quando analisado e encarado sob
100

certo prisma, torna-se forma.


Essa forma, tratando-se de RD, faz-se importante no cotidiano de
trabalho, visto que ao definir-se um modelo de relatório, seguindo-se os
princípios da cotidianidade, o profissional maximiza o tempo para a
elaboração do documento, apreende a ideia de cada um dos seus
campos, dá direcionamento à intervenção. Nesse aspecto, forma e
conteúdo interagem e estão em movimento constante.
Evidente que tal afirmação não pretende justificar práticas que
entendem como padronização a atividade do copiar e colar, do eximir-
se do pensamento reflexivo e do processo de homogeneização
necessário para a passagem do senso comum à práxis (HELLER;
NETTO; PEREIRA). O documento que apresenta sua estrutura pré-
definida, não retira do profissional sua capacidade criativa e crítica,
assim como é passível de mudanças de acordo com os objetivos
institucionais e a avaliação da equipe técnica.
Todos os documentos que compuseram a amostra da pesquisa
apresentaram diferenças quanto a sua estruturação e a denominação dos
campos. Tais diferenças apareceram no título do documento, que foi
denominado como Relatório de Desligamento (4), Relatório de
Acompanhamento (1), Relatório de Atendimento e Desligamento (1),
Relatório de Desligamento/acompanhamento familiar (1). Do total de
relatórios, em dois foi acrescentado ao título uma nota de rodapé
fazendo referência ao sigilo do documento, conforme prerrogativa do
Código de Ética do Assistente social e do Psicólogo.
Foram quatro os campos em comum em todos os documentos. O
primeiro remeteu aos dados da família (nomes, genitores e/ou
responsáveis, endereço, telefones), esse campo foi denominado como de
Identificação da Família (4), Identificação (1), e Configuração Familiar
(2). O segundo campo em comum foi o da sistematização dos
atendimentos, o qual foi denominado de forma diferenciada em todos os
documentos, sendo intitulado como: Acompanhamento Psicossocial (1),
Histórico sucinto do atendimento prestado (1), Processo de
acompanhamento familiar (1), Acompanhamento familiar (1),
Atendimento Familiar (1), Descrição do Atendimento (1), e Período do
acompanhamento familiar (1).
A informação sobre o período do acompanhamento familiar
também se fez presente em todos os documentos, porém em campos
distintos. Esse dado remeteu ao tempo em que a família permaneceu em
atendimento, informando o mês e ano de início e fim do
acompanhamento familiar. Em cinco relatórios foi criado um campo
específico para essa informação, que foi denominado de Período do
101

acompanhamento familiar (3), Início do acompanhamento familiar (1),


Período do acompanhamento (1). Em dois documentos esse dado foi
mencionado no campo da sistematização dos atendimentos.
Nesse aspecto, pontua-se que o tempo médio de atendimento
familiar foi de 23 meses66, com variação entre 14 e 37 meses de
acompanhamento.
O quarto elemento presente em todos os documentos e o único
que apresentou a mesma denominação, foi o das Considerações Finais.
Nesse campo consta a avaliação de todo o processo interventivo,
avanços e dificuldades encontradas para a alteração no contexto que
motivou a ocorrência de violência, participação das partes nesse
processo, garantia de direitos e motivo do encerramento. Esse campo,
assim como todo o relatório, representa o resultado de elaboração
conjunta das equipes de referência.
O campo referente à Origem do Acompanhamento Familiar, onde
consta o Órgão ou serviço encaminhador e a violação de direito
denunciada, foi demarcado em 6 (seis) relatórios e denominado como:
Origem do Atendimento (2), Origem do acompanhamento familiar (2),
Antecedentes do acompanhamento67 psicossocial à família (1),
Antecedentes de atendimento à família (1).
A identificação dos Técnicos de Referência do acompanhamento
familiar e a Rede de Atendimento, foram demarcados, respectivamente,
em 5 e 6 relatórios. Esses campos foram denominados como: Técnicos
de referência para atendimento da família (3), Técnicos responsáveis
(1), Técnicos de referência (1), Profissionais responsáveis (1); e
Identificação da rede de atendimento da família (2), Identificação da
rede de atendimento familiar (1), Identificação da rede de atendimento
(1), Rede de atendimento (1).
No campo dos Técnicos de referência consta o registro dos
profissionais que realizaram o acompanhamento familiar durante todo o
período interventivo. Nesse aspecto, embora o atendimento seja
realizado por dupla de referência, pode constar o nome de mais de dois
técnicos, como apareceu em um dos relatórios. Isso ocorre quando há

66
O tempo de acompanhamento familiar foi de 14, 19, 20, 20, 22, 27 e 37
meses. No atendimento que levou 37 meses, houve mudança da assistente social
de referência.
67
Salienta-se que o campo de Antecedentes do acompanhamento aparece com
outra interpretação em 3 (três) documentos, nesses as informações constantes
são dos atendimentos anteriores realizados à família pelo sistema de proteção
social.
102

troca68 de técnicos durante o processo interventivo.


Com relação às informações constantes na Identificação da Rede
de Atendimento, aqui são mencionadas as instituições, Órgãos, serviços
e programas que fizeram parte da rede de atendimento da família e que,
na imensa maioria das vezes, foram mobilizados pela equipe técnica
durante o processo de acompanhamento familiar.
Em 2 (dois) relatórios foi apresentado no início do documento um
quadro com a relação dos documentos encaminhados no transcorrer do
processo interventivo. E, em outros dois, constou o campo do
Conselheiro Tutelar de Referência.
Segue, nas tabelas abaixo, a estrutura de cada um dos relatórios
analisados. Conforme será possível inferir, nenhum dos documentos
seguiu a mesma sequência, embora dois relatórios do Paefi Continente
tenham apresentado ordem semelhante (bem como o mesmo
entendimento sobre o conteúdo de cada campo), porém em um dos
relatórios há um elemento a mais no documento. Informa-se, ainda, que
todos os relatórios apresentaram no cabeçalho o logotipo da PMF e os
dados do serviço (Secretaria, endereço, telefones).

68
A troca de técnicos ocorre por questões variadas, que podem ser decorrentes
de afastamento para tratamento de saúde, incompatibilidades de horário,
esgotamento do técnico, dentre outros.
103

Tabela 5 – Forma/Estrutura dos relatórios analisados do Paefi Ilha


G2 GI G1 G1
Relatório de Relatório de Desligamento Relatório de Desligamento Relatório de
Desligamento/acompanha acompanhamento
mento familiar
I - Identificação da família I - Identificação da Família Relação de documentos I - Identificação da Família
II - Origem do II - Início do I - Identificação da família II - Técnicos Responsáveis
Acompanhamento Acompanhamento Familiar
Familiar
III - Rede de Atendimento II - Identificação da Rede de II - Período de III - Período de
Atendimento da Família acompanhamento familiar Acompanhamento
IV - Período do IV - Técnicos de Referência III - Técnicos de Referência IV - Processo de
acompanhamento familiar para Atendimento da para Atendimento da acompanhamento familiar
Família Família
V - Considerações Finais V - Conselheira Tutelar de IV - Conselheira Tutelar de V - Considerações Finais
Referência Referência
VI - Antecedentes do V - Identificação da Rede
Acompanhamento de Atendimento Familiar
Psicossocial à Família
VII - Acompanhamento VI - Antecedentes de
Psicossocial Atendimento à família
VIII - Considerações Finais VII - Histórico sucinto do
atendimento prestado
VIII - Considerações Finais
Fonte própria
104

Tabela 6 - Forma/Estrutura dos relatórios analisados do Paefi Continente.


G1 G2 G2
Relatório de Desligamento Relatório de Desligamento Relatório de Atendimento e Desligamento

I - Configuração Familiar Relação de documentos I – Identificação


II - Período de I - Configuração Familiar II - Profissionais responsáveis
acompanhamento familiar
III - Identificação da rede de II - Período de acompanhamento III - Origem do atendimento
atendimento da família familiar
IV - Técnicos de referência III - Identificação da rede de IV - Descrição do atendimento
atendimento
V - Origem do VI - Técnicos de referência para V - Considerações Finais
acompanhamento familiar atendimento da família
VI – Antecedentes V - Origem do atendimento
VII - Acompanhamento VI - Antecedentes do
familiar acompanhamento familiar
VIII - Considerações Finais VII - Atendimento familiar
VIII - Considerações Finais

Fonte Própria
105

A média da extensão dos relatórios foi de 8,7 páginas. Destes, 2


(dois) possuíram 5(cinco) páginas, e 1 (um), 13 (treze). Os 2 (dois)
documentos com 5 (cinco) páginas foram elaborados por dupla de
referência composta por profissionais (assistentes sociais e psicólogas)
com até 5 (cinco) anos de atuação no Paefi. Os demais relatórios foram
elaborados por dupla de referência com pelo menos uma profissional
com mais de 8 (oito) anos de atuação.

Tabela 7 – Relação entre tempo de atendimento, extensão dos relatórios e


tempo de atuação profissional.
Grupo Tempo de Nº de Tempo de Tempo de atuação
atendimento páginas atuação da da Psicóloga/anos
Assistente
social/anos
G1 14 meses 9 4 anos Mais de 8
20 meses 5 5 anos 5 anos
20 meses 9 4 anos Mais de 8
22 meses 5 5 anos 5 anos
G2 19 meses 10 Mais de 8 4 anos
27 meses 10 Mais de 8 4 anos
37 meses 13 Mais de 8 5 anos
Fonte própria

Conforme a tabela acima, os relatórios mais extensos foram os


elaborados por assistentes sociais com mais tempo de atuação. O
período de atendimento, de forma geral, não aparece como fator
determinante para a quantidade de páginas do documento.
Observou-se que os relatórios mais extensos foram mais
descritivos, com exceção do documento que apresentou 13 páginas, que
foi o do atendimento mais longo e que ocorreu mudança de técnico de
referência no transcorrer do processo interventivo. Nesse aspecto,
pontua-se que os acompanhamentos que passam por mudança de técnico
tendem a apresentar RD mais longos, haja vista a dificuldade da síntese
do processo interventivo.
A partir da experiência profissional dessa pesquisadora,
observou-se que houve uma diminuição significativa na extensão dos
relatórios, os quais apresentavam uma média de 15 a 20 páginas (se não
mais) no período entre 2005/2009. Como fatores que podem ter
contribuído para essa mudança, cita-se:
106

a) a indicação da Guia de Orientações Técnicas do Creas, que


sugere que os relatórios elaborados pelas equipes de referência do Paefi
sejam mais concisos e que não se confundam com laudos ou pareceres
de competência de outras instâncias;
b) a ampliação das equipes (que se iniciou no ano de 2008) com a
efetivação de assistentes sociais e psicólogas no serviço, nesse aspecto
parte-se do pressuposto de que o novo causa implicação no velho e vice-
versa, num movimento dialético de descontinuidade e continuidade;
c) o norte dado à intervenção profissional com o foco mais
direcionado para o fortalecimento das famílias e de seus membros do
que para a responsabilização dos autores da violência, o que contribuiu
para relatórios menos descritivos;
d) a diminuição do tempo69 de atendimento das famílias, que de
até 5 (anos), passou para 2 (dois);
e) a efetivação dos trabalhadores da assistência social que
fortaleceu as equipes, técnico e politicamente, e que contribuiu para
atendimentos menos fragmentados.
De acordo com a amostra da pesquisa, que equivale a 28% do
total de profissionais (assistentes sociais) dos Paefis de Florianópolis, e
observando-se os campos e nominações mais presentes, identifica-se o
nome do documento como Relatório de Desligamento, e os campos
principais: I - Identificação da família; II - Período do acompanhamento
familiar; III - Rede de atendimento; IV - Origem do
atendimento/acompanhamento familiar; V - Técnicos de referência para
atendimento da família; VI - Processo de acompanhamento familiar70;
VII – Considerações finais.
Essa forma atribuída aos relatórios, ao se pensar na relação entre
forma e conteúdo sinalizada por Lefebvre (1991), traz indicativos sobre
o trabalho desenvolvido pelas equipes. Imediatamente informa sobre a
intencionalidade do documento: o desligamento da família do Paefi. Em
seguida indica sobre o sujeito da intervenção: a família.

69
A metodologia do serviço propõe que o tempo máximo de atendimento seja 2
(anos), no entanto esse tempo pode variar para menos ou mais, de acordo com a
especificidade do atendimento. A falta ou precariedade de serviços na rede de
atendimento pode contribuir para a permanência da família por mais tempo no
Paefi.
70
Conforme indicado, a denominação desse campo foi distinta em todos os
documentos analisados. A opção escolhida é a utilizada por essa pesquisadora,
diante da compreensão de que o acompanhamento familiar se constrói a partir
de processos.
107

Contraditoriamente, nesse campo do relatório, conforme é possível


identificar no apêndice 2, a identificação da família se inicia com o
nome das crianças e adolescentes presentes no núcleo familiar e não
com a identificação dos pais ou responsáveis, ou conforme prerrogativa
da Política de Assistência Social, com o nome da mãe. É possível
justificar esse dado ao considerar-se que o CT (o interlocutor) é um
órgão que atua na defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Contudo, a forma como o campo da identificação da família foi
preenchido pela grande maioria dos profissionais (com exceção de 1)
permite pensar que o foco interventivo do serviço permanece sendo a
criança e o adolescente.
O campo referente à rede de atendimento indica que o trabalho do
Paefi deve ser realizado em articulação com outras políticas públicas,
sinalizando que as equipes deverão identificar a rede de atendimento da
família, numa proposta de intersetorialidade. Enquanto que o campo
sobre a origem do atendimento/acompanhamento familiar demarca o
objeto interventivo, a situação de violação de direito que
necessariamente deve ser respondida e contemplada nos campos VI e
VII.
Diante do posto, percebe-se que a forma atribui um conteúdo,
indicando um percurso a seguir. Porém a forma, por si só, ainda que
ofereça elementos para a análise dos relatórios, constitui-se apenas em
uma aproximação a esse instrumental, o qual se revelará a partir do seu
conteúdo manifesto e latente.

5.3.1.2. Sobre o conteúdo manifesto dos documentos analisados

Dentre os 7 (sete) relatórios, em 6 (seis) o encerramento se deu


por alteração na dinâmica abusiva ou por alcance dos objetivos
institucionais; em 1 (um), se avaliou o agravamento da condição dos
sujeitos envolvidos e a adesão parcial, ou em momentos de crise, à
proposta interventiva.
Necessário salientar que o encerramento do acompanhamento
familiar por alcance dos objetivos reflete apenas parcialmente a
realidades dos serviços. Em muitas das famílias atendidas o
encerramento se dá por mudança de endereço e por não adesão.
Das famílias atendidas, uma (1) foi reincidente, ou seja, já havia
sido acompanhada pelo serviço; uma (1) possuía denúncias em anos
anteriores no CT, porém sem acompanhamento pela rede
socioassistencial.
O acompanhamento familiar contemplado pelo R3 demarca a
108

proposta que vêm sendo pensada para o serviço, que é o atendimento a


todos os membros da família, independente do ciclo de vida do usuário.
Nesse aspecto, o atendimento em referência contemplou os direitos da
criança e do idoso.
Nos relatórios observou-se a mulher (mãe e avó) como a principal
responsável pelos cuidados, proteção e sobrevivência da família, e,
consequentemente, o distanciamento da figura paterna. Em 6 (seis)
famílias o genitor mantinha pouco ou nenhum contato com os filhos e a
ajuda financeira inexistia ou era pontual, ou seja, sem regularidade.
Apenas 1 (um) dos pais pagava a pensão alimentícia e cumpria com a
função parental.
As mudanças ocorridas no interior da família estão bem
demarcadas nos relatórios analisados, onde a família nuclear cedeu lugar
a outros tipos de família como a monoparental (2), a
reconstituída/mosaico (2), e a parental/extensa (3).
A rede familiar foi mencionada em 4 (quatro) documentos e
identificada como importante fonte de referência e apoio, com ênfase na
família ampliada materna, dado que novamente reproduz a cultura de
que o cuidado, a supervisão, a responsabilidade sobre crianças e
adolescentes é da mulher (mãe, avó, tia, irmã, sobrinha). Em 1 (um)
relatório, o adolescente de 17 anos foi mencionado como responsável
por alguns cuidados da casa, rompendo com a construção social de que
lugar de homem é no público.
Outro dado evidenciado refere-se à predominância do
atendimento realizado pelo Paefi a famílias pobres, embora em apenas 2
(dois) relatórios tenha sido mencionada a renda familiar. Tal inferência
se sustenta nos relatos sobre as dificuldades que as responsáveis
encontravam para garantir a sobrevivência da família. Dentre as fontes
de renda informadas, constavam: BPC para idoso , pensão por morte ,
pensão por invalidez , trabalho informal como diarista e pedreiro,
trabalho formal como empregada doméstica. Também foi mencionada a
prática do trabalho infantil (adolescente cuidador de carros/flanelinha)
Sabe-se que o fenômeno da violência intrafamiliar está presente
em todas as classes sociais, em todas as raças e etnias, em todas as
religiões, em todas as orientações sexuais (FERRARI, 2002;
AZEVEDO; GUERRA, 1989; SILVA, 2002). Todavia, a violência
ocorrida nas famílias pobres são mais visíveis e denunciadas. Ademais,
a condição de pobreza demarcada pelo desemprego, pela reestruturação
produtiva, pela violência urbana, pela falta dos mínimos sociais, dentre
outras expressões da questão social, expõe os sujeitos a situações de
estresse agudas que podem acionar, e muitas vezes acionam, ações
109

violentas (HABIGZANG; CAMINHA, 2004).


