Fenomenologia Da Simplicidade

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MINIMALISMO E A POÉ TICA DA SIMPLICIDADE

Kleber Ferraz Monteiro

2015

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POÉ TICA DO SIMPLES

A poética do simples: contradiçã o do espírito de atualidade. No Século XX, valer-


se ainda do primitivo termo “arquitetura” parece uma atitude pró xima do
abusivo, nã o completamente nominativa, uma quase transgressã o das mú ltiplas
possibilidades semâ nticas do termo. Ela, a forma construída do simples,
apareceu atendendo à s inéditas necessidades uma nova associaçã o de palavras:
uma antiga, monumental, em toda sua resistência, “arquitetura”; a outra atual,
elá stica, admitindo tudo que define o desesperadamente difuso, “moderna”. À
primeira vista, a justaposiçã o destes dois termos surge para nosso tempo como a
aliança de dois sentidos aparentemente irreconciliá veis na origem. Em sua base
pretérita - na origem etimoló gica - o termo “arquitetura” nomeava o fato
transcendental na técnica de edificar. Procurava atender ao desejo de grandeza
dos homens, quando homenageavam a si mesmos na figura de seus deuses. A
memó ria do homem antigo sobrevive ainda para nossa sensibilidade, graças ao
que permanece vivo em seus magníficos monumentos. Eficazes instrumentos de
dialogo entre a alma primitiva e seus poderosos modelos míticos. Construiu-se
com pedra, até bem pouco tempo, porque as sociedades continuavam a valorizar
os edifícios pensados para a completa duraçã o. Surge entã o o tempo de uma
desconhecida demanda: o “moderno” - o sentido mais vivo de um presente que
se renova permanentemente pelo ininterrupto progresso técnico, fato
representativo da ló gica que normatiza a produçã o industrial. Salvo em raros
instantes, a pedra bruta nã o é mais adequada à ligeira e eficaz produçã o da
má quina. A inércia volumétrica da pedra prejudica grandemente a economia da
produtividade. Ser moderno, na era da mercadoria industrializada, será o
equivalente a produzir barato dirigido ao mais imediato esquecimento. Ser
essencialmente moderno é filiar-se aos ditames da moda do dia. A economia diz
que consumir é mais produtivo que preservar! Demolir tornou-se o grande alvo
do arquiteto pó s-moderno. Uma verdade nem sempre explícita em seus textos.
Como resolver o paradoxo da forma eterna e do uso efêmero nesta economia do
descarte? A resposta ainda nã o foi pensada adequadamente, adormece.
Paradoxalmente, empregar o neologismo arquitetura moderna soa tã o absurdo
quanto buscar no instante os fatos intuitivos da eternidade.

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MINIMALISMO E O SEU OPOSTO - MANEIRISMO

O que se convencionou chamar “Movimento Artístico” é uma associaçã o grupal,


nascida em torno à s intimaçõ es da morte. É como uma dessas reuniõ es de
herdeiros ponderando sobre a continuidade patrimonial ao redor do cadá ver
ainda morno do líder criador. Nã o morre com o artista a sua obra, com a morte
do homem, o pensamento perde sua vitalidade original. Nã o se herda um
pensamento, apenas uma força diluída: um sistema em gestaçã o. Com o
desaparecimento do artista original, sua arte ressuscita em dogma: isto é, em
Estilo. A morte do artista original é metá fora de celebridade. Morto o artista pela
fama, seu corpo será deglutido em festim como pú blico pã o divino. De cada parte
de seu corpo brotará novos seres; híbridos. Partículas de um todo diluído por
artistas comuns. Homens agregados sobre a emulaçã o de um ró tulo e um espó lio
cristalizado.

Nascida da morte, o destino será viver no â mbito da recordaçã o. Seu lema será
impedir que o morto reincida na morte, uma morte que supõ e um definitivo
esquecimento da obra e das idéias. Quando se dará o decisivo esquecimento? No
exato momento em que a herança submergir no agitar sem rumo da reutilizaçã o
dos princípios herdados. Que sem a força do mito original oscilam sem direçã o:
jogo feérico de aparências informes, símbolos de uma entidade morta. A palavra
adequada para definir o crepú sculo de um estilo seria “amaneiramento”.
Conhecendo demasiado o mundo por onde transita, o artista converte a pró pria
intuiçã o em técnica. O excesso de conhecimento do campo artístico produz um
relaxamento da faculdade de prevençã o. Estado em que deve viver
permanentemente o artista criador. O estado de tensã o emocional no qual se
vive, quando da experiência de risco, é a condiçã o ideal para o criador.

