O Machismo Fragiliza Todo Mundo
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MUNDO”
Entrevista com Mirian Béccheri Cortez
Fotografia: Divulgação.
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D e acordo com os rótulos do machismo, quanto mais o homem se afasta do universo
feminino, “mais homem” ele será. Isso implica abrir mão dos sentimentos, como ressalta
Mirian Béccheri, psicóloga judiciária no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que trabalha com
casos de violência de gênero e estudou o tema em seu doutorado na Universidade Federal do
Espírito Santo (Ufes)
(http://repositorio.ufes.br/bitstream/10/6704/1/Mirian%20Beccheri%20Cortez%20%282%29.pdf).
Além do apoio especializado para as mulheres que sofreram agressão, Mirian aponta que é
necessário promover iniciativas de ressocialização e reeducação com os homens autores de violência
doméstica e familiar. “Homens que são abusivos e violentos em relacionamentos afetivos precisam,
do ponto de vista da psicologia, receber suporte para que não reproduzam tal comportamento seja
no relacionamento corrente, seja em outro que venha a estabelecer e, desse modo consigam
construir relações mais saudáveis e de qualidade”, pontua. Como psicóloga, ela trabalhou no Núcleo
de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, do Ministério Público do Espírito
Santo (MPES), e como gerente de Proteção à Mulher no estado. Atualmente, atua em Caraguatatuba,
no litoral paulista. Em entrevista à Radis, ela abordou o tema da masculinidade tóxica, seus reflexos
para a saúde do homem e a busca por outras expressões de masculinidade que superem o
machismo. “Uma masculinidade saudável passa por uma revisão do que de fato pode somar para o
homem enquanto pessoa, cidadão, parceiro e pai, em termos de qualidade de vida, sem que isso
prejudique o outro ou a outra”, comenta.
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esse fato precisa ser falado e compreendido nos mais diversos espaços. Importantíssimo destacar
aqui que, ao discutirmos masculinidades, estamos no campo de estudos, discussões e práticas
baseadas em uma perspectiva de gênero e em uma perspectiva feminista.
A expressão ‘masculinidade tóxica’ é simples e direta e o senso comum conseguiu se apropriar dela
com facilidade, abrindo espaço para que o debate crítico feito no campo das políticas públicas sobre
os prejuízos individuais e sociais causados pelo machismo alcance a população que é de fato afetada
e que, diante dessa última expressão (machismo), muitas vezes fica defensiva devido a
compreensões enrijecidas sobre o termo.
Como a masculinidade pode ser tóxica no cotidiano e para a saúde das pessoas?
Entendo que o termo “masculinidade tóxica” contextualiza impactos perversos do machismo e da
busca de um ideal de masculino que se estabeleceu e se fortaleceu ao longo dessa nossa história.
Nossa cultura machista vai delimitar que quanto mais o homem se afasta do universo feminino, “mais
homem” ele será. É uma lógica binária simplista que, em termos práticos, inibe ou constrange o
homem de usufruir ou desenvolver potenciais sensíveis e práticos que nossa sociedade estimulou
nas mulheres. Nesse sentido, as discussões sobre masculinidade tóxica trazem o foco para as
consequências negativas trazidas aos homens e também às mulheres causadas: em primeiro lugar,
pelo afastamento dos homens de práticas e comportamentos relacionados ao sexo e ao gênero
feminino; e segundo, pelo engajamento dos homens em comportamentos cultural e socialmente
definidores do “ser homem”.
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homens de espaços de cuidado e autocuidados, de inibi-los de reconhecer e expressar tristezas,
sofrimentos, medos, frustrações e dificuldades, de constrangê-los para a busca de suporte médico,
psicológico em situações já identificadas como críticas.
Que outras características desse tipo de masculinidade podem ser prejudiciais aos
homens?
Outros aspectos negativos do processo de socialização masculina são o estímulo a comportamentos
de risco como prova de masculinidade, o afastamento das práticas de cuidado e convivência no
ambiente familiar e doméstico, a ausência de contato ou negação de emoções que conotem fraqueza
ou fragilidade (pois “homem não chora”) e a supervalorização da honra masculina. Práticas de
masculinidade baseadas em tais preceitos possuem, de fato, implicações prejudiciais na relação do
homem consigo próprio e com o outro.
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Como os padrões de masculinidade hegemônica reagem ao empoderamento feminino?
