Revista Fólio
Revista Fólio
Revista Fólio
1
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Expediente Editorial
A
qualificação profissional e as novas oportunidades no mercado
Diretor Geral
Robson Ramos de Aguiar
de trabalho estão intimamente relacionadas à divulgação da
pesquisa científica. Logo, ela precisa ser veiculada em termos
CONSAD – Conselho simples, como processo, com os princípios nela estabelecidos e com
Superior de Administração as metodologias empregadas, revelando a intensidade dos problemas
Presidente: Paulo Borges Campos Jr.
Vice-Presidente: Aires Ademir Leal Clavel sociais ali identificados e debatidos.
Secretária: Esther Lopes A pesquisa científica pode ser entendida, então, como a
Titulares: Afranio Gonçalves Castro, explicação para o público de aspectos importantes da realidade
Augusto Campos de Rezende, Jonas Adolfo
que o rodeia. Este é um passo fundamental e determinante para
Sala, Marcos Gomes Tôrres, Oscar Francisco
Alves Jr., Valdecir Barreros desenvolvimento econômico e social de uma nação. Atrelado a isto
Suplentes: Renato Wanderley de Souza Lima estão a responsabilidade social do conhecimento e a concretização da
cidadania, em seu conceito mais profundo. A tecnologia da informação
Reitora
Anelise Coelho Nunes
e as novas formas de comunicação são cruciais nestes processos.
Coordenador de Pesquisa A ciência é mola propulsora de um amadurecimento do sujeito
e Pós-Graduação Stricto Sensu social, a partir de uma maior consciência e responsabilidade de suas
Edgar Zanini Timm atitudes. Por isso que os resultados de estudo científicos precisam
Conselho Editorial alcançar o cidadão comum. Ingenuamente, acredita-se que este
Presidente: Anelise Coelho Nunes sujeito, leigo, não compreende o que é a ciência. Todavia, é ela quem
Vice-Presidente: Edgar Zanini Timm contribui para a construção de um coletivo crítico e reflexivo. Isto dá ao
Conselho: Alessandra Peres, Caroline Dani, cidadão, então, plenas condições de se posicionar frente à sociedade
José Clóvis de Azevedo, Maristela Padilha e
Marlis Morosini Polidori que ele mesmo ajuda a construir. Os resultados de estudos científicos
Assistente Editorial: Ágata C. S. Pamplona são a matéria-prima para a conquista de melhor qualidade de vida.
Editor executivo: Rodrigo Ramos S. Rosa A academia não pode se esquivar de sua responsabilidade.
Autores falam em criar uma ponte entre o mundo da ciência e os
outros mundos. Iniciativas, como a Revista Fólio, buscam aproximar
o que é pesquisado nas áreas da Comunicação e do Turismo com a
Conselho Editorial
da Revista Fólio intenção de subsidiar as práxis sociais.
Editora: Claudia Tacques
Nesta edição, a área da Comunicação discute a inclusão de negros
Editora: Valéria Deluca Soares de Carvalho na propaganda e as relações duradouras entre clientes e agências
Coordenador do curso de Jornalismo de Publicidade e Propagada. Aborda aspectos da indústria criativa
Fabio Ramos Berti e a cultura organizacional na perspectiva da Geração Y; o uso de
Coordenador do curso de Turismo
Guilherme Bridi advergames em campanhas publicitárias; e o comportamento de
Coordenadora do curso consumidores de cervejas artesanais. E, traz um estudo na área da
de Publicidade e Propaganda Educomunicação, com o uso da fotografia no desenvolvimento da
Nancy Vianna
criticidade de alunos do Ensino Fundamental, em uma escola pública.
Editora Universitária Metodista IPA No que tange ao Turismo, a Revista Fólio destaca importantes
Rua Cel. Joaquim Pedro Salgado, 80 considerações sobre o entendimento do conceito de turismo e como a
Prédio A – Sala A 001 – Rio Branco emoção e a ‘economia da expectativa’ influenciam o comportamento
Porto Alegre/RS CEP: 90420-060
Tel.: (51) 3316-1249
do turista. Alerta, ainda para as potencialidades do turismo étnico
como propulsor do desenvolvimento de comunidades quilombolas;
Projeto Gráfico sobre o planejamento turístico em espaços públicos de uso irrestrito;
Athílio Zanon, Carlos Tiburski, Daiana Berto, e debate o papel do capital humano e da inovação tecnológica no
Evelin Schneider e Vinícius Carvalho
contexto do desenvolvimento regional. E, traz uma reflexão sobre o
Direção de Arte cenário atual da aviação civil no Brasil.
Carlos Tiburski São temáticas pertinentes, relevantes e atuais. Assuntos que
envolvem aspectos do cotidiano da sociedade. São artigos que
Diagramação
Carlos Tiburski capacitam os sujeitos sociais a explorarem e encontrarem alternativas
que possam colaborar com o enriquecimento intelectual e com a
Multiverso Comunicação Integrada construção de hábitos que resultam em cidadãos mais conscientes e
Rua Cel Joaquim Pedro Salgado, 80 - Prédio B
capazes de viver em uma sociedade democrática de fato. Acreditamos
Rio Branco - Porto Alegre
[email protected] que estes textos são capazes, sim, de promover cidadania. Desejamos
multiversoipa.metodistadosul.edu.br uma excelente leitura.
2
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Sumário
5 O consumo de emoções: estudo de
caso dos jipeirosde Santa Cruz do Sul-RS
32
A economia da experiência como um diferencial
na atividade turistica, utilizando o turista e o agente
local como protagonistas da vivência no destino
3
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
4
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
O consumo de emoções:
estudo de caso dos jipeiros
de Santa Cruz do Sul-RS
The emotional consumption: case study
about jeeps of the Santa Cruz do Sul-RS
Resumo
Discute-se o consumo hedonista, inferindo que fatores como a emoção complexificam o processo. Parte-se do
pressuposto de que as emoções podem levar o consumidor a repetir ou não uma experiência. Assim sendo, ques-
tiona-se qual a percepção dos jipeiros em relação às trilhas que realizam em grupos, tomando essas trilhas como
objetos de um consumo de emoções. A metodologia adotada é a pesquisa qualitativa, cunho exploratório, uti-
lizando-se da pesquisa bibliográfica. A técnica de levantamento de dados empregada foi a entrevista semiestru-
turada. Os resultados apontaram para o uso da emoção como um importante fator a ser considerado no cosumo
de produtos subjetivos.
Abstract
Hedonistic consumption is discussed, inferring that factors such as emotion complicate the process. It is assumed
that emotions can lead the consumer to repeat or not an experiment. Thus, one questions the jeepers’ perception
of the tracks they perform in groups, taking these tracks as objects of a consumption of emotions. The methodo-
logy adopted is the qualitative research, exploratory, using bibliographical research. The technique of data collec-
tion used was the semi-structured interview. The results pointed to the use of emotion as an important factor to
be considered in the consumption of subjective products.
1 Doutoranda e Mestra em Desenvolvimento Regional (UNISC). Publicitária especialista em Branding (UNISC). Pesquisadora-membro do
Observatório do Desenvolvimento Regional (OBSERVA-DR). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]
5
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
O
processo de decisão de compra dos con- experiência de consumo hedonista. Parte-se de
sumidores é um importante objeto de que a percepção é que fará com que o consumi-
estudo para o entendimento do compor- dor se envolva de maneira a manter uma relação
tamento do consumidor. Não é uma rua de mão emocional e, portanto, mais duradoura do que se
única, na qual o consumidor executa passos pré- a relação fosse apenas com os atributos físicos de
-definidos, ao contrário, é muito mais complexo. um produto. Por este olhar, a relação emocional
Envolve outros aspectos além do cognitivo. Nesta pode ser vista com um argumento estratégico em
complexidade as emoções se tornam importantes diversas áreas, como a publicidade, marketing e o
objetos de estudo para uma melhor interpretação turismo, por exemplo, dentre outras.
do comportamento do consumidor. As emoções Várias pesquisas abordam a tendência dos
levam o consumidor a ter experiências de consu- produtos se transformarem em comodities2. No
mo fazendo com que as pessoas venham ou não entanto, é preciso mais do que apenas vender
a repetir determinados estímulos. Essa ação leva produtos. Nesse sentido, tornam-se necessárias
ao processo de compra, podendo, inclusive pas- pesquisas mais aprofundadas para se entender o
sar por determinadas etapas deste processo de- consumidor, no que ele acredita, o que sente, o
cisório sem passar por outras. que o motiva, enfim, o que o faz preferir uma mar-
Entender como as emoções interferem na ex- ca em depreciação de outra. Tudo começa pelo
periência de consumo das pessoas leva a outras entendimento do processo de tomada de deci-
formas de análise do processo de compra, além sões de compra, perpassando pela forma como a
daquela relacionada ao raciocínio lógico. Ambas emoção se relaciona com este processo, levando
têm uma relação intrínseca e intensa, não poden- ao consumo hedonista.
do ser analisadas em contextos separados. Atra-
vés desta pesquisa se pode identificar a relação
entre a tríade emoção-consumidor-experiência, Aspectos metodológicos
assim como identificar os fatores que compõem a da pesquisa
emoção e a forma como agem na tomada de deci-
são de compra. É preciso verificar quais os aspec- Esta é uma pesquisa de cunho qualitativo.
tos emocionais ativam o processo de consumo e Malhotra (2006) a aponta na tentativa de compre-
entendê-los como participantes de um complexo ender um fenômeno específico. Ao invés de da-
processo contínuo. dos estatísticos, regras e outras generalizações,
A relação emocional entre consumidor e pro- a pesquisa qualitativa trabalha com descrições,
duto e a forma com que o consumidor percebe a comparações e interpretações. Basicamente, é
realidade a partir da emoção como experiência aquela que busca entender um fenômeno espe-
de consumo ajuda a entender o seu comporta- cífico em profundidade. A pesquisa qualitativa é
mento na sociedade. Este artigo mostra a rela- mais participativa e, portanto, menos controlável.
ção das emoções e o envolvimento do consumi- Os participantes da pesquisa podem direcionar o
dor com o processo cognitivo por meio da expe- rumo da pesquisa em suas interações com o pes-
riência de consumo de um grupo específico, os quisador. A metodologia empregada para a rea-
jipeiros. Assim sendo, questiona-se qual a percep- lização deste trabalho consistiu em uma pesquisa
ção dos jipeiros em relação às trilhas que realizam bibliográfica.
em grupos, tomando essas trilhas como objeto de No levantamento de dados se utilizou de en-
consumo hedonista. trevistas, na qual foram entrevistados dez jipeiros
Dentre os objetivos, busca-se compreender
qual a emoção que o jipeiro sente ao realizar uma
experiência de consumo tão subjetiva quanto 2 Refere-se aos produtos produzidos em grande escala, na qual o
uma trilha; como a emoção os motiva, bem como fator preço é primordial.
6
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
7
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
desejar, poderá ainda realizar todo o processo e, lógico. Há uma atuação simultânea da razão e da
no final, optar pela não compra do produto a ele emoção no processo de compra. Zaltman (2003)
oferecido. Dessa forma, percebe-se a complexi- faz referência ao fato de que o cérebro humano
dade que envolve os processos de compra e con- possui estruturas diferentes para o processamen-
sumo e a necessidade de entender seus aspectos to de dados, sendo uma ligada ao raciocínio ló-
intrínsecos. gico e outra, às emoções. As duas se comunicam
Embora o processo de tomada de decisão de entre si e formam, em conjunto, o comportamen-
compra envolva, como ressalta Zaltman (2003) um to do consumidor.
chamado “processo mental racional”, não quer Contudo, não se pode avaliar apenas o racio-
dizer necessariamente que o consumidor realize cínio lógico na tomada de decisão de compra, é
o processo de forma automática, consciente ou relevante também considerar o aspecto emocio-
planejado. Enfatiza-se que o processo de compra nal do consumidor. Zaltmann (2003, p. 24) obser-
não retrata adequadamente a forma como os con- va que “[...] razão e emoção não são opostos; são
sumidores fazem suas escolhas. Observa-se essa parceiros que, às vezes, têm as suas desavenças,
situação quando as escolhas são feitas em níveis mas que dependem um do outro para o suces-
como hábitos, forças inconscientes ou até mes- so”. Assim sendo, não se deve analisar somente
mo no contexto social e físico. Nesse sentido, en- o processo decisório através do viés cognitivo por
tender como a emoção interfere no processo de ser um meio menos confuso de se interpretar as
compra ajuda a compreender melhor o próprio informações coletadas. Além disso, os consumi-
consumidor e o processo de consumo. dores revelam com maior frequência os proces-
sos de compra conscientes, pois são mais fáceis
de serem expressos pelas pessoas, não levando
O fator emocional no em conta, muitas vezes, os aspectos inconscien-
processo de compra tes inclusos no processo de tomada de decisão da
compra pelo consumidor.
Para compreender como a emoção se relacio- Sob o aspecto da análise do inconsciente do
na com o processo de compra é importante com- consumidor Zaltmann (2003, pg. 35) ainda revela
preender o que são as emoções. Segundo Sheth que “[...] os sentimentos, ou seja, a experiência
(2001) os seres humanos são criaturas de emoção consciente das emoções é apenas a ponta do ice-
por natureza. São elas, as emoções, que ligam su- berg”. O autor salienta, com base em estimativas,
as vidas e orientam suas ações a uma determinada que 95% dos pensamentos, das emoções e dos
finalidade. Na qualidade de seres humanos e de aprendizados ocorrem na mente inconsciente, ou
consumidores, as emoções são a própria vida das seja, sem a percepção consciente. Um exemplo
pessoas. Nota-se que a emoção faz parte da vida disso é quando uma pessoa percebe que seu pen-
das pessoas de uma forma bastante intensa e que samento está em algo que não foi estimulado a
a mesma permeia por vários processos mentais, pensar. A experiência emocional inserida no pro-
incluindo o de tomada de decisão de compra. cesso de compra leva à sensação de prazer ao
Necessidades e emoções têm uma ligação consumir um produto, podendo ser o gatilho que
muito forte entre si. Assim como as necessidades, leva ao início do processo de consumo. Definir
as emoções são capazes de motivar uma pessoa exatamente o que são as emoções é uma tarefa
na direção do que Sheth (2001) chamou de ob- árdua. Isso acontece porque
jetos-alvo relevantes. São eles que geram emo-
ções negativas ou positivas, dependendo do sen- a emoção é um conjunto complexo de proces-
timento de privação ou de conquista dos obje- sos, que ocorre ao mesmo tempo em múlti-
tos-alvos. As emoções positivas funcionam como plos sistemas humanos (ou seja, tanto na mente
motivações de aproximação e as negativas como quanto no corpo). São esses processos os res-
motivações de evitação. As emoções estão rela- ponsáveis pelas moções. As moções são a cons-
cionadas intimamente também com o raciocínio ciência da ocorrência de alguma excitação fisio-
8
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
lógica seguida por uma resposta comportamen- do processo de compra, tendo as emoções como
tal, juntamente com a avaliação dos significados motivador principal do consumo.
de ambas (SHETH, 2001, p. 338).
9
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
pessoas são movidas pelas coisas com as quais emoção específica como sendo algo bom ou
tem um grau intenso de preocupação. A forma ruim. O comportamento emocional se relaciona
como são usadas (com prazer ou não) derivam sa- estreitamente com o processo de compra, pois é
tisfações e criam identidades. a experiência de consumo com base nas emoções
Os graus de envolvimento afetam o compor- do consumidor que irá fazer com que o mesmo
tamento das pessoas de muitas formas. Mencio- queira repetir ou não o estímulo emocional. As-
nam-se aqui três delas. Na primeira, as pessoas sim sendo, se o processo de compra for agradá-
que se envolvem intensamente com um produto vel ele irá lembrar como sendo algo positivo ou
buscam conhecê-lo profundamente e, por conse- se for algo que causou uma emoção negativa ele
guinte, tornam-se líderes de opinião. Em geral, lembrará como sendo algo negativo.
esses líderes consomem uma quantidade muito O processamento das informações, segundo
maior do produto, assim como os demais produ- Engel (2000, p. 98) ocorre quando o consumidor é
tos relacionados ao produto principal. E por últi- exposto à informação e inclui cinco passos. A saber:
mo, cita-se o grau de sensibilidade ao preço.
Já a forma com que as pessoas se ocupam e a) Exposição – é o primeiro passo, onde a in-
quais os fatores psicológicos influenciam em seu formação e a comunicação devem ser persuasi-
padrão de vida remete à psicografia. De acordo vas para que os consumidores ativem um ou mais
com Sheth (2001), a psicografia se refere à caracte- sentidos que iniciem o processamento preliminar;
rística dos indivíduos que os descrevem em termos b) Atenção – o consumidor irá prestar aten-
de sua constituição psicológica e comportamen- ção no que ele considera relevante para ele na-
tal. Orienta o comportamento do consumidor na quele momento que está sendo exposto a um de-
direção de adquirir ou não determinado produto. terminado estímulo externo. Nesse estágio, serão
A psicografia contém três elementos essen- selecionadas as informações que sejam pertinen-
ciais: os valores, o autoconceito e o estilo de vida. tes a ele, acionando sua atenção seletiva;
Cada um desses elementos tem um papel funda- c) Compreensão – Se a atenção do consumi-
mental para o consumidor. Os valores são os ob- dor for atraída pela mensagem exposta, a mesma
jetivos pelos quais as pessoas vivem. O autocon- terá sua mensagem analisada, gerando o signifi-
ceito tem relação com a imagem que cada um tem cado dessa mensagem que ficará armazenada na
de como é. Incluem-se aqui duas ideias distintas: mensagem. O que se espera é que o consumidor
uma de como a pessoa realmente é e a outra de consiga compreender exatamente a mensagem,
como a pessoa gostaria de ser percebido. O auto- a qual foi exposto anteriormente;
conceito influencia diretamente no consumo das d) Aceitação – Neste estágio a mensagem é
pessoas, reafirmando quem são ou quem gosta- filtrada para que seja aceita ou não pelo indivíduo.
riam de ser através dos produtos que consomem. Se for inaceitável num primeiro momento ainda
E, por último, o estilo de vida, fazendo-se men- há chance de a mesma ser aceita em outra oca-
ção ao modo como as pessoas vivem, gerando sião, dependendo da sua compreensão;
também comportamentos diferenciados. Os esti- e) Retenção – A meta principal é a de que a
los de vida são determinados pelas características mensagem não seja somente aceita, mas de que
pessoais de cada um, como a genética, a raça, a seja também armazenada na memória e se tor-
idade e a personalidade e seu contexto pessoal. ne acessível no futuro. Importante salientar que a
Neste componente se encontra a cultura, grupos certeza dessa retenção, por parte do consumidor,
de referência e valores pessoais e, por fim, suas nunca será uma certeza absoluta.
necessidades e emoções. Os fatores relacionados
ao estilo que vida é que irão determinar a forma Uma imagem favorável aumentará as chances
como as pessoas gastam seu tempo e dinheiro, in- de sucesso na comunicação. Entretanto, apenas a
fluenciando em suas atividades cotidianas. imagem favorável não é suficiente. A informação
A emoção do consumidor em determinado somente será retida pelo consumidor se a mesma
ato de consumo pode levá-lo a perceber uma for pertinente para ele em termos de motivações
10
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
e necessidades. Isso se deve ao fato do cérebro farão com que o consumidor tenha emoções no
humano processar como relevantes um pequeno processo de consumo. E são essas experiências
conjunto de opções que tem relação direta com de consumo que tornarão ou não o consumidor
a atenção seletiva. Dessa forma, percebe-se a im- satisfeito, fazendo com que ele opte por vivenciá-
portância de atrair a atenção seletiva de um de- -las novamente ou não.
terminado produto de forma positiva e atraente
para o consumidor.
O que o Engel (2000) quer dizer com essas Jipeiros: a emoção
exposições é que a memória do consumidor, no no consumo das trilhas
que tange as suas experiências de consumo ante-
riores, podem ajudar e muito na fixação da aten- Os jipeiros são pessoas apaixonadas por um
ção seletiva, na compreensão da mensagem e na tipo específico de carro: o jipe. Os jipes são car-
aceitação dessa mensagem. Esse processo faz ros de tração 4x4 perfeitos para fazer rally ou tri-
com que o consumidor venha a registrar em sua lhas, ultrapassando vários obstáculos. É um carro
memória o produto que experimentou como sen- mais reforçado que o normal. Já Jeep é uma mar-
do participante de seu subconjunto de opções de ca registrada.
compra e consumo. A primeira vez em que foi utilizada a palavra
Avaliar se a experiência de consumo foi ou Jeep foi para denominar um motor de um veículo
não atendida é um fator essencial para que o con- durante a primeira guerra mundial. O “Jeep era
sumidor venha ou não consumir o produto expe- um termo muito utilizado durante a guerra pelos
rimentado. Engel (2000) parte do pressuposto da mecânicos para se referenciar a qualquer motor
importância de se atenderem as expectativas dos que eles recebiam para teste” (WILLYS, 2015). Em
compradores. É a satisfação dessas expectativas 1936, o termo Jeep foi utilizado pela Halliburton
que tornará a experiência de consumo positiva ou Oil Well Cementing Company em um de seus ve-
negativa. A emoção que envolve o grau de satisfa- ículos de exploração, o caminhão, modelo FWD,
ção ou de insatisfação fará com que o consumidor que apresentava a palavra Jeep pintada nas late-
não se arrependa da escolha da decisão tomada rais. O veículo foi exibido em uma exposição in-
em prol de uma escolha. A atitude tomada torna- ternacional de petróleo em Tulsa, Oklahoma, em
rá a experiência desejável de ser repetida em um 1938, e tinha a caricatura de um animal pintado na
futuro próximo. lateral semelhante ao personagem Eugene6. Um
Se a experiência de consumo fracassar no seu avião também foi já chamado de Jeep. Em 1937,
desempenho tenderá a gerar esforços que justi- o protótipo de um avião bombardeiro YB 17 foi
fiquem este fracasso, já que não será aceito facil- apelidado de Jeep por sua performance. O YB 17
mente pelo consumidor que desempenha o papel foi o antecessor do Boeing B17, denominado de
de comprador. A avaliação das alternativas para a a fortaleza voadora (WILLYS, 2015).
experiência de consumo tem a ver com as dife- A ligação entre a nomenclatura Jeep e a 4x4
renças individuais, na qual dois consumidores que é creditado ao piloto de teste da Willys, Irvin Red
passem pela mesma experiência podem ter per- Hausmann que escolheu o nome para o seu ca-
cepções diferentes. minhão, em 1940, durante testes realizados para
Os recursos do consumidor, sua motivação e
envolvimento com o produto têm, intrinsecamen-
te, relação com a satisfação ou não da experiên-
6 Em 16 de março de 1936 um personagem de histórias em
cia de consumo. A experiência poderá ser posi- quadrinhos se tornou conhecido pelo nome de “Eugene the
tiva ou negativa dependendo inclusive do grau Jeep”. Foi criado pelo cartunista E.C. Segar para fazer companhia
ao Popeye. Ele era do tamanho de um cachorro, nativo da África
do conhecimento com o produto, suas atitudes, a e capaz de passar para a quarta dimensão. Este personagem
personalidade do consumidor, seus valores e seu cativou o público e se tornou rapidamente popular. O Termo
“Hey, he’s a real Jeep!” ou “Hei, ele é um verdadeiro Jeep!” era
estilo de vida. Tudo isso faz com que a experiên- constantemente empregado para pessoas que demonstravam uma
cia de consumo seja única. São esses fatores que capacidade superior (WILLYS, 2015).
11
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
o Exército. Até então eram referenciados por ou- ma: se preparar para o pior sempre e tentar pre-
tros nomes como Bug, Blitz Buggy, Puddle Jum- ver tudo o que possa dar errado. Ter opções (em
per, Peep ou Quad. O nome Jeep também foi equipamentos) à mão que possam nos livrar de
trazido ao público por Katherine Hillyer, no jor- uma situação difícil é essencial”, salientam os ji-
nal Washington Daily News, em 16 de março de peiros entrevistados.
1941. Foi durante uma demonstração em que ao
final, alguém da plateia perguntou a Hausmann Outra regra importante ao retornar de uma
como ele chamava aquele veículo e ele respon- trilha, é levar o jipe para uma manutenção no me-
deu “It’s a Jeep”. Ao final da segunda guerra mun- cânico de sua confiança e também para uma lim-
dial, a Willys requisitou o registro da marca Je- peza, já que o mesmo volta completamente en-
ep (WILLYS, 2015). Optou-se por utilizar a deno- volto em lama quando vai a uma trilha. A ques-
minação jipe e não Jeep, neste estudo, visto que tão da limpeza varia entre os entrevistados. Al-
a segunda denominação se refere a uma marca e guns não levam seu jipe logo após a trilha para
não especificamente a uma categoria de carro 4x4 um lava-jato, outros optam por deixá-lo sujo por
própria para rallys7 e trilhas8. alguns dias. “É como se a lama contasse e ajudas-
Os jipeiros podem ou não pertencer a um Je- se a lembrar da trilha pela qual passamos. Sempre
ep Club9. Para se considerar jipeiro não basta ter tem alguém que pergunta da lama no carro e aí é
um jipe, segundo os entrevistados, “é necessário uma boa oportunidade de lembrar novamente da
ter o espírito de jipeiro”. O que eles querem dizer experiência vivida” – relata outro jipeiro.
com essa afirmação é que para ser jipeiro tem que Quando um jipeiro novato realiza pela primei-
fazer rally ou trilhas. O jipe é um veículo próprio ra vez uma trilha ele é “batizado” pelos demais
para esta atividade e, não um veículo de passeio. companheiros. O “batismo” se refere ao fato de
O fato de uma pessoa ter um jipe ou outro carro que os jipeiros mais antigos e que conhecem me-
que possua tração 4x4 não o caracteriza como ji- lhor a trilha (geralmente são aqueles que vão à
peiro. É necessário ter o espírito de aventura e um frente) levarem, premeditamente, o comboio to-
jipe para ser considerado jipeiro. do a um atoleiro. A intenção é a de que o jipei-
Em geral, quando os jipeiros realizam as tri- ro novato, ao passar, atole com seu jipe e, con-
lhas eles quase nunca vão sozinhos. Motivo? A ex- sequentemente, ao sair do veículo esteja, literal-
periência os ensinou que quanto mais ajuda me- mente, submerso na lama. Segundo, os mais ex-
lhor nos momentos difíceis de transpor um obstá- perientes, sem essa tradição para os jipeiros de
culo à frente. Aos que se aventuram em realizar tri- primeira trilha, os novatos não poderão ser con-
lhas sozinhos já sabem que os imprevistos podem siderados jipeiros. É algo muito importante para
acontecer e, portanto, devem estar preparados. eles esse batismo simbólico, embora seja muito
mais uma festa e diversão na hora que ele acon-
Independente de estar com a família ou numa tece já que não é todo o dia que um jipeiro novo
trilha com outros companheiros a regra é a mes- aparece e se une aos demais. Outro ponto a des-
tacar é que para ser jipeiro é necessário ter uma
boa reserva financeira e isso faz com que novos ji-
7 O rally é um esporte motorizado em formato de competição com peiros não apareçam com tanta frequência.
circuitos com certo grau de dificuldade a serem percorridos pelos Os jipes novos são relativamente caros e os
competidores.
mais antigos, embora tenham um custo menor,
8 Trilhas são caminhos de passeio terrestres usados pelos jipeiros.
Geralmente essas trilhas são caminhos com vários obstáculos, tornam-se caros também devido à manutenção e
muita lama, buracos, enfim, dificuldades que possam sem mecânica que se submetem, além de ajustes ne-
enfrentadas pelo grupo.
cessários de peças originais ou similares. Nesse
9 Jeep Club é uma associação de jipeiros que organiza eventos
(rallys ou trilhas) com outros jipeiros. São eventos onde eles sentido, o problema não está apenas em comprar
participam sem, necessariamente, competir, diferentemente de as peças, mas em achar quem as venda. O que as
um rally. Os Jeep Clubes criam uma comunidade que agrega os
apaixonados por jipes, estimulando a troca de informações e de
deixa com um preço mais elevado ainda. Por isso,
experiências. não basta apenas querer comprar um jipe e ter o
12
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
espírito de aventura é necessário ter também uma guir juntamente com todos. O sentimento quan-
condição econômica razoável que comporte este do se dirige um jipe ou um carro normal muda.
hobby10. A não ser que se tenha herdado o veícu- Para os jipeiros quando eles dirigem seu jipe eles
lo, mesmo assim a troca de peças e a mecânica são únicos e podem ser eles mesmos sem másca-
não são de valores tão baixos assim. ra nenhuma. Eles se sentem em paz e com liberda-
A maioria dos entrevistados relatou que a fa- de. Já quando dirigem outro tipo carro, o de pas-
mília ou os amigos foram os maiores influencia- seio, por exemplo, eles acreditam que são apenas
dores para que eles se tornassem jipeiros. Obvia- mais um no meio de tanta gente, até porque não
mente, para se tornar um jipeiro não basta que é qualquer um que tem um jipe. É preciso dinhei-
os outros queiram, é necessário que a pessoa se ro e conhecimento para adquirir um jipe, novo ou
identifique com hobby ou esporte11 de praticar tri- usado, assim como saber onde encontrar mecâ-
lhas. Para quem se identifica com esses fatores, o nico específico para esse tipo de veículo, acessó-
companheirismo, a adrenalina e a liberdade são rios voltados a este segmento, enfim, uma série
suas maiores motivações. de questões que envolvem a categoria jipeiro.
Ser jipeiro é mais do que dirigir um veículo Pertençam ou não a algum Jeep Club a emo-
diferenciado. Segundo os entrevistados se é pro- ção de participar de uma trilha é a mesma. O im-
prietário de um conceito e não de um carro. Pa- portante é ter seu companheiro fiel: o jipe e os
ra a maioria dos entrevistados, além do estereó- demais companheiros de equipe. “Trilha boa é
tipo de ser um “louco por aventura”, ser jipeiro aquela que tem muitos obstáculos e muita la-
é também uma forma de se libertar do stress do ma”, disseram outros entrevistados. A emoção só
dia-a-dia, ter o poder de mudar a rotina, sentir-se é completa quando o elemento obstáculo se en-
livre para ser apenas ele. Para outros é a própria contra presente na aventura. Não qualquer obs-
recordação da infância, já que os pais ou alguém táculo, porque quando os obstáculos são peque-
da família era jipeiro. O jipe vira um companheiro nos os entrevistados relataram se sentir meio frus-
de aventura, deixando de ser um veículo e se tor- trados com a trilha. No site do Jeep Clube Santa
nando parte da família. Alguns entrevistados dis- Cruz se encontra a frase “Pouca lama é sujeira,
seram que quando o seu jipe atola, eles chegam muita lama é emoção”. A frase aponta bem para
bem perto e falam com ele (o jipe) como se fosse a intensidade da emoção que o jipeiro sente ao
uma pessoa. realizar uma trilha com obstáculos com alto grau
de dificuldade.
O jipeiro trata seu jipe como um amigo, compa- Embora gostem de desafios e não se intimi-
nheiro... Tenha a certeza, se você realmente tiver dem frente a trilhas perigosas, os jipeiros são unâ-
esse sentimento, ele (o jipe) não irá te decepcio- nimes em dizer que a falta de medo diz respeito
nar. E quando ele atolar, não o xingue, mas con- à experiência deles em trilhas anteriores, ao fato
verse com ele, pois com certeza, na próxima vez de não dirigirem sozinhos, pois podem precisar
ele não irá atolar, relata um dos entrevistados. de apoio em situações realmente perigosas. Pe-
los cuidados que tem, pela prudência ao esco-
Para os jipeiros o fato do carro parar12 no meio lher uma trilha e pela preparação antes e durante
de uma trilha significa ajuda mútua. O comboio a trilha, eles afirmam que não tem medo. Medo,
pára e todos ajudam o jipeiro que atolou. O mes- no sentido de fazê-los desistir de ser jipeiros. Pa-
mo só segue após o jipeiro atolado conseguir se- ra eles o medo tem mais relação com o cuidado
que eles tomam antes, durante e depois das tri-
lhas. Esse cuidado faz com que o medo seja algo
superado, como os obstáculos que eles enfren-
10 Hobby significa passatempo, ou seja, uma atividade que é
praticada por prazer nos tempos livres.
tam ao longo do caminho percorrido pelo com-
11 Esporte aqui entendido no sentido de competição entre os
boio de jipes.
jipeiros, como os rallys. A sensação pós-trilha tem duração relativa pa-
12 No sentido de quebrar ou ter algum problema mecânico. ra os jipeiros. Para alguns “dura bastante... num
13
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
todo... tudo é festa regado a parceria...” Para ou- liberdade e, o espírito de aventura foram as prin-
tros “dura pouco tempo, pois quando você entra cipais experiências relatadas como sendo as mais
em casa se lembra dos problemas que não foram ativas neste processo.
embora... Estão ali te esperando... Aí você fica lou- O jipeiro consome emoções mais do que pro-
co para chegar o próximo encontro de jipes...”. dutos. Para ele tanto faz se o seu jipe é moder-
Percebe-se que a maioria dos entrevistados sente, no ou se é um mais antigo que foi restaurado. O
por um longo tempo, uma sensação que lhe pro- importante é poder sentir a emoção de ser ele
porciona momentos de adrenalina e de liberdade. mesmo, enfrentando obstáculos que outros car-
A importância do estudo das emoções e de como ros não têm capacidade para enfrentar. Para o ji-
elas interferem no processo de decisão de com- peiro estar dentro de um jipe já o torna único. For-
pra é um fator relevante para as pesquisas sobre talece o sentimento de autoestima e gera o ima-
comportamento do consumidor. A emoção tem ginário de que pode superar qualquer momento
uma inter-relação forte com o aspecto cognitivo difícil. Eles percebem a trilha como uma forma de
das pessoas. Dessa forma, torna-se necessário es- fugir do stress diário e de, finalmente, serem eles
tudar ambas as estruturas: emocional e cognitiva mesmos, sem máscara social nenhuma.
para um melhor entendimento da função do con- A percepção da categoria dos jipeiros é mais
sumidor no processo decisório de compra. do que uma associação social. Eles se consideram
De acordo com Sheth (2001), o estudo do com sendo uma grande família, não importando
comportamento do consumidor oferece os co- se pertencem a este ou aquele Jeep Club. Ser ji-
nhecimentos básicos necessários para decisões peiro, na visão deles, é não ter fronteiras. Pode-se
empresariais de sucesso. Já Mowen (2003) salien- ser de outra cidade, estado ou país e, mesmo as-
ta que por meio do posicionamento do produto sim, o fato de serem jipeiros os une em um víncu-
uma empresa influencia o modo como os consu- lo muito forte. Alguns entrevistados até citaram o
midores percebem as características de uma mar- fato de que quando um jipe está parado na estra-
ca em relação aos concorrentes. Ao investigar o da e outro jipeiro passa, com certeza, ele para e
processo de consumo se analisa de que maneira ajuda o companheiro, pois a solidariedade é um
os consumidores utilizam um produto e as expe- dos fatores que compõem o espírito jipeiro. Casos
riências que eles obtêm com esse uso. A investi- bem diferentes acontecem quando um carro de
gação sobre o processo de consumo é particular- passeio está parado em uma estrada. Nesta situ-
mente importante para os setores de prestação ação geralmente ninguém ajuda o motorista com
de serviços. Em alguns desses setores como tu- medo de ser um assalto, por exemplo.
rismo, hotelaria, restaurantes ou parques de di- A experiência de consumo envolve o jipeiro
versão, por exemplo, a experiência do consumo em um alto grau de interesse nas trilhas e o leva
é uma das principais razões de compra. ao envolvimento duradouro. O situacional trans-
A partir desse estudo, percebeu-se que a corre quando ele faz a trilha junto com seus com-
emoção é o principal elemento motivador da panheiros e é nesse momento que ocorre o en-
experiência de consumo hedonista. É ela a res- volvimento situacional, ocorrendo o consumo das
ponsável por fazer com que esses consumidores emoções. Envolvendo o jipeiro em sua experiên-
não desistam no primeiro obstáculo enfrentado. cia de consumo. Já a emoção sensorial advém da
Quanto mais emoções estiverem envolvidas na relação do jipeiro com a natureza quando reali-
experiência de consumo maior o grau de satisfa- zam as trilhas. O jipeiro encontra o prazer estético
ção. Caso a experiência não seja satisfatória em quando relata suas aventuras nas trilhas percorri-
determinada trilha, a esperança de que na próxi- das ou até mesmo quando fotografa determinada
ma será melhor faz com que o jipeiro repita conti- situação ou lugar. E, por fim, o prazer emocional
nuamente o processo. O contato com ambientes reflete o desafio de enfrentar as trilhas – antes, du-
totalmente diferentes do cotidiano fortalecem a rante e depois – gerando a experiência emocio-
experiência de consumo do jipeiro. O companhei- nal de maior relevância para os jipeiros. Percebe-
rismo de equipe, a solidariedade, a sensação de -se que o envolvimento dos jipeiros com as trilhas
14
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
é bastante forte e intenso, tendo ligação com o do consumidor que irá fazer com que o mesmo
fato dos jipeiros julgarem as trilhas como sendo queira repetir ou não o estímulo emocional ex-
interessantes e desafiadoras. Nota-se que o en- perimentado. O jipeiro sempre espera que uma
volvimento com o produto em si dependerá do trilha supere a outra. Quando não supera, ele diz
quão relevante ou central a experiência será para que a mesma serviu de experiência para a próxi-
o indivíduo. ma. A emoção se acumula de trilha em trilha, ge-
Observam-se relações dos jipeiros com as tri- rando maior expectativa na superação dos obstá-
lhas e com o consumo de acessórios para o veículo culos e da parceria entre os jipeiros.
e com roupas específicas, verificando a existência Assim sendo, se os processos de compra e
de certa sensibilidade ao preço. Os jipeiros gas- consumo forem agradáveis ele irá lembrar como
tam muito ao realizarem as trilhas, seja com um ve- sendo algo positivo ou se for algo que lhe causou
ículo específico, o jipe; com acessórios importan- uma emoção negativa ele lembrará como sendo
tes como o GPS13, dentre vários outros produtos e algo negativo. Essa situação é verificada quando
serviços, como por exemplo, a mecânica e a ma- os jipeiros relatam suas experiências de consumo
nutenção do jipe. Praticamente todos têm preços nas trilhas das quais participam. A emoção a que
relativamente altos, levando os jipeiros a um gas- são submetidos quando ultrapassam os desafios
to maior do que outros consumidores. Contudo, a que aparecem inesperadamente a sua frente é
emoção de realizar uma trilha faz com que o valor interpretada como sendo positiva, mesmo que o
gasto neste hobby valha a pena para o indivíduo. desafio leve algumas horas para ser ultrapassado.
Os valores são os objetivos pelos quais as pes- O importante para eles é seguir junto com os de-
soas vivem. Exemplo quando os jipeiros falam da mais companheiros de trilha, realizando do que
sua auto realização, do seu sentimento de perten- eles chamam de uma grande festa.
cer a um grupo de jipeiros que fazem trilhas (seus A emoção é o motor que os impulsiona a ex-
companheiros de trilhas), por ser respeitados pe- perimentar novas sensações em cada trilha que
los outros. Identifica-se que os jipeiros têm uma realizam. A repetição das emoções é que tornam
vida, em geral, diferente da “profissão de jipei- cada trilha especial e intensa. O que o jipeiro real-
ros”. A maior parte dos entrevistados relatou que, mente quer é tornar cada vez mais intenso o am-
para eles, não importa a classe social ou profissão biente de multiplicidade de emoções, no qual é
que os companheiros de trilhas tenham. O que exposto. Isso é o que faz com que ele retorne na
importa é o fato de gostarem de algo em comum próxima trilha: o desejo de ultrapassar desafios
naquele momento: fazer trilhas, superar obstácu- e o de sentir mais emoções. Se a experiência de
los que outras pessoas não fariam, enfim, serem consumo fracassar no seu desempenho tenderá
outras pessoas que não podem ser quando não a gerar esforços que justifiquem esse fracasso, já
estão fazendo trilhas. O autoconceito influencia que não será aceito facilmente pelo consumidor
diretamente o consumo das pessoas, reafirman- que desempenha o papel de comprador. Nesse
do quem são ou quem gostariam de ser através ponto, pode-se citar como exemplo, os jipeiros
do que consomem. que justificam uma trilha ruim como sendo algo
A emoção do consumidor em determina- raro em comparação com as trilhas anteriores. Pa-
do momento de consumo pode levá-lo a sentir ra eles, a percepção de uma boa trilha é aquela
uma emoção específica como sendo algo bom ou onde há muito barro, água de chuva e vários obs-
ruim. O comportamento emocional se relaciona táculos a serem ultrapassados. O final desse traje-
estreitamente com o processo de compra, pois é to reflete a emoção da vitória de conseguir chega
a experiência de consumo com base nas emoções ao fim do percurso, mesmo que o piloto de trilha
esteja tomado de lama dos pés à cabeça assim
como seu veículo.
A avaliação de alternativas para a experiên-
13 GPS é a sigla para Global Positioning System, que em
português significa “Sistema de Posicionamento Global” e consiste
cia de consumo tem a ver com as diferenças in-
em uma tecnologia de localização por satélite. dividuais, onde dois consumidores que passem
15
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
pela mesma experiência podem ter percepções der o que os motiva a realizarem uma experiência
diferentes. Por exemplo, um jipeiro pode sair sa- de consumo tão subjetiva, como a trilha. O proce-
tisfeito e outro insatisfeito de uma mesma trilha. dimento metodológico utilizado partiu de entrevis-
Para fins de maior entendimento da emoção e re- tas semiestruturadas a jipeiros santa-cruzenses rea-
lação do jipeiro com seu jipe foram colhidas algu- lizadas em 2015, bem como de pesquisa qualitati-
mas frases que os jipeiros usam quando se refe- va de cunho exploratório e pesquisa bibliográfica.
rem a sua categoria. As frases foram encontradas A problemática perpassa a discussão de que
em home pages variadas de Jeep Clubes brasi- o processo de compra não é um processo simples
leiros. São elas: e linear. Ao contrário, há outros fatores que o tor-
nam complexo, como as emoções. Partindo desse
a) Coração de jipeiro não bate, trepida; pressuposto, de que as emoções podem interfe-
b) A diversão começa onde o asfalto termina; rir no resultado do processo de compra, tenta-se
c) Willys. A emoção começa na hora de dar a partida; entender a experiência de consumo através das
d) Na vida tudo passa, e eu passo por cima de tu- emoções. Assim sendo, as emoções podem levar
do com meu Jeep!; o consumidor a repetir ou não um determinado
e) A diferença entre homens e meninos é o tama- estímulo emocional, levando-o ao final dos pro-
nho de seus brinquedos!; cessos de compra e consumo a um sentimento
f) Os piores caminhos guardam as melhores emoções; positivo ou negativo.
g) Volto sujo, mas de alma lavada, entre outras. Os resultados apontaram para o uso da emo-
ção como um importante fator a ser considera-
O que se percebeu durante esta pesquisa do no processo de compra de produtos subjeti-
é que quando o jipeiro está realizando uma tri- vos, como a realização de trilhas para os jipeiros.
lha ele não precisa de máscaras sociais. Ele po- Percebeu-se que não é novidade o forte envolvi-
de simplesmente ser ele mesmo, desligar-se dos mento dos jipeiros com a emoção, principalmen-
seus problemas e apenas aproveitar a emoção do te, porque o veículo utilizado está diretamente as-
momento. Curtir a natureza, ajudar os outros, o sociado às experiências, viagens, momentos de
companheirismo, o aprendizado de superar obs- diversão e aventura. Entretanto, é necessário cer-
táculos ensinam, para o jipeiro, uma nova forma to poder aquisitivo para que se possa usufruir des-
de ver e viver a vida. Para eles fazer trilhas é sinal sas emoções. Esta pesquisa não se esgota nes-
de percursos de amizade, solidariedade e muita te artigo, deixando o caminho aberto para mais
emoção. Quando falam do jipe, independente do investigações, como, por exemplo, a abordagem
modelo ou das trilhas que participaram, a emo- sobre a origem histórica do jipe ou o aprofunda-
ção toma conta de seus semblantes. É como se mento da relação entre o jipe e o piloto, já que ele
eles se tornassem outra pessoa naquele momen- personifica o jipe e o considera não como uma fer-
to. Observa-se que os jipeiros são muitos unidos. ramenta, mas como um companheiro de equipe.
É uma categoria sem fronteiras, não importando Outra sugestão seria o estudo da relação dos
de que lugar eles são ou se pertencem ou não a jipeiros como o turismo e a sustentabilidade am-
algum Jeep Clube. Para eles, o mais importante é biental, tomando-os como atores estratégicos no
o espírito de jipeiro. E isso não se compra, se con- desenvolvimento de ações turísticas sustentáveis
quista e compartilha com outros jipeiros. Se sente. e de desenvolvimento local. Pode-se ainda fazer
uma pesquisa avaliando apenas os sites dos jipei-
ros e suas frases de efeito. São esforços para que
Considerações finais se possa entender melhor o comportamento do
consumidor que busca aventura, adrenalina e li-
Este estudo abordou a temática do consumo berdade através do consumo de um produto in-
hedonista, investigando o consumo das emoções tangível, a emoção. É ela que motiva o jipeiro a
dos jipeiros que realizam trilhas no interior de San- continuar sendo jipeiro. É ela que o faz sentir e
ta Cruz do Sul-RS e região. Buscou-se compreen- motivar outras pessoas a se tornarem jipeiros.
16
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
ENGEL, James. Comportamento do Consumidor. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 2000.
MALHOTRA, Naresh. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. Porto Alegre: Bookman, 2006.
SHETH, Jaddish. Comportamento do Consumidor: indo além do comportamento do consumidor. São Paulo:
Atlas, 2001.
ZALTMAN, Gerald. Afinal, o que os clientes querem? : o que os consumidores não contam e os concorrentes
não sabem. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
WILLYS. Site institucional. Disponível em: <http://www.willys.com.br> Acesso em: 17 jun. 2015, às 16h09min.
17
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Luciana Scherer1
Vaniza Schuler2
Resumo
Este artigo tem como objetivo realizar algumas reflexões sobre conceitos e entendimentos do turismo em rela-
ção à exclusão dos viajantes de negócios e eventos. Por meio de revisão bibliográfica e documental, e pesquisas
junto a 180 viajantes de negócios e eventos, realizam-se reflexões sobre definições e conceitos de turistas, sobre
questões relacionadas a não inclusão dos referidos viajantes no turismo, e estabelecem-se comparações ao tu-
rismo de lazer. Como resultado aponta-se a cautela na generalização da exclusão e sugere-se o aprofundamento
de estudos com este perfil de viajante tão representativo e formador de opinião - para a criação de produtos tu-
rísticos, que assim como os turistas de lazer, na maioria das vezes, usufruem dos destinos e exercem importante
papel na cadeia produtiva do turismo.
Abstract
This article aims to make some reflections on concepts and understandings of tourism in relation to the exclusion
of business travelers and meetings Through a bibliographical and documentary review, and researches with 180
business travelers and events, reflections on the definitions and concepts of tourists, on questions related to the
non-inclusion of the said travelers in the tourism, and comparisons are made to the tourism of recreation. As a re-
sult, caution is proposed in the generalization of exclusion and it is suggested to deepen studies with this profile
of traveler as representative and opinion-making - for the creation of tourism products, which as well as leisure tou-
rists, most of the time , enjoy the destinations and play an important role in the tourism production chain.
1 Bacharel em Turismo (PUCRS). Administradora (UFRGS). Mestra em Ciências Sociais (PUCRS). Doutoranda em Desenvolvimento Regional
(UNIJUÍ). Consultora Especialista em Turismo e Gestão Pública. Docente do Curso de Administração da Universidade Regional do Alto
Uruguai e das Missões - Cerro Largo. [email protected]
2 Bacharel em Turismo (PUCRS). Especialista em Consultoria Turistica (UCS). Mestra em Turismo e Hospitalidade (UCS). Consultora
Especialista em Turismo, Negócios e Eventos. Autora do livro Marketing de Destinos: Oportunidades para Convention & Visitors Bureaus
Brasileiros. [email protected]
18
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
N
a qualidade de fenômeno multidisciplinar, Neste artigo são considerados viajantes pro-
uma análise do turismo sem a presença da fissionais todos aqueles que se enquadram na de-
economia, sociologia, antropologia, geo- finição de turismo de negócios e eventos do Mi-
grafia, história, comunicação e outras ciências é nistério do Turismo “conjunto de atividades turís-
sempre limitada. Mas são justamente esses diver- ticas decorrentes de encontros de interesse pro-
sos enfoques que geram divergências na sua defi- fissional, associativo e institucional, de caráter co-
nição e, por consequência, na de turistas. Depen- mercial, promocional, técnico-científico e social”
dendo da área de estudo em questão, a percepção (BRASIL, 2008 p. 15). O escopo investigado será
é distinta e consenso, até o momento, inexistente. composto por dois tipos de sujeitos, sendo o pri-
Um exemplo das divergências é a aceitação meiro, aquele que realiza viagens profissionais,
das viagens de negócios e eventos como ativida- normalmente de forma individual com finalidades
des turísticas. Sendo esses tipos de viagens res- comerciais, visitantes e expositores de feiras de
ponsáveis pela viabilização financeira de boa par- negócios, o segundo, os participantes de eventos
te dos serviços e estruturas disponibilizados aos como congressos e convenções.
turistas de lazer, usualmente não há questiona- A presente pesquisa é pautada tanto por es-
mento quando o olhar é derivado da economia forços epistemológicos como ontológicos. Para
ou administração. Mas na abordagem sociológi- atender as questões epistemológicas as técnicas
ca e antropológica, às vezes, há exclusão dos des- utilizadas foram a revisão bibliográfica sistemática
locamentos ditos “com motivações instrumen- e a análise documental. Para as questões ontoló-
tais”: turistas não viajam a trabalho, nem de for- gicas a técnica utilizada foi a aplicação de ques-
ma obrigatória, para realizar atividades remune- tionário estruturado, contemplando dois blocos:
radas ou que objetivem lucro. Este pensamento um de caracterização dos viajantes e outro sobre
é compartilhado por Walter Kunziker e Kurt Krapt as viagens realizadas e seus aspectos subjetivos
(1942), J.Arrilaga (1976), Oscar de La Torre (1992), relacionados com as atividades realizadas antes e
Margarita Barretto (2010), Reinaldo Dias (2003) durante as mesmas. Os respondentes constituem-
entre outros. -se de 180 voluntários que manifestaram interesse
Há, entretanto, pontos pouco explorados nes- no preenchimento do formulário eletrônico, a par-
sas abordagens excludentes, tais como o apro- tir de uma mensagem informativa do propósito da
veitamento do tempo livre dos viajantes profissio- pesquisa postada em um sítio eletrônico de uma
nais, a motivação ao aumento de sua permanên- mídia social - Facebook.
cia no destino, a relação quantidade/qualidade O objetivo principal desse estudo é buscar
da vivência turística e percepção de lazer e prazer. entendimentos sobre os viajantes de negócios e
Jost Krippendorf traz em seu livro a Sociologia do eventos e o turismo, a partir de esforços ontológi-
Turismo pesquisas realizadas por instituições ale- cos junto aos 180 respondentes que realizam via-
mãs reconhecidas pela comunidade acadêmica gens de negócios e para participarem de eventos.
internacional que evidenciaram o fato de as pes- A partir disso, complementarmente, objetiva-se a
soas não viajarem impulsionadas por uma única reflexão para novas discussões acerca desse te-
motivação. Assim sendo, seria possível que a mo- ma, desses sujeitos e sobre como os destinos po-
tivação principal seja o trabalho, mas uma vez no dem –e devem visualizar as oportunidades gera-
destino, haja um efetivo desfrute do tempo livre das por esse tipo de turismo, e, de turista.
com atividades complementares, estas sim con- A importância do trabalhou pauta-se na pos-
sideradas turísticas. E, ainda que seu tempo seja sibilidade de trazer a tona algumas discussões so-
reduzido para esse desfrute, a exclusão somen- bre posicionamentos de autores clássicos do sa-
te teria sentido se houvesse parâmetros claros de ber do turismo acerca da relação desse sujeito –
mensuração de qualidade versus quantidade de viajante de negócios e eventos – na epistemolo-
“aproveitamento turístico”. Da mesma forma, não gia turística.
19
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
20
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
e eventos no turismo. Isso porque, dentre todas Os elementos mais importantes de todas estas
as viagens, sejam estas exatamente as que mais definições são o tempo de permanência, o cará-
proporcionam rentabilidade para as empresas ter não lucrativo da visita, e uma coisa que é pou-
turísticas e seu fluxo seja muito significativo. O co explorada pelos autores analisados, a procu-
World Travel and Tourism Council estimou em ra de prazer por parte dos turistas. O turismo
743 bilhões de dólares os gastos mundiais com é uma atividade em que a pessoa procura pra-
viagens de negócios em 2007 (WTTC, 2008 p. 07). zer por livre e espontânea vontade. Portanto, a
A indicação das altas somas envolvidas nesta ati- categoria livre escolha deve ser incluída como
vidade é reforçada pelo Relatório dos Eventos In- fundamental no estudo do turismo. (BARRETTO,
ternacionais no Brasil Resultados de 2003 -2009 2010 p.13)
publicado pelo Ministério do Turismo, que regis-
tra que o gasto médio diário do turista de even- Dentro deste mesmo pensamento, Barretto é
tos estrangeiro é de U$ 285,10 enquanto o de definitiva no que se refere ao lucro e à voluntarie-
lazer atinge somente U$ 68,00. O mesmo relató- dade para a inclusão das viagens de negócios e
rio destaca a importância econômica do turismo eventos.
profissional.
Viagem de negócios não pode ser considerada
A indústria de feiras e eventos foi reconhecida turística a partir do momento em que há finali-
oficialmente pela ONU e, pela primeira vez na dade lucrativa e a pessoa está realmente a traba-
história, incluída como categoria econômica di- lho e não por vontade própria [...] a classificação
ferenciada no “Padrão Internacional de Classifi- do turismo de eventos é discutível assim como
cação de Atividades Econômicas” (International o turismo profissional [...] Turismo de eventos é
Standard Industrial Classification of All Econo- aquele feito pelas pessoas que visitam feiras e
mic Activities –ISIC). A partir de agora, a TSA – exposições e não pelos expositores que estão lá
Tourism Satellite Account- vai incorporar os da- a trabalho”. (BARRETTO, 2010 p. 20 -21)
dos da indústria de eventos, para estudar a par-
ticipação e o impacto dos gastos da área em re- Reinaldo Dias, sociólogo, também exclui os
lação a outros indicadores econômicos, como o viajantes profissionais em função da obrigatorie-
PIB e a geração de empregos. Isto mostra a im- dade e da disponibilidade de tempo livre.
portância deste segmento. (BRASIL, 2008 p. 15)
As causas que induzem as pessoas a viajar são
Novamente, assim como as definições eco- muitas. Algumas são de ordem prática e trans-
nômicas, as técnicas preocupam-se com a movi- formam a viagem em obrigação, diminuindo-se
mentação física e financeira como um todo e não parcialmente seu atrativo, porque a maior parte
entram no mérito da motivação pessoal. Quando do tempo se gastará em reuniões, discussões e
as definições entram no campo holístico e neste atividades obrigatórias por alguma razão. Nes-
caso, segundo Beni “procuram abranger a essên- sa categoria, encontram-se as que são realizadas
cia total do assunto”, trazendo um conceito e não por motivos de trabalho, negócios, de saúde,
uma mera “definição prática” (BENI, 2007 p. 36), etc. Como estas viagens são obrigatórias, não
a inclusão do turismo de negócios e eventos é estão relacionadas a turismo. (DIAS, 2003 p. 35)
bem questionada. Nessa categoria encontramos
as definições elaboradas por alguns antropólogos Furster e Krapft concordam com a não aceita-
e sociólogos, e principalmente remetem “ao estu- ção da finalidade de lucro na motivação turística:
do do homem longe de seu local de residência” “Turismo é o conjunto das relações e dos fenô-
(JAFARI apud BENI, 2007 p. 36) ou a fenômenos menos produzidos pelo deslocamento e perma-
sociais. Margarita Barretto avalia várias definições nência de pessoas, fora de seu local de domicílio,
que traz à tona em seu livro Manual de Iniciação sempre que ditos deslocamentos e permanência
ao Estudo do Turismo. não estejam motivados por uma atividade lucrati-
21
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
va.” (FURSTER & KAPFT apud MOESCH, 2000 p. sionais a ela vinculadas.
