Dissertação Abrigamento de Idosos... PDF
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ROSANETE STEFFENON
RIO DE JANEIRO
2013
ROSANETE STEFFENON
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de PsGraduao em Servio Social, Escola de Servio Social,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial
obteno do ttulo de mestre em Servio Social.
RIO DE JANEIRO
2013
S816
Steffenon, Rosanete.
Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio
Pblico do Estado do Rio de Janeiro / Rosanete Steffenon. Rio de
Janeiro: 2013.
141f.
Orientadora: Myriam Moraes Lins de Barros.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Escola de Servio Social, Programa de Ps-Graduao em Servio
Social, 2013.
1. Idosos - Brasil. 2. Idosos Poltica governamental. 3. Assistncia
velhice Brasil. 4. Velhice - Aspectos sociais. I. Barros, Myriam
Moraes Lins de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de
Servio Social.
CDD: 305.26
Rosanete Steffenon
______________________________________
Myriam Moraes Lins de Barros
Doutora em Antropologia Social
Escola de Servio Social UFRJ
______________________________________
Andrea Moraes Alves
Doutora em Antropologia Social
Escola de Servio Social UFRJ
______________________________________
Clarice Ehlers Peixoto
Doutora em Antropologia Social
Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ
Agradecimentos
"[...] e aprendi que se depende sempre de tanta, muita, diferente gente. Toda pessoa
sempre as marcas das lies dirias de outras tantas pessoas" (Gonzaguinha).
Ao final desta etapa so muitas as pessoas a quem eu agradeo, apesar de mencionar
aqui apenas algumas.
Gratido aos meus pais que embora distantes geograficamente e das discusses deste
trabalho, repetiram semanalmente as perguntas: como vo os estudos? Falta muito pra
acabar? Dessa forma, no somente me lembraram de que eu tinha que levar a cabo o que
comeara, mas tambm me incentivaram a continuar.
De maneira muito especial agradeo a professora Myriam Moraes Lins de Barros, a
quem desde a graduao eu devo muito pelo aprendizado. Foi com muito conhecimento e
simplicidade que me orientou na elaborao desta dissertao, e que anteriormente contribuiu
para que eu gostasse de pesquisar.
Minha gratido s professoras Andra Moraes Alves e Clarice Ehlers Peixoto, pelas
contribuies na ocasio da qualificao do projeto e da apresentao desta dissertao.
Obrigada tambm s professoras Maria das Dores Campos Machado e Carla Almeida pela
disponibilidade.
Aos demais professores da Escola de Servio Social UFRJ , que de diferentes
modos contriburam para o aprendizado aqui colocado.
Ao Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro, gratido pela autorizao que
permitiu a realizao da pesquisa documental. E, aos seus funcionrios que foram solcitos em
possibilitar o acesso ao material necessrio.
s colegas assistentes sociais que atuam no Centro de Apoio Operacional s
Promotorias de Justia de Proteo ao Idoso e Pessoa com Deficincia e no Centro de Apoio
s Promotorias de Justia Cveis, pela troca de ideias que favoreceu o aprofundamento das
questes aqui desenvolvidas. Alm disso, pela convivncia que incentivou e cooperou no
desenvolvimento deste trabalho e da prpria atuao profissional.
Agradeo a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES),
pela bolsa concedida durante o mestrado.
Aos colegas de ps-graduao, por compartilharmos de situaes que tornaram esta
elaborao menos solitria.
Aline e Josy, com quem durante a escrita deste trabalho no dividi apenas a casa,
mas tambm alegrias e preocupaes.
Gratido aos demais amigos (as), que cada um (a) a seu modo tornam a vida bonita e
leve.
Enfim, a todos (as) que de diferentes formas e mesmo sem saber, contriburam para o
resultado deste trabalho.
Resumo
STEFFENON, Rosanete. Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio
Pblico do Estado do Rio de Janeiro. Dissertao (Mestrado em Servio Social) Escola de
Servio Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.
Abstract
STEFFENON, Rosanete. Abrigamento de idosos: situaes documentadas no Ministrio
Pblico do Estado do Rio de Janeiro. Dissertao (Mestrado em Servio Social) Escola de
Servio Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.
The process of demographic transition and other social, economic and political
changes have evidenced the situations experienced by the elderly and put them on the agenda
of institutional interventions. Despite the existence of different and uneven ways of growing
old and of heterogeneity in aging, public actions are mainly directed to the elderly who have
conditions to engage in cultural, leisure and community-based activities. Dependent aging,
though, has been a duty of the family, controlled by the State. Based on these aspects and by
means of the discussion of assumptions the situations for elderly sheltering submitted to the
Public Prosecutors Office of the State of Rio de Janeiro, this thesis discusses the way social
relations and their related institutions are organized. In this respect, the argument herein is
that have legal and moral assumptions which are conditioned to each other in a reciprocal
way. Our approach to this issue presents a discussion of the history of public actions directed
to the elderly, of the construction of classificatory terms to old age and of instances for the
defense of elderly rights, with focus on the Public Prosecutors Office. Besides theoretical
contributions, we have used documental research and observations from ethnographic records
from two periods of professional practice as an intern and as a social assistant in the
aforementioned institution. The documental research also led to the reflection about the
meaning of these documents and the course taken by them. By describing the progress of
three demands submitted to the Public Prosecutors Office, it was also possible to discuss the
moral and legal assumptions which arose during the process and which show the way society
organizes itself and meets the needs of the historical process. Furthermore, sheltering is
presented according to the perspectives of different agents, including the elderly themselves.
Thus, this thesis is constituted as and aimed at being a contribution to the reflection on the
need for advancements in the field of social policies, with increased participation of the State
in the execution of social services.
Key words: elderly, sheltering, family, Public Prosecutors Office, social policies.
Sumrio
Introduo.............................................................................................................................
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24
27
1.4 Panorama histrico das aes e proposies pblicas voltadas aos idosos...................
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2.3 Localizao e espao fsico das Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficincia
61
65
2.5 Populao que busca atendimento nas Promotorias do Idoso e da Pessoa com
Deficincia....................................................................................................................
71
Captulo III: Documentos retratos de momentos da vida e que sobre ela intervm
3.1 A lgica dos documentos...............................................................................................
81
92
97
117
Consideraes finais...........................................................................................................
127
12
Introduo
As questes que suscitaram a elaborao desta dissertao se constituram ao
longo do meu processo de formao e prtica em Servio Social.
Assim, a construo textual apresenta elementos inicialmente observados
durante a realizao de estgio em Servio Social realizado junto s Promotorias de
Justia de Proteo ao Idoso e Pessoa com Deficincia, pertencentes ao Ministrio
Pblico do Estado do Rio de Janeiro, que foram aprofundados com pesquisa documental
e atuao como assistente social na mesma instituio.
Mediante a experincia de estgio em Servio Social foi que inicialmente atentei
para elementos da realidade social at ento por mim ignorados, dentre os quais,
situaes de abrigamento de idosos.
Para que eu os observasse contribuiu o conjunto de conhecimentos apreendidos
ao longo da graduao e mestrado, dentre eles, a experincia de iniciao cientfica no
Ncleo de Pesquisa Cultura Urbana, Sociabilidade e Identidade Social (NuSIS), nos
projetos Relaes intergeracionais e de gnero em famlias de camadas mdias
urbanas e Perspectiva dos jovens adultos sobre as mudanas sociais, por meio dos
quais as discusses sobre famlia, relaes intergeracionais, gnero, entre outras,
trouxeram elementos para a anlise da realidade social 1.
Atravs dos referidos projetos observaram-se mudanas sociais no modo da
famlia se reorganizar, na tendncia de flexibilidade dos domiclios para processos de
sadas e retornos, nas tenses e negociaes que conjugam rupturas e conciliaes, bem
como projetos individuais e papis familiares. Essas dinmicas tm relao com
movimentos contemporneos mais amplos de redefinio da juventude e da velhice, de
mudanas no curso da vida e nas relaes de gnero e de gerao que, entre outras
1
A participao como bolsista de iniciao cientfica PIBIC/UFRJ, com recursos do CNPQ foi realizada
durante dezoito meses da graduao, sob a orientao da professora doutora Myriam Moraes Lins de
Barros. No primeiro projeto citado, as histrias de vida de trs geraes de mulheres de diferentes
famlias foram base para a anlise das relaes intergeracionais e de gnero e da percepo das mudanas
e continuidades relativas aos valores e prticas sociais, onde foram analisados de modo inter e
intrageracional variados temas. As trajetrias de vida da primeira gerao trouxeram aspectos para pensar
tambm a velhice na atualidade. O lugar da gerao intermediria entre pais idosos e filhos jovens
adultos, em situao de dependncia financeira e coabitao, foi importante para a discusso do tema da
autonomia feminina, entre outros. A gerao jovem, ento estudada, suscitou questes sobre os processos
de construo da autonomia e independncia, a flexibilidade das unidades residenciais, a convivncia
intergeracional, os projetos de vida e os sentidos atribudos famlia, ao trabalho e escolarizao, entre
outros, que foram impulsionadores para a construo e realizao do projeto de pesquisa posterior, no
qual foram includos tambm rapazes.
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Trata-se de rgo de apoio do Ministrio Pblico e que ser retomado frente, bem como ser exposto
sobre as Promotorias do Idoso e da Pessoa com Deficincia e seu funcionamento.
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dos casos se tornava conhecido pelo retorno dos PA(s) para novo atendimento social.
Nas intervenes relativas aos idosos em ILPI e naquelas que solicitavam o
abrigamento, os comunicantes relatavam situaes comuns. Dessa forma, acionavam
aspectos familiares e sociais para explicar a necessidade de institucionalizao.
O meu maior questionamento se deu em face de comunicaes que envolviam
pedidos de abrigamento, porque tambm apresentavam relatos de que o acesso s
instituies de acolhimento pblicas e conveniadas somente seria efetivado aps
determinao do MP, o que em parte se deve a insuficincia de vagas. Assim, antes de
chegar s Promotorias parte dos comunicantes j haviam acionado outros servios
pblicos, dentre eles a Central de Recepo de Idosos, vinculada a Secretaria Municipal
de Assistncia Social, abrigos e Defensoria Pblica. H casos relatados em que os
comunicantes percorriam todas essas instituies. H outros em que profissionais da
Secretaria Municipal de Assistncia Social e da Secretaria de Envelhecimento Saudvel
e Qualidade de Vida encaminharam demandas de abrigamento de idosos ao MP para
que o autorizasse, embora o acolhimento institucional pblico seja de execuo do
municpio.
Alm disso, durante o estgio em Servio Social foram atendidos familiares
notificados que anteriormente haviam procurado o MP para solicitar o abrigamento do
idoso. Parte deles fora chamada para tomar cincia de que a famlia deveria viabilizar o
abrigamento. Assim, era lhes fornecida para consulta uma listagem de ILPIs privadas,
filantrpicas e conveniadas com o municpio e ou Estado para que de posse dos
endereos providenciassem a institucionalizao.
Diante disso, os atendidos narravam outras problemticas, entre elas, o fato de
idosos serem responsveis por outros idosos e questionavam quem assegurava o seu
prprio direito. Ademais, houve casos em que, pela demora e dificuldades em
concretizar o abrigamento pblico, alguns familiares se reorganizavam de diferentes
formas para resolver a situao, por vezes aceitando o idoso para residir com eles,
mesmo avaliando no terem condies para tal.
Neste sentido, considerei pertinente analisar o contedo desses documentos,
percebendo, entre outras questes: o perfil desses idosos; como os aspectos individuais,
familiares e sociais so acionados; de que forma os servios pblicos so provocados; o
que informa o prprio idoso e os demais comunicantes; como o abrigamento
compreendido pelos envolvidos.
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Denomina-se representao a ao por meio da qual algum em nome alheio defende interesse e direito
alheio. Trata-se de elaborao escrita que apresenta dada situao e solicita a interveno institucional.
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Desses aspectos, uma parte foi possvel obter em relao aos dezoito idosos,
considerando as informaes registradas no texto da representao de cada um. Com
relao aos oito casos ainda em andamento foram agregadas as informaes extradas da
leitura dos PA(s), isto , relativas aos encaminhamentos posteriores s representaes
que os originaram. O trabalho de campo foi feito at agosto de 2012 e alguns aspectos
includos posteriormente mediante a atuao profissional.
Ao optar pelo estudo de parte das representaes com pedidos de abrigamento
de idosos, redigidas no atendimento social das Promotorias, necessrio se faz considerar
que esses documentos so produzidos na interao entre profissional e atendido
(famlia, idoso e outros). Ou seja, o discurso escrito uma produo e no um dado,
pois pr-fabricado e construdo pela interao que o atravessa (BLANCHET e
GOTMAN, 1992). De modo semelhante, so constitudos os relatrios sociais presentes
nos procedimentos administrativos, os quais tambm devem responder ao despacho do
Promotor que os solicitou, ou seja, h uma direo do que documentar e o modo de
faz-lo, que esto definidas a priori.
