Texto Do Artigo - Fraude No Pescado

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Acta Fish. Aquat. Res.

(2015) 3(2): 89-99


DOI 10.2312/ActaFish.2015.3.2.89-99
Acta of
ARTIGO TÉCNICO Acta of Fisheries and Aquatic Resources

FRAUDAÇÃO NA COMERCIALIZAÇÃO DO PESCADO


José Milton Barbosa*
Departamento de Engenharia de Pesca e Aquicultura, Universidade Federal de Sergipe - UFS
*E-mail: [email protected]
Recebido em 18 de março de 2016
Resumo O presente trabalho aborda a questão da fraudação na comercialização de pescado no
Brasil, analisando as diversas faces desta prática em nosso país, as motivações, o desconhecimento
e as dificuldades de se lidar com um grupo tão amplo e complexo de amimais pertences a quatro
grandes classes Elasmobranchii (raias e cações), Actinopterigii (peixes ósseos), Crustacea
(crustáceos) e Mollusca (moluscos). Uma das maiores dificuldades no comercio de pescado é a
terminologia das espécies em virtude da grande diversidade, aliada à pobreza do vocabulário
zoológico. Ademais, os peixes, crustáceos e moluscos, atualmente, são commodities circulando no
mundo sem fronteiras, o que exacerba as questões de nomenclatura. As fraudações são
classificadas, segundo o Riispoa em adulterações, fraudes ou falsificações, podem ser divididas em
pretéritas, iminentes e oficializadas. O combate às fraudações no comércio de pescado é uma
ferramenta governamental e visa a segurança alimentar e a defesa do consumidor, dando
credibilidade ao produto ofertado à população.
Palavras-chave: Brasil, pescado, adulterações, fraudes, falsificações.
Defraud in seafood marketing
Abstract This paper addresses the issue of defraud in the marketing of fish in Brazil, analyzing the
various aspects of this practice in our country, the motivations, the ignorance and the difficulties of
dealing with such a large group and complex belongings animals to the four large classes
Elasmobranchii (sharks and rays), Actinopterigii (bony fish), Crustacea (crustaceans) and Mollusca
(mollusks). One of the biggest difficulties in the fish trade is the terminology of species because of
the great diversity, combined with poverty zoo vocabulary. Moreover, the fish, crustaceans and
mollusks are now commodities circulating in the world without borders, which exacerbates the
naming issues. Defrauds are classified according to the Regulation of Industrial and Sanitary
Inspection of Animal Products (Riispoa) in adulteration, fraud or fakes, they can be divided into
preterit, imminent and made official. Combating defrauds in fish trade is a government tool and
aims to food safety and consumer protection, giving credibility to the product offered to the
population.
Keywords: Brazil, seafood, adulteration, fraud, fakes.