11). O mesmo pensamento no que se refere ao A argumentação da obrigatoriedade da via-
lucro é igualmente compartilhado por Burkart e gem é aplicável aos viajantes de negócios quan-
Medlik, Oscar de La Torre, sendo que este último do se tratam de funcionários formais de grandes
reforça a exclusão agregando a necessidade do e médias empresas, já que a sua não aceitação
caráter voluntário da viagem. pode implicar em demissão. Mas é fundamental
O que torna excludente o turismo de negó- considerar o cenário do ambiente econômico do
cios e eventos, portanto, para esses estudiosos Brasil e de boa parte do mundo. No caso brasilei-
do turismo é: ro, a grande maioria das empresas registradas é
formada por micro e pequenas empresas que to-
1. O caráter involuntário de algumas viagens de talizaram 5,7 milhões em 2008, segundo o Anuá-
negócios e eventos, rio do Trabalho das Micro e Pequenas Empresas,
2. A finalidade lucrativa das viagens de negócios lançado pelo Serviço Nacional de Apoio às Micro
e eventos e Pequenas Empresas - SEBRAE e pelo Departa-
3. A falta de tempo livre no destino visitado das mento Intersindical de Estatística e Estudos So-
viagens de negócios e eventos cioeconômicos DIEESE. O país também ocupa 3ª
4. A motivação alheia às razões subjetivas - lazer, posição mundial na Taxa de Empreendedores em
prazer, descanso, busca do novo ou fuga do co- Estágio Inicial (TEA), totalizando quase 15 milhões
tidiano - das viagens de negócios e eventos. de empreendedores. Assim, embora não se te-
nha tido acesso às estatísticas específicas sobre o
Essas quatro dimensões, destacadas no ar- percentual de viajantes de negócios, que ocupam
cabouço teórico sobre turismo que sustentam os cargos de gerencia e diretoria de suas próprias
entendimentos de que as viagens de negócios e empresas é presumível que o número de viajan-
eventos não são caracterizadas como turismo po- tes empresários seja significativo e, na qualidade
dem ser analisadas distintamente no sentido de de donos do negócio, é também plausível inter-
se abrir um diálogo entre demais entendimentos, pretar que esses empresários detenham poder de
para que o fenômeno turístico seja o mais ampla- decisão sobre a viagem.
mente possível entendido e portanto, com maior Espelhando-se esta situação de obrigatorie-
alcance em relação à sua possibilidade na gera- dade para o ambiente dos eventos, onde aque-
ção de desenvolvimento local e regional. les de natureza associativa do tipo congresso são
a maioria, vê-se que não há muita diferença na
tomada de decisão da viagem. A Associação In-
Reflexões sobre as dimensões ternacional de Congressos e Convenções – ICCA
que excluiriam o turismo de – registra no Statistics Report: The International
negócios e eventos Association Meetings Market 2009 a realização
de 8.294 eventos associativos internacionais, das
A primeira dimensão a ser discutida, versa so- mais diversas áreas do conhecimento humano,
bre o caráter involuntário de algumas viagens de com amplo destaque para as ciências médicas,
negócios e eventos, propõe-se uma reflexão so- seguidos de tecnologia, ciência, indústria, educa-
bre as principais características dessas viagens, ção e ciências sociais. Os participantes dos even-
justificadas pelos autores analisados como as res- tos associativos são, em sua maioria, profissionais
ponsáveis pela exclusão: caráter lucrativo, moti- liberais, que nesta condição, possuem sim livre ar-
vação instrumental e obrigatoriedade da viagem. bítrio para participar de um evento. Este fato foi
Para que se proceda uma correta análise da última evidenciado pela Pesquisa de Impacto Econômi-
característica apontada, faz-se necessário o des- co dos Eventos Internacionais no Brasil realizada
membramento dos dois tipos de obrigatoriedade pela com a entrevista de 5.132 participantes es-
relacionados à viagem, destacados por alguns au- trangeiros de 36 eventos internacionais, realiza-
tores: a da sua realização e a das atividades profis- dos em 16 destinos brasileiros localizados em 07
22
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
estados brasileiros no período de setembro de las sofridas pelos viajantes de negócios, e portan-
2007 a dezembro de 2008, onde 58.07% dos entre- to a questão da (não) obrigatoriedade das viagens
vistados responderam que o destino influenciou torna-se uma abordagem complexa para diferen-
na tomada de decisão em participação no evento. ciar viagens de lazer, negócios e eventos.
O exposto nos permite concluir então que A segunda dimensão, estruturada sobre a fi-
uma parte dos viajantes de negócios ou eventos nalidade lucrativa das viagens de negócios e even-
tem a opção não viajar, colocando a obrigatorie- tos, que estaria relacionada com a questão da re-
dade em segundo plano. O fato de não ser reali- muneração ou do caráter lucrativo das viagens de
zada a viagem profissional certamente implica em negócios ou eventos requer uma analise cuidado-
consequências negativas e perdas. Mas o mesmo sa ao se afirmar que essa é uma das principais di-
processo sofre o turista de lazer, já que o turismo, mensões para exclusão desse tipo de viagem do
em muitas sociedades, tornou-se uma commodity escopo do turismo. Uma significativa parte, se não
e como tal é um instrumento de diferenciação en- a maioria dos viajantes de negócios e eventos, são
tre as classes sociais. Sendo assim pode-se consi- remunerados na origem e não no destino. A via-
derar uma conotação de obrigatoriedade nas via- gem tem a função de alavancar ou fechar negó-
gens pessoais: cios que geralmente são processados e pagos a
posteriori. Os viajantes de eventos, sejam profis-
O que impele individuo a viajar, a procurar lá fo- sionais liberais ou funcionários de organizações -
ra o que não encontra dentro não é tanto o re- embora estejam buscando capacitação e qualifi-
sultado de um impulso pessoal quanto a influên- cação para o melhor exercício de suas ocupações,
cia do meio social, que fornece a cada um nor- também não são remunerados no destino.
mas existenciais. A decisão pessoal é, de certa Assim sendo, esses viajantes, gastam no local
forma, condicionada pela sociedade. Para o ho- visitado um valor originado em outro lugar, desca-
mem em estado de carência, a nossa sociedade racterizando, portanto a situação de um trabalha-
oferece o turismo, as férias longe do universo dor regular. Isso se aplica aos visitantes e aos ex-
cotidiano, sob as formas mais diversas e as en- positores de feiras (exceto aqueles cuja empresa
feitam com todas as qualidades, permitem eva- está instalada no destino), participantes de con-
são, resolvem os problemas, distribuem força e gressos e convenções. Exceções a esta regra po-
energia, embelezam a existência e trazem felici- deriam ser os conferencistas remunerados – situ-
dade. (KRIPPENDORF, 2003 p. 38) ação rara em congressos - ou comerciantes que
vendessem diretamente os produtos.
Depois de considerável trabalho indutivo eu Então, uma vez descaracterizada a situação
descobri que os atrativos turísticos são um ritual de trabalhadores permanentes, havendo tempo
desempenhado para diferenciação da socieda- livre e recursos financeiros disponíveis qual o im-
de. Os atrativos são uma espécie de esforço co- peditivo de que este perfil de viajantes usufrua do
letivo para a transcendência da totalidade mo- destino turístico?
derna, uma forma de tentar ultrapassar a des- A terceira dimensão, que argumenta a falta de
continuidade da modernidade, de incorporar tempo livre no destino visitado das viagens de ne-
seus fragmentos em uma experiência unânime. gócios e eventos está alicerçada no entendimento
É claro que isso está fadado ao fracasso eventu- de que turismo só pode ser relacionado ao ócio
al: mesmo que tente construir totalidades, cele- ou atividades de lazer. Porém, o tempo livre do tu-
bra a diferenciação (MACCANNELL,1999 p. 19) rista de negócios e do turista de eventos pode ser
entendido tanto quanto a sobra diária do tempo
Ora, sendo o turismo de lazer condicionado dedicado às atividades instrumentais como ainda
a uma norma social, o caráter da voluntariedade no aumento da permanência no destino. O Rela-
do turista de lazer também pode ser questionado, tório dos Eventos Internacionais no Brasil- Resul-
pois sofre pressões para a realização da viagem. tados de 2003 -2009 traz também os resultados
Pressões essas que podem ser comparáveis àque- da Pesquisa de Impacto Econômico dos Eventos
23
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Internacionais Realizados no Brasil 2007/2008 evi- ganização do evento. Outro ponto favorável à in-
denciou a existência de tempo livre dos turistas de teração com a comunidade local advém do fato
eventos em ambas situações: tempo livre diário e de os viajantes de negócios e de eventos viajarem
anterior ou posterior ao evento. A pesquisa apon- geralmente sozinhos - 63,98% segundo o referi-
ta que “cerca de 40% dos entrevistados disseram do Relatório de Eventos Internacionais (BRASIL,
ter interesse em prolongar a permanência na cida- 2010 p. 64).
de sede, em média, 3,1 dias além da duração do É fundamental ainda ter em mente que os via-
evento” (BRASIL, 2010 p.66). Também foram iden- jantes de negócios usualmente não pertencem às
tificadas as atividades pessoais realizadas durante classes trabalhadoras que são os objetos de estu-
a viagem: “compras e serviços pessoais (64,70%), do principais da sociologia aplicada ao turismo.
passeios turísticos (40,90%), eventos esportivos Tratam-se, portanto, de pessoas pertencentes a
(13%), prática de exercícios físicos (8,10%) e visita classes privilegiadas, que encaram trabalho e la-
a parentes e amigos (7,5%)” (BRASIL, 2010 p.75), zer de forma diferenciada e que tem opção na es-
que poderiam ser entendidas como motivações colha do trabalho e das funções a desempenhar.
complementares. A representação da viagem em si, para este perfil
Esta questão da limitação do tempo livre re- de viajantes, também é distinta.
quer ainda outra reflexão. Até que ponto a quan- Nesse sentido, Sarah Bacal comenta em seu
tidade se sobrepõe à qualidade ao se usufruir o livro “O lazer e os universos dos possíveis”, a pes-
tempo livre em um destino turístico? A situação quisa realizada com a elite paulistana, coordena-
frequente do isolamento dos turistas de lazer em da pela professora Maria Cecilia Forjaz sobre as
ambientes protegidos do contato com a realida- atividades de lazer pela mesma.
de do local visitado é uma crítica apresentada:
“turistas em guetos formam reservas artificiais Outra característica marcante da relação elite/
construídas sob medida” (KRIPPENDORF, 2003 p. trabalho era o fato de não se imprimir a esta ati-
56). O autor detalha estas estruturas e a forma que vidade uma conotação negativa, desvinculando-
se propõem a atender o turista, preservando-os -a da ideia de imposição e sofrimento. Ao con-
inclusive da população residente, e se não impe- trário, o trabalho era associação positivamente,
dindo, dificultando que as trocas sociais e cultu- à criação, ao divertimento, à realização, à satis-
rais aconteçam. Os turistas que utilizam este perfil fação e até ao prazer.[...]Paradoxalmente ao pró-
de equipamentos podem correr o risco assim de prio conceito de lazer, o trabalho para as classes
ficarem restritos ao seu grupo do local de origem dominantes era compreendido como espaço de
(integrantes da excursão da qual fazem parte), à liberdade, de opções e de dedicação voluntária.
sua alimentação e hábitos originais. A quantidade [...] Os homens, subordinados aos interesses da
do tempo livre, então, não assegura o pleno apro- empresa, encaravam as férias como um prolon-
veitamento da viagem na sua busca pelo novo, na gamento de uma viagem de negócios.(BACAL,
fuga do cotidiano. 2003 p. 137-138).
Como contraponto, nos eventos associativos,
sua essência multicultural – uma vez que os parti- O pertencimento dos viajantes de negócios
cipantes são procedentes de diferentes localida- e eventos a essa elite também pode ser eviden-
des – e sua premissa de rotatividade entre as di- ciado tanto na já referida pesquisada EMBRATUR
versas regiões nas quais há associados, não per- junto aos participantes estrangeiros de congres-
mite que esta reprodução autêntica do cotidiano sos internacionais como na pesquisa encomenda-
se repita. Como não é possível contemplar a todas da pela SPTURIS – órgão responsável pelo turismo
as culturas presentes, a adoção da cultura local é no estado de São Paulo – Brasil sobre a percepção
não só a solução politicamente mais acertada, co- da imagem da cidade de São Paulo como Destino
mo fator de prestígio para o destino anfitrião. Isso Turístico de Negócios, aplicada em profissionais
porque, via de regra são os representantes locais frequentadores de feiras de negócios. A primeira
da associação realizadora os encarregados da or- identifica o elitismo intelectual e financeiro des-
24
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
tas pessoas: 72,96% dos entrevistados possui es- mais de uma motivação para realização de via-
colaridade em nível de pós graduação, mestrado gens. Para o autor, a Alemanha é o país que pos-
ou doutorado (BRASIL, 2010 p. 57) e 70,02% pos- sui informações mais completas sobre as “motiva-
sui salários superiores a dois mil dólares mensais ções de viagem e comportamento da população
(BRASIL, 2010 p. 58). em férias, estudada cientificamente há mais de 20
E por último, a quarta dimensão, relaciona- anos” (KRIPPENDORF, 2003 p.44). A antropóloga
da ao argumento da motivação alheia às razões Valene Smith aceita esta possibilidade de concilia-
subjetivas - lazer, prazer, descanso, busca do no- ção: “os viajantes de negócios e os que assistem
vo ou fuga do cotidiano - das viagens de negó- a assembleias e congressos podem aproveitar es-
cios e eventos tem ligação intríseca com a tercei- sas viagens para dedicarem-se a atividades turís-
ra, abordada anteriormente. Nesse sentido, argu- ticas” (SMITH, 1992 p. 15). Outros autores desta-
menta-se aqui a real possibilidade de ter-se prazer cam o papel dos pequenos prazeres nas viagens,
no trabalho, o que também é abordada por Jo- em detrimento de um prazer linear, consecutivo:
ffre Dumazedier que cita vários outros estudiosos “Não se trata de uma grande sensação ou acon-
que a igualmente a defendem como D.Rieman, tecimento único e maravilhoso, mas de todas pe-
H.Wilensky e M. Kaplan. quenas particularidades da vigem, da experiência
de várias felicidades pequeninas. (RIEGER apud
O lazer não é uma categoria definida de com- KRIPPENDORF, 2003).
portamento social. Todo comportamento em ca- Dessa forma, não seria possível que o turis-
da categoria pode ser um lazer, mesmo o tra- ta de negócios e eventos tenha também uma su-
balho profissional. O lazer não é uma categoria, cessão de sensações positivas diárias, após suas
porém um estilo de comportamento, podendo obrigações profissionais que poderiam ser equi-
ser encontrado em não importa qual atividade valentes a uma grande sensação prazerosa de que
[...] Toda atividade pode, pois vir a ser um lazer. a viagem valeu a pena?
(DUMAZEDIER, 1974 p. 88)
25
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
a programação da sua viagem, até a sua estada no países integrantes desse bloco), sulameriacanas
destino, após suas obrigações profissionais, além (realizadas entre os países da América do Sul) e
do posicionamento que ele utiliza-se das estrutu- transcontinentais (que envolvem mais de um con-
ras do sistema turístico contribuindo, dessa forma tinente). Em relação ao tempo em que o respon-
para a economia, a geração de emprego, renda dente realiza viagens de trabalho, a maioria carac-
e perfazendo-se portanto, um agente do desen- terizou-se pelo período entre 02 a 05 anos. Já em
volvimento local e regional dos destinos por eles relação à abrangência da viagem, a maioria dos
visitados. respondentes realizam na maior parte das vezes,
A primeira parte do questionário buscou a viagens nacionais.
caracterização de desse sujeito em análise, com Sobre quem acompanha esse viajante de ne-
questões sobre o tempo que realiza viagens a gócios ou se o mesmo viaja sozinho, a informação
trabalho e a abrangência das viagens realizadas, é apresentada no gráfico 3. A quantidade de via-
apresentadas nos gráficos 1 e 2, respectivamente. gens realizada no ano é apresentada no gráfico 4.
A abrangência das viagens foi classificada em 6 ní- A relação da viagem com a profissão, bem co-
veis: regional (aquela realizada entre municípios mo as sensações obtidas pelo viajante com a reali-
de uma mesma região do estado), estadual (aque- zação da viagem de negócios e eventos é apresen-
la realizada dentro do estado, com uma distância tada nos gráficos 5 e 6, respectivamente. A relação
que envolve mais de uma região no estado), na- da viagem de negócios e eventos com a profissão
cional (aquela que envolve mais de um estado em não apresentou, para a maioria dos respondentes
um país), MERCOSUL (aquela realizada entre os uma relação negativa (apenas 4% estabeleceu es-
Fonte: as autoras
sa relação), sendo que a maioria respondeu que as indicações respectivamente. A percepção neutra,
viagens pesam positivamente, ou até mesmo que de que as viagens não causam nem sensações po-
não tem nenhuma relação com a permanência do sitivas, nem negativas, apareceram em 37 indica-
investigado na sua profissão atual. ções. Já as sensações positivas, como a mudança
Com relação às sensações obtidas em realizar de rotina, a possibilidade de conhecer novos lu-
as viagens de negócios e eventos, as percepções gares e pessoas aparecem em destaque
negativas, de que a viagem causa transtorno em As informações sobre a expectativa em apro-
função dos seus preparativos ou mesmo tristeza veitar o destino e sobre o tempo livre no desti-
pelo afastamento do cotidiano, essas foram as se- no, após as obrigações profissionais são apresen-
lecionadas com menor frequência, com 30 e 36 tadas nos gráficos 7 e 8, respectivamente. Essas
26
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Fonte: as autoras
informações relacionam-se diretamente a dimen- ticamente, mas sim, somente para fins de traba-
são que versa sobre a falta de tempo livre para lho e negócios. Ao serem questionados sobre a
atividades de “desfrute” do destino, e portanto expectativa de aproveitar as atrações do destino
excluiria as viagens de negócios e eventos da di- após as obrigações profissionais, apenas 7% co-
mensão do turismo pelo fato de essas pessoas locaram que raras vezes teriam essa expectativa,
não iriam para o destino para aproveitá-lo turis- e nenhum dos 180 respondentes posicionou que
Fonte: as autoras
27
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Fonte: as autoras
28
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
a motivação desse viajante de negócios ou even- promissos de negócios e eventos com atividades
tos não faz com que muito do que ele viva, consu- de prazer e permitem-se a vivenciar experiências
ma e usufrua no destino visitado, seja tão diferen- turísticas no destino. Pelo o que se pode identifi-
ciado em relação ao viajante de lazer, e portanto, car nos relatórios e pesquisas apresentadas no de-
o posicionamento sobre a sua exclusão da cate- correr deste artigo, há fortes indícios de que este
goria de turista possa ser revisto na teoria turística grupo de pessoas seja bem significativo e saiba
contemporânea. aproveitar o destino.
As informações detalhadas no corpo do ar-
tigo revelam que pelo menos parte dos turistas
Considerações finais profissionais toma a decisão da viagem, dispõe
de tempo livre no destino e concilia trabalho com
O presente trabalho, motivado pelo objetivo lazer, já que tem motivações complementares às
de buscar entendimentos sobre os viajantes de profissionais quando no destino. Há indícios ain-
negócios e eventos e o turismo, sujeito esse en- da que, para esse grupo, o prazer tenha uma ou-
tendido como viajante profissional que se enqua- tra conotação, diferente daquela compartilhada
dram na definição de turismo de negócios e even- pelos turistas de massa e que a viagem em si, já
tos do Ministério do Turismo “conjunto de ativi- possa ser percebida como prazerosa.
dades turísticas decorrentes de encontros de in- Algumas situações apontam para a falta de
teresse profissional, associativo e institucional, de oferta de produtos e serviços compatíveis com as
caráter comercial, promocional, técnico-científico possibilidades e interesses desses turistas tão dife-
e social” (BRASIL, 2008 p. 15). A discussão pauta- renciados. Talvez esse fato seja gerado justamente
-se a partir do entendimento de que as dimensões pela exclusão dos referidos viajantes. Não os in-
utilizadas por autores para a exclusão do viajantes cluindo dentre os nichos turísticos, gera-se um ci-
de negócios e eventos (O caráter involuntário de clo de não haver oferta e por consequência não ha-
algumas viagens de negócios e eventos; A finali- ver maior consumo. Dessa forma, os profissionais
dade lucrativa das viagens de negócios e eventos; viajantes serão sempre considerados à margem do
A falta de tempo livre no destino visitado das via- turismo, e ficarão condicionados ao desfrute das
gens de negócios e eventos e a motivação alheia estruturas de relaxamento ou entretenimento do
às razões subjetivas - lazer, prazer, descanso, bus- hotel no qual estão hospedados, eventualmente,
ca do novo ou fuga do cotidiano - das viagens de usufruindo algo da gastronomia ou compra em um
negócios e eventos) não são absolutas e devem Shopping Center local – únicas opções de lazer
ser relativizadas, já que nem todos os enquadram- disponíveis fora do horário comercial.
-se nessas dimensões. Paralelamente às questões mercadológicas, é
É bem provável que existam viajantes de ne- muito importante que as pesquisas sociológicas
gócios que vêem a viagem em si como um sacri- abordem os turistas de negócios eventos de for-
fício a ser feito já que a mesma os obriga a dis- ma destacada do turismo de massa ou de lazer, já
tanciarem-se da sua rotina e familiares. Por este que possuem perfis, comportamentos e valores
motivo otimizam o seu tempo de permanência no totalmente diferentes. Além disso, deve-se consi-
destino ao máximo, de forma a não disporem de derar que esses profissionais são usualmente pes-
qualquer tempo livre para usufruí-lo. Nesse grupo soas referenciais em suas comunidades, ditando
encontramos aqueles que preferem as viagens rá- normas de comportamento e como tais, devem
pidas, de ida e retorno no mesmo dia e os que uti- ser estudados como formadores de opinião e ge-
lizam o tempo liberado das feiras de negócios pa- radores de tendências. Eliminar simplesmente es-
ra visita a empresas e clientes potenciais ou efeti- ses viajantes do universo do turismo pelo não en-
vos, por exemplo. Esses viajantes, certamente não quadramento de uma ou outra característica, ou
se enxergam como turistas. adotar como referencial um único perfil de turistas
Mas há outro grupo igualmente representa- de forma transversal e existe contradição na con-
tivo a ser considerado: os que conciliam os com- cepção do conhecimento científico, já que este
29
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
é falível pois “não é definitivo, absoluto ou final” gócios e eventos revela que não. As abordagens
(MARCONI; LAKATOS, 2011 p.38). turísticas contemporâneas devem posicionar-se
Ainda, não seria possível que o turista de ne- prestando atenção nos fenômenos atuais. O tu-
gócios e eventos tenha também uma sucessão rismo de negócios e eventos é um segmento tão
de sensações positivas diárias, após suas obriga- atual e tão importante quanto todos aqueles mo-
ções profissionais que poderiam ser equivalentes tivados pelo lazer.
a uma grande sensação prazerosa de que a via- Sugere-se, portanto, a existência de estudos
gem valeu a pena? A pesquisa aqui conduzida re- complementares que permitam uma caracteriza-
vela que sim. ção dos turistas de negócios e eventos de forma
E sobre a pergunta de pesquisa motivado- mais realista, considerando aspectos subjetivos e
ra desse artigo: viajantes de negócios e eventos não só objetivos, tendo uma tendência de inclu-
devem ser excluídos do arcabouço teórico de tu- são, e não de exclusão, dada a importância desse
rismo pelo simples fato de sua motivação de via- tipo de viajante para as economias dos destinos vi-
gem estar relacionada com o trabalho e não so- sitados, e portanto, para a geração de renda, em-
mente férias e lazer? A pesquisa aqui conduzida, pregos e desenvolvimento por meio do turismo.
no nível ontológico dos próprios viajantes de ne-
30
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
ICCA - ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE CONGRESSOS E CONVENÇÕES. Statistics Report: The
International Association Meetings Market 2015. Disponível em www.iccaworld.com. Acesso em 20 /09/ 2016
BADARÓ, R. Direito do turismo: história e legislação no Brasil e no exterior. 2 ed. rev. São Paulo: SENAC, 2002.
BENI, M. Análise estrutural do turismo. 12. ed. rev. São Paulo: SENAC, 2007.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Industrial Anual- Empresa 2008. Brasília.
Disponível em <http://exame.abril.com.br/pme/noticias/ pequenas-empresas-sao-47-industrias-ibge-574516>
Acesso em 19 /08/ 2015
BRASIL. Ministério do Turismo. Eventos Internacionais no Brasil: Resultados 2003-2009. Desafios para 2010.
Brasília, 2010.
BRASIL. Ministério do Turismo. Pesquisa do Impacto Econômico dos Eventos Internacionais Realizados no
Brasil 2007/2008. Brasília, 2009. Disponível em <http://www.turismo.gov.br/turismo/o_ministerio/publicacoes/
cadernos_publicacoes/20relatorio_eventos.html>. Acesso em 19 /09/ 2016
BRASIL. Ministério do Turismo. Turismo de Negócios e Eventos: Orientações Básicas. Brasília, 2008.
COHEN, E. Who is a tourist? A conceptual clarification. Sociological Review nº 22, p.527-555, 1975.
FORJAZ, M. Lazer e consumo cultural das elites. Revista Brasileira de Ciências Sociais. V.3,n.6,p.99-113,fev, 1998..
GOELDNER, C.R. & RITCHIE, J.R.B. & McINTOSH, R. W. Turismo: princípios, práticas e filosofias.8 ed. Porto
Alegre: Bookman, 2002.
MACCANNELL, D. The tourist: A new theory of leisure class. Bekerley e Los Angeles: University of California Press, 1999.
SEBRAE - SERVIÇO NACIONAL DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS. Anuário do Trabalho na MPE
2009. Brasília. Disponível em http://www.sebrae.com.br/customizado/estudos-e-pesquisas/temas-strategicos /
emprego. Acesso em Acesso em 20/09/2016
SÃO PAULO TURISMO. Relatório da Pesquisa sobre a Percepção da Imagem da Cidade de São Paulo como
Destino Turístico de Negócios. São Paulo, 2006.
SMITH, V. Anfitriones Y Invitados: Antropologia del Turismo. Turismo y Sociedad. Ediciones Endymion, 1992.
31
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Resumo
O presente estudo está fundamentado em torno do tema “A economia da experiência como um diferencial na
atividade turística, utilizando o turista e o agente local como protagonistas da vivência no destino.” Uma análise
realizada através de pesquisa bibliográfica, com caráter exploratório e abordagem qualitativa, tendo visão de au-
tores e estudiosos, sobre a economia da experiência voltada ao turismo. Nele encontramos as primeiras introdu-
ções do conceito na atividade turística, benefícios e transformações que trouxe e trará ao setor, bem como a apli-
cabilidade aos produtos turísticos e envolvimento da comunidade local em todo o processo. Também é possível
identificar os desafios de atender a demanda deste perfil de turista que busca a simplicidade, uma maior vivência
no destino visitado, que traga uma experiência verdadeiramente transformadora.
Abstract
The present study is based around the subject “the economy of the experience as a differential in the tourist acti-
vity, using the tourist and the local agent as a protagonist of the destination living a research bibliographical with
exploratory character and qualitative approach. It’s possible found in this study the first introductions about the
tourism activity, the benefits and the transformations that brought and will bring to the sector, as well as the appli-
cability to the tourist products and involvement of the local community in the process. It’s also possible to identify
the challenges of meeting the demand of this tourist profile that looking for simplicity, a greater experience in the
destination which brings a truly transformative experience.
1 Valéria Silva dos Santos - Bacharel em Turismo pela Pontifício Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com MBA em Marketing e
Vendas e Especialista em Docência do Ensino Superior.
2 Camila Santos Porto - Tecnóloga em Turismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
32
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
N
o século XX, os estudos sociológicos do Experiência (1999). Foi a partir daí que começou-
turismo, segundo Beni (2005), estavam vol- -se a perceber algumas mudanças nos hábitos e
tados ao turismo de massa, que continua preferências dos passageiros.
sendo uma atividade de destaque no segmento Em busca de qualificar os produtos turísticos
de viagens. Na atualidade, o autor destaca uma para que pudessem passar a desenvolver ativida-
ampla reflexão antropológica sobre o cultural, a des enfatizando a Economia da Experiência, o Mi-
pluralidade e as razões sociais, econômicas polí- nistério do Turismo (MTur) juntamente com o SE-
ticas e geofísicas que levam o homem moderno BRAE solicitou a criação da Cartilha, desenvolvi-
a viajar. da pelo Instituto Marca Brasil em 2006. O docu-
Devido ao novo estilo de vida, onde normal- mento fica disponível no site do SEBRAE e possui
mente se tem uma jornada de trabalho com alta as orientações de como desenvolver um projeto
carga horária, e o avanço da tecnologia fazendo cujo as atividades desenvolvidas sejam baseadas
com que tudo e todos facilmente estejam online, nas premissas que compõem a Economia da Ex-
identifica-se a necessidade de um momento úni- periência.
co de prazer e contemplamento de uma ativida- Essa nova economia traz para o turismo de
de com os amigos, família ou sozinho. Para Trigo base local novas oportunidades, pois para Beni
e Netto (2003, p. 45) “turismo é, acima de tudo, (2005) uma das características da economia da ex-
prazer, e prazer é o mais alto grau da satisfação periência no turismo são “novas expectativas por
humana”. Sendo assim, a atividade turística pas- parte das comunidades locais para receber dire-
sa a ter um grau elevado de importância na vida tamente os benefícios do turismo”. Sendo assim,
da sociedade. o estudo aqui proposto pretende analisar a Eco-
Hoje, muitas pessoas não dispõem tanto tem- nomia da Experiência como um diferencial para
po para viajar e quando encontram um momento atividade turística, através do desenvolvimento de
que possibilita se dedicarem ao planejamento de base local, onde se faz uso do turista e do agente
uma viagem, prezam por uma experiência em que local como protagonistas.
não se baseie em somente trazer um souvenier do
destino visitado, elas procuram mais, buscam uma
vivência cultural que agregue, ou ainda, que se- Fundamentação teórica
ja transformadora. Neste sentido os autores, Tri-
go e Netto (2003), argumentam que o prazer ge- Turismo
rado da atividade turística não pode ser egoísta
ou isolado de outras dimensões da vida humana, O turismo hoje é uma atividade que possui
fazendo-se necessário a interação do agente lo- grande importância para o desenvolvimento de
cal com o turista. nossa economia, seja no Brasil ou no mundo. De
Esses viajantes querem interagir com o des- acordo com dados divulgados pelo Ministério do
tino turístico, possuem a vontade de comunicar- Turismo (MTur) em 2016, o Conselho Mundial de
-se com a comunidade local. Essa necessidade de Viagens e Turismo (WTTC) estima que o setor con-
pertencimento ao novo torna o turista um experi- tribua com 10% do PIB mundial, estimativas tam-
mentador. O mesmo deixa de consumir somente bém apontam que a indústria do turismo venha
um produto/serviço, ele passa a consumir a ex- crescer 4% ao ano e gere 266 milhões de empre-
periência que o produto/serviço irá lhe oferecer. gos diretos e indiretos no mundo. Neste ano o tu-
Este enfoque surge em 1999, quando o tu- rismo também ganhou destaque, uma vez que, a
rismo de massa continuava em alta, as primeiras ONU (Organização das Nações Unidas) declarou
pesquisas sobre o assunto Economia da Experi- oficialmente o potencial da atividade para o de-
ência, realizadas pelo dinamarquês Rolf Jensen senvolvimento sustentável. Dentre os 17 objetivos
na publicação do livro A Sociedade dos sonhos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) definido
33
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
neste ano o turismo é citado em 3 deles, sendo mesmos. Isso faz com que o turismo não tenha
os mesmos: 8º) Promover crescimento econômico uma definição concreta, pois ele pode ainda ser
sustentável e inclusivo, emprego pleno e produti- aplicado de diversas formas.
vo e trabalho decente para todos; 12º) Consumo Podemos destacar como um dos conceitos
e produção sustentável e 14º) Conservação e uso de turismo mais utilizado nos dias de hoje o trazi-
sustentável dos oceanos, mares e fontes marinhas do pela OMT (2001, p.35), que consiste em:
para o desenvolvimento sustentável.
Através destes dados é possível afirmar que “O turismo compreende as atividades que as
a atividade turística evolui junto com as demais pessoas realizam durante suas viagens e estadas
decorrentes atividades do setor econômico mun- em lugares diferentes ao seu entorno habitual,
dial, ganhando destaque principalmente em mo- por um período consecutivo inferior à um ano,
mentos de crise e de recessão econômica, onde o com finalidade de lazer, negócios, ou outras.”
turismo tem mantido uma dinâmica relevante em
comparação com os outros setores da economia. Porém, neste estudo, traremos o conceito
Esse fato claramente se deve ao envolvimento de de turismo voltado a experiência, que para Gas-
vários setores dentro da mesma atividade. tal (2005, p.13) falar sobre turismo significará fa-
Apesar da grande importância do turismo nos zer referência àquelas pessoas que saem das suas
dias de hoje é possível dizer que ainda não temos rotinas espaciais e temporais por um período de
uma definição conclusiva do mesmo, já que mui- tempo determinado, sendo ele o cidadão que sai
tos apontam que o turismo é indústria, e outras de férias, os netos que visitam os avós, o executi-
entidades e autores o apontam como setor da ci- vo que viaja a negócios, etc. Ou a trazida por Co-
ência. Isto devido a história da atividade, que sur- riolano et al. (2009, p. 37) que coloca que a nova
giu nos meados do século XIX com Thomas Cook, mentalidade compreende a atividade turística co-
o primeiro a organizar uma viagem com uma sé- mo rica e diversa cadeia simbólica capaz de rein-
rie de serviços incluídos a partir de um único pre- ventar territórios, criar novas sociabilidades e es-
ço pago pelos clientes (MOLINA, 2003); após isso tabelecer novas solidariedades.
tivemos o turismo indústria ou turismo de mas- O SEBRAE (2015, p. 08) segue esta linha quan-
sa, em que para Molina se categorizou como um do menciona que esta mudança de hábitos e pre-
turismo que reunia um “conjunto de empresas ferências dos viajantes, acabam estabelecendo
de diversos itens que se guiam por um código uma ligação emocional com o serviço oferecido e
conceitual e operacional em que predominam os faz que consequentemente a empresa se diferen-
princípios de uniformização, de centralização e de cie de seus concorrentes.
maximização” (MOLINA, 2003, p. 24). Este novo conceito traz consigo desafios e
Após isso Molina (2003), retrata dois ciclos da oportunidades aos empreendimentos que até
história do turismo: o turismo pós-industrial, on- então trabalhavam com o turismo massificado. É
de forma uma nova cultura turística nos agentes, o momento de se recolocar no mercado ou para
identificando demanda, prestadores de serviços e quem quer iniciar, já oferecer produtos com esses
governos, estruturando-se a partir dos movimen- diferenciais. O SEBRAE (2015, p.08) coloca que es-
tos sociais e culturais; e o pós-turismo, que por sua te nicho é uma nova forma de fazer turismo “ on-
vez constrói um novo paradigma, através das tec- de existe interação real com o espaço visitado,
nologias de alta eficiência e os fenômenos sociais mesmo que não seja o ideal, é o real e é o que o
e culturais da década de 1990. turista está em busca”.
A partir desse breve conceito da história da O homem moderno quer se sentir conecta-
atividade turística é possível afirmar que a mes- do com o destino que visita, estar em busca das
ma sofreu alterações de acordo com a evolução experiências que tragam mais sentido a sua vida
da sociedade, e que hoje ainda é possível identi- e que sejam memoráveis. A atividade turística se
ficar no mercado turístico empresas que aplicam desenvolve, desta forma, para assim acompanhar
os conceitos acima e público que fazem uso dos as necessidades e desenvolver economicamente
34
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
as regiões nas quais a mesma é implementada. turismo interno e de viagens internacionais com
predomínio de motivação de reencontro com o
meio ambiente, por essa razão o autor relata que
Desenvolvimento de base local inicia o desenvolvimento da demanda de rotei-
ros com essas peculiaridades (o chamado turismo
Pode-se considerar que atualmente as polí- endógeno), onde desloca o grande fluxo turístico
ticas de desenvolvimento do turismo vêm se tor- dos grandes centros urbanos e cosmopolitas pa-
nando uma atividade de grande expressividade ra áreas locais com expressivo patrimônio históri-
no espaço das políticas públicas, sendo uma das co-étnico-cultural em que podem ser vivenciadas
estratégias de planejamento das cidades/regiões. experiências mais autênticas e genuínas.
Isso devido ao grande crescimento que este setor Vemos neste contexto que o turismo de base
demonstra ao passar dos anos, bem como os be- local é uma das alternativas hoje de desenvolvi-
nefícios econômicos derivados deste. mento e crescimento das comunidades, porém é
Nota-se que o desenvolvimento do turismo possível perceber a necessidade do planejamen-
interno ocorre, notavelmente, através da busca to, para Beni( 2006, p.36) nota-se neste novo cená-
do “reencontro com a natureza, de caráter fami- rio a preocupação com a conquista de um turismo
liar e bem intimista nas relações do turismo com sustentável. Já Butler (apud PEARCE, 2002, p. 88)
o meio ambiente se tornando uma oportunidade trás que a “integração ideal do desenvolvimen-
para as cidades que possuem potencial turístico to do turismo numa comunidade ou destino de-
e com expressivo patrimônio histórico-etnico-cul- ve tornar o desenvolvimento mais aceitável, tanto
tural” (BENI, 2004, p. 9), porém que não foram de- para os residentes locais quanto para os que utili-
senvolvidas. zam os recursos existentes”.
Desta forma, com o crescimento do turismo È importante destacar que a comunidade de-
interno nos últimos anos, as políticas de desenvol- ve fazer parte do processo de planejamento des-
vimento local podem ser introduzidas no contex- de as primeiras intervenções, para que a mesma
to do planejamento do turismo para que este ad- sinta-se parte do processo, uma vez, que Mielke
quira ações e variáveis que possam torná-lo mais (2009) aborda que organizar uma comunidade pa-
sustentável, com propostas a obter possíveis re- ra o turismo é estabelecer uma aliança entre inte-
sultados positivos e uma identificação quanto ao resses econômicos locais e não locais, objetivan-
local/região em que este está ou será implantado. do atribuir uma relevante importância na valoriza-
Compreendendo estes contextos integrados, ção das questões culturais e ambientais. O autor
desenvolvimento local e políticas públicas, torna- (MIELKE, 2009, p. 20), ainda acrescenta que esta
-se implícito o fato de que se esta integração ve- organização é necessária, pois para o turismo, es-
nha ser realizada de forma adequada e harmo- sas questões constituem a base da elaboração de
niosa, resultando no sucesso de uma comunidade produtos que podem ser a principal motivação de
funcional e aceitável, tanto em termos humanos deslocamentos.
quanto ecológicos. Beni (2006) cita o desenvol- Mielke (2009, p. 20), também faz questão de
vimento endógeno (local) como uma estratégia retratar que o desenvolvimento do turismo só
para a ação que, por sua vez, leva à participação “é concebível se efetivamente houver uma pro-
da população como um dos principais fatores de pensão e uma vontade de mudar, de estabe-
implantação e sucesso de tal projeto. Beni (2006, lecer novos desafios, de trabalhar com o novo
p. 36) ainda acrescenta que o “desenvolvimento e, fundamentalmente, vontade de agregar valor
local também visa atender às necessidades e de- social”. Beni (2006, p. 36), de certa forma, con-
mandas da população local por meio da participa- corda com este fato quando relata que as “lo-
ção ativa da comunidade envolvida, e ainda bene- calidades têm uma identidade própria, que as
ficiar ou complementar as comunidades locais”. leva a tomarem iniciativas visando assegurar o
Para Beni (2004) podemos notar atualmen- seu desenvolvimento”.
te uma tendência de crescimento destacado do Ainda seguindo o mesmo autor (2009, p. 21)
35
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
através de fatores como a vontade de mudança e cios em ascensão, conforme Coelho (2013, p. 30)
a boa organização da atividade turística, o turismo “a busca pela inovação vem ao encontro deste
pode abrir novas possibilidades de trabalho para ambiente competitivo e faz com que os empreen-
o conjunto de mão de obra familiar, contribuindo dimentos se diferenciem pelos seus serviços e pe-
para o aumento da renda e para uma visível me- la relação destes com o reconhecimento dos com-
lhoria das condições de vida por parte da popu- pradores fidelizados e a atratividade de novos”.
lação local. O comportamento do turista começou a so-
Para Gastal (2007, p. 48), o “turismo no de- frer leves alterações e esse fenômeno foi percebi-
senvolvimento regional e microrregional reflete- do no final do século XX, onde estudiosos busca-
-se no planejamento econômico estratégico do ram analisar as motivações, conforme ressaltadas
setor, que deve contemplar uma distribuição es- pelo SEBRAE (2015, p. 08) “essa mudança no com-
pacial mais eficiente e justa dos recursos e das portamento do consumidor deu origem à econo-
atividades econômicas.” Desta forma, gera uma mia da experiência, quando o serviço deixa de ser
maior distribuição de renda que é provocada pe- apenas a prestação de um serviço comum como
la atividade turística. uma refeição ou um passeio turístico para ser a
Beni (2006, p. 37), por sua vez, destaca a iden- oferta de uma experiência memorável que gera
tificação de três dimensões que ocorrem nos pro- emoção e engajamento”.
cessos de desenvolvimento, sendo elas a econô- Para Cassiolato (2008, p. 14) “a economia
mica, a sociocultural e a política. Em relação à eco- da experiência coloca a cultura como fonte ins-
nômica, disserta que deve possuir características piradora do consumo”. Tratando-se de um pro-
“de um sistema específico de produção capaz de duto intangível o turismo naturalmente precisou
assegurar aos empresários locais o uso eficiente se adaptar às tendências e motivações dos turis-
dos fatores produtivos e a melhoria dos níveis de tas, que atualmente estão muito além de registrar
produtividade, que lhes garante a competitivida- uma foto nos destinos já massificados. Cassiola-
de” (BENI, 2006, p. 37). Já no âmbito sociocultu- to (2008, p. 14) aprofunda esse desejo do turista
ral, os atores econômicos e sociais devem se in- quando menciona que o produto turístico inseri-
tegrar às instituições locais e formarem um den- do no conceito da economia da experiência “pro-
so sistema de relações que incorpora os valores porciona experiências únicas, memoráveis, sensa-
da sociedade ao processo de desenvolvimento. ções que vem do coração, do sentido relacionado
Por último, o autor traz a questão política, que se a um sonho realizado”.
caracteriza em iniciativas locais, possibilitando a A economia da experiência traz este novo
criação de um entorno capaz de incentivar a pro- conceito ao turismo, transfigurando o turismo de
dução e favorecer o desenvolvimento sustentável. massa, à uma proposta mais personalizada e pes-
O desenvolvimento local diante da atividade soal, valorizando pequenas regiões, culturas e co-
turística deve ser planejado em parceria com to- laborando com o desenvolvimento econômico lo-
dos os agentes, tendo a troca de informações di- cal. Conforme ressalta Amorim (2015, p. 140).
reta entre poder público, privado e comunidade
local. Assim teremos um turismo sustentável a to- “O turismo de experiência pode ser um mode-
dos, inclusive ao turista. lo condizente com o desenvolvimento territorial
sustentável e adequado às novas experiências
de consumo, e os pequenos negócios desem-
Economia da Experiência penham expressivo papel no Brasil, porquanto
representam 99% do universo das empresas.”
No turismo há uma constante busca pela ino-
vação e o principal fator que influencia esse apri- Assim, o conceito da economia da experiên-
moramento é o consumidor, que está em constan- cia no turismo surgiu para integrar à uma nova fa-
te evolução, almejando novas experiências. Este se da atividade turística. Para Beni (2004), o turis-
tipo de relação torna o turismo um setor de negó- mo de massa não se extinguiu, dando lugar a ou-
36
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
tro, mas foi somado um novo conceito, que come- dicalmente produto/serviço com a finalidade de
çou a ser percebido no final do século XX, através desenvolver novas experiências, para impedir que
do registro de diferentes características. finalmente se estanque”.
Para Beni (2004), a viagem é um movimento
1 - alteração dos gostos e preferências da de- externo e interno ao turista. Externo porque ele
manda, caracterizados pela busca de novas ex- desloca-se no espaço físico e no tempo; interno
periências em vez de somente novos produtos/ porque seu imaginário segue na frente, instigan-
serviços que conduzem à ampliação territorial do a intelectualidade e o emocional. Segundo o
do mercado turístico e à consolidação de pro- autor, o mesmo se prepara para viver o inusita-
dutos/serviços capazes de gerar experiências do em experiências únicas na revelação do des-
novas em termos de demanda; conhecido e do diferente. Para Gastal (2005, p. 13)
2 - a liberalização e integração de mercados re- na atividade turística, na qual a autora identifica o
gionais, em resposta à implementação de um turista como “aquelas pessoas que saem das su-
novo modelo mundial de desenvolvimento que as rotinas espaciais e temporais por um período
apresenta como exigência e expansão dos mer- de tempo determinado”, seja ele para um final de
cados e a consequente eliminação de barreiras semana na casa dos avós ou para uma viagem ao
para a circulação do capital, de tecnologias e de exterior, é possível identificar imagens e imaginá-
mercadorias; rios. Imagens pois o turista ao ir para algum lugar
3 - importância crescente das novas tecnologias já teve contato através de jornais, internet e ou-
que se transformam em pilares determinantes tros contato com o local que será visitado; Imagi-
e componentes essenciais da nova geração de nário porque as pessoas criarão sentimentos em
produtos/serviços de alto valor agregado e de relação aos destinos e locais.
experiências inéditas na evolução do turismo. Para Gastal (2005) os turistas são alimenta-
4 - novas expectativas por parte das comunida- dos por amplas e diversificadas redes de infor-
des locais para receber diretamente os benefí- mação, levando-os a achar um local “romântico”,
cios do turismo, tendo em conta que o mode- outro “perigoso”, outro “bonito”, outro “civiliza-
lo turístico empresarial não gerou as vantagens do”, etc. A autora também relata que viajar se tor-
que inicialmente prometera em termos de de- nou um bem no qual adquirimos e que possuímos
senvolvimento social nas comunidades em que após usufruí-lo, esse bem nos agrega frutos so-
ocorreu ciais e psíquicos. Para Gastal (2005, p. 83), o turis-
5 - culturas de gestão empresarial que configu- mo não trabalha apenas com produtos concretos,
ram paradigmas emergentes de management, mas com imaginários, no plural. E, que esses ima-
para tornar congruente a gestão empresarial ginários são dinâmicos, podem alterar de acordo
com as tendências sociais e de mercado e com com a temporada. Vemos assim que pensar o tu-
o surgimento das tecnologias da informação; rismo apenas como produto é ultrapassado, pois
6 - consolidação de formas radicais para usufruir cada vez mais podemos considerar o mesmo co-
as férias articuladas às novas formas sociais e à mo falo experiência, com muitos outros poréns
emergência de culturas de alta tecnologia, que agregados.
não apenas ficam impregnadas nos espaços fa- Beni (2004, p. 303) ressalta ainda que “ a ques-
bris e de produção, mas também invadem a vi- tão, então, não é se, mas quando - e como - entrar
da cotidiana - social e individual - das pessoas. na emergente economia da experiência”. A expe-
riência, para o autor, acontece quando uma em-
Molina (2003) destaca em seu livro “Pós Turis- presa intencionalmente usa os serviços como um
mo” que na análise sobre o ciclo de vida da ati- palco e os produtos como suportes para atrair os
vidade que na década de 1950 e 1960 houve um consumidores de forma que crie um acontecimen-
grande crescimento e que a partir de 1990 houve to memorável. Para o autor a economia da experi-
uma notável queda, onde uma das possíveis in- ência chegou para ficar e expandir-se, seus produ-
terpretações “é a necessidade de transformar ra- tos/serviços têm uma inusitada penetração no mer-
37
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
38
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
destino turístico uma identidade única, fazendo conceito defasado, tendo o turismo apenas co-
com que o turista tenha uma experiência genuína. mo produto.
A Economia da Experiência vem para agregar Diante da pesquisa realizada também foi pos-
um novo conceito de turismo, não substituindo os sível identificar que um dos grandes desafios é co-
conceitos já existentes, como é o caso do turismo mo desenvolver a Economia da Experiência na ati-
de massa no qual vemos uma diminuição, porém vidade turística de forma assertiva, fazendo com
o mesmo continua sendo aplicado e possui públi- que todos os atores envolvidos (comunidade lo-
co com tal perfil. Podemos perceber que uma das cal, setor público e privado) sintam-se parte do
principais diferenças entre os dois conceitos aqui processo sendo beneficiados.
mencionados, é que a Economia da Experiência Por fim, cabe ressaltar, que é necessário a con-
preza pela sustentabilidade na atividade turística, tinuidade deste estudo para a melhor compreen-
enquanto o turismo de massa ainda mantém um são dos temas aqui abordados.
39
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
AMORIN, Regina Lucia de Medeiros. Turismo de Experiência: Novo fator de desenvolvimento na região do
brejo paraibano. In (org.) GARRIDO, Joan del Alcàzar, DINIZ, Adriana V. Santos. Visão Territorial e Sustentável do
Desenvolvimento - métodos e instrumentos para a ação do SEBRAE. Valência : JPM Ediciones, 2015
BENI, Carlos Mario. Política e Planejamento de Turismo no Brasil. São Paulo: Aleph, 2006. 200 p.
_________________ Um outro turismo é possível? - a recriação de uma nova ética. In GASTAL, Susana. MOESCH,
Marutschka Martini (Orgs). Um outro turismo é possível. São Paulo: Contexto, 2004. 156p.
_________________ Turismo: da economia de serviços a economia da experiência. Revista Turismo Visão e Ação,
vol 6 - n3 - set/dez 2004.
CASSIOLATO, José eduardo, MATOS. Marcelo Pessoa, LASTRES, Helena M. M. Arranjos Produtivos e Locais -
Uma alternativa para o desenvolvimento. Rio de janeiro : E-papers, 2008.
COELHO, André. Gestão de Negócios Turísticos. Rio de Janeiro : Editora FGV, 2013
CORIOLANO, Luzia Neide M. T.; LEITÂO, Claudia S.; VASCONCELOS, Fábio P. Turismo, cultura e
desenvolvimento na escala humana. In (org.) CORRÊA, Maria Laetitia; PIMENTA, Solange Maria; ARNDT, Jorge
Renato Lacerda. Turismo, sustentabilidade e meio ambiente: contradições e convergências. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2009.
______________ Turismo, Políticas Públicas e Cidadania. São Paulo: Editora Aleph, 2007, 83 p.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo : Atlas, 2002
MIELKE, Eduardo Jorge Costa. Desenvolvimento turístico de base comunitária. Campinas: Editora Alinea, 2009.
NETTO, Alexandre Panosso; TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi. Reflexões sobre um novo turismo: política, ciência e
sociedade. São Paulo: Aleph, 2003.
SANTOS, Vanice dos. Trabalhos acadêmicos: uma orientação para a pesquisa e normas técnicas. Porto Alegre:
AGE Editora, 2006. 149 p.;
40
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Resumo
O presente artigo tem origem no Trabalho de Conclusão de Curso da primeira autora, sob orientação da segun-
da e teve como objetivo analisar se o turismo étnico pode ser um propulsor de desenvolvimento local para as
comunidades tradicionais quilombolas de Porto Alegre/RS. Como bases para este estudo foram utilizados temas
relacionados ao Turismo Étnico, Identidade Local, Desenvolvimento Local e Comunidades Tradicionais. O méto-
do utilizado foi o procedimentode estudo de caso, com abordagem qualitativa por meio de dois questionários
diferentes, um para órgãos governamentais e outro direcionado a comunidades quilombolas, com amostragem
não probabilística por acessibilidade. Como resultados, teve a colaboração da Secretaria Municipal de Turismo e
da Secretaria Adjunta do Povo Negro, e da Comunidade do Areal da Baronesa. Contamos com a colaboração do
idealizador do projeto Territórios Negros, que atua para dar visibilidade aos Quilombos Urbanos. Com os relatos
destas entidades, se tem como considerações finais a evidenciação da potencialidade do Turismo Étnico como
um propulsor de desenvolvimento local para as comunidades tradicionais quilombolas de Porto Alegre.
41
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
O
tema do presente artigo se origina em descendentes é muito vasta, contrariando o que
pesquisa que se refere às potencialidades se supunha inicialmente, pois acreditava-se que
do turismo étnico para o crescimento do haveria pouquíssimos casos de demanda de titu-
desenvolvimento local. Com essa visão, a pesqui- lação.
sa aborda comunidades quilombolas urbanas lo- Cabe ressaltar a iniciativa da então Secretária
calizadas na cidade de Porto Alegre, RS. Confor- Municipal de Educação (SMED) juntamente com
me Cardozo (2004) o turismo étnico é a segmen- a Companhia Carris Porto-alegrense, que desde
taçãoqueserelacionadiretamentecomasexperiên- dezembro de 2011 elaboraram o “projeto Territó-
ciasturísticasresultantes dos atrativos culturais da rios Negros: Afro-brasileiros em Porto Alegre, que
comunidadevisitada. procura ampliar o conhecimento e a compreen-
No Brasil, podemos partir da conceituação do são sobre a história e a cultura dos afro-brasileiros
Ministério do Turismo (MTUR), que define Turismo na cidade.” (PORTO ALEGRE, 2010, np).
Étnico como “a constituição de atividades turísti- Partindo destas premissas, bem como da mo-
cas decorrentes da vivência de experiências au- tivação pessoal da pesquisadora que se interessa
tênticas em contato direto com os modos de vida pela temática étnica cultural como elemento de
e a identidadedegruposétnicos”eenvolvequalqu resgate e valorização também humana, se propôs
ertipodegruposocialquemantémsua herança ét- como área de estudo desta pesquisa, as comu-
nica como valores norteadores em seu modo de nidades tradicionais quilombolas já tituladas de
vida. (BRASIL, 2006, p. 17). Porto Alegre, sendo oQuilombo do Areal, Qui-
No contexto apresentado, notamos a impor- lombo dos Alpes, Quilombo da Família Silva e o
tância de ter uma forma de turismo que não pre- Quilombo Fidélix.
judique a comunidade, preservando sua cultura e
o desenvolvimento local da mesma, desenvolvi-
mento esse que não se trata apenas de crescimen- Referêncial teórico
to econômico, mas que visa a melhoria na quali-
dade de vida e sustentabilidade local. Desse mo- Turismo étnico e identidadecultural
do, esta pesquisa buscou responder à seguinte
questão: o turismo étnico poderia ser um vetor de De acordo com o pesquisado, o turismo étni-
desenvolvimento local para comunidades quilom- co se enquadra como uma subdivisão do Turismo
bolas no meio urbano? Cultural, que conforme conceituação do MTUR
Como objetivo geral, procurou analisar o tu- identifica toda e qualquer atividade turística que
rismo étnico como um propulsor de desenvolvi- se relaciona com os elementos culturais e histó-
mento local para as comunidades tradicionais qui- ricos de um local, dessa forma, reconhecendo e
lombolas de Porto Alegre. Já os específicos cons- promovendo a comunidade receptora. (BRASIL,
tituem-se em: levantar a existência de oferta de 2006)
atrativos e/ou atividades de turismo étnico em ConformeSantana(2009,p.127-128)osturistas,
Porto Alegre; investigar as estratégias de sobrevi- visandoasatisfaçãodeseus desejos, buscam “par-
vência e desenvolvimento local das quatro comu- ticipar do intangível das culturas visitadas, obser-
nidades tituladas pesquisadas em Porto Alegre; e var o que se considera que as distingue fisicamen-
averiguar o potencial de inserção de atividades de te e atingir pela combinação de ambos os elemen-
turismo étnico, nestas comunidades. tos, um acúmulo de sensações que conformam a
Para a Prefeitura Municipal de Porto Alegre experiência”. Assim sendo, é possível compreen-
(PORTO ALEGRE, 2016, np), atualmente os qui- der que a identidade bem definida e estruturada
lombos urbanos são os “grupos que, em meio a de uma comunidade é um fator determinante pa-
um contexto urbano multicultural, fragmentado ra que seja inserida ao turismo de uma forma que
e em eterna dinâmica, demarcam sua identida- não saia prejudicada, ou altere seu modo devida.
42
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Segundo Martins (2003, p. 43) identidade é, ao turismo, conforme será descrito a seguir. Para
de certa forma, algo simbólico e defini a mesma Coriolano (2012) o que se espera é que o turismo
como o sentimento de pertencimento a algum venha a contribuir tanto com o aumento da qua-
grupo e/ou lugar, é relacionada a memória cole- lidade dos serviços, quanto para a qualidade de
tiva de uma comunidade, sendo externa ao indi- vida da própria comunidade anfitriã, dessa forma
víduo. Para simplificar, o autor descreve a identi- é necessário entender o turismo como uma pro-
dade como “a consequência de pertencer a um posta de conhecimento entre os povos.
grupo ou comunidade culturalmente homogênea
e socialmente definida”. O autor descreve iden-
tidade étnica como um sistema cultural que uma Comunidadestradicionais
comunidade tem por referência, formando assim
uma identidade grupal e que, para a sua existên- Os estudos realizados nos permitem apontar
cia, as comunidades precisam ser mantidas por o ano de 1989, como o marco inicial das políticas
uma cultura vivenciada no sentido comum e re- públicas para povos e comunidades tradicionais
passando-as entre seus integrantes, mantendo o a nível mundial, devido à ratificação da Conven-
sentido de pertencer. ção 169 da Organização Internacional do Trabalho
Castells (1999) corrobora com os autores, (OIT), que tratava dos direitos dos povos indíge-
quando interpreta a identidade como processu- nas e tribais no mundo. (BRASIL, 2016)
al, algo que é construído com base em atributos No Brasil, no ano de 2007, por meio do Decre-
culturais inter-relacionados, informa também que to 6040, o governo federal instituiu a Política Na-
a identidade é formada por fontes de significados cional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
para seus indivíduos. Dessa forma é visto a impor- e Comunidades Tradicionais (PNPCT), sob a co-
tância de uma identidade cultural bem definida e ordenação da Secretaria de Políticas de Promo-
estruturada para que a comunidade possa enten- ção da Igualdade Racial (SEPPIR) da Presidência
der a importância de sua cultura e o seu legado da República. (BRASIL, 2016). De acordo com o
cultural, para que, tornando-se um atrativo turís- instituído pelo Decreto nº 6.040, os povos e comu-
tico não perca sua autenticidade e busque o de- nidades tradicionais são definidos como:
senvolvimento local.