Neste sentido, so pertinentes os apontamentos de Vianna (2002), que afirma
que esses documentos, enquanto bens administrativos registram aspectos parciais da
realidade, que resultam da converso das falas em depoimentos escritos e desses em
peas para a produo de uma deciso administrativa e ou judicial. As condies de
constrangimento das falas so dadas pela situao de estar perante profissionais e
especialistas com poder de avaliao e deciso. Nisso, h a escolha do que deixar
registrado ou do que silenciar ao longo do processo. Ademais, ao mesmo tempo em que
cada caso relatado em sua singularidade, tambm submetido a uma lgica comum,
dada pela elaborao padronizada e legal dos procedimentos adotados. A negociao do
contedo a ser registrado, se d entre os que so objeto do procedimento
administrativo e os profissionais que os atendem. Os procedimentos expressam, ainda, o
formato das relaes e das necessidades apresentadas e remodeladas legalmente e o
embate das concepes morais e simblicas capazes de definir uma famlia e um lugar
para o idoso.
Alm dessas consideraes, para realizar a anlise documental se estabelecem
critrios do que ser observado (SEVERINO, 2007). No que tange a esta elaborao,
foram considerados os aspectos acionados em face ao abrigamento, os demandantes
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Captulo I
Velhice como questo e configurao de polticas voltadas aos
idosos no Brasil
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que muitos desenvolvem doenas crnicas que tm impacto sobre a vida cotidiana
(IBGE, 2009). Em parte, a incapacidade funcional, conceito definido pela Organizao
Mundial da Sade OMS como a dificuldade devido a uma deficincia para realizar
as atividades tpicas e desejadas na sociedade, decorre dos processos de
envelhecimento, pois a sade produto das condies objetivas de existncia e
resultado das condies de vida (CAVALCANTI e ZUCCO, 2009, p. 70).
Outro fator que tender ao aumento do cuidado de idosos por outras instituies,
que no a famlia, refere-se ao:
[...] status da mulher e os valores familiares e sociais que passam por
transformaes e iro continuar a impactar na disponibilidade de ajuda
familiar. A baixa taxa de nascimentos e as complexidades da transio dos
jovens para uma maioridade moderna iro compor o cenrio. Estudos de um
amplo conjunto de pases em desenvolvimento revelam que pessoas mais
velhas esto se tornando menos confiantes em receber auxlio familiar.
Projees para o Brasil estimam o dobro de pessoas sendo cuidadas por nofamiliares em 2020, e cinco vezes mais em 2040, do que em comparao com
2008 (BANCO MUNDIAL, 2011, p 57).
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efetivas
necessidades
sociais
(IAMAMOTO,
2008,
p.200).
questionamento
permanente
das
aes
desenvolvidas,
como,
Conforme leituras feitas por mim, de ttulos e resumos de publicaes divulgadas em sites de
universidades e no Scielo.
7
Segundo a Lei de Regulamentao da Profisso Lei n. 8.662/93, Art. 5.
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Inclusive prevendo programas de estmulos s empresas para admisso de idosos e proibio de limite
mximo de idade, dando-se ainda preferncia ao de idade mais elevada nos casos de empate em concursos
pblicos (EI, Art. 26-28).
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10
Exemplos disso so: Estatuto dos Trabalhadores (1349), Estatuto dos Arteses (1563), Lei dos Pobres
Elisabetanas (1531-1601), Lei de Domiclio (1662), Speenhamland Act (1795), Poor Law Amendment
Act (1834). Ver mais sobre as mesmas em: BEHRING e BOSCHETTI (2007).
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porm, essas dependiam de alocao de recursos, que no foram previstos (Id.; Ibid.,
255-256).
Sob a influncia do debate internacional e por intermdio do processo
Constituinte, o Brasil incorporou o tema do envelhecimento na Carta Magna de 1988.
Assim, junto com o processo de redemocratizao do pas, vivenciado na mesma
dcada, organizaes da sociedade civil, incipientes em perodos anteriores, adquiriram
maior fora, entre elas as organizaes de aposentados e pensionistas que tiveram papel
relevante na luta por polticas pblicas para os idosos. Por intermdio do movimento
dos aposentados tornou-se favorvel a construo de uma concepo de idoso enquanto
ator poltico, apesar do grupo de aposentados no se restringir a pessoas com mais de 60
anos.
A Constituio de 1988 inovou ao apresentar a ideia de seguridade social com
integrao das polticas de assistncia, previdncia e sade, e princpios como
universalizao, equidade, participao, descentralizao. Para assegurar direitos
fundamentais, o texto constitucional comporta no captulo VII, que trata da famlia, da
criana, do adolescente, do jovem e do idoso, a viso de repartio de responsabilidades
entre famlia, Estado e sociedade.
Neste sentido, no que se refere ao idoso, a famlia, a sociedade e o Estado tm
o dever de amparar as pessoas idosas assegurando sua participao na comunidade,
defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito vida (Art. 230). E
ainda, os programas de amparo aos idosos sero executados preferencialmente em
seus lares (Art. 230, 1).
No que tange diviso de responsabilidades entre sociedade, Estado e famlia,
pode-se observar que, nas normativas, a ideia de proteo por parte da sociedade um
tanto inespecfica. Na realidade, a participao desta se torna visvel pela oferta de
servios de natureza privada e ou filantrpica e, mais do que pelo carter de proteo, se
mostra pela omisso, por exemplo, quando h violao de direitos. Alm disso, embora
se trate de repartio de responsabilidades, a falta ou precariedade de aes estatais na
promoo de servios sociais nem sempre devidamente apreciada. J sobre a famlia,
considerada no texto constitucional como base da sociedade (Art. 226) e cuja
natureza protetiva , tradicionalmente, considerada ontolgica, recaem julgamentos
morais e de responsabilidade legal.
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Nos transportes urbanos cabe legislao local definir se o direito abranger os idosos na faixa etria
entre 60 e 65 anos.
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aprovada quatro anos depois. Em 1993, foi aprovada a Lei Orgnica da Assistncia
Social (LOAS), Lei n. 8.742, revista pela Lei n 12.435 de 2011, que apresenta, entre
seus objetivos, a proteo social, que visa garantia da vida, reduo de danos e
preveno da incidncia de riscos (Art. 2, I). Nisso compreende a proteo
famlia, maternidade, infncia, adolescncia e velhice; e a garantia de 1 (um)
salrio-mnimo de benefcio mensal pessoa com deficincia e ao idoso que
comprovem no possuir meios de prover a prpria manuteno ou de t-la provida por
sua famlia (Art. 2, I a, e). Segundo a LOAS, a famlia considerada incapaz de
prover a manuteno do idoso quando comprovar renda mensal per capita inferior a
(um quarto) do valor do salrio mnimo (Art. 20 3) 13.
Em 1994, foi aprovada a Poltica Nacional do Idoso, Lei 8.842, pautada no
princpio de que o idoso sujeito de direitos e deve ter suas necessidades atendidas de
modo diferenciado. No que tange discusso do abrigamento, a Poltica apresenta, entre
suas diretrizes, a priorizao do atendimento ao idoso atravs de suas prprias
famlias, em detrimento do atendimento asilar, exceo dos idosos que no possuam
condies que garantam sua prpria subsistncia; e, ainda, a priorizao do
atendimento ao idoso em rgos pblicos e privados prestadores de servios, quando
desabrigados e sem famlia (Art. 4, III e VIII, respectivamente).
Seguindo a mesma linha de argumentao, o Decreto n. 1948/96, que
regulamenta a Poltica Nacional do Idoso, elucida que entende-se por modalidade
asilar o atendimento, em regime de internato, ao idoso sem vnculo familiar ou sem
condies de prover sua prpria subsistncia de modo a satisfazer as necessidades de
moradia, alimentao, sade e convivncia social (Art. 3). Em seu pargrafo nico, o
mesmo artigo acrescenta que a assistncia na modalidade asilar ocorre no caso da
inexistncia do grupo familiar, abandono, carncia de recursos financeiros prprios ou
da prpria famlia. Alm disso, o referido dispositivo legal atribui ao MPAS:
estimular a criao de formas alternativas de atendimento no asilar (Art. 2, IV).
No bojo da Poltica Nacional do Idoso h mistura de elementos relativos
condio de sade e ao campo da assistncia, e no fica clara a delimitao de
responsabilidades das respectivas polticas, nem as formas de concretizao das aes,
13
De acordo com a LOAS, a famlia composta pelo requerente, o cnjuge ou companheiro, os pais e,
na ausncia de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmos solteiros, os filhos e enteados solteiros e
os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Art. 20 1).
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suporte social, aqui entendido como uma srie de medidas e aes que
reforcem e apoiem o cuidado familiar e domiciliar e previnam o isolamento
social (CARTA DE OURO PRETO, 2002, p. 08).
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16
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18
apresenta como um
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica foi criada em 1977 dentro do Ministrio
da Justia, e alada ao status de ministrio em 2003. No ano de 2010 a Secretaria ganhou o atual nome.
18
Aprovado pelo Decreto n. 7.037, de 21 de dezembro de 2009 e atualizado pelo Decreto n. 7.177, de
12 de maio de 2010.
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que atuam em rgos do governo municipal e tambm nas ruas da cidade, informando e
promovendo o acesso dos cariocas a servios, programas e projetos, com o objetivo de
contribuir para a manuteno da autonomia dos idosos participantes; d) Sade Mvel
veculos adaptados para funcionar como miniconsultrios itinerantes, com profissionais
especializados e infraestrutura para a realizao de consultas, exames e pequenos
procedimentos, nas reas de clnica mdica, geriatria, oftalmologia e odontologia; e)
Qualivida aulas de ginstica em 120 ncleos da cidade; f) Rio Dignidade atende a
cerca de 500 idosos carentes da cidade do Rio, com mais de 70 anos, com um benefcio
de R$ 240,00 mensais; g) Casas de Convivncia e Lazer para Idosos funcionam em
seis espaos e oferecem atividades esportivas, informativas, de dana, ginstica,
artesanato, msica, etc.
Observa-se nessas aes que, alm da nfima abrangncia e irrisrios valores dos
programas que transferem recursos em espcie, o enfoque pautado na concepo de
envelhecimento ativo e saudvel. A ateno pensada para idosos que tenham suas
famlias, seus cuidadores e que tenham condies para frequentarem grupos de lazer e
sociabilidade (DELGADO e FLOR, 2012, p. 88).
De modo geral, as atuaes pblicas so pontuais e direcionadas principalmente
queles que ainda possuem alguma condio de busc-las por si prprios e ou tenham
famlias para faz-lo. Ademais, impem critrios restritivos de acesso, o que na prtica
configura uma atuao que no responde de forma efetiva s necessidades dos idosos.
Se existissem programas mais abrangentes e voltados para aqueles com dependncia de
cuidados, uma parcela dos casos de abrigamento seria evitada.
50
Captulo II
Intervenes estatais na rea do idoso com direitos violados
51
20
. No
20
por
exemplo,
em
52
comunicaes sobre violao de direitos de todos os segmentos etrios 21. Esse servio
encaminha as denncias para vrios rgos, dentre eles, novamente ao Ministrio
Pblico.
As ouvidorias, por permitirem o anonimato da denncia, podem representar um
instrumento favorecedor da comunicao queles que so vtimas de maus tratos e
temem identificar-se. Por outro lado, so tambm acionadas para a comunicao de
situaes improcedentes, nas quais, por vezes, no relato h indicativos de serem feitas
por vizinhos e ou parentes que vivenciam algum conflito entre si. Isso foi tambm
observado durante a minha prtica profissional como assistente social e, de forma mais
visvel, se mostrou nas comunicaes feitas por meio da ouvidoria do Disque Direitos
Humanos, cujos textos das denncias foram encaminhados ao MP. Essa ouvidoria
provavelmente no solicita ao comunicante informao mais detalhada, pois conforme
tem se mostrado, em parte das denncias, o local dos fatos apresentado de modo
confuso e feita uma descrio que privilegia o violador de direitos, em detrimento de
informaes sobre aquele que necessita da interveno do Estado.
As ouvidorias recebem as denncias, realizam o registro, buscam solucion-las e
ou encaminh-las aos rgos competentes. Dessa forma, a mesma comunicao
geralmente encaminhada a mais de um rgo, bem como o/a denunciante pode
registrar a denncia em mais de uma ouvidoria, o que gera variadas intervenes. Essa
realidade foi observada em algumas das visitas domiciliares realizadas por mim e por
outras assistentes sociais do Ministrio Pblico, nas quais quem nos atende expe j ter
recebido visitas semelhantes. Nessas ocasies, verbalizam ideias confusas sobre o papel
de cada instituio e, recorrentemente, manifestam estarem fartos de visitas que os
levam a responder perguntas semelhantes e expor sempre os mesmos problemas, sem
ainda vislumbrarem uma interveno efetiva na realidade abordada. Houve ocasies em
que as visitas de diferentes instituies foram realizadas na mesma data.