ISSN: 2357-8068
Indexadores: Sumários (www.sumarios.org) - Diretórios: Diadorim (Diadorim.ibict.br) - Latindex (www.latindex.org)
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Introdução
O pescado é uma importante fonte de alimento para a humanidade, especialmente como fonte
de proteínas de alto valor biológico. De forma que não é difícil entender o aumento do consumo
mundial de pescado nas últimas décadas, período marcado pela conscientização das necessidades
humanas, do culto ao bem estar, à saúde e à segurança alimentar.
A produção mundial de pescado aumentou significativamente desde o século passado, que na
sua primeira década (1900-1910) era de cerca de 8,5 milhões de toneladas, atualmente a produção
mundial beira a 160 milhões de toneladas, especialmente em virtude do crescimento da aquicultura
que alcançou cerca de 66,6 milhões de toneladas em 2012, enquanto a pesca está estabilizada há
algumas décadas em cerca de 90 milhões de toneladas (de acordo com dados da FAO, 2014).
Segundo a mesmo fonte houve também um incremento significativo no consumo per capita
mundial de pescado que aumentou de 10kg em 1960 para aumentou 19kg em 2012.
Desta forma, é possível avaliar a importância do pescado para a alimentação humana e
animal, já que 25% da produção mundial de pescado se destina a formulação de farinha e óleo,
destinados à formulação de rações.
Um dos grandes problemas vividos atualmente por processadores, comerciantes e
especialmente consumidores, são as fraudações na comercialização do pescado e seus derivados,
fato que ocorre em parte pela grande diversidade de espécies de peixes crustáceos, moluscos e
outros animais tidos como pescado, de acordo com a definição do Regulamento da Inspeção
Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal-Riispoa (Brasil, 2008) e Codex
Alimentarius (2009). Além da predisposição de alguns comerciantes em explorar o fato
do consumidor brasileiro estar pouco educado para o consumo de pescado.
Neste contexto, pretendemos analisar a dinâmica da industrialização do pescado, sob o ponto
de vista de sua fragilidade as tentativas de fraudações e os mecanismos capazes de evitar ou minorar
estes instrumentos, de forma técnica e responsável, preocupados unicamente com a segurança
alimentar e credibilidade do consumidor nas ações governamentais nesta área.
Comércio de Pescado
Antes de tudo é bom lembrar que o termo pescado é definido no Riispoa, como qualquer
organismo aquático próprio para a alimentação humana, a saber: peixes, crustáceos, moluscos,
répteis, anfíbios e mamíferos aquáticos (animais das ordens Cetacea e Sirenia) (Brasil, 2008).
É possível verificar que a legislação não inclui as algas, que apesar disso, são consideradas
como “pescado” por alguns setores, visto que são importantes fontes de alimentos, especialmente
em países asiáticos.

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O comércio de pecado é intenso no mundo. Segundo dados da FAO são os produtos mais
importantes da exportação de países em desenvolvimento. Muitas espécies de pescado são
consideradas commodities participando efetivamente do comércio internacional. No entanto, a
diversidade de espécies, e a não padronização de nomes vernaculares e comerciais, causam grandes
confusões no mercado nacional e internacional, principalmente quando se trata de exportação e
importação.
Outro fato importante é a mudança de paradigma quanto a estratégia comercial do pescado,
antes os estoques, normalmente os tradicionais, eram explorados e se buscava o nome comercial
para o mesmo. Atualmente, as indústrias pesqueiras tem um nome, de apelo comercial e busca um
estoque, ou espécie, para ser comercializado com aquele nome. É o caso de uma grande empresa
brasileira que buscava uma espécie para ser comercializada com o nome “badejo” ou “abadejo*.
*Nota - A letra “a” antecedendo o nome comum é de ocorrência constante no Brasil,
duplicando o nome de uma mesma espécie ou grupo de espécies, como por exemplo: badejo =
abadejo (Serranidae); botoado = abotoado (Doradidae); cará = acará (Cichlidae); cari = acarí
(Locicariidae); raia = arraia (Elasmobranchii) (Barbosa, 2011).

Sobre a Questão dos Nomes


A grande diversidade de espécies de pescado, especialmente de peixes é acompanhada de uma
grande pobreza do vocabulário zoológico, já reportada por Iheringi (1939/1968), especialmente nos
países tropicais da América do Sul e África.

ESPÉCIES IMPORTADAS
Estas espécies quando adentram o mercado brasileiro, precisam de um nome que as
identifique e não causem confusão (fraudação) com outras espécies já estabelecidas como, por
exemplo:
a) Linguado - recentemente o Brasil importou da China um Pleuroctiformes, Arrow-tooth
flounder Atheresthes stomias (Jordan & Gilbert, 1880) cujo nome traduzido para o português
seria “linguado-dente-de-seta”. Esta espécie de qualidade claramente inferior ao nosso
linguado Paralichthys brasiliensis (Ranzani, 1842), não pode ser comercializado no Brasil
com esse nome, de forma que foi sugerido para sua comercialização, o nome de “Linguado
Mandarim”. Atualmente é comercializado com o nome Alabote-dente-curvo, diga-se de
passagem um nome pouco adequado, pois pouco informa ao consumidor;
b) Sardinhas - vários países tem tentado comercializar outras espécies de peixe com o nome
“sardinha” o que inclui espécies da família Clupeidae e espécies da família Engraulidae (manjuba
ou anchova, em espanhol ou anchovy, em inglês). Anos atrás uma indústria brasileira importou a
“sardinha” Opisthonema libertate (Günther, 1867) do Equador para enlatar com o nome de rotúlo

