Capitulo 02 - Resumo

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Comportamento Animal

Capítulo 02: Entendendo as causas proximais e distais do canto das aves

 Quase todas as espécies de aves têm vocalizações próprias, específicas, e há


tempos esse fenômeno tem sido explicado como uma adaptação evolutiva que
auxilia o macho a atrair a fêmea da sua espécie.
 O macho garante que as fêmeas o encontrem, o que é de seu interesse
reprodutivo. As fêmeas beneficiam desse sistema, em parte porque isso as
ajuda a identificar machos da sua espécie em meio a machos de outras
espécies, o que diminui o risco de produzir ovos inférteis, ou a desvantagem de
criar filhotes híbridos.
 Mas, se machos de diferentes espécies têm cantos diferentes para atrair
fêmeas das suas espécies, por que indivíduos de uma mesma espécie
produzem, com frequência, versões que de algum modo se distinguem do
canto da sua espécie? O que acontece durante o desenvolvimento do macho
que o faz cantar um pouco diferente de outros membros da sua espécie? Em
que diferem os mecanismos dos cérebros dos diferentes machos a ponto de
afetar os seus cantos? Como essas diferenças individuais influenciam o número
de descendentes produzidos? Essas diferenças comportamentais estão
enraizadas na história evolutiva das espécies?
 Este capítulo tentará responder a essas questões, como forma de reafirmar a
ideia principal do Capítulo 1 – se queremos entender o que causa um
comportamento, por que um animal se comporta de uma determinada
maneira, é preciso abordar o problema tanto do ângulo proximal quanto do
distal.

Cantos Distintos: Causas proximais

 Na década de 1960, Peter Marler e seus alunos estudaram o canto do macho


do tico-tico-da-califórnia (Zonotrichia leucophrys), que na estação reprodutiva
produz uma complexa vocalização assobiada. A equipe de Marler viu que
populações diferentes desse pássaro, com frequência, têm dialetos diferentes.
 Hoje sabemos que os dialetos são um fenômeno comum nos pássaros canoros.
De fato, em algumas espécies, os indivíduos ocupam pequenas vizinhanças de
alguns quilômetros de diâmetro, nos quais cada população produz sua própria
versão do canto da espécie.
 Marler sabia que uma explicação proximal para os diferentes dialetos era uma
diferença genética , porém os pesquisadores encontraram poucas diferenças
genéticas entre seis grupos de tico-tico-da-califórnia com dialetos distintos.
 Consideraremos, então, uma hipótese alternativa para os diferentes dialetos:
as diferenças não são hereditárias, mas sim causadas por diferenças no
ambiente em que vivem essas aves.
 Marler e colaboradores exploraram o desenvolvimento do comportamento de
canto do tico-tico-da-califórnia recolhendo ovos de ninhos, os chocando em
laboratório e criando os filhotes em cativeiro. Mesmo quando esses pássaros
jovens eram criados sem contato acústico com machos que cantavam, eles
começavam a cantar com aproximadamente 150 dias de vida; no entanto, o
melhor que conseguiam produzir era um gorjeio que nunca alcançava a riqueza
característica do canto completo dos machos selvagens.
 Esse resultado sugere a ausência de algum fator decisivo no ambiente dos
pássaros criados em cativeiro, que talvez seja a oportunidade de ouvir o canto
de machos adultos de sua espécie. Se esse for o fator-chave, um macho jovem
criado em isolamento acústico em uma gaiola, exposto apenas a gravações de
cantos de tico- tico-da-califórnia, deverá ser capaz de produzir o canto
completo da espécie. Foi exatamente isso o que aconteceu quando filhotes de
tico-tico de 10 a 50 dias de vida foram submetidos a gravações de cantos da sua
espécie. Aos 150 dias, esses pássaros também começaram a cantar seguindo o
programa natural da espécie, chegando a igualar seu canto àquela versão do
canto que haviam ouvido. De fato, a possibilidade de ouvir o próprio canto
parece ser essencial para o desenvolvimento do canto em meio a uma multidão
de pássaros canoros.
 Marler e diferentes pesquisadores fizeram muitos outros experimentos para
determinar como se desenvolvia o canto no tico-tico-da-califórnia. Por
exemplo, eles se perguntaram se machos jovens seriam influenciados com mais
facilidade pela estimulação produzida pelo canto de machos da própria espécie
do que de outras espécies. De fato, jovens isolados criados em cativeiro que só
ouvem cantos de outras espécies, praticamente nunca chegam a cantar aquele
canto (embora possam incorporar notas do canto da outra espécie nas suas
vocalizações). O sistema de desenvolvimento dos jovens pássaros está
organizado de tal forma que ouvir o canto de outra espécie não tem efeito no
canto que ele produzirá no futuro.
 A habilidade de aprender o canto de outros machos da espécie do seu local
de nascimento, apenas por ouvi-los, fornece uma explicação proximal
plausível de como machos passam a cantar um dialeto particular do canto
completo da sua espécie.
 No entanto, há relatos ocasionais de tico-ticos-da-califórnia produzindo na
natureza cantos parecidos com os de outras espécies, incluindo o do pardal-
cantor. Essas raras exceções levaram Luis Baptista a questionar se algum outro
fator, além da experiência acústica, não influenciaria o desenvolvimento do
canto nessa espécie. Um desses fatores pode ser a experiência social.