No entanto, a predominância do atendimento nos Paefis às
famílias em condição de pobreza, relaciona-se ao modelo de proteção
social brasileiro, que propõe a ação intervencionista do Estado apenas
quando o mercado, a comunidade e a família não conseguem suprir com
as necessidades básicas de sobrevivência. O agravamento desse contexto
se dá, dentre outros fatores, com o aumento do desemprego estrutural
associado a um Estado Providência frágil na garantia de serviços aos
que dele necessitam quanto à população de baixa renda, condição que
culmina na oferta de serviços e benefícios socioassistenciais apenas aos
mais pauperizados (CARVALHO, 2000; BEHRING, 2009;
BOSCHETTI, 2009; PEREIRA, 2009).
Com essa configuração de Estado, adjetivado de maduro e
perverso, conforme Behring (2009), a intervenção estatal atua
primordialmente para o capital, mas também direciona ações - ainda que
compensatórias, fragmentadas e seletivas - para a população que sofre as
refrações do modo de produção capitalista, caracterizando as
contradições que permeiam o Estado.
As características do território foram identificadas em 1 (um) dos
documentos, onde sinalizou-se a presença do trafico de drogas e da
violência urbana.
Em 4 (quatro) foram apresentadas características da moradia
(número de cômodos, tipo de construção, condições de habitabilidade).
Seguem nas tabelas 8 e 9 dados sobre configuração familiar e
dados socioeconômicos das famílias atendidas, e da participação dos
pais e da rede familiar na proteção social.
110

Tabela 8 - Configuração familiar e dados socioeconômicos das famílias.


Fonte Tipos de Constituição Responsável Renda Fonte da renda Dados sobre
família familiar moradia e território
R1 Parental Bisavó, Bisavó 1 salário BPC Idoso Nada consta
Extensa bisneta, materna mínimo
tataraneto.
R2 Reconstituída Mãe, 2 filhas, Mãe Não Não informada Nada consta
Mosaíco 1 enteado. informada71
R3 Parental Avó, pai e Avó paterna Não informada Pensão por morte Descrição moradia
Extensa filha.
R4 Monoparental Mãe, 2 filhas Mãe Não informada Empregada Nada consta
doméstica
R5 Reconstituída Mãe, Mãe Não informada Diarista Descrição moradia
Mosaíco companheiro, Companheiro Pedreiro
2 filhos,
sendo 1 do
casal.
R6 Parental Mãe, 2 filhos, Mãe/Avó 1 salário Pensão por Descrição moradia e
Extensa 1 neto. mínimo invalidez; violência urbana
trabalho infantil
R7 Monoparental Mãe, 3 filhos Mãe Não informada Não informada Descrição moradia e
violência urbana.
Fonte própria

71
Embora nos relatórios constem as atividades remuneradas exercidas pelos responsáveis, não há informações sobre os
valores.
111

Tabela 9- Participação dos pais e da rede familiar na proteção social.


Fonte Pai Mãe Rede familiar
R1 Não contribui, figura ausente. Pouco aparece nos relatos. Não reside Não identificada
com a família. Não contribui
financeiramente.
R2 Recluso em decorrência da violência Responsável pela família. Não identificada
sexual perpetrada contra a filha. Fazia
uso de drogas, comportamentos
agressivos.
R3 Usuário de drogas, comportamentos Em situação de rua, usuária de drogas, Tios paternos
agressivos. pouco contato com a filha.
R4 Figura presente (financeiramente e Responsável pela família Familiares maternos
nos cuidados).
R5 Pai recluso por estupro. Uso de Mãe e padrasto mantém a família. Tia materna
drogas, comportamentos agressivos. Vínculos fragilizados entre mãe e filho
devido a separações.
R6 Figura de apoio esporádico. Responsável pela família. Não identificada
R7 Figura ausente. Não contribui Responsável pela família. Familiares maternos
financeiramente.
Um dos filhos não tem paternidade
reconhecida
Fonte própria
112

Nos documentos analisados, conforme exposto na subseção


anterior, consta como um dos campos do relatório a rede de
atendimento. Sem dúvida, o destaque dado a essa informação sinaliza a
importância que vem sendo atribuída ao trabalho articulado com as
demais políticas públicas, sobretudo da saúde e da educação.
O entendimento que cada vez mais se intenciona é o de intervir
nas expressões da questão social numa perspectiva de intersetorialidade
e da interdisciplinaridade, embora, por vezes, a articulação com a rede
de atendimento signifique tão somente buscar dados ou informar sobre a
criança e/ou adolescente ou sobre a família, como foi possível observar
em alguns relatórios.
Cabe pontuar que os profissionais do G2, no transcorrer do
processo de acompanhamento familiar, articularam reuniões com a
participação de diferentes profissionais da rede de atendimento para
pensar coletivamente formas de intervenção e a implicação das demais
políticas públicas na garantia de direitos dos sujeitos atendidos.
Como é possível inferir na tabela que segue (tabela 10), as
principais redes acionadas foram as de saúde (sobretudo centros de
saúde), de educação (escola de ensino fundamental e educação infantil),
de assistência social e o SGD.
No âmbito da assistência social, em 4 (quatro) acompanhamentos
familiares foi efetuado o contato com os Cras de referência do território
da família, e em 3 (três) foi realizado o referenciamento da família à
PSB. Em 4 (quatro,) realizou-se a interlocução com entidades
assistenciais não governamentais, as quais oferecem atendimento no
contraturno escolar.
Em todos os relatórios constou o contato com a rede de educação
(com exceção de um no qual a criança era de tenra idade e ainda não
estava inserida na educação infantil). Em 5 (cinco) relatórios observou-
se a aproximação com os centros de saúde, sendo que em uma situação
estabeleceu-se a articulação com a Equipe de Saúde da Família, parceria
que foi fundamental para atender as demandas e garantir o direito à
saúde das pessoas envolvidas. Em 1(um) a unidade de saúde acionada
foi o Capsi.
Vale ressaltar os impactos que o acompanhamento familiar
descritos no R4 e R6 promoveram na família a partir da suspeita e
posterior confirmação de autismo e de deficiência mental moderada,
diagnósticos que garantiram o direito ao segundo professor e a dar
entrada no pedido do BPC.
Nessas especificidades, cabe mencionar o que a experiência
profissional dessa pesquisadora tem constatado que é a compreensão
113

diferenciada que os profissionais das equipes de referência dos Paefis


tendem a apresentar sobre comportamentos e atitudes de crianças e
adolescentes, os quais nos espaços de socialização primário e secundário
podem ser caracterizados como preguiçosos, agressivos, lentos,
enquanto para profissionais especializados podem ser indicativos de
distúrbios ou deficiências que precisam ser investigados. Nesse
contexto, chama a atenção o pouco preparo de alguns profissionais da
educação, que envolvidos na dinamicidade do cotidiano das escolas não
conseguem observar os alunos em suas especificidades e dificuldades.
Dentre os 7 (sete) relatórios, em 4 (quatro) a família respondia à
processo na VIJ e, em 2 (dois), o processo corria na vara crime72 em
decorrência de violência sexual. Em uma dessas situações a
adolescente/filha foi submetida ao procedimento do aborto legal.
Cabe salientar que dentre as judicializações na VIJ, 3 (três) foram
motivadas pelo Paefi em decorrência da não participação da família ao
atendimento proposto e com o agravamento do contexto de violação de
direitos. Dessas representações judiciais, em 2 (duas) observou-se que a
judicialização significou também acesso a direitos, sobretudo a vaga na
rede de educação (inclusão de criança em creche e de adolescente no
EJA).
Esses dados representam bem a estreita relação existente entre a
PSE de média complexidade e o SGD, considerando-se que a demanda
de violação de direitos requer muitas vezes o acionamento de órgãos de
proteção como o CT, a VIJ e o MP, seja pela avaliação técnica de que os
responsáveis estejam violando ou impedindo o acesso a direitos de
crianças e adolescentes, seja para requisitar a garantia de direitos e/ou
informar da violação de direitos pelo Estado.
O trabalho articulado com a rede de atendimento reforça a
importância da intersetorialidade e da interdisciplinaridade para a
garantia de direitos e para a oferta de atendimento mais qualificado aos
indivíduos acompanhados.

72
Os processos na vara crime foram abertos antes da família ser inserida no
serviço.
114

Tabela 10 – Rede de atendimento articulada nos acompanhamentos familiares analisados .


Proteção Rede de Saúde Rede de Educação SGD Projetos de Outros
Social contraturno
Básica
Cras Jardim CS Monte Cristo Creche CT Cedep Assim
Atlântico
Cras CS Pantanal Escola Básica VIJ Impacto Vivo
Capoeiras
Cras Sul HU Escola Básica CT Fucas CCEA
Cras Prainha CS Rio Vermelho Escola Básica 9ª Promotoria da Acam Peti
Capital
HU Creche 30ª Promotoria Sala
da Capital Multimeios
CS Novo EJA VIJ IGP
Continente
CS Prainha Creche CT FCEE
Capsi Creche CT
VIJ
VIJ
Fonte própria
115

Para a efetivação do acompanhamento familiar cada equipe de


referência tem autonomia para definir as estratégias interventivas e os
instrumentais técnicos que serão empregados com o objetivo de
conhecer a realidade e intervir no cotidiano das famílias/indivíduos, no
sentido de promover processos reflexivos, garantir direitos e
alterar/minimizar os fatores geradores de violência, observando-se os
limites institucionais e profissionais e a autonomia dos sujeitos
atendidos.
Na tabela que segue, como é possível constatar, as visitas
institucionais e os atendimentos individuais foram instrumentais
utilizados por todos os profissionais.

Tabela 11 - Instrumentais técnicos utilizados pelas equipes de referência


Instrumental técnico Frequência

Visita institucional e atendimento individual 7

Visita domiciliar 6

Atendimento familiar 5

Reunião intersetorial e relatório ao SGD 3

Contatos telefônicos 2

Estudos documentais, atendimento com família 1


ampliada, estudo de caso e atendimento
psicológico

Fonte própria

A visita domiciliar também se constitui em um importante


instrumento de trabalho, pois possibilita a ampliação do conhecimento
da realidade das famílias em seu espaço de vivência do cotidiano. Nos
relatórios analisados, em 1 (um) não constou a efetivação desse
instrumental técnico-operativo, talvez pelo fato da mãe/responsável
trabalhar em período integral, condição que pode ser avaliada como
impeditiva para a realização de visita domiciliar.
O atendimento familiar73 foi citado em 5 (cinco) relatórios, e a

73
Entende-se por atendimento familiar aquele que é realizado com a
participação de dois ou mais membros da família.
116

reunião intersetorial, em 3 (três). Tais instrumentais recorrentemente são


utilizados com o objetivo: a) ampliar a rede de proteção da criança ou do
adolescente; b) compreender, a partir de perspectivas diferentes, a
família em sua complexidade; c) pensar de forma coletiva estratégias
interventivas e definir responsabilidades.
Outros instrumentais como o estudo documental, o estudo de caso
com a equipe de referência, o atendimento psicológico, os contatos
telefônicos e a reunião com a família ampliada foram mencionados em
poucos documentos, embora as três primeiras ações descritas constituam
o cotidiano profissional de trabalho no Paefi.
Dentre esses dados o que chamou mais a atenção foi o do
atendimento psicológico, que foi citado em apenas 1 (um) relatório, e a
ausência do atendimento social (entendido como o realizado apenas pela
assistente social). Esses elementos oferecem indicativos de que processo
de acompanhamento familiar tende a ser realizado, impreterivelmente,
pela dupla de referência.

5.3.2. A etapa da exploração do material.

Na etapa da pré-análise todo o material coletado foi preparado


para a fase da análise propriamente dita. Reitera-se, de forma a dar
ênfase, que as fases da pesquisa não são definidas com fronteiras
rígidas, ao contrário, estão interligadas.
Na Análise Temática é na a fase da exploração do material que
todo o material coletado deverá ser trabalhado no sentido de alcançar o
núcleo de compreensão do texto. Segundo Minayo (2004, p. 210):
A análise temática tradicional trabalha essa fase
primeiro com o recorte do texto em unidades de
registro que podem ser uma palavra, uma frase,
um tema, um personagem, um acontecimento tal
como foi estabelecido na pré-análise. [...] ela
realiza a classificação e a agregação dos dados,
escolhendo as categorias teóricas ou empíricas
que comandarão a especificação dos temas.
Nessa fase elegeu-se o recorte de texto em unidades de registro
definidas por temas que contemplassem, parcial ou integralmente, os
objetivos propostos nessa pesquisa, conforme segue nos Quadros 2, 3 e
4.
Nos registros que compõem os quadros supracitados, para
garantir o sigilo das famílias e indivíduos atendidos substituíram-se os
nomes dos sujeitos pelo grau de parentalidade, pela nominação da fase
117

de desenvolvimento (criança, adolescente, jovem, idosa), dados que


estão em itálico, ou, ainda, por letra em caixa alta. Os demais conteúdos
seguiram fidedignos aos documentos, os quais foram nomeados como
R1, R2, R3, R4, R5, R6 e R7.
Preservou-se, igualmente, a identidade dos profissionais que
contribuíram para a pesquisa.
118

Quadro 2 - Relação entre as ações desenvolvidas e os objetivos do Paefi.


Categorias:
Referenciamento, proteção social, família, mulher,
intersetorialidade
- Realizou-se o referenciamento deste núcleo familiar para o Cras com o
objetivo de inseri-lo na Proteção Social Básica para que a família acessasse
benefícios e encaminhamentos necessários.
- Esta equipe emitiu relatório em setembro/2016, sugerindo providências ao
Juizado a fim de garantir a proteção da adolescente e de seu filho, tais como:
aplicação de medida de afastamento [...]; a determinação da idosa como
guardiã da adolescente [...]; indicação para retorno da adolescente para a
escola [...]; a requisição de vaga na rede municipal de educação infantil [...];
e a regulamentação das responsabilidades relativas à criança [...] (R1).
- Processar a inclusão das famílias no sistema de proteção social e nos
Serviços públicos, conforme necessidades (BRASIL, 2009).
- Nos Atendimentos Psicossociais somente com a adolescente, fora
apresentado a ela que diante do atual contexto, os atendimentos seriam
voltados para o resgate do autocuidado e/ou autoproteção, não somente para
com ela, como também, para com sua família (R2).

- Prevenir a reincidência de violações de direitos (BRASIL, 2009).

- As denúncias de tráfico e o uso de drogas foram confirmadas. Ocorre


violência psicológica contra a idosa, perpetrada pelo filho, configurada em
ameaças, humilhação, manipulação, insulto, chantagem; Sucede violência
patrimonial, também contra a mesma, retratada com a subtração de bens e
recursos econômicos, incluindo os destinados para a satisfação de suas
necessidades e da neta, também relacionada ao filho acima citado (R3).

- Contribuir para romper com padrões violadores de direitos no interior


da família (BRASIL, 2009).

- Respeitamos a mesma (a adolescente) e o foco do atendimento desta foi


acesso à educação e ao mundo do trabalho.
- [...]. Levantou-se a hipótese de habilidades especiais da criança (R4).

- Contribuir para restaurar e preservar a integridade e as condições de


autonomia dos usuários (BRASIL, 2009).