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sardinha, sendo rechaçada pela Inspeção Federal, pois espécies de gênero Opisthonema Gill, 1861
como, por exemplo, Opisthonema oglinum (Lesueur, 1818) tem nome comercial próprio: sardinha-
laje;
c) Cavala - o nome cavala no Brasil é aplicado a Scomberomorus cavalla (Cuvier, 1829), e na
Espanha para espécies do gênero Scomber Linnaeus, 1758 (cavalinha no Brasil), de forma que por
várias oportunidades as empresas brasileiras tem cometido o erro de importar “cavalinha” por
“cavala”.

ESPÉCIES EXPORTADAS
Muitas vezes os exportadores brasileiros têm problemas de exportação em virtude das
confusões de nomes vernaculares e seus correspondentes científicos. O caso mais conhecido é o dos
Tunídeos (Tribo Thunnini). Espécies do gênero Thunnus South, 1845 têm o nome inglês de tuna
(atum em português). No entanto, na língua inglesa é utilizado sempre o sobrenome: litle tuna,
yellowfin tuna etc. de forma que as espécies são individualizadas. No Brasil estabeleceu-se o
costume de tratar os tunídeos pelo nome “atum”, englobando nele várias espécies de albacoras e de
bonitos, que por sinal têm nomes comuns bem estabelecidos: albacora-laje, albacora-bandolim,
albacora-branca, albacorinha, bonito-barriga-listrada etc. Este procedimento dificulta a ordenação
por espécie e cria um erro já que o nome atum deveria ser usado apenas para Thunnus thynnus
(Linnaeus, 1758) (Barbosa, 2011).
Outro caso interessante é de um Gadídeo (bacalhau), vindo para o Brasil, dos mares antárticos
e comercializado para a Rússia usando o nome do gênero Notothenia Richardson, 1844. No entanto,
o nome Notothenia” não agradou o consumidor brasileiro, pela associação com a “tênia” (verme
platelminto), de forma que passou a ser comercializado com o nome de “bacalhau antártico”, após
parecer de técnico especializado.

O que é Fraudação?
Fraudação, do latim fraudatio é o ato de fraudar. É tratada na legislação específica, sendo
definida no Art. 879 do Riispoa, como alterações do produto. Segundo este instrumento a fraudação
pode ser de três tipos: adulteração, fraude e falsificação
a) Adulteração - É o ato de alterarão provocado no produto que inclui qualquer mudança nas
características ou especificações contidas na regulamentação do Departamento de Inspeção de
Produtos de Origem Animal (Dipoa), contidos nos Regulamentos Técnicos de Identidade e
Qualidade (RTIQ). Inclui nesta prática a mudança de componentes aprovados e a tentativa
deliberada de mudança no aspecto visual com uso de corantes não autorizados e a alteração de data
de validade, contida no rótulo ou na própria embalagem.

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b) Fraude - entende-se por fraude a tentativa de ludibriar o consumidor, tentando induzi-lo ao erro,
em virtude de alterações nos componentes do produto, troca do meio de cobertura, substituição total
ou parcial das espécies e alteração no produto com intuito de aumentar o preço ou o volume final. É
uma das principais alterações que ocorre no Brasil, havendo muito casos sendo investigados
judicialmente.
c) Falsificação - esta prática ocorre quando deliberadamente um produto é apresentado no comércio
com identidade de outrem, sem autorização prévia dos órgãos responsáveis e nem dos responsáveis
pelo produto vítima da falsificação.