 Para testar se estímulos sociais influenciavam o aprendizado do canto no tico-


tico-da-califórnia, Baptista e Petrinovich colocaram tico-ticos jovens
criados em gaiolas em que eles podiam ver e ouvir exemplares vivos de pardais-
cantores adultos ou de bengalis-vermelhos (Fringilla amandava). Sob essas
circunstâncias, o tico-tico-da-califórnia aprende o canto do seu tutor social, ainda que
tenha ouvido, mas não visto, machos adultos de sua própria espécie (Figura 2.4). A
experiência social tem efeitos extremamente marcantes no comportamento de canto
do tico-tico-da-califórnia.

Desenvolvimento dos mecanismos básicos que controlam o comportamento de


canto

 Podemos começar explorando o porquê de machos de tico-tico-da-califórnia


produzirem um canto completo e complexo, embora as fêmeas não o façam. Se
o comportamento de canto depende da construção do cérebro, então o
cérebro de machos e fêmeas dessa espécie deve ser diferente.
 Machos e fêmeas de aves apresentam diferenças genéticas. Os machos têm
dois cromossomos Z e as fêmeas têm um Z e um W. Como os genes estão
localizados nos cromossomos, e os cromossomos W das aves têm menor
número de genes do que os cromossomos Z, machos e fêmeas são
geneticamente diferentes.
 Além disso, as células gonadais nos dois sexos ainda diferem quanto ao tipo de
substâncias que produzem para agir em outras células. Em particular, as células
dos testículos jovens produzem o hormônio testosterona. Enquanto percorre o
corpo do jovem macho, esse hormônio se torna parte do ambiente químico de
outras células, incluindo aquelas do cérebro em desenvolvimento. A
testosterona pode ser captada por células que tenham os receptores proteicos
apropriados no seu núcleo, disparando uma cadeia de eventos químicos que
alteram a atividade de genes nas células sensíveis à testosterona. O resultado é
o crescimento de circuitos neurais especiais que, no momento certo, serão
usados pelos machos para cantar.
 Note que as diferenças no cérebro de machos e fêmeas dessa espécie são o
produto de diferenças genéticas e ambientais. Lembre-se que a contribuição
genética ao desenvolvimento é a informação codificada no DNA do organismo;
qualquer coisa diferente disso constitui uma contribuição ambiental ao
desenvolvimento, incluindo as moléculas produzidas por células e que
antecedem as interações gene-ambiente
 Outra substância-chave é o hormônio estrogênio. As células do cérebro de
pássaros machos convertem testosterona em estrogênio para usá-lo em outras
células. Esse sinal ambiental autoproduzido ativa o desenvolvimento de
circuitos neurais específicos do cérebro do macho, que conectam a elaborada
rede de estruturas neurais, chamada de sistema de controle do canto, que
precisa funcionar de forma integrada para o macho cantar corretamente.
 Se a tarefa do sistema de controle do canto uma ave é de servir como
mecanismo de aprendizagem do canto, algumas células desse sistema devem, a
rigor, antecipar certos eventos. Dessa forma, quando um jovem pássaro é
bombardeado por sons produzidos pelo canto de um macho adulto de sua
espécie, esses sons ativam sensores especiais de sinais transmitidos a regiões
específicas do cérebro. Em resposta a essas informações específicas recebidas,
algumas células dessa região sofrem alterações bioquímicas que mudam o
comportamento do pássaro. Mudanças bioquímicas em geral requerem
mudanças na expressão gênica.
 Hoje sabemos que, quando o diamante-mandarim entra na fase de igualação
do canto do tutor, há um aumento da expressão do gene chamado ZENK em
determinados centros neurais de controle do canto e, por consequência,
aumenta nas células a quantidade correspondente de proteínas que ele
codifica.
 Em outras palavras, quando ele ouve a si mesmo cantando, uma
retroalimentação (feedback) sensorial ativa um gene particular em
determinadas células. Essa expressão gênica se traduz na produção de uma
proteína específica que, segundo se acredita, tem algo a ver com as alterações
subsequentes nos circuitos neurais que controlam o canto do mandarim (Figura
2.10).
 Estudos como esse ilustram a proximidade da conexão entre os níveis
de análise ontogenético e fisiológico do canto das aves. Mudanças na atividade
gênica em resposta a estímulos-chave do ambiente são traduzidas
em mudanças em mecanismos neurofisiológicos que controlam o processo
de aprendizagem. Para se ter um panorama das causas proximais do comportamento
é necessário entender tanto o sistema ontogenético quanto o neurofisiológico.

