Governo Sempre Cria Moeda Quando Gasta, Não Existe Financiamento Alternativo

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Policy Note n.

Governo sempre cria moeda


quando gasta, não existe
financiamento alternativo

29 de outubro de 2021

Fabiano Abranches Silva Dalto


Policy Note n. 3

Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento:

Presidência:

Simone Deos, Presidente do Conselho Técnico-Científico;


Daniel Conceição, Presidente da Diretoria Executiva;
Glaucia Campregher, Vice-Presidente da Diretoria Executiva.

Diretoria Executiva:

Fabiano Dalto, Diretor de Pesquisas;


Samuel Braun, Diretor Executivo;
Caio Vilella, Diretor de Projetos;
André Doneux, Diretor de Comunicação;
David Deccache, Diretor Financeiro.

Conselho Técnico-Científico

Ricardo Lodi • Antonio José de Almeida Meirelles • Carlos Pinkusfeld Monteiro Bastos • Carlos
Henrique Vasconcellos Horn • Larry Randall Wray • William Francis Mitchell • Xinhua Liu • Fadhel
Kaboub • Yeva Nersisyan • Flávia Dantas • James Juniper • Pavlina Tcherneva • Bruno Sobral • Antonio
Correia de Lacerda • Caetano Penna • Paulo Gala • Márcio Gimene • Pedro Rossi • Adriana Nunes
Ferreira • Marco Antonio Rocha • Julio Cesar de Aguiar • Fernando Maccari Lara • Pedro Paulo Zahluth
Bastos • Franklin Leon Peres Serrano • André de Melo Modenesi • Paulo Kliass • Fernanda Ultremare •
José Carlos de Assis • Isabela Prado Callegari • Kaio Sousa Mascarenhas Pimentel • João Sicsù • Ricardo
Summa • Gustavo Antônio Galvão dos Santos • Guilherme Esteves Galvão Lopes • Felipe Calabrez •
Renata Lins • Luiz Gonzaga Belluzzo • Olivia Bullio Mattos • Scott Fullwiler.
Policy Note n. 3

Resumo:

Governos soberanos, que fazem pagamentos em sua própria moeda, só se financiam emitindo
moeda. Não existe financiamento por tributos ou emissão de títulos. Nesta nota, nós mostramos
operacionalmente porque este é sempre o caso, mesmo quando o governo se autoimpõe regras
tentando eludir a realidade. Esta nota faz exercícios operacionais, a partir de um caso geral em que as
contas do governo são consolidadas e, então, mostra casos em que as contas do Banco Central são
desagregadas das contas do Tesouro. Os resultados operacionais são absolutamente os mesmos,
qualquer que seja o caso.

Palavras-chave:
Financiamento Público; Governo Consolidado; Banco Central; Tesouro Nacional; Emissão de Moeda.

Sugestão para Citação:

DALTO, Fabiano A. S. Governo sempre cria moeda quando gasta, não existe financiamento
alternativo. Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD). Policy Note n. 3.
Brasil, outubro de 2021.
Policy Note n. 3

Policy Note n.3 – Governo sempre cria moeda quando gasta, não existe financiamento
alternativo
Fabiano Abranches Silva Dalto

1. Introdução

A sabedoria econômica divulgada em jornais e revistas especializadas, assim como reproduzida