Responsabilidade Institucional
O controle de qualidade dos produtos de origem animal e seus derivados, comercializado de
forma natural ou após transformação por qualquer tipo de conservação ou beneficiamento é do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por meio do Departamento de
Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) e no caso de pescado pelo Serviço de Inspeção de
Produtos de Pescado e Derivados (Sepes).
Este serviço mantém um grupo que atua no controle de qualidade do pescado, especialmente
na identificação e prevenção de fraudações de pescado em conserva e que participou da elaboração
do RTIQ dos seguintes produtos: conservas de sardinhas; atuns e afins; peixes em conserva; peixes
congelados e camarões congelados.
Os moluscos são tratados um grupo específico que atua no nível nacional na inspeção e
controle de qualidade dos moluscos.

Fraudações Internacionais
As alterações na identidade e qualidade do pescado e seus derivados ocorrem principalmente
com as principais espécies commodities, sardinhas, tunídeos, salmões etc.
A família das sardinhas, Clupeidae Cuvier, 1816, que muitas vezes inclui por erro de
desconhecimento ou de dolo as espécies da família Engraulidae Gill, 1861. A família Clupeidae
apresenta uma grande diversidade de espécies, 198, enquanto Engraulidae tem 146 (Froese & Pauly,
2016), o que propicia a grande confusão quanto à identidade dos produtos advindo destes grupos.
Para a Comunidade Européia o nome sardinha é aplicado para uma única espécie: Sardina
pilchardus (Walbaum, 1792). No entanto, o Peru conseguiu, por meio de uma ação junto a
Organização Mundial do Comércio, exportar a sardinha do Pacífico: Sardinops sagax (Jenyns,
1842), na Europa, não propriamente com o nome “sardinha”, mas “tipo sardinha” fato que já
aconteceu no Brasil com o “tipo bacalhau”.
Nos países latinos (do lado do Pacífico) o termo “sardina” é usado para qualquer espécie de
Clupeídeos, porém com mais propriedade para S. sagax, principal produto de exportação do Chile e

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segundo do Peru. No Brasil, para uso em conservas o termo sardinha se aplica a nossa sardinha
Sardinella brasiliensis (Steindachner, 1879) e a dus espécies importadas Sardinella aurita
Valenciennes, 1847 e Sardina pilchardus (Walbaum, 1792).
Nos Estados Unidos o principal Clupeídeo, utilizado em conservas e exportado para diversos
países é o “arenque” Clupea harengus Linnaeus, 1758. Espécie que recentemente foi autorizada a
ser utilizada no Brasil, para processamento em conserva, com o nome “sardinha”.
Os atuns, especialmente o atum-azul ou verdadeiro Thunnus thynnus (Linnaeus, 1758) é alvo
de fraude em função de seu alto valor comercial, principalmente no caso de produtos derivados
elaborados a partir de outras espécies do gênero Thunnus South, 1845, apresentados no mercado
com o nome “atum”.
Na Espanha as conservas de atum são classificadas em branco (utilizando a albacora-branca
(T. alalunga), claros (outras albacoras), Thunnus spp. e bonito Katsuwonus pelamis (Linnaeus,
1758)) e escuro (Euthynus spp. Euthynnus affinis (Cantor, 1849) e outros bonitos e sardas). No
Brasil esta definição não é muito clara, embora exista o conceito de atum de carne branca e
vermelha (escura).

