A Concepçao Escolar Da Leitura PDF

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A CONCEPÇÃO

ESCOLAR
DA LEITURA
“Por que meu aluno não lê?”
Por que esta pergunta é tão frequente entre
os professores?

Segundo o autor francês Bellenger, devemos ter paixão pela


leitura: “Em que se baseia a leitura? No desejo. Esta resposta
é uma opção. É tanto o resultado de uma observação como
de uma intuição vivida. Ler é indentificar-se com o
apaixonado ou com o místico. É ser um pouco clandestino, é
abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir o
parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes trancar-se (no
sentido próprio é figurado). É manter uma ligação através do
tato, do olhar, até mesmo do ouvido (as palavras ressoam).
As pessoas leem com seus corpos. Ler é também sair
transformado de uma experiência de vida, é esperar alguma
coisa. É um sinal de vida, um apelo, uma ocasião de amar
sem a certeza de que se vai amar. Pouco a pouco o desejo
desaparece sob o prazer.”
A atividade árida e tortuosa de decifração de
palavras que é chamada de leitura em sala de aula,
não tem nada a ver com a atividade prazerosa
descrita anteriormente. E, de fato, não é leitura,
por mais que esteja legitimada pela tradição
escolar.

Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais,


nem aquilo do qual não consegue extrair o sentido.
Essa é uma boa caracterização da tarefa de ler em
sala de aula: para uma grande maioria dos alunos
ela é difícil demais, justamente porque ela não faz
sentido.
As práticas desmotivadoras, perversas até, pelas
consequências nefastas que trazem, provêm,
basicamente, de concepções erradas sobre a
natureza do texto e da leitura, e, portanto, da
linguagem. Elas são práticas sustentadas por um
entendimento limitado e incoerente do que seja
ensinar português, entendimento este
tradicionalmente legitimado tanto dentro como fora
da escola.

É por isso que uma das primeiras barreiras que o


professor tem que negociar para poder ensinar a
ler é a resistência do próprio aluno, ou dos pais do
aluno quando este é uma criança mais nova.
O texto na sala de aula
Uma prática bastante comum no livro didático
considera os aspectos estruturais do texto como
entidades discretas que têm um significado e
função independentes do contexto em que se
inserem.

Uma versão dessa prática, revelada na leitura


gramatical, é aquela em que o professor utiliza o
texto para desenvolver uma série de atividades
gramaticais, analisando, para isso, a língua
enquanto conjunto de classes e funções
gramaticais, frases e orações. Os livros didáticos
estão cheios de exemplos em que o texto é apenas
pretexto para o ensino de regras sintáticas, isto é,
para procurar adjetivos, sujeitos ou frases
exclamativas.
O texto como repositório de mensagens e
informações
Relacionada a essa mesma visão de texto como
conjunto de elementos diversificados (seja
estrutura gramatical ou palavras) é a crença de
que o texto é apenas um conjunto de palavras
cujos significados devem ser extraídos um por um,
para assim, cumulativamente, chegar à mensagem
do texto.

Uma consequência dessa atitude é a formação de


um leitor passivo, que quando não consegue
construir o sentido do texto acomoda-se facilmente
a essa situação.
Uma outra prática muito empobrecedora está
baseada numa concepção da atividade como
equivalente à atividade de decodificação. Essa
concepção dá lugar a leituras dispensáveis, uma
vez que em nada modificam a visão de mundo do
aluno.

Esta atividade compõe-se de uma série de


automatismos de identificação e pareamento das
palavras do texto com as palavras idênticas numa
pergunta ou comentário. Isto é, para responder a
uma pergunta sobre alguma informação do texto,
o leitor só precisa o passar de olho pelo texto à
procura de trechos que repitam o material já
decodificado da pergunta.
Outra prática que também passa por leitura,
que não é apenas decodificação, mas
também torna a atividade dispensável pois
revela a mesma atitude de descaso em
relação à voz do autor, dispensa a etapa da
compreensão dessa voz, consiste em
solicitar uma opinião dos alunos sobre um
assunto logo após a leitura do texto, sem
sequer ter discutido o assunto tal como ele
é tratado pelo autor.
A leitura como avaliação
Esse é um outro tipo de prática que inibe,
ao invés de promover, a formação de
leitores. A prática é justificada porque
permitiria ao professor “perceber se o aluno
está entendendo ou não”, apesar de
sabermos que é mais fácil perder o fio da
estória quando estamos prestando atenção
à forma, à pronúncia, à pontuação,
aspectos que devem ser atendidos quando
estamos lendo em voz alta.
A integração numa concepção autoritária de leitura
A união de todos os aspectos que fazem da
atividade escolar uma paródia da leitura encontra-
se numa concepção autoritária da leitura, que
parte do pressuposto de que há apenas uma
maneira de abordar o texto, e uma interpretação a
ser alcançada.

Essa concepção de leitura permite todas as


deturpações já apontadas: a análise de elementos
discretos seria o caminho para se chegar a uma
leitura autorizada, a contribuição do aluno e sua
experiência é dispensável, e a leitura torna-se uma
avaliação do grau de proximidade ou de distância
entre a leitura do aluno e a interpretação
“autorizada”.
Se às concepções equivocadas do texto e
da leitura como atividade comunicativa
forem acrescentadas as abordagens
metodológicas utilizadas em sala de aula,
não resulta surpreendente a falta de
interesse que o nosso aluno tem pela leitura.
Roteiro bastante comum utilizado pelos
professores no desenvolvimento de uma unidade
de ensino:

•Motivação do aluno, através de uma conversa sobre o assunto


geral do texto;

•Leitura silenciosa, sublinhando as palavras desconhecidas;

•Leitura em voz alta, por alguns alunos, ou por todos os alunos, em


grupo;

•Leitura em voz alta pelo professor;

•Elaboração de perguntas sobre o texto, por parte do professor


como “Onde ocorreu a estória?”, “Quando?”, “A quem?” e outras
perguntas sobre elementos explícitos;

•Reprodução do texto (ou outra atividade de redação ligada ao


tema do texto).
A prática em sala de aula, não apenas da
aula de leitura, não propicia interação entre
professor e aluno. Trata-se, na maioria dos
casos, de um monólogo do professor para
os alunos escutarem. Nesse monólogo o
professor tipicamente transmite para os
alunos uma versão, que passa a ser a
versão autorizada do texto.
Sabe-se, por pesquisas recentes, que é
durante a interação que o leitor mais
inexperiente compreende o texto: não é
durante a leitura silenciosa, nem durante a
leitura em voz alta, mas durante a conversa
sobre aspectos relevantes do texto. Muitos
aspectos que o aluno sequer percebeu ficam
salientes nessa conversa, muitos pontos que
ficaram obscuros são iluminados na
construção conjunta da compreensão.

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