Rei Guerreiro Mago e Amante

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Rei Guerreiro

uerreiro Mago
ago Amante
mante A
redescoberta dos arquétipos do masculino
Robert Moore e David Gillette
Editora Campus (Copyright 1993)
INTRODUÇÃO

Na recente entrevista de Bill Moyers com o poeta Robert Ely, " A Gathering of Men " (Reunião
de homens), um jovem perguntou: "Onde estão, atualmente, os homens iniciados com poder?"
Escrevemos este livro para responder a essa pergunta que preocupa homens e mulheres. No final do
século XX, enfrentamos uma crise na identidade masculina de vastas proporções. Cada vez mais, os
observadores do cenário contemporâneo — sociólogos, antropólogos e psicólogos — descobrem as
arrasadoras dimensões

desse fenômeno que afeta cada um de nós individualmente, da mesma forma como atinge a
sociedade em geral. Por que há tanta confusão entre os sexos hoje em dia, pelo menos nos Estados
Unidos e na Europa
Ocidental? Parece cada vez mais difícil definir o que é masculino e o que é feminino.
Olhamos os sistemas familiares e vemos a ruptura da família tradicional. Um número crescente
de famílias revela a triste realidade do pai que desaparece cuja ausência, seja através do abandono
físico, emocional, ou ambos, provoca um desastre psicológico nas crianças dos dois sexos. O pai fraco
ou ausente mutila a capacidade dos filhos ou das filhas para conquistar a própria identidade sexual e
para se relacionar de forma intima e positiva com pessoas do seu sexo e do sexo oposto.
Mas acreditamos e sabemos por experiência própria que não podemos simplesmente mostrar
a desintegração dos sistemas familiares modernos, por mais importante que seja na tentativa de
explicar a crise da masculinidade. É preciso examinar outros dois fatores subjacentes.
Primeiro, temos que levar bastante a serio o desaparecimento dos rituais de iniciação dos meninos

na condição adulta. Nas sociedades tradicionais, existem definições padronizadas para o que constitui
o que chamamos de psicologia do Menino e psicologia do Homem. Pode-se ver isso de forma bem
nítida nas
sociedades tribais que passaram pelo exame atento de antropólogos famosos como Arnold van
Gennep e Victor Turner. São rituais cuidadosamente elaborados para ajudar os meninos da tribo a
fazer a transição para a condição adulta. Durante séculos de civilização ocidental, quase todos esses
processos ritualísticos foram abandonados ou se desviaram por canais mais estreitos e menos
energizados — para os fenômenos que hoje chamamos de pseudo-iniciações.
Podemos assinalar os antecedentes históricos do declínio dos rituais de iniciação. A Reforma
Protestante e o Iluminismo foram movimentos fortes que compartilhavam o tema do descrédito ao
processo ritualístico. E uma vez desacreditado o ritual como processo sagrado e transformador, o que
nos resta é o que Victor Turner chamou de "mero cerimonial", que não possui o poder necessário para
realizar a autêntica transformação de consciência. Desligados do ritual, abolimos os processos através
dos quais

tanto os homens como as mulheres conquistavam a sua identidade sexual de uma forma profunda,
madura e vivificante.
O que acontece com uma sociedade quando os rituais por meio dos quais se formam essas
identidades se tornam desacreditados? No caso dos homens, existem muitos que não foram iniciados
ou que tiveram pseudo-iniciações que não proporcionaram a transição necessária para a condição
adulta. Predomina a psicologia do Menino. Ela nos cerca por todos os lados, e suas marcas são
evidentes. Entre elas, os comportamentos de atuação ( acting-out) agressivos e violentos em relação
aos outros, tanto homens como mulheres; passividade e fraqueza, a incapacidade de agir de forma
eficiente e criativa no que
se refere a sua própria existên cia e para gerar entusias mo e criatividade nos outros (homens e
mulheres); e, com freqüência, uma oscilação entre os dois — agressividade/fraqueza.
Junto com o colapso do ritual significativo para a iniciação masculina, um segundo fator parece
estar contribuindo para a dissolução da identidade do homem maduro. Esse fator, que nos foi
mostrado por um esforço da crítica feminista, é o patriarcado: a organização social e cultural que vem
governando o nosso mundo ocidental, e grande parte do resto do mundo, desde pelo menos o
segundo milênio antes de Cristo até hoje. As feministas verificaram o quanto a dominação masculina
no patriarcado oprimiu e maltratou o feminino — as chamadas características e virtudes femininas e as
próprias mulheres. Na crítica radical que fazem a esse sistema, algumas femi nistas concluem que,
em suas raízes, a masculinidade; é

essencialmente agressiva e que a ligação com o "eros" — com o amor, o relacionamento e a


suavidade — se faz apenas pelo lado feminino da equação humana.
Embora algumas dessas percepções tenham sido úteis na defesa da liberação, tanto feminina
como masculina, dos modelos patriarcais, acreditamos existir nelas sérios problemas. A nosso ver, o
patriarcado não é a expressão de uma profunda e enraizada masculinidade, pois esta não é agressiva.
O patriarcado é a expressão da masculinidade imatura. É a expressão da psicologia do Menino e, em
parte, o lado da sombra — ou louco — da masculinidade. Expressa o homem atrofiado, fixado em
níveis imaturos.

O patriarcado, em nossa opinião, é uma agressão a masculinidade na sua plenitude, assi m


como à feminilidade no seu todo. Os que se prendem às estruturas e à dinâmica desse sistema
buscam dominar igualmente homens e mulheres. O patriarcado fundamenta-se no medo masculino —
o medo do menino, o medo do homem imaturo — em relação às mulheres, certamente, mas também
em relação aos homens.

Os meninos temem as mulheres. E temem também os homens de verdade.


O patriarca não aceita o pleno desenvolvimento masculino de seus filhos ou de seus subordinados,
da mesma forma que não acolhe com prazer o desenvolvimento pleno de suas filhas ou de suas
funcionárias. É a história do chefe no escritório que não suporta ver o quanto somos bons. Quantas
vezes nos invejam, odeiam e atacam de forma direta e passiva quando buscamos revelar o que
realmente somos em toda a nossa beleza, maturidade, criatividade e produtividade! Quanto mais nos
tornamos belos, competentes e criativos, parece que mais hostilidade despertamos em nossos
superiores, e até em nossos colegas. O que realmente nos agride é a imaturidade nos seres humanos,
aterrorizados com os nossos avanços no caminho rumo à plenitude do ser masculino ou feminino.
O patriarcado expressa aquilo que chamamos de psicologia do Menino. Não é a expressão da
potencialidade masculina amadurecida em sua essência, na plenitude do ser. Chegamos a essa
conclusão a partir do estudo que fizemos sobre os mitos antigos e os sonhos modernos, do exame do
ponto de vista

interno da rápida feminização da principal comunidade religiosa, da nossa reflexão sobre as rápidas
mudanças dos papéis sexuais na sociedade como um todo e dos nossos anos de prática clínica,
durante os
quais nos tornamos cada vez mais conscientes de que falta alguma coisa essencial na vida interior de
muitos homens que procuram psicoterapia.
O que está faltando não é, em geral, o que muitos psicólogos supõem; isto é, a ligação
adequada com o lado feminino interior. Em muitos casos, esses homens que vêm buscar ajuda foram,
e continuam sendo, esmagados pelo feminino. O que lhes faltou foi a ligação adequada com as
energias masculinas
profundas e instintivas, com o potencial da masculinidade amadurecida. Tiveram essa ligação
bloqueada
pelo próprio patriarcado, e pela crítica feminista a pouca masculinidade que ainda lhes restava. E estavam sendo bloqueados pela falta, em suas vidas, de qualqu
Verificamos, quando esses homens buscavam as suas próprias vivências das estruturas masculinas através da meditação, das orações e do que os junguianos ch

Na atual crise da masculinidade, não precisamos, como dizem algumas feministas, de menos poder masculino. Precisamos de mais. Porém amadurecido. Necess
que desenvolver uma noção de tranqüilidade acerca do poder masculino, para que não precisemos atuar (act-out) de modo dominador e desautorizador em rel
Há muita injúria e ofensa tanto do masculino quanto do feminino no patriarcado, assim como na reação feminista. A crítica em defesa das mulheres, quando nã
Precisamos aprender a amar e ser amados pelo homem amadurecido. Precisamos aprender a louvar a potência e o poder masculinos autênticos, não só em con

amadurecida sustenta a crise global de sobrevivência que enfrentamos como espécie. O nosso perigoso e instável mundo necessita urgentemente de homens e
raça continue existindo no futuro.
Como na nossa sociedade existem poucos rituais, ou nenhum, capazes de nos alçar da psicologia do Menino para a do Homem, temos de buscar soz inhos (com
PARTE UM
Da Psicologia do Menino à Psicologia do
Homem
CAPITULO UM
A Crise dos Rituais Masculinos

Ouvimos dizer de um homem que "ele simplesmente não consegue se encontrar". O que isso
significa, no fundo, é que tal indivíduo não está vivenciando, e nem consegue vivenci ar as suas
estruturas coesas profundas. Está fragmentado e diversas partes da sua personalidade estão
separadas, vivem

bastante dissociados e, quase sempre, de caótica. O homem que "não consegue fazê-las se
encontrar” é alguém que provavelmente não teve oportunidade de estabelecer o elo ritual de
iniciação nas estruturas
profundas do ser adulto. Continua sendo um menino — não porque o deseje, mas porque ninguém lhe
mostrou como transformar suas energias infantis em energias adultas. Ninguém o conduziu às
experiências imediatas e curativas do mundo interior dos potenciais masculinos.
Quando visitamos, na França, as cavernas de nossos ancestrais distantes Cro-Magnon, quando
descemos aos escuros recessos santuários de outro mundo, de um mundo e acendemos as luzes,
ficamos surpresos e maravilhados misterioso e oculto manancial de vigor masculino retratado. Algo
profundo mexe com a gente. (Como uma canção, animais mágicos — bisões, antílopes e mamutes —
estrondam num espetáculo primitivo de beleza e força, os tetos abobadados e as paredes ondulantes,
escondem intencionalmente nas sombras dos recôncavos rochosos e diante de nós outra vez,
iluminados pelas lanternas. E, lá estão as impressões das mãos dos homens dos caçadores artistas,
antigos guerreiros e

provedores que ali se reuniam e realizavam seus rituais primitivos.


Os antropólogos são quase universalmente unânimes em dizer que esses santuários nas cavernas
foram criados, pelo menos em parte, por homens para homens e, especificamente, para o ritual de
iniciação de meninos no mundo misterioso da responsabilidade e da espiritualidade masculinas.
Mas o ritual para transformar meninos em homens não se limita às nossas conjecturas acerca
dessas cavernas antigas. Conforme mostrar am vários estudiosos, dentre os quais os mais notáveis
são Mircea Eliade e Victor Turner, os ritos de iniciação sobrevivem até hoje em culturas tribais
existentes na África, na América do Sul, nas ilhas do Pacífico Sul e em muitos outros lugares. Até há
pouco tempo, ainda existiam entre os índios das Grandes Planícies da América do Norte. Os estudos
feitos por especialistas tendem a ser uma leitura árida, mas podemos ver esses rituais representados
pitorescamente em vários filmes contemporâneos. Estes se assemelham a antigos contos folclóricos
e mitos. Histórias que nós contamos sobre nós mesmos — sobre nossas vidas e o que elas
significam.

Na verdade, o processo de iniciação, tanto de homens como de mulheres, é um dos grandes temas
ocultos de muitos de nossos filmes.
Um bom exemplo disso é o filme Florest a de esmeraldas, no qual um menino branco é
capturado e criado por índios brasileiros. Um dia, ele está brincando no rio com uma menina bonita.
O chefe já vinha há algum tempo observando o interesse do garoto por ela. Esse despertar do
interesse sexual é um aviso para o sábio chefe. Ele surge à margem do rio com sua mulher e alguns
anciãos da tribo, e surpreende Tommy divertindo-se com a menina. Ergue a voz e diz: "Tommy,
chegou a sua hora de
morrer!" Todos parecem profundamente abalado s. A mulher, representando o papel de todas as
mulheres, de todas as mães, pergunta: "Ele tem que morrer?" O chefe responde ameaçador: "Tem!"
Em seguida vemos uma cena noturna, iluminada por uma fogueira, em que Tommy está
aparentemente sendo torturado pelos homens mais velhos da tribo e, forçado a entrar na floresta,
começa a ser devorado vivo pelas formigas. O garoto se contorce em agonia, o corpo mutilado pelos
insetos famintos. Tememos o pior.
Finalmente o sol desponta, e Tommy, que ainda respira, é levado pêlos homens até o rio,
onde lhe dão um banho para livrá-lo das formigas, que ainda estão agarradas ao seu corpo. E o
chefe voz
alta: "O menino morreu e o homem nasceu!" E com isso concedeu-lhe a primeira experiência espiri
tual, induzida por uma droga soprada dentro de seu nariz através de um tubo comprido, começa a ter

alucinações, descobre a sua alma animal (paira alto sobre o mundo, num novo e mais amplo estado
consciência, vendo, como que de uma perspectiva divina, a de do seu universo selvagem. Ele tem
então permissão para casar-se. E, assumindo a identidade e as responsabilidades passa a ocupar a
posição de guerreiro na tribo e depois a de chefe.
Pode-se dizer que talvez a força dinâmica mais fundamental seja a tentativa de sairmos de uma
forma inferior de vivência e percepção para um nível superior (ou mais profundo) de consciência, de
passarmos de uma identidade difusa para outra consolidada e estruturada. Toda a vida humana tenta
avançar nesse sentido. Buscamos a iniciação na existência nas responsabilidades e deveres em
relação a nós mesmos e aos outros, nas alegrias e direitos e na espiritualidade. As sociedades tribais
tinham noções muito específicas sobre isso, tanto para os homens como para as mulheres, e sobre os
meios para alcançar essa condição. E possuíam rituais, como o que vimos em Floresta de
esmeraldas, que permitiam às crianças atingir o que poderíamos chamar de maturidade tranqüila e
segura.

A nossa cultura, ao contrário, possui pseudo-ritu ais. Temos pseudo-iniciações para os homens.
O recrutamento militar é uma delas. A idéia fantasiosa é que a humilhação e a não identificação
forçada dos
campos de treinamento vão "fazer de você um homem". As gangues existentes nas principais cidades
do mundo como um outro exemplo dessas supostas iniciações, assim também são os sistemas
penitenciários, os quais em grande parte são dirigidos por quadrilhas de criminosos.
Chamamos esses fenômenos de pseudo-vivências. Primeiro, excetuando-se talvez a iniciação
militar, esses sós, embora às vezes bastante ritualizados (em especial nas gangues das cidades),
quase sempre iniciam o menino em um tipo de masculinidade distorcido, atrofiado e falso. É uma
masculinidade patriarcal, agressiva em relação aos outros e, com pouca consciência em relação a si
mesmo. Às vezes, exigem que o indivíduo pratique um ritual assassino. Quase sempre o uso
excessivo de drogas faz parte da cultura da gangue. O menino pode tornar-se um adolescente que
desempenha o seu papel dactíng-out
dentro desses sistemas e alcançar um nível de desenvolvimento aproximadamente análogo ao
expresso

pelos valores infanti s masculinos da sociedade como um todo, embora de uma forma contra cultural.
Mas essas pseudo-iniciações não formarão homens, porque homens de verdade não são
arbitrariamente
violentos nem hostis. A psicologia do Menino está impregnada de empenhes para dominar de alguma
forma as outras pessoas. E isso se percebe muitas vezes pelo dano causado a si mesmo e aos
outros. É o sadomasoquismo. A psicologia do Homem é sempre o oposto. Ela nutre e gera, não lesa
nem destrói.
Para que a psicologia do Homem exista é preciso haver a morte. Simbólica, psicológica ou espiritual
— ela é sempre um dos elementos fundamentais de qualquer rito iniciatório. Em termos psicológicos,
o Ego do menino tem de "morrer". O antigo modo de ser, agir, pensar e sentir tem de "morrer"
ritualmente para
que o novo homem possa surgir. A pseudo-iniciação, embora refreie de certa maneira o Ego infantil,
muitas vezes aumenta a luta do Ego pelo poder e pelo controle de outra forma, a de um adolescente
ajustado à outros adolescentes. A iniciação eficaz e transformadora mata totalmente o Ego e seus
desejos na sua antiga forma, para fazê-lo ressurgir numa nova relação secundária com um poder ou
força central desconhecida. A submissão à força das energias masculinas amadurecidas sempre
desperta uma nova personalidade no homem, marcada pela calma, compaixão, clareza de visão e
capacidade geradora.
Um segundo fator torna falsa a maioria das iniciações em nossa cultura. Em quase todos os
casos, simplesmente não há um processo ritualístico controlado. O controle do ritual se faz através de
dois elementos. Um é o espaço sagrado e o outro é o ancião, "velho sábio" ou "velha sábia" em que o
iniciando

confia totalmente e que pode conduzi-lo nessa passagem, entregando-o(a) intacto(a) e mais forte no final.
Mircea Eliade pesquisou exaustivamente o papel do espaço sagrado. Concluiu que um lugar que
tenha sido ritualmente santificado é essencial para todos os tipos de iniciação. Nas sociedades tribais,
ele pode ser uma cabana ou casa construída especialmente para isso, onde são mantidos os garotos
que aguardam sua iniciação. Pode ser uma caverna. Ou um lugar ermo e amplo para onde eles são
levados a fim de morrer ou encontrar a sua existência como homens. O espaço sagrado pode ser o
"círculo mágico" dos magos. Ou, em civilizações mais avançadas, um recinto secreto dentro de um
grande templo. Esse espaço deve ser resguardado da influência do mundo exterior, especialmente, no
caso dos meninos, da influência feminina. Muitas vezes, os iniciandos passam por provas emocionais
aterrorizantes e provas físicas terrivelmente dolorosas. Aprendem a se sujeitar as dores da vida, aos
anciãos do ritual, às tradições e mitos masculinos da sociedade. Ensin am-lhe toda a sabedoria oculta
dos homens. E só podem deixar o espaço sagrado, depois de terem conseguido completar a provação
e renascer como homens.

O segundo ingrediente essencial para o êxito de um processo iniciatório é a presença de um


ancião. No filme Floresta de esmeraldas, ele é representado pelo chefe e pelos outros homens idosos
da tribo. No
ritual, ele é o homem que conhece a sabedoria secreta, que conhece os costumes da tribo e os mitos
masculinos rigorosamente guardados. É ele quem vivência a visão da masculinidade madura.
Com a escassez de homens amadurecidos na nossa cultura, não é preciso dizer que os anciãos
para o ritual estão em falta. As pseudo-iniciações, portanto, permanecem desviadas para o reforço da
psicologia do Menino, em vez de permitir o avanço em direção à psicologia do Homem, ainda que
exista alguma espécie de processo ritualístico, ou até se tenha estabelecido um tipo de espaço
sagrado nas ruas das cidades ou nos presídios.
A crise da masculinidade amadurecida nos atinge em cheio. Sem modelos adequados, e na
falta de uma coesão social e de estruturas institu cionais para a realização dos processos ritualísticos,
é "cada um por si". A maioria fica à beira da estrada, sem idéia de qual seja o alvo de nossos
impulsos de gênero

masculino ou sem saber o que saiu errado nos esforços que fizemos. Sabemos que estamos
ansiosos, à beira do sentimento de impotência, desamparados, frustrados, abatidos, mal-amados e
pouco valorizados,
muitas vezes com vergonha de sermos masculinos. Sabemos que limitaram a nossa criatividade,
que nossa iniciativa enfrentou hostilidade, que fomos ignorados, subestimados, e que nos deixaram
com a sacola vazia da nossa auto-estima perdida. Submetemo-nos a um mundo onde os lobos se
devoram, procurando manter à tona nossos trabalhos e relacionamentos, perdendo energia ou
falhando, muitos de nós buscam o pai gerador, afirmador e fortalecedor (embora a maioria não
saiba disso), o pai que, para
quase todos, jamais existiu na vida real e que não vai aparecer, apesar de todos os nossos esforços
nesse sentido.
No entanto, como estudantes da mitologia humana e como junguianos, acreditamos haver boas
novas. São essas boas notícias para os homens (bem como para as mulheres), que desejamos
compartilhar. E para isso nos voltamos agora.

CAPITULO DOIS
Os Potenciais Masculinos

Quem já sofreu a influência do pensamento do grande psicólogo suíço Cari Jung tem motivos
suficientes para esperar que as deficiências externas com as quais deparamos no mundo como
supostos
homens (o pai ausente, o pai imaturo, a falta de um ritual significativo, a escassez de anciãos do ritual)
possam ser corrigidas. E não temos apenas esperança, mas experiência real, como clínicos e
indivíduos, dos recursos interiores imaginados pela psicologia antes de Jung. Sabemos por
experiência própria que no fundo de cada homem existem cópias heliográfi cas, que podemos também
chamar de “fiação pesada”, do ser masculino maduro calmo e seguro. Os junguianos se referem a
esses potenciais masculinos como arquétipos, ou “imagens primordiais”.
Jung e seus sucessores descobriram que, em nível do inconsciente profundo, a psique de cada
indivíduo está assentada no que o psicanalista chamou de "inconsciente coletivo", formado por
padrões instintivos e configurações energéticas provavelmente herdados geneticamente ao longo de
todas as gerações da nossa espécie. Esses arquétipos fornecem as próprias bases do nosso
comportamento — a

maneira como pensamos, sentimos, e as nossas reações humanas características. São os criadores
de imagens, tão íntimos dos artistas, poetas e profetas religiosos. Jung relacionou-os diretamente com
os
instintos nos outros animais.
É comum vermos os patinhos, assim que saem da casca do ovo, se ligarem a qualquer coisa ou
qualquer pessoa que esteja por perto na hora. Esse fenômeno chama-se marca de impressão.
Significa que o patinho recém- nascido já está programado “pai”, "mãe" ou "responsável". Ele não
precisa aprender
— externamente por assim dizer — o que é uma ou outra. O arquétipo para essa função fica
disponível para o patinho assim que ele vem ao mundo. Infelizmente, porém, a “mãe” que ele encontra
nesses primeiros momentos pode não ser adequada para a tarefa de cuidar dele. Mesmo assim,
embora no mundo exterior nada satis faça a expectativa do seu instinto (podem nem ser patos!), o
arquétipo molda o comportamento do patinho.
Da mesma maneira, os seres humanos estão sintonizados com "mãe", "pai" e vários outros tipos de

relacionamento entre os homens, assim como todas as formas humanas de vivenciar o mundo. E
ainda que as pessoas no mundo exterior não satisfaçam a expectativa arquetípica, o arquétipo está
presente. É
constante e universal em todos nós. Como o patinho que confunde o gato com a sua mãe, nós
confundimos nossos verdadeiros pais com os modelos idealizados e potenciais que existem dentro de
nós.
Modelos arquetípicos entortados, desviados de forma negativa por encontros desastrosos com
as pessoas do mundo exterior — isto é, na maioria dos casos, por pais hostis ou inadequados — se
manifestam em nossas vidas como problemas psicológicos incapacitantes. Se nossos pais forem,
como diz o psicólogo D. W. Winni-cott, "bons o bastante", seremos capazes de vivenciar e ter acesso
aos modelos
internos dos relacionamentos humanos de uma forma positiva. Infelizmente, muitos de nós, talvez a
maioria, não recebeu um cuidado paterno e materno bom o bastante.
A existência dos arquétipos está bem documentada na enorme quantidade de comprovações
clínicas constituídas pelos sonhos e devaneios dos pacientes, e pela observação atenta dos arraigados
padrões de comportamento humano. Também está documentada nos estudos profundos de mitologia no
mundo inteiro. Vemos repetidas vezes as mesmas figuras essenciais surgindo no folclore e na mitologia. E
acontece que elas aparecem também nos sonhos de pessoas que não possuem nenhum conhecimento
nessas áreas. O jovem Deus que morre e ressurge, por exemplo, encontra-se nos mitos de povos tão
diversos como os cristãos, os persas mulçumanos, os antigos sumerianos e os índios americanos

modernos, assim como nos sonhos das pessoas que se submetem a psicoterapia. São muitos os
indícios da existência de padrões subjacentes que determinam a vida cognitiva e emocional humana.
Esses modelos parec em numerosos e se manifestam tanto nos homens como nas mulheres.
Existem arquétipos que moldam os pensamentos, os sentimentos e as relações das mulheres, e
outros que moldam os pensamentos, os sentimentos e as relações dos homens. Além disso, os
junguianos descobriram que em cada homem existe uma subpersonalidade feminina chamada Anima,
formada por arquétipos femininos. E em cada mulher há uma subpersonalidade masculina chamada
Animus, composto de arquétipos masculinos. Todos os seres humanos têm acesso a esses
arquétipos, em maior ou menor grau. Fazemos isso, na verdade, na nossa inter-relação uns com os
outros.
Todo esse campo está sendo ativamente discutido e continuamente revisto, à medida que
avança o nosso conhecimento interior instintivo dos seres humanos. Estamos apenas começando a
definir, de maneira sistemática, o mundo interior do ser humano, que sempre se manifestou para nós
em forma de

mitos, rituais, sonhos e visões. A psicologia arquetípica está engatinhando. Queremos mostrar aos
homens como eles podem ter acesso a esse potencial arquetípico positivo em seu próprio benefício e
para o bem
de todos os que os cercam, talvez até do planeta.

CAPITULO TRÊS
A Psicologia do Menino

O traficante de drogas, o líder político indeciso, o marido que bate na mulher, o chefe eternamente ranzinza, o jovem executivo metido a importante, o marido i
normalidade opaca, o yuppie — todos esses homens têm alguma coisa em comum. São, todos, meninos que fingem serem homens. Ficaram assim honestament
homem amadurecido. O tipo de "adulto do sexo masculino" que eles representam é uma pretensão que a maioria de nós quase não percebe como tal. Estamos
A terrível realidade é que a maioria dos homens está fixada num nível imaturo de desenvolvimento.
Esses primeiros níveis são governados por modelos interiores próprios da meninice. Quando se permite
que eles controlem o que deveria ser a idade adulta, quando os arquétipos da infância não são
elaborados e transcendidos pelo acesso adequado do Ego aos arquétipos da masculinidade
amadurecida, eles nos fazem agir segundo a nossa própria criancice oculta (para nós, porém
raramente para os outros).
Na nossa cultura, freqüentemente falamos da infantilidade com afeto. A verdade é que o menino
em cada um de nós — quando ocupa o seu lugar apropriado em nossas vidas — é uma fonte de
brincadeiras, de prazer, de diversões, de energia, de uma espécie de liberalismo, que está pronto para
as aventuras e para enfrentar o futuro. Mas existe outro tipo de infantilidade que interfere nas nossas
interações com nós mesmos e com as outras pessoas quando é necessário ser adulto.

A Estrutura dos Arquétipos


Cada potencial energético arquetípico na psique masculina — tanto nas suas formas imaturas como
nas amadurecidas — possui uma estrutura trina, ou tripartite (figura 1).
No topo do triângulo fica o arquétipo na sua plenitude. Na base, ele é vivenciado no que
chamamos uma forma disfuncional bipolar, ou de sombra. Tanto na forma imatura como na
amadurecida (isto é, em termos de psicologia do Menino assim como na do Homem), essa disfunção
bipolar pode ser vista como imatura, por representar uma condição psicológica que não é integrada
nem coesa. A falta de coesão da psique é sempre um sintoma de desenvolvimento inadequado.
Conforme a personalidade do menino e depois a do homem amadurecem e alcançam o estágio
apropriado de desenvolvimento, os pólos dessas formas de sombra se integram e unificam.
Alguns meninos parecem mais "maduros" do que os outros; estão tendo acesso, sem dúvida
inconscientemente, aos arquétipos da infância de forma mais completa do que seus colegas. Atingiram
um

nível de integração e unidade interior que os outros ainda não alcançaram. Outros meninos podem
parecer mais "imaturos", mesmo levando-se em conta a imaturidade natural da infância. Por exemplo,
é correto um
menino ter sentimentos heróicos, ver-se como um herói. Mas muitos não conseguem isso e ficam
presos às formas bipolares de sombra do Herói — o Valentão Exibicionista ou o Covarde.
Diferentes arquétipos apresentam-se em diferentes estágios do desenvolvimento. O primeiro
arquétipo do masculino imaturo a "acender" é a Criança Divina. A Criança Precoce e a Criança
Edipiana vêm em seguida; o último estágio infantil é governado pelo Herói. O desenvolvimento do
ser humano nem sempre acontece de forma tão simples, é claro; as influências arquetípicas se
misturam ao longo do caminho.
Curiosamente, cada um desses arquétipos de psicologia do Menino dá srcem de forma
complexa a cada um dos arquétipos da masculinidade amadurecida: o menino é pai do homem. Assim,
a Criança Divina, regulada e enriquecida pelas experiências da vida, torna-se o Rei; a Criança Precoce
vai ser o

Mago; a Criança Edipiana será o Amante; e o Herói vira Guerreiro.


Os quatro arquétipos da infância, cada um com uma estrutura triangular, podem unir-se para
formar uma pirâmide (figura 2) que retrata a estrutura da identidade em formação do menino, o Si-
mesmo masculino imaturo. O mesmo vale para e estrutura do Si-mesmo masculino amadurecido.
Como dissemos o homem adulto não perde a infantilidade, e os arquétipos que formam a base
da infância não desaparecem. Visto que os arquétipos não podem desaparecer, o homem
amadurecido transcende as forças masculinas da infância, elaborando- as, em vez de demoli-las. A
estrutura resultante do Si-mesmo masculino amadurecido, portanto, é uma pirâmide sobre outra
pirâmide (ver figura 3). Embora
essas imagens não devam ser interpretadas literalmente, estamos demonstrando que as pirâmides
são os símbolos universais do Si-mesmo humano.

Figura 01
Figura 3

A Criança Divina
A primeira energia masculina imatura, a mais primitiva, é a Criança Divina. Todos nós
conhecemos a história cristã do nascimento do menino Jesus. Ele é um mistério. Veio do Reino de
Deus, nascido de uma virgem. Coisas e acontecimentos milagrosos aguardam-no: a estrela, os
pastores em adoração, os sábios persas. Rodeados por seus adoradores, ele ocupa o centro não só
do estábulo, porém do universo. Até os animais, nas populares canções de Natal, cuidam dele. Nos
quadros, ele irradia luz, aureolado pela palha brilhante e macia onde está deitado. Porque ele é
Deus, é todo-poderoso. Ao mesmo tempo, é

completamente vulnerável e indefeso. Assim que ele nasce, o malvado rei Erodes o fareja e procura
matá- lo. É preciso protegê-lo e fugir com ele para o Egito até ficar forte o bastante para começar o
seu trabalho e
até que as forças que o destruiriam percam sua energia.
O que quase nunca se percebe é que esse mito não está sozinho. As religiões no mundo inteiro
estão repletas de histórias de bebês milagrosos. A própria história cristã molda-se em parte na lenda
do nascimento do grande profeta persa Zoroastro, cheia de milagres na natureza, magos e ameaças a
sua vida. No judaísmo, temos a história de Moisés, que nasceu para libertar o seu povo, para ser o
Grande Mestre e o Mediador entre Deus e os seres humanos. Foi criado como um príncipe egípcio.
Mas, logo nos primeiros dias, sua vida foi ameaçada por um decreto do faraó, e ele foi colocado,
indefeso e vulnerável, num cesto de junco, que flutuou à deriva pelo rio Nilo. O modelo dessa história
foi a lenda, ainda mais antiga, da infância do grande rei da Mesopotâmia Sargão da Acádia. E no
mundo inteiro ouvimos contar as histórias sobre a maravilhosa infância do bebê Buda, do bebê
Krishna, do bebê Dionísio.

O que se desconhece ainda mais é que essa figura do Bebê Divino, presente em todas as
nossas religiões, também existe sempre dentro de nós mesmos. Podemos observar isso nos sonhos
dos homens
que fazem psicanális e, os quais, principalmente quando começam a melhorar, sonham com um Bebê
que enche o sonho de luz, felicidade e uma sensação de encantamento e conforto. Também é
freqüente, quando o homem que está fazendo terapia começa a se sentir melhor, surgir nele, talvez
pela primeira vez na vida, a necessidade de ter filhos.
Tudo isso indica que algo novo e criativo, "inocente", está nascendo dentro dele. Começa uma
nova fase da sua vida. Elementos criativos da sua própria personalidade de que ele não tinha
consciência forçam
a passagem para a consciência. Ele experimenta uma nova vida. Mas, sempre que a Criança Divina
dentro de nós se faz conhecer, o ataque dos Herodes, internos e externos, vem logo em seguida. Uma
vida nova, inclusive uma vida psicológica nova, é sempre frágil. Quando sentimos essa energia
diferente manifestando-se dentro de nós, devemos tomar providências para protegê-la, porque ela vai
ser atacada.
Quando um homem diz na terapia: "Acho que estou melhorando!", logo em seguida pode ouvir uma
voz interior responder: "Não, não está, não. Você sabe que nunca vai ficar bom". Então é hora de levar
a frágil Criança Divina para o "Egito".
Retomando o tema dos animais em adoração e dos anjos proclamando a paz na terra da
história do Natal, podemos ver no mito grego de Orfeu que a Criança Divina é a energia arquetípica
que prefigura a

energia masculina amadurecida do Rei. O homem-Deus Orfeu está sentado no centro do mundo
tocando sua lira e cantando uma canção que faz todos os animais da floresta vir até ele. São atraídos
pela canção,
presas e predadores. E se reúnem ao redor de Orfeu em perfeita harmonia, todas as divergências
solucionadas, os opostos unidos numa ordem que transcende o mundo (funções características do
Rei, como veremos).
Mas o tema da Criança Divina que traz a ordem e a paz ao mundo inteiro, inclusive aos animais
(e estes, do ponto de vista psicológico, representam nossos próprios instintos, muitas vezes
conflitantes), não se limita aos mitos antigos. Um jovem que tinha começado a fazer análise nos
contou certa vez a história de um fato inédito ocorrido na sua infância. Tinha talvez quatro ou cinco
anos, disse-nos, quando numa tarde de primavera saiu para o quintal desejando ardentemente uma
coisa que não conseguia identificar porque era muito criança, mas que, refletindo sobre isso mais
tarde, percebeu que era um desejo de paz interior, harmonia e unidade com todas as coisas.

Encostou-se num imenso carvalho e começou a cantar uma canção que ia inventando. Sentiu-
se hipnotizado. Cantava seu anseio. Cantava sua tristeza. E cantava uma espécie de satisfação
profunda e
melancólica. Era uma melodia de compaixão por todas as coisas vivas. Uma espécie de acalanto para
si mesmo e para os outros (para ninar o Bebê). E não demorou a perceber que os pássaros estavam
vindo para a árvore, aos poucos. Continuou cantando, e enquanto isso mais pássaros se
aproximavam, revoluteando ao redor da árvore e pousando em seus galhos. Por fim, a árvore ficou
repleta de passarinhos. Ganhou vida com eles. Ele achou que eles tinham sido atraídos pela beleza e
compaixão da sua música. Confirmavam a beleza dele e respondiam ao anseio dele vindo adorá-lo. A
árvore tornou-se a Árvore da Vida e, renovado por essa confirmação da sua Criança Divina interior, ele
pôde seguir em frente.
O arquétipo da Criança Divina que aparece em nossos mitos, como Orfeu, Cristo ou o pequeno
Moisés, e de várias formas nos mitos de muitas religiões, nos sonhos de homens que fazem terapia e
nas experiências reais dos meninos, parece estar na "fiação pesada" de todos nós. Parece que
nascemos com

ele. Recebe muitos nomes, e é avaliado diferentemente pelas diversas escolas de psicologia. Em
geral, os psicólogos o condenam e, na verdade, procuram desligar os clientes dele. O importante é ver
que a Criança
Divina está inserida dentro de nós como padrão primitivo do masculino imaturo.
Freud falou dele como o Id. Via-o como as pulsões "primitivas" ou "infantis", amorais, enérgicas
e cheias de pretensões divinas. Eram os impulsos subjacentes da própria Natureza impessoal,
preocupados apenas em satisfazer as necessidades ilimitadas da criança.
O psicólogo Alfred Adler referiu-se a ele como a "pulsão do poder" oculta em cada um de nós,
como o complexo de superioridade secreto que encobre nosso verdadeiro sentimento de
vulnerabilidade,
fraqueza e inferioridade. (Lembre-se, a Criança Divina é todo-poderosa, o centro do universo, e ao
mesmo tempo totalmente indefesa e frágil. De fato, é isso o que as crianças vivenciam na realidade.)
Heinz Kohut, que criou o que ele chamou de "psicologia do self', chama a isso "a organização
grandiosa do self”, que exige tanto de nós mesmos e dos outros e que jamais pode ser satisfeit a. A
teoria psicanalítica mais recente sustenta que as pessoas possuídas por essa grandiosidade "infantil"
ou identificadas com ela estão manifestando um "distúrbio narcísico da personalidade".
Os seguidores de Carl Jung, contudo, vêem essa Criança Divina de uma forma diferente. Não
a consideram em termos, em grande parte, patológicos. Acreditam que a Criança Divina é um
aspecto essencial do Si-mesmo Arquetípico — diferente do Ego, que é o eu. Para os junguianos,
essa Criança

Divina dentro de nós é a fonte de vida. Possui características mágicas, que dão poder, e entrar em
contato com elas produz uma enorme sensação de bem estar, entusiasmo pela vida, e grande paz e
alegria, como
aconteceu com o menino sob o carvalho.
Essas diversas escolas de psicanálise , acreditamos, estão todas certas. Cada uma escolhe
entre os dois aspectos diferentes dessa energi a — um é o integrado e unificado, o outro é o lado da
sombra. No topo da estrutura arquetípica triangular, vivenciamos a Criança Divina, que nos renova e
mantém "jovens de coração". Na base do triângulo, vivenciamos o que chamamos de Tirano da
Cadeirinha Alta
e o Príncipe Covarde.