- Realização de estudo de caso entre os profissionais do Paefi e da rede de


saúde e reunião ampliada com participação da genitora, do adolescente,
Conselho Tutelar, Paefi, equipe Núcleo de Apoio à Saúde da Família - Nasf.
- Advertência pelo CT e posterior pedido de acolhimento institucional e
avaliação junto ao Caps-ad.
119

Buscou-se nos atendimentos prestados à família em tela, estimular a genitora


a desenvolver a afetividade com o filho e dialogar com ele, interessando-se
pelos seus sentimentos (R5).

- Contribuir para a reparação de danos e da incidência de violação de


direitos (BRASIL, 2009);

- Orientamos também os familiares maternos para solicitar judicialmente a


pensão da criança [...] e impetrar solicitação de determinação judicial junto a
Vara da Infância e Juventude da Capital de vaga no EJA.
- Foi trabalhada a necessidade da frequência sistemática da criança na creche
a fim de que esta servisse como espaço de estimulação, socialização e
aprendizagem.
- A família foi ainda orientada a recorrer a UBS como unidade de referência
para o tratamento de saúde da jovem e demais membros [...].
Um dos eixos do atendimento realizado pelo Paefi foi de trabalhar a relação
conflitiva de mãe e filha, intervindo com a genitora o reconhecimento das
fragilidades e dificuldades da filha e a necessidade de apoiá-la servindo de
suporte principalmente para o cuidado com o neto (R6).

- Contribuir para o fortalecimento da família no desempenho de sua


função protetiva (BRASIL, 2009)

- [...] voltamos a participar da reunião ampliada de rede e o caso foi


novamente discutido.
- Orientamos a jovem para efetuar o cadastro único no Cras e dar entrada
com o pedido de auxílio natalidade [...].
- Combinamos de efetuar as carteiras de identidade dos meninos [...] e pensar
em futuro encaminhamento do adolescente ao Jovem Aprendiz (R7).

- Processar a inclusão das famílias no sistema de proteção social e nos


Serviços públicos, conforme necessidades (BRASIL, 2009).
120

Quadro 3 – Elementos argumentativos que repercutiram na vida dos usuários e


implicaram na tomada de decisão do desligamento.
Categorias:
Harmonia familiar, ações socioeducativas, cidadania, intersetorialidade,
controle.
1 - A família realizou atendimento e preenchimento do Cadastro Único,
sendo encaminhada para Benefício de Prestação Continuada à idosa, redução
da tarifa de energia elétrica e Programa Bolsa Família. Verificou-se que a
adolescente/mãe está matriculada na modalidade de Educação de Jovens e
Adultos, que está frequentando regularmente. Além disso, a adolescente
estava recebendo orientações e encaminhamentos referentes aos seus
documentos e inserção no mercado de trabalho. O filho da adolescente
ingressou na educação infantil em abril/2017, e frequentava regularmente,
apresentando boa adaptação e socialização. Sobre questões de saúde, as
vacinas da criança estavam adequadas para a sua faixa etária. A idosa estava
conseguindo acesso às consultas e exames necessários às suas enfermidades.
Houve melhora no relacionamento e convívio familiar, sendo que ambas
estavam organizadas com as rotinas e com os cuidados da criança. Assim,
diante do exposto, a partir das informações trazidas pela família e pela rede
de atendimento, estamos encerrando o atendimento à família [...]
[...] as profissionais de referência avaliam, considerando o contexto familiar,
que neste momento, a família consegue promover questões referentes ao
cuidado e proteção das crianças/adolescentes em tela (R1).

(R1).

2- Houve a confirmação que a adolescente estaria em Acompanhamento


Psicológico particular e a genitora informou que também iniciaria
atendimento com a mesma profissional. Em ligação para a clínica de
psicoterapia, houve a confirmação também que a adolescente estava em
psicoterapia.
[...] considera-se que a adolescente atualmente não se encontram em
situação de violação de direitos (R2).

3 - Fomos informadas pela avó de que a neta realiza acompanhamento


médico desde seu nascimento no H.U, inclusive apresentou a carteira de
vacinação da neta com todas as vacinas em dia.
A avó compreendeu a violência que vem sofrendo e os riscos a que a criança
é exposta. Assim como aceitou que a criança já passasse a conviver com o
casal antes de oficializada a guarda e/ou adoção. Hoje a criança está mais
ativa [...] A tia paterna relatou que devido ter obtido a guarda da criança,
conseguiu licença maternidade de 6 meses.
[...] realiza-se o desligamento da família do acompanhamento realizado pelo
CREAS/PAEFI, pois se considera que a criança atualmente não se encontra
em situação de violação de direitos (R3).
121

4 Foram realizados atendimentos para trabalhar o impacto do


diagnóstico de Autismo e o acolhimento da família. A criança apresentou
mudança positiva significativa após o diagnóstico [...] e sente-se feliz.
Diante do diagnóstico da FCEE, solicitamos Acompanhamento
Psiquiátrico Infantil e Atendimento Psicológico extensivo ao Grupo
Familiar. Ainda, no ano letivo de 2016, após o diagnóstico, foi autorizada
a contratação de professor auxiliar. Além disso, realizamos
encaminhamento da criança para o projeto de arte e também para a
prática de natação.
Diante dos fatos expostos estamos encerrando o atendimento familiar,
por identificar que B no momento atual não se encontra em situação de
violação de direitos (R4).

Efetuado o encaminhamento/notificação para o Peti, e a família foi orientada


quanto aos riscos e consequências do trabalho infantil para o
desenvolvimento e a integralidade do adolescente. Encaminhamento do
adolescente para Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos,
Cras, LBV e Fucas.
[...] as técnicas do PAEFI buscaram também trabalhar a relação conflituosa
entre E e a filha L, bem como, ampliar a rede de suporte familiar [...] não
logrou êxito, já que ambas não manifestaram disponibilidade para tanto.
[...] a família foi encaminhada ao CRAS onde continuará recebendo
atendimento no âmbito da política de assistência sócia.
[...] entendemos que, no momento, a situação familiar não está apresentando
violações de direito que justifiquem o acompanhamento psicossocial em
âmbito de proteção social de média complexidade (R6).

6 – A família voltou a receber o Bolsa Família, a genitora conseguiu um


emprego com uma menor carga horária (6 horas/diária) lhe
possibilitando ficar com os filhos no contraturno da escola. Os irmãos
estavam se saindo melhor na escola. Inserção do adolescente em projeto
de preparação para o trabalho; confecção de documentos, melhora na
convivência familiar (R7).
122

Quadro 4 – Conteúdos extraídos dos relatórios que trazem indicativos sobre as


racionalidades.
Não havia queixas quanto aos cuidados prestados à criança pelos seus
familiares (RI).
[...] as vacinas deste estavam adequadas para a sua faixa etária (R1).
[...] contaram os fatos referentes ao abuso sexual sem transparecer
emoção verbal, fazendo-se entender que todo o histórico de violência não
tivesse afetado o contexto de vida delas (R2).
[...] havendo hipoteticamente grande chance de que para suportar tamanha
gravidade da violência, principalmente a adolescente, pode ter desenvolvido
um mecanismo de defesa para que não transpareça no corpo e nas atitudes
e/ou na verbalização do contexto de abuso sexual [...] (R2).
[...] o pai cometera violência sexual também com a filha de Sra. J, R, de
24 anos, que após ser violentada sexualmente [...] “foi morar com uma
mulher” (sic) (R2).
[...] nos recebeu aparentando bom humor e cuidados pessoais. O local se
encontrava limpo e organizado, sendo-nos mostrada e explicada a disposição
de uso familiar de cada cômodo (R3).
[...] a genitora mostrou-se empenhada, cumprindo todos os combinados e
não medindo esforços para ajudar a filha (R4).
[...] demonstrou capacidade de criatividade aumentada, vocabulário
compatível com idade mais avançada que a dela, bem como capacidade
cognitiva e de subjetivação (R4).
A família aderiu parcialmente ao acompanhamento, apresentando
descontinuidade nos atendimentos agendados, prejudicando, assim, a
ampliação da reflexão junto a G e demais membros da família sobre as
demandas observadas [...] (R5).
Em visita domiciliar observou-se organização e higiene da residência (R5).
Refletiu-se ainda com a genitora sobre a importância de ela realizar a
busca do filho nas ocasiões em que este não chegava em casa nos
horários (R5).
[...] a família foi orientada quanto aos riscos e consequências do mesmo para
o desenvolvimento e a integralidade do adolescente (R6).
Quanto a M, a criança estava em situação de negligência à medida que
não estava sendo acompanhado pela equipe de saúde, não havia recebido
diagnóstico ou acompanhamento especializado devido ao seu atraso no
desenvolvimento, nem estava frequentando a creche regularmente (R6).
[...] não conseguia realizar atividades próprias para a sua faixa etária,
indicando atraso no desenvolvimento da linguagem e global (R6).
Se por um lado há uma negligência que é do conhecimento do sistema de
proteção há anos: a qual podermos descrever nas condições da moradia
(insalubre, com higiene deficitária e com pouca segurança), no excesso
de faltas escolares que chegou a culminar com a reprovação de H em
123

2015 e na ausência materna no cuidado e no atendimento às solicitações


dos órgãos e serviços de proteção, muito em função de sua jornada de
trabalho [...] (R7).
Na visão da profissional a mãe era inacessível visto que nunca estava em
casa (R7).
A genitora falou que não gostava de morar no Morro devido à violência.
Nesse percurso, a genitora requisitou intervenção focal para o filho, o
qual vinha sendo assediado para o tráfico na comunidade. Esse fato
afetou bastante a genitora que começou a faltar no trabalho para poder
estar em casa e ter controle sobre a rotina dos filhos, culminando com
sua saída do emprego (R7).
Contudo, é evidente que se trata de uma família com muitas vulnerabilidades,
seja pela região em que moram (comunidade onde o tráfico de drogas é bem
atuante, e as relações comunitárias são mediadas por um poder invisível),
seja pelas condições de moradia que não favorece a segurança e a
individualidade [...], seja pelas condições econômicas que tem na genitora a
única fonte de renda [...] (R7).
124

5.3.3. A etapa do Tratamento dos resultados, da inferência e


interpretação dos dados.

Por se tratar de pesquisa qualitativa, o objetivo da análise foi o de


empreender esforços para a compreensão do sentido, das significações,
das crenças, dos valores, buscando-se compreender o fenômeno em
estudo para além da aparência. Observa-se que houve uma aproximação
a esse exercício nas etapas anteriores da análise, contudo, será nessa
última fase que a interpretação dos conteúdos se realizará a partir do
recorte dos registros, dos conceitos e das categorias definidas.
De outra forma, pode-se inferir que nessa etapa a informação do
locutor será interpretada por esta pesquisadora sob a ótica de
referenciais teóricos, os quais atribuem cientificidade e validade à
pesquisa. Essa interpretação não está isenta da visão de homem e
mundo. Conforme Chizzotti (2000, p. 79), “[...] o sujeito-observador é
parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos,
atribuindo-lhes um significado”.
Para a interpretação dos dados, tomou-se como referenciais
autores marxistas tanto do Serviço Social quanto de outras áreas de
conhecimento, com os quais se dialogou na fase de exploração da
pesquisa. Sob a luz dessa perspectiva teórica intentou-se analisar e
interpretar os dados considerando-se suas múltiplas determinações, ou, o
fenômeno no conjunto de suas relações com outros fenômenos
(LEFEBVRE, 1991): o contexto institucional, as demandas de
atendimento, os rebatimentos das expressões da questão social no
cotidiano das famílias, as contradições que permeiam o exercício
profissional, as normativas e regulamentos da Política de Assistência
Social.
A partir do tratamento e da interpretação dos dados buscar-se-á
responder aos objetivos da pesquisa. Para as análises se tomará como
referência os conteúdos expressos nos Quadros 2, 3 e 4.

5.3.3.1. Desnudando os Relatórios de Desligamento em seu conteúdo


latente.

Diante do objetivo de analisar as racionalidades subjacentes aos


RDs e revelar particularidades relacionadas à instrumentalidade do
Serviço Social, faz-se necessário evidenciar o locutor e o interlocutor
que estão em interação, considerando-se que o lugar de quem informa,
comunica, argumenta e o lugar de quem recebe, atribui à comunicação
125

um conteúdo, um direcionamento. Nesse aspecto:


[...] toda palavra comporta duas faces. Ela é
determinada tanto pelo fato de que procede de
alguém, como pelo fato que se dirige para alguém.
Ela constitui justamente o produto da interação do
locutor e do ouvinte.
[...] A situação e os participantes mais imediatos
determinam a forma e o estilo ocasionais da
enunciação (BAKHTIN, 1981, P. 84).
Enquanto locutores têm-se uma dupla de referência composta por
uma assistente social e uma psicóloga, assim como uma instituição com
objetivos definidos. Nesse contexto, as palavras expressas nos relatórios
não representam a opinião pessoal de um sujeito qualquer (ainda que no
trabalho o profissional esteja com sua individualidade), mas de
profissionais que estão inseridos na divisão social e técnica do trabalho
de uma determinada política pública e que possuem uma formação
acadêmica, cujas competências, atribuições, condutas morais e éticas
são regulamentadas.
Do outro lado, como interlocutor, está o Conselho Tutelar (órgão
de proteção, garantia e defesa de direitos da criança e do adolescente) e
os conselheiros tutelares. Dentre suas atribuições está o
encaminhamento de crianças, adolescentes e suas famílias para os
serviços de proteção social e o compromisso em assegurar os direitos
desses sujeitos.
Os objetivos institucionais do Paefi e do Conselho Tutelar
convergem naquilo que se refere à proteção e defesa dos direitos da
criança, do adolescente e suas famílias, e na ruptura ou minimização das
violências vividas. Nesse aspecto, o conteúdo dos documentos
encaminhados pelo locutor ao interlocutor terá como conotação
fundamental fazer conhecer sobre o processo interventivo trilhado para
a alteração no contexto familiar com violações de direitos.
Na relação entre o Paefi e o Conselho Tutelar uma das principais
formas de comunicação formal se estabelece por meio de documentos,
dentre os quais os RDs.
Os relatórios são realizados em determinadas condições, que
envolvem a estrutura física e de equipamento dos serviços, a sobrecarga
de trabalho e sua complexidade, as questões conjunturais (nacionais e
locais), as subjetividades dos técnicos e usuários, a formação e o
compromisso profissional, os objetivos institucionais. Mediações que
interferem na peça em si, atribuindo-lhes um direcionamento teórico-
metodológico, ético-político e técnico-operativo.
126

Destarte, compreende-se que a palavra, neutra em sua natureza,


assume significações de acordo com o contexto, a conotação, a
entonação, a relação existente entre os sujeitos envolvidos no processo
de comunicação (MAGALHÃES, 2011; BAKHTIN, 1981).
A perspectiva da qual se parte, tomando-se por referência as
categorias analíticas da racionalidade e da matricialidade sociofamiliar,
é que a palavra escrita, o texto, o conteúdo dos relatórios representam o
pensamento dos seus locutores, ainda que não seja uma cópia fiel dele
(IANNI, 2000; MARX; ENGELS, 2009), e que a palavra é um signo
ideológico por excelência, sendo que é a ideologia, cuja natureza é
sócio-histórica, que modela a consciência, o pensamento e toda a
atividade mental (BAKHTIN, 1981).
Enquanto produto e condição do pensamento, a
linguagem expressa a multiplicidade das relações,
processos e estruturas que constituem a
organização e a dinâmica da vida social, em todas
as suas manifestações (IANNI, 2000, p. 251).
Nos documentos analisados foi possível identificar a partir do seu
conteúdo manifesto e latente: o lugar de onde se fala (serviço da PSE);
algumas das diretrizes e objetivos deste lugar; o direcionamento das
ações profissionais para assegurar direitos e fortalecer a capacidade
protetiva das famílias; o trabalho pedagógico; o comprometimento das
equipes com os usuários, conforme preconizam as leis que
regulamentam as profissões e seus respectivos códigos de ética; e
racionalidades que orientam a ação profissional.
Inicialmente, pode-se entender que os RDs representam uma
grande síntese do processo de acompanhamento familiar, e que se
intenta com esse documento descrever, justificar, analisar as
intervenções realizadas e os fatores que contribuíram para a tomada de
decisão do encerramento do acompanhamento familiar.
Enquanto uma peça elaborada por equipe interdisciplinar,
observou-se a predominância no conteúdo da área de conhecimento do
Serviço Social. Na avaliação dessa pesquisadora esse direcionamento se
deve: 1) por tratar-se o Paefi de serviço da Política de Assistência
Social; 2) pela larga trajetória do Serviço Social na intervenção com
famílias e nas expressões da questão social; 3) pela inclusão
relativamente recente da Psicologia na Política de Assistência Social; 4)
por questões relativas ao código de ética dos psicólogos, com ênfase no
sigilo profissional e nas questões em aberto que envolve o papel da
Psicologia na assistência social.
Em 3 (três) relatórios, algumas pequenas contribuições trouxeram
127

indicativos de tratar-se de área de conhecimento da Psicologia, como:


[...] havendo hipoteticamente grande chance de
que para suportar tamanha gravidade da violência,
principalmente a adolescente, pode ter
desenvolvido um mecanismo de defesa para que
não transpareça no corpo e nas atitudes e/ou na
verbalização do contexto de abuso sexual [...]
(R2).
[...] demonstrou capacidade de criatividade
aumentada, vocabulário compatível com idade
mais avançada que a dela, bem como capacidade
cognitiva e de subjetivação (R4).
[...] não conseguia realizar atividades próprias
para a sua faixa etária, indicando atraso no
desenvolvimento da linguagem e global (R6).
Ainda que o conteúdo dos documentos remeta a ações
historicamente atribuídas ao Serviço Social em seu processo
constituinte, a análise dos relatórios não permitiu identificar as
contribuições, reflexões e considerações efetuadas pela assistente social
ou pela psicóloga, uma vez que o documento é elaborado pela dupla de
referência e devido ao fato de não haver nos RDs campos específicos
para a elaboração, em separado, das áreas de conhecimento que
dialogam.
Se por um lado essa condição preserva os profissionais na medida
em que o trabalho realizado se identifica como o da equipe de
referência; por outro, pode contribuir para um processo de acomodação,
considerando-se a não exigência em explicitar a compreensão acerca do
objeto de intervenção e o posicionamento técnico nas especificidades do
Serviço Social e da Psicologia.
A percepção sobre a predominância de conteúdo do Serviço
Social nos RDs se subsidia no processo constituinte da profissão, que é
demarcado: 1) pelo Estado como o maior empregador do assistente
social e as políticas sociais, especialmente a Política de Assistência
Social, como principal área de intervenção (SOUZA, 1984;
IAMAMOTO; CARVALHO, 2014; KARSCH, 1987). 2) pela natureza
interventiva da profissão, que se caracteriza por atuar em questões
objetivas e subjetivas, que requerem soluções práticas e cujo lócus
privilegiado de intervenção é a vida cotidiana (PONTES, 2009;
GUERRA, 2014; SOUZA, 1984; SARMENTO, 2016). 3) pela ação
direcionada ao interesse em cumprir leis e regulamentos e na atuação em
situações de assistência imediata (SOUZA, 1984).
Essas características - associadas à regularidade dos fenômenos,
128

aos modos de agir, de pensar e a sua historicidade -, atribuem à


profissão uma instrumentalidade, entendida como “[...] uma
determinada capacidade ou propriedade constitutiva da profissão,
construída e reconstruída no processo sócio-histórico” (GUERRA, 2007,
p. 1).
É diante dessas particularidades que demarcaram o processo
sócio-histórico do Serviço Social e a instrumentalidade da profissão, que
se entende que nos documentos analisados predominaram ações de
atribuição do profissional do Serviço Social.
A partir dos registros dos Quadros 2, 3 e 4, compreende-se que
prevaleceram no conjunto dos relatórios as ações direcionadas à ruptura
ou minimização da violência intrafamiliar, centralizando-se as
intervenções:
a) nas relações familiares e na reflexão sobre as funções
parentais, considerando-se que na medida em que cada membro da
família cumpre com a sua função será estabelecida a harmonia familiar:
[...] as técnicas do PAEFI buscaram também
trabalhar a relação conflituosa entre E e a filha L,
bem como, ampliar a rede de suporte familiar [...]
não logrou êxito, já que ambas não manifestaram
disponibilidade para tanto (R6).
b) nos atendimentos focalizados na pessoa da mulher cuidadora
(mãe, avó, bisavó), diante das especificidades das famílias que
compuseram a amostra da pesquisa, assim como questões referentes ao
gênero, que atribuem à mulher a responsabilidade pelo domínio do
privado. Nesse aspecto, pontua-se, considerando-se a experiência
profissional desta pesquisadora, que mesmo quando a figura de
autoridade masculina está presente na família, ainda assim é a mulher
quem é acionada mais vezes para participar dos atendimentos.
A família foi trabalhada em sua função protetiva,
sendo que a genitora mostrou-se empenhada,
cumprindo todos os combinados e não medindo
esforços para ajudar a filha (R4).
c) na garantia de direitos como condição imprescindível para
minimização das violências, sobretudo o acesso à educação, à saúde, à
assistência social e à previdência social, diante do entendimento de que
o acesso aos direitos sociais/cidadania74 e a inserção dos membros das

74
O termo cidadania está mais relacionado aos princípios marshallianos
(implementação de direitos formais abstratos), do que a uma estratégia política
para ampliação da democracia (DURIGUETTO, 2007; DIAS, 1997).
129

famílias/indivíduos na rede de atendimento é uma condição para a


ampliação da proteção social:
[...] esta equipe emitiu relatório em
setembro/2016, sugerindo providências ao Juizado
a fim de garantir a proteção de M e G, tais como:
aplicação de medida de afastamento de R em
relação a M, tendo em vista as situações de
violência entre o casal; a determinação de Sra. JM
como guardiã de M, para que pudesse resolver
questões relativas à adolescente, como a emissão
de documentos desta; indicação para retorno de M
para a escola, seja no Ensino Regular ou na
Educação de Jovens e Adultos; a requisição de
vaga na rede municipal de educação infantil para
G; e a regulamentação das responsabilidades
relativas a G, bem como alimentos e visitas, pois
ainda que os dois núcleos familiares estivessem
implicados para tal, ocorriam conflitos
frequentemente relativos a estes aspectos (R1).
d) na lógica da intersetorialidade, numa perspectiva de que a
violência intrafamiliar deve ser trabalhada de forma articulada entre a
Política de Assistência Social e as demais políticas, bem como com os
órgãos de defesa e garantia de direitos;
Realização de estudo de caso entre os
profissionais do Paefi e da rede de saúde e reunião
ampliada com participação da genitora, do
adolescente, do Conselho Tutelar e da equipe do
Nasf (R5).
e) no controle caracterizado pela vigilância das ações dos
membros da família, diante da averiguação de informações junto à rede
de atendimento e familiar:
Assim, diante do exposto, a partir das informações
trazidas pela família e pela rede de atendimento,
estamos encerrando o atendimento à família [...]
(R1).
[...] Em ligação para a clínica de psicoterapia,
houve a confirmação também que a adolescente
estava em psicoterapia (R2).
f) no processo de trabalho com foco nas ações socioeducativas,
entendidas, conforme Mioto (2009), na socialização de informações
(condição imprescindível para assegurar direitos) e nas reflexões
estabelecidas na relação entre os usuários do serviço e a equipe de
referência.
130

Em função do trabalho infantil foi realizado


encaminhamento/notificação para o PETI, e a
família foi orientada quanto aos riscos e
consequências do mesmo para o desenvolvimento
e a integralidade do adolescente (R6).
g) no referenciamento das famílias para a PSB, cumprindo-se
com as indicações da Política de Assistência Social.
[...] a família foi encaminhada ao CRAS onde
continuará recebendo atendimento no âmbito da
política de assistência social (R6).
Na perspectiva dessa pesquisadora, no que se refere à
especificidade do Serviço Social, os relatórios careceram de dados sobre
o contexto socioeconômico e cultural dos sujeitos atendidos e da relação
com a violência intrafamiliar denunciada, ausência que sugere a
compreensão do fenômeno da violência intrafamiliar como decorrente
de características da família e de seus membros, percepção que
direciona a intervenção a atendimentos individuais e com foco na
subjetividade dos usuários, na ajuda psicossocial. Nesse aspecto,
conforme Netto (2011, p. 35), na ordem burguesa, supõe-se “[...] que o
destino pessoal é função do indivíduo como tal, a consequência
inelutável é que tanto o êxito como os fracassos sociais são creditados
ao sujeito individual tomado enquanto mônada social”.
Identificou-se que as intervenções nas situações de violência
foram trabalhadas de forma isolada (caso a caso), enquanto problemas a
serem dissolvidos e resolvidos dentro da família e pelos sujeitos
envolvidos. Nessa perspectiva, cabe a uma suposta habilidade subjetiva
dos sujeitos de lidar com as adversidades a resolubilidade das situações
geradoras de violações de direitos, atribuindo-se pouca relevância tanto
ao contexto macrossocietário, quanto ao contexto microssocietário.
Essa acentuação da intervenção nas subjetividades acompanha a
ideologia que dá sustentação à política neoliberal e ao advento da pós-
modernidade. Nesse sentido, compreende-se que o Serviço Social,
inserido nas relações de produção e reprodução social de determinada
sociedade, sofre as interferências desse contexto, as quais repercutem na
instrumentalidade da profissão.
Segundo Pereira (1982, p. 84), ninguém age no vazio, ninguém
escapa das influências da ideologia, a qual interfere: nos atos humanos,
no pensamento, na ação, na constituição do sujeito, dos grupos e das
classes sociais “Ou seja, na relação teoria/prática e, consequentemente,
na práxis, em tudo o que fazemos, em todos os momentos”.
Na atualidade - com o agravamento das expressões da questão
131

social, com o aprofundamento do individualismo, do consumismo e do


pensamento único (BEHRING, 2009; GUERRA, 2014) -, a razão vem
sendo colocada em xeque, diante do entendimento de que não dá conta
de explicar tudo. Nessa condição, recorre-se de forma intensa à
subjetividade (entendida aqui como o mundo interior), ao mesmo tempo
em que há o abandono a uma referência, a um sujeito, a uma origem, a
história; dá-se ênfase às sensações, ao discurso, à imagem; delega-se à
realidade um lugar de menor importância.
A transição da modernidade para pós-modernidade, segundo
Ianni (2000, p. 238) implica em:
[...] um rompimento com a razão e a emancipação,
compreendendo formas de sociabilidade, jogos de
forças sociais, configurações histórico-sociais de
vida, trabalho e cultura [...] As próprias utopias da
modernidade entram em crise, ou são esquecidas:
liberdade, igualdade e fraternidade; governo do
povo, para o povo e pelo povo; revolução e
redenção; trabalho e desalienação; solidariedade e
humanidade.
Conforme o autor, a pós-modernidade vem a instituir um novo
paradigma e, em decorrência disso, “[...] toda uma visão de mundo que
cede espaços cada vez mais amplos ao pragmatismo, à organização
sistêmica, à razão instrumental [...]” (IANNI, 2000, p. 239).
Em complemento, segundo Guerra (2014), a racionalidade
instrumental, por meio da ideologia da tecnificação, possibilita abstrair
dos fenômenos e processos sociais os seus conteúdos concretos,
transformando o essencial em acessório, limitando as ações a operações
cognitivas, ao atendimento das necessidades imediatas e ao praticismo.
Nesse aspecto, o pensamento não ultrapassa a aparência dos fenômenos,
a realidade social é desestoricizada e deseconomizada.
Nessa lógica, busca-se compreender a sociedade e suas estruturas
não para transformá-la, mas para controlar, corrigir as disfunções sociais
e perpetuar, bem como aperfeiçoar o modo de produção e reprodução
social capitalista (PONTES, 2009).
Essa é a lógica das políticas sociais, seja em países com sistema
de proteção social com foco na garantia efetiva de direitos, ou naqueles
com ações fragmentadas, focalistas, não garantidoras se quer dos
mínimos sociais. A lógica não é a de questionar e superar o modo de
produção e reprodução social capitalista e suas atrocidades - acirramento
das desigualdades sociais, perda de direitos, destruições e desequilíbrios
ambientais, ideologia do consumo, do faça por si mesmo, da
132

solidariedade em substituição à intervenção estatal, dentre outros -, a


lógica é de manter, justificar, adaptar-se ao modelo econômico e social
capitalista e monopolista.
Ademais das questões acima pontuadas que trazem elementos
para se compreender a tendência à subjetivação na contemporaneidade,
ainda, a acentuação dessa tendência na intervenção das equipes dos
Paefis pode relacionar-se, por um lado, pela aproximação do Serviço
Social com a Psicologia e seus conteúdos, e, por outro, pela pouca
clareza do assistente social de um referencial mais amplo, consistente e
crítico que dê direcionamento ao exercício profissional.
Nesse aspecto, depara-se com a discussão, sempre atual nos
espaços sócio-ocupacionais, que é a da dicotomia entre teoria e prática
no Serviço Social. Qual o lugar da teoria crítica para uma profissão de
natureza intervencionista, da qual se espera respostas e resoluções, em
curto prazo, para questões objetivas? A resposta é aparentemente
simples: compreender os fenômenos em evidência numa perspectiva de
totalidade, ou, em suas múltiplas mediações, método que permitirá,
conforme Pontes (2009), clarificar e sustentar caminhos para a
intervenção profissional e para processos de transformação objetivo e
subjetivo. Entende-se que é a lógica concreta que permitirá a suspensão
da cotidianidade e a ascensão ao humano-genérico.
A relação entre a violação de direito identificada e as condições
de vulnerabilidade e risco dos territórios foi mencionada em 1 (um)
relatório e identificada como agravante para a violação de direitos e com
rebatimentos na organização familiar, conforme é possível observar:
A genitora falou que não gostava de morar no
Morro devido à violência.
Nesse percurso, a genitora requisitou intervenção
focal para o filho, o qual vinha sendo assediado
para o tráfico na comunidade. Esse fato afetou
bastante a genitora que começou a faltar no
trabalho para poder estar em casa e ter controle
sobre a rotina dos filhos, culminando com sua
saída do emprego (R7).
O registro acima denuncia mais do que o medo de uma mãe em
perder o filho, denuncia o abandono vivenciado pelas famílias pobres, as
quais são cada vez mais alijadas da garantia de direitos como: escola
com qualidade e por período integral, projetos sociais, segurança
pública, política de proteção social mais inclusiva, dentre outros.
A referência ao território e as consequências desse contexto na
organização e funcionamento da família, como o agravamento da
133

condição socioeconômica com o desemprego da mãe (também a


provedora da família) e o poder do tráfico de drogas nas comunidades,
traz elementos sobre a interferência de fatores externos na dinâmica
familiar.
Essa afirmativa, ainda que possa ser considerada como lógica,
faz-se importante citar nos RDs, diante da compreensão de que os
objetivos institucionais e profissionais são permeados por uma série de
mediações, dentre elas as condições do território e do contexto
socioeconômico dos sujeitos atendidos. Ao trazer elementos da
realidade social, econômica e cultural aos RDs, atribui-se à violação de
direitos determinantes que estão além das características dos indivíduos
e das famílias.
Outro recorte de texto corrobora com essa perspectiva:
Contudo, é evidente que se trata de uma família
com muitas vulnerabilidades, seja pela região em
que moram (comunidade onde o tráfico de drogas
é bem atuante, e as relações comunitárias são
mediadas por um poder invisível), seja pelas
condições de moradia que não favorece a
segurança e a individualidade [...], seja pelas
condições econômicas que tem na genitora a única
fonte de renda [...] (R7).
O conteúdo desses registros denota um movimento de
compreensão da violência intrafamiliar para além da aparência e de sua
aproximação incompleta do real (LEFEBVRE, 1991; PEREIRA, 1982).
Na especificidade do acompanhamento familiar descrito no R7,
observou-se a preocupação das profissionais em realizar o trabalho tanto
com a família quanto em articulação com a rede de atendimento. Dessa
forma, a compreensão sobre o fenômeno da violência implicou em ações
individuais e coletivas, o que permite afirmar que o referencial teórico-
metodológico e ético-político dão o direcionamento à ação profissional e
aos instrumentais técnico-operativos que serão utilizados no processo
interventivo para o alcance dos objetivos propostos. Diante dessa
inferência, entende-se que a racionalidade crítico-dialética serviu de
conduto de passagem na articulação entre teoria e prática.
Nesse contexto, tem-se que a racionalidade não apenas indica
uma forma de compreender o mundo, uma visão de homem, uma
filosofia de vida. A racionalidade implica também nas formas de agir
sobre esse mundo, no fazer, e, portanto, na intervenção profissional.
Nos documentos prontamente chamou a atenção que dentre as 7
(sete) famílias acompanhadas, 6 (seis) eram chefiadas apenas por
134

mulheres, sendo que 2 (duas) das chefes de família eram idosas. Este
último dado sinaliza a realidade de muitas famílias acompanhadas pelo
Paefi, onde tem sido crescente o número de famílias chefiadas por avós
(idosas ou não), principalmente avós maternas. Nessas famílias, não
raras às vezes, a mãe e o pai possuem endereço conhecido, sobretudo a
mãe, mas não se implicam nos cuidados dos filhos. Em algumas
situações o uso/abuso de drogas pelos pais se constitui como um dos
fatores para o afastamento dos mesmos da família e do exercício das
funções parentais.
A predominância de famílias chefiadas por mulheres, conforme
sinalizado, demarca as profundas mudanças que ocorreram no interior
dessa instituição. No Brasil, sobretudo a partir da década de 1970, o
paradigma da família nuclear, modelo sustentado pela teoria social
positivista, vem sendo questionado. A concepção de família que se
sustentava na união de um homem e de uma mulher e nos filhos
provenientes dessa relação, vivendo em um domicílio comum,
consolidada nos valores da Igreja Católica, do patriarcado, da
consanguinidade, começa a ceder espaço para outros tipos de formações
familiares (SCOTT, 1990; DONZELOT, 1986; SARACENO;
NALDINI, 2003).
As transformações que ocorreram na família acompanharam o
movimento societário em suas múltiplas particularidade e
determinações75. Contudo, tais remodelagens não retiram dessa unidade
a sua importância enquanto instituição fundamental no processo de
socialização primária e formação da identidade social de seus membros.
A partir dos registros dos quadros 2 e 3 , observou-se que a
atuação das equipes de referência direcionou-se a cumprir com os
objetivos propostos pela Política de Assistência Social, ou seja, os