Grupos culturalmente diferenciados e que se re-
conhecem como tais, que possuem formas pró-
Desenvolvimento local prias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição pa-
Buarque (1999), explica o desenvolvimento lo- ra sua reprodução cultural, social, religiosa, an-
cal como um processo interno, que visa a melho- cestral e econômica, utilizando conhecimentos,
ria da qualidade de vida da população em ques- inovações e práticas gerados e transmitidos por
tão e movimentação econômica, representa uma tradição. (BRASIL, DECRETO Nº 6.040,2007)
transformação no fundamento da econômica e na
organização social local, explorando suas capaci- O mesmo Decreto nº 6.040, ainda define co-
dades e potenciais. mo territórios tradicionais:
Milani descreve (2007), que o desenvolvimen-
to local pressupõe uma transformação estudada Os espaços necessários a reprodução cultural,
e consciente da realidade local, isso diz respeito social e econômica dos povos e comunidades
a geração presente e uma preocupação com as tradicionais, sejam eles utilizados de forma per-
futuras, e ocorre diferente de acordo com oseu manente ou temporária, observado, no que diz
contexto. respeito aos povos indígenas e quilombolas, res-
A cerca do exposto vê-se no desenvolvimento pectivamente [...] (BRASIL, DECRETO Nº 6.040,
local uma forma de melhorar a vida do povo e de 2007).
movimentar capital, podendo criar um elo junto Entre os denominados povos e comunidades
43
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
tradicionais, além dos povos originários indíge- de cinco”, e que ressaltavam que “ainda que não
nas, estão quilombolas, ciganos, matriz africana, tenham ranchos levantados nem se achem pilões
seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco- neles”, eram incluídos em seu conceito (LEITE,
-de-babaçu, comunidades de fundo de pasto, fa- 2000, p.127). Porém seus estudos apontaram tam-
xinalenses, pescadores artesanais, marisqueiras, bém como uma reação a situação opressiva. Ci-
ribeirinhos, varjeiros, caiçaras, praieiros, sertane- tando Birmigham (1974) sugere que “o quilombo
jos, jangadeiros, ciganos, açorianos, campeiros, se origina na tradição mbunda, através de organi-
varzanteiros, pantaneiros, caatingueiros, entre ou- zações clânicas, e que suas linhagens chegam até
tros. (BRASIL, SEPPIR, 2016) o Brasil através dos portugueses”. (BIRMIGHAM4,
Segundo Araújo (2007) em estudo do Progra- 1974 apud LEITE, 2000, p.127)
ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento Para Munanga o quilombo brasileiro é, sem
(PNUD), sobre as adaptações de políticas para o dúvida, uma cópia do quilombo africano recons-
atendimento a comunidades tradicionais no Bra- tituído pelos escravizados para se opor à estrutura
sil, as Comunidades Tradicionais constituem apro- escravocrata, através da implantação de outra es-
ximadamente cinco milhões de brasileiros e ocu- trutura política na qual se encontravam os oprimi-
pam cerca de ¼ do território nacional. Devido a dos. (MUNANGA5, 1995, apud LEITE, 2000)
sua constituição histórica, pobreza e desigualda- Assim, destaca que popularmente no Brasil
de a que foram submetidas, acabaram vivendo há muitas variações no significado da palavra qui-
em isolamento geográfico e/ou cultural, o que lombo, como apresentado do quadro 1 (ao lado).
lhes colocou em situação de maior vulnerabilida- Conforme Leite (2000), esta vastidão de signifi-
de socioeconômica e a serem maiores alvos de cados, como concluem vários estudiosos da ques-
discriminação racial, étnica e também religiosa. tão, “favorece o seu uso para expressar uma gran-
Desta forma, tendo como objetodesteestudo,as de quantidade de experiências, um verdadeiro
comunidadestradicionaisquilombolasdePortoAle aparato simbólico a representar tudo o que diz res-
gre,sefaz necessário também uma maior compre- peito à história das américas”. (LEITE, 2000, p.127)
ensão sobre este tipo de comunidade tradicional, Fazendo um levantamento das abordagens
como veremos na próximaseção. feitas pela historiografia brasileira, Lopes, Siqueira
e Nascimento (LOPES, SIQUEIRA; NASCIMENTO,
1987, apud LEITE, 2000, p.128) chamam a atenção
Os quilombos - origem elegados para os dois extremos em que o quilombo é enfo-
cado: a) a partir do ideário liberal, proveniente dos
Conforme Leite (2000), em estudo sobre os princípios de igualdade e liberdade da Revolução
quilombos no Brasil, suas questões conceituais e Francesa, em que é romanticamente idealizado; b)
normativas, a expressão quilombo é usada desde ou, sob o viés marxista-leninista, no qual é asso-
o período colonial e aponta que “quilombo é um ciado à luta armada, “como embriões revolucioná-
conceito próprio dos africanos bantos que vem rios em busca de uma mudança social”.
sendo modificado através dos séculos. (...) Quer Para Lopes, Siqueira e Nascimento (1987), a
dizer acampamento guerreiro na floresta, sendo própria generalização do termo teria se origina-
entendido ainda em Angola como divisão admi- do da dificuldade dos historiadores em ver o fe-
nistrativa” (LOPES, SIQUEIRA; NASCIMENTO3 nômeno enquanto dimensão política de uma for-
1987, apud LEITE, 2000, p. 127). mação social diversa. Assim o termo passa a per-
E segue considerando que o Conselho Ultra-
marino Português de 1740 definiu quilombo como
“toda habitação de negros fugidos que passem 4 BIRMIGHAM, D. A conquista portuguesa em Angola. Lisboa: A
Regra do Jogo/História, 1974.
5 MUNANGA, K. Identidade, cidadania e democracia: algumas
reflexões sobre os discursos anti-racistas no Brasil. In: QUINTAS, F.
3 LOPES, H. T.; SIQUEIRA, J. J.; NASCIMENTO, B. Negro e cultura (Org.). O negro: identidade e cidadania. Recife: Fundação Joaquim
negra no Brasil. Rio de Janeiro: UNIBRADE: UNESCO, 1987. Nabuco: Massangana, 1995.
44
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
ASSOCIAÇÕES SIGNIFICADO
Um povo Era um povo que vive neste lugar e as várias etnias que o compõem
Local de práticas condenadas pela sociedade Lugar público onde se instala uma casa de prostitutas
Fonte: elaboração da autora, baseado em Lopes, Siqueira e Nascimento 1987, apud Leite, 2000
sistir principalmente para indicar as mais variadas zes, reaparece em novos lugares, como verdadei-
manifestações de resistência. (LOPES, SIQUEIRA; ros focos de defesa contra um inimigo sempre ao
NASCIMENTO, 1987, apud LEITE, 2000) lado”.
Para Leite (2000), as abordagens socioantro- Desta forma Leite aponta que para Moura “o
pológicas a partir da década de 1970, buscaram quilombo vira fato normal na sociedade escravis-
enfatizar os aspectos organizativos e políticos dos ta” e permanece até os dias atuais. Esse “fato nor-
quilombos. E Moura (1987), é um dos autores que mal” levantado por Moura é elucidativo para des-
enfatiza os quilombos como forma de organiza- crever o fenômeno na atualidade, “já que o des-
ção política, explicitando: locamento, o realocamento, a expulsão e a reocu-
pação do espaço pelos grupos vêm reafirmar que,
Essas comunidades de ex-escravos organiza- mais do que uma exclusiva dependência da terra,
vam-se de diversas formas e tinham proporções o quilombo faz da terra a metáfora para pensar o
e duração muito diferentes. Havia pequenos qui- grupo e não o contrário”. (MOURA, 1987, apud
lombos, compostos de oito homens ou pouco LEITE, 2000)
mais; eram praticamente grupos armados. No Conforme Leite (2000, p. 338), o caráter de-
recesso das matas, fugindo do cativeiro, muitas fensivo dos quilombos começa a mudar, em par-
vezes eram recapturados pelos profissionais de te, com a Abolição, quando mudam as táticas de
caça aos fugitivos. Criou-se para isso uma pro- expropriação, e a partir de então a situação dos
fissão específica. [...] Como podemos ver, a mar- grupos passa a corresponder a outra dinâmica, “a
ronagem nos outros países ou a quilombagem da territorialização étnica como modelo de con-
no Brasil eram frutos das contradições estrutu- vivência com os outros grupos na sociedade na-
rais do sistema escravista e refletiam, na sua a cional”. Por outro lado, aponta que se inicia uma
dinâmica, em nível de conflito social, a negação longa etapa de construção de identidade destes
desse sistema por parte dos oprimidos. (MOU- grupos, “seja pela formalização da diferenciação
RA, 1987, apud LEITE, 2000, p. 12-13) étnico-cultural no âmbito local, regional e nacio-
nal, seja pela consolidação de um tipo específi-
Este autor conforme destaca Leite (2000, p. co de segregação social e residencial dos negros,
128), traz de volta a ideia de quilombo “como fe- chegando até os dias atuais”.
nômeno, como uma forma de organização, pois De acordo com Leite (2000) o debate ganha
irá aparecer em todos os lugares onde ocorreu o cenário político nacional, a partir da promulga-
a escravidão.”E destaca como sua característica ção da Constituição Federal em 1988, cujo artigo
mais significativa justamente sua capacidade or- 68 das Disposições Transitórias prevê o reconhe-
ganizativa, visto que “destruído dezenas de ve- cimento da propriedade das terras dos remanes-
45
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
46
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
EIXOS AÇÕES
Garante a execução dos trâmites necessários para a regularização de nível fundiário das áreas
Acesso à terra já tradicionalmente ocupadas pelos quilombos, é o passo inicial para a titulação da área como
quilombola.
Baseia-se na identidade cultural quilombola e nos recursos naturais que existem no território,
Inclusão Produtiva e
apoiando a autonomia econômica e o desenvolvimento local, tendo
Desenvolvime nto Local
em vista a sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política das comunidades.
Impulsiona as iniciativas que garantem os direitos promovidos por diferentes órgãos públicos e
organizações civis, fomentando a participação dos representantes quilombolas nos espaços coletivos
Direitos e Cidadania
e participação social, promovendooalcancedascomunidadesaoconjuntodeaçõesdeterminadaspelo
governo.
47
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
ETAPA DESCRIÇÃO
A comunidade quilombola, assim como qualquer outro grupo social, tem direito a autodefinição. Para
Autodefinição quilombola regularizar seu território, o grupo deve apresentar ao INCRA a certidão de autorreconhecimento, emitida
pela Fundação Cultural Palmares - FCP
Os interessados têm até 90 dias, após a publicação e as notificações, para contestarem o RTID, junto à
Publicação do RTID Superintendência Regional do INCRA, juntando as provas pertinentes. Do julgamento das contestações
caberá recurso único ao Conselho Diretor do INCRA Sede, no prazo de 30 dias a contar da notificação.
A fase de identificação do território encerra-se com a publicação de portaria do Presidente do INCRA, que
Portaria e
reconhece os limites do território quilombola no Diário
Reconhecimento
Oficial da União e dos estados.
Nos casos em que há imóveis privados (títulos ou posse) incidentes no território, é necessária a publicação
Decreto e
de Decreto Presidencial de Desapropriação por Interesse Social (Presidência da República). Os imóveis
Desapropriação
desapropriados serão vistoriados conforme os preços de mercado.
O Presidente do INCRA realizará a titulação conforme a outorga de título coletivo, imprescritível e pró-
Titulação indiviso à comunidade, em nome de sua associação legalmente constituída, sem nenhum ônus financeiro.
É proibida a venda e penhora do território.
Rio Grande do Sul, ocupa, o 4º (quarto) lugar em nitoramento o Programa Brasil Quilombola apre-
titulações no país, o que representa atualmente senta a renda média per capta das famílias quilom-
15 territórios certificados e em processo de titula- bolas (Figura 1), segundo o Cadastro Único para
ção, sendo os listados no quadro 4 (ao lado). Po- Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico),
rém além destes, conforme dados da SEPPIR, IN- coordenados pelo Ministério do Desenvolvimento
CRA e também do mapa das titulações das terras Social e Combate a Fome. Este é um instrumento
quilombolas mantido pela Comissão Pró Índio de que identifica e faz a classificação das famílias, para
São Paulo (CPISP), outros 91 (noventa e um) terri- o seu correto atendimento, considerando de bai-
tórios encontram-se em processo de titulação no xa renda aquelas que têm: a) renda mensal de até
estado do Rio Grande do Sul. meio salário mínimo por pessoa; ou b) renda men-
O Segundo Eixo da Agenda Social Quilom- sal total de até três salários mínimos. (BRASIL, 2016)
bola, que trata da Infraestrutura e Qualidade de Conforme exposto na figura 1 (ao lado), a ren-
Vida das comunidades e para seus habitantes, da média per capta das 82 mil famílias quilombo-
apresentado no monitoramento realizado pelo las cadastradas apresenta diferentes faixas de va-
Programa Brasil Quilombola, aponta que 77,7% lor por estado, porém todas enquadradas na faixa
dos territóriosquilombolasnoBrasilsãodomicílios de baixa renda apontada pelo CadÚnico, e no es-
ruraise22,3%sãodomicíliosurbanos. E no estado tado do Rio Grande do Sul, estando também abai-
do Rio Grande do Sul, das 2.320 famílias quilom- xo de meio salário mínimo nacional ou regional8.
bolas cadastradas, 74,8% têm domicílio rural con- Destas 82 mil famílias, 80% recebem Bolsa Fa-
tra 25,2% com domicílio urbano. (BRASIL,2016).
Quanto ao Terceiro Eixo, que trata do Desen-
volvimento Local e Inclusão Produtiva, em seu mo- 8 Salário mínimo nacional em 2016 (R$ 871,50) e no RS (R$ 1006,88)
48
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
49
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
mília e 73,9% se declaram trabalhadores extrati- tras cidades do interior onde também encontra-
vistas. Para combater a desigualdade social, nes- ram dificuldades de acesso ao trabalho e condi-
te eixo estão previstas nas ações do INCRA, e ou- ções dignas de vida, a exemplo o casal que deu
tros Ministérios relacionados como o Ministério origem a Família Silva e mais recentemente a Fa-
do Desenvolvimento Social e Combate a Fome mília Fidelix. (GEHLEN; RAMOS,2008)
(MDS) e Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA) ações integradas, de fomento à produção
diversificada de alimentos, como forma de garan- Quilombo do Areal ou Areal da Baronesa
tir renda a partir da exploração da terra, via aces-
so ao Programa Nacional da Agricultura Familiar Atualmente cerca de 80 famílias vivem em
(PRONAF), e Programa de Aquisição de Alimen- uma das últimas “avenidas” da região, a Luís
tos (PAA), bem como à Assistência Técnica e Ex- Guaranha, historicamente ocupada por famílias
tensão Rural (ATER). negras, cujos integrantes trabalham como ser-
O quarto Eixo, que trata da defesa dos Di- ventes, marceneiros, eletricistas, domésticas, bri-
reitos e Cidadania, busca através da garantia de gadianos (policiais militares), (GHELEN; RAMOS,
acessos a direitos básicos como saúde e educa- 2008), entre outros serviços prestados em espaço
ção, acesso a internet, água de qualidade e ener- urbano, visto ser localizado no atual bairro Meni-
gia elétrica, promover a inclusão e o bem estar so- no Deus, intensamente urbanizado conforme vis-
cial. Com o somatório das ações e programas dos to na figura 2.
4 Eixos da Agenda Social Quilombola, e espera-se
que também através da valorização dos seus sa- Figura 2 – Localização do Quilombo do Areal
beres e fazeres ancestrais, novas e diversificadas
estratégias de sobrevivência sejam geradas, co-
mo forma de garantir sua permanência na terra,
com qualidade de vida. (BRASIL, 2016)
50
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Alegre, famoso por ser isolado, pelas casas de re- dentes. Na década de 1950, iniciaram-se as obras
ligião, pelo carnaval de rua e por seus músicos po- de retificação do Riacho, e acelera-se o processo
pulares”. Apesar de chamarem de avenida, ocupa progressivo de urbanização, mas a “Avenida Luís
um beco, uma pequena ruac om casas gemina- Guaranha” permaneceu da mesma forma e seus
das, a “Avenida Luis Guaranha”. moradores se reconhecem e são reconhecidos co-
O Arraial da Baronesa era uma extensa área mo os legatários deste antigo território negro que
de terra que pertencia a João Baptista da Silva era o Areal da Baronesa. (GEHLEN; RAMOS,2008)
Pereira, o Barão de Gravathay. “A denominação
de Areal da Baronesa, por sua vez, tem seu no-
me ligado tanto à Baronesa de Gravatahy quanto Procedimentos
à grande quantidade de areia que o fluxo do ria- metodológicos
cho depositava nas proximidades da sua foz com
o Guaíba”. (GEHLEN; RAMOS, 2008, p.32) O procedimento metodológico aplicado foi
Conforme Gehlen e Ramos (2008) com as uma pesquisa de natureza qualitativa, de forma
constantes cheias do Areal e os consequentes que permitisse entender a realidade dos espaços
alagamentos, a herdeira da chácara a Baronesa a serem estudados (RUCRADSON, 2014). Para a
do Gravatahy, já com avançada idade, procedeu seleção dos atores pesquisados, que atendessem
com a solicitação junto à Câmara para a divisão e ao objetivo geral da pesquisa, iniciamos aproxi-
arruamento da área, o que brevemente foi aten- mação com a área de estudo, através de um levan-
dido. Posteriormente à sua morte e à abolição da tamento bibliográfico e de outros estudos acadê-
escravidão, o Areal foi ocupado por negros alfor- micos já realizados.
riados da senzala da chácara que passaram a tra- O estudo inicial nos deu elementos para a
balhar também nos solares da região. definição do universo da pesquisa, bem como da
Além da identidade cultural e étnica deste amostra necessária, o que nos levou a optar pela
território, a ideia de ocupação territorial negra já amostragem por acessibilidade, por ser um tipo
estava presente anteriormente (início do séc. XIX), de não probabilística normalmente aplicada a es-
quando esta parte da cidade era conhecida como tudos exploratórios e qualitativos, que possibilita
“Emboscadas”, visto que servia de refúgio para- ao pesquisador a escolha dos “elementos a que
os escravos fugitivos também ‘criminosos’, que se tem acesso”. (GIL, 1989, p. 104).
aproveitavam da dificuldade de acesso provoca- Desta forma, apesar de termos inicialmente
do pela densa vegetação e relevo local. (GEHLEN; definido como meta a realização de entrevistas
RAMOS, 2008) com todos os órgãos de gestão pública relativos
As representações negativas sobre o Areal ao tema, sendo a Secretaria Municipal de Turismo
e os demais territórios negros foram veiculadas (SMTUR), a Secretaria Municipal de Cultura (SMC)
através das crônicas quase diárias dos periódicos e a Secretaria Adjunta do Povo Negro (SAPN) e
da época, e colaboraram com um novo projeto de com as quatro comunidades tradicionais quilom-
“cidade ordenada”, os becos e cortiços foram eli- bolas já tituladas de Porto Alegre,optou-se pela
minados, e os mais atingidos neste processo de abordagem a duas destas, sendo o Quilombo do
“limpeza” e reordenamento espacial localizavam- Areal e o Quilombo Fidélix, visto serem as de mais
-se na área central da cidade e beco após beco se fácil acesso pela articulação e envolvimento com
procedeu com o processo de expulsão da popu- outras ações de acesso público, sendo que destes
lação negra do Areal. (GEHLEN; RAMOS, 2008) somente o Quilombo do Areal da Baronesa, acei-
No início do século XX, com o adensamento- tou participar e colaborar com a pesquisa.
populacional, e a abertura de ruas perimetrais, a Entre os órgãos públicos envolvidos, deram-
Cidade Baixa, tornou-se uma zona cada vez mais -nos retorno e manifestaram apoio e interesse
urbanizada. Mas o Areal continuou com precárias e colaboraram para a realização da pesquisa a
condições de saneamento e salubridade, e sen- SMTUR e a SAPN. Também consideramos rele-
do moradia da população pobre de afrodescen- vante destacar a colaboração voluntária que re-
51
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
cebemos do Sr. Manoel José Ávila da Silva, um em determinado lugar, o turismo pode trazer al-
dos idealizadores do Projeto Territórios Negros, gum impacto, gerando alguma mudança na cul-
referenciado pela comunidade e poder público, tura local. Para a SMTUR os locais visitados pos-
o qual, fez questão de colaborarcomapesquisa. suem potencial turístico, porém ainda carecem de
Destaca-se que para a entrevista do Sr. Manoel melhorias em áreas que são precedentes ao turis-
José Ávila da Silva a pesquisa foi adaptada, sen- mo, não sendo viável, no momento, a inclusão dos
do gerado um novo questionário direcionado a mesmos nas ofertas turísticas da cidade de Porto
ele, visto que não mais representa um órgão do Alegre, de acordo com a SAPN, também há po-
poder público. tencial em algumas comunidades e não é citada
O procedimento de coleta de dados realiza- a necessidade de melhorias.
do foi uma entrevista semiestruturada e o instru- Quanto ao segundo objetivo se procurou in-
mento dessa entrevista foi um roteiro de pesquisa vestigar as estratégias de sobrevivência e desen-
semiestruturado em forma de questionário, pois“ volvimento local das comunidades tituladas pes-
um questionário pode ser convertido num rotei- quisadas em Porto Alegre. Assim a entrevista
ro de entrevista e vice-versa”. (GIL, 1989, p.123). identificou que a comunidade pesquisada possui
diversos projetos e programas que utilizam de su-
as capacidades e visam a melhoria da qualidade
Considerações finais de vida das pessoas que compõem a comunida-
de, que vai ao encontro de Buarque (1999) des-
Embasada nas referências teóricas, metodo- creve que uma comunidade, ao explorar as suas
logia apontada e área de estudo é que buscamos potencialidades e capacidades, agem na transfor-
aqui responder o problema de pesquisa levanta- mação e na movimentação econômica da mes-
do, o objetivo geral e os específicos. Desta forma, ma. Projetos que, em alguns casos, fazem parte
o presente trabalho de pesquisa procurou desen- do resgate cultural e da identidade local da co-
volver três eixos de investigação, de acordo com munidade que, conforme as indicações de Mar-
os objetivos específicos estabelecidos. tins (2003) a identidade é definida pelo sentimen-
No primeiro objetivo específico se buscou le- to de pertencimento das pessoas a comunidade/
vantar a existência de oferta de atrativos e/ou ati- grupo, dessa forma, é relacionada à memória co-
vidades de turismo étnico em Porto Alegre, pa- letiva da comunidade, como é o caso do projeto
ra isso foram entrevistadas as duas secretarias carnavalesco Areal do Futuro e das festas tradicio-
SMTUR e SAPN. As entrevistas apontaram que a nais que ocorrem anualmente, como as de matriz
cidade possui, pelo menos, dois tipos de comuni- de religião africana.
dades tradicionais, indígenas e quilombolas, que Quanto ao terceiro e último objetivo, de ave-
conforme o Decreto nº 6.040 são “grupos cultural- riguar o potencial de inserção de atividades de
mente diferenciados e se reconhecem como tais” turismo étnico, nestas comunidades, se verificou
[...] e possuem seus territórios definidos, “espaços que a comunidade Areal da Baronesa se enxer-
necessários à reprodução cultural, social e eco- ga como atrativo turístico em potencial, que para
nômica dos povos e comunidades tradicionais” os autores Duque e Mendes (2006), auxilia na im-
(BRASIL, DECRETO Nº 6.040, 2007). plantação de um turismo saudável em virtude da
Porém, de acordo com a representante da comunidade possuir uma boa autoestima. E que
SMTUR e do idealizador do Projeto Territórios Ne- estaria disposta a elaboração de um projeto que
gros, as comunidades ainda não estariam propria- agregasse valor e novas oportunidades, para que
mente aptas a receber turistas, sendo necessária a houvesse aceitação de toda a comunidade para
criação de um projeto mais estruturado para tor- o recebimento de turistas, além das festas/proje-
narem-se aptas a receber visitas sem o fato impac- tos/programas existentes que são abertos ao pú-
te negativamente nas mesmas, o que confirma os blico.
apontamentos de Banducci e Barreto (2001) de Assim, com os relatos das entidades envolvi-
que, dependendo da forma que for implantado das, reforçadas pelo referencial teórico se tem co-
52
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
ARAUJO, K. Povos tradicionais terão políticas adaptadas. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
- PNUD BRASIL, 2007. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=1558> Acesso em 28 mai.2016.
BANDUCCI, Álvaro; BARRETTO, Margarita; Turismo e identidade local. Campinas/SP: Papirus, 2001.
BAQUERO, M. A. Pesquisa Quantitativa nas Ciências Sociais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.
BRASIL. Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República - SEPPIR. Painéis
de monitoramento PBQ. Disponível em: <http://monitoramento.seppir.gov.br/paineis/pbq/index.vm?eixo=1>
Acesso em: 10 jun.2016.
BRASIL. Ministério do Turismo. Turismo Cultural: orientações básicas, 2010. Disponível em: <http://www.turismo.
gov.br/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/Turismo_Cultural_Versxo_Final_
IMPRESSxO_.pdf> Acesso em: 28 mar. 2016
53
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
CARDOZO. P. F. Possibilidades e limitações do turismo étnico: a presença árabe em Foz do Iguaçu. 2004.
Programa de pós-graduação - Mestrado em Turismo. Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2004.
Disponível em: <http://www.ibeipr.com.br/conteudo/academicos/cardozo.pdf> Acesso em: 28 mar. 2016
CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA - IPA. Manual para apresentação de projetos (TCC I) e trabalhos de
conclusão de curso. Porto Alegre, 2015.
COMISSÃO PRÓ ÍNDIO DE SÃO PAULO. Terras em processo de titulação por UF: Rio Grande do Sul. Disponível
em: <http://www.cpisp.org.br/terras/asp/terras_mapa.aspx?UF=rs&VerTerras=r>Acesso em: 10 jun. 2016.
DENCKER, A. F. M. Métodos e técnicas de pesquisa em turismo. - 7. Ed. - Reimpr. São Paulo: Futura, 2003.
DUQUE. Renato Camara; MENDES; Catarina Lutero; O Planejamento turístico e a cartografia. Campinas/SP:
Editora Alínea, 2006.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de Turismo Social. - 2. Ed. - São Paulo: Atlas, 1989 INSTITUTO NACIONAL DE
COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Etapas da Regularização Quilombola. Disponível em: <http://www.
incra.gov.br/estrutura-fundiaria/quilombolas> Acesso em: 07 maio 2016
JORNAL ZERO HORA. Projeto Territórios Negros abre participação para o público em geral. Disponível em:
<http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto-alegre/noticia/2014/06/projeto-territorios-negros-abre-participacao-para-o-
publico-em-geral-4523085.html> Acesso em: 07 nov.2016.
54
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
LEITE, I, B. Os Quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Etnográfica, Vol. IV (2), 2000, pp. 333-354.
Disponível em: http://ceas.iscte.pt/etnografica/docs/vol_04/N2/Vol_iv_N2_333-354.pdf> Acesso em 15 mai. 2016.
MARQUES, O. R. Entre a avenida Luís Guaranha e o Quilombo do Areal: estudo etnográfico sobre memória,
sociabilidade e territorialidade negra em Porto Alegre/RS. In: Prêmio ABA/MDA Territórios Quilombolas /
Associação Brasileira de Antropologia Organizador – Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, Núcleo
de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2006. Disponível em: <http://sistemas.mda.gov.br/aegre/
arquivos/0785712849.pdf> Acesso em: 20 mai.2016.
MILANI, Carlos R. S. Nem cola, nem lubrificante sociológico, mas campo eletromagnético: as metáforas do
Capital Social no campo do desenvolvimento local.REDES,SantaCruzdoSul,v.12,n.1,p.195-224jan/abr.2007.
Disponívelem: < ifbae.com.br/congresso6/pdf/40.pdf> Acesso em: 12 abr 2016
PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Apresentação: Secretária Adjunta do Povo Negro. Disponível
em: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/gpn/default.php?p_secao=30> Acesso em: 09 maio 2016 - Não
Páginado
PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Companhia Carris Porto Alegrense. Territórios Negros: parceria
promove passeios. Disponível em: <http://www.carris.com.br/default.php?p_noticia=135056> Acesso em: 09
maio2016 - Não Páginado
RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas / Roberto Jarry Richardson; colaboradores José
Augusto de Souza Peres. (et al.) - 3. Ed - 15. Reimpr. - São Paulo: Atlas, 2014.
SANTANA, Augustín. Antropologia do turismo. / tradução Eleonora Barretto. São Paulo: Aleph, 2009.
55
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Resumo
O presente trabalho possui como tema central propor uma reflexão sobre o atual cenário da aviação civil brasileira, tendo como foco
principal apresentar os impactos observados a partir da decadência da VARIG e todos os reflexos percebidos diante desse novo con-
texto. Tem por objetivo identificar a alteração no fluxo de passageiros e participação de cias aéreas no mercado da aviação civil pós
VARIG, assim como mapear a efetividade de recolocação no mercado de trabalho de ex-funcionários da empresa, além de caracterizar
a situação da malha aérea da aviação civil brasileira no que se refere à concessão de rotas anteriormente operada pela VARIG. Como
base para o referencial teórico foram utilizados temas que contextualizam a história da Cia VARIG, estudo da transição da malha aérea
com base no período em que a VARIG operava e após interromper os trabalhos. Este estudo de caso foi dividido em duas etapas, a
primeira utilizando o método de pesquisa qualitativa, com o levantamento de dados compreendido pela aplicação de questionários
eletrônicos com os ex-funcionários da Cia VARIG e após o levantamento dos dados, os mesmos foram analisados indicando que, as
Cias aéreas não absorveram toda a gama de rotas que a VARIG operava, deixando assim alguns destinos desprovidos deste serviço,
em sua totalidade os ex-funcionários recolocaram-se no mercado de trabalho, em até um ano porém com um salário menor do que
na antiga cia em que trabalhavam, e que, mesmo sem terem recebido as verbas rescisórias, contribuído durante todo os anos em que
trabalhavam na empresa para o sistema de aposentadoria AERUS e ter trabalhado de 5 a 22 anos na VARIG, caracterizaram seu traba-
lho como satisfeito a muito satisfeito na empresa, talvez por motivos óbvios, pois é perceptível que a Cia era e ainda é lembrada no
setor da aviação como referência mundial até os dias de hoje.
Palavras-chave: Turismo. Aviação. VARIG. Malha Aérea.
Abstract
The main objective of the present work is to propose a reflection on the current scenario of Brazilian civil aviation, with the main focus
being on the impacts observed from the decay of VARIG and all the reflexes perceived before this new context. It aims to identify the
alteration in passenger flow and air carrier participation in the civil aviation market after VARIG, as well as to map the effectiveness of
replacement in the labor market of ex-employees of the company, besides characterizing the situation of the air network of the Brazilian
civil aviation with regard to the concession of routes previously operated by VARIG. As a basis for the theoretical reference, we used
themes that contextualize the history of the VARIG CIA, study of the transition of the aerial network based on the period in which the
VARIG operated and after interrupting the work. This case study was divided in two stages, the first one using the qualitative research
method, with the data collection comprised by the application of electronic questionnaires with the ex-employees of Cia VARIG and
after the data collection, they were analyzed indicating that the airlines did not absorb the full range of routes operated by VARIG, thus
leaving some destinations devoid of this service, in their totality the former employees re-entered the labor market, within a year but with
a lower salary of who, even though they did not receive the severance pay, contributed throughout the years they worked for the AERUS
retirement system and worked from 5 to 22 years at VARIG, characterized their work as satisfied to very satisfied in the company, perhaps
for obvious reasons, since it is noticeable that the CIA was and still is remembered in the aviation sector as a reference world to this day.
Keywords: Tourism. Aviation. VARIG. Route network.
56
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
E
ste trabalho possui como tema central ana- do do Rio Grande do Sul e do Brasil, se tornando
lisar o cenário de 10 anos após a falência da referência na qualidade dos serviços prestados, e
VARIG e os seus Impactos no mercado da que ao longo de 79 anos realizou o sonho de mi-
aviação civil. Assim sendo, será feita análise de in- lhares de passageiros de voar pela primeira vez.
dicadores referentes aos impactos da falência da Contudo em meados de 2005 a Cia vinha perden-
VARIG no mercado da aviação civil brasileira. Se- do espaço no mercado, e decretou falência em
rão considerados os seguintes aspectos: recursos meados de 2006. (HELMS, 2010)
humanos, recolocação de mercado, e composi- Desta forma este trabalho será focado nos im-
ção das rotas. A pesquisa foi aplicada com amos- pactos observados após a decadência da VARIG,
tra de ex-colaboradores da referida Cia. aérea, levando esta empresa de tamanha tradição a pra-
bem como análise comparativa entre principais ticamente cessar com suas atividades no ano de
rotas operadas pela VARIG ( De POA para as de- 2006, todos os reflexos que o mercado da Avia-
mais capitais brasileiras) com aquelas atualmente ção Civil brasileira identificou até os dias de hoje
operadas pelas cias aéreas vigentes no mercado. e de que forma agiu a partir destes. Tendo enfo-
A pesquisa ocorreu entre os meses de Janeiro e que em quais medidas tomadas pela empresa se
Abril de 2017. A pesquisa busca ainda responder fizeram efetivas no tocante a quitação das resci-
ao seguinte problema: Partindo do pressuposto sões, recolocação dos ex-funcionários no merca-
de que, historicamente, desde sua concepção, do de trabalho entre outras e quais medidas não
até o seu apogeu de desenvolvimento, a VARIG se foram efetuadas.
constituiu como uma das maiores referências no
tocante à prestação de serviços aéreos, pergunta-
-se: Passados 10 anos de seu declínio, que impac- Referencial teórico
tos ainda são percebidos no mercado da aviação
civil brasileira no tocante à recursos humanos, re- Varig e aviação civil brasileira
colocação do mercado, e composição das rotas.
Como objetivo geral, busca-se propor uma Falar de aviação civil sem mencionar a VARIG
reflexão sobre o cenário da aviação civil brasilei- no tocante ao cenário brasileiro parece algo im-
ra, tendo como foco os impactos observados a provável, na medida em que a história desses te-
partir da decadência da VARIG e todos os desdo- mas muitas vezes se confunde e se complementa.A
bramentos/reflexos percebidos diante desse no- Viação Aérea Rio-Grandense (VARIG) e a Sindica-
vo contexto. to Condor, esta resultante da nacionalização da
Já os objetivos específicos deste estudo se- Condor Sindikat se constituíram e registraram-se
rão: Caracterizar o mercado da aviação civil bra- como empresas de aviação, e obtiveram conces-
sileira pós VARIG; Mapear a efetividade de reco- são para usufruir de suas linhas pioneiras (MALA-
locação no mercado de trabalho de ex-colabora- GUTTI, 2001).
dores da empresa; Caracterizar a situação da ma- Para Palhares (2002), em se tratando do princí-
lha aérea da aviação civil brasileira no tocante à pio de suas operações, a cia aérea VARIG foi regis-
manutenção de rotas anteriormente operada pe- trada em maio de 1927 e obteve autorização do
la VARIG. governo para operar a partir de junho de 1927, já a
Segundo Palhares (2002), o transporte voltado Sindicato Condor teve seu registro concedido em
para o turismo, pode-se considerar como uma ati- dezembro de 1927 e passou a operar em julho de
vidade que interliga a origem de uma viagem tu- 1928. Em decorrência das restrições governamen-
rística a um determinado destino e vice-versa. In- tais em 1943 a empresa alemã, já nacionalizada te-
terligando assim, vários destinos turísticos entre si, ve seu nome alterado durante a Segunda Guerra
corroborando para que os visitantes se desloquem Mundial, passando de Serviços Aéreos Condor a
dentro do mesmo destino primário ou secundário. Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul.
57
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Ainda antes de 1927, a história da Varig se ini- dos voos e serviços, alterações na política econô-
ciava no ano de 1921, quando Otto Ernst Meyer, mica do país, extraindo das empresas aéreas o
ex- oficial da força aérea alemã e empreendedor, benefício de utilização do dólar preferencial para
imigrou para o Brasil, passou a trabalhar nas em- importações.
presas têxteis dos irmãos Lundgreen, em Recife, Ainda conforme o referido autor, com a incor-
mas seu sonho era fundar uma empresa de avia- poração de aeronaves mais modernas e de maior
ção comercial. Foi morar no Rio de Janeiro, onde porte, as empresas aéreas perceberam que se fa-
trabalhou na agência de passagens marítimas da ria necessário modificar sua rede de linhas, por
empresa Theodor Wille, mas o amor pela aviação conseguinte acabaram optando por prestar servi-
e a ideia de abrir uma empresa no setor continu- ço apenas às cidades de maior fluxo de passagei-
avam vivos. Algum tempo depois, mudou-se pa- ros e de maior expressão econômica. As cidades
ra Porto Alegre em função do clima mais ameno menores acabaram por não possuir mais os servi-
e da numerosa colônia alemã ali existente (HEL- ços aéreos das cias, pois, o aeroporto geralmen-
MS, 2010). te era precário e a pista de pouso e decolagem
Após alguns anos e sempre tentando orga- não era pavimentada adequadamente, uma vez
nizar uma empresa aérea no Brasil, em 1926, Ot- que no passado eram servidas por aeronaves de
to conseguiu finalmente interessar algumas per- pequeno porte, simplesmente não mais dispuse-
sonalidades do estado do Rio Grande do Sul pa- ram do serviço.
ra que eles contribuíssem de alguma forma, pelo Em detrimento destas problemáticas, foi ela-
fascínio da aviação ou financeiramente, para que borado pelo Ministério da Aeronáutica, proposto
assim sua ideia pudesse se materializar. pelo Decreto nº 76.590, em novembro de 1975,
Orientado pelo major Alberto Bins, ingressou uma nova modalidade de empresa aérea, a em-
com um pedido ao governo do estado do Rio presa regional, onde cada uma operaria exclusiva-
Grande do Sul de isenção de impostos estaduais mente uma determinada região, inseridas no no-
para a sua nova empresa, o que foi concedido no vo sistema de Transporte Aéreo regional que pro-
final de 1926, quando Otto Ernst Meyer vai à Ale- punha possibilitar a utilização, em maior escala,
manha trazer o primeiro avião da Varig, o hidroa- da aeronave Bandeirante, lançada pela Embraer.
vião Atlântico. Em abril de 1927, o projeto de lei Surgindo assim as empresas Nordeste Linhas Aé-
da nova empresa foi apresentado e discutido em reas Regionais (NORDESTE), Serviços Aéreos Re-
assembleia preparatória para a formação da em- gionais (RIO-SUL), Taba Linhas Aéreas (TABA), Tá-
presa. Em maio do mesmo ano, a assembleia ge- xi Aéreo Marilia (TAM) e Votec Linhas Aéreas (VO-
ral reuniu os 550 acionistas para fundar a primei- TEC) (MALAGUTTI, 2001).
ra empresa aérea brasileira, com sede em Porto O final da década de 80 foi pontuado por uma
Alegre. Otto Ernst Meyer foi eleito o primeiro di- nova ordem política, a qual, por sua vez, possibi-
retor-gerente da Varig. Em 1933, a Varig já opera- litou igualmente a criação de uma nova política
va em quase todo o estado do Rio Grande do Sul de flexibilização tarifária. Dessa forma, o Ministé-
e a frota já aumentava, bem como progredia no rio da Aeronáutica, por intermédio do Departa-
conceito face às autoridades e público em geral mento de Aviação Civil (DAC), abandonou o regi-
(BETING, G.; BETING, J, 2009). me de fixação dos preços das passagens aéreas,
De acordo com Malagutti (2001) a aviação substituindo-o pelo estabelecimento de uma fai-
comercial brasileira na década de 60 alcançava o xa de variação dos preços em torno de um valor
ápice da crise econômica, tendo como principais fixado pelo DAC. Com base nessa política, corres-
causadores a baixa rentabilidade do Transporte pondente à tarifa básica. Iniciava então a 3ª fase
Aéreo, provocada pela concorrência excessiva; a da evolução da política para o Transporte Aéreo
necessidade de novos investimentos para inova- (MALAGUTTI, 2001).
ção da frota, tendo em vista a substituição das ae- Nesse cenário, ainda em meados de 1994 e
ronaves pós- guerra, pois a manutenção tornou-se no início de 1995, mudanças profundas na em-
impraticável, afetando desta forma a regularidade presa e na própria Fundação foram apresentadas
58
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
pelo Sr. Carlos Luiz Martins Pereira e Souza, em favorável a ajudar o setor de aviação civil. O go-
assembleias realizadas no Rio de Janeiro. Nessas verno incentivou a formação de um acordo entre
ocasiões, Luiz Martins colocou a questão da im- VARIG e TAM para a criação de uma nova empre-
possibilidade de uma mesma pessoa ser, ao mes- sa que poderia resultar em uma fusão. Assim, o
mo tempo, presidente das três ordens de poder então presidente da VARIG, Manoel Guedes as-
da Varig: a empresa, a FRB e o Conselho de ad- sinou, em 6 de fevereiro de 2003, o protocolo de
ministração, como era o caso, na época, com o Sr. entendimentos que oficializava a proposta.
Rubel Thomas. (HELMS, 2010) No dia 20 de julho de 2006, a Varig é arrema-
Para esse mesmo autor, em janeiro de 1999, tada em leilão judicial para a VOLO do Brasil, em
uma nova acentuada desvalorização do real frente uma transação der R$52,3 milhões. As dívidas es-
ao dólar derrubou o mercado de viagens interna- timadas da massa falida da antiga Varig estavam
cionais e, ao mesmo tempo, as dívidas em dólar na casa dos R$7,5 bilhões na ocasião.
da empresa dispararam: era mais um grande gol-
pe na saúde financeira da empresa.
Corroborando nesta lógica, Malagutti (2001) Mercado e políticas públicas
descreve como consequência da nova política e no transporte aéreo brasileiro
das novas instruções a partir dela, a efetividade do
sistema de liberação monitorada das tarifas aére- Durante quase duas décadas de “reformas
as domésticas, se tornando aberto o mercado do- para o mercado”, o transporte aéreo brasileiro se
méstico para a entrada de novas empresas, tanto tornou objeto de elevado interesse no debate pú-
no ramo regular como no não regular, bem como blico. Marcada pela redefinição tanto dos agentes
as regionais e cargueiras. no mercado (companhias aéreas e suas coalizões)
Em se tratando de serviço aéreo regular, Ma- como da própria autoridade reguladora (do DAC
lagutti (2001) destaca que em decorrência da li- para a futura ANAC). O término de um conjun-
beração no valor das tarifas, em que se deu uma to de práticas de controles regulatórios, permitin-
liberação monitorada das tarifas e uma redução do maior liberdade na fixação de preços e na ex-
progressiva da regulamentação, em fevereiro de ploração de rotas aéreas, levou a uma profunda
2001, a GOL Linhas Aérea, iniciou a operação. Tra- transformação na estrutura deste mercado (BUS-
ta-se da primeira empresa regular com passagens TO; TUROLLA; OLIVEIRA, 2006).
de baixo custo, no Brasil. As tarifas atuais chegam, No Brasil, o mercado aéreo foi objeto de uma
em média, a ser 40% mais baixas do que as das regulamentação ampla e bastante rígida até o fi-
empresas tradicionais. Esta condição de preço nal da década de 1980. Na década seguinte po-
se deu em razão de diversos fatores, como a pa- de se perceber um processo de flexibilização do
dronização da frota, terceirização dos serviços de marco regulatório, então vigente na época, neste
reservas, de venda de passagens e de apoio de contexto destaca-se:
pista, além é claro da simplificação dos serviços a revisão de normas associadas aos conceitos
de bordo e redução do conforto dos passageiros de linhas domésticas nacionais, regionais e espe-
(MALAGUTTI, 2001). ciais, eliminando assim barreiras para a entrada de
Em contrapartida a nova modalidade de ser- novos concorrentes no setor;
viço aéreo, não regular, implementada pelo DAC a liberação das tarifas, muito tímida no início
no ano de 1998, foi juntamente com a introdução da década, mas gradual a partir de 1998 (através
das bandas tarifárias, um dos avanços mais signi- de portarias e resoluções, a fim de concluir pela
ficativos no tocante à flexibilização da regulamen- completa exclusão de qualquer controle em 2001)
tação do Transporte Aéreo (MALAGUTTI, 2001). (GUIMARÃES; SALGADO, 2003).
Sob esse novo contexto, conforme Helms Após algum tempo, a participação do Esta-
(2010), em janeiro de 2003, começa um novo ciclo tal na gestão e na regulamentação do setor, reve-
na política do país no qual o governo do então lou-se inapto de assegurar a ampliação do aces-
Presidente Luis Inácio Lula da Silva manifestou-se so de uma fatia maior da população aos serviços
59
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
60
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
61
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
no mercado de seus ex-colaboradores. Para que vam os EUA à América do Sul na rota Buenos Ai-
esses critérios fossem contemplados, a análise res - Montevidéu - Porto Alegre - São Paulo - Rio
foi, primeiramente, subdividida em duas catego- de Janeiro - Belém - Trujillo - Nova York - Port of
rias: Análise da manutenção das rotas e análise do Spain - Rio de Janeiro - São Paulo - Porto Alegre
conteúdo das entrevistas dos ex-colaboradores, - Montevidéu - Buenos Aires.
tal como segue. No mercado internacional, a compra possibi-
litou a VARIG chegar em Lima, Bogotá, Caracas,
Cidade do México, Miami e Los Angeles.
Rotas operadas pela Em 1965 a VARIG atribuiu as rotas as da Panair
VARIG: contextualização do Brasil para Europa, passando a operar para Lis-
boa, Madrid, Monróvia, Ilha do Sal, Dakar, Beirute,
Conforme o conteúdo constante do portal Roma, Milão, Zurique, Paris, Frankfurt, Londres e
oficial3, constata-se que, em termos históricos, a Santiago do Chile.
VARIG iniciou suas atividades traçando a rota aé- As rotas internacionais da Cia VARIG expan-
rea “Linha da Lagoa”, era conhecida por este no- diram-se ainda mais em meados de 1968, com o
me pois ligava as cidades de Porto Alegre, Pelotas início dos voos para Copenhagen e Tóquio, estes
e Rio Grande, com hidroaviões que decolavam e partiam do Rio de Janeiro, realizando escala em
pousavam na Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Roma e os voos para Tóquio, também a saiam do
Sul, foi a primeira rota da VARIG, operada com a Rio, com escalas em Lima, Los Angeles e Honolulu.
aeronave modelo Dornier Wal Atlântico. Com a implementação dos jatos no mercado
Após a “Linha da Lagoa”, a VARIG expandiu da aviação doméstica nos anos 70, as rotas regio-
suas rotas para o interior do Rio Grande do Sul. Em nais foram se extinguindo e as companhias aére-
abril de 1932 foram inauguradas as rotas para Livra- as passaram a operar apenas nos grandes centros.
mento, Santa Cruz, Cruz Alta e Santana do Livra- Em 1976 a VARIG criou a sua subsidiária Rio Sul,
mento. Após a vinda de mais aeronaves, a VARIG que ficou responsável pelas rotas regionais nos
ampliou suas rotas para Uruguaiana, Bagé, Santa estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Pa-
Maria, Santo Ângelo, Rosário, Passo Fundo e Ca- raná e Rio de Janeiro.
xias. Em 1940, com a expansão das suas rotas a VA- Em virtude disto, a VARIG extinguiu totalmen-
RIG chegou a estados como Santa Catarina, Para- te as rotas regionais, passando a operar somente
ná, São Paulo e Rio de Janeiro. No ano de 1942 a nas grandes cidades onde a demanda era mais
VARIG inaugurou a sua primeira rota internacional, significativa, reduzindo assim a malha nacional.
que ligava Porto Alegre a Montevidéu, posterior- Porém a VARIG continuou em uma linha de ascen-
mente a rota foi estendida para Buenos Aires. são e buscou a expansão das linhas internacionais
Com a aquisição da antiga Aero Gal, (atual onde iniciou voos para África, além de ampliar as
Avianca) em 1952, possibilitou à VARIG estender possibilidades de oferta na América Latina, EUA
suas rotas para o Nordeste do Brasil, em diversas e Europa. Em 1970 foi inaugurada a linha Rio de
cidades como Vitória, Belmonte, Salvador, Araca- Janeiro – Luanda – Johanesburgo.
jú, Penedo, Maceió, Recife, João Pessoa, Natal, A aquisição da Cia aérea Cruzeiro, em 1975,
Fortaleza, São Luis e Belém. possibilitou que a VARIG expandisse as suas rotas
Em julho de 1953 a VARIG implantou a linha na América do Sul para Bolívia, Equador, Guiana
Rio de Janeiro - Buenos Aires. Porém o marco Francesa e Suriname.
mais importante foi a rota da primeira rota inter- Nos anos 80 fica perceptível a consolidação
continental para os EUA. A rota inaugurada em das rotas já operadas pela VARIG. Além deste
julho de 1955 e as aeronaves Constellations liga- marco, ocorreu um pequeno aumento no núme-
ro de destinos nacionais, puxado principalmente
pela expansão da Cia Rio Sul, e de destinos inter-
nacionais como Iquitos, São José, Amsterdam, To-
3 Fonte: http://www.varig-airlines.com/pt/rotas.htm - Acesso em
29/05/2017 ronto e Montreal.
62
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Fonte: http://www.varig-airlines.com/pt/rotas.htm
Logo no início das atividades da VARIG, em çavam maiores distâncias, a empresa expandiu-
meados de 1930 a Cia operava apenas em voos -se e passou a operar suas rotas a partir de se-
de curta duração nos quais a distância variava de des de grandes cidades como Rio de Janeiro,
200km à 600km cujo os destinos eram cidades São Paulo, Santa Catarina e Paraná, portanto
próximas a Porto Alegre, onde ficava sua sede. ampliando sua malha para o restante do Brasil,
Passadas algumas décadas, com a vinda de e os voos domésticos ganharam cada vez mais
aeronaves de bastante imponência e que alcan- importância, alcançando cidades que anterior-
Fonte: http://www.varig-airlines.com/pt/rotas.htm
63
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Fonte: http://www.varig-airlines.com/pt/rotas.htm
64
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Quadro 15 – Comparativo de Rotas Saindo de Porto Alegre para as principais capitais brasileiras
Nesse sentido, observa-se que, no tocante em que se compara a realidade atual, em que
ao atendimento à demanda de vôos partindo os recursos tecnológicos e logísticos de fazem
de POA para as capitais brasileiras, a mesma foi cada vez mais presentes, com um contexto de
incorporada, de forma efetiva, pelas cias aére- 20 a 30 anos atrás, em que os recursos e condi-
as vigentes no mercado brasileiro. Obviamente, ções para realização do transporte eram abso-
há que se considerar o fator tempo, a medida lutamente distintos.
65
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Sim 16
Não 0
Tabela 2 – Caso tenha permanecido na aviação, quanto tempo levou sua recolocação?
Categorias de resposta Quantidade
Até 06 meses 10
Entre 01 e 02 anos 0
Mais de 02 anos 0
Sim 14
Não 3
Permaneceu a mesma 2
Aumentou 0
Diminuiu 15
66
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Tabela 5 – Contribuía para o sistema de aposentadoria AERUS? Se sim, por quanto tempo?
Categorias de resposta Quantidade
1 a 5 anos 7
5 a 10 anos 0
10 a 15 anos 4
Mais de 15 anos 6
Tabela 6 – A
pós a saída da empresa, acionou a justiça com ação
trabalhista para querer os direitos? Recebeu o que era devido
Categorias de resposta Quantidade
Sim 5
Não 12
Sim 0
Não 17
Tabela 8 – As verbas rescisórias foram todas pagas? Quanto tempo após a saída?
Categorias de resposta Quantidade
Até um ano 2
01 a 02 anos 0
Até 04 anos 0
Sim 0
Não 17
AZUL 1
AVIANCA 0
TRIP 0
WEBJET 1
OCEAN AIR 1
LATAM 3
GOL 10
67
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Muito satisfeito 13
Satisfeito 4
Pouco Satisfeito 0
Insatisfeito 0
68
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
procedimentos contraditórios no que concerne atual no ramo, sendo identificado que a maioria
ao atendimento aos direitos básicos destes fun- destes (14) ainda o faz.
cionários. O terceiro objetivo, nos remete a caracteri-
Um bom exemplo de tópico polêmico no to- zação da situação da malha aérea da aviação ci-
cante aos direitos se trata do Fundo de Pensão vil brasileira no tocante ao atendimento das rotas
próprio da empresa, denominado AERUS. Com operadas pela Cia aérea. È fundamental correla-
base nas entrevistas, observa-se que 10 dos 17 cionar este objetivo com o tópico 4.2, que tra-
funcionários contribuíram para este fundo por ta sobre a manutenção das rotas pelas cias aére-
mais de 10 anos, o que rivaliza diretamente com as vigentes. Conforme observado, na década de
o indicador de que os mesmos não receberam 1970 a VARIG implementou os jatos no mercado
de forma plena, os direitos e benefícios devidos, da aviação civil doméstica, fazendo com que as
mesmo com esse elevado tempo de contribuição. rotas regionais fossem se extinguindo e as com-
Destaca-se igualmente que, além desse cercea- panhias aéreas passassem a operar apenas nos
mento de direitos, não houve nenhum tipo de au- grandes centros. Nesse sentido, em 1976, a sub-
xílio à recolocação no mercado, o que poderia ca- sidiária da VARIG, Rio Sul ficou responsável pe-
racterizar um contexto de total abandono de seus las rotas regionais nos estados do Rio Grande do
ex-colaboradores. Sul, Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro. Em
virtude disto, a Cia extinguiu totalmente as rotas
regionais, passando a operar somente nos gran-
Análise cognitiva e retomada des centros, tornando mais enxuta a malha aérea
dos objetivos da pesquisa nacional.
Dessa forma, conforme o quadro apresenta-
Retomando os objetivos específicos propos- do, foi possível identificar que as cias aéreas vigen-
tos para este trabalho, pode-se perceber que o tes acolheram a maioria das rotas operadas pela
segundo deles, o qual possui o intuito de mapear VARIG, em especial aquelas que se referem à li-
a efetividade de recolocação no mercado de tra- gação de POA com as demais capitais brasileiras.
balho de ex-colaboradores da empresa, foi atin- Com base nessas considerações, constata-se
gido a partir das seguintes questões as quais in- que aviação civil vem passando por constantes
dagavam justamente para este tema. Os respon- transformações. Entretanto, após o período em
dentes, em sua totalidade, conseguiram sua reco- que a VARIG cessou definitivamente suas opera-
locação no ramo da aviação civil. Corroborando ções, tornou-se mais evidente a entrada desse no-
neste objetivo, identifica-se, a partir da questão vo limiar na realidade da aviação civil, primeira-
dois, a qual trata do tempo médio de recoloca- mente representado por um cenário de populari-
ção, que 10 dos 17 entrevistados levaram até 06 zação das viagens, embasadas por um contexto o
meses para conseguir novo emprego, sendo que qual os valores das passagens aéreas tornaram-se
5 deles levaram até 01 ano para se realocar em ou- mais acessíveis, a partir da política Low cost Low
tras cias. Cita-se igualmente que, apesar da maio- fare onde Cias como a Gol, uma das suas precur-
ria dos funcionários ter se recolocado no merca- soras, visavam a oferta de baixas tarifas as quais,
do de trabalho, os mesmos tiveram suas remu- por sua vez, subjaziam um contexto de eliminação
nerações médias reduzidas à novos patamares, de custos de serviços tradicionais( e de menor re-
o que certamente poderá incidir negativamente muneração e quantidade de seus profissionais).
no que concerne à qualificação dos mesmos, uma Após essas constatações, parece possível a
vez que também de identificou que esses funcio- compreensão de que, o primeiro objetivo específi-
nários não tiveram, em sua maioria, seus direitos co deste trabalho, o qual consistia em caracterizar
trabalhistas e de recebimento de pensão contem- o mercado da aviação civil brasileira pós VARIG, foi
plados. O conteúdo das respostas da questão três atingido a partir da própria construção lógica do
também contribuem para este objetivo, uma vez mesmo, a qual inclui a metodologia empregada e
que tensionam para quantos funcionários ainda os recursos ( entrevista e rotas) analisados.
69
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
70
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
BETING, Gianfranco; BETING, Joelmir. Varig a Eterna Pioneira. Porto Alegre: EDIPUCRS; São Paulo: Beting
Books, 2009.
BUSTO, André; TUROLLA, Frederico Araujo; OLIVEIRA, Alessandro Vinícius Marques. Modelagem dos impactos
da política de flexibilização na competição das companhias aéreas brasileiras. Economia e Sociedade, v. 15, n. 2,
p. 327-345, 2016.
DENCKER, Ada de Freitas Maneti. Métodos e técnicas de pesquisa em turismo. 7. ed. São Paulo, SP: Futura,
2003. 286 p. (Metodologia/Turismo).
DINIZ E. & BOSCHI, R. A difícil rota do desenvolvimento: empresários e a agenda pós-neoliberal. Belo
Horizonte: UFMG/Rio de Janeiro: IUPERJ, 2007.
HELMS, Henrique. O panorama da aviação nacional de 1986 a 2006 e a quebra da VARIG. Dissertação de
Mestrado em História – PUCS-RS, - Porto Alegre, 2010.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Área Territorial Brasileira. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartografia/default_territ_area.shtm>. Acesso em: 1 novembro
2016.