por meios de comunicação não especializados, que dava conta de que governos tributam ou tomam
empréstimos para financiar seus gastos foi duramente abalada pelos eventos que se sucederam à crise
gerada pela pandemia do novo coronavírus. Literalmente da noite para o dia, governos dos cinco
continentes “encontraram” bilhões de suas moedas para realizar gastos inadiáveis para combater os
efeitos sanitários e econômicos da pandemia e, a despeito do crescimento dos déficits e das dívidas
públicas sem precedentes em tempos de paz, as taxas de juros continuaram baixas e estáveis – em alguns
casos, fixadas em domínios negativos.
A surpreendente “descoberta” de que governos não dependem de tributação prévia nem de
empréstimos para realizar gastos aqueceu o interesse e o debate, nem sempre bem fundamentado,
sobre a chamada Teoria Monetária Moderna (MMT da sigla em inglês). Economistas conselheiros de
governos e comentaristas com espaço em meios de comunicação de grande circulação passaram a ter
de discorrer sobre a possibilidade e a desejabilidade do governo “imprimir moeda” para realizar seus
gastos. De forma geral, o arcabouço analítico desses conselheiros de governo e dos comentaristas na
mídia tem fundamentos inadequados. Quando não reproduzem o monetarismo mais vulgar da “moeda
jogada de helicóptero", baseiam-se numa relação contábil sempre verdadeira ex post facto, a partir da
qual concluem que o governo financia seus gastos alternativamente com tributos, com emissão de
dívidas ou com “impressão de moeda”. Ambas as injunções são operacionalmente infundadas.
Esta Nota Técnica explica os mecanismos operacionais envolvidos na execução dos gastos
públicos e sua relação com a emissão de dívida e a tributação. A partir da análise das relações entre
Banco Central, Tesouro Nacional e bancos comerciais, que são registradas em seus balanços
patrimoniais, nós mostraremos que todo gasto do governo implica em criação de moeda e que nem a
tributação nem a venda de títulos se constituem em financiamento do governo uma vez que ambos são
resultados ex post derivados das atividades do governo criadoras de moeda. Em outras palavras,
pagamento de tributos e compra de títulos do governo só podem ocorrer porque o governo
anteriormente criou moeda através de seus pagamentos ou concessão de empréstimos.
Antes de mostrar essas relações nos balanços das entidades envolvidas, apresentaremos a
distribuição de responsabilidades atribuídas ao Banco Central e ao Tesouro Nacional e como o Banco
Central executa a política monetária e o Tesouro Nacional executa a política fiscal. Finalmente,
mostraremos como o Banco Central e o Tesouro Nacional coordenam suas operações de forma a
atingirem os objetivos de política monetária e de realização dos pagamentos do governo.

2. Responsabilidades do Banco Central do Brasil

O Brasil opera sua política monetária por meio de um Banco Central, que é formalmente distinto
do Tesouro Nacional. O Banco Central do Brasil é uma criatura do Estado Brasileiro que o instituiu pela

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Lei 4.595, em 31 de dezembro de 1964. O Presidente e a Diretoria do Banco Central são indicados pelo
governo eleito, ainda que tenham algum grau de autonomia para desempenhar suas atividades
independentemente de políticos eleitos e mesmo da burocracia permanente. Além disso, as atividades
do Banco Central, suas competências e instrumentos são determinados por leis, como a Lei 4.595/1964,
a Lei Complementar 179/2021 e mesmo a Constituição Federal. Entre as responsabilidades atribuídas
por essas leis ao Banco Central estão:

● o monopólio da emissão de moeda estatal ou meio circulante – papel-moeda e reservas


bancárias;
● estabelecer a taxa de juros;
● regular e operar a câmara de compensação de pagamentos interbancários;
● realizar as transações do Tesouro Nacional;
● realizar transações relacionadas a câmbio e ouro.

O Banco Central do Brasil está habilitado a estabelecer a taxa de juros de curto prazo ou taxa
interbancária, que tem sido o principal instrumento usado para implementar a política monetária
(Bindseil 2014; Banco Central do Brasil Política monetária – bcb.gov.br). O Banco Central do Brasil segue
a política de metas de inflação porque os economistas acreditam que esse sistema guiaria mais
adequadamente as expectativas dos agentes privados e tornaria mais seguras suas decisões de gasto.
Seja como for, a taxa de juros é o instrumento que o Banco Central manipula para alcançar os objetivos
da política monetária, de forma que o Banco Central usa especialmente as operações de mercado aberto
(compra e venda de títulos públicos emitidos exclusivamente pelo Tesouro Nacional) para manter a taxa
de juros na meta ou próximo à meta determinada pelo Comitê de Política Monetária – COPOM (Banco
Central do Brasil Comitê de Política Monetária – COPOM – bcb.gov.br).
Como emissor monopolista de reservas e regulador do sistema de pagamentos, o Banco Central
atua no mercado de reservas bancárias para garantir que a taxa de juros interbancária fique na meta ou
suficientemente próxima a ela. Os bancos comerciais, por sua vez, utilizam as reservas bancárias
(emitidas pelo Banco Central) para permitir o adequado funcionamento do sistema de pagamentos
interbancários e para realizar pagamentos ao governo. Os múltiplos pagamentos compensados entre os
bancos geralmente deixam alguns com excesso de reservas e outros com insuficiência delas. Os bancos
com reservas insuficientes buscarão tomar emprestado as reservas excedentes junto aos bancos com
excesso de reservas, e pagarão a taxa de juros do interbancário sobre o empréstimo.
Excessos ou insuficiências pontuais de reservas bancárias no sistema bancário como um todo
podem ocorrer, e pressões sobre a taxa de juros interbancária emergem de modo a forçá-la para zero
(no caso de excessos de reservas) ou indefinidamente para cima (no caso de insuficiência de reservas).
Excessos ou insuficiências de reservas bancárias no sistema como um todo não podem ser resolvidas
endogenamente pelos bancos comerciais, porque o Governo é o ofertante monopolista de moeda estatal
e de títulos públicos. Portanto, o Banco Central é o único agente em condições de aliviar as pressões quer
baixistas quer altistas sobre a taxa de juros SELIC, provocadas por excesso ou insuficiência de reservas
no sistema bancário como um todo.
Quando ocorre insuficiência de reservas no sistema bancário, o Banco Central fornece reservas
ao sistema por meio de operações de redesconto, comprando títulos do governo, ou comprando moeda
estrangeira, ouro ou mesmo, excepcionalmente, títulos privados. Assim, os bancos com insuficiência
podem recompor suas reservas, seja por meio de empréstimos junto ao Banco Central, seja por meio de
venda de ativos ao Banco Central. O Banco Central faz operações reversas quando os bancos estão com