Desse modo, se por um lado o uso da tecnologia permite comunicar por telefone
ou e-mail aos servios de Ouvidorias situaes de violaes de direitos e iniciar
intervenes, por outro lado, a tecnologia ainda no utilizada de maneira satisfatria
para a comunicao interinstitucional das aes desenvolvidas. Isso gera multiplicidade
de atuaes voltadas a analisar e esclarecer a situao comunicada. Para isso,
21
O Disque 100, nascido em 1999, se voltava violao de direitos de crianas e adolescentes e a partir
de dezembro de 2010 incorporou outras reas e passou a ser chamado Disque Direitos Humanos.
53
22
. No Rio de Janeiro, o
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa CEPEDI , foi institudo
22
54
em 1996 pela Lei Estadual 2.53623. E o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa
Idosa foi criado somente em 02/12/2010 por decreto municipal, com estrutura de
funcionamento junto a SESQV 24.
Com relao defesa dos direitos do idoso, h ainda a Defensoria Pblica do
Estado do Rio de Janeiro, que dispe do Ncleo Especial para Atendimento s Pessoas
da Terceira Idade NEAPI , no qual so atendidas as situaes que envolvem
demandas jurdicas. A Defensoria atende queles que no tm condies financeiras de
contratar advogado e de pagar as despesas do processo judicial.
O NEAPI funcionava em regio central da cidade, em rua paralela s
Promotorias do Idoso do Ministrio Pblico, porm, em junho de 2012, foi transferido
para uma nova sede na zona sul da cidade, no Bairro Leblon, junto da qual funciona
outro rgo da Defensoria Pblica, o Ncleo de Atendimento Pessoa com Deficincia
(Nuped) 25. Assim, alm da Delegacia, o NEAPI mais um rgo de defesa dos direitos
do idoso que foi transferido da rea central da cidade para a zona sul. Entretanto, no
foram encontradas publicaes sobre os motivos da escolha dessa rea para a instalao
e sim apenas meno ao fato de a nova estrutura contar com rampa de acesso e
banheiros adaptados para cadeirantes.
Diferentemente da Defensoria Pblica em que figuram processos judiciais, nas
Promotorias do Idoso se constituem procedimentos administrativos PA(s) sobre
situaes que demandam medidas de proteo, mas a depender do caso podem ser
transformados em processo judicial. Alm disso, os PA(s) so restritos a situaes nas
quais nem o idoso, nem a sua famlia tem condies de atender e ou reivindicar seus
direitos em outras instncias, o que ser retomado frente.
Considerando os servios aqui listados, pontua-se a inexistncia de um fluxo
pr-definido, o que pode levar multiplicidade de uma mesma denncia e ao registro
dos fatos em mais de uma instituio. Em parte dos casos isso somente ser solucionado
ao chegar a juzo, passando-se a considerar apenas a denncia mais antiga e
incorporando no processo todas as demais. Ou seja, realizando a "juntada" solicitada
pelo promotor (SOUZA, et. al., 2008, p. 1157).
23
55
56
constitui-se,
Os procuradores so nomeados pelos governadores a partir da apresentao de uma Lista Trplice com
membros eleitos pelos integrantes do prprio Ministrio Pblico. A nomeao deve ser aprovada pela
Assembleia Legislativa (PAES, 2010).
57
27
Pblico, considerando que a Constituio Federal confere essa instituio a tutela dos
interesses transindividuais das pessoas com deficincia e que a Lei Federal n 10.741/03
incumbe ao Ministrio Pblico, atribuies extrajudiciais e judiciais em prol da tutela
individual da pessoa idosa.
Assim, a criao das PJPIPD da Capital se realizou pelas seguintes resolues:
1 e 2 Promotoria Resoluo n. 1284, de 08 de maro de 2005; 3 Promotoria
Resoluo n. 1349, de 30 de novembro de 2006; 4 Promotoria Resoluo n. 1424,
27
Segundo Garapon (1997), a expresso Parquet se refere ao Ministrio Pblico e suas atribuies. O
termo decorre da trajetria simblica de delimitao dos locais judicirios. No Ocidente, a primeira
configurao de um espao de justia consistiu numa sebe de ramagens no exterior das cidades. Da
deriva a origem do termo Parquet, isto , o pequeno parque, recinto delimitado por barreiras e
gradeamentos, no seio do qual se sentavam todas as gentes dos reis como os oficiais de diligncias ou os
advogados. No Parquet reinava uma ordem especial e obrigatria, estando as deslocaes, discursos e
comportamentos sujeitos vigilncia da audincia. Atualmente nas salas de audincias, o Parquet,
geralmente o local reservado aos magistrados do MP e designa igualmente o grupo formado por eles.
58
29
Pelo telefone 127 ou e-mail disponvel atravs do link da Ouvidoria, no site do Ministrio Pblico
(www.mp.rj.gov.br) ou pessoalmente na sede da mesma, na Avenida Marechal Cmara n 170, trreo.
29
Denomina-se representao a ao por meio da qual algum em nome alheio defende interesse e direito
alheio. No caso das Promotorias, difere da comunicao feita Ouvidoria por exigir a identificao do
comunicante.
59
Servio Social junto s Promotorias do Idoso. Parte das comunicaes proveniente dos
profissionais da rea de sade, que so obrigados a comunicar os casos de suspeita ou
confirmao de maus-tratos contra idoso (EI, Art. 19)
30
deste estudo, observou-se que parte das comunicaes de profissionais foi feita atravs
de relatos encaminhados por meio de fax ao Servio Social das Promotorias ou
diretamente s secretarias das mesmas para em ambos os casos serem apresentadas aos
Promotores.
No Ministrio Pblico, quando a comunicao protocolada analisada pelos
promotores como atribuio da instituio, constitudo procedimento administrativo
PA. Alm dessa instaurao, a partir das comunicaes/ representaes, as
Promotorias tm a tutela de todos os idosos que esto em ILPI, para os quais tambm
so gerados procedimentos administrativos individuais e, em decorrncia disso, o
acompanhamento de cada caso 31.
Para o seu funcionamento, as Promotorias solicitam informaes, estudos,
pareceres e avaliaes a profissionais vinculados a rgos de apoio da prpria estrutura
institucional, dentre os quais: a) Grupo de Apoio Tcnico Especializado (GATE).
Composto por profissionais de variadas reas
32
A no comunicao por parte dos profissionais de sade e responsveis por ILPIs de casos de crime
contra o idoso consiste em infrao administrativa, punvel com multa (EI, Art. 57).
31
As ILPIs enviam ao Ministrio Pblico informaes individuais de todos os idosos abrigados, mesmo
daqueles que tm famlia e ou so independentes e para cada um constitudo um PA. No que tange a
situao de abandono material ou material por parte dos familiares, obrigatria a comunicao ao MP
(cf. art. 50, EI).
32
O GATE se subdivide em quatro reas: ambiental; instituies e direitos sociais; patrimnio pblico e
consumidor; sade. Agrega mdicos, assistente social, psiclogos, psiquiatras, contador, engenheiros
(civil, qumico, de alimentos, cartgrafa), arquitetos, historiador, bilogos, fsico nuclear, economista.
60
33
O Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteo ao Idoso e Pessoa com Deficincia
atende os rgos de execuo com atuao na defesa de interesses difusos, coletivos, individuais
homogneos de relevncia social e individuais indisponveis, em matria de proteo ao idoso e pessoa
com deficincia (Resoluo 1804, de 28 de janeiro de 2013, Art. 12).
34
O Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justia Cveis atende os rgos de execuo com
atribuio em matria cvel, empresarial, de famlia, de rfos e sucesses, de acidentes do trabalho, de
fundaes, de liquidaes extrajudiciais, de registro civil, de fazenda pblica, de registro pblico e de
Juizados Especiais Cveis. (Resoluo 1804, de 28 de janeiro de 2013, Art. 4).
35
Segundo exposio oral de Coordenadores dos citados rgos de apoio em reunio da equipe de servio
social, quando foi tambm defendida a diviso da mesma. Alm disso, conforme a exposio entendeu-se
por especializao a realizao de anlises que envolvam o mesmo segmento populacional e no uma
formao especfica.
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mesas
informatizadas
para
os
funcionrios
estagirios
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uma vista bonita [para a Baia de Guanabara], aqui d pra ver como o dia est
lindo, l na sala [de espera] no d pra ver nada.
O atendimento social redigido pelo profissional, posteriormente lido pelo
usurio e assinado por ambos. Nesse momento, por vezes se travam questionamentos
relativos ao contedo, so esclarecidas dvidas e negociados pontos que devem ser
considerados ou no no texto. Dessa forma, revises so possveis. Esse desenrolar do
atendimento se refere ao Servio Social, pois com relao aos dos Promotores no
foram feitas observaes ou participaes. Alm disso, a afirmao relativa aos
atendimentos sociais se refere ao tempo em que fui estagiria de Servio Social nas
Promotorias e participei da realizao de parte deles.
Ademais, no registro do atendimento o comunicante identificado e para tal
fornece seu documento de identidade, do qual tambm emitida fotocpia para anexar
via do atendimento que compor o procedimento administrativo.
66
Com isso, verificada qualquer das hipteses previstas no art. 43, o Ministrio
Pblico ou o Poder Judicirio, a requerimento daquele, poder determinar medidas
protetivas, dentre outras, as seguintes:
[...] I. encaminhamento famlia ou curador, mediante termo de
responsabilidade; II. orientao, apoio e acompanhamento temporrios; III.
requisio para tratamento de sua sade, em regime ambulatorial, hospitalar
ou domiciliar; IV. incluso em programa oficial ou comunitrio de auxlio,
orientao e tratamento a usurios dependentes de drogas lcitas ou ilcitas,
ao prprio idoso ou pessoa de sua convivncia que lhe cause perturbao;
V. abrigo em entidade; VI. abrigo temporrio. (EI, Art. 45).
67
68
38
Entretanto, com base no referido artigo que a situao deve ser avaliada. Pode-se
ento, depreender que a ameaa ou violao de direitos que constitui um risco
social.
No texto do Estatuto do Idoso, a expresso risco se mostra nas seguintes
partes: a) da assistncia social acolhimento de idosos em situao de risco social
(Art. 36); b) da fiscalizao das entidades de atendimento na ocorrncia de infrao
que coloque em risco os direitos assegurados nesta Lei ser o fato comunicado ao
Ministrio Pblico (Art. 55, da 3); c) da apurao administrativa de infrao s
normas de proteo ao idoso risco para a vida ou sade (Art. 62-63); d) e do
Ministrio Pblico oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos de
idosos em condies de risco; atuar como substituto processual do idoso em situao
de risco, conforme o disposto no art. 43 desta Lei (Art. 74, II e III).
Embora no haja absoluta clareza sobre a definio da situao de risco, o que
se pode considerar que, nas Promotorias, seu uso serve para delimitar a interveno, e
sobre ela que buscarei trazer elementos da pesquisa documental que contribuam para
uma melhor compreenso.
A invocao da situao de risco utilizada como parmetro para o incio da
atuao das Promotorias, para a sua continuidade e tambm para justificar o
arquivamento de PA(s), quando considerada a sua inexistncia. Em quatro das dezessete
representaes analisadas na minha pesquisa so utilizadas expresses na introduo
do texto, como as seguintes: informar possvel situao de risco social, situao de
vulnerabilidade que vivencia. Nas demais representaes, as problemticas relatadas
foram denominadas por: negligncia, abandono, maus tratos, abrigamento foroso; ou
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69
situao
de risco,
geralmente acompanhada de
Esses quesitos reiteram a noo de que o idoso com suas necessidades bsicas
viabilizadas e que tenha indcios de condies de sade mental para seus atos no est
em situao de risco. Isso significa que as situaes adversas por ele vivenciadas no
comportam a atuao do Ministrio Pblico e devem ser viabilizadas por ele e sua
famlia via processo judicial, por exemplo.
Assim, o arquivamento de PA(s) realizado quando no se percebem elementos
para aplicao de medidas de proteo e ou na existncia de outra medida judicial que
contemple o mesmo objeto que os instaurou. Neste sentido, extraio de uma Promoo
de Arquivamento, documento que elaborado pelos promotores e encaminhado ao
Egrgio Conselho Superior do Ministrio Pblico 39, os seguintes fragmentos:
de se notar, que a atuao do Ministrio Pblico na tutela individual do
idoso s legtima quando efetivamente estiver caracterizada situao de
risco, que deve ser entendida de maneira restritiva, j que a vocao
constitucional do Parquet a tutela de direitos com dimenses coletivas, s
39
Formado por procuradores com maior tempo de experincia e de atuao no Ministrio Pblico. O
arquivamento de PAs somente ocorre com a concordncia deles.