O Tirano da Cadeirinha Alta


O Tirano da Cadeirinha Alta é sintetizado pela figura do Pequeno Lorde Fauntleroy sentado
na sua cadeira de plumas compridas, batendo com a colher na bandeja e gritando que a mãe lhe dê
de comer,

beije-o e cuide dele. Como uma versão da sombra do Menino Jesus, ele é o centro do universo; os
outros existem para satisfazer suas necessidades e desejos todo-poderosos. Mas muitas vezes a
comida, quando
chega, não satisfaz as suas especificações: não é boa o bastante, não é o que ele pediu, está quente
demais ou fria demais, doce demais ou azeda demais. Então ele cospe no chão ou joga o prato longe.
Se ele ficar suficientemente convencido de que é o dono da verdade, nenhum alimento, por mais que
ele tenha fome, vai servir. E se a mãe o pega no colo depois de "decepcioná-lo" tanto, ele grita, se
contorce e rejeita os carinhos dela, porque não lhes foram dados no momento exato que ele queria. O
Tirano da Cadeirinha Alta magoa a si mesmo com a sua grandiosidade — suas exigências sem limites
— porque rejeita exatamente aquilo que ele precisa para viver: alimento e amor.
As características do Tirano da Cadeirinha Alta abrangem a arrogância (que os gregos
chamavam de hubris, ou o orgulho desmedido), a infantilidade (no sentido negativo) e a
irresponsabilidade, até em relação a si mesmo como uma criança mortal, que precisa satisfazer suas
necessidades biológicas e psicológicas.

Tudo isso é o que os psicólogos chamam de inflação ou narcisismo patológico. O Tirano da


Cadeirinha Alta precisa aprender que ele não é o centro do universo e que este não existe para
satisfazer as suas
necessidades, ou, melhor dizendo, as suas ilimitadas necessidades, as suas pretensões a ser um
deus. O universo vai alimentá-lo, porém não na sua forma divina.
O Tirano da Cadeirinha Alta, através do Rei na Sombra, pode continuar sendo uma influência
arquetípica dominante na idade adulta. É conhecida a história do líder promissor, do presidente de
uma empresa ou candidato a presidente, que começa a ganhar muita importância e então dá um tiro
no pé. Ele sabota o próprio sucesso, e perde a notoriedade. Os gregos antigos diziam que a hubris
vem sempre
acompanhada da nêmesis. Os deuses sempre derrubam os mortais que ficam muito arrogantes,
exigentes ou inflados, ícaro, por exemplo, fez um par de asas com penas e cera para voar como os
pássaros (ler "deuses") e depois, no seu convencimento, desafiando os conselhos do pai, voou até
muito perto do sol. O astro derreteu a cera, as asas se desmancharam e ele caiu no mar.
Conhecemos o ditado "O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente". O rei
Luís XVI, da França, perdeu a cabeça por causa da sua arrogância. Muitas vezes, quando nós,
homens, vamos ocupando cargos mais elevados na estrutura da empresa, ganhando cada vez mais
autoridade e poder, sobe também o risco da autodestruição. O chefe que quer apenas funcionários
capachos, que não quer saber o que está acontecendo, o presidente que não ouve os conselhos dos
seus generais, o diretor da

escola que não tolera críticas dos seus professores — todos são homens possuídos pelo Tirano da
Cadeirinha Alta, procedendo temerariamente.
O Tirano da Cadeirinha Alta que ataca o seu anfitrião humano é o perfeccionista; ele espera o
impossível de si mesmo e se repreende (assim como sua mãe fez) quando não consegue satisfazer as
exigências da criança interior. O Tirano pressiona o homem para mais e melhores desempenhos, e
nunca fica satisfeito com o que ele faz. O homem infeliz torna-se o escravo (como foi a mãe) da
criança grandiosa de dois anos de idade que existe dentro dele. Ele precisa possuir mais coisas
materiais. Não pode cometer erros. E como é impossível satisfa zer as exigências do Tirano interno,
ele adquire úlceras gástricas e fica doente. Acaba não conseguindo suportar a pressão constante.
Nós, homens, quase sempre enfrentamos o Tirano tendo finalmente um ataque cardíaco. Fazemos
greve contra ele. No final, a única maneira de escapar do Pequeno Lorde é morrendo.
Quando é impossível controlar o Tirano da Cadeirinha Alta, ele se manifesta num Stalin, num

Calígula ou num Hitler —todos perniciosos sociopatas. Vamos tornar-nos o presidente de empresa que
prefere ver a empresa fracassar a lidar com a sua própria grandiosidade, com a sua identificação com
o
exigente "deus" interior. Podemos ser Pequenos Hitlers, mas vamos destruir o nosso país.
Já disseram que a Criança Divina quer apenas ser e que todas as coisas venham até ela. O
artista que quer ser admirado sem ter que mexer um dedo. O presidente da empresa quer ficar
sentado na sua sala, deleitando-se com as cadeiras de couro, seus charutos e a atraente secretária,
recebendo um alto salário e gozando as suas mordomias. Mas não quer fazer nada pela empresa.
Imagina-se invulnerável e importantíssimo. Freqüentemente humilha e rebaixa os outros que estão
tentando fazer alguma coisa. Ele está na sua cadeira de pernas altas, pronto para ser despedido.

O Príncipe Covarde

com seu ar de desamparo


ucos amigos; não vai bem na escola; é quase sempre hipocondríaco; o seu menor desejo é uma ordem para os seus pais; todo o sistema familiar gira em torno do bem-estar dele. Revela
perseguem, quando surge uma briga entre ele e um irmão ou uma irmã, os pais tendem a desculpá-lo
e a punir o outro.
O Príncipe Covarde é o extremo oposto do Tirano daCadeirinha Alta e, embora raramente
tenha os mesmos acessos de raiva, ainda assim ocupa um trono menos evidente. Como acontece
com todos os distúrbios bipolares, o Ego possuído por um pólo vai, de tempos em tempos,
escorregar pouco a pouco ou pular repentinamente para o outro pólo. Usando a imagem do
magnetismo bipolar para descrever esse fenômeno, podemos dizer que a polaridade do imã inverte-
se dependendo da direção
da corrente elétrica que o atravessa. Quando essa inversão ocorre no menino preso na sombra
bipolar da Criança Divina, ele passa das explosões tirânicas para a passividade deprimida, ou da
aparente

fraqueza para demonstrações de raiva.

O Acesso â Criança Divina


Para chegarmos à Criança Divina de forma adequada, precisamos reconhecê-la, mas não nos
identificar com ela. Precisamos amar e admirar a criatividade e a beleza desse aspecto primitivo do Si-
mesmo masculino, porque se não tivermos essa ligação com ele, jamais veremos as possibilidades
que existem na nossa vida. Jamais aproveitaremos as oportunidades de renovação.
Ativistas, administradores, professores ou artistas, quem estiver numa posição de liderança
precisa estar ligado com a Criança criativa e brincalhona para poder manifestar plenamente o seu
potencial e promover a sua causa, a sua empresa, a produtividade e a criatividade em si mesmo e nos
outros. A ligação com esse arquétipo impede-nos de nos sentirmos vazios , enfadados e incapazes de
ver a abundância do potencial humano à nossa volta.

Dissemos que muitas vezes os terapeutas desvalorizam o Si-mesmo grandioso de seus clientes.
Embora seja necessário, às vezes, que essas pessoas se distanciem cognitiva e emocionalmente da
Criança Divina, nós mesmos não encontramos muitos homens (pelo menos entre aqueles que
procuram uma terapia) que se identifiquem com a sua própria criatividade. Ao contrário, em geral eles
precisam entrar em contato com ela. Queremos incentivar grandeza nos homens. Queremos incentivar
a ambição. Acredita- mos que ninguém quer realmente ser normal. A definição de normal é, com
freqüência, "mediano".
Vivemos, segundo nos parece, numa era que sofre a maldição da normalidade, caracterizada pela
ascensão do que é medíocre. Provavelmente, os terapeutas que insistem em depreciar o "brilho" do
Si- mesmo grandioso de seus clientes estão eles mesmos desligados de sua Criança Divina. Invejam a
beleza e o frescor, a criatividade e a vitalidade da Criança existente em seus clientes.
Os romanos antigos acreditavam que todos os bebês humanos nasciam com o que eles
chamavam de "gênio", um espírito guardião designado para o menino ou a menina quando vinham ao
mundo. As

festas de aniversario romanas eram comemorações mais para reverenciar o gênio, o ser divino que
veio com aquela pessoa, do que para homenagear o indivíduo. Os romanos sabiam que não era o Ego
do
homem a srcem da sua música, da sua arte, da sua política ou dos seus atos corajosos. Era a Criança
Divina, um aspecto do Si-mesmo existente dentro dele.
Precisamos fazer a nós mesmos duas perguntas. A primeira não é se estamos manifestando
o Tirano da Cadeirinha Alta ou o Príncipe Covarde, mas sim como estamos fazendo isso — porque
todos estamos manifestando os dois em alguma medida e de alguma forma. No mínimo, regredimos à
nossa Criança quando estamos cansados ou extremamente assustados. A segunda pergunta não é se
a Criança
criativa existe em nós mas, sim, como estamos homenageando-a ou deixando de homenageá-la. Se não a sentimos na nossa vida pessoal e no nosso trabalho, en

A Criança Precoce
Existe uma estatueta maravilhosa do antigo mago e vizir egípcio, Imotep, quando criança, sentado num pequeno trono lendo um pergaminho. Sua expressão é s

é na verdade a imagem do arquétipo da Criança Precoce.


A Criança Precoce manifesta-se num menino quando ele se mostra ávido de conhecimentos, quando
sua mente é estimulada e ele quer dividir com os outros o que esta aprendendo. Há um brilho em seus
olhos e uma energia no seu corpo e na sua mente que mostra que ele está aventurando-se pelo
mundo das idéias. Esse menino (e, mais tarde, o homem) quer saber o "porquê" de tudo. Pergunta
aos pais: "Por que o céu é azul?", "Por que as folhas caem?", "Por que as coisas têm que morrer?"
Quer saber o "como", o "quê" e o "onde" das coisas. Quase sempre aprende a ler cedo para poder
responder às suas próprias perguntas. Em geral, é bom aluno e animado participante das discussões
em sala de aula. Com freqüência também, é bom em várias áreas: pode ser capaz de desenhar e
pintar bem ou tocar um instrumento com competência. Pode também ser um bom desportista. À
Criança Precoce é a srcem das chamadas crianças prodígio.
A Criança Precoce é a fonte da nossa curiosidade e dos nossos impulsos aventureiros. Ela nos incita

a explorar, a ser pioneiros do desconhecido, do estranho e do misterioso. Faz-nos ficar maravilhados


com o mundo ao redor e dentro de nós. O menino cuja Criança Preco ce é uma influência poderosa
quer saber o
que faz as outras pessoas e ele mesmo. Quer saber por que as pessoas agem de certa maneira, por
que ele tem certos sentimentos. Tende a ser introvertido e meditativo, e é capaz de ver as ligações
secretas entre as coisas. Consegue alcançar a independência cognitiva das pessoas à sua volta muito
antes das outras crianças. Embora voltado para dentro e meditativo, ele também é extrovertido e se
aproxima animadamente dos outros para compartilhar com eles a sua percepção das coisas e os seus
talentos. Muitas vezes sente uma necessidade muito forte de ajudar os outros com a sua sabedoria, e
o amigos procuram o seu ombro para chorar da mesma forma que buscam a sua ajuda para fazer o
dever de casa. A Criança Precoce existente no homem conserva vivos o seu encantamento e sua
curiosidade, estimula o seu intelecto e o faz avançar em direção ao mago amadurecido.

O Trapaceiro Sabichão
A Sombra bipolar da Criança Precoce, como todas as formas da sombra dos arquétipos do
masculino imaturo, pode persistir até a idade adulta, quando faz os supostos homens manifestarem
um infantilismo inadequado em sua maneira de pensar, sentir e se comportar. O Trapaceiro Sabichão,
como seu nome dá a entender, é a energia masculina imatura que faz trapaças, de natureza mais ou
menos séria, com a sua própria vida e com a dos outros. É perito em criar aparências e em nos tapear
com essas mesmas aparências. Seduz as pessoas, fazendo-as acreditar nele, e então puxa o tapete.
Ele nos faz acreditar, confiar nele, e depois nos trai, rindo da nossa desgraça. Nos conduz a um
paraíso no meio da
floresta só para nos servir um banquete a base de cianureto. Está sempre atrás de um otário. Faz
brincadeiras de mau gosto, gosta de nos fazer de bobo. É um manipulador.
O Sabichão é aquele aspecto do Trapaceiro no menino ou no homem que gosta de intimidar os
outros. O menino (ou homem) dominado pelo Sabichão fala muito. Está sempre com o dedo levantado
em sala de aula, não porque queira participar da discussão, mas porque quer que seus colegas
entendam que ele é o mais inteligente. Quer fazê-los acreditar que, comparados com ele, são uns
bobalhões.
O menino possuído pelo Sabichão, porém, não limita necessariamente a sua exagerada
precocidade à exibição intelectual. Pode ser um sabe-tudo sobre qualquer assunto ou atividade. Um
garoto inglês, de família abastada, veio passar um mês de verão num dos acampamentos da
Associação Cristã de Moços

nos Estados Unidos. A maior parte do tempo, ele passava contando para os outros meninos, a quem
chamava de plebe, as várias viagens que fizera pela Europa e Ásia com o pai diplomata. Quando os
garotos queriam saber algum detalhe sobre as cidades estrangeiras, o inglesinho respondia: "Americ
anos burros. Só conhecem as suas plantações de milho!" E representava o seu show "Eu sou superior
a vocês" com sotaque britânico aristocrático. Nem é preciso dizer que os meninos americanos ficavam
envergonhados e com raiva.
O menino ou homem dominado pelo Sabichão faz muitos inimigo s. Agride verbalmen te os
outros, a quem considera seus inferiores. Conseqüentemente, na escola primária poderá ser
encontrado muitas vezes debaixo de uma pilha de garotos que o estão moendo de pancadas. Ele sai
desses encontros com um olho roxo, porém com a inabalável convicção de sua própria superioridade.
Num caso extremo que conhecemos, o menino Sabichão chegou a acreditar que era o Segundo
Advento de Jesus Cristo. A única coisa que ele não conseguia entender era por que ninguém parecia
reconhecê-lo.

O homem Sabichão que continua possuído pela forma de sombra infantil da Criança Precoce
mostra a sua superioridade nos suspensórios e ternos que usa para trabalhar, carrega-a na pasta e a
revela na sua
atitude de "sou muito importante e estou muito ocupado para falar com você agora". É
caracteristicamente presunçoso, e quase sempre tem um sorriso arrogante nos lábios. Domina com
freqüência as conversas, transformando discussões amigáveis em sermões e argumentos em críticas.
Deprecia quem não sabe o que ele sabe, ou cujas opiniões diferem das suas. Como o Trapaceir o é o
guarda-chuva sob o qual atua o Sabichão, o homem preso a essa influência infantil em geral engana
os outros — e talvez a si mesmo também — quanto à profundidade dos seus conhecimentos ou ao
grau de sua importância.
Mas também tem um lado positivo. É muito bom para esvaziar os Egos, o nosso e os dos
outros. E quase sempre precisamos disso. Consegue localizar, num instante, quando, e exatamente
de que modo, estamos inflados e identificados com a nossa grandiosidade. E ataca, para nos reduzir à
condição humana e nos expor todas as nossas fraquezas. Esse era o papel do bobo da corte na
Europa medieval. Quando

todo o mundo, no meio de uma grande cerimônia, estava adorando o rei, e o próprio rei já estava
começando a se adorar, o Bobo dava uma cambalhota no meio dos rapapés e peidava! Ele queria
dizer:
"Não fique inchado, somos todos seres humanos aqui, não importa a condição social que nos
conferimos uns aos outros".
Na Bíblia, Jesus chama Satanás de o Pai das Mentiras, identificando-o assim com o Trapaceiro
no seu aspecto negativo. Indiretamente, a Bíblia também mostra Satanás, o Trapaceiro, sob uma luz
positiva, embora a maioria de nós não perceba isso. A história de Jó, por exemplo, retrata um
relacionamento de respeito mútuo entre Deus e ele. Deus proporcionou a Jó grandes riquezas,
segurança material, saúde e
uma família numerosa. Jó, por seu lado, louva sem cessar a Deus. É uma relação de admiração
mútua. Então entra Satanás, farejando a hipocrisia nisso tudo. Ele é um criador de caso, a bem da
verdade. A sua idéia é que, se Deus amaldiçoar Jó, este vai acabar deixando de cantar suas
louvações. Deus não quer acreditar em Satanás, mas aceita o plano, provavelmente porque seu
instinto lhe diz que o outro tem razão. E tem! Quando Deus lhe tirou tudo o que tinha —família,
riqueza, saúde —, Jó finalmente abandona a sua devoção superficial, brande o punho contra Deus e
rompe com ele. Deus reage intimidando Jó.
Até na história do Paraíso, Satanás cria confusão para expor a natureza fraudulenta e ilusória da
criação supostamente "boa". Deus queria acreditar que tudo que ele tinha feito era bom, mas afinal de
contas ele fizera o mal e o pendurara na Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Satanás, na forma
da

serpente, estava determinado a revelar o lado sombrio dessa criação "perfeita". E conseguiu isso com
a "queda" de Adão e Eva. Só depois que Satanás revelou o mal existente na criação — e,
conseqüentemente, no Criador — é que pôde começar a haver honestidade e cura.
No filme Amor, sublime amor, (West side story), os jovens que através de brincadeiras tentam
desculpar-se pelos estragos que provocam na cidade diante de uma simulação do guarda Krupke,
estão na realidade, e com bastante precis ão, expondo o lado da sombra, o lado menos idílico, da
sociedade que os fez assim.
Como funciona o Trapaceiro? Digamos que você está preparando-se para aquilo que considera
a sua mais brilhante apresentação. Está tão orgulhoso da sua perspicácia! Senta-se diante do
computador e manda que ele imprima as notas que você colocou ali antes, e a impressora não
funciona. O seu próprio Trapaceiro interno lhe passou a perna.
Ou, você vai comparecer a uma cerimônia importante. Calcula o tempo para garantir que todos o

estejam esperando — apenas alguns minutos, o suficiente para perceberem o quanto você é
importante. Vai pegar o carro afinal, preparando para fazer a sua viagem triunfal. Mas não consegue
achar as chaves.
E lá estão elas, trancadas dentro do automóvel, ainda na ignição. A hubris conduz à nêmesis. É assim
que o Trapaceiro trabalha contra nós (a longo prazo, talvez, a nosso favor).
Mas ele trabalha, através de nós, contra os outros também. Talvez você goste de fazer
brincadeiras de mau gosto, perseguindo sem piedade as pessoas com as suas brincadeiras, até que
vem um e dá o troco, aí você é forçado a perceber como isso dói. Você é o vendedor de automóveis
que engana os fregueses no preço dos carros — vem a gerência e engana você na comissão.
Conhecemos um estudante de pós-graduação realmente possuído por esse aspecto do
arquétipo. Estava sempre expondo as fraquezas dos outros com o seu encantador, mas nem tanto,
senso de humor. Ria dos erros que os professores cometiam em sala. Ria quando o diretor da escola
tropeçava nas palavras. Tinha aspirações políticas, queria criar um movimento estudantil para
defender a sua causa

favorita. Mas afastou exatamente as pessoas de que precisava como patronos e mentores. Suas
brincadeiras finalmente o deixaram isolado e impotente. Só mais tarde, na terapia, quando se
familiarizou
com a força dominadora desse arquétipo, estudando as descrições do Trapaceiro dos índios
americanos, é que conseguiu libertar-se do seu comportamento compulsivo e autodestrutivo.
Talvez o Trapaceiro mais conhecido esteja na Bíblia, na história de Esaú e Jacó, em que este
conseguiu o direito de primogenitura do irmão "vendendo-lhe" um prato de sopa. Jacó enganou o
irmão mais velho fazendo-o desistir da condição e riqueza que por direito lhe pertenciam como
herdeiro da fortuna dos pais. Através da manipulação, apossou-se do que não era seu.
Precisamos entender bem essa energia imatura. Embora o seu propósito em sua forma positiva
seja expor as mentiras, se não for controlado torna-se negativo e passa a destruir a própria pessoa e
os outros. Pois o lado negativo dessa energia masculina imatura é realmente hostil a todos os esforços
reais, a todos os direitos, a toda a beleza das outras pessoas. O Trapaceiro, como o Tirano da
Cadeirinha Alta, não quer fazer nada. Não quer ganhar nada honestamente. Quer apenas ser, e ser
aquilo que não tem o direito de ser. Em linguagem psicológica, é agressivo-passivo.
Essa é a forma de energia que busca a queda dos grandes homens, que se compraz na
destruição de homens importantes. Mas o Trapaceiro não quer substituir o homem que caiu. Não quer
assumir as responsabilidades deste. Na verdade, não quer ter responsabilidades. Quer fazer apenas o
suficiente para

causar a desgraça dos outros.


O Trapaceiro faz com que o menino (ou o homem infantil) tenha problemas com a autoridade.
Sempre consegue encontrar um homem para odiá-lo e acabar matando-o com um tiro. Acredita
facilmente que todos os homens no poder são corruptos e exploradores. Mas, como o homem
possuído pelo Príncipe Covarde, está condenado para sempre a ficar à margem da vida, jamais
conseguindo assumir a responsabilidade por si mesmo ou por suas ações.
A sua energia provém da inveja. Quanto menos um homem tiver contato com seus verdadeiros
talentos e capacidades, mais invejará os outros. Se somos muitos invejosos, estamos negando nossa
própria grandeza real, nossa própria Criança Divina. O que devemos fazer, então, é procurar as
nossas características especiais, a nossa beleza e criatividade. A inveja bloqueia a criatividade.
O Trapaceiro é o arquétipo que corre para ocupar o vazio deixado no homem imaturo, ou no
menino, pela negação ou falta de contato do menino com a Criança Divina. O Trapaceiro entra em
ação dentro de

nós, evolutivamente, quando nossos pais (ou irmãos mais velhos) nos rebaixaram ou criticaram,
quando fomos emocionalmente agredidos. Se não sentirmos que somos especiais, ficaremos nas
mãos do
Trapaceiro, do "Sabichão", e esvaziaremos nos outros o sentimento de serem especiais, mesmo
quando tal esvaziamento não for necessário. O Trapaceiro Sabichão não tem heróis, porque para isso
é preciso admirar os outros. E só podemos admirar as outras pessoas quando temos noção do nosso
próprio valor e segurança, cada vez maior, quanto às nossas próprias energias criativas.

O Palerma
O menino (ou homem) dominado pelo outro pólo da Sombra disfuncional da Criança Precoce, o
ingênuo Palerma, como o Príncipe Covarde, carece de personalidade, vigor e talento criativo. Parece
indiferente e embotado. Não aprende a tabuada, não sabe fazer troco nem dizer as horas. Quase
sempre é rotulado de aluno de raciocíni o lento. Falta-lhe, também, senso de humor e muitas vezes
não

entende as piadas. Às vezes parece também fisicamente desajeitado. Não tem coordenação, e é com
freqüência alvo de zombaria e desprezo quando se atrapalha com a bola no meio do campo ou perde
um lance importante no jogo. Esse menino pode também parecer ingênuo. Ele é, ou parece ser, o
último a saber sobre "os fatos da vida".
A inépcia do Palerma, contudo, quase sempre está longe de ser honesta. Ele percebe mais do
que demonstra, e o seu comportamento lerdo pode estar mascarando uma grandiosidade oculta, que
se acha importante demais (e vulnerável demais) para se revelar. Assim, intimamente interligado
com um secreto Sabichão, o Palerma é também um Trapaceiro.
A Criança Edipiana
Todas as energias masculinas imaturas, estão excessivamente atadas, de uma forma ou de
outra à Mãe e são diferentes na vivência do masculino amadurecido e nutridor.
Embora o menino cuja Criança Edipiana seja uma poderosa influência arquetípica não vivencie
adequadamente o masculino nutridor, ele é capaz de entrar em contato com as características
positivas do arquétipo. É emotivo e tem um sentimento de admiração e profundo apreço pela
comunicação com suas profundezas internas, com os outros e com todas as coisas. É terno, ligado e
afetuoso. Expressa também, através da sua ligação com a Mãe (a relação primordial para quase todos
nós), as srcens do que podemos

chamar de espiritualidade. O seu sentimento de unidade mística e a mútua comunhão com todas as
coisas vem do seu profundo anseio pela Mãe infinitamente nutridora, infinitamente boa e infinitamente
bela.
Essa Mãe não é a sua mãe mortal, real. Esta fatalmente vai decepcioná-lo na sua necessidade
de ligação, amor e nutrição perfeito s ou infinitos. Ao contrário, a Mãe que ele sente existir acima desta
outra, acima de toda a beleza e sensibilidade (o que os gregos chamavam eros) existentes nas coisas
humanas, e que vivência nos sentiment os profundos e nas imagens da sua vida interior é a Grande
Mãe — a Deusa representada em suas várias formas nos mitos e lendas de muitos povos e culturas.
Um jovem que veio fazer análise, em parte porque estava tentando elaborar os problemas
relativos à mãe, relatou um insight notável que lhe brotou do inconsciente. Já estava fazendo análise
quando foi visitar a mãe e os dois começaram a discutir como de costume. O rapaz não conseguia
fazê-la entender o que queria dizer. E deixou escapar, aborrecido: "Mãe Toda-Poderosa!" Foi um lapso
freudiano, como dizemos. O que ele queria falar era "Deus Todo-Poderoso!" Pararam de discutir na
hora. Ficaram constrangidos e

riram nervosamente, pois compreenderam o significado do lapso. A partir daí, ele começou a orientar a
sua percepção espiritual da Mãe Todo-Poderosa para a Grande Mãe, arquetípica , que, compreendeu
ele com
uma íntima convicção, era a Mãe da sua própria mãe mortal. Deixou de vivenciar esta como a Grande
Mãe e passou a ser capaz de livrá-la, e todas as outras mulheres, do pesado fardo de serem para ele
divinas.
Não só os relacionamentos com as namoradas e com a mãe melhoraram, como a sua espiritualidade
se tornou bem mais profunda. Começou a transmutar o sentido de união profunda em ouro espiritual.

O Filhinho da Mamãe
A sombra da Criança Epidiana é formada pelo Filhinho da Mamãe e pelo Sonhador. O Filhinho
da Mamãe está, como todos sabemos, "preso às saias da mãe". Ele faz o menino fantasiar que está se
casando com ela, que a está roubando do pai. Se o pai não existe, ou é fraco, esse chamado anseio
edipiano se torna mais forte, e o lado deformante da Sombra bipolar da Criança Edipiana pode
dominá-lo.
O termo complexo de Édipo vem de Freud, que viu na lenda do rei grego um relato mitológico dessa forma de energia masculina imatura. A história é conhecida
O rei Laio e a esposa, Jocasta, tiveram um filho a quem chamaram Édipo. Em virtude de uma profecia que disse que quando crescesse Édipo ia matar o pai, Laio
adulta.
Um dia, Édipo caminhava por uma estrada quando uma carroça quase o atropelou. Ele discutiu
com o dono desta e o matou. O proprietário da carroça, que ele não conhecia, era seu pai Laio. Édipo
foi em seguida para Tebas, onde ficou sabendo que a rainha estava procurando um marido. Era
Jocasta, sua mãe. Édipo casou-se com ela e subiu ao trono de seu pai. Só alguns anos mais tarde,
quando caiu sobre o reino uma praga, é que se revelou a terrível verdade, e Édipo, o rei ilegítimo, foi
deposto. A realidade psicológica subjacente na história é que Édipo estava inflado. Caiu pela mão dos
deuses por ter matado o pai (o "deus") e se casado com a mãe (a "deusa"). Portanto, foi destruído pela
inconsciente inflação de suas pretensões inconscientes à divindade. Para toda criança, do ponto de
vista do seu desenvolvimento, a Mãe é a deusa e o Pai é o deus. Os meninos muito ligados à Mãe se
machucam.

Existe também a história de Adônis, que foi amante de Afrodite, a deusa do amor. Não era
possível aceitar que um rapaz mortal tivesse direito a uma deusa, por isso ele foi atacado por um
porco-do-mato (na
realidade, um deus na forma de um animal — o Pai) e morto.
Uma outra coisa acontece com o Filhinho da Mamãe. Geralmente ela passa de uma mulher a
outra, na busca da beleza, da ternura, da satisfação do seu anseio de se unir à Mãe. Não consegue
contentar-se com uma mulher mortal, porque está procurando a Deusa imortal. Temos aqui a
síndrome de Dom Juan. A Criança Edipiana, inflada além das suas dimensões mortais, não pode
prender-se a uma única mulher.
Além disso, o menino sob o poder do Filhinho da Mamãe é o que se chama de auto-erótico. Ele
é capaz de ficar masturbando-se compulsivamente. Pode chegar à pornografia, buscando a Deusa
nas formas quase infinitas do corpo feminino. Certos homens sob o poder infantil do aspecto Filhinho
da Mamãe da Criança Edipiana têm enormes coleções de fotografias de mulheres nuas, sozinhas ou
tendo relações sexuais com homens. Ele está querendo vivenciar a sua mascul inidade, o seu poder
fálico, a sua

capacidade de gerar. Mas, em vez de afirmar a sua masculinidade como um homem mortal, ele está
mesmo é procurando ter a experiência do pênis de Deus — o Grande Falo — que conhece todas as
mulheres, ou melhor, que conhece a união com a Grande Mãe em sua infinidade de formas femininas.
Masturbando-se e usando de forma compulsiva a pornografia, o Filhinho da Mamãe, como todas
as energias imaturas, quer apenas ser. Não quer fazer o que é preciso para realmente se unir a uma
mulher mortal e enfrentar todos os sentimentos complexos que implica um relacionamento íntimo. Não
quer assumir responsabilidades.

O Sonhador
O outro pólo da Sombra disfuncional da Criança Edipiana é o Sonhador. Este leva ao extremo
os impulsos espirituais da Criança Edipiana. Embora também mostre sinais de passividade, o menino
possuído pelo Filhinho da Mamãe pelo menos busca ativamente a "Mãe". O Sonhador, entretanto, faz
o

menino se sentir isolado de todos os relacionamentos humanos. Para o garoto enfeitiçado pelo
Sonhador, os relacionamentos se dão com coisas intangíveis e com o mundo imaginário dentro dele.
Conseqüentemente, enquanto as outras crianças brincam, ele se senta numa pedra e fica sonhando.
Realiza pouco e parece reservado e deprimido. Seus sonhos tendem a ser melancólicos, ou muito
idílicos e etéreos.
O menino possuído pelo Sonhador, como aquele dominado por outros pólos de sombra, não é
honesto, embora em geral essa desonestidade seja inconsciente. O seu comportamento etéreo,
isolado, pode mascarar o pólo oculto, e oposto, da Sombra da Criança Edipiana, o Filhinho da Mamãe.
O que esse
menino realmente revela, de forma indireta, é o seu ressentimento por não conseguir ter a posse da
Mãe. A sua grandiosidade na busca de possuir a Mãe oculta-se sob a depressão do sonhador.

O Herói
Há muita confusão em torno do arquétipo do Herói. Em geral, supõe-se que a forma heróica
de abordar a vida, ou uma tarefa, seja a mais nobre, porém, só em parte isso é verdade. O Herói
é apenas uma variedade avançada da psicologia do Menino — a mais avançada, o auge, na
verdade, das energias masculinas do menino, o arquétipo que caracteriza o máximo no estágio
adolescente do desenvolvimento. Mas é imaturo, e se continua até a idade adulta como um
arquétipo dominante,

impede que o homem atinja a maturidade plena. Se pensarmos no Herói como o Valentão
Exibicionista, esse aspecto negativo torna-se mais claro.

O Valentão Exibicionista
O menino (ou homem) dominado pelo Valentão quer impressionar os outros. Suas estratégias
destinam-se a proclamar a sua superioridade e o seu direito de dominar as pessoas que o cercam.
Reivindica o centro do palco para si como um direito inato. E se desafiam essas exigências de

status especial, vejam só o que o que ele apronta! Ataca com palavras ofensiv as e muitas vezes
agress ão física as pessoas que questionam o que elas "farejam" como uma presunção da sua parte.
Esses ataques visam impedir o reconhecimento da sua covardia subjacente e da sua profunda
insegurança. O homem que continua sob a influência desse aspecto negativo do Herói não trabalha
em conjunto. É um solitário. É o executivo importante, o homem de vendas, o revolucionário, o corretor
da bolsa de valores. É o soldado

que se arrisca desnecessariamente em combate e, se estiver numa posição de liderança, exige o


mesmo de seus homens. Descobriu-se muita coisa no Vietnã, por exemplo, sobre esses jovens oficiais
"heróicos",
cavando promoções, que muitas vezes exigiam que seus homens arriscassem a vida em
demonstrações de coragem. Alguns morreram, vítimas de suas atitudes heróicas infladas.
Outro exemplo é o personagem de Tom Cruise no filme Ases Indomáveis (Top Gun), Trata-se
de um jovem piloto, altamente motivado, que não ouve ninguém, que precisa provar alguma coisa, um
valentão, um rapaz que, embora criativo, arrisca o seu avião e seu navegador. A reação geral de seus
colegas pilotos é de repúdio e desagrado. Mesmo o seu melhor amigo, embora gostando muito dele e
continuando a lhe ser fiel, acaba tendo que lhe fazer ver que está causando mal a si mesmo e à
equipe.
O filme é na verdade a história de um menino que se torna homem. Só depois que o
personagem de Tom Cruise contribui acidentalmente para a morte de seu amigo-navegador numa
manobra aérea tensa — e sofre com isso — e só depois que perde a competição para Iceman, mais
amadurecido, é que começa a

sair da adolescência e entrar na idade adulta. A diferença entre o Herói e o Guerreiro


amadurecido é exatamente a que existe entre o personagem de Tom Cruise e Iceman.
O homem possuído pelo pólo Valentão Exibicionista da Sombra do Herói tem um senso
inflado da própria importância e capacidade. Segundo nos contou recentemente o executivo de uma
empresa, ao enfrentar os jovens heróis da sua companhia ele precisa dizer-lhes de vez em quando:
"Vocês são bons. Mas não tanto quanto pensam. Um dia chegam lá. Por enquanto ainda não."
O herói começa achando que é invulnerável, que para ele só serve o "sonho impossível", que
ele pode "lutar contra o inimigo invencível" e vencer. Mas se o sonho é realmente impossível, e o
inimigo realmente invencível, o herói vai ter problemas.
De fato, é o que vemos com freqüência. O sentimento de invulnerabilida de, uma m anifestaç ão
do Valentão Exibicionista e das pretensões divinas de todas essas formas de energia masculinas
imaturas, deixa o homem sob a influência do Herói da Sombra, exposto ao perigo da própria morte. No
final, ele acaba dando um tiro no pé. O heróico general Patton, embora cheio de imaginação, criativo e
estimulante para as suas tropas, pelo menos por vezes, boicota a si próprio nos riscos que assume e,
na competição infantil com o general britânico Montgomery, e nas suas observações argutas, porém

atrevidas e imaturas. Em vez de lhe destinarem uma missão para a qual está qualificado pelo seu
talento (comandar a invasão da Europa pelas tropas aliadas, por exemplo), ele é preterido
exatamente
por ser um herói, e não um guerreiro.
Como no caso de outros arquétipos masculinos imaturos, o Herói está excessivamente ligado à Mãe.
Mas tem uma forte necessidade de superá-la. Trava um combate mortal com o feminino, lutando
para conquistá-lo e afirmar a sua masculinidade. Nas lendas da Idade Média sobre heróis e suas
donzelas, quase nunca sabemos o que acontece depois que o herói mata o dragão e se casa com a
princesa. Não nos contam o que aconteceu com o casamento deles, porque o Herói, como
arquétipo, não sabe o que fazer com a princesa depois que a conquista. Não sabe o que fazer
quando as coisas voltam ao normal.
A derrocada do Herói é que ele não conhece e é incapaz de aceitar suas próprias limitações.
O menino ou o homem dominado pelo Herói da Sombra não consegue realmente perceber que é
um ser mortal. A negação da morte — limitação fundamental da vida humana — é a sua
especialidade.

Quanto a isso, poderíamos pensar um pouco sobre a heróica natureza da nossa cultura
ocidental. Sua preocupação maior parece ser, como se diz sempre, a "conquista" da Natureza, o uso e
manipulação
desta. A poluição e a catástrofe ambiental são os castigos cada vez mais óbvios por esse projeto tão
arrogante e imaturo. A medicina opera na hipótese geralmente tácita de que a doença, e finalmente a
própria morte, pode ser eliminada. Nossa visão moderna de mundo tem sérias dificuldades em
enfrentar as limitações humanas. Quando não encaramos nossas verdadeiras limitações, ficamos cheios de
pretensões, e mais cedo ou mais tarde este Ego inflado será chamado a prestar contas.