Como funciona o sistema de controle do canto das aves?

 Os pássaros canoros têm um cérebro com muitos grupos de neurônios


anatomicamente distintos, ou núcleos, bem como conexões neurais que ligam
um núcleo a outro. Muitos trabalhos mostram a neurofisiologia do
comportamento do canto nas aves . Esses núcleos, dos quais um dos principais
é o centro vocal superior (CVS) se comunicam entre si para gerar uma
mesagem à siringe (o órgão fonador dos pássaros). Essa comunicação entre
eles sugere que esses elementos cerebrais exercem controle sobre o
comportamento de canto (Figura 2.13).
 Uma análise de todos os estudos disponíveis na atualidade sobre a relação
entre volume de CVS e tamanho do repertório de canto do macho na mesma
espécie mostra que, de maneira geral, duas variáveis são correlacionadas
significativamente: é normal que os machos de determinada espécie, com
repertório relativamente grande, tenham CVS maior do que os outros membros
menos talentosos da sua espécie.
 A tecnologia disponível hoje permite que pesquisadores gravem as respostas
de células individuais do CVS da Melospiza georgiana à reprodução de uma
gravação (playback) de seu próprio canto. Por meio desse método, Mooney e
seus colaboradores descobriram alguns interneurônios do CVS que geram
fortes disparos de potenciais de ação ao receberem sinais neurais de outras
células expostas a um só tipo de canto. Dessa forma, um interneurônio, cuja
resposta a três tipos diferentes de canto está ilustrada na Figura 2.15, produz
grande volume de potenciais de ação em um curto período de tempo quando o
estímulo é o canto do tipo B. Essa mesma célula, no entanto, é relativamente
não responsiva se o estímulo for o canto A ou C. Assim, tem-se um tipo especial
de célula que poderia ajudar esse pássaro a identificar qual tipo de canto ele
está ouvindo, para melhor selecionar a resposta mais adequada a uma situação
particular.
Cantos Distintos: Causas distais