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Art. 1780 do Cdigo Civil: A requerimento do enfermo ou portador de deficincia fsica, ou, na
impossibilidade de faz-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe- curador para
cuidar de todos ou alguns de seus negcios ou bens. Art. 1768: A interdio deve ser promovida: pelos
pais ou tutores; pelo cnjuge, ou por qualquer parente; pelo Ministrio Pblico.
71
dos arranjos sociais, ou seja, a dependncia no se restringe aos aspectos mdicos, pois
h uma dimenso social que diz respeito necessidade de cuidados de longa durao.
Neste sentido, a referida autora defende que o reconhecimento do cuidado como
direito social fundamental para estabelecer polticas pblicas que possibilitem apoios e
alternativas de assistncia, que predominantemente tm sido realizados nas ILPI(s) em
sua maior parte filantrpicas e privadas.
A partir disso, cabe ainda uma observao sobre o termo cuidado. Constatei seu
uso em parte das recomendaes da rea da sade, como, por exemplo, Carta de Ouro
Preto, Estratgia Sade da Famlia, Programa de Cuidadores de Idosos, Plano de
Enfrentamento a Violncia Domstica. Nesses documentos utilizado em relao s
prticas realizadas no domiclio do idoso pela sua famlia e ou por terceiros, e se
assemelha ao sentido trabalhado por Camarano na discusso acima exposta.
Nas
demais legislaes e polticas voltadas aos idosos observa-se o uso dos termos ajuda e
amparo (CF, 1988, Art. 229 e 230), proteo, atendimento, amparo e assistncia (EI,
2003).
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tratamento mdico e agride a seu genitor, 90 anos, e a outros familiares, o que leva a
temer pela integridade fsica de todos. A outra comunicante solicita interveno em
razo de ela, 58 anos, ter problemas psiquitricos e residir somente com sua irm idosa,
73 anos. Exps que, em circunstncias de surto, gasta incontrolavelmente seus
proventos e os da irm, que juntos totalizam mais de 40 mil mensais 42, porm devido a
emprstimos no suprem as necessidades bsicas de moradia, alimentao e sade.
Nesses dois casos no se trata de pedido de abrigamento e sim de apresentao de
limites para a assistncia familiar aos idosos.
Dessa forma, parte das representaes realizadas por parentes informam
conflitos e obstculos nas negociaes intrafamiliares, e com isso, a necessidade de uma
determinao externa, que valide o abrigamento ou o trmino dele. Em duas situaes,
se apresenta o pedido de interveno por um agente externo famlia, que seja capaz de
minimizar as consequncias decorrentes de doenas psiquitricas que dificultam a
convivncia e ou a sobrevivncia. Ademais, todas as comunicantes relatam ter buscado
outros meios antes do MP.
As representaes realizadas pelas proprietrias dos imveis onde as idosas
residem e pela sndica, acompanhada de advogada, apresentam histrias de duas idosas
e um idoso que moram sozinhos, so solteiro/as, sem filhos, sem qualquer
assistncia familiar, em total estado de abandono. As narrativas informam que uma
das idosas, 71 anos, est acamada em decorrncia de fratura do fmur, recebe um salrio
mnimo e reside em quitinete. Ela sempre residiu sozinha, no manteve contato e
vnculo com familiares, nem solicita a presena deles. A outra idosa, 72 anos, apresenta
indcios de desorientao, recolhe lixo e o guarda no apartamento. Deste modo, ambas
de alguma forma dependem de assistncia, que na ausncia da famlia passa a
incomodar a terceiros, especialmente a preocupar as proprietrias dos imveis. No caso
do idoso, h problemas de retardo mental e necessidade de acompanhamento para
AVD Atividades da Vida Diria. Este foi levado s Promotorias juntamente com a
comunicante, porm no consta se foi ouvido. Na ocasio da representao, o
promotor determinou o acolhimento provisrio em instituio pblica e o idoso foi
encaminhado de imediato Central de Recepo de Idosos. O acolhimento dele se
42
Ambas as idosas so pensionistas de coronel das Foras Armadas, recebendo disso quase 14 mil reais
cada. Uma das idosas tem tambm aposentadoria de cerca de quinze mil reais. Devido aos emprstimos
na ocasio da comunicao recebiam juntas cerca de 5 mil reais.
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76
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possui sobrinhos, tem s um irmo. Com relao aos idosos vivos, todos tiveram
filhos. Diferentemente das vivas, o idoso independente para a realizao de
atividades e o prprio solicitou o abrigamento, devido a conflitos com o filho, com
quem residia. J no que tange s quatro idosas vivas, so relatadas as seguintes
situaes: tem uma filha falecida e netos adolescentes que no podem lhe dar
assistncia; uma filha de criao, mas pela dependncia da idosa que est acamada
no tem como assisti-la; me de trs filhos, mas h conflitos familiares; informa
ter dois filhos, mas no os qualifica, nem dispe possveis contatos deles.
Desse modo, observa-se que no caso dos idosos solteiros invocada alguma
forma de pertencimento familiar, o que tambm ocorre no caso do/as vivo/as. Todavia,
em relao a estes, a exposio da situao acompanhada de certa justificativa por no
ter a assistncia dos descendentes.
A famlia trazida tona nos PA(s) em consequncia da lgica familista, que
estrutura as relaes sociais e se mostra na configurao das legislaes e polticas
sociais. Com isso, quando tm conhecimento de familiares, os comunicantes informam
os nomes, endereos e telefones. E, na ausncia dessa informao por parte daqueles
que vo s Promotorias, os promotores, posteriormente, podem solicitar ao GAP a
realizao de pesquisa para localizao e qualificao da parentela.
Outra dimenso a ser considerada a das condies materiais vivenciadas pelos
idosos. No que tange ao acesso ao direito previdencirio ou assistencial no grupo
estudado, foram documentadas as seguintes situaes: 7 so aposentados, dos quais 5
recebem apenas um salrio mnimo (3 mulheres, 2 homens); 1 idoso recebe BPC; 5 so
pensionistas (4 mulheres e 1 homem); 1 idosa aposentada e pensionista com
rendimento em torno de 29 mil reais, mas com emprstimos consignados que abrangem
quase a totalidade. A idosa que esposa de um idoso aposentado, que faz parte do
grupo estudado, no informou se recebe provento. H ainda 3 idosos que no tm
rendimentos (1 homem e 2 mulheres). Com relao a estes, constam os seguintes
relatos: o idoso h 2 anos no paga o condomnio onde reside e no tem recursos
financeiros para o seu autossustento, alimenta-se com comida fornecida pelos
vizinhos. Quanto s idosas, uma vivia em situao de rua e a outra no tem os
documentos necessrios para requerer direitos, e assim, sobrevive com cesta bsica
fornecida pela igreja local e benesses de vizinhos.
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Dentre os cinco idosos que recebem apenas um salrio mnimo, constata-se que
2 mulheres e 1 homem moram sozinhos e dependem da ajuda de parentes para pagar o
aluguel; 1 idoso e 1 idosa residem com amigos, sendo que ela foi institucionalizada
posteriormente.
No que se refere sade, no grupo estudado so mencionadas situaes que para
3 homens e 9 mulheres, caracterizam dependncia parcial ou total para AVD. Dentre as
circunstncias, se destacam a impossibilidade e ou dificuldades para deambular e para o
exerccio da vida civil. Desse modo, 3 mulheres e 2 homens deambulam com auxlio de
equipamento de autoajuda e 3 idosas so acamadas. Problemas mentais so
apresentados por 5 idosas e 2 idosos e descritos como senilidade, retardo mental,
demncia, desorientao. Quatro idosos so curatelados. Com relao aos demais
problemas de sade relatados, na totalidade do grupo, se destacam os de hipertenso
arterial, cardacos, circulatrios e diabetes.
Sobre o atendimento sade, constam as seguintes informaes: 3 homens e 3
mulheres utilizam o SUS; 2 homens e 4 mulheres tm plano de sade; uma idosa conta
com servios privados; 1 idoso e 2 idosas fazem acompanhamento de sade, mas no
informaram por quais meios, sendo que uma delas por problemas de sade realizou
emprstimos consignados ao seu benefcio previdencirio. Duas idosas no fazem
nenhum acompanhamento e uma delas utiliza medicamentos sem prescrio mdica,
que lhe so doados por membros da igreja.
Um dado que chama ateno que apenas seis idosos do grupo estudado
informam utilizar os servios do SUS, mas no h dados suficientes que permitam
afirmar se esses usam exclusivamente o servio pblico de sade. Mesmo assim,
observa-se que sete idosos utilizam servios privados e, com isso, se mostra a
mercantilizao do atendimento s necessidades sociais e, nesse quadro, os servios
deixam de expressar direitos, metamorfoseando-se em atividade de outra natureza,
inscrita no circuito de compra e venda de mercadorias (IAMAMOTO, 2008) 43.
Neste sentido, considerando as demandas de abrigamento, embora a legislao
relativa aos idosos o defina como medida excepcional e, no Brasil, a assistncia a eles
se realize predominantemente pelas famlias, uma vez que cerca de 1% dos idosos esto
em ILPI, se observa aumento do nmero de instituies privadas que oferecem servios
43
Nessa discusso ver tambm Behring e Boschetti (2007), Mota (2008), entre outros.
79
44
De acordo com notcia veiculada, no dia 06/01/2010, no site do Ministrio Pblico, sobre reunio entre
este e a Prefeitura do Rio de Janeiro.
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para os que fazem a mediao entre lei e realidade? Quem deve ser responsabilizado? E
em que medida isso soluciona o problema do idoso?
As
situaes
apresentadas
Promotorias
constituem
procedimentos
81
Captulo III
Documentos retratos de momentos da vida e que sobre ela
intervm
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interrompa. Este papel atribudo aos juzes e de modo parecido, em alguns aspectos
aqui analisados, pode se mostrar na atuao de promotores de justia, que definem, por
exemplo, quando deve findar a atuao em cada caso.
O sistema de justia brasileiro, alm de contraditrio, inquisitorial. Essa
afirmao parte da exposio de Kant de Lima (2004), segundo a qual, o processo
judicial se inicia pela denncia do promotor, que gera interrogatrio e defesa. Para alm
da estrutura do processo, o aspecto inquisitorial se mostra na disposio do espao do
Tribunal do Jri e de outras instituies que operam a Justia. Nelas, a acomodao
simblica do ambiente fsico e o comportamento que exigido do acusado tambm
exprimem a repartio de papis, de acordo com o ritual judicirio (GARAPON, 1997).
Conforme a argumentao de Figueira (2008), no sistema inquisitorial h
concepo de uma verdade a ser descoberta, porm esta j foi construda a priori.
Assim, no se trata de levantar o que aconteceu e sim o que aconteceu aos olhos do
Direito. A verdade no campo jurdico passa a ter uma operacionalidade, sendo a
realidade e os fatos reconstrudos conforme a interpretao que prpria dessa rea.
Com isso, o sujeito notificado tambm suspeito a priori. Nessa perspectiva, o que est
em julgamento pode no ser a conduta, e sim a pessoa. Provavelmente por isso, em
parte, os notificados ao comparecerem s Promotorias, se ressentem por sentirem-se
acusados.
Pode-se considerar que, nas Promotorias do Idoso, aspectos inquisitoriais se
mostram por meio das oitivas realizadas pelos promotores e de entrevistas feitas pelo
servio social ou outros profissionais, cujos textos compem os procedimentos
administrativos.
Dessa forma, mais do que um fluxo de registros documentais, os procedimentos
administrativos revelam aspectos da vida dos idosos e de sua rede de relaes que so
relatadas nas interaes entre agentes institucionais e outros envolvidos. Nisso, os
paradigmas institucionais, valores culturais, preceitos contidos nos cdigos legais e
formaes profissionais so utilizados para interpretar e categorizar situaes e pessoas,
bem como para pautar acordos, entendimentos e evidncias dos fatos.
As informaes que constituem os PA(s) so conduzidas em segredo, isto ,
tm acesso a elas o comunicante e o idoso. A consulta poder ser autorizada a terceiros
somente mediante pedido formal apresentado ao promotor. Entretanto, a depender das
informaes levantadas, os PA(s) so apresentados Justia e todos os elementos
84
45
46
Conforme anteriormente exposto, a elaborao de estudo social atribuio privativa dos assistentes
sociais.
46
Roteiro elaborado pelas Promotorias. Com esta nomenclatura no obriga as ILPIs a responder mediante
a atuao de um assistente social, por no ser considerado um instrumental privativo dessa profisso.
H, no entanto, controvrsias sobre isso, uma vez que as informaes a serem tratadas envolvem
conhecimentos inerentes ao Servio Social.