Como o sucesso das investidas ocasiona torpor, a tensã o relaxa-se. A natureza do


processo de criaçã o também leva à inércia; isto nã o se deve somente à languidez
oriunda do estado de repetiçã o, criando costume, e fá cil controle dos meios.
Qualquer estilo chegará ao amaneiramento; este é seu forçoso destino.
Temporalmente, nã o em termos de qualidade, o amaneiramento estético é o

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está dio formal mais alto a que pode chegar uma manifestaçã o artística em sua
histó ria. Apó s um longo processo de evoluçã o vital, a obra excede as marcas do
individual alcançando a sociedade em seu plano de massa e consumo. O
desenvolvimento dos meios de comunicaçã o. Nos tempos modernos, ajudou a
acelerar este processo de desgaste irreversível em quase todos os estilos
provenientes das vanguardas de começo de século.

A degradaçã o de um estilo pelo fenô meno do amaneiramento será tanto mais


rá pida quanto eficaz for o sistema de comunicaçã o. Esta eficá cia diz respeito
também a velocidade deste sistema. Paralelo ao fim de um estilo, surgirá um
novo movimento. Criticando, pondo em ordem, controlando os excessos do
grupo antecessor. No caso específico do Minimalismo, o excesso de gestualidade
e fervor místico dos expressionistas abstratos serviu como imagem de censura a
possíveis tiques retó ricos que bem poderiam se apossar de uma nova poética do
elemento industrial. A tendência ao excesso é permanente. Onde se detecta o
risco de excesso no Minimalismo? Na total eliminaçã o da fatura pessoal e na
criaçã o de uma natureza exclusiva à poética do mínimo: obras que sã o realizadas
com formas altamente subjetivas e limitaçõ es espartanas. Em termos gerais,
isto significa uma quase ausência de ícones.

O Minimalismo nã o é somente uma reaçã o contra uma arte local, é evoluçã o


histó rica de uma inevitá vel modernidade; uma modernidade planetá ria. Sua
bandeira é a concisã o, uma idéia que aproxima a arte de seu nada: a navegaçã o
absoluta do trabalho e do objetivo artístico. Do choque com a nã o existência
brota uma nova essência artística. Do choque que se faz notar principalmente
por uma ausência: a da impressã o manual. Para o artista do Minimalismo, o
objeto final é de suma importâ ncia. Perfeito como o mundo das idéias, o objeto é
imagem que se espelha na produçã o industrial. Uma nova ordem impõ e sua
presença à força rompendo definitivamente a tradiçã o artesanal. O toque pessoal
dá lugar ao conceito, e a pureza de formas dá lugar a composiçã o de poéticas
mínimas. O nome atual para esta postura é o Neo-moderno.

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JACOBUS JOHANNES PIETER OUD

Weissenhof Siedlung

Oud nasceu em 1890 na cidade de Purmerend, Holanda, viveu até 1963. Seu
projeto desta seqü encia de casas, construído no quarteirã o Weissenhof, 1927, na
cidade de Stuttgart, tornou-se celebre pela beleza e ousadia na defesa de altos
valores e política estatal das habitaçõ es de baixo custo. Se à priori, nã o lhe for
esclarecida a data, certamente iludirá o espectador a imagem, quanto ao
propó sito e data da criaçã o. Quando a criou, Oud nem imaginava que num futuro
sua obra simplesmente ética seria confundida com elegantes exemplos de
Minimalismo elitista, realizado atualmente para o gozo de um sofisticado pú blico
privilegiado. Na inércia da imagem, o Minimalismo entra e acomoda o que à
primeira vista poderíamos chamar de significado. Revalidando o mesmo
segmento de forma num ritmo belo e constante, imune ao chamado das
interrupçõ es. Tal obra representará o infinito no instante: estreitamento do ser,
sua angú stia. Num relâ mpago de gló ria, a imagem poderosa na se interrompe,
contudo seus signos ocultos pela geometria nã o explicam a trajetó ria da vista. A
resposta à busca de um sentido nã o vem de nenhum lugar, nem mesmo da
contemplaçã o tranqü ila da forma. Estamos diante da forma mesma, do conceito
de Arte pela Arte aplicado à reforma habitacional socialista.

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