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excesso de reservas. As reservas excessivas dos bancos serão usadas para pagar empréstimos tomados
anteriormente com o Banco Central, ou poderão ser usadas para comprar títulos públicos ou moeda
estrangeira do Banco Central.
Observe-se que em ambas as situações, de excesso ou de insuficiência de reservas no sistema
bancário, o Banco Central tem papel passivo, retirando ou concedendo reservas, isto é, satisfazendo as
necessidades ou demanda dos bancos comerciais. A atuação passiva do Banco Central em relação à
quantidade de reservas é simétrica ao seu papel ativo como fixador da taxa de juros de curto prazo. No
jargão da economia, a taxa de juros é exógena, porque é determinada pelo Banco Central, o que
corresponde à endogeneidade da quantidade de reservas, que flutua com a demanda dos bancos.
Qualquer fator que afete as reservas bancárias, aumentando-as ou reduzindo-as, tem o potencial
de pressionar a taxa de juros SELIC para zero ou para valores positivos indeterminados, respectivamente.
Para evitar desvios da taxa de juros da meta estabelecida pelo Copom, o Banco Central precisa antecipar
diariamente os fatores que possam alterar a quantidade de reservas no sistema bancário relativamente
ao que é demandado pelos bancos e com isso pressionar a taxa de juros. Normalmente, o Banco Central
percebe os efeitos dos fatores condicionantes da variação de reservas através de pressões sobre a taxa
de juros. Os mecanismos dispostos pelo Banco Central para evitar a flutuação da taxa de juros em relação
à meta da política monetária, tornam as reservas bancárias uma variável não discricionária do Banco
Central. Em outras palavras, o Banco Central acomoda o volume de reservas ou de títulos desejados pelo
sistema bancário de forma a manter a taxa de juros na meta estabelecida.
Entre os fatores mais significativos que afetam as variações das reservas bancárias estão os fluxos
de pagamentos ordenados e os depósitos recebidos pelo Tesouro Nacional na conta que mantém no
Banco Central. Por outro lado, como o Banco Central não emite títulos públicos, sua atuação de compra
e venda de títulos públicos no mercado secundário – as chamadas operações de mercado aberto –
depende fundamentalmente da emissão de títulos realizada pelo Tesouro Nacional. Por essa razão, o
Banco Central precisa coordenar suas ações com o Tesouro Nacional de forma que as operações do
Tesouro Nacional não desestabilizem o sistema financeiro com o impacto que o resultado fiscal tem
sobre o volume de reservas bancárias. De fato, um de nossos objetivos principais nesta nota é mostrar
como as operações do Tesouro impactam na política monetária, de forma que a coordenação entre
Tesouro Nacional e Banco Central é crucial para o funcionamento adequado do sistema financeiro.

3. Responsabilidades do Tesouro Nacional

No Brasil, o Tesouro Nacional é o órgão do Ministério da Fazenda responsável por operacionalizar


a política fiscal do governo. Suas principais funções, no que respeita à execução da política fiscal, são:

● Realizar os pagamentos do governo ao setor não governamental;


● Receber pagamentos de tributos do setor não governamental;
● Fazer a gestão da dívida pública, como a emissão de novos títulos do governo e resgate de
títulos em vencimento.