Fraudações no Brasil
O Brasil por sua extensão territorial, proximidades de mercados exportadores de pescado e
por apresentar uma economia emergente robusta é um importante país importador e exportador de
pescado. A importação inclui produtos de alto valor no mercado externo: lagostas (Palinuridae),
camarões (Penaeidae), peixes vermelhos Lutjanus spp., tilápia Oreochromis niloticus e piramutaba
Brachyplatystoma vaillantii. Além de um significativo comércio de barbatanas de tubarões,
hipófises e outros produtos especiais.
Podemos analisar as fraudações no Brasil, dividindo-as em três aspectos: casos pretéritos;
fraudações iminentes (tentativas) e fraudações oficializadas (e consolidadas).
As principais fraudações ocorridas no Brasil destacam-se (casos pretéritos):
a) A troca de espécies da família Lutjanidae Gill, 1861 (peixes vermelhos)
Há indícios de que, algum tempo atrás, o estado do Ceará exportava filés de pargo utilizando
no processamento, além do pargo Lutjanus purpureus (Poey, 1866), a guaiúba Ocyurus chrysurus
(Bloch, 1791) e a cioba Lutjanus analis (Cuvier, 1828). Na semana santa, quando há grande
demanda de pescado, o pargo era enviado para Pernambuco e comercializado sob o nome de cioba
(nome de maior apelo em Recife). Fora desse período, a cioba era enviada para o Fortaleza, filetada
e comercializado como pargo.

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b) As conservas de sardinha foram alvo de muitas fraudes, principalmente de troca de espécies,


quando da escassez da sardinha-verdadeira S. brasiliensis, em virtude da sazonalidade das capturas
deste clupeídeo em nosso país.
A principal fraude foi a substituição desta espécie por outros clupeídeos: Opisthonema
oglinum (Lesueur, 1818), S. sagax e Spartus spp., por Eugranideos: boca-torta Cetengraulis
edentulus (Cuvier, 1829), anchoveta Engraulis ringens Jenyns, 1842, (suspeitas) e e Carangideos:
chicharros (ou xixarros) espécies do gênero Trachurus Rafinesque, 1810 (T. lathani, T. tachurus),
quase sempre vindo do Chile ou da Venezuela.
Recentemente uma empresa brasileira forneceu à merenda escolar de duas capitais conservas
de chicharro, enlatados com o rótulo “sardinha”. A justiça moveu uma ação contra os envolvidos
gerando um processo com apuração policial.

FRAUDAÇÕES IMINENTES
As tentativas de fraudações estão sempre rondando os países importadores, no caso do Brasil,
o principal alvo é o segmento de conservas de sardinhas, em virtude da produção brasileira de S.
brasiliensis não atender a demanda das indústrias conserveira, em determinados períodos.
Além do fato já descrito anteriormente da tentativa de introduzir a Opisthoma libertate na
indústria brasileira, o maior perigo fica por conta da anchoveta Engraulis ringens Jenyns, 1842.
Esta espécie é a que representa maior volume de captura no mundo, o que coloca o Peru como o
segundo maior produtor mundial de pescado. A produção de anchoveta até meados o ano 1970 era
superior a 10 milhões de toneladas (o Brasil nunca alcançou a produção total de pescado de 1
milhão de t por meio da pesca extrativa). Até a grande mudança ocorrida na temperatura do
Pacífico, no início da década de 1970, causado pelo El Niño que reduziu drasticamente a produção
deste recurso nos anos seguintes. Atualmente a produção de anchoveta está em recuperação, com
produção entre 5 e 8 milhões de toneladas nos últimos anos (FAO, 2014, 2014). Estes peixes eram
historicamente destinados às fábricas de farinha e de óleo, de forma que as técnicas de capturas
foram quase sempre bastante rústicas.
Atualmente, o Peru tem tentado mudar a identidade dos produtos, com forte propaganda,
como a campanha “la anchoveta para humanos no para cerdos”. Esta propaganda, no entanto, visa
atingir mercados exteriores, principalmente China e países Africanos, como consta no final do texto
(Figura 1).
Outra iniciativa foi a substituição do leite pela anchoveta na merenda escolar no Peru, o que
não foi bem aceito pelas “Madres del vaso de leche” (mães de alunos que cuidam da merenda
escolar) (Figura 2).