 Embora muito se tenha aprendido sobre como o sistema de controle de canto


de pássaros canoros se desenvolve e funciona, ainda não sabemos tudo sobre
os mecanismos proximais envolvidos com o comportamento de canto. E,
mesmo que soubéssemos, nossa compreensão sobre o canto ainda não seria
completa até que pudéssemos entender as causas distais desse
comportamento.
 Uma evidência relevante para essa questão inclui a descoberta de que o
aprendizado do canto ocorre em apenas 3 das 23 ordens de aves: a dos
psitacídeos, a dos beija-flores e a dos pássaros canoros, que pertencem
àquele grupo dos Passeriformes que incluem pardais e mariquitas, dentre
outros tipos de pássaros (Figura 2.16).
 Os membros das 20 ordens restantes produzem vocalizações complexas, mas
não precisam aprender a fazer isso.
 Há uma questão evolutiva: teria o canto aprendido, observado nessas três
ordens, evoluído independentemente dos outros grupos? O fato de que as
espécies filogeneticamente mais próximas de cada uma das três ordens com
canto aprendido não aprendem seus cantos, sugere uma dentre duas coisas: ou
o aprendizado ocorreu em três momentos diferentes nas espécies que
originaram cada uma das três ordens atuais de canto aprendido; ou o
aprendizado do canto surgiu no ancestral de todas as linhagens de aves do
ramo ao qual pertencem os Psittaciformes e Passeriformes, mas depois foi
perdido em três momentos. Em outras palavras, ou o aprendizado do canto
tem três origens independentes ou tem uma origem e três extinções.
 O primeiro cenário é mais simples uma vez que requer apenas três inovações
evolutivas e não quatro, e, portanto, é considerado mais provável de ter
ocorrido. Se o cenário das três origens independentes estiver certo, as
diferenças entre os sistemas de canto dos três grupos de canto aprendido
devem ser grandes.
 Ao comparar a quantidade de proteína ZENK que aparece em diferentes partes
dos cérebros de pássaros que cantaram ou ouviram cantos pouco antes da
morte, é possível mapear com eficiência as regiões cerebrais associadas ao
canto dos pássaros.
 O mapa de atividade do ZENK no cérebro de psitacídeos, beija-flores e pássaros
canoros selecionados para o estudo revela grande semelhança no número e na
organização de centros separados envolvidos na produção e no processamento do
canto.
 Tanta similaridade na anatomia cerebral entre esses grupos de canto aprendido
parece ir contra a hipótese de que a habilidade de canto evoluiu de modo
independente nos três. Temos então que considerar seriamente a possibilidade
de que o canto aprendido estava presente no ancestral de todas as aves nas
ordens que aparecem entre os psitacídeos e pássaros canoros na Figura 2.16, e
que seu mecanismo de aprendizagem vocal se manteve em algumas linhagens
enquanto se perdeu em outras – hipótese que ainda hoje gera debate.
 Vamos aceitar a possibilidade de que os mecanismos neurais que promovem a
aprendizagem do canto foram preservados, ao longo da história evolutiva, em
três linhagens de aves devido ao valor reprodutivo que conferiam ao indivíduo.

Benefícios reprodutivos do aprendizado do canto

 Começaremos a desvendar a questão fazendo outra pergunta: qual a vantagem


de pássaros terem uma mensagem vocal particular, independente de ser aprendida
ou não? Uma hipótese é que essa vocalização carregue a informação sobre quem são
os membros da espécie, como citamos na abertura deste capítulo.
 Para os machos, o benefício de cantar de forma diferente de membros de
outras espécies seria impedir, mais efetivamente, que competidores da sua
própria espécie tenham acesso a territórios e parceiras sexuais. Ao transmitir
uma mensagem clara de que um local ou uma fêmea específicos já estão
protegidos, um macho cantor em boa condição fisiológica encoraja machos
coespecíficos a irem embora, em vez de se envolverem em conflitos que
consumiriam tempo.
 Evidências a favor da hipótese de anúncio de identidade da espécie vêm de
experimentos em que machos residentes de escrevedeira-de-garganta-branca
Zonotrichia albicolis (parente do tico-tico-da-califórnia) foram removidos de
seus territórios e em seus lugares foram colocados alto-falantes. Em metade
dos territórios, nos alto-falantes eram reproduzidas gravações de cantos do
habitante anterior, e na outra metade não era reproduzido nada. Territórios
nos quais eram reproduzidos os cantos dos machos retirados demoravam mais
para ser invadidos por novos machos (Figura 2.19).
 Da mesma forma que repelem machos invasores, é provável que os cantos
capazes de comunicar a identidade específica do emissor às fêmeas atraiam
com mais rapidez parceiras do que cantos menos característicos e, portanto,
menos reconhecíveis. Fêmeas que localizassem rapidamente machos da sua
espécie poderiam se reproduzir com eles mais cedo, e evitar os riscos de se
acasalar com membros de outras espécies.

