Fenomenologia Da Simplicidade
Fenomenologia Da Simplicidade
Fenomenologia Da Simplicidade
2015
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POÉ TICA DO SIMPLES
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MINIMALISMO E O SEU OPOSTO - MANEIRISMO
Nascida da morte, o destino será viver no â mbito da recordaçã o. Seu lema será
impedir que o morto reincida na morte, uma morte que supõ e um definitivo
esquecimento da obra e das idéias. Quando se dará o decisivo esquecimento? No
exato momento em que a herança submergir no agitar sem rumo da reutilizaçã o
dos princípios herdados. Que sem a força do mito original oscilam sem direçã o:
jogo feérico de aparências informes, símbolos de uma entidade morta. A palavra
adequada para definir o crepú sculo de um estilo seria “amaneiramento”.
Conhecendo demasiado o mundo por onde transita, o artista converte a pró pria
intuiçã o em técnica. O excesso de conhecimento do campo artístico produz um
relaxamento da faculdade de prevençã o. Estado em que deve viver
permanentemente o artista criador. O estado de tensã o emocional no qual se
vive, quando da experiência de risco, é a condiçã o ideal para o criador.
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está dio formal mais alto a que pode chegar uma manifestaçã o artística em sua
histó ria. Apó s um longo processo de evoluçã o vital, a obra excede as marcas do
individual alcançando a sociedade em seu plano de massa e consumo. O
desenvolvimento dos meios de comunicaçã o. Nos tempos modernos, ajudou a
acelerar este processo de desgaste irreversível em quase todos os estilos
provenientes das vanguardas de começo de século.
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JACOBUS JOHANNES PIETER OUD
Weissenhof Siedlung
Oud nasceu em 1890 na cidade de Purmerend, Holanda, viveu até 1963. Seu
projeto desta seqü encia de casas, construído no quarteirã o Weissenhof, 1927, na
cidade de Stuttgart, tornou-se celebre pela beleza e ousadia na defesa de altos
valores e política estatal das habitaçõ es de baixo custo. Se à priori, nã o lhe for
esclarecida a data, certamente iludirá o espectador a imagem, quanto ao
propó sito e data da criaçã o. Quando a criou, Oud nem imaginava que num futuro
sua obra simplesmente ética seria confundida com elegantes exemplos de
Minimalismo elitista, realizado atualmente para o gozo de um sofisticado pú blico
privilegiado. Na inércia da imagem, o Minimalismo entra e acomoda o que à
primeira vista poderíamos chamar de significado. Revalidando o mesmo
segmento de forma num ritmo belo e constante, imune ao chamado das
interrupçõ es. Tal obra representará o infinito no instante: estreitamento do ser,
sua angú stia. Num relâ mpago de gló ria, a imagem poderosa na se interrompe,
contudo seus signos ocultos pela geometria nã o explicam a trajetó ria da vista. A
resposta à busca de um sentido nã o vem de nenhum lugar, nem mesmo da
contemplaçã o tranqü ila da forma. Estamos diante da forma mesma, do conceito
de Arte pela Arte aplicado à reforma habitacional socialista.
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Prestem atençã o à fachada de uma das unidades de Weissenhof, sabemos que a
obra existe, que insiste diante dos nossos olhos através da presença elegante e
silenciosa que jamais se impõ e. Do silêncio de sua torre de pureza ameaça no
entanto surgir com um propó sito diferente... Afinal, como disse o escritor
existencialista Albert Camus: “A angú stia é o contraste entre o apelo humano e o
silêncio insensato do Mundo.” Medito sobre a obra de Oud e a comparo com os
mú ltiplos exemplos atuais de arquitetura Minimalista ocorrendo mundo afora de
maneira já acadêmica. Estariam estas obras que marcam nosso início de século
traindo o propó sito de toda a arte abstrata em sua origem, sempre cheia de
objetividade e fé Iluminista? Seriam elas má quinas de fazer angú stia, um
inconfessá vel arremesso ao desconhecido das demandas deste urgente presente
em que vivemos? E surge entã o em defesa do mistério o poeta Octavio Paz: “(...)
deja caer en la plentud del ser, una gota de nada.”
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JOSEF POLASEK
Josef Polasek
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SIMPLICIDADE E MINIMALISMO
O Minimalismo poderia ser entendido como a forma mínima de uma obra cujo
fim é atingir a plenitude do que é simples?
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outra tensamente unificada. O artista que opera dentro da poética Minimalista
quer se livrar de uma vez por todas das relaçõ es complicadas com o meio
ambiente onde repousa a obra, por isso elimina definitivamente o pedestal, que
nada mais faz que acentuar o heterogêneo da arte no ambiente. Engloba todo o
espaço envoltó rio, o quadro vai direto sobre a parede, a escultura se equilibra
sobre os suportes construídos do espaço, a arquitetura brota do solo sem sinais
de conexã o com o que existe embaixo.
Resumindo, uma vez que a obra é parte do ambiente, o ambiente também é parte
da obra. O nexo é mecanicamente recíproco. Este novo dado implica uma nova
hipó tese formal. Nã o há pedestal, a obra carece de limite claro com a terra, seu
vínculo mais poderoso com a abrangência exterior. O que era unidade em si
mesma permanece ainda fazendo parte do exterior. Conclusã o? Nem todo
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exterior é exterior à corporeidade da obra Minimalista, já que é base integral
desta nova arte.
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O CAMPO CROMÁ TICO NA ARQUITETURA
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Luis Barragan
Ives Klein
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Mondrian, Malevich, Newman... Três nomes presentes que resumem as
principais conquistas das pinturas de reduzido campo cromá tico. Quanta
aparência pretensamente comum os une e quantas infinitas diferenças de alma
os separam. Reduzir e abstrair, destes trampolins o que alçou o salto mais radical
(embora nã o pareça) foi o pró prio Malevich. Malevich iria mais longe nesta
pintura do “sentimento”. Pintou um quadrado negro sobre fundo branco no
alvorecer no novo século. Estava ali descortinado um mundo maravilhoso de
possibilidades para o engenho plá stico. Encontramos a semente de todos os
futuros quadros, virtualmente representados, neste quadrado negro que era
também todos os quadros. Continha as luzes e sombras em infinita variaçã o na
transiçã o do branco ao negro; da luz ao seu nada, escondiam-se todos os
quadros. Conquistando a definiçã o da cor, este exploradores de um mundo que
se pretendia novo adiantavam o que seria futuramente a cor ú nica, a cor em si
mesma, a cor como expressã o total: Ives Klein, depois a tela negra de Richard
Serra.
Richard Serra
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ROBERT MALLET-STEVENS
“Nã o pode existir realismo acabado em uma realidade que jamais termina”
Roger Garaudi
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ROBERT MALLET-STEVENS
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A superfície do mundo é a superfície do quadro. Reduzindo distancias, o artista
abolia as dificuldades. Nã o mais um mundo religioso de complexidades
impossíveis, de enigmas que impedissem o livre ingresso do artista no domínio
da auto-reflexã o, a medida em que os está dios construtivos fossem avançando
numa prá tica operacional ilimitada – aberta inclusive para aceitar a negaçã o de
todo o princípio. Nã o sendo mais totalidade virtual, mas sim complexidade
apreendida, existência, a arte moderna ambiciona um outro gênero de absoluto:
o da má xima clareza. Toda essa arte virá acompanhada de uma literatura, de uma
espécie de ensaio que reconstró i pela palavra a integralidade do processo.
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UNIVERSALIDADE
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as obras de Mies van der Rohe ou Mondrian (inclusive suas pró prias vidas)
foram o retrato de uma tragédia pessoal, uma luta sem possibilidade de existo na
transformaçã o daquilo que pensavam sistematicamente? Seria possível chamar a
estas vidas de classicismo solitá rio, o que para os olhares agudos poderia ser
confundido com um renovado e permanente romantismo?
A obra de arte antiga pode, e deve, ser vista em sua dualidade fundamental:
através da historia e de sua atualidade. A historia reconstró i algo que nã o se
revela na evidência da obra, o tempo inicial, o tempo circunscrito no momento da
criaçã o. Apesar da histó ria, existe a presença do objeto ocultando-se do presente,
nã o se deixando penetrar como totalidade (relaçã o tempo-forma), senã o como
estética, percepçã o de um momento presente, de uma forma presente. Solta num
determinado local do presente, sem o espaço irresgatá vel que lhe deu origem. A
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obra de arte antiga perde assim seu espaço, tornando-se abstraçã o pura.
Tornando-se abstrata, uma vez que agora é só forma, nã o mais forma-espaço.
LE CORBUSIER
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Meu aluno inteligente e nada usual entra em minha sala da UEL com uma
surpreendente folha de papel escrita à mão contendo suas parcas reflexões sobre um
átrio projetado por Louis Kahn. Explico, pedi a ele que desse início a sua prática
analítica de maneira singela mas insistente. Dei-lhe o próximo desafio: trabalhar com
dicionários reavaliando as palavras mais contundentes. E como exemplo do método,
eu mesmo refiz o velho aforismo de Le Corbusier usando como apoio o acervo de
sinônimos contidos no computador. O resultado está contido aqui em baixo.
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É totalmente falso o conceito de que a simples reproduçã o de uns tantos có digos
admitidos como clá ssicos terá como efeito o idêntico papel exercido por este
padrã o em tempo passados, até, inclusive, quando este esteja adaptado ao
presente. O clá ssico e o universal sã o conceitos existentes somente numa
releitura do passado por uma atualidade que os pretende incluir em campo
operacional, isto é, modernizá -los.
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CHARLES EAMES
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Obras de arte criteriosamente definidas como clá ssicas sã o submetidas a nova
interpretaçã o pelo especifico de suas poéticas. Cada circunstancia compreendida
como clá ssica engendra seu corpo de detalhes e pormenores nos princípios
gerais de composiçã o que nã o permitem transferência. Sã o formas
representativas do mais particular de uma arte e de toda uma época, dominadas,
em alguns momentos, pelo desejo de integraçã o estrutural, como ocorreu entre
os gregos, também de índole româ ntica ou decorativa em períodos sucessivos.
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OSCAR NIEMEYER
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ALBERT SPEER
Zeppelnhaupttribune
Em sua infinita possibilidade compositiva, a linguagem clá ssica pode surgir como
um estilo de força, jogado pelo poder e representativo unicamente deste poder
que se implanta sobre o territó rio do artista, divorciado da milenar associaçã o
arte-povo. Sã o os estilos imperiais de Roma, o Barroco absolutista, a arquitetura
dos países com regimes políticos totalitá rios em pleno Século XX. Seria arriscado
denominá -los imposturas, afinal, a obra de arte sempre preservará certa
dimensã o autonomamente estética, porém sã o manifestaçõ es pouco
representativas daquelas camadas sociais que tradicionalmente introduzem o
gérmen dos estilos artísticos: a comunidade dos artistas, compreendida em sua
categoria social que executa trabalhos economicamente representativos e que no
curso da histó ria sempre se ocupou dos destinos da arte.
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A arquitetura de Speer se dissemina através de uma política cultural totalmente
concebida nos intramuros do estado totalitá rio alemã o, com o apoio das
academias oficiais de arte mantidas pelo governo. Neste fenô meno nã o houve
apoio ou presença das vanguardas. O mesmo fenô meno que se deu na
arquitetura dos estados totalitá rios aconteceu também no plano das demais
artes plá sticas. Em um estado nã o democrá tico as instituiçõ es protetoras das
artes nã o representam os movimentos que surgem da liberdade. Durante o
derrocamento da Bauhaus, à princípio da década de 30, temos uma Alemanha
agitada por forças pluralistas, tanto no campo político quanto na inteligência
artística mais pura. Bauhaus nã o foi destruída somente pelo Estado nazista, a
autoridade deste Estado estava baseada no apoio da inteligência acadêmica
tradicionalista. Um tradicionalismo que nem de longe possuía a mesma
vitalidade do Neoclassicismo que surgia na Europa do Século XIX.
É fato que havia uma inteligência acadêmica, contudo, ela nã o estava habilitada
tanto através de uma disciplina operativa quanto por uma inteligência
globalizada para adaptar as velhas ordens estilísticas à modernidade emergente.
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Hoje, à distâ ncia, podemos analisar friamente o fenô meno da falência do intento
de renovaçã o do clá ssico pelos moldes modernos. O motivo nã o é simplesmente
de ordem estético-operativa, senã o mais propriamente, de ordem ética e política.
Speer e Marcello Piacentini fracassaram em suas poéticas pela ausência de um
projeto de interligaçã o entre arte e progressismo político. O que nã o equivale a
dizer que essas mesmas poéticas nã o pudessem desenvolver-se em um estado
democrá tico. Fato que pode ser comprovado historicamente através dos
“revivals” pó s-modernistas. Inevitavelmente vinculados a um sincero anseio de
renovaçã o e revitalizaçã o da cidade como um organismo contínuo, isto é,
tradicional. Alem do mais, estes arquitetos vinculados ao Fascismo respondiam a
uma demanda estilística que nã o podia ser adequadamente preenchida pelos
modernos – que, agindo ao contrá rio de sua rigorosa reduçã o dos elementos de
composiçã o, estariam pondo em risco a totalidade de seu discurso: a criaçã o de
um monumento à modernidade, ou seja, a criaçã o de um espaço cenográ fico e
simbó lico do Estado Moderno, instituiçã o esta que nã o se adaptou facilmente à
asséptica imagem da maquina de morar.
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MARCEL BREUER
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LUDWIG KARL HILBERSEIMER
No século onde tudo é possível, tanto pelo alcance da técnica como pela enorme
elasticidade semâ ntica das palavras, também há o lugar fixo para a utopia. Ali a
utopia perde seu cará ter de impossibilidade e se vê de repente diante de uma
contradiçã o bá sica, o que a levará definitivamente ao terreno ao qual sempre
evitou: o local da existência, onde comprometer-se com a vida em seu conflito
diá rio de obra de arte imaginada dá lugar ao mercado de obra de arte consumida.
No entanto, nem tudo está perdido, também no Século XX, o tempo moderno por
definiçã o, a Utopia, ou, melhor dizendo, o artista que revela seu pró prio eu pela
predicaçã o utó pica, nã o se confundirá com os progressos imediatos da
sociedade. A utopia, de fundo clá ssico ou nã o, como neste projeto de Ludwig
Hilberseimer para Berlin em 1927, terá seu inconfundível selo na modernidade.
Um papel que firmará um norte dentro da cultura pluralista em que vivemos. A
utopia, no que se refere ao texto de Wolheim, anteriormente citado, quando fala
de estilo em pintura, perde sua procedência. Na verdade, nã o existe utopia senã o
na arte de compor e ocupar espaços. Contudo, é possível se falar de utopia
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quando um pintor ou escultor se distancia das categorias estilísticas
convencionais para aprofundar-se em uma experiência pessoal radical. Fato raro
neste século de comprometimento entre artista e sociedade, mas que merece
atençã o quando nos dirigimos a uma boa parte da pintura e escultura inglesas.
Como falar de Francis Bacon, Lucien Freud, David Hockney ou Henry Moore?
Sem dú vida, há nestes artistas uma utopia possível, uma utopia reconhecida
como moderna, apesar do grau altamente pessoal de suas conquistas.
Esta vanguarda nã o tem o remorso de estar deixando escapar algum fato capital
do momento, nã o tem nostalgias româ nticas que poderiam deformar sua visã o
do passado através do idílio apaixonado do artista pela sua pró pria imagem. Para
as novas vanguardas retrospectivas que pretendam resguardar o clá ssico para a
atualidade, o passado é passado. Do passado extrai uma energia vivificadora e
uma noçã o de ordem, sempre aptas ao renascimento no â mbito da razã o
presente.
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ABSOLUTO
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Como fronteira, o absoluto é um campo de três faces: terminaçã o do concreto,
neutra linha divisó ria, início de si mesmo. A visã o particular interpreta-o
segundo suas normas. Como fronteira, supõ e uma perspectiva privilegiada
abarcando vá rios pontos de vista.
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CASAS COM PÁ TIO DE MIES VAN DER ROHE
No tempo, o absoluto muda de lugar sem contudo perder a visã o da palavra que é
a verdade primitiva. A ciência nã o logrou eliminar ainda a causa em si no limite
de suas investigaçõ es. Assim, aparece Deus como a possibilidade extrema do em
si. O problema das geraçõ es que nos precedem foi o passo efetivo do absoluto
para o relativo. Estabelecer relaçõ es entre a praxe e sua dicotomia na visã o do
imponderá vel era para o homem antigo o verdadeiro desafio face ao absoluto.
Absolutum significa o que é livre e sem nexo; quer dizer o que está isento de
relaçã o, limitaçã o ou dependência. Como nesse projeto ideal de Mies van der
Rohe, no qual uma série de três casas se ordenam no interior de um retâ ngulo
á ureo; nada indica a presença de imposiçõ es funcionais bá sicas, as casas voltam-
se para si mesmas, nenhuma janela aponta para o exterior; o que importa
ocorrerá somente lá dentro. O Absoluto arquitetô nico de Mies se opõ e a Relativo
em todas as acepçõ es do termo. Diz primeiro do Ser da arquitetura intuído pelo
gênio, segundo dos atributos. Ser absoluto significa primeiro o que existe em si e
por si. O absoluto como problema perde seu cará ter de paradoxo, pró prio da
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filosofia, quando o caminho é a soluçã o que constró i na representaçã o artística.
Mais concretamente, o que vem a ser isto: pensar o absoluto longe do enigma
paralisante como efeito sem causa? Em poucas palavras, realizar a obra pela
eliminaçã o dos contornos da natureza que imprime sua imagem escravizando-as
em ú teis. Por exemplo, deixar somente a cor no quadro (Color Field), retirar a
terceira dimensã o da escultura colocando o objeto no espaço apenas pela linha e
plano, quebrar a ló gica das funçõ es no espaço arquitetô nico obrigando o usuá rio
a viver e interpretar a construçã o sem o apoio dos có digos prá ticos. Operaçõ es
estas que aproximam a obra de arte de seu absoluto referencial, da pura idéia
que lhe serviu de origem: a arte. O absoluto na arte reside na construçã o fiel à
intuiçã o da linguagem, um retorno à origem mítica do gesto, ao espanto que as
coisas da natureza provocava na percepçã o primitiva.
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A CIDADE UTÓ PICA MODERNA
Superstudio
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a suas completas potencialidades, segundo a crença dos Iluministas, nossos avó s.
Na transformaçã o completa do antigo, abusaram de uma palavra: o Novo. O novo
é a compreensã o do absoluto como fenô meno que deverá alcançar soluçã o na
operaçã o. Uma prá tica aberta a tudo, contrá ria a qualquer eliminaçã o, sem previa
analise, do mais ínfimo aspecto da realidade. É o espírito aberto sem se deter
frente ao mistério, tendo por causa o ensimesmamento de um papel que provem
da histó ria, mas que pode dissolver-se perigosamente na circunstâ ncia.
Superstudio
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ADOLF LOOS
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ocidental. Até que o homem moderno descobriu outras dimensõ es expressivas
de seu pró prio ser. A tensã o do indivíduo com sua circunstâ ncia nã o se esgota
somente no exterior, podendo inclusive acelerar-se no plano da consciência
(imaginaçã o, ló gica). A angú stia que daí resulta aumenta à medida que os dados
cambiantes da realidade nã o se encaixam num todo maior. Até mesmo a técnica e
as informaçõ es disponíveis pouco contribuem para a paz no jogo das decifraçõ es.