O Covarde
O menino possuído pelo Covarde, o outro pólo da Sombra bipolar do Herói, revela uma
extrema relutância em se defender sozinho nos confrontos físicos. Costuma fugir da briga, talvez
desculpando-se com a alegação de que a atitude mais "viril" é a de se afastar. Mas ele vai sentir-se
infeliz, apesar das

desculpas. E não são apenas as lutas físicas que ele evita. Tende a permitir que o maltratem
emocional e intelectualmente também. Quando alguém lhe exige alguma coisa ou é enérgico com ele,
o menino
dominado pelo Covarde — e incapaz de se sentir um herói — cede. Submete-se facil mente à pressão
dos outros; sente-se invadido e pisado, como um capacho. Quando se cansa, entretanto, a
grandiosidade do Valentão Exibicionista oculta dentro dele vem à tona e explode em violentos ataques
verbais e/ou físicos ao seu "inimigo", um ataque para o qual o outro está totalmente despreparado.
Mas, tendo descrito os aspectos negativos, ou da sombra, do Valentão/Covarde, ainda fica a
pergunta: por que o Herói está presente em nossas psiques, afinal de contas? Por que ele faz parte da
história do nosso desenvolvimento pessoal como homens? A que adaptação evolutiva ele serve?
O que o Herói faz é mobilizar as estruturas delicadas do Ego do menino para torná-lo capaz de
romper com a Mãe no fim da infância e enfrentar as difíceis tarefas que a vida vai começando a lhe
atribuir. As energias do Herói apelam para as reservas masculinas do menino, que se aprimoram
conforme ele amadurece, para estabelecer a sua independência e a sua competência, para que ele
possa vivenciar suas próprias capacidades desabrochando, para que seja capaz de "abrir o envelope"
e testar-se diante das forças difíceis, e até hostis, do mundo. O Herói capacita-o a estabelecer uma
cabeça de ponte contra o

irresistível poder do inconsciente (vivenciada em grande parte, pelos homens pelo menos, como o
feminino, a Mãe), O Herói permite que o menino se afirme e defina como uma pessoa distinta de
todas as outras,
para que afinal possa relacionar-se com elas de forma plena e criativa.
O Herói lança o menino de encontro aos seus limites, contra o aparentemente intratável.
Encoraja-o a sonhar o sonho impossível, que afinal de contas pode ser possível, se ele tiver
coragem suficiente. Dá-lhe poder para lutar contra o inimigo imbatível, que será bem capaz de
derrotar, se não estiver possuído pelo Herói.
“Mais uma vez, a nossa posição é a de achar que os terapeutas, com muita freqüência — sem
falar nos parentes, amigos, colegas de trabalho e pessoas que representam alguma autoridade —
atacam, consciente ou inconscientemente, o ‘‘ brilho” do Herói nos homens. A nossa era não quer
heróis. É uma era de inveja, em que a regra é a preguiça e a preocupação consigo mesmo. Quem
quer que tente brilhar, que ouse destacar-se na multidão, é puxado para baixo por seus opacos e

autodenominados "pares".
Precisamos de um grande renascimento do heróico no nosso mundo. Cada setor da sociedade
humana, onde quer que esteja neste planeta, parece estar deslizando para um caos inconsciente.
Somente a consciência heróica, exercendo todo o seu poder, será capaz de impedir esse deslize para
o esquecimento. Só o renascer maciço da coragem tanto nos homens como nas mulheres salvará o
mundo. Enfrentando enormes dificuldades, o Herói ergue a sua espada e investe contra o coração do
abismo, a boca do dragão, o castelo enfeitiçado por um poder perverso.
Qual será o fim do Herói? Quase universalmente, nas lendas e nos mitos, ele "morre", é
transformado num deus e transportado aos Céus. Lembramo-nos da história da ressurreição e
ascensão de Jesus, do desaparecimento final de Édipo num facho de luz em Colona, ou a subida de
Elias aos céus numa carruagem de fogo.
A "morte" do Herói é a "morte" da infância, da psicologia do Menino. E é o nascimento do adulto, da

psicologia do Homem. A "morte" do Herói na vida de um menino (ou de um homem) significa que ele
finalmente encontrou suas limitações. Ele encontrou o inimigo, e o inimigo é ele mesmo. Viu-se diante
do
seu próprio lado sombrio, não heróico. Lutou contra o dragão e saiu queimado; fez a revolução e
bebeu a borra da sua própria desumanidade. Superou a Mãe e depois percebeu ser incapaz de amar a
Princesa. A "morte" do Herói sinaliza o encontro do menino ou do homem com a verdadeira
humildade. É o fim da sua consciência heróica.
A verdadeira humildade, acreditamos, consiste em duas coisas. A primeira é conhecer as
nossas limitações. A segunda é conseguir a ajuda de que precisamos.
Se estamos possuídos pelo Herói, vamos cair no aspecto negativo dessa energia e vivenciar —
como o personagem de Tom Cruise — os sentimentos e ações infladas do Valentão Exibicionista.
Vamos passar por cima dos outros na nossa insensibilidade e arrogância, e acabaremos
autodestruídos, ridicularizados e abandonados pelas pessoas. Se estivermos no pólo passivo da
Sombra bipolar do Herói, possuídos pelo Covarde, vai nos faltar motivação para realizar alguma coisa
importante para a vida humana. Mas, se tivermos acesso adequadamente à energia do Herói,
tentaremos superar as nossas limitações. Vamos nos aventurar até as fronteiras do que podemos ser
como meninos, e partindo daí, se conseguirmos fazer a transição, estaremos preparados para a nossa
iniciação na condição adulta.

CAPITULO QUATRO
A Psicologia do Homem

É imensamente difícil para o ser humano desenvolver-se plenamente. A luta contra as energias
infantis interiores exerce uma enorme força "gravitacional" contra a realização plena do potencial
adulto. Não obstante, é preciso lutar contra a gravidade por meio de muito trabalho e construir as
pirâmides, primeiro do menino depois do homem, que constituem as estruturas centrais do Si-mesmo
masculino. Os antigos maias raramente destruí am as primeiras construç ões de suas cidades. Como
eles, não queremos demolir as pirâmides da nossa infância, pois elas foram e serão sempre geradoras
de poder e portas para as fontes de energia do nosso passado primordial. Mas precisamos trabalhar
colocando nossas camadas de pedra sobre as antigas plataformas e degraus. Precisamos constr uir,
tijolo por tijolo, visando o amadu- recimento da masculinidade, até que possamos ficar de pé no topo

da plataforma mais alta, vigiando o


nosso reino como o "Senhor dos Quatro Quadrantes".
Há diversas técnicas que podemos usar nesse projeto de construção. A análise dos sonhos, a
interferência neles, a imaginação ativa (na qual o Ego, dentre outras coisas, dialoga com os modelos
energéticos interiores, conseguindo assim a diferenciação e o acesso a eles), a psicoterapia numa
multiplicidade de formas, a meditação nos aspectos positivos dos arquétipos, a oração, os rituais
mágicos acompanhados pelo mestre espiritual, vários tipos de disciplina espiritual e outros métodos
são, todos, importantes no difícil processo de transformar meninos em homens.
As quatro formas principais de energia masculina madura que identificamos são o Rei, o
Guerreiro, o Mago e o Amante. Elas se superpõem e, idealmente, se enriquecem umas as outras. Um
bom Rei é sempre também Guerreiro, Mago e Amante. E o mesmo se diz dos outros três.
As energias do menino também se superpõem e trocam informações, como já vimos. A Criança
Divina dá srcem naturalmente à Criança Edipiana, que juntas, formam o núcleo de tudo o que for belo,

enérgico, relacionado, terno, cuidadoso e espiritual no homem. O Ego do menino precisa da


perceptividade da Criança Precoce para ajudá-lo a se distinguir dessas energias. E todas as três dão
srcem ao Herói, que
as libera do domínio do inconsciente "feminino" e estabelece a identidade do garoto como um
indivíduo distinto. O Herói prepara o menino para ser homem.
Os arquétipos são entidades misteriosas ou fluxos energéticos, foram comparados a um imã sob
uma folha de papel. Quando se espalham nessa superfície limalhas de ferro, imediatamente elas se
organizam em desenhos ao longo das linhas de força magnética. Pode-se ver o desenho das limalhas
sobre o papel, mas não o imã que está por baixo — ou, melhor, jamais se vê a força magnética em si,
somente a prova visível de sua existência. O mesmo vale para os arquétipos. Eles permanecem
ocultos. Mas experimentamos os seus efeitos — na arte, na poesia, na música, na religião, em nossas
descobertas científicas, em nossos padrões de comportamento, nos modelos que regem a nossa
maneira de pensar e sentir. Todos os produtos da criatividade e interação humanas são como as
limalhas de ferro. Podemos ver alguma coisa das formas e padrões dos arquétipos através dessas
manifestações. Mas nunca as próprias "energias". Elas se superpõem e interpenetram, mas podem ser
distinguidas umas das outras para fins de esclarecimento. Através da imaginação ativa, podem ser
recombinadas de modo a conseguirmos realizar o equilíbrio desejado de suas influências em nossas
vidas.
Jean Shinoda Bolen deu-nos a ótima sugestão de considerarmos esse processo, desenredando e

isolando os arquétipos e depois voltando a combiná-los, como uma reunião de conselho bem
orientada. Aqui, a mesa pede a cada um de seus membros que fale honestamente sobre a questão em
pauta. Um
bom presidente quer sempre informações completas, com seus motivos, de cada uma das pessoas
que compõem o conselho. Certas opiniões não agradarão, outras vão parecer tolas. Alguns membros
do conselho podem parecer que estão sempre depreciando e destruindo; outros freqüentemente
surgem com idéias brilhantes. As sugestões destes últimos é que geralmente são seguidas, embora às
vezes a verdade esteja nas palavras dos membros negativos e descontentes. Mas no final, quando
todas as opiniões foram ouvidas e o assunto foi exaustivamente discutido, a mesa faz a votação e se
decide o assunto. Com freqüência, o voto decisivo é o do presidente.
Nossos Egos são como o presidente do conselho. E os membros são os arquétipos dentro de
nós. Cada um precisa ser escutado. Cada um precisa erguer-se e dar a sua informação. Mas a
pessoa inteira sob a supervisão do Ego tem que tomar a decisão final.

Talvez a psicologia do homem, como dissemos, tenha sido sempre uma raridade no nosso
planeta. Sem dúvida, é uma coisa rara hoje em dia. As terríveis circunstâncias físicas e psicológicas
sob as quais a
maioria dos seres humanos vive em quase todas as partes, quase o tempo todo, são desconcertantes.
Os ambientes hostis sempre levam à atrofia, deformação e mutação dos organismos. O porquê disso
é a matéria que compõe a filosofia e a teologia. Admitamos com franqueza a enorme dificuldade da
nossa situação, pois só quando nos permitirmos ver a seriedade de um problema e aceitar o que
temos pela frente é que começaremos a agir de forma adequada, a tornar a nossa vida, e a dos
outros, mais intensa. Diz-se em psicologia que temos que assumir a responsabilidade por aquilo pelo
qual não somos responsáveis. Isso significa que não temos culpa (como nenhuma criança tem) do
que aconteceu conosco e que nos atrofiou e nos deixou presos aos nossos primeiros anos de vida,
quando nossas personalidades se formaram e quando ficamos empacad os em níveis imaturos de
masculinidade. Mas de nada nos serve aderir ao coro dos delinqüentes do filme Amor, sublime amor
quando acusam a sociedade e deixam as

coisas ficarem como estão.


A nossa era é mais psicológica do que institucional. O que costumava ser feito por nós através
de estruturas institucionais e processos ritualísticos, hoje temos que fazer interiormente, por conta
própria. A nossa cultura é individual, e não coletiva.
A nossa cultura ocidental nos empurra ao combate sozinhos, para nos tornarmos, como disse
Jung, "individuados". O que costumava ser compartilhado mais ou menos inconscientemente com
todos — como o processo de desenvolvimento de uma identidade masculina madura — hoje em dia
precisa ser atingido
de forma individual e consciente. É para essa tarefa que agora nos voltamos.
PARTE DOIS
Decodificação da Psique Masculina- Os Quatro Arquétipos do Masculino Am
CAPITULO CINCO
O Rei

A energia do Rei é primitiva em todos os homens. Ela mantém a mesma relação com os
outros potenciais masculinos amadurecidos, como faz a Criança Divina com as outras energias
masculinas imaturas. É a mais importante, fundamenta e integra o resto dos arquétipos em equilíbrio
perfeito. O Rei bom e produtivo é também um bom Guerreiro, um Mago perfeito e um grande Amante,
E, no entanto, em geral, o Rei vem em último lugar. Poderíamos dizer que o Rei é a Criança Divina,
porém amadurecido e

complexo, sábio, e de certa forma tão altruísta quanto ela é preocupada consigo mesma.O Rei bom
tem a "sabedoria de Salomão".
Enquanto a Criança Divina, principalmente no seu aspecto de Tirano da Cadeirinha Alta, tem
pretensões infantis à divindade, o arquétipo do Rei chega perto de ser Deus na sua forma masculina
existente em cada homem. É o homem primordial, o Adão, o que os filósofos chamam de Antropos
em cada um de nós. Os hindus chamam essa masculinidade primitiva nos homens de Atman; os
judeus e cristãos referem-se a ela como imago Dei, a "Imagem de Deus". Freud falou do Rei como o
"pai primordial da horda primordial". E de muitas maneiras a energia do Rei é a energia do Pai. A
nossa experiência, porém, nos diz que embora o Rei esteja subjacente ao arquétipo do Pai, ele é mais
amplo e fundamental que este último.
Historicamente, os reis sempre foram sagrados. Como homens mortais, porém, tiveram
relativamente pouca importância. É o reinado, a energia do Rei em si, que é importante. Todos

conhecemos o famoso grito, quando o rei morre e há outro esperando para subir ao trono: "O rei
morreu; viva o rei!" O homem mortal que encarna a energia do Rei ou a carrega por algum tempo a
serviço de seus
semelhantes, a serviço do reino (seja de que dimensão for), a serviço do cosmo, é quase um
elemento intercambiável, um veículo humano para trazer ao mundo e às vidas dos seres humanos
esse arquétipo ordenador e gerador.
Como Sir James Frazer e outros observaram, os reis no mundo antigo eram em geral mortos
ritualmente quando a capacidade de representar o arquétipo do Rei decaía. O important e era que o
poder gerador da energia não ficasse preso ao destino de um mortal que envelhecia e ficava cada vez
mais impotente. Com a ascensão do novo rei, a energia do Rei era novamente encarnada, e o
arquétipo se renovava nas vidas das pessoas que faziam parte do reino. Na verdade, o mundo inteiro
se renovava.
Esse modelo — esse ritual de morte e renascimento — é o que está por trás da história cristã da
morte e ressurreição de Cristo, o Rei Salvador. O perigo para os homens que se tornam possuídos
por

essa energia é que eles também vão satisfazer o antigo modelo e morrer prematuramente.
No Capítulo 3, dissemos que a "morte" dos arquétipos infantis, especialmente do Herói, era o
nascimento do homem; que o fim da psicologia do Menino era o começo da psicologia do Homem,
O que acontece, então, quando o Herói — o adolescente — "morre”?
O sonho de um jovem, bem no ápice da sua transição da condição infantil para a condição
adulta, ilustra este momento da morte do Herói e mostra a forma que essa nova maturidade
masculina pode, finalmente, tomar. Mostra a energia do Rei entrando em disponibilidade — que não
será plenamente entendida por muitos anos. Eis o sonho:
Sou um soldado mercenário na antiga China. Venho causando um bocado de confusão, ferindo
muita gente, perturbando a ordem do império em meu próprio proveito e benefício. Sou uma
espécie de fora-da-lei, pagam-me para matar os outros. Estou sendo procurado pelos campos,
pela floresta, por soldados do exército chinês, homens do imperador. Estamos, todos, vestidos
com uma espécie de armadura, com arcos, flechas e provavelmente espadas. Corro no meio
das árvores e vejo um buraco no chão, a entrada de uma caverna, e entro logo nele para me
esconder. Uma vez lá dentro, vejo um túnel comprido. Sigo por ele correndo. O exército chinês
me vê entrar na caverna e vem atrás de mim.
No final do túnel, vejo ao longe uma luz fraca azulada vindo de cima, provavelmente de uma abertura

na rocha. Conforme me aproximo, observo que a luz ilumina um compartimento, subterrâneo e


que nesse espaço existe um jardim muito verde. De pé, no meio do jardim, está o próprio
imperador com
seu manto bordado em vermelho e ouro. Não tenho para onde fugir. O exército se aproxima de
mim por trás. Sou forçado a ficar diante do próprio imperador.
Não posso fazer outra coisa senão ajoelhar-me aos seus pés, submeter-me a ele. Sinto uma
grande humildade, como se uma fase da minha vida tivesse terminado. Ele baixa os olhos para
mim com compaixão paternal. Não está zangado comigo. Percebo que é uma pessoa que já viu
tudo, já viveu tudo, todas as aventuras da vida — pobreza, riqueza, mulheres, guerras, intrigas
palacianas, traições, dores e alegrias, tudo na vida humana. É com essa sabedoria
amadurecida, muito antiga e vivenciada, que ele agora tem piedade de mim.
Diz muito suavemente: "Você tem que morrer. Será executado dentro de três horas." Sei que ele
está certo. Há uma ligação entre nós. É como se ele tivesse estado exatamente na minha
posição

antes; sabe de tudo. Com uma grande sensação de paz, e até de felicidade, entrego-me ao meu
destino.

Nesse sonho vemos o Ego Menino heróico do soldado mercenário finalmente encontrando os
seus limites, o seu destino necessário, na presença do Rei. O que acontece com o menino é que ele
entra em relação direta com o Rei primordial interior e se reconcilia com o "Pai", como diz Joseph
Campbell.
John W. Perry, conhecido psicoterapeuta, descobriu o poder de cura do Rei reorganizando a
personalidade nos sonhos e visões de pacientes esquizofrênicos. Em surtos psicóticos, e outros
estados liminares da mente, as imagens do Rei sagrado irrompiam das profundezas do inconsciente
de seus pacientes. No livro que escreveu a esse respeito, Roots of Renewal in Myth and Madness
(Raízes de renovação no mito e na loucura), ele descreve um jovem doente mental que ficava
desenhando colunas gregas e depois as associava a uma figura que chamava de "o rei branco".
Outros relatos contam sobre um

paciente que vê a "Rainha do Mar", e um grande casamento dele como Rainha do Mar e o Grande
Rei, ou o papa que intervém de repente para salvar o visionário.
Perry percebeu que aquilo que seus pacientes descreviam eram imagens exatamente paralelas
às encontradas nos mitos e rituais antigos dos reis sagrados. E viu que eles melhoravam à medida que
entravam em contato com essas energias do Rei. Havia alguma coisa no Rei — nos tempos antigos, e
nos sonhos e visões de seus doentes — que era imensamente organizadora, ordenadora e, de uma
forma criativa, saudável. Ele observou nas visões deles as antigas batalhas míticas dos grandes reis
contra as forças do caos e os ataques dos demônios, e em seguida a entronização gloriosa dos reis
vencedores no
centro do mundo. Perry entendeu que o Rei é, na verdade, o que ele chama de "o arquétipo central",
em torno do qual o resto da psique se organiza. Viu que eram nesses momentos em que seus
pacientes tinham "níveis reduzidos de consciência' 1, quando caíam as barreiras entre suas
identidades conscientes e o poderoso mundo do inconsciente, que surgiam as imagens do Rei,
criativas, produtivas, intensificadoras da vida. As pessoas saíam da loucura para um estado mais
saudável.
O que acontecia com os pacientes de Perry é semelhante ao que ocorreu no sonho do jovem
com o imperador chinês. O Ego infantil cedeu, caiu no inconsciente e encontrou o Rei. A psicologia do
Menino desapareceu quando a psicologia do Homem ficou disponível e reorganizou e reestruturou a
personalidade.

As Duas Funções do Rei em Sua Plenitude


Duas funções da energia do Rei tornam possível essa transiç ão da psicologia do Menino para a do
Homem. A primeira é ordenar; a segunda é proporcionar fertilidade e bênção.
Rei, como diz Perry, é o "arquétipo central". Como a Criança Divina, o Rei bom está no Centro
do Mundo. Senta-se no seu trono na montanha central, ou na Colina Original, como chamavam os
antigos egípcios. E desse lugar central irradia-se toda a criação geometricamente até as fronteiras do
reino. O "Mundo" é definido como a parte da realidade que é organizada e ordenada pelo Rei. O que
está fora dos limites da sua influência é a não-criação, o caos, o demoníaco, o não-mundo.
Essa função da energia do Rei revela-se em toda a mitologia antiga e nas velhas interpr etações
da história real. Na mitologia do Egito antigo, segundo demonstraram James Breasted e Henri
Frankfort, o mundo surgiu da deformidade e do caos de um vasto oceano sob a forma de uma
Montanha ou um Monte, central. Nasceu por decreto, pela "Palavra" sagrada, do deus Pai, Ptah, deus
da sabedoria e da ordem.

Jeová, na Bíblia, cria exatamente da mesma maneira. As palavras, na verdade definem a nossa
realidade, definem nossos mundos. Organizamos nossas vidas e mundos por meio de conceitos, pelo
que pensamos
acerca deles; e só podemos pensar com palavras . Nesse sentido, pelo menos, as palavras tornam
reais a nossa realidade e o nosso universo.
A Montanha Original ampliou-se quando a terra foi criada, e dessa ordenação central surgiram
em seguida toda a vida, os deuses e deusas, os seres humanos e todas as suas conquistas culturais.
E com o advento dos faraós, sucessores dos deuses, o mundo, definido pelos reis sagrados,
espalhou-se em todas as direções a partir do trono dos faraós na Montanha Original. Era isso o que os
egípcios contavam sobre o nascimento da civilização deles.
Na antiga Mesopotâmia, um dos grandes reis fundadores dessa civilização, Sargão da Acádia,
conquistou um reino, construiu uma civilização e se autodenominou "Aquele que Governa os Quatro
Quadrantes". Na maneira de pensar dos antigos, não só o mundo irradia de um ponto central, como é

organizado geometricamente em quatro quadrantes. É um círculo dividido por uma cruz. As pirâmides
egípcias — elas próprias imagens do Monte central — estão voltadas para os quatro pontos cardeais,
aos
"quatro quadrantes". Os mapas da antiguidade eram desenhados esquematicamente com essa idéia.
E todos os povos antigos do Mediterrâneo, assim como os chineses e outras civilizações asiáticas,
tinham a mesma visão. Até na perspectiva dos índios americanos, que se presume não terem tido
contato com outros continentes e outras civilizações, era assim. O curandeiro sioux, Black Elk, no livro
de John Neihardt, Black Elk Speaks, fala do mundo como um grande "arco", dividido em dois
caminhos, um "vermelho" e
outro "negro", que se cruzam. Onde eles se encontram é a montanha central do mundo. É nessa
montanha que o grande Deus Pai — a energia do Rei — fala e faz a Elk uma série de revelações para
o seu povo.
Os povos antigos localizaram esse centro em vários lugares: no Monte Sinai, em Jerusalém,
Hierápolis, no Olimpo, em Roma, Tenochitlán. Mas era sempre o Centro de um universo quadrado, um
universo geométrico, ordenado. O Centro desse universo era sempre onde o rei — deus e homem —
reinava, e era o local da revelação divina, do poder criativo e organizador, divino.
O que é realmente interessante para nós acerca dessa visão da função ordenadora da energia
do Rei é que ela não se revela apenas nos mapas antigos, nas pinturas em areia dos índios do
deserto, nos ícones da arte budista e nas rosáceas das igrejas cristãs, mas também, e de modo
igualmente persistente,

nos sonhos e pinturas modernas das pessoas que se submetem à psicanálise. Percebendo isso, Jung
tomou emprestado do budismo tibetano o nome para essas representações e chamou de "mandalas"
as
figuras do Centro organizador. Observou que, quando apareciam nos sonhos e visões de seus
analisandos, as mandalas eram sempre curativos e vivificantes. Significavam sempre renovação e,
como as imagens do Rei de Perry, mostravam que a personalidade estava organizando-se de uma
forma mais centrada, estava tornando-se mais tranqüila e estruturada.
O que essa função da energia do Rei faz, através de um rei mortal, é encarnar para as pessoas
do reino esse princípio ordenador do Mundo Divino. O rei humano faz isso codificando leis. Ele as
leis, ou, mais exatamente, as recebe da própria energia da nação.
No Oriental Institute Museum, de Chicago, existe uma reprodução em tamanho natural do
grande pilar das leis do antigo rei da Babilónia Hamurabi (1728-1686 a.C). O pilar, na verdade, tem a
forma de um gigantesco dedo indicador apontando para o alto, dizendo "Ouçam! É assim! Assim é que
as coisas vão

ser!" E no lugar da unha nesse dedo gigante está a figura de Hamurabi postado em contemplação,
cofiando a longa barba, ouvindo o grande Pai, o deus Shamash — o sol, o rei dos deuses — , o
símbolo supremo da
luz da consciência masculina. Shamash está dando a Hamurabi as leis inscritas embaixo e em toda a
volta do dedo. O próprio dedo é o que os antigos chamavam, ao se referirem à vontade de Deus, de o
"dedo de Deus". A figura de Hamurabi recebendo as leis expressa o incidente primordial ou arquetípico
— sempre repetido — da energia do Rei dando ao seu servo humano, o rei mortal, a chave para a paz,
a tranqüilidade e a ordem. Esse mesmo acontecimento intemporal está retratado na história bíblica de
Moisés recebendo a Tora de Jeová na montanha primordial, o Sinai.
Essa ordem misteriosa, expressa no reinado e até nos palácios e templos (com freqüência
construídos como representações do cosmo em miniatura) e nas leis humanas e em toda a ordem
social dos homens — costumes, tradições e tabus expressos ou não —, é a manifestação dos
pensamentos ordenadores do Deus Criador. Na mitologia do antigo Egito, isso era alternadamente
considerado o deus

Ptah ou a deusa Maat, a "Ordem Justa". Vemos essa idéia levada avante no pensamento primitivo dos
hebreus, na figura da Sabedoria no livro bíblico dos provérbios, e até na idéia grega e mais tarde cristã
de
Jesus como o Logos, na Palavra ordenadora, geradora e criativa de que fala o Evangelho segundo S
João. No hinduísmo, essa "ordem justa" arquetípica chama-se Dharma. Na China, chama-se Tao, o
"Caminho".
É dever do rei mortal, não só receber e levar ao seu povo essa ordem do universo e moldá-la
numa forma social, mas, até mais fundamentalmente, encarná- la em sua própria pessoa, vivê-la em
sua própria vida. A primeira responsabilidade do rei mortal é viver de acordo com Maat, o Dharma ou o
Tao. Se ele o fizer, diz a mitologia, tudo no reino — isto é, a criação, o mundo — também seguirá de
acordo com a
Ordem Justa. O reino florescerá. Se o rei não viver de acordo com o Tao, nada dará certo para o seu
povo, nem para o reino como um todo. Este se enfraquecerá; o Centro, que o rei representa não se
manterá; e o reino estará pronto para uma rebelião.
Quando isso aconteceu no Médio Império da história do antigo Egito, encontr amos o profeta
Nefer- rohu descrevendo as desastrosas conseqüências sociais e econômicas resultantes do governo
de reis ilegítimos, reis que não viviam segundo Maat. (Lembramo-nos da praga que se abateu sobre
Tebas no reinado ímpio do Édipo.) Nefer-rohu escreve:

[outra forma do Deus Criador] deve começar a criação [da terra novamente]. A terra pereceu por

completo. [...] O disco solar está encoberto, [...] Não brilha. [...] Os rios do Egito estão vazios.
[...] Arruinadas estão as boas coisas, reservatórios de peixes, [onde estavam] aqueles que
limpam os
peixes, repletos de peixes e aves. Tudo que era bom desapareceu. [...] Os inimigos vieram do
leste, e os asiáticos desceram para o Egito. [...] As feras selvagens do deserto beberão das
águas dos rios do Egito. [...] Essa terra está tumultuada. [...] Os homens pegarão as armas de
guerra, [para que] a terra viva em confusão. Os homens farão setas de metal implorarão por
sangue, e rirão o riso da náusea. [...] O coração do homem busca a si mesmo [sozinho]. [...]
O homem senta-se no seu canto, [dando as cosias enquanto um mata o outro. Eu lhe mostro
um filho como inimigo, um irmão como inimigo, e um homem matando o seu [próprio] pai.

Em seguida Nefer-roh u profetiza que surgirá um novo rei, o qual encarnará os princípios da
Ordem Justa. Esse rei vai restaurar o Egito e retificar o cosmo:

[Então] virá um rei, do Sul, Ameni, o triunfante, é o seu nome. É filho de uma mulher da terra da
Núbia; nasceu no Alto Egito. Tomará a Coroa [Branca]; usará a Coroa Vermelha; unirá as Duas
Poderosas; satisfará os Dois Senhores naquilo que desejam. O que rodeia os campos [estará]
nas suas mãos [... ]. Alegrai- vos, povo desta era! O fi lho do homem será conheci do para
sempre. Os que se inclinam para o mal e planejam a rebelião baixaram a voz por temor a ele.
Os asiáticos cairão sob a sua espada, e os líbios sob o seu fogo. [...] Será construída a Muralha
do Governant e da vida, da prosperidade e da saúde! — e não se permitirá que os asiáticos
desça m ao Egito. [...] E a justiça ocupará o seu lugar, enquanto a maldade será rejeitada.
Alegr ai-vos, os que puderem ver [isso]!

Da mesma forma, os imperadores chineses governavam pelo "Mandato dos Céus". "Céus" aqui

significa, novamente, "ordem justa". E quando não viviam de acordo com a vontade celeste, havia uma
rebelião e se estabelecia uma nova dinastia. "O rei morreu; viva o rei!"
Primeiro, o rei mortal, movido pela energia masculina amadurecida do Rei, vivenciava a ordem
na sua própria vida; só depois ele a impunha. E fazia isso tanto no seu reino como nos arredores
deste, no ponto de contato entre a criação e o caos exterior. Aqui vemos o Rei como Guerreiro,
estendendo e defendendo a ordem contra os "asiáticos" e os "líbios".
O rei mortal fazia isso historicamente como o servo e a encarnação terrena do arquétipo do
Rei, que mantinha a ordem no mundo espiritual, ou no profundo e intemporal mundo do
inconsciente. Aqui
vemos as histórias do deus babilônio Marduque lutando contra as forças do caos sob a forma do
dragão Tiamat, derrotando o seu exército de demônios, matando-o e criando a partir do seu corpo o
mundo ordenado. Ou vemos o cananeu Baal matando os monstros gêmeos do Caos e da Morte,
Yamm e Mot. Encontramos também essa função da energia do Rei na Bíblia, nos chamados salmos
da entroniza ção, em que Javé (o Deus hebreu Jeová ) vence o dragão Beemot, ou Teom, e em
seguida sobe ao trono para ordenar e criar o mundo.
Numa observação mais imediata, vemos nas modernas famílias disfuncionais que, se o pai é
imaturo, fraco e ausente, e a energia do Rei não está suficientemente presente, muitas vezes a família
fica entregue à desordem e ao caos.

Junto com essa função ordenadora, o segundo bem vital proveniente da energia do Rei é a
fertilidade e a bênção. Os povos antigos sempre associaram a fertilidade — nos seres humanos,
nas
colheitas, nos rebanhos e na natureza em geral — a uma ordenação criativa das coisas pelos deuses.
Parece que, nos tempos pré-patriarcais, a terra como Mãe era vista como a principal fonte de
fertilidade. Mas, com a ascensão das culturas patriarcais, a ênfase passou do feminino como fonte de
fertilidade para o masculino. Não foi uma mudança simples, e a ênfase nunca mudou totalmente. Os
mitos antigos, fiéis à biologia, reconheciam que a união do macho com a fêmea é que era realmente
geradora, pelo menos no plano físico. No plano cultural, porém, na criação da civilização e da
tecnologia, e no domínio do mundo natural, as energias geradoras masculinas destacaram-se mais.
O rei sagrado na antiguidade tornou-se para muitos povos a expressão básica da energia vital
do cosmo, a libido. O nosso Deus judeu, cristão e mulçumano jamais é visto, hoje, numa parceria
criativa com uma Deusa. Ele é visto como um ser do sexo masculino, e a única fonte de criatividade e
de capacidade

geradora. É a única fonte de fertilidade e bênção. Muitas de nossas crenças modernas se srcinam
daquilo em que os antigos patriarcas acreditavam.
A função do rei sagrado de proporcionar a fertilidade e a bênção aparece em vários mitos e nas
histórias dos grandes reis. No mundo espiritual, vemos os grandes deuses Pai envolvidos
prolificamente em relações sexuais com deusas, divindades menores e mulheres mortais. O egípcio
Amun-Ra tinha o seu harém no céu, e as proezas de Zeus são bem conhecidas.
Mas não eram apenas os atos sexuais geradores de crianças divinas e humanas que revelavam
a capacidade fertilizadora da energia do Rei. Essa capacidade de gerar era também o resultado da sua
própria ordenação criativa. O cananeu Baal, por exemplo, depois de derrotar o dragão do mar caótico,
e porque amava a terra, organizou as águas caóticas em chuvas, rios e lagos. Esse ato ordenador
possibilitou o nascimento das plantas, e depois o dos animais. E isso favoreceu os homens, seus
principais beneficiários, com a agricultura e a criação de animais.

No "Hino a Aton" (o Sol) egípcio, foi Aton quem organizou o mundo para que ele pudesse
prosperar e ser fértil. Ele colocou o Nilo no Egito, para que os pássaros pudessem alçar vôo de seus
ninhos no
canavial, cantando alegremente pela vida que Aton lhes dera, para que os rebanhos pudessem
crescer e os bezerros pudessem agitar suas caudas felizes e satisfeitos. Aton colocou um "Nilo no
céu" para os outros povos, de modo que eles também pudessem experimentar a abundância da vida.
E Aton organizou o mundo de tal forma que todas as raças e todas as línguas pudessem ter a bênção
da vida e da fecundidade, cada uma a seu modo, segundo o desígnio de Aton.
Da mesma forma como se conduzia o rei, comportava-se o reino, na sua ordem e fertilidade. Se
o rei era saudável, sexualmente vigoroso, capaz de atender as suas quase sempre inúmeras esposas
e concubinas e ter muitos filhos, a terra ficava cheia de vida. Se ele continuava saudável e forte
fisicamente, e com a mente alerta, as plantações cresciam; o gado se reproduzia; os mercadores
prosperavam; e o povo tinha muitos filhos. Vinham as chuvas e, no Egito, as enchentes fertilizadoras
anuais do Nilo.
Na Bíblia, vemos a mesma idéia expressa nas histórias dos reis e patriarcas hebreus. Duas
coisas Javé exigiu deles: primeiro, que seguissem os seus caminhos, o equivalente hebreu de estar
no Tao; segundo, que eles "fossem férteis e se multiplicassem", que tivessem muitas esposas e
muitos filhos. Vemos nas histórias de Abraão, Isaac e Jacó que, se uma esposa era incapaz de lhes
dar filhos, ela

arranjava uma outra esposa ou concubina para o marido, de modo que ele pudesse continuar a sua
função de fertilidade.
Vemos o rei Davi tomando várias mulheres do seu reino e tendo filhos com elas. A idéia é que,
se esses homens prosperavam física e psicologicamente, o mesmo acontecia com suas tribos e
reinos. O rei mortal, assim diz a mitologia, era a corporificação da energia do Rei. A terra, o seu reino,
era a corporificação das energias femininas. Ele era, na verdade, casado simbolicamente com a terra.
Sempre a ação ordenadora/gera dora culminante do rei era casar-se com a terra na forma
de sua primeira rainha. Somente em parceria criativa com ela poderia ele garantir toda a espécie de
fartura para o seu reino. Era dever do casal real passar as suas energias criativas para o reino sob a
forma de filhos. O reino espelhava a capacidade geradora real, que, vamos lembrar, estava no
Centro. Como estava o Centro, estava o resto da criação.
Quando o rei adoecia, ficava fraco ou impotente, o reino definhava. Não chovia. As safras

diminuíam. O gado não se reproduzia. Os mercadores não vendiam. A seca assolava a terra, e o povo
morria. Portanto, o rei era a ligação terrena do Mundo Divino — o mundo da energia do Rei — com
este
mundo. Era o mediador entre o mortal e o divino, como Harnurabi postado diante de Shamash. Era a
artéria central, digamos, que permitia que o sangue da força vital fluísse para dentro do mundo
humano. Como ele estava no Centro, de certo modo tudo no reino (devendo-lhe a existência) lhe
pertencia — todas as safras, todos os rebanhos, todas as pessoas, todas as mulheres.
Teoricamente, porém. O rei mortal Davi se viu em dificuldades com a linda Betsaba. Mas isso nos
leva à análise do Rei da
Sombra, de que vamos tratar daqui a pouco.
Não era só a fertilidade, no sentido físico imediato, nem a capacidade geradora e criativa em
geral, que provinha da segunda função da energia do Rei através da eficácia de antigos reis; era
também a bênção. A bênção é um fato psicológico, ou espiritual. O rei bom sempre era o espelho e a
confirmação de quem era merecedor. Fazia isso vendo-os — literalmente, nas audiências no palácio;
e, psicologicamente,

notando e reconhecendo o valor deles. O rei bom sentia prazer em notar e promover os homens bons
a posições de responsabilidade. Realizava audiências, não para ser visto (embora isso fosse
importante, na
medida em que carregava projetada em si a energia interior do arquétipo do próprio povo), mas para
ver, admirar e encantar seus súditos, premiá-los e prestar-lhes homenagens.
Existe uma pintura egípcia antiga muito bonita que mostra o faraó Aquenaton de pé no seu
balcão real, esplendidamente envolto nos raios de seu deus Pai, Aton, o sol, lançando anéis de
ouro aos seus melhores seguidores, aos seus homens mais competentes e leais. À luz da
consciência solar masculina, ele conhece seus homens. Reconhece-os e é generoso com eles. Dá-
lhes a sua bênção. Ser abençoado
nos traz enormes conseqüências psicológicas. Existem até estudos que mostram que acontecem
realmente alterações químicas no nosso corpo quando nos sentimos valorizados, elogiados e
abençoados.
Os jovens, hoje em dia, estão carentes das bênçãos dos homens mais velhos, das bênçãos da
energia do Rei. Por isso é que eles não conseguem, como dizemos, "encontrar-se". Não precisariam
fazer isso. Precisam é ser abençoados. Necessitam ser vistos pelo Rei, porque, se o forem, alguma
coisa dentro deles vai fazê-los encontrar-se. Esse é o efeito da bênção; ela cura e integra. É o que
acontece quando somos vistos, valorizados e concretamente recompensados (com o ouro, talvez,
caindo das mãos do faraó) por nossos autênticos talentos e capacidades.
Sem dúvida, muitos reis antigos, como muitos homens em posições de "realeza" hoje em dia,

estavam longe da imagem ideal do Rei bom. Mas esse arquétipo central vive independentemente de
qualquer um de nós e busca, por nosso intermédio, entrar em nossas vidas para consolidar, criar e
abençoar.
Quais são as características do Rei bom? Com base nos antigos mitos e lendas, quais são as
qualidades dessa energia masculina amadurecida?
O arquétipo do Rei na sua plenitude possui as características da ordem, do modelo sensato e
racional, da integração e integridade na psique masculina. Estabiliza a emoção caótica e os
"comportamentos descontrolados”. Estabiliza e centraliza. Traz a calma. E na sua característica
"fertilizadora" e centrada, transmite vitalidade, energia vital e alegria. Apóia e equilibra. Defende o
nosso próprio sentido de ordem interior, a nossa própria integridade e os nossos propósitos, a nossa
própria tranqüilidade central quanto ao que somos, e a incontestabilidade e certeza essenciais da
nossa identidade masculina. Observa o mundo com olhar firme, porém bondoso. Vê os outros em toda
a sua

fraqueza, em todo o seu talento e valor. Homenageia-os e promove-os. Cuida deles e os orienta em
direção à plenitude do ser. Não é invejoso, porque está seguro, como o Rei, do seu próprio valor.
Recompensa e incentiva a criatividade em nós e nos outros.
Na sua incorporação e manifestação central do Guerreiro, ele representa o poder agressivo
quando necessário, quando a ordem é ameaçada. Ele tem também o poder da autoridade interior.
Conhece e discerne (o seu aspecto Mago), e se comporta segundo esse conhecimento profundo.
Regozija-se conosco e com os outros (o aspecto Amante) e mostra esse prazer em palavras
autênticas de louvor e em ações concretas que realçam nossas vidas.
É essa a energia que se manifesta através de um homem quando ele dá os passos psicológicos
e financeiros necessários para garantir que sua mulher e seus filhos vivam melhor. É essa energia que
incentiva a sua mulher quando ela resolve voltar a estudar e ser advogada. E que se manifesta num
pai quando ele deixa o seu trabalho por algumas horas para assistir ao recital de piano do filho. É essa
energia

que, através do chefe, enfrenta a rebeldia dos seus subordinados sem despedi-los. E que se manifesta
no chefe da linha de montagem que é capaz de trabalhar com os alcoólatras e viciados em drogas que
estão
se recuperando, no seu encargo de apoiar a sobriedade deles e lhes dar a orientação masculina e o
cuidado que os fortalecerão.
É essa a energia que se manifesta em você quando você consegue manter a calma quando
todo mundo na reunião já a perdeu. É a voz da tranqüilidade e da confiança, da palavra encorajadora
numa época de caos e conflitos. É a decisão clara, depois de cuidadosa deliberação, que acaba com a
desordem na família, no trabalho, na nação, no mundo. É a energia que busca a paz e a estabilidade,
o crescimento
ordenado e o cuidado para todas as pessoas — e não somente para todas as pessoas, mas para o
meio ambiente, a natureza. O Rei se preocupa com todo o reino e é quem cuida da natureza assim
como da sociedade.
É essa energia, revelada nos mitos antigos, do "pastor do seu povo", do "jardineiro", do
administrador das plantas e dos animais do reino. É essa voz que afirma com clareza, calma e
autoridade, os direitos humanos de todos. É essa energia que minimiza os castigos e maximiza os
louvores. É essa voz que vem do Centro, da Montanha Original dentro de cada homem.