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Wednesday, April 25, 2007

LA ANCHOVETA PARA HUMANOS NO PARA CERDOS

El 37 % de toda la pesca mundial va a alimentar animales. Podrian alimentar seres humanos empezando por
los paises de donde se extrae un alto porcentaje de la poblacion en Peru sufre de desnutricion sobre todo por
falta de proteinas, es lo que dice un estudio de la Universidad de British Columbia. Hace 10 años el porcentaje
solo era de 10%. Los principales beneficiados con el alza los cerdos y las aves. Esto ha pasado en gran parte
porque la harina de pescado se compra en paises donde los precios son bajos como Peru y Chile u otros paises
(...). Los conservacionistas dicen que el consumo humano disminuiria la presion sobre la sobre explotacion del
recurso. Un chef peruano Gaston Acurio que está empeñado en que la cocina peruana gane status
internacionala se ha inspirado en la anchoveta para promover una campaña, "Descubra la Anchoveta" y en
Diciembre pasado se hizo la semana de la anchoveta con el slogan de "biosiversidad de la gastronomia" (..).
Los economistas insisten que la anchoveta para consumo humano puede ser vendido a 5 veces el valor por
tonelada que si se dedicara al consumo animal y solo requiera la mitad del pescado. Los mercados potenciales
de la anchoveta reconvertida serian los paises africanos y China fundamentalmente.

Figura 1. Propaganda incentivando o consumo de anchoveta Engraulis rigens por humanos e não por suínos
(Fonte: José Gajardo Rojas. Disponível em http://jggr.blogspot.com.br/).

Figura 2. Noticias veiculadas em jornais peruanos demonstrando a insatisfação pela troca do leite pela
anchoveta na merenda escolar daquele país.

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No Brasil algumas empresas tentaram a liberação da anchoveta para enlatamento com o nome
“sardinha”. Fato inadmissível e perigoso para a indústria conserveira nacional que teria que
concorrer em desvantagem com os enlatadores de anchoveta, ou passar a enlatar esta espécie em
detrimento da qualidade e manutenção do status que as marcas gozam atualmente no mercado
brasileiro.
As indústrias brasileiras solicitaram um parecer técnico (Barbosa, 2009) e a entrada da
anchoveta foi evitada, embora haja outros componentes advindos dos acordos comerciais entre o
Brasil e o Peru, e do interesse de outros atores ligados ao comércio e às relações exteriores.
No entanto, esses interesses transcendem as questões técnicas e entram na esfera política ou
econômica, o que certamente não é uma campo interessante para discussão e implementação de
normas e regulamentos nesta área, cujo compromisso é com a sustentabilidade de nossa indústria
conserveira e com a qualidade do pescado oferecido a nossa população, com base fundamentada na
confiabilidade e na segurança alimentar.
Outro caso, recente que tem acaloradas discussões no Brasil é a comercialização do “panga”
Pangasius pangasius (Hamilton, 1822), bagre de grande porte produzido pela aquicultura
vietnamita, cujo filé é comercializado em todo Brasil de forma, muitas vezes, fraudulenta, com
nomes de outras espécies, como, por exemplo: piramutaba, mapará, dourado, pescada-amarela e
linguado. O mesmo fato deve ter ocorrido em outros países. Como, por exemplo, na Espanha onde o
Guía de los Principales Pescados, Moluscos y Crustáceos Comercializados en la Comunidad de
Madrid, na página 32 mostra figuras para diferenciar filé de halibut (Hippoglossus spp.) e panga
Pangasius pangasius (Figura 3), sugerindo que esta fraude ocorreu ou pode ocorrer no comercio de
pescado naquela comunidade.