O homem antigo vivia em equilíbrio quase está tico, daí sua noçã o também
está tica do absoluto: a orbita da verdade era plena e lhe bastava para as poucas
necessidades. Para o Moderno, ao contrá rio, a unidade indissolú vel do absoluto
é uma abstraçã o que traz energia, mas que nã o soluciona satisfatoriamente as
tensõ es operativas. O artista cuida de um realidade construída e desenvolvida no
absoluto que lhe vem como herança imutá vel através da histó ria, porém que
pretende fazer seguir seu rumo vital num mundo de relatividades. Adolf Loos foi
um pioneiro da arquitetura moderna, formou-se numa escola acadêmica no final
do Século XIX em Dresden, Alemanha. Observem a fachada frontal da Vila Karma,
projetada no início do passado século, já é uma sutil interpretaçã o de sua
herança clá ssica. Agora dêem a volta e vejam o que ocorre nos fundos, a simetria
abriu-se e aceitou os resultados de uma interpretaçã o mais problemá tica da
quarta dimensã o. Nã o parece ser a mesma casa, o que ocorreu?
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Villa Karma – fundos
Pensar o absoluto no centro da modernidade é nã o só isolar a palavra como
buscar sua origem simples. A palavra simples, o termo arcaico vulgarmente
aceito, servirá precisamente porque contem, segundo Heidegger, a maior carga
de percepçã o humana inicial e vá lida. A atividade a que se refere o filosofo é uma
espécie de arqueologia da palavra, mediante a qual se a depura, eliminando-a da
confusã o dos contornos – arbitrariamente livres -, pela origem das possibilidades
de significaçã o onde o vocá bulo representa clareza.
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Mü ller Haus
Desde sempre foi interditado qualificar a Mü ller Haus como um atual simulacro
de palá cio. Pois lhe é proibido mencionar seu cará ter solene de casa nobre pelos
ideoló gicos teó ricos modernistas. Há certas verdades que sempre devem ser
ocultadas, revelá -las à luz da razã o põ em em risco o significado ético da pró pria
poética defendida pelo autor – o profeta do ornamento como delito. Apesar do
tabu que a envolve e de sua aparência palaciana, devemos examinar seus
atributos formais desde a lupa de uma semâ ntica nobiliá rquica extremamente
simples. Neste solar paradigmá tico, todos os pormenores foram controlados pela
simetria clá ssica devida à morada de um rei moderno. Evito colocá -la na
tipologia da mansã o porque o casarã o burguês deve sua grandeza à s interdiçõ es
que faz o burguês rico ao temas essencialmente artísticos, tais preconceitos
colocam a funcionalidade par e par com o ideal de monumentalidade. Palacete
contudo viria melhor à calhar. Jó ia da abstraçã o reducionista, sua entrada
mostra-se ao mesmo tempo antiga e imponente, pese a concisã o dos elementos
empregados. Marquise de concreto armado revestida em fina camada de cobre, o
restante fica por conta do majestoso má rmore travertino. Retirar as tradicionais
figuras do frontã o, declarando ao mesmo tempo que o espaço continua a manter
a verdade primeira do frontã o equivale a um inteligente jogo de abstraçõ es. Só o
vê quem for capaz de decifrar a presença oculta do sub-reptício. A sagaz fala da
sutileza trabalha com sucesso defendendo os mais altivos valores eternos.
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ADOLF LOOS E A JANELA DISSONANTE
Freqü entemente se abate sobre mim o terrível poder da dú vida. Ela vem
desestabilizar o que tradicionalmente já deveria ser definitivamente
convincente; nestes momentos anseio entã o pelo auxílio da resposta que vem de
longe, quase sempre oculta, misteriosa para nossa percepçã o normal. Um
exemplo deste tipo de dú vida aplicado à arquitetura: porque a janela
confrontada com o restante do edifício incomoda nosso sentido de perfeiçã o? A
resposta nã o é simples, para questõ es estéticas assim, ansiamos pela explicaçã o
que seja um derramamento de inteligência inesperada, um raciocínio que seja
capaz de explicar a conexã o ló gica, e conseqü entemente simétrica, entre o plano
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construído e seu contrá rio, o vã o, pronto para enquadrar nobremente o vazio;
um pedaço de espaço sem nada em meio à superfície ideal. Quã o mais bela e
integral seria a arquitetura sem todas estas janelas – penso, quando me domina o
ceticismo. Nestas horas admiro os construtores egípcios, eles invertiam a face
principal de seus edifícios monumentais colocando-a de frente para os pá tios.
Pretendiam assim manter no exterior o imponente equilíbrio pétreo das massas
congeladas a fim de glorificar o melhor. Na arquitetura, qualquer mínima
abertura nos volumes exteriores aparece como uma fenda quase definitiva, uma
cratera que rasga a massa para revelar algo de imemorial à consciência. E nã o há
em toda a histó ria da arquitetura mais forte e propícia ao espírito religioso que a
egípcia. A relatividade de julgamento nã o se abate jamais sobre o equilíbrio de
sua proporçã o humana e grandiosa, retrato do espírito revelador do que há de
mais elevado. Extinguir-se-á a energia plá stica da pedra moldada, face à
intromissã o do vazio? – E, no entanto, há graça sutil no jogo imprevisto dos vã os
e molduras.
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ABSTRAÇÃ O
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no ar; uma acelerada energia grandiosa, rapidamente encontrando forma na
mú sica – a voz mais intensa da burguesia triunfante. Mas na medida em que
mencionou a necessidade de eliminar as fronteiras nacionais no imaginá rio do
artista, até entã o ancorado a bases locais, acabaria por definir quiçá o parâ metro
mais importante da arte futura; formalmente, o artista nã o mais se confinaria aos
estímulos e tradiçõ es de um local preciso.
Afinal, que arte é esta fazendo distanciar a idéia das demandas imediatas do local
de origem, senã o aquilo que hoje chamamos de ARTE ABSTRATA? - Uma
prodigiosa má quina intelectualizada pensada com o fim de gerar confusã o e
espanto nos contemporâ neos, ao ver suas pró prias faces deslocadas do plano de
representaçã o natural. Apesar de já completar quase um século, a arte abstrata
ainda é capaz de chocar o grande pú blico. Por que?
Enquanto a arte grega expressou apenas o espírito de uma nação magnífica, a arte
do futuro deverá expressar o espírito de pessoas livres, sem considerar as fronteiras
nacionais; o elemento nacional contido nela não deve ser mais do que um
ornamento, um encanto individual acrescentado e nunca um limite onde ela se
confine. (Richard Wagner).
Abstrair é considerar separadamente o que pode ser dado separadamente. Separar pela
autoridade do livre pensamento o que na realidade não admite separação no jogo das
uniões práticas. Ato de pura arte, determinação do desejo emancipado das pressões
externas. A área da circunferência de um círculo é concebível, e isto por abstração,
pois suprimir a circunferência é suprimir a área que esta contém; supor a
circunferência é supor a área. Se no mundo físico estas entidades são inseparáveis, no
mundo da arte e da matemática, ao contrário pode-se isolar uma parte da natureza ou
da idéia e representá-la em fragmento; desta maneira ela se universaliza, estabelece
comunhão com a idéia, o verdadeiro retrato do homem livre, individual, não da
humanidade.
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como sucede livremente em nosso idioma informal. Implicaria no surgimento de
alguns problemas ló gicos de difícil soluçã o. Etimologicamente, o termo abstração
é claro e nã o admite ambigü idades. Do latim abstractus, particípio passado
passivo de abstrahere: tirar ou arrastar (tahere), de (ab, o “s” que se segue é
ditado por razã o de eufonia).
Em sentido pró prio, abstrair é simplesmente retirar algo de seu lugar de origem,
tornando-o elemento separado, isolado, sem envolvimento, sem relaçã o direta
com o imediato. Abstraçã o, no sentido grego de afairesis, significa ao mesmo
tempo o processo e o resultado da retirada do olho da á rea particular, o
acidental, o nã o essencial, para obter uma visã o interiorizada, mais ampla, o
inevitá vel, o essencial. Ao reunir características essenciais em um só conceito
artístico, a abstraçã o nos oferece nosso meio mais importante de ordenar
sistematicamente a ilimitada multiplicidade de objetos que nos chegam através
de nossa percepçã o, de nossa imaginaçã o, e inclusive de nossos pensamentos.
Para o artista contemporâ neo – um abstrato por antonomá sia - abstrair significa
encarnar um movimento objetivo ao redor da natureza, enquanto se detém
frente a um dos aspectos que foi determinado a priori. Busca-se a essência das
coisas quando o mesmo processo muda para o plano da representaçã o.
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O grande paradoxo da conquista da abstraçã o sobre as formas pretéritas de
representaçã o recai sobre a ingênua aceitaçã o da tese que defende a superaçã o
definitiva do ideal naturalista, inclusive na crença de que houve avanço teó rico
conclusivo no entendimento do modo naturalista de representar. Mergulhados
com fé inabalá vel na hipó tese de um mundo novo, em verdade, experimentada
mais em idéia que em açã o, ficou consignada como verdade definitiva o
esgotamento histó rico do realismo face ao surgimento de uma nova visã o. Uma
crítica apurada demonstra que a novidade da arte moderna foi somente uma
meia-verdade. Em si, a figuraçã o abstrata nada tem de radicalmente novo. No
que diz respeito a suas raízes histó ricas ela é mais antiga do que o naturalismo; é,
em termos estritamente histó ricos, congênita à s representaçõ es do homem
primitivo. No passado contudo a abstraçã o se confundia com o ornamento.
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simpatias e interesses humanos comuns e mesmo os que resultam da vida
subconsciente; e além destes, valores filosóficos provenientes do alcance da
profundidade do gênio do artista (Herbert Read).
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SIMPLICIDADE
“Tudo fala da renú ncia que conduz ao Mesmo. A renú ncia nã o tira. A renú ncia dá .
Dá a força inesgotá vel do Simples. O apelo faz-nos de novo habitar uma distante
Origem, onde a terra natal nos é devolvida”. (Heidegger)
Unido por vínculos opacos com o passado, já que dele nã o se pode mais que
distanciar-se, e sem o texto histó rico, a arte faz do momento sinô nimo má ximo
de moderno, impossibilidade de desdobramentos no futuro. Na esteira de uma
rigidez que ainda reverbera seus ecos, a obra de arte transparece o vigor da
memó ria, a impetuosidade dos sentidos, o automatismo da composiçã o, mas,
principalmente, a vitalidade do gesto carregado de saber. Nã o muito distante da
simplicidade (origem), esta modalidade artística consumirá rapidamente a pouco
energia vital, extraída do trá gico de cada dia, que ainda lhe sobra.
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totalidade. Sem ser clá ssica ou barroca, a arte total de nossos tempos ensaia um
novo modelo de modernidade. Nã o demonstra sintomas de decadência, mas sim,
de messiâ nica ilusã o. Se no passado a arte se fazia clá ssica “procedendo por
analise: o conjunto se articula em uma pluralidade de partes, onde cada uma é
por si mesma vá lida” (Wolfflin), atualmente o conjunto se interpola por
componentes heterogêneos e a ordem da articulaçã o é, em vez de estético-
abstrata, arbitrariamente ética. As coisas estã o ali pela autonomia da eleiçã o, nã o
por cumprir uma ordem preestabelecida em raízes antigas.
“Sintética no barroco e analítica no clá ssico” as artes convergem para uma idéia
de simples como produto da operaçã o cristalizadora, evoluindo no trato com o
tema até que alcance aquele determinado ponto no imaginá rio onde nada se vê
além do estritamente necessá rio à conclusã o do motivo.
50
natureza é a parte oposta deste jogo, encarnando o enigma, ou como diria
Mondrian, o trá gico. A natureza opõ e-se à idéia.
Estes conceitos que ilustram um dos cinco princípios fundamentais da histó ria
da arte de Wolfflin, relativo à composiçã o, adapta-se facilmente à s exigências de
uma teoria para o ecletismo. Porém há de se conjecturar que o autor trabalhava
com um fechado corpo de exemplos, o vocabulá rio extraído do renascimento
italiano e sua conseqü ente dissoluçã o no barroco. Em sua teoria estava implícito
um jogo compositivo mais livre tomando por base um vocabulá rio comum aos
dois estilos. Contudo, no ecletismo no Século XX nã o é possível empregar
friamente o mesmo raciocínio dualista, uma vez que, a gramá tica do estilo
clá ssico há muito se dissolvera em conflito com determinaçõ es formais e
funcionais alheias à tradiçã o européia. Por sua vez o Ecletismo encontra-se
ligado a uma regra superior à estética, proveniente da organizaçã o das funçõ es.
Mais que um estilo, ele é uma postura ética voltada para o dinamismo das novas
articulaçõ es de movimento e informaçã o global que convergem no nú cleo de
uma sociedade em sua maior parte urbanizada de acordo com modelos de linha
de montagem extraídos da ló gica industrial. Esta conceituaçã o nã o é apenas
metá fora, ela pode facilmente ser constatada nos mú ltiplos exemplos a nossa
vista. A confusã o dos ajustes formais do ecletismo só existe na aparência e no
preconceito de teó ricos, na realidade ela é uma má scara que disfarça e aproxima
51
a arte recente, nã o abstrata em sua constituiçã o, da economia e eficiência no uso
controlado do espaço. Alem do mais, o ecletismo permite-se apresentar em todo
o trâ nsito de países colonialistas na ampliaçã o de seus territó rios através de
colô nias com tradiçõ es artísticas distintas daquelas européias: Á sia, Á frica e
America pré-colombiana. De repente, o exó tico tornou-se comum aos gostos do
europeu, foram de tal maneira vividos e adaptados que logo instauraram outra
tradiçã o. Trazido à Metró pole, o exó tico seria adaptado – na unidade do
fragmento – à nova visã o: funçã o e propaganda dos domínios imperiais.
Esta aparência de caos dos ecletismos contemporâ neos nã o pode ser facilmente
adaptada a mecâ nica bipolar de Wolfflin. Funda o pró prio ecletismo uma nova
categoria estética, sendo ela a característica fundamental da arte moderna. Esta
terceira categoria, que vai alem do estilo historicamente reconhecido, ainda
continua sendo alvo de preconceitos e incompreensõ es. Nã o tanto por sua
complexidade aparente como pela dificuldade teó rica de se fugir da tradiçã o
maniqueísta daquele “mundo dividido entre o bem e o mau”. Resultado disto é
que o fato de mencionar despretensiosamente a palavra ecletismo já significa
evocar outro termo, declínio. A visã o do ecletismo como degeneraçã o provém do
conflito entre prá tica artística e a dogmá tica do historicismo. Através da
desconsideraçã o do momento de ruptura das artes modernas e do surgimento de
uma arte do Novo Mundo.
52
no conjunto final transpareça um equilíbrio do todo, conquistado por partes que
podem ser claramente identificadas; tensamente unificadas através da razã o
construtiva do autor. Nesta primeira ordem de simplicidade moderna é menos
importante o sucesso nos está gios intermediá rios do que aquele que engendra a
ordem final. Clá ssico, assim é chamado este esforço pelo reatamento com a
histó ria pela abstraçã o intelectual. Um adequado exemplo de classicismo
moderno nos anos vinte alemã o, a casa dos professores da Bauhaus, projetada
por Walter Gropius em Dessau.
53
como um organismo vivo, pulsante e sintético. O Barroco está em oposiçã o ao
clá ssico, maneja seu vocabulá rio e isenta-se do rigor de suas leis. É , portanto,
clá ssico corrompido; isto dito sem nenhuma conotaçã o de valor. Exemplo,
conjunto de habitaçõ es em Montreal, projeto do arquiteto Moshe Safdie.
Moshe Safdie
54
James Stirling
55
O que era caos para os antigos será o ecletismo para o nosso tempo; ordem de
uma geometria permanentemente oculta e individual. No ecletismo importa a
tendência de perpetuar a ocultaçã o dos fins. A forma faz sentido, porém nã o gera
histó ria, nã o pode ser multiplicada em có pia, contudo, indiretamente, sua fluidez
é difícil, a continuidade é pecado mortal que será punido com a exclusã o do
paraíso da historiografia oficial. Os que nã o entenderam a esta ordem e ousaram
reproduzir o ú nico, sã o denominados plagiadores, falsá rios que nã o merecem o
menor respeito por parte da historiografia oficial. Talvez o denominador comum
do ecletismo seja esta ordem: deverá realizar o ú nico, seus passos nã o deverã o
ser seguidos, oculte suas regras, queime seus arquivos, contudo, deves restaurar
em cada momento a capacidade de emoçã o em teu pú blico.
No caos utó pico dos modernos o artista pode manejar instrumentos anô malos à
composiçã o histó rica da arte. Junta o rigor da leitura histó rica ao impulso
propulsor dos sentidos aprisionados pelo espírito e pelas leis que conferem
significado à s formas, somados, é claro, ao valor da eficiência – fluxo e
movimento dos elementos através do espaço de conexõ es imprevistas, exemplo,
Frank Gehry.
Frank Gehry
Como simplificar este novo quadro de conexõ es? Com certeza, nã o totalmente
pela aná lise crítica. O fator intuitivo aparece na arte presente como nunca
56
apareceu em momentos pretéritos, mescla-se aos sistemas e obscurece a rigidez
crítica: surge entã o o “segredo”. O mundo secreto das neo-magias. A proporçã o
agora já nã o é a beleza das matérias trabalhadas com equilíbrio. O equilíbrio dos
conceitos será mais importante ainda que o equilíbrio das formas; tudo conta
alem das formas: os mitos sob a forma de imagem iconográ fica resistente, as
técnicas, os elementos primá rios, os materiais, todos eles estã o em jogo, todos
contribuem para a simplicidade e sinceridade expressiva. A luz se apaga, será um
navegar em trevas guiado apenas por estrelas.
57
MINIMALISMO E ESTRUTURA
Eugene Freyssinet
À partir destes dois conceitos, a ó tica sobre a obra de arte amplia-se um pouco
mais: a estética do Minimalismo suporta a indiferença existente na uniã o de duas
forças aparentemente antagô nicas: por um lado o conceito, e por outro sua
materializaçã o; sustentam no espaço um complexo de forças que se repelem.
58
Abaixo um exemplo contemporâ neo, a casa do escultor americano Donald Judd
inserida num galpã o industrial reciclado.
59
Multiplicando a unidade estrutural mínima, o artista engendra uma anti-retó rica.
Contendo de maneira inversa as mesmas possibilidades de convencimento e
produçã o de grandes sentimentos comuns à retó rica persuasiva. Porém, a
diferença é espantosamente exó tica: o artista do mínimo luta por mostrar a
grandeza do nada; o nada multiplicando-se numa inércia tendente ao infinito.
Shigero Ban
60
MINIMALISMO E A MATÉ RIA DO DESENHO INDUSTRIAL
Anish Kapoor
61
mantenham em pé no espaço. Estes materiais podem ser recompostos, jamais
transformados ou manipulados pelo instrumental arcaico do artista. Empregá -
los equivale a ajustar-se à fina cadeia de produçã o que lhe deu origem.
David Adjaye
62
ilusã o, ela é o que é, está ali, é presença e como presença deverá ser sentida.
Acabada, indica por extensã o seu processo de transformaçã o na indú stria.
Componente industrial, uma chapa Minimalista está impregnada pela técnica das
grandes corporaçõ es internacionais. Seu saber técnico nã o se revela, é segredo
que mantém a ló gica do mercado. Alheio a manipulaçã o industrial, o artista
observa o processo de produçã o da obra com resignaçã o. A onipotência da arte é
ubíqua desde a eleiçã o conceitual até o grau de transformaçã o. Basta estar
salientada em um pedestal para ser representaçã o. Posta em relevo num
ambiente, esta peça criará um espaço convencionalmente artístico. Lançando sua
carga oculta de significaçã o representativa de uma vontade artística individual –
um impulso estético -, um mistério que irá além do continente. A matéria
industrializada transparece na Pop Art como uma imagem cheia de encantadoras
sensaçõ es aos sentidos menosprezados por sua falta de espiritualidade: paladar,
tato, sonoridade ruidosa, brilho ofuscante das estrelas de cine americano, carros
de corrida; ícones de uma sociedade informada através do consumo. Ao revés do
Minimalismo, a matéria Pop é profundamente ilusó ria. Simula o real com ironia,
revela um conteú do falso e autodestrutivo das nobres sensaçõ es estéticas. Em
resumo, explora a poética do Kitsch. A face demoníaca do produto. O plá stico
sintético da Pop Art quer se mostrar natural, é fina ironia ilusionista; no
Minimalismo o plá stico nã o pretende ser nada alem de aparência reveladora de
uma resina industrial. Matéria atual com possibilidades de criar novas
expressõ es. No Minimalismo nã o existe humor, somente a iconografia de um
certo desencanto.