O Rei da Sombra: O Tirano e o Covarde

Embora quase todos nós tenhamos vivenciado um pouco dessa energia do masculino amadurecido
– talvez em nós mesmos quando nos sentimos bem integrados, calmos e centrados, e eventualmente em
nosso pai, num tio ou avô bondoso, num colega de trabalho, num chefe, professor ou pastor – a
maioria tem que confessar que em geral experimentou muito pouco da energia do Rei na sua
plenitude. Talvez a tenhamos sentido um pouco aqui, outro pouco ali, mas o triste fato é que essa
energia positiva, desastrosamente, está faltando na vida da maioria dos homens. O que vivenciamos,
principalmente, é o que chamamos de Rei da Sombra.
Como acontece com todos os arquétipos, o Rei apresenta uma estrutura da sombra bipolar
passiva- ativa. Chamamos de Covarde o pólo passivo do Rei da Sombra, e de Tirano o pólo ativo.
Podemos ver o Tirano atuando na história cristã do nascimento de Jesus. Logo após o menino
Jesus nascer, o Rei Herodes descobre que o bebê nasceu e que está no mundo, no mundo que ele, o
rei, controla. Manda os soldados até Belém procurar o novo rei – a nova vida – e matá-lo. Como
Jesus é uma

Criança Divina, ele foge a tempo. Mas os soldados de Herodes matam todas as crianças do sexo
masculino na cidade. Sempre que o novo nasce dentro de nós, o nosso Herodes interno (e o de nossa
vida exterior)
ataca. O Tirano odeia, teme e inveja a nova vida, porque esta, ele sente, é uma ameaça ao pouco
controle que tem do seu próprio reinado. O rei tirano não está no Centro e não se sente tranqüilo e
produtivo. Não é criativo, apenas destrói. Se estivesse seguro da sua própria capacidade geradora e
da sua ordem pessoal interior – as estruturas do Si-mesmo –, reagiria com prazer ao nascimento de
uma nova vida no seu reino. Se Herodes fosse um homem assim, teria percebido que chegara a hora
de se afastar para que o arquétipo pudesse encarnar no novo rei Jesus Cristo.
Outra história bíblica, a de Saul, trata de um tema semelhante. Saul é um outro rei mortal que
se tornou possuído pelo Tirano. A sua reação ao recém-ungido Davi é a mesma de Herodes a
Jesus. Reage
com medo e raiva, e procura matá-lo. Embora o profeta Samuel lhe tenha dito que Javé não quer mais
que ele seja rei – isto é, que encarne a energia do Rei para seus súditos –, o Ego de Saul tornou-se
identificado com o

arquétipo e se recusa a abandonar o trono. Os tiranos são aqueles que, em posições de realeza (em
casa, no trabalho, na Casa Branca, no Kremlim), se identificaram com a energia doRei e não percebem que
nãoo são.
Outro exemplo, da Antiguidade, é o doimperador romano Calígula. Ainda que os imperadores antes
dele tivessem um poder enorme sobre as pessoas e o Senado de Roma e, pela sua função, sobre todo o
mundo mediterrâneo, e se tornassem deuses depois de mortos, Calígula inovou ao se declarar deus ainda
na terra. Os detalhes da sua loucura, e dos maus tratos e sadismo que exercia em relação às pessoas
que o cercavam, são fascinantes. A obra de Robert Graves,Eu, Claudius,e o seriado feito para a televisão
com base nesse livro, é um arrepiante relato do desenvolvimento do Rei da Sombra comoTirano na pessoa
de Calígula.
O Tirano explora e maltrata os outros. É cruel, impiedoso e insensível quando está atrás do que
considera seu interesse pessoal. A sua forma de degradar os outros não tem limites. Ele odeia toda
beleza, toda inocência, toda força, todo talento, toda energia vital. Age assim, como dissemos, porque
lhe falta estrutura interior e porque tem medo – terror, realmente – da sua própria fraqueza oculta e da
sua impotência latente.
É o Rei da Sombra, como Tirano, que faz o pai entrar em guerra contra a alegria, a força, a
capacidade e vitalidade de seus filhos (e de suas filhas). Ele teme a juventude deles, a nova maneira
de ser, a vida nova que surge através deles, e quer matar tudo isso. Faz isso nos ataques verbais e na
desvalorização dos seus interesses, esperanças e talentos; ou então ignorando suas conquistas,
dando as

costas aos seus desapontamen tos e demonstrando enfado e falta de interesse quando, por
exemplo, eles chegam da escola e lhe mostram uma peça de artesanato ou uma boa nota num
teste.
Seus ataques podem não se limitar a agressões verbais ou psicológicas; às vezes
abrangem os maus-tratos físicos. As palmadas se transformam em surras. E acontecem também
as agressões sexuais. O pai possuído pelo Tirano pode explorar sexualmente a fraqueza e
vulnerabilidade de suas filhas e até de seus filhos.
Uma jovem veio aconselhar-s e porque estava tendo muitos problemas no seu casamento. O
que ela descreveu, logo que começou a terapia, foi uma invasão do seu lar pelo Rei Tirano, no seu
aspecto sexualmente maligno. Aos doze anos de idade, mais ou menos, o pai abandonou-a com a
mãe e a irmã,
e foi viver com outra mulher. O marido dessa mulher foi então morar com elas. Ele não gostou da
nova "esposa" e botou logo os olhos na beleza e vulnerabilidade da enteada. Começou exigindo que
ela dormisse com ele, no início apenas deitando-se ao seu lado na cama à noite. Depois passou a
exigir

que ela o masturbass e, e ele ejaculava nuns panos que deixava ao lado da cama. Finalmente,
obrigo u- a a ter relações sexuais com ele, sob a ameaça de que se ela não concordasse ele as
deixaria e elas
não teriam a quem recorrer para obter o seu sustento. A mãe da jovem nunca fez um gesto para
impedir esse terrível abuso, e de manhã, tratava de limpar debaixo do colchão, onde na noite anterior
haviam sido enfiados os panos sujos.
Na histór ia do rei Davi e Betsabá, esta era esposa de outro homem, Urias, o hitita. Um dia,
Davi caminhava pelo telhado do seu palácio quando viu Betsabá tomando banho, Ficou tão excitado
com a visão que mandou chamá-la e a obrigou a ter relações sexuais com ele. Teoricamente,
lembrem-se, todas as mulheres do reino pertenciam ao rei. Mas elas pertenciam ao arquétipo do Rei,
não ao rei mortal.
Inconscientemente, Davi identificou-se com a energia e não só tomou Betsabã como mandou matar o
marido desta, Urias. Felizmente para o reino, Davi tinha uma consciência na pessoa de Natan, o
profeta, que se dirigiu a ele e o acusou. Davi, crédito lhe seja dado, aceitou a veracidade da acusação
e se

arrependeu.
O Rei Tirano manifesta-se em todos nós uma vez ou outra, quando nos sentimos pressionados
até o limite, quando estamos exaustos, quando estamos ficando inflados. Mas podemos vê-lo agindo a
maior parte do tempo em certas configurações da personalidade, mais notadamente nos chamados
distúrbios narcísicos. Essas pessoas realmente acham que são o centro do universo (embora elas
mesmas não estejam centradas) e que os outros existem para servi-las. Em vez de espelhar os
outros, elas querem que os outros as espelhem. Em vez de ver, querem ser vistas.
Podemos também observar o Rei Tirano agindo em certas formas de vida, até em certas
"profissões". Os grandes traficantes de drogas, os cafetões, os chefões da máfia são exemplos; eles
existem para promover o seu próprio status, pensam no próprio bem-estar pessoal, à custa dos outros.
Mas também, vemos esse interesse pessoal em funções sancionadas pela sociedade. Quem faz as
entrevistas numa firma deveria estabelece r um diálogo com você procurando saber a sua experiência,
treinamento, o que espera de si mesmo e da companhia a que está pretendendo servir. Em vez disso,
ele passa o tempo todo falando dele mesmo e das realizações dele, do poder dele, do salário dele, e
das virtudes da companhia dele, e nunca faz perguntas sobre você.
Muita gente nos Estados Unidos empresarial hoje em dia não está absolutamente interessada nas

companhias onde trabalha. Está apenas "girando o moinho", procurando um jeito de subir ou cair fora.
Entre essas pessoas encontram-se os executivos que estão mais interessados em promover a própria
carreira do
que em ser bons administradores do "reino" colocado sob a sua autoridade. Não são verdadeiramente
dedicados nem leais à companhia, só a si mesmos. É o presidente que negocia, em seu próprio
benefício financeiro, a venda da empresa, para vê-la desmembrada e impotente, que quer ver seus
amigos e leais funcionários despedidos como excesso de bagagem, na venda do controle acionário,
tão comum hoje.
O homem possuído pelo Tirano é muito sensível às críticas e, mesmo armando-se de uma
aparência ameaçadora, diante da menor observação sente-se fraco e esvaziado. Mas não demonstra.
O que se vê, a não ser que se saiba o que procurar, é raiva. Sob essa raiva, porém, existe um
sentimento de insignificância, de vulnerabilidade e fragilidade, pois atrás do Tirano está o outro pólo do
sistema bipolar da sombra do Rei, o Covarde. Se não pode ser identificado com a energia do Rei, ele
acha que não é nada.
A presença oculta desse pólo passivo explica a ânsia pelo espelhamento — pelo "Adorem-me!",

"Vejam como sou importante!" — que sentimos em tantos chefes e amigos. Ela explica as explosões
iradas e os ataques às pessoas que eles consideram fracas, isto é, aquelas em que projetam o seu
próprio
Covarde interior. O general Patton, com todas as suas virtudes, evidentemente no fundo tinha medo
da sua própria fraqueza e covardia. No filme Patton, isso se revela quando ele está visitando um
hospital de campanha durante a Segunda Guerra Mundial. Ele vai de leito em leito, cumprimentando
os feridos e distribuindo medalhas (o que o Rei na sua plenitude faz). Mas aí ele chega perto da cama
de um neurótico de guerra, pergunta- lhe qual o seu problema, e o soldado responde que seus nervos
estão em frangalhos. Em vez de reagir com a compaixão do Rei vivificador, que sabe o que seus
homens estão passando, Patton parte para cima do outro, irado, esbofeteia-lhe o rosto, chama-o de
covarde, humilha-o, ofende-lhe e manda-o de volta à frente de batalha. Embora ele não saiba, o que
viu foi o rosto do seu próprio medo e fraqueza ocultos projetados no outro. Teve a visão do Covarde
interior.
Falta ao homem possuído pelo Covarde a centralização, a calma e a segurança interior, o que

também o leva à paranóia. Observamos isso em Herodes, Saul e Calígula, quando, incapazes de
dormir à noite, andam pelo palácio, atormentados pelo medo da deslealdade de seus súditos — no
caso de Saul, até
de seus filhos — e da desaprovação de Deus, o Verdadeiro Rei. O homem possuído pelo Rei da
Sombra bipolar tem muito a temer, de fato, porque o seu comportamento opressivo, muitas vezes
cruel, pede que lhe paguem na mesma moeda. Achamos graça da expressão "Só porque é paranóico
não significa que eles não estejam atrás de você". Talvez estejam. Uma atitude paranóica defensiva e
hostil, de "pegue-os antes que eles peguem você" acaba com o senso pessoal de ordem e
tranqüilidade, vai destruindo o caráter da pessoa e dos outros, e convida à retaliação.
Um pastor começou a fazer análise logo depois de uma crise na sua igreja. Havia se formado
um grupo de dissidentes imprestáveis, um bando de delinqüentes espirituais e psicológicos, que por
seus próprios motivos invejosos estavam dispostos a destruir o seu pastor. O líder era um homem que
ouvira claramente Deus falando com ele uma noite e que sonhou que o pastor estava planejand o
matá-lo por trabalhar contra ele. Paranóia pega. A do instigador desse "golpe palaciano" importunou
tanto o pastor dia e noite com telefonemas, cartas de ódio com ameaças diretas, explosões iradas no
meio dos sermões e discursos nas reuniões da igreja enumerando os seus supostos fracassos, que o
pastor, não consolidado no seu relacionamento com a energia do Rei, pouco a pouco foi caindo em
poder do Tirano/Covarde. Foi ficando cada vez mais tirânico e ditatorial com a política da igreja,
arrogando-se mais e mais poder, e

começou a usar táticas escusas contra seus "inimigos” para afastá-los da igreja. Ao mesmo tempo, era
perturbado por pesadelos horríveis, que, noite após noite, revelavam-lhe os seus próprios medos e
fraquezas subjacentes. A paranóia mútua deu o seu fruto nocivo, e tanto o pastor como a
congregação acabaram num mundo de confusões e subterfúgios, totalmente afastado dos valores
espirituais que tinha querido ensinar com tanto amor — outra vitória do Rei da Sombra.
É fácil ver a relação do Tirano com o Tirano da Cadeirinha Alta, surgindo desse modelo infantil.
A grandiosidade da Criança Divina é, de certo modo, normal. É próprio dela, como do Menino Jesus,
querer e precisar ser adorado, até pelos reis. O que os pais precisam fazer, e isso é muito difícil, é
proporcionar à Criança Divina de seus próprios filhos a quantidade certa de adoração e afirmação, de
modo a deixarem seus filhos humanos descerem da "cadeirinha" facilmente, entrando aos poucos no
mundo real, onde os deuses não podem viver como seres humanos mortais. Os pais precisam ajudar
seus bebês humanos a aprender gradativamente a não se identificar com a Criança Divina. O
menino pode resistir a ser

destronado, mas os pais devem perseverar, elogiando-o e "baixando-lhe a crista" alternadamente.


Se eles o adoram demais e não ajudam o Ego do menino a se formar fora do arquétipo, talvez ele
jamais desça da sua cadeirinha. Inflado com o poder do Tirano da Cadeirinha Alta, ele simplesmente
entra na idade adulta achando que é "César". Se desafiamos alguém assim e lhe dizemos: "Meu Deus,
você acha que é o dono do mundo!", é bem provável que ele responda: "É? E daí?" Essa é uma das
maneiras como se forma o Rei da Sombra nos homens. A outra maneira é quando os pais maltratam o
menino e atacam a sua grandiosidade e glória desde o início. A grandiosidade da Criança
Divina/Tirano da Cadeirinha Alta sofre uma cisão e cai em custódia no inconsciente do menino. Este,
conseqüentemente, cai em poder do Príncipe Covarde. Mais tarde, quando ele é "adulto" e agindo
principalmente sob o domínio do Covarde, sob as enormes pressões do mundo adulto, a sua
grandiosidade reprimida pode irromper à superfície, em estado totalmente bruto e primitivo, totalmente
não regulado e muito forte. Esse é homem que parece ter a cabeça fria, ser racional e "simpático",
porém uma vez promovido torna-se de uma hora

para a outra "uma pessoa diferente", um pequeno Hitler. É o homem para quem a frase "O poder
corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente" é exata.

O Acesso ao Rei
A primeira tarefa para os supostos "reis" humanos terem acesso à energia do Rei é a
desidentificação de nossos Egos em relação a ela. Precisamos alcançar o que os psicólogos chamam
de distância cognitiva do Rei tanto na sua plenitude integrada como nas suas formas partidas bipolares
da sombra. Ao contrário da inflação e da grandiosidade, a grandeza realista na vida adulta implica
reconhecer
o nosso relacionamento adequado com essa e outras energias masculinas amadurecidas. Esse
relacionamento é como o do planeta com a sua estrela. Ele não é o centro do sistema estelar; ela,
sim. A função do planeta é manter uma distância orbital adequada da estrela vivificante, mas
potencialmente mortífera, de forma a intensificar a sua própria vida e bem-estar. A vida do planeta
deriva da estrela, por isso ele a tem como um objeto transpessoal de "adoração". Ou, para usar uma
outra imagem, o Ego do homem maduro precisa pensar em si mesmo — não importa o status
ou poder que tenha alcançado temporariamente — como o servo de uma Vontade ou Causa
transpessoal. Precisa pensar em si mesmo como o atendente das energias do Rei, não em benefício
próprio, mas em benefício dos elementos interiores do seu "reino", sejam eles quais forem.

Há duas maneiras de se ver as diferenças entre os pólos "ativo" e "passivo" no sistema bipolar
das sombras dos arquétipos. Como vimos, uma forma é considerar as estruturas arquetípicas como
triangulares
ou trinas. A outra é falar sobre a identificação ou desidentificação do Ego do arquétipo na sua
plenitude. No caso da identificação, a conseqüência é o Ego inflado, acompanhado pela fixação em
níveis infantis do desenvolvimento. No caso da extrema desidentificação, o Ego se sente privado do
acesso ao arquétipo. Está, na verdade, preso no pólo passivo da Sombra disfuncional do Rei. O Ego
se sente faminto da energia do Rei. Esse sentimento de privação e falta de "propriedade" das fontes e
dos estímulos poder são sempre característicos dos pólos passivos dos arquétipos.
O Rei da Sombra, como Tirano, surgindo, segundo essa perspectiva, quando o Ego está
identificado com a energia do Rei, não tem compromissos transpessoais. Ele é a sua própria
prioridade. Porque o Ego de um homem não foi capaz de manter-se na sua órbita adequada, caiu no
sol do arquétipo, ou se aproximou tanto que liberou – como vemos nos sistemas de estrelas duplas –
enormes

quantidades de gases em ignição e ficou carbonizado. Toda a psique se desestabiliza. O planeta finge
ser uma estrela. O verdadeiro Centro do sistema se perde. Isso é o que estamos chamando de
"síndrome de usurpação". O Ego usurpa o lugar e o poder do Rei. É a rebelião mitológica
celeste, descrita em tantos mitos, quando um deus presunçoso tenta roubar o trono do Deus
Supremo. (Lembramo-nos do mito de Satanás tentando derrubar Deus.)
O outro problema no acesso a essa energia, achamos nós, surge quando perdemos totalmente
o contato efetivo com o Rei vivificante (por engano, como se fica sabendo). Nesse caso, podemos cair
na categoria dos chamados distúrbios de personalidade dependente, um estado em que projetamos a
energia do Rei interior (que não sentimos dentro de nós) em outra pessoa. Sentimo-nos impoten tes,
incapazes de agir, incapazes de experimentar tranqüilidade e estabilidade, sem a presença e a
atenção amorosa da outra pessoa que está carregando a nossa projeção da energia do Rei. Isso
acontece nos sistemas familiares quando os maridos ficam muito atentos aos humores das esposas e
temem tomar a iniciativa, por causa

dos ataques irados que suas atitudes podem provocar. Acontece, também, com as crianças, quando
os pais não permitem que elas desenvolvam suficiente independência de vontade, gosto e propósitos,
e elas
permanecem debaixo das asas deles.
Nas nossas situações de trabalho, isso se dá quando nos tornamos muito dependentes do
poder e dos caprichos do chefe, ou quando sentimos que não ousamos dar um espirro perto dos
nossos colegas de trabalho. Acontece também na escala mais ampla das nações, quando o povo,
considerando-se camponês, inverte toda a sua energia do Rei interior para o "Führer". Essa "síndrome
da abdicação", marca registrada do Covarde, é tão desastrosa quanto a síndrome de usurpação.
Um exemplo das conseqüências nefastas da síndrome da abdicação em grande escala é o
incidente ocorrido na planície de Otumba, perto do que hoje é a Cidade do México, durante a
conquista de Cortez.
Ele e seus homens haviam fugido de Tenochtitlán (cidade do México) no meio da noite, seis dias
antes, sob o ataque maciço do exército mexicano. Ao amanhecer do sétimo dia, que sobrou do
exército exausto e amedrontado de Cortez viu na planície de Otumba o enorme número de guerreiros
mexicanos vindo ao encontro deles. O destino dos espanhóis parecia certo. Mas, durante a batalha
que se seguiu, Cortez localizou a bandeira do comandante mexicano. Desesperado, sabendo que as
vidas deles dependiam disso, Cortez investiu, deixando atrás de si um rastro de cadáveres de
soldados inimigos. Quando afinal alcançou o comandante mexicano, matou-o de um só golpe.
Imediatamente, para espanto dos espanhóis,

os mexicanos entraram em pânico e fugiram.


Os espanhóis saíram atrás deles e mataram muitos. O que aconteceu, que virou a maré do combate
de forma tão milagrosa, foi que os guerreiros mexicanos viram seu comandante morrer.Tinham
investido esse homem com o poder concentrado da energia do Rei, e quando ele morreu, acreditaram
que a energia arquetípica os havia abandonado. O sentimento latente de falta de poder veio à tona
com a morte de seu líder, e eles cederam à impotência e ao caos. Se os guerreiros mexicanos
tivessem percebido que a energia do Rei estava dentro deles, o México talvez jamais tivesse sido
conquistado.
Quando perdemos o contato com o nosso Rei interior e conferimos o poder sobre nossas vidas
a outras pessoas, podemos estar cortejando a catástrofe numa escala maior do que a pessoal.
Aqueles que coroamos como nossos reis podem levar-nos a batalhas perdidas, a maus-tratos das
nossas famílias, ao assassinato em massa, aos horrores de uma Alemanha nazista, ou de uma
Jonestown. Ou então podem simplesmente abandonar-nos com as nossas próprias fraquezas ocultas.

Mas, quando temos acesso corretamente à energia do Rei, como servos do nosso Rei interior
pessoal, manifestamos em nossas próprias vidas as qualidades do Rei bom e justo, o Rei em sua
plenitude.
Nossos soldados mercenários se ajoelham, como devem fazer, diante do imperador chinês interior.
Sentimos o nível de ansiedade baixar. Sentimo-nos centrados e calmos, e ouvímo-nos falar com uma
autoridade que vem de dentro. Somos capazes de espelhar e abençoar a nós mesmos e aos outros.
Conseguimos preocupar-nos com as outras pessoas profunda e autenticamente. "Reconhecemos" os
outros; olhamos para eles como as pessoas inteiras que realmente são. E temos o sentimento de ser
um participante centrado na criação de um mundo mais justo, calmo e criativo. Temos uma devoção
transpessoal, não apenas em relação às nossas famílias, nossos amigos, nossas empresas , causas,
reli- giões, mas também em relação ao mundo. Temos uma espécie de espiritualidade, e conhecemos
o significado do mandamento central em torno do qual a vida humana parece estar fundamentada ;
"Amarás ao Senhor teu Deus (leia-se "o Rei") com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda
a tua força. E

ao teu semelhante como a ti mesmo."

CAPÍTULO SEIS
O Guerreiro

Vivemos numa época em que as pessoas sentem-se, em geral, constrangidas com a forma do
Guerreiro da energia masculina — e com razão. As mulheres, especialmente, se sentem intranqüilas,
porque têm sido com freqüência as vítimas; mais diretas da sua Sombra. Em todo o planeta, as
guerras
neste século atingiram proporções tão amplas e monstruosas que a energia agressiva em si é vista
com profundo temor e desconfiança. Essa era é, no Ocidente, a era do "masculino suave", e é uma
época em que as feministas radicais erguem suas vozes hostis e veementes contra a energia do
Guerreiro. Nas igrejas liberais, comissões retiram dos hinários hinos "guerreiros" como "Avante,
soldados de Cristo" e o "Hino da Batalha da República".
É interessante observar, contudo, que aqueles mesmos que no seu zelo cortariam pela raiz a
agressividade masculina caem em poder desse arquétipo. Não podemos simplesmente votar a
demis- são do Guerreiro. Como todos os arquétipos, ele continua vivo, apesar de todas as nossas
atitudes conscientes em contrário. E como todos os arquétipos reprimidos, ele segue oculto, para
acabar

ressurgindo em forma de violência física e emocional, como um vulcão adormecido há séculos, com a
pressão do magma aumentado gradualmente. Se o Guerreiro é uma forma de energia instintiva, ela
veio para ficar. E vale a pena encará-la.
Jane Goodall, que viveu com tribos de chimpanzés vários anos na África (os chimpanzés são,
geneticamente, 98% iguais a nós) relatou primeiro que eles eram amorosos, pacíficos e dóceis. O
relatório foi um sucesso nos anos 60, quando milhões de pessoas no Ocidente procuravam
entender por que as guerras constituem um passatempo que parece atrair tanto os seres humanos,
a fim de achar um outro meio de resolver as grandes disputas. Alguns anos depois do seu primeiro
relatório,
porém, Jane Goodall revelou novos dados que indicavam que havia muito mais coisas do que
ela havia pensado inicialmente. Ela descobriu a guerra, o infanticídio, crianças maltratadas, raptos,
roubos e assassinatos entre os seus "pacíficos" chimpanzés. Robert Ardrey, em dois livros polêmicos,
African
génesis e The territorial imperative, afirmou da maneira mais direta possível que os seres humanos
são

governados por instintos, os mesmos que governam os sentimentos e comportamentos dos outros
animais: o de luta não é o menos importante. Além diss o, os estudos mais atuais no campo da
etologia
primata revelam a presença da ampla variedade de comportamentos humanos nesses nossos
parentes próximos, pelo menos em linhas gerais.
O que faz executivos e corretores de seguro se enfiarem no meio do mato nos finais de semana
para jogos de guerra, esconder-se entre as arvores, organizar ataques com armas de tinta, praticar
exercícios de sobrevivência, brincar de ficar à beira do perigo ou da morte, treinar estratégias, "matar-
se" uns aos outros? Qual a forma de energia que se oculta por trás das gangues das cidades,
organizadas de acordo com modelos paramilitares? O que responde pela popularidade de Rambo, de
Arnold Schwarzenegger, de filmes de guerra como Apocalipse (Apocalypse Now), Platoon, Nascido
para matar (Full-metal jackei) e muitos, muitos mais? Podemos deplorar a violência nesses filmes, bem
como nas telas das nossas televisões, mas, obviamente, o Guerreiro ainda continua muito vivo dentro
de nós.

Basta dar uma olhada na história da nossa espécie, uma história definida em grande parte
pela guerra. Vemos a tradição do grande Guerreiro em quase todas as civilizações. Neste século, o
globo inteiro
foi sacudido por duas guerras mundiais. A terceira, apesar do degelo entre o Leste e o Oeste, continua
pendendo sobre nossas cabeças. Alguma coisa está acontecendo por aqui. Certos psicólogos
consideram a agressividade humana oriunda da raiva infantil, a reação natural da criança ao que Alice
Miller chamou de "pedagogia venenosa", os maus-tratos aos pequeninos, meninos e meninas, em
grande escala.
Acreditamos que há muita verdade nisso, especialmente à luz da supremacia do que vamos
chamar de Guerreiro da Sombra. Mas achamos que não basta simplesmente identificar o Guerreiro
com a raiva
humana — ao contrário. Também acreditamos que essa forma de energia basicamente masculina (há
também tradições e mitos do Guerreiro feminino) persiste porque é um dos blocos fundamentais da
construção da psicologia masculina, quase certamente enraizados em nossos genes.
Quando examinamos de perto as tradições do Guerreiro, podemos ver o que elas realizaram
na História. Por exemplo, os antigos egípcios foram, durante séculos, um povo muito pacífico,
basicamente tranqüilo. Estavam segur os no seu vale do Nilo, isol ados de quaisquer in imigos em
potenci al; estes eram mantidos à distância pelo deserto circundante e pelo mar Mediterrâneo ao
norte. Foram capazes
de construir uma sociedade notavelmente estável. Acreditavam na harmonia entre todas as coisas,
num Cosmo ordenado por Maat. Mas, por volta de 1800 a.C, foram invadidos através do delta do Nilo
por

bandos de ferozes tribos semitas, os hicsos. Esses guerreiros tinham cavalos e carroças —
naqueles dias, máquinas de guerra eficientes e devastadoras. Dominar aquele povo
desacostumado com tanta
agressividade foi fácil. Os hicsos acabaram conquistando grande parte do Egito e o governaram
com pulso de ferro.
No século XVI a.C., os egípcios, endurecidos, finalmente revidaram. Novos faraós vieram do Sul
unir suas energias do Rei nativas à recém-descoberta energia do Guerreiro. Dirigiram-se ao Norte com
enorme ferocidade. Não só esmagaram o poder hicso e colocaram o Egito novamente em mãos
egípcias, como continuaram subindo em direção à Palestina e a Ásia e construíram um vasto império.
Ao fazê-lo, espalharam a civilização egípcia — arte, religião e idéias — por uma área enorme. Com
suas conquistas, os grandes faraós Thutmó s III e Ramsés II recuperaram o Egito e também levaram o
que havia de melhor da sua cultura a um mundo mais amplo. Foi graças à descoberta do Guerreiro
dentro deles que a ética e a moral egípcias, bem como idéias religiosas fundamentais como o
julgamento após a morte e um paraíso

além-túmulo, onde as almas justas se uniram a Deus, tornaram-se parte do nosso próprio sistema
espiritual e ético ocidental. Pode-se contar uma história semelhante sobre as civilizações da
Mesopotâmia, que
também transmitiram às futuras civilizações, através da energização do Guerreiro, importantes idéias e
conhecimentos humanos.
Na índia, a classe dos guerreiros, os Ksbatriya, conquistou e estabilizou o subcontinente
indiano, e fixou as condições para o país se tornar centro espiritual do mundo. Seus primos do Norte,
na Pérsia — os reis-guerreiros de Zoroastro — espalharam a própria religião por todo o Oriente
Próximo. Essa religião causou um profundo impacto no surgimento do moderno judaísmo e
cristianismo, e também na visão de mundo básica e em muitos dos valores que informam e moldam
até o nosso mundo pós-religioso. E, através da civilização ocidental, como se sabe, os ensinamentos
de Zoroastro, com algumas modificações, circulam por todo o planeta e afetam a vida das aldeias e a
moral pessoal até nos Mares do Sul.
Os hebreus bíblicos eram srcinalmente um povo guerreiro e seguidores de um Deus guerreiro, o

Deus das escrituras hebraicas, Javé. Sob o rei-guerreiro Davi, os benefícios dessa nova religião,
inclusive o seu avançado sistema ético baseado nas virtudes desse arquétipo, se consolidaram.
Através do
cristianismo, fortemente fundamentado na sua herança hebraica, muitas dessas idéias e valores
dos hebreus acabaram sendo levados pelas classes guerreiras européias para os quatro cantos
do mundo.
Os imperadores-guerreiros romanos, como o culto filósofo e moralista Marco Aurélio (161-180
d.C.), preservaram a civilização mediterrânea da influência das tribos germânicas o tempo suficiente
para que estas se tornassem semi-civilizadas antes de finalmente conseguirem invadir o Império e
reescrever toda a história ocidental, uma história que a partir do século XV torna-se cada vez mais a
história do mundo.
Não esqueçamos o pequeno bando de espartanos — guerreiros gregos, por excelência —
que nas Termópilas, em 480 a.C, derrotaram a invasão da Europa pelos persas e salvaram os
florescentes ideais democráticos europeus.
Na América do Norte, os índios viviam e morriam com a energia do Guerreiro, influenciando
até mesmo os seus atos mais insignificantes. Viviam suas vidas com nobreza e coragem e eram
capazes de suportar grandes dores e sofrimentos, defendendo seu povo do inimigo avassalador (o
invasor branco) e entrando nas batalhas com o grito "Hoje é um bom dia para morrer!"
Talvez devamos encarar sem preconceitos os grandes guerreiros do século XX, entre eles
os generais Patton e MacArthur, grandes estrategistas, homens de muita coragem, dedicados a
causas

maiores do que a sua própria sobrevivência pessoal. E talvez precisemos reavaliar a grande tradição
samurai dos japoneses e dos homens ascetas, disciplinados e absolutamente leais que construíram a
nação japonesa, garantiram a sobrevivência da sua cultura e hoje conquistam de terno e gravata o
planeta. A energia guerreira, portanto, não importa o que mais ela possa ser, esta presente em
todos nós,
homens, e na civilização que criamos, defendemos e ampliamos. É um ingrediente vital na nossa
construção de mundo e desempenha um importante papel na extensão dos benefícios das superiores
virtudes humanas e das conquistas culturais a toda a humanidade.
É verdade também que muitas vezes essa energia do Guerreiro se desvia. Quando isso
acontece, os resultados são arrasadores. Mas ainda temos de nos perguntar: por que ela está tão
presente dentro de nós? Qual é a função do Guerreiro na evolução da vida humana, e qual o seu
objetivo nas psiques dos homens, individualmente? Quais as características positivas desse
arquétipo? E como podem ajudar a nós, homens, na nossa vida pessoal e no nosso trabalho?

O Guerreiro na Sua Plenitude


As características do Guerreiro na sua plenitude significam todo um estilo de vida, o que os
samurais chamam de do. São o Dharma, o Maat ou o Tao do Guerreiro, um caminho espiritual ou
psicológico na vida.
Já mencionamos a agressividade como uma das características desse arquétipo. Ela é uma
atitude em relação à vida que estimula, energiza e motiva. Força-nos a tornar a ofensiva e sair da
posição de "defesa" ou "manutenção de posição" diante das tarefas e dos problemas que surgem
na
vida. O conselho do samurai é sempre "saltar" para o confronto, com todo o potencial do KÍ, ou
"energia vital", disponível. A tradição guerreira japonesa afirma que só há uma posição na qual
enfrentar a
batalha da vida: frontalmente. E que também só há uma direção: para a frente.
Na famosa cena de abertura de Patton, o general, com todos os acessórios de guerra, os
revólveres de cabo de madrepérola nos quadris, está fazendo um discurso para motivar o seu
exército.