Entre a Independência (na verdade em 1835) e a criação do Banco Central, em 1964, o Tesouro
Nacional também executava a função de emissor da moeda. Dessa forma, o sistema operava de forma
consolidada em que todas as operações de pagamentos, recebimentos e a administração da dívida
pública eram realizadas por um mesmo órgão. A instituição do Banco Central como emissor monopolista

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da moeda do governo adicionou mais níveis operacionais pelos quais o Tesouro Nacional realiza seus
gastos. Atualmente, o Tesouro Nacional realiza seus pagamentos e recebe tributos através de conta
aberta no Banco Central, denominada Conta Única do Tesouro (CUT). Embora eleve o número de
transações que o Tesouro Nacional deve realizar para efetivar gastos, veremos que essa complicação não
altera em nada o fato de que o Tesouro Nacional gasta criando dinheiro e não utiliza receitas para realizar
seus gastos.

4. Relações Operacionais entre Tesouro Nacional e Banco Central

Atualmente, existem três restrições operacionais voluntárias sobre o Tesouro Nacional no


momento de realizar os pagamentos ao setor não governamental:

1. O Tesouro Nacional não emite mais a moeda estatal, o que o obriga a ter contas no Banco
Central para realizar suas transações de pagamentos e recebimentos de tributos;
2. O Tesouro Nacional autoriza saques em sua conta no Banco Central quando realiza gastos.
Para isso, deve haver crédito suficiente nesta conta antes de realizar o gasto;
3. O Tesouro Nacional não pode vender títulos ao Banco Central no mercado primário; deve
vendê-los para bancos comerciais ou outros investidores. No entanto, o Banco Central
pode comprar esses títulos diretamente de bancos comerciais ou outros investidores no
mercado secundário.

Tais restrições, como veremos, não têm qualquer efeito significativo no resultado final das
operações – o quanto de títulos públicos e reservas os bancos manterão em carteira, por exemplo – mas
têm servido de pretexto ideológico para justificar restrições ao gasto público. O caráter voluntário e não
intrínseco fica evidente, entretanto, quando essas e outras restrições fiscais são suspensas em situação
de emergência, como tem ocorrido desde o início da pandemia do novo coronavírus.
Para deixar evidente a inocuidade das restrições acima listadas no que respeita aos efeitos
monetários e de endividamento público que causam, apresentaremos os resultados patrimoniais da
decisão de gasto do Tesouro Nacional sob três hipóteses distintas:

(a) consolidação total das contas públicas, operacionalmente igual ao caso em que o Tesouro Nacional
emite a moeda quando gasta e cobra tributos na mesma moeda;
(b) separação do ente fiscal e do ente monetário do Governo em Tesouro Nacional e Banco Central,
concedendo ao Banco Central o monopólio da emissão da moeda do Governo, subdividida em:
(b.1) O Tesouro Nacional pode vender títulos públicos para o Banco Central no mercado primário;
(b.2) O Tesouro Nacional é proibido de vender títulos ao Banco Central no mercado primário e deve
manter sua conta no Banco Central com saldo positivo.

Caso (a) Consolidação das Contas do Tesouro Nacional e Banco Central num único Balanço do Governo

Considere que o Governo deseja realizar um gasto de R$100 bi na compra de equipamentos


hospitalares. O Governo terá de depositar essa quantia nas contas bancárias dos fornecedores do
Governo. Nas contas dos bancos haverá aumento de reservas nos ativos e de depósitos no passivo no
mesmo valor depositado pelo Governo aos fornecedores. A renda obtida na economia é tributada,

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digamos, em 30%. Dessa forma, dos R$100 bi recebidos pelo fornecedor, R$30 bi serão usados para pagar
os tributos ao Governo. Quando do pagamento dos tributos devidos, o banco reduz os depósitos do
fornecedor em R$30 bi e transfere reservas no mesmo valor ao Governo. Nas contas do Governo, há
destruição de R$30 bi das reservas.
Veja, no quadro 1, um exemplo que ilustra as modificações nos patrimônios que a atividade fiscal
do governo provoca.

Quadro 1: Modificações nos patrimônios provocadas pela atividade fiscal do Governo do caso (a)
GOVERNO BANCO COMERCIAL

Ativo Passivo Ativo Passivo

Equipamentos Reservas Reservas Depósitos do Fornecedor


Primeira Rodada
Hospitalares R$100 bi R$100 bi R$100 bi

Reservas Reservas Depósitos do Fornecedor


Equipamentos R$100 bi R$100 bi R$100 bi
Segunda Rodada
Hospitalares -R$30 bi= -R$30 bi= -R$30 bi=
R$70 bi R$70 bi R$70 bi

Reservas Reservas
Equipamentos R$14 bi R$14 bi Depósitos do Fornecedor
Terceira Rodada
Hospitalares Títulos Títulos R$70 bi
R$56 bi R$56 bi
Fonte: o autor.