63
REDUZIR COMPONENTES FORMAIS
64
A operaçã o reducionista e sintética do Minimalismo nã o abarca somente o
limitado conjunto de figuras geométricas abstratas. Na obra do arquiteto italiano
Aldo Rossi a iconografia arquitetô nica, sedimentada pela histó ria, reaparece
fortalecida pela aná lise dos componentes fundamentais da poética passada, que
seleciona e exclui os elementos desnecessá rios na atualidade – irreconhecíveis
pelos homens modernos. Para Rossi a arquitetura converte-se através da
limpeza formal em síntese mínima da histó ria.
c
Aldo Rossi – Grande Teatro do Mundo – Veneza
Em Mies van der Rohe o “menos é mais” traduz um ideal mais platô nico. Ilustra
sua visã o da época pela síntese tecnoló gica representada pela econô mica
estrutura em aço. As duas formas, as duas arquiteturas, apesar da complexidade
conceitual, revelam-se ao espectador na dimensã o mínima do imediato; pela
repetiçã o do seu padrã o, insistem no tempo contemplativo. Captada a forma no
instante, isto significaria um imediato abandono pelo espectador, que satisfeito
65
abandonaria o local. Porém à distâ ncia no tempo significa banalizaçã o da
faculdade de ver. Por este motivo a forma se multiplica, continua existindo além
de sua expressã o mínima conferida pelo modulo inicial, pleno de significaçã o.
Repentinas, estas obras pegam como impacto a uma sociedade da imagem rá pida
e superficial. O espectador jamais se detém diante da obra de arte, capta-a na
longitude pelo filtro indiferente dos sentidos velozes. Por ela passa em
movimento, dela nã o extrai nada mais que a forma em estado dinâ mico.
66
CONTRASTES
Num vô o rasante sobre esta obra anô nima, a qual nem imagino de quem seja a
autoria, pressinto que o arquiteto preferiu nã o se misturar ao á spero e impolido
da paisagem. Parece entã o que, ao se queixar por estar preso por imposiçõ es
funcionais, estilizaçõ es de revistas e gosto passageiro, o arquiteto já punha o
dedo num elemento necessá rio ao viver o exó tico, como obra de arte asséptica e
confortá vel, e que o partido foi também uma limitaçã o necessá ria imposta pelo
rico cliente. Uma límpida e pura estrutura branca funciona como redoma de
museu. No interior, o vazio e poucos volumes habitá veis. Proporcionará o
encantamento ú til à poética da economia radical, esta geografia de fim dos
tempos?
67
qualquer estilo que evolui para a Academia, prevalece antes de tudo o gozo fá cil
pelo artificial. A beleza perfeitamente bem acabada e sem tensã o do mundo
sofisticado é incapaz de nos provocar arrebatamento. Sua sinceridade afetada
camufla a perda daquela espontaneidade que carregamos desde a época infantil.
68
LE CORBUSIER
Maison La Roche
69
caminhos diferentes. Na primeira despontam rastros de uma tocha empregada
pelo artista ancestral das Covas de Altamira, a mesma luz que desde trinta mil
anos ilumina a estrada da arte; a segunda explode em festividades, transborda-se
em alegrias como fogos de artifício. Uma fala do medo primá rio, outra do
conforto de viver numa civilizaçã o sofisticada.
70
Escada padrã o dos apartamentos duplex da Unidade Habitacional de Marselha
71
colada à parede de madeira pintada recebeu o colorido energético que
enfatizaria seu cará ter singelo e assim equilibrou a composiçã o com o guarda-
corpo mais exuberante no extremo oposto.
72
ESTILOSO
73
vacilaçõ es. De tã o depurado que foi na acadêmica bacia esteticista, o banheiro
perdeu o cará ter reflexo do criador individual, generalizou-se, ficou sem estilo.
Apesar de estiloso – palavra horrenda, contudo funciona - a ponto de pender ao
chamativo apelativo das coisas imaculadas, gosto bastante dele por corresponder
a um ideal de decoro e controle edificador. Já se foi o tempo em que era
considerada a pureza virginal um atributo ético, depois do Brutalismo,
desconfiamos da inocência demasiado elaborada. Pessoas temem por seu pudor
ao usar um banheiro devassado. Imagino o arquiteto se esfolando para alcançar a
perfeiçã o sobre-humana nos acabamentos, eu conheço essas crises de vaga
angú stia pela exatidã o radical por já ter sido vá rias vezes vítima delas.
Incomoda-me sua demasiada luz e o recado subliminar de que se deve usar o
espaço sem jamais sujá -lo. Quem usa um banheiro assim, viverá um stress bem
bizarro, uma espécie de paranó ia pelo perigo de manchar o imaculado. Mas no
fundo, pouco importam as limitaçõ es funcionais, contanto que prevaleça a
beleza, no mundo da moda, mais vale o estilo que as boas intençõ es funcionais.
O efeito cabotino de todo o discurso arquitetô nico fica por conta da mensagem
artificial passada pelo arquiteto, afirmando que há vida sincera em todo o
projeto; quando sabemos que é bem o contrá rio, a forma do banheiro-cená rio
equivale ao desejo de status, mais que a necessidade de se experimentar
sensaçõ es extravagantes sem sair do quarto. Nada é mais difícil do que dar aos
pormenores estilizados um contorno crítico que nos permita olhá -los de frente.
Desde o primeiro minuto que este mal-estar crítico aparece importunando, ele
me domina completamente, impedindo de ler abertamente esta imaginativa
proposta de mudança de vida. Escrever sinceramente sobre arquiteturas
abstratas é quase sempre frustrante, a pró pria superficialidade do tema barra
nosso aprofundamento. A vida do corpo tem início na linha divisó ria do espírito
racional.
74
VAZIO
75
Ao projetar, o Minimalista luta contra a tradição, retira a figura ornamental do jogo
compositivo e em contrapartida coloca toda sua energia na perfeição dos valores da
execução e nos valores da exata aglutinação de partes. A máxima atenção recairá
sobre a forma que o arquiteto cria a fim de demonstrar que sua arte se limita ao
encaixe. Nada lhe é tão importante e belo quando a união perfeita, a forma sem
sobras, sem fiapos, sem asperezas, sem calombos ou micro concavidades, sem furos
ou caroços.
76
LUIS BARRAGAN
Aquele que realmente necessita o fruto da beleza, deve abolir as rudes amarras
da necessidade, dizer adeus aos falsos consolos de uma ímpia religiosidade
positiva, estruturada na mera técnica, eliminar a tirâ nica sonoridade do discurso
política vigente. Suprimido a horrível fala utó pica dos arquitetos modernos, está
debelado o inimigo ordiná rio, sobra todo o cerne da histó ria da arte por fazer-se
familiar e doméstica. O terraço de Barragan atesta como se pode ofuscar os
imperativos econô micos restritos à um baixo custo e revelar o má ximo de poesia
com extrema simplicidade. Basta um detalhe, e descortina-se a forma que excede
em sentido. Seu tempo era outro, pressinto em todas as formas criadas por
Barragan uma oculta divindade trapaceira, somente transparente aos Estetas de
coraçã o, aos privilegiados herdeiros da sagrada disposiçã o anímica e alentado
anti-corpus contra a vulgaridade do materialismo democrá tico.
77
pedra os primeiros astrô nomos lançaram sem o instrumental telescó pico as
bases da linguagem cosmoló gica. Isso foi lá pelos anos vinte do passado século.
Quando muito jovem esteve em Paris, Luis Barragan ficou impressionado com
este vergel simulando em planos coloridos a amplidã o de toda a natureza. Ainda
nã o se falava em “Collor Field” nem em pintura da pura visualidade. Sua casa
veio à luz na Cidade do México em 1949, e nela o arquiteto arrojou-se a imitar o
mestre e acrescentar algo mais de sua imaginaçã o mexicana; paredes altas em
cujas á speras texturas foi submetida a lava vulcâ nica, surgiu uma enorme
potência espacial poética neste quadrilá tero de planos neo-plasticistas
concebidos em alvenaria, aflorou um espaço religioso para um artista moderno
guiado por elegante fervor cató lico. Em seu castelo aristocrá tico, o
idiossincrá tico artista terminaria seus dias. Era uma casa para tudo, trabalho,
festas e muitas leituras, mas sobretudo era o altar de um solitá rio meditativo de
nã o muitas obras. A essência do homem pensativo alimenta-se de solidã o, estudo
focado e de um eterno refazer. Em seu íntimo criou a couraça do bom gosto, nã o
suportaria abrir suas janelas para a paisagem e constatar a terra arrasada ao seu
redor. Quando lhe era urgente ligar-se à natureza, preferiu o céu de todos. Sua
muralha é rigorosamente estética, serve para banir o horizonte da cultura
republicana e fortalecer uma erudiçã o calcada na leitura dos escritores célebres
do passado. Eclipsando a mensagem do horizonte fabril de homens-má quinas
neste terraço ideal, Barragan encobria com uma capa sublime a insidiosa vida
burguesa degradada.
78
POÉ TICA DO SAGRADO
Ando à procura de uma imagem sintética que diga tudo sobre a Capela de la
Tourette de Le Corbusier. Impossível! Como uma sinfonia, esta obra precisa ser
experimentada na intensa relaçã o do espaço e do tempo. Sua virtude reside
menos num instantâ neo relampejar que na á rdua somató ria de mil detalhes, e
cada um deles expressa num segundo uma faceta na galá xia espiritual do autor.
Assim é o deus-humano encarnado na figura absoluta do raro heró i-artista. A
noçã o de todo é sempre imprecisa quando se trata de contemplar a profundidade
oceâ nica de certos gênios. Apesar dessa enorme muralha, tentarei expressar sua
grandeza com apenas quatro precá rias fotografias.
79
Nã o haveria o sagrado sem a linguagem adequada que lhe revele materialmente
sua verdade inconfundível, posto que o poeta é o inventor da linguagem, será ele
mesmo a estrada que conduz pela percepçã o direto ao divino pré-existente em
nossa consciência. Portanto, existem qualidades universais reconhecíveis que lhe
conferem os atributos específicos da divindade numa obra humana. A histó ria
deu um nome a este revelador do sagrado entre a massa de homens arrebatados
agrupados em torno de uma sociedade aflita. Se examinarmos a arquitetura
religiosa de todo o mundo nã o será difícil estabelecer paralelos formais entre as
essências de cada uma. Outrossim, o sagrado cola-se à memó ria e adquire vida
anímica, torna-se portanto um dourado monumento na memó ria de cada homem
amedrontado pela fatalidade.
Até que se prove o contrá rio, todos os homens de uma mesma maioria sã o
preguiçosos e covardes, exceto os santos, os heró is e os gênios; todos os homens
sã o confusos e atormentados, e procuram realizar suas obrigaçõ es da maneira
mais fá cil e até mentirosa (todos os homens mentem em seu trabalho, exceto o
verdadeiro artista); a gambiarra é o estilo fabril do homem normal – um acertar
o alvo cheio de disfarces e imprecisõ es nos contornos; ocultar seus erros com
camuflagens cosmetoló gicas, é a prá tica mais usual entre os trabalhadores em
série. Refazer o que o senso comum considera já feito é maçante para o homem
comum; refazer, para o preguiçoso é pura e absoluta mortificaçã o dolorosa.
80
Atingir a perfeiçã o nã o é, nem por sombra, o destino da maioria. Este homem
produzido em série contudo ajoelha-se diante da exatidã o do trabalho e atribui
sua incandescente revelaçã o misteriosa a um ser superior que por costume
chama de deus. Encontra aí sinais milagrosos do sobre humano. Mas nã o há
segredo em uma obra genial, feita e refeita até a exaustã o, focada e resoluta até o
limite da demência. Sagrado é a forma total concebida pelo santo e heró i,
amarrada e sem falhas, resistente aos solavancos da sentimentalidade episó dica.
A lapidaçã o sobre-humana da matéria resistente é feita com técnica e
perseverança, mais que com o coraçã o e a vontade. Renuncia-se ao que é mais
precioso ao criar a grande arte – ao perecível tempo e a energia gastas com o
ó cio – em nome de ajustes entre os elementos, que constituem a base formal de
uma obra de arte, faz-se o impossível, em louvor da uma entidade que a todos
controla – nossos deuses. Somente aos predestinados ao culto da perfeiçã o é
permitido adentrar na intimidade dessas luminescências numenosas, conhecidas
como o mais sagrado. Somente os refinadores, onde cada parte se liga viva a uma
idéia geral, possuem o dom de materializar o sagrado.
81
CAPELA ROTHKO
82
as mú ltiplas capas da coloraçã o soterrada. Sabemos que somente se encontra o
tom desejado pela experimentaçã o esmiuçada, é praticamente impossível cogitar
as nuances e suas simbologias sem colocar com rigorosa disciplina a mã o na
massa.
2015, domingo de muito sol em Curitiba, 7 de junho. Segue na UEL a greve que
me imobiliza à contragosto em casa. Há dias tento em vã o descrever a Capela
Rothko, contudo sou bastante teimoso, persevero na luta. Minhas leituras sobre o
tema esbarram-se tristemente na muralha do lugar comum. A massa de críticos
mundo à fora contenta-se em repetir o termo “transcendente” para tudo que nos
ofereceu em vida o pintor. É verdade, há algo de metafísico na pincelada deste
gênio trá gico, mas simplesmente repetir chavõ es superficiais nã o atende à s
demandas da inteligência. Confio em minha intuiçã o quando ela diz que
transcendência nada mais é que educaçã o. Sim, quem se educa liberta-se. Educar
os sentidos para a arte supõ e exercer a prá tica da escrita e leitura, nada mais que
isso. Transcender é traduzir em palavras o que realizamos com sentimento. No
ano de 1964, o casal John e Dominique de Menil encomendaram ao celebre
pintor de Nova York, desde sua habitaçã o de Houston, uma obra estimulante que
levaria seis anos em ser concluída – uma capela ecumênica que no futuro se
tornaria sucesso em todo o mundo. Foi concluída em 1971 e hoje recebe 80.000
visitantes de todos os países, etnias e variados níveis culturais, todos á vidos em
83
se deparar com o milagre transfigurador da misteriosa representaçã o e com a
promessa de elevaçã o espiritual por via da arte moderna. Participaram da
empreitada nada menos do que três dos maiores representantes da
revolucioná ria plá stica americana: o escultor Barnett Newman, 1905/70, Mark
Rothko, 1903/70 - a figura central do projeto - e o arquiteto Philip Johnson,
1906/2005. Os ricos benfeitores pediram ao pintor algo especial, um lugar
discreto e fabuloso para a meditaçã o; um espaço cheio com pinturas específicas.
Rothko respondeu dizendo que seu propó sito seria atender ao pedido pintando
em duas direçõ es, o finito e o infinito. Concebeu, depois do á rduo
amadurecimento, 14 enormes telas no que chamou de Soft Brown composto
juntamente com matizes de negro. Cada painel mede 11 por 15 pés, colocados na
posiçã o vertical. Da parte de Newman foi ofertada uma escultura de quatro
toneladas em aço Corten chamada Broken Obelisk, resultado de sua reflexã o
sobre a arte egípcia. Menil acrescentou depois que este monumento era sua
oferta à memó ria de Martin Luther King. A relaçã o de Rothko com Johnson foi
continuamente problemá tica, o arquiteto pensou como partido numa forma
octogonal irregular na planta, com uma luxuriante pirâ mide de vidro repousando
como coroamento sobre a laje plana. Sua monumentalidade, em concreto armado
no exterior e planos de estuque branco no interior, foi imediatamente rechaçada
por Rothko, que preferia para a temá tica algo bem mais singelo. Acabou
prevalecendo no final uma só lida construçã o monolítica em tijolos de terracota.
Depois de idas e vindas, evoluçõ es elípticas e transferência de arquitetos, o
trabalho acabou sendo concluído por Johnson depois da morte por suicídio de
Rothko em 1970. Ele jamais veria concluída sua obra pictó rica. Interiormente, os
painéis estã o divididos em quatro paredes principais, alternando com quatro
paredes adicionais secundá rias. Piso e teto sã o planos.
Hoje, o curador da Capela é o filho do pintor, sua meta extrapolou a intençã o dos
criadores. Tornou-se popular e canô nica em termos de abrangência de
propó sitos. É atualmente usada para palestras, concertos, aulas de meditaçã o e
outras performances adequadas à interpretaçã o da aberta temá tica. Afinal, cada
um tem sua pró pria visã o do que é o ecumenismo. Pela imagem do espaço
84
interno, vemos que o circo politicamente correto adaptou-se perfeitamente à s
dimensõ es disponíveis.
Devo confessar um imperdoá vel erro de minha parte. Esta é a segunda vez que
redijo este texto, o primeiro foi deletado acidentalmente nesta manhã . Aproveitei
a deixa e fui de encontro a mais material. Nunca fiquei satisfeito com minhas
apressadas conclusõ es sobre a obra deste enigmá tico pintor. Deixo agora de lado
o cará ter aberto do atual uso e parto para minha usual visã o esteticista sobre
obras dessa natureza. Estou pouco me lixando para os usos demagó gicos das
grandes obras de arte. Pelo que conheço dos autores, nada desse ecumenismo
popularesco passou pela cabeça dos que idealizaram a magnífica obra. Trata-se
aqui de arte abstrata culta em seu patamar mais elevado. Nas fotografias antigas
a clarabó ia nã o estava obscurecida como agora pelo refletor que a tornou mais
apelativa e circunspecta. A luz difusa fez aumentar a impressã o de mistério do
espaço, resultou mais pró ximo do espiritismo do que de um erudito espírito em
busca de amplidã o humanista e libertaçã o. O partido arquitetô nico geral tem
pouco de International Style. Neste período Johnson andava à s voltas com o
pó s-modernismo, sem dú vida buscou referencias em edifícios antigos do proto-
cristianismo.
85
Imagem com o interior antes rebatedor de luz zenital
86
Perspectiva isométrica do conjunto
87
RITUAL
Que eu construa rapidamente meus novos traços de tinta para substituir aqueles
que se foram sem uma soluçã o razoá vel. Escrevo assim mesmo, é um dever e ao
mesmo tempo um prazer. Sigo em frente. De longa data venho tecendo minhas
urdiduras teó ricas sobre o que ainda nos chega revestida de mistérios, a
abstraçã o de um edifício antigo por um criador moderno ansioso por penetrar no
câ none da qualidade atemporal. Edifícios místicos sã o sempre bem vindos nesta
hora. Comparo o resultado obtido por Mies van der Rohe em sua igreja
universitá ria e percebo que o outro, o motivo que lhe serviu de modelo, hoje é
apenas uma sombra que se apaga para nossa percepçã o. Como explicar que o
primeiro lugar dedicado a um deus já destituído foi decifrado com novo olhar e
apresenta sutis indiretas semelhanças com o arquétipo? Em primeiro lugar vem
a proporçã o, salta-nos à vista suas evidências arrepiantes; o retâ ngulo á ureo está
presente em cada pormenor. Como no templo antigo, em Mies nã o eram para
existir as cadeiras, foram colocadas depois, prejudicam a mensagem do vazio, a
fachada é plana assim como as paredes laterais. O territó rio histó rico Greco-
Romano está impregnado de templos muito parecidos entre si. Nã o era lícito
nestes primó rdios inventar ou criar ainda de acordo com critérios expressivos
88
individuais. Pois na época moderna é imperativo criar o novo, mas nem todos
pensavam em radicalizar suas obrigaçõ es revolucioná rias. Melhor do que
esvaziar entranhas, havia os que achavam mais prudente abstrair a essência dos
monumentos antigos, caso de Mies van der Rohe com sua canô nica Capela do IIT.