MALAGUTTI, Antônio Osller. Evolução da Aviação Civil, no Brasil. Brasília: Consultoria Legislativa, 2001.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/arquivos-pdf/
pdf/109712.pdf>. Acesos em: 1 novembro 2016.
MONTEIRO, Cristiano Fonseca. Estado e mercado no transporte aéreo brasileiro pós-reformas. Política &
Sociedade, v. 8, n. 15, p. 117-144, 2009.
OLIVEIRA, Geneci Guimarães de. VARIG: Símbolo do Transporte Aéreo Nacional. Geneci Guimarães de Oliveira.
– Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013.
TÁPIA, J. Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social: os desafios da construção institucional. In: Diniz, E.
(org.). Globalização, Estado e desenvolvimento: dilemas do Brasil no novo milênio. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.
71
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Resumo
O presente trabalho discute a sociedade civil enquanto colaboradora no planejamento turístico municipal, nos
espaços públicos de uso irrestrito, que sirvam ao lazer e ao turismo. O estudo teve como objetivo geral elucidar
a relevância das intervenções da sociedade civil através de movimentos e eventos culturais na projeção do Turis-
mo Urbano. Os objetivos específicos da pesquisa buscaram apurar se eventos e projetos planejados e executa-
dos pela sociedade civil impactam, positiva ou negativamente no turismo, e se os executores destas intervenções
percebem-nas como colaboradoras para a gestão pública dos espaços urbanos de acesso irrestrito. Como me-
todologia empregou-se o estudo de caso com amostra qualitativa através de aplicação de entrevistas semiestru-
turadas. Os resultados indicam contribuições relevantes da sociedade civil para a gestão do lazer e do Turismo
Urbano, em relação aos espaços em que desenvolvem projetos/ eventos, ainda que estes sejam decorrentes de
intervenções pontuais.
1 Bacharel em Turismo (Centro Universitário Metodista IPA). Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected].
2 Mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRGS) e Bacharel em Turismo (UFPel). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.
br/0779716151843962. Centro Universitário Metodista IPA. Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected].
72
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
E
ste artigo aborda a relevância das interven- de civil no campo das manifestações e dos even-
ções em espaços públicos, oriundas da so- tos culturais urbanos para o campo do Turismo Ur-
ciedade civil. Mais precisamente, centra-se bano. Como objetivos específicos visa-se: a) apu-
em apontar tais ações como importantes para a rar se os eventos organizados pela sociedade civil
gestão pública de espaços que sirvam tanto ao impactam, positiva ou negativamente no turismo,
lazer como ao Turismo Urbano. mesmo que projetados primeiramente para o la-
Acerca deste tema, já nos anos 1960, Jaco- zer local; e b) se os executores das intervenções
bs (2003) sinalizava que as cidades necessitam de percebem-nas como colaboradoras para a gestão
uma diversidade de usos de seus espaços, a qual pública dos espaços, tanto no campo da cultura
seja mais abrangente e coerente, de maneira que como do turismo.
se possa viabilizar sustentabilidade contínua. Ain- A abordagem do tema se justifica na medi-
da segundo a autora, aéreas abandonadas e des- da em que esse cenário se relaciona ao que esta-
vitalizadas em grandes cidades pouco são per- belece Jacobs (2003), para quem o planejamen-
cebidas como fontes naturais de diversidade em to dos espaços públicos deve estimular indire-
potencial, de novas iniciativas e ideias de todas tamente seu incremento, visando abranger uma
as naturezas. Substancialmente, a autora indica esfera considerável de pessoas, sempre contado
a relevância dessa percepção, visto que as gran- com o auxílio da comunidade, agregando, então,
des cidades são também o núcleo econômico na- maior diversidade na utilização destes espaços.
tural de pequenas empresas, onde esta própria Contemporaneamente, teorias como a do Pla-
diversidade urbana proporciona e fomenta mais cemaking (Santiago; Heemann, 2015) vem sen-
diversidade. do agregadas aos aportes teóricos clássicos, co-
Atualmente, são vários os eventos e projetos mo de Jacobs (2003). O que se percebe, pois, é
em construção ou já consolidados que ratificam uma tendência de participação e intervenção da
a importância das intervenções da sociedade ci- sociedade civil no meio urbano, tanto de forma
vil em espaços públicos. Há exemplos de eventos ampla (para o planejamento municipal em gran-
sistemáticos, como as feiras populares (tal como a de escala), como em sistemas específicos de lazer
da Praça Matriz em Montevidéu, no Uruguai, inau- e turismo. Tais intervenções são capazes de con-
gurada em 1851), assim como se pode citar as in- tribuir no planejamento de aspectos como lazer,
tervenções pontuais contemporâneas do contex- comércio, usos e atividades e segurança, sendo
to brasileiro (como o movimento “A batata preci- este conjunto de indicadores diretamente influen-
sa de você”, em São Paulo, SP)3. Essa tendência ciador do movimento turístico (Serpa, 2007). A es-
de participação da sociedade civil para ocupar es- se respeito, Gastal e Moesch (2007) salientam que
paços públicos também influencia na atratividade para o planejamento turístico urbano de uma ci-
turística de tais espaços, posto que as cidades, dade ser efetivo, de forma positiva, é necessário o
como potenciais fontes de consumo, constituem- engajamento da sociedade civil com a descentra-
-se como produto turístico não somente a partir lização das políticas públicas, no que se refere às
de sua infraestrutura, mas também das atividades tomadas de decisão. Assim, nas próximas seções
ofertadas (Gastal; Moesch, 2007). haverá exposição de aporte teórico que embase o
Nesse contexto, este artigo questiona: como estudo proposto, exposição de metodologia em-
os atores sociais executores de intervenções urba- pregada, principais resultados e considerações fi-
nas percebem haver relação entre seus projetos nais acerca da pesquisa apresentada4.
3 Página do Facebook A Batata Precisa de Você. Disponível em: 4 Este artigo apresenta um recorte do Trabalho de Conclusão de Curso
<https://pt-br.facebook.com/abatataprecisadevoce>. Acesso em: intitulado “Planejamento turístico: relação entre estado e sociedade
06 nov. 2016. civil no âmbito de espaços públicos urbanos de lazer e turismo”
73
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
74
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
cialmente voltado ao segmento de Turismo Urba- belecem Gastal e Moesch (2007), visto que as au-
no, com promoção municipal de espaços públicos toras afirmam que as cidades se traduzem como
de acesso irrestrito, que sirvam tanto para o lazer potentes fontes de consumo e se constituem co-
quanto para o turismo. mo oferta turística a partir de sua infraestrutura e
Os projetos cujos representantes foram entre- das atividades que oferecem. Em complemento,
vistados são: Comida de Rua; Me Gusta; Serenata de acordo com Serpa (2007), as intervenções rea-
Iluminada; e Coletivo Namaskar. Os entrevistados lizadas no meio urbano, através da ocupação dos
foram codificados, respectivamente, como P1, P2, espaços públicos, produzem o conjunto de indi-
P3 e P4. A escolha dos projetos ocorreu median- cadores diretamente influenciador do movimento
te critério de diversidade de espaços de realiza- turístico (Serpa, 2007).
ção; de alcance de público heterogêneo; bem co- Quando perguntados se percebem ter havi-
mo da gratuidade das participações de locais e/ do algum retorno prático, por parte do poder pú-
ou turistas. blico, quanto a melhorias nos espaços median-
te seus eventos/ projetos, houve divergência nas
respostas dos entrevistados da sociedade civil.
Resultados P1 informou não ter identificado nenhum respal-
do quanto à criação de uma legislação específica
Quando indagados se seus eventos/ projetos para os eventos/ projetos, nem qualquer melho-
contribuem no desenvolvimento do Turismo Ur- ria nos espaços públicos de acesso irrestrito que
bano, as respostas mostraram semelhança entre utiliza. Contudo, acredita que esse tipo de ação
os entrevistados que representam os movimentos é uma tendência que necessita de tempo. Já P3
oriundos da sociedade civil. Esses entrevistados in- relatou que a Prefeitura de Porto Alegre não de-
dicaram que a diversidade de pessoas que utiliza os monstra interesse em contribuir para a realização
espaços públicos de acesso irrestrito, quando estes dos eventos/ projetos, e que nem sempre o even-
estão ocupados pelos eventos/ projetos, incentiva to/ projeto Serenata Iluminada é bem visto pelos
a formação de uma oferta turística, trazendo pes- órgãos públicos. Contudo, informou que já per-
soas da região Metropolitana, por exemplo, e de cebeu melhorias no espaço público em que a Se-
cidades mais afastadas do RS e de outros estados. renata Iluminada é realizada, como a nova ilumi-
Quando questionados se o evento/ projeto é nação, principalmente no eixo central do Parque
um atrativo quanto à diversidade de quem o pres- Farroupilha, e o cercamento eletrônico. Salientou,
tigia, seja essa diversidade de idade, esfera social, contudo, que o ambiente ainda precisa de muitas
etnia ou cultura, todos os entrevistados confirma- melhorias para se tornar um exemplo de espaço
ram que seus eventos não possuem qualquer dis- bem-sucedido e que contribua para a realização
tinção sobre estes aspectos em seus eventos/ pro- de eventos/ projetos de caráter similares aos da
jetos. A exemplo do evento/ projeto “Coletivo Serenata Iluminada.
Namaskar”, P4 legitimou que este evento/ proje- A respeito dessas exposições pondera-se so-
to é atrativo para um público diverso, em idades, bre o que afirmam Santiago e Heemann (2015),
esferas sociais, religião, cultura, tipo físico, não segundo os quais a comunidade é especialista
tendo um público específico como alvo e partici- quando se trata de planejar seu espaço. Assim,
pante, destacando o quesito de “inclusão” como para que o espaço seja especial em suas proprie-
primordial na atividade que promove. dades, o Estado precisa se comunicar diretamen-
Através das respostas percebeu-se que a pró- te com a comunidade local, recebendo as inter-
pria sociedade civil se diz envolvida e ativa na pro- venções necessárias no planejamento e organi-
moção dos espaços, em suas ocupações, na as- zação nas ocupações dos espaços públicos de
censão da economia local e no aumento da pro- acesso irrestrito. Pelo exposto, na seção seguinte
cura turística desses espaços públicos no meio serão evidenciadas as considerações finais deste
urbano, através dos eventos/ projetos que reali- trabalho, elucidando-se o alcance do problema
zam. Pelo exposto, é possível aludir ao que esta- da pesquisa e a contemplação dos objetivos.
75
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
76
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
Abrahão, S. L. Espaço público: do urbano ao político. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008.
Anderson, D. R.; Sweeney, D. J. Williams, T. A. Estatística aplicada à administração e economia. 2. ed. São Paulo:
Editora Cengage Learning, 2007.
Barretto, M. (Org.). Turismo, cultura e sociedade. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2006.
Dencker, A. F. M. Métodos e Técnicas de Pesquisa Em Turismo. 2ª edição. Futura: São Paulo 1998.
Fonseca, A. C. R. Cidades Criativas. 2011. Tese (Doutorado) – USP, São Paulo 2011.
Gastal, S.; Moesch, M. Turismo, políticas públicas e cidadania. São Paulo: Aleph, 2007.
Jacobs, J. Morte e Vida de Grandes Cidades. Martins Fontes: São Paulo, 2003.
Santiago, P. C.; Heemann, J. Guia do Espaço Público. Nova York, 2015. Edital Conexão Cultura Brasil
Intercâmbios, da Secretaria de Economia Criativa (SEC), do Ministério da Cultura.
Serpa, A. O espaço público na cidade contemporânea. São Paulo, SP: Contexto, 2007. Disponível em: <https://
www.redemetodista.edu.br/portalipa/web/>. Acesso em: 10 nov. 2016.
77
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Resumo
Este artigo traz uma discussão teórica sobre as temáticas de capital humano e inovação tecnológica no contexto
do desenvolvimento regional, expondo-se a relação entre capital humano, inovação e cidades sustentáveis e sua
relação com o desenvolvimento das regiões. A problematização está centrada no papel do capital humano e da
inovação no contexto do desenvolvimento regional, como sendo mais do que mero fator humano presente nas
cidades e regiões. O objetivo é o de discutir teoricamente essas relações, compreendendo suas inter-relações. A
metodologia parte de uma pesquisa qualitativa, cunho exploratório, juntamente com uma pesquisa bibliográfi-
ca sobre o marco teórico abordado a partir das discussões propostas. A discussão aponta para a necessidade de
pensar a inovação com um dos principais agentes ou mediadores de geração de oportunidades para o enfrenta-
mento de desafios em todos os setores da sociedade.
1 Este artigo foi submetido ao GT 1 - Tecnologias, do V Seminário Latinoamericano sobre Desenvolvimento Regional e Sustentabilidade no
Turismo, do Centro Universitário Metodista/IPA, de 21 a 23 de Setembro de 2017, em Porto Alegre/RS.
2 Economista, Especialista em Comunicação empresarial, Mestra em Desenvolvimento Regional, Doutoranda em Desenvolvimento Regional
- Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Pesquisadora-membro do Observatório do Desenvolvimento Regional (OBSERVA-DR).
Bolsista Capes. E-mail: [email protected]
3 Doutoranda e Mestra em Desenvolvimento Regional (UNISC). Publicitária especialista em Branding (UNISC). Pesquisadora-membro do
Observatório do Desenvolvimento Regional (OBSERVA-DR). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]
78
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Abstract
This article presents a theoretical discussion about the themes of human capital and technological innovation in
the context of regional development, exposing the relationship between human capital, innovation and sustai-
nable cities and its relation with the development of the regions. The problematization is centered on the role of
human capital and innovation in the context of regional development, as being more than a mere human factor
present in cities and regions. The objective is to theoretically discuss these relationships, understanding their in-
terrelationships. The methodology starts from a qualitative research, exploratory, along with a bibliographical re-
search about the theoretical framework approached from the proposed discussions. The discussion points to the
need to think about innovation with one of the main agents or mediators of generating opportunities to face chal-
lenges in all sectors of society.
Resumen
Este artículo trae una discusión teórica sobre las temáticas de capital humano e innovación tecnológica en el con-
texto del desarrollo regional, exponiéndose la relación entre capital humano, innovación y ciudades sostenibles y
su relación con el desarrollo de las regiones. La problematización se centra en el papel del capital humano y de la
innovación en el contexto del desarrollo regional, siendo más que mero factor humano presente en las ciudades y
regiones. El objetivo es el de discutir teóricamente esas relaciones, comprendiendo sus interrelaciones. La meto-
dología parte de una investigación cualitativa, cuño exploratorio, junto con una investigación bibliográfica sobre
el marco teórico abordado a partir de las discusiones propuestas. La discusión apunta a la necesidad de pensar la
innovación con uno de los principales agentes o mediadores de generación de oportunidades para el enfrenta-
miento de desafíos en todos los sectores de la sociedad.
79
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
O
processo de globalização se traduz por Essa é a questão cerne deste estudo que busca
um aumento da concorrência nos mer- compreender o papel do capital humano e co-
cados, implicando na continuidade dos mo se dá a promoção da inovação e desenvolvi-
ajustes do sistema produtivo dos países, regiões, mento, tendo o capital humano como mediador
estados e cidades. A nova divisão internacional e articulador. A problematização gira em torno de
do trabalho ressalta que as empresas não com- que, se for apenas uma questão de fator huma-
petem mais entre si de forma isolada. Na contem- no, então qualquer cidade ou região poderia se
poraneidade, o fazem juntamente com o entorno desenvolver endogenamente. E, se assim o for,
produtivo institucional, do qual fazem parte. Este questiona-se porque não são todas desenvolvi-
processo estimula a formação de uma nova or- das, aproveitando as oportunidades que a tecno-
ganização no sistema de cidades e regiões (BAR- logia oferece.
QUERO, 2001). O artigo trata de uma discussão teórica sobre
Além da globalização, outro fator que obrigou as temáticas apresentadas, cujo objetivo central
um rearranjo na maneira de atuação das regiões é o de discutir teoricamente as relações entre ca-
e municípios foi à implantação, por parte dos go- pital humano e inovação no contexto do desen-
vernos, da ideologia neoliberal de Estado que cul- volvimento regional, compreendendo suas inter-
minou com seu próprio enfraquecimento. O cres- -relações. A metodologia parte de uma pesqui-
cimento, assim como o desenvolvimento de uma sa qualitativa, de cunho exploratório, juntamente
região, não está somente ligado à forma como com pesquisa bibliográfica sobre o marco teórico
são construídas as políticas, mas também ao grau abordado a partir das discussões existentes sobre
de permissividade (liberdade) dado para a cons- capital humano, inovação tecnológica e cidades
trução dessas políticas por parte do Estado. Para sustentáveis.
tanto, aborda-se neste estudo, a temática sobre o
papel do capital humano e da inovação tecnológi-
ca, no contexto do desenvolvimento das regiões, O capital humano em
argumentando-se que sem o capital humano não um mundo de inovações
seria possível a implantação das inovações como
um dos principais agentes de geração de oportu- Em uma empresa vários fatores são essenciais,
nidades para enfrentamento de desafios em todos como por exemplo: o planejamento estratégico.
os setores. Salienta-se que, parte-se da perspec- Este é faz parte de um processo administrativo
tiva de que o capital humano é mais do que mero que busca harmonização e dá sustentação à di-
fator humano presente nas cidades e regiões. reção a ser seguida pela empresa, visando certo
Outro ponto levantado se refere ao desenvol- grau de interação com os fatores internos e exter-
vimento sustentável das cidades. Este só tem senti- nos (OLIVEIRA, 2007). É complicado eleger somente
do se for levado em conta o grau de envolvimento um ou outro, desconsiderando os demais porque
dos cidadãos no acompanhamento de mudanças a empresa também vai precisar considerar fatores
que ocorrem em sua localidade e região. Essas mu- como: economia, recursos naturais e recursos hu-
danças ocorrem cada vez mais de forma acelerada, manos. Visto desta forma, percebe-se que há uma
visto o mundo globalizado no qual o ser humano série de fatores a serem considerados quando se
se encontra. O próprio processo contemporâneo trata de dar o rumo a alguma empresa seja ela do
de inovação tecnológica fomenta um aceleramen- segmento que for.
to contínuo. Neste contexto, se traz a reflexão do O sucesso de uma organização está liga-
papel do capital humano e da inovação tecnológi- do ao conjunto de fatores que, na visão de Dru-
ca no desenvolvimento das regiões como agente cker (2003), pondera sobre as rápidas e intensas
central a novas oportunidades e desafios. mudanças que atingem as empresas atuais. É ao
A reflexão aprofunda a possibilidade (ou não) mesmo tempo difícil e arriscado, identificar as pe-
80
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
ças fundamentais da estrutura de qualquer orga- ficativos para uma empresa. Neste sentido, o pa-
nização, principalmente, quando se leva em con- pel de agenciador de mudanças do profissional
sideração a economia na qual a mesma se insere. de recursos humanos é fundamental para as re-
Mesmo assim os empreendedores, de forma ge- lações da empresa com seus funcionários e, con-
ral, estão sempre arriscando para alcançar esse seqüente satisfação dos seus clientes. Salienta-se
sucesso, lançando mão de inúmeros artifícios para ainda que se torna necessário, devido à globaliza-
fazê-lo. Da estratégia de mercado e da inovação ção, o desenvolvimento da capacidade contínua
tecnológica às alianças globais e estratégicas, a de adaptação e mudança. E essas, possivelmente
arte da previsão tem sido bem mais elaborada e serão alcançadas com o investimento em um ca-
incerta. Remete-se à era agrícola, quando a terra pital intangível, o humano.
era fundamental para estabelecer vantagem es- As mudanças do ambiente externo exigem da
tratégica e econômica. Com o advento da revolu- organização a capacidade contínua de resposta
ção industrial, a vantagem econômica passou pa- rápida e eficaz das transformações no que se re-
ra quem controlava a principal fonte de energia, fere às inovações tecnológicas (TERRA, 2001). Ob-
o motor (DRUCKER, 2003). No entanto, a transi- serva-se a necessidade de cautela para não entrar
ção para um futuro próximo rodeado de inova- na onda do modismo, mas também certo cuidado
ções, oportunidades e desafios exige uma fonte para não cair nas armadilhas do comodismo. Sob
de energia bem mais complexa de administrar, o esse olhar o papel do gestor de recursos huma-
capital humano. nos se torna estratégico, auxiliando na eliminação
A noção de capital humano surge na década dos fatores de resistência e motivação das pes-
de 1950, consolidando-se nas décadas seguintes, soas. Segundo Ramos (2001), para que a área de
em 1960 e 1970, em especial, no campo da edu- recursos humanos possa adicionar valor à organi-
cação (FRIGOTTO, 2006). O conceito de capital zação é preciso o desempenho de papeis múlti-
humano é também conhecido como fator H. Foi plos e complexos. Acredita-se que não se pode
definido por Schultz (1973) como sendo pressu- mais apenas focar nas atividades ou no trabalho
posto de um componente da produção decorren- em uma visão de curtíssimo ou curto prazo, mas
te de investimento em habilidades e conhecimen- em metas e resultados a médio e longo para es-
tos humanos que poderia aumentar as rendas fu- tabelecer os papeis e atividades dos parceiros das
turas semelhantes a qualquer outro investimento empresas a fim de alcançar um objetivo maior.
em bens de produção. À vista disso, pode-se di- A eficácia na gestão da inovação, de acordo
zer que o capital humano é parte do montante do com Silveira (2001), requer inúmeras atividades
investimento de uma nação ou indivíduos ou até para monitorar e interpretar a dinâmica do am-
mesmo de uma organização que cria a expecta- biente; selecionar o conjunto de ameaças e opor-
tiva de retornos adicionais futuros. Assim, se faz tunidades, às quais a organização deve respon-
parte de um montante de fatores, não agirá sozi- der; planejar os meios para dar as respostas corre-
nho e não agindo sozinho pode ser considerado tas e implementar, adequadamente, as mudanças
um agente ou intermediário de algo. requeridas. São essas as atividades que exigem
Carvalho (2005) diz que a percepção de inova- mais recursos humanos, ou seja, de capital huma-
ção ainda está muito ligada à ideia de invenção e, no. Inovação e capital humano podem ser consi-
em especial, à invenção de alta tecnologia. Este derados os principais intermediários da geração
pensamento faz com que os empresários acredi- de oportunidades, bem como no enfrentamento
tem que o foco é o produto – o bem tangível. Um de desafios. Se bem aproveitados e compreen-
dos caminhos mais percorridos é o investimento didos podem se tornar ferramentas estratégicas
inicial no produto para depois se tentar vendê- para qualquer organização, pública ou privada,
-lo e descobrir seu potencial no mercado. Essa sendo, inclusive capaz de gerar desenvolvimento
dinâmica faz com que muitas vezes, junto com a além do econômico. Têm-se as ferramentas nas
inovação, seja preciso prospectar novos clientes mãos, mas o uso dado a essas ferramentas é que
e novos mercados, gerando custos altos e signi- farão toda a diferença na atualidade e, principal-
81
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
mente, no futuro das novas gerações. inovação [...]” (DRUCKER, 1987, p. 40). Portanto,
inovação não remete somente a um novo produto
e tampouco somente a tecnologia, mas também
A inovação e o se refere a uma nova forma de fazer um determi-
desenvolvimento das regiões nado processo sem que o mesmo seja, necessa-
riamente, criado a partir do zero. Inovação é o ato
A palavra inovação deriva dos termos latinos em si de inovar, sem necessariamente estar inseri-
in e novare, significando fazer algo novo ou reno- do na criação de algo, mas em tornar algo novo a
var. A inovação tecnológica, a partir da década partir de uma compreensão também nova.
de 1970, passou a ser vista como um processo de Considera-se como fatores mais influentes no
múltiplas fontes que deriva de interações entre os sucesso do setor industrial, ligado à inovação tec-
agentes. É um processo pelo qual as organizações nológica, a posição em relação aos competidores
incorporam conhecimento na produção de bens e a existência de um sistema nacional de inova-
e serviços. O conhecimento é à base do processo ção. As empresas para continuarem competitivas
inovativo e sua criação e difusão alimentam a mu- buscam novas formas de produção, novos mer-
dança econômica, colaborando como fonte vital cados e novos produtos. Neste sentido, a inova-
de competitividade (LASTRES, 2005). Salienta-se ção tecnológica é uma ferramenta essencial, pois
que algumas variáveis se destacam quando o as- pode vir a oferecer oportunidades únicas. Cita-se
sunto é a inovação. Primeiro, trata-se de um pro- como exemplo o setor turístico que é recorrente
cesso, ou seja, é um método, um procedimento no uso de ferramentas para descobrir novos mer-
adotado que demanda uma sequência contínua cados turísticos, sempre inovando na forma co-
de fatos ou operações, apresentando certa unida- mo apresenta seus produtos turísticos a poten-
de. Esse procedimento sequenciado possui múl- ciais consumidores. Cria-se uma competitividade
tiplas fontes, sendo assim, importante considerar muito elevada neste setor devido ao alto grau de
a variável. Outro ponto central diz respeito à in- criatividade e arguição que demanda para divul-
teração entre os agentes ou intermediários des- gar seus produtos.
se processo. Essa interação pressupõe certo grau O primeiro indício desse sistema nacional po-
de capacidade intelectual para ser desenvolvido de ser visto pelo porcentual do Produto Interno
e aprimorado e, neste caso, de capital humano Bruto – PIB –, ligado à pesquisa e ao desenvol-
especializado. Assim sendo, pode-se dizer que a vimento – P&D. O relacionamento estreito entre
inovação remete a uma metodologia, cujas inú- as empresas e organização é fundamental para
meras fontes contribuem na geração de intera- seu crescimento, abrangendo desde a rivalidade
ções que culminam em conhecimento. competitiva até à colaboração, critérios importan-
A inovação tecnológica é um ponto impor- tes para a pesquisa e o desenvolvimento das in-
tante a ser considerado nas sociedades moder- dústrias ligadas à inovação tecnológica. Para tan-
nas e pós-modernas. De modo geral, é associada to, a ênfase dada à tecnologia tem como entendi-
ao desenvolvimento e verificada como constan- mento que o investimento em novas tecnologias
te no desenvolvimento das sociedades humanas. aumenta a produtividade das empresas e, conse-
Por isso, é costumeiro se referir aos diversos perí- quentemente, oferece condições de maior com-
odos históricos pelo nível tecnológico em que se petitividade, afetando os índices de geração de
encontram. Citam-se, como exemplos, a Idade da empregos. Neste sentido, a Lei de Inovação e Tec-
Pedra, a Idade do Bronze, a Revolução Industrial, nologia – Lei Federal nº 10.973, de 02 de dezem-
seguidas pelas demais fases históricas. A inova- bro de 2004 – traz como objetivo central a criação
ção é a habilidade de transformar algo já existen- de um ambiente propício para que ocorra o en-
te – ou até mesmo criar algo inexistente – em um volvimento das indústrias no desenvolvimento de
recurso que gere riqueza para alguém. “[...] qual- projetos inovadores.
quer mudança no potencial produtor-de-riqueza A Lei surge também em consonância com a
de recursos já inexistentes se constitui em uma Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Ex-
82
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
terior – PITCE – e objetiva o aumento da eficiên- dicais nas formas e nos modos de produção e de
cia econômica, o desenvolvimento e a difusão de organização industriais, bem como à globalização
tecnologias com o potencial de impulsionar o ní- e à abertura das economias nacionais” (AMARAL
vel de atividade e de competitividade no comér- FILHO, 2001). O mundo passou, então, a conhecer
cio internacional. A PITCE visa aumentar a eficiên- o fenômeno chamado de endogeneização pelas
cia na estrutura produtiva de todos os setores da teorias do desenvolvimento regional.
sociedade. Nessa perspectiva, a Lei de Inovação As novas formas de produzir e combinar insu-
Tecnológica tem como orientação a criação de mos e habilidades para a transformação em novos
um ambiente favorável às parcerias estratégicas produtos – ou os mesmos com a mesma qualidade
entre universidades e instituições, voltadas para e com um custo reduzido – podem ser entendidas
a Ciência e a Tecnologia no processo de incenti- como um efeito endógeno ao sistema capitalista.
vo à inovação tecnológica das indústrias. Esta Lei O paradigma que teve início na década de 1980,
tem como base o desenvolvimento da tecnologia conhecido como desenvolvimento endógeno, tem
e da inovação como forma de contribuição para a intenção de atender às necessidades e às deman-
a construção de empresas mais dinâmicas e com- das das populações no âmbito local. Este paradig-
petitivas (MCT, 2014). ma está além do mero crescimento econômico,
Assim, investimentos em tecnologia suben- proposto pelos modelos baseados na produção.
tendem melhorias em produtividade, tanto técni- Desenvolvimento endógeno é
ca quanto profissional nas empresas, uma vez que
novos métodos e processos requerem capacita- [...] um processo de crescimento econômico e
ção do corpo de colaboradores. Isso significa que de mudança estrutural, liderado pela comunida-
inovação e educação são elos de uma mesma cor- de local ao utilizar seu potencial de desenvolvi-
rente, contribuindo para um desenvolvimento re- mento que leva à melhoria do nível de vida da
gional mais endógeno. Neste contexto, o setor tu- população. A distribuição de renda e o cresci-
rístico tem grandes oportunidades de expansão e mento econômico são dois processos que não
aprimoramento, pois o capital humano e a inova- ocorrem paralelamente. Na verdade, só adqui-
ção podem e são ferramentas estratégicas impor- rem uma dinâmica comum pelo fato de os ato-
tantes. Contudo, para sê-lo, torna-se necessária res públicos e privados tomarem decisões de in-
a compreensão de ambos os conceitos para que vestimentos que visam elevar a produtividade e
possam ser utilizados em soluções coletivas de for- a competitividade das empresas, solucionar os
ma criava e eficiente. Aqui ainda se faz uma ressal- problemas locais e aumentar o bem-estar da so-
va grande no que se refere ao desenvolvimento ciedade (BARQUERO, 2001, p. 41).
como qualidade de vida e da importância de todos
os setores em utilizar o capital humano e a inova- O desenvolvimento endógeno se dá pela
ção de forma prudente e coerente, sem prejudicar criação de um entorno econômico favorável, em
o futuro do planeta ou as novas gerações. uma conjugação de aproveitamento, no qual são
contemplados os recursos existentes na região,
como recursos naturais ou de serviços locais, com
Desenvolvimento endógeno: a cooperação conjunta entre os atores locais. Re-
estratégias para soluções força esse argumento, Moraes (2003), salientando
coletivas que a referida cooperação, na sua visão, pode re-
sultar em acumulação de capital social, também
Nos últimos anos, várias foram as transfor- importante para o desenvolvimento. O entorno
mações sofridas pelas teorias de desenvolvimen- econômico favorável pode ser uma oportunidade
to regional, ora provocadas pelas crises econô- interessante para a ampliação do setor turístico
micas, ora pela ascendência de regiões que de- em uma dada região. Chama a atenção que este
monstraram novos paradigmas industriais. Essas setor pode aproveitar recursos existentes somen-
situações estão associadas “[...] às mudanças ra- te naquele território circunscrito, utilizando-os co-
83
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
mo argumentos únicos para que se descubra um A preocupação é com um equilíbrio mais equâni-
novo mercado turístico. O capital humano ali in- me e menos voltado somente a esfera econômica,
serido, a forma como as pessoas cooperam, como porém sem deixa-la totalmente à parte do desen-
utilizam um dado conjunto de recursos naturais volvimento regional e territorial.
pode contribuir para a articulação do próprio de- A inovação tecnológica sempre foi um dos
senvolvimento em prol de uma qualidade de vida elementos determinantes para o desenvolvimen-
maior, tendo a questão econômica na geração de to das indústrias, proporcionando novas formas e
renda local como um fator também presente nes- estratégias. Visa melhorar a performance dos pro-
te processo. Um dos problemas se encontra quan- cessos, otimizando a gestão de recursos, possi-
do a questão econômica se sobressai mais do que bilitando também uma melhor competitividade.
qualquer outra, fomentando um desenvolvimento A introdução dessa ferramenta chamada tecnolo-
desigual que gera escassez de recursos e do pró- gia é fundamental para concorrer em um merca-
prio capital humano. do internacional, mas ao mesmo tempo, determi-
Para Paiva (2004) entender a noção de desen- na certa pressão por maior integração regional.
volvimento é algo amplo e difuso. Para ele, há auto- Reforça esse argumento Mañas (2001), ressaltan-
res que conceituam o desenvolvimento como sen- do que a introdução de novas tecnologias no tra-
do “[...] o processo de acumulação que maximiza a balho e na sociedade é determinada pela lógi-
liberdade de um determinado sistema ao maximi- ca da concorrência. Então, entender como a tec-
zar as possibilidades de operação solidária de suas nologia afeta as indústrias é vital para a garantia
partes crescentemente distintas e diferenciadas” de seu desenvolvimento. A inovação tecnológica
(PAIVA, 2004). Acumulação nem sempre pressupõe propiciará competitividade à organização e sua
valores econômicos inseridos em um processo. A introdução nas indústrias resulta no incremento
referência é a acumulação de conhecimento para da produtividade e no aumento da agilidade no
gerar liberar e gerar oportunidades e desafios, le- processo de produção.
vando a sociedade a cuidar de seus recursos natu- Neste sentido, Cassiolato (2000), afirma que a
rais de forma mais racional e consciente. inovação tecnológica envolve aprendizado e co-
Ainda, reforça o autor, que uma região não é nhecimento de novas e diferentes competências re-
uma entidade física, mas uma construção, princi- lacionadas ao desenvolvimento e à implantação de
palmente, social. Também salienta que uma re- produtos e processos. Torna-se fundamental que a
gião é o resultado de um processo de regionali- indústria busque conhecimento, mas que, além dis-
zação e não de tecnologia. Essas duas questões so, as indústrias favoreçam a criação do ambiente
levantadas por Paiva (2004) remetem à pondera- propício ao desenvolvimento a partir da inovação
ção de não tratar uma região como sendo uma or- tecnológica e do capital humano. Assim sendo, é
ganização de cunho empresarial privado e a pre- necessário que existam parcerias do setor público
caução no uso contínuo e inconsciente da tecno- e privado com universidades, centros de pesquisas,
logia. Enquanto construção social a região se pre- centro de certificações e com a comunidade local
ocupa em preservar todo um contexto maior do para o alcance dos objetivos prioritários no sentido
que com um município, por exemplo. Entretanto, de um desenvolvimento mais equânime.
se os municípios que compõem uma dada região
não tiverem claro que o sucesso de um interfere
no sucesso de outro, a região como um todo, sairá Cidades sustentáveis: mudanças
perdendo em oportunidades e novos desafios. O em um mundo globalizado
uso da tecnologia pode atrair muitos investimen-
tos e turistas a uma região, beneficiando a gera- Para Spirn (1995), a natureza na cidade é uma
ção de renda local. Contudo, o uso demasiado e força poderosa que pode sacudir a terra, fazendo-
despreocupado dessa tecnologia pode reduzir o -a deslizar, deslocar-se ou se desmoronar. Acres-
tempo de vida dos recursos naturais, prejudican- centa a autora que a cidade é parte da nature-
do muito mais do que beneficiando os cidadãos. za. Além dos elementos naturais que integram o
84
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
ecossistema das cidades, há de se somar os pro- que qualquer outro princípio ou ideal, o desenvol-
cessos econômicos, políticos e culturais – o ecos- vimento sustentável deve informar o modelo de
sistema social. A cidade expressa, pois uma inte- desenvolvimento do país ou sociedade que pre-
ração sistêmica e recíproca entre ecossistema so- tende fazer uso racional dos recursos existentes,
cial e ecossistema natural. Se assim for, pode-se de modo que seus benefícios alcancem também
supor que os planos de intervenção que compre- as gerações futuras. A cidade se caracteriza por
endem essa interação entre processos naturais e uma justaposição espacial, pela escala e pela di-
processos sociais tendem a resultar em cidades versidade de funções, bem como ser um ambien-
mais estáveis e saudáveis, proporcionando uma te construído. Por este ângulo, o planejamento
qualidade de vida maior para seus cidadãos. voltado a sustentabilidade seria imprescindível e
Do ponto de vista conceitual das relações urgente na sociedade atual.
ecológicas dos ecossistemas naturais há de se As discussões sobre o planejamento e a ges-
considerar que, longe de termos que se opõem, tão urbana com propósitos sustentáveis reconhe-
o ambiente natural e o ambiente construído pre- cem as cidades como consumidoras, degradado-
cisam ser considerados como extremos de uma ras do ambiente natural e com os recursos do am-
mesma escala (SPIRN, 1995). Importante apreciar biente construído. Percebe-se que há uma neces-
que nem o ambiente natural está livre da presen- sidade de planejar as cidades para que as mesmas
ça humana, nem é possível haver um ambiente sejam sustentáveis. Contudo, a ideia de cidades
construído, no qual estejam ausentes elementos sustentáveis está incorporada em um contexto de
naturais. Na visão de Smolka (1996), o meio am- competitividade, sob uma lógica de mercado ca-
biente não é apenas o próprio espaço, pois ao se da vez mais globalizada, no qual as cidades estão
tornar espaço construído sustenta o modo de vida inseridas e acabam competindo entre si como as
urbano das cidades. Na contemporaneidade não empresas (HARVEY, 2005). No entanto, essa com-
basta apenas remeter a um modo de vida, mas é petitividade necessidade de ressalvas, pois a cida-
preciso ter em mente a importância de um modo de não é o sujeito em si, mas o é seus gestores e
de vida mais sustentável e equilibrado. cidadãos. Outro ponto a salientar é a preocupa-
Enfatiza-se que a busca pela sustentabilida- ção com a sustentabilidade ambiental deve estar
de das cidades, não permitindo a destruição dos presente nas sociedades atuais, porém não há co-
estoques de recursos naturais atuais, torna-se es- mo desconsiderar a globalização e todo o aparato
sencial para a atual geração, bem como para as tecnológico que ele traz consigo. A realidade que
gerações futuras. Faz-se necessário (re)pensar em o ser humano vive é global e ao mesmo tempo
soluções para os dos problemas mais pertinentes local e esse é o grande desafio a ser enfrentado.
dos lugares, como: a (re)ordenação do espaço ur- Com um ritmo ditado por alterações impos-
bano a partir de princípios básicos sustentados no tas pela chamada globalização e viabilizadas pe-
direito à cidadania, na administração democráti- la influência de uma mídia4 negativa que exerce
ca das cidades e na função social destas e da pro- o grande poder de impor novos hábitos e confi-
priedade; juntamente, com a adoção de mecanis- gurar novas culturas, tem como resultado, entre
mos que incluam, no mínimo, a manutenção dos outros, do surgimento de novas espacialidades e
atuais estoques de recursos para as gerações fu- preocupações. A mídia atua com um grande ca-
turas. O que se percebem são cidades desordena- talisador que amplifica a notícia divulgada, tendo
das, os direitos à cidadania não sendo atendidos, grande influencia sob as pessoas em geral. No en-
saneamento básico precário, mobilidade prejudi- tanto, não é somente a mídia que é o responsável
cada, alta geração de resíduos sólidos e tantos por mudanças na sociedade.
outros problemas que a vida urbana enfrenta dia- As modificações da cidade deixam de decor-
riamente. Para serem sustentáveis, as cidades pre-
cisam encontrar respostas urgentes para essas e
outras adversidades. 4 Mídia, neste caso, refere-se aos veículos de comunicação e sua
Na concepção de Cavalcanti (2002), mais do ampla divulgação.
85
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
rer de processos endógenos e passam a ser, funda- tendimento de algo posto, porém de forma nova.
mentalmente, fruto de forças exógenas, forças es- As estratégias de desenvolvimento regional,
sas que obedecem à lógica do capital. Faz-se ne- de modo geral, são um mecanismo dinamizador re-
cessário salientar, conforme Acselrad (2001), que presentado pela resposta dos atores locais e regio-
os discursos sobre sustentabilidade têm como um nais frente aos desafios colocados pelo aumento
dos seus aspectos centrais a busca pela eficiência da competitividade e da própria globalização que
na utilização dos recursos. Os extremos desses dis- desencadeariam os processos de desenvolvimen-
cursos são os chamados “otimistas tecnológicos”, to. Essas iniciativas coletivas têm como propósito
que acreditam que o sistema de preços vai induzir estimular o surgimento e a expansão das empresas
o surgimento de tecnologias mais limpas. De ou- e setores locais, favorecendo o desenvolvimento
tro lado, encontram-se os “pessimistas tecnológi- dos recursos específicos que determinam a capa-
cos”, para os quais é necessário estabelecer limites cidade de retenção de empresas externas que con-
para o crescimento econômico para que haja sus- tribuam com o desenvolvimento pretendido.
tentabilidade. Encontrar o meio termo nessas dis- Assim sendo, este procedimento está tam-
cussões contemporâneas é um dos desafios que a bém em função dos objetivos daqueles que pro-
sociedade enfrente, juntamente com outros. põem políticas otimizadas para o desenvolvimen-
to regional. Portanto, é fundamental entender as
particularidades de cada região e como estas são
Considerações finais utilizadas nas estratégias que visam promover o
desenvolvimento territorial, turístico e o regional.
A partir do exposto, evidencia-se o papel cen- Neste sentido, levanta-se a questão sobre o tipo
tral do homem, bem como o estudo do comporta- de desenvolvimento que as regiões almejam, se
mento humano nas organizações, ocupando po- com base em um desenvolvimento mais equâni-
sição estratégica e tendo em vista a valorização me voltado à qualidade de vida ou se um mero
do capital humano e da inovação, temática deste crescimento econômico apenas fomentando a
estudo, como um dos principais agentes de ge- geração de renda local. A discussão aponta ainda
ração de oportunidades para enfrentamento de para a necessidade de pensar a inovação com um
desafios em todos os setores da sociedade. De dos principais agentes ou mediadores de geração
modo a obter-se a compreensão da realidade, tra- de oportunidades para o enfrentamento de desa-
balhou-se com uma pesquisa qualitativa de cunho fios em todos os setores da sociedade.
exploratório, tendo como foco a pesquisa biblio- O grande desafio é aproveitar a oportunidade
gráfica para discutir o papel do capital humano e de gerar renda local, tendo como parâmetro um
da inovação no contexto do desenvolvimento re- desenvolvimento mais equilibrado. Nesse caso, o
gional, como sendo mais do que mero fator hu- setor turístico e a mídia podem atuar como gran-
mano presente nas cidades e regiões. O objetivo des propulsores de ideias mais sustentáveis, incen-
foi o de discutir teoricamente essas relações, com- tivando maior consciência sobre o uso dos recur-
preendendo suas inter-relações. sos naturais e proporcionando melhor qualidade
As organizações, para atuarem nos campos de vida por meio da informação. A ideia é a de que
da tecnologia, estratégia e inovação, dependem o envolvimento dos cidadãos em condições mais
de um fator altamente competitivo e diferencial iguais é um bem intrínseco e necessário. É ainda
entre os concorrentes que são seus funcionários um meio de assegurar uma distribuição mais jus-
e colaboradores. Portanto, as organizações ven- ta das decisões, sendo igualmente uma estratégia
cedoras, setores vencedores ou aqueles que têm importante para alcançar soluções mais efetivas,
condições de obter maior sucesso serão as que tendo em vista os problemas coletivos. Desta for-
melhor souberem atrair, manter, desenvolver e, ma, nutrindo uma maior igualdade de poder, está-
principalmente, reter as pessoas, valorizando seu -se construindo uma sociedade mais democrática
potencial intelectual. Essa valorização já é parte e uma democracia mais justa, acarretando em uma
de um processo de inovação, pois demanda o en- cidade sustentável mais ativa e equânime.
86
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
ACSELRAD, Henri. Sentidos da sustentabilidade urbana. In: ACSELRAD, Henry (org.). A duração das cidades: sustentabilidade e
risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 27-57.
AMARAL FILHO, Jair. A endogeneização no desenvolvimento econômico regional e local. Planejamento e políticas públicas - IPEA,
n. 23, jun. 2001, p. 261-286.
BARQUERO, Antonio V. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização. Porto Alegre: FEE, 2001.
CARVALHO, R. Q. A combinação de Marketing e P&D é importante para o processo de inovação. Unicamp, 2005. Disponível em
<www.extecamp.unicamp.br/gestaodainovovacao>. Acesso em: 05 nov. 2014.
CASSIOLATO, José Eduardo; LASTRES, Helena Maria Martins; Sistemas de Inovação: Políticas e Perspectivas. Parcerias Estratégicas,
n. 8, mai. 2000. p. 237-255.
CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 4. ed., São Paulo: Cortez, 2002.
DRUKER, Peter Ferdinand. Inovação e espírito empreendedor. São Paulo: Editora Pioneira, 1987.
DRUCKER, P.F.; HESSELBEIN G.; GOLDSMITH, B. R. Organização do Futuro. São Paulo: Futura, 2003.
FRIGOTTO, G. A Produtividade da Escola Improdutiva. 7. ed. São Paulo: Editora Cortez, 2006.
GIL, Antônio Carlos. Técnicas de pesquisa em economia. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1990.
LASTRES, H. M. M.; CASSIOLATO, J. E.; ARROIO, A. Sistemas de inovação e desenvolvimento: mitos e realidades do conhecimento.
In: LASTRES, H. M. M.; CASSIOLATO, J. E.; ARROIO, A. (Orgs.). Conhecimento, sistemas de inovação e desenvolvimento. Rio de
janeiro: Editora da UFRJ e Contraponto, 2005. p. 17-50.
MANÃS, A.V. Gestão da Tecnologia e da Inovação. 9. ed. São Paulo: Erica, 2001.
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA – MCT. Livro Branco: Ciência, Tecnologia e Inovação. Disponível em: <http://www.cgee.
org.br/arquivos/livro_branco_cti.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2014.
MORAES, Jorge Luiz Amaral de. Capital social e políticas públicas para o desenvolvimento regional sustentável. Revista do Centro
de Ciências Administrativas, UNIFOR – Universidade de Fortaleza, Fortaleza, v. 9, n. 2, dez. 2003, p. 196-204.
OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Planejamento Estratégico: conceitos, metodologia e práticas. 23. ed. São Paulo: Atlas,
2007.
PAIVA, Carlos Águedo Naguel. Como identificar e mobilizar o potencial de desenvolvimento endógeno de uma região? Porto
Alegre: FEE, 2004.
SILVEIRA, M. A. Diretrizes para elaboração de pesquisas. Publicação Laboratório de Tecnologia de Gestão. São Paulo: Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação, 2001.
SILVEIRA, M. A. Método para Avaliação de Estratégias Organizacionais: Aplicação ao Estudo Comparativo de Estratégias em
Indústrias. I Encontro de Estudos em Estratégia, 2003 Anais... São Paulo: ANPAD, 2003.
SMOLKA, Martin O. Meio ambiente e estrutura intra-urbana. In: MARTINE, George et al (orgs.). População, meio ambiente e
desenvolvimento: verdades e contradições. 2. ed. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 1996, p.133-147.
SPIRN, Anne Whiston. O jardim de granito: a natureza no desenho da cidade. São Paulo: EDUSP, 1995.
TERRA, José Cláudio Cyrineu. Gestão do Conhecimento, o grande desafio empresarial: uma abordagem baseada no aprendizado e
na criatividade. São Paulo: Negócio Editora. 2001.
87
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
88
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Análise da percepção de
estudantes universitários sobre a
inclusão de negros na propaganda
Analysis of the perception of students
about the inclusion of blacks in advertisin
Resumo
Este trabalho visa analisar se os comportamentos de consumo são influenciados por atos racistas. Foi realizada
uma análise a fim de avaliar as percepções entre estudantes universitários sobre a inclusão de negros na propa-
ganda. Para fundamentação teórica e compreensão da pesquisa foram abordados os temas: propaganda, com-
portamento do consumidor, racismo moderno, estigma e habitus, que guiaram a análise do trabalho. Para tanto
realizou-se um grupo focal analisado através da técnica de análise de conteúdo categorial. O estudo revelou que
ainda existem comportamentos racistas que as pessoas omitem para não sofrer cobranças da sociedade, já que
atualmente existem muitas manifestações de movimentos contra o racismo no Brasil.
Abstract
This study aims to analyze whether consumer behaviors are influenced by racist acts. An analysis was carried out in
order to evaluate the perceptions among university students about the inclusion of blacks in the propaganda. In
order to better deal with this issue, we used the themes: propaganda, consumer behavior, modern racism, stigma
and habitus, which guided the analysis of research. For that, a focal group was analyzed through the categorical
technique. The study revealed that there are still racist behaviors that people hide in order to avoid collecting from
society, as there are now many manifestations of movements against racism in Brazil.
1 Estudante de graduação do 8º semestre Publicidade e Propaganda no Centro Universitário Metodista do Sul – IPA. E-mail: janinnesg@
terra.com.br
2 Professora mestre do curso de Publicidade e Propaganda, Jornalismo e Administração do Centro Universitário Metodista - IPA
89
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
O
tema foi escolhido com base nas observa- Apresenta-se como principal hipótese a pre-
ções do cotidiano, de como se dá a esco- sença de comportamentos racistas na recepção
lha de personagens para a produção de das propagandas representadas por negros, que,
peças publicitárias e a percepção do comporta- com base na teoria do autor Pierre Bourdieu, ha-
mento do consumidor, ao receber o produto com bitus, estuda o encobrimento desses comporta-
a representação do negro. mentos na sociedade fazendo com que as pesso-
O trabalho tem como objetivo analisar se os as não se manifestem claramente diante do caso.
hábitos de consumo são influenciados quando um Acredita-se que a relevância do trabalho para
produto ou serviço é representado por negros, e este segmento será o aumento e consolidação da
como objetivos específicos: identificar se a per- inclusão social nas produções publicitárias. Enten-
cepção da recepção da propaganda com mode- de-se que diversas áreas já vêm trabalhando de
los negro/as pelos estudantes universitários va- forma que sejam mostradas e incluídas na socie-
ria de acordo com etnia, gênero, idade, religião dade para que se tornem naturais, longe de pre-
ou curso; identificar se o consumo final é afeta- conceitos. Assim, na propaganda, a inclusão so-
do quando a propaganda é representada por ne- cial pode impactar e afetar o consumo em geral e
gros; avaliar se os resultados influenciam em fu- manifestar alguma forma de mudança na cultura
turas contratações de modelos negros para pro- do racismo.
pagandas. A importância do estudo se dá pela integra-
Os conceitos apresentados no trabalho fo- ção de novas mídias e culturas. Nos últimos tem-
ram: Propaganda, Comportamento do Consumi- pos, houve diversos impactos sobre o racismo na
dor, Racismo Moderno, Estigma e Habitus, que sociedade, atingindo diretamente a área de co-
auxiliaram na análise da pesquisa após a coleta municação, que é a principal fonte de informa-
dos dados, o procedimento de pesquisa utiliza- ção dos acontecimentos que geram polêmicas, as
do neste trabalho foi uma pesquisa de natureza quais criam reações e opiniões do público, que
qualitativa tendo como técnica a realização de um segue um padrão democrata e permanece com as
grupo focal formado por 8 estudantes com faixa lutas diárias pelos seus direitos e valores.
etária de 18 a 35 anos, moradores da Capital Porto Acredita-se que dessa forma pode-se enten-
Alegre e estudantes de variados cursos e universi- der alguns comportamentos preconceituosos na
dades descritos detalhadamente no capítulo dos sociedade em geral e analisar se esteve presente
procedimentos metodológicos. O trabalho teve durante a pesquisa.
uma análise categorial dividida em três fatores:
Habitus, Estigma e Motivação de consumo, que
tiveram como base bibliográfica o referencial te- Propaganda
órico apresentado no trabalho.
Ao longo do estudo, serão discutidas as for- Para Sampaio (2003, p. 27), “propaganda é a
mas de discriminação racial e as posições racis- divulgação de um produto ou serviço, com ob-
tas ainda presentes na sociedade brasileira, inqui- jetivo de informar e despertar interesse de com-
rindo sobre a responsabilidade da mídia, notada- pra ou uso nos consumidores”. Veronezzi (2009)
mente da publicidade, nesse resultado. Além dis- cita que sempre será empregado o termo publi-
so o trabalho demonstra como o negro represen- cidade, pois é a forma correta de indicar a ativi-
tado se sente perante a tantos julgamentos racis- dade profissional e respectivas realizações dentro
tas, a técnica de pesquisa deste trabalho permite da área do marketing. Muitas pessoas acham que
analisar a discussão de diversas visões relaciona- propaganda e publicidade são sinônimos.
das a este tema tão delicado. Entende-se que no Para Veronezzi (2009, p. 7), propaganda vem
século em que se vive este tema é discutido mais do Latim “Propagare” multiplicar, propagar, pro-
abertamente na sociedade, porém, o trabalho longar, estender, alargar, engrandecer. Propa-
90
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
91
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
92
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
diante do problema apresentado no trabalho, co- diante da peça demonstrada durante a pesquisa.
mo é a recepção da propaganda com os negros Segundo Samara e Barros (2007), o planeja-
como demonstradores do produto com base nos mento correto da pesquisa e a utilização da meto-
conceitos apresentados no referencial teórico do dologia adequada, levará a análise que responda
trabalho. os objetivos da pesquisa. Este processo analítico
Para analisar a percepção da recepção de ne- tem como objetivo detectar o comportamento do
gros no grupo focal, utilizou-se uma gravação au- consumidor e suas situações avaliando as oportu-
diovisual da apresentação da peça publicitária. O nidades e problemas na propaganda.
grupo focal, citado na delimitação da pesquisa, Partindo do método escolhido para este tra-
neste momento foi observado o comportamento balho, a análise categorial, foram analisados, de
dos participantes durante as respostas ao ques- cada participante do grupo focal, os seguintes fa-
tionário apresentado pela mediadora do grupo, tores: habitus, estigma e motivação de consumo.
assim como possíveis comentários de índole ra- Com esses fatores no capítulo a seguir é apresen-
cista que podem surgir ou não durante a pesqui- tada, a análise da pesquisa.
sa. Gil (2008) também apresenta a importância
da pesquisa documental que se assemelha mui-
to com a pesquisa bibliográfica, complementan- RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA
do essa pesquisa e agregando para uma análise
mais eficaz, pois o trabalho apresenta uma base Neste momento são apresentados os resulta-
bibliográfica com conceitos e os materiais que fo- dos da pesquisa aplicada, abordando as coloca-
ram coletados durante a pesquisa e receberam ções dos participantes do grupo focal, juntamen-
um tratamento analítico elaborados de acordo te com a análise categorial das respostas seguin-
com o objetivo da pesquisa. do os fatores apresentados.
A análise dos dados se deu na interpretação No presente artigo estudou-se um grupo fo-
dos vídeos e áudios coletados do grupo focal que cal realizado aos 27 dias do mês de abril do ano de
foi montado com base no target descrito nos ob- 2017, com duração de 1 hora e 30 minutos. Para
jetivos da pesquisa; a pesquisa utilizou menos cri- realização desse trabalho, foi utilizado um roteiro
térios possíveis, o autor Stake (2011) escreve que que guiou a mediadora na aplicação. No grupo
quanto mais a pesquisa usar critérios, mais ficará focal, participaram 8 pessoas de ambos os sexos,
longe da ênfase da experiência pessoal. com faixa etária entre 20 e 22 anos, todos estudan-
Optou-se nesta pesquisa uma análise catego- tes universitários de diferentes cursos e universi-
rial para dividir por categorias as percepções das dades. A seguir, apresenta-se o perfil dos partici-
respostas e dos comportamentos dos participantes pantes:
93
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Foi preservada a identidade dos participan- O site da Veja5 (2017) publicou, em uma notí-
tes, por este motivo, foram referenciados por nú- cia no dia 28 de maio de 2016 a manifestação da
meros durante a análise da pesquisa. No traba- empresa perante a peça publicitária, que, segun-
lho, foi apresentado para aos participantes uma do o porta-voz e um representante disseram que
produção audiovisual da China, considerada, em não viram conteúdo racista no comercial. “A im-
maio de 2016, a propaganda mais racista do mun- prensa estrangeira é muito sensível” foram as pa-
do, a propaganda do detergente de roupas Qia- lavras da marca Qiaobi.
obi, da empresa Shanghai Leishang Cosmetics. A Posteriormente, foi levantado o questiona-
propaganda da marca de sabão Qiaobi lançou o mento seguindo o objetivo da pesquisa: o consu-
VT em abril do mesmo ano, impactando as pes- mo final do produto ou serviço é afetado quando
soas do mundo inteiro, contando com mais de 4 a propaganda é representada por um negro?
milhões de acessos no YouTube3. Para chegar em um maior entendimento da
A propaganda inicia com uma moça lavando pesquisa, teve-se como objetivo saber se os há-
roupas. Um homem negro, com marcas de tinta bitos de consumo são, de alguma forma, influen-
no rosto, aparece na cena, demonstrando interes- ciados por paradigmas de origem racista. E como
se na jovem. Após ambos se olharem sugestiva- objetivos específicos a partir da análise dos fato-
mente, ela coloca um tablete do sabão na boca res categoriais identificar a percepção da recep-
dele e empurra o homem para dentro de uma má- ção da propaganda com modelos negro/as pelos
quina de lavar. O homem negro reaparece trans- estudantes universitários se varia de acordo com
formado em um chinês de pele clara e a jovem fica etnia, gênero, idade, religião ou curso; identificar
encantada com o resultado. se o consumo final é afetado quando a propagan-
da é representada por negros; avaliar se os resul-
Figura 1 – Foto QIAOBI tados influenciam em futuras contratações de mo-
delos negros para propagandas.