As conquistas e os questionamentos trazidos pelo movimento feminista e a inserção das mulheres
em espaços públicos, de liderança e de poder abalam a lógica binária de organização dos sexos e
gêneros, uma vez que a subvertem. A inserção da mulher no mercado de trabalho, sua autonomia
reprodutiva e sexual, seu posicionamento em termos políticos ameaçam a polaridade imaginária e
relativamente ‘segura’ que separaria as práticas masculinas daquelas consideradas femininas. A
ascensão da mulher, por exemplo, a espaços públicos de trabalho, como chefia ou parte de uma
equipe, é compreendida por muitos como uma ameaça ao domínio masculino dos espaços de poder,
ou mesmo como um fator prejudicial para o desempenho profissional. No contexto laboral, ainda que
não necessariamente como regra, situações de intolerância, assédio e desrespeito configuram-se
como violências de gênero que objetificam a mulher e menosprezam sua competência enquanto
trabalhadora.
Por que é preciso ofertar serviços de reeducação e ressocialização para homens que
praticaram agressão?
Da mesma forma, homens que são abusivos e violentos em relacionamentos afetivos precisam, do
ponto de vista da psicologia, receber suporte para que não reproduzam tal comportamento seja no
relacionamento corrente, seja em outro que venha a estabelecer e, desse modo consigam
estabelecer relações mais saudáveis e de qualidade. Nesse sentido, é comum que os trabalhos com
grupos busquem favorecer que seus participantes reconheçam seus comportamentos como
violência e se responsabilizem por isso. Procura-se trabalhar para que identifiquem o que é violência
(física, psicológica, sexual, patrimonial e moral), que comportamentos violentos geram sofrimento
diversos e que minimizações ou romantizações não cabem nesse contexto (violência não é “direito
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do marido”, não é “corretivo”, nem “modo de cuidar ou educar”, nem de “mostrar quem manda”). A
violência de gênero entre parceiros íntimos configura-se como modo de imposição de poder e
controle.
Quais os benefícios dos grupos de discussão com homens que cometeram agressão?
Outro aspecto dos grupos com homens é seu potencial de favorecer aos membros reflexões sobre os
padrões hegemônicos da masculinidade e sobre os benefícios e prejuízos desses padrões. Discutir a
problemática da masculinidade tóxica, a meu ver, abre espaço para a ressignificação da
masculinidade em termos do que pode ser alterado nas práticas cotidianas e expectativas consigo
próprio visando maior bem-estar, autoestima e qualidade de vida pessoal e social. Nesse contexto,
diversos temas podem ser abordados visando-se conjugar elementos para a reconceituação do
masculino: discussões sobre sua educação familiar, pressões sobre papéis tradicionais masculinos
(provedor, pai), educação e socialização de homens ao longo da vida, desafios e impactos da
inserção da mulher no mundo público (trabalho), mulheres e homens como pessoas de direito.
Que balanço você faz da legislação que protege a mulher contra a violência?
Existe uma responsabilidade criminal com relação à violência doméstica contra a mulher que não
posso deixar de ressaltar. Antes da Lei Maria da Penha, essa violência era considerada crime de
menos potencial ofensivo, mas hoje há previsão de maior penalidade além de outras ações que
procuram garantir a segurança das mulheres, como as Medidas Protetivas de Urgência e a
possibilidade de inclusão do homem em “programas de recuperação e reeducação”. Com relação a
esses programas, os grupos com homens, a depender das temáticas que adotarem, podem trazer
trocas, reflexões e conhecimentos que beneficiem seus participantes como pessoas, cidadãos, pais e
parceiros, além de maior segurança para as mulheres — por favorecerem a redução de
comportamentos violentos dos participantes. Reconhecer que a masculinidade tóxica favorece o
comportamento de violência dos homens não retira a responsabilidade deles sobre agressões e
violências cometidas. Porém, é um meio para que se responsabilizem pelos atos violentos cometidos
e pelo protagonismo nas mudanças de atitude sobre exercício de masculinidades e relações de
gênero.
(/index.php/home/entrevista/e-preciso-construir-caminhos-para-outras-masculinidades)
/
diferença nenhuma, desde que seja um valor bom e positivo para você. As discussões sobre
paternidade são o que temos hoje mais perto do que seria uma masculinidade saudável. É onde o
homem vai ser confrontado com a necessidade de ser afetivo e se expressar de um modo amoroso. O
processo de socialização do menino e do adolescente não pede isso. Ele tem que “caçar”: caçar o que
fazer, caçar mulher, caçar briga. A amorosidade não está ali. Aparece um pouco no contato com a
mãe, menos com o pai, e pode surgir se ele se colocar no lugar de um pai afetivo quando ele for pai.
Eu acredito que uma masculinidade saudável passa por uma revisão do que de fato pode somar para
o homem enquanto pessoa, cidadão, parceiro e pai, em termos de qualidade de vida, sem que isso
prejudique o outro ou a outra.
MASCULINIDADE (/INDEX.PHP/TAGS/MASCULINIDADE)
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Malu Cortez
Para Mirian BéccheriCortez. Gostei muito da sua entrevista especialmente porque conseguiu
argumentar muito bem. Parabéns!!!! Abraços
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