Fachada principal
89
pelo piso em imaculada lousa de granito escuro polido, e o altar de má rmore
Travertino, diríamos que o projeto poderia abrigar a sede de um banco.
90
Temo que em sua vida, coroada de plenitudes, Mies tenha permanecido à
margem de qualquer forma de religiosidade institucional. Talvez sua busca de
Deus tenha ocorrido de um jeito enviesado, quiçá indireto, algo assim, presumo.
Como nã o poderia deixar de ser, o ponto alto da hierarquia espacial ficou por
conta do altar. Cruzar dois econô micos vetores de latã o polido, um vertical e o
outro horizontal, foi suficiente para que o mais tradicional símbolo cristã o, a
cruz, se materializasse em potência e oferecesse uma legível identidade à
proporçã o universal do espaço. O elemento plá stico mais criativo na concepçã o
do altar, contudo, ficou por conta da macia cortina em tecido italiano, mistura de
lã e seda, justaposta a uma parede cega feita com blocos de concreto aparente;
nenhuma outra figura em toda a capela rivaliza com esta arriscada e enorme
ousadia reducionista.
91
construtiva e do segredo da simplicidade, dominado com muito trabalho e apuro
disciplinar. Arriscaria a dizer que o domínio do sagrado foi alcançado pela
perfeiçã o construtiva e clá ssica simetria. Os admiradores da pureza amam a
mestria carregada com os frutos da exatidã o matemá tica. Outro aspecto
importante, e este diz respeito aos sinais do nosso tempo: tudo, absolutamente
tudo, fala da técnica e sensibilidade cultuada por eruditos em nosso meio
cosmopolita. Curioso, nos templos antigos a terminaçã o vertical ocorria num
magnífico teto ornamentado. Em vez de uma metá fora da abó boda celeste, Mies
simplesmente recortou um pedaço de cobertura tã o comum à s fá bricas e o
aplicou ali, numa trama de vigas de aço e peças de concreto pré-moldado de
mesmo mó dulo. A beleza de uma malha estrutural subdividindo um retâ ngulo
á ureo salta à admiraçã o como um quadro minimalista, ele é o nosso mais
representativo e sagrado símbolo vivente. Imagino que este gesto queira dizer
algo de caro sobre o espírito industrial aos estudantes de um complexo
tecnoló gico.
92
KAZUO SHINOHARA – CASA ASHITAKA
93
Obras assim de puras devem possuir arremate perfeito, do contrario se
tornariam banais. Cada detalhe e material construtivo mereceu o melhor
acabamanto. À cada repasse de olhar descubro uma faceta camaleô nica na forma
- pirâ mide, templo grego com seu abstraído peristilo, etc. Sem dú vida, há em jogo
variadas citaçõ es eruditas, o arquiteto segue fiel em sua nobre missã o de nos
surpreender com sua “anti-má quina”. Apesar do concreto armada exposto sem
disfarces, os arremates na moldagem sã o impecá veis como numa construçã o de
má rmore polido. À 7,6 metros partindo do solo, impera a aguda linha de
cumeeira no coroamento da alta cobertura, ritmada numa quadrícula de
retâ ngulos, é o ponto mais tenso na composiçã o, corta a atmosfera como uma
faca, o discurso revés do volume que se encaixa no terreno sem nenhuma
alteraçã o topográ fica. Como se fosse uma ideal criaçã o do espírito que despenca
verticalmente de céu e se finca no solo como um projétil. Esta maneira de
terminaçã o me obceca. Na fachada principal, apenas uma discreta figura, a bay-
window que se sobressai provocando tensã o de assimetria.
94
Pelo que me recordo, a sala de estar nã o é có pia de nada, originalíssima coragem
de arriscar, tudo aqui é muito sutil como numa aventura Minimalista,
obviamente a figura dominante fica ao lado da parede alta em ripas de carvalho
alinhadas na diagonal, sua ponte linha divisó ria impõ e o compasso geral. Em
todas as reproduçõ es pesquisadas, este â ngulo fotográ fico é insubstituível.
Estou convencido, Shinohara rende tributo a imitaçã o de um peristilo grego.
Abstraído pela poética da simplicidade Minimalista. O movimento cadenciado
entre luz e matéria, cheios e vazios, quer dizer algo de transcendetal, de
continuidade.
95
REPETIÇÃ O CADENCIADA
96
Lívio Vachinni – Giná sio de Espostes
97
OSWALD MATHIAS UNGERS
98
SHIRO KURAMATA
Eis o exemplo de uma mesa exó tica toda concebida em vidro temperado.
Estruturada, prá tica, totalmente transparente. A técnica faz milagres em nome da
imaginaçã o. Simples, contudo, a obra de Shiro Kuramata foi toda dedicada à
expressã o plá stica do imponderá vel à serviço do estranho.
99
QUALIDADES DA ARQUITETURA DA SIMPLICIDADE
100
Conselhos aos futuros arquitetos monumentais:
101
Projete o espaço interno de forma a revelar o sentido do acolhedor, mas que
seja a seriedade confortá vel; extremamente séria em sua alta verticalidade.
Coroe o espaço maior com teto magnífico; um verdadeiro panó ptico deve
propiciar a ideal plataforma de visã o para o todo. Empregue a luz natural dando
predominâ ncia aos meios tons, eles contribuirã o para que se produza uma rica
atmosfera dramá tica.
102
Lembre-se que o monumento glorifica a grande causa, jamais os apetites
instintivos do arquiteto individualista. No monumento, o pú blico quer ver e ser
visto, ambiciona firmar laços de comunhã o e selar acordos com a eternidade.
Evite empregar formas interessantes. A moda existe para passar rá pido, mas,
pelo enorme gasto de energia, o edifício enfadonho acaba permanecendo, a
testemunhar nossos estados relampejantes de humor. Gaste o mais que puder,
fazer economia é render-se aos apelos imprecisos do efêmero. Tudo no
monumento foi concebido para durar e impressionar: pinturas, esculturas e ricos
detalhes. Abaixo um corte perspectivado do conjunto completo da biblioteca.
103
CIDADE MODERNA
Sanaa
Tomada por furor intimista, como, aliá s, quase toda a arte de pó s-guerra, a
arquitetura moderna refugiou-se também no HERMETISMO, ou seja, na
deliberada obscuridade de expressã o. Quem entende o que se passa na cabeça
dos arquitetos projetistas deste edifício complicado na esquina de uma anô nima
regiã o da metró pole? Será isto simples, ou uma complexidade deliberada
disfarçada de clareza?
104
GIGON & GUYER
105
REFERÊ NCIAS VERNACULARES
Vejam que saudá vel modelo de resposta arquitetô nica contemporâ nea à reflexã o
sobre antigos tipos comuns na linguagem vernacular. O caso é que se tornou
proibido entre nó s construir com telhados. Antes de um novo tema, instado a
relatar aos alunos de arquitetura os motivos aná logos acontecidos em geraçõ es
pretéritas, cujas soluçõ es foram perfeitamente solucionadas pela observâ ncia
crítica do que está nos livros de histó ria, sou obrigado a reafirmar que nã o há
assunto tã o velho que sobre ele nã o possa hoje ser dito algo novo. Diante deste
axioma, os alunos ficam invariavelmente em silêncio, e disfarçam de todas as
maneiras a cética desconfiança em face desta terrível ordem absoluta. Os
métodos modernos de ensino desautorizam o professor a impor modelos que os
revolucioná rios consideravam acadêmicos e decadentes. O mestre pode, quando
muito, aconselhar, jamais impor suas convicçõ es. O culto a criatividade
individual parece ser soberano aqui no terceiro mundo. Observamos que nã o há
idéia nem gesto canô nico que nã o possam ser vulgarizados e reapresentados sob
uma luz ridícula. A arte é a linguagem primitiva de um povo histó rico, esta é a
sua verdade; nã o a verdade do indivíduo imerso em si mesmo. Mas, aos olhos do
estudante de arte a tautoló gica verdadeira verdade parece à primeira vista
inverossímil.
106
Pelo desenho da planta nota-se que o tipo antigo em nada dificultou a vida do
arquiteto criativo de nosso tempo vivendo numa Europa culta. A planta é livre e
integra visualmente num mesmo ambiente todas as funçõ es do morar.
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DIFÍCIL
108
ARTE POPULAR E INFORMALIDADE
109
Dubai
EMPENA CEGA
110
Parede branca, nua, silenciosa. De todos os campos formais onde o arquiteto
operou a reduçã o de elementos compositivos, é a empena cega o mais aberrante
dos descasos com o organismo arquitetô nico inserido na paisagem da cidade.
Creio que em arquitetura a forma plá stica do menor valor progride sem
obstá culos à partir da poderosa retó rica de Adolf Loos. Quando a passiva
arquitetura de nosso tempo decai para a vazia poética da modernidade, com sua
fú til retó rica da desmaterializaçã o, e dos excessos de transparência, tornando-se
programaticamente ruim, o primeiro sinal a emitir, demonstrando a imperfeiçã o
de sua forma global, recairá sobres as paredes brancas e planas, insignificantes,
sem profundidade aparente. Nelas sombra e luz nã o dialogam. Na realidade a
boa arquitetura é o desenho da sombra; tijolo e luz sã o apenas os materiais
primeiros para a beleza formalizada pela sombra.
Mergulhado em textos utó picos o arquiteto do progresso, formado com base nos
ideais româ nticos, apartou-se sem que o quisesse, de antemã o, do grande
pú blico. Contradiçã o das contradiçõ es, para quem trabalhará agora este
sonhador do perfeito abstrato? Aos olhos do artista erudito o grande pú blico é
um mal necessá rio: será preciso vencê-lo e nada mais. Educá -lo, moldá -lo
111
segundo seus princípios. Fazer deste voraz consumidor de moda um esteta digno
da apreciaçã o dos pensadores Iluministas, eis aí o papel que o arquiteto moderno
traz para a guisa de dever moral. Nó s modernos intelectuais damos plena fé ao
princípio de que nem homem nem naçã o poderã o existir sem uma idéia sublime
a guiá -los. Reconsideremos a questã o, os fatos visíveis evidenciam o contrá rio,
apesar de haver um ou outro ponto raro de exceçã o, cujo tom e atmosfera
grandiosa preservam dificilmente os rasgos do tã o decantado sublime.
112
formula a hipó tese de que haverá em algum lugar no mundo um espaço perfeito
para eles. Da raiz desse nomadismo, pode ser retirado o futuro geográ fico do
eterno insatisfeito. Os arquitetos româ nticos crêem numa vida política mais
satisfató ria quando a arquitetura que eles imaginam receberem, desde o alto, a
luz da palavra validada pela mente intelectual. Esperam que num futuro pró ximo
a onírica realidade do sonhos se efetive em fato. Sã o ingenuamente crentes em
sua fé artificial. Praticam o culto ao experimentalismo e fogem tresloucados de
qualquer método dogmá tico. Abominam definiçõ es fechadas e aceitam com
relativa parcimô nia os resultados imediatos de discussõ es interminá veis. Sã o
dialeticamente contrá rios ao princípio que defende a continuidade dos valores
constituídos como tradiçã o. Para os româ nticos o ontem é invariavelmente
concebido como imagem melhor do que o conflito sentimental despertado pelo
dia de hoje, que, sem dú vida, será um dia superior ao terrífico amanhã . Sã o
adeptos definitivos do imaginá rio apocalíptico. Para o autêntico româ ntico, a
simetria desperta desconfiança; ele a considera produto de uma mente
autoritá ria. A cidade ideal deve ser repartida segundo critérios ló gicos. Cada um
é dono de seu lote, cuja principal norma reguladora aconselha ocupar
criativamente, mantendo alguns recuos mínimos, e projetando o que se bem
entende sobre a á rea, como se nã o existisse uma forma envoltó ria. Para o
româ ntico nã o existe a paisagem da benéfica rotina, apenas um sombrio
entroncamento de imaginativas vias para o trâ nsito poético da liberdade.
Anarquismo: confiança suprema no filtro interpretativo da consciência
individual. Acredita-se antes de tudo nos valores do inabordá vel. Ecletismo: O
indiscriminado arbítrio do sujeito em nivelar todas as figuras histó ricas.
113
INÉ DITO
Três estudos realizados por alunos numa dessa escolas mundo à fora, o tema era
a arquitetura espacial: treinando sobre o tema da vanguarda soviética ocorrida
entre 1921 e 1930. O “espaço”, curso para arquitetos, em Vkhutemas. Estudantes
jovens amam esse tipo de bobagem indiferente e pseudo-criativa. Vemos
indiscriminadamente nas faculdades de arquitetura uma delirante perseguiçã o
ao inédito. Busca-se em vã o à forma nova, o espelho de uma idéia de mundo e o
retrato do pró prio criador. Em geral o resultado desta busca recai
automaticamente na lei do disfarce. O simulacro do novo é mais comum que o
raro novo propriamente dito. O novo em uma sociedade marcada pelos valores
mercantis atende menos à necessidade do mundo está vel, que a vaidade mesma
em apresentar-se ao pró prio mundo como sujeito singular. O criador no campo
da moda enquadra-se na categoria de heró i duvidoso. E sobre seu ego cintilante,
o que podemos acrescentar ainda sobre ele? “O ego é dotado de um poder, de
uma força criativa, conquista tardia da humanidade, a que chamamos vontade”.
Jung demonstra aqui uma nobre saída para nosso inconseqü ente ego dilatado.
Mas, cuidado com os produtos ilusó rios da vontade! Ocorre em nossas
faculdades de arquitetura um gozo sem fim mais pelo PROCESSO que pela aná lise
do tema concreto. Quem já nã o se perguntou onde e quando parar com essas
coisas? Parece-me que o sentido mais profundo do “processo” leva a uma idéia
de infinito. Se for vá lido, o processo é uma açã o sem fim. Viver plenamente o
processo é entregar-se à lei circular do infinito. E o tempo, e a duraçã o? A
114
duraçã o por princípio inscreve-se nas normas do pré-definido,
conseqü entemente lutará para impor-se sobre o processo. Uma coisa só existe
enquanto for vá lido seu período de tempo. Esgotado o valor da duraçã o,
terminará o processo. Caberá ao arquiteto saber interpretar as duas leis
antagô nicas: a lei do processo e a lei da duraçã o. Somente o bom enlace destas
energias fornecerá a perfeiçã o do completar. Diz Sartre, “O homem nã o é a soma
do que tem, mas a totalidade do que ainda nã o tem, do que poderia ter”. E quem
nos diz o que poderia ter: o crítico, o filosofo, o historiador? E ainda o filó sofo
acrescenta: “Cada homem deve inventar o seu caminho”.
115
EM CASO DE DÚ VIDA, PROCURE O MAIS SIMPLES E TRADICIONAL
116
LUGAR
Palá cio extraordiná rio, Torre extravagante, Cú pula exó tica, Formas avançadas,
Prédio esdrú xulo. O que tem em comum todos estes adjetivos nomeadamente
excêntricos? Dante dizia que a primeira tarefa do poeta é conservar a pureza de
sua língua materna. Algo aná logo ao que sucede na depurada poesia pode
ocorrer também na arquitetura. A linguagem é a arma mais eficaz da mente
humana. Quando os adjetivos que batizam nossas experiências oníricas
deslocam-se para a teoria do projeto, é sinal de que uma força estranha passou a
dominar todo o projeto. Com o má ximo cuidado há de preservar o arquiteto a
linguagem da perfeita simplicidade contra a vulgar eloqü ência do desejo. O
projeto nã o pode render-se deliberadamente ao exó tico, quando o que cria
carece relativamente de atrativo. “Passados quinze minutos, já ninguém olha o
arco-íris”, disse Goethe.
117
Arquiteto Harry Weese
Tanto as boas quanto as má s ocorrências vã o entreabrir uma clareira
diferenciada para a percepçã o, compõ em uma espécie ú nica de territó rio
emocional, de cuja somató ria de dados retiramos o nome “lugar”. A influência
anímica do lugar sobre o nosso corpo é um dado que merece a atençã o detalhada
do juízo. À margem de um rio, lago ou mar, nó s somos tomados pelo mudo
sentimental da nostalgia. Alguma vida distante acena através da á gua. Resulta
deste sentimento o impulso ao estado pétreo, a uma espécie de estancar
deprimido, que põ e em cheque a pró pria validade do manter-se ativo na
constâ ncia do movimento.
118
Que sensaçã o misteriosa é esta oferecido pelo levíssimo e transparente volume
em balanço sobre uma encosta rochosa?
Uma outra lei, de nossa íntima natureza alerta, faz com que nas montanhas
nossos sentimentos se purifiquem no mais cá lido e transparente otimismo.
Ó bvio, tudo isso é mera impressã o. No solo alto, até a mais pueril paixã o ganha
em profundidade o que perde em vivacidade primitiva junto à evanescente
presença da á gua. Será , quiçá , o chamado da origem?
119
Planta e corte da residência do arquiteto Harry Weese
120
ELEMENTO
Elemento: o elemento está para a pintura como a letra, a sílaba, e o ponto estã o
para a linguagem escrita. Seu tamanho muda com a extensã o da pesquisa
pictó rica. O elemento na arquitetura pode ser um grã o de areia ou um tijolo;
concreto armado ou cicló pico. O elemento plasticamente pretérito na matéria
mais limpa. - Nã o à retó rica, sim a solidã o da antiguidade.
Norman Foster
121
ORNAMENTO
No final dos anos Sessenta Oscar Niemeyer alcançou seu grau má ximo de
simplicidade em resposta aos mais complexos programas arquitetô nicos. Na
Universidade de Constantine, Argélia, nã o existem ornamentos nem detalhes,
somente um jogo de macro volumes extravagantes de imediato reconhecimento
pelo grande pú blico.
122
rincã o isolado do ornamento. Para ele, nã o há cotidiano, apenas dias marcados
pela memó ria nas pequenas galá xias denominadas detalhes.
Havia um sinal profético no livro “Ornamento e Delito”, de Adolf Loos, escrito nas
primeiras décadas do Século XX. O arquiteto pressentia o começo de uma nova
ló gica para a arte de construir. Loos pensava naquele instante na criaçã o de algo
realmente extraordiná rio como base formal para um tempo favorá vel à
sensibilidade abstrata. E o arquiteto moderno europeu seria o legítimo
idealizador físico e fiel gestor deste admirá vel mundo novo, só pele e ossatura,
sem adereços. Onde até a mínima forma seria grandiosa, como retrato de um
operá rio ideal, a forjar tã o somente objetos significativos para a sensibilidade
inteligente. A arte abstrata firmou-se como fato moral pela eliminaçã o radical
dos assessó rios na composiçã o das necessidades urgentes. O ornamento sempre
foi o instrumento capaz de eternizar a passagem do homem pelos minutos
ordiná rios de sua existência.
Na fotografia, três grandes volumes simples: o mais exó tico abriga a funçã o de
aula magna, ao seu lado o bloco de classes, ao fundo o restaurante universitá rio.
Quando a arquitetura perde sua capacidade de descrever o que ocorre no lugar
das minú cias, começa o reino do grande volume sintetizando a totalidade, e o
123
pró prio volume vira a ú nica figura, ou seja, uma substituiçã o do que antes
acontecia no plano do ornamento e das artes agregadas.