No primeiro momento da pesquisa deu-se a
análise do que seria propriamente o produto que
estava sendo apresentado no VT, posteriormen-
te foram aplicadas as perguntas do questionário
em anexo para discussão dos participantes. Am-
bos desconheciam o VT, o que levantou respostas
com maior qualidade.
Com base nos dados obtidos pode se analisar as
percepções de cada participante, juntamente com
Fonte: G1 (2016, paginação irregular) os fatores categoriais propostos na metodologia:
94
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
mo as condições objetivas que caracterizam a po- que veicula, suas aspirações, identificações etc”.
sição do indivíduo na estrutura social dão origem (Araújo e Oliveira, 2014, p. 218), com isso, enten-
a um sistema específico de disposições e predis- de-se a manifestação do participante 2 sobre a
posições para a ação. ” (Araújo e Oliveira, 2014, diferença de culturas entre o Brasil e a China, país
p. 217). Durante o trabalho a primeira manifesta- onde foi reproduzida a peça publicitária.
ção foi do participante 4 com a percepção de que O participante 6 citou a questão de o negro
a peça publicitária mostrou que seria melhor se o sair da máquina apenas limpo e não com outra
negro fosse branco, neste momento o participan- cor. No artigo de Setton (2002) está descrito que é
te 1 interferiu concluindo com a ideia de como se possível pensar quando o indivíduo passa por uma
o negro estivesse sujo e que o sabão apresentado experiência, fazendo com que ele possa construir
na peça fosse “eficaz para limpeza”. O conceito a própria identidade, fazendo suas escolhas, leva
habitus se apresentou no grupo focal, quando o o mesmo a associar com uma memória incorpo-
participante 3 não associou a pesquisa com o ra- rada e inconsciente, assim, é importante ressaltar
cismo e sim com o feminismo, pois no VT o negro a manifestação do participante 6 sobre ter fami-
está demonstrando seu interesse pela jovem. O liares negros, uma frase bastante citada na socie-
participante 3 demonstrou a opinião de que após dade hoje em dia, tratando-se de racismo moder-
o negro ser jogado na máquina, sairia um novo no é como um encobrimento do comportamen-
homem, com mais respeito pelas mulheres. to racista, tentando ocultar e diminuir as chances
Relacionando com os parâmetros de movi- de julgamentos da sociedade. Setton (2002) tam-
mentos sociais que a sociedade propõe nos dias bém afirmou sobre o indivíduo ter essa experiên-
atuais, o feminismo também está incluído em um cia incorporada, fazendo com que a construção
dos fatores que mais geram assunto entre os jo- de identidades, ideias e percepções continuem
vens. Segundo Bourdieu (1983), o habitus mos- na forma de um habitus permitindo posicionar-se
tra a percepção das pessoas perante os casos e processual e relacionalmente com base em lógi-
determina a inclusão e adaptação imposta pelas cas práticas de ação ora conscientes, ora incons-
novas e imprevistas situações e pode-se perce- cientes (Setton, 2002, p. 68), o que explica a atitu-
ber que na pesquisa o participante 3 demonstrou de da participante 6.
uma percepção imposta pelos novos movimentos Posteriormente, o participante 1 demonstrou
e manifestações feministas. espanto com a data da publicação da peça, já o
A mediadora do grupo focal questionou so- participante 7 expos sua percepção de que a pe-
bre a representação da peça publicitária para o ça seria criada de uma forma agressiva, mostran-
grupo e os participantes demonstraram suas per- do o racismo. Citou que os julgamentos deveriam
cepções individualmente, iniciando pelo partici- ser por caráter não por etnia. Com essa percep-
pante 2 que colocou em discussão a ideia dos pa- ção, o participante 8 manifestou-se com a opinião
râmetros de beleza negro versus branco, sendo de que a peça seria desumana, e como nos dias
um ideal estético para a propaganda utilizar ato- atuais ainda possam existir manifestações de ra-
res brancos do que negros. Citou também a ques- cismo dessa maneira, julgamentos de que a jo-
tão cultural, que na China o racismo nas propa- vem do comercial julgou o negro de ter um ca-
gandas não é muito evidenciado por não ter mui- ráter sujo por ser negro e o sabão “lavou tudo”.
tos negros na população e que os chineses têm Também comentou sobre a questão da descen-
uma cultura de serem os melhores em todas as dência, que os chineses também manifestam pre-
questões, citou que poderia ter saído da máqui- conceitos com nacionalidades, pessoas de outros
na de lavar um “galã” de cinema, mas não, a peça países, que poderia ter saído da máquina de la-
enfatizou um personagem chinês. Nesse momen- var apenas uma pessoa branca, mas saiu uma pes-
to, pode-se perceber a questão de que “o habi- soa branca e oriental colocando a mesma ideia
tus inclui tanto as representações sobre si e sobre do participante 2, que a peça estava dando ênfa-
a realidade, como também o sistema de práticas se a etnia oriental. Araújo e Oliveira (2014) explica
em que a pessoa se inclui, os valores e crenças essas manifestações colocando que habitus ope-
95
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
ra na disposição que leva o indivíduo a agir e se terar sempre seu caráter” (Setton, 2002, p. 68). O
portar de acordo com sua classe ou grupo social. autor transmite a ideia de que se tem a informa-
O participante 5 comentou que está se falan- ção sempre renovada e exposta para a sociedade
do da China, voltando para a questão de culturas o caráter dos indivíduos podem ser alterados, o
entre os países, onde é um país que tem poucos comentário da participante 1 se encaixa na ques-
negros e por esse motivo a peça ter resquícios tão de Setton (2002), por mais que o país apresen-
desse fator. te um esforço para inclusão dos negros na mídia,
Dando continuidade à pesquisa, a mediado- ainda não é mostrado para sociedade a informa-
ra indagou sobre o sentimento que a peça trans- ção dessa inclusão propriamente dita, clara e vi-
mite sobre os participantes, iniciando com a per- sível nas ruas.
cepção do participante 1, que transmitiu e verbali- O participante 5 expõe sua percepção sobre
zou o sentimento de indignação. O participante 4 as propagandas apresentarem mais casos sobre o
também fala sobre a vergonha e todos os demais homossexualismo, peças fortalecendo o fim des-
participantes, 2, 3, 5, 6, 7 e 8, concordam com a se tipo de preconceito. Na percepção do partici-
colocação. pante 6 a inclusão de negros na propaganda está
A próxima pergunta levantada foi se a peça ocorrendo, pois existem muitas peças onde apa-
publicitária apresentava um conceito racista. To- recem família negras, casal negros, etc. expos que
dos os participantes afirmaram que sim, em se- propagandas como a do sabão apresentada na
guida a mediadora questiona sobre a lembrança pesquisa não existem no Brasil, humilhando os
de alguma peça publicitária que valorizasse os ne- negros, que a propaganda brasileira mostra ou-
gros. A primeira manifestação foi do participante tros tipos de humilhação menos com os negros.
6, falou que não existiam peças publicitária valo- Com a interferência do participante 1 o grupo en-
rizando os negros sem que se referissem ao gê- tra na questão que as peças publicitária brasilei-
nero feminino como um objeto, ou seja, não tem ras, não apresentam um número significativo de
campanhas valorizando os negros, e se tem, se negros, sempre há um negro para uma maioria
referem à mulher negra como objeto. Os partici- branca, nunca um branco para uma maioria ne-
pantes se manifestam sobre atualmente ter uma gra. Setton (2002) salienta a questão da cultura
preocupação maior das agências e empresas em de massa no conceito habitus que sua realidade
incluir pessoas negras nas propagandas, em que traz a pluralidade de informações e mensagens,
o participante 1 citou a campanha da Avon de com a força dessas circulações pode-se chegar a
2017, do produto Big & Define6 com a artista Karol uma nova matriz cultural, e essa mesma cultura de
Conka7, que é uma cantora rapper negra e apoia massa divide uma responsabilidade pedagógica
os movimentos contra o racismo. A participante 1 com os profissionais da educação, como os parti-
comenta que dificilmente vê-se propagandas nas cipantes também citaram ao fim da pesquisa que
ruas apresentando alguma valorização ao negro. a educação e conscientização do racismo inicia na
No artigo de Setton (2002), pode-se observar a criação com a família.
possível solução para essa mudança de percep-
ções, o autor escreve que “A reflexividade mo-
derna consiste no fato de que as práticas sociais Categoria 2: estigma
são frequentemente examinadas à luz de informa-
ções renovadas sobre essas práticas, podendo al- O estigma observado durante a pesquisa foi o
denominado por Goffman (1988) como tribal, que
se vincula a estigmas de diferenças no corpo, visi-
6 À VONTADE | BLOG. Comercial Máscara Big & Define com Karol velmente nocivas ao olhar da sociedade, o grupo
Conká – AVON. 2016. Disponível em <https://www.youtube.com/ passou a comentar sobre a história dos negros no
watch?v=z6_wmQR5snI> acesso em: 30 abri 2017.
Brasil e que isso influenciava nos comportamen-
7 Karoline dos Santos de Oliveira, mais conhecida pelo nome
artístico Karol Conka, é uma rapper, cantora e compositora
tos da mídia perante pessoas negras. No capítu-
brasileira. lo anterior leu-se que a participante 6 verbalizou
96
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
que está, sim, acontecendo a inclusão dos negros sas.” (Goffman, 1988, p. 58).
nas propagandas, porém, não de forma clara pa- Dando continuidade à pesquisa, a mediadora
ra os consumidores. Neste momento da pesqui- questionou, se, por esse motivo de não ter peças
sa, o participante 2 ressaltou que o impedimento com mais pessoas negras do que pessoas bran-
dessa inclusão tem resquícios da história brasilei- cas, o racismo se mostrava presente na propa-
ra e o negro se torna estigmatizado por este mo- ganda. O participante 1 afirmou que sim, existem
tivo. Goffman (1988) explica que a pessoa estig- mais peças com caucasianos do que com negros,
matizada não está habilitada para ter aceitação porque existe o racismo. A participante 3 diz que
social plena. O participante 2 colocou a questão pode não ser algo consciente, mas sim cultural.
da “dívida histórica” do país com a população ne- Segundo Goffman (1988), atualmente, a questão
gra, que atualmente é o argumento utilizado nos do encobrimento levantou o problema da visibi-
movimentos contra o racismo para sua inclusão lidade, indagando até que ponto a pessoa estig-
social, em seguida o participante 3 concluiu que matizada precisa se mostrar para a sociedade sa-
as empresas utilizam negros nas propagandas co- ber que ela possui um estigma, isso torna a visibi-
mo se fosse por obrigação, ou pena, argumentou lidade um fator crucial diante do assunto racismo.
também, que atualmente, a internet é muito utili- Ainda nessa questão, a participante 1 conclui na
zada para a expansão das informações e não apa- propaganda o racismo é um fator que está explí-
recendo um negro na propaganda se torna mais cito no Brasil, o que é errado, pois as empresas
fácil o levantamento de discussões e polêmicas não pensam duas vezes em colocar 5 brancos e
nas redes sociais sobre um possível racismo na 1 negro em uma propaganda, ou 3 brancos e 3
empresa que publica a peça sem a presença dos negros, mas é raro ver a maioria de etnia negra
negros. Assim a participante conclui que as em- em uma peça, Goffman (1988) explica que estig-
presas pensam em incluir os negros nas propa- ma neste caso é a aceitação e inclusão de pes-
gandas por obrigação para não gerar problemas. soas vistas como diferentes na sociedade. Neste
A participante 1 expõe a sua opinião de acre- momento a participante 6 expõe que hoje em dia
ditar na importância dos negros se verem na mí- também é raro ver só caucasianos em uma peça,
dia, principalmente para crianças. Posteriormen- pois as empresas já estão tendo a consciência que
te, o participante 5 ressalta um exemplo que no Brasil existe uma diversidade de etnias e acre-
aconteceu com o mesmo, que é professor de vio- dita que seja uma questão de consciência, mesmo
lão. Em uma das apresentações nas escolas, uma que tenha o mínimo de exemplos, e volta a afir-
aluna estava com receio de subir ao palco para to- mar que mesmo com poucas peças a sociedade
car e ser a única negra no show e indagou o par- já está se adaptando a inclusão de outras etnias,
ticipante 5 – que era o professor – se teria só ela e que os receptores acabam não percebendo es-
de pessoa negra na apresentação, o professor res- sa mudança, pois as pessoas acreditam não exis-
pondeu com a negativa e que não teria problema tir mais racismo e deu o exemplo próprio, por ser
se a menina fosse a única negra. O participante 5 uma pessoa caucasiana, acredita não existir racis-
notou a preocupação da aluna sobre a questão mo porque não sofre ele, mas já presenciou de
de ser a única, de ser diferente dos demais, as- outras pessoas.
sim, pode-se observar nesse comentário a ques- Ressalta-se essa manifestação para a obser-
tão que Goffman (1988) escreve sobre as pessoas vação de Goffman (1988) se tratando de desacre-
que não devem apenas se oferecer, mas também ditado e desacreditável como leu-se no capítulo
ser aceitas na sociedade. O autor também escre- Estigma do referencial teórico, o autor explica que
ve sobre a questão da visibilidade, que também quando a diferença não está imediatamente e não
ajuda a entender a atitude da estudante “as con- se tem um conhecimento prévio ela é uma pes-
sequências de uma apresentação compulsória em soa desacreditável. O participante 6 conclui que
público serão pequenas em contatos particulares, só quem é negro pode identificar comportamen-
mas em cada contato haverá alguma consequên- tos racistas.
cia que, tomadas em conjunto, podem ser imen- Em seguida a moderadora questiona sobre
97
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
o negro ser estigmatizado nas propagandas im- do participante 3 que associou a propaganda da
pressas e de TV no Sul do País e o participante 2 pesquisa com o machismo no início do capítulo
fala que a valorização da estética negra parte do anterior. Citou como exemplo uma propaganda
próprio movimento negro, mas ao mesmo tem- que havia visto há algum tempo atrás sobre uma
po existe um comportamento autoritário, ele dá criança que passava sabão em pó e ficava branca,
o exemplo de modelos que tem o cabelo cres- e por isso já associou a propaganda da pesquisa
po e são induzidas a não alisar o cabelo. E que ao racismo. O participante 2 verbaliza que essa
o negro está se firmando na sociedade não atra- propaganda não ia ser bem-vinda no Brasil, por-
vés da propaganda e sim dos movimentos que que os movimentos contra o racismo iriam se ma-
estão surgindo contra o racismo e as suas ideolo- nifestar rapidamente. Comentou que ela poderia
gias que estão ficando cada vez mais forte no Bra- ser aprovada e até mesmo lançada no mercado,
sil, no estudo de Goffman (1988) o autor explica porém, a recepção não iria ser muito boa.
que existem estigmas que são aceitos na socie- O participante 6 comentou que a publicidade
dade e deixa a pessoa estigmatizada em uma zo- poderia naturalizar mais a questão dos negros na
na de desconforto e para amenizar isso o oferece propaganda, se as agências têm esse poder de
um modelo de normalização que mostra até que mídia, elas deveriam aproveitar isso e acrescen-
ponto as pessoas normais podem chegar tratan- tar essa igualdade para o mercado. O participan-
do de um estigmatizado aceito e trata-lo como se te 1 afirma que concorda com a questão exposta
fosse igual, o participante 2 comentou que a pro- pelo participante 6, acredita que os negros estão
paganda segue as referências da sociedade, do aparecendo mais para a publicidade, mas não en-
que as pessoas estão querendo ver. O participan- tende até que ponto as agências investem nisso.
te 1 expõe sua opinião dizendo que é a publicida- Nesse momento o participante 6 citou a pro-
de que está percebendo o crescimento de movi- paganda da marca de cervejas Skol8, dando seu
mentos e está incluindo negros nas propagandas parecer negativo sobre a propaganda, pois acre-
e não os movimentos que estão crescendo pa- dita que a peça está estigmatizando as etnias, en-
ra serem incluídos. Goffman (1988) escreve que a fatizando a diferença entre cada indivíduo. O par-
identidade social e pessoal são interesses de ou- ticipante 5 relembra os lápis de cor nomeados co-
tras pessoas em relação ao indivíduo que está em mo “cor da pele” comentou que é a mesma situ-
questão. O participante 6 afirmou que os empre- ação, pois a “cor da pele” não existe uma só. E
sários e agências querem repassar essa naturali- todos os outros participantes concordam. Então,
dade entre as etnias, Goffman (1988) explica que a mediadora questiona aos participantes se eles
na normalização existe um esforço por parte do tinham conhecimento que mesmo com esses mo-
estigmatizado em se mostrar perante a socieda- vimentos cada vez mais fortes no país, ainda sim,
de como uma pessoa comum, logo o participan- em 115 horas de programação na TV, aparecem
te 2 conclui expondo que os empresários pensam apenas 2,9% de negros nas propagandas – da-
que dessa maneira dá certo e assim eles vendem. do citado na justificativa da pesquisa – a primeira
A participante 6 comenta sobre essas “modas” na manifestação nessa pergunta foi do participante
propaganda, citou o exemplo que antes era legal 6 que demonstrou surpresa a saber desses dados,
fazer propaganda machista, e a sociedade critica- pois na população negra no Brasil é maior que a
va, pois, machismo não é agradável e com isso as população branca conforme EL PAIS (2015)9.
pessoas estão se policiando mais no que falam ou Posteriormente, o participante 7 se manifesta
escrevem, com esse comentário da participante 6
pode-se entender o que Goffman (1988) escreve
sobre a identidade social ser transmitida por qual- 8 SKOL. Skolors, 2017. Disponível em <https://www.youtube.com/
quer símbolo e que isso confirma tudo o que di- watch?v=mQx_VmCQu5w> acesso em: 29 abri 2017.
zem sobre o indivíduo estigmatizado, completan- 9 EL PAÍS. Mais brasileiros se declaram negros e pardos e reduzem
número de brancos. São Paulo. 2015. Disponíve em: <http://brasil.
do a imagem que tem se dele. O participante 6 elpais.com/brasil/2015/11/13/politica/1447439643_374264.html>.
associou essa questão com a primeira percepção Acesso em: 29 abr. 2017.
98
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
questionando se esse fato acontecia devido aos imagem de inclusão social do que realmente pra-
atores serem a maioria de etnia caucasiana, então, ticar a inclusão social. Goffman (1988) explica essa
o participante 6 concluí que não faz sentido ser es- manifestação com a visão dos estigmatizados na
se número insignificante de pessoas negras na TV. fase de aprender sobre seu estigma e se acostu-
No estudo sobre estigma sociológico de Goffman mar com as consequências dele e por isso convi-
(1988) o autor expõe que o interesse está geral- ver de maneira que seja satisfatória.
mente voltado para o tipo de vida coletiva, quan- O participante 6 ressaltou que nos Estados
do esta existe, que levam aqueles que pertencem Unidos a mídia com pessoas negras é bem maior
a uma categoria particular. do que no Brasil, porque os negros americanos
O participante 8 se manifestou relembrando começaram a conquistar seu espaço muito an-
a pergunta anterior de em uma peça publicitária tes do que os negros brasileiros, o participante 6
entre os modelos apenas um ser negro, e expõe comentou que não existem muitos exemplos de
a opinião de que as pessoas na área da comuni- negros na TV, os mais lembrados são a atriz Taís
cação e propaganda, entre agências de publicida- Araújo e seu marido o ator Lázaro Ramos.
de e clientes a maioria são brancos, por isso acre- O participante 1 fala sobre os personagens
dita que influencia na escolha dos modelos, pois que os negros são chamados para fazer, e citou o
os contratantes não pensam em colocar modelos exemplo de novela de época, que mostra a ques-
negros, o participante 8 acredita que se existissem tão da escravidão, porém, em uma novela no ho-
mais profissionais negros nas agências, talvez esse rário nobre dificilmente o ator principal é um ne-
cenário fosse diferente. Goffman (1988) considera gro, colocou que algumas pessoas falam que es-
em seu estudo sobre o estigma que um conjunto tá tendo mudanças, mas a exposição da mudança
de indivíduos dos quais os estigmatizados espe- não está acontecendo, pois os atores principais
ram algum tipo de apoio, os que compartilham continuam sendo brancos, o participante 6 con-
seu estigma consequentemente são definidos e clui citando que os únicos negros que são chama-
se definem como seus iguais. dos são Taís Araújo e Sheron Menezes e ainda não
O participante 2 expõe a opinião de que as são as protagonistas das novelas, o autor Goffman
agências e empresas irão se preocupar mais com (1988) descreve esse modelo de estigmatizado no
que o consumidor está buscando, e citou que a qual o indivíduo que possui o estigma se sociali-
classe média e alta é predominantemente branca, za dentro das situações que o convém, aceitando
e ressalta novamente que isso é o reflexo da dí- suas desvantagens, mesmo quando estão apren-
vida histórica e não é de uma hora pra outra que dendo e incorporando os novos padrões.
essa questão será revertida, talvez se a maioria A mediadora questiona sobre o grupo achar
das pessoas da classe média alta fossem brancas que em algumas situações o racismo pode partir
esse quadro seria revertido e que ainda existem do próprio negro, o grupo concorda e o partici-
pessoas que não racistas assumidamente, outras pante 8 se manifesta dando o exemplo de uma
são racistas e tem problema em assumir. amiga que é negra e acredita que se ela entrar
O participante 1 falou sobre os anunciantes em alguma loja e ser mal atendida o motivo do
estarem mais preocupados em transmitir que os mal atendimento é a sua etnia, no estudo de Go-
negros estão sendo incluídos do que realmente ffman (1988), o autor traz a natureza do “bom ajus-
inclui-los, passam as imagens não colocando pro- te” onde o estigmatizado se aceita inconsciente-
pagandas racistas, citou os programas que levam mente como igual aos normais, enquanto ao mes-
negros para fortalecer o empoderamento, alguns mo tempo, se diminuem perante algumas situa-
programas tentam transmitir que o racismo não ções em que os normais tem dificuldade em man-
existe, o participante 1 verbalizou que esses pro- ter uma aceitação de semelhança. Outro exem-
gramas são de extrema importância pois são os plo desse caso foi dado pelo participante 3 que
programas que realmente falam sobre os negros e conhece um homem negro que trabalhou como
mostram eles para a sociedade, mas acredita que telemarketing, e em uma ligação de uma cliente
ainda tem uma preocupação maior em passar a que não estava conseguindo resolver o problema
99
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
a cliente verbalizou que estava sendo mal atendi- consideradas de raiz pelos negros, Para Goffman
da pelo telemarketing por que era negra, o opera- (1988), algumas interações tradicionalmente es-
dor prontamente respondeu que não estava ven- tigmatizadoras contra os negros podem se tornar
do a cliente pessoalmente e que para a informa- normais quando o caso ocorre entre eles. O par-
ção dela ele também era negro. ticipante 4 acredita que no Brasil tem muito dessa
O participante 1 estudante de uma universi- questão dos negros se fecharem muito à sua raça/
dade federal conta que presencia muitas visitas cultura, e, acontecendo essa aceitação de bran-
de escolas que os alunos negros ficam espanta- cos com negros e também de negros com bran-
dos positivamente quando veem um aluno de me- cos; talvez o racismo diminua mais ainda no país.
dicina negro na universidade federal. O partici-
pante 4 expõe sua opinião nesse momento, não
generalizou mas disse que muitas vezes os negros Categoria 3:
se fazem de coitados por serem negros. Já o par- motivação de consumo
ticipante 2 acredita que o racismo não vem do
próprio negro, só falta incentivos, ressaltou tam- Neste momento da pesquisa, a mediadora
bém que o racismo só acontece com o negro, e inicia as questões referentes à motivação de con-
se o negro está passando por todas as dificulda- sumo, o primeiro questionamento é se as empre-
des na sociedade era para o grupo relembrar dos sas deixam de aprovar peças publicitárias com ne-
índios, que com certeza estão e sempre estiveram gros com receio de terem um resultado negativo
em uma categoria desvalorizada. na recepção do seu serviço/produto. Após a per-
O participante 6 comentou que a questão dos gunta, as respostas dos participantes 5 e 6 foram
índios também é cultural, o participante 6 disse negativas em primeiro momento. Logo, os parti-
que os índios formam um grupo muito fechado, cipantes foram colocando suas opiniões de que
em seguida, o participante 2 conclui que eles não esperam que não aconteça isso no mercado. Já
querem se misturar na sociedade. O participan- o participante 2 acredita que sim, que pelo fato
te 2 enfatiza que no Brasil se fala muito sobre o dos empresários serem a maioria caucasianos eles
racismo, existem lutas contra o racismo e o índio não aprovam peças publicitárias com modelos ne-
não é lembrado que são os povos originários do gros. O participante 2 citou que as pessoas que
país. O participante 4 expõe que os negros em mais consomem são brancas e eles querem atin-
algumas situações também se mostram um gru- gir o público. O participante 1 expôs a opinião de
po muito fechado, Gofman (1988) em seu estudo que acha que sim, mas gostaria que fosse não,
relata diversos exemplos de comportamentos de pois isso é uma manifestação de racismo.
negros com negros, o autor cita que os negros uti- Posteriormente, o participante 5 comentou
lizam palavras que teoricamente seriam vistas co- que, nos dias atuais, não existe mais essa ques-
mo racistas, e entre negros são palavras comuns, tão de os empresários não aprovarem a peça por
Goffman (1988) dá o exemplo que uma pessoa terem negros. O participante 2 conclui que o inte-
branca precisa ser aceita em um grupo de negros resse dos empresários é lucrar com a propaganda,
para que assim possa mencionar as palavras sem e buscam os modelos certos para isso. Samara e
que seja um ato racista, em seguida o participan- Morsch (2005) explicam que os fatores psicológi-
te 6 cita que nos Estados Unidos existem muitos cos afetam todo o comportamento humano, e os
exemplos fortíssimos de personalidades negras, estudos sobre as necessidades, motivações, ati-
como a cantora Beyonce e o próprio ex presiden- tudes e aprendizados vem auxiliando de maneira
te Barack Obama. que os profissionais de marketing possam enten-
O participante 4 cita o exemplo da própria fa- der o que implica no comportamento de consumo.
mília. Disse que desde muito jovem é incluído no A mediadora questiona sobre o consumo final
segmento do samba, e, sempre quando tem fes- do produto/serviço ser afetado quando represen-
tas em família, ele nota que por ser o mais claro tado por um negro, o participante 5 se manifesta
a família o cobra por não saber cantar as músicas explicando que é nesse ponto que ele se refere,
100
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
que as pessoas não deixam de comprar porque o grupo se manifesta com uma resposta positiva,
modelo da propaganda é negro, mesmo a clas- sim, as agências não dão essa oportunidade de
se consumidora sendo predominantemente bran- escolha. O participante 1 acredita que pode acon-
ca. Então a mediadora questiona sobre os consu- tecer, mas acha que todas as agências mostram
midores não serem racistas, mas os empresários para os clientes modelos negros, e depende so-
acharem que os consumidores são racistas, e os mente deles aprovarem ou não, porém, as agên-
participantes 1 e 5 concordam, o participante 1 cias também precisam ter consciência de quem
acredita que a peça é apresentada de uma ma- irão apresentar para esse cliente aprovar, mas no
neira que os empresários acham que vai dar certo planejamento da campanha pode-se colocar to-
– no caso sem negros – mas que os consumido- dos os modelos negros e o cliente reprovar por
res não dão ênfase a esse ponto, nesse momen- ter muitos negros na peça, Gracioso (2002) escre-
to o participante 2 ressalta a questão do racismo ve no seu conceito sobre propaganda que é o que
inconsciente. Solomon (2002, p. 94) escreve que amplifica tudo o que acontece dentro das empre-
“uma vez que uma necessidade é ativada, um es- sas, quando se faz um bom produto, a propagan-
tado de tensão impulsiona o consumidor a tentar da ajuda a transmitir essa mensagem para os con-
reduzir ou eliminar a necessidade” o que explica sumidores e leva a credibilidade da marca para a
essa reação dos empresários citada pelo partici- sociedade. O participante 8 afirmou que isso po-
pante 1. de partir dos dois lados, da agência de publicida-
O participante 6 falou sobre o exemplo de de e do empresário. Já o participante 2 acredita
uma aluna que recentemente pregou o nazismo que colocando a maioria dos modelos negros re-
em sala de aula10. O participante 1 coloca que foi pentinamente pode ser uma atitude apelativa. O
uma exceção, e não acredita que isso atingiria participante 2 expõe que talvez essa “inovação” e
uma massa de consumidores. Em seguida o parti- o ser politicamente correto não é a preocupação
cipante 8 concluiu que talvez essa pessoa que pre- dos anunciantes.
gou o nazismo não comprasse um produto apre- O participante 8 acredita que está se falando
sentado por negros. O participante 2 acredita que muito no assunto racismo, como já se falou muito
os empresários já vão para o destino certo, nesse no assunto homossexualismo, assim, as agências
caso, investem em modelos brancos, porque sa- e os empresários estão abrindo o olho sobre essa
bem que irão receber mais retorno do que se in- questão. Então, o participante 5 comenta que a
vestirem somente em modelos negros. Posterior- rejeição com os homossexuais acaba sendo maior
mente, o participante 5 conclui que eles querem do que com os negros, pois envolve religiões. O
ter a garantia de que aquilo é o melhor para eles. participante 1 comenta que ninguém se surpreen-
Samara e Morsch (2005) explicam essa manifesta- de ao ver uma propaganda com um negro, mes-
ção, ressaltando que o comportamento do con- mo sendo somente um negro na peça, mas quan-
sumidor é uma função tanto de influências inter- do apresenta homossexuais o espanto é maior da
pessoais (no que se refere ao contexto cultural), sociedade. Neste momento da pesquisa pode-se
quanto de influências intrapessoais (se refere as observar o que o autor Solomon (2002) descreve
variáveis pessoais de cada indivíduo). sobre o comportamento do consumidor, que im-
A mediadora questiona sobre as agências de plica em todos esses fatores é a cultura, cidadania,
publicidade não darem oportunidade de escolha meio ambiente, política e religião.
de modelos negros para os empresários. Então o O participante 3 se manifesta expondo a opi-
nião de que as pessoas ainda acham que o ho-
mossexualismo é moda e uma hora vai “diminuir”.
O participante 5 concluí que o homossexualismo
10 MARTINS, CID. Polícia investiga apologia ao nazismo por
universitária durante estágio em escola de Porto Alegre. Porto enfrenta um problema maior por causa da reli-
Alegre. 2017. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto- gião. Kotler e Armstrong (2003) explicam essa po-
alegre/noticia/2017/04/policia-investiga-apologia-ao-nazismo-por-
universitaria-durante-estagio-em-escola-de-porto-alegre-9771289.
sição do participante 1. Os autores acreditam que
html>. Acesso em: 29 abr. 2017. os profissionais de marketing têm como maior de-
101
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
safio estar sempre atualizado às mudanças cultu- as necessidades humanas formam a base para o
rais, o que resultará na criação e reformulação dos marketing moderno. Neste momento final da pes-
produtos e serviços que ligam essas necessida- quisa, o participante 3 relembra uma peça publi-
des a vida social. O exemplo do participante 1 é citária11 que valoriza os negros, que uma mulher
um comentário feito por uma amiga, que fala so- branca dentro de um avião chama uma comissária
bre todo esse tempo vivendo essa mesma cultu- de voo e diz que não gostaria de sentar ao lado de
ra, que são muitas questões a serem desconstru- um negro, e a comissária de voo leva o negro para
ídas, mas é muito delicado. O participante 1 diz primeira classe do avião e diz que ele não merecia
que talvez na maioria das criações das peças pu- sentar ao lado de uma pessoa racista.
blicitárias os profissionais não querem mostrar o Posteriormente, a mediadora encerra a pes-
negro, pois dá um certo tipo de trabalho. O par- quisa, agradecendo os participantes do grupo fo-
ticipante 1 acredita que para se mostrar e empo- cal e explicou o tema do trabalho e os objetivos
derar o negro os profissionais devem pesquisar e do mesmo.
aprender sobre os negros, pois a sociedade está
muito crítica e algum detalhe incluído na peça po-
de ofendê-los. Para os profissionais, isso se torna Inferência da
dificultoso, pois são brancos e não precisam pes- pesquisadora
quisar sobre aquela cultura negra que enfrentou
a escravidão e etc. O objetivo principal da pesquisa era descobrir
Posteriormente, o participante 3 concluí que se um produto apresentado por negros influencia-
é mais fácil para os profissionais fingirem que a va no comportamento do consumidor no momen-
exposição do negro é supérflua e não existe. Para to da compra. Diante dos dados coletados du-
os autores Kotler e Armstrong (2003), a cultura é o rante a pesquisa, pode-se observar que o grupo
principal fator para identificar os comportamentos demonstra que não influencia, porém, a pesqui-
de consumo. O participante 5 expõe a opinião de sadora pode observar em alguns momentos da
que o racismo, atualmente, pelas pessoas mais jo- pesquisa os dois conceitos principais apresenta-
vens é muito pouco tolerável, mas é bem marcan- dos neste trabalho, de estigma e habitus. Obser-
te entre as pessoas mais velhas. O participante 5 vou-se que parte do grupo estava representado
cita o exemplo da própria família que tem pessoas por pessoas bem informadas e instruídas, que, se-
racistas, principalmente seu avô, que era proprie- gundo o autor Goffman (1988), são aqueles indi-
tário de um comércio no interior e não deixava en- víduos cujo a informação vem de seu trabalho, de
trar negros. Posteriormente, o participante 4 tam- cuidar não só da necessidade dos estigmatizados,
bém afirma ter pessoas racistas na família. O par- mas como de entendê-los perante a sociedade e
ticipante 6 comenta que sua família é de descen- entender a sociedade perante os estigmatizados.
dência alemã e seu avô era racista e suas duas fi- Notou-se que os participantes 1, 2, 3, 5 e 8 eram
lhas tiveram filhos com negros, então foi algo que pessoas que se enquadram nesse perfil de indi-
demorou para ser desconstruído internamente na víduos informados, pois tinham argumentos coe-
família, mas que com o tempo foi diminuindo. rentes em suas respostas durante toda a pesquisa,
O participante 7 acredita que no Brasil o pró- com base no histórico do negro no Brasil e em no-
prio negro não se valoriza tanto quanto os negros tícias da atualidade sobre a cultura negra no país.
americanos. Expõe que os negros americanos Nenhum dos participantes acima expôs co-
têm a auto estima maior e isso reflete muito na si- mentários racistas. Se mostraram dispostos a co-
tuação do racismo. O participante 7 acredita que laborar com o progresso, para o fim de comporta-
nos Estados Unidos o negro é mais atuante em
todas as áreas e não só da propaganda. Segundo
Schiffman (2009), a cultura impacta naturalmente e
11 PEDAGOLAND. Racismo no avião, 2015. Disponível em
é automaticamente a influência no comportamen- <https://www.youtube.com/watch?v=Ye-wfJfAHDI> acesso em 29
to do consumo, as necessidades do consumidor e abri 2017.
102
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
mentos racistas na sociedade. Mesmo os partici- que era esse o motivo da dificuldade da inclusão
pantes expondo os exemplos de racismo na pró- dos negros na sociedade, e depende mais do ne-
pria família, como, por exemplo, o participante 5, gro se colocar como uma pessoa igual aos outros.
demonstraram e afirmaram que esse exemplo fa- O participante 4, durante o estudo, esquivou-
miliar não influencia a geração atual, e fazem par- -se em responder algumas questões. Em diversos
te da fatia da sociedade que está evoluindo para momentos, não se manifestou, mas balançava a
acabar com esses comportamentos preconceitu- cabeça com um gesto de discordância dos de-
osos, não somente para o racismo, mas por fim, mais. Observou-se que o participante 4 era o úni-
em qualquer tipo de preconceito. co mais próximo da etnia negra. O participante,
Os participantes ressaltaram, em diversos ao fim da pesquisa, expôs que era cobrado pela
momentos, a questão histórica do negro, com a família de etnia negra por não se enquadrar em al-
escravidão e com todos os maus tratos que so- gumas questões culturais, o que também se rela-
freram na época. Apoiam os movimentos que es- ciona ao conceito de estigma, pois, dependendo
tão crescendo cada vez mais no país; comentaram das situações, os estigmatizados entendem seu
que é importante no momento atual que o país estigma e entendem e não aceitação dos mesmos
está vivendo, com diversas facilidades de propa- na sociedade e, por isso, acabam se fechando em
gação de informações esses movimentos enfati- um grupo menor. O participante 4 finalizou con-
zaram a inclusão dos negros em todas as áreas, cordando com a ideia dos demais participantes
tanto da propaganda que, era o foco do trabalho, de que os negros e a sociedade devem se aceitar,
como, por exemplo, da área da saúde que foi ci- ambos, para ocorrer uma inclusão natural das di-
tada na pesquisa. versidades que hoje em dia sofrem preconceitos.
Por outro lado, observou-se, também, em di- Partindo desse ponto observado pela pesqui-
versos momentos, comportamentos vinculados sadora, de que o único participante mais próxi-
ao conceito de habitus, pois alguns participan- mo da etnia negra não estava confortável com as
tes não tinham respostas consideradas próprias, ideias dos participantes caucasianos, a sugestão
tinham respostas influenciadas por outros parti- para maior compreensão do estudo é a aplicação
cipantes ou influenciadas por comportamentos da pesquisa para um grupo focal com um núme-
julgadores da sociedade. O participante 6 mos- ro maior de participantes, com diversidades étni-
trou interesse sobre o assunto durante toda a pes- cas e analisar a discussão e o ponto de vista de
quisa, mas também se conteve em comentar so- ambas etnias: caucasiana e negra, assim pode-se
bre argumentos de outros participantes, procurou chegar a uma conclusão mais ampla sobre real-
não se comprometer em suas respostas. Houve al- mente existir ou não racismo no ato da compra
guns momentos que, com muita cautela, o parti- de um produto ou serviço.
cipante expôs suas ideias e aguardava as demais
manifestações para discussão do tema.
Pode-se notar que, durante o trabalho, al- Conclusão
guns participantes respondiam as questões rapi-
damente, mas, ouvindo os argumentos dos outros O objetivo do trabalho foi alcançado, a amos-
participantes, eles reviam suas respostas e con- tra coletada na pesquisa que indagou sobre os
cordavam com os demais. Por exemplo, o partici- comportamentos no consumo final do produto ou
pante 7, que não se manifestou muito durante to- serviço serem possivelmente afetados quando a
da a pesquisa e apenas concordava com os outros propaganda é representada por um negro, permi-
participantes que mostravam argumentos mais tiu uma análise satisfatória para este estudo. Par-
convincentes em suas respostas, também pode- tindo desse problema inicial, procurou-se analisar
-se observar o conceito de habitus. Nas poucas diversos pontos no comportamento da socieda-
manifestações do participante 7, o mesmo fazia de, aplicando uma pesquisa com um grupo focal
comparações da cultura brasileira com a cultura composto por 8 participantes.
dos Estados Unidos perante ao negro, comentou Para efetuar a análise, posteriormente, a pes-
103
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
quisa passou por um processo de análise cate- sumo que são influenciados de alguma forma por
gorial e bibliográfica com base nos conceitos paradigmas de origem racista, consequentemen-
apresentados no referencial teórico: propagan- te, também foram alçados os objetivos específi-
da, comportamento do consumidor, racismo mo- cos, que buscavam identificar a percepção da re-
derno, estigma e habitus. Com os dados coleta- cepção da propaganda com modelos negro/as.
dos na pesquisa confrontados com os conceitos A percepção dos estudantes universitários va-
apresentados pelos autores, o trabalho permitiu ria de acordo com etnia, gênero, idade, religião
constatar que ainda há preconceitos velados no ou curso; identificar se o consumo final é afeta-
processo de escolha dos modelos negros para as do quando a propaganda é representada por ne-
peças publicitárias, apesar de que está ocorren- gros; avaliar se os resultados influenciam em fu-
do uma evolução de melhorias no que tange a turas contratações de modelos negros para pro-
inclusão social que podem ser observados pela pagandas. Durante a pesquisa, houve algumas li-
sociedade. mitações por ser um assunto delicado que bus-
Concordando com a hipótese do tema apre- cou trazer percepções reais dos participantes e
sentando na introdução da pesquisa, observou- também percepções influenciadas por comporta-
-se muitos comportamentos relacionados ao con- mentos que perpassam a sociedade.
ceito de habitus do autor Pierre Bourdieu, que O estudo tem grande viabilidade de ampliar
compreende o encobrimento de comportamen- os resultados, com uma nova aplicação de pes-
tos que possam ser julgados pela sociedade. Foi quisa, para um novo grupo focal, com uma quan-
apresentado neste artigo como principal objetivo tidade maior de participantes e com mais varieda-
saber se os hábitos de consumo são, de alguma des étnicas, para que assim possa se observar as
forma, influenciados por paradigmas de origem adversidades de argumentos entre caucasianos
racista, um objetivo foi alcançado e, com as res- e negros, aprofundando os resultados para uma
postas obtidas na pesquisa, concluiu-se que sim, análise sobre alguma a ação que possa acelerar
ainda tem na sociedade comportamentos de con- esse progresso que já vem acontecendo.
104
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. Senac, 2000.
ARENS, W. F.; SCHAEFER, D. H.; WEIGOLD, M. F. Propaganda. Porto Alegre: AMGH, 2013. 520p. (Série A).
À VONTADE | BLOG. Comercial Máscara Big & Define com Karol Conká – AVON. 2016. Disponível em <https://
www.youtube.com/watch?v=z6_wmQR5snI> acesso em: 30 abri 2017.
BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006.
BARBOSA, Wilson do Nascimento, Cultura negra e dominação. São Leopoldo: Unisinos, 2002.
BOURDIEU, Pierre, A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 1998.
CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida Silva. Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e
branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002. CASTEL, Robert, A discriminação negativa:
cidadãos ou autóctones? tradução de Francisco Morás. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
CASTEL, Robert, A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones? tradução de Francisco Morás. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2008.
CHAGAS, Conceição Corrêa, Negro uma identidade em construção. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1996.
CHIAVENATO, Julio José, O Negro no Brasil: da senzala à Guerra do Paraguai - 2ªedição. São Paulo: Livraria
Brasiliense Editora, 1980.
CORRÉA, Laura Guimarães. De corpo presente: o negro na publicidade em revista. 2006. Disponível em <http://
www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/VCSA-6WHMDM> Acesso em: mar. 2017.
DUARTE, Jorge; BARROS Antonio. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2014.
EL PAÍS. Mais brasileiros se declaram negros e pardos e reduzem número de brancos. São Paulo. 2015.
Disponíve em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/13/politica/1447439643_374264.html>. Acesso em: 29
abr. 2017.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da familia brasileira sob o regimen de economia patriarchal.
Schmidt, 1938.
G1. Propaganda chinesa é acusada de ser ‘a mais racista da história’. 2016. Disponível em < http://g1.globo.
com/economia/midia-e-marketing/noticia/2016/05/propaganda-chinesa-e-acusada-de-ser-mais-racista-da-
historia.html>. Acesso em: 25 abr. 2017.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1987
105
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
GOFFMAN, Erving, Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1988.
GUERRA, Isabel Carvalho. Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo: sentidos e formas de uso. Lucerna, 2006.
IZIDORO, Cleyton, Análise de pesquisa de mercado. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2015.
JODELET, D. (1993). La representación social: Fenómenos, concepto y teoría. Em S. Moscovici (Org.), Psicología
social (Vol. 2, pp. 469-494). Barcelona: Paidó.
KOTLER, Philip; ARMSTRONG, Gary; Princípios de marketing 9º ed. São Paulo: Pearson Education, 2003.
MARTINS, CID. Polícia investiga apologia ao nazismo por universitária durante estágio em escola de Porto
Alegre. Porto Alegre. 2017. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/porto-alegre/noticia/2017/04/policia-
investiga-apologia-ao-nazismo-por-universitaria-durante-estagio-em-escola-de-porto-alegre-9771289.html>.
Acesso em: 29 abr. 2017.
MCCONAHAY, J. B.; HARDEE, B. B.; BATTS, V. Has racism declined in America? It depends upon who is
asking und what is asked. Journal of Conflict Resolution, v. 25, p. 563-579, 1981. Disponível em: <https://www.
surrey.ac.uk/politics/research/researchareasofstaff/isppsummeracademy/instructors%20/Has%20racism%20
declined%20in%20America.pdf>. Acesso em: nov. 2015.
MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999.
MRTORTOROX. Propaganda racista francesa contra brancos, 2013. Disponível em < https://www.youtube.com/
watch?v=RE5NZevfErw> acesso em 29 abri 2017.
NOGUEIRA, Oracy. Tanto branco quanto preto: estudos de relações raciais. São Paulo: TA Queiroz, 1985.
O ABC DA COMUNICACAO. Comercial chinês vira assunto como propaganda mais racista do mundo. São
Paulo. 2016. Disponível em: <http://www.oabcdacomunicacao.com.br/noticia/3158/comercial-chines-vira-
assunto-como-comercial-mais-racista-do-mundo>. Acesso em: 15 abr. 2017.
PEREIRA, Cícero; TORRES, Ana Raquel Rosas; ALMEIDA, Saulo Teles. Um estudo do preconceito na perspectiva
das representações sociais: análise da influência de um discurso justificador da discriminação no preconceito
racial. Psicologia: reflexão e crítica, v. 16, n. 1, p. 95-107, 2003.
PIRES, Ana Maria Lacerda Teixeira. O preconceito racial no Brasil: medidas comparativas. Psicol. Soc.,
Florianópolis, v. 22, n. 1, jan./abr 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822010000100005>
Acesso em: nov. 2015.
REDAÇÃO ADNEWS. Comercial chinês é considerado o mais racista da história. 2016. Disponível em: <http://
adnews.com.br/publicidade/comercial-chines-e-considerado-o-mais-racista-da-historia.html>. Acesso em: 15
abr. 2017.
RODRIGUES, Fernando. Racismo Cordial. In: Racismo Cordial, ed. Cleusa Turra e Gustavo Venturini, 11-55. São
Paulo: Atica, 1995.
SAMARA, Beatriz Santos; MORSCH, Marco Aurélio. Comportamento do consumidor: conceitos e casos. São
Paulo: Pretince Hall, 2005.
106
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
SAMARA, Beatriz Santos; DE BARROS, José Carlos. Pesquisa de marketing: conceitos e metodologia. Pearson
Prentice Hall, 2007.
SAMPAIO, Rafael, Propaganda de A a Z 3. Ed. Revista e atualizada. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
SANTOS, Diego Junior da Silva; PALOMARES, Nathália Barbosa; NORMANDO, David e QUINTÃO, Cátia
Cardoso Abdo. Raça versus etnia: diferenciar para melhor aplicar. Dental Press J Orthod, v. 15(3) p. 121-4, 2010.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/dpjo/v15n3/15.pdf> Acesso em: nov. 2015.
SANTOS, Gislene Aparecida dos – A invenção do “ser negro”: um percurso das ideias que naturalizaram a
inferioridade dos negros. São Paulo: Educ/Fapesp. Rio de Janeiro: Pallas, 2002.
SANTOS, João Batista Nascimento dos. O negro representado na revista Raça Brasil: a estratégia de identidade
da mídia étnica. 2004. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/5669/000429421.
pdf?sequence=1> Acesso em: mar. 2017.
SANTOS, José Antônio dos; CARNEIRO, Luiz Carlos. RS Negro: cartografias sobre a produção do
conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.
SEYFERTH, Giralda. Construindo a nação: hierarquias raciais e o papel do racismo na política de imigração e
colonização. Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz/CCBB, v. 996, 1996.
SETTON, Maria da Graça Jacinto. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. 2006.
STAKE, Robert E. Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas funcionam. Penso Editora, 2016.
TODOROV, J. C. A psicologia como o estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 5, 325-347, 1989.
VEJA.COM. Comercial chinês de sabão é acusado de ser o mais racista da história. 2017. Disponível em: <http://
veja.abril.com.br/mundo/comercial-chines-de-sabao-e-acusado-de-ser-o-mais-racista-da-historia/>. Acesso em:
25 abr. 2017.
107
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Projeto Imagem:
educação através de um clic1
Graziella Silva2
João Vieira3
Juliana Pereira4
Lizandra Otero5
Maria Lúcia Patta Melão6
Nádia Silva7
Resumo
O presente artigo é resultado de um projeto desenvolvido para a disciplina de Educomunicação, do Curso de Jor-
nalismo do Centro Universitário Metodista IPA. O principal objetivo desse projeto era aplicar, de uma maneira prá-
tica, elementos da comunicação, mais especificamente o fotojornalismo, em uma sala de aula, indicando como a
comunicação pode ajudar no desenvolvimento crítico dentro da educação. O projeto foi idealizado e executado
por um grupo de universitários, que se reuniram, durante quatro dias, com alunos de uma escola pública da cida-
de de Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Os encontros aconteceram durante as aulas de Educa-
ção Artística. Os alunos conheceram como a fotografia faz parte do jornalismo, os conceitos e técnicas dessa arte,
bem como tiveram a oportunidade de analisar trabalhos veiculados em jornais e revistas.
108
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
O
presente artigo tem como objetivo con- sileiro, possui uma frase célebre que diz que “O
textualizar a proposta de implantação Brasil não tem povo, tem público”. Aproveitan-
da oficina de fotografia intitulada “Proje- do esse gancho, o grupo de alunos de jornalismo
to Imagem – Educação Através de um Clique”, identificou que o fluxo de informações aumenta
na Escola Estadual Professora Célia Flores Lavra a cada dia que passa, pois a tecnologia fornece
Pinto, de Viamão, Região Metropolitana de Por- agilidade para que isso aconteça, além de novas
to Alegre. Destina-se a complementar os conhe- plataformas para consumo de conteúdo. A ques-
cimentos obtidos na universidade por meio de tão é que as pessoas não estão assimilando tudo
ações na escola. O programa foi direcionado a o que recebem, no máximo, repetem a informa-
alunos da oitava série, nono ano do ensino funda- ção que chega.
mental. A definição do público alvo deu-se a par- Segundo dados do Indicador de Analfabe-
tir da necessidade de estimular o raciocínio crítico tismo Funcional8, um levantamento realizado
dos estudantes em relação aos meios de comuni- em 2016, pelo Instituto Paulo Montenegro e
cação, partindo do pressuposto de que, em 2018, da ONG Ação Educativa, com apoio do Ibo-
eles estarão no Ensino Médio, momento que exi- pe, 27% da população brasileira entre 15 e 64
ge uma maior compreensão de mundo. anos são analfabetos funcionais. Na zona rural,
Sendo assim, entende-se que é o momen- o percentual aumenta para 41%. Já a Pesquisa
to necessário para provocar esses jovens, esti- Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de
mulando a capacidade de avaliar as informações 2016, do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
recebidas, diariamente, pelas mídias de massa e tatística (IBGE), aponta que o Brasil tem 12,9 mi-
qualquer outra que tenham acesso, às distinguin- lhões de analfabetos, um total de 8% da popu-
do, construindo a sua própria informação e con- lação, taxa que varia de acordo com a idade do
seguindo, a partir disso, ser um indivíduo crítico entrevistado (entre os jovens de 15 a 19 anos,
da realidade que o cerca. Para isso, se fez uso da a taxa é de 0,8%; e entre pessoas com mais de
fotografia como forma de educação para meios. 60 anos, o índice sobe para 22,3%). A Pnad tam-
A proposta compreendeu quatro encontros ex- bém mostra que a taxa de brasileiros com mais
positivos dialogados, com duração de 45min ca- de 15 anos que tiveram menos de quatro anos
da, onde temas como a história do fotojornalis- de estudo formal, considerados analfabetos
mo, fake news (notícias falsas), entre outros foram funcionais, era de 17,1% em 2015. Os resulta-
abordados. dos acima apontam para a observação de Lima
Barreto (1983), uma vez que hoje em dia exis-
te uma cultura de receptores, que assiste a al-
Justificativa guma coisa e a repete tal a qual, não havendo
questionamentos, muito menos críticas a res-
Entende-se que o mundo está se tornando peito daquilo mostrado pelos meios de comu-
cada vez mais visual, e isso aumenta ainda mais nicação de massa.
a responsabilidade do jornalista a respeito das Os tempos estão mudando e a comunicação
imagens que captura e divulga. No fotojornalis- não caminha mais separada da educação, tendo
mo atual, é necessário que as imagens ‘falem’ o em vista que os materiais de estudo se ampliaram,
suficiente para levar ao leitor informações a res- estão inclusive mais acessíceis aos alunos. De Oli-
peito do assunto abordado, muitas vezes sem o
auxílio de textos. Portanto, era objetivo das ofi-
cinas despertar o pensamento crítico de adoles-
centes frente às fotografias que seriam avaliadas, 8 Indicador de Analfabetismo Funcional. Disponível em: <
http://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2016/09/
fazendo com que, a partir disso, se tornassem ca- INAFEstudosEspeciais_2016_Letramento_e_Mundo_do_Trabalho.
pazes de analisar as diferentes imagens a que são pdf>. Acessado: Junho 2017.
109
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
110
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
atuais em relação às primeiras técnicas fotográfi- so, o interesse demonstrado pela professora po-
cas, e da importância do fotojornalismo no pro- de ter refletido na capacidade dos alunos em de-
cesso de informação. Para que fosse possível en- monstrar interesse e um envolvimento maior com
trar nos dias atuais, foram apresentadas algumas o tema.
fotos históricas e seus respectivos contextos. Co- No fim desse segundo período, uma menina
mo exemplo do que existe hoje em dia, foi mos- levantou a mão e perguntou se o caso de expo-
trada a foto do menino sírio morto na beira da sição errônea de fotos também poderia ser com-
praia. O objetivo com essa foto foi abrir um es- parado com o caso do tatuador que riscou a testa
paço para a reflexão dos alunos, após os concei- de um menino, assunto muito falado na semana
tos passados, para que eles conseguissem anali- anterior ao encontro.Tal manifestação foi enten-
sar a foto e refletir sobre o contexto em que ela dida pelo grupo como reflexo do que havia sido
se insere. exposto, sendo, dessa forma, plantada uma se-
Quando houve esse espaço para reflexão, al- mentinha de reflexão em alguém. A partir desse
guns alunos do 9ªB interagiram bastante com o questionamento, outras demandas surgiram por
grupo de universitários, relatando acontecimen- parte dos alunos.
tos do dia a dia deles, como o recebimento de fo- No segundo encontro, que aconteceu no dia
tos e correntes passadas por familiares e amigos 6 de julho de 2017, o tema foi liberdade de expres-
através do aplicativo WhatsApp. Argumentavam são, banco de imagens e fotos sensacionalistas.
que não acreditavam naqueles conteúdos. Por motivos internos da escola, nos demais en-
O grande receito do grupo responsável pela contros a ordem de apresentação nas turmas foi
aplicação do projeto, justamente pela falta de ex- trocada, sendo a primeira a 9ªA nesse dia. Assim
periência didática, era de não conseguir comple- como no primeiro encontro, foi contextualizado o
tar os 45 minutos de aula. Não houve problemas direito de imagem dentro da constituição e como
em relação a tal fato, uma vez que foi possível, ela foi criada, assim como as consequências para
nesse espaço de tempo, apresentar o material e o quem descumpre a lei. Após a apresentação de
conteúdo previsto para aquele dia, além de abrir casos em que era necessária a preocupação com
espaços para as manifestações dos alunos. O pri- o uso de imagens, foi mostrado um exemplo de
meiro desafio a que o grupo havia se proposto foto que fez história: A Menina e o Urubu, por Ke-
foi vencido. vin Karter.