Avisa às tropas que não está interessado em que mantenham suas posições. Diz: "Não quero receber
mensagens dizendo que estamos mantendo nossas posições. [...] Estamos avançando constantement
e.
[...] Não temos interesse em nos manter agarrados a coisa alguma — exceto ao inimigo! Vamos
agarrá- lo pelo pescoço e lhe dar um chute no traseiro! Não vamos dar mole! Vamos acabar com
ele!" A agressividade adequada, na hora certa — nas circunstâncias estrategicamente vantajosas
para o que
se pretende —, já é meia batalha ganha.
Como o Guerreiro sabe qual a agressividade apropriada para aquele momento? Através da
clareza de pensamento, do discernimento. O Guerreiro está sempre alerta. Sempre desperto. Não
passa a vida dormindo. Sabe concentrar mente e corpo. É o que o samurai chamava de "atento". É o
"caçador" na tradição indígena americana, Como diz Dom Juan, o índio feiticeiro-guerreiro yaqui, no
livro de Carlos Castaneda Viagem a Ixtlan: o guerreiro sabe o que quer, e sabe como consegui-lo.
Como uma função da sua clareza mental, ele é estratégico e tático. É capaz de avaliar com exatidão
as circunstâncias e depois se adaptar à situação.
Um exemplo disso é o fenômeno das guerrilhas, uma tradição antiga, mas que vem sendo muito
usada desde o século XVIII. Os colonos rebeldes americanos adotaram essa técnica na Guerra da
Independência. Os comunistas na China, e mais tarde no Vietnã, sob a orientação do mestre
estrategista Ho Chi Minh, usaram-na com espantoso sucesso para derrotar as operações militares
menos ágeis de seus

inimigos. Mais recentemente, a resistência afegã usou essa estratégia para expulsar o exército
soviético do seu país. O Guerreiro sabe quando tem força para derrotar seu adversário com meios
convencionais e
quando deve adotar um outro tipo de estratégia. Ele avalia com precisão a sua própria força e
habilidade. Se achar que um ataque frontal não resolve, desvia-se do adversário, localiza o ponto
fraco dele e "salta" para a luta. É a diferença que existe entre o Guerreir o e o Herói. Este, como
dissemos, não conhece suas limitações; é um romântico no que se refere a sua invulnerabilidade. O
Guerreiro, no entanto, com a sua clareza de pensamento avalia de forma realista as suas limitações e
o que é capaz de fazer em determinada situação.
Na Bíblia, o rei Davi, lutando contra a supremacia dos exércitos de Saul, evita primeiro o
confronto direto com as tropas, permitindo que o outro se canse de persegui-lo. Ele e seu bando
maltrapilho são guerrilheiros, pessoas que vivem da terra e se movimentam rápido. Depois, avaliando
claramente a situação, Davi foge do reino de Saul e vai procurar o rei dos filisteus. Assim, com a força
de centenas de

filisteus na retaguarda, ele se coloca em posição de dar um xeque-mate no adversário. Em seguida,


nova- mente avaliando com precisão a situação, volta, reúne seu próprio exército e espera a queda de
Saul. Às
vezes, a máxima "Avante, sempre avante!" significa mudar de tática. Significa uma flexibilidade de
estratégia que vem de uma avaliação aguçada.
A arte de esgrimir moderna usa esse tipo de flexibilidade. O esgrimista não treina apenas o
corpo, treina também a mente. Aprende a pensar com rapidez, a procurar os pontos fracos nas
atitudes e investidas do adversário; e depois se desvia, atava e marca seus pontos. Um jovem
universitário disse que, depois que começou a ter aulas de esgrima, seu desempenho em sala de aula
mudou. Era capaz de identificar, com a rapidez de um relâmpago, os principais assuntos de uma aula
complexa, avaliar as deficiências nos argumentos de defesa, desafiar as afirmações com uma lucidez
e autoconfiança que antes não tinha, e forçar seus professores e colegas a ser coerentes ou parar de
discutir. Agora sabia o que queria aprender. E sabia como conseguir isso.

Todas as tradições do Guerreiro afirmam que, além do treinamento, o que permite a um


Guerreiro alcançar a clareza de pensamento é viver consciente da iminência da própria morte. Ele
sabe que a vida é
frágil e curta. Um homem sob a orientação do Guerreiro sabe que seus dias estão contados. Em vez
de deprimi-lo, essa consciência faz com que haja um grande fluxo de energia vital e o leva a vivenciar
intensamente a sua vida, de uma forma que só ele conhece. Cada ato é importante. Cada ação é
realizada como se fosse a última. Os espadachins samurais aprendiam a viver como se já estivessem
mortos. O Dom Juan de Castaneda ensinou que "não há tempo" para mais nada senão atos
significativos, se vivemos com a morte como "nossa companheira".
Não há tempo para hesitações. Esse senso da iminência da morte energiza o homem que
busca o Guerreiro para tomar uma decisão. Isso significa que ele quer viver. Jamais se abstrai da
vida. Não "pensa demais", porque pensar muito leva à dúvida, e esta à hesitação, que conduz à
inércia. A inércia pode causar a perda da batalha. O homem Guerreiro evita a inibição, como
costumamos definir. Suas ações tornam-se uma segunda natureza. Tornam-se ações reflexas
inconscientes. Mas são ações para as quais ele se treinou por meio do exercício de uma enorme
autodisciplina. Assim são os fuzileiros navais. Um bom fuzileiro naval é capaz de tomar decisões
rápidas e agir com determinação.
Juntamente com a agressividade, a lucidez e a consciência da própria morte, o treinamento está
envolvido na ação decidida. A energia do Guerreiro preocupa-se com a habilidade, o poder e a
exatidão, e

com o controle interno e externo, físico e psicológico. Preocupa-se em treinar os homens para que
sejam "tudo que possam ser" — em pensamentos, sentimentos, palavras e ações. Ao contrario das
ações do
Herói, as do Guerreiro nunca são exageradas, dramáticas. O Guerreiro nunca age para provar a si
mesmo que é tão forte quanto pensa ser. Não gasta mais energia do que o necessário. E não fala
muito. O personagem de Yul Brinner no filme Sete homens e um destino (The magnificent seveti) é um
exemplo de autocontrole adquirido por meio de treinamento. Fala pouco, movimenta-se com o controle
físico de um predador, ataca apenas o inimigo e tem absoluto domínio da técnica da sua profissão.
Esse é outro aspecto do interesse do Guerreiro pela habilidade o domínio da tecnologia que lhe
permite atingir o seu objetivo.
Tornou-se um perito nas "armas" que usa para executar suas decisões.
O seu controle é, antes de tudo, sobre a mente e as atitudes; se estas estiverem corretas, o
corpo acompanha. O homem que tem acesso ao arquétipo do Guerreiro possui "pensament o
positivo", como se diz nos cursos para vendedores. Isso significa que ele tem espírito invencível,
grande coragem, que ele não

tem medo, que assume a responsabilidade por seus atos e que tem autodisciplina. Disciplina significa
que ele possui o rigor para desenvolver o controle e o domínio sobre a sua mente e o seu corpo, e que
é capaz
de suportar a dor, tanto psicológica como física. Está disposto a sofrer para conseguir o que quer. Com
"suor e lágrimas", como dizemos. Se você é, literalmente, um caçador agachado há horas na mesma
posição no frio da madrugada do Kalahari esperando pela presa, ou um atleta disputando o triatlon, um
estudante de medicina, um executivo enfrentando os ataques dos membros do conselho, ou um
marido tentando resolver seus problemas com a mulher, sabe que a disciplina mental, e talvez física, é
indispensável.
A energia do Guerreiro também mostra o que chamamos de compromisso transpessoal. Sua
lealdade é para com algo — uma causa, um deus, um povo, uma tarefa, uma nação — maior do que o
indivíduo, embora essa lealdade transpessoal possa concentrar-se numa pessoa importante, como um
rei. Nas lendas arturianas, lancelot, ainda que ardorosamente dedicado a Artur e Guínevere, está
basicamente

comprometido com o ideal da cavalaria e com o que existe por trás das nobres aventuras, do
"poder pela justiça e da liberdade para os oprimidos. É claro, amando Guinevere, Lancelot
inconscientemente age de
forma a destruir o objeto do seu compromisso transpessoal, Camelot. Mas isso porque ele encontrou o
alvo paradoxalmente pessoal e transpessoal do amor romântico. Nessa ocasião, já perdeu o acesso
às energias do Guerreiro e deixou de ser um cavaleiro.
Esse compromisso transpessoal revela várias características da energia do Guerreiro.
Primeiro, torna relativos todos os outros relacionamentos, isto é, torna-os menos centrais do que o
compromisso transpessoal. A psique do homem que está tendo acesso adequadamente ao
Guerreiro organiza-se em
torno do seu compromisso central. Esse compromisso elimina uma boa parte das mesquinharias
humanas. Viver à luz de ideais elevados e realidade espiritualizadas como Deus, democracia,
comunismo, liberdade ou qualquer outro compromisso transpessoal digno, altera de tal forma o
enfoque da vida de um homem que as disputas mesquinhas e as preocupações do Ego deixam de ter
tanta importância.
Há uma história sobre um samurai ligado à casa de um grande senhor que foi morto por um
homem de uma casa rival. O samurai jura vingar a sua morte. Depois de perseguir o assassino
durante um tempo, depois de grandes sacrifícios pessoais e provações, e depois de enfrentar muitos
perigos, o samurai encontra-o. Mas, nesse momento, o assassino cospe no seu rosto. O samurai
recua, guarda a espada, vira as costas e vai embora. Por quê?

Por que se zangou? Poderia ter matado o assassino naquele instante, com raiva, mas não seria
pelo compromisso com o ideal representado pelo seu senhor. A sua atitude de executar o homem teria
srcem
no seu Ego e nos seus próprios sentimentos, não no Guerreiro interior. Para ser fiel à sua vocação
guerreira, ele teve que se afastar e deixar o assassino viver.
A lealdade do Guerreiro e o seu senso de dever, portanto, estão acima dele mesmo e das suas
preocupações pessoais. A lealdade do Herói, como vimos, é consigo mesmo — para impressionar a si
próprio e aos outros. Nesse sentido, também, o homem que tem acesso ao Guerreiro é um asceta. Ele
vive uma vida exatamente oposta à da maioria das pessoas. Não vive para satisfazer suas
necessidades e desejos pessoais, ou seus apetites físicos, mas para se ajustar a uma máquina
espiritual eficiente, treinada para suportar o insuportável a serviço do objetivo transpessoal.
Conhecemos as lendas dos fundadores das grandes fés do cristianismo e do budismo. Jesus teve que
resistir às tentações de Satanás no deserto, e Buda teve que enfrentar três tentações sob a árvore Bo.
Esses homens foram guerreiros espirituais.

A história humana está repleta de guerreiros espirituais. O islamismo, como um todo, baseia-se
na energia do Guerreiro. Maomé era um guerreiro. Até hoje, seus seguidores continuam valendo-se
da energia
desse arquétipo quando recompensam jihad contra os poderes do mal, como eles definem. Ainda
que o chamem de "o Misericordioso" e "o Piedoso", o Deus do Islã é um Deus-Guerreiro.
Vemos essa mesma energia manifestando-se na Ordem dos Jesuítas, no cristianismo, que
durante séculos pregou a autonegação para que se pudesse levar a mensagem de Deus às regiões
do inundo mais hostis e perigosas. O homem guerreiro devota-se a sua causa, seu Deus, sua
civilização, até a morte.
Essa devoção ao ideal ou meta transpessoal, a ponto mesmo de se anular, leva o homem a
uma das outras características do Guerreiro. Ele é uma pessoa emocionalmente distante enquanto
estiver com essa energia. O que não significa que o homem que tem acesso ao Guerreiro em sua
plenitude seja cruel, apenas não toma suas decisões e as executa baseado numa relação emocional
com alguém ou alguma coisa, exceto com o seu ideal. Como diz Dom Juan, ele "não está disponível"
ou "é inacessível". Como

afirma ele, "ser inacessível significa tocar o mundo ao redor de leve", com distanciamento emocional.
Essa atitude faz parte da lucidez do Guerreiro, também. Ele vê suas tarefas, decisões e ações
desapaixonadamente. O treinamento samurai implicava o seguinte tipo de exercício psicológico.
Sempre — aprendiam eles — que você se sentir assustado ou desesperado, não diga para si mesmo:
"Estou com medo" nem "Estou desesperado". Diga; "Alguém está com medo", "Alguém está
desesperado. O que ele pode fazer?" Essa maneira distanciada de vivenciar uma ameaça torna
objetiva
a situação e permite uma visão mais clara e estrategicamente vantaj osa. O guerreiro é, portanto, capaz
de agir com menos consideração pelos seus sentimentos pessoais; vai agir com mais vigor,
rapidez e eficiência se não estiver no meio do caminho atrapalhando.
Na vida, muitas vezes precisamos "dar um passo atrás", como se diz, numa situação para
podermos ver melhor, para podermos agir. O Guerreiro precisa de espaço para vibrar a sua
espada. Precisa estar separado dos seus adversários do mundo exterior e daqueles do seu
mundo interior configurados em emoções negativas. No boxe, o juiz afasta os lutadores quando
eles se aproximam demais e se engalfinham.
O Guerreiro é quase sempre um destruidor. Mas quando essa energia é positiva destrói apenas
o que precisa ser destruído para poder surgir algo novo, mais vivo e mais virtuoso. Muitas coisas no

nosso mundo precisam acabar — a corrupção, a tirania, a opressão, a injustiça, os sistemas de


governo obsoletos e despóticos, as hierarquias das corporaçõ es que entravam o desempenho das
empresas, os
estilos de vida e as condições de trabalho insatisfatórias, os maus casamentos. E no próprio ato de
destruir, muitas vezes a energia do Guerreiro está construindo novas civilizações, novas aventuras
comerciais, artísticas e espirituais para a humanidade, novos relacionamentos.
Quando a energia do Guerreiro está em contato com outras energias masculinas maduras, algo
realmente esplêndido emerge. Quando o Guerreiro está em contato com o Rei, está conscientemente
servindo ao "reino", e suas ações decididas, sua lucidez, disciplina e coragem são, de fato, criativas e
geradoras. Neste momento histórico, basta pensar em Mikhail Gorbachev, guerreiro e rei, lutando
contra a inércia do sistema soviético, de pé no Centro, em luta contra o antigo e o ineficiente, gerando
o novo e o mais vigoroso, pastoreando seu povo em direção a uma nova era que eles mesmos não
teriam coragem de enfrentar sem a sua liderança, sem o acesso dele a essas duas energias
masculinas amadurecidas.

O contato do Guerreiro com o arquétipo do Mago é o que lhe permite alcançar tal domínio e
controle sobre si mesmo e suas "armas". É o que permite canalizar e direcionar o poder para realizar
seus objetivos.
A sua combinação com a energia do Amante lhe dá a piedade e o senso de ligação com todas
as coisas. O Amante é a energia masculina que o liga novamente aos seres humanos, em toda a sua
fragilidade e vulnerabilidade. O Amante torna o homem que está sob a influência do Guerreiro piedoso
ao mesmo tempo em que cumpre o seu dever. Aqui, temos as imagens dos pracinhas americanos no
Vietnã, captadas de forma tão dramática para nós pela televisão. Depois de bombardearem e
metralharem uma aldeia vietcongue, eles carregam dali as crianças no colo e administram os primeiros
socorros aos inimigos feridos. Há uma cena muito forte no filme Nascido para matar que vários
soldados encurralam e ferem fatalmente um atirador vietcongue — uma mulher, como ficam sabendo
depois — que tinha matado alguns companheiros deles. Um dos personagens sente piedade da sua
inimiga de momentos antes. Ela agoniza, rezando, preparando-se para a morte e implorando que ele
atire logo para acabar com o seu sofrimento. O

pracinha fica dividido entre deixá-la morrer sofrendo ou atender ao seu pedido. Acaba atirando nela,
não por raiva, mas por compaixão.
A aliança com o Amante produz outras influências humanitárias na energia do Guerreiro. Marco
Aurélio era filósofo. Winston Churchill, pintor O artista-guerreiro japonês Mishima era poeta. Até o
general Patton era poeta, recitou um de seus panegíricos ao general Bradley num antigo campo de
batalha norte- africano onde dois mil anos antes os romanos tinham derrotado os cartagineses. Patton
afirmou no seu poema místico que estivera ali naquela época e participara do confronto.
Mas se o Guerreiro está agindo sozinho, desligado desses outros arquétipos, os resultados para
o homem mortal que esteja em contato até mesmo com o Guerreiro positivo (o arquétipo na sua
plenitude) podem ser desastrosos. Como dissemos, o Guerreiro na sua forma pura é emocionalmente
distante; a sua lealdade transpessoal relativiza de forma radical a importância de seus
relacionamentos humanos. Isso transparece na atitude do Guerreiro quanto ao sexo. As mulheres,
para ele, não são para se relacionar com elas, para ser íntimo delas. São para se divertir. É conhecida
a canção "Este é meu rifle e este é meu canhão. Este é para a luta e este é para diversão." Essa
atitude explica a presença de prostitutas ao redor dos campos militares. Explica também a horrível
tradição do estupro das mulheres conquistadas.
Se ele tem família, a devoção do guerreiro a outros deveres conduz freqüentemente a problemas

conjugais. A história da mulher do soldado sozinha e rejeitada está sempre se repetindo nos filmes.
Basta lembrar de Gordo Cooper afastando-se da mulher, Trudy, no filme The right stuff.
O mesmo ocorre fora do ambiente militar, nos relacionamentos e nas famílias de homens cujas
profissões exigem uma grande dedicação transpessoal, longas horas de trabalho disciplinado e auto-
sacrifício. Pastores, médicos, advogados, políticos, agentes de vendas dedicados e muitos outros
quase sempre têm vidas pessoais muito difíceis. As esposas e namoradas muitas vezes sentem-se
ignoradas e rejeitadas, competindo inutilmente com o "verdadeiro amor" do homem, o seu trabalho.
Além do mais, esses homens, fiéis às atitudes sexuais do Guerreiro, costumam ter casos com suas
enfermeiras, funcionárias, recepcionistas, secretárias e outras mulheres que admiram de uma
distância segura (às vezes não tanto assim) a eficiência e dedicação do Guerreiro masculino deles.

O Guerreiro da Sombra: O Sádico e o Masoquista

O afastamento da energia do Guerreiro das relações humanas traz problemas reais, como
afirmamos. Estes se tornam imensamente dolorosos e destrutivos para o homem quando ele está na
Sombra bipolar do Guerreiro. No filme The Great Santini, Robert Duval representa um piloto de
combate da Marinha que chefia sua família como se fosse um corpo de fuzileiros navais em
miniatura. A maioria das suas observações e o seu comportamento com a mulher e os filhos
são no sentido de desvalor izar, criticar , comandar, e destinam-se a estabelecer distância entre ele e
os membros da família, que estão sempre
procurando relacionar-se com ele de forma afetuosa. A destrutividade desse modo de se "relacionar"
acaba tornando-se tão óbvia, principalmente para o filho mais velho, que já não se pode esconder o
fato de que o comportamento por vezes viol ento de Santini resulta da sua própria incapacidade de
ser terno e autenticamente íntimo. O "Grande Santini", sob o poder do Sádico, está sempre com a
"espada" emocional desembainhada, ameaçando todo mundo — as filhas, que precisam ser tratadas
como meninas, e não como fuzileiros; o filho mais velho, que precisa da sua orientação e

do seu cuidado; e até a esposa. Há uma cena horrível na cozinha, quando finalmente tudo vem à
tona; Santini agride fisicamente a mulher, e então as crianças o agridem. Não obstante o
afastamento em si
não ser necessariamente ruim, como dissemos, ele deixa a porta aberta para o "demônio" da
crueldade. Como tem essa área dos relacionamentos muito vulnerável, o homem sob a influência do
Guerreiro precisa com urgência ter a mente e os sentimentos sob controle: não reprimidos, mas sob
controle.
Senão a crueldade se esgueira pela porta dos fundos, quando ele não está olhando.
Há dois tipos de crueldade, com e sem paixão. Um exemplo do primeiro tipo é um exercício que
os nazistas usavam no treinamento dos oficiais da SS. Os candidatos à unidade criavam cachorri nhos,
cuidavam deles todos os dias, alimentando-os e escovando-os, brincavam com eles. Então, num dia
escolhido arbitrariamente pelo treinador, ordenava-se que eles matassem os animaizinhos, e tinham
que fazer isso sem demonstrar nenhum sentimento. Esse treino de frio sadismo parece que
funcionav
a porque esses mesmos homens se tornaram as máquinas assassinas que dirigiam os campos de
extermínio — sistematicamente, e sem emoção, torturando e matando milhares de seres humanos,
sem deixarem de se achar "bons rapazes".
Uma imagem contemporânea do Guerreiro que se transformou numa máquina assassina
impiedosa é, sem dúvida, Darth Vader, da saga de Guerra nas estrelas (Starwars). É alarmante como
muitos meninos e adolescentes se identificam com ele. Quanto a isso, é também assustadora a

quantidade de jovens que se tornaram membros de grupos neonazistas, remanescentes.


Às vezes, porém, a crueldade do Sádico é apaixonada. Na mitologia, ouvimos falar de deuses
vingativos e da "ira de Deus". Na índia, vemos Xiva executando a dança da destruição universal.
Na bíblia, Javé ordena a destruição pelo fogo de civilizações inteiras. No início do Velho
Testamento, encontramos esse Deus irado e vingativo reduzindo o planeta à lama com um
grande dilúvio, matando quase todos os seres vivos.
O Guerreiro como espírito vingativo entra em nós quando estamos muito assustados e
zangados. Uma espécie de sede de sangue, como é chamada, domina os homens nas situações
estressantes de combate real, assim como em outros momentos tensos. Há uma cena no filme
Apocalipse em que a
tripulação da canhoneira americana, na abordagem de uma sampana, entra em pânico e mata todo
mundo na sampana. Só depois que o medo cede é que eles percebem que as pessoas que acabaram
de matar na sua "fúria de lutar" eram inocentes aldeões que estavam indo ao mercado. Uma cena
semelhante aparece

no filme Platoon, quando os pracinhas abrem fogo contra uma aldeia vietnamita indefesa. Esse tipo de
explosão selvagem vem assombrando os americanos desde o incidente em My Lai quando o tenente
Çalley, aparentemente aterrorizado e com raiva, mandou que matassem todos os homens, mulheres e
crianças da aldeia. Que o Guerreiro sádico realmente gosta dessa carnificina e crueldade fica explícito
novamente em Patton, quando o General olha os restos fumegantes e os corpos carbonizados de um
grande confronto entre carros blindados das forças americanas e alemães, e suspira: "Puxa, adoro
isto!"
Junto com essa paixão pela destruição e pela crueldade, vem um ódio pelo "fraco", pelo
indefeso e vulnerável (na verdade, o próprio masoquista oculto do Sádico). Já mencionamos o
incidente das bofetadas na carreira de Patton. Vemos esse mesmo tipo de sadismo nos campos de
treinamento, em nome do supostamente necessário "ritual de humilhação", destinado a privar os
recrutas das suas individualidades e colocá-los dominados pelo poder de uma dedicação
transpessoal. Com muita freqüência, os motivos do sargento treinador são os mesmos do Guerreiro
sádico que busca humilhar e violentar os homens sob o

seu comando. E o que entender da prática revoltante do exército turco na Primeira Guerra Mundial,
quando, depois de tomar uma aldeia árabe, os soldados se diverti am abrindo à baioneta as barrigas
de
mulheres grávidas, arrancando fora os fetos e pendurando-os nos seus pescoços.
Pode parecer improvável, de início, mas a crueldade do Guerreiro sádico relaciona-se
diretamente com o que está errado com a energia do Herói; há semelhanças entre o Guerreiro da
Sombra e o Herói. O Guerreiro da Sombra leva para a idade adulta a insegurança do adolescente, a
emotividade violenta e o desespero do Herói quando procura enfrentar o arrasador poder do feminino,
que sempre tende a despertar o pólo masoquista, ou covarde, da Sombra disfuncional do Herói. O
homem sob a influência da bipolaridade do Guerreiro da Sombra, inseguro quanto ao legítimo poder
fálico, continua lutando contra o que vivência como a energia feminina excessivamente forte e contra
tudo supostamente "suave" e relacional. Mesmo na idade adulta, ele ainda sente terror de ser
engolido por isso. O seu medo desesperado o leva à brutalidade insensível.
Não é preciso ir longe para ver esse Guerreiro destruidor agindo em nossas vidas. Infelizmente,
temos de identificá-lo no ambiente de trabalho sempre que um chefe humilha, atormenta, desped e
injustamente ou, de muitas outras formas, maltrata seus subordinados. Temos de reconhecer o Sádico
também nos nossos lares, na espantosa estatística das esposas que apanham dos maridos e das
crianças maltratadas.

Embora todos nós possamos eventualmente ficar vulneráveis ao Guerreiro Sádico, existe um
tipo específico de personalidade que possui essa energia "ao extremo", como se diz. É o distúrbio
da
personalidade compulsiva. Os workaholics, pessoas que só pensam no trabalho, são personalidades
compulsivas. Têm uma enorme capacidade para fazer esforço e quase sempre conseguem produzir
muito. Mas o que impulsiona o seu motor de rotação contínua é uma profunda ansiedade, o desespero
do Herói,
Têm uma percepção muito precária do próprio valor. Não sabem o que querem realmente, o que
lhes falta e que gostariam de ter. Passam a vida "atacando" tudo e todo o mundo — seus empregos,
as exigências da vida, eles mesmos e as outras pessoas. Nesse processo, são devorados vivos pelo
Guerreiro Sádico e não demoram a "queimar".
Todos nós conhecemos pessoas assim. São os gerentes que ficam até tarde no escritório,
depois que todos já foram embora; e quando, finalmente, vão para casa não conseguem dormir bem.
São os pastores, os assistentes sociais, terapeutas, médicos e advogados, que trabalham literalmente
dia e noite

procurando sanar as deficiências físicas e psicológicas dos outros, sacrificando as próprias vidas
para "salvá-los". Com isso, fazem muito mal — a si mesmos e àqueles que não conseguem estar à
altura de
seus padrões inatingíveis. Não são capazes de estar à altura de seus próprios padrões, por isso
violentam- se sem piedade. Se você tem de admitir que não está cuidando bem de si mesmo, que não
está cuidando do seu bem estar físico e mental, muito provavelmente foi apanhado pelo Guerreiro da
Sombra.
Como já dissemos os homens que exercem determinadas profissões estão especialmente
ameaçados pela energia disfuncional do Guerreiro. Os militares são um exemplo óbvio. O que talvez
não seja tão óbvio é que os revolucionários e ativistas de todos os tipos também caiam no pólo sádico
do Guerreiro da Sombra. Aqui se aplica o velho ditado que diz que nos tornamos aquilo que odiamos.
É uma triste verdade que líderes de revoluções – políticas, sociais, econômicas, as pequenas
revoluções que acontecem dentro das empresas ou das organizações voluntárias –, depois de ter
expulsado os tiranos e opressores (quase sempre pela violência e pelo terrorismo), tornam-se eles
mesmos os novos tiranos e

opressores. Comentou-se muito nos anos 60 que os líderes do movimento pela paz eram tão tirânicos
e violentos quanto os que eles combatiam. Os profissionais de vendas e os professores, juntamente
com as
pessoas das outras profissões já citadas, são presas fáceis dos padrões compulsivos e automáticos
do vício do trabalho. Acabam quebrando. Um vendedor de automóveis começou a fazer análise
depois de anos na função, ocupando o primeiro lugar em vendas, mês após mês, não só no seu
departamento mas em toda a área. Todos os meses, com enorme autodisciplina e determinação,
ele lutava com unhas e dentes para chegar ao topo. Um dia, alguma coisa desmoronou-se dentro
dele. Vinha sentindo-se sem ânimo e cada vez mais cansado. E muitas vezes comentara que
estava se sentindo "queimado". Certa
manhã, ao se levantar, percebeu que estava tremendo, apavorado com a perspectiva de ter que ir
trabalhar. Não demorou muito e não conseguia mais dormir. Começou a sentir uma vontade
insuportável de chorar nas horas mais inadequadas. Forçou-se a continuar mais alguns meses. Mas
finalmente chegou o dia em que tudo no trabalho – a sala de exposição, o estacionamento, seus
colegas, os fregueses –, tudo parecia estranhamente irreal. Telefonou para o seu médico e se
internou num hospital. O Guerreiro Sádico fora mais forte do que ele. Devorara-o vivo. Logo depois, a
mulher o deixou, alegando com alguma razão que ele não lhe dava atenção. Ele começou a fazer
terapia. No decorrer do tratamento, descobriu o poder autodestrutivo da sua compulsividade e como
ela funcionava, afastando-o das outras pessoas. E resolveu mudar de vida.

Qualquer profissão que pressione o indivíduo a dar o melhor de si o tempo todo vai deixá-lo
vulnerável ao sistema da sombra do Guerreiro. Se não tivermos segurança suficiente quanto à nossa
própria estrutura interior, contaremos com o nosso desempenho no mundo externo para sustentar a
nossa autoconfiança. E como a necessidade desse apoio é muito grande, o nosso comportamento vai
tender para a compulsão. O homem obcecado com o ''sucesso" já fracassou. Está tentando
desesperadamente reprimir o Masoquista dentro dele, mas já está revelando comportamentos
masoquistas e autopunitivos.
O Masoquista é o pólo passivo da Sombra do Guerreiro, o "galinha-morta" o "cachorrinho
escorraçado" que se esconde logo atrás das demonstrações iradas do Sádico. Os homens têm razão
de temer o Covarde que existe dentro deles, ainda que não tenham o bom senso de temer o seu
macho aparente. O Masoquista projeta nos outros a energia do Guerreiro e faz o homem se sentir
impotente. O homem possuído pelo Masoquista é incapaz de se defender psicologicamente; permite
que os outros (e ele mesmo) fiquem pressionando, que excedam os limites daquilo que lhe é possível
suportar sem perder o

respeito por si mesmo, sem falar na saúde física e psicológica. Todos nós, seja como for o modo como
vivamos, somos suscetíveis de cair em poder da Sombra bipolar do Guerreiro em qualquer área das
nossas
vidas. Talvez não saibamos quando terminar um relacionamento insuportável, sair de um círculo de
amizades ou de um emprego frustrante. Ouve-se falar muito de "Saia enquanto você estiver com a
bola", ou "Aprenda a pular fora". A personalidade compulsiva, não importa os sinais de perigo, a
impossibilidade dos sonhos e a invencibilidade do inimigo, continua dando duro, tentando tirar água da
pedra e vendo o seu ouro virar cinza no final. Se estivermos sob o poder do Masoquista, vamos
aceitar muitos abusos durante muito tempo e então explodir sadicamente numa violência verbal e até
física. Essa oscilação entre os pólos ativo e passivo das Sombras arquetípicas é típico desses
sistemas disfuncionais.

O Acesso ao Guerreiro
Se estivermos possuídos pelo pólo ativo da Sombra do Guerreiro, vamos vivenciá-lo na sua forma

sádica. Vamos maltratar a nós mesmos e aos outros. Se sentirmos que não estamos nos
comunicando com o Guerreiro, porém, estaremos possuídos pelo seu pólo passivo. Seremos
masoquistas covardes.
Sonharemos, mas não seremos capazes de agir de forma decidida para tornar nossos sonhos
realidade. Faltar-nos-á vigor e ficaremos deprimidos. Não teremos capacidade de suportar o esforço
necessário para alcançar qualquer objetivo que valha a pena. Se estivermos na escola, não faremos
as tarefas, não redigiremos os nossos trabalhos. Se formos vendedores e nos derem uma nova área,
ficaremos sentados olhando o mapa e a lista dos contatos que temos que fazer e não seremos
capazes de pegar o telefone e começar. Olharemos o trabalho à nossa frente e nos sentiremos
derrotados logo de início. Não seremos
capazes de "saltar para batalha". Se formos políticos, em vez de conseguirmos atacar "frontalmente"
os problemas e as questões públicas, esquivar-nos-emos, procurando evitar a confrontação direta. Se
estivermos ganhando pouco, e acharmos que há dinheiro suficiente e que somos bons o bastante para
merecer um aumento, caminharemos pelo corredor até a porta do chefe, tremendo de medo,
pararemos indecisos, daremos meia-volt a e iremos embora. Como fazemos com todos os arquétipos
descritos neste livro, precisamos perguntar-nos, não se estamos possuídos por um ou ambos os pólos
de seus sistemas da sombra, mas de que forma estamos deixando ter acesso adequadamente aos
potenciais de energia masculina à nossa disposição.
Se estivermos entrando em contato corretamente com o Guerreiro, seremos enérgicos,

decididos, corajosos, resistentes, perseverantes e leais a um bem maior, que está acima da nossa
própria vantagem pessoal. Ao mesmo tempo, temos que dotar o Guerreiro das outras formas de
energia
masculina amadurecidas: o Rei, o Mago e o Amante. Se estivermos tendo acesso ao Guerreiro
da maneira certa, seremos, ao mesmo tempo em que nos mantemos "distanciados", ternos,
piedosos, compreensivos e produtivos. Cuidaremos de nós mesmos e dos outros. Travaremos
bons combates a fim de tornar o mundo um lugar melhor e mais satisfatório para tudo e para
todos. Faremos a guerra pela criação de algo novo, justo e livre.

CAPITULO SETE
O Mago

Há uma cena maravilhosa no filme The right stuffem que Gordo Cooper chega à uma estação de

rastreamento na região mais remota e deserta da Austrália, de onde vai monitorar o primeiro vôo orbital de John Glenn. Quando se aproxima da estação e desc
aborígenes acampado ali. Um jovem chega perto. Gordo pergunta: "Quem são vocês?" O rapaz responde: "Somos nativos. E você, quem é?" Gordo diz: "Sou ast
Mais tarde naquela noite, enquanto Glenn esta em órbita no céu, lançando faíscas provocadas pelo atrito no escudo térmico da cápsula, os aborígenes armam u
Muitas vezes erramos ao pensar que somos muito diferentes de nossos ancestrais primitivos, com o nosso grande conhecimento e nossa surpreendente tecnolo
nossa tecnologia está na mente de homens como o velho aborígene. Ele, e todos como ele nas sociedades tribais e antigas tinham acesso à energia do Mago. E é
psicologia e sociologia ainda sonham — temperatura amena, uma sociedade organizada e igualitária, as
bênçãos do amor e da troca entre as pessoas e o reconhecimento da necessidade de se buscar
alcançar uma meta suprema (neste caso, o Santo Graal). Obe Wan Kanobe, nas aventuras de Guerra
nas estrelas, busca orientar a renovação da sua galáxia combinando o seu conhecimento secreto
sobre "a Força" com a aplicação de tecnologia avançada.
As energias do arquétipo do Mago, seja onde e quando for que as encontremos, são duplas. O
Mago é aquele que sabe e é o mestre da tecnologia. Além disso, o homem guiado pelo poder do
Mago é capaz de preencher em parte as funções desse arquétipo usando o processo dos rituais de
iniciação. Ele é o "ancião do ritual" que orienta os processos de transformação interna e externa.
O mago humano é sempre, ele mesmo, um iniciado, e a sua tarefa é iniciar os outros. Mas é iniciado

em quê? O Mago é um iniciado no conhecimento oculto de todas as coisas. E esse é que é o ponto
importante. Todo conhecimento que exige um trabalho especial para ser adquirido é domínio da
energia do
Mago. Seja o aprendiz de um mestre em eletricidade, descobrindo os mistérios da alta voltagem; seja
o estudante de medicina, trabalhando noite e dia, estudando os segredos do corpo humano e usando a
tecnologia disponível para ajudar os pacientes; seja o futuro corretor da bolsa de valores ou um
estudante de altas finanças; seja o estagiário numa das escolas de psicanálise, todos estão
exatamente na mesma posição do aprendiz de xamã ou pajé nas sociedades tribais. Estão gastando
uma enorme quantidade de tempo, energia e dinheiro para se iniciarem nos refinados reinos do poder
secreto. Passam por provocações que testam suas capacidades para se tornar mestres desse poder.
E, como acontece em todas as iniciações, não há garantia de sucesso.
O Mago é um arquétipo universal que vem agindo na psique masculina através da história. Os
homens modernos podem ter acesso a ele, hoje, nos seus trabalhos e nas suas vidas pessoais.

Antecedentes Históricos
Certos antropólogos acham que, num passado muito distante, as energias masculinas do Rei,
do Guerreiro, do Mago e do Amante eram inseparáveis e que um único homem — o "chefe" —
manifestava todas as funções desses arquétipos de uma forma holística. Como todas as quatro estão
no Si-mesmo masculino, e equilibradas ali, talvez o chefe fosse o único na tribo a se sentir um homem
total. Seja como for, nas sociedades aborígenes ainda existentes, essas energias masculinas já são
um tanto distintas. Existe o rei, ou chefe. Existem os guerreiros do chefe. E existe o mago — o homem
santo, o pajé, o xamã. Seja qual for o seu título, a sua especialidade é saber algo que os outros não
sabem. Ele conhece, por exemplo, o segredo do movimento das estrelas, as fases da lua, as variações
norte-sul do sol. Sabe quando plantar e quando colher, ou quando os rebanhos voltarão na próxima
primavera. Sabe prever o tempo. Conhece as ervas medicinais e os venenos. Compreende a dinâmica
oculta da psique humana e

assim pode manipular os outros seres humanos, para o bem e para o mal. É quem pode efetivamente
abençoar e amaldiçoa r. Entende as ligações entre o mundo invisível dos espíritos – o Mundo Divino –
eo
mundo dos seres humanos e da natureza. É a ele que as pessoas se dirigem com perguntas,
problemas, sofrimentos e doenças do corpo e da mente. É confessor e sacerdote. É quem pode
perceber o que existe nas questões e que não é óbvio para as outras pessoas. É vidente e profeta no
sentido não apenas de prever o futuro, mas de ver em profundidade.
Esse conhecimento secreto, é claro, dá ao mago um poder enorme. E, como tem conhecimento
da dinâmica dos fluxos e dos modelos das energias na natureza, nos indivíduos e nas sociedades
humanas, e entre os deuses – as forças inconscientes profundas –, ele é mestre em conter e canalizar
poder.
Foram os magos ao longo do Tigre e do Eufrates, e do Nilo, no Egito, que criaram a civilização
tal como a conhecemos. Foram eles que inventaram os segredos da língua escrita, que descobriram a
matemática e a engenharia, a astronomia e o direito. Os faraós mantinham em suas cortes o que a
Bíblia chama de feiticeiros para aconselhá-los sobre todas essas coisas. O lendário mago egípcio
Ímhotep (ca. 800 a.C.) tem o crédito de importantes descobertas na medicina, engenharia e em outras
ciências. Ele projetou e construiu a primeira grande pirâmide, a chamada Pirâmide Escalonada do
faraó Djoser. Foi o

Einstein e o Jonas Salk do seu tempo.