É importante perceber que o gasto deficitário do Governo cria saldo positivo de reservas no
sistema bancário. Observe que sem esse saldo positivo de reservas, os bancos não seriam capazes de
realizar as ordens de pagamento de tributos de seus clientes. Portanto, sem que o Governo crie por meio
de gastos – ou concedendo empréstimos – as reservas no sistema bancário, tributos não podem ser
pagos. Em outras palavras, tributos não financiam os gastos públicos. Antes, pelo contrário, os gastos
públicos geram o meio circulante necessário para o setor privado pagar os tributos.
Além disso, o gasto deficitário gera reservas em geral maiores do que as requeridas (voluntária
ou compulsoriamente) pelos bancos. Como notamos no quadro 1, o excesso de reservas pressionaria a
taxa de juros de curto prazo a zero. Se o Governo avaliar que a taxa de juros deva ter valor positivo, ele
emitirá títulos públicos com a taxa de juros desejada. Os bancos certamente preferem trocar as reservas
excessivas por títulos remunerados, uma vez que as reservas não pagam juros. Supondo que as reservas
requeridas sejam de 20% do volume de depósitos à vista, os bancos trocariam R$56 bi em reservas por
títulos públicos. Como resultado dessa última operação, o passivo do Governo torna-se simétrico aos
ativos dos bancos.

Caso (b) separação das contas do Tesouro Nacional e do Banco Central, concedendo ao Banco Central o
monopólio da emissão da moeda do Governo.

O caso (a) por vezes é criticado por simplificar demais as operações e tornar-se irrealista a
respeito das efetivas relações entre Tesouro Nacional e Banco Central. Nesta seção, vamos separar os
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balanços do Banco Central e do Tesouro Nacional e analisar as implicações operacionais decorrentes.


Adiantamos que nada de significativo na compreensão de como o Governo realiza seus gastos se altera
com a desagregação das contas, embora aumente o número de transações realizadas pelo Tesouro.
As principais contas do Banco Central são, no lado ativo, as reservas internacionais, os
empréstimos ao sistema bancário e os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. Do lado passivo, o Banco
Central emite passivos monetários, constituídos por reservas bancárias e papel moeda em poder do
público – que é também chamado de base monetária ou moeda de alta potência, e passivos não
monetários, onde são registrados os depósitos do Tesouro Nacional.
O Tesouro Nacional, por sua vez, é o titular da Conta Única (CUT), que é a conta de depósitos no
Banco Central na qual o Tesouro Nacional recebe depósitos e da qual o Banco Central debita os
pagamentos ordenados pelo Tesouro Nacional. Portanto, todas as relações entre Tesouro Nacional e
Banco Central são registradas contabilmente na CUT.
Os bancos comerciais, por seu turno, têm, do lado ativo, as reservas depositadas no Banco
Central, empréstimos aos seus clientes (firmas e empresas) e títulos públicos comprados do Tesouro
Nacional ou do Banco Central. No lado passivo, os bancos emitem depósitos à vista e a prazo. Os
depósitos à vista fazem parte do agregado monetário M1, chamado meios de pagamentos.

Caso (b.1) o Banco Central compra Títulos do Tesouro Nacional em Emissões Primárias.

O Tesouro Nacional é, como vimos, o ordenador das despesas do orçamento aprovado pelo
Congresso Nacional. O Banco Central é o executor. Uma vez que o Tesouro Nacional usa sua conta de
depósitos no Banco Central para fazer pagamentos, as regras restritivas autoimpostas que listamos
anteriormente obrigam o Tesouro Nacional a emitir títulos ao Banco Central para abastecer a CUT antes
de realizar seus pagamentos. Feita a operação, o Banco Central registra títulos públicos entre seus ativos
e credita a CUT no mesmo valor do título emitido pelo Tesouro Nacional. Estando a CUT com saldo
positivo, o Tesouro Nacional ordena o pagamento de R$100 bi ao fornecedor de equipamentos
hospitalares, conforme nosso exemplo. Cumprindo a ordem de pagamento do Tesouro Nacional, o Banco
Central debita a CUT e credita o mesmo valor na conta de reservas bancárias dos respectivos bancos
comerciais. Os bancos comerciais, por seu turno, creditam as contas de seu cliente, fornecedor de
equipamentos hospitalares, beneficiário da compra do Governo.
Novamente, o fornecedor de equipamentos hospitalares é tributado em 30% da renda recebida
e como no caso (a) o banco comercial vai eliminar R$30 bi de depósitos à vista e ordenar a transferência
de R$30 bi da conta reservas para a CUT.

