A Multiplicação Dos Peixes

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COM/REVISTA/EDICAO-87/A-MULTIPLICACAO-DOS-PEIXES/

A MULTIPLICAÇÃO DOS PEIXES


Nos últimos dois anos, novas políticas públicas buscam desenvolver o setor e ampliar o
uso de inovações tecnológicas na produção e na gestão aquícola

“Como pode o peixe vivo


Viver longe da água fria?”
Peixe Vivo

No período das cheias na Amazônia, os rios crescem e encobrem


árvores e arbustos em várzeas e igapós. Palmeiras inteiras ficam
sob o manto das águas. Ali, os peixes parecem voar entre galhos,
pousando e repousando entre ramagens. É curioso observar
o voo dos tambaquis e de outros peixes amazônicos comendo as
frutas das árvores, como tucanos. Ou arrancando as sementes de
altos ramos, como papagaios. A nado. A diversidade de peixes na
Amazônia é grande. E a produção pesqueira, muito limitada. Os
estoques pesqueiros não conseguem alimentar a região. Manaus,
Belém, Marabá e cidades amazônicas são abastecidas em peixes
até pelo Vietnã.

O Brasil não produz pescado suficiente para atender à sua


demanda interna. Graças a aquicultura ou aos peixes cultivados
em cativeiro, essa realidade está mudando. Em 2019, o pescado
importado representou cerca de 32% do consumo nacional. Em
2018, a participação externa foi 38%. Em 2017, era 43%. As
importações tendem a diminuir. A lição do mercado permanece: o
pangasius (Pangasianodon hypophthalmus), peixe criado no
Vietnã, atravessa os Sete Mares e é competitivo na Amazônia. Em
menos de 30 anos de introdução e aclimatação do tambaqui, a
China se tornou a maior produtora mundial. E é a maior
exportadora de peixes brasileiros criados em cativeiro. O
tambaqui segue a sina da seringueira, da Amazônia à Ásia, para
conquistar o mundo.

Peixe
pangasius (Pangasianodon hypophthalmus) | Foto: Shutterstock
Mais de 90% da pesca brasileira ainda é essencialmente artesanal
e de pequena escala. Ela atende ao autoconsumo, às comunidades
locais e fornece para o mercado interno um total de cerca de 1
milhão de toneladas de pescado por ano. Já a aquicultura cresce
com o uso de tecnologias modernas e o empreendedorismo dos
produtores. E deverá superar em produção a atividade da pesca,
com pescado de qualidade e custos mais reduzidos.

A piscicultura gera mais de 1 milhão de


empregos diretos e indiretos
A cadeia da produção de peixes cultivados no Brasil atingiu a
marca recorde de 802.930 toneladas em 2020. A receita foi da
ordem de R$ 8 bilhões. A piscicultura gera mais de 1 milhão de
empregos diretos e indiretos: desde a produção de ração até as
fábricas de gelo. O Brasil já é o quarto maior produtor mundial de
tilápia. Essa espécie exótica representa 60% da produção em
cativeiro do país. Os outros 40% são espécies nativas. A liderança
é do tambaqui, com cerca de 35% da produção.

Nos últimos seis anos, segundo levantamento da Associação


Brasileira da Piscicultura, a Peixe BR, a produção de peixes de
cultivo cresceu 39% no país. Ela passou de 578.800 toneladas em
2014 para 802.930 toneladas em 2020. E segue crescendo, como
indica um mapeamento por satélite em curso dos tanques
escavados e áreas de aquicultura nos Estados brasileiros
pelo Sistema de Inteligência Territorial da Aquicultura da
Embrapa.

Pesca
artesanal | Foto: Shutterstock
Essa dinâmica está impulsionada pela Secretaria de Aquicultura e
Pesca. Ela enfrenta um grande passivo para fomentar esse setor
diferenciado de proteína animal. Como promover o ordenamento
e o desenvolvimento sustentável da atividade aquícola e
pesqueira? Como garantir a competitividade e a comercialização
do pescado da aquicultura e da pesca legal? Como respeitar as
peculiaridades de cada região e atrair investimentos privados para
o setor?
Nos últimos dois anos, novas políticas públicas buscam
desenvolver o setor e ampliar o uso de inovações tecnológicas na
produção e na gestão aquícola. Avanços inéditos ocorreram nas
atividades de aquicultura e pesca, tanto na pesca industrial como
na artesanal, de subsistência, amadora e desportiva.

A desburocratização e a informatização na emissão de licenças,


permissões e autorizações para o exercício da aquicultura e da
pesca avançaram. O Decreto 10.576, de dezembro de 2020, sobre
a cessão de corpos d’água sob domínio da União para a prática da
aquicultura, simplificou os procedimentos para utilização de mais
de 70 lagos de hidroelétricas. Seu potencial de produção é de 4
milhões de toneladas de pescado por ano!