No segundo encontro, dessa vez com a tur- Outros aspectos foram debatidos, como uso
ma 9ªA, o grupo já estava um pouco mais confian- de imagens comerciais e como melhor utilizar os
te, sempre esperando que os alunos fossem co- bancos de imagens. Por último, o tema foi sensa-
laborativos como havia sido na primeiro visita. A cionalismo, tendo sido utilizados exemplos diá-
expectativa se confirmou, pois, desde o início da rios para que os alunos conseguissem diferenciar
aula, todos se mostraram bastante receptivos a re- essas fotos das demais. Tanto os alunos da turma
ceber e opinar a respeito do conteúdo passado, 9ªA quanto os da 9ªB estavam atentos e conhe-
que foi o mesmo apresentado na outra turma. O ciam os fatos relatados, o que ajudou a saber a
grande cuidado que o grupo teve foi em não es- opiniões daqueles que se manifestaram.
quecer nenhum detalhe importante discutido na No terceiro encontro, que ocorreu no dia 13
outra turma, além de procurar atender às solicita- de julho de 2017, a proposta era uma participação
ções dos alunos. Vale destacar que essa segun- maior de todos, que aconteceria através de uma
da turma pareceu um pouco mais madura, sem- atividade que procurava uma melhor interação
pre prestando atenção a tudo que era dito. Um entre os universitários e o grupo de alunos. Co-
detalhe importante a ressaltar foi a participação mo as duas primeiras aulas foram apenas de con-
da professora Roberta Pacheco, que, em diver- teúdo, foi entendido ser importante fazer um tra-
sos momentos, contribuiu com fatos bastante re- balho que os estimulasse a pensar nos conceitos
levantes ligados ao assunto que era abordado, o trabalhados anteriormente. Mas antes que qual-
que deixou o grupo bastante satisfeito. Além dis- quer movimento, era necessário apresentar al-
111
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
guns conceitos e funções, mais especificamente de aplicativos gratuitos para edição de imagens e
de manchetes e legendas, que geralmente fazem como tirar fotografias. As orientações foram sim-
parte das fotografias jornalísticas. Após essa ples, pois não haveria tempo para um aprofunda-
etapa, a turma foi separada em grupos com cinco mento de técnicas. Sendo assim, foi colocado pa-
alunos em cada um, uma tarefa que coube à pro- ra os alunos, por exemplo, que deveriam tirar vá-
fessora, uma vez que ficaram agitados quando a rias vezes a mesma foto, possibilitando escolher
atividade estava para começar. Antes de qualquer a melhor. Entendeu-se ser oportuno abordar um
coisa, foram distribuídos os materiais que seriam assunto bem comentado atualmente: fake news.
necessários para a realização do trabalho. Cada Foi explicado o que é e, também, como é impor-
grupo recebeu cola, tesouras, jornais e folhas de tante verificar as notícias, de ser desconfiado, de
ofício reutilizadas. Eles precisariam disso, pois te- procurar em mais de um veículo para verificar a
riam de escolher duas fotos do jornal que recebe- veracidade dos conteúdos. Inclusive, não repas-
ram, recortá-las e colá-las na folha de ofício. Fo- sar nenhuma notícia antes de ter certeza de que
ram instruídos a recortar separadamente as legen- ela é real e com dados seguros. Mais uma vez,
das e manchetes das fotos. os alunos conseguiram identificar acontecimen-
Quando todos os grupos terminaram a tarefa, tos do seu dia a dia para contribuir com o proje-
um de cada vez foi para a frente da turma. Mos- to, narrando fatos de seus bairros, dando como
travam as fotos selecionadas e perguntavam para exemplo fofocas mal contadas que geraram con-
os colegas qual seria a possível manchete das fo- sequências ruins.
tografias. Nessa hora, os alunos ficaram um pou-
co agitados, mas realizaram aquilo que foi pro-
posto. A maioria não conseguiu acertar as pos- Conclusão
síveis manchetes e legendas, mas reconheceram
que há exageros, julgamentos, juízos de valor e Este projeto era para ficar apenas no papel,
como, muitas vezes, não conversam com as fotos. mas foi entendido ser fundamental o contato com
Tal reflexão foi entendida como uma vitória, uma uma escola para conhecer o público alvo. A par-
vez que os alunos conseguiram fazer a leitura da tir da primeira visita, a coordenação da instituição
fotografia, um fato importante para a formação de acabou percebendo a importância desse trabalho
um ser crítico em relação ao seu meio e aos meios e resolveu apoiar a proposta, incentivando os uni-
de comunicação. versitários a colocarem em prática aquilo que es-
A primeira ideia em relação à essa atividade teva pensado no papel. No final dos quatro dias,
era fazer com que os alunos, com seus celulares, a sensação foi de que todo mundo conseguiu
fizessem um ensaio e, a partir daí, produzissem aprender algo com todo mundo.
manchetes e legendas para as fotografias que A cada exemplo e contribuição que os alunos
produzissem. Não foi possível colocar em prática davam, foi possível perceber que a Educomunica-
tal proposta, uma vez que a escola não permite o ção é viável e importante, já que consegue pro-
uso desse equipamento. Além disso, foi pensado mover o diálogo e estimular um pensamento crí-
na possibilidade de alguém não possuir celular tico dos jovens. Acredita-se que, depois desses
com câmera com muitos recursos (a escola fica em quatro dias, os alunos, mesmo que não sejam to-
uma vila de Viamão), não havendo a realização da dos, vão olhar de maneira diferente para as fotos,
atividade em iguais condições. Também foi levan- legendas e manchetes dos jornais. Tal expectati-
tada a possibilidade de que, a partir desse fato, va deve-se ao fato das respostas que deram aos
haveria a exposição das desiguladades existentes questionamentos apresentados nos encontros, o
no local. De qualquer forma, a atividade realizada que leva a crer que o trabalho desenvolvido com
atingiu o objetivo pretendido, além de ser acessí- os alunos das turmas 9ª A e 9ª B da Escola Profes-
vel à participação de todos. sora Célia Flores Lavra Pinto, de Viamão, obteve
No último e quarto dia, que aconteceu em êxito, alcançando os objetivos que os alunos da
13 de agosto de 2017, foram apresentadas dicas disciplina de Educomunicação do Curso de Jor-
112
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
nalismo do Centro Universitário Metodista Ipa ti- servado que é importante, em todo o processo
nham previsto no projeto. que envolve essas duas áreas, que sejam usados
Entende-se que a educação é a principal fer- exemplos que façam parte do cotidiano dos jo-
ramenta para a construção de um futuro melhor, vens, pois fica mais fácil entender alguma coisa se
sendo possível uni-la com a comunicação. Foi ob- for a partir de algo conhecido.
Referências bibliográficas
BARRETO, Afonso Henriques de Lima. Recordações do escrivão Isaías Caminha. São Paulo: Brasiliense, 1983.
DANTAS, Eugênia Maria. Memória, educação, fotografia: leituras complexas. In: I CONGRESSO BRASILEIRO DE
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO. 2000.
113
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Resumo
Atualmente, verifica-se uma expansão de microcervejarias e maior consumo de cervejas artesanais, principalmente
no Sul do Brasil e por pessoas maiores de 30 anos. Para entender esse fenômeno, foi feita uma análise do compor-
tamento do consumidor de cerveja artesanal entre 30 e 39 anos, da cidade de Porto Alegre, mostrando os fatores
sensoriais de estímulo desse público, o que o motiva e o seu ritual de consumo. Esse estudo foi realizado através de
uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, com discussão em grupo focal, formado de maneira não pro-
babilística por conveniência, por oito consumidores de cerveja artesanal, enquadrados na delimitação do estudo,
e mediado pela autora do trabalho. Ainda, foi feita a análise categorial, demonstrando as principais percepções do
grupo sobre o consumo do produto. Ao final, concluiu-se que sabor e qualidade do produto são fatores importan-
tes para o consumo da cerveja, bem como foram constatados rituais de consumo entre os participantes do grupo.
Palavras-chave: Comportamento do consumidor. Cerveja artesanal. Motivação. Ritual de consumo. Fatores sensoriais.
Abstract
There is currently an expansion of microbreweries and a higher intake of craft beers, mainly in South Brazil and with
people over 30 years old. In order to understand this phenomenon, it was made an analysis of the craft beer’s con-
sumer behavior between 30 and 39 years old, in the city of Porto Alegre, showing the sensory stimulus factors of
these people, what do motivate them and their consumption ritual. This study was performed through an explora-
tory research with a qualitative approach, with discussion in a focal group, formed of non-probabilistic manner for
convenience, by eight craft beer consumers that fall under the work delimitation and mediated by the author of this
work. Moreover, it was made a categorical analysis, demonstrating the main perceptions of this group on the con-
sumption of the product. Finally, it was concluded that flavor and product quality are important factors for the con-
sumption of beer as well as it was evidenced that there are consumption rituals among the participants of the group.
Keywords: Consumer behavior. Craft beer. Motivation. Consumption ritual. Sensorial Factors.
1 Publicitária, analista de marketing e professora do Programa Jovem Aprendiz da Associação de Integração Empresa Escola – Integrar.
Graduada em Publicidade e Propaganda pelo Centro Universitário Metodista, de Porto Alegre. E-mail para contato: juliana.quillfeldt@gmail.
com.
2 Professora mestre do curso de Publicidade e Propaganda, Jornalismo e Administração do Centro Universitário Metodista - IPA
114
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
E
nvolvendo a cadeia produtiva, desde a maté- portal Folha6. Isso se deve à mudança cultural no
ria-prima até as mesas de bares e restauran- modo de consumo do público, evidenciado, prin-
tes localizados em bairros nobres das gran- cipalmente, no público com faixa etária entre 30
des capitais brasileiras, a cerveja artesanal no Bra- e 39 anos, um dos maiores grupos de consumo
sil tem se tornado mais popular e, dependendo, de cerveja artesanal, segundo pesquisa realizada
consegue se posicionar como um produto exclu- pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Es-
sivo. Em sua maioria, a produção deste tipo de tatística (IBOPE), em outubro de 20137.
cerveja é feita pelas microcervejarias. O processo de fabricação de cerveja é mile-
Conforme a Associação Brasileira de Bebidas nar. Segundo o portal Cervejas do Mundo8, há in-
(Abrabe)3, microcervejarias são pequenas indús- dícios de que em 6.000 A.C. o povo sumério já
trias, que na sua maioria possuem origem familiar fabricava uma forma primitiva da bebida, ao mo-
e com instalações muito modestas. Estas microin- lhar a massa de pão fermentá-lo. Esse processo
dústrias fabricam cervejas e chopes em pequenas foi aprimorado pelos povos europeus a partir da
quantidades, em um processo praticamente arte- Idade Média, principalmente alemães e belgas.
sanal, com a utilização de ingredientes especiais Nos últimos 200 anos, famílias de imigrantes ale-
e seguem receitas tradicionais. Só no Brasil exis- mães teriam trazido consigo receitas de cervejas
tem cerca de 280 microcervejarias, na sua grande artesanais para o Brasil, produzindo cervejas para
maioria concentradas nas regiões sul e sudeste. o próprio consumo, conforme informa o sítio Imi-
A indústria cervejeira corresponde a dois por gração Alemã em Santa Catarina9.
cento do PIB brasileiro, de acordo com o portal da A globalização, o conhecimento da cultura de
Escola Superior de Cerveja e Malte4. Levando em outros países, o maior acesso à informação e a
consideração as proporções do país, é um núme- recente migração do consumidor brasileiro para
ro bastante elevado. Os investimentos em publi- classes sociais superiores conspiraram para o re-
cidade da indústria cervejeira brasileira giram em nascimento de forma consistente da cerveja ar-
torno de R$ 800 milhões anuais e se colocam co- tesanal, com marcas exclusivas e com uma maior
mo um dos maiores clientes de agências de publi- diversidade de produtos. Na esteira de mercados
cidade e grandes patrocinadores dos veículos de como o do vinho e o dos cafés finos, o merca-
comunicação nacionais (Santos, 2011). do da cerveja artesanal também tem se aperfei-
Nesse contexto, o mercado de cervejas arte- çoado, como a oferta de cursos de degustação
sanais vem abrangendo uma fatia cada vez maior, para aprimorar o paladar, ofertado pelo Instituto
com perspectivas muito boas para os próximos da Cerveja10, localizado em Moema, no Estado de
anos. De acordo com a Associação Brasileira da São Paulo.
Indústria da Cerveja (CervBrasil), referenciado pe-
lo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE)5, as cervejas artesanais, jun-
tamente com as importadas e premium, ocupam 6 Informações disponíveis em: http://www.folhadoes.com/
noticia/2016/07/05/cervejas-artesanais-ja-ocupam-5-do-mercado.
hoje cinco por cento do mercado e têm previsão html. Acesso em: 10 ago. 2017, às 19:23.
7 Informações disponíveis em http://www.ibopeinteligencia.com/
noticias-e-pesquisas/cerveja-e-vinho-sao-as-bebidas-alcoolicas-
mais-consumidas-pelos-internautas-no-brasil/. Acesso em 10 ago.
2017, às 19:52.
3 Informações disponíveis em: http://www.abrabe.org.br/
categorias. Acesso em: 10 ago. 2017, às 18:40. 8 Informações disponíveis em: http://www.cervejasdomundo.com/
Na_antiguidade.htm. Acesso em: 10 ago. 2017, às 20:08.
4 Informações disponíveis em http://cervejaemalte.com.br/blog/a-
industria-cervejeira-responde-por-2-do-pib-brasileiro/. Acesso em 9 Informações disponíveis em: http://www.imigracaoalemasc.com.
10 ago. 2017, às 19:10. br/conteudo.php?&sys=1&id=1165 . Acesso em: 10 ago. 2017, às
20:16.
5 Informações disponíveis em: http://www.sebraemercados.com.br/
cerveja-artesanal-otimo-negocio-para-pequenos/. Acesso em: 10 10 Informações disponíveis em: https://www.institutodacerveja.
ago. 2017, às 19:15. com.br/cursos Acesso em: 10 ago. 2017, às 20:29.
115
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Maior valor agregado aos produtos influen- profissionais de marketing conseguem identificar
ciam positivamente nos investimentos do setor que o processo de comportamento do consumi-
produtivo. Outro fator que tem ajudado a firmar dor é algo contínuo, que não acontece no mo-
este mercado é o sabor da bebida, com aditivos mento que o cliente efetua o pagamento e em
especiais, muitas vezes comprados no exterior. troca recebe a mercadoria. Existe uma escala de
Independentemente do tipo de produto e ti- lealdade em que são analisados os níveis de rela-
po de segmento, como regra básica é importante cionamento do consumidor com a empresa. Con-
conhecer o comportamento de seus consumido- forme mencionado por Bretzke (2006), existem os
res. No mercado de cervejas não é diferente, a es- clientes prováveis, os clientes potenciais, os ex-
tratégia de posicionamento do produto somente perimentadores, os clientes fiéis, os repetidores
é possível se for alicerçada nesta base de conheci- e, por fim, os advogados da marca.
mento. Para entender a ascensão das microcerve- Quando se aborda o comportamento do con-
jarias, é necessário compreender os motivos pelos sumidor é fundamental considerar de que este
quais proporcionaram o aumento do consumo da está em permanente mudança através da expe-
cerveja artesanal. Portanto, este estudo pretende riência vivida na aprendizagem. Segundo Solo-
responder a seguinte questão: quais os principais mon (2002), constantemente está se aprendendo
motivos estão levando os consumidores femini- e aprimorando o conhecimento através de inte-
nos e masculinos, com idade entre 30 a 39 anos a rações com o mundo. É uma análise contínua em
aumentarem o consumo de cerveja artesanal em que se busca o conhecimento que prepara para
Porto Alegre? experiências futuras. A aprendizagem se dá por
Este trabalho tem como presente tema ana- diversos tipos de percepções e contatos através
lisar o comportamento do consumidor adulto de dos sentidos, o que se demonstra quando se as-
cerveja artesanal, delimitando-se a consumidores socia uma marca a uma experiência vivida.
com idade entre 30 a 39 anos, do público mas-
culino e feminino, que residam em Porto Alegre.
Além disso, pretende-se descrever os fatores sen- Motivação de consumo
soriais que estimulam as pessoas ao consumo da
cerveja artesanal, apresentar os fatores que mo- Conforme Karsaklian (2009), o indivíduo tem
tivam as pessoas a consumir cerveja artesanal e uma sensação de incômodo quando percebe que
avaliar o ritual de consumo da cerveja artesanal. está lhe faltando algo. O mesmo, então, acaba
tendo uma motivação para procurar da solução
desta necessidade, e assim retornar ao seu estado
Comportamento de equilíbrio psicológico. Para a autora:
do consumidor
O estudo das motivações do consumidor é fun-
Conforme a sociedade foi mudando nos úl- damental para a estratégia mercadológica das
timos anos, os consumidores também mudaram empresas principalmente no que diz respeito
seu comportamento como clientes, seus desejos, à propaganda, pois seu objetivo é estimular as
suas necessidades e seus estilos de vida, que re- motivações e reduzir os freios ao consumo do
sultou em uma busca maior por produtos e servi- produto. É por isso que se diz que a publicidade
ços com valor agregado, de acordo com Bretzke “dá vontade” de consumir o produto. É o traba-
(2006). lho feito sobre as motivações que estimulará os
Nesse sentido, Solomon (2002) define que o desejos que tem o consumidor e dessa forma
comportamento do consumidor envolve uma am- ele deverá optar pelo produto adequado para
pla área, de como o indivíduo ou um grupo sele- satisfazer a sua necessidade base (KARSAKLIAN,
ciona, compra e dispõe de mercadorias, serviços 2009, p.24).
para suprir carências e vontades, sendo elas das
mais básicas ou até emocionais. Atualmente, os Por sua vez, Solomon (2002) explica que os ti-
116
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
pos de necessidades variam de pessoa para pes- de mercado. Explorar adequadamente os estímu-
soa. No marketing, este tipo de estudo foi incor- los sensoriais na comunicação e publicidade são
porado, pois indiretamente apresenta benefícios os desafios dos profissionais de marketing. Solo-
dos produtos e serviços que as pessoas podem mon (2002) aborda estes estímulos de forma dis-
estar buscando. criminada e aberta, sobre a visão, olfato, audição,
A Teoria da Motivação de Maslow explica tato e paladar.
que o ser humano tem uma gama de necessida- A visão através de seus elementos é um dos
des que devem ser supridas, seguindo uma hie- sentidos que gozam da preferência dos profis-
rarquia e divididas em cinco níveis. As primeiras sionais do marketing. Cores, design, iluminação
necessidades são as fisiológicas, que se encon- e imagem influenciam diretamente sobre as sen-
tram na base, como descrito por Karsaklian (2009), sações e até emoções do consumidor, devendo,
como se alimentar, dormir e respirar. Em seguida, também ser levada em consideração a influência
estão as necessidades de segurança, envolvendo cultural da sociedade na qual o indivíduo está in-
desde a necessidade de segurança física, bem co- serido. Além das cores, imagens associadas a uma
mo financeira ou até segurança mental. As neces- sonoplastia adequada podem aguçar a memória
sidades sociais, terceiro item em nossa lista, estão de consumidor ou até mesmo a iluminação am-
ligadas ao afeto, aceitação e questões sociais. As biente de um estabelecimento comercial pode
necessidades de status e estima estão logo a se- estar relacionada a sentimentos de aconchego,
guir e envolvem necessidade do ego por alguns qualidade e confiança.
autores, na busca de prestígio e respeito. Por úl- Olfato é outro sentido a ser analisado. Odo-
timo, estão as necessidades de autorrealização, res são capazes de despertar através do tempo
como a busca pela pessoa em desenvolver suas até a memória mais esquecida de um indivíduo.
potencialidades e se superar. Assim como a sensação de prazer ou de boas lem-
branças, os odores também podem estimular sen-
sações desagradáveis. O estudo de aromas leva
Fatores sensoriais a um campo vasto, que vai desde estudos que
apontam para aromas que estimulam o apetite se-
A percepção do mundo que cerca um indiví- xual até preferência aos aromas adocicados por
duo ocorre através dos sentidos e de seus respec- pessoas da terceira idade.
tivos receptores. Os diversos estímulos sensoriais Referente ao sentido da audição, Solomon
chegam até o indivíduo ao longo de sua existên- (2002) comenta que consumidores compram mi-
cia, estabelecendo uma experiência de vida com lhões de dólares em gravações sonoras todo ano,
fatos positivos e nem tão positivos, influenciando- os jingles de publicidade mantêm a consciência
-o, assim, de forma diferenciada. de marcas e música de fundo, cria estados de es-
Segundo Samara e Morsch (2005), percepção pírito desejados, desperta sentimentos e emo-
é a maneira como as pessoas coletam e interpre- ções do indivíduo. Remete à memória passada,
tam os estímulos provindos de seu meio ambien- além de imprimir o ritmo do comportamento mo-
te. Cada uma das pessoas usa a percepção para mentâneo.
criar a sua própria realidade. Pelo fato de a men- Não menos importante, o sentido do tato tor-
te humana ter limites para a quantidade de estí- na-se um poderoso aliado no estímulo ao consu-
mulos que pode lidar, filtram-se as informações midor. Trata-se de um importante canal sensorial.
do meio ambiente de forma coerente com aquilo Atinge o estado de espírito através de estímulos
que cada um acredita ser importante e pertinen- diretamente sobre a pele. Dependendo do tipo
te. Para Solomon (2002), os inputs captados pelos de produto, a textura do material se torna ainda
cinco sentidos são dados crus que iniciam o pro- mais decisiva na escolha do consumidor.
cesso perceptivo. Por isso, cabe a uma marca ou O paladar é um fator decisivo na escolha de
produto despertar qual dos aspectos sensoriais determinados produtos. O paladar, além de ter
que devem ser destacados como um diferencial forte conexão com experiências de vida, culturas
117
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
e etnias, também está ligado diretamente à qua- coletivas essenciais em uma sociedade. Em sua
lidade do produto. Cerveja artesanal é um bom obra, o autor descreve que derivações da pala-
exemplo em que os fatores ligados ao paladar são vra rito se expandem para significados mais pro-
preponderantes na escolha do consumidor. Trata- fundos. Ritualizar é um processo na qual se con-
-se de um mesmo produto, que poderá assumir cebem os ritos com atitudes feitas ao longo do
diferentes tipos de sabores de acordo com as va- tempo, de maneira repetida e revestida de for-
riedades existentes, acrescido da diversidade de malidade.
marcas, cada uma assumindo uma característica Dentro de um ritual de consumo pode haver
que lhe é própria. uma ligação histórica. Exemplificando o caso da
cerveja artesanal, os povos europeus, ao final de
uma colheita celebravam consumindo cerveja e
Ritual de consumo agradecendo às suas divindades. Atualmente, é
verificada a questão do consumo de bebidas al-
Os fatores culturais são fundamentais para coólicas como uma autorrecompensa para jovens
o entendimento do comportamento do consu- acadêmicos após terem passado por provas e tra-
midor. Na ótica de Solomon (2002), a cultura é a balhos, nos famosos happy-hours.
acumulação de tradições, normas significados e
rituais, divididos entre integrantes de uma organi-
zação ou sociedade. É necessário entender o con- Estilo de vida
texto cultural onde as pessoas vivem para poder do consumidor
entender as opções de consumo. Se não for fei-
ta, a análise desta cultura e a reestruturação des- Solomon (2002) apresenta a teoria freudiana
te serviço ou produto, todo o investimento pode dentro da análise do estilo de vida do consumi-
ter sido em vão. Ademais, o autor relata que a dor. O famoso psicanalista Sigmund Freud desen-
cultura não é estática, estando sempre evoluindo volveu o conceito de que parte da personalidade
e mudando. adulta de um indivíduo tem origem de um conflito
Karsaklian (2009) afirma que muitos dos nos- mental entre o desejo de satisfazer suas necessi-
sos hábitos de consumo provêm de questões ge- dades físicas e a vontade de agir como um mem-
ográficas e que acabam influenciando fortemen- bro responsável da sociedade. Entre os Sistemas
te nossa cultura de consumo. A autora acrescen- Freudianos está o ID, o qual é totalmente voltado
ta que, em um mundo globalizado, com cada vez à gratificação imediata e o prazer. Já o superego
mais importações e exportações entre países, o é o oposto do ID, sendo um sistema totalmente
mercado das empresas não pode se limitar ao seu racional. Por fim, o ego, que é um sistema inter-
universo local ou nacional, e principalmente não mediário entre o superego e o ID, um mediador
podendo ignorar as variáveis culturais. Quando entre virtude e tentação.
consumidores de diferentes países consomem o Variáveis socioeconômicas apresentam ao
mesmo tipo de produto por motivos distintos, a pesquisador uma análise mais quantitativa do
propaganda deverá elencar fatores diferentes em comportamento de consumo. Para ir mais a fun-
seu comercial, como seus gostos, suas histórias, do nesta área de estudo, é necessário analisar fa-
suas normas e seus valores. tores mais subjetivos, que muitas vezes não po-
Outro ponto importante dentro da cultura derão ser conhecidos somente sabendo a classe
de consumo estão os rituais. Conforme Solomon social de um consumidor.
(2002), ritual é a união de inúmeros comportamen- Para Karsaklian (2009), o estilo de vida seme-
tos que ocorrem em uma sequência e tendem a lhante entre pessoas compõe um grupo homogê-
ser repetidos periodicamente, trazendo um sen- neo, com um modo de vida muito parecido. Por
so de ordem e segurança. Por trás do consumo fim, Solomon (2002) exemplifica o fato de pessoas
de um produto, existe um ritual. O antropólogo que possuem a mesma classe social, a mesma ida-
Terrin (2004) enfatiza que os rituais são atividades de, a mesma formação acadêmica, terem estilos
118
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
de vidas totalmente diferentes. Isto acontece por- fere, os grupos focais como grupos pequenos ser-
que a personalidade destas pessoas é desigual. vem para analisar conceitos ou distinguir proble-
mas, utilizada comumente nas pesquisas de ma-
rketing. O propósito do grupo focal é identificar
Procedimentos percepções, sentimentos, atitudes e ideias dos in-
metodológicos tegrantes deste grupo a respeito de determinado
tema. As escolhas dos indivíduos que participarão
Esta pesquisa é de cunho exploratório com foram de acordo com suas características físicas
abordagem qualitativa. Para sua coleta de dados, ou comportamentais.
foram realizadas as pesquisas bibliográfica e do- A amostra desta pesquisa foi não probabilís-
cumental. Para a pesquisa de campo, foi feito um tica por conveniência. Segundo Malhotra (2001),
o grupo focal de oito pessoas, de ambos os gêne- essa é uma das técnicas mais comuns de amos-
ros, mediados pela pesquisadora. A segmentação tragem não probabilística. A escolha dos entrevis-
foi apenas por idade e localidade, com condição tados na maioria das vezes é por estarem casual-
serem consumidores de cerveja artesanal, terem mente no mesmo lugar que o pesquisador.
de 30 a 39 anos e residirem em Porto Alegre. A Este trabalho também utilizou a análise de
escolha desse procedimento metodológico foi a conteúdo categorial. Tudo que pode ser reduzi-
mais adequada para o presente estudo. do a um texto é passível de ser examinado. Por
No que se refere à pesquisa qualitativa, Ma- isso, a análise de conteúdo pode ser utilizada em
lhotra et al (2005), abordam que a pesquisa quali- diversas áreas, como, neste caso, na comunica-
tativa é empregada para definir o problema com ção. Essa técnica é uma importante ferramenta
mais exatidão, elaborar hipóteses, reconhecer as para averiguar dados de comunicação direciona-
variáveis mais importantes a serem investigadas. dos a uma abordagem qualitativa. Ela também
Uma técnica importante utilizada nessa pes- serve para descrever e interpretar o conteúdo de
quisa qualitativa foi a entrevista em profundida- uma classe de documentos e textos, auxiliando na
de, com discussões em grupo, evitando-se, assim, reinterpretação de mensagem, além de alcançar
resultados empregados de forma errada, se fosse a concepção de sentidos que transcendem uma
realizada de maneira quantitativa, dando margem mera leitura, conforme Moraes (1999).
a considerações conclusivas e generalizadas para
o público de interesse.
Cervo, Bervian e Silva (2007) também expli- Análise dos resultados
cam que não é necessário elaborar uma hipótese
a ser testada na pesquisa exploratória, razão pela Neste estágio da pesquisa, serão apresenta-
qual não foi realizada hipótese nesse estudo. O das as principais respostas e colocações dos parti-
objetivo principal é o aprimoramento de ideias e cipantes do grupo focal, acompanhado da análise
a familiarização com a análise. de conteúdo categorial.
Quanto às discussões em grupo, também co- O grupo focal foi realizado no dia 1º de outu-
nhecidos como grupos focais, foi utilizado um ro- bro de 2016, na residência da pesquisadora, com
teiro, conforme se verifica no Anexo desse estudo. uma duração de duas horas e cinquenta e quatro
Nesse sentido, Malhotra et al (2005) detalha que, minutos. Utilizou-se o roteiro de questões como
para moderar um grupo focal, é necessário pla- guia para orientar os participantes. Conforme já
nejamento, bem como possuir um roteiro para a informado, neste grupo focal, participaram oito
condução das perguntas. O mediador deve incen- pessoas de ambos os gêneros, que residem em
tivar a interação de todas as pessoas que partici- Porto Alegre, com idade entre 30 a 39 anos e que
pam do grupo focal, produzindo, assim, respostas consomem cerveja artesanal. Coincidentemente,
com mais riquezas de informações. todos os participantes do grupo possuíam ensino
Além disso, o grupo focal estudado nesse tra- superior completo. O quadro a seguir apresenta
balho foi pequeno, pois, conforme Dias (2000) re- o perfil dos entrevistados.
119
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Para preservar a identidade dos participantes, se sentido, Solomon (2002) afirma que, na hora do
eles foram referenciados por números. A pesqui- consumo de um determinando produto, existem
sadora dividiu análise em quatro categorias: fato- sentidos que se tornam mais relevantes. Isto varia
res sensoriais, motivação de consumo, ritual de de acordo com o tipo de produto que é consumi-
consumo e estilo de vida do consumidor. Estas do. No caso das cervejas artesanais, a coloração
categorias da análise estão inseridas no referen- é atrativa, entretanto é percebida uma maior im-
cial teórico e se enquadram com os objetivos de portância no paladar do que na visão.
pesquisa. Também foi questionado ao grupo qual a
temperatura eles costumavam consumir a cerve-
ja. A participante cinco comentou que a tempera-
Fatores sensoriais tura da bebida deve variar de acordo com a loca-
lização no Brasil. Em locais mais quentes, como o
Como descrito anteriormente por Solomon Nordeste, os consumidores bebem bebidas mais
(2002), as marcas que despertam aspectos senso- geladas devido ao calor. O participante um dis-
riais em seus produtos se destacam no mercado. se ao grupo que prefere uma temperatura seme-
A qualidade sensorial remete aos consumidores lhante às das geladeiras, entre 4ºc a 8ºC.
sensações únicas, fazendo com que eles associem Karsaklian (2009) afirma que muitos dos nos-
a fatores positivos e de bem-estar. Na hora do sos hábitos de consumo provêm de questões ge-
consumo de uma cerveja artesanal, por exemplo, ográficas e que acabam influenciando fortemente
os cinco sentidos estão trabalhando para que o nossa cultura de consumo. No Rio Grande do Sul,
consumidor sinta em sua plenitude cada um des- é comum ver consumidores de cerveja artesanal
tes sentidos. que preferem que a bebida não seja tão gelada,
A mediadora questionou ao grupo se a cor pois a temperatura não interfere no sabor.
do líquido da cerveja influencia nas suas decisões O participante dois expôs à mediadora que
de consumo, sendo necessário dizer o por quê. tem o hábito de apreciar o produto por um perío-
Foi unânime entre as respostas dos participantes do de tempo mais longo que o comum. Por conta
que a cor não influenciava na decisão de compra. disto, a temperatura vai naturalmente se elevan-
A participante quatro disse que a cor da bebida do. O mesmo não vê importância em consumir
não é um fator determinante na hora do consumo. uma cerveja mais quente. Segundo ele, a quali-
Para ela, o importante é o sabor e não a cor. Nes- dade do produto é tão boa que não é necessário
120
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
ser tão rigoroso com a temperatura. Já o partici- res que não estão preparados para mudanças em
pante três descreveu que a baixa temperatura ini- seus produtos de consumo. Para esse público, a
be o sabor das bebidas, adormecendo as papilas inovação deixa de ser uma coisa positiva. É reco-
degustativas. mendado pelo autor que, antes de qualquer mu-
Solomon (2002) relata que através do tato que dança, é necessária a realização de pesquisas de
o consumidor sente a maciez, a textura e, princi- mercado para saber a opinião de seu público.
palmente, a temperatura de um produto. Existem A participante cinco mencionou ao grupo a
produtos que se aproveitam deste sentido para preferência por cervejas artesanais que possuam
surpreender o seu consumidor. Entretanto, se um em sua composição produtos de origem local.
produto de consumo alimentício estiver com uma Questionada pela mediadora quais seriam estas
temperatura inadequada, pode ser um fator de- bebidas, a integrante mencionou a cerveja Ilex da
cisivo para que o consumidor não frequente mais microcervejaria Dado Bier. Conforme a participan-
determinado restaurante ou bar. Para o consumo te cinco, esta cerveja é produzida com erva-mate.
de cerveja artesanal, é necessário que o consumi- Alinhando-se com a resposta, Solomon (2002)
dor possa sentir o gosto da bebida, justificando relata que a cultura não é estática, estando sem-
a necessidade de temperaturas mais altas que as pre evoluindo e mudando; não se limitando, mas
cervejas industriais. acrescentando crenças. Conforme a teoria descri-
A mediadora indagou sobre a importância do ta pelo autor, mistura de dois produtos caracte-
cheiro da bebida para o grupo, solicitando que os rísticos de suas culturas é visto de forma positiva.
membros fossem mais detalhistas em suas respos-
tas. Dentro do rito de consumo, a maioria dos par-
ticipantes não notam a necessidade de cheirar a Motivação de consumo
bebida. O único integrante do grupo que afirmou
inalar o cheiro que a bebida exala durante o con- Foi dito por Karsaklian (2009) que o estudo
sumo foi o participante sete, pois já possui este das motivações é de extrema importância para a
hábito quando consome vinho. O mesmo descre- definição das estratégias mercadológicas de uma
veu que as cervejas artesanais que ele consome empresa. Conforme averiguado neste trabalho,
possuem odores característicos. foi possível constatar a questão da motivação em
Novamente, referenciando o que foi dito por diferentes áreas de estudo do comportamento de
Solomon (2002), na hora do consumo de um de- consumo.
terminando produto existem sentidos que se tor- Perguntou-se aos participantes o que levou
nam mais relevantes. Como exemplo, o olfato não eles a experimentarem cerveja artesanal pela pri-
possui tanta relevância neste tipo de produto. É meira vez. Todas as respostas deste questiona-
importante que cada consumidor explore mais os mento tiveram colocações muito particulares so-
sentidos não se limitando apenas no paladar. bre a primeira experiência do grupo com a cer-
Foi questionado quais os tipos de cervejas veja artesanal. A participante seis disse que ex-
artesanais que integrantes do grupo consomem. perimentou a cerveja artesanal pela primeira vez
Além disso, a mediadora indagou ao grupo so- quando tinha quatorze anos. Sua avó, que é de
bre as experiências que os mesmos tinham com o origem alemã, preparava a cerveja conforme a re-
gosto da bebida. A qualidade do sabor da cerve- ceita que ela havia aprendido com sua mãe, tudo
ja artesanal foi muito mencionada durante o gru- de forma muito artesanal. Há oito anos, ela come-
po focal. No entanto, a participante oito criticou çou a beber cerveja artesanal produzida por mi-
as cervejarias que acrescentam na composição de crocervejarias, afirmando que, graças à sua fami-
suas bebidas ingredientes como banana, mel ou lia, desenvolveu o gosto pela bebida.
café. Para ela, as marcas devem saber trabalhar o O que foi falado pela participante se enqua-
acréscimo dos sabores na cerveja, mas de modo dra com a análise de Solomon (2002) sobre a a
que não desvirtuam o sabor da própria cerveja. memória da aprendizagem. A aprendizagem se
Na ótica de Solomon (2002), existem consumido- dá por diversas formas de percepções e contatos
121
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
através dos sentidos, o que se demonstra quan- Foi questionado aos membros do grupo se
do se associa uma marca a uma experiência vivida. eles trocam de marca com frequência, e o porquê
Quanto mais prazerosa for esta experiência, mais desta troca. A participante seis afirmou não variar
será desejada, ser vivida novamente. No caso da de marca de cerveja artesanal. Além de apreço ao
participante seis, além de associar as marcas, ela sabor das bebidas, a mesma declarou possuir um
associa o próprio produto às experiências vividas bom relacionamento com estas microcervejarias.
com a família, fazendo com que o consumo seja Bretzke (2006) explica essa atitude da parti-
algo extremamente agradável. cipante seis de uma forma positiva. Quando um
Ademais, a colocação da participante seis consumidor possui um grande envolvimento com
também se enquadra com os fatores culturais no a marca, ele se fideliza a ela. Na escala de lealdade
comportamento de consumo. Na ótica de Solo- do consumidor, os advogados da marca são aque-
mon (2002), a cultura é a acumulação de tradições, les que possuem alto envolvimento emocional e
normas, significados e rituais, divididos entre inte- uma elevada frequência de consumo.
grantes de uma organização ou sociedade. No ca- Ao oposto da participante seis, a participante
so da família da participante seis, beber cerveja faz oito retratou ao grupo que não possui envolvimen-
parte da tradição e está infundida em sua história. to com as marcas. A integrante tem preferência em
Dando andamento aos questionamentos, a sempre experimentar marcas novas. Segundo ela,
mediadora perguntou o que motiva os membros esta atitude é devido a sua curiosidade.
do grupo focal a consumirem cerveja artesanal. O
participante três relatou que a necessidade de sa-
ciar o seu desejo pela bebida faz com que o motive Ritual de consumo
ir até o ponto de venda para fazer a compra. Prin-
cipalmente depois de um dia de trabalho extenu- Nos capítulos anteriores, foi descrito que ri-
ante, ele sente vontade de tomar cerveja artesanal. tual não está apenas ligado a questões religiosas.
Referenciando o que foi mencionado nos ca- O consumo de um produto, por exemplo, passa
pítulos anteriores por Solomon (2002), a ID é um por um ritual. Segundo Terrin (2004), o termo rito
sistema freudiano voltado totalmente à gratifica- possui uma vasta amplitude de significados. Resu-
ção imediata e o prazer. O participante três bus- midamente, descreve quaisquer atividades reali-
ca na compra da bebida suprir essa vontade, sem zadas de forma padronizada e repetida.
medir as consequências de tal escolha. Karsaklian A mediadora questionou ao grupo como é o
(2009) elenca que o comportamento humano é ritual de consumo da cerveja artesanal de cada
definido pelos impulsos instintivos e pela motiva- um. Entre as respostas que mais se destacaram,
ção inconsciente, a mais forte tendência de com- os participantes um e três descreveram de forma
portamento. mais detalhada o rito do consumo. O participante
Em sua resposta, a participante cinco disse um relatou que, após um dia de trabalho extenu-
que sua motivação em beber cerveja artesanal é ante, gosta de se recompensar comprando uma
poder desfrutar ao lado do seu namorado bons cerveja artesanal. O local preferido para o consu-
momentos harmonizados pela bebida. O psicólo- mo é na sacada de seu apartamento e olhando o
go Abraham Maslow desenvolveu uma teoria so- movimento de carros e pedestres. Este momento
bre as motivações de consumo. Conforme Bretzke traz uma sensação de relaxamento para ele. O rito
(2006), entre os níveis descritos, o que mais se en- em que o participante um descreve se assemelha
quadra com a resposta da participante é o nível ao happy-hour, comum na cultura local. A ques-
social, pois sua busca está alinhada à questão sen- tão da recompensa descrita pelo autor Solomon
timental. Já o participante sete tem como princi- (2002) é percebida na descrição do participante.
pal motivação ao consumo a busca pelo aprimo- Para o participante três, o ritual começa na
ramento do seu conhecimento sobre cerveja. Sua hora de escolher a cerveja. Quando compra dire-
resposta está atrelada à questão de autorrealiza- tamente no ponto de venda, gosta de analisar o
ção da teoria de Maslow. rótulo, ano de fabricação e ingredientes. Em ca-
122
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
sa, onde geralmente consome a cerveja, prepara sanal possuem algumas características semelhan-
o ambiente, serve o copo de forma que a espuma tes, mas como principal afinidade o estilo de vida.
fique na quantidade ideal. O primeiro gole é mais Baseada na colocação do participante três, a
demorado, para sentir o gosto, analisando, em se- mediadora questionou a todos os integrantes do
guida, o sabor e as experiências vividas. Nesta res- grupo focal quais seriam os seus graus de instru-
posta, a questão sensorial do paladar é evidente. ção. Todos afirmaram possuir ensino superior com-
Solomon (2002) afirma que o paladar é um fator pleto. Fazendo um adendo, a participante oito afir-
decisivo na escolha de determinados produtos, mou conhecer pessoas que possuem mestrado e
principalmente em se tratando de alimentos e be- doutorado e que consomem cerveja artesanal.
bidas. A cerveja artesanal é um bom exemplo em Novamente, acrescentando seu posiciona-
que os fatores ligados ao paladar são predomi- mento, a participante cinco dividiu os consumi-
nantes na escolha do consumidor. dores de cerveja artesanal em dois grupos: os mo-
dernos e os tradicionais. Conforme a integrante
do grupo, os consumidores tradicionais preferem
Estilo de vida do consumidor cervejas que utilizem signos germânicos em seus
rótulos e que sigam a Lei de Pureza Alemã (em ale-
Foi mencionado anteriormente que, para ir mão, Reinheitsgebot11). Já os consumidores mo-
mais a fundo na área de estudo do comportamen- dernos têm preferência por cervejas artesanais
to de consumo, é necessário analisar fatores mais com rótulos inovadores e com ingredientes varia-
subjetivos. Muitas vezes não poderão ser conheci- dos em sua composição.
dos somente sabendo a classe social de um consu- Solomon (2002) afirma que é comum as pes-
midor. Por este motivo, é estudado o estilo de vida. soas terem o costume de classificar a si próprias
A mediadora questionou ao grupo se eles co- e as pessoas ao seu redor em grupos. Segundo o
nhecem pessoas que também consomem cerveja autor, a existência destes grupos é positiva e auxi-
artesanal. Em caso de resposta positiva, era ne- liam em estratégias de segmentação de mercado.
cessário dizer como era o perfil destas pessoas.
Por fim, dizer se essas pessoas têm ou não o mes-
mo estilo de vida que eles. Conclusão
Todos os participantes afirmaram conhecer
pessoas que consomem cerveja artesanal, sendo A pretensão dessa pesquisa foi analisar o
a maioria delas do grupo de amizades. A partici- comportamento do consumidor de cerveja arte-
pante cinco caracterizou os consumidores de cer- sanal na cidade de Porto Alegre. Nesse sentido,
veja artesanal como pessoas que gostam de via- foram examinados os fatores sensoriais que es-
jar e possuem um paladar mais sofisticado. Apre- timulam as pessoas ao consumo do produto em
sentando o seu ponto de vista, o participante três questão, o estilo de vida dos consumidores, os fa-
caracterizou os consumidores de cerveja artesanal tores que as levam a consumi-lo e o ritual de con-
com um grau de instrução semelhante. Questio- sumo da bebida.
nado pela mediadora qual seria o grau de instru- A característica da pesquisa foi de caráter ex-
ção deste público, o mesmo informou que seriam ploratório e qualitativo, tendo sido analisado um
pessoas que, no mínimo, possuem o ensino supe- grupo focal de oito pessoas, composto apenas por
rior completo. adultos entre 30 e 39 anos e consumidores desse
Solomon (2002) exemplifica o fato de pessoas
que possuem muitas características semelhantes,
porém com estilos de vida distintos. O mesmo se
11 Conforme Ulrich (2016), a Reinheitsgebot é uma lei promulgada
aplica para pessoas que possuem características no ano de 1516 pelos duques bávaros Guilherme IV e Ludovico X.
distintas, porém com estilos de vida semelhantes. Essa lei estabelece que só podem conter na cerveja água, lúpulo e
cevada. A finalidade deste decreto era para preservar a qualidade
Percebe-se que, pelas colocações dos participan- do produto vendido na época. Ademais, é considerada uma das
tes do grupo, os consumidores de cerveja arte- mais antigas regulamentações de defesa do consumidor.
123
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
produto, formado de uma amostra não probabilís- po. Outro ponto interessante diz respeito ao com-
tica por conveniência. Conforme demonstrado, a portamento de compra, em que se verifica que os
delimitação desse público se deu em razão de ser fatores clima e sazonalidade influenciam na aquisi-
essa faixa etária a maior consumidora de cerveja ção de um determinado tipo de cerveja artesanal.
artesanal. Coincidentemente, durante a pesquisa A cultura também é verificada no consumo de
foi percebido que todos os integrantes do grupo cerveja artesanal. Por um lado, verifica-se a exis-
focal possuíam o mesmo grau de instrução. tência de marcas de cervejas que inserem um fator
Além disso, ficou demonstrado que o proce- local para chamar a atenção do público. É o caso
dimento metodológico escolhido para o presen- de no Rio Grande do Sul ser vendida cerveja de
te estudo – pesquisa exploratória com aborda- erva-mate. Por outro lado, percebe-se a questão
gem qualitativa – deu-se em razão de ser o mais de tradições familiares no consumo da bebida.
adequado para o desenvolvimento desse traba- Um ponto muito importante averiguado no
lho. A escolha pela abordagem qualitativa pro- grupo focal diz respeito ao ritual. Foram verifica-
porcionou uma interpretação da pesquisadora das diversas formas de consumo de cerveja arte-
sobre os dados e informações oferecidos pelos sanal, mas todas atreladas aos estímulos de satis-
entrevistados. Outrossim, a discussão deu-se por fação, recompensa e autorrealização. Sobre esti-
grupo focal, o que auxiliou na identificação de lo de vida, foi mencionado que existem pessoas
percepções, sentimentos, atitudes e ideias dos com formação, idade e nível social parecidos. To-
seus integrantes a respeito do assunto em ques- davia, no caso em tela, o grupo focal foi composto
tão. O grupo foi reduzido a oito pessoas, devido por pessoas de diversas áreas profissionais, com
à maior facilidade de pessoas próximas e dispos- estilo de vida e gostos semelhantes. O que muda
tas a responder o roteiro de perguntas elaborado é apenas a profundidade por desbravar novos ti-
pela pesquisadora com base no referencial teóri- pos de cervejas artesanais.
co. Por essa razão, a amostra foi não probabilísti- Por fim, no que diz respeito aos sistemas sen-
ca por conveniência. soriais, é possível constatar que o paladar é, indis-
Ainda, conforme ressaltado no decorrer do cutivelmente, um fator muito importante na esco-
estudo, não foi testada hipótese na pesquisa ex- lha de determinada cerveja artesanal. Se o gosto
ploratória, devido ao pouco portfólio de informa- de determinada cerveja agrada à pessoa, haverá
ções sobre o problema de estudo. A pesquisado- uma probabilidade maior de se repetir a compra
ra se limitou em determinar os objetivos e investi- desta marca. Os fatores que menos interferem na
gar mais informações sobre o tema. compra da bebida são o cheiro e a cor. Conforme
A pergunta norteadora dessa pesquisa foi: averiguado no grupo focal, não chegam a serem
quais os motivos estão levando os consumidores fatores decisivos.
femininos e masculinos, com idade entre 30 a 39 Dessa forma, combinando o que foi apresen-
anos a aumentarem o consumo de cerveja artesa- tado no referencial teórico com a análise das res-
nal em Porto Alegre? postas obtidas no grupo focal, pode-se dizer que
Para embasar esse estudo, utilizou-se de pes- os principais motivos que estão levando o público
quisa bibliográfica e documental sobre comporta- a consumir cada vez mais esse tipo de bebida é
mento do consumidor, de forma a apontar concei- a qualidade, as experiências relacionadas ao con-
tos, modelos e teorias. sumo deste produto e a diferenciação da bebida.
No que diz respeito à memória da aprendiza- A partir do que foi observado e explorado,
gem, uma das entrevistadas associa as prazerosas propõe-se, para novos estudos sobre o tema des-
experiências vivas em núcleo familiar com o as cer- te trabalho, uma pesquisa quantitativa com uma
vejas artesanais. A satisfação pela qualidade de amostra maior, tomando como base inicial as ca-
uma cerveja artesanal levou alguns dos entrevis- tegorias apresentadas. Por fim, o presente estudo
tados a comprarem repetidamente determinada oferece aos produtores de cerveja artesanal e pro-
marca. Porém, a curiosidade por marcas novas tam- fissionais da área informações relevantes sobre o
bém é averiguada entre os componentes do gru- comportamento de consumo.
124
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
ABRABE. Categorias. Disponível em: <http://www.abrabe.org.br/categorias>. Acesso em: 10 ago. 2017, às 18:40.
BRETZKE, Miriam. Capítulo 3: Comportamento do Cliente. In: DIAS, Sérgio Roberto (Coord.). Gestão de
Marketing. São Paulo: Saraiva, 2006.
CERVEJA E MALTE. A Indústria Cervejeira responde por 2% do PIB Brasileiro. Disponível em: <http://cervejaemalte.
com.br/blog/a-industria-cervejeira-responde-por-2-do-pib-brasileiro/>. Acesso em 10 ago. 2017, às 19:10.
CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino; SILVA, Roberto da. Metodologia científica. 6ª ed. Pearson, 2007.
DIAS, Cláudia Augusto. GRUPO FOCAL: técnica de coleta de dados em pesquisas qualitativas. Informação
Sociedade, v. 10, n.2, 2000. Disponível em: <http://bogliolo.eci.ufmg.br/downloads/DIAS%20Grupo%20Focal.
pdf>. Acesso em: 10 ago. 2017, às 21:03.
IBOPE. Cerveja e vinho são as bebidas alcoólicas mais consumidas pelos internautas no Brasil. Disponível em:
<http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/cerveja-e-vinho-sao-as-bebidas-alcoolicas-mais-
consumidas-pelos-internautas-no-brasil/>. Acesso em 10 ago. 2017, às 19:52.
KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do consumidor. 2ª ed. 4ª reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.
MALHOTRA, Naresh K, et all. Introdução à pesquisa de marketing. São Paulo: Prentice Hall, 2005.
MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação. V. 22, nº. 37. Porto Alegre, 1999. p. 7-32.
SAMARA, Beatriz Santos; MORSCH, Marco Aurélio. O comportamento do consumidor: conceitos e casos. São
Paulo: Prentice Hall, 2005.
SANTOS, Rafael Felipe. O mercado e a publicidade de cerveja no Brasil. Disponível em: <http://www.
rafaelfelipesantos.com.br/o-mercado-e-a-publicidade-de-cerveja-no-brasil/> Acesso em: 10 ago. 2017, às 18:30
SEBRAE. Cerveja Artesanal: Ótimo negócio para pequenos. Disponível em: <http://www.sebraemercados.com.
br/cerveja-artesanal-otimo-negocio-para-pequenos/>. Acesso em: 10 ago. 2017, às 19:15.
TERRIN, Aldo Natale. O rito: antropologia e fenomenologia da ritualidade. São Paulo, Paulus, 2004.
ULRICH, Klaus. Preceito de pureza da cerveja alemã comemora 500 anos. Disponível em: <http://www.dw.com/
pt-br/preceito-de-pureza-da-cerveja-alem%C3%A3-comemora-500-anos/a-19201690>. Acesso em: 11 ago. 2017,
às 08:24.
125
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Cultura organizacional:
uma visão criativa
Organizational culture: a creative vision
Resumo
Este artigo tem como tema aprofundar e apresentar aspectos da Indústria Criativa com a Cultura Organizacional,
tendo como cenário de estudo os profissionais da Geração Y e as Dinâmicas dos Setores Criativos influenciados
pela Cultura Organizacional. O artigo tem como base a ideia inicial do texto “O que diabos aconteceu com a Ge-
ração Y?”, o qual discute abertamente a neoescravidão que esses profissionais sofrem. Serão aprofundados auto-
res da Administração que balizam os estudos de Cultura Organizacional, de forma a realizar um contraponto. Em
uma segunda etapa são realizadas enquetes com profissionais da área, apresentando uma diversidade de cenário
dos modelos criativos. Como resultado, será possível compreender o fenômeno da Indústria Criativa se utilizando
das suas próprias premissas para conquistar os criativos.
Palavras-chave: Cultura organizacional. Indústria Criativa. Geração Y.
Abstract
This article has as a deep and present theme of the Creative Industry with Organizational Culture, having as sce-
nario of study of the professionals of the Generation and as Dynamics of the Critical Sections Inflamed by the Or-
ganizational Culture. The article is based on the initial idea of the text “What the hell happened to Generation
Y?”, Which openly discusses a neo-slavery that these professionals suffer. Authors of the Administration who carry
out studies of Organizational Culture will be deepened, in order to carry out a counterpoint. In a main stage are
performed with professionals of the area, presenting a diversity of scenery of the creative models. As a result, it is
possible to visualize the phenomenon of the Creative Industry, using its own premises to conquer the creatives.
Keywords: Organizational Culture. Creative Industry. Y generation.
1 Orientador do Trabalho. Doutor em Comunicação Social (PUCRS) e professor do Mestrado em Indústria Criativa (Universidade Feevale);
email: [email protected].
2 Mestre em Indústria Criativa (Universidade Feevale); email: [email protected]
3 Graduanda do 6º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Feevale; email: [email protected]
4 Graduanda do 6º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Feevale; email: [email protected]
5 Graduanda do 8º semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Feevale; email: [email protected]
126
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
E
ste artigo é parte de um estudo realizado no les problemas, conforme Freitas (2000). A discus-
Grupo de Indústria Criativa da Universida- são acerca desse assunto se destaca logo na cul-
de Feevale, ligado ao Mestrado em Indús- tura organizacional, pois é o que define a filosofia
tria Criativa da instituição. O projeto do qual es- de uma empresa. O setor criativo, por sua vez, não
te trabalho faz parte tem como proposta enten- se detém a ideias fixas que guiem o trabalho do
der o processo de consolidação e apropriação do criativo. No âmbito trabalhista, a Indústria Criativa
conceito de Indústria Criativa pelo estado do Rio é, muitas vezes, criticada justamente por não pos-
Grande do Sul. Esta pesquisa possui apoio e fo- suir certa filosofia presente no setor tradicional.
mento do CNPQ e da FAPERGS, e tem como ob- O que se vê atualmente, no mercado em que
jetivo traçar nesta etapa uma ligação entre o setor o profissional da Geração Y está inserido, é uma
tradicional e o setor criativo. certa hipocrisia do setor criativo. Vemos que as
A Indústria Criativa tem se usado das suas premissas da Indústria Criativa, como não ter ho-
próprias premissas para se estabilizar com uma rários fixos ou ter momentos de lazer dentro da
geração de trabalhadores inquietos, a Geração Y empresa, por exemplo, estão sendo utilizadas
(Oliveira, 2010). A ideia do artigo se torna real com como artefatos que seduzem o trabalhador, que-
a provocação do texto “O que diabos aconteceu brando a cultura organizacional existente. No en-
com a Geração Y?”, o qual o autor, o publicitário tanto, o profissional acaba trabalhando em exces-
Ícaro de Carvalho, critica as empresas por escravi- so e perdendo a essência do setor criativo, que é
zar seus trabalhadores por conta do home office e se utilizar do intelecto para trabalhar.
da tecnologia que temos disponível atualmente. É Este artigo tem como objetivo entender am-
possível perceber que, ao longo do texto, ele traz bos lados e seus ideais, bem como compreender
ideias e fatos comuns na rotina do trabalho do o cotidiano de quem está trabalhando nesse meio
criativo para dentro do universo da Cultura Orga- e se é possível perceber tal fenômeno. O estudo
nizacional. A crítica se dá por ver a diferença de não tem a pretensão de consolidar tal hipótese,
estilo de trabalho do criativo para quem está em- apenas apresentar dados científicos para que se
pregado em outro setor. A premissa da Indústria entenda melhor e se identifique esse processo no
Criativa de deixar o criativo trabalhar à vontade, mercado de trabalho. Como resultado, será pos-
pois precisa do intelecto e do conhecimento para sível concretizar a ideia de Cultura Organizacional
produzir algum produto, instiga àqueles que pos- dentro de uma agência publicitária, se encaixan-
suem trabalhos regrados pela filosofia que guia do com a neoescravidão que a própria Indústria
a empresa. No entanto, é o próprio setor criativo Criativa gera a seus funcionários.
que está abusando de seus ideais e fazendo com
que seus trabalhadores atuem além do necessá-
rio, trabalhando em excesso e nunca se desligan- Fundamentação teórica
do da função. A vestimenta, o comportamento, as
regras de etiqueta e os horários são fatores deter- Nas palavras de Howkins (2005), Indústria Cria-
minantes dentro do setor tradicional. tiva é “uma indústria onde o trabalho intelectual
Uma empresa de qualquer outra indústria é preponderante e onde o resultado alcançado é
que não seja a criativa é regrada pela sua Cultura a propriedade intelectual”. Além dessa definição,
Organizacional, definida por Schein (1985) como outras têm sido usadas para denominar o mes-
“modelo dos pressupostos básicos que um da- mo termo. Diversos conceitos se desenvolveram
do grupo inventou, descobriu ou desenvolveu no ao longo do tempo, desde os anos 1990, quando
processo de aprendizagem, para lidar com os pro- o termo foi primeiramente explorado. Cada país
blemas de adaptação externa e integração inter- adaptou esse significado para a sua cultura e sua
na”. Uma vez que estes pressupostos tenham fun- mão de obra nativa, o que resultou em várias áreas
cionado bem o suficiente para serem considera- contempladas de acordo com a necessidade eco-
127
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
nômica da região. No fim dos anos 1990, o Depar- acreditava na Cultura Organizacional como a filo-
tamento de Cultura, Mídia e Esportes (DCMS) do sofia que guiava o crescimento e desenvolvimen-
Reino Unido lançou um mapeamento da Indústria to da empresa.