Quadro 2: Modificações nos patrimônios provocadas pela atividade fiscal do Governo do caso (b.1)
BANCO CENTRAL BANCO COMERCIAL
Ativos Passivos Ativos Passivos

Reservas Reservas
Ativos Externos Depósitos à vista
Bancárias Bancárias
Primeira Rodada Títulos do
Depósitos do
Tesouro Títulos do Depósitos a
Tesouro Nacional
Nacional Tesouro Nacional prazo
R$100 bi
R$100 bi
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Reservas Reservas
Depósitos à vista
Ativos Externos Bancárias Bancárias
R$100 bi
R$100 bi R$100 bi
Segunda Rodada
Títulos Públicos Depósitos do Títulos do Depósitos a
R$100 bi Tesouro Nacional Tesouro Nacional prazo
Reservas Reservas
Depósitos à vista
Ativos Externos Bancárias Bancárias
R$70 bi
R$70 bi R$70 bi
Terceira Rodada
Depósitos do
Títulos Públicos Títulos do Depósitos a
Tesouro Nacional
R$100 bi Tesouro Nacional prazo
R$30 bi
Fonte: o autor.

Observe que os bancos comerciais estão mantendo um montante de reservas provavelmente em


excesso do necessário ou exigido pelo Banco Central. Correntemente no Brasil, o Banco Central impõe
uma taxa de reservas compulsórias no valor de 21% em proporção dos depósitos à vista. Considerando
deduções, digamos que o banco comercial constitua reservas bancárias a uma taxa efetiva de 20%. Dessa
forma, em nosso exemplo, o banco comercial só precisaria manter R$14 bi em reservas, e não R$70 bi.
O excesso de reservas bancárias equivalentes a R$56 bi será aplicado por esses bancos no mercado
interbancário. Em outras palavras, os bancos com reservas em excesso vão comprar títulos de outros
bancos no mercado interbancário de negociação de reservas.
Num ambiente de excesso de reservas do sistema bancário como um todo, o excesso de demanda
por títulos pelos bancos comerciais forçaria a taxa de juros cair a zero, caso o Banco Central não estivesse
preparado para vender títulos públicos aos bancos para compensar o excesso de reservas. Desde que a
política monetária do Banco Central seja manter a taxa de juros de curto prazo positiva, ele deverá
neutralizar o efeito reservas, provocado pelo gasto do Tesouro, vendendo os títulos em sua carteira e
debitando a conta de reservas bancárias no mesmo valor.

Quadro 3: Modificações nos patrimônios provocadas pela atividade fiscal do Governo do caso (b.1)
BANCO CENTRAL BANCO COMERCIAL
Ativos Passivos Ativos Passivos
Reservas Reservas
Depósitos à vista
Ativos Externos Bancárias Bancárias
R$70 bi
R$14 bi R$14 bi
Quarta Rodada
Títulos do Depósitos do
Títulos Públicos
Tesouro Tesouro Nacional
R$56 bi
R$44 bi R$30 bi
Fonte: o autor.

Nota-se, assim, a intrínseca relação entre as operações do Tesouro Nacional e do Banco Central,
seja porque as movimentações da CUT afetam as reservas bancárias, seja porque as operações de
mercado aberto (compra e venda de títulos pelo Banco Central) dependem da emissão de títulos pelo

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Tesouro Nacional. Dessa forma, a coordenação das ações entre Banco Central e Tesouro Nacional é algo
inevitável e sensível para a operação da política monetária.
Observa-se, ainda, que a composição final do portfólio dos agentes privados é exatamente a
mesma do que era quando consolidamos os balanços do Governo – como no caso (a). Além disso, com
a desagregação da conta do Governo, aparecem “dívidas” do Governo consigo mesmo que são
canceladas na forma consolidada. Assim, no passivo do Banco Central aparecem os depósitos em favor
do Tesouro Nacional (na CUT), enquanto do lado ativo aparecem títulos emitidos pelo Tesouro Nacional,
cuja rentabilidade vai ser paga ao próprio Tesouro Nacional. Dessa forma, não existe nada de especial na
consolidação dos balanços do Tesouro e do Banco Central que modificaria os resultados das operações
de gasto e tributação do Tesouro Nacional. Como afirmamos acima, o Tesouro Nacional gasta criando
moeda e tributa destruindo moeda. Tributos, por sua vez, só podem ser pagos depois que o Governo
tenha criado moeda por meio de gastos ou empréstimos ao setor privado.