Benefícios do aprendizado de um dialeto

 O nosso enigma é o fato de que o canto aprendido tem desvantagens


reprodutivas óbvias para os indivíduos da espécie. Aprender um canto requer
mecanismos neurais especiais, e consome tempo e energia que poderiam ser
direcionados a atividades que intensificassem a reprodução. O fato de muitas
aves, na verdade a maioria delas, não fazer esse alto investimento e ainda
assim produzir de forma instintiva cantos perfeitamente bons, nos diz que o
canto aprendido não é essencial à aquisição de um sinal particular da espécie.
Temos, então, que identificar algumas vantagens reprodutivas para a
aprendizagem, boas o suficiente para superar os custos e disseminar
esse comportamento em uma determinada espécie de pássaro canoro.
 Uma possível vantagem do canto aprendido seria conferir ao macho jovem a
habilidade de ajustar com precisão o canto, de forma a se assemelhar ao canto
de um ou mais indivíduos de uma região específica. Esse ajuste o ajudaria de
diversas maneiras. Primeiro, imagine que machos de certa localidade tenham
adquirido um dialeto que pode ser transmitido de forma incrivelmente
eficiente naquele hábitat. Um macho jovem que aprendesse o canto dos
veteranos seria capaz de produzir chamados que viajariam distâncias maiores
degradando-se menos, em vez de cantar outro dialeto melhor ajustado a um
ambiente acústico diferente.
 Uma segunda hipótese sobre os benefícios do canto aprendido centra-se na
vantagem da igualação de cantos para o ambiente social do emissor. A ideia é
que machos capazes de aprender a versão local do seu canto espécie-específico
podem comunicar-se melhor com rivais que também cantarão aquela variante
particular do canto aprendido. Assim, poderíamos prever que machos jovens
aprendem diretamente de seus vizinhos de território, tornando-os seus tutores
sociais. Ao reproduzir o canto do vizinho, um jovem novo na área sinalizaria
que reconhece aquele macho individualmente e demonstraria sua capacidade
de aprender um canto novo, capacidade baseada no seu estado de saúde,
condição física ou em outros indicadores da sua competência como
competidor. Machos igualmente preparados têm mais a ganhar aceitando a
presença um do outro do que se engajarem em um combate dispendioso e
infrutífero. Desse modo, um pacto de não agressão mútua, com base na
aprendizagem de cantos, beneficiaria tanto o macho residente como o rival que
acabou de chegar, ajudando-os a poupar tempo e energia.
 O fato de pardais cantores igualarem cantos e repertórios com tanta frequência
indica que eles reconhecem os vizinhos e conhecem seus cantos, usando essa
informação para modelar suas respostas . Michael Beecher e colaboradores
viram que uma gravação contendo uma igualação de tipo de canto de fato
obtinha a resposta mais agressiva por parte de um vizinho que recebia o sinal,
enquanto uma igualação de repertório gerava uma reação intermediária, e a
não igualação era tratada de forma menos agressiva (Figura 2.26);
 Esses resultados sustentam a hipótese de que pardais cantores machos,
capazes de aprender cantos de vizinhos, podem enviar informações sobre o
quanto estão preparados para enfrentá-los. Machos muito agressivos igualam
alguns de seus cantos aos de seus oponentes; e aqueles que preferem evitar o
conflito podem sinalizar sua vontade selecionando em seu repertório tipos de
canto não com partilhados para cantar quando seu vizinho estiver ouvindo.
 Se essa habilidade de modular duelos de canto for verdadeiramente
adaptativa, podemos dizer que o sucesso territorial do macho, medido pela
duração da posse do território, deveria ser uma função do número de tipos de
canto que um macho divide com seus vizinhos.