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Neste sentido, cabem ainda observaes por mim feitas enquanto estagiria e
profissional em que os envolvidos em situaes diversas, ao serem orientados a
buscarem a Delegacia de Polcia e ou a Defensoria Pblica, geralmente expunham que
no o fariam por que no desejavam judicializar os fatos apresentados. Isso ocorria
principalmente quando envolvia familiares. Explicavam necessitar de um agente externo
famlia que interferisse na situao, mediasse algum conflito, contudo, sem ocasionar
consequncias negativas para os seus e, ainda, sem que os familiares soubessem quem
havia exposto a situao instituio.
Conforme Debert e Oliveira (2012), estudos realizados em Delegacias de Polcia
demonstram que, ao fazer uma comunicao/denncia, as vtimas no queriam a
punio de seus agressores por se tratarem de seus prprios parentes, e, por isso, no
davam prosseguimento aos procedimentos policiais e raramente queriam processar
penalmente seus agressores Assim, as vtimas esperavam que a polcia atuasse como um
freio conduta violenta, conciliando as partes, dando um susto, ou at
aconselhando o agressor para que se restabelecesse o vnculo familiar.
Situaes semelhantes me foram tambm expostas em visitas sociais realizadas.
Isso se mostrou, especialmente, em casos em que os prprios idosos apresentaram a
comunicao ao MP. Geralmente, junto com o relato das circunstncias das suas
situaes, verbalizaram problemticas que envolvem a vida dos seus. Exemplificam
isso, situaes como as seguintes: ocasies de conflitos entre idosos e descendentes na
diviso do espao domstico, quando h retornos desses casa, e, ao mesmo tempo o
desemprego ou insuficincia de renda para manuteno de mais de uma residncia; o
idoso se sente desrespeitado por no ter mais autoridade moral sobre os seus; violncias
fsicas perpetradas por familiares que fazem uso abusivo de lcool e outras drogas ou
ainda que tenham problemas de sade mental e, por outro lado, a no aceitao de
tratamento por parte desses e a ausncia de condies para viverem, se for determinado
o seu afastamento do lar.
Nessas circunstncias, geralmente os idosos demandam uma interveno porque,
embora parte deles seja independente para reivindicar seus direitos, no tem
condies de alterar a situao vivida. Assim, esperam que um profissional possa
estabelecer um acordo, orientar e, principalmente, convencer os envolvidos a mudarem
sua postura.
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pela Defensoria Pblica e Delegacias de Polcia, nos quais geralmente consta o seguinte
texto: Sirvo-me do presente para encaminhar o Sr/Sra [nome completo] para
atendimento devido aparente situao de risco. Estaria como pano de fundo, alm da
preocupao com o respaldo institucional, a viso de que os indivduos encaminhados
podero no ser atendidos noutra instituio? Por outro lado, os usurios dos servios
pblicos tambm sabem que sem um papel para levar e mostrar podero no ter
xito no atendimento. Em parte dos casos, quando de posse de um papel timbrado ou
carimbado, ele parece se tornar um fetiche e adquirir vida prpria, tamanho poder
aparente contm.
Isso leva a considerar ainda quando em dado perodo fora demandado ao Servio
Social nas Promotorias o atendimento de notificaes de responsveis institucionais e
familiares para a entrega de cpias de documentaes. Posteriormente, aps constantes
exposies aos promotores de que essa atividade no exigia conhecimento profissional,
bem como no era atribuio do Servio Social, a mesma passou a ser realizada por um
tcnico administrativo. Nessa poca de transio, eu era estagiria em Servio Social e
vrios atendidos, principalmente familiares, solicitaram atendimento social reclamando
que o tcnico administrativo apenas lhes fornecia um papel constando que documentos
haviam sido entregues. Argumentavam que o fato de nesse papel no identificar quem
entregara os documentos e de no elenc-los no os precavia de novas notificaes com
os mesmos pedidos. Diante disso, afirmavam necessitar de um papel completo como
o que o Servio Social fornecia quando os atendia. Com o passar do tempo, os atendidos
pelo tcnico administrativo passaram a acatar o documento que lhes era fornecido sem
maiores reclamaes.
Em geral, nos documentos que acompanham os encaminhamentos institucionais
s Promotorias, h tambm uma espcie de argumentao que se expressa em evocaes
legais sobre a realidade do usurio a que se referem. Chama ateno que em textos
enviados por instituies de sade com comunicao sobre situaes de violncia contra
idosos, h certa padronizao da escrita que se refere ao idoso como sujeito de
direitos, com citaes de artigos do EI e por fim, que solicita-se atendimento para o
caso. Desse modo, tem-se a impresso que por um lado essa formatao busca se
adequar a escrita jurdica e por outro, argumentar por meio de elementos da prpria
legislao que a demanda do idoso deve ser contemplada.
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atendimentos pode ser acordada entre profissional e atendido, uma vez que este toma
cincia do contedo documentado e o assina se com ele concordar.
A depender do tom que dado aos registros das narrativas e das informaes
que so agregadas aos procedimentos administrativos, a busca inicial por medida
protetiva, no caso o abrigamento de idosos, pode conduzir por outro lado a medidas que
responsabilizem principalmente os familiares acusados de negligncia e maus tratos.
Essa dinmica tem relao com a lgica que estrutura as legislaes e polticas sociais, a
qual incumbe prioritariamente famlia a assistncia aos seus dependentes.
Segundo Debert e Oliveira (2012), os novos objetos sobre os quais se debrua o
Poder Judicirio compem uma imagem das sociedades ocidentais contemporneas
como cada vez mais enredadas com a semntica jurdica, com seus procedimentos e
com suas instituies. H uma invaso do direito que no se limita esfera
propriamente poltica, mas tem alcanado a regulao da sociabilidade e das prticas
sociais em esferas tidas, tradicionalmente, como de natureza estritamente privada. A
famlia passa a ser percebida como uma instncia em que os deveres de cada um de seus
membros so claramente definidos, e as polticas pblicas devem criar mecanismos
capazes de reforar e estimular cada um deles no desempenho de seus respectivos
papis.
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Novamente cabe reiterar que as representaes pesquisadas foram elaboradas desse modo e que
posteriormente o Servio Social deixou de realizar essa atividade. Portanto, no se trata de uma tarefa
hodierna, embora o texto dissertativo trabalhe-a como se no tempo presente.
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por intermdio do
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No CAOIPD, por exemplo, atualmente o prazo de envio dos relatrios sociais de at dois meses a
contar da data da solicitao.
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Idoso Roberto
A trajetria de Roberto passou a ser conhecida no Ministrio Pblico em meados
de 2010, quando ele tinha 76 anos e procurou atendimento mediante encaminhamento
formal da Defensoria Pblica do Estado do Rio de Janeiro.
No documento proveniente dessa instituio constava o seguinte relato: quer
que o imvel onde residia e que hoje est alugado seja desocupado, para que volte a
residir no imvel de sua propriedade e no mais com seu filho em uma casa alugada.
Quer ainda a devoluo de seus documentos de identificao.
Alm dessa informao na representao elaborada no atendimento social das
Promotorias do Idoso foram registrados pontos da trajetria de vida de Roberto. Ele
vivo, tem quatro filhos e residia sozinho em imvel prprio. Aps internao em
clnica psiquitrica sua casa foi alugada por um dos filhos e com a alta mdica passou a
morar com este, a nora e trs netos. Seus documentos pessoais foram retidos pelo filho.
Neste sentido, se por um lado a co-residncia pode beneficiar tanto as geraes
mais novas quanto as mais velhas, no que se refere s trocas de afeto, de servios e de
dinheiro (LINS de BARROS, 1987; ALVES, 2007; PEIXOTO, 2009), por outro lado,
[...] no se sabe, por exemplo, se do ponto de vista dos idosos os arranjos
familiares predominantes esto refletindo as suas preferncias ou se so
resultado de uma solidariedade imposta. [...] essa pode ser resultado de
presses econmicas, sociais e/ou de sade, seja de sua parte, seja da parte de
seus filhos. O mesmo se passa com os demais membros da famlia. Esse um
ponto importante a ser considerado porque pode ser um elemento
desencadeador de insatisfao e violncias domsticas. (CAMARANO, et
alli, 2004, p.145).
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Conforme apontado por Minayo (2004), Debert (2009), Peixoto (2009), entre outros.
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Cabe aqui uma observao: a nora informou que o idoso fora encaminhado para
outra ILPI, mas prevaleceu a informao enviada documentalmente pela instituio da
qual ele saiu. Assim, concluiu-se que o idoso retornou ao convvio familiar.
Com isso, findou por ora o registro da histria de Roberto na Promotoria do
Idoso, na qual esteve no decorrer de vinte e um meses.
Idosa Laura
A escrita da histria de Laura nas Promotorias do Idoso teve incio em dezembro
de 2010, quando ela tinha 83 anos. A comunicao foi feita por uma vizinha.
No texto da representao foi registrado que a idosa mora em imvel alugado,
de dois cmodos, em pssimas condies de habitabilidade. [...] A rea foi interditada
pela Prefeitura, com indicao de demolio, e h ordem de despejo. Na residncia,
Laura acolhe um amigo.
Sobre a sua histria de vida, a vizinha contou que Laura viva, teve uma filha
que veio a bito, e tem dois netos (19 e 16 anos). Recebe visitas mensais do neto mais
novo. No possui qualquer provento, vive de benesses, e no consegue dar entrada no
BPC porque todos os seus documentos foram perdidos durante uma enchente.
A vizinha informou que a documentao da idosa foi solicitada junto a
Defensoria Pblica e que no foram obtidas respostas. Fez tambm buscas junto ao
TRE, Fundao Leo XIII, Detran e IFP, todas sem xito.
Laura no faz acompanhamento mdico. lcida e independente para a
realizao de atividades.
Junto representao foram anexadas cpias de atendimentos: da Defensoria
Pblica, onde em 2007 a idosa solicitou levantamento da certido de casamento e em
maro de 2008 requereu informao do nmero do RG e do RCN, tendo em vista o
extravio dos documentos pessoais; na Fundao Leo XIII que em 2009 solicitou
informaes ao oficial do cartrio de registro civil de uma cidade baiana sobre o RCN
da idosa.
O registro do caso de Laura nas promotorias, por meio da representao, foi
submetido anlise do promotor que solicitou estudo social, com a finalidade de
verificar se a idosa se encontra em situao de risco. Disso denota que as demandas
relatadas pela vizinha somente tero f pblica se contempladas nas palavras de
profissionais e tipificadas como situao de risco. Pode-se observar que o
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que precisa apenas regularizar sua documentao para requerer o BPC e ento pagar
um aluguel.
Esse relatrio social retoma a ausncia de documentao e os caminhos
percorridos sem xito pela idosa e sua vizinha e assim sugere respeitosamente, a
interveno da Promotoria para a regularizao da documentao da idosa em
referncia, a fim de que tenha seus direitos. Por fim, informa que a equipe de proteo
especial prosseguir com o acompanhamento e coloca-se a disposio para um trabalho
de interface.
A partir da anlise deste novo documento o promotor pontua o aguardo da
resposta da SMSDC e que a idosa seja notificada para comparecimento ao seu gabinete.
Define o dia e o horrio, bem como seja dada cincia assistente social da
promotoria, que se possvel, tambm se far presente.
Nesse nterim o Servio Social das promotorias estabeleceu contato telefnico
com a SESQV, que informou a possibilidade do Apoio Moradia, valor R$ 350,00,
associado ao BPC, desqualificando a necessidade de institucionalizao, conforme
desejo da idosa. Todavia, no h viabilidade ante a questo documental.
Com relao RCN, foi feito contato com a Fundao Leo XIII e no consta
xito na solicitao, principalmente, em razo da inexistncia de dados: localizao do
cartrio, livro, folha, termo e data do registro.
Laura no compareceu na data agendada pelo promotor, que um ms depois
reagenda e solicita que a idosa seja notificada com aviso de recebimento da
correspondncia.
Diante da ausncia de documentao, o promotor solicita a CSI uma nova
pesquisa para verificar se possui RCN. A resposta do rgo foi novamente de
nenhum registro encontrado.
Ademais, devido reiterao de ofcio e o desencontro dos documentos a
SESQV reenvia o mesmo relatrio do Servio Social, j anexado ao PA.
At aqui transcorreu um ano do incio da comunicao da situao da idosa ao
MP.
Passados dois meses desde a notificao idosa e a juntada de envelope com a
marcao dos Correios no item no procurado, o promotor solicita CSI busca de
eventual complementao de endereo. Obtm a resposta de nenhum registro para os
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parmetros da busca. Diante disso, pede que a comunicao seja entregue via TNAI
(tcnico de notificao de atos intimatrios).
Diante dessa notificao, Laura compareceu Promotoria acompanhada pela
vizinha, a mesma que fez a comunicao inicial. No termo de declaraes consta que
ela viva, enfermeira, no possui qualquer tipo de documentao. filha de angolana
e portugus, no tem irmos vivos. Cita sua cidade de nascimento, na Bahia. Veio ao
Rio com sete anos de idade.