Um aspecto do conhecimento do mago, da sua visão profunda não só da natureza, mas dos seres
humanos também, era a sua capacidade de reduzir a arrogância, especialmente dos reis, mas também
de qualquer funcionário público importante. O arquétipo do Mago num homem é o seu "detector de
mentiras"; ele percebe a falsidade e exercita o discernimento. Ele descobre a maldade onde ela estiver
oculta por trás da bondade, como tantas vezes acontece. Nos tempos antigos, quando o rei se tornava
possuído pela ira e queria punir a aldeia que se recusava a pagar os impostos, o mago, com idéias
equilibradas e sensatas com golpes contundentes de lógica, reavivava a consciência e o bom senso
do rei livrando-o de seu humor tempestuoso. O mago da corte, na verdade, era o psicoterapeuta do
rei.
O profeta Natan, mago do rei Davi, prestou-lhe os seus serviços terapêuticos mais de uma vez.
Mas o incidente mais dramático foi o de Betsabá, a que já nos referimos. Depois de Davi ter feito o que
queria com Betsabá e de ter mandado matar o seu marido, Urias, Natan entrou de mansinho na sala
do trono e

postou-se diante do rei. E lhe contou uma história. Disse que havia numa cidade dois homens, um rico
e outro pobre. O pobre tinha apenas um cordeirinho. O rico tinha vários. Um dia, um viajante foi visitar
o
homem rico, e este foi obrigado a lhe oferecer um suntuoso banquete. Em vez de matar um de seus
próprios carneiros, ele foi até a casa do homem pobre e pegou o único animal que ele tinha, matou-o e
serviu ao seu hóspede. Explodindo de raiva, o rei Davi proclamou que quem quer que tivesse feito isso
merecia morrer. Natan respondeu: "Foi você," Davi se arrependeu. No futuro, foi menos pretensioso.
Merlin, o mago do rei Artur, funcionava da mesma maneira. Ajudava o rei a entender as coisas
e, ao fazê-lo, reduzia às vezes a arrogância de Artur. No musical Camelot e no magnífico The once
and future king, de T.H. White, em que se baseia a peça, Merlin freqüentemente orienta Artur e está
sempre trabalhando para iniciá-lo nas formas adequadas de entrar em contato com a energia do Rei.
O resultado é que Artur se desenvolve para uma maturidade cada vez mais plena, ao mesmo tempo
em que se torna um rei melhor.

Nos primeiros séculos da nossa era, srcinando-se das antigas religiões gregas dos mistérios e
renovado pelas primeiras idéias cristas, houve um movimento chamado gnosticismo. Gnosis era o
termo
grego para designar o "conhecer" num nível psicológico ou espiritual profundo. Os gnósticos eram
conhecedores do que havia de mais secreto na psique humana e da misteriosa dinâmica do universo.
Eram realmente protopsicólogos profundos. Ensinavam seus iniciados a descobrir seus próprios
motivos e impulsos inconscientes, a abrir o seu caminho através da traiçoeira escuridão dos delírios
humanos e, finalmente, a atingir a unidade com o Centro que existe bem no interior de cada um.
Concentrando-se na percepção profunda e no autoconhecimento, esse movimento gnóstico não
agradava à grande maioria dos
primeiros cristãos e foi perseguido pela Igreja Católica. A aquisição de qualquer tipo de conhecimento,
mas especialmente das operações ocultas da psique, é um trabalho difícil e doloroso que a maioria de
nós jamais quis ter.
Mas, apesar da perseguição sofrida pela classe maga dos primeiros cristãos, o arquétipo do
Mago não pôde ser eliminado, é claro; nenhum a energia insti ntiva da psique pode ser. Essa tradição
de conhecimentos secretos ressurgiu na Europa durante a Idade Média como "alquimia". Quase todos
nós sabemos que a alquimia era a tentativa de se conseguir ouro a partir de substâncias comuns.
Nesse sentido, estava destinada a fracassar. Mas o que em geral desconhecemos é que a alquimia
era também uma técnica espiritual para ajudar os próprios alquimistas a alcançarem a percepção
profunda, a

autoconsciência e a transformação pessoal — isto é, a iniciação num maior amadurecimento.


Em grande parte, foi a alquimia que deu srcem às ciências modernas — principalmente à química e
à física. É interessante perceber que a nossa ciência moderna, como o trabalho dos antigos magos,
também se divide em dois aspectos. O primeiro, a "ciência teórica" é o aspecto conhecedor da
energia do Mago. O segundo, a "ciência aplicada", é o aspecto tecnológico da energia do Mago, o
conhecimento aplicado de como conter e canalizar poder.
Acreditamos que a nossa era é a do Mago, porque é tecnológica. É a era do Mago pelo menos
na sua preocupação materialista de compreender e dominar a natureza. Mas, quanto ao processo de
iniciação psicológico, espiritual, não-materialista, a energia do Mago parece estar em falta. Já
observamos a ausência do ancião do ritual que pode iniciar os homens nos níveis mais profundos e
maduros da identidade masculina. Ainda que as escolas técnicas e os sindicatos, as associações
profissionais e muitas outras instituições que manifestam a energia do Mago no mundo puramente
material desenvolvam e

proporcionem processos iniciatórios para os que procuram tornar-se "mestres" nesse sentido, a
energia do Mago não está se saindo muito bem na área da transformação e do crescimento pessoal. A
nossa era,
como dissemos, é de caos no que se refere à identidade pess oal e sexual. E o caos é sempre o
resultado do acesso inadequado ao Mago em alguma área essencial da vida.
Duas ciências — a física subatômica e a psicologia profunda — continuam fazendo o trabalho
dos antigos magos de uma forma holística que reúne os aspectos materiais e psicológicos da energia
do Mago. Cada uma busca conhecer e depois, pelo menos em parte, controlar as fontes das mesmas
energias ocultas que os antigos sondavam tão profundamente.
A física subatômica moderna, dizem, assemelha-se muito ao misticismo oriental quando
aborda as intuições do hinduísmo e do taoísmo. Essa nova física está descobrindo um microcosmo
sob o nosso
aparentemente sólido macrocosmo de percepções sensoriais. Esse mundo invisível de partículas
subatômicas é bem diferente do macrocosmo que normalmente viven ciamos. Nesse mundo oculto sob

a superfície das coisas, a realidade torna-se bastante estranha. Partículas e ondas, tão radicalmente
diversas em suas propriedades no macrocosmo, no microcosmo são a mesma coisa. Uma "partícula"
pode parecer estar em dois lugares ao mesmo tempo, sem nunca ter-se dividido . A matéria perde a
sua "solidez" e tem a aparência de nodos de energia, concentrados em pontos definidos por períodos
mais
ou menos breves. A própria energia parece surgir de um padrão semelhante a uma tela, ainda
mais profundamente oculto, do espaço vazio, que já não se pode considerar "nada". As
partículas sobem
desse campo energ ético subjacente como ondas do mar, para em seguida baixar – ou "decair " –
novamente no nada de onde vieram. Surgem perguntas sobre o tempo: o que é, em que
direção vai.
Ele
volta atrás? Alguns tipos de partículas subatômicas voltam atrás no tempo e depois invertem seu
sentido para se moverem no nosso tempo de novo? Qual a srcem do universo e o seu destino final?
À luz dessas novas descobertas e dúvidas afloram antigas questões: qual a natureza do ser e do
não ser? Existem, de fato, as outras dimensões profetizadas pêlos matemáticos? De que modo
equivalem ao que as antigas religiões chamavam de outros "planos" ou "mundos"? Os físicos
entraram no campo do conheciment o verdadeiramente oculto e secreto. E estão avançando num
mundo de pensamento muito
parecido com o do antigo mago.
O mesmo vale para a psicologia profunda. Ao fazer os seus primeiros mapas do inconsciente,
Jung surpreendeu-se com as semelhanças entre o que estava descobrindo sobre correntes
energéticas e

padrões arquetípicos da psique humana e a física quântica de Max Planck, dentre outros. Jung
percebeu que tinha tropeçado num mundo vasto que as pessoas da era moderna em grande parte
negligenciaram,
um mundo de símbolos e imagens vivas que surgia e desaparecia como as ondas de energia
aparentemente responsáveis pelo nosso universo material. Essas realidades arquetípicas, ocultas no
vazio profundo do inconsciente coletivo, pareciam ser as peças que constituíam a nossa maneira de
pensar e sentir, e os nossos padrões habituais de comportamento e reação, o nosso macrocosmo da
personalidade. Para Jung, esse inconsciente coletivo parecia-se muito com os campos energéticos
invisíveis dos físicos subatômicos, e segundo ele ambos eram bem semelhantes ao misterioso
"pleroma" subjacente descrito pêlos gnósticos.
A conclusão a que chegaram a física moderna e a psicologia profunda é que as coisas não
são o que parecem ser. O que vivenciamos como realidade normal — sobre nós mesmos e a
natureza — é apenas a ponta de um iceberg que surge de um incomensurável abismo. O
conhecimento desse reino

oculto pertence ao Mago, e só através da energia dele chegaremos a entender nossas vidas num grau
de profundidade não sonhado durante pelo menos mil anos de história ocidental.
Há indícios de que Jung se considerava Mago. Quando lhe perguntaram certa vez se acreditava
em Deus, ele respondeu, bem ao estilo gnóstico: "Não acredito em Deus; eu sei”. Alguns de seus mais
antigos seguidores diziam que Jung contava-lhes segredos que só poderiam revelar aos iniciados nos
mais elevados, ou profundos, níveis de consciência psíquica.
Não é mistificação. Todo analista sabe que tem que tomar cuidado com o que vai revelar a um
analisando em determinado momento. O poder das energias inconscientes é tão grande que se não
forem controladas, contidas e canalizadas, se o acesso a elas não se der no momento certo e na dose
exata, elas podem explodir em pedacinhos a estrutura do Ego, Excesso de energia sem os
"transformadores" adequados e sem o "isolamento" na quantidade certa vai sobrecarregar os circuitos
do analisando e destruí-lo. A revelação de informações secretas tem que ser controlada, porque algum
motivo as fez

ficarem escondidas do Ego.


Há uma outra área no nosso mundo moderno em que o conhecimento psicológico e espiritual e
a canalização da energia característicos do arquétipo do Mago estão sendo reavivados. É a área das
chamadas ciências ocultas. Há muitos magos ritualistas, vindos de todos os tipos de atividade —
banqueiros, operadores de computador, donas-de-casa, engenheiros químicos e outros — que
cumprem suas funções "diurn as", como todo mundo, e depois se retiram para o seu verdadeiro
trabalho, geralmente à noite, em que buscam a iniciação nos "planos superiores". Entram em contato
com o que chamam de "entidades" que os ensinam a enxergar mais profundamente e a usar o poder
que fica disponível para o
bem ou para o mal. Essas pessoas — exatamente como os antigos magos — preocupam-se com o
conhecimento da sabedoria e dos poderes secretos e com as questões tecnológicas de contenção
(quase sempre através de efeitos isolantes como "círculos mágicos" e palavras de invocação e
expulsão) e canalização (freqüentemente usando a conhecida 'Varinha de condão") das energias.
O problema do espaço "sagrado" está presente em todos os processos ritualísticos e em todos
os tipos de conhecimento profundo e controle de energias. O espaço sagrado é o recipiente da energia
em seu estado bruto — o "transformador redutor" que isola e depois canaliza as energias atraídas para
ele. É o escudo do reator na usina nuclear. É o santuário na igreja. São os hinos e as preces comuns,
as inovações e bênçãos, usados para invocar o Poder Divino, e em seguida proteger os fiéis da sua
crua intensidade, ao

mesmo tempo em que lhes dá o acesso a esse poder.


Há uma história fascinante na Bíblia sobre essa questão da contenção e do espaço sagrado. O rei
Davi e seu exército recapturaram a Arca da Aliança — uma espécie de "estação geradora" portátil do
poder de Javé — das mãos dos filisteus. Estavam transportando-a de volta a Jerusalém quando os
bois que puxavam a carroça tropeçaram. A Arca começa a tombar. Um soldado, que caminha ao lado
da carroça, estende instintivamente os braços e toca na Arca, tentando firmá-la. Na mesma hora
morre, porque apenas os sacerdotes, os magos, treinados para lidar com o "núcleo reator" do poder de
Deus, podem tocá-la. Eles conhecem o segredo da isolação; sabem como conter e canalizar o poder
de Javé na Terra. O infeliz soldado, apesar de todas as suas boas intenções, não sabia.
No filme Caçadores da arca perdida (Raiders ofthe lost arfè)vemos o tema desse poder gerador
com um tratamento atual. Nele, Indiana Jones está competindo com os nazistas para encontrar a Arca
e depois usar o enorme poder dessa antiga "tecnologia". Os nazistas chegam primeiro. Há uma cena
maravilhosa

em que o comandante alemão, envergando convenientemente o manto cerimonial, recita as


invocações ritualísticas para ativar o poder da Arca. Está ligando o interruptor. Mas, evidentemente,
não é mago.
Porque, tendo acionado o gerador não consegue conter as forças que liberou. Não consegue achar o
interruptor que desliga. O poder de Javé está solto e, na ausência do mago como conhecedor e
técnico, o exército nazista é pulverizado.
Um tema semelhante aparece numa seqüência de Fantasia, de Walt Disney. Mickey Mouse, o
aprendiz de feiticeiro, fica responsável pela limpeza do estúdio de seu mestre – o feiticeiro (mago). Em
vez de fazer o trabalho da maneira convencional, com esforço, ele resolve usar o poder da magia.
Ativa o esfregão e o balde, e no início tudo vai bem. Mas ele perde o controle do poder que liberou.
Não passa de um aprendiz, afinal de contas, e não sabe como conter a energia que colocou em ação.
Os esfregões e baldes começam a se multiplicar. A. situação se torna frenética, o infeliz Mickey não
consegue acertar com as palavras que interromperiam essa explosão de poder. Os esfregões e os
baldes não param de despejar

água na sala, até que o aprendiz é apanhado por uma onda e corre o risco de se afogar. Somente a
volta do mestre resolve a situação.
Com a física subatômica, muitas vezes descobrimos tarde demais que o nosso conhecimento e
a nossa técnica de contenção são inadequados. O desastre soviético de Chernobyl é o exemplo mais
dramático e infeliz.
O mesmo ocorre na psicoterapia. Muitas vezes o terapeuta que não foi adequadamente iniciado
e não é conhecedor o bastante — e é ainda um "aprendiz" de certas formas fundamentais – libera no
analisando energias que nenhum dos dois é capaz de conter. Esse problema da contenção está
sempre
surgindo no contexto da terapia de grupo, especialmente nos "grupos de encontro" dos anos 60 e 70.
Quase sempre, nenhum dos participantes nem o líder possuíam uma compreensão real das forças que
poderiam ser liberadas. O líder não tinha nem o conhecimento, nem a competência técnica, da
dinâmica psicológica para controlar o processo.
O grupo, conseqüentemente, se tornava negativo e ocorria a "desintegração", primeiro dos
indivíduos depois do grupo inteiro. O mesmo acontece nos concertos de rock, de tempos em tempos.
Os músicos invocam as emoções agressivas e passageiras do público e então, se não têm acesso
suficiente ao Mago, não conseguem conter e canalizar as energias. A platéia fica violenta, cria um
tumulto no teatro, e até nas ruas, numa orgia de destruição.

O Mago na Sua Plenitude


O que tudo isso significa para nós, homens, interessados na nossa própria busca de felicidade
pessoal e de uma vida mais plena para nossos entes queridos, nossas firmas, nossas causas, nossos
povos, nossas nações e o mundo? Que funções exerce no nosso cotidiano a forma masculina
amadurecida da energia do Mago?
O Mago é o arquétipo da consciência e da percepção, principalmente, mas também do
conhecimento de tudo que não é imediatamente visível ou captado pelo bom senso. É o arquétipo que
governa o que em psicologia se chama o "Ego observador".
Embora se admita às vezes na psicologia profunda que o Ego tem uma importância secundária
em relação ao inconsciente, na verdade ele é fundamental para a nossa sobrevivência. Só quando
está possuído por uma outra forma de energia – um arquétipo ou "complexo" (um fragmento
arquetípico, como o

Tirano) –, identificado ou inflado com ela é que ele funciona mal. O seu papel é recuar e observar,
sondar o horizonte, monitorar as informações vindas de dentro e de fora e depois, com a sua
sabedoria – o seu
conhecimento do poder, interno e externo, e a sua habilidade técnica de canalização –, tomar as
decisões necessárias.
Quando o Ego observador está alinhado com o Si-mesmo masculino ao longo de um "eixo Ego-
Si- mesmo", ele é iniciado na sabedoria secreta do Si-mesmo. É, de certo modo, o servo do Si-mesmo
masculino. Mas, em outro sentido, é o líder e o canalizador dessa energia do Si-mesmo. Tem,
portanto, um papel fundamental na personalidade como um todo.
O Ego observador está afastado do fluxo normal dos fatos, sentimentos e experiências do dia-a-dia.
De certo modo, não vive a vida. Observa a vida, e depois aperta os botões certos na hora certa para
ter acesso às correntes energéticas, quando necessárias. É como o operador de uma represa
hidrelétrica, que observa seus medidores e as telas do computador para controlar a pressão superficial
da represa e então

decide se vai ou não abrir as comportas para deixar a água sair.


O arquétipo do Mago, de comum acordo com o Ego observador, nos mantém isolados do poder
arrasador dos outros arquétipos. É o matemático e o engenheiro existentes em cada um de nós que
regula as funções da psique e sabe como canalizá-la para o seu proveito máximo. Conhece a força
inacreditável do "sol" interior e sabe como canalizar essa energia solar, tirando o máximo proveito de
seus benefícios. O modelo do Mago regula as correntes de energia internas dos diversos arquétip os
em prol de nossas vidas individuais.
Muitos magos humanos, em qualquer profissão ou atividade (os ocultistas também), estão
conscientemente usando seus conhecimentos e competência técnica para ajudar os outros e a si
mesmo. Médicos, advogados, sacerdotes, executivos, bombeiros e eletricistas, cientistas pesquisadores,
psicólogos e muitos outros estão, quando têm acesso adequadamente à energia do Mago, trabalhando
para transformar a energia bruta em algo vantajoso para os outros. É o que acontece com os pajés e
xamãs e suas matracas, amuletos, ervas e fórmulas mágicas. E é igualmente válido para os técnicos
de pesquisa na área da medicina que estão procurando a cura para as nossas doenças fatais.
A energia do Mago está presente, no arquétipo do Guerreiro sob a forma da sua clareza de
pensamento, que já examinamos em detalhes. O Mago sozinho não tem capacidade para agir.
Isso é

especialidade do Guerreiro. Mas é capaz de pensar. Sempre que nos defrontamos com o que parece
ser uma decisão impossível no nosso dia-a-dia — a quem promover na empresa quando há questões
políticas
complexas e difíceis a serem consideradas, como lidar com a falta de motivação de nosso filho na
escola, como projetar uma casa de modo a satisfazer as especificações do cliente e as normas de
construção da cidade, o que revelar a um analisando sobre o significa do dos seus sonhos quando o
vemos na iminência de uma crise, até mesmo como equilibrar um orçamento apertado —, sempre que
fazemos coisas desse tipo, sempre que tornamos essas decisões, ponderando com cuidado e
discernimento, estamos tendo acesso ao Mago.
O Mago, portanto, é o arquétipo da reflexão. E, por conseguinte, da energia da introversão. O
que entendemos por introversão não é timidez, mas sim a capacidade de se afastar das tormentas
internas e externas e entrar em contato com as verdades e os recursos internos profundos. Os
introvertidos, neste sentido, vivem muito mais centrados do que as outras pessoas. A energia do
Mago, ao ajudar a formação

do eixo Ego-Si-mesmo, é inarredável na sua estabilidade, centralização e afastamento emocional, Não


é facilmente empurrado de um lado para o outro.
O Mago quase sempre entra em ação numa crise. Um senhor de meia-idade nos contou o que
lhe aconteceu recentemente num desastre de carro. Era inverno, e ele descia uma montanha. Um
automóvel que ia na sua frente parou num sinal mais abaixo. Quando viu, o senhor brecou, mas
encontrou uma superfície coberta de gelo. Os freios travaram e o carro desceu a montanha feito um
bólido. O homem entrou em pânico quando viu que deslizava na direção da traseira do outro carro.
Então uma coisa incrível aconteceu: uma mudança de estado de consciência. De repente, tudo parecia
estar movendo-se em câmara lenta. O homem se sentiu calmo e firme. Dispunha agora de "tempo"
para decidir entre as poucas opções que tinha. Era como se um computador assumisse a direção, um
outro tipo de inteligência dentro dele. Uma "voz" interior disse-lhe para soltar o pedal do freio, bombeá-
lo algumas vezes e virar tudo o que pudesse para a direita. Assim, bateria de canto no carro lá
embaixo, diminuindo o impacto, e chegaria mais

ou menos inteiro no barranco macio, coberto de neve, na beira da estrada. O homem executou com
sucesso as manobras.
Achamos que o que ele estava relatando era o repentino acesso à energia do Mago, uma
energia
cujo "conhecimento" desapaixonado dos diversos resultados possíveis e cuja compreensão das
linhas
de força (de contenção e canalização) poderiam ajudá-lo, com a competência técnica, a sair de uma
situação ruim.
Se pensarmos por um momento em todas as áreas da nossa vida em que o pensamento claro,
cuidadoso, baseado na sabedoria interior e na competência técnica, ajudaria, perceberemos a neces-
sidade do acesso adequado ao Mago.
Freqüentemente, em situações difíceis como essa, as pessoas entram numa espécie de
organizaç ão espaço-temporal que podemos chamar de "sagrada", por ser tão diferente do espaço e
do tempo que normalmente vivenciamos. O motorista do nosso exemplo viu-se de repente num
espaço e num tempo interiores (o efeito da câmara lenta que descreveu) muito diferentes do pânico e
do medo
que sentiu. Esse espaço "sagrado" é algo que os homens guiados pelo Mago conhecem bem. Eles
conseguem até deliberadamente entrar nesse "espaço", como os magos ritualísticos que traçam seus

círculos mágicos e recitam palavras mágicas. Eles se colocam nesse espaço ouvindo certas músicas,
dedicando-se a um hobby, fazendo longas caminhadas pelo bosque, meditando sobre certos temas e
figuras mentais, e através de vários outros métodos. Quando estão nesse espaço sagrado interior,
podem ter contato com o Mago; podem sair lá de dentro vendo o que precisam fazer em relação a um
problema e sabendo como agir.
Acreditamos que as diversas formas como o Mago tem aparecido na história e como ele
aparece hoje entre os homens são meros fragmentos de uma imagem srcinariamente una. Esse Mago
primordial existente nos homens manifestou-se de maneira mais plena no que os antropólogos
chamam de xamã. Nas sociedades tradicionais, o xamã era o curandeiro, aquele que restituía a vida,
que encontrava as almas perdidas e que descobria as causas ocultas dos infortúnios. Era quem
devolvia a totalidade e a plenitude do ser tanto aos indivíduos como às comunidades. Na verdade, a
energia do Mago hoje continua tendo o mesmo objetivo último. O Mago, e o xamã como seu expoente
humano mais pleno, visa a plenitude do ser

para todas as coisas, através da aplicação piedosa do conhecimento e da tecnologia.

O Mago da Sombra: o Manipulador e o "Inocente" Negador


Por mais positivo que seja o arquétipo do Mago, como todas as outras formas potenciais de
energia masculina amadurecida, ele também tem um lado da sombra. Se esta era é a do Mago, é
também a do Mago da Sombra bipolar. Basta apenas lembrar o problema cada vez maior dos lixos
tóxicos envenenando e destruindo o meio ambiente do nosso planeta. Os "esfregões e baldes" do
aprendiz de feiticeiro proliferam enquanto se escancara o buraco na camada de ozônio, os oceanos
devolvem os nossos dejetos, a fauna e a flora perecem (muitas espécies em total extinção), as
florestas tropicais brasileiras vêm abaixo, não só destruindo o sistema ecológico no Brasil, mas
ameaçando também a capacidade de todo o globo terrestre de produzir oxigênio suficiente para
manter a maioria das formas de vida. Foi o Mago da Sombra que nos deu os dias mais tenebrosos da
Segunda Guerra Mundial, não apenas a tecnologia dos campos de

extermínio, mas também a espada do juízo final que continua pendendo sobre as nossas cabeças. O
domínio da natureza, função própria do Mago, vem atacando às cegas, e com resultados
incalculáveis, que
já estamos começando a sentir. Por trás dos serviços de propaganda, dos comunicados à imprensa
controlados, da censura das notícias e dos comícios políticos artifi cialmente orquestrados está o rosto
do Mago como Manipulador.
O pólo ativo do Mago da Sombra é, de certo modo específico, uma "Sombra do poder". O
homem sob essa Sombra não guia os outros, como faz o Mago; dirige-os por caminhos escuros. O
seu interesse não é iniciar os outros gradualmente — em níveis que sejam capazes de integrar e
dominar — a vidas
melhores, mais felizes e satisfatórias. Ao contrário, o Manipulador manobra as pessoas retend o as
informações que poderiam ser úteis ao bem-estar delas. Cobra caro por qualquer pequena informação
que dá, que costuma ser apenas o suficiente para demonstrar a sua superioridade e o quanto ele
sabe. O Mago da Sombra não é só distante, também é cruel.
Lamentavelmente, pode-se ver um bom exemplo disso nas nossas escolas de pós-graduação.
Vários alunos — inteligentes , talentosos e esforçados — nos contaram suas experiênci as com o
Mago da Sombra no relacionamento com os professores. Em vez de se aproximarem do Mago
adequadamente e dessa forma orientarem a iniciação desses jovens no reino esotérico dos estudos
avançados, esses homens habitualmente atacavam seus alunos, procurando arrasar com o
entusiasmo deles. Infelizmente,

essa cena se repete com muita freqüência em todos os níveis das instituições educacionais — do
jardim da infância à escola de medicina, do ginásio às escolas técnicas profissionalizantes.
Muitos homens envolvidos na prática da medicina moderna revelam essa Sombra de poder também.
Todos sabem que quem ganha melhor na medicina é o especialista, aquele que é iniciado nas áreas
refinadas do conhecimento. Há, sem dúvida, muitos médicos especialistas sinceramente interessados
no bem-estar de seus pacientes. Mas um grande número deles não lhes revelam detalhes importantes
sobre as suas doenças. Especialmente no campo da oncologia, é comum os médicos reterem
informações importantes que permitiriam aos pacien tes e à família destes se prepararem para os
sacrifícios do tratamento e para a possibilidade da morte. Além disso, os elevados custos da medicina
– especialmente de equipamentos e métodos estrangeiros – são um testemunho da ganância, não só
de poder (o poder que o conhecimento secreto dá a quem o possui), mas também de riqueza material,
de que são vítimas os homens possuídos pelo Manipulador. Esses homens estão usando seus
conhecimentos secretos em seu

próprio proveito primeiro, e só depois em benefício dos outros, talvez.


A crescente complexidade das leis e a linguagem cifrada dos processos e documentos legais —
sejam quais forem as outras finalidades que possam ter — proclamam claramente ao público:
"Nós, advogados, temos acesso a um conhecimento oculto que pode ou não acabar com você. E
depois que lhe cobrarmos uma taxa exorbitante por nossos serviços, você poderá ou não
beneficiar-se da nossa magia."
Com muita freqüência, também, no consultório, o terapeuta oculta uma informação que o
cliente precisa para melhorar seu estado e, sutilmente, ou nem tanto, comunica-lhe: "Sou
guardião da grande sabedoria e do conhecimento secreto, a sabedoria e o conhecimento que
você precisa para ficar bom. Eu os possuo. Tente tirá-los de mim. E, por falar nisso, deixe o seu
cheque com a secretária ao sair."
Essa retenção e esse segredo com o propósito de engrandecimento pessoal podem ser vistos
também em "Madison Avenue". A manipulação em massa da psique do público pelos anunciantes
, para

alimentar a ganância e a vaidade das empresas para as quais trabalham, usando a mentira,
revela um distanciamento cínico do reino das relações verdadeiras, que é ponto por ponto tão
destrutivo e
interesseiro como qualquer coisa feita pelo serviço de propaganda dos governos totalitários. Com a
utilizaç ão hábil de imagens e símbolos que agradam às feridas de seus companheiros humanos,
esses charlatães chaco alharam as contas e agitam as penas do praticante de magia negra, o
feiticeiro do mal, o bruxo do ritual vudu.
O homem sob o poder do Manipulador não magoa apenas as outras pessoas com o seu
cínico distanciamento do mundo dos valores humanos e com as suas tecnologias subliminares
manipuladoras,
magoa a si mesmo também. É o homem que pensa demais, que se afasta da sua própria vida e não a
vive. Fica preso na teia dos prós e contras, nas decisões que tem que tomar e se perde num labirinto
de reflexões tortuosas de onde não consegue sair. Tem medo de viver, de "saltar para a batalha". Só
consegue ficar sentado na sua pedra, pensando. Os anos passam. Ele se espanta vendo que o tempo
se foi. E acaba lamentando uma vida estéril. É um voyeur, um aventureiro da poltrona. No mundo
acadêmico, é aquele homem minucioso, preocupado com detalhes. Com medo de tomar a decisão
errada, não decide coisa alguma. Com o seu medo de viver, tampouco consegue participar da alegria
e do prazer que as outras pessoas sentem na vida que vivem. Se ele se retrai do contato com as
outras pessoas, e não compartilha o que sabe, acaba sentindo-se isolado e sozinho. Na medida em
que magoa os outros com o

seu conhecimento e a sua tecnologia – em qualquer campo e de qualquer forma – afastando-se da


convivência com outros seres humanos, ele isola a sua própria alma.
Há vários anos, houve uma história da Ttvilight Zone (Zona do crepúsculo) sobre um homem
possuído dessa maneira pelo Mago da Sombra. Ele gostava de ler e se julgava superior aos seus
semelhantes. Rejeitava as tentativas que as outras pessoas faziam para conhecê-lo e levá-lo a dividir
o seu considerável conhecimento. Então aconteceu uma guerra nuclear, e esse homem foi o único ser
humano vivo que sobrou na terra. Em vez de ficar arrasado com isso, ele ficou exultante e correu para
a biblioteca mais próxima. Encontrou o prédio em ruínas e milhares de volumes espalhados pelo chão.
Feliz, inclinou-se para examinar a primeira pilha de livros, e deixou cair os óculos no meio do entulho.
As lentes se partiram.
Sempre que nos afastamos, que não nos relacionamos, que retemos algo que sabemos que
poderia ajudar outras pessoas, sempre que usamos o nosso conhecimento como uma arma para
humilhar e controlar os outros, ou para nos gabarmos às custas do nosso status ou riqueza, estamos
identificados com

o Mago da Sombra como Manipulador . Estamos fazendo magia negra, prejudicando-nos da mesma
forma que às pessoas que poderiam beneficiar-se da nossa sabedoria.
O pólo passivo da Sombra do Mago é o que estamos chamando de Ingênuo, ou "Inocente". O
"Inocente" é o que sobrou, na passagem da infância para a idade adulta, do pólo passivo da Sombra
da Criança Precoce – o Palerma. O "Inocente" também. Ele quer o poder e o status que
tradicionalmente pertencem ao homem que é mago, pelo menos nas áreas socialmente aprovadas.
Mas não quer assumir as responsabilidades do verdadeiro mago. Não quer compartilhar e ensinar.
Não aceita a tarefa de ajudar os outros da maneira cuidadosa e gradual que constitui uma parte
necessária de qualquer iniciação. Não quer cuidar do espaço sagrado. Não quer saber, e certamente
não está interessado em fazer o grande esforço necessário para adquirir perícia na contenção e
canalização de poder de maneira construtiva. Quer aprender apenas o suficiente para tirar dos trilhos
quem está fazendo esforços compensadores. Afirmando solenemente a inocência de seus motivos
oculto s, o homem possuído pelo "Inocent e", "bom demais" para

fazer ele mesmo um esforço, bloqueia os outros e tenta derrubá-los. Enquanto o Trapaceiro prega
peças em parte para revelar a verdade, o "Inocente" oculta essa verdade para conquistar e
conservar o seu
próprio status precário. Enquanto o Trapaceiro visa o esvaziamento necessário da nossa
grandiosidade, o Mago da Sombra, tanto como Manipulador quanto como "Inocente", trabalha para
nos esvaziar, quando esse esvaziamento é não só desnecessário como prejudicial.
As motivações ocultas do "Inocente" srcinam-se da inveja de quem age, vive e quer compartilhar.
Como ele inveja a vida, também tem medo das pessoas que irão descobrir a sua falta de energia para
viver e lançá-lo do alto do seu vacilante pedestal. O distanciamento e as "atitudes comoventes", as
observações
deflatoras, a hostilidade diante das perguntas, até a perícia acumulada, tudo destina-se a encobrir a
verdadeira desolação interior e ocultar do mundo a sua real irresponsabilidade e inércia.
O homem possuído pelo "Inocente" comete o pecado da inércia e o pecado da omissão, mas
oculta os seus motivos hostis atrás da parede impenetrável de uma falsa ingenuidade. Esses homens
são traiçoeiros e dissimulados. Não nos permitem envolvê-los frontalmente com a nossa energia do
Guerreiro. Defendem-se das nossas tentativas para enfrentá-los, mantendo-nos assim desequilibrados
ao nos fazer por um processo infindável de dúvidas quanto ao que intuímos do comportamento deles.
Se desafiamos a sua "inocência", quase sempre reagem com uma perplexidade capaz de arrancar
lágrimas e nos deixam na mão. Às vezes até nos sentimos envergon hados por lhes termos atribuído
motivos indi gnos e chegamos à

conclusão de que somos paranóicos. Mas não vamos conseguir escapar da sensação constrangedora
de termos sido manipulad os. E, com essa sensação, teremos detectad o o pólo a tivo da Sombra do
Mago por
trás da cortina de fumaça da sua "inocência".

O Acesso ao Mago
Se estivermos possuído s pelo Manipulador, estaremos nas garras da Sombra do poder do Mago.
Se sentirmos que perdemos o contato com o Mago na sua plenitude, seremos apanhados no pólo
passivo desonesto e negativo da sua Sombra. Nesse caso, não teremos muita noção da nossa
própria estrutura interior, da nossa própria tranqüilidade e lucidez. Não teremos um sentimento de
segurança interior, e não confiaremos em nossos processos mentais. Não seremos capazes de nos
distanciar de nossas emoções e problemas. Tenderemos a vivenciar um caos interior e ficar
vulneráveis às pressões
externas, que nos jogarão de um lado para o outro nas mais diferentes direções. Agiremos com os

outros de maneira passiva-agressiva, mas diremos que somos inocentes de qualquer intenção
perversa.
Uma das coisas mais difíceis de fazer como conselhei ro ou terapeuta é conseguir que os
clientes separem seus Egos de suas emoções sem, ao mesmo tempo, reprimi-las. Há um exercício
psicológico realmente bom para isso; chama-se focalização, criado por Eugene Gendlin.
Pedimos aos nossos clientes que, quando perceberem o início de uma emoção forte– terror, inveja,
ira, desespe ro –, se sentem numa poltrona de "observação" e, conforme os sentimentos forem
surgindo, imaginem que os estão empilhando no meio da sala. Cada um deve ser colocado na pilha
cuidadosamente, depois disso podemos voltar a nos sentar e observar o sentimento – a sua cor, o
seu forma to e as suas nuances emocionais . Pedimos aos clientes que olhem bem seus sentimentos
– sem julgá-los nem menosprezá - los, mas observando-os. "Ah, você está aí novamente! É esta a
sua cara!" Se os sentimentos estão no meio da sala, onde o Ego pode vê-los, não estão sendo
reprimidos . Então, quando a força deles acaba,

pedimos aos clientes que os mandem embora.


O que esse exercício faz é ajudar o cliente a reforçar a sua comunicação com a energia do
Mago. É ele que observa e pensa. É o Mago que possibilita ao Ego empilhar os sentimentos
ordenadamente. As energias emocionais, assim contidas, acabam perdendo a força. Finalmente, o
Ego fortalecido pode ser capaz de pegar essa energia emocional bruta e transformá-la em formas úteis
e vivificantes de expressão do Si-mesmo.
Um outro exercício ajudou um jovem a ter acesso à sua energia do Mago. O rapaz era
aterrorizado quase todas as noites por sonhos em que ciclones avançavam sobre ele. Imensas e
escuras nuvens
afuniladas vinham na sua direção enquanto ele se encolhia agachado sob uma árvore no quintal da casa em que morava quando criança. Não tinha idéia do que
Como o rapaz tinha um certo talento artísti co, o terapeuta sugeriu-lhe que desenhasse os ciclones.