Preferências das fêmeas e aprendizagem do canto

 Mas a pergunta continua: por que a escolha da fêmea favorece machos que
aprendem seus cantos complexos, em vez daqueles que produzem um canto
complexo de forma inata, sem componentes aprendidos? Uma hipótese é a de
que a aprendizagem vocal seja uma qualidade que dá às fêmeas de pássaros
canoros uma pista valiosa sobre a qualidade dos cantores como machos
potenciais. Aqui o ponto essencial é que a aprendizagem do canto ocorre em
machos muito jovens e que crescem rapidamente. Considerando que crescer
rápido é uma tarefa dispendiosa, jovens machos limitados por defeitos
genéticos ou estresse nutricional não são capazes de manter o ritmo de
crescimento, o que leva a um desenvolvimento subótimo do cérebro. De
acordo com essa hipótese, mesmo indivíduos com pequena deficiência cerebral
poderiam não ser capazes de atender a demanda da aprendizagem de um
canto espécie-específico complexo. Muitos estudam corroboram essa predição,
como o da figura 2.30.
 É claro que cantar o dialeto local, mostra que aquele macho está adapatado às
condições locais de sobrevivência e quanto maior o repertório de cantos mais
saudável é aquele indivíduo, logo, melhor cuidado parental o mesmo poderá
prover.
 Ao basear suas preferências reprodutivas no desempenho dos machos, as
fêmeas na verdade favorecem aqueles que estão provavelmente mais
saudáveis e em boas condições, atributos que poderiam torná-los melhores
doadores de genes ou melhores cuidadores de filhotes.

Causas proximais e distais são complementares

 Se queremos entender porque machos de tico-tico-da-califórnia de Marin e de


Berkeley produzem cantos de certo modo diferentes, precisamos entender
como os mecanismos de controle do canto se desenvolvem. Machos de tico-
tico diferem geneticamente de fêmeas, e isso garante que diferentes
interações gene-ambiente ocorram nos embriões machos e fêmeas dessa ave.
A cascata de efeitos das diferenças na atividade genética e nos produtos
proteicos que resultam das interações gene-ambiente afetam o processo de
montagem de todas as partes do corpo dos pássaros, incluindo o cérebro e o
sistema nervoso. O modo como o cérebro de um macho de tico-tico, com seus
subsistemas especiais, responde à experiência depende de como os machos se
desenvolvem. Quando ele se torna adulto, possui um sistema de controle do
canto, grande e altamente organizado, cujas propriedades fisiológicas o
permitem produzir um tipo muito específico de canto. O dialeto aprendido que
ele produz é uma manifestação tanto da sua história ontogenética como das
regras operacionais do cérebro.
 As diferenças proximais entre tico-ticos-da-califórnia que produzem diferenças
nos seus dialetos têm uma base evolutiva. No passado, na linhagem que
originou o tico-tico-da-califórnia atual, machos diferiam quanto aos sistemas de
controle de canto e, portanto, quanto ao comportamento. Algumas dessas
diferenças eram hereditárias, e alguns machos com certeza foram
hereditariamente melhores do que outros em anunciar a qualidade que os
tornava desejáveis como parceiros ou sua capacidade de lidar com machos
rivais. Essas habilidades comportamentais superiores dos machos traduziram-
se em maior contribuição genética à geração seguinte, na qual esses genes
estiveram disponíveis para participar do processo de desenvolvimento
interativo entre os membros daquela geração. Os atributos hereditários
daqueles animais, por sua vez, serão hoje avaliados comparativamente em
termos de suas habilidades em promover sucesso genético no ciclo atual de
seleção. Esse processo seletivo une as bases proximais do comportamento com
as causas distais ao longo do tempo, numa espiral interminável (Figura 2.32).
 No passado, qualquer mecanismo hereditário do canto aprendido que tenha
ajudado indivíduos a deixar mais cópias de seus genes teria se tornado mais
comum ao longo do tempo, graças à ação da seleção natural. À medida que
algumas formas de genes tornam-se mais comuns, certas consequências
ontogenéticas predominam sobre outras, levando à transformação, por meio
de seleção, do sistema de controle de canto no cérebro daquela espécie de
pássaro canoro. Mudanças no mecanismo de controle de canto teriam
consequências sobre como um pássaro canoro adquire o canto, que, por sua
vez, pode afetar sua habilidade de reprodução. Causas proximais e distais do
comportamento estão, portanto, interligadas em um ciclo interminável.

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