75
Contribuíram para as transformações do conceito de família: o distanciamento
havido entre o Estado e a Igreja, pela subtração significativa dos valores morais
impressos pela segunda e o reconhecimento, pelo primeiro, através de normas
jurídicas, das novas relações de parentesco; a emancipação feminina através dos
movimentos feministas, da inclusão da mulher no mercado de trabalho, assim
como do aumento de sua escolaridade, do advento da pílula anticoncepcional,
que possibilitou à mulher o direito ao prazer sexual sem procriação e com maior
autonomia; a proclamação dos direitos humanos, que colocou o indivíduo como
sujeito de direito e a dignidade humana como valor maior, numa perspectiva de
igualdade entre os gêneros; o desenvolvimento urbano-industrial e o
acirramento das expressões da questão social, que exigiram do trabalhador a
criação de estratégias de sobrevivência (SCOTT, 1990; DONZELOT, 1986;
SARACENO; NALDINI, 2003).
135

objetivos institucionais. Tanto as demandas de atendimento


identificadas quanto às ações foram direcionadas ao cumprimento
desses objetivos, os quais são bastante abrangentes.
Magalhães (2011, p. 17-18), sobre o objetivo do trabalho dos
profissionais nas instituições esclarece que:
O profissional não pode enfocar sua atuação única
e exclusivamente na perspectiva institucional,
especialmente aqueles cuja formação está voltada
à área das ciências humanas. Seus olhares devem
estar direcionados para a conjuntura, na sua
dimensão mais dinâmica, que é a história.
Na especificidade do Paefi os objetivos institucionais estão
amplamente direcionados à família e ao seu fortalecimento, no sentido
de aumentar a sua função protetiva, romper com padrões relacionais
violadores de direitos e contribuir para a reparação de danos.
Conforme é possível identificar nos trechos abaixo, a avaliação
técnica de superação de situação de violação de direitos constitui-se em
importante argumento para o desligamento das famílias do serviço.
[...] as profissionais de referência avaliam,
considerando o contexto familiar, que neste
momento, a família consegue promover questões
referentes ao cuidado e proteção das
crianças/adolescentes em tela (R1).
[...] considera-se que a adolescente atualmente
não se encontram em situação de violação de
direitos (R2).
[...] realiza-se o desligamento da família do
acompanhamento realizado pelo CREAS/PAEFI,
pois se considera que a criança atualmente não se
encontra em situação de violação de direitos (R3).
Diante dos fatos expostos estamos encerrando o
atendimento familiar, por identificar que B no
momento atual não se encontra em situação de
violação de direitos (R4).
[...] entendemos que, no momento, a situação
familiar não está apresentando violações de direito
que justifiquem o acompanhamento psicossocial
em âmbito de proteção social de média
complexidade (R6).
Diante desse entendimento, as equipes de referência precisam
ficar atentas e observar os limites das famílias na proteção social,
evitando-se cair na armadilha do familismo, perspectiva na qual a
família é a principal responsável pelo bem-estar de seus membros,
136

núcleo básico da proteção social, sendo percebida como uma unidade


econômica e de prestação de cuidados (CAMPOS; MIOTO, 2010;
TEIXEIRA, 2010).
Para Teixeira (2010) a diretriz da matricialidade sociofamiliar
não rompeu com o familismo, visto que propõe que a família,
representada na figura da mulher cuidadora, seja apoiada para exercer a
proteção social em seu domínio interno.
Para o alcance dos objetivos do Paefi, eminentemente são as
mulheres que são chamadas para participar dos atendimentos,
considerando-se aqui valores culturais e morais que atribuem à mulher o
lugar do doméstico, do cuidado dos filhos. Essa construção sócio-
histórica é tão marcante e aceita como premissa verdadeira e
inquestionável, dando evidência à lógica formal, que acaba por ser
naturalizada tanto pelos usuários do serviço quanto pelos profissionais,
contribuindo para as ideias do essencialismo biológico que atribui ao
sexo papéis sociais fixos (COSTA, 1998; PISCITELLI, 2004).
Nos documentos fez-se presente a percepção dos profissionais
sobre o significado do ser mãe, revelando valores morais e culturais
atribuídos à mulher e que dão direcionamento à intervenção, conforme
registros abaixo.
Buscou-se nos atendimentos prestados à família
em tela, estimular a genitora a desenvolver a
afetividade com o filho e dialogar com ele,
interessando-se pelos seus sentimentos (R5).
Um dos eixos do atendimento realizado pelo Paefi
foi de trabalhar a relação conflitiva de mãe e filha,
intervindo com a genitora o reconhecimento das
fragilidades e dificuldades da filha e a necessidade
de apoiá-la servindo de suporte principalmente
para o cuidado com o neto (R6).
[...] a genitora conseguiu um emprego com uma
menor carga horária (6 horas/diária) lhe
possibilitando ficar com os filhos no contraturno
da escola (R7).
O conteúdo latente desses registros traz indicativos que se
referem ao papel social e cultural atribuído a mulher. Essa concepção,
tão arraigada na cultura ocidental e reforçada na Política de Assistência
Social e no próprio processo constituinte da profissão.
Questões referentes à construção social dos papéis de gênero, que
poderiam ser trabalhadas no processo de conscientização e ruptura de
situações de violência contra a mulher, não foram mencionadas em
nenhum dos relatórios, embora nos acompanhamentos familiares
137

realizados pelo G1 todas as mulheres (adolescentes, idosa) atendidas


tivessem sido vitimadas, seja pelo companheiro (1), pelos pais (2), ou
pelo filho (1).
Entende-se que a partir da perspectiva de gênero a violência pode
ser compreendida de forma crítica e transformadora. Essa discussão
perpassa as assimetrias existentes nas relações, a submissão feminina, a
sobrecarga de trabalho da mulher (dividido em suas tantas jornadas), os
salários inferiores, a desmistificação dos papéis sociais de gênero, a
cultura patriarcal, dentre outras.
Sob essa ótica, a violência, ainda que trabalhada individualmente,
permite a compreensão do fenômeno em suas múltiplas determinações,
favorecendo a suspensão do senso comum presente na vida cotidiana e,
consequentemente, possibilita processos de homogeneização (HELLER,
2008; NETTO, 1986).
A ausência de conteúdo sobre as questões de gênero reflete, por
um lado, o pequeno lugar atribuído ao tema no processo de formação
acadêmica e profissional, ainda que o Serviço Social seja uma profissão
constituída por um público eminentemente feminino, tanto pela maioria
absoluta de profissionais que compõem a categoria de assistentes
sociais, quanto pelo público demandatário da assistência social
(LISBOA, 2010; SIMÕES, ZUCCO, 2010).
Nesse contexto, segundo Lisboa (2010, p. 67), a construção do
conhecimento do Serviço Social se dá:
[...] em descompasso com os estudos feministas
e/ou estudos de gênero, e que esse desencontro
contribuiu para consolidar um estatuto acadêmico
e uma administração do saber que reproduz a
questão de gênero e legitima a dominação
masculina.
Ademais da formação acadêmica, outra instância que não apenas
interfere, mas atribui um direcionamento à ação cotidiana dos
assistentes sociais que atuam nos Paefis, conforme vem sendo
sinalizado, são os princípios e diretrizes da Política de Assistência
Social expressos nos seus regulamentos, normativas e orientações.
Nesses documentos o termo gênero e mulher são utilizados, porém sem
conotação crítica, histórica e transformadora. A própria diretriz da
matricialidade sociofamiliar, ainda que alicerçada em dados da
realidade, acaba por reforçar o lugar culturalmente atribuído à mulher na
reprodução e no cuidado dos filhos.
Ao considerar-se o Sistema de Significados de Scott (1990), os
regulamentos e normativas (e seus conceitos) são citados como um dos
138

elementos que compõem esse sistema e precisam ser decodificados para


o entendimento de como a sociedade representa o gênero e atribui
sentido as experiências. Qual a perspectiva de gênero da Política de
Assistência Social? Qual o direcionamento ideológico está subjacente a
ela? Os profissionais que atuam nos Paefis necessariamente devem estar
atentos a essas questões, discuti-las com os usuários e contribuir para
relações pautadas no respeito às diferenças, na ajuda mútua, na simetria
de poder.
Destaca-se, nesse sentido, que o processo de renovação do
Serviço Social - que significou a busca por referenciais para clarificar e
sustentar as ações profissionais e sua auto-representação (PONTES,
2009) -, convocou a categoria profissional a pensar sobre os
fundamentos teóricos-metodológicos e sobre os princípios e postulados
da profissão, diante de novas perspectivas ao modo de realizar a ação
profissional e “[...] da inserção de um novo interlocutor do Serviço
Social: as particularidades sócio-políticas e econômicas do
desenvolvimento capitalista brasileiro” (GUERRA, 2014, p. 22).
Ao trazer para o cenário a categoria das particularidades, indica-
se que a instrumentalidade do Serviço Social não é algo definido a
priori e imutável, mas que se constitui e reconstitui no processo sócio-
histórico, imprimindo a categoria profissional racionalidades, as quais
são entendidas como expressões das formas de pensamento e ação
(tendências observáveis) histórico e culturalmente compartilhadas pelos
assistentes sociais, e que atribuem ao exercício profissional diferentes
formas de atuação.
Para Guerra (2014, p. 34), as racionalidades “[...] expressam de
um lado, as relações entre sujeitos estabelecidas na ação profissional e,
de outro, os fundamentos ético-políticos e teóricos sobre os quais essas
relações se apoiam [...]”.
A partir da análise dos RDs desvelaram-se como lógicas que
orientam as ações profissionais: a lógica formal, a racionalidade
instrumental; e a lógica concreta, a racionalidade crítico-dialética.
Nos trechos abaixo os registros trazem elementos referentes à
lógica formal, visto que informam sobre formas de conceber a realidade
e intervir sobre ela a partir de uma perspectiva comportamental,
higienista, moralizante e descontextualizada.
Não havia queixas quanto aos cuidados prestados
à criança pelos seus familiares (RI).
[...] o pai cometera violência sexual também com
a filha de Sra. J, R, de 24 anos, que após ser
violentada sexualmente [...] ‘foi morar com uma
139

mulher’ (sic) (R2).


[...] nos recebeu aparentando bom humor e
cuidados pessoais. O local se encontrava limpo e
organizado, sendo-nos mostrada e explicada a
disposição de uso familiar de cada cômodo (R3).
Em visita domiciliar observou-se organização e
higiene da residência (R5).
Quanto a M, a criança estava em situação de
negligência à medida que não estava sendo
acompanhado pela equipe de saúde, não havia
recebido diagnóstico ou acompanhamento
especializado devido ao seu atraso no
desenvolvimento, nem estava frequentando a
creche regularmente (R6).
Esses recortes, por serem expressões da realidade, informam pela
linguagem o pensamento do seu locutor, uma vez que linguagem,
pensamento e vida real estão em relação, embora não se constituam em
autoimagens. Enquanto a realidade é apreendida pelo pensamento, este
se manifesta, ganha existência e passa por transformações pela
linguagem (IANNI, 2000; MARX; ENGELS, 2009; BAKHTIN, 1981).
No entanto, essa relação entre pensamento e linguagem não se
estabelece sem conflitos, sem contradições, sem tensões. Pela linguagem
há um esforço em extrair da vida prática e social o seu conteúdo e
atribuir a ele formas de expressão, as quais são reveladoras da
concepção da realidade, da visão de mundo, do modo de ser e pensar de
determinado grupo e classe social (LEFEBVRE, 1991; IANNI, 2000).
Diante desse entendimento, parte-se do pressuposto de que a
palavra/linguagem revela, denuncia, retrata, informa diferentes formas
de pensamento e as racionalidades que lhes são subjacentes. Nessa
perspectiva, na especificidade do conteúdo expressos nos relatórios,
entende-se que a linguagem: 1) representa o pensamento, ainda que não
seja uma cópia dele, visto que a realidade é complexa e dinâmica; 2)
sofre interferência ideológica, uma vez que pensamento e linguagem se
constituem por meio da interação social, das relações sociais, das
diversas formas de comunicação social; 3) revela modos de ser, de agir e
de sentir, dos profissionais.
No espaço sócio-ocupacional do Paefi - ainda que se observe o
comprometimento das equipes em prestar um serviço com qualidade,
respeitando-se os usuários em suas questões objetivas e subjetivas e os
códigos de ética das profissões, e cujas ações se direcionem a assegurar
direitos, ampliar e fortalecer a rede de proteção social, qualificar as
relações pessoais e interpessoais -, foi à racionalidade instrumental a que
140

predominou. Nesse viés a ação profissional direcionou-se a manutenção


da ordem social vigente e o fenômeno da violência intrafamiliar foi
trabalhado de forma limitada, restrito às fronteiras do lar. Essa
tendência, conforme Netto (1986) é necessária ao capitalismo e consiste
no pensamento não ultrapassar a aparência dos fenômenos sociais.
Contudo, como foi possível identificar, essa racionalidade,
embora uma tendência, não se constituiu na única tendência. Em 1(um)
relatório observou-se que a violação de direito vivenciada pela família
apresentava determinantes multicausais, decorrentes tanto de
características dos sujeitos envolvidos quanto permeadas e agravadas
pelo contexto socioeconômico. Também, entende-se que a atuação em
equipe interdisciplinar e o trabalho na proposta da intersetorialidade
podem favorecer a compreensão do fenômeno da violência e a violação
de direitos numa perspectiva mais abrangente e transformadora.
Considerando-se a experiência profissional e o acúmulo de
conhecimento teórico dessa pesquisadora, não se faz necessário muito
esforço para arguir sobre a ineficácia da lógica formal e, portanto, do
paradigma positivista, no exercício profissional, tomando-se por
princípio valores como a igualdade, a equidade, a democracia, a justiça
e a transformação social.
Sobre a ótica da racionalidade instrumental as expressões da
questão social são trabalhadas numa perspectiva de resolução de
determinada situação problema (os quais são eminentemente provocados
pela condição socioeconômica e cultural dos usuários da assistência
social) de forma isolada. A resposta a esse modelo interventivo é
bastante reduzida e tende cada vez mais a exigir dos usuários
capacidades subjetivas que estão além de suas possibilidades, visto que
primeiramente faz-se necessário a garantia da sobrevivência, conforme
tão bem pontuado por Marx e Engels (2007, p. 32/33):
[...] devemos começar por constatar o primeiro
pressuposto de toda a existência humana e
também, estar em condições de viver para poder
‘fazer história’. Mas, para viver, precisa-se, antes
de tudo, de comida, bebida, moradia, vestimenta e
algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é,
pois, a produção dos meios para a satisfação
dessas necessidades, a produção da própria vida
material, e este é, sem dúvida, um ato histórico,
uma condição fundamental de toda a história, que
ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser
cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente
para manter os homens vivos.
141