Em seguida, deveria desenhar os ciclones numa cápsula revestida de chumbo, de modo que a sua raiva ficasse girando como uma espiral magnética num gerado
transformadores saindo da cápsula e indo para os postes de iluminação nas ruas, para as casas e fábricas
– tudo que precisasse dessa energia.
Não demorou muito, a vida do rapaz começou a mudar. Ele teve força para largar o emprego.
Sempre quisera trabalhar com teatro infantil. De repente, sem ele esperar, começaram a surgir ofertas para esse tipo de trabalho. A enorme energia da sua raiv
O que o terapeuta fez, ao sugerir que ele desenhasse foi possibilitar que o cliente recorresse ao Mago na sua plenitude para conter e canalizar emoções primária

corretamente com a energia do Mago, estaremos acrescentando às nossas vidas pessoais e profissionais uma dimensão de clarividência, de profunda compreen
além de habilidade técnica na forma de lidar externa e internamente com as forças psicológicas. Ao entrarmos em contato com o Mago, precisamos regular essa

CAPITULO OITO
O Amante

As Cavernas dos Elefantes, numa ilha no mar de Omã, na costa de Bombaim, na Índia, mesmo
de longe compõem uma visão espetacular. São os "Templos da Perdição" srcinais da história de
Indiana Jones. Localizam-se na encosta de uma montanha íngreme coberta por uma densa floresta
cujas árvores descem até a beira d’água. Os macacos correm entre a vegetação rasteira e se
balançam, gritando e guinchando no topo das árvores.
Uma vez lá dentro, o conjunto de cavernas-templo abrem-se num esplendor misterioso e
sombrio. E ali, iluminada por centenas de velas bruxuleantes, erguendo-se na penumbra, talhada na
rocha viva, esta
uma enorme representação do grande falo do deus hindu Xiva, Criador e Destruidor do Mundo. A
imagem é tão forte, tão carregada de energia — vital para os fiéis, que dia e noite a caverna-templo
zune com o vaivém de milhares de peregrinos e ecoa com seus cantos. O fiel é envolvido num clima
de total fascinação por essa representação do masculino divino e reage com um abafado "sim" de
reconhecimento.
Os gregos antigos tinham um deus, Príapo, cujo falo era tão grande que ele precisava carregá-lo
num carrinho de mão. Os egípcios reverenciavam o deus Osíris na forma de um pilar djed. Nos
tradicionais festejos da fertilidade, os japoneses ainda dançam com imensos falos artificiais para
invocar as forças procriadoras da natureza.
O pênis ereto, não há dúvida, é um símbolo sexual. Mas também é um símbolo da própria energia

vital. Para os povos antigos, o sangue era o veículo do espírito, da energia, da alma. E o sangue
sustentando o pênis ereto era o próprio espírito na carne. A energia vital – sempre divina – ingressava
no
mundo profano da matéria e da vida humana, O resultado dessa união do humano com o divino, do
mundo com Deus, era sempre criativo e energizante. Dela se originavam novas vidas e formas, novas
combinações de oportunidades e possibilidades.
Há várias formas de amor. Os antigos gregos falavam de ágape, o amor não erótico, que a
Bíblia chama de "amor fraterno". Falam de eros tanto no sentido restrito de amor fálico ou sexual,
como no sentido mais amplo do amor como a necessidade de ligar e unir todas as coisas. Os romanos
falavam de amor, a união total de um corpo e uma alma com outro corpo e outra alma. Essas e todas
as outras formas de amor (em parte, variações das primeiras) são a expressão viva da energia do
Amante na vida humana.
Os junguianos muitas vezes usam o nome do deus grego Eros, quando falam da energia do
Amante. Usam também o termo latino libido. Com esses termos, referem-se não apenas aos apetites
sexuais, mas

ao apetite pela vida em geral.


Acreditamos que o Amante, seja qual for o seu nome, é o padrão energético primor dial daquilo que
poderíamos chamar de força, entusiasmo e paixão. Vive através da grande fome srcinal que nossa
espécie tem de sexo, alimento, bem-estar, reprodução, adaptação criativa diante das dificuldades da
vida e, basicamente, de compreensão das coisas – sem os quais os seres humanos não resistem. O
impulso do Amante é de satisfazer essas necessidades.
O arquétipo do Amante também é fundamental para a psique porque é a energia da
sensibilidade ao ambiente externo. Expressa o que os junguianos chamam de "função de sensação", a
função da psique treinada em todos os detalhes da experiência sensorial, a função que observa as
cores e as formas, os sons, as sensações táteis e os cheiros. O Amante também monitora as texturas
mutantes do mundo psicológico interior conforme ele vai reagindo à entrada das impressões
sensoriais. É fácil ver o valor desse potencial energético para a sobrevivência de nossos longínquos
ancestrais roedores, que lutavam para

continuar num mundo perigoso.


Seja qual for o seu cenário primitivo, como o Amante se revela nos homens hoje em dia? Como
ele nos ajuda a sobreviver e até a prosperar? Quais as suas características?

O Amante na Sua Plenitude


O Amante é o arquétipo da representação e da "exibição", da encarnação saudável, do estar no
mundo dos prazeres sensuais e no próprio corpo sem sentir vergonha. Assim, o amante é
profundamente sensual – sensualmente consciente e sensível ao mundo físico em todo o seu
esplendor. O Amante se
relaciona com tudo e com todos, atraído através de sua sensibilidade. Esta o leva a sentir-se
compassiva e empaticamente unido com eles. Para o homem que tem acesso ao Amante, todas as
coisas se ligam entre si de forma misteriosa. Ele vê, como dizemos, "o mundo num grão de areia". É a
consciência que sabia, muito antes da invenção da holografia, que na verdade vivemos num universo
"holográfico" — em que cada parte reflete a outra numa união imediata e solidária, A energia do
Amante não apenas vê o mundo num grão de areia. Ele sente que é assim que as coisas são.
Um menino começou a fazer psicoterapia por insistência dos país, que o achavam muito
"estranho". Ele passava muito tempo sozinho, diziam eles. O que o garoto relatou, quando lhe
perguntaram a respeito da sua suposta "estranheza", foi que costumava caminhar pela floresta até
achar um lugar isolado.

Sentava-se no chão e ficava observando as formigas e outros insetos percorrerem seus caminhos
sinuosos através da grama, das folhas secas e das outras plantinhas. E então, disse ele, começava a
sentir que o
mundo é como as formigas. Imaginava-se uma delas. Sentia as sensações que elas tinham subindo
nos seixos (para ele, rochas imensas) e equilibrando-se precariamente nas extremidades das folhas.
Talvez ainda mais impressionante foi ele dizer que era capaz de se sentir como o líquen das
árvores e o limo frio e úmido dos troncos caídos. Ele vivenciava a fome e a alegria, o sofrimento e a
satisfação, de todo o mundo animal e vegetal.
Esse menino, na nossa opinião, tinha um forte acesso ao Amante. Possuía instintivamente
uma empatia com o mundo das coisas ao seu redor. Talvez estivesse realmente sentindo, como
acreditava, a real vivência dessas coisas.
Achamos que o homem que tem acesso ao Amante está aberto a um "inconsciente coletivo",
talvez ainda mais amplo do que o proposto por Jung. O inconsciente coletivo junguiano é o
"inconsciente" de

todos os seres da espécie humana e contém, como disse Jung, as lembranças inconscientes de tudo
o que já aconteceu na vida de todas as pessoas que já viveram.
Mas se, conforme afirmou Jung, o inconsciente coletivo parece ser ilimitado, por que parar por aqui?
E se ele for amplo o bastante para abranger as impressões e sensações de todos os seres vivos?
Talvez abranja o que certos cientistas chamam hoje de "consciência primordial" até das plantas.
A idéia de haver uma consciência universal reflete-se no personagem Obe Wan Kanobe, de
Guerra nas estrelas, que é profundamente sensível e empático em relação a toda a galáxia e percebe
qualquer mudança sutil na "Força". Os filósofos orientais dizem que somos como ondas na superfície
desse vasto oceano. A energia do Amante está em contato íntimo e imediato com essa ligação
"oceânica" subjacente.
Junto com a sensibilidade a todas as coisas internas e externas vem a paixão. O contato do
Amante não é basicamente intelectual. Ele acontece através do sentimento. Os anseios primordiais
são para todos nós emoções incontroláveis, pelo menos interiormente. Mas o Amante sabe disso
muito bem. Estar próximo

do inconsciente significa estar perto do "fogo" — do fogo da vida e, em nível biológico, do fogo
dos processos metabólicos geradores de vida. O amor, como todos sabemos, é "quente", quase
sempre
"quente demais".
O homem sob a influência do Amante quer tocar e ser tocado. Quer tocar tudo física e
emocionalmente e quer ser tocado por tudo. Não reconhece fronteiras. Deseja externar a ligação que
sente com o mundo interior, no contexto de suas emoções intensas, e com o mundo exterior, no
contexto dos relacionamentos com as outras pessoas. Em última análise, quer vivenciar o mundo das
experiências sensuais em sua totalidade.
Ele possui o que se conhece como consciência estética. Vivência tudo, não importa o que seja,
esteticamente. Tudo na vida é arte para ele e evoca sentimentos de nuances sutis. Os nômades de
Kalahari são Amantes. Estão em harmonia estética com tudo o que os cerca. Percebem centenas de
cores no seu mundo deserto, nuances sutis de luz e sombra e tonalidades que para nós são apenas
castanho ou bronze.
A energia do Amante, srcinando-se da Criança Edipíana, é também a fonte da espiritualidade
— especialmente daquilo que chamamos de misticismo. Na tradição mística, que fundamenta e está
presente em todas as religiões do mundo, a energia do Amante, através dos místicos, intui a Unidade
básica de tudo o que existe e busca ativamente vivenciá-la no cotidiano, enquanto ela ainda residir
num

homem mortal, finito.


O mesmo garoto que era capaz de se imaginar uma formiga também relatou o que nos pareceu ser o
início de uma experiência mística. Ele descreveu uma sensação estranha que sentiu em certos
momentos, durante um acampamento de verão para rapazes. Uma vez por semana, eles eram
acordados no meio da noite e conduzidos por caminhos sombrios, na densa escuridão da floresta, até
uma clareira, onde assistiam a uma representação de músicas e danças dos antigos índios
americanos. Esse menino disse que muitas vezes, enquanto caminhava em fila atrás dos outros
garotos da sua cabana, sentia uma necessidade quase incontrolável de abrir os braços e voar no meio
da escuridão, sentindo as árvores penetrando no seu "corpo espiritu al" sem dor, apenas com um
sentimento de êxtase. Disse que era como se ele quisesse ser "um" com o Mistério do escuro
desconhecido e com a floresta noturna, ameaçadora, porém estranhamente tranqüilizante. Esse tipo
de sensação é a que os místicos das religiões do mundo inteiro descrevem quando falam do desejo de
se tornarem Um com o Mistério.

Para o homem em contato com o Amante, quase tudo na vida é vivenciado assim. Embora sinta
a dor do mundo, sente também uma grande alegria. Talvez conheça, por exemplo, o prazer de abrir
uma
caixa de charutos e aspirar os aromas exóticos do tabaco. Talvez seja sensível à música. Talvez
aprecie muito o som misterioso da cítara indiana, o crescendo de uma grande sinfonia ou o som
ascético dos tambores árabes.
Talvez escrever seja uma experiência sensual para ele. Perguntamos aos escritores por que,
em geral, têm necessidade de fumar quando se sentam diante de suas máquinas de escrever. A
resposta foi que o cigarro relaxa, abrindo os sentidos para as impressões, sentimentos e nuances
das palavras.
Fumando, eles se sentem profundamente ligados ao que chamam de "a terra" ou "o mundo".
Interior e exterior unem-se num todo contínuo, e eles conseguem criar.
As línguas — os diferentes sons e os significados sutis das palavras — serão abordados
através da avaliação emocional do Amante. Outras pessoas aprendem-nas mecanicamente, mas os
homens em

contato com esse arquétipo chegam a elas através do sentimento.


Mesmo as idéias muito abstratas, como as filosóficas, teológicas ou científicas, passam pelos
sentidos. Alfred North Whitehead, o grande filósofo e matemático do século XX, deixa isso claro nos
seus escritos, ao mesmo tempo técnicos e profundamente sensíveis, até sensuais. E um professor de
matemática avançada contou ser capaz de sentir, como ele disse, o que é a "quarta dimensão".
O homem profundamente ligado com a energia do Amante vivência o seu trabalho e as pessoas
que trabalham com ele através da sua consciência estética. É capaz de "ler" as pessoas como se
fossem um
livro. É com freqüência terrivelmente sensível às mudanças de humor dessas pessoas e consegue
perceber seus motivos ocultos. Essa experiência pode ser realmente muito penosa.
O Amante não é, portanto, apenas o arquétipo da alegria da vida. Sendo capaz de se sentir em
unidade com os outros e com o mundo, também sente necessariamente a dor deles. As outras
pessoas podem ser capazes de evitar o sofrimento, mas o homem em contato com o Amante tem que
passar por ele. Sente a dor de estar vivo — por si mesmo e pêlos outros. Aqui, temos a imagem de
Jesus chorando — por sua cidade, Jerusal ém, por seus discípulos, por toda a humanidade — e
tomando para si as penas do mundo como o "homem que sofre acostumado com a dor", como diz a
Bíblia.
Todos nós sabemos que o amor traz sofrimento e alegria. A nossa percepção de que essa é uma

verdade profunda e inalterável está arquetipicamente fundamentada. São Paulo, no seu famoso
"Hino ao Amor", que proclama as características do amor autêntico, diz que ele "suporta tudo" e
"resiste a tudo". E
assim é. Os trovadores do final da Idade Média na Europa cantavam a intensa "dor de amor", que
simplesmente é um aspecto inevitável do seu poder.
O homem sob a influência do Amante nega-se a parar diante dos limites socialmente criados.
Enfrenta a artificialidade dessas fronteiras . A sua vida é quase sempre não-conven cional e "abagunçada"
— o estúdio do artista, o gabinete do intelectual criativo, a mesa do chefe "dinâmico".
Conseqüentemente, como ele se opõe à "lei", nesse sentido amplo, vemos atuando na sua vida de
confrontos com o convencional a velha tensão entre sensualidade e moralidade, entre amor e dever,
entre, como Joseph Campbell descreve, poeticamente, "amor e Roma'* — "amor" significando a
experiência da paixão e "Roma", o dever e a responsabilidade diante da lei e da ordem.
A energia do Amante, assim, opõe-se totalmente — à primeira vista, pelo menos — às outras

energias do masculino amadurecido. Seus interesses se opõem às preocupações do Guerreiro, do


Mago e do Rei quanto aos limites, à contenção, à ordem e à disciplina. O que é verdadeiro na psique
de cada
homem vale também para o panorama histórico e cultural.

Antecedentes Culturais
Na história das nossas religiões e das culturas que delas fluem, podemos ver a tensão entre o
amante e os outros arquétipos do masculino amadurecido. Cristianismo, judaísmo e islamismo — as
religiões chamadas morais, ou éticas —, todas perseguiram o Amante. O cristianismo vem ensinando,
de forma mais ou menos coerente, que o mundo — o próprio objeto de devoção do Amante — é mau,
que o Senhor desse mundo é Satanás e que ele é a srcem dos prazeres sensuais (sendo o sexo o
mais importante deles) que os cristãos devem evitar. A igreja opôs-se muitas vezes aos artistas,
inovadores e criadores. No fim do Império Romano, quando a Igreja começou a ter poder, uma das
primeiras coisas que

fez foi fechar os teatros. Logo em seguida, fechou os prostíbulos e proibiu as exibições de arte
pornográfica. Não havia lugar para o Amante; não, pelo menos, na sua expressão erótica.
Seguindo a prática dos antigos hebreus, a Igreja também perseguiu os médiuns, pessoas que,
juntamente com os artistas e outros, vivem muito perto do inconsciente imaginativo e, portanto, do
Amante. Eis aqui a srcem da queima de bruxos e bruxas na Idade Média. Alguns deles , no que se
referia à Igreja, não eram apenas médiuns — isto é, profundamente intuitivos e sensíveis às
impressões do mundo interior de sentimentos matizados —, mas eram também adoradores da
natureza. Como a igreja rotulava como maligno o mundo natural, acreditava-se que os bruxos e as
bruxas eram adoradores de Satanás, o Amante.
Até hoje, muitos cristãos ainda se escandalizam com o único livro realmente erótico da Bíblia:
os Cânticos de Salomão são uma série de poemas de amor (baseados nos antigos rituais da
fertilidade cananeus) e são pornográficos no melhor sentido da palavra. Descrevem o amor — a
ligação física e espiritual — entre homem e mulher. A única maneira de esses cristãos moralistas
aceitarem os Cânticos é interpretando-os como uma alegoria do "amor de Cristo pela igreja".
Não se pode banir os arquétipos nem fazer de conta que não existem. O Amante retornou
sorrateiramente ao cristianismo como misticismo cristão, através das imagens românticas e
sentimentais de um "doce Jesus, meigo e suave", e através do hinário. Se pensarmos um pouco nas
conotações eróticas de hinos como "No jardim", "O amor ergueu" e "Jesus, amante da minha alma",
para mencionar apenas

alguns, poderemos ver :o Amante colorindo uma religião essencialmente ascética e moralista com a
sua irreprimível paixão.
O amor entre o Pai e o Filho no dogma da Trindade é muitas vezes descrito em termos quase
libidinosos. E o próprio dogma da encarnação proclama a fecundação "histórica" de uma mulher
humana por Deus e, através da união dos dois, a relação íntima e permanente de Deus com todos
os seres humanos. É a presença do Amante na experiência mística e no pensamento teológico
cristãos que fundamenta a visão ambivalente, mas ainda assim sacramental da Igreja em relação
ao mundo material.
Mas, com tudo isso, a Igreja cristã no seu todo permanece hostil ao Amante. Entre os judeus,
ele não se saiu muito melhor. No judaísmo ortodoxo, o Amante, projetado nas mulheres, ainda é
desvalorizado. Os livros de orações judaicos tradicionais ainda abrangem, como parte do serviço
matinal preliminar, a frase "Abençoado sejais, Senhor, Nosso Deus, Rei do Universo, que não me
fizestes mulher". E no judaísmo, conta a história, Eva foi quem pecou primeiro. Essa calúnia contra as
mulheres e, por ilação, contra o

Amante com o qual ela é associada, arma o palco para a idéia judaica (e mais tarde cristã e
muçulmana) da mulher como a "sedutora" que atua para desviar os homens piedosos dos seus
caminhos de busca da
"santidade".
As mulheres islamitas têm sido notoriamente desvalorizadas e oprimidas. O islamismo é uma
religião que se baseia no aspecto ascético da energia do Guerreiro. Mas também não baniu o Amante.
O paraíso muçulmano após a morte aparece como o território desse arquétipo. Lá, tudo que o
muçulmano santo negou e reprimiu na sua vida terrena lhe é restituído sob a forma de um banquete
eterno, servido por lindas mulheres, "huris de olhos negros".
O hinduísmo é diferente; não é uma religião moralista nem ética no mesmo sentido das religiões
ocidentais. Sua espiritualidade é muito mais estética e mística. Ao mesmo tempo que celebra a
Unidade de todas as coisas (em Brama) e a união humana com Deus (em Atmã), deleita-se num
universo de formas e prazeres sensoriais.

O devoto hindu tem muitos deuses e deusas para conhecer, muitas formas e cores exóticas,
meio animais, meio humanas, plantas e até pedras, todas representando as múltiplas e sensualmente
luxuriantes
formas do Um, aquele que está por trás de tudo, derramando o seu infinito amor e paixão. O
hinduísmo celebra o aspecto erótico do Amante, encarnado divinamente nos seus poemas de amor
sagrados (o Kama Sutra, por exemplo) e nas excitantes formas de certas esculturas existentes nos
templos. Se você pensa que Rei, Guerreiro, Mago e Amante são fundamentalmente opostos, uma
visita ao templo hindu de Konarak vai corrigir essa impressão. Em Konarak, deuses e deusas, homens
e mulheres, aparecem
voluptuosamente em todas as posições sexuais concebíveis, num êxtase de união uns com os outros,
com o universo e com Deus.
Nesse contexto, um homem de trinta e poucos anos, sentindo-se sufocado e estéril no trabalho
e na sua vida pessoal, veio fazer análise. Era contador e estava sentindo-se cada vez mais desligado
do dia-a- dia de cifras e números. Sentia-se cercado pelos códigos de comportamento que fazem parte
de várias dessas profissões "correias", como ele definiu. Sentia-se desligado, segundo disse, das
"confusões e dificuldades da vida real". Era evidente que ele não estava em sintonia com o Amante
interior.
Nisso, teve um sonho que chamou de "O sonho da jovem indiana". Estav a na índia, um lugar a
que nunca dera muita atenção antes. Caminhava por ruas miseráveis, infestadas de ratos. O que
primeiro o

impressionou foram as cores — tons de azul, alaranjados, branco, vermelho e castanho. Depois
foram os odores — perfumes e especiarias exóticas, juntamente com o fedor dos dejetos humanos
e do lixo em
decomposição. Subiu por uma escada pouco firme até um apartamento no segundo andar e ali
encontrou uma jovem indiana, suja, mas radiantemente bela vestida com trapos. Amaram-se num
colchão manchado e imundo no chão.
Ao acordar, sentiu- se animado, cheio de vigor e alegre como nunca. Descreveu o sentimento
como uma espécie de "espiritualidade". No sonho, sentira a presença de "Deus" como um ser sensual,
exótico, que desfrutou com ele o ato sexual. Foi uma revelação, e ele passou, com grande proveito
para si próprio e suas parceiras sexuais, a ter acesso às energias masculinas amadurecidas do
Amante.
Que estilos de vida manifestam mais claramente o Amante? Há dois tipos principais — o artista
(em geral) e o médium. Pintores, músicos, poetas, escultores e escritores estão quase sempre "em
linha direta" com o Amante. O artista tem fama de pessoa sensível e sensual. Para ver isso, basta
olhar as figuras

carregadas de luz de Gauguin, as cores cintilantes dos impressi onistas, os nus de Goya, as
esculturas de Henry Moore. Basta ouvir o misticismo melancólico das sinfonias de Mahler, o Jazz
"cool" do grupo
Hiroxima ou os poemas sensuais e ondulantes de Wallace Stevens. As vidas pessoais dos artistas são
tipicamente, talvez estereotipicamente, turbulentas, confusas e labirínticas — cheias de altos e baixos,
casamentos fracassados e, com freqüência, uso de drogas. Eles vivem muito perto do poder
abrasador do inconsciente criativo.
De uma forma semelhante, os médiuns autênticos também vivem num mundo de sensações e
"vibrações", de intuições profundas. A sua percepção consciente, como a do artista, está
extraordinariamente aberta à invasão dos sentimentos e pensamentos das outras pessoas e do reino
tenebroso do inconsciente coletivo. Parecem mover-se num mundo que se oculta por trás, ou debaixo,
de um outro, de diurno bom senso. Desse mundo misterioso recebem imagens de grande horror e
beleza, e pistas quanto ao que está realmente acontecendo com as pessoas — muitas vezes sob a
forma de

palavras audíveis, ondas de sentimentos fortes, cheiros inexplica dos, sensações de calor e frio,
inacessí- veis às pessoas em geral. Podem até receber impressões acerca do futuro. Todos esses
homens que
fazem sucesso "lendo" cartas, folhas de chá e mãos estão tendo acesso ao Amante, que une todas as
coisas interiormente, que até une o futuro com o presente.
O homem de negócios que tem "palpites" também está em contato com o Amante. O mesmo
ocorre com todos nós, quando temos premonições e intuições sobre pessoas, situações e o nosso
próprio futuro. Nesses momentos, a unidade subjacente das coisas nos é revelada, mesmo de forma
mundana, e somos atraídos para a energia do Amante, que nos liga à realidade que normalmente não
percebemos.
Qualquer empenho artístico ou criativo, e quase todas as profissões buscam a criatividade nas
energias do Amante, da agricultura à corretagem da Bolsa de Valores, da pintura de paredes à
programação de softwares.
Assim são os connoisseurs, aqueles homens que realmente apreciam comidas finas, vinhos,
tabacos, moedas, artefatos primitivos e uma grande quantidade de outros objetos materi ais. Assim
são os aficionados. Os aficionados por trens a vapor sentem uma afinidade sensual, quase erótica,
com esses "falos" negros e lustrosos. O amante de automóveis que quer "aquele" Corvette; o
admirador de carros usados que gosta de tocar e cheirar, procurando a beleza e os defeitos por baixo
da ferrugem e do interior maltratado; o fã de um certo gênero literário ou grupo de rock — todos esses
estão em contato com o

Amante. O especialista em cafés e chocolates; o antiquário que trata com carinho um vaso Ming,
revirando- o nas mãos — o Amante está manifestando-se em todos eles. O pastor que anima seus
sermões com
imagens e histórias, que "pensa com o coração", como diziam os índios americanos, em vez de usar
apenas a cabeça está em contato com o Amante. O arquétipo canta através dos seus sermões. Todos
nós, quando paramos de agir e nos deixamos apenas ser e sentir, sem a pressão de realizar, quando
"paramos para cheirar as rosas", estamos sentindo o Amante.
Naturalmente, nós o sentimos com intensidade nas nossas vidas amorosas. Na cultura em que
vivemos, em geral esse é o meio mais comum de comunicação com ele. Muitos homens vivem pela
emoção de "estarem apaixonados" — isto é, estarem sob o poder do Amante. Nesse estado de
consciência estático, que atinge até os mais calejados, encantamo-nos com a nossa amada e a
enaltecemos em toda a sua beleza de corpo e alma. Através da nossa união física e emocional com
ela, transportam-nos ao Mundo Divino do êxtase e do prazer, por um lado, e do sofrimento e da dor
por outro. Juntamo-nos aos trovadores

exclamando: "Conheço as agonias do amor!" O mundo inteiro parece-nos diferente, mais vivo, mais
claro, mais significativo, as conseqüências não importam. Isso é obra do Amante.
Antes de entrarmos na análise do lado da sombra do Amante, queremos considerar a velha
questão da monogamia versus poligamia e promiscuidade. A monogamia nasce do "amor", na forma
do sentimento em que homem e mulher se dão um ao outro exclusivamente — corpo e alma. Revela-
se no mundo mitológico nas histórias do deus egípcio Osíris e sua esposa Ísis, e do amor do deus
Cananeu Baal por sua esposa Anath.
Na mitologia hindu, há o amor eterno entre Xiva e Parvati. E na Bíblia, vemos o amor paciente
de Javé por Israel, "sua noiva". A monogamia ainda hoje é o nosso ideal, pelo menos no Ocidente.
Mas o Amante também se expressa através da poligamia, de uma série de monogamias ou da
promiscuidade. Na mitologia, manifesta-se no amor do hindu Krishna pelas gopis, as mulheres
vaqueiras. Ele ama todas plenamente, com toda a sua infinita capacidade de amar, de forma que cada
uma se sente especial e

importante. Na miologia grega, Zeus tem muitos amores, tanto no mundo divino quanto no humano. Na
história da humanidade, esse disfarce do Amante manifesta-se nos haréns reais, vistos pelo olhar
monogâmico com tanto horror e, ao mesmo tempo, tanta fascinação. Acredita-se que o faraó egípcio
Ramsés II tinha mais de cem esposas, sem falar nas inúmeras concubinas. Os reis bíblicos Davi e
Salomão tinham grandes haréns com mulheres maravilhosas e, como vemos em The King and l (O rei
e eu), o rei do Sião também. Até hoje certos muçulmanos ricos mantêm várias esposas e concubinas.
O Amante manifesta-se em todos esses arranjos sociais.
O Amante da Sombra: O Viciado e o Impotente
O homem que vive num dos pólos da Sombra do Amante, como o que vive em qualquer uma
das formas da sombra das energias masculinas, está possuído pela mesma energia que poderá ser
para ele uma fonte de vida e bem-estar — se tiver acesso a ela de forma adequada. Mas, enquanto ele
estiver possuído pelo Amante da Sombra, a energia funciona para a sua destruição e para a destruição
das pessoas que o cercam.
A pergunta mais urgente e que o homem que se identifica com o Amante Viciado faz é: "Por que
tenho que restringir a minha experiência sensual e sexual deste vasto mundo, um mundo que contém
prazeres infinitos para mim?"

Como o Viciado possui o homem? A característica fundamental e mais profundamente


perturbadora do Amante da Sombra é a sua desorientação, que se revela de várias maneiras. O
homem possuído pelo
Amante da Sombra fica literalmente perdido num mar dos sentidos, não apenas "em crepúsculos" ou
"em sonhos". Bastam as mais leves impressões do mundo exterior para puxá-lo para fora do centro.
Ele cai na solidão do apito de um trem no meio da noite, na devastação emocional de uma briga no
escritório, na sedução das mulheres que encontra pela rua. Puxado primeiro para um lado, depois
para outro, ele não é dono do seu próprio destino. Cai vítima da sua própria sensibilidade. Funde-se
no mundo de visões, sons, odores e sensações táteis. Podemos pensar aqui no pintor Van Gogh, que
se perdeu nas suas tintas e telas e no violento dinamismo das estrelas noturnas que pintava.
Há o caso de um homem sensível demais que não podia suportar a menor claridade que
fosse no seu quarto à noite, que literalmente enlouquecia com o barulho nos outros apartamentos
do prédio e que, ao mesmo tempo, era um compositor talentoso. Não conseguia impedir que
melodias e letras de músicas

ficassem misturando-se aos seus pensamentos. Ouvia-as com clareza. Na tentativa desesperada de
manter sua vida com pelo menos um mínimo de estrutura, escrevia centenas de lembretes dirigidos a
si
mesmo e os guardava em todos os cantos da casa — nos espelhos, sobre a cama, na mesinha de
centro, no batente das portas. Corria freneticamente de um lado para outro, tentando cumprir todas as
obrigações. Sua vida era um caos de sensibilidade excessiva. Perdera-se nos seus próprios sentidos.
Outro homem estudava hebraico numa escola noturna. Possuído pelo Amante Viciado, ele
abordava a língua com sensualidade, deliciando-se com cada um dos estranhos caracteres e sentindo
profundamente cada som e as sutis nuances das palavras. Acabou chegando a um ponto em que se
viu totalmente absorvido pelos seus sentimentos e não aprendia mais nada. Não conseguia ter o
distanciamento necessário para a memorização. Perdeu a energia para assimilar nem que fosse uma
só palavra a mais. E embora tivesse começado como primeiro aluno da turma, logo passou a ser um
dos últimos. Não estava controlando e dominando a língua; ela o controlava. Tornou-se um viciado
em

hebraico, uma vítima dos sentimentos que descobrira ali. Ficou perdido.
Um sujeito era apaixonado por carros antigos que custavam mais do que ele ganhava. Ficou
cada vez mais fascinado — "perdido" na beleza luzidia deles, esquecendo o buraco nas suas finanças
—, até que um dia a "dura realidade" bateu à sua porta e ele viu que estava falido. Teve que vender
seus queridos carros para pagar suas dívidas.
Existe a história de um artista que pegou o último dinheiro que tinha em casa, que a mulher
precisava para comprar o leite das crianças da semana seguinte, e gastou em lápis cera e pastéis para
usar num trabalho que esta va fazendo. Ele amav a a esposa e os filhos. Mas, como disse, sentia-se
totalmente compelido a expressar a sua arte. Perdeu-se nela; e acabou perdendo a família. Há
histórias de personalidades supostamente viciadas – pessoas que não conseguem parar de comer,
beber, fumar ou usar drogas. Um jovem fumante inveterado recebeu o aviso de seu médico para que
parasse, ou seria candidato a um câncer no pulmão. (Já estava mostrando os primeiros sinais de
alerta.) Embora quisesse viver, simplesmente não conseguia parar, tamanha era a satisfação sensual
que os cigarros lhe proporcionavam. Morreu, de fato, fumando até o fim, perdido no vício químico e
emocional do tabaco.
Essa desorientação revela-se, também, na maneira como o Viciado vive pelo prazer do
momento apenas e prende o indivíduo numa teia de imobilidade de onde ele não consegue escapar. É
o que o teólogo Reinhold Niebuhr definiu como "o pecado da sensualidade". E o que os hindus
chamam de maya

— a dança da ilusão, a dança inebriante (viciante) das coisas sensuais que encanta e escraviza a
mente, aprisionando-nos em ciclos de prazer e dor. O que acontece quando somos apanhados nas
labaredas do
amor, consumindo-nos na agonia e no êxtase de nossos próprios desejados, é que não conseguimos
desencarnar, dar um passo atrás, agir. Somos incapaze s, como se diz, de "tornar tino". Não
conseguimos nos desligar e distanciar de nossos próprios sentimentos. Muitas vidas se arruínam
porque as pessoas não conseguem libertar-se de casamentos e relações destrutivas. Sempre que nos
sentirmos presos a um relacionamento viciante, é melhor termos cuidado, porque as chances são bem
grandes de termos nos tornado vítimas do Amante da Sombra.
Na sua desorientação — interna e externa —, a vítima do pólo ativo do Amante da Sombra está
eternamente inquieta. É o homem que está sempre procurando alguma coisa. Não sabe o que está
procurando, mas é o cowboy no final do filme cavalgando sozinho em direção ao crepúsculo, em
busca de uma outra aventura, de uma outra emoção, incapaz de se aquietar. Tem uma fome
insaciável de

experimentar alguma coisa indefinida que existe do outro lado da colina. É impelido a ampliar as
fronteiras, não do conhecimento (porque isso o libertaria), mas da sensualidade, não importa a que
custo para o
homem mortal, que necessita terrivelmente, como todos os mortais, apenas ser feliz. É James Bond e
Indiana Jones, amando e partindo para amar novamente, e de novo partindo.
E aqui vemos a síndrome de Dom Juan, e encontramos novamente a questão
monogamia/promiscuidade. A monogamia (embora não de uma forma simples) pode ser vista como o
produto do enraizamento profundo e da centralidade de um homem. Os seus limites não são as leis
externas, mas sim as suas próprias estruturas internas, o seu próprio senso de tranqüilidade e bem-
estar masculinos, e a sua satisfação interior. Mas o homem que fica mudando de mulher, procurando
compulsivamente alguma coisa que ele nem sabe o que é, é alguém cujas estruturas internas ainda
não se solidificaram. Como ele mesmo está fragmentado por dentro, não centrado, a integridade
ilusória que pensa existir no mundo das formas femininas e das experiências sensuais o carrega de
um lado para o outro.

Para o Viciado, o mundo apresenta-se como fragmentos torturantes de um todo perdido. Preso
na linha de frente, ele não consegue ver a retaguarda. Preso à "infinidade de formas", como dizem os
hindus,
é incapaz de ver a Unidade que lhe traria a calma e o equilíbrio. Vivendo no lado finito do prisma, só
consegue perceber a luz nos tons deslumbrantes, porém fragmentados, do arco-íris.
Essa é uma outra maneira de se falar daquilo que as religiões antigas chamavam de idolatria. O
Amante viciado, inconscientemente, investe os fragmentos finitos da sua vivência dos poderes da
Unidade, que ele jamais vivenciará. Essa atitude revela-se também no interessante fenômeno das
coleções de objetos pornográficos. Os homens dominados pela energia fragmentada do Viciado, com
muita freqüência,
juntam coleções imensas de fotografias de mulheres nuas e depois as classificam em "seios",
"pernas", etc. Em seguida, colocam os "seios" um ao lado do outro e se divertem comparando-os.
Fazem o mesmo com as "pernas" e os outros particulares da anatomia feminina. Encantam-se com a
beleza das partes, mas não conseguem sentir a mulher como um ser total física e psicologicamente, e
certamente não como uma unidade de corpo e alma, uma pessoa completa com quem poderiam ter
um relacionamento íntimo e humano.
Existe nesta idolatria uma pretensão inconsciente, porque o homem mortal que pensa assim
vivencia nessas imagens a infinita sensualidade do Deus que as fez em toda a sua variedade, e que
se compara com os fragmentos da criação assim como com o seu todo. Esse homem, capturado pelo
Amante Viciado,

identifica-se inconscientemente com Deus como Amante.


A inquietação do homem sob o poder do Viciado é uma expressão da sua busca de sair da teia-de-
aranha. O homem possuído pela teia de maya se contorce, se resolve, lutando freneticamente para
sair do mundo. "Parem o mundo, que eu quero descer!" Mas, em vez de tomar o único caminho que
existe, ele se agita e piora a situação. Ele se debate na areia movediça e só faz afundar.
Isso acontece porque ele acha que a saída é realmente afundar. O que o Viciado busca
(embora não saiba) é o "orgasmo" máximo e contínuo, o "pico" máximo e contínuo. Por isso, ele vai de
cidade em cidade, de aventura em aventura. Por isso, passa de uma mulher a outra. Cada mulher que
ele tem o faz confrontar-se com a mortalidade, a finitude, a fraqueza e as limitações dela, desfazendo-
lhe assim o sonho de desta vez encontrar o orgasmo infindável — em outras palavras, quando o
entusiasmo ilusório da união perfeita com ela (com o mundo, com Deus) se apaga, ele encilha o
cavalo e sai em busca de renovação do seu êxtase. Precisa da sua "dose" de alegria masculina.
Precisa, mesmo. Só não sabe onde buscar. Acaba

procurando a sua "espiritualidade" numa carreira de cocaína.