Criativa, cunhando, assim, um novo conceito, de- Robbins (2002) acredita que a Cultura Orga-
monstrando que determinadas empresas podem nizacional é feita por apenas sete características
ir além de seu papel cultural e podem, de manei- que capturam a essências da organização por si
ras mercadológicas, gerar valores consideráveis só, sendo elas: inovação e assunção de riscos,
(HOWKINS, 2002). atenção aos detalhes, orientação para os resulta-
Deheinzelin (2011) define a Indústria Criati- dos, orientação para as pessoas, orientação para
va como uma economia baseada em recursos in- a equipe, agressividade, estabilidade. Ainda há o
tangíveis, já que sua principal matéria-prima é a conjunto de direitos e deveres que caracterizam a
ideia. Para a autora, nunca chegaremos, inclusi- posição de uma pessoa em suas relações com ou-
ve, a uma real definição da área e estaremos sem- tra, criando assim as relações de hierarquia den-
pre em uma “versão beta”. Contudo, não possuir tro da organização e partindo para outro campo
um conceito definitivo e absoluto pode, de algu- de estudo da Administração, o de Clima Organi-
ma forma, ser benéfico pois, neste caso, cada lo- zacional.
cal adequa-se à significação que mais lhe convém Handy (2006), com o seu modelo dos “Deu-
(REIS, 2012). ses da Administração”, acredita que a gestão das
A Indústria Criativa é um assunto recente nas organizações não é uma ciência precisa, mas um
áreas de economia, educação e mercado; tendo processo político e criativo, além de dizer que as
diferentes setores contemplados de acordo com culturas não são boas nem más, apenas inapro-
cada definição. Por se tratar de algo que se utiliza priadas para algumas circunstâncias, fazendo com
do intelecto no trabalho, a Indústria Criativa é per- que o fato de você não gostar de um determinado
cebida em organizações menos rígidas do que as modelo torne a cultura inadequada para si, não
do setor tradicional. Schein (1985), além de defi- inadequada por si só. Dentro desse modelo de
nir Cultura Organizacional como crenças que são deuses, Handy associa o setor criativo à Atena, a
consideradas adquiridas em relação à empresa e deusa da sabedoria, pois tem o dom da resolução
natureza humana, faz um estudo de campo pa- de problemas; aloca recursos para resolvê-los; se
ra exemplificar tal fenômeno: visita uma empresa utiliza de uma rede para a solução dos problemas,
farmacêutica e uma empresa de informática. Na pois esta pode vir de várias partes da organiza-
empresa do setor farmacêutico, os funcionários ção; tem talento, criatividade; é pró ativo e pos-
estão todos trabalhando em ambientes separa- sui respeito mútuo; tem dificuldades com rotina.
dos e isolados, respeitando a Cultura Organiza- Essas são algumas características muito presentes
cional daquela indústria, enquanto na empresa de no setor criativo, o que o diferencia do setor tra-
informática há um ambiente aberto e despojado, dicional, representado por outros deuses: Apolo,
primando o contato direto dos colaboradores pa- deus da razão; Zeus, representante de todos os
ra que possam trocar ideias entre si. Tal modelo e deuses e Dionísio, deus da autonomia. A cultura
tal estudo surgiram a partir de uma discussão da de Apolo (ou burocrática) valoriza mais a função
decrescente economia americana e o sucesso das do que a pessoa que a exerce, já a cultura de Zeus
empresas japonesas. Por mais que o livro Cultura é caracterizada por um poder centralizado com
Organizacional e Liderança (1985) tenha sido lan- número reduzido de regras e fraca burocracia, fa-
çado com a intenção de dizer que os líderes são cilitando as relações de afinidade e confiança en-
pessoas inspiradoras dentro de uma organização, tre os colaboradores. Por fim, a cultura de Dionísio
desmistificando a ideia da Cultura Organizacional tem por base o indivíduo, respeito mútuo e auto-
ser inalterável, ele acabou servindo de base para -responsabilização.
entender esse novo fato que acontece dentro do Além desses nomes, há um segmento de auto-
setor criativo: o da liberdade em excesso que cau- res que trata especificamente de uma cultura com
sa essa neoescravidão vivida. Schein ainda assim um modelo mais antropológico. Cavedon (1999)
128
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
129
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
130
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Figura 5 – Q
uanto tempo
trabalha no mesmo local
131
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Na questão sobre o horário flexível, os resul- “Sim, porque gosto de saber o que está acontecendo.”
tados foram equilibrados. Com 40,6%, a resposta “tento evitar ao máximo ou desligo o celular. Sempre há alguma
que se destaca é “sim, mas tenho que compen- ligação pedindo alguma informação...”
sar horário”. Mesmo assim, a opção “não, preciso “As vezes sim, quando recebo demandas dos clientes via
celular, para repassar.”
marcar horário de entrada e saída” obteve 38,5%
das escolhas. “Sim. Pq as vezes tem muitas demandas. Hoje atendo 12
marcas, então sempre ocorre algo fora do planejado. Na minha
opinião quando se trabalha com mídias tem que estar 24h
Figura 9 – Seu horário é flexível? conectado! (Às vezes isso é um saco) .”
Fonte: Autoria própria
Puffs.
Sala de descanso.
Quadro 1 – Q
uando está de férias, você entra
em contato com seus colegas para
falar sobre trabalho? Por quê? Fonte: Autoria própria
132
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Falando sobre incentivo à criatividade, os res- sar esse tempo que se passa na empresa”.
pondentes afirmam que sim, os estímulos funcio-
nam e que o ambiente é favorável para o convívio. Quadro 4 – Você acha a sua área possui
Mesmo assim, uma parcela dos criativos, assim co- privilégios comparada as demais? Por quê?
mo o publicitário Ícaro de Carvalho, enxerga estes “Depende, as vezes acho que sim, porque trabalhar com
objetos não como estímulos, mas sim como des- comunicação é o que sei fazer, mas há muitos desrespeitos para
com o profissional da comunicação, especialmente com relação
culpas para que os profissionais trabalhem mais aos horários.”
e não reclamem, pois estão se “divertindo”. Um “Não, pois se trabalha bem mais, sendo que os privilégios são
exemplo desta situação é a resposta: “o ambien- para compensar esse tempo a mais que se passa na empresa.”
te físico é estimulante, mas na prática é ‘esteira de “Não. O ritmo de trabalho em uma agência não possibilita ao
layout’. Não há tempo para aproveitar o espaço.” profissional uma boa qualidade de vida.”
Sim, pois tem música, vista para a rua e um ambiente Fonte: Autoria própria
agradável.”
A maior parte das respostas (60,4%) garante
“Sim, pois é um coworking que reúne muitas pessoas diferentes,
e possui um espaço agradável a novas ideias.”
que existem momentos estressantes, mas que são
pontuais. A outra resposta mais selecionada foi
Fonte: Autoria própria que o trabalho é estressante (20,8%). Assim, de-
monstrando que muitos sentem a rotina de ma-
Ao falar dos privilégios que a área pode pos- neira negativa.
suir, as opiniões são controversas. Desta forma, a Embora os ambientes das agências publicitá-
maior parte das respostas afirma que não existem rias sejam considerados criativos, através da en-
privilégios ao trabalhar em uma agência de pu- quete foi possível perceber que nem todos os cria-
blicidade. Alguns dos comentários, reafirmam o tivos estão satisfeitos com essa forma de trabalho.
texto do publicitário. “Não, pois se trabalha bem A neoescravidão também fica evidente com o uso
mais, sendo que os privilégios são para compen- das redes sociais e internet dentro e fora do horá-
133
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
rio de trabalho. A questão do coworking gera uma que os publicitários estão sim sofrendo influência
relação mais descontraída entre funcionários, que do ambiente criativo para que se sintam mais es-
muitas vezes acaba limitando o indivíduo no sen- timulados, embora isso seja apenas uma fantasia.
tido de exercitar sua criatividade. O trabalho fica Em todos os níveis, desde estágio até o trabalho
como o cliente gostaria, e não como o autor pre- efetivo, as pessoas entrevistadas sentem o estres-
tendia. Além das relações amigáveis, as redes so- se da rotina criativa, que tenta ser a mais descon-
ciais acabam estremecendo relações entre funcio- traída possível, mas apenas como uma troca para
nário e chefe. um trabalho difícil.
A cultura organizacional, presente nas indús-
trias tradicionais, por sua vez, poderia ser uma al-
Considerações finais ternativa para a solução de tal fenômeno: haveria
regras a serem cumpridas e uma hierarquia de obe-
O artigo teve como tema aprofundar e apre- diência. A Indústria Criativa não prega esse tipo de
sentar aspectos da Indústria Criativa com a Cultu- comportamento e acredita que cada um é uma pe-
ra Organizacional, tendo como cenário de estudo ça essencial dentro do sistema, trabalhando em to-
os profissionais da Geração Y e as Dinâmicas dos dos os setores. No entanto, essa maneira de traba-
Setores Criativos influenciados pela Cultura Orga- lho acaba sendo falha, uma vez que os chefes das
nizacional. O artigo tem como base a ideia inicial agências se abusam desse modelo. A ordem hie-
do texto “O que diabos aconteceu com a Gera- rárquica acaba já existindo também. Uma filosofia
ção Y?”, o qual discute abertamente a neoescravi- que guia uma empresa pode ajudar a reconstruir a
dão que esses profissionais sofrem. A partir do es- essência criativa dos ambientes de trabalho.
tudo bibliográfico, o qual foi possível entender a Como sugestão de estudos futuros, propo-
cultura organizacional que rege a Indústria Criati- mos que a pesquisa seja aplicada nas demais áre-
va, conseguimos entender tal fenômeno que exis- as da Indústria Criativa, uma vez que esta pesqui-
te nas agências publicitárias. O estudo concluiu sa foi realizada somente na área de Comunicação.
134
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
CAVEDON, Neusa R. Antropologia para administradores. 2. ed. Porto Alegre: Ufrgs, 2008.
DCMS (Department for culture, media and sport). Creative industries mapping document. Available at: http://
www.culture.gov.uk/Reference_library/ Publications/archive_2001/ci_mapping_doc_2001.htm.
DEHEINZELIN, Lala. Economia Criativa e métodos para dar uma mão ao futuro. Redige, v.2, n.02, p. 343-360,
2011.
FREITAS, M. E de. (1991). Cultura organizacional: formação tipologias e impacto. São Paulo, Makron Books.
FREITAS, Maria Ester. Cultura Organizacional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.
HANDY, Charles. O Meu Eu e Outros Temas Importantes. São Paulo: Actual, 2006.
HOWKINS, J. The Mayor’s Commission on the Creative Industries. In: J. Hartley (ed.), Creative industries.
London: Blackwell, 2005, pp.117-125.
HOWKINS, John. The Creative Economy: How People Make Money from Ideas. Londres: Penguin Books
Limited, 2002.
Martin, J., & Frost, P. J. (1996). The Organizational culture war games: A struggle for intellectual dominance. In
S. Clegg, C. Hardy, & W. Nord (Eds.), Handbook of organization sutides (pp. 599-621). Newbury Park, CA: Sage
Publications.
OLIVEIRA, Sidnei. Geração Y: o nascimento de uma nova versão de líderes. São Paulo: Integrare, 2010.
PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de, Metodologia do Trabalho Científico: Métodos e
Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Acadêmico, 2ª Ed., Novo Hamburgo - RS, Associação Pró-Ensino Superior
em Novo Hamburgo - ASPEUR Universidade Feevale, 2013. Disponível em: <http://www.feevale.br/Comum/
midias/8807f05a-14d0-4d5b-b1ad-1538f3aef538/E-book %20Metodologia%20do%20Trabalho%20Cientifico.
pdf>, acesso em: março de 2017.
ROBBINS, Stephen P. Comportamento organizacional. Tradução: Reynaldo Marcodes. 9. ed. São Paulo: Prentice
Hall, 2002.
SCHEIN, Edgar. Organization culture and leadership: a dynamic view. San Francisco: Jossey Bass, 1992. 418p.
135
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Resumo
Estabelecer uma relação próxima com os clientes, torna-se item indispensável na rotina das empresas, indepen-
dentemente do setor. E, essa preocupação em fidelizar clientes também está presente nas agências de publicida-
de. Isto é percebido intensamente na agência Martins + Andrade, que, além de ser a empresa desse segmento
mais antiga no mercado gaúcho, estabelece relações duradouras com seus clientes. Assim, este estudo tem como
objetivo analisar os aspectos considerados pela Martins + Andrade e por seus clientes para construir um relacio-
namento perdurável entre agência e cliente. Para essa análise, em uma pesquisa qualitativa de cunho explorató-
rio-descritivo, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com representantes de três clientes e três funcioná-
rios da agência. As informações obtidas foram organizadas em quatro categorias, conforme a técnica de análise
de conteúdo. Através deste estudo, notou-se que para os colaboradores da agência a questão da qualidade do
trabalho têm papel fundamental nesta relação, e que este relacionamento é sustentado pela parceria e envolvi-
mento de todos funcionários. Para os clientes, o relacionamento estabelecido é mais forte que a qualidade dos
trabalhos, pois valorizam muito o fato de ter acesso a diretoria da agência.
Palavras-chave: Marketing. Marketing de Relacionamento. Clientes. Martins + Andrade.
Abstract
Establishing a close relationship with your clients, is turning more essential on company’s routine every time, no
matter what sector we’re talking about. And this concern on client loyalty is present in publicity agencies too. This
is intensely perceived in Martins + Andrade, that besides being the oldest company on this segment in the Rio
Grande do Sul market, establishes lasting relationships with clients too. With that being said, this study has as his
main objective analyze the aspects that Martins + Andrade and their customers considere more valuable to create
a lasting relationship between each other. For this analysis, in a exploratory-descriptive research, semi-structured
interviews were made with three representatives of three clients and three of the agency workers. The obtained
information was organized in four categories, according to the content analysis technique. Throughout this study,
it was noticed that for agency contributors the work quality has a major role in this relationship, and that this re-
lationship is sustained by the involvement and the partnership of all workers. For the clients, the established rela-
tionship is stronger than the work quality, because having access to the agency directory has a huge value to them.
Keywords: Marketing. Relationship Marketing. Clients. Martins + Andrade.
1Este artigo é resultado da monografia realizada como Trabalho de Conclusão do Curso de Publicidade e Propaganda, defendida em
novembro de 2016, no Centro Universitário Metodista IPA.
2 Bacharela em Publicidade e Propaganda Atua como atendimento publicitário na agência Martins + Andrade. Contato:
[email protected]
3 Doutora em Comunicação Social. Professora do Centro Universitário Metodista IPA e da FTEC-IBGEN. Orientadora metodológica desta
pesquisa. Contato: [email protected]
136
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
A
o iniciar qualquer tipo de negócio, o em- indicam um mercado em declínio em consequ-
preendedor tem importante meta: con- ência da redução de verbas. Um dos motivos é o
quistar clientes. Com o passar do tempo, aumento da mídia digital que prejudicou a remu-
o objetivo é outro: mantê-los. Esta tarefa acaba se neração das agências. Mais da metade delas tra-
tornando um verdadeiro desafio para as mais di- balham com o formato tradicional de comissão, a
ferentes organizações, inclusive para as empresas partir dos investimentos de mídia e produção, e
prestadoras de serviços. E esta questão também mais de 80% com o modelo de fee mensal, que
está presente no setor publicitário. é um valor fixo que o cliente paga. Para 35% dos
O mercado publicitário, em âmbito nacional, entrevistados, os negócios estão parados. Porém,
está passando por constantes mudanças, a come- apesar destas questões, 70% dos empresários do
çar pelo crescimento das plataformas digitais, que setor estão otimistas e confiantes. Na análise do
fez com que as mídias tradicionais, como televi- presidente da Abap/RS, Daniel Skowronsky (2016,
são, jornal e rádio, perdessem seu espaço no dia- paginação irregular), “o desafio é tornar-se rele-
-a-dia dos consumidores4. Especialmente no final vante no mercado, adaptar-se às transformações,
de 2015, início de 2016, ocorreram mudanças que inovar e construir estratégias para mais valor”. Pe-
movimentaram o mercado, com nomes importan- rante este momento tão frágil, as agências preci-
tes da publicidade saindo de suas tradicionais ca- sam se reinventar e estabelecer relações cada vez
sas e a venda do grupo ABC para a Omnicom5. mais sólidas com seus clientes.
Para João Gabriel Chebante, CEO da Chebante As agências precisam dos seus clientes para
Brand Strategy, o problema atual é que as agên- sobreviver. Os processos mais comuns para con-
cias estão tão focadas nos resultados da mídia quista de uma nova conta ocorrem através de
que esquecem da visão estratégica do cliente. Es- prospecção, licitação e concorrência. O primeiro
te fator, acompanhado da diferença de preço, fez acontece quando por iniciativa própria a presta-
com que empresas voltadas ao marketing direto, dora de serviços procura a empresa para conhe-
branding, digital, trade e eventos ganhassem for- cer seus serviços e trabalhos, muitas vezes apre-
ça. Outro aspecto importante, que pode ocasio- sentando uma campanha. A licitação é prevista
nar mudanças no mercado publicitário, é a crise pela Lei nº 12.232/20108 e é realizada entre várias
econômica que afeta o Brasil. Se o cliente precisar agências que disputam a administração publicitá-
cortar gastos, um dos primeiros tópicos afetados ria de contas públicas, como governos e bancos.
é o investimento em comunicação. Diferentemente dos demais, podem ser atendi-
As questões nacionais acabam refletindo no dos por mais de uma agência. O último processo,
mercado gaúcho do setor. Atualmente, segundo a concorrência, acontece quando a própria em-
dados do Sindicato das Agências Propaganda no presa seleciona algumas prestadoras de serviços
Estado do Rio Grande do Sul (SINAPRO), o es- publicitários que, através de trabalhos e preços
tado conta com 80 agências de publicidade6. A disputam quem assumirá a conta.
Associação Brasileira de Agências de Publicidade Depois desta primeira fase, acontece o mo-
do Rio Grande do Sul (Abap/RS), organizou uma mento de reter esses clientes. A rotina é feita de
solicitações para criações de campanhas, orça-
mentos de produção e de mídia e de uma rela-
4 Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/
midia/2016/02/10/circulacao-digital-pode-passar-impressa-
em-2016.html Acesso em 02.10.2016, às 15h30min.
7 Disponível em: <https://about.com.br/2016/01/29/pesquisa-
5 Disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/ abap-rs-revela-perfil-das-agencias-de-publicidade-do-estado/>
opiniao/2016/07/01/por-que-o-futuro-da-sua-marca-nao-reside-na- Acesso em: 02.10.2016 18h30.
atual-agencia.html> Acesso em: 02.10.2016, às 14h.
8 Disponível em: < http://www.abapnacional.com.br/pdfs/
6 SINAPRO-RS, consulta a documentos enviados para a publicacoes/licitacoes-publicas.pdf> Acesso em: 04.10.2016, às
pesquisadora por e-mail, a partir de pesquisa documental 16h.
137
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
ção diária via e-mail, telefone e reuniões. Porém, McCann, Publicis, Almap BBDO, Unilever, Nestlé,
diversas opções de agências, entregando traba- Coca-Cola, VIVO, Volkswagen, entre outros.
lhos similares e com valores distintos, são alguns No mercado gaúcho, é conhecida por esta-
dos pontos que podem contribuir para que o con- belecer relações de longo prazo com seus clien-
sumidor deste tipo de serviço ser mais suscetível tes. Em um segmento em que muitas vezes nem
à mudança do fornecedor final. Apesar destes fa- o contrato mínimo de um ano é cumprido, fideli-
tores, é possível estabelecer uma relação de fide- zação acaba se tornando um termo pouco usual
lização e torná-lo permanente na carteira da em- e até mesmo em alguns casos inexistente no vín-
presa de publicidade. Consolidar este tipo de re- culo entre consumidor de serviços publicitários e
lacionamento é importante e necessário para am- agência. A rotatividade constante implica em uma
bos os lados. Parceria, credibilidade, fidelização relação fria e sem qualquer tipo de laços.
e estabilidade são alguns dos termos presentes Sendo assim, neste estudo, surge o seguinte
neste tipo de vínculo. Estreitar uma relação de questionamento: Quais aspectos são considera-
longo prazo é vista com bons olhos, independen- dos pela Martins + Andrade e por seus clientes
temente do mercado. para construir um relacionamento perdurável en-
Dentre as agências de publicidade no Rio tre agência e cliente? O possível prognóstico ge-
Grande do Sul, está a Martins + Andrade, empre- ral encontrado é que na visão de ambos, o estreito
sa publicitária atuante mais antiga do mercado vínculo de parceria e confiança estabelecido entre
gaúcho. Com 45 anos de mercado, a M+A atende a diretoria da M+A, encabeçada pelo presidente
16 clientes de diferentes segmentos, como: GBO- Airton Rocha, e este público, é o responsável pela
EX, SENGE-RS, PACTUM, Ópticas Foernges, SI- relação de tantos anos. O cliente encontra a se-
MERS, entre outros. Em um mercado no qual a gurança de ter ao seu lado um parceiro que de-
relação entre agência e cliente, muitas vezes, é fende e se preocupa com sua marca tanto quan-
estabelecida de maneira frágil e com pouco en- to ele, e que por conhecer e entender tão bem o
volvimento, a M+A se torna exceção, pois uma de negócio consegue entregar trabalhos condizen-
suas particularidades são as relações longas com tes com as suas necessidades (fortalecer a marca,
seus clientes, sendo, com a maioria, mais de uma vender mais, conquistar novos clientes). Pelo lado
década de parceria. E, esta questão do vínculo de da prestadora de serviços, este vínculo resulta em
tantos anos acaba se tornando um tema impor- credibilidade perante o mercado e serve até mes-
tante para ser analisado. mo como base para conquistar novos clientes.
Mais do que estar há mais de quatro décadas Logo o objetivo geral da pesquisa é analisar
ativa no seu segmento, a Martins + Andrade cons- os aspectos considerados pela Martins + Andra-
truiu relações sólidas com seus clientes de dife- de e por seus clientes para construir o relaciona-
rentes nichos. Um dos momentos que retrata esta mento perdurável entre agência e cliente. São ob-
parceria ocorreu em 2013, com o recebimento do jetivos específicos: indicar as estratégias do ma-
Prêmio Aliança, oferecido pela Associação Brasi- rketing de relacionamento utilizadas pela agên-
leira de Agências de Publicidade (ABAP) aos rela- cia Martins + Andrade junto a seus clientes; iden-
cionamentos mais longos entre agência e cliente tificar o posicionamento dos clientes em relação
no mercado brasileiro9. A M+A ficou em 27º lu- ao relacionamento com a agência Martins + An-
gar pela sua parceria com o cliente GBOEX, que drade; apresentar aspectos pertinentes às agên-
está na empresa desde 1982. Na lista da premia- cias de publicidade realizarem, de maneira mais
ção estavam nomes importantes como JWT, W/ eficaz, o marketing de relacionamento com seus
clientes; elencar, para clientes de agência, os as-
pectos para estabelecer uma relação a longo pra-
zo com a agência de publicidade.
9 Disponível em: Este estudo tem relevância para o âmbito aca-
<http://www.abapnacional.com.br/pdfs/noticias/Abap%20
Comunica%C3%A7%C3%A3o%2025%2011%2013.pdf> Acesso em:
dêmico, profissional e pessoal. Em relação à im-
04.10.2016, às 15h20min. portância para o campo acadêmico, propõe uma
138
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
análise entre professores e alunos sobre o marke- truturadas. (SANTOS, 2010; GIL, 2009; MARCONI,
ting de relacionamento, conteúdo cada vez mais LAKATOS, 2010, SEVERINO, 2015; PAIXÃO, 2012;
valorizado e estudado nos cursos de Comunica- MASCARENHAS, 2012).
ção e Gestão. Para o educador, trabalhar com Foram realizadas entrevistas individuais com
exemplos reais dentro da sala de aula acaba cola- o representante de cada cliente e representantes
borando para estimular nos estudantes a análise da agência analisada10. Optou-se pela entrevis-
de como o mercado funciona. ta semiestruturada, tendo em vista que as infor-
A pesquisa torna-se necessária, também, pa- mações são coletadas através do diálogo entre
ra os atuais e futuros donos de empresas do seg- entrevistador e entrevistado, a partir de pergun-
mento publicitário, pois a ideia de quem começa tas estabelecidas e estruturadas de acordo com o
um negócio, independentemente do segmento, objetivo do estudo, porém a condução da mes-
é manter os seus clientes por um longo período. ma é livre.
Além disso, fidelização é um termo que ainda pre- Após coletadas as informações de campo, re-
cisa ser explorado e valorizado junto às agências aliza-se a análise dos dados obtidos, conforme as
de publicidade. Os clientes, por sua vez, podem instruções de Bardin (2011). Optou-se pela análi-
compreender que investir em uma relação longa se categorial, e mais especificamente semântica,
com sua prestadora de serviços publicitário acar- que como citado anteriormente, é a categoria que
reta em benefícios para o seu negócio. Contar organiza as informações por temas. Com base nas
com uma parceira que entende bem a sua marca entrevistas com os representantes da agência, as
e o mercado que está inserido, faz com a empresa categorias indicadas para a análise foram: Perma-
se fortaleça e cresça cada vez mais seu segmento. nência dos clientes; Importância da agência den-
Sem contar a tranquilidade que uma relação dura- tro do cliente; Manutenção ou conquista de novos
doura proporciona. clientes; e Importância dos funcionários. A partir
Profissionalmente, a pesquisadora trabalha das entrevistas com os clientes, as categorias es-
em uma agência de publicidade há quatro anos, colhidas foram: Pontos positivos e negativos para
mais especificamente no setor de atendimento. permanecer com a mesma agência; Atributos pa-
Portanto, compreende e exerce diariamente a re- ra manter uma relação tão longa; Percepção dos
lação direta com clientes. Além disso, percebe clientes em relação à marca da agência e A rela-
com mais clareza a importância de estabelecer ção atual entre o cliente e a Martins.
uma relação próxima com este nicho. Em relação
ao âmbito pessoal, a agência objeto do estudo,
pertence à família da pesquisadora, e por conta A Martins + andrade
disso é agregador para o negócio familiar obter
estas informações e continuar fidelizando clientes Fundada em 1971, por Hesíodo Andrade e La-
a longo prazo. Outro ponto, é uma curiosidade erte Martins, a Martins + Andrade faz parte das
pessoal, de entender como é estabelecida esta 80 agências espalhadas pelo Rio Grande do Sul
relação de fidelidade em um mercado tão compe- e ocupa o posto da mais antiga em atuação no
titivo e que vive em constantes mudanças, tanto mercado. Nestas mais de quatro décadas, acu-
estruturais como tecnológicas. mula prêmios, campanhas e clientes importantes,
como: CRT, Meridional, Quero-Quero, Piccadilly,
Tintas Killing, Cerveja Polar, Carrefour, Antarctica
Procedimentos metodológicos no RS, entre outros.
No cenário atual, a agência conta com vinte e
Este trabalho utiliza as pesquisas explorató- cinco funcionários, seis diretores distribuídos nos
ria e explicativa, de abordagem qualitativa Como
técnicas de coleta, utiliza-se a pesquisa bibliográ-
fica, a pesquisa documental e, para a coleta de da- 10 A pesquisadora possui as autorizações das instituições,
dos de campo, a realização de entrevistas semies- aceitando a participação no presente trabalho.
139
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
departamentos de atendimento, mídia, novos ne- colaboradores estão identificados como Colabo-
gócios, digital, criação e financeiro, e a presidên- rador 1; Colaborador 2 e Colaborador 3. O Cola-
cia, ocupada por Airton Rocha. Além dos núcleos borador 1 é o presidente da agência; O Colabora-
citados, a agência ainda conta com a produção dor 2 é diretor de atendimento; e, o Colaborador
gráfica, produção eletrônica, estúdio, suporte de 3 é o atendimento de uma das contas analisadas.
técnico em informática (TI), coordenação de pau-
ta, planejamento digital e geração de conteúdo.
A M+A atende, atualmente, clientes de dife- As discussões
rentes segmentos como: GBOEX, SENGE-RS, Si-
nepe-RS, Sarandi, CGTEE, Pactum, Ópticas Fo- Colaboradores da
ernges, Prefeitura de Porto Alegre, Procempa, Agência Martins + Andrade
Arroz Sepé, SIMERS e Stafe. Na lista recente, en-
contra-se exemplos de clientes da agência que fo- Categoria 1: Permanência dos clientes
ram e voltaram recentemente. As Ópticas Foern-
ges começou a parceria com a M+A em 1988, mas Para o Colaborador 2, confiança é fundamen-
permaneceu na agência por poucos meses. Retor- tal em qualquer tipo de relacionamento, princi-
nou em 2002, ficando por mais seis anos. Em 2012, palmente no profissional. O Colaborador 1 acres-
o cliente regressou, permanecendo até hoje. centa que esta confiança deve ser mútua, ou se-
A agência conta com clientes de décadas co- ja, existir dos dois lados desta relação: agência e
mo: GBOEX, desde 1982; Pactum, que chegou em cliente. Ele acredita que a agência tem que ser
2000; e SIMERS, parceiro desde 2003. Dentre os parceira do cliente em todos os momentos, nunca
mais recentes, com até dez anos, estão: SENGE- trabalhar a curto prazo, sempre pensando a lon-
-RS, desde 2009 e CGTEE, parceiro desde 2012. A go prazo. Stone e Woodcock (2002) abordam esta
empresa GBOEX e a Martins + Andrade são par- questão do tempo, ressaltando que se a fidelida-
ceiros há décadas. Inclusive, em 2013, receberam de está presente ao longo dos anos, o relaciona-
da Associação Brasileira de Agências de Publici- mento deve ser realizado corretamente.
dade (ABAP) o Troféu Aliança. Esta premiação é O Colaborador 1 ressalta que “tem agência
destinada aos relacionamentos mais longos na que trata o cliente como um número, um fatura-
publicidade brasileira. A parceria ficou classifica- mento que ajuda ele a pagar as contas no final do
da em 27º lugar no ranking. mês. Quando age deste jeito, não tem essa re-
A amostra para este trabalho contempla três lação que nós temos”. Analisando esta questão,
dos dezesseis clientes da agência Martins + An- Kotler (2012, apud CAPARROZ; ACEVEDO, 2015)
drade: GBOEX, SENGE-RS e Ópticas Foernges. O assegura que a relação da empresa com o clien-
primeiro critério para escolha da amostra foi es- te deve ser firmada principalmente pela parce-
tar dentro de um dos seguintes grupos: com mais ria e não exclusivamente pelos lucros financeiros.
de trinta anos, outro com menos de dez anos e a Ainda segundo o Colaborador 1, ele reconhece
terceira que saiu da agência, mas retornou. O se- que no tipo de prestação de serviço que agência
gundo critério foi serem de setores diferentes. Ca- oferece, acaba ocorrendo um desgaste na rela-
da cliente indicou um representante para a reali- ção com o passar do tempo, mas complementa
zação da entrevista, a única exceção foi o cliente que, apesar disso, a Martins consegue manter es-
GBOEX que além do presidente do conselho, foi tas relações ativas e permanentes. Porém, a agên-
ouvido o assessor de marketing e comunicação da cia precisa pensar em ferramentas para evitar este
empresa. Eles estão identificados como Cliente 1, desgaste. Sampaio (2013) defende que é impor-
Cliente 2, Cliente 3 e Cliente 4. Assim, Cliente 1 é tante utilizar a gestão de marca, que acaba con-
o primeiro representante do GBOEX; o Cliente 2 é cedendo a ela, além de personalidade, caracterís-
o SENGE-RS; o Cliente 3 é a Ópticas Foernges; e o ticas intangíveis, que fazem com que a mesma se
Cliente 4 é o segundo representante do GBOEX. destaque da concorrência. O Colaborador 2 ma-
Da parte da agência, foram entrevistados 03 nifesta que a relação sem confiança não sobre-
140
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
vive. Um ponto salientado pelo Colaborador 3 é não se entregam e não se dedicam tanto quanto a
que o cliente sabe que na agência ele encontra Martins. Neste sentido, Rigatti (2015) explica esta
um porto seguro, formado por pessoas que ele postura, quando defende que o cliente não está
conhece e que estão envolvidos na conta. preocupado com o produto ou serviço recebido,
Outro ponto comentado pelo Colaborador e sim com a experiência que ele vai sentir através
1 é a seriedade e o profissionalismo com que a daquela marca.
agência trabalha para atender as demandas soli- O Colaborador 2, salienta que em tempos de
citadas. Na visão do Colaborador 2, tratar o clien- relações tão descartáveis, os clientes enxergam a
te com seriedade, é um diferencial da Martins. A M+A como verdadeira parceira. O entrevistado
qualidade do trabalho apresentado pela agência ainda observa que os atuais clientes da agência
acaba sendo outro aspecto importante para es- não têm um perfil aventureiro: “partir para uma
tabelecer uma relação de tanto tempo. Sampaio coisa totalmente nova é um certo receio”. O Co-
(2013) corrobora e enfatiza ao lembrar que a ques- laborador 2 ressalta, ainda, que existem casos
tão da qualidade deve estar presente em todos os de clientes que saíram e acabaram voltando. Fo-
itens que envolvem o produto ou serviço ofereci- ram procurar uma agência nova e não se identi-
do. E, este item é destacado pelo Colaborador ficaram. Em complemento, na visão de Sampaio
3 ao complementar que, para satisfazer o clien- (2013), aqui encontra-se outra vantagem da ges-
te com peças e ideias diferenciadas e eficazes, é tão de marcas, pois através dela o cliente identi-
preciso conhecer suas características, mercado e fica as vantagens de comprar ou adquirir um ser-
concorrência. viço com determinada marca e não com sua con-
Para Ribeiro e Vicari (2004), a gestão de marca corrente.
ocupa um papel cada vez mais essencial para as
empresas conseguirem se diferenciar em relação Categoria 2: Importância
aos seus concorrentes. Voltando à qualidade dos da agência dentro do cliente
serviços oferecidos pela agência, o Colaborador
3 conclui que o cliente precisa receber informa- Segundo o Colaborador 1, é essencial ser par-
ções embasadas e técnicas de cada departamen- ceiro do cliente em todas as horas, especialmen-
to da agência. Isso faz com que ele se sinta seguro te no momento de uma possível crise de gestão
e confie nas pessoas que estão representando a ou financeira. O entrevistado complementa que a
agência e em suas capacidades profissionais. Para agência conquista função essencial para o cliente
o Colaborador 2, a prestadora de serviços publici- quando se torna importante nas suas decisões. É
tários precisa estar sempre atualizada e trabalhar preciso estar sempre um passo à frente para sur-
com todas ferramentas necessárias para atender preender, mostrando conhecimento do cliente
o cliente de forma eficiente e satisfatória. como um todo. Zenone (2011), neste viés, defen-
O Colaborador 1 entende que os clientes não de que o relacionamento deve ser estabelecido
procuram por outra agência porque talvez a Mar- de tal forma que o cliente considere a prestador
tins entregue tudo que ele precise. O cliente po- de serviços uma verdadeira parceria.
de mudar de prestadora de serviços publicitários O Colaborador 3 acrescenta que a agência
quando a diretoria do cliente muda, então, con- precisa mostrar que conhece o cliente com pro-
sequentemente há uma busca por pessoas que priedade, a ponto de propor coisas novas que
oferecem estes serviços com relacionamento mais combinem com o mercado e segmento a que per-
próximo. Quando não existe esta mudança e es- tence. O cliente precisa sentir que a agência re-
tá sendo prestado um trabalho sério e eficiente, almente se dedica, a ponto de lutar por ele. Se-
ele não vai buscar novas alternativas. De acordo guindo esta linha, o Colaborador 1 verbaliza que
com o Colaborador 3, as outras agências, espe- outro lado positivo desta confiança é quando a
cialmente as mais novas no mercado, podem até agência acaba propondo algo e o cliente recebe
apresentar um trabalho mais ousado, mas todo aquilo positivamente, como uma ideia para resol-
o envolvimento acaba sendo supérfluo, pois eles ver o seu problema. Este cliente reconhece que o
141
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
principal foco da agência é ele. que o foco maior é manter os clientes, traz uma
O Colaborador 1 assinala que o cliente pre- visão empresarial para este tópico. Segundo o en-
cisa sentir valor naquilo que a agência apresenta. trevistado, para a agência é mais vantajoso finan-
Se o cliente não percebe profissionalismo e de- ceiramente investir na permanência dos clientes,
dicação, ele vai procurar outro lugar. O Colabo- pois o gasto em relação à aquisição de novos é
rador 2, neste sentido, alerta que os clientes es- menor. E esta visão vai ao encontro da análise de
tão cada vez mais preparados, por isso, tornar-se Kotler e Keller (2013), ao apontar que a busca por
fundamental para este público vira um verdadei- novos clientes custa em torno de cinco vezes mais
ro desafio. Em relação a este cliente mais instruí- do que permanecer com os atuais e focar em sa-
do, Sampaio (2013) alerta que vive-se um período tisfazê-lo para manter esta parceria.
de consumidores mais bem informados e conse- Porém, o Colaborador 2 salienta que a em-
quentemente mais exigentes e cautelosos em re- presa não consegue sobreviver somente com os
lação produtos ou serviços que fazem parte de clientes atuais, sendo preciso estar constante-
sua vida. O Colaborador 1 compactua com o Co- mente em busca de novos clientes. Na visão do
laborador 2 ao salientar que o “relacionamento Colaborador 1, o primeiro ponto é conseguir for-
não segura cliente, a qualidade é mais considera- talecer a relação com clientes atuais, para poste-
da pelo cliente”. riormente ir em busca de novos parceiros.
Na visão do Colaborador 2, o atendimen- O Colaborador 3 considera os dois públicos
to incorpora função essencial junto ao cliente. importantes, mas alerta que clientes que estão na
Este departamento deve ser uma figura cons- empresa há décadas podem acabar saindo, por
tante na rotina do cliente, inclusivamente fisica- acomodação por parte da agência ou mudanças
mente, para deixá-lo seguro e assistido constan- na diretoria da empresa. Por isso, deve haver uma
temente. Apostando neste pensamento, Zeno- preocupação em buscar novos clientes. O Cola-
ne (2010) ressalta que para se destacar no mer- borador 2 admite que o mercado está difícil, inclu-
cado, a prestadora de serviços deve atender o sive com grandes empresas saindo do Rio Gran-
seu cliente de maneira eficiente, de forma hábil de do Sul e consequentemente procurando pres-
e competente. O Colaborador 3 assegura que tadores de serviço de fora do Estado. Logo, para
ao confiar no atendimento, esta relação se tor- o entrevistado, as agências não podem descui-
na mais fácil, e o cliente encara este profissional dar dos clientes atuais e nem deixar de conquis-
como um representante da agência e um verda- tar novo, deve trabalhar com um ponto de equilí-
deiro parceiro. brio. Sampaio (2013) salienta que para permane-
O Colaborador 2 aponta outra questão para cer atuante apesar das mudanças econômicas, as
conquistar papel importante junto ao cliente é ter empresas precisam investir cada vez mais na ges-
empatia entre o mesmo e a agência. O entrevis- tão de marcas.
tado complementa que o cliente tem um signifi- O Colaborador 2 conclui que o caminho é au-
cado muito importante para a M+A, e o mesmo mentar os negócios dos clientes presentes e ir em
reconhece isso, a ponto de se tornar um valor pa- busca de novos parceiros para incorporar a carte-
ra o cliente. la de clientes.
142
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
cialista que fica responsável por solicitar e organi- recer profissionais de diferentes setores e através
zar todas as solicitações demandadas pelo clien- da competência e experiência de cada um, solu-
te. Por sua vez, o Colaborador 1 concorda que cionar a demanda do cliente.
esta figura tem todo o histórico e maior contato Para o Colaborador 1, é importante inclusive
com este público. Por isso, para o entrevistado é a diretoria da agência manter contato constan-
essencial que todos os setores conheçam deta- te com o cliente. É mais fácil conquistar a con-
lhadamente e tenham uma relação próxima com o fiança deste público se ele perceber que pode
cliente, pois caso ocorra o afastamento deste fun- contar com uma equipe, inclusive nos momen-
cionário, o cliente não sente esta perda de forma tos mais delicados. Tal posicionamento ao en-
tão significante. Por isso, Martins (2010), defende contro de Pereira e Bastos (2009). Eles enfatizam
que a agência deve estudar o cliente, seus perfiis, que as empresas não devem simplesmente fideli-
público-alvo, concorrentes e sugerir materiais que zar clientes, e sim ter uma postura fiel, que acabe
alcancem os objetivos do cliente. trazendo benefícios para ambos os lados. Ainda
De encontro a opinião do Colaborador 1, o de acordo com o entrevistado, se o cliente tem
Colaborador 3 defende que se o profissional do acesso direto inclusive ao presidente da agência,
atendimento realmente for bom, o cliente vai isso acarreta em maior tranquilidade e confiança
acabar sentindo sua falta. Inclusive, acredita que para o cliente. O Colaborador 2 considera que
o cliente acaba valorizando muito mais este fun- é importante a diretoria estar próxima, inclusive
cionário do que a própria agência. O Colabora- para o cliente não sentir caso algum funcionário
dor 3 completa sobre a ligação do atendimen- seja desligado. Para o entrevistado, o ideal a co-
to com cliente: “assim como ele está valorizan- municação 360, onde todos colaboradores estão
do, ele pode estar destruindo”, alertando pa- alinhados para o cliente se sentir seguro em uma
ra o cuidado que as agências precisam ter com eventual mudança. Martins (2010), ressalta que a
seus funcionários, deixando os mesmos cada vez agência de publicidade coloca a disposição dos
mais próximos e valorizados pela agência. Por is- seus clientes as qualidades de seus funcionários
so, é importante manter toda equipe envolvida de diferentes setores.
com o cliente. Entre os elementos apresentados, Na percepção do Colaborador 1, existe uma
por Ribeiro; Grisi e Saliby (1999), que fortalecem preocupação em motivar e os funcionários e im-
uma marca, está a importância de exercer o ma- plementar a visão de que o cliente é o verdadei-
rketing de relacionamento entre os funcionários, ro patrimônio da agência. Este tópico é ressal-
para que eles atendam da melhor maneira os tado por Mesquita (2014). Destaca que entre os
clientes. 4Ps do Mix de Marketing, está o Processo, pro-
O Colaborador 1 defende que, independen- cedimentos internos de uma empresa. Com um
te do cargo que ocupa dentro da agência, o fun- processo elaborado de maneira eficaz, os fun-
cionário pode conquistar a confiança do cliente, cionários exercem sua criatividade e compro-
através de uma postura de parceria e preocupa- metimento com a empresa e consequentemen-
ção constante. Analisando a importância da par- te com os clientes.
ticipação dos funcionários na agência, Reichheld Ainda em relação ao público interno, o Co-
(2000) defende que a prestadora de serviços deve laborador 1 salienta que se os funcionários não
ter com os funcionários a mesma relação de fide- estão afinados com o discurso da agência de va-
lidade e preocupação que tem com os clientes, lorizar o cliente, não adianta ela estar preocupa-
pois são estes colaboradores que fazem a ligação do com os clientes, com o nível profissional dos
com os clientes. Mas, o Colaborador 2 assinala colaboradores. O funcionário precisa sentir que
que entregar um trabalho de qualidade também faz parte da empresa, e para isso, ele precisa es-
é importante, e para isso, os colaboradores pre- tar motivado. Em contrapartida, o Colaborador 3
cisam apresentar qualidade técnica nas suas fun- considera que na agência ocorre uma rotativida-
ções. Este ponto é ressaltado por Sampaio (2013), de muito alta de funcionários, principalmente nos
ao apontar o fato da agência de publicidade ofe- setores de atendimento e criação.
143
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Clientes da Martins + Andrade pessoal é bem separada, mas que enxerga o pre-
sidente da agência como um amigo e parceiro da
Categoria 1: Pontos positivos e negativos empresa. Ele recorda que quando ocorrem even-
para permanecer com a mesma agência tos comemorativos da empresa em que nenhu-
ma outra instituição é chamada, o presidente da
O Cliente 1 defende que não vê um lado ne- agência é sempre convidado para estes momen-
gativo na relação da empresa com a agência. In- tos. Este vínculo tão valorizado é analisado no tó-
clusive que há alguns anos, tentou se afastar da pico defensor, que segundo Kotler (2001), é um
agência e procurar outro parceiro, mas não con- dos estágios que o cliente transita para esta rela-
seguiu, justamente pela parceria que encontra na ção se tornar de fidelização. Nesta fase, o cliente
M+A. Gordon (1999 apud TÓTOLI, 2009), nesta li- comenta situações positivas em relação à presta-
nha, ressalta que as empresas que adotam o ma- dora de serviços e estabelece com a mesma uma
rketing de relacionamento acabam se sobressain- admiração significativa.
do em relação aos concorrentes. Para o Cliente 3, O Cliente 2 aponta que, normalmente, em
um dos pontos negativos é uma certa acomoda- vínculos de muitos anos, a questão da acomoda-
ção da agência, principalmente em propor coi- ção e do desgaste acabam se tornando presen-
sas novas. tes, mas, isso não acontece na relação dele com a
Seguindo nesta linha, o Cliente 4 acaba apon- Martins. Segundo o cliente, “É curioso isso, por-
tando uma possível acomodação por parte da que poderíamos estar em uma situação de aco-
agência, especificamente por parte do atendi- modação [...] mas aqui não se verifica isso”. Kotler
mento da conta. Porém, o entrevistado ressalta (2001) registra que é essencial identificar clientes
que está há muitos anos na empresa e não viu descontentes e detectar a causa da insatisfação.
muita rotatividade dos atendimentos. Ele observa Para o autor, clientes criticam e recebem a resolu-
que o tempo que os atendimentos acabam fican- ção do problema tem mais chance de acabar se
do na conta é satisfatório para não ocorrer acomo- tornando clientes fiéis em relação aos que estão
dação. O Cliente 4 acredita que por conhecer tão constantemente satisfeitos.
bem o cliente, o atendimento acaba não se mo- Referente aos pontos positivos, o Cliente 2
tivando para propor coisas novas para a empresa ressalta que a Martins tem nome importante e re-
atendida pela agência. conhecido no mercado da comunicação. E, pa-
O Cliente 4 também ressaltou uma insatisfa- ra este cliente, é agregador ter a agência como
ção com alguns materiais realizados pela criação parceiro. Explica que isso, inclusive, é reconheci-
da agência. Segundo o mesmo, algumas pessoas do pelos funcionários e pelos associados, que é
do núcleo criativo da agência acabam pensando o público-alvo deste cliente. Seguindo esta linha,
em materiais que não combinam com o negócio de acordo com Kondo et al. (2009), os clientes se
e o perfil do cliente. O fato da qualidade ser men- unem às marcas que podem acrescentar valor ou
cionada, porém não tão valorizada pelo cliente, é benefícios para a sua vida, neste caso à esfera pro-
justificado por Zenone (2011). Segundo o autor, fissional.
uma relação de fidelização com o cliente é muito O Cliente 4 evidencia o fato da agência co-
mais valioso que a qualidade de um produto ou nhecer tão bem o cliente. Por conta disso, a Mar-
serviço. tins apresenta trabalhos e ideias que combinam
Na visão do Cliente 3, às vezes, a relação pas- com o perfil da empresa e que solucionam seus
sa um pouco do profissional, justamente pelo re- eventuais problemas. O Cliente 3 reforça esta
lacionamento de muito tempo. E, isso ocasiona ideia apontando que os anos de parceria fazem
uma zona de conforto por parte da agência, de com que a Martins conheça muito bem o perfil
considerar que está tudo garantido e acabar não do negócio, o que querem entregar para o con-
buscando sempre o melhor e novas possibilida- sumidor final e o que é preciso para agregar valor
des e ideias. Em contrapartida o Cliente 1 acre- à marca do cliente. Indo ao encontro a esta ideia,
dita que, no caso deles, a relação profissional e Blackwell, Miniard e Engel (2005) relatam que as
144
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
prestadoras de serviços estão mais cientes da im- consumidor percorra vários estágios, entre ele o
portância de utilizar as ferramentas essenciais pa- nível do parceiro, em que o cliente se sente en-
ra entender as vontades e necessidades do seu volvido a ponto de emitir sugestões e até mesmo
cliente. críticas.
Este tópico mencionado também é importan- O Cliente 1 finaliza lembrando que além da
te para o Cliente 2 ao ressaltar que a M+A conhe- total confiança que ele sente pela Martins, outro
ce cada detalhe do seu negócio. Para o entrevis- ponto é a tranquilidade de saber que a agência
tado, o fato da agência entender tão bem o clien- realiza um trabalho sério. A empresa representada
te e tudo que o envolve, como produto/serviço, pelo Cliente 1, tem sua matriz em Porto Alegre/RS,
principais problemas e mercado, é um fator que mas existem unidades em várias regiões do Bra-
pesa muito para permanecer com a mesma agên- sil. E este ponto é levantado quando o entrevista-
cia. Zenone (2010) assegura ao estabelecer uma do destaca que pode contar com o envolvimento
relação estreita com o cliente, a prestadora de ser- da agência para resolver questões não apenas no
viços, no caso a agência, acaba conhecendo tão estado do Rio Grande do Sul. Isso traz seguran-
bem as características e necessidades do mesmo ça e aproxima ainda mais a agência do cliente. A
que oferece o produto final que ele deseja. questão do reconhecimento da qualidade perce-
Outra questão levantada pelo Cliente 3 é a bida no trabalho apresentado pela agência é ana-
confiança que o cliente sente com a M+A, por co- lisado por influência diretamente no processo de
nhecer o DNA da agência e saber que está traba- lealdade aquela marca. Stone e Woodcock (2002)
lhando com uma instituição que fornece seguran- ressaltam este tópico, analisando que o principal
ça e credibilidade. É importante para o entrevis- é fazer o cliente perceber que sua fidelidade está
tado ter a tranquilidade que sempre será ampara- sendo retribuída através de uma relação mais pró-
do em qualquer situação. Cabe, então, lembrar o xima e qualificada com a empresa.
Aaker (2012). Ele defende que as marcas mais co-
nhecidas, acabam sendo mais consumidas, pois Categoria 2: Atributos para
o cliente relaciona este fator com adjetivos como manter esta relação tão longa
confiabilidade e segurança.
Na mesma linha, para o Cliente 4, conhecer Na visão do Cliente 3, a confiabilidade apa-
a agência e as pessoas que trabalham lá, além rece como fator principal. O Cliente 2 enumera
de saber quem deve procurar de acordo com a alguns fatores, como competência, preocupação
situação, são fatores assertivos desta relação. O no planejamento dos trabalhos e atenção ofereci-
Cliente 2 aponta uma visão positiva em relação a da pela agência. Mas, o entrevistado conclui que
proximidade que existe entre ele e a equipe da o principal diferencial da Martins é desenvolver o
M+A, o fácil acesso para conversar com todos os trabalho em conjunto com o cliente, ou seja, ou-
setores da agência e o apoio que recebe de to- vindo e respeitando sua opinião. Inclusive, salien-
dos. Segundo o entrevistado “a gente tem várias ta que o cliente pode criticar alguma ideia, mas
pessoas que nos atendem lá, de diversos setores. tem a segurança de saber que a agência tem es-
Desde o presidente [...], passando pela Isabel (di- trutura para solucionar qualquer questão. Para
retora de atendimento), Flávio (diretor de mídia), entender este ponto, retorna-se os estágios que
Denise (atendimento da conta) que é uma pessoa o cliente precisa passar para fidelizar sua relação
sempre presente, junto conosco”. com a empresa. Kotler (2001) apresenta o estágio
Por sua vez, o Cliente 1 apresenta a relação do parceiro, em que a empresa envolve o cliente
de sinceridade entre ambos os lados. As decisões a ponto do mesmo expressar críticas e opiniões.
são discutidas entre agência e cliente de maneira O Cliente 3 até traz um fato para exemplificar
transparente. O Cliente 4, complementa que exis- a pergunta. Conta que a empresa teve experiên-
te total liberdade. Quando algo não está bom ele cia com outras agências e acabaram voltando pe-
entra em contato com a agência, com a diretora la relação de cumplicidade e pela M+A conhecer
da conta. Para Kotler (2001), é necessário que o tão bem seu negócio e características. Segundo o
145
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
entrevistado, “a gente voltou, principalmente por se manterem. A importância deste significado dos
ver, que a gente espera uma coisa, tem uma fanta- relacionamentos se encontra em Kotler e Keller
sia que vão me entregar algo melhor ou diferen- (2013). Eles sinalizam que o objetivo principal
te. E, na verdade, nos entregaram coisas piores e do marketing de relacionamento é firmar com o
com certeza o atendimento foi bem pior”. Cabe cliente um vínculo duradouro e significativo. Ain-
lembrar, Aaker (2012) que destaca que a questão da segundo o Cliente 3, uma relação profissional
da marca colabora para diferenciar a prestadora que se mantêm por tantos anos é positivo para
de serviços dos seus concorrentes. ambos os lados. Inclusive, Zenone (2010) defende
Prosseguindo nesta ideia, o Cliente 1 ressalta que o marketing de relacionamento proporciona
que a Martins nunca fez nada que pudesse desa- um vínculo longo e com vantagens tanto para o
gradar ou abalar esta relação, muito pelo contrá- cliente quanto para a prestadora de serviços.
rio. Andrade (2010) complementa apresentando
as associações positivas à marca, que acaba tendo Categoria 3: Como os clientes
função essencial para cativar o cliente de tal forma enxergam a marca da agência
que ele não procure qualquer marca, mas as que
despertem nele sensações positivas. Para o Cliente 3, a Martins é uma empresa que
Na visão do Cliente 2, a M+A proporciona se- trabalha com seriedade e profissionalismo, que
gurança para eles. O cliente fica mais tranquilo ultrapassou diferentes épocas e crises. Para ele, a
por conhecer e confiar nas pessoas que trabalham marca da agência passa credibilidade e confiança,
na agência O entrevistado pondera: “a entidade não apenas para os clientes, mas para o mercado.
Martins é composta por pessoas, e são pessoas O Cliente 4, considera a M+A com uma marca sé-
que a gente tem confiança”. O Cliente 4 desta- ria, com tradição e nome no mercado. “Percebe-
ca a confiança mútua e a parceria constantes. O mos que a Martins tem nome no mercado, impor-
cliente sabe que sempre que precisar, a agência tante reconhecimento”.
estará lá, inclusive para um apoio técnico. Lembra Por sua vez, o Cliente 2 aponta a competên-
que quando a empresa teve um problema sério cia, esforço, dedicação e responsabilidade como
de gestão de crise, ela contou com todo o suporte as características mais evidentes da marca. Além
da Martins. Importante ressaltar, neste momento, destes pontos citados, o Cliente 1 ainda exalta a
a análise de Pereira e Bastos (2009). Eles salien- questão da criatividade. O Cliente 4 destaca a se-
tam que exercer a fidelidade é essencial, porém gurança que a marca da agência proporciona pa-
ela deve ser uma estratégia implementada pela ra os seus clientes, pois não é uma empresa que
empresa e não um ato imediato. mal começou e logo vai terminar. O Cliente 4 ain-
O Cliente 3 comenta que a relação entre em- da observa a marca M+A como tradicional e con-
presa e agência é bastante saudável. O fato de fiável. A confiança é até exemplificada quando o
estar com a mesma prestadora de serviços há tan- cliente cita questões financeiras, que é algo tão
to tempo traz mais tranquilidade e também é im- delicado. Ele confia totalmente no valor que vem
portante pela credibilidade que a Martins carrega na nota, no valor que é cobrado pela agência. Pa-
no mercado. Para Aaker (2012), a qualidade que ra Sampaio (2013), a marca é um bem intangível,
o cliente enxerga do serviço prestado, acaba in- que interfere em sentimentos como: amor e leal-
fluência na lealdade à marca. Este é outro requi- dade e em características como história da em-
sito apontado pelo Cliente 4, ao enfatizar a con- presa, qualidade e preço.
fiabilidade que a agência possui, especialmente Em relação à credibilidade da marca Martins
no mercado publicitário e os veículos de comu- + Andrade, o Cliente 2 considera importante ter
nicação. o nome veiculado ao da agência. Para o Cliente
O Cliente 3 finaliza lembrando que “tudo que 3, a M+A tem muita credibilidade e um nome que
é duradouro passa credibilidade”. Para o entrevis- agrega valor a quem está relacionado com a mar-
tado, as relações hoje em dia são muito dinâmi- ca. Ele acredita que credibilidade da agência aca-
cas, tudo é trocado facilmente, é difícil as relações ba sendo transferida para o cliente, mas não sabe
146
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
mensurar como. Para Martins (2006), esta questão rentes setores, inclusive quando acontece alguma
está presente pois a marca ‘acaba exercendo in- emergência fora do horário de expediente. Em re-
fluência sobre o cliente e fornecendo valor. lação a este fácil acesso, Aaker (2012) defende que
O Cliente 1 também acredita nesta credibili- clientes leais tendem a esperar que a empresa es-
dade compartilhada. E, para ele, não é só a agên- teja sempre à disposição quando eles precisarem.
cia que tem um nome respeitado, mas o presi- Esta segurança é ressaltada como uma ca-
dente da mesma, enquanto empresário. Nesta li- racterística importante da equipe da Martins. O
nha, Sampaio (2013) acredita que quando as mar- Cliente 1 aponta que esta “relação é maravilho-
cas são gerenciadas corretamente, elas têm uma sa”. Inclusive exemplifica relatando que no aniver-
permanência maior que qualquer pessoa ou fer- sário do Conselho Deliberativo da empresa, a úni-
ramenta de trabalho, e isso se torna importante. ca instituição convidada para o evento foi a agên-
Seguindo esta visão, para o Cliente 2, a M+A por cia, representadas pelo presidente e a diretoria
trabalhar de forma séria e ter valores éticos per- da conta. O entrevistado evidencia que só tem
tinentes, conquistou uma credibilidade que é re- elogios ao comportamento e atitude da agência
passada para seus clientes. em todos estes anos. Zenone (2011) salienta esta
Para o Cliente 2, a Martins apresentou atri- questão da satisfação, salientando que clientes fi-
butos que pesaram como: competência, portfó- éis relacionam a marca e a prestadora de serviços
lio e condições evidenciadas que fizeram apostar a uma ligação positiva e de fortalecimento para a
na Martins e estão satisfeitos até hoje. O Cliente empresa.
4 avalia a força do nome da agência em situações Para o Cliente 3, o questionamento de como
vivenciadas pelo cliente. Explica que existiram si- está a relação atual com a agência, foi um pou-
tuações que se não fosse a Martins, eles não te- co mais difícil de responder. Mas ele considerou
riam acesso aos meios de comunicação e resolvi- a relação simples, direta e transparente. Apontou
do gestões de crise. Nas palavras do cliente: “nos- a facilidade de entrar em contato com a equipe
sa assessoria de imprensa para nós é só conteúdo. da agência a qualquer hora. Qualquer problema
Relacionamento com os meios é com a agência”. que aparece não hesita em procurar pela Martins.