Essa afirmativa marxista coloca em xeque muitos aspectos da


vida cotidiana dos usuários do Paefi. Quais são as condições que vivem
para fazer história? Territórios com forte influência do tráfico e uso de
drogas, violência urbana, pouca escolaridade, políticas públicas
subsidiárias, perda de identidade social. Quais estratégias utilizam para
garantir a satisfação das necessidades materiais? Participação na
empresa do tráfico de drogas; substituição do trabalho formal pela
informalidade, dentre eles o trabalho infantil, o aliciamento de crianças
e adolescentes, a coleta de material reciclável; sobrevivência por meio
de recursos socioassistenciais; jornada de trabalho extensa e baixa
remuneração.
Essas dificuldades para garantir a sobrevivência e a forma como
ela se processa gera uma grande descrença na intervenção estatal, a qual,
como na especificidade do Paefi, adentra na vida cotidiana dos usuários
quando da falha destes.
A proteção social de cariz liberal, como a do Brasil, atende cada
vez menos as necessidades concretas das famílias, e os serviços
socioassistenciais - desprovidos de recursos e de políticas públicas
garantidoras de direitos como a referente a emprego e renda e à
habitação -, pouco tem a oferecer. O próprio direcionamento das ações à
garantia de direitos muitas vezes acaba se chocando com o aparente
estado de apatia e descrença dos usuários; da mesma forma que espaços
de participação coletiva têm pouca aceitação. Nesse aspecto, pobreza
material e pobreza política caminham de mãos dadas, dificultando
processos de transformação objetiva e subjetiva, mesmo que numa ótica
individual.
Ao afirmar que os serviços socioassistenciais, diante do contexto
social, político e econômico que o país atravessa pouco têm a oferecer
aos usuários, não se está atribuindo à Política de Assistência Social um
lugar menor, nem minimizando o trabalho das equipes dos Paefis.
Trabalho que é desenvolvido com responsabilidade, com respeito, com
qualidade, enfim, dentro de uma propositura ética e política. Pretende-se
pontuar que a instrumentalidade do Serviço Social se constitui e
reconstitui em um cenário de contradições constantes, que requer do
profissional resistência, mobilização, capacidade de indignação. Porque
é pela negação que ocorrem os movimentos de transformação.
143

6 CONCLUSÃO

Pensar a instrumentalidade do Serviço Social a partir do conteúdo


dos RDs, atribuindo sentidos e significações ao seu conteúdo manifesto
e latente no intuito de identificar e analisar as racionalidades subjacentes
e particularidades do Serviço Social no espaço socioassistencial dos
Paefis de Florianópolis, foi uma tarefa desafiadora, reflexiva e por vezes
exaustiva.
Possivelmente a experiência profissional desta pesquisadora,
somada à atuação como assistente social no Paefi, acabou por repercutir
nos resultados da pesquisa, visto que a análise, ainda que subsidiada nos
RDs, ultrapassou esse instrumental. Embora se tenha realizado um
grande esforço de distanciamento, acredita-se que interferiram e/ou
contribuíram com a pesquisa e com as inferências produzidas: a
vivência do cotidiano de trabalho no Paefi; a ciência das dificuldades,
dos limites e das possibilidades institucionais e profissionais; a relação
de coleguismo, bem como o respeito ao trabalho desenvolvido pelas
equipes de referência.
O tema da instrumentalidade do Serviço Social conduziu a pensar
a questão da relação teoria e prática e no quanto o referencial teórico
causa rebatimento na dimensão técnico-operativa, no fazer profissional.
Cita-se o conteúdo de um dos relatórios onde a equipe de referência, ao
trazer dados do contexto socioeconômico (com ênfase no território),
identificou particularidades que contribuíram para a compreensão da
violência intrafamiliar e, concomitantemente, para clarificar estratégias
de intervenção diante da propositura de alteração do contexto que
culminou na inserção da família/indivíduos no serviço.
O acento atribuído aqui às referências ao território
(vulnerabilidades e riscos) se deu mediante a ausência de tal
particularidade nos demais relatórios analisados. Talvez essa ausência
seja decorrente do princípio comum de que a grande maioria das
famílias em atendimento nos Paefis resida em área de segregação
socioespacial, assim se torna desnecessário falar sobre o óbvio. Outro
aspecto que pode haver contribuído para tal ausência se refere à
especificidade da denúncia que demandou o atendimento institucional.
Foi possível observar, por exemplo, que a intervenção das equipes em
violação de direito referente à violência sexual de natureza incestuosa se
direcionou substancialmente à subjetividade dos sujeitos.
Contudo, no ponto de vista dessa pesquisadora, a ausência de
elementos do contexto socioeconômico e/ou a não articulação desse
contexto com a violação de direito (contribuições que são da área de
144

conhecimento do Serviço Social), não vem esvaziada de conteúdo


ideológico, mas indica uma forma de pensar e de agir que se pauta na
aparência, na lógica formal.
Quando da definição da amostra da pesquisa decidiu-se por
analisar relatórios de dois grupos, que foram definidos pelo tempo de
atuação dos profissionais. O resultado da análise identificou diferenças
nos documentos. Os relatórios do G1 foram mais concisos, menos
descritivos (com exceção de 1(um) que foi predominantemente
descritivo), características que não impediram que os documentos
cumprissem com o seu objetivo. Os relatórios do G2 foram mais
extensos, a ação profissional deu-se de forma mais articulada com as
demais políticas públicas, e os dados do contexto socioeconômico foram
mais consistentes. Em ambos os grupos a tomada de decisão pelo
encerramento do acompanhamento familiar deu-se por avaliação de
alteração no contexto gerador de violência, condição que foi possível
por meio da ampliação da rede de atendimento e familiar, do trabalho
pedagógico e da garantia de direitos.
Importante ressaltar, diante de períodos de demonização do
serviço público, que o tempo e a experiência das assistentes sociais do
G2 não trouxeram indicativos de acomodação por parte dessas
profissionais, ao contrário, nos documentos evidenciaram toda uma
implicação com a qualidade do trabalho, o direcionamento à garantia de
direitos e o respeito ao usuário.
Essas inferências trazem elementos para se pensar a
instrumentalidade do Serviço Social em sua dinamicidade, enquanto um
processo sócio-histórico que se constitui e reconstitui de acordo com as
particularidades e forças em relação, com ênfase nos objetivos da
Política de Assistência Social, diante do entendimento de que interferem
diretamente na atuação profissional. Nesse aspecto, as profissionais do
G2 iniciaram a trajetória profissional antes da implantação e
implementação dos Paefis, o que significa dizer que os objetivos
institucionais eram distintos, e, consecutivamente, o foco interventivo
era diferenciado, sendo pautado na proteção da vitima e na
responsabilização do autor da violência. A relação com o SGD,
sobretudo com as Varas de Direito era ainda mais frequente. Essa
característica sugeria a elaboração de relatórios mais descritivos,
condição que pode ter contribuído para os relatórios do G2 terem
apresentado maior densidade (em extensão e conteúdo).
Para essa pesquisadora quando da construção dos relatórios deve-
se observar impreterivelmente o objetivo do instrumental. Quando
direcionado a pleitear a aplicação de medidas de proteção e garantia de
145

direitos, justifica-se adotar o modelo mais descritivo e analítico. A


descrição possibilita ao interlocutor (SGD) ter conhecimento dos fatos
que motivaram o pedido da aplicação da medida de proteção, bem como
permite interpretações sobre esses fatos. A análise reflete a
cientificidade do documento, possibilita a passagem da prática à práxis,
traz elementos argumentativos para a garantia do pleito requerido.
Já, na especificidade dos RDs, entende-se que devem contemplar
todo o processo interventivo, e, nesse sentido, favorecer a avaliação
técnica do trabalho social desenvolvido com as famílias. Essa grande
síntese, na opinião técnica dessa pesquisadora, deve ser mais analítica
do que descritiva, já que é pela análise que os fatos, os fenômenos são
interpretados sob a luz de um referencial teórico-metodológico e ético-
político, fazendo emergir o projeto profissional.
Os RDs são elaborados na grande maioria das vezes quando o
processo interventivo já foi encerrado com as famílias. Nesse contexto,
os relatórios - que devem se constituir em um instrumental que instiga a
reflexão e a avaliação da ação profissional, possibilitando ir além da
aparência dos fenômenos, visto que a sistematização das ações contribui
para a melhor apreensão da realidade social, do objeto de intervenção e
do processo interventivo -, acabam por ter um fim em si mesmo, ao
invés de serem utilizados para facilitar a atuação, racionalizar o tempo e
direcionar eticamente a proposta de trabalho (MAGALHÃES, 2011).
Com essas afirmações, pretende-se: a) atribuir aos relatórios a
devida importância técnica no processo de trabalho, que conforme
Azevedo (2013), são instrumentais que contribuem para a passagem da
teoria à prática; b) Refletir sobre a pertinência de RD tão descritivos,
considerando-se o objetivo desse instrumental; c) Pensar a própria
metodologia dos serviços e a elaboração de relatórios (com as
características dos RD) no transcorrer e não no fim do processo
interventivo, de forma que o instrumental se constitua em um meio, em
um instrumento para avaliar o processo interventivo e orientar as ações
futuras.
Ainda, com relação aos relatórios, faz-se necessário clarificar o
significado da intervenção interdisciplinar, sobretudo quando as áreas de
conhecimento que estão em relação são convergentes. Parte-se da
compreensão de que a interdisciplinaridade qualifica o processo
interventivo e exige dos profissionais maior clareza sobre a sua área de
atuação, de forma a evitar-se sobreposição de ações e orientações
equivocadas, preservando-se as competência e atribuições de cada área.
Requer aprender a lidar com diferentes posturas frente a determinadas
situações e apresentar argumentos técnicos, tendo como norte sempre a
146

defesa de direitos e o respeito ao sujeito da assistência social,


observando-se os princípios da igualdade, equidade, democracia,
participação, autonomia e protagonismo.
O trabalho interdisciplinar não anula as especificidades de cada
área de atuação, mas permite, a partir da troca de conhecimentos, a
apreensão mais abrangente do objeto interventivo.
No Paefi a atuação em equipe de referência constituída por
assistente social e psicóloga (o) qualificou substancialmente o trabalho,
contribuindo para uma melhor compreensão do fenômeno da violência e
para a garantia de direitos, portanto para intervenções mais assertivas.
Contudo, há que se tomar cuidado para que a tendência à subjetivação
no Serviço Social não se potencialize com essa aproximação com a
psicologia. Na intervenção interdisciplinar do Paefi, pode-se dizer que
as questões mais subjetivas (que adentram o campo dos
sentimentos/emoções e saúde mental) são trabalhadas pela psicologia; e
as questões objetivas e direcionadas a assegurar direitos são de
atribuição do Serviço Social. No entanto, não há uma demarcação rígida
dessas atribuições, uma vez que cada profissional entra com a sua
formação e individualidade.
Ademais dessas ações, que são pertinentes a cada área de
conhecimento, há todo um leque de orientações e informações que
constituem o trabalho pedagógico, os quais podem ser realizados por
ambos os profissionais, desde que se tenha conhecimento sobre o objeto
interventivo.
Nesse contexto, compreende-se que não basta fazer, é necessário
fazer com consciência, fazer pautado em princípios éticos e morais,
fazer tomando-se por referência um projeto societário e profissional –
fazer com base em uma racionalidade crítica. A ação pela ação é
formalismo, é repetição, é agir com base na estrutura da vida cotidiana,
a qual é ineliminável, mas que exige processos de homogeneização para
a passagem necessária da teoria a prática, condição imprescindível para
a transformação, seja ela objetiva ou subjetiva.
Diante dessa inferência com conotação conclusiva, ressalta-se
que adentrar nas racionalidades que atribuem direcionamento teórico-
metodológico, ético-político e técnico-operativo ao exercício
profissional e fazê-lo através da análise do conteúdo dos RDs,
possibilitou muitos momentos de reflexões, de dúvidas, de perguntas
sem respostas e de certezas, ainda que poucas. Dentre as certezas está a
que a linguagem cumpre uma função ideológica, atribuindo
racionalidades ao exercício profissional. Pela relevância do tema da
linguagem para o Serviço Social, compreende-se da importância do
147

aprofundamento desse tema, considerando-se, sobretudo, os parcos


estudos existentes.
Acredita-se, ao findar esse estudo, que o resultado representa a
síntese da profissional que atua na execução terminal da Política de
Assistência social e da acadêmica. A profissional se evidenciou no
cuidado constante em fazer-se entender, em possibilitar a fluidez da
comunicação, premissa essencial à intervenção profissional; a
acadêmica se manifestou nos referenciais, nas inferências, no exercício
de pensar a relação entre teoria e prática.
Enquanto profissional, almeja-se que esse estudo contribua com
as discussões nos Paefis, trazendo elementos para pensar a
instrumentalidade do Serviço Social e o próprio instrumental dos RDs.
Enquanto acadêmica, avalia-se que os objetivos da pesquisa foram
alcançados e que a busca do conhecimento é o antídoto no combate ao
senso comum e ao pragmatismo no exercício profissional.
148
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Práxis. 2ª edição, São Paulo: Edição Popular, 2011. (242-266)

VENÂNCIO, Cristiana Maria; HOFFMANN, Ana Paula. A


centralidade da família nos regulamentos normativos da assistência
social e a intervenção do profissional do Serviço social. Disponível
em:<http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/GT2_Cristiana%20
Maria%20Ven%C3%A2ncio.pdf>. Acesso em: 05 de junho de 2017.
APÊNDICE 1: Autorização da pesquisa
APÊNDICE 2: Fragmentos dos relatórios.

R1/G1
Identificação da Adolescente: DN
família Criança: DN
Responsável (sem guarda):
Endereço:
Telefones:
Demandas [...] conflitos, ameaças e uso de violência no
identificadas relacionamento entre [...]; evasão escolar, e em virtude
disso, impossibilidade de inclusão no Programa Jovem
Aprendiz e Bolsa Família; inserção de [...] no mercado
de trabalho informal para complementar a renda
familiar, pois a responsável encontrava-se em
recuperação devido à intervenção cirúrgica; conflitos
frequentes entre as famílias de [...] e [...], especialmente
no que se refere aos pertences e ao provimento das
necessidades de [...], ainda que ambos os núcleos
familiares estivessem contribuindo para o cuidado e a
proteção da criança.
Dinâmica da
violência
Alterações na Conforme as abordagens realizadas durante o
situação inicial acompanhamento, houve melhora no relacionamento e
convívio familiar entre JM e M, sendo que ambas
estavam organizadas com as rotinas e com os cuidados
com G.

Medidas de [...] esta equipe emitiu relatório em setembro/2016,


proteção sugerindo providências ao Juizado a fim de garantir a
proteção de M e G, tais como: aplicação de medida de
afastamento de R em relação a M, tendo em vista as
situações de violência entre o casal; a determinação de
Sra. JM como guardiã de M, para que pudesse resolver
questões relativas a adolescente, como a emissão de
documentos desta; indicação para retorno de M para a
escola, seja no Ensino Regular ou na Educação de
Jovens e Adultos; a requisição de vaga na rede
municipal de educação infantil para G; e a
regulamentação das responsabilidades relativas a G,
bem como alimentos e visitas, pois ainda que os dois
núcleos familiares estivessem implicados para tal,
ocorriam conflitos frequentemente relativos a estes
aspectos.
Garantia de A família realizou atendimento e preenchimento do
direitos Cadastro Único, sendo encaminhada para Benefício de
Prestação Continuada referente a Sra. JM, redução da
tarifa de energia elétrica e Programa Bolsa Família.
No que se refere às questões da rede de educação, em
contato com a equipe do projeto no corrente ano,
verificou-se que M está matriculada na modalidade de
Educação de Jovens e Adultos neste centro, que está
frequentando regularmente. Além disso, a adolescente
estava recebendo orientações e encaminhamentos
referentes aos seus documentos e inserção no mercado
de trabalho. A equipe da Creche informou que G
ingressou na educação infantil da instituição em
abril/2017, que frequentava regularmente, apresentando
boa adaptação e socialização. Não havia queixas quanto
aos cuidados prestados à criança pelos seus familiares.
A respeito das questões de saúde, a rede municipal
repassou informações de que M e G não apresentavam
quadro que necessite neste momento de
acompanhamento sistemático e que as vacinas deste
estavam adequadas para a sua faixa etária. Sra. JM
referiu apresentar demandas de saúde, mas relatou que
estava conseguindo acesso às consultas e exames
necessários às suas enfermidades.