Na presena do promotor, a idosa expressou que a vizinha mais do que
filha, teve 14 filhos e nenhum est vivo, foi casada e matou quatro, tem netos
e nunca foi procurada por eles. Ademais, no tem documentos, gostaria de ter
benefcio para comprar comida, no gostaria de morar em abrigo. Onde reside
sobe muitas escadas e gostaria de ter uma casa na beira da rua. Sobre o no
acompanhamento mdico, a idosa relatou que no vai porque no sente nada, somente
toma remdio para a presso.
Na ocasio, a vizinha declarou que a idosa no porta documentos e tornou a
mencionar os caminhos percorridos sem xito para obt-los. Acrescentou que a idosa j
passou mal e ficou desmaiada dentro de casa e que lhe d comida, porque passa fome.
Aps ouvir a idosa e a vizinha, o promotor lhes entregou texto de
encaminhamento ao NEAPI, da Defensoria Pblica, no qual consta o seguinte:
Conforme foi constatado, trata-se de pessoa lcida e orientada, razo pela qual este
rgo ministerial no possui atribuio para atuar a seu favor. Assim, a idosa
retornaria aquela instituio e com a mesma demanda: falta de documentos pessoais.
Decorridos trs dias, o promotor define solicitar acompanhamento SESQV,
solicitando seja informada sobre a pertinncia de incluso da idosa em programa
social.
No mesmo perodo foi anexado ao PA, relatrio mdico enviado pela SMSDC,
com a data de cerca de cem dias antes. Nele h o seguinte registro:
[...] domiclio em pssimas condies de habitabilidade, ausncia de renda e
frgil rede de apoio familiar e social. Conta com suporte assistencial de uma
vizinha [nome]. Idoso frgil sob diferentes aspectos, apesar de apresentar
lcida e orientada [...]. O ltimo atendimento na rede SUS foi atravs da
UPA, no domiclio, quando teve queda do estado geral. [...] mora em rea
no coberta pela Unidade de Sade da Famlia. Um dos fatores que dificulta
frequentar a unidade de ateno bsica o difcil acesso de sua moradia
(parte mais alta da comunidade).
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buscou no s concluir o texto do relatrio, mas tambm exps uma ideia de soluo
para o caso. Apresenta a proposta de que o abrigamento viabilizar todos os direitos da
idosa, entretanto outros assistentes sociais j haviam apontado anteriormente a
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Idosa Maria
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Nesse texto se apresenta a ideia de risco vivenciado pela idosa no que tange
sua sade e de risco para os demais moradores do edifcio e os bens desses.
Maria funcionria pblica aposentada, mas deixou de pagar o aluguel h dois
anos e o caso est na Justia. Ela quebrou as pias do banheiro, cozinha, o box, e
uma janela. [...] o caso de gravidade.
A comunicante cita uma moradora que prestava assistncia, sobretudo
alimentcia, mas no tem mais condies de auxili-la. O porteiro quem presta socorro
idosa quando sofre quedas da prpria altura.
Por fim, a comunicante deixa como observao que gostaria de ser comunicada
quando da visita pela Promotoria, porm no informa as razes desse pedido.
Uma semana aps a abertura da representao, o promotor a analisa e escreve
no PA que os fatos narrados so de extrema gravidade. Desta feita, com urgncia,
solicite-se ao 10CRAAI diligncia do GAP52 ao local, com o intuito de verificar a
procedncia da notcia.
Entre o pedido do promotor e a chegada do relatrio do GAP passaram-se um
ms e vinte dias.
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O GAP Grupo de Apoio ao Promotor formado por policiais militares, que entre outras funes, so
solicitados pelos promotores a realizarem diligncias a fim de verificar a veracidade da denncia.
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O relatrio informa que o primeiro contato foi feito com o porteiro do prdio que
contou que o irmo da idosa a visita quase todos os dias, trazendo sempre algumas
coisas para a idosa comer. Essa parte do texto foi grifada com marca-texto,
possivelmente pelo leitor promotor.
O porteiro tambm exps que o apartamento realmente encontra-se precisando
de uma limpeza, pois a mesma junta lixo (restos de coisas), e que s vezes compra
comida para a idosa. O porteiro fez contato com Maria que no aceitou atender a
equipe e disse que recebe em seu apartamento apenas seu irmo. No informou o nome
dele ou telefone, que leva frutas e todo tipo de alimentao [...] que apesar da idade
avanada lhe presta todo tipo de auxlio, inclusive financeiro. A idosa informou ser
aposentada por rgo federal, no citando o nome.
O fato de Maria resistir s intervenes ser posteriormente reinterpretado, assim
como o porteiro mudar seu discurso sobre o irmo.
Decorridos dois meses da representao, a comunicante retornou s
Promotorias para acrescentar informaes e foi atendida pelo servio social. Ela
repetiu as informaes anteriores sobre a situao da idosa. Disse possuir cpias da
chave do imvel e com isso, disponibilizou-se a auxiliar na abordagem. Estaria assim,
sendo veiculada a ideia de que a idosa resistiria interveno. No se sabe se por outro
lado a comunicante teria interesse em acompanhar o que feito.
A comunicante tambm acrescentou que a idosa no realiza acompanhamento
mdico apresentando debilidades fsicas e cognitivas.
O atendimento foi juntado ao PA e analisado pelo promotor, num intervalo de
tempo de trs meses desde a primeira e anterior anlise feita. Com as novas informaes
o promotor assim decide solicite-se CSI dados sobre o irmo da idosa. Essa
coordenadoria envia resposta dizendo que para o parmetro de pesquisa [nome da
genitora] foram obtidos 237 registros. Para o parmetro [nome do genitor] foram
obtidos 64.172 registros. Solicito se possvel mais dados para uma melhor pesquisa.
Foi enviada ento a data de nascimento da idosa e o nmero do documento de
identidade.
Com a chegada da resposta fez-se vista ao promotor, que definiu cumpra-se
a portaria no que couber. Isto , a portaria de praxe. Esta consiste em: pedido de
estudo social e com o enunciado comum aos outros PA(s); informaes ao INSS sobre
existncia de beneficio, se h procurador habilitado e se h emprstimos consignados. E
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ainda, pedido de visita domiciliar a ser realizada pela Secretaria Municipal de sade,
para verificar o atual estado de sade fsica e mental, bem como encaminh-la para
tratamento mdico adequado, se for o caso.
O INSS respondeu no ter encontrado benefcio com os dados fornecidos. A
nova informao foi submetida vista do promotor, que registrou ciente, aguardando
cumprimento da visita pela secretaria de sade.
Posteriormente, chegou secretaria da promotoria o relatrio de visita social
realizada por profissional do MP. Nele consta que a assistente social fez contato anterior
com a comunicante, considerando a observao desta no atendimento social. Na visita
foi recebida pela sndica, informou que a idosa no se encontrava no momento e que
acreditava que ela teria ido ao banco. Exps que a senhora [Maria] possui o hbito de
sair, pegar taxi e pedir para os porteiros e moradores pagarem a corrida. Relatou que
a idosa j urinou no cho do prdio e no elevador. A sndica chamou um funcionrio
do edifcio que disse ter socorrido a idosa vrias vezes, devido a quedas e que ela grita
muito. Esses informantes tambm relataram que a idosa usa roupas sujas, exala mau
cheiro e anda com um saco amarrado numa perna. A sndica chamou uma vizinha da
idosa que costumava prestar auxlio na alimentao dela e que ratificou as informaes
anteriores e disse que a idosa realiza emprstimos consignados. Posteriormente chegou
a proprietria do imvel e disse que a idosa guarda lixo na casa, que sofreu uma queda
na rua, que est inadimplente e a qualquer momento ter ordem de despejo.
Aps essas informaes, a proprietria foi verificar se a idosa estava na
residncia e solicitou que a assistente social no dissesse que era do MP.
Na residncia, quando a idosa percebeu que estvamos acompanhando a Sra.
[proprietria], apresentou comportamento alterado, principalmente por que a
proprietria solicitava que verificssemos as condies de residncia.
A assistente social pediu que a proprietria se ausentasse. Foi explicado idosa
que s entraria na residncia se lhe permitisse. A idosa se acalmou e passou a
interagir [...] embora de forma desconfiada e negando-se a responder algumas
perguntas. Apesar de Maria no permitir a entrada, do local em que a assistente social
estava, percebia-se ser um conjugado com baratas e teias de aranha [...] lixo como
sacos, latas, jornais amontoados por toda a parede.
A perna da idosa estava avermelhada e inchada. Maria disse ser erisipela e fazer
tratamento. Ela no informou nome de clnica ou de mdico que a acompanhe.
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Afirmou ter uma cunhada mdica, no informou o nome, que lhe fornece os
medicamentos. Alm da erisipela, disse ter glaucoma e tratar com colrio.
A idosa contou ter sido funcionria dos Correios, no ter constitudo famlia.
Informou ter dois irmos [nomes], ambos doentes e que [nome de um deles] realiza
contatos telefnicos. Aps a visita foi feito contato telefnico com esse, que exps estar
impossibilitado de visit-la, porque fizera uma cirurgia na bacia, que sua esposa
esporadicamente vai v-la e que a idosa se nega a fazer qualquer tipo de
acompanhamento mdico, que a famlia j tentou lev-la a consultas e intern-la.
Informou que a idosa aposentada e que no sabe o valor. Quanto cunhada que
supostamente ajuda a idosa, disse ser a esposa de seu irmo [nome], que est internado
em casa de recuperao, pois teve problema neurolgico que acarretou na paralisia de
seus membros inferiores e que a cunhada no ajuda idosa, pois institucionalizou o
esposo para no lhe prestar cuidados. Informou ainda no poder permanecer com a irm
em sua casa, pois se trata de uma quitinete, no tendo lugar para a mesma se instalar.
Ademais, disse que a idosa uma pessoa difcil de conviver.
Nas consideraes finais, a assistente social pontuou as condies do imvel e
de sade da idosa e estabeleceu relao entre elas. Reiterou que a idosa no faz
acompanhamento mdico e que tem dificuldades para deambular. Ela est em situao
de vulnerabilidade social, e possivelmente no tem mais condies de permanecer
sozinha. Sugere avaliao por equipe mdica e indica como referncia uma unidade
municipal de sade no bairro onde a idosa reside.
O relatrio social foi juntado ao PA e submetido a anlise do promotor que
solicitou fosse reiterado o ofcio Secretaria de Sade.
Um ms depois foi agregado ao PA o relatrio mdico, em que consta o
seguinte: ao chegar ao local a mdica observou a idosa no hall de entrada discutindo
com os porteiros sobre o pagamento de uma conta de gs, alegando que entregava
dinheiro aos funcionrios do prdio para pagarem suas contas, mas a do gs no foi
paga e o servio foi cortado. Disse que pegou a erisipela da pessoa que administra o
apartamento e tinha ido visit-la. Ela me contaminou. A idosa no quis mostrar suas
pernas. Disse no precisar de mdico algum, que tem mdico na famlia sua cunhada.
Informou que seu irmo que a ajuda est paraplgico, que a cunhada s vezes a visita e
lhe leva comida. Mora sozinha. No permitiu ir at o apartamento e saiu do prdio
encerrando a conversa.
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Aps juntar cpia dessa notificao ao PA, foi apensado nele outro PA relativo
mesma idosa e pertencente mesma secretaria. Este PA iniciou quase oito meses aps o
anterior e partiu de comunicao feita por telefone a Ouvidoria do MP. Nele se d
repetio de aes do anterior, isto , h duplicidade de pedidos documentais e
intervenes sobre o mesmo idoso.
A comunicao Ouvidoria foi feita pelo porteiro do prdio, da seguinte forma:
ela est vivendo em situao de abandono e se encontra muito adoentada, com uma
115
ferida na perna direita e est muito debilitada por falta de alimentao. O porteiro
fala que o apartamento est cheio de lixo e alm das baratas e ratos, presentes em
comunicaes anteriores, acrescenta que h muitas moscas. Alm disso, a idosa est
correndo risco de morrer, devido ao seu estado grave de sade. Disse ter sido
orientado pelo Corpo de Bombeiros a fazer a denncia ao MP.
Aps essa comunicao Ouvidoria, consta no PA certido de pesquisa no MGP
e registro de no haver outro PA sobre a idosa, entretanto ele existia.
Iniciam-se ento as solicitaes do promotor que repetem s do PA anterior.
Assim, foi solicitada diligncia do GAP, oito meses aps a anterior. Neste relatrio feito
por outros dois policiais militares, consta que abordaram o vigia, o zelador e um
morador, que foram unnimes em informar que a idosa vive em condies precrias de
habitabilidade e higiene, pois tem grande quantidade de lixo e entulho no seu
apartamento. O zelador acompanhou os agentes at o apartamento da idosa porque
ela no abre a porta para estranhos. Observaram ser quitinete cheia de lixo e
entulho. A idosa apresentou lucidez e um pouco de desconfiana. Aqui foi
considerada lcida, mas no diz em que essa informao se embasa. Ademais, sobre
isso h o saber mdico.