Os psicólogos falam dos problemas que se srcinam da posse do homem pelo Viciado como uma
"questão de limites". Para o homem possuído pelo Viciad o, não há limites. Como dissemos , o Amante
não quer ser restringido. E, quando ele nos possui, não suportamos que nos limitem.
O homem possuído pelo Amante Viciado é na verdade o homem possuído pelo inconsciente – o
seu próprio inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. É dominado por ele como que pelo mar.
Um homem sonhava sempre que corria pelas ruas de Chicago, escondendo-se atrás dos arranha-céus
de uma onda imensa, quilométrica, que vinha do lago Michigan e ameaçava inundar a torre da Sear's.
Todas as noites o seu sono era perturbado, não só por esse, mas também por um "mar" de sonhos.
Seus limites, conforme se revelou, não bastavam para separar o Ego consciente e a força irresistível
do inconsciente.
O inconsciente surgindo para ele como uma onda vinda do lago (lembrem-se do aprendiz de
feiticeiro!) assemelha-se à imagem universal do inconsciente como "profundezas" caóticas da Bíblia,
como

oceano primordial dos antigos mitos da criação de onde emergiu o mundo masculino estruturado. Esse
caos oceânico – o inconsciente – é, como vimos, concebido em muitas mitologias como feminino. É a
Mãe,
e representa a sensação claustrofóbica que o menininho tem de estar fundido com ela. O homem que
sonhava com a onda estava na realidade sendo ameaçado pela irresistível força de seus problemas
relacionados com a Mãe, não-solucionados. O que ele precisava fazer era resolver as suas estruturas
do Ego masculinas fora do inconsciente "feminino". Precisava voltar à fase Herói do desenvolvimento
masculino e matar o dragão da sua ligação excessiva com a mãe mortal e com a Mãe – a "Mãe todo-
poderosa".
É exatamente isso o que o Viciado nos impede de fazer. Ele se opõe aos limites. Mas é desses
limites, levantados com esforço heróico, que o homem possuído pelo Viciado precisa mais. Ele não
tem que estar mais unido com as coisas. Já está muito. O que lhe falta é a distância e o desligamento.
Podemos ver, portanto, que o Amante da Sombra é um resíduo na idade adulta da absorção do
Filhinho da Mamãe pela Mãe na infância. O homem sob o poder do Viciado ainda está dentro da
Mãe, e luta para sair. Há uma cena fascinante no filme Misbima, em que o jovem Mishima é
atormentado até a obsessão pela imagem de um Templo Dourado (a Mãe, o inconsciente). É tão belo
para ele que chega a ser doloroso. E se torna tão terrível que para se libertar o jovem precisa queimá-
lo. Precisa destruir a beleza "feminina" fascinante e encantadora que o afastaria da sua
masculinidade, E ele a destrói.

Essa necessidade de se desligar do poder caótico do inconsciente "feminino", e de contê-lo,


pode também ser em grande parte responsável por nossas perversões sexuais masculinas,
especialmente as
que se revelam na "servidão" e na violenta humilhação sexual das mulheres. Podemos considerar
esses atos repulsivos, tentativas, como a de Mishima, de "amarrar", de repudiar para enfraquecer o
irresistível poder do inconsciente em nossas vidas.
Se o desejo do Filhinho da Mamãe é tocar o que é proibido – isto é, a Mãe – e cruzar as
fronteiras que considera artificiais – basicamente, o tabu do incesto –, o Viciado, srcinando-se do
Filhinho da Mamãe, tem que aprender a utilidade dos limites da maneira mais difícil. Tem que aprender
que a sua falta de estrutura masculina, de disciplina, seus casos e seus problemas de autoridade lhe
trarão inevitavelmente encrencas. Vai ser despedido dos empregos, e a esposa, a quem ama demais,
vai acabar abandonando-o.
O que acontece quando sentimos que não estamos tendo acesso ao Amante na sua plenitude?
Estamos possuídos pelo Amante Impotente. Vamos viver a vida sem emoções. "Sentiremos" a esterilidade

e a monotonia que o contador relatou. Descreveremos os sintomas que os psicólogos chamam de


"afeto achatado" – falta de entusiasmo, de vivacidade, de vigor. Vamos sentir-nos apáticos e
entediados. Talvez
tenhamos dificuldade de acordar de manha e de pegar no sono à noite. Talvez percebamos que
estamos falando em tom monótono. Que estamos cada vez mais distantes da família, dos colegas de
trabalho e dos amigos. Talvez tenhamos fome, mas falte apetite. Talvez tudo comece a se parecer
com a passagem bíblica dos Eclesiastes que diz: "Tudo é vaidade e correr atrás do vento" e "Não há
nada de novo sob o sol". Em resumo, ficaremos deprimidos.
Pessoas normalmente possuídas pelo Amante Impotente sofrem de depressão crônica. Não se
sentem ligadas aos outros e sentem-se desligadas de si mesmas. Vemos isso com freqüência nas
terapias. O terapeuta é capaz de dizer pela expressão do rosto do cliente, ou pela sua linguagem
corporal, que algum sentimento está querendo expressar-se. Mas, se perguntamos o que está
sentindo, ele não tem a mínima idéia. Talvez diga: "Não sei. Só sinto uma espécie de nevoeiro. Uma
névoa." Quase sempre, isso

acontece quando ele está se aproximando de um material realmente "quente". Ergue-se um escudo
entre o Ego consciente e o sentimento. Esse escudo é a depressão.
O desligamento pode atingir proporções sérias, conhecidas em psicologia como "fenômenos
dissociativos", um distúrbio em que (dentre outras coisas) o paciente pode começar a falar de si
mesmo na 3a pessoa. Em vez de dizer: "Eu sinto" isto ou aquilo, ele dirá: "João sente isso." Talvez se
sinta irreal. Talvez sua vida pareça um filme a que ele está assistindo. Esses homens estão séria e
perigosamente possuídos pelo Amante Impotente.
Mas todos nós sabemos que, quando estamos deprimidos, nada nos motiva a fazer o que
queremos ou temos que fazer. Acontece muito com os idosos. Os problemas físicos, o isolamento, a
falta de um trabalho útil mergulha-os na depressão. O entusiasmo pela vida se vai. O Amante
desaparece. Logo o idoso deixa de preparar as suas refeições. Acha que não há mais motivos para
viver. A Bíblia diz que, "sem uma visão, o povo perece". É especificamente sem a imaginação e a
visão do Amante que o povo perece.
Mas não é apenas a falta de uma visão que expressa o poder opressivo do Amante Impotente
na vida de um homem. É também a ausência de um pênis ereto e ávido. A vida sexual desse homem
se deteriorou; ele é sexualmente inativo. Essa inatividade sexual pode srcinar-se de vários fatores – o
tédio e a falta de êxtase com a sua parceira, a raiva reprimida no relacionamento, a tensão no
trabalho, a

preocupação com o dinheiro ou a sensação de estar sendo desvirilizado pelo feminino ou por outros
homens em sua vida. Em conjunção com o Amante Impotente, esse homem regrediu ao estado
Menino,
pré-sexual, ou está canalizando o Guerreiro ou o Mago, ou uma combinação dos três. A sua
sensibilidade sensual e sexual foi dominada por outras preocupações. Quando a sua parceira começa
a exigir muito, ele se retrai ainda mais para o pólo passivo da Sombra do Amante. Nesse momento, o
pólo oposto da Sombra arquetípica pode "resgatá-lo" lançando- o na busca do Viciado pela satisfação
perfeit a da sua sexualidade acima do universo mundano do seu relacionamento primário.

O Acesso ao Amante
Se estamos tendo acesso ao Amante corretamente e mantendo fortes as nossas estruturas do
Ego, sentimo-nos relacionados, ligados, vivos, entusiasmados, compassivos, empáticos, energizados
e românticos em relação às nossas vidas, metas, trabalho e conquistas. É o Amante,
corretamente

contatado, que nos dá um sentido – o que estamos chamando de espiritualidade. O Amante é a fonte
do desejo de um mundo melhor para nós e para os outros. É o idealista, e o sonhador. É quem deseja
que
tenhamos fartura de coisas boas. "Vim para lhes dar a vida, para que possam tê-la em abundância", diz ele.
O Amante mantém as outras energias masculinas humanas, amorosas e relacionadas umas
com as outras e com a verdadeira situação de vida dos seres humanos lutando num mundo difícil. O
Rei, o Guerreiro e o Mago, como dissemos, harmonizam-se mutuamente muito bem. Isso porque, sem
o Amante, estão todos essencialmente afastados da vida. Precisam desse arquétipo para energizá-los,
humanizá-los e dar-lhes o seu objetivo último: o amor. Precisam do Amante para impedi-los de se
tornarem sádicos.
O Amante também precisa deles. Sem fronteiras, no seu caos de sentimentos e sensualidade,
precisa do Rei para definir por ele os seus limites, para lhe dar a estrutura, para ordenar o seu caos de
maneira a poder ser canalizado criativamente. Sem limites, a energia do Amante torna-se negativa e
destruidora. Ele precisa do Guerreiro para ser capaz de agir com decisão, para se destacar, com o
corte

afiado da espada, da teia da sensualidade imobilizante. Precisa do Guerreiro para destruir o Templo
Dourado, que o mantém fixado. E precisa do Mago para ajudá-lo a se afastar das armadilhas das suas
emoções, para refletir, ter uma visão mais objetiva das coisas, para se desligar – o bastante, pelo
menos, para ver o quadro grande e vivenciar a realidade oculta sob as aparências.
Tragicamente, os incansáveis ataques à nossa vitalidade e "brilho" começam cedo. Muitos de
nós reprimimos tanto o Amante interno que se tornou dificílimo nos apaixonarmos por qualquer coisa.
O problema com a maioria de nós não é que nos apaixonemos demais, e sim que não sentimos essa
paixão. Não sentimos a nossa alegria. Não nos sentimos capazes de estar vivos e de viver nossas
vidas da
maneira como queríamos quando chegamos aqui. Talvez até pensemos que os sentimentos e, em
particular, nossos sentimentos são ônus incômodos e impróprios para um homem. Mas não
renunciemos a nossas vidas! Encontremos a espontaneidade e a alegria de viver dentro de nós
mesmos. Então, não só viveremos mais intensamente as nossas vidas, como permitirem os que outras
pessoas vivam, talvez pela primeira vez em suas vidas.

CONCLUSÃO
O Acesso às Energias Arquetípicas do Masculino Amadurecido

Quando o Senhor das moscas, o clássico de William Golding sobre garotos ingleses
abandonados numa ilha tropical, foi recentemente reescrito para o cinema, os críticos do novo filme
perguntaram por que
a história teve que ser refeita. Embora essa mais recente versão do romance de Golding não seja o
que há de melhor em matéria de filme, a resposta é que essa obra, seja qual for a sua forma, fala
direta e vigorosamente sobre a situação da humanidade neste planeta.
Pode ser que jamais tenha havido uma época em que os arquétipos do masculino amadurecido
(ou do feminino amadurecido) fossem dominantes na vida humana. Parece que nós, como espécie,
vivemos sob a maldição do infantilismo — e talvez sempre tenhamos vivido. Assim, o patriarcado é na
realidade o "puerarcado" (isto é, o governo dos meninos), e talvez o nosso mundo humano tenha sido
sempre um pouco parecido com a ilha de Golding. Mas, pelo menos lá havia estruturas e sistemas –
rituais – para a evocação de um nível mais alto de maturidade masculina, o que não acontece via de
regra em nosso mundo anti-sistemas, anti-rituais e anti-símbolos de hoje. Pelo menos, antes havia reis
sagrados, em quem

os homens do reino podiam projetar seu Rei interior e assim ativar em si mesmos essa forma de
energia masculina. Certamente, bem ou mal, houve um tempo em que a energia do Guerreiro era
ativa e eficiente
para moldar a vida dos homens e as civilizações que construíam. E embora sempre prerrogativa de
uns poucos, o Mago estava disponível para ajudar cada homem com seus problemas e dar à
sociedade um certo controle sobre o imprevisível mundo da natureza. E o Amante também era tido
em alta conta nas culturas que exaltavam videntes e profetas, pintores de cavernas e poetas.
Hoje, tudo isso mudou, substituído pela riqueza e o engrandecimento pessoal, a moeda do dia.
Mas o nosso mundo é um mundo que precisa das energias masculinas amadurecidas com mais
urgência do que nunca antes na história da humanidade. É uma estranha ironia que no momento em
que a civilização parece aproximar-se da sua maior iniciação – passando de uma vida tribal
fragmentada para uma outra mais integral, mais universal –, que justamente nesse momento os rituais
que transformam meninos em homens tenham desaparecido do planeta. No momento exato em que é
necessário à sobrevivência que se

substitua a imaturidade pela maturidade – que os meninos se tornem homens e as meninas, mulheres,
e que a grandiosidade ceda lugar à verdadeira grandeza – somos lançados de volta aos nossos
próprios
recursos interiores como homens, lutando sozinhos por um futuro mais sábio para nós e para o nosso
mundo. Talvez tenha que ser assim. O processo evolutivo colocou dentro de cada homem os recursos
poderosos dos quatro arquétipos masculinos e vem solicitando-lhes, em diferentes períodos da história
da humanidade, que resolvam problemas difíceis e ousem o impensável – organizar leis a partir do
caos, estimular enormes explosões de criatividade e produtividade (como as que produziram as
primeiras civilizações), adquirir certa capacidade de controlar a natureza, tanto interior como exterior, e
despertar
afetuosa valorização e afinidade. Talvez esse processo de crescimento da nossa espécie seja também
responsável pela radical internalização e psicologização dessas forças no homem moderno.
A nossa era é de individualismo no sentido mais profundo, bem como no mais superficial
também. Sejamos, pois, indivíduos! Nutramos e acolhamos com alegria os grandes indivíduos –
homens que irão, com a benevolência dos antigos reis, a coragem e decisão dos antigos guerreiros, a
sabedoria dos magos e a paixão dos amantes, agir energicamente para assumir o desafio de salvar
um mundo que está infeliz diante de nós. Há certamente necessidades globais e trabalho suficiente
para manter ocupados todos os homens por todo o futuro previsível.
A nossa eficiência diante desses desafios está diretamente relacionada com a maneira como nós,

homens, enfrentamos os desafios da nossa própria imaturidade. Como nos transformaremos, de


homens que vivem sob o poder da psicologia do Menino, em homens de verdade, guiados pelos
arquétipos da
psicologia do Homem, influirá de maneira decisiva no resultado da nossa situação mundial no momento.

Técnicas
Fizemos um ligeiro esboço das dimensões do problema neste pequeno livro. Delineamos as
formas de energia amadurecidas e imaturas. Mostramos um pouco como elas interagem mutuamente
e como srcinam-se umas das outras, nas suas formas da sombra e na sua plenitude. Abordamos
algumas técnicas de acesso a elas. Nas páginas seguintes, examinaremos mais detalhadamente
algumas dessas técnicas para voltar a estabelecer o contato adequado com os arquétipos da
maturidade masculina.
O primeiro passo, para todos nós, é a auto-avaliação crítica. Dissemos que não adianta perguntar se
os aspectos negativos ou da sombra dos arquétipos estão revelando-se em nossas vidas. A pergunta

honesta, realista, que nos devemos fazer é como elas estão se manifestando. Lembremos de que a
chave para a maturidade, para sair da psicologia do Menino e passar à do Homem, é tornar-se
humilde, ser
dominado pela humildade. Humildade não é humilhação. Não estamos pedindo a nenhum homem que
se submeta à humilhação por suas próprias mãos ou pelas mãos dos outros. Longe disso! Mas todos
precisamos ser humildes. É bom lembrar que a verdadeira humildade consiste em duas coisas: a
primeira é conhecer as nossas limitações, e a segunda é conseguir a ajuda que precisamos.
Tendo admitido que todos precisamos ser ajudados de alguma forma, vejamos agora três
técnicas importantes para o acesso aos recursos positivos que estão nos fazendo falta.

Diálogo da Imaginação Ativa


Na primeira dessas técnicas, que a psicologia chama de diálogo da imaginação ativa, o Ego
consisten te dialoga com várias entidades inconscientes, outros enfoques conscientes, outros pontos
de

vista, que existem dentro de nós. Por trás desses diversos pontos de vista, às vezes de forma
obscura,
estão os arquétipos – nas suas configurações positi vas ou negativas. Todo mundo dialoga consigo
mesmo, mas em geral de forma ineficaz, quando "fala sozinho". Comenta-se, brincando, é claro, que
"não tem nada de mais falar sozinho, desde que não se responda". Mas nós respondemos, sim. E o
tempo todo. Damos respostas a nós mesmos, às vezes verbalmente, em voz alta ou dentro das
nossas cabeças. Quase sempre, entretanto, respondemos a nós mesmos através de fatos e pessoas
que "acontecem" em nossas vidas, sem que haja um desejo ou uma intenção consciente.
Respondemos a
nós mesmos através de um comportamento impulsivo que expressa um ponto de vista ou uma
atitude que, conscientemente, nos repugna.
Todo homem já teve a experiência, por exemplo, de planejar o que dizer e fazer antes de ir para
uma reunião importante, ou de sair disposto a criar um caso na oficina mecânica porque o serviço não
ficou bem-feito, e então fazer e dizer uma outra coisa. Na reunião, planejou manter a calma e, com
tranqüilidade e firmeza, apresentar o seu ponto de vista. Mas, quando os outros começam a se agitar,
ele se vê de repente tentado, aos gritos, a calar os adversários. Na oficina, um funcionário
inesperadamente simpático encurta o seu discurso e ele acaba baixando a cabeça, mesmo sabendo
muito bem que o outro o está enrolando. Dois mil anos atrás, São Paulo, muito frustrado, se
perguntava; "Por que faço o que não quero;

e o que quero, não posso fazer?" E quando a cena, seja qual for, termina, dizemos a nós mesmos:
''Não sei o que deu em mim!"
O que deu em nós, o que mudou nossas palavras e comportamentos ensaiados, é o que a
psicologia chama de complexo autônomo, e por trás dele está o que chamamos de um pólo numa
Sombra arquetípica bipolar. Vale a pena enfrentar essas formas de energia rebeldes e muitas vezes
negativ as antes que elas nos façam dizer e fazer coisas de que nos arrependamos.
O diálogo da imaginação ativa é uma técnica importante para manter conversações, realizar
reuniões de diretoria, pedidos de consulta com essas energias que usam a nossa cara, mas são
eternas e universais. No diálogo da imaginação ativa, falamos com elas, entramos em contato com
uma ou várias delas, e apresentam os o nosso ponto de vista. Então, ouvimos o que elas
respondem. Quase sempre, é melhor fazer isso no papel, escrevendo os sentimentos e os
pensamentos tanto do Ego como do "adversário", conforme eles vão surgindo, sem censurá-los.
Como qualquer reunião de diretoria

bem-feita, no mínimo temos que concordar ou discordar. Em situações extremamente hostis, temos
que fazer uma pequena trégua, se possível, pelo menos temporariamente. Na pior das hipóteses, esse
tipo
de exercício nos ajudará a definir o adversário e colocar a maioria das cartas na mesa. Um homem
prevenido vale por dois.
O exercício pode parecer estranho à primeira vista. Mas, em geral, basta alguns minutos
escrevendo para se revelar a realidade dos outros pontos de vista existentes na psique de todos os
homens. Pode ser que não aconteça nada no início. Mas, se persistir, você vai acabar tendo uma
resposta. Elas às vezes são surpreendentes. Às vezes são tranquilizadoras. Mas surgem.
Um aviso: se durante esse exercício você deparar com uma presença realmente hostil, o que
certos psicólogos chamam de perseguidor interno, pare tudo e consulte um bom terapeuta. Quase
todos nós temos nossos perseguidores internos, assim como temos ajudantes internos. Mas talvez o
perseguidor interno seja tão feroz que se torna necessário um apoio para continuar dialogando com
ele. Se você

desconfiar que vai encontrar alguma coisa desse tipo, é melhor invocar uma forma de energia
arquetípica positiva antes de começar. (Falaremos da invocação a seguir.) Uma outra observação: é
possível entrar em
contato com mais de um outro ponto de vista. Trate o diálogo, então, como se fosse uma reunião de
diretoria, e ouça o que cada um tem a dizer.
O que se segue é o exemplo de um exercício de diálogo de imaginação ativa. O homem que
teve essa conversa com um de seus complexos (o Trapaceiro) estava tendo muitos problemas no
trabalho porque era incapaz de controlar seus comentários críticos – a maioria baseados numa
observação correta – sobre a incompetência administrativa. Ele se via ridicularizando o chefe diante
dos colegas, não conseguia
chegar na hora no trabalho, e era incapaz de conter a sua impaciência e desagrado nas reuniões,
entrando ocasionalmente em confronto direto com o seu supervisor. O que se segue aconteceu
quando ele se sentou para tentar um contato com fosse lá o que fosse que o estava fazendo
comportar-se daquela maneira. ("E" é o Ego, 'T' é o Trapaceiro.)
E: Quem é você? (Pausa) Quem é você? (Pausa) O que quer? (Pausa longa) Seja quem for,
está me arranjando encrencas.
T: E não é ótimo?
E: Ah, então tem alguém aí!
T: Deixa de ser besta. Claro que tem alguém aqui. Gostaria de poder dizer o mesmo de você. Parece

que não pensa.


E: O que está querendo comigo?
T: Deixe-me pensar. (Pausa) Você sabe o que eu quero seu idiota. Quero fazer você
sofrer. E: Por quê?
T: Por quê? (Debochando) Porque é divertido. Você se acha tão dono de si. Imagine se for
despedido! Gente, vai ser engraçado!
E: Quem é você?
T: Meu nome não importa. O importante é que estou
aqui. E: Por que quer me fazer sofrer? Qual a graça?
T: Porque você merece ser infeliz. Eu sou
infeliz. E: Por que você é infeliz?
T: Pelo que você me fez.

E: Que eu fiz a você?


T: É, seu idiota.
E: O que foi que eu fiz?
T: Você não liga para mim, não adianta
fingir. E: Eu ligo, eu quero ligar.
T: Claro, porque está se sentindo mal.
E: Tudo bem. Vamos entrar num
acordo.
T: Não, não vamos. Você tem que ser
despedido. E: Não vou deixar você fazer isso.
T: Tente me impedir!
Depois de mais acusações mútuas e manifestações de desconfiança, o Ego e essa imagem
interior, que era o arquétipo do Trapaceiro vestindo a própria identidade da sombra do homem, teve
início uma

conversa séria.
T: Você reprime seus verdadeiros sentimentos em relação às coisas – todos os seus
sentimentos. Você é um dissimulado. Eu sou os seus verdadeiros sentimentos. Às vezes quero
me zangar, e outras quero ficar bem contente! E você fica aí fingindo, bancando o superior.
Qualquer superioridade que você tenha está em mim. Eu sou você realmente!
E: Quero ser seu amigo. E... precis o que você seja meu amigo. Você não é eu. Tenho meus
pontos de vista, e preciso que você me escute. Mas vou mudar. Ao mesmo tempo, não posso
deixar que
você fale o que pensa no trabalho. Se eu passar fome, você também passa. Estamos juntos
nisso, você sabe.
T: Tudo bem. Mas vai ter que prestar atenção em mim. As férias estão chegando, e quero ir
para algum lugar este ano. Vinho, mulheres e música! Então, você vai ter que me comprar
roupas e uma passagem para algum lugar... eu gostaria de uma região tropical! E mais uma
coisa... não se choque... quero que alguém me leve para a cama!
E: Combinado. E você vai parar de me pressionar no trabalho, ou vamos ter férias
permanentes. T: A idéia era essa. Forçar você a tirar férias de alguma forma. É só não
voltar atrás.
E: Não volto.

T: Então está combinado.


Muitas vezes, o diálogo com os "adversários" interiores – em geral formas de energias masculinas
imaturas – abranda muito o poder deles. O que querem – como todas as crianças – é ser notados,
respeitados e levados a sério. E têm direito a isso. Uma vez respeitados, e seus sentimentos levados
em conta, não precisam mais atuar em nossas vidas.
O conflito terminou amigavelmente. E o que antes era um não-relacionamento tornou-se uma
nova fonte de equilíbrio na vida desse homem. O seu Trapaceiro tinha finalmente desinflado o seu Ego
– e fez isso para forçá-lo a satisfazer aspectos da sua personalidade que ele ignorava. Uma imagem
que começou como um perseguidor interno transformou-se num amigo para a vida inteira.
Neste outro exemplo de diálogo da imaginação ativa, o Ego do homem atuou como juiz entre
dois aspectos conflitantes da personalidade dele, um mostrando a influência da energia do Herói
imatura e o outro, o Amante. Os dois arquétipos não chegavam a um acordo sobre como tratar a
mulher na vida do

homem. O Herói queria conquistá-la, enquanto o Amante queria apenas se relacionar com ela numa
base de afeto mútuo. O diálogo se deu assim. ("E" é o Ego, "H" é o Herói e "A", o Amante.)
E: Calma, vocês dois. Temos um problema. Gail quer ir para o Brasil pular carnaval, sem a
gente. Você, Herói, quer lhe dar uma bronca e um ultimato: desistir da viagem e vir a Chicago
visitá-l o, ou esquecer o relacionamento. E você, Amante, quer deixá-l a ir e continuar amando-a
apesar de tudo. Portanto, temos que chegar a uma conclusão.
H: Ela está sendo egoísta! Como sempre está tentando me dominar com seus desejos
impulsivos. Ela não liga para mim. É perigosa. E para me relacionar com ela, eu é que vou ter
que ditar as regras.
A: Sim, mas aí perde a graça. Ela precisa querer estar com a gente, de outra forma não adianta.
Eu a amarei independentemente do que ela faça. Meu amor por ela é muito grande; se tentar
prendê-la, você vai acabar com um amor verdadeiro.

H: Não me vem com esse romantismo idiota! Talv ez você queira ficar calado e engolir isso,
mas eu não consigo! Como você pode pensar em viver com uma mulher tão egoísta e
impulsiva?
A: Porque, egoísta e impulsiva ou não, ela é a mulher que eu
amo. H: Mas não há segurança com essa mulher!
A: Também não há segurança em forçar alguém a fazer o que você quer, contra os desejos
dela. O amor existe apenas pelo simples prazer de amar.
H: Talvez você consiga viver com o simples prazer, mas eu não. Venço a teimosia dela ou morro
tentando.
A: O que vai morrer é o relacionamento!
E: Tudo bem. Cada um apresentou o seu ponto de vista. Agora, temos que chegar a um acordo.
Parece-me que os dois estão com a razão, mas exageram. O Herói está certo ao estabelecer
limites razoáveis para o relacionamento e ao reconhecer os nossos próprios limites, aquilo com
que nos sentimos satisfeitos. Gail ir ao Brasil em vez de vir a Chicago não dá para agüentar. E o
Amante está certo em não querer acabar com o relacionamento e em querer respeitar os limites
e desejos de Gail. Mas, Amante, você tem que entender que o amor humano tem limites. Ele
não é ilimitado. Pode ser que o amor seja. Mas o que podemos agüentar não é. Então, vamos
estabelecer limites e amar Gail ao mesmo tempo.

Como o Herói, sob a influência do Amante, foi capaz de transformar o seu medo e a sua raiva
em coragem e capacidade de estabelecer limites – uma coisa que na realidade ela estava procurando
–, Gail
não foi para o Brasil e está amadurecendo no relacionamento. E a psique dividida do homem está se
tornando íntegra.

Invocação
Uma segunda técnica, nós chamamos de invocação. Desta vez temos acesso aos arquétipos
masculinos na sua plenitude como formas de energia positiva. Ela também pode parecer estranha de
início. Mas um minuto de reflexão nos dirá que fazemos isso o tempo todo. Todos nós vivemos nossas
vidas psicológicas invocando involuntariamente, na maioria dos casos, imagens e pensamentos que
podem ou não nos ser úteis. Nossas mentes estão apinhadas de visões, sons e palavras, muitos dos
quais indesejados. Para confirmar isso, feche os olhos um momento. As imagens vão aparecer no
escuro e os

pensamentos, apenas audíveis para o ouvido "interno", povoarão a sua mente. Se o diálogo da
imaginação ativa é um meio consciente, concentrado, de conversar consigo mesmo, a invocação é um
meio consciente,
concentrado, de despertar imagens que você quer ver. A imaginação afeta profundamente o nosso
estado de espírito, as nossas atitudes, a maneira como vemos as coisas e o que fazemos. Os
pensamentos e imagens que invocamos são, portanto, importantes na nossa vida. É assim que se faz
a imaginação concentrada, ou invocação:
Se possível, encontre tempo e um lugar tranqüilo, clareie a mente o máximo que puder e relaxe
– mais uma vez, o máximo que puder. (Não recomendamos exercícios de relaxamento demorados
como necessários neste processo, embora eles possam ser úteis.) Focalize uma imagem que tenha ao
mesmo tempo figuras mentais e palavras faladas (na sua cabeça, pelo menos). É bom ficar olhando
algum tempo as imagens do Rei, do Guerreiro, do Mago e do Amante. Use essas imagens nas suas
invocações.
Digamos que você encont rou a figura de um imperador romano no seu trono – a fotografia da cena de um

filme, quem sabe, ou uma pintura. Durante o exercício, coloque diante de você essa figura. Enquanto
relaxa, converse com ela. Chame o Rei dentro de você. Procure fundir com ele o seu inconsciente
profundo. Perceba que você (como um Ego) é diferente dele. Na sua imaginação, faça do seu Ego um
servo dele. Sinta a sua calma e força, a benevolência equilibrada dele em relação a você, o cuidado
dele com você. Imagine-se diante do trono dele, tendo uma audiência com ele. Na verdade, faça uma
"oração". Diga-lhe que precisa dele, que precisa da sua ajuda – do seu poder, do seu favor, da sua
disciplina, da sua hombridade. Conte com a generosidade dele.
Um jovem começou a fazer análise porque estava se sentindo muito desligado do seu lado
erótico. Simplesmente não conseguia fazer um contato "químico" com as mulheres. Queria mais que
tudo encontrar uma mulher que o amasse, com quem pudesse ter uma vida sexual excitante, uma
mulher com quem pudesse se casar. Parte da terapia consistiu em ler tudo o que pudesse sobre o
deus grego do Amor, Eros, especialmente a história de Eros (cupido) e Psique, e depois rezar para
que Eros o ajudasse a se sentir sensual e atraente. Logo depois que o rapaz começou suas
invocações dessa imagem do Amante, foi fazer um cruzeiro. Nele, conheceu, inesperadamente, uma
mulher linda, que achou que ele era o homem mais bonito e másculo que ela já conhecera. Ela
estava sentindo o recém- descoberto Eros que existia dentro dele, que revestia toda a sua
personalidade de força e brilho. Ela até

lhe disse: "Você é lindo como um deus!" Durante várias noites, eles se amaram apaixonadamente no
mar, foi a experiênc ia sexual mais fantástica da vida dele. Os dois continuaram a se ver após a
viagem,
e um ano depois estavam casados, com um bebê a caminho. Ele atribuiu essa vida nova e mais
gratificante às suas imagens e invocações do Amante.
Um outro homem estava sendo perturbado pelas colegas de trabalho por causa das suas
atitudes másculas e autoconfiantes. Ele encontrou forças numa pirâmide de cristal que tinha sobre a
mesa. (A forma da pirâmide, como vimos, é um dos símbolos do Si-mesmo masculino). Sempre que
se sentia oprimido, fazia exercícios de respiração durante um minuto. Virava-se para a pirâmide e a
imaginava dentro dele, no peito. As ondas dos ataques à sua masculinidade quebravam-se contra as
faces do prisma, tentando fragmentá-la. Mas sempre recuavam, perdendo a fúria. A situação no
trabalho não melhorou, mas ele foi capaz de manter o equilíbrio, a calma e a concentração a maior
parte do tempo, enquanto procurava um ambiente melhor para trabalhar. No meio de um dia agitado,
esse homem não podia ritualizar plenamente a

sua invocação. Mas muitos homens, na solidão do final da noite ou das primeiras horas da manhã,
conseguem fazê-lo. Às vezes até acendem velas e queimam incenso diante de uma imagem do
arquétipo,
reverenciando-o de uma forma antiga, porém muito adequada.
O que estamos sugerindo se compara ao que as religiões sempre chamaram de oração, quando
ela era acompanhada do ritual de acesso ao deus. Longe de serem ídolos, os ícones da Igreja
Ortodoxa Grega e as estatuas do Catolicismo Romano servem para focalizar uma imagem da forma de
energia que o fiel está invocando. A imagem do santo ou de Deus pode fixar-se de tal forma na mente
de um homem que ele não precisa mais da representação gráfica à sua frente para sentir as energias
que fluem dela.

Homens Admiráveis
Seguindo a mesma linha, temos a técnica da admiração. Homens amadurecidos precis am
admirar outros homens, vivos ou mortos. Precisamos especialmente estar em contato com homens

mais velhos a quem possamos ter como modelo. Se não houver nenhum disponível
pessoalmente, temos que ler suas biografias e nos familiarizar com suas palavras e ações. Eles
não precisam ser
perfeitos, porque a perfeição – a realização do homem totalmente íntegro – jamais será alcançada.
O movimento em direção à integridade é possível, porém, e cada homem é individualmente
responsável por ele. É precisamente para os nossos pontos fracos, onde nossas psiques estão
possuídas pêlos pólos de um sistema de sombra arquetípica, que precisamos invocar, através da
admiração ativa, as forças que nos faltam, mas que podem ser apreciadas em outros homens. Se
precisamos de mais energia do Guerreiro em nossas vidas, podemos vir a conhecer e apreciar a
alma guerreira do faraó
egípcio Ramsés II, do chefe zulu que se lançou com seus homens, tão corajosamente, contra o
exército britânico na revolta zulu no século XIX, ou do General Patton. Se precisamos de um melhor
contato com a energia do Rei, podemos estudar as biografias de Abraham Lincoln ou de Ho Chi Minh.
Se precisamos de mais Amante, podemos admirar a energia de Leo Buscaglia.
A questão é que as imagens e os pensamentos que invocamos determinam, em grande
medida, não só como as coisas nos parecem, mas como elas realmente são. Uma mudança no
nosso acesso interior aos arquétipos do masculino amadurecido causará uma mudança nas
circunstâncias externas e oportunidades em nossas vidas. No mínimo, a mudança no mundo interno
vai melhorar em muito a nossa capacidade de lidar com circunstâncias difíceis e acabar tirando
vantagem delas – em nosso benefício,

daqueles a quem amamos, das nossas empresas, das nossas causas e do mundo.
Há um ditado quanto a isso: "Cuidado com o que você pede, pode acabar conseguindo!" O muito
proclamado poder do pensamento positivo é, pelo menos em parte, verdadeiro, mais do que a maioria
de nós pensa. Assim, embora avaliemos criticamente a nossa posição no relacionamento com as
energias masculinas e embora estejamos empenhados num diálogo tanto com os aspectos positivos
quanto com os aspectos da sombra dessas energias, precisamos também invocar os arquétipos em
sua plenitude de forma deliberada e focalizada.

Agir "Como se"


Há ainda uma outra técnica para se ter acesso aos arquétipos do masculino amadurecido que
merece uma rápida menção, porque é tão óbvia que pode passar despercebida. Baseia-se na
comprovada técnica de o ator tentar "entrar no personagem" quando ele não sente o personagem.
Essa técnica chama-

se o mágico "se" de Stanislaviski. Nesse processo, se não consegue sentir o personagem que está no
script, o ator começa a agir como ele. Movimenta-se e fala como o personagem. Age "como se. No palco, o
ator age com realeza, mesmo que tenha acabado de ser despedido ou abandonado pela mulher! "O
espetáculo continua", e outras pessoas dependem de ele representar o seu papel bem. Então você
pega o seu script, lê á fala do rei, senta no trono e age como rei. Não demora muito, acredite ou não,
vai estar sentindo-se um rei.
É um tanto esquisito, mas quando se precisa ter mais acesso ao Amante, por exemplo, e o
pôr-do- sol não tem interesse, vale a pena sair e dar uma olhada nele. Forçar-se a ver a beleza. Até
dizer a si mesmo: "Olha só os tons de laranja e vermelho, e a transição sutil do azul para o roxo."
Logo, por mais estranho que pareça, vai ver que está interessado em ver o sol se pondo.
Se precisa ter mais acesso ao Guerreiro, pode começar saindo da frente da televisão uma
noite dessas e se forçando a abrir a porta e dar uma caminhada lá fora. Pode decidir-se a enfrentar
a pilha de

contas a pagar sobre a escrivaninha. Levante-se. Mexa-se. Comece a fazer alguma coisa. E logo, para
seu grande espanto, vai perceber que está sendo mais guerreiro em muitas áreas da sua vida.
Se é necessário um acesso mais consciente ao Mago, a próxima vez que alguém vier a você em
busca de sua sabedoria, aja como se realmente tivesse alguma. Faça de conta que tem algo útil e
inteligente para dizer. Obrigue-se a realmente ouvir essa pessoa. Tente tirar da cabeça a sua agenda
e realmente concentrar-se no problema que ele ou ela está lhe apresentando. Depois, o mais
ponderadamente possível, entregue a essa pessoa toda a sabedoria acumulada na sua vida que
puder. Todos nós temos muito mais sabedoria do que pensamos.
Uma Ultima Palavra
Neste livro preocupamo-nos em ajudar os homens a assumir a responsabilidade pela força destrutiva das formas imaturas da masculinidade. Ao mesmo tempo,

o seu esplendor em ambos os sexos. Os homens não devem ficar se desculpando pelo seu sexo, como sexo. Devem preocupar-se com o amadurecimento e a ad
O inimigo de ambos os sexos não é o sexo oposto, mas sim a grandiosidade infantil e a divisão do Si- mesmo dela resultante.
Uma última palavra de incentivo: qualquer processo transformador, como a própria vida, exige tempo e esforço. Fazemos o nosso "dever de casa" do lado consc
Joseph Campbell, no seu último livro, A extensão interior do espaço exterior, pede um despertar universal para um tipo de iniciação que se tornaria o ponto de r

questão de explorar o âmbito externo de nosso espaço interno. Queremos juntar nossas vozes às dos muitos homens que, através da história, contra enormes d
exigiram um fim para o reino do Senhor das Moscas – a apocalíptica fantasia do fim do mundo numa demonstração final de raiva infantil. Se os homens contemp
que o Rei, o Guerreiro, o Mago e o Amante nos legaram.

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