124
A SIMPLICIDADE DAS CAPAS CONTEMPORÂ NEAS
125
está ticas paredes portantes. O pilar nã o divide, ele estrutura e hierarquiza. O
plano interrompe e isola, cria duas ou mais instâ ncias espaciais.
Al
berto Campo Baeza
126
127
PLANTA
LIVRE
128
Le Corbusier - Planta baixa do Parlamento de Chandigard
129
PLANTA MIESIANA NEO-PLASTICISTA
130
JAMES STIRLING
131
MÁ RCIO KOGAN
Quem faz o rio, a á gua ou o vale? Nova questã o, quem faz a arquitetura, o
arquiteto ou o trabalho. A arquitetura é a ponta avançada do trabalho. O
arquiteto é quase nada. Mú ltiplas geraçõ es de trabalho concentrado e repetitivo
fazem a mais elevada arquitetura. Nã o há arquitetura onde a técnica nã o alcança
seu má ximo grau, sua transcendência. A técnica é o ú ltimo e definitivo degrau
antes da conclusiva arte. O que no Brasil se habituou chamar hoje de arquitetura
é em definitiva o surgimento de uma nova ordem, pouco vinculada à perfeiçã o
construtiva e ideal simétrico na forma. Nem construçã o industrial (design); nem
arte, nem artesanato; é possível dizer-se que alcançamos a realidade singela de
um teto com alguma dose limitada de ornamento ingênuo. Quase o jogo lú dico de
habitar com pouco.
132
GERRIT RIETVELD
133
WALTER GROPIUS E O NEUTRO
134
O neutro: abstrair a identidade, tirar a má scara para mostrar a face do simples.
Haverá ao longo das ruas anô nimas das grandes cidades prédios silenciosos.
Suas formas concentram e registram a simplicidade e o despojamento. Só , esta
má scara do homem sem qualidades pouco se nota; o neutro na arquitetura perde
força. Vejamos o partido arquitetô nico da Bauhaus: um palá cio para aqueles que
ambicionam viver suas ilusõ es à s escondidas. O jogo de volumes confere ao
edifício graça e movimento; claro, tudo isso muito de um jeito bem discreto. O
Neo-plasticismo, tomado emprestado dos holandeses por Gropius imprime com
ênfase algo de nobreza sobre a funçã o destinada ao nã o-percebido. O desafio
maior de Gropius neste prédio foi equilibrar cheios e vazios, superfícies
transparentes e fechadas. O meio nível é um dado interessante do projeto.
Provocativo para aquele que se encontra no restaurante. Visã o singular da praça
frontal.
Bauhaus
135
À LVARO SIZA VIEIRA
136
EERO SAARINEN E A PLANTA CIRCULAR
137
DETALHES
ARQUITETÔ NICOS
138
observador de estrelas. Munido tã o somente de aparelhagem teó rica e imagens
imperfeitas sacadas do jornalismo especializado. Ver completamente supõ e aliar
o pequeno ao grande, empregar rigorosamente o microscó pio e o telescó pio.
Olhar de perto o universo que estrutura o detalhe e lançar-se para longe
compreendendo o todo edificado. Os historiadores modernos ainda devem à
cultura uma micro-física da arquitetura. Kenneth Frampton tentou dar inicio a
este trabalho no livro “Studies in Tectonic Culture”.
139
SOLIDÃ O DO ARQUITETO E A FORMA FÁ CIL
COLAGEM
140
Metafísica da colagem: Uma força vivificadora preserva a qualidade contra uma
outra tendência humana que leva as coisas ao pá tio comum da destruiçã o e do
esquecimento. O paradoxo da colagem: o jornal foi feito para o esquecimento, o
artista torna seu fragmento imortal. Na arquitetura o mesmo raciocínio,
restaurar e compor com os pedaços da demoliçã o. Ou, as placas de madeira
compensada, também pensadas para o esquecimento, que possuem sua beleza
nã o revelada. Frank Ghery a revelará .
141
ALVAR AALTO
142
TEORIA ARQUITETÔ NICA
143
SIMETRIA
144
AMANCIO WILLIAMS
145
formar uma segunda unidade, nã o mais a unidade das partes, mas a unidade da
obra em relaçã o ao mundo, à totalidade das coisas e à necessidade destas
mesmas coisas estabelecerem vínculos de harmonia e de complementariedade.
146
RUMO A ARQUITETURA ABSOLUTA
147
Como os demais artistas plá sticos contemporâ neos, o arquiteto também terá sua
moldura, sua fronteira reduzida. Em cuja moldura o arquiteto terá a liberdade de
imaginar em alto grau, e ainda mais, será quase que obrigado a atuar com as
mesmas obrigaçõ es que os demais artistas rumo a uma produçã o estética capaz
de gerar fantasias e sistemas de moda cada vez mais acelerados, como em
qualquer indú stria cultural. Apontando para esta direçã o surgem as obras dos
arquitetos-escultores, com um tipo de arquitetura pura, desprovida de qualquer
alusã o ao valor prá tico do habitá vel em termos de conforto burguês.
148
NORMAN FOSTER
149
real, terreno, em posse de si mesmo. Museu nã o é igreja. Nã o é uma grande
maravilha tirar uma pomba de um chapéu, mas é uma maravilha o resultado de
um longo e laborioso trabalho de equipe culta e afinada a uma idéia de forma
universal. A prova disso é que esse tipo de nú mero de simples magia se compra
na loja da esquina, se ensina em cartilhas e que os milagres de um tostã o seguem
modas. Nossa maravilha se conquista pelo domínio da técnica, aprendê-la-á o
arquiteto que estudar numa só lida e tradicional universidade.
O maravilhoso viaja na histó ria e quando pousa num lugar, adapta-se a um estilo
– muda de nome. Norman Foster veste um estilo já senhor, tem quarenta anos o
High-Tech. Bem mais jovem que eu, infelizmente. Vi-o nascer quando cursava a
faculdade. Muito pouco para uma Musa que se expressa por intermédio de
fantasmas de dois mil e quinhentos anos e de materiais ainda na infâ ncia, se
comparamos ao uso da escrita literá ria.
Presumo contudo que uma forma assim nã o seja sentida intensamente por
qualquer um. Nada menos apropriado que a classe-média funcionalista, tã o á vida
por respostas econô micas e objetivas, nessa faculdade que recorre à razã o e aos
grandes símbolos. Poucos dessa classe de homens intermediá rios querem gozar
de um acontecimento excepcional conhecendo sua fonte e seu objetivo; sem
estudá -lo, será impossível sentir a estética do grandioso clá ssico. A gente vulgar
endinheirada prefere ridicularizá -lo e tratá -lo com insultos. O conceito de
maravilhoso, tal qual um camaleã o, muda suas feiçõ es quando quer agradar a
classe-média, transforma-se em linguagem decorativa de Shopping Center de
luxo. Separa o territó rio da arte, daquele inventado pela propaganda dirigida à s
massas, toda uma intransponível galá xia. Chama-se “qualidade”, a todo o espaço
desta distâ ncia.
150
ESPAÇO E LUZ EM LUIS BARRAGAN
Galeria
151
pelo colorido exó tico. Explorou-os ambiguamente pelo prazer que proporcionam
à vista e por remeter o usuá rio à dimensã o do inefá vel. A geometria da luz varia
no espaço de acordo com o horá rio do dia solar e as angulaçõ es promovidas
pelos dias do ano. Vazada a forma só lida moldando-lhe o cará ter, que interage
com a matéria da parede construída, a luz torna-se atmosfera singular,
encantamento; haverá uma relaçã o dinâ mica entre o painel grá fico desenhado
pelos feixes luminosos e a totalidade do espaço ambiente.
152
existentes em solenes arquiteturas monumentais antigas. E quando alcança
sucesso é porque pensa em entidades míticas primitivas há muito perseguindo a
percepçã o daquele que crê no mais além. Aplaudir a presença dos deuses, e
aclamar seus valores, impõ e no entanto técnica e destreza compositiva, a
arqueologia da luz monasterial está por completo fora de lugar na representaçã o
de qualquer obra de Barragan, ele nã o se preocupava em nada com as repetiçõ es,
e sim em criar novos detalhes abstratos. Mas no que concerne à hipó tese da
cromá tica lousa panorama, servindo de superfície refletora da diminuta linha de
luz zenital, é preciso reafirmar que se trata de uma parte de todo um espaço
dominado pela atmosfera da arte pura, e nã o da objetividade medida pela
extensã o da necessidade de habitar o ó bvio. Esta luz lírica domina todo o campo
visual da sala de jantar. A luz zenital nã o vem de uma á rea de ampla
intermitência escondida pouco acima do teto, mas sim de um quase
imperceptível intervalo desenhado a modo de lanternim no plano da cobertura.
O artista do espaço luta contra o nada dominando a abertura que apenas quer se
tornar janela.
153
PHILIP JOHNSON
154
forma diferenciada deste pequeno edifício monumental. Os ventos culturais
sopravam em direçã o ao Pó s-modernismo. O volume fechado lembrando
qualquer imagem de um passado remota denota a vontade de novamente se
viajar pela histó ria. Quando Johnson a concebeu a elite dos arquitetos embebia-
se de teoria e de vontade de contestar as utopias do passado recente. O espaço
interno mostrado nas fotos é pequeno. Suficiente para abrigar uma mesa de
trabalho iluminada por canhã o de luz, duas estantes embutidas e uma lareira de
canto.
155
ARQUITETURA COM ARTE PARA O POBRE
Partamos de uma vez à expediçã o pela simétrica fachada plana. Há uma pontada
de ousadia na implantaçã o do bloco em Piano Nobile. Cinco significativos
156
degraus numa bela escada de concreto aparente em balanço separam a á rea de
estar da casa do democrá tico nível da rua. Meus critérios de avaliaçã o estética
sofrem ondulaçõ es perió dicas, portanto hoje sinto o que nã o percebi naquela
época - o significado provocado pela tensã o da quebra de ritmo na ultima janela
do segundo andar. Ferve-me o sangue o detalhe inteligente. Ele parece-me agora
a figura que mais conta na linearidade da série constante. Sã o atitudes assim que
fazem da boa arquitetura uma arte provocativa. Há um volume muito discreto
emoldurando a porta de entrada, funciona como ú nico recurso de alto relevo
nesta á rea. Basta um intervalo na repetiçã o, e a monotonia ganha vida.
Percorrendo as casas dos grandes mestres dispersas pelo conjunto percebi que
em cada exemplo havia um elemento de suspense que era realmente
amedrontador para o senso comum. Mart Stamm, como todo mestre, havia
angariado suas provisõ es formais estudando os clá ssicos de eras pretéritas.
157
manifestaçã o artística. Tã o clara era a imagem obtida nesta foto de época, que a
imagino inspirada por um sentimento semelhante à quele que inaugurou o Século
de Péricles na Grécia antiga. Se nã o dissessem pormenores de sua procedência e
a publicassem numa revista de arquitetura contemporâ nea, acreditaria na
possibilidade de que sua forma corresponde ao gosto da vanguarda
contemporâ nea japonesa ou suíça. A gente elegante e sofisticada dos países de
alta cultura e economia forte adotou como modelo habitacional de sonho o que
há um século foi pensado como arte moderna educacional para os mais
desvalidos.
Deve ter sido o efeito de uma simpá tica imaginaçã o, a luz que se abateu
inspiradora sobre estes jovens da destruída Alemanha apó s a grande que
sobreveio com o fim da Primeira Guerra. Mas, eu penso que deve ter havido boas
razõ es para que Mart Stamm incorrido em certo esbanjamento formal, nã o
exatamente como sonhador. Afinal, o que é pior para o propó sito artístico,
derrapar no senso comum ou transbordar gastando o impossível?
158
PIET MONDRIAN, CHRISTO E MARCEL DUCHAMP
Qual é o vínculo – forma histó rica concreta – que unifica estes três artistas:
Mondrian, Christo e Duchamp? Holandês, bú lgaro e Frances, sã o pares na
maneira de buscar a arte na viagem, viver como nô mades. Alheios a seus países,
retiraram-se em primeiro lugar à Paris. A Guerra foi o êmulo da transformaçã o
de territó rio em mundo, uma mudança que acabaria em Nova York, a capital do
novo mundo e mundo novo, que nos anos sessenta seria o berço do Minimalismo.
Centro atual, do mundo e das artes, ali encontraram a energia que buscavam
numa Europa quase deserta de estímulos renovadores. Nos Estados Unidos
deixaram de ser testemunhas passivas de uma circunstâ ncia que lhes escapava
definitivamente das mã os. Taumaturgos, mais que artistas, lograram ser gênios
contra a massificaçã o devoradora de autores. De nenhum lugar, além da obscura
cidadania daquele que vive de agregar lugares à memó ria, cada um deles
construiu em suas obras algo impossível, representaram o nã o espaço possível, a
Utopia. Mondrian fez do quadro sua pró pria consigna de mundo, seu habitat que
eliminava qualquer noçã o de praticidade e conforto. Repousando na rigidez da
plena estrutura e de uma visã o elementar da natureza, profundamente
simplificadora.
Duchamp foi homem mais lú dico, possuía algo raro entre os modernos, o humor.
Foi Dadá antes de ninguém, pícaro quando poucos acreditavam na possibilidade
estética da astú cia. Em seu absoluto, Duchamp negou o objeto. E, íntegro jogador
na vida, compartiu seu tempo entre o pensamento estético e o jogo de xadrez.
Christo é o mais jovem deste seleto grupo, vem muito depois, varias décadas o
firmam com um típico homem do Século XX. Seguindo os primeiros, como ignorá -
los? Opera num primeiro momento unificando e depurando os destroços de uma
herança impossível, de uma vanguarda dispersa pelo colapso da razã o européia
(Argan chama o fenô meno de crise da ciência européia). Porquê estã o unidos
aqui, além é claro de responderem à arbitrariedade na confecçã o do texto?
Foram livres, radicais, santos, colagem textual, e permitido avançar um
milímetro a mais, na compreensã o deste fenô meno que tende a afunilar as
tensõ es precedentes em um ú nico ponto claro e luminoso: o simples.
159
Se há uma razã o teó rica para este casamento, certamente nã o está na apatia.
Traveste-se pela má scara da intuiçã o. Torna-se razã o de texto. O nú mero que
mede as obras de Christo é o bloco, é o pú blico anô nimo que nã o se detém, é a
massa em movimento transitó rio nas Metró poles. Dos três artistas, Christo é o
ú nico que se infiltra através do volú vel e simpló rio gosto popular, este pú blico
para ele conta. Nã o é o mesmo pú blico que possuído de fé civilizadora freqü enta
museus. Incidental, leviano, ele atravessa os caminhos da escultura, é no entanto
pú blico para a arte só naquele instante determinado pelo artista. Desfeita a obra
(desmontada), desfaz-se o espectador. Assim, como há transitoriedade na obra,
há também o efêmero estado de graça no homem comum.
Agregado à massa, que pactua como títere no espetá culo da arte, existe uma
figura mais constante, porém igualmente ingênua: o jovem artista coadjuvante,
quase sempre sentimental, que participa junto a Christo de todo o teatro
construtivo. E, por fim, o empresá rio: financista interessado apenas em aspecto o
senso religioso de todos. O ú nico que tem a capacidade de transformar a arte em
valor visual adquirido. Estas três categorias humanas nã o foram definidas pela
arte e sua determinaçã o histó rica. Para Christo, eles existem como o mais aberto
dos conceitos. Christo, artista do presente por excelência, aceita estes modelos de
homens como um conjunto atuante dado, necessá rio para a operaçã o. Nã o
introduz nos matizes de sua poética nenhum projeto especifico de homem. O que
realiza nã o está dirigido a uma elite especifica. Vê-lo é apreciá -lo na imediatez
dos sentidos, nã o é necessá rio ser portador de cará ter especial ou mesmo dom.
Senti-lo é completamente distinto de ingressar no esotérico discurso artístico. O
artista espera do pú blico uma reaçã o simples: que ele se porte face à obra de arte
com a mesma espontaneidade que o caracterizou. Dois mundos estã o aparentes:
compreensã o ao lado da autonomia da experiência pluridisciplinar. Paradigmas
que produzem duas figuras proeminentes; duas posturas que enfocam a
problemá tica da participaçã o do sujeito anô nimo na produçã o da arte. Estes dois
modelos estéticos e comportamentais estã o representados em grande medida
em Marcel Duchamp e Piet Mondrian.
160
PIET MONDRIAN
161
permanência, a menos que alguém queira tornar-se parte integrante da pró pria
pintura). Para ver a pintura de Mondrian é necessá rio estudá -la em vez de
penetrar seu sentido através da faculdade contemplativa em seu grau de exagero
e persistência. A pintura de Mondrian exige do pú blico uma mirada cientifica,
banindo qualquer desejo de prazer sensorial imediato. A “ciência”de Mondrian é
a mesma de todas as outras artes de vanguarda. Nestas artes de especialistas,
nã o há lugar para o leigo. Se sã o conhecidas as regras, a imagem resulta opaca.
Algumas destas artes – muito poucas – ainda possuem uma qualidade que as
tornem atrativas visualmente, nã o produzem uma ilusã o que as convertam
imediatamente em belas. Contudo, a maioria das produçõ es modernas nã o sã o
imediatamente belas. A beleza que decorre destas obras, quando evidentemente
existe, é resultado evidente do grau de complexidade da idéia.
Ciência e arte sã o contraditó rias até certo ponto: a arte evoluiu da imagem literal,
reconhecida como sinô nimo de natureza, ao estado de elemento autô nomo. Sem
a figura natural que lhe dava coerência estrutural e acesso à identificaçã o, a obra
de arte torna-se completamente hermética. Isto nã o se deve ao propó sito de ser
complexo, é fruto de uma conseqü ente evoluçã o histó rica. Para se compreender a
162
arte moderna, é necessá rio, antes de tudo, vestir a toga de especialista. Fora de
sua linguagem hermética existe somente o fulgor da aparência. Aparência que
pode convencer, agradar aos olhos, servir como substituta de uma entidade
má gica, porém que nã o cumpre a funçã o primordial da arte, isto é, arte refletindo
a si mesma. Em resumo, o que significa dizer que na pintura de Mondrian nã o
transparece emoçã o? Que é uma obra que nã o se comunica com a imediatez dos
sentidos além do reconhecimento de um equilibrado sistema dualista de linhas
verticais e horizontais cruzando-se num plano branco, formando alguns campos
coloridos. Quase todos os seus quadros sã o iguais no plano da mera aparência,
reproduzindo uma mesma experiência, uma idéia plá stica que nã o se altera. Um
olhar ingênuo poderia apreender algo além desta equilibrada monotonia? – Nã o!
A verdade de um quadro de Mondrian é paradoxal: está fora do quadro, porém,
como encontrá -la senã o através da imagem? A obra é alusiva deste inteiro
universo de referencias esparsas que transitam pelo tempo. Para obtê-las faz
falta dominar o tempo, mais que o espírito do quadro. As referencias contidas na
pintura nã o se legitimam por elas mesmas. Voltar permanentemente à pintura, à
mais concreta das realidades, é necessá rio. Se Mondrian nã o produz impacto,
como poderá o espectador manifestar interesse pelo lado oculto da abstrata
configuraçã o? – Por um inato desejo de compreensã o, ou, porque, convertido em
símbolo de cultura, impõ e uma ordem de interpretaçã o que deve ser seguida
com todo o rigor.
O sistema das artes indica um valor, diz que a obra é fato original, dá seu aval.
Imediatamente, o fruto do julgamento do especialista obterá consentimento
pú blico, isto é, apesar da obra. O aval do especialista fará da obra uma
transcendência ao exterior, crescerá mais como significado e menos como
sentido. Interpretar um quadro de Mondrian equivale a chegar no íntimo de uma
escritura meditada e experimentada no terreno mesmo da pintura. Altamente
complexa, temporalmente lenta, um texto filosó fico sob a forma de pintura. É o
que se pode compreender da açã o levada à arte por Mondrian. Cinqü enta anos
nos separam do desaparecimento deste grande pintor, tempo suficiente, neste
mistificador Século XX, para transformar seu vulto em lenda, a lenda do criador
de algo que se destina a fazer do método uma experiência para o oculto.
163
O tempo sobreviveu, sua pintura existe nos lugares, contudo o tempo nã o
contribuiu a interpretá -lo melhor. O que sentiu, qual foi a natureza dos impulsos
que provinham de á rduo e estafante ofício? Mondrian dedicou sua vida a traduzir
em abstraçõ es elementares as relaçõ es ocultas entre a natureza exterior,
visualizada, e seu avesso na geometria. Asceta na pintura e na vida, Mondrian
impõ e o insociá vel exercício da dificuldade. Nã o busca o prazer do e para os
sentidos, somente a verdade transparente da pintura. Difícil: realidade que
resiste ao fá cil enlace dos sentidos. Captá -la pela visã o é distanciar-se mais da
essência que propõ e a pintura.
164
CHRISTO
Christo - Reichstag
165
Marcel Duchamp – Fonte
166
exuberante que cessa de emitir os mesmos estímulos encontrados no impacto
primeiro com a escultura. Quando cessa o encanto o espectador apela à razã o.
Nesta hora surge o sorriso fino de Duchamp. Todo artista que pensa
fundamentalmente o sentido da obra de arte (nã o naquele sentido da coisa
mental de Leonardo da Vinci, mentalizando a imagem), o porque da “obra”nestes
tempos de modernidade super valorizada, está , por extensã o, evocando a ironia
crítica de Duchamp. Seu pensamento estético que era ao mesmo tempo negaçã o
e distâ ncia do objeto visto como valor.
167
MARCEL DUCHAMP
168
direçõ es contrarias à quela atividade febril de expressar sobre a matéria
inanimada forças originais, concebidas somente por uma imaginaçã o educada.
Justapor uma idéia estética ao lado de um objeto banal, criando uma terceira
realidade, foi a grande contribuiçã o de Duchamp à arte moderna. Criando esta
nova simetria entre conceito e objeto já realizado, ao invés de transitar como,
determina a tradiçã o, sobre o longo caminho da exteriorizaçã o do desejo através
da matéria. Duchamp devolve à consciência seu protagonismo anímico, restaura
a antiga faculdade de imaginar realidades, apenas movida pelo impacto da
imaginaçã o com um tênue instrumento de reativaçã o de sua faculdade. Com
Duchamp o homem volta a ser primitivo, só que desta vez seu primitivismo será
de ordem puramente facultativo, cerebral em princípio, cujo campo de relaçõ es
possíveis está afinado à cultura da modernidade, valendo-se de todos os
mecanismos atuais de aná lise e domínio do campo total da existência.
169
JAMES TURREL
170
ver com as convençõ es vigentes de atender à s demandas do imaginá rio
funcional. Infelizmente, nossas confortá veis casas vulgares tornaram-se
insípidos depó sitos fabris, mais que arquitetura como um dia já ocorreu.
Acumulamos aos montõ es o desnecessá rio porque nos apegamos a eles como
fetiches redentores. Mas aqui com esta obra de James Turrel ocorre um
fenô meno bem diferente, nã o há nem sobra daquelas barreiras do habitar
impregnadas com todas suas mú ltiplas limitaçõ es praticas, tã o comuns quando
ocorre livremente a arte plena.
171
Entre os refinados nobres no passado era diferente o conceito de habitar, em
seus palá cios havia muitos recintos absolutos por pelos quais transitavam os
mais sublimes ideais conquistados pela inteligência. Ainda existem na Europa
exemplos como o palá cio do colecionador Conde Panza di Biumo, em Torino, um
dos maiores colecionadores mundiais de arte abstrata minimalista. Em sua
enorme casa há tantas salas ricamente decoradas que alguém se perderia na
contemplaçã o de obras puristas distribuídas em há bil contraste com o ambiente
antigo. Num espaço todo dedicado a arte, o mobiliá rio concebido para o conforto
jamais deve interferir no discurso principal.
172
LAND ART
Para uma nova ediçã o do clá ssico livro sobre a arquitetura moderna, Gideon
escreve um novo prefá cio, justo um quarto de século depois da primeira ediçã o
do livro “Space, Time and Architecture”, no qual admite os equívocos relativos à
interpretaçã o da mecanizaçã o da arquitetura moderna. A tendência acentuada a
partir dos anos 50 de revelar o cará ter formal da arquitetura sequer foi
presumida. Pergunta Ziegfried Gideon: “Porquê a arquitetura aproxima-se da
escultura e a escultura se aproxima da arquitetura sem constituir um desvio do
desenvolvimento principal?”
173
funcionais da arquitetura histó rica. As manifestaçõ es que vemos hoje sã o apenas
prenú ncios de uma arte que nã o possui ainda nome, mas que será
provavelmente a maior manifestaçã o espiritual do século que se adianta.
174
enorme validade e possibilidade de conquista de novos territó rios para a arte
moderna.
175
ALICE AYCOCK
Alice Aycock
176
As esculturas de Aycock sugerem algo de habitá veis, pedem para ser penetradas,
vistas desde um interior envolvente, aceleradas na contemplaçã o do movimento.
Alice Aycock
177
André Bloch
Outro artista significativo no mesmo campo foi Jean Dubuffet. Já no final da vida
concebeu espaços-escultó ricos servindo de base para a sua pintura. Poder-se-ia
dizer que eram pinturas desdobrando-se em volumes escultó ricos e espaços
arquitetô nicos.
Jean Dubuffet
178
O que diferem de Aycock as experiências precedentes é o fato de que nenhuma
delas pretendia distanciar-se demasiado da poética-mã e. Cada uma destas artes
pretendia ser um limitado desdobramento da arte reitora, ou pintura, ou
escultura. Na obra de Aycock observa-se o surgimento da estrutura espacial que
nã o parte nem da pintura, nem da escultura, menos ainda da arqutetura, mas de
uma poética plá stica autô noma que faz do espaço unido a síntese das artes, um
plano de desenvolvimento formal autô nomo, ambicionando a qualidade de “arte
espaço”.
179
JAMES TURREL E A ARTE DO ESPAÇO
Com uma sucessã o de planos e volumes que ao se interpenetrar uns nos outros
possuem assim mesmo uma independência, como uma floresta de arvores
distintas, o novo campo artísticos difere basicamente da escultura tradicional
por que vai negar o valor volumétrico como determinante de um significado
especifico, nã o há mais o elemento monolítico apreendido do exterior jogando
sua forma para todo o conjunto escultó rico.
180
artísticos que compreendem um sistema onde todos os planos que chegam à
visã o estã o concentrados esfericamente (jogo de planos e volumes justapostos).
Com a criaçã o concentrados esfericamente (jogo de planos e volumes
justapostos). Com a criaçã o moderna da Colagem – independência das formas e
da inclusã o do vazio ou “silêncio” como elemento de composiçã o atuante – seria
necessá rio criar uma coordenaçã o mais complexa para as artes plá sticas. Como
na mú sica, a escultura estabelecerá tantas unidades de massa ou plano por
unidade de intervalo ou vazio. As bases par este sistema ó tico estã o fixadas
previamente na arquitetura de um Frank Lloyd Wright ou de um Alvar Aalto. A
coordenaçã o temporal será vital para a compreensã o deste tipo de arte. A
perspectiva congelante.
James Turrel
181
DAVID ADJAYE
182
arquitetura reconhecidos como tal. Este novo tipo de espaço-arquitetô nico-
escultó rico será chamado de “Instalaçã o” ou Land Art, ou até mesmo de outra e
simples escultura, devendo nascer no exato momento em que a arquitetura
encontrasse a si mesma submergida por obrigaçõ es alheias ao seu desígnio
histó rico: templo e palá cio, ou seja, o sagrado no concreto habitá vel.
David Adjaye
183
CHRISTO
184
espaço omitido. Esta criaçã o é distinta de uma escultura monumental
impregnada de tradiçã o, na qual simplesmente há uma dimensã o frontal (face da
figura) e seu complemento que pode ser visto quando se gira ao redor do objeto.
Running Fence pode ser lida como um muro cortina, alto e com 35 quilô metros
de extensã o. Nã o é possível realizar aquele jogo de penetraçã o e envolvimento
entre os dois lados da escultura. Nos dois lados existem, vá rios elementos visuais
e ambientais, além das formas cô ncavas e convexas provocadas pelo vendo,
qualificando a distinçã o aparente da sua simetria. A escultura plana necessita,
para uma maior presença de sua simplicidade, um “outro lado”. Este gênero
escultó rico, ocultando o outro lado e ao mesmo tempo provocando uma sensaçã o
de interior, provoca no observador uma tensa imagem de ruptura, que desta
maneira buscará outros recursos para complementar sua visã o integral de
paisagem momentaneamente interrompida. Neste instante a simetria é posta em
cheque, os dois lados idênticos do mesmo plano rompem a integridade da
natureza, que é sua continuidade, sem começo e sem fim.
A escultura clá ssica, com seus limites rígidos, suas três dimensõ es claramente
compreendidas, nã o rompem a transiçã o da paisagem, antes, pelo contrá rio, se
acomoda a ela através do pedestal como mais um componente ambiental.
Running Fence divide a paisagem em margem esquerda e direita, em norte e sul.
Estabelece pó los de orientaçã o como em uma divisã o de territó rio. O vazio de
Running Fence é oda a extensã o da paisagem envoltó ria à escultura. A simetria
física, a repetiçã o ordenada de partes criando relaçõ es diferentes com o fundo,
que jamais é simétrico em sentido artístico, leva, através da interpretaçã o, a uma
descoberta de relaçõ es métricas mais complexas, uma vez que estas se situam no
plano da consciência e da dualidade do ser. A primeira simetria deste gênero é a
da razã o, consciência construtiva, e o da natureza. Estes dois mundos aná logos
formam a mais tensa e imediata imagem da obra de arte. Alguns artista
trabalham para diminuir e confundir estas duas realidades, outros acentuam-
nas. Como se dá a separaçã o irreversível destes dois mundos? – Através da
intensificaçã o do cará ter individual de cada uma das partes: arte como criaçã o
autô noma do espírito (entidade profana), natureza como herança divina.
Percorrer as duas faces corresponde a viver e simbolizar a visã o “dual”.
185
CARL ANDRE E RICHARD LONG
186
firmemente conectado à terra, simplesmente apoiado em outro mó dulo. O
mó dulo é ró tula solta, indício de uma conexã o formal, nã o uma estrutura que se
debate diante dos esforços da força gravitacional.
Carl Andre
187
Sã o vá rios os pontos concordantes unindo a obra escultó rica de Carl Andre com a
de Richard Long. Estã o, os dois escultores, em escolas distintas: na especialidade
da forma vá rios pontos comuns os aproximam, é que ambos escultores
renunciam a tridimensionalidade manipulando fundamentalmente as duas
dimensõ es que compreendem o solo. Sã o esculturas a revelar-se na superfície da
paisagem, porém, como a maioria das esculturas modernas, atuam pela negaçã o
de alguns de seus elementos tradicionais. Andre e Long estã o continuamente
movidos por uma fecunda determinaçã o estética. Diminuindo a dimensã o
vertical da escultura, o que equivale a negar o valor volumétrico da peça.
Richard Long
188
latinos que estabeleciam as fronteiras do habitat social; Andre cria estruturas
horizontais lineares. Colunas e obeliscos tombados sobre a terra que de certa
maneira identificam-se com os caminhos de pedra de Long.
189
SERIALIDADE – DONALD JUDD – 1974
190
açã o construtiva. A obra de arte serial pode ser estudada de duas maneiras:
investigando a ló gica interna do desenho unitá rio, do objeto em si, independente
da ordem estrutural do espaço onde se repousa, espaço arbitrá rio. Mó vel, ele
independe do contexto. Sua razã o justifica-se na idéia do artista, em sua
autoridade. A segunda maneira é contextual, resulta das reaçõ es de fundo e do
fator de adiçã o serial das partes independentes. Criando uma particularidade, a
série estabelece no espaço ú nico novas relaçõ es de unidade com a geografia –
quando a escala o permite –ou com um meio fechado escolhido, um ambiente
relativo. Hoje em dia, a tendência é instalar estes objetos criando um todo
ambiental: arte da instalaçã o. Qual é seu cará ter, entã o, porquê repetir o mó dulo,
esta ilusã o de infinito? O sentido da repetiçã o se encontra na fixaçã o do objeto na
retina ou, melhor dizendo, na consciência? O lingü ista poderia dizer que a
serialidade se encontra a angú stia de uma universalidade frustrada; que se
pretende universal somente na criaçã o de um ramo de comunicaçã o massificado
pela série e nã o pela variedade de possibilidades de adaptaçã o ao especifico da
cultura. Na economia a série artística encontra uma analogia mais adequada,
através da qual vislumbra-nos a possibilidade de uma linha de montagem
universal, semelhante à racionalizaçã o construtiva com afinidade de conexã o
entre produtos provenientes de mundos distantes. Recordamos a ultima obra de
Christo, “Umbrellas”, 1991, 3000 componentes na Califó rnia e outros 3000 no
Japã o, perfeita simetria. Seja qual for o caminho de compreensã o adotado estará
sempre presente a vontade de ser universal do artista.
191
RICHARD SERRA
Richard Serra
192
Se tentá ssemos sintetizar a visã o sobre a escultura de Serra, esforço que
pretendesse superar as abordagens gerais do Minimalismo, veríamos que a
quase totalidade de sua obra atual tende, como concepçã o estrutural, a fazer uso
de um tenso equilíbrio de planos soltos apoiados no espaço. Estabilizando essas
pecas nã o existem elementos fixos de junçã o, as partes simplesmente apó iam-se
umas à s outras, encontrando-se num ponto ou linha de definiçã o. Através deste
recurso plá stico, pró prio da está tica, Serra torna tangível a presença da forca de
gravidade.
193
Serra consegue equilibrar as esculturas sem o auxilio de aditivos presos ao
pró prio corpo escultura. Uma peça horizontal facilmente repousa sobre o solo, já
as peças verticais necessitam apoiar-se no só lido ambiental, por exemplo a
parede, ou pelo peso de outro componente mais pesado; juntando-se dois planos
em equilíbrio, onde é pleno o diá logo de formas e de afinidades geométrico-
vetoriais. Na seqü ência e serialidade deste achado estrutural, Serra produzirá
suas variaçõ es formais, circunscrevendo uma trajetó ria de insuperá vel limpeza
visual, onde as peças crescem cada vez mais de dimensã o e diminuem no
complexo jogo de elementos.
194
A TÉ CNICA ESCONDE O MANUAL
Richard Serra
195
BARNETT NEWMAN
A luz enfrentada por Newman era bem diferente daquela luz ideal, descrita por
Leonardo da Vinci em seu tratado de pintura. Da Vinci necessitava uma luz para
iluminar a pintura, Newman necessitava isolar a luz do quadro da luz ambiente,
criando uma luz particular, uma luz que abandonava o quadro e inundava o
ambiente, gerando uma atmosfera particular via arte.
196
porém, com o ambiente, sua presença pode ser ainda mais real que através da
mimeses representativa.
197
De maneira mais simples, Newman perceberia que o sentimento estava
condicionado pela dimensã o física do quadro, ou seja pela quantidade de cores
postas no plano. Para ele, isto equivaleria a diminuir o cará ter ainda fortemente
retó rico da geometria Suprematista, e de sua capacidade programá tica de operar
uma revoluçã o nas experiências visuais. Malevich busca cumprir as
autodeterminaçõ es de sua poética pelo calculo mental elaborado em programa.
Newmam, ao contrá rio, trabalhou no interior da pintura, mesmo na extensã o
ilimitada da tela, usando somente cor e discreta pincelada. Numa repetiçã o
permanente da cor sem representar em momento algum algo que se postule
como figura geométrica.
198
A PUREZA TÉ CNICA NÃ O EXPULSA O TOQUE PESSOAL
199
também signifique trabalho artesanal, mostrando que a obra de arte é parte de
um mesmo global sentido humano operativo: transformar a natureza para que
ela sobreviva na metamorfose.
200
paradoxo é quase completo. Detendo-se, o artista deixa escapar seu tempo;
apressando-se, foge do artístico artificializando-se no domínio da técnica, torna-
se rudimentar e banal. A técnica aproxima o artista de outro artista, unindo-os
numa comum irmandade universal. Abandonada na tradiçã o, distanciada por
caminhos desiguais.
Como o arquiteto, que recentemente perdeu quase que por completo o controle
sobre a construçã o, o pintor e escultor também observam atô nitos seu saber
universal – sua técnica de estú dio – perder-se junto à vasta galeria do arcaico. A
ausência de um oficio firmado na autoridade das técnicas tradicionais do
artesanato, exclusiva das artes, estende-se a quase totalidade dos campos de
representaçã o. O artista contemporâ neo debate-se entre a pura idéia
conquistada pela liberdade individual e as imposiçõ es gerenciais da indú stria.
Assim vive o artista, quando nã o possui a competência do realizar em meio à
técnica mais avançada.
201
MÍNIMO MATERIAL
Afirmar que um objeto artístico foi executado com o mínimo material supõ e
aludir a padrõ es de medida fixos, externos que lhe servem de modelo. Esta é a
medida clá ssica; medida histó rica universal nos dois mil anos que antecedem o
ato liberató rio, isto é, a possibilidade de realizar uma obra de arte de acordo com
critérios subjetivos de projeto. A quantidade de matéria empregada pelos
minimalistas evoca a equilibrada proporçã o dos clá ssicos antigos. Desde um
ponto de vista tradicional começa a operar o desmembramento da massa figura.
Além de volume a escultura impõ e-se como peso, uma certa quantidade de
matéria que lhe dá consistência e estabilidade gravitacional. Diminuir este peso
por razõ es estruturais significa falsear uma determinada relaçã o, soltando-a da
terra para torná -la transparente e flutuante. Se numa escultura clá ssica a massa
tinha valor representativo, mostra-nos a presença de um interior preenchido,
gerando ilusã o que se expressa pela oscilaçã o do relevo, no Minimalismo o
interior se converte facilmente em vazio. Desaparece o relevo porque neste
instante o interior mostrará a si mesmo, o nada.
Carl Andre
202
A superfície em plano está associada a valores e sentidos abstratos, realidade
antagô nica ao espaço vazio guardado em seu interior. Porém, no interior nem
tudo é vazio. Quando isto ocorre a matéria será massa plena, inerte de uma
dimensã o a outra da escultura. Privada de superfície ela será apenas quantidade
de matéria convertida em forma. Exemplo disso sã o as esculturas de madeira ou
cerâ mica de Carl Andre, grupo de figuras solidas dinamizadas pelo jogo
geométrico de um outro volume final, multiplicado pela adiçã o de mó dulos
concretos: expressã o mínima da matéria. Brancusi é mestre e referencia desta
poética. Sua Coluna-sem-fim prenuncia, por exemplo, as conquistas formais de
artistas como Carl Andre.
É comum nos minimalistas ambientais como Richard Serra, Carl Andre, Christo
ou Richard Long a adoçã o de paisagens homogêneas - fundos neutros -, mar e
ilhas, rochedos e mar, planície com relva, vale entre duas colinas idênticas, como
base para suas intervençõ es quase todos estes lugares apresentam uma
aparência simétrica. A forma bá sica nos ú ltimos trabalhos de Christo é
estruturada pela pró pria natureza. Apesar de naturais e simétricas, estas formas
203
eleitas pelo escultor poderã o apresentar ambigü idade no ajuste com as matérias
escultó ricas: uma paisagem que parece ter sido trabalhada previamente por
algum artista, provavelmente um representante da Land Art. Quando observada
atentamente, com rigor estético, esta paisagem transparece uma potência
plá stica relativa à quela da escultura; em si já se presta para uma intervençã o
poeticamente mínima neste belo natural, selecionado rigorosamente por muitos
exercícios de desenho analítico, poderá ser intuída uma obra de arte.
204
Sua estrutura geográ fica, pela dimensã o e imagem, pede como correspondência
um tratamento semelhante a sua simplicidade, porém, de outra natureza. Que
fenô meno é este, de natureza ao mesmo tempo semelhante e distintas?
Semelhantes enquanto estrutura plá stica e aparência, distintas na medida em em
que a natureza e artifício encontram-se em posiçõ es diametralmente opostas.
Aqui, seria necessá rio evocar os primeiros tratadistas da arte abstrata: “Criar
formas independentes da aparência natural, no entanto, aludindo a sua mesma
idéia de estrutura”.
205
JOSEF ALBERS
206
contemplaçã o da á reas de pura festividade solene dos meios bá sicos da pintura:
cor, tela, quadrado, proporçã o e posicionamento da simples justaposiçã o
cromá tica. Sã o muitas as variá veis na cor e tom e nã o tantas no posicionamento
dos quadrados. Andei percorrendo alguns autores especializados nesta á rea e
confesso a minha decepçã o em encontrar um mapeamento seguro, os
historiadores inteligentes derrapam feio e alguns até enveredam para a
linguagem transcendental. Vejamos o que diz Giulio Carlo Argan ao por em
paralelo a pintura e a arquitetura numa mesma empreitada: “A posiçã o de Kahn
pode em certo sentido avizinhar-se aquela de Albers, um pintor que se move
desde a idéia do quadrado como forma simbó lica do espaço, mas a verifica
através de uma construçã o colorística-tonal mediante a qual a forma simbó lica
se traduz em espacialidade física e visual”. A citaçã o encontra-se no livro L’Arte
Moderna.
207
percepçã o curiosa a que se aventure vencê-la. Sobre tudo deve-se fazer falar as
impressõ es, nã o tenho dú vida, há uma palavra para qualquer açã o humana, se a
ignoramos é só seguir a linha imprecisa da intuiçã o. Algumas sã o mais difíceis de
decifrar, contudo nã o devemos abrandar. Os grandes poetas tiram de letra o
desafio de descrever tais situaçõ es, como nã o sou nem um mestre em metá foras
nem pintor de formas puras, apesar de haver tentado, sigo em frente com meu
ingênuo método rastejante. Transmite-me alegria passear jubiloso pelas
invençõ es certeiras do gênio da cor, o mesmo regozijo encontro em Matisse de
quem já estudei bastante. Estar em posse de uma eterna jovialidade confiante,
creio que será necessá rio nesta viagem sem fim pelo intra-mundo misterioso da
pura abstraçã o. Poderia em certos momentos substituir o inocente termo alegria
por alacridade. Sua sonoridade ríspida me faz lembrar dos testemunhos dos
apavorados alunos do guerreiro alemã o Albers. Suas investigaçõ es metó dicas
denotam para mim os símbolos que orbitam em torno do adjetivo cristalino -
limpo, claro sob luminosidade plena, sem a interferência dos matizes, meios tons
e nuances, vitó ria sobre o espaço sem conflitos, o corpo em harmonia có smica
exultante, a ponto de antever a felicidade como fato absoluto dominando por
instantes o ser disciplinado. Exercício espiritual em cujo centro desponta uma
episó dica intuiçã o do absoluto. Ah, e que a teve! Contemplar significa aqui
renunciar aos sentimentos trá gicos carregados há milênios pela tradiçã o artística
religiosa, sem deuses nem dor, tampouco heró is. Por que nã o uma pintura
somente humanista no mais ideal que supõ e o termo. Digo humanista em sentido
renascentista, como desafio de moldar o homem universal sobre a controlada
sombra oferecida pelos textos gregos e latinos. Nã o esqueçam que nosso pintor
além de outros méritos, foi durante a vida professor e tratadista; seu
compromisso era se tornar educador e uma voz criteriosamente didá tica.
208
LER NO TEMPO
Donald Judd
O que vem a ser em definitivo interpretar uma obra de arte no tempo? Como a
mú sica e literatura, a escultura se omite a sua totalidade para além dos limites da
visã o. Esconde todas as suas dimensõ es sistematicamente. E permite variaçõ es,
recompondo-se numa ordem que sempre será ela mesma. Antes tínhamos o
espaço exterior como enquadramento da forma, hoje a forma expande-se além
do espaço: o espaço muda, a obra nã o. Seu suporte já nã o é fundamento. Ler uma
escultura no tempo é percebê-la em seu desdobrar constante. Adaptando-se
infinitamente à variedade sempiterna do fundo. Isto é uma escultura de Donal
Judd, ou uma coluna horizontal de Carl Andre.
209
dispersa em distintos locais e períodos. Em alguns momentos, inclusive, estará
disfarçada por aparências espú rias. Mascaradas, se analisadas no tempo, por
outras ordens estilísticas.
Reconstruir a imagem de uma escola dispersa pelo tempo, através da histó ria, é
tarefa para arqueó logos. Colar fragmentos desconexos, encontrados em
escavaçõ es e extrair deste quebra-cabeça um significado, é tarefa que foge à s
necessidades do estudioso de arte, que nã o precisa ver sentido além da obra
integral, fechada em si mesma. O fenô meno da interpretaçã o pú blica nã o se
detém, aterrorizado somente diante do Minimalismo - uma arte impregnada de
personalidade. Estudar também a apreciaçã o pú blica no Minimalismo é dar
coerência ló gica à cultura que colhe no tempo distintas influências. Agregar a
uma ú nica composiçã o estas influências, deve ser o alvo primeiro de qualquer
crítica que se pretenda abrangente. Esta crítica terá que vencer os desafios
provocados por uma forma incompleta, apagada quase que totalmente de suas
impressõ es ocasionais do tempo passado. Terá também que vencer as ilusõ es
que desorientam o olho desatento. Enfim, deverá reconstruir o sentido da obra
somente pela faculdade de interpretaçã o e pela palavra em sua semâ ntica
persuasiva.
210
INTERPRETAR A SIMPLICIDADE
Durante a leitura desta seqü ência de reflexõ es, à modo de ensaio, sobre a Poética
do Minimalismo será necessá rio que o leitor desperte a sua má xima atençã o a
fim de unificar as possíveis analogias ocorridas; todas, evidentemente, derivadas
de um certo desencanto individual em face da multiplicidade, também da noçã o
de conjunto abrangente; fenô meno comum à s manifestaçõ es artísticas no Pó s-
Guerra e da enfadonha e insignificante imagem dos produtos de consumo na
economia industrial. Isto é: coordenaçã o modular e reduçã o dos componentes ao
mínimo grau elementar, contençã o dos conteú dos expressivos, e, quando
possível, sua total eliminaçã o.
John MacCrecken
211
unidade por serialidade). No qual, o conceito clá ssico de “totalidade” na unidade
é substituído por uma unidade através da perfeiçã o serial; o mínimo absoluto.
A extensã o física do fato artístico – sua dimensã o real – está circunscrita à série
matemá tica, esta por sua vez será submetida à ordem estética histó rica. A
quantidade de unidades que compõ em o todo (a obra) é fruto de um repetiçã o
arbitrá ria, pró pria da imaginaçã o artística. Terá lá seus motivos, mas jamais
serã o revelados numa bula explicativa. O artista cumpre ordens, determinaçõ es
afloradas no interior da pró pria autoridade artística outorgada como linguagem
pelo meio em que vive o artista. Neste sentido, o Minimalismo também deve sua
coesã o à sintaxe. No reino da profunda sintaxe lingü ística, tudo é lei. A
matemá tica no Minimalismo é ordem composta, tendo por base a Estética. É uma
numeraçã o intuída e sobretudo sensível. Nã o se impõ e através de ló gica interna
independente.
212
ALDO VAN EYCK – KROLLER-MULLER MUSEUM
O compromisso do arquiteto holandês Aldo Van Eyck sempre foi elaborar no ano
no meio de uma rica e sofisticada sociedade européia, exemplos de obras
pú blicas em cuja forma e construçã o seriam explorados o material barato a ser
produzido em série pela indú stria. Ao que me conste, nenhuma das grandes
reputaçõ es arquitetô nicas modernas desceu tã o baixo na simplicidade e
economia como alvo de conquista da extrema simplicidade “brutalista“, justo
num tema que sempre exigiu do arquiteto o má ximo de sua potência em revelar
a alma histó rica do edifício monumental. Hoje, todo este estoicismo parece
datado - fora de moda - meio absurdo para os jovens que nã o viveram a memó ria
destes tempos sombrios de pó s-guerra. Com a idade, algumas obras
representativas de um passado nã o muito distante, nos parecem hoje algo
pitorescas, mas de um modo gentil.
213
O ano era 1966, o programa dado ao arquiteto era sucinto, criar um pavilhã o
temporá rio a ser disposto ano grande jardim do Museu Kroller-Muller dedicado
a abrigar esculturas modernas na cidade de Hoenderloo, Holanda. O material e a
técnica: bloco de concreto estrutural, predominantemente; a cobertura foi
composta por uma leve clarabó ia de vidro e armaçã o metá lica suspensa sobre as
paredes auto-portantes independentes umas das outras, ocupando a extensã o
total do quadrado da planta.
214
tempo culto e humilde. Arquitetura mais propensa a responder perguntas
despretensiosas do que atender à exigência de uma julgamento categó rico e
erudito. Aqui nã o há necessidade de se falar muito.
215
Imaginaçã o intelectual em rara gradaçã o. Mas nã o é exatamente esta qualidade
que me deixa de quatro. Escolhi este museu por ser uma prova contundente de
que a alta qualidade nã o tem necessariamente na arquitetura preço elevado,
outrossim, possui os atributos somente conseguidos pela refinada cultura
erudita. E o melhor de tudo, nã o corresponde ao resultado obtido somente pelo
homem superdotado. Seu autor foi um homem consciencioso e aplicado à tarefas
técnicas e de profundo entendimento do significado do papel humanista da
arquitetura contemporâ nea. Mais um recado, examinem também com lupa o
detalhe promovido pelo encontro entre as vigas metá licas intermediando o ritmo
sinuoso da clarabó ia. Pura levitaçã o, simples, rá pido e conclusivo. Na base seria
impossível criar um detalhe marcante diferenciando o encontro das paredes com
o piso. A dinâ mica dos blocos e paredes baixas servindo de pedestal devem sua
importâ ncia ao neo-plasticismo; marca registrada da cultura moderna holandesa.
216
GEORG MUCHE
O resultado plá stico foi frio e pouco expressivo, lembrando, sob a ó tica de uma
releitura rigorosa, uma típica Casa Palladiana. Esta casa experimental é tudo de
representativo de uma grande obra de arte, falta-lhe no entanto sinais da pura
217
geometrizaçã o, a expandir-se até o absoluto posteriormente, rendendo tributo
ao espírito da simetria nos anos subseqü entes de Dessau. O toque da mã o
expressionista do arquiteto e pintor nã o foi sentido nos pormenores, tampouco
na soluçã o adotada como partido volumétrico.
218
A forma como um todo demonstra um pensamento clá ssico. Reinava em toda a
vanguarda européia de Pó s-Guerra um anseio de recuperar ordem. Foi um
período de adoçã o do neo-classicismo pelas artes em geral. Pablo Picasso, depois
de uma década de Cubismo, disse em bom tom: “É preciso matar a arte
moderna”. Foi ele pró prio um dos maiores representantes da pintura figurativa
nesta década. Pelo que se pode observar através do mobiliá rio, prevalece a idéia
de explorar o jogo plá stico entre madeira e neo-plasticismo holandês ao modo de
Gerrit Rietveld.
219
Vista de um dos Quartos
220
A QUALIDADE DO MENOS
O fato incomum desta planta recai sobre a posiçã o dos seis pilares, nenhuma
razã o aparente justifica a inversã o da ló gica. Porquê vencem o vã o maior,
contrariando o senso comum? Um retâ ngulo de vidro aberto à magnífica
paisagem dos Alpes suíços. O interior lembra a Farnsworth House de Mies van
der Rohe. Simples e devassada de doer, me é irresistível, tendo a chamá -la de
minimalista por facilidade, só para nã o pensar muito. A planta é a dimensã o
menos interessante neste estilo reducionista. Tende quase a ser nula e nã o
contar muito na fala do arquiteto. O que fala alto entã o? - Creio ainda no poder
do detalhe, também no arrojo estrutural. A ausência de partiçõ es na planta
minimalista rende tributo ao confuso surrealista. Sua qualidade maior repousa
na conquista do limite do menos. Há uma palavra para isso em nosso idioma?
221
Uma planta equilibrada no fio da navalha, qualquer oscilaçã o para o mais causa
distú rbio e anulaçã o do propó sito.
Samuel Beckett inventou uma palavra que faz sentido em inglês e ao tentar
traduzi-la para nossa língua pobrinha fica quase sem sentido: lessness. Um
menos + ness dá no que afinal? - Como smart + ness dá em esperteza. O sujeito
que se funde a um sufixo que lhe arremete ao substantivo maior, ao flexionar-se
ganha á rea no infinito, algo de uma substâ ncia superior. Nã o me recordo de
haver estudado a semâ ntica do menos em nenhuma oportunidade. Caso tenha
dissertado sobre o menos, terá sido há muito, muitíssimo tempo atrá s. O que é o
menos, onde empregá -lo, por que descer até ele? Alguém disse sabiamente que o
menos é mais. Paradoxo que dá o que pensar. E o menos que devia: o menos do
que merecia; há menos gente que assentos; há menos comida...
222
expressivo do menos; o barroco expande-se à hipertrofia do mais, mais, mais... E
quanto este mais se torna muito? Menossidade, menissidade, emenescer, estado
característico do menos. Viver no menos, estar no menos, ser menos, estar
menos, aderir-se ao menos. Agir em prol do menos é igual a diminuir?
Desconheço o texto escrito por Beckett contendo este termo lessness. Cá no meu
humilde lado, fico a imaginar um sujeito desgraçado cuja essência está neste tal
de lessness, diferente das resultantes da situaçã o do pouco.
223
MINIMALISMO VERSUS BORRACHARIA
224
antepondo-se à sujeira permanente. Evidentemente esta contraposição de duas
condições de trabalho completamente despidas de intenção simbólica, direta e
evidente, seria artificial, contudo poderia ser estimulante como jogo intelectual mantê-
las em ativo. A mente precisa, nesta hora crítica, marcada pelo transbordar de
hípoteses, de alguns parâmetros rígidos. Parto sempre do princípio da menor energia
gasta nas movimentações operacionais, ou seja até no Barroco existe uma idéia
econômica norteando o trabalho humano. Gasta-se o mínimo para se chegar ao
exagero também no Barroco. Em contraposição, penso na grotesca e hiper necessária
estética da borracharia. Até o mais luxuoso automóvel procura seus serviços quando
fura o pneu no meio da estrada. Tudo nela é muito prático e também muito
econômico. Pneus usados carregam as marcas da terra.
Chamo de estética tectônica – esta que reflete criticamente sobre a mera construção –
a reflexão sobre a costura, a cola, a solda, o rebite, o parafuso, o alinhavado, o pregar,
o botão, o velcro, dobradiça, chumbar, encaixe, a cunha, ancorar, prender, cavilha,
etc. A borracharia é parte desta poética do neutro? O que posso ganhar ou perder
investigando o território construído do nada? Nele habitam homens, são felizes,
constroem suas vidas, têm seus filhos, amam, sonham com uma vida melhor e
morrem. O que tiram de seus não lugares, da escassez de seus símbolos, de sua
solidão cósmica? É isso que quero descobrir!
225
colorido extravagante, será um desvio contraditório em direção ao território
figurativo. Um desdobrar simbólico fora da primeira necessidade. Desvio de atenção.
O rasgar no tecido é igual a fissura na tectura da superfície construída.
226
purificação que na oposta máxima forma ostentatória. Arte de purgar é o mesmo que
técnica de depurar ou de lapidar?
227
NADA
228
O MITO DO FUNCIONALISMO
Antes, (quando eu era ainda criança) até num pequeno apartamento de classe média
era fundamental a existência de uma entrada de serviço lateral dando acesso à
lavanderia e dependências de empregada; que muito certamente viveria por anos com
a família. Comprava-se inclusive um apartamento sem garagem nesta época incipiente
do proto-modernismo, hoje é impensável ser vendido um apartamento de dois quartos
sem as duas garagens. Aqui estamos diante do sagrado, em alucinado deslocamento
semântico. A cozinha era uma fábrica isolada em cujo desalinho uma mulher feia, e
excluída socialmente, operava quase como uma escrava; nesta época, cada casa tinha
sua parcela de senzala. Hoje, a cozinha é um caríssimo altar encomendado em loja de
luxo, aberto na posição mais nobre da sala de estar e sempre aberto a visitação
pública. A poética do espaço funcional adaptou-se a uma farta sociedade de consumo,
nela rituais de artesanato culinário são postos em magnífica ação. A empregada
ganhou status e mais dinheiro, hoje ela é uma orgulhosa diarista e já não cozinha
como antes. A quantidade de armários caros aumentou, ganhando relevância na
arquitetura habitável. Portanto, o armário é mais um dos objetos sagrados e
deificados. Isto sem contar o delirante recinto da higiene pessoal. Este fim de semana
estive numa cidade de médio porte do Estado do Paraná e o arquiteto de levou-me a
conhecer um de seus projetos de mansão em fase de acabamento. O closet e o
229
banheiro da suíte principal lembrou-me da Catedral de Chartres. O lugar todo aberto
ao quarto era escandalosamente ritualístico em termos decorativos e funcionais.
230
preciso um cirurgião plástico, um personal trainer, um massagista, um cabeleireiro,
um maquiador, um assessor de imagem e de vestimenta; todos muito habilidosos,
preparados na técnica de ocultação de um corpo que só causa dissabores a quem vive
se comparando às modelos de moda. Resumindo, a classe-média que endeusa o
funcionalismo carrega um corpo impregnado sempre de imaginário e sensações de
desconforto. Por este motivo, espera de quem a atende um serviço digno das estrelas.
Esta classe espera dos serviçais o tratamento antes ofertados somente aos reis. Assim
ocorre seu referencial maluco.
A arte maior será uma ameaça terrível à estabilidade emocional da classe-média, seu
fator coagulante. Para tanto, ela inventou uma série de proteções contra a arte de
viver. Como as escolas de arquitetura são freqüentadas e voltadas hoje em dia quase
que exclusivamente a esta gente sem alma, todas as disciplinas serão construídas de
tal forma que anulem o discurso artístico, e em seu lugar transforme o alvo capital,
agora convertido em estética, os resultados de sua lógica ontológica. Antes, o nome
dado para esta nova lógica, era Funcionalismo, hoje, ele desdobrou-se em várias
disciplinas disfarçadas de ciência empírica: Conforto, Sustentabilidade, Urbanismo,
Paisagismo, Desenho de Interiores, Patrimônio Histórico, APO, etc. Todas estas
especialidades do arquiteto medíocre, aninhado na Academia, têm por alvo uma única
direção: apagar, destruir, eliminar do horizonte, esquecer por completo o maior
inimigo, o arquiteto artista e sua arte - o fator diluidor, desnorteador, da lógica do neo-
escravo. Mas afinal, de quem mesmo ele é escravo? - De si mesmo, de seus
preconceitos, de sua ignorância, de sua visão chã de mundo, de seus curtos horizontes.
E do que, em resumo, mais ele tem medo? – Em primeiro lugar da inteligência, e na
231
seqüência, do forte, do espiritual, do criativo, do corajoso, do artista. Como o artista
moderno encarna a síntese do super-homem extremamente livre e nada decadente,
será este mesmo artista o ser a representar o maior perigo dentro do sistema da plena
funcionalidade, da objetivação, que norteia a identidade do arrogante homem médio
atual.
Qual é a estratégia tipo do modo funcionalista de pensar? – Ordenar numa seqüência
encadeante as funções práticas produtivas e preconceituosas da mente paranóica.
Feita a ordenação, o funcionalista poderá se dar por satisfeito com os resultados
óbvios deste arranjo, ou, avançar no sentido de mascarar com decorados a opacidade
agressiva dessa incolor massa informe. Temos portanto dois tipos de funcionalismo:
aquele meramente conectado à lógica da fria produtividade – contendo um mínimo de
símbolos – e um segundo tipo cuja sem graça superfície opaca se reveste de múltiplas
artificialidades decorativas. A arquitetura de interiores contemporânea - de gênero
Casa Cor - é um avanço simbólico desta última categoria rumo ao espaço interno;
ordenado como um cenário de conto de fadas – que em si, é a literatura padrão, a
bíblia, da classe-média triunfante. Sabemos que a classe média não suporta a
condição de estar alerta - ver, sentir, perceber, mostrar-se. Vive pois num estado
limítrofe à crônica depressão. Inclina-se um pouco e ultrapassa limites, deprime-se. A
classe-média vive permanentemente cansada de sua condição artificial. Seu corpo é
um amálgama de desconforto e cansaço latente. Precisa urgentemente aposentar-se,
sair de férias, descansar, dormir, desaparecer, tirar suas máscaras e acomodar-se ao
pijama num amplo sofá macio. É muito cansativo para uma mulher de classe-média
enganar os outros com seu corpo oculto pelo peso do disfarce. Não suporta sua altura,
a cor do cabelo, a coloração da pele, o peso de suas banhas (como come muito, está
sempre fora do peso). Sua silhueta e sua verossimilhança a inibem. Antes de
apresentar-se em público esta pseudo mulher-atriz precisará disfarçar-se com todos os
rigores da ocultação. No fim do dia, estará exausta de tanta falsidade desconfortável.
Precisará de uma casa prática e confortável em cujo espaço toda natureza atmosférica
seja tão artificial quanto seu corpo e personalidade. Precisará de ar-condicionado,
calefação, exaustor, grossas cortinas, persianas, venezianas, toldos que enganem o sol
e uma iluminação que esconda as imperfeições da pele. O espaço mais importante
para este cansado, e deprimido nato, é portanto o quarto – uma perfeita e anestésica
câmara de amortecimento e esquecimento de mundo. Neste recinto, a classe-média
esquecerá da vida. As fabulosas lojas de colchões prometem o mundo quimérico a
232
estes desgraçados de corpo dolorido, já com a coluna dorsal em frangalhos. A
engenharia do sono não para de evoluir, criando aparatos alienantes cada vez mais
sofisticados àqueles que preferem se refugiar na câmara de Morfeu. Falo do quarto,
mas este raciocínio da artificialidade se estende a todos os demais cômodos da
habitação. E ai se você tocar nestes mitos, pondo-os sob suspeita. O funcionalismo
está em íntimo contato com a impostura. Aqui em Alphaville, preocupo-me com a
distância da cidade real. Contrariamente, para a classe-média a distância será um
benefício. Isolar-se dos pobres e da gente comum, e não ver a amplidão da vida, é
prioritário. O grande muro assegura um campo salutar para o cenário camuflado.
Higienizar o olhar impedindo-o de ver a verdade, isto é o que promete e cumpre o
empreendedor imobiliário dos assépticos condomínios horizontais. Não esquecer
jamais que a classe-média não suporta a menor incursão do senso crítico em seu
comportamento padronizado, ela prefere o convívio do tolerante psicólogo, a estar
diante de uma mente demolidora e investigativa, como a do filósofo ou do artista
inteligente. Qualquer sujeito que lhe revele a verdade, será portanto um desconforto
dos diabos, melhor não convidá-lo à festa, nem privar de seu convívio. O
Funcionalismo Decorativo da classe-média avança e ganha enormes territórios na
cidade contemporânea, transforma tudo que vê pela frente em adocicada paisagem,
num cenário repetitivo e insípido que pronto cansará. A inconsistência artística em
nosso meio levou a sociedade a um campo fértil para a arrefecida mídia publicitária.
Leio e releio meus escritos querendo anular as observações moralistas ali contidas.
Confesso, não é nada fácil, às vezes falho. Mas não é minha intenção ser o repressor
moral da classe-média; quero apenas compreender à fundo seus valores mais
substanciais e seus alcances civilizatórios. Não acho de maneira alguma que agindo
assim, tão passivamente, esta nova classe irá direto para o inferno, nem tampouco irá
aos céus, pois continua sendo essencialmente manada, e creio por um bom tempo
ainda. Ponto final. Meus critérios de análise são forjados em bases humanistas,
portanto, creio em seus princípios e nos valores da educação universitária,
inauguradas na época renascentista. Não acredito que a atual educação superior,
oferecida pela gananciosa indústria do diploma, vá ajudar a melhorar
substancialmente o progresso espiritual do homem médio. Em termos de progresso
social moderno e democrático, creio ainda estarmos engatinhando. Sou contudo
otimista, chegaremos mais à frente um dia desses.
233
ESTÉTICA PROTESTANTE E MODERNIDADE
Estou animado com este novo assunto: ligar o protestantismo centro europeu às
poéticas do pobre branco imaculado pode dar samba. Sem contar esta entediante
higiene solar, ofuscando nossa visão em lugar do encantador claro/escuro. O golpe
dos modernos protestantes foi fatal e certeiro. Quiseram em primeiro lugar destruir no
homem sua veia poética, logo em seguida abateram sua noção de equilíbrio e
proporção na composição de elementos formais. Isto sem contar sua castradora ética
socialista. Preciso relembrar os efeitos nocivos à sensibilidade, impostos pela religião
adventista em minha infância. Foram uma quantidade de vazios sem fim, dias
solitários e inócuos, observando o prazer de viver correndo solto a minha volta, sem
poder tocá-lo; só imaginando como seriam. A vida de um protestante radical é toda
tolhida, somente com um único alvo: eliminar o apelo corporal em nome de uma
promessa futura de vida eterna lá longe na nova Jerusalém. No socialismo acontece
algo parecido. O indivíduo se castra para que o Estado alcance sua plenitude abstrata,
desenhada por loucos que se consideravam intelectuais. Hoje pela tarde assisti dois
amigos arquitetos discutindo o que pode ou não ser feito em sua poética moralista.
Ornamento nem pensar, falso bronze em superfície de laminado plástico também.
Creio que o arquiteto, que nunca primou entre os demais artistas modernos por uma
inteligência privilegiada, agora afundou de vez na idiotice fundamentalista. O que era
pouco tornou-se indigência crítica e gosto chão.
234
ensinou a proteger e respeitar. Conseqüentemente, este mesmo homem passou a julgar
a partir de slogan, tornou-se um defensor da apatia. Para ele, um homem só seria um
ser de valor se defendesse determinada ideologia. O Pathos de homem para homem
foi eliminado na modernidade. Importa agora somente o conceito, e não o homem em
sua totalidade. Pobreza é a inquestionavelmente a palavra que melhor define o
modernismo protestante transmutado em paganismo socializante. Obscurantismo,
pode-se dizer com toda a certeza que este homem fanaticamente ligado ao sentido
prático e funcional é um obscurantismo ainda mais intenso que aquele da idade média.
Renúncia, sim, é isso aí, a ideologia de esquerda que doravante baliza os critérios
éticos do home de hoje exige de cada um de nós um programa intenso e aplicado de
renúncias a praticamente tudo que signifique elaboração formal e alegria interior de
viver. Só vale mesmo as diversões de massa praticadas todas ao mesmo tempo nos
dias e ocasiões que o Estado mandar. O Estado ligado à economia, evidentemente.
Que homem é este que sem pressão ou violência abdica totalmente de seu caráter
grandioso? - Descuidado. Alguém que assume a identidade de distraído. Alheio ao
seu próprio corpo. Um homem que fala e ouve apenas estereótipos. Aquele tipo de
imprudente que negligenciou por completo sua totalidade humanista em nome das
promessas e segurança oferecidas pelo Estado. Melhor dizendo, um ser abobado,
completamente descurado. Excluído da natureza individual. O homem desajudado é
aquele que espera ser ajudado desde fora, jamais crê na possibilidade de ele mesmo
em liberdade vir a definir seu próprio destino. Desistência de viver por si mesmo e
para si mesmo. Extinção das parte pecaminosas: sexo, volúpia, inveja, ira,
concupiscência, ódio, gula, avareza. Interrupção dos nervos sensíveis. Suspensão.
Suspender o gênio vital, interromper a capacidade de criar o próprio deleite e de
julgar o que bom e mau para o próprio corpo. Amenorréia?
235
Prevaleceu no século vinte o mundo ao qual Nietzsche tanto nos advertiu evitar. Os
infelizes ganharam a guerra. A ética cristã da completa renúncia do corpo foi a maior
vitoriosa. Abnegação a uma causa inventada no laboratório ideológico da academia,
cessação de uma tradição ancestral. Um cessar que me mete medo, que me horroriza.
O homem abandona o clamor sensível em nome de uma vida artificial plena. O
movimento sempre existiu, sempre pediu ao sujeito abnegação, altruísmo, desapego,
desinteresse, desprendimento, devotamento. Julga-se a faculdade de sentir prazer
pelas formas agradáveis e belas um pecado terrível. Compare-se uma parede de
concreto aparente embolorado da arquitetura paulista a uma parede fartamente
decorada de uma igreja projetada pelo Aleijadinho. Devemos meditar muito
seriamente sobre o valor dessas coisas. É preciso por a capacidade critica novamente
para funcionar. A religiosidade cega e tomada a risca pelos arquitetos modernos não
pode mais ser levada à serio. Como todo o mal moderno desde a Revolução Francesa
vem dos equívocos da frustrada e triste classe média, não seria nada absurdo atribuir
ao seu desanimo suicida a feiúra de seus edifícios.
236
PERFEITA ELEGÂ NCIA
Minha loucura por móveis atingiu outra vez altos graus de paroxismo. A casa de
Curitiba voltou a ficar pequena graças ao voraz apetite comprador. Comprei um sofá
de dois lugares e uma chaise estranha de Le Corbusier. Onde ficarão nem eu mesmo
sei. Flexiono uma vez mais o tolerante verbo espremer, reordenando meus cômodos
há muito sufocantes. Estava em dúvida sobre o Hofmann em couro negro. Depois de
vê-lo tão maravilhosamente disposto na loja Valentino, achei que ficaria perfeito
também ao meu lado. Chipperfield foi magistral em muitos aspectos, alguns deles
inclusive bem difíceis de compor. Todavia ele não me convence totalmente como um
dos top gênios contemporâneos. Falta-lhe aquela mágica dose de monumentalidade
alinhavando a finalização. Na feitiçaria arquitetônica cabe em qualquer situação o
mistério insolúvel. Diria que para chegar lá poderia submergir como um possesso no
negro imaginário lacustre e, uma vez ali imerso, aprender a mandinga dos deuses
danados. Garanto, sua arquitetura sairia ganhando! Seria engraçado montar um curso
desse tipo na pós-graduação. Onde seria, como seria? Quanto a chaise pintada de azul
com encosto em couro bege de Corbusier, nada de novo acrescentaria. Como tudo que
237
realizou, transborda em mistérios estéticos. Foi nosso maior mago, afianço sem ler as
minúcias. Chipperfield é único contudo num raro aspecto em nossa época maneirista,
foca no detalhe e no profundo acabamento construtivo. Entre os grandes não há
ninguém mais assim. Diferente de John Pawson, muito preocupado em ser
monumental com apenas o nada.
238
simbolizando o mínimo possível. Onde quer chegar concluído seu trabalho? Nem
ele mesmo sabe de antemã o; o fleaneur se deixa levar pelos convites
surpreendentes do azar. Se pensa ou escreve, é para satisfazer seus caprichos, e
seus ideais de beleza nã o sã o tã o fixos assim. Jamais se viu o Esteta pregando
ostentaçã o como um mestre salvador de seres humanos em queda. Solene, frio
em sua janela aberta ao movimento em destaque, observa impassível;
desconfiará da autenticidade dos propó sitos de quem ensina a redençã o aos
demais. Sentimentos sem ênfase incomoda aos sanguíneos. Mistério, esse
homem sem grifo...
239
ADOLF LOOS
Que tal terminar o dia feliz exercitando a memória visual num texto difícil e
provocativamente inédito! Mas o que poderia ser surpreendente desta vez? Estou até
as tampas, entupido de sopa rala, depois de um frugal jantar com o que havia de
disponível em minha esquecida despensa. Desinspirador, eu diria. Uma única obra,
nunca antes comentada, nada repisada, importante contudo em meu ideário estético.
Uhm... deixe-me puxar pelo coração... Às vezes, me dou conta de já ter passado a
limpo todas as minhas maiores inquietações formais. Escrevi um livro sobre a pintura
abstrata, até satisfatório para meus critérios; outro sobre os interiores modernos –
aqui acertei mais -, falar de literatura ou sobre a vida de meus poetas preferidos
exigiria muito esforço criativo, impraticável agora. Li muitas biografias no passado e
no entanto nenhuma delas exigiu de mim uma resposta clara, uma contestação à altura
do que propunha o escritor. Arquitetos? – Nem pensar, levam uma vida chata, mesmo
os mais criativos são uns porres. Gostaria muito, mas não teria o vocabulário
necessário à descrição de uma beleza feminina singular, justo agora. O tema me
fascina em excesso, deixo-o para mais além. Lembrei-me da Casa do Dr. Scheu de
Adolf Loos, 1912, Viena. Uma casa polêmica que a ninguém agradou em sua época.
O público achou mais favorável se fosse construída na Tunísia. Esta casa sempre me
deixou perplexo e sem palavras desde que a vi publicada pela primeira vez numa bela
edição colorida da Editora Gustavo Gili. Nada tão desafiador quanto escrever sem
palavras sobre o que se gosta muito. Há nela uma ousadia aberrante que me agrada
como defensor do gosto singular. Constato em seu partido o uso de uma iconografia
geométrica tão pura que a sinto quase impossível para a época em que foi projetada.
Veio ao mundo em resposta a um ideal bem estranho de simplicidade zen numa
cultura caracterizada pelo mais escandaloso barroco imperador. Hoje à tarde tentei
explicar ao Novak os princípios da poética da neutralidade, praticados por Gropius
quando criou a Bauhaus. Gropius conheceu Loos em Viena. Ousei até compará-los
com as formas das bolsas, sem ornamento ou figura, criadas aqui em sua firma
curitibana. Contundentes, são todas as casas de Loos por nada apresentarem de
figuração retórica. Corajosas por ser algo mínimas antes de todo mundo achar que
seria viável tal redução. Por fora a Casa Scheu chega a ser chocante de tão
provocativa que é pela ausência de mínimos elementos chamativos. Há uma
permanente tensão musical no jogo das aberturas, contrastando com a ascendente
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volumetria escalonada. Loos tirou tudo do exterior com o objetivo de surpreender no
rico interior. Dentro, o jogo é soberbo e confunde de tão sofisticado que é em cada
parte hiper pensada. Fino artesanato na execução dos pormenores, rimas nada óbvias
(isto quando penso nas simetrias entre volumes interiores). A Casa Scheu existe ainda
e em bom estado de conservação. Entre as obras de Loos ela é pouco comentada. São
cinco andares, o primeiro deles é semi-enterrado, o último, bem reduzido, coroa a
terminação do edifício. A medida que cresce, a planta vai diminuindo e ganhando um
terraço sobre o piso inferior. Termina numa laje plana com platibanda. O tom do
discurso é a sofisticação de ser simples em escala universal. Prática de nobres
espíritos que jamais relutariam em ceder suas expressividades ao convite de uma
economia restrita ao ideal de silêncio. Insólita, anormal, diriam os leigos ao comparar
sua imagem a da cidade tradicional. Aqui tem início uma forma nova de arrogância
criativa. O gênio contra a cidade, e contra todo o mundo. Não interessa mais
continuar, importa sobretudo ser diferente, transgredir, diferenciar-se dos demais,
interpretar as novas demandas técnicas. Os arquitetos modernos dedicados à crítica
sistemática viam em Loos a possibilidade de uma nova socialização, eu, ao contrário,
vejo em Loos um novo veio de poesia individualista que o leigo jamais irá
compreender. Arquitetura de dandy provocador. E para mim esta descarada
intromissão nos negócios puros já interessam por seus próprios méritos artísticos.
Gosto antes de tudo da solução anti-cansaço criada por um arquiteto que sentia no ar a
presença massacrante da cultura de massas. Bruno Zevi resumiu a arquitetura
contemporânea a um jogo sugestivo de volumes extravagantes no qual seria colocado
toda a ênfase expressiva, já que a partir daquela época seria proibido agregar
ornamentos.
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ÍNDICE
242
32. Capela Rothko - 79
33. Ritual - 85
34. Kazuo Shinohara - 90
35. Repetiçã o Cadenciada - 93
36. Oswald Mathias Ungers - 95
37. Shiro Kuramata - 96
38. Qualidades da Arquitetura da Simplicidade - 99
39. Cidade Moderna - 103
40. Gigon & Guyer - 104
41. Referencias Vernaculares - 105
42. Difícil - 107
43. Arte Popular e Informalidade - 108
44. Empena Cega - 107
45. Pode o Româ ntico conquistar a Simplicidade -
46. Inédito - 111
47. Em Caso de Dú vida o Mais Simples - 113
48. Lugar -
49. Elemento - 117
50. Ornamento - 120
51. Simplicidade das Capas Contemporâ neas - 123
52. Planta Livre - 126
53. Planta Miesiana - 127
54. James Stirling - 128
54. Má rcio Kogan - 129
55. Gerrit Rietveld - 130
56. Walter Gropius e o Neutro - 131
57. Á lvaro Siza Vieira - 133
58. Eero Saarinen e a Planta Circular - 134
59. Detalhes Arquitetô nicos - 135
60. Solidã o do Arquiteto e a Forma Fá cil - 136
61. Simetria - 140
62. Amâ ncio Williams - 141
63. Rumo à Arquitetura Absoluta - 143
243
64. Norman Foster - 145
65. Espaço e Luz em Luis Barragan - 147
66. Philip Johnson - 150
67. Arquitetura com Arte para o Pobre - 152
68. Mondrian, Christo e Duchamp - 155
69. Piet Mondrian - 157
70. Christo - 161
71. Marcel Duchamp - 164
72. James Turrel - 166
73. Land Art - 169
74. Alice Aycock - 172
75. James Turrel - 176
76. David Adjaye - 178
77. Christo - 180
78. Carl Andre e Richard Long - 182
79. Donald Judd - 186
80. Richard Serra - 188
81. A Técnica Esconde o Manual - 191
82. Barnett Newman - 192
83. Toque Pessoal - 195
84. Mínimo Material - 198
85. Josef Albers - 202
86. Ler no Tempo - 205
87. Interpretar a Simplicidade - 207
88. Aldo van Eyck - 212
89. Georg Muche - 216
90. A Qualidade do Menos - 220
91. Minimalismo versus Borracharia - 225
92. NADA - 226
93. O MITO DO FUNCIONALISMO - 227
94. ESTÉTICA PROTESTANTE E MODERNIDADE - 322
95. PERFEITA ELEGÂNCIA - 235
96. ADOLF LOOS - 238
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