Figura 3. Diferença entre filés de halibut e panga (Fonte: Guía de los Principales Pescados, Moluscos y
Crustáceos Comercializados en la Comunidad de Madrid).
FRAUDAÇÕES OFICIALIZADAS
O enlatamento e comercialização de atuns, principalmente em conservas, poderia ser
considerado uma fraude, visto que a principal espécie utilizada nas conservas é Katsuwonus pelamis
(Linnaeus, 1758), ou seja, um bonito, que sequer pertence ao gênero Thunnus. No entanto, esta
prática é mundial, não só brasileira, visto que a produção desta espécie corresponde a mais de

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metade da produção total de tunídeos no mundo, 2,8 milhões de toneladas em 2012 (FAO, 2014).
Ademais, a denominação genérica do inglês: tuna, inserto em nome comum skipjack tuna, respalda
esta prática.
Outro caso refere-se ao enlatamento de um engraulídeo a “boca-torta”, como sardinha sob o
rótulo “sardinha-boca-torta”, Cetengraulis edentulus (Cuvier, 1829), o que contraria a sugestão de
(Barbosa & Nascimento, 2008 e Barbosa, 2011) de que o nome sardinha só deve ser usado para
espécies da família Clupeidae.
A autorização para esta prática se deu na década de 1980, em virtude da crise na produção de
S. brasiliensis e ocorre até nossos dias. Há um entendimento para que esta autorização seja
revogada e as espécies enlatadas como “manjuba-boca-torta” ou apenas “boca-torta”. Esta
providência, no entanto, carece de difíceis negociações com os representantes da indústria e é de
suma importância para que não ocorra desrespeito à legislação, permitindo a entrada de produtos
fraudulentos ou inadequados ao nosso mercado, de forma a alterar a identidade de nossas sardinhas
em conserva de boa qualidade e bem ao gosto do consumidor brasileiro.

Comentários Conclusivos
O pescado é uma importante commodity no mercado brasileiro e, por estar inserido no
mercado internacional, deve estar atento na sua dinâmica. Desta forma, o conhecimento e
participação ativa de nossos técnicos, autoridades e pesquisadores, como formadores de opinião,
são de suma importância para a segurança alimentar de nossa gente e para a consolidação e robustez
do nosso mercado de pescado. Neste contexto, o Engenheiro de Pesca, assim com outros
profissionais que atuam na área, devem formar as ideias desse processo para que o futuro seja
brilhante, nesta área.

Referências
Barbosa, J.M. (2009). Parecer sobre a viabilidade da conserva e comercialização no Brasil da
“anchoveta” Engraulis ringens, como sardinha. Apresentado ao Conselho Nacional de Pesca e
Aquicultura-Conepe. Recife, 14 de julho de 2009.

Barbosa, J.M. (2011). Principais espécies de pescado por Região do Brasil. In: Gonçalves, A.A.
Tecnologia do Pescado: Ciência, Tecnologia, Inovação e Legislação. Rio de Janeiro: Ed. Atheneu.

Barbosa, J.M. & Nascimento, C. (2008). Sistematização de nomes vulgares de peixes comerciais do
Brasil: 2. Espécies marinhas. Revista Brasileira de Engenharia de Pesca 3(3): 76-90.

Brasil (2008). Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal


(Riispoa). Brasília: Mapa.

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Codex Alimentarius (2009). Código de prácticas para el pescado y los productos pesqueiros (1a
Ed.). Roma: OMS/FAO.

FAO (2012). The State of World Fisheries and Aquaculture 2012. Roma: FAO.

FAO (2014). The State of World Fisheries and Aquaculture 2014. Roma: FAO.

Froese, R. & D. Pauly. (2016) (Ed.). FishBase. World Wide Web publicação eletrônica.
www.fishbase.org, versão (01/2016). Acessado em 23 de março de 2016.

Ihering, R. von (1939/1968). Dicionário de Peixes do Brasil. Brasília: Ed. UNB.

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