A agência consegue ter mais penetração com os Na análise do Cliente 4, a relação com a M+A
jornalistas do que a própria assessoria pondera o se mantêm forte e sólida. O cliente tem a con-
entrevistado. Esta satisfação reconhecida é anali- fiança de que a agência vai resolver qualquer situ-
sada por Kotler e Armstrong (2005). Eles destacam ação, “inclusive dependendo do problema, nem
que quando o cliente está satisfeito com o serviço o jurídico da empresa consegue o que a Martins
prestado, ele tende a se tornar fiel. E outro ponto resolve”. A única ressalva é em relação a alguns
é que clientes fiéis acabam preferindo a determi- materiais apresentados pela criação que ficam
nada empresa em relação a concorrente. um pouco a desejar. Na visão do entrevistado, o
departamento criativo deve propor coisas novas,
Categoria 4: A relação atual mas sem deixar de lado a identidade e tradição
entre o cliente e a Martins do cliente. Apesar do departamento de criação
fazer parte da agência, o Cliente 4 comenta a situ-
O Cliente 2 considera o momento atual com a ação como se não estivesse reclamando da M+A
agência extremamente satisfatório, com todas as e sim, falando de algo isolado. Ele faz questão
demandas atendidas. E destaca que o relaciona- de frisar que certamente isso acontece quando o
mento segue a mesma linha. Sampaio (2013) indi- material é executado por pessoas da criação que
ca estes setores de uma agência, ressaltando que ainda não conhecem o perfil do cliente. Por sua
agências de grande porte são gerenciadas por di- vez, o Cliente 2 não observa nenhum tipo de pro-
retores e presidência, e contam com departamen- blema ou questionamento no relacionamento e
tos de estúdio, produção, mídia, digital, criação, nos trabalhos apresentados. Nada que não esteja
financeiro, entre outros. O cliente 2 sinaliza a aten- dentro da normalidade de uma relação profissio-
ção que recebe da agência, de pessoas de dife- nal. O entrevistado reconhece que é visível a de-
147
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
148
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
No que tange à relação aos clientes, a partir mente o seu cliente e tudo que engloba o mesmo
da análise das entrevistas realizadas com os repre- como: características do negócio, concorrentes e
sentes dos clientes, identificou-se alguns elemen- perfil do público-final. Destaca-se que esta carac-
tos importantes para compreender o que este ni- terística foi apontada pelos clientes durante a en-
cho considera relevante para estabelecer uma re- trevista. Este conhecimento por parte da agência
lação duradoura com a agência. Credibilidade, é essencial para conseguir entregar um trabalho
parceria, confiança e segurança foram os termos de acordo com as necessidades do cliente. Isso
mais utilizados pelos entrevistados quando se provoca no mesmo a tranquilidade de saber que
referiam à M+A. Com isso, foi possível observar tem ao seu lado um parceiro que vai oferecer pro-
que esta relação profissional desperta sentimen- jetos e soluções que estão ao encontro das suas
tos positivos nos entrevistados, e estas sensações demandas.
auxiliam para que o vínculo entre agência e cliente Inclusive, outro tópico levantado por todos os
se fortaleça e permaneça por muitos anos. Acre- entrevistados é a dedicação que a M+A tem com
dita-se que nenhuma pessoa ou empresa dese- seus clientes. E, esta dedicação deve ser tanto no
ja estabelecer uma relação com algo ou alguém serviço prestado quanto na relação que é estabe-
que não desperte sentimentos positivos. Aliás, o lecida. Um aspecto que corrobora com isso é o fa-
termo credibilidade foi bastante destacado pelos to de que todos os clientes analisados ressaltam
quatros entrevistados. O fato de ser uma agên- que são assessorados por diversos funcionários
cia confiável e reconhecida junto aos clientes e da agência, de diferentes setores, principalmen-
no mercado publicitário foi destacado várias ve- te da diretoria e presidência. O cliente se sente
zes pelos participantes da pesquisa. Entende-se mais seguro quando percebe que tem fácil acesso
que esta qualidade é de extrema importância pa- com os diretores da agência, que sabe que pode
ra qualquer empresa, independente do segmen- contar em qualquer momento e qualquer situa-
to, pois ele acarreta em uma maior segurança por ção com a equipe. Ressalta-se que apenas um dos
parte dos clientes. Cabe lembrar que os entrevis- entrevistados não citou a relação próxima com a
tados percebem que ter o nome da empresa vin- diretora de atendimento e com o presidente da
culado com o da Martins acaba por proporcionar agência.
uma credibilidade compartilhada. Outro aspecto importante a salientar é o fato
Porém, é importante a M+A estar atenta a um de dois dos entrevistados terem tentado sair da
fator apontado por dois clientes: acomodação agência, um inclusive de fato saiu, retornando um
por parte da agência. É importante analisar o que tempo depois. O que pesou para essa permanên-
os clientes acabaram salientando como um des- cia foi a parceria estabelecida entre a Martins e os
contentamento em relação à Martins, para que a clientes. Para conseguir se destacar, ainda mais
agência estudada tenham a oportunidade de re- em um setor tão acirrado quanto da publicidade,
solver e aperfeiçoar ainda mais o vínculo com os a Martins oferece inúmeros benefícios para man-
clientes abordados e os demais. E, também, po- ter os seus clientes na agência.
de servir como um alerta, inclusive para as demais Com isso, através do questionamento deste
agências, para não cometer os mesmos erros. trabalho: quais aspectos são considerados pela
Percebeu-se que ao mesmo tempo que é po- Martins + Andrade e por seus clientes para cons-
sitivo estabelecer este vínculo por tantos anos, es- truir um relacionamento perdurável entre agência
ta relação acaba sendo mais propensa a cair na ro- e cliente?, pode-se identificar que para os repre-
tina a ponto da prestadora de serviço não inovar sentantes da M+A os pontos fundamentais para
nas propostas de peças. Outro ponto é quando esta relação são: agência parceira do cliente; de-
esta relação é tão estreita que ultrapassa o pro- dicação ao cliente; confiança do cliente em co-
fissional e a agência sente uma sensação equivo- nhecer todos os funcionários da agência; segu-
cada de que não existe a possibilidade de perder rança que o cliente tem com a agência; trabalhos
aquela conta. de qualidade; conhecimento de todos os funcio-
Cabe, ainda, à agência, conhecer profunda- nários sobre o perfil do cliente; envolvimento de
149
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
toda equipe, inclusive da diretoria e presidência; tre agência e cliente é resultado da credibilidade
funcionários qualificados; agência com as ferra- com o mercado e esta característica serve como
mentas necessárias para atender o cliente; profis- suporte para conquistar novos clientes. Nas en-
sional do atendimento sempre presente no dia- trevistas apareceram fatores como: parceria que
-a-dia do cliente; relação próxima do cliente com agência estabelece com seus clientes, dedicação,
diretoria e presidência da agência. profissionalismo, envolvimento de toda equipe da
Em relação às informações obtidas com os agência, incluindo diretoria e presidência. O clien-
clientes, é possível apontar os seguintes aspectos: te sente confiança por conhecer todos os funcio-
credibilidade da agência; confiança pela agência; nários; e segurança por saber que a agência é uma
segurança em trabalhar com a agência; dedica- prestadora de serviços de confiança, que entrega
ção da agência; funcionários de diferentes setores trabalhos de qualidade. O fato dos funcionários
envolvidos na conta; relação próxima com a dire- conhecerem tão bem o perfil do cliente e a qua-
toria e presidência; agência conhecida no merca- lidade dos profissionais da agência também fo-
do; trabalhos de acordo com a demanda solicita- ram destacados. Para finalizar, os clientes apon-
da; parceria com a agência; credibilidade da M+A tam a relação próxima com diretoria e presidência
acaba sendo transferida para o cliente; agência da agência, e que esta aproximação acarreta em
confiável; agência conhece a fundo o perfil do mais tranquilidade.
cliente. Logo, os objetivos foram alcançados. Foram
Assim, a hipótese indicada na introdução foi analisados os aspectos considerados pela Martins
parcialmente contemplada, pois alguns aspectos + Andrade e por seus clientes para construir o re-
foram encontrados na análise e outros não. A re- lacionamento perdurável entre agência e cliente.
lação com o presidente da M+A é apontado, po- Para tal, foram indicadas as estratégias de relacio-
rém os clientes destacam o relacionamento com namento utilizadas pela agência Martins + Andra-
a agência como um todo: funcionários, diretoria e de junto a seus clientes; identificado o posiciona-
inclusive presidência. Os itens parceria, confiança mento dos clientes em relação ao relacionamento
e segurança aparecem na hipótese e nos resulta- com a agência Martins + Andrade; apresentados
dos da análise. Outro ponto que consta no prog- os aspectos para as agências de publicidade re-
nóstico e na observação, é a agência conhecer e alizarem de maneira mais eficaz o marketing de
entender tão bem o negócio do cliente a ponto relacionamento com seus clientes, e elencados,
de entregar trabalhos de acordo com as suas ne- para clientes de agência, os aspectos necessários
cessidades. Ao contrário do que aparece na hi- para estabelecer uma relação a longo prazo com
pótese, nas análises não aparecem especificado sua agência de publicidade. Ao confrontar as in-
quais são estas demandas do cliente. formações obtidas com os dados apontados do
Pelo lado da prestadora de serviços, a supo- referencial teórico, encontrou-se teorias e linhas
sição foi mais modesta do que os resultados obti- de pensamento que dão suporte para as opiniões
dos com o diagnóstico. Na hipótese, o vínculo en- encontradas nas entrevistas.
150
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
AAKER, David A. Marcas- Brand Equity, Gerenciando o Valor da Marca. São Paulo: Negócio Editora, 2012.
ABAP COMUNICAÇÃO. ABAP entrega hoje (25/11) Prêmio Aliança a 21 agências e 26 anunciantes para
homenagear a longevidade das parcerias profissionais entre ambos. Disponível em http://www.abapnacional.
com.br/pdfs/noticias/Abap%20Comunica%C3%A7%C3%A3o%2025%2011%2013.pdf. Acesso em 20 de julho de
2016, às 16h.
AMARAL, Sueli Angélica do. Os 4Ps do composto de marketing na literatura de ciência da informação.
Transinformação, v. 12, n. 2, p. 51-60, julho/dezembro 2000. Disponível em <http://periodicos.puccampinas.edu.
br/seer/index.php/transinfo/article/view/1530>. Acesso em 20 out. de 2015, às 22h.
ANDRADE, Flávio. Associações de Marca: uma poderosa ferramenta em favor do Marketing. 2010. Disponível
em < http://www.administradores.com.br/artigos/marketing/associacoes-de-marca-uma-poderosa-ferramenta-
em-favor-do-marketing/50107/ > Acesso em 05 nov. de 2015, às 22h.
BLACKWELL, Roger D.; MINIARD, Paul W.; ENGEL, James F. Comportamento do Consumidor. São Paulo:
Cengage Learning Edições Ltda., 2005.
BATEMAN, Thomas S, & SNELL Scott A. Administração Construindo Vantagem Competitiva. São Paulo: Editora
Atlas S.A., 1998.
BONI, Valdete e QUARESMA, Sílvia Jurema. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas e Ciências Sociais.
Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC Vol. 2 nº 1 (3), janeiro-julho/2005.
Florianópolis/SC.
CAPARROZ, Monica M.; ACEVEDO, Claudia R. Relacionamento - uma forma de fidelizar Clientes. São Paulo:
Revista Metropolitana de Relato Profissional. Volume 1, número, 2015.
CASARIN, Helen de Castro Silva; CASARIN, Samuel José. Pesquisa Científica da teoria à prática. Curitiba:
Editora intersaberes, 2012.
CHEBANTE, João Gabriel. Por que o futuro da sua marca não reside na atual agência? Disponível em: http://
www.meioemensagem.com.br/home/opiniao/2016/07/01/por-que-o-futuro-da-sua-marca-nao-reside-na-atual-
agencia.html Acesso em 29 de agosto de 2016, às 12:30
CORDEIRO, José Vicente B.; RIBEIRO, Renato Vieira. Coleção Gestão Empresarial. Curitiba: Editora Gazeta do
Povo, 2002.
CRESCITELLI, Edson; OGDEN, James. Comunicação integrada de marketing. Conceitos, técnicas e práticas. 2ª
edição. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008.
DIAS, Emerson de Paulo. Conceitos de Gestão e Administração: Uma revisão crítica. 2002. Disponível em <
http://periodicos.unifacef.com.br/index.php/rea/article/view/160 > Acesso em 10 de outubro 2015, às 16h.
151
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
FONSECA JÚNIOR, Wilson Corrêa da. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. 2ª ed. São Paulo:
Editora ATLAS S.A., 2008
GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009.
HSM Management. Título do texto. Ano 4. Número 21. Julho - Agosto 2000. Entrevista com Frederick Reichheld
- O Valor da Fidelidade. São Paulo.
Autor do texto. Título. Jornal do Comércio (fica em negrito). Edição de 8 de outubro de 2015. Rio Grande do Sul.
KELLER Kevin L. & KOTLER, Philip. Administração de Marketing. 14ª edição. Rio de Janeiro: Editora Pearson
Education do Brasil Ltda., 2013.
KELLER, Kevin Lane & MACHADO, Marcos. Gestão estratégica de marcas. 12ª edição. São Paulo: Editora
Pearson Education do Brasil, 2006.
KONDO, F. et al. Marketing de Relacionamento e Estratégias de Fidelização de Clientes Pessoas Físicas. Revista
ANGRAD, v. 10, n. 3, Agosto, 2009. Brasília.
KOTLER, Philip; ARMSTRONG, Gary. Princípios de Marketing. 9ª ed. São Paulo: Editora Pearson Education do
Brasil, 2005.
KOTLER, Philip. Marketing para o século XXI. Como criar, conquistar e dominar mercados. São Paulo: Editora
Futura, 2001.
KUCHENBECKER, Alice. Pesquisa ABAP RS revela perfil das agências de publicidade do Estado. Disponível
em https://about.com.br/2016/01/29/pesquisa-abap-rs-revela-perfil-das-agencias-de-publicidade-do-estado/
Acesso, 22 de outubro de 2016, às 2h.
- TCC LOBO, Juliana machado de Araujo. Marketing de relacionamento à fidelização dos clientes da rádio
Mega FM. Centro Universitário de Brasília - Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas. 2005. Brasília/DF.
MADRUGA, Roberto. Guia de implementação de marketing de relacionamento e CRM: o que e como todas as
empresas brasileiras devem fazer para conquistar, reter e encantar seus clientes. São Paulo: Editora ATLAS, 2004.
MANZINI, Eduardo José – Entrevista semiestruturada: análise de objetivos e de roteiros. 2012. Disponível em
< http://wp.ufpel.edu.br/consagro/files/2012/03/MANZINI-Jos%C3%A9-Eduardo-Entevista-semi-estruturada-
An%C3%A1lise-de-objetivos-e-de-roteiros.pdf > Acesso em nov. 2015
MARCONI, Marina de Andrade & LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da Metodologia Científica. 7ª ed. São
Paulo: Editora Atlas S.A., 2010.
MARTINS, Zeca. Propaganda É Isso Aí! São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
MASCARENHAS, Sidnei A. Metodologia Científica. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2012.
MATTEI, Davi; MACHADO, Mirian; OLIVEIRA, Paulo Alexandre de. Comportamento do consumidor: fatores que
influenciam no processo de decisão de compra dos consumidores finais. 2006. Maringá Management: Revista de
Ciências Empresarias. Volume 3. Número 2. Paraná.
McKENNA, Regis. Marketing de Relacionamento. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 1999.
MESQUITA, Renato. O que é marketing: tudo que você precisa saber sobre o assunto. 2014. Disponível em <
http://marketingdeconteudo.com/o-que-e-marketing/> Acesso em out. 2015
152
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
MORAES, Roque. Análise de Conteúdo. Revista Educação. V. 22, n. 37. 1999. Porto Alegre/RS.
MOREIRA, Paulo Ricardo; OLIVEIRA, Renato Luiz Tavares de. Comportamento do Consumidor. Princípios
Teóricos e Recentes Pesquisas na Área. Editora da Universidade Católica de Pelotas. 2004. Pelotas/RS.
MORITZ, Gilberto de Oliveira & LINHARES, João Nilo. Gestão empresarial: o desafio das organizações
brasileiras no século XXI. 2014. Disponível em < http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/secex/sti/
indbrasopodesafios/nexcietecnologia/Moritz.pdf > Acesso em set. 2015
NEVES, José Luis. Pesquisa qualitativa – características, usos e possibilidades. 1996. Disponível em http://www.
unisc.br/portal/upload/com_arquivo/pesquisa_qualitativa_caracteristicas_usos_e_possibilidades.pdf Acesso
em nov. 2015
OLIVEIRA, Tânia M. Veludo & IKEDA, Ana Akemi. O conceito de valor para o cliente: definições e implicações
gerenciais em marketing. 2005. Disponível em <http://www.revista.ufpe.br/gestaoorg/index.php/gestao/article/
viewFile/132/114 > Acesso em Nov. 2015
PAIXAO, Marcia Valéria. Pesquisa e Planejamento de marketing e propaganda. Curitiba: Editora intersaberes,
2012.
PEREIRA, Paula Fernanda Prado; BASTOS, Fabrício César. Um estudo sobre a fidelização de clientes a partir de
estratégias de marketing de relacionamento no segmento de farmácias e drogarias. In: SEGet - Simpósio de
Excelência em Gestão e Tecnologia, número? São Paulo, 2009.
PINHO, J.B. O poder das marcas. 2ª Edição. SUMMUS EDITORIAL. 1996. São Paulo/SP.
REDAÇÃO COLETIVA. Pesquisa da Abap revela perfil das agências de publicidade do Estado. Disponível em
http://coletiva.net/noticias/2016/01/pesquisa-da-abap-revela-perfil-das-agencias-de-publicidade-do-estado/ .
Acesso em 28 de agosto de 2016, 21:40.
REDAÇÃO COLETIVA. GBOEX e M+A são reconhecidas por 30 anos de parceria. Disponível em http://coletiva.
net/noticias/2013/11/gboex-e-m-a-sao-reconhecidas-por-30-anos-de-parceria/ Acesso, 20 de julho de 2016, às
17h
Revista Advertising. ANO 19. Edição 164. Athos Editora. 2015. Rio Grande do Sul.
RIBEIRO, Igor. Digital pode passar impresso ainda este ano. Disponível em http://www.meioemensagem.com.
br/home/midia/2016/02/10/circulacao-digital-pode-passar-impressa-em-2016.html Acesso, 22 de outubro de
2016, às 2h30.
RIBEIRO, Áurea Helena Puga; GRISI, Celso Clãudio Hildebrand; SALIBY, Paulo Eduardo. Marketing de
Relacionamento como fator-chave de sucesso no mercado de seguros. Revista de Administração de Empresas.
Volume 39, n. 1, 1999, São Paulo/SP.
RIBEIRO, Ivano; VICARI, Cristian Carlos. A importância da gestão de marcas para as empresas. 2004. Disponível
em < http://www.unioeste.br/campi/cascavel/ccsa/IIISeminario/artigos/Artigo%2002.pdf > Acesso em 10 de out.
2015
ROSA, Maria Virgínia de Figueiredo Pereira do Couto Rosa; ARNOLDI, Marlene Aparecida Gonzalez Colombo. A
entrevista na pesquisa qualitativa - mecanismo para validação dos resultados. Belo Horizonte: Editora Autêntica,
2006.
153
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
SAMARA, Beatriz Santos; MORSCH Marco Aurélio. Comportamento do Consumidor – conceitos e casos. 2ª
reimpressão. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2007.
SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Elsevier Editora Ltda, 2013.
SANT’ANNA, Armando & JUNIOR, Ismael Rocha & GARCIA, Luiz Fernando Dabul. Propaganda Teoria,
Técnica e Prática. 8ª. edição. 2015. Editora Cengage Learning. São Paulo/SP.
SANTOS, Carlos José Giudice dos. Tipos de Pesquisa. 2010. Disponível em < http://www.oficinadapesquisa.
com.br/APOSTILAS/METODOL/_OF.TIPOS_PESQUISA.PDF > Acesso em 02 nov. 2015
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23ª edição. São Paulo: Cortez Editora, 2015.
SILVA, Andressa Henning; FOSSA, Maria Ivete Trevisan. Análise de conteúdo: exemplo de aplicação da técnica
para análise de dados qualitativos. Qualit@s Revista Eletrônica ISSN 1677 4280 Vol.17. No 1, 2015.
STONE Merlin; WOODCOCK Neil. Marketing de Relacionamento. São Paulo: LITTERA MUNDI Editora, 2002.
TEIXEIRA, Enise Barth. A análise de dados na pesquisa cientifica importância e desafios em estudos
organizacionais. 2003. Disponível em < http://oficinadapesquisa.com.br/ > Acesso em Nov. 2015
TYBOUT, Alice M. e CALKINS, TIM. Branding. São Paulo: Editora ATLAS S.A, 2006.
TOLEDO, Geraldo Luciano; ROCHA, Thelma; NUCCI, Paulo. O marketing de relacionamento e a construção da
fidelidade do cliente. Um estudo de caso em uma empresa brasileira de seguros. Seminários em Administração
– FEA – USP. 2004. São Paulo / SP.
TÓTOLI, Gabriel Nascimento. Retenção de clientes pelo atendimento através do marketing de relacionamento.
Faculdade de Tecnologia e Ciências Sociais Aplicadas, 2009, Brasília/DF
VANDENBOS, Gary R. Dicionário de Psicologia: APA. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.
ZENONE, Luiz Claudio. Gestão Estratégica de Marketing - Conceitos e Técnicas. Editoras ATLAS, 2011. São
Paulo/SP.
ZENONE, Luiz Claudio. Marketing de Relacionamento – Tecnologia, Processos e Pessoas. São Paulo: Editora
ATLAS S.A., 2010.
154
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Resumo
O grande desafio do mercado publicitário é a sua própria reinvenção e a ressignificação das mídias tradicionais
para atingir o consumidor de modo mais eficaz. Neste contexto, os advergames apresentam-se como uma alter-
nativa que combina publicidade e entretenimento de forma moderna e efetiva, evitando elementos interruptivos,
propiciando experiências e vivências significantes ao consumidor. Este artigo é um estudo sobre o uso de adver-
games em campanhas publicitárias como estratégia de engajamento com o público-alvo através da análise do ad-
vergame Dumb Ways to Die e seu papel dentro da campanha Be Safe Around Trains, da Metro Trains. Dessa for-
ma, buscamos compreender quais as características do advergame Dumb Ways to Die podem ter potencializado
o engajamento do público na campanha Be Safe Around Trains. Trata-se de uma pesquisa exploratória e qualita-
tiva com coleta de dados bibliográfica e documental. Em termos gerais, infere-se ao uso do referido advergame
na campanha o seu grande diferencial, potencialmente elevando os níveis de engajamento com o público-alvo e
levando ao atingimento de seus objetivos.
Palavras-chave: advergames; narrativa; transmídia.
Abstract
The great challenge of the advertising market is its own reinvention and the re-signification of traditional media to
reach the consumer more effectively. In this context, advergames present themselves as an alternative that combi-
nes advertising and entertainment in a modern and effective way, avoiding interruptive elements, providing expe-
riences and significant experiences to the consumer. This article is a study on the use of advergames in advertising
campaigns as an engagement strategy with the target audience through the analysis of the adverb Dumb Ways to
Die and its role within the campaign Be Safe Around Trains of Metro Trains. In this way, we are trying to understand
what the characteristics of the Dumb Ways to Die advertise may have potentiated public engagement in the Be
Safe Around Trains campaign. This is an exploratory and qualitative research with bibliographical and documentary
data collection. In general terms, it is inferred to the use of said advergame in the campaign its great differential,
potentially raising the levels of engagement with the target public and leading to the attainment of its objectives.
Keywords: advergames; narrative; transmedia.
1 Mestranda em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail para contato: caroline.lara@acad.
pucrs.br
2 Mestre em Design Estratégico. Orientador metodológico desta pesquisa. Email para contato: [email protected]
155
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
O
uso de jogos como entretenimento ad- consumidores, aprendizes ou jogadores – motiva-
vém dos tempos mais remotos da huma- dos e engajados, em um ambiente que pode ser
nidade e que antecedem, inclusive, as cooperativo ou competitivo. Seu amplo espectro
narrativas, visto que, como aponta Huizinga (2014), permite seu uso na publicidade desde anúncios,
antes mesmo de o homem inventar a linguagem, promoções de marcas e produtos, até ambientes
já brincava, fingia e representava. Sua origem é in- de aprendizagem e diversão, promovendo uma
certa, mas o jogo é apontado como forma de dis- experiência a quem tem contato com a ação.
sipar energia vital abundante, satisfazer o instinto A fim de explorar o uso dos advergames co-
de imitação, atender à necessidade de distensão mo recurso midiático de engajamento, escolheu-
e como uma forma de experimentação. Ele prepa- -se como objeto de estudo o advergame Dumb
ra os jovens para a convivência adulta e o fato de Ways to Die, da campanha Be Safe Around Trains,
o jogo conter um sentido implica na presença de da Metro Trains por ser um exemplo de campa-
um elemento não material em sua essência. Para nha publicitária que utiliza gamificação e narrativa
o autor, o jogo transpõe-se de uma manifestação transmídia5 para engajar6 seu público-alvo. A cam-
biológica para uma função significante, sendo al- panha, cujo objetivo era aumentar a consciência e
go ainda mais antigo que a cultura, uma vez que o engajamento de seus clientes sobre a seguran-
esta pressupõe a existência da sociedade humana. ça nas plataformas de trens da cidade, tornou-se
Na publicidade, Medeiros (2009) destaca que, uma das incursões mais bem sucedidas e premia-
na década de 1980, a SEGA3 já usava banners da das da história7, usando um jingle, uma animação
Marlboro4 em seus jogos de corrida e, poucos em vídeo, um jogo para dispositivos móveis, re-
anos mais tarde, a Sony cobrou para mostrar lo- des sociais e outros elementos de mídia.
gotipos de empresas em seus jogos (CAVALLINI,
2008). Ou seja, fazer publicidade em jogos não é
algo novo. Neste contexto, pode-se ainda desta- Dumb ways to die
car que as empresas líderes de mercado incluem
a inovação também em suas plataformas de co- O advergame Dumb Ways to Die, criado pa-
municação, tornando-se referências em casos de ra a campanha Be Safe Around Trains, faz parte
sucesso. Empresas como Microsoft, Nike, Nicke- de uma campanha da empresa Metro Trains, de
lodeon, Apple e Volkswagen são apenas alguns Melbourne (Austrália), criada pela agência Mc-
exemplos de grandes companhias que utilizam jo- Cann Melbourne, cujo objetivo era conscientizar
gos publicitários – advergames – como elemento os usuários das linhas ferroviárias da cidade de
de suas estratégias publicitárias. Melbourne sobre os riscos à segurança em plata-
Alves (2015) explica que o uso de elementos formas de trens.
de jogos em contextos fora do jogo em si, co- Alsop (2013 apud BROWNSELL, 2013), ge-
nhecido como gamification ou gamificação, é um rente de marketing da Metro Trains, declarou que
conceito emergente, mas começou a acontecer a empresa queria influenciar as pessoas a terem
há muito tempo, quando, em 1912, a marca ame- comportamentos mais seguros nas plataformas
ricana Cracker Jack, de biscoitos e petiscos, co- de trem, com intuito de mostrar aos clientes a sua
meçou a introduzir brinquedos surpresa nas suas
embalagens. Porém, a autora destaca que é no
ano de 2011 que o conceito começa a amadu-
5 O termo designa a utilização de multiplataformas dentro uma
campanha publicitária, a fim de construir uma única narrativa.
6 No contexto deste trabalho, entende-se como engajar e/ou
engajamento o ato de participar de modo voluntário para algum
3 Empresa desenvolvedora de softwares para videogames. trabalho ou atividade.
4 Marca de cigarros da empresa Philip Morris. 7 Os dados da campanha estão explorados adiante.
156
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
preocupação com a segurança dos usuários do agência McCann e um dos responsáveis pela cam-
serviço, assim como ajudar aos próprios funcio- panha, o objetivo foi envolver um público que re-
nários, que presenciavam condutas impróprias almente não quer ouvir qualquer tipo de mensa-
em suas rotinas. Alsop (2013 apud BROWNSELL, gem de segurança (MCCANN, 2015). Ele acredi-
2013) ressalta que, na concepção da campanha, a ta que Dumb Ways to Die faz este papel. Mescall
equipe não queria uma linguagem que chocasse destaca que, em Fevereiro de 2015, Dumb Ways
ou fizesse as pessoas chorarem, mas precisavam to Die ainda é o terceiro anúncio mais comparti-
conscientizar as pessoas sobre segurança ferrovi- lhado de todos os tempos, gerou uma infinidade
ária, apesar de ser um assunto maçante. Ela acre- de paródias em diversas línguas e tem mais de 35
dita que a solução encontrada pela agência Mc- milhões de visualizações combinadas em em des-
Cann consegue ser encantadora através de uma dobramentos derivados de seu original. A campa-
mensagem sutil, sem que desperte nas pessoas o nha, segundo Brownsell (2013), é a mais premiada
medo de morrer, mas sim de que ninguém quer na história de Cannes, com 28 Leões e 5 Grands
ser considerado tolo, logo, passam a se compor- Prix levou no 60th Cannes Festival, incluindo PR,
tar de modo mais consciente e seguro. Direct, Integrated, Film e Radio. Além disso, ga-
Para Alsop (2013 apud BROWNSELL, 2013), nhou sete Webby Awards em 2013, incluindo o de
as peças da campanha são bonitas, um pouco bo- Melhor Filme de Animação e Vídeo e Melhor Ser-
bas, com uma melodia feliz e com cores suaves, viço e Ativismo Pública (Content Social e Marke-
e estes foram atributos que fizeram as pessoas se ting); três prêmios Siren, dirigidas por Commer-
sentirem bem enquanto se engajaram com a cam- cial Radio Australia, incluindo o Siren Ouro para
panha. Para ela, isso reforça o valor da criativida- melhor propaganda do ano e Prata Sirens para a
de no marketing. melhor canção e melhor campanha. Também foi
De acordo com a página oficial da McCann, agraciada com o Gran Prix do New York Festivals
o lançamento da campanha foi no dia 16 de No- International Advertising Awards 2013.
vembro de 2012, veiculada em jornais, rádios lo- Cauchi (2014) destaca que a McCann estima
cais, outdoors, nas redes da Metro Trains, Tumblr que, em duas semanas, a campanha havia gerado
e Youtube. Em 24 horas, a música alcançou o top pelo menos US$ 50 milhões de valor global de mí-
10 da lista do iTunes, em 48 horas foi classificado dia por um custo que significaria uma fração do cus-
em sexto lugar na categoria iTunes cantor/com- to de um anúncio de TV. O autor também destaca
positor e, no mesmo período, o vídeo publicado que a campanha contribuiu para uma redução de
no Youtube obteve 2,7 milhões de visualizações, mais de 30% em quase-acidentes, saindo de 13,29
de acordo com Dumas (2012). quase-acidentes por milhão de quilômetros no pe-
No período referente a este estudo, o núme- ríodo entre Novembro de 2011 e Janeiro de 2012,
ro de vizualizações do vídeo de lançamento da para 9,17 quase-acidentes por milhão de quilôme-
campanha ultrapassa a marca de cento e catorze tros no período de Novembro de 2012 à Janeiro de
milhões de visualizações e de mais de novecen- 2013. A McCann ressalta que mais de 127 milhões
tas mil curtidas. de pessoas afirmaram que teriam atitudes mais se-
Segundo John Mescall, diretor de criação da guras em torno de trens por causa da campanha.
157
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
A campanha Be Safe Around Trains desenca- na8 na Internet que o aplicativo foi desenvolvido em
deou-se em uma série de incursões transmidiáti- Flash, e a música em 8 bits, tornando a plataforma
cas, chegando ao desenvolvimento do advergame e o design simples de serem desenvolvidos. Da-
Dumb Ways to Die. O primeiro jogo, lançado em dos divulgados pela McCann (2015) reportam que
Maio de 2013 para a plataforma iOS e, posterior- o aplicativo chegou ao topo em 22 países, incluindo
mente para plataforma Android em Setembro de os EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália, com mais
2013, foi desenvolvido por Julian Frost e Samuel de 103 milhões de downloads e 1,6 bilhões de exe-
Baird. Os desenvolvedores explicam em sua pági- cuções provenientes de todos os países do mundo.
158
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
159
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
maior de desafios, mas entende que fãs de jogos o advergame Dumb Ways to Die 2: The Games
casuais devem experimentar. foi lançado em novembro de 2014, tornando-se o
Segundo dados da agência McCann (2015), app número 1 em 83 países, com mais de 65 mi-
160
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
lhões de pessoas comprometendo-se a ser segu- advergame segue uma proposta divertida e vem
ro em torno de trens, além de cerca de quatro bi- conquistando muitos fãs.
lhões de execuções do jogo em apenas três me- Assim, os advergames criados para a campa-
ses. Nesta versão, novas atividades e níveis de difi- nha Be Safe Around Trains foram muito bem re-
culdade foram adicionados. Através de minijogos, cebidos pelo público-alvo e por jogadores de di-
os estágios continuam ambientados pela música- versos países. Os aplicativos recebem atualizações
-tema da campanha publicitária. Os diferentes de- constantes, mantendo sua funcionalidade e rece-
safios são estruturados por temáticas de esportes, bendo inclusões de publicidade de outros anun-
com animações e efeitos sonoros divertidos. ciantes, transformando-se em um advergame 3 em
Para Ribeiro (2015), outro especialista do por- 1: In-Game Advertising, Advergames e Alternative
tal Techtudo, o Dumb Ways to Die 2: The Games Reality Game, consolidando-se como uma ação de
acrescenta novas dinâmicas à sua jogabilidade e sucesso dentro da estratégia da campanha.
oferece uma modalidade para conquistar novos
personagens, através de um visual colorido e bas-
tante irreverente. A interface não possui suporte Elementos de engajamento
para português, o que pode dificultar um pouco
a compreensão dos comandos. No entanto, co- Observa-se que os jogos, independente da
mo os 28 jogos se desenrolam em partidas curtas plataforma em que se apresentam, estão longe
e são apresentando em uma sequência aleatória, de ser apenas uma forma de entretenimento pois,
o jogador acaba aprendendo rapidamente as di- como destaca Huizinga (2014), tratam-se de um
nâmicas pela tentativa e erro. fenômeno fisiológico, um reflexopsicológico, que
Os controles dos minijogos são limitados a to- traz significado e sentido à ação voluntária de jo-
ques pela tela ou a inclinações do aparelho, as- gar. A existência de regras e formatos bastante
sim como na primeira versão do jogo. Porém, o claros diferem os jogos de uma atividade lúdica.
aumento progressivo do nível de dificuldade e a O autor destaca que o jogo é uma atividade vo-
variedade de desafios conseguem manter a siste- luntária e que obedece aos limites de tempo e es-
mática das partidas bastante instigante, segundo paço, segundo regras consentidas, contudo, obri-
a resenha feita por Ribeiro (2015). gatórias. Inclui, ainda, que jogos são dotados de
Com três ambientes diferentes, Dumb Ways finalidade própria e acompanhados de sentimen-
to Die 2: The Games possui também pequenos tos como tensão, alegria e a clara noção de que
jogos sobre os perigos em estações de trem, te- se difere da vida cotidiana.
mática relacionada aos desenvolvedores, e ainda Complementarmente, Juul (2004 apud SAN-
mantém a oportunidade de disputar em rankin- TAELLA; FEITOZA, 2009) também contribui para
gs de pontuação no Game Center9 e de o joga- as definições de jogos, constatando que há seis
dor compartilhar suas derrotas e vitórias nas re- pontos que caracterizam essa atividade: regras,
des sociais. resultados variáveis e quantificáveis, valorização
Além disso, o jogo ainda possui uma moda- dos resultados, esforço do jogador, vínculos do jo-
lidade extra, na qual os jogadores podem gastar gador ao resultadoe consequências negociáveis.
tickets para enfrentar os minijogos de todas as A partir destes pontos, Juul (2004 apud SANTA-
arenas e liberar novos personagens. Entretanto, ELLA; FEITOZA, 2009) entabulou a sua própria de-
na opinião de Daniel Ribeiro, os objetivos desses finição de jogo, que complementa a definição de
desbloqueios são cada vez mais difíceis e as bo- Huizinga (2014), incluindo os fatores de quantifica-
nificações pouco gratificantes, pois o resultado é ção e negociação. O autor define a atividade co-
definido de forma aleatória. De qualquer forma, o mo um sistema formal, baseado em regras e com
resultados variáveis, contudo, quantificáveis. Para
o autor, as consequências são resultados do esfor-
9 Plataforma da Apple que registra as pontuações dos seus
ço do jogador em relação à atividade que, por sua
usuários e faz um ranking entre as conexões dos jogadores. vez, deve ser opcional e negociável.
161
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
162
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
163
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
TAS; PATRIOTA, 2011). Se no contexto publicitário safio, composto por metas, incertezas quanto ao
os advergames surgem como nova ferramenta de resultado, percepção frente à ferramenta e auto-
propagação e interação com marcas e produtos, estima; fantasia, instrínseca ou extrínseca, corro-
na ótica da comunicação social eles se mostram borados por aspectos cognitivos e emocionais; e
como um meio facilitador do processo de globali- curiosidade, que é sensorial, relativa ao ambien-
zação dos mesmos. No caso do advergame Dumb te e cognitiva, estimulando o jogador-aprendiz a
Ways to Die, essa teoria se comprovou na prática, buscar mais conhecimento para resolver novas
quando se observam os dados da agência Mc- estruturas. Todos estes elementos estão presen-
Cann Melbourne, que informam que o aplicativo tes em Dumb Ways to Die. O advergame traz os
foi instalado e jogado por milhares de pessoas em elementos de desafio com metas; fantasia, atra-
mais de 70 países. vés das percepções e incertezas quando coloca
De acordo com a classificação proposta por os personagens em situação de perigo e os joga-
Chen e Ringel (2001 apud THEODOROU; SIR- dores na função de resgatá-los e, à medida que
MAKESSIS, 2009), Dumb Ways to Die pode ser o jogo progride, aumenta o nível de dificuldade
considerado um advergame associativo, que cor- tanto das tarefas como em relação ao tempo pa-
relaciona o objetivo da campanha com uma ati- ra desenvolvê-las.
vidade ou estilo de vida representado pelo jogo, A autoestima é percebida pelo jogador pe-
fornecendo informações indiretas para que o en- lo número de vitórias, pontos adquiridos e níveis
gajamento ocorra. Solomon (2009) descreve que avançados dentro do jogo. Além disso, o aplica-
os significados que são atribuídos a um estímulo tivo permite o compartilhamento dos resultados
dependem da sua representação mental ou do através das redes sociais, estimulando a compe-
conjunto de crenças associadas, ao passo que titividade e reforçando a sensação de vitória dos
o indivíduo, como consumidor, sofre influências jogadores.
psicológicas, pessoais, sociais e culturais. Assim, Estes aspectos do advergame Dumb Ways to
a mudança de comportamento surge através de Die também vão ao encontro da percepção de
uma experiência, ou seja, da aprendizagem. Pink (2009 apud BURKE, 2015), que traz três ele-
Kotler (2000) explica que as pessoas só apren- mentos essenciais ao conceito de motivação e os
dem quando agem, pois a aprendizagem é pro- examina sob a ótica do gamification: autonomia,
duzida por meio dos impulsos, estímulos, respos- domínio e propósito. No caso de Dumb Ways to
tas e reforços. Já as crenças e atitudes, segundo Die, além da vontade de completar todas as fases
o autor, são compostas pelas avaliações e senti- do jogo, o propósito pode ser comparado com ao
mentos de ação duradouros, sejam eles favoráveis de um herói que salva personagens de perigos de
ou não, a algum objeto ou ideia. Assim, pode-se morte. Dessa forma, o jogo envolve as pessoas em
inferir que o advergame em estudo traz elemen- um nível emocional, e focado em motivações in-
tos de experiências vivenciais quando coloca per- trínsecas ao seu humano, tornando a atividade e
sonagens em situações de risco de vida, produz o propósito significativos a eles, para que assim se
estímulos e impulsos quando coloca o jogador no identifiquem e se engajem com a proposta.
papel do herói que resgata os personagens das si- Alves (2015) explica que, sob a ótica de pro-
tuações de risco e, ainda, proporciona respostas cessos de aprendizagem, no campo da neurolin-
em forma de pontuações e avanços progressivos guística também há estudos que apontam a rela-
dentro do próprio jogo como retorno. Este é, ain- ção das características psicológicas com os estilos
da, mais um fator fundamental dentro das regras de aprendizagem, ou seja, com a forma comuni-
da teoria de jogos: a recompensa. cacional mais assertiva de acordo com o seu per-
Do ponto de vista do marketing, os fatores fil comportamental. Alves (2015) destaca três tipos
motivacionais são compostos por necessidades de preferências, divididas em três categorias: vi-
básicas, percepções, aprendizagens, crenças e sual, onde os aprendizes preferem os recursos vi-
atitudes. Para jogos, Malone (1984) definiu que há suais tais como figuras, cores e ilustrações na assi-
três elementos que os tornam motivadores: de- milação da mensagem. Indivíduos visuais podem
164
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
ter dificuldades com instruções longas e ruídos; como base a autoestima e o reconhecimento so-
auditivos, onde os receptores preferem instruções cial. Contudo, mudar comportamentos de clien-
verbais, ou seja, precisam ouvir para aprender e tes através do gamification exige usar a ferramen-
podem ter dificuldades em seguir orientações es- ta para ajudar as pessoas a fazer mudanças positi-
critas; e cinestésicos, que trata de indivíduos que vas. Isso requer persistência e planejamento.
possuem ótima percepção espacial e aprendem Dentre as diferentes formas de incentivar as
melhor através da experimentação, ou seja, exe- pessoas a criar novos hábitos, Burke (2015) desta-
cutando uma tarefa. ca o uso de desencadeadores e “espíritos afins”
Estes pontos podem ser observados na es- para que os jogadores-cliente sejam instigados
trutura da campanha Be Safe Around Trains, atra- e relembrados sobre as novas atitudes a serem
vés dos elementos visuais presentes nas peças da tomadas. Soluções que lembrem periodicamen-
campanha, inclusive vídeo e advergame; os recur- te o jogador-cliente a realizar ações específicas e
sos auditivos são percebidos através do jingle da mostrar que pessoas ao redor estão adotando es-
campanha e sons presentes no jogo. Por fim, os tas práticas tornam o processo mais fácil. Segun-
estímulos cinestésicos são demonstrados quando do o autor, faz parte da natureza humana querer
o jogo permite a ação e execução de tarefas por se manter alinhado com as pessoas ao seu lado
parte do jogador. Assim, a proposta transnarrati- (BURKE, 2015). Apesar de não existir um número
va se aplica aos diversos estilos de aprendizagem, exato, as repetições são necessárias para que uma
considerando, principalmente, que o público-alvo ação desenvolva um hábito ou habilidade.
da campanha são todos os usuários de trens da ci- Assim, infere-se que a campanha Be Safe
dade de Melbourne, ou seja, é consideravelmen- Around Trains e o jogo Dumb Ways to Die reúnem
te amplo. os elementos desencadeadores do processo de
Para Burke (2015), as propostas gamificadas se mudança de hábitos. É possível identificar o uso
aplicam melhor para grandes públicos, pois quan- da repetição de informação, tanto nas situações
to maior e mais diversificado o público, maior o que se repetem dentro do jogo como na repeti-
impacto e retorno, já que é uma solução aplica- ção de informações nas demais peças da campa-
da a um grande número de pessoas. Além disso, nha transmídia. Videoclipe, jingle, redes sociais,
plataformas digitais são uma solução para onde mídias locais, todas ações que repetem o objeti-
há pouca ou nenhuma interação humana direta, o vo da campanha dentro de uma linguagem verbal
que reduz o seu custo. A estratégia da campanha e não verbal idêntica. Percebe-se também as re-
poderia ter adotado os Alternative Reality Games, compensas tangíveis – outra regra básica da teo-
jogo imersivo ou ainda de ficção interativa, que se ria de jogos – e fatores motivacionais, ligados a va-
assemelham a gincanas e reúnem elementos do lores e reconhecimento social de seus jogadores.
mundo real a ações no mundo digital, e estão bas- Sistema de pontos, dificuldade e fases progres-
tante relacionados à publicidade promocional (PI- sivas, possibilidade de compartilhamento de re-
MENTA; AMARAL, 2012). Contudo, é possível que sultados em redes sociais, o ato de salvar vidas, a
seu nível de engajamento com o público, bem co- identificação de si mesmo diante de situações do
mo o número de participantes não fosse tão ex- seu próprio cotidiano, o entretenimento, a lingua-
pressivo como tem sido com o advergame desen- gem não punitiva da campanha são alguns dos
volvido para a campanha. pontos identificados nesse sentido.
Valores são motivações sociais, expectativas Ainda sobre reconhecimento social, Hohlfeldt
em relação ao modo como os indivíduos se com- (2010) destaca que, na hipótese da Espiral do Si-
portam em determinado grupo ou cultura. Se a in- lêncio, as pessoas tendem naturalmente a prestar
tenção é desenvolver incentivos gamificados que atenção às opiniões e a amoldar-se às opiniões
ofereçam mais que recompensas tangíveis, é pre- do meio, pressionando os indivíduos a agir e pen-
ciso pensar de modo diferente em relação ao que sar de acordo com a opinião pública. Assim, os
o consumidor valoriza (BURKE, 2015). Consumido- seres humanos têm a necessidade de mostrar-se
res são motivados por recompensas que possuem em público em um comportamento que esteja de
165
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
acordo com os demais, sendo as pessoas influen- de acordo com os autores da área.
ciadas não apenas pelo que as outras dizem, mas Também foi possível identificar teoricamente
pelo que imaginam que os outros poderiam dizer os elementos do advergame Dumb Ways to Die
(HOHFELDT, 2010). O medo do isolamento e a dú- que podem ter contribuído para o engajamen-
vida sobre o julgamento que o indivíduo tem de si to do público com a campanha Be Safe Around
mesmo o torna vulnerável à opinião dos demais. Trains. Destaca-se a promoção da interação en-
Dessa forma, há um amparo mútuo para a tre marca e consumidor, aproximando o público
aceitação em sociedade, pressupondo compo- aos propósitos da campanha. Fato que corrobora
nentes morais e emocionais, que levam ao iso- a universalidade da ferramenta, não apenas por
lamento. E, se a mídia exerce influência sobre a ser uma plataforma digital, mas por usar uma lin-
opinião pública, as redes sociais virtuais dão voz guagem universal: o jogo. Este fato torna a ativi-
aos indivíduos, estabelecendo sua comunicação dade significante, gerando estímulos emocionais,
direta com seu círculo, mas ainda influenciado que motivam e estimulam ações. Por fim, essas
pela opinião e imagem que sua persona exerce ações possuem uma imagem social atribuída, ao
nele. Neste contexto, entende-se que o título do estimular um determinado público a adotar com-
jogo – Dumb Ways to Die (Formas Idiotas de Mor- portamentos mais seguros em locais de risco, seja
rer10) influencia diretamente no consciente coleti- pela consciência em relação à própria segurança,
vo do público-alvo da campanha. Ou seja, as pes- ou pela imagem que o indivíduo quer transmitir
soas não querem ser julgadas pelo seu nível in- ao coletivo.
telectual e ou discernimento sobre situações de Assim, diante desses elementos, é possível
perigo de morte. Isso as leva a agir de forma mais compreender que o advergame Dumb Ways to
segura para que não passem por situações em- Die foi construído com base nos pilares da teoria
baraçosas ou sejam ridicularizadas publicamen- de jogos, seguindo todas as suas regras e diretri-
te, uma vez que todos os clientes alcançados pe- zes básicas, caracterizando-o como um jogo com-
la campanha passam a associar as situações do pleto. Além disso, o advergame segue claramente
jogo com a realidade. os princípios de marketing e de comportamento
Em uma análise geral, para compreender do consumidor, norteado pelos objetivos centrais
quais as características do advergame Dumb da campanha. O alinhamento estratégico soma-
Ways to Die que podem ter potencializado o do ao caráter inovador e linguagem ousada para
engajamento do público na campanha Be Safe o tema foram fatores que colaboraram para o su-
Around Trains, foi possível analisar pontualmente cesso da campanha.
diversos aspectos técnicos ligados a concepção e
estratégia de campanha, bem como da constru-
ção de jogos. Com isso, identificou-se elementos Conclusão
que podem potencializar o engajamento e que
estão presentes na campanha Be Safe Around O uso de advergames em campanhas de co-
Trains, levando-se em consideração os conceitos municação ainda é bastante tímido quando com-
de transmídia, narrativa e teoria de jogos. Desta- parado ao seu potencial engajador. Talvez as
ca-se o caráter voluntário e lúdico, a obediência agências de publicidade e departamentos inter-
aos elementos que caracterizam os jogos, a pre- nos de marketing e comunicação até incluam o
sença de narrativa aplicada de forma transmidiá- uso desta ferramenta como recurso midiático em
tica. Além disso, percebe-se o uso da gamificação suas propostas, mas é preciso que os seus clien-
com finalidade educacional visando a mudança tes a aceitem. O que parece ser uma barreira pois,
de comportamento, principal uso da ferramenta quando tratados apenas como jogos de entrete-
nimento, parecem como um recurso de alto custo
para o cliente. Contudo, tão importante quanto o
investimento na produção do advergame, é o es-
10 Tradução livre da autora. tudo e planejamento prévio que a envolve.
166
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
167
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Referências
ALVES, Flora. Gamification: como criar experiências de aprendizagem engajadoras: um guia completo: do
conceito à prática. 2. ed. São Paulo: DVS Editora, 2015.
BROWNSELL, Alex. Dumb Ways to Die faz diferença. Nogueira Marketing e Educação. Jun, 2013. Disponível em:
< http://www.nogueiramc.com.br/dumb-ways-to-die-faz-diferenca/> . Acesso em: 02 Nov. 2015.
BROWNSELL, Alex. Dumb Ways to Die: the story behind a global marketing phenomenon. Campaign. Jun,
2013. Disponível em : <http://www.campaignlive.co.uk/article/1187124/dumb-ways-die-story-behind-global-
marketing-phenomenon#GooutGCQ2Hu0kCXZ.99>. Acesso em: 02 Novembro 2015.
BURKE, Brian. Gamificar: como a gamificação motiva as pessoas a fazerem coisas extraordinárias. São Paulo:
DVS Editora, 2015.
CAUCHI, Stephen. No dumb luck: Metro claims safety success. The Age. Melbourne, fev, 2014. Disponível em:
<http://www.theage.com.au/victoria/no-dumb-luck-metro-claims-safety-success-20130214-2eelt.html>. Acesso
em: 01 Nov. 2015.
CAVALLINI, Ricardo. O marketing depois de amanhã: explorando novas tecnologias para revolucionar a
comunicação. 2. ed. São Paulo: Ed. do Autor, 2008. 174 p.
CHAGAS, Maria Eduarda. Salve personagens em Dumb Ways to Die. Techtudo. Jan, 2014. Disponível em:
<http://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/dumb-ways-die.html> Acesso em: 02 Nov.2015.
DUMAS, Daisy. Metro’s tongue-in-cheek transport safety animated video goes viral on social media. The Age.
Melbourne, nov, 2012. Disponível em: <http://www.theage.com.au/national/metros-tongueincheek-transport-
safety-animated-video-goes-viral-on-social-media-20121118-29kbn.html#ixzz3qI5UdTAe> Acesso em: 01 Nov.
2015.
FROST, Julian. Dumb Ways to Die: the game. Disponível em: <http://julianfrost.co.nz/things/dumb-ways-to-die-
game/>. Acesso em: 01 nov. 2015
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.
JULL, J. Introduction to game time. In: First person: new media as story, performance, and game. Cambridge:
The MIT Press, 2004.
KAPP, Karl M. The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and
education. San Francisco: Pfeiffer, 2012. 336 p.
168
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
MCCANN (Melbourne). Dumb Ways to Die (sítio). Disponível em: <http://www.dumbwaystodie.com/>. Acesso
em: 02 nov.2015.
MCCANN (Melbourne). Projeto Dumb Ways to Die. 2015. Disponível em: <http://mccann.com.au/project/dumb-
ways-to-die/>. Acesso em: 02 nov.2015.
MCCANN (Melboune). Vídeo Dumb Ways to Die. Youtube, 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=IJNR2EpS0jw>. Acesso em: 02 de out. 2015.
MEDEIROS, J. F. Advergames : A publicidade em jogos digitais como forma de atrair o consumidor. 2009.
Disponível em: <http://www.sbgames.org/papers/sbgames09/culture/short/cults3_09.pdf>. Acesso em: 27 set.
2015.
PIMENTA, Rodrigo D. G.; AMARAL, Diego. Publicidade em jogos digitais: tipologias e características. In:
CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO NORDESTE, 14, 2012, Recife, PE. Anais... Recife,
PE: Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2012.
RIBEIRO, Daniel. Dumb Ways to Die 2 the games: jogo traz animações e sons divertidos. Techtudo. Jan, 2015.
Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/dumb-ways-to-die-2-the-games.html>. Acesso em: 02
nov. 2015.
SANTAELLA, Lucia; FEITOZA, Mirna. Mapa do jogo: a diversidade cultural dos games. São Paulo: Cengage
Learning, 2009.
SOLOMON, Michael; Os segredos da mente dos consumidores. Portugal: [S. n.], 2009.
THEODOROU, Lenia; SIRMAKESSIS, Spiros. Advergames ’ content analysis: applying a methodological toolkit
based on ludology principles. Atenas, Grécia, 2009. Disponível em: <http://journal.webscience.org/246/3/
websci09_submission_174.pdf>. Acesso em: 10 out. 2015.
WILLIAMS, Jerried. The principles of transmedia branding. 2013. Tese (Mestrado) - University of Southern
California, California, 2013.
169
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
Nome do autor1
RESUMO: A palavra ‘Resumo’ deve estar grafada em Arial, caixa alta, negrito, corpo 10, espaço sim-
ples (1.0), justificado. O texto deve apresentar ao leitor o tema delimitado, o problema de pesquisa, a
relevância do estudo, objetivos do artigo, metodologia, técnicas de levantamento dos dados e anteci-
pação de alguns resultados. Deve ser constituído de uma sequência de frases concisas e objetivas, não
ultrapassando 10 linhas, com extensão de 800 a 1.100 caracteres (com espaço).
ABSTRACT: A palavra ‘Abstract” deve estar grafada em Arial, caixa alta, negrito, corpo 12, espaço
simples (1.0), justificado. O texto do abstract deve ser exatamente o mesmo do resumo.
KEYWORDS: Palavra 1. Palavra 2. Palavra 3. Palavra 4. Palavra 5.
(As Keywords devem ser idênticas às palavras-chave, respeitando as regras anteriores)
2. Na Introdução é obrigatório a apresentação do tema e sua delimitação, problemática que envolve
o artigo, objetivos (geral e específicos), justificativa e indicação dos procedimentos metodológicos.
3. No Desenvolvimento, deve constar o referencial teórico, cenário da pesquisa (se houver),
apresentação e análise dos dados e inferências do pesquisador.
4. Na Conclusão, o autor deve relembrar o tema e sua delimitação, mencionar o procedimento
metodológico utilizado, recuperar a problemática do artigo, os resultados alcançados, se cumpriu
1 O nome do autor do artigo (ou autores) deve vir abaixo do título em inglês, alinhado à direita, em Arial, corpo 12, acompanhado de uma
nota de rodapé. Na nota de rodapé, deve ser apresentado um minicurrículo do pesquisador (entre 300 e 400 caracteres com espaço) e email
para contato.
170
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
5. As Referências devem ser apresentadas conforme a Norma ABNT 6023, e virem alinhadas à
esquerda, sem entrada de parágrafo, sem numeração e em ordem alfabética.
6. O artigo deve ter a extensão de 30 mil a 50 mil caracteres (com espaço). As páginas são numeradas,
conforme o tamanho do texto, no canto superior direito.
10. As notas de rodapé devem vir ao fim da página, em Arial, corpo 10, espaçamento simples,
justificado, sem entrada de parágrafo.
12. T
abelas: a identificação da tabela aparece na parte superior, precedida da palavra designativa,
seguida de seu número sequencial de ocorrência no texto, em algarismo arábico, travessão e do
respectivo título (centralizado e em negrito). Na parte inferior da tabela, indicar a fonte consultada
(elemento obrigatório, mesmo que seja do próprio autor), alinhada à margem esquerda. Separar
as tabelas do texto que as precede e que as sucede por um espaço 1,5 entrelinhas. A tabela deve
apresentar os dados de modo resumido, devendo ser constituída dos seguintes elementos: título
(centralizado e em negrito), cabeçalho, corpo da tabela e fonte (alinhada à margem esquerda).
13. C
itações Indiretas
A indicação de autores deve aparecer no corpo do texto, conforme segue.
Exemplo: (MOREIRA, 2015) e/ou Moreira (2015).
Demais casos não mencionados devem seguir as normas propostas pela ABNT. Qualquer dúvida,
favor entrar em contato pelo e-mail: [email protected]
Atenciosamente,
171
Revista Científica Digital - Comunicação e Turismo | Dezembro de 2017
172