Avaliação Conforme foi supracitado, M tinha histórico de


técnica exposição a situações de risco pessoal e
relacionamentos afetivos permeados por situações de
violência, bem como dificuldades da adolescente em
seguir os limites impostos por sua responsável,
situações que não ocorrem atualmente, de acordo com
as informações prestadas nas últimas abordagens
realizadas por esta equipe com este núcleo familiar.
Ainda segundo informações da família e da rede de
atendimento, M e G estão com seus direitos
assegurados no que se refere à saúde, educação e
convivência familiar. Além disso, o encaminhamento
da família para a Proteção Social Básica propiciou o
acesso a benefícios, e consequentemente, o aumento da
renda familiar devido a concessão do Benefício de
Prestação Continuada a Sra. JM, não sendo necessário
que M continuasse no mercado de trabalho informal
como anteriormente.
Assim, diante do exposto, a partir das informações
trazidas pela família e pela rede de atendimento,
estamos encerrando o atendimento à família, visto que
foram realizadas as intervenções e orientações
necessárias; e as profissionais de referência avaliam,
considerando o contexto familiar, que neste momento, a
família consegue promover questões referentes ao
cuidado e proteção das crianças/adolescentes em tela.
Dados Família vive com a renda do BPC pessoa idosa
socioeconômicos
Instrumentais Visita domiciliar; visita institucional Cras, projeto,
técnicos centro de saúde, creche; atendimento individual na sede
do serviço; articulação com VIJ (encaminhamento de
relatório de acompanhamento).

Característica No transcorrer do processo interventivo, identificou-se


da família uma família com muitas fragilidades relacionais, uma
bisavó que relatava dificuldades físicas e emocionais
para lidar com as demandas apresentadas por M, e uma
adolescente que tinha como padrão relacional envolver-
se em situações de risco, que poderiam causar-lhes
prejuízos.

Configuração Bisavó, bisneta e tataraneto.


familiar
Objetivo
institucional
Gênero e [...] havia informações de que ela tinha assumido sua
cuidado função materna e prestava os cuidados necessários ao
filho.
R2/G1
Identificação da Nome: adolescente DN
família Filiação: mãe e Pai (Autor da Agressão)
Padrasto:
Irmãos:criança DN
Endereço Atual:
Telefone:

Demandas Espontaneamente, comentou que lembrava ter sido


identificadas abusada sexualmente pelo pai desde “pequena” (sic).

Dinâmica da Num breve relato sobre como e onde aconteciam os


violência abusos, mencionara que o pai perpetrava a violência
sexual no domicílio da avó paterna [...], no momento em
que os dois (filha e pai) ficavam sozinhos.
Detalhou que quando ficava sozinha com J, esta
perpetrava violência verbal e psicológica contra ela [...]
Segundo a adolescente, tal fato ocorreu em decorrência
do ciúme da madrasta com o sentimento do pai para com
ela. [...] porém afirmou que Sra. J não sabia dos abusos
sexuais. Contara que em épocas o pai espaçava suas
visitas a ela e a sua mãe “cobrava dele a
responsabilidade” (sic)

Alterações na Por fim, em relação a C, houve a confirmação que a


situação inicial adolescente estaria em Acompanhamento Psicológico
particular e R informou que ela também iniciaria
atendimento com a mesma profissional. Em ligação para
a instituição de psicoterapia, houve a confirmação
também que a adolescente estava em psicoterapia.

Medidas de conhecimento que C iniciaria a psicoterapia em razão da


proteção violação de direitos [...].
Garantia de
direitos
Avaliação Houve a percepção durante os atendimentos
técnica psicossociais, que tanto C, como Sra. R, contaram os
fatos referentes ao abuso sexual sem transparecer
emoção verbal, fazendo-se entender que todo o histórico
de violência não tivesse afetado o contexto de vida delas
[...] Há também a hipótese, em razão do histórico infantil
da genitora de ter sofrido abuso sexual, ter transferindo
para a filha a formação de uma conduta de ter que
suportar sozinha o segredo de violências
(heteroinfligidas) [...] considera-se que a adolescente
atualmente não se encontra em situação de violação de
direitos. [...] Certifica-se que o Serviço PAEFI está
encerrando o Acompanhamento Psicossocial do núcleo
familiar de C em razão de que ela permanece em
atendimento psicoterapêutico [...].

Dados Ao questionarmos sobre a rotina domiciliar, R apontou


socioeconômicos que devido estar “sozinha” (sic) provendo a família
financeiramente, precisava sair às 08 horas para
trabalhar.

Instrumentais [...] atendimentos na sede do PAEFI; contatos telefônicos


técnicos e/ou visita institucional à escola e à instituição de
psicoterapia; e estudos documentais provenientes do
Conselho Tutelar, rede hospitalar e Delegacia de Polícia
da Capital.
Característica
da família
Configuração [...] a genitora está residindo com o padrasto desta,
familiar considerando-o também ex-companheiro; com R. (10
anos) filho deste relacionamento, seu enteado F. (18
anos)
Objetivo
institucional
Gênero e [...] a presença de F traz segurança (devido ao fato de ser
cuidado homem) [...] F quem fazia o almoço.
[...] o pai cometera violência sexual também com a filha
de Sra. J, R, de 24 anos, que após ser violentada
sexualmente [...] “foi morar com uma mulher” (sic),
sendo que atualmente está presa [...].
R3 /G1
Identificação da Genitora:
família Genitor:
Criança: DN
Guardiões:
Endereço:

Demandas Ocorre violência psicológica contra a idosa,


identificadas perpetrada pelo filho, configurada em ameaças,
humilhação, manipulação, insulto, chantagem; [...]
sucede violência patrimonial, também contra a
mesma, retratada com a subtração de bens e recursos
econômicos, incluindo os destinados para a satisfação
de suas necessidades e da neta, também relacionada
ao filho acima citado.

Dinâmica da Em contato telefônico com o Sr. L soubemos que Sr.


violência I continua com os comportamentos agressivos para
com a mãe, inclusive a coagindo a ir à polícia e
informar que a denúncia sobrevinda do SEPREDI era
improcedente.

Alterações na A avó compreendeu a violência que vem sofrendo e


situação inicial os riscos a que a criança é exposta. Assim como
aceitou que a criança já passasse a conviver com o
casal antes de oficializada a guarda e/ou adoção. [...]
Hoje a criança está mais ativa, desloca-se facilmente
pelos cômodos, interage com as pessoas, mantendo
comunicação como murmúrios e expressões
corporais.

Medidas de Guarda provisória da avó paterna, posterior adoção


proteção por parte de tios paternos.

Garantia de Sra. R relatou que devido ter obtido a guarda de D,


direitos conseguiu licença maternidade de 6 meses.

Avaliação Considerando os conflitos entre Srª. V e Sr. I; as


técnica informações levantadas na rede institucional e
comunitária; as visitas e atendimentos realizados com
Sra. R e Sr. L; que os genitores E e M não
apresentam condições e nem interesse em
permanecer com a guarda de D; e o consenso obtido
nas reuniões com os membros da família de que a
criança deveria permanecer sob os cuidados dos tios
paternos, entendemos que D se encontra bem
amparada e protegida sob a guarda do casal, sendo
assim, avaliamos como favorável a destituição do
poder familiar e a adoção de D pelo casal em
referência.[...] realiza-se o desligamento da família
do acompanhamento realizado pelo CREAS/PAEFI,
pois se considera que a criança atualmente não se
encontra em situação de violação de direitos.

Dados [...] a única fonte de renda da família é provinda da


socioeconômicos pensão por morte recebida pela Sra. V.
Instrumentais Visitas domiciliares , atendimento familiar e
técnicos individuais na sede, reunião com família ampliada,
contatos telefônicos, articulação com SEPREDI,
visita institucional UBS e VIJ.

Característica Segundo os irmãos, inúmeras vezes interviram nos


da família conflitos entre a mãe e o irmão, porém não lograram
êxito devido ao comportamento dela em encobrir e
justificar as atitudes desse. Ressaltaram que seu pai
em vida já pagava dívidas de drogas relacionadas ao
filho I.

Configuração Dois núcleos: mãe idosa e filho adulto; Tios paternos


familiar (casal), B e V.
Objetivo
institucional
Gênero e [...] mãe não procura mais a filha, já afirmou que D
cuidado não é mais sua filha e se diz feliz e satisfeita pela
adoção da criança por Sra R e Sr. L, pois reconhece
todo cuidado e carinho que têm por D.
I não trabalha, e sempre apresenta pretextos diversos
para não fazê-lo,
R 4 /G1
Identificação da Criança DN
família Adolescente DN
Genitores:
Endereço:
Telefones:

Demandas Levantou-se a hipótese de habilidades especiais. Desta


identificadas forma encaminhamos [...] para avaliação na Fundação
Catarinense de Educação Especial [...] diagnóstico de
Transtorno do Espectro Autista - CID F84.
Dinâmica da
violência
Alterações na Nos atendimentos psicossociais realizados nesta
situação inicial instituição, a família foi trabalhada em sua função
protetiva, sendo que P mostrou-se empenhada,
cumprindo todos os combinados e não medindo
esforços para ajudar a filha. Foram realizados
atendimentos para trabalhar o impacto do diagnóstico
de Autismo e o acolhimento da família. B apresentou
mudança positiva significativa após o diagnóstico
afirmando que sente que “agora não é a única pessoa
no mundo diferente”, e sente-se “feliz por saber o que
tem”. Apresenta ótima relação com ambos os pais e sua
irmã T.
Medidas de
proteção
Garantia de [...]solicitamos Acompanhamento Psiquiátrico Infantil
direitos e Atendimento Psicológico extensivo ao Grupo
Familiar no CAPSi.
[...] após o diagnóstico, foi autorizado à contratação de
professor auxiliar para acompanhar B na escola. Além
disso, realizamos encaminhamento da criança para o
projeto de arte e também para a prática de natação.

Avaliação A genitora demonstrou esclarecimento e protetividade


técnica diante de todas as situações vividas na família quanto à
violação de direitos; seguiu todas as orientações da
equipe do Paefi sendo proativa no cuidado de ambas as
filhas. O genitor compareceu aos atendimentos e
demonstrou ter clareza das situações vivenciadas pela
família, assim como vínculo com a filha, pois embora
separado da mãe continuou contribuindo com os
cuidados de B e com as despesas da família. [...] B
apresentou melhora significativa, tanto em suas
funções cognitivas como relacionais. Diante dos fatos
expostos estamos encerrando o atendimento familiar,
por identificar que B no momento atual não se encontra
em situação de violação de direitos.

Dados P trabalha com vínculo empregatício, na função de


socioeconômicos empregada doméstica, sendo a sua renda a principal da
família, além da pensão alimentícia paga por M. P
frequenta a escola, pois pretende concluir o ensino
médio.

Instrumentais Os procedimentos realizados de atendimento foram:


técnicos visitas à rede de atendimento a família (CAPS, Escola,
Centro de Saúde), visitas domiciliares e atendimentos
individuais [...], além de atendimentos familiares,
compreendendo entrevista com os genitores, da família
inteira e da fratria.

Característica No início do atendimento P nos relatou um cenário de


da família ajuda mútua dos genitores no cuidado de B, e um
afastamento psicológico de T. Relatou que a família se
dava bem e que T havia perdoado M.

Configuração Na residência moravam na época P, T e B. A família


familiar também participa de encontros na Igreja e possui
contato com a família materna que também reside no
município.

Objetivo [...] respeitamos T e o foco do atendimento desta foi


institucional acesso à educação e ao mundo do trabalho.
[...] foi trabalhada em sua função protetiva, Foram
realizados atendimentos para trabalhar o impacto do
diagnóstico de Autismo e o acolhimento da família.

Gênero e [...] a genitora não achou que deveria ser “porque algo
cuidado estava acontecendo” (sic), sentindo-se “culpada” (sic),
já que, “sempre brigava” (sic) com o ex-companheiro
para ele ver a filha T
R5/G2
Identificação da Adolescente, DN
família Criança, DN
Filiação: mãe, pais
Endereço:
Telefones:

Demandas G com aspecto de que tinha feito uso de maconha [...]


identificadas costumava se envolver em amizades que consideravam
más companhias [...] apresentou comportamentos de
fuga. [...] aventado pelo diretor desta instituição a
necessidade de psicoterapia para o adolescente.
Dinâmica da
violência
Alterações na Houve o agravamento com o adolescente permanecendo
situação inicial três dias fora de casa, sendo encontrado sob o efeito de
substâncias entorpecentes, furto de bolacha, ameaça de
morte por traficante.

Medidas de Advertência por não participação no PAEFI e no


proteção atendimento da UBS [...] Representação judicial com
pedido de acolhimento para garantir a integridade física
do adolescente. Medida de proteção da família
encaminhamento de G para Bahia, retornou em dois
meses. (envolveu em situação de risco naquela
localidade). Pedido de acolhimento institucional e
avaliação junto ao CAPS-ad. [...] Foi acolhido e evadiu-
se em seguida, retornando ao convívio familiar.
Encerramento por mudança de endereço de G [...].
Garantia de
direitos
Avaliação A família aderiu parcialmente ao acompanhamento,
técnica apresentando descontinuidade nos atendimentos
agendados, prejudicando, assim, a ampliação da reflexão
junto a G e demais membros da família sobre as
demandas observadas .[...] Ainda, em razão da
descontinuidade da família aos atendimentos no Serviço
PAEFI, observou-se que as mudanças iniciadas ou
pactuadas junto á família não tinham prosseguimento.
No tocante ao histórico de mudanças e abandonos
vividos por G realizou-se o encaminhamento do
adolescente para atendimento psicológico que foi
iniciado, mas não houve continuidade. Entende-se,
portanto, que tal encaminhamento deve ser reiterado,
diante do possível desenvolvimento de quadro de
adoecimento psíquico do adolescente [...] sugere-se que
se proceda a verificação da situação de G [...] que seja
definida a situação da guarda do adolescente ou de outras
medidas que se fizerem necessárias para sua proteção.

Dados [...] os responsáveis exerciam atividades laborativas


socioeconômicos como autônomos, ela como diarista e ele como
construtor civil. A família residia em uma casa alugada
de alvenaria, que continha dois quartos, uma sala e
cozinha conjugada e um banheiro. A unidade
habitacional possuía rede elétrica e hidráulica. Em visita
domiciliar observou-se organização e higiene da
residência.

Instrumentais Visitas domiciliares (ao núcleo familiar e residência da


técnicos tia paterna); atendimentos psicossociais na sede do
serviço (individual e familiar); visitas institucionais às
escolas, Conselho Tutelar e Centro de Saúde; reuniões
intersetoriais (equipe de saúde, profissionais do PAEFI,
Conselho Tutelar, genitora e adolescente).

Característica observou-se que G gostava de ficar na companhia da


da família família aos sábados e domingos [...] gostava de jogar
futebol com o padrasto [...] foi possível observar o
vínculo de G com a família ampliada paterna [...] os
responsáveis referiram vínculo de afeto de G com o
irmão. H [...] apresentava habilidade em vincular-se aos
profissionais que o atendiam,
Configuração genitora, padrasto, G (17 anos), H( 5 anos)
familiar
Objetivo [...] fomentar acordos entre mãe e padrasto [...]
institucional acompanhamento do adolescente até projeto e escola
pelo padrasto [...] atenção e ampliação da convivência
familiar [...] Refletiu-se ainda com a genitora sobre a
importância de ela realizar a busca do filho nas ocasiões
em que este não chegava em casa nos horários.

Gênero e Sra. N alegou que após a separação, precisou trabalhar e


cuidado organizar sua vida, não tendo condições naquela época
de cuidar de G.
R6/G2
Identificação da Adolescente: DN
família Mãe/responsável:
Pai:
Criança: DN
Mãe/responsável:
Endereço:
Telefone para contato:

Demandas Foi possível observar por meio das intervenções que L


identificadas também possui limitações de ordem cognitiva (para vir
aos atendimentos do CREAS, tinha que ser
acompanhada pela mãe, pois não sabia deslocar-se
sozinha até essa sede mesmo já sendo adulta). M
frequenta a creche, no entanto, no início do
acompanhamento psicossocial apresentava muitas
faltas [...] não conseguia realizar atividades próprias
para a sua faixa etária, indicando atraso no
desenvolvimento da linguagem e global.

Dinâmica da Quando questionada a respeito Sra. E tem falas


violência ambivalentes, momentos em que disse não concordar e
reconhecer os riscos inerentes ao trabalho exercido
pelo filho (cita a possibilidade da polícia passar e achar
que ele está roubando os carros). Em outros momentos
valora de maneira positiva esta atividade, justificando
que “ali é menos perigoso do que se envolver com o
tráfico” e que o dinheiro ganho é utilizado para
comprar roupas e outros objetos para o adolescente.