A idosa informou que aposentada federal e recebe R$ 2000,00. Compra a
alimentao e recebe seu beneficio. Disse que recebeu visita de seu irmo. O zelador
confirmou que o Sr. [nome] visita a idosa esporadicamente e que no toma nenhuma
providncia para limpar o apartamento e melhorar as condies de vida dela. O
zelador e o vigia j tentaram realizar a limpeza no apartamento da idosa, mas ela se
recusa a receber ajuda. Desse modo, os responsveis pela situao em que a idosa
vive so a prpria e o seu irmo. Ela por no aceitar ajuda e o irmo por no assisti-la.
Ao relatrio foram anexadas quatro fotos do apartamento e uma da idosa (na
altura dos ombros). Elas retratam a pia com louas, potes e utenslios de cozinha
empilhados; sacos amontoados junto parede; e a idosa cabisbaixa e com cabelos
desalinhados.
A partir do relatrio o promotor pede que a CSI localize os irmos da idosa.
Solicita tambm que seja oficiada a SESQV, com cpia da denncia e do relatrio do
GAP para aplicao de medida protetiva de acompanhamento por seis meses. E
ainda solicite-se SMSDC a realizao de avaliao psiquitrica.
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A CSI respondeu com informao dos nomes completos dos dois irmos da
idosa e seus endereos.
Decorridos quase dois meses uma nova denncia foi feita via Ouvidoria. Desta
vez, annima, com o seguinte relato: a idosa est apresentando distrbios mentais, seu
estado de higiene pessoal precrio, visto que costuma realizar suas necessidades
fisiolgicas pelo edifcio, ocasionando um forte mau cheiro. Cita que tem um irmo e
informa o telefone dele. Maria tem beneficio, no sabe o valor, nem quem recebe. Tem
feridas nas pernas e costuma sofrer tombos.
Chama ateno que duas informaes sempre se repetem: a idosa tem famlia
(um irmo) e tem renda. Nas denncias h nfase no incmodo provocado aos demais
moradores. Presume-se que isso no deveria ocorrer, uma fez que h renda e famlia,
porm elas se mostram insuficientes para solucionar a situao que a idosa vivencia.
Aps apensar a nova denncia e abrir vista ao promotor, este solicita
pesquisar porque h outro PA em nome da idosa. Algum elemento da histria da
idosa teria rememorado o caso ao promotor?
A secretaria localiza o outro PA e disso decorreu a juno de ambos. O promotor
define que o feito seguir pelo mais antigo. No abrir vista aqui.
Trs meses aps o pedido a SMSDC para realizao de visita para avaliao
psiquitrica enviada cpia do mesmo relatrio do PA mais antigo. Nele foi grifado
com marca-texto o seguinte: No quis mostrar em que estado estavam suas pernas por
conta da erisipela, alegando que j estava boa (usava calas compridas). Diz que se
recusa a ir ao mdico, no preciso, tenho mdica na famlia e fala de uma cunhada
que seria mdica. Consta ainda, informamos que ao momento do atendimento a Sra.
[nome da idosa] no apenas no estava apta para os atos da vida civil, como nos
pareceu estar iniciando um quadro de demncia senil.
Aps dois meses, quando juntado este relatrio ao PA e se fez nova vista ao
promotor, foi por este solicitado reiterar a notificao ao irmo e envi-la com aviso
de recebimento. Entre a primeira notificao ao irmo para que ajuizasse ao de
interdio e atual reiterao passaram-se quatro meses.
Um ms depois do reenvio da comunicao, anexado ao PA o aviso de
recebimento emitido pelos Correios.
E no intervalo tambm de um ms o caso foi enviado a Vara de Justia e deixou
de ser atribuio das Promotorias do Idoso.
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de sade dos familiares. Situao semelhante se mostra no caso de Maria, que no teve
filhos, tem irmos idosos e doentes, alm da prpria no ter condies para morar
sozinha. No caso dessa idosa, no lhe proposto o abrigamento e sim apontada a
necessidade de suporte familiar, o que passa a ser invocado via interdio civil. Mas,
esse mecanismo legal no garante por si a proteo, ou seja, ele no soluciona os
problemas daqueles que no tm como assistir ao idoso.
Conforme enfatiza Jelin (2009), a famlia no instituio isolada e sim parte
orgnica de processos sociais mais amplos que incluem dimenses produtivas e
reprodutivas da sociedade, padres culturais e sistemas polticos. Os lugares e as
organizaes familiares se relacionam com o mercado de trabalho e a organizao de
redes sociais, e por isso aspectos como taxas de fecundidade, de divrcio,
envelhecimento so parte de processos sociais e culturais mais amplos que tambm
deveriam estar sujeitos a polticas pblicas.
As polticas sociais situam as famlias como foco e as colocam em posio
prioritria para o atendimento aos dependentes, o que se soma tambm a ausncia de
servios sociais efetivos. Assim, a famlia se v obrigada a assumir o encargo mesmo
que no tenha laos afetivos e condies para cumpri-lo. E para tanto, ainda prevalecem
nas polticas pblicas concepo familiar que se restringe a relaes de descendncia e
consanguinidade, pautadas por uma concepo naturalizada de famlia.
Tradicionalmente, a maioria das polticas governamentais concebida a
partir de um conceito de famlia funcional, em que h a presena de pai e
me vinculados por matrimnio, com perspectiva de convivncia de longa
durao, filhas e filhos prprios e os papis de gnero esto perfeitamente
definidos: as mulheres responsabilizadas pelos trabalhos domsticos e os
homens pelos extra-domsticos (ARRIAGADA, 2007, p.231).
No entanto, a famlia no segue uma narrativa linear padro, nem pode ser
reduzida a uma unidade natural, pois espao poroso perpassado por foras e relaes
que se estendem para alm da unidade domstica (FONSECA, 2007). Dessa forma, a
famlia no apenas conjunto de pessoas unidas por laos de consanguinidade ou
dependncia, mas unidade composta por indivduos que vivem no cotidiano um jogo
de poder que se cristaliza na distribuio dos direitos e deveres a cada um de seus
membros (COUTINHO, 2006, p. 96). A organizao ampliada das relaes familiares
pode se realizar para alm da famlia nuclear, incluindo parentes por considerao
(GUEDES e LIMA, 2006). Destarte, o pertencimento familiar tambm influenciado
pelas situaes. Em determinados momentos ou para determinados objetivos, os afins
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podem ou no ser includos na trama (ao lado dos parentes naturais, de sangue). Em
casos extremos, alguns dos consanguneos podem ser excludos desse entrelaamento
(DUARTE e GOMES, 2008, p. 162).
Alm disso, conforme pontua Jelin (2009), para analisar a dinmica dos vnculos
familiares e de parentesco, especialmente em perodos de altas taxas de divrcio e de
padres migratrios altamente diferenciados, necessrio considerar a falta de
correspondncia entre lugares e famlias. Nessas condies, as responsabilidades e
obrigaes familiares podem estar a cargo de membros que no compartilham o mesmo
lugar. Tambm o amor e o cuidado podem ser oferecidos e recebidos sem convivncia
cotidiana. Somente um enfoque que privilegie as transies e os processos poder dar
conta desta dinmica. No entanto, h uma forte significao simblica e ideolgica da
famlia, cujos valores se expressam nas imagens de famlia normal e natural. Nas
polticas sociais ainda persiste essa ideia, o que comporta limites para considerar a
pluralidade de formas de vida privada e os diferentes arranjos familiares presentes na
realidade atual (GOLDANI, 2005).
De acordo com Arriagada (2007), na Amrica Latina as famlias cumprem
funes de apoio social e amparo diante das crises econmicas, do desemprego, da
enfermidade e da morte dos seus membros. E em alguns pases a famlia a nica
instituio de amparo diante de eventos traumticos.
Dessa forma, o cuidado no considerado direito social e no se articulam as
responsabilidades entre famlia, Estado e demais instituies. Isso se deve em parte
suposio implcita de que as famlias, e nelas principalmente as mulheres, no
incorrem em custos financeiros e ou emocionais para o cuidado dos dependentes.
Conforme Lemos, Oliveira e Almeida (2012), embora as configuraes
domsticas venham se modificando ao longo dos anos, em termos culturais h um forte
condicionamento na relao entre a funo do cuidado e a situao de gnero. Alm
disso, o carter informal e invisibilizado dos cuidados familiares tende a considerar a
questo como natural e orgnica do espao familiar, e de funo da figura feminina, o
que produz tambm acusaes frente s famlias/mulheres que no realizam esse
cuidado, por falta de possibilidades ou por escolha (ENGEL, 2012).
Estudos no mbito internacional e que estabelecem comparaes entre os pases,
com ressalvas s diferenas sociais, culturais, econmicas, polticas e da natureza do
contrato social vigente entre Estado e cidados, constatam que a preocupao com os
120
cuidados de longa durao nos pases com populaes mais envelhecidas surgiu como
uma necessidade de se separar os crescentes custos com o tratamento de longa durao
dos idosos dos demais gastos com sade (PASINATO e KORNIS, 2009, p. 12). Desse
modo, as decorrentes polticas buscam conjugar responsabilidades pblicas e privadas
no cuidado dos idosos; priorizar o atendimento aos idosos nos seus lares e ou
comunidades como forma de reduzir custos e de proporcionar o bem estar; e
desenvolver programas informativos e de apoio aos cuidadores informais,
principalmente aos familiares (Ibid., Id.).
No caso da idosa Laura, ela no invoca a ausncia dos familiares, nem reclama a
presena dos netos, que seriam seus parentes vivos mais prximos. Ela considera a
vizinha como sua filha e esta a assiste conforme lhe possvel. Entretanto, os problemas
so de outra natureza: trata-se de questes materiais. A idosa perdeu a documentao
em uma catstrofe ambiental e sem provar quem de fato no tem como acessar direito
previdencirio e assistencial. A situao primeiramente econmica, pois a idosa teve a
casa interditada e no possui outra. O abrigamento lhe proposto, mas ela quer seus
direitos bsicos garantidos: previdncia, moradia,... Quer uma casa na beira da rua,
isto , no com os limites de acesso por degraus como na comunidade onde mora
atualmente. A no resoluo dessas questes encaminha o acolhimento institucional
como soluo. Rejeit-lo pode ser interpretado como se ela se recusasse a ser atendida.
Alm disso, a idosa aparenta ter condies fsicas para reclamar seus direitos e ento
teria responsabilidade prpria para obt-los, por isso ela deve retomar a Defensoria
Pblica, embora a vizinha informe que isso j fora buscado sem xito. A idosa poderia
ser inscrita em alguns programas assistenciais, mas ela primeiro deve existir enquanto
cidad, isto , documentada.
Na medida em que o encargo individual e familiar se d em meio interveno
do Estado com parcas e fragmentadas polticas sociais, que impem ainda
condicionalidades restritivas do acesso a direitos, que se enfatizam por parte do
prprio Estado os aspectos controladores das aes familiares. Com isso, se coloca o
dilema entre a garantia do direito proteo e a garantia do direito privacidade
familiar. A presena do Estado, por meio de seus agentes na famlia, no possui
apenas uma face, ou uma inteno, pois, ao mesmo tempo em que protege, coloca em
movimento estratgias de controle (MIOTO, 2010, p.63).
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122
[...] nas camadas pobres, o idoso tanto pode ser um empecilho para a famlia
como pode ser a nica fonte de renda (em forma de aposentadoria ou
penso). H famlias, principalmente nos municpios mais pobres, em que os
idosos mantm as despesas familiares e so valorizados como uns dos poucos
consumidores locais com renda fixa (Goldman, 2004, p. 62).
Isso apresenta em parte o retrato das condies dos domiclios com idosos, cuja
informao da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios - PNAD, revela que para
o conjunto do pas, 66% dos idosos estavam aposentados, 64,1% ocupavam a posio
de pessoa de referncia no domiclio, apenas 22,9% viviam em famlias com renda
domiciliar per capita superior a dois salrios mnimos e pouco menos de 12,0% tinham,
em 2009, uma renda inferior a salrio mnimo. (IBGE, 2010).
Na minha experincia profissional deparei-me com situaes de idosos morando
sozinhos ou que permaneciam a maior parte do tempo ss, com situao de sade
fragilizada, o que implicava em limitaes para o atendimento as prprias necessidades.
Em alguns casos, foram perguntados sobre a possibilidade de abrigamento e
manifestaram a recusa, em outros espontaneamente expuseram sua rejeio e
argumentos para tal.
Novamente as situaes referem-se a idosos que recebem parcos proventos e tm
limitaes econmicas. Esses no dispem de meios para remunerarem um cuidador
para permanecer com eles. Informam gastos elevados com medicamentos, uma vez que
a poltica de sade pblica se mostra cada vez mais precarizada e no dispe de servios
como fisioterapia, neurologia, entre outros, em Unidade de sade e que possa tambm
atend-los em seus domiclios. A isso se soma tambm a demora na realizao de
exames clnicos, por meio do SUS. Geralmente esses idosos contam com a ajuda
voluntria de vizinhos, mediante aes como comprar a alimentao. No entanto,
quanto maior a dependncia de cuidados, menos possvel contar com essa eventual
assistncia. Ela pode se dar de forma mais sistemtica, se o idoso repassa alguma
remunerao acionando, por exemplo, uma vizinha para lavar suas roupas, outra para
preparar a alimentao, qui uma terceira para limpar o imvel. Essas configuraes de
redes de apoio so sempre femininas e possveis quando o idoso tem algum vnculo de
vizinhana e de amizade estabelecido h mais tempo, e recursos financeiros para
remunerar o servio.
H idosos que moram sozinhos e tm problemas de sade que lhes dificultam,
por exemplo, deambular, enxergar, sofrem quedas da prpria altura, ou seja, tem limites
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valoriza o cuidado familiar. Assim, com a norma social que atribui aos descendentes o
cuidado da gerao mais velha, reforada pelo aparato legal, recorrer a instituies de
longa permanncia atitude polmica e carregada de preconceitos, e quando a deciso
pela institucionalizao tomada pela famlia a valorao negativa mais forte
(CAMARANO, 2007).
Neste sentido, conforme analisa Goldani (2005), vale atentar para a dificuldade
em romper com os papis atribudos a homens e mulheres, pois persiste a ideia de que
cuidar tarefa familiar e feminina, o que se refora nos mecanismos legais e nas formas
de implementao das polticas sociais. Isso remete tambm a questo da queda da
fecundidade, cujas argumentaes correntes em geral centram ateno apenas na
entrada da mulher no mercado de trabalho, ocultando que essa entrada veio
desacompanhada de suporte para o cuidado dos filhos.
A poltica de assistncia social preconiza aes especficas para os idosos. Na
proteo social bsica, alm do BPC, previsto o Servio de Fortalecimento de
Vnculos e o Servio de Proteo Bsica no Domiclio. O primeiro basicamente
realizado por meio de grupos de convivncia de idosos, o que significa o atendimento
queles que tm condies de transitar no espao pblico. O segundo viabilizado por
intermdio de visitas domiciliares e visa contribuir para o acesso a outras polticas
pblicas e desenvolver aes de apoio, informao, orientao e encaminhamento, com
foco na qualidade de vida, exerccio da cidadania e preveno do isolamento. Em estudo
elaborado por Delgado e Flor (2012), na cidade de Salvador, constatou-se que
principalmente o Servio de Proteo Bsica no Domiclio no estava ocorrendo de
forma efetiva, em parte por que no h repasse financeiro para que esse seja realizado.
De modo semelhante, pode-se presumir que no Rio de Janeiro ele tambm no seja
viabilizado, uma vez que os idosos visitados por assistentes sociais do Ministrio
Pblico informam desconhecer a existncia do referido servio. Desse modo, seria um
meio de viabilizao dos direitos do idoso, todavia praticamente inexistente.
H que se destacar que se por um lado, a legislao relativa aos idosos apresenta
o abrigamento como medida excepcional, por outro cresce o nmero de solicitaes de
abrigamento em instituies pblicas e de instituies privadas que oferecem servios
de longa permanncia.
Diante disso, observa-se que as Promotorias do Idoso atuam concomitantemente
sob duas lgicas distintas. Por um lado, conforme preconizam as legislaes, defendem
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que os idosos sejam cuidados preferencialmente em seus lares; por outro lado, h o
reconhecimento da necessidade de cuidados institucionais. Essas duas posies so
tensionadas e no h ainda um dispositivo claro sobre o que se poderia chamar de
poltica de cuidado, isso em parte por que o Estado tem se preocupado mais com a
regulamentao e fiscalizao da assistncia, quer seja familiar ou institucional, do que
com a proviso de recursos e servios.
Observa-se ainda na atuao profissional que devido insuficincia de vagas
para abrigamento pblico, ele somente efetivado pelas instituies municipais perante
o pedido do MP. Desse modo, instaura-se um mecanismo dificultador e com ele outros
critrios de elegibilidade podem ser acrescidos. Uma vez que o atendimento asilar
previsto quando h carncia material, as legislaes colocam questes que
novamente recaem sobre a famlia. O acesso dos idosos ao beneficio previdencirio ou
assistencial pode descaracterizar a ausncia de condies financeiras de subsistncia e
dificultar o seu abrigamento em instituies pblicas. Embora o sistema de seguridade
social tenha sido pensado para funcionar de forma integrada, na prtica h separao das
aes e dificuldade de articulao que se traduzem em focalizao e fragmentao das
polticas com imposio de condicionantes que podem gerar desproteo ao considerar
pontualmente as necessidades do indivduo.
Em meio a isso, o idoso com acesso a benefcio previdencirio ou assistencial,
que tenha referncia familiar e avalie que o melhor viver em uma instituio de longa
permanncia, provavelmente no ser atendido em instituio asilar pblica, bem como
ter dificultado o acesso a entidades privadas que em geral exigem valores superiores
aos seus proventos. Ademais, cada entidade institui um perfil de idoso a ser atendido e
corresponder a tais critrios nem sempre possvel.
H condies diferenciadas de institucionalizao. Os elementos acima
apontados referem-se a instituies pblicas e ou conveniadas com o Estado, visto que
os idosos no possuem recursos para o pagamento de mensalidades em ILPI de natureza
privada.
Cabe apontar que na prtica profissional foram visitados idosos em ILPI e que
so favorveis institucionalizao. Esses casos so espordicos e se referem queles
que solicitaram o abrigamento por conta prpria ou pediram aos familiares para fazlos. O acolhimento desses geralmente se observou em instituies que lhes oferece
quartos individuais. Alm disso, eles mantm vnculos com familiares e amigos.
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Consideraes finais
O trmino desta elaborao dissertativa no significa o esgotamento da
discusso, mas sim considerar que foram alcanados alguns dos aspectos que
provocaram a pesquisa e a construo textual. Os principais argumentos desta
elaborao foram apresentados ao longo do texto e sero aqui recolocados como pontos
importantes para serem aprofundados e repensados ao longo do processo histrico
sempre em mudana. Desse modo, no se trata de uma elaborao definitiva e sim de
uma discusso que pretende contribuir para a reflexo sobre as aes voltadas aos
idosos e a necessidade de avanos na forma de a sociedade organizar suas instituies e
os papis que lhes atribui.
Neste sentido, que esta dissertao mesclou olhares de estudante pesquisadora
e de dois tempos distintos da prtica profissional estagiria e assistente social. Assim,
ao final desta elaborao e ao rel-la, observo que ao mesmo tempo em que o trabalho
como assistente social trouxe elementos para a sua construo, transparece na escrita
um estilo impregnado pelo lado profissional com inquietaes sobre demandas
presentes nesse cotidiano. Isso significa que houve um olhar de perto e de dentro que
permitiu captar sutilezas, mas ao mesmo tempo exigiu um olhar mais distanciado, que
complementasse a anlise e produzisse um sentido novo (MAGNANI, 2002; 2009).
Assim, se imps o esforo de avanar no conhecimento das questes, atravs do
movimento de estranhar o familiar (VELHO, 2003).
O uso da etnografia contribuiu para apresentar espaos, prticas institucionais e
trajetrias de vida, entendendo que esses no so apenas cenrios onde ocorre a ao
social, mas tambm resultados das intervenes de diferentes atores em interao, trocas
e conflitos, cujos resultados esto sempre em processo (MAGNANI, 2009).
A dissertao no pretendeu discutir a instituio Ministrio Pblico e sua
prtica, todavia fez-se necessrio apresent-las para o entendimento da temtica aqui
desenvolvida, quer seja, demandas relativas ao abrigamento de idosos e os pressupostos
que as perpassam.
Considera-se que junto com o abrigamento h pressupostos morais e legais, que
se influenciam reciprocamente. Assim, a moralidade que atribui famlia a proteo
social como sua tarefa primordial colocada nas legislaes como dever. E este, por sua
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contribuir e controlar as aes dela. Trata-se de uma configurao que tambm desenha
hierarquicamente o que deve ser feito por cada uma dessas instituies.
Parte das demarcaes de papis pode ser observada, por exemplo, na
delimitao da situao de risco como parmetro para a atuao ou no do Ministrio
Pblico. Desta feita, entende-se como situao de risco no apenas a violao ou
ausncia de algum direito social, mas sim a incapacidade do idoso e sua famlia
reivindic-lo por meios prprios. As leituras e releituras dessas situaes so feitas por
funcionrios desse espao estatal e no esto imunes de valores familistas e legalistas,
que definiro no apenas se demanda a ser contemplada ou recusada pela instituio,
mas tambm quais aes so necessrias e o modo de oper-las. A concluso de parte
dos casos se d na interdio civil do (a) idoso (a), o que conjuga as duas lgicas:
legalista e moral/familista. Assim, se ele (a) no tem condies de buscar seus direitos
ter algum legalmente constitudo para faz-lo e geralmente um familiar.
Uma parcela daqueles que procuram o MP tem clareza de que a situao
apresentada no coaduna com a funo dessa instituio, porm o fazem na expectativa
de evitar a judicializao e que a autoridade institucional promova mudanas de conduta
dos violadores de direitos, e ainda tem uma ideia de que as solues sero em curto
prazo. Todavia, h uma dissonncia entre expectativa e realidade e parte dos casos
depois de variadas aes e andamentos de papis/documentos so arquivados sem a
soluo esperada pelos que a demandaram.
Ademais, poderamos questionar a lgica da responsabilidade individual e
familiar, presente na forma de atuarem as Promotorias do Idoso, o que converge com o
modo das demais instituies sociais definirem suas intervenes. Entretanto, mais do
que isso, se faz necessrio reconhecer que dentre outros papis, o MP tem como funo
institucional a defesa de direitos coletivos e assim a atuao individual deve ser
limitada. Na prtica ao atuar com inmeros casos individuais tutelados, observa-se que
essas Promotorias de certo modo provocam o Estado na operacionalizao de polticas
como a de sade e assistncia, porm os retornos so dados sobre os casos individuais e
no se observam avanos no sentido de melhoria e ampliao desses servios. Ou seja,
as respostas dessas instituies e equipamentos que as operacionalizam, se resumem
geralmente a relatrios que expem a realidade vivenciada pelo indivduo idoso (a),
raramente informando qual ser a interveno e se ela existir. Desse modo, trata-se
muitas vezes de circulao de papis entre instituies reiterando as mesmas
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informaes sobre a situao vivenciada pelo (a) idoso (a) indivduo, j apresentada
pelo comunicante ao MP e por profissionais desta instituio, sem construo por parte
do Estado de respostas/solues para o risco social, que abrange de modo similar a
todos (as) os casos em andamento.
Constata-se que embora diferentes estudos indiquem o aumento do nmero de
pessoas idosas no cuidadas por familiares, o Estado continua pensando em famlias
funcionais e no avana na construo de polticas de apoio. A constituio e
ampliao de formas diversas de atendimento, como por exemplo, a implementao de
Centro-Dia, previsto desde 2004 na Poltica Nacional do Idoso, conduziria ao no
abrigamento de uma parcela significativa de idosos.
Dentre outros aspectos desta dissertao, destaco que nos documentos estudados
e na prtica profissional constata-se que geralmente o abrigamento no desejado pelos
idosos. Trata-se de uma aceitao forada frente necessidade de assistncia e a
ausncia de outras possibilidades.
Ademais, se por um lado o olhar do Ministrio Pblico em face do idoso (a) no
sentido de tutela individual, por outro lado, na constituio dos procedimentos
administrativos constata-se uma padronizao que direciona o olhar. Desse modo, h
um script prvio do que ser observado e de que tipo de histria ou no aceita na
instituio. As singularidades das questes que envolvem o (a) idoso (a) muitas vezes
so secundarizadas e parte delas ocultadas, pois no so interessantes aos olhos da
interveno institucional.
No que se refere atuao do Servio Social, embora no tenha sido o foco da
discusso desta elaborao, no h como ignorar que parte significativa dos
procedimentos administrativos constituda por documentos elaborados por assistentes
sociais. Trata-se de relatrios de visitas domiciliares e ou institucionais, registros de
atendimentos, ou outras metodologias, escritos por assistentes sociais da prpria
instituio e de outras. Alm disso, observa-se que algumas sugestes e apontamentos
feitos por esses profissionais subsidiam a deciso dos promotores e so acatados por
eles.
Por fim, se nas intervenes voltadas aos idosos h contradies, lacunas e
limites h conjuntamente possibilidades que devem ser plasmadas e fortalecidas, para
que no processo histrico seja contemplada a heterogeneidade dos sujeitos que
envelhecem e efetivados seus direitos.
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