A legislação obsoleta, repleta de duplicidades e dispositivos


extemporâneos, está sendo modernizada, cuidando do meio
ambiente e da sustentabilidade. Essas mudanças e o novo sistema
de cadastramento de pescadores garantem direitos sociais aos
trabalhadores do setor e acesso ao crédito rural.

Foto aérea de drone de uma grande unidade de criação em gaiolas


de peixes robalo e dourada | Foto: Shutterstock
Empresas e cooperativas do setor de aves e suínos se interessam e
deverão investir em aquicultura, a exemplo de cooperativas
agroindustriais, como a CVale e a Copacol. A oferta de pescado
ainda é pouca no Brasil. Graças ao empreendedorismo dos
produtores, à incorporação de tecnologias e ao apoio de novas
políticas públicas para a pesca e a aquicultura, a multiplicação dos
peixes ocorrerá. E não será um milagre evangélico.

Os peixes são um signo do zodíaco. E, se os cristãos fizeram do


peixe um dos seus símbolos, é porque ele era também o símbolo
do próprio Cristo. Em grego, peixe, Iktus, é o anagrama da
palavra Cristo. Nesse ideograma, cada uma de suas letras é vista
como a inicial de palavras que traduzem Jesus Cristo, Filho de
Deus, Salvador: I de Iesus, Jesus, k de Kristos, Cristo, T de Theu,
Deus, U de Uios, Filho, S de Soter, Salvador. Daí a presença de
figurações de peixes em monumentos cristãos como pias
batismais, igrejas, túmulos, altares, etc. Hoje, o símbolo anda até
em evangélicos automóveis.

O padre Antônio Vieira pregou aos peixes em São Luís do


Maranhão, em 1654. O Sermão de Santo Antônio, conhecido
como Sermão aos Peixes, é uma obra-prima. Arriscando ser
lançado ao mar ou às piranhas pelos iníquos poderosos, Vieira
pregou-o três dias antes de embarcar ocultamente para Portugal,
afim de procurar remédio para a salvação dos índios injustamente
escravizados. Era mais fácil os peixes ouvirem-no na defesa dos
índios, na denúncia da escravidão e na busca da justiça do que os
escravocratas nos bancos da igreja. Vieira afirma logo no início
do sermão: “…quero hoje, à imitação de Santo Antônio, voltar-
me da terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar
aos peixes. O mar está tão perto que bem me ouvirão. Os demais
podem deixar o sermão, pois não é para eles”.
Quem quiser pode experimentar. Falar aos peixes funciona. É
bom também para compartilhar, verbalizar e confessar pecados.
Os peixes ouvem em silêncio injúrias, elogios, relatos, confissões
e pregações. Não comentam nada com ninguém. Guardam
segredos de confissão, como um padre tradicional do interior. Os
movimentos de suas guelras são, na realidade, um abre fecha de
ouvidos e movimento de orelhas atentas.

Os peixes são a imagem das realidades interiores de cada pessoa.


Das águas do inconsciente, faltas, fraturas, perdas, gestos
inconfessáveis, conteúdos recalcados emergem, flutuam, vêm à
luz. Às vezes, são necessários cardumes imensos, dependendo do
pecador e dos pecados, para transportá-los à tona. Depois, eles
levam esses conteúdos ao mar. Resolvem o assunto e concluem o
processo. Isso se não forem capturados por alguma pesca
maravilhosa.

Para a mística judaica e cristã, os peixes são capazes de penetrar


na força sagrada dos abismos e revelar seus mistérios. Os sonhos,
as imagens e a emergência do peixe na vida humana evocam esses
conteúdos aparentemente perdidos em águas escuras e profundas.
Eles vêm à tona e pedem para ser entendidos, desembaralhados,
ouvidos, avistados, pescados e saboreados. Comprar e comer
peixes pode ser algo metafísico. Os peixes são um alimento
fecundo e um exemplo adequado. Como o trigo no pão e a uva no
vinho, os peixes estão entre os produtos mais sagrados do
agronegócio.

Na política, a música Peixe Vivo, com mineirices e ensinamentos,


marcou a vida pública do ex-presidente Juscelino Kubitschek.
Hoje, é quase um hino de Diamantina, sua cidade natal. Peixes
trazem tesouros imersos, revelam significados da vida. Ensinam.
Um pouco como na tradicional e bélica cantiga de marujada:
“Quem me ensinou a nadar, quem me ensinou a nadar, foi, foi
marinheiro, foi os peixinhos do mar”.

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