Alterações na [...] T foi inserido em projetos, Equipe Multimeios e


situação inicial EJA, garantindo o direito a educação por meio do
supletivo e frequentando espaços que possibilitaram o
seu afastamento do trabalho infantil. M também está
frequentando a creche e solicitamos a instituição que
para o próximo ano monitore acerca da efetivação da
avaliação solicitada [...].

Medidas de [...] no sentido de assegurar o direito do adolescente à


proteção educação. Para tanto, como último recurso para inseri-
lo no sistema educacional via supletivo, orientamos e
encaminhamos Sra. E para impetrar solicitação de
determinação judicial junto a Vara da Infância e
Juventude da Capital de vaga no EJA.

Garantia de Em função do trabalho infantil foi realizado


direitos encaminhamento/notificação para o PETI, e a família
foi orientada quanto aos riscos e consequências do
mesmo para o desenvolvimento e a integralidade do
adolescente. Nesse sentido foi procedido com o
encaminhamento do adolescente para Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos, CRAS, e
projetos.

Avaliação As demandas para acompanhamento familiar se


técnica relacionaram ao fato de T e M estarem em risco e não
terem assegurado as condições básicas para seu
desenvolvimento. Com relação a T, verificou-se que
estava em situação de trabalho infantil, que tinha um
diagnóstico defasado e que não estava sendo
plenamente assistido em suas necessidades na área da
educação. Quanto a M, a criança estava em situação de
negligência à medida que não estava sendo
acompanhado pela equipe de saúde, não havia recebido
diagnóstico ou acompanhamento especializado devido
ao seu atraso no desenvolvimento, nem estava
frequentando a creche regularmente.
Além destes focos, as técnicas do PAEFI buscaram
também trabalhar a relação conflituosa entre E e a filha
L, bem como, ampliar a rede de suporte familiar [...]
não logrou êxito, já que ambas não manifestaram
disponibilidade para tanto.
A partir da avaliação de que as dificuldades de T eram
incompatíveis com o diagnóstico de deficiência mental
leve, buscou-se assegurar o direito a uma nova
avaliação, a qual atestasse a sua real condição e abrisse
possibilidades para acesso a direitos que até aquele
momento ele não usufruía (como o segundo professor
em sala de aula, a inclusão no Benefício de Prestação
Continuada e o passe livre ). Como M também já
manifestava atraso do desenvolvimento global e de
linguagem, buscou-se garantir também a sua avaliação
e posterior tratamento. [...] a família foi encaminhada
ao CRAS onde continuará recebendo atendimento no
âmbito da política de assistência social.
[...] entendemos que, no momento, a situação familiar
não está apresentando violações de direito que
justifiquem o acompanhamento psicossocial em âmbito
de proteção social de média complexidade. Dessa
forma, estamos procedendo com o desligamento da
família em tela deste Serviço e dando sequência à
demanda em espera.

Dados
socioeconômicos
Instrumentais foram utilizados instrumentos metodológicos tais
técnicos como: estudos de caso, atendimentos individuais e
familiares, contatos telefônicos, visitas domiciliares,
reuniões institucionais, dentre outros.
Característica Em reunião com a equipe pedagógica, esta informou
da família que a família tinha dificuldades em aceitar o
diagnóstico de deficiência intelectual de T, bem como
de buscar os atendimentos necessários ao mesmo,
sendo necessária a intervenção da escola para tanto.
Com relação à filha L, ela e E mantiveram a maior
parte do tempo de acompanhamento uma relação
conflitiva, ocorrendo momentos de afastamento de L
da residência materna por conta dos conflitivos.
Configuração Reside na casa além de Sra. E e T, L e o filho desta, M
familiar [...].
Objetivo
Institucional

Gênero e A direção da escola avaliou também que “a mãe faz o


cuidado que pode”, não a considerando negligente. O pai, Sr. B
também mantém bom relacionamento com a família,
auxiliando por vezes em questões referentes
principalmente a saúde de L.Com relação ao pai de M
este não convive com a criança, apenas o vê em
situações esporádicas e contribui aleatoriamente com
recursos financeiros/alimentícios, sem pagar pensão
R7/G2
Identificação da Adolescente
família Adolescente DN
Criança DN
Filiação:
Endereço:
Fone de contato:
Demandas [...] reunião ampliada de rede e o caso foi novamente
identificadas discutido, agora com a presença da escola. Uma
profissional confirmou que apenas M continuava
frequentando a instituição e ainda não haviam
conseguido acessar a genitora por telefone, uma
dificuldade comum às instituições. R pontuou que H
apresentava muitas faltas escolares e que L havia sido
motivada de todas as formas para não abandonar os
estudos, porém sem sucesso. [...]N falou que não
gostava de morar naquela comunidade e tinha muito
desejo de poder criar os filhos em outro lugar; que
também tinha o desejo de poder murar a casa e arrumar
as portas para ter mais segurança [...] que havia
combinado dos meninos irem para casa de sua irmã P
(a tia que cuidava de M), mas eles preferiam ficar em
casa; que também pensava em sair. Foram realizadas
outras visitas domiciliares e conversas com a genitora
no sentido dela poder organizar melhor sua rotina e
atender algumas necessidades dos filhos. Nesse
percurso,
Dinâmica da
violência
Alterações na [...] voltar a receber o Bolsa Família, N conseguiu um
situação inicial emprego com uma menor carga horária (6 horas/diária)
lhe possibilitando ficar com os filhos no contraturno da
escola. R também confirmou as mudanças na dinâmica
familiar, apesar de mostrar-se bastante inibido, ele
confirmou que a mãe estava mais presente em casa e
que tanto ele, como o irmão, estavam se saindo melhor
na escola.
Medidas de
proteção
Garantia de Frequência escolar; inserção em projeto de preparação
direitos para o trabalho; confecção de documentos, melhora na
convivência familiar
Avaliação O acompanhamento à família de N nos colocou diante
técnica de diversos desafios profissionais, uma vez que as
contradições apresentadas naquele núcleo familiar
exigiram estratégias de compreensão, aproximação e
direcionamento. Se por um lado há uma negligência
que é do conhecimento do sistema de proteção há anos:
a qual podermos descrever nas condições da moradia
(insalubre, com higiene deficitária e com pouca
segurança), no excesso de faltas escolares que chegou a
culminar com a reprovação de H em 2015 e na
ausência materna no cuidado e no atendimento às
solicitações dos órgãos e serviços de proteção, muito
em função de sua jornada de trabalho, bem como pela
não colaboração dos pais, os quais não dedicavam
apoio, até então aos filhos, contando ela com o suporte
de sua irmã. Por outro, há relações afetivas intensas
entre mãe e filhos, há um limite geracional bem
definido (N mesmo ausente em casa conseguia ter sua
determinações atendidas pelos filhos, principalmente
para não circularem na comunidade) e um desejo
materno de proteção, ainda que avaliássemos que o
cuidado de N dificultava a autonomia, favorecia a
imaturidade e vulnerabilidade dos meninos, os quais
mostraram comportamentos infantilizados para a idade.
[...]. A intervenção com o adolescente visou fortalecer
sua autoestima e estimulá-lo a traçar metas para a vida
adulta, além de fortalecer sua autonomia. No tocante ao
suposto episódio de abuso envolvendo H, não
verificamos que o fato tenha marcado seu
desenvolvimento ou que ele represente sofrimento em
relação ao fato [...].
Contudo, é evidente que se trata de uma família com
muitas vulnerabilidades., seja pela região em que
moram (comunidade onde o tráfico de drogas é bem
atuante, e as relações comunitárias são mediadas por
um poder invisível), seja pelas condições de moradia
que não favorece a segurança e a individualidade [...],
seja pelas condições econômicas que tem na genitora a
única fonte de renda e que atualmente se faz
informalmente e com pouca regularidade.[...] Questões
pelas quais referenciamos para atendimento no CRAS
local.
Dados Na oportunidade foi possível verificar que a residência
socioeconômicos era muito fechada (a única janela do andar de baixo
estava fechada por um móvel e as duas portas de
acesso não possuíam tranca) além que os meninos
dormiam num sofá na sala sendo o ambiente
extremamente úmido e insalubre. porém ela era a única
mantenedora da família, já que os pais dos filhos não
contribuíam com nada.
Instrumentais Visitas institucionais (UBS, creche, associação de
técnicos moradores, escola, CRAS), visitas domiciliares,
atendimentos individuais com adolescente
(psicológico), abordagens familiares, articulação com a
rede de atendimento (reunião ampliada), confecção de
documentos (RG, CPF, Carteira de trabalho),
encaminhamento para projeto
Característica Como os meninos estavam em casa foi possível
da família perceber da relação deles com a mãe, no geral todos
muito infantilizados, vendo desenho e chupando dedo,
enquanto N demonstrou carinho e autoridade. A
genitora expressou seu sentimento de medo em deixar
os filhos sozinhos em casa pela violência da
comunidade e porque as pessoas vêm em sua casa e
vão entrando [...] No decorrer dos atendimentos, ele foi
se abrindo quanto à dinâmica familiar, deixando claro
que, apesar da falta de N em casa, eles tinham uma
rede de apoio comunitária bem forte, que envolvia os
vizinhos e alguns parentes, especialmente a tia S.
Configuração mãe, dois filhos adolescente e um filho com 7 anos.
familiar
Objetivo [...] pretendíamos conversar sobre a documentação e
institucional participação dos irmãos em projetos sociais.
Orientamos L para efetuar o cadastro único no CRAS e
dar entrada com o pedido de auxílio natalidade no setor
de benefícios da Secretaria de Assistência.
Combinamos de efetuar as carteiras de identidade dos
meninos (o que foi realizado em dezembro) e pensar
em futuro encaminhamento de H ao Jovem Aprendiz.
[...] efetuamos a proposta de prestar atendimentos
individualizados, inicialmente com H, com o que
concordou.[...] verificar as possibilidades para
encaminhamento ao Programa Jovem Aprendiz.
Gênero e Na visão da profissional a mãe era inacessível visto que
cuidado nunca estava em casa.
ANEXO A: Parâmetros de referência para a definição do número
de CREAS considerando o porte do município

PARÂMETROS DE REFERÊNCIA PARA A DEFINIÇÃO DO NÚMERO DE


CREAS CONSIDERANDO O PORTE DO MUNICÍPIO
Porte do município Número de Parâmetros de referência
habitants
Pequeno Porte I Até 20.000 Cobertura de atendimento
em CREAS Regional; ou
Implantação de CREAS
Municipal, quando a
demanda local justificar
Pequeno Porte II De 20.001 a 50.000 Implantação de pelo menos
01 CREAS
Médio Porte De 50.001 a 100.000 Implantação de pelo menos
01 CREAS
Grande Porte, A partir de 100.001 Implantação de 01 CREAS
Metrópoles e DF a cada 200.000 habitantes
Fonte: Caderno de Orientações Técnicas CREAS (2011).
ANEXO B: Resolução CFESS nº 557/2009

RESOLUÇÃO CFESS Nº 557/2009


de 15 de setembro de 2009

Ementa: Dispõe sobre a emissão de pareceres,


laudos, opiniões técnicas conjuntos entre o
assistente social e outros profissionais.
A Presidente do Conselho Federal de Serviço Social, no uso de suas
atribuições legais e regimentais;

Considerando que o profissional assistente social vem trabalhando em


equipe multiprofissional, onde desenvolve sua atuação, conjuntamente
com outros profissionais, buscando compreender o indivíduo na sua
dimensão de totalidade e, assim, contribuindo para o enfrentamento das
diferentes expressões da questão social, abrangendo os direitos humanos
em sua integralidade, não só a partir da ótica meramente orgânica, mas a
partir de todas as necessidades que estão relacionadas à sua qualidade de
vida;

Considerando a crescente inserção do assistente social em espaços


sócio-ocupacionais que exige a atuação com profissionais de outras
áreas, requerendo uma intervenção multidisciplinar com competência
técnica, teórico-metodológica e ético-política;

Considerando que as leis que prevêem a atuação multidisciplinar não


especificam os limites de cada área profissional no desenvolvimento e
na elaboração dos trabalhos técnicos conjuntos, cabendo, no caso das
profissões regulamentadas, serem disciplinados por seus Conselhos
Profissionais respectivos;

Considerando ser inadmissível, juridicamente, que em uma mesma


manifestação técnica, tenha consignado o entendimento conjunto de
duas áreas profissionais regulamentadas, sem que se delimite o objeto de
cada uma, tendo em vista, inclusive, as atribuições privativas de cada
profissão;

Considerando que o assistente social é o profissional graduado em


Serviço Social, com a habilitação para o exercício da profissão mediante
inscrição junto ao Conselho Regional de Serviço Social, tendo suas
competências e atribuições privativas previstas na Lei 8662/93, sendo
vedado que outro profissional subscreva seu entendimento técnico em
matéria de Serviço Social, mesmo considerando a atuação destes em
equipe multiprofissional;

Considerando, a necessidade de regulamentar a matéria em âmbito


nacional, para orientar a prática profissional do assistente social, na sua
atuação em equipes multiprofissionais;

Considerando as normas previstas no Código de Ética do Assistente


social, regulamentado pela Resolução CFESS nº 273/93 de 13 de março
de 1993;

Considerando que é função privativa do assistente social a realização


de vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações, pareceres,
ou seja, qualquer manifestação técnica, sobre matéria de Serviço Social,
em conformidade com o inciso IV do artigo 5º da Lei 8662 de 07 de
junho de 1993;

Considerando ser de competência exclusiva do CFESS a


regulamentação da presente matéria, conforme previsão do “caput” e de
seu inciso I do artigo 8º da Lei 8662/93;

Considerando a aprovação da presente Resolução pelo Conselho Pleno


do CFESS, em reunião realizada em 09 de setembro de 2009.

Resolve:
Art. 1°. A elaboração, emissão e/ ou subscrição de opinião técnica sobre
matéria de SERVIÇO SOCIAL por meio de pareceres, laudos, perícias e
manifestações é atribuição privativa do assistente social, devidamente
inscrito no Conselho Regional de Serviço Social de sua área de atuação,
nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8662/93 e pressupõem
a devida e necessária competência técnica, teórico-metodológica,
autonomia e compromisso ético.

Art 2°. O assistente social, ao emitir laudos, pareceres, perícias e


qualquer manifestação técnica sobre matéria de Serviço Social, deve
atuar com ampla autonomia respeitadas as normas legais, técnicas e
éticas de sua profissão, não sendo obrigado a prestar serviços
incompatíveis com suas competências e atribuições previstas pela Lei
8662/93.
Art. 3º. O assistente social deve, sempre que possível, integrar equipes
multiprofissionais, bem como incentivar e estimular o trabalho
interdisciplinar.

Parágrafo único – Ao atuar em equipes multiprofissionais, o assistente


social deverá respeitar as normas e limites legais, técnicos e normativos
das outras profissões, em conformidade com o que estabelece o Código
de Ética do Assistente social, regulamentado pela Resolução CFESS nº
273, de 13 de março de 1993.

Art. 4°. Ao atuar em equipes multiprofissionais, o assistente social


deverá garantir a especificidade de sua área de atuação.

Parágrafo primeiro - O entendimento ou opinião técnica do assistente


social sobre o objeto da intervenção conjunta com outra categoria
profissional e/ ou equipe multiprofissional, deve destacar a sua área de
conhecimento separadamente, delimitar o âmbito de sua atuação, seu
objeto, instrumentos utilizados, análise social e outros componentes que
devem estar contemplados na opinião técnica.

Parágrafo segundo - O assistente social deverá emitir sua opinião


técnica somente sobre o que é de sua área de atuação e de sua atribuição
legal, para qual está habilitado e autorizado a exercer, assinando e
identificando seu número de inscrição no Conselho Regional de Serviço
Social.

Parágrafo terceiro - No atendimento multiprofissional a avaliação e


discussão da situação poderá ser multiprofissional, respeitando a
conclusão manifestada por escrito pelo assistente social, que tem seu
âmbito de intervenção nas suas atribuições privativas.

Art. 5º. O não cumprimento dos termos da presente Resolução


implicará, conforme o caso, na apuração das responsabilidades éticas do
assistente social por violação do Código de Ética do Assistente social.

Art. 6°. O CFESS e os CRESS deverão se incumbir de dar plena e total


publicidade a presente norma, por todos os meios disponíveis, de forma
que ela seja conhecida pelos assistentes sociais, bem como pelas
instituições, órgãos ou entidades que mantêm em seus quadros
profissionais de Serviço Social.
Art. 7º. Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Pleno do
CFESS.
Art. 8º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação,
revogando integralmente as disposições em contrário.

Ivanete Salete Boschetti


Presidente do CFESS

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