Caso (b.2) o Tesouro Nacional é proibido de vender títulos ao Banco Central no mercado primário e deve
manter sua conta no Banco Central com saldo positivo.

O artigo 164 da Constituição de 1988 proíbe a aquisição primária de títulos do Tesouro Nacional
pelo Banco Central. A despeito disso, como o Banco Central não emite títulos próprios para operar a
política monetária, o Tesouro Nacional regularmente emite títulos diretos ao Banco Central sem
contraprestação de pagamentos por eles. Seja como for, a regra constitucional tem levado a erro
diversos analistas ao suporem que tal restrição impediria, de fato, o efeito reservas dos gastos do
Tesouro Nacional. Na verdade, o que ocorre sob as restrições do artigo 164 da Constituição Federal é o
chamado “financiamento indireto” do Tesouro Nacional pelo Banco Central, embora também proibido
pelo mesmo artigo constitucional.
Sob a restrição de não poder vender títulos ao Banco Central, o Tesouro Nacional tem de vender
títulos ao mercado financeiro antes de realizar seus gastos. Note, no entanto, que os bancos comerciais
não mantêm reservas em excesso para comprarem títulos novos, porque a manutenção de reservas em
excesso é, na realidade, um custo para os bancos. Reservas excessivas ocorrem raramente e os bancos
procuram corrigir a posição ineficiente de sua carteira de ativos o mais rápido possível. Por isso, os
bancos terão de pegar emprestado – ou vender algum ativo em troca de – reservas junto ao Banco
Central, se quiserem comprar os títulos postos à venda pelo Tesouro Nacional. O mesmo artigo 164
concede ao Banco Central o poder de realizar empréstimos aos bancos comerciais. Suponhamos que o
façam. Com as reservas emprestadas pelo Banco Central, o banco comercial pode comprar os títulos
ofertados pelo Tesouro Nacional. A CUT do Tesouro Nacional é creditada pelo Banco Central ao mesmo
tempo que as reservas bancárias são debitadas no mesmo valor. Uma vez que a CUT esteja com saldo
positivo, o Tesouro Nacional estará apto a realizar os pagamentos da mesma forma que vimos
anteriormente.
Ao receber as reservas oriundas do gasto do Tesouro Nacional, o banco comercial está apto a
pagar o empréstimo tomado junto ao Banco Central. Como antes, o banco comercial precisa manter 20%
dos depósitos à vista na forma de reservas. Ele pode fazer isso vendendo parte dos títulos do Tesouro
para outros bancos ou para o Banco Central. Na hipótese de haver insuficiência de reservas no sistema
como um todo, só o Banco Central será capaz de prover as reservas comprando os títulos dos bancos.
Todos esses procedimentos estão ilustrados no quadro 4.

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Quadro 4: Modificações nos patrimônios provocadas pela atividade fiscal do Governo do caso (b.2)
BANCO CENTRAL BANCO COMERCIAL
Ativos Passivos Ativos Passivos
Reservas Reservas
Ativos Externos Bancárias Bancárias Depósitos à vista
R$100 bi R$100 bi
Primeira Rodada
Empréstimos Empréstimos do
Depósitos do Títulos do
aos Bancos Banco Central
Tesouro Nacional Tesouro Nacional
R$100 bi R$100 bi
Reservas Reservas
Ativos Externos Depósitos à vista
Bancárias Bancárias
Segunda Rodada
Empréstimos Depósitos do Títulos do Empréstimos do
aos Bancos Tesouro Nacional Tesouro Nacional Banco Central
R$100 bi R$100 bi R$100 bi R$100 bi
Reservas Reservas
Depósitos à vista
Ativos Externos Bancárias Bancárias
R$100 bi
R$100 bi R$100 bi
Terceira Rodada
Empréstimos Títulos do Empréstimos do
Depósitos do
aos Bancos Tesouro Nacional Banco Central
Tesouro Nacional
R$100 bi R$100 bi R$100 bi
Reservas Reservas
Depósitos à vista
Ativos Externos Bancárias Bancárias
R$70 bi
R$14 bi R$14 bi
Quarta Rodada
Depósitos do Títulos do
Títulos Públicos Empréstimos do
Tesouro Nacional Tesouro Nacional
R$44 bi Banco Central
R$30 bi R$56 bi
Fonte: o autor.

Uma observação geral que podemos fazer com respeito a esse último resultado é que as
restrições autoimpostas de financiamento do Tesouro Nacional pelo Banco Central resultam em nada
significativamente diferente das situações menos restritivas anteriormente analisadas. Ainda que o
Tesouro Nacional não possa emitir moeda diretamente – como faria no caso (a) – ou vender títulos para
o Banco Central no mercado primário – como faria no caso (b.1) – o fato do Banco Central ter de atuar
no mercado secundário de títulos para manter a taxa de juros na meta da política monetária, implica, de
fato, em fornecer liquidez aos títulos do Tesouro Nacional como se fosse uma compra direta no mercado
primário. Desse modo, qualquer que seja o arranjo que estejamos considerando de “financiamento” do
Tesouro Nacional pelo Banco Central, os bancos continuarão com a mesma combinação títulos/reservas,
quer as contas do Governo sejam ou não consolidadas, e o Banco Central ficará com a mesma
combinação de títulos em sua carteira, quer o Tesouro Nacional possa ou não vender títulos diretamente
ao Banco Central. Isso pode ser percebido, nos termos dos quadros dos exemplos apresentados acima,
pelo resultado idêntico na quarta rodada dos casos (b.1) e (b.2) com a terceira rodada do caso (a).
Uma segunda observação que podemos fazer da análise das operações resultantes dos gastos do
Governo é que os gastos autorizados pelo Tesouro Nacional sempre criam moeda enquanto, em reverso,

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Policy Note n. 3

moeda sempre é destruída quando pagamentos de tributo são feitos ao Tesouro Nacional, mesmo
quando as operações são intermediadas pelo Banco Central e pelos bancos comerciais. Os bancos
comerciais não financiam os gastos do Governo, quer por meio de impostos quer por meio de compra
de títulos do Tesouro Nacional. As regras restritivas autoimpostas apenas adicionam um intermediário
entre o Tesouro Nacional e o Banco Central de forma a parecer que o sistema bancário está financiando
o gasto público. Os bancos comerciais não podem fazê-lo porque eles não criam reservas.
Finalmente, embora operada através de vários níveis de interação, o gasto do Governo realizado
por meio do Banco Central e bancos comerciais – casos (b.1) e (b.2) – implica absolutamente no mesmo
resultado quando o gasto do Governo é operado em um sistema de contas consolidadas – caso (a).

5. Conclusão

A partir das demonstrações acima, fica claro que o Tesouro Nacional sempre cria moeda quando
gasta e sempre destrói moeda quando tributa. O gasto deficitário afeta os estoques de reservas e títulos
nos bancos. Déficits públicos (Df) são os gastos primários em bens e serviços (G) mais as despesas com
juros sobre a dívida (iD) menos os tributos (T), que podemos representar por:
Df = G + iD - T
Como vimos, esse valor vai provocar mudanças no estoque de base monetária (ᐃM) e de títulos
(ᐃD) mantidos pelo setor privado. Isso resulta na identidade que os economistas costumam interpretar
como restrição orçamentária do governo:
G + iD - T ≡ ᐃM + ᐃD
Entretanto, na verdade, isso não é mais do que uma identidade contábil que nos diz ex post quais
são as modificações nos agregados financeiros resultantes das operações escolhidas pelo Governo e das
circunstâncias econômicas. Não se trata de uma restrição orçamentária como usualmente considerada
pelos economistas.
O governo sempre gasta criando moeda enquanto o pagamento de tributos e a preferência do
setor não-governo entre manter moeda (ᐃM) ou títulos (ᐃD) vão determinar quanto de base monetária
restará no setor não-governo. Isso posto, o governo não escolhe se vai financiar seus gastos com emissão
de moeda, com tributação ou com emissão de títulos. Todo gasto público implica em emissão de moeda
que, após os processos aqui descritos, resultam em mais ou menos títulos emitidos.

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Policy Note n. 3

6. Referências
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2016. Série Perguntas Mais Frequentes. Brasília. Disponível em: PMF 11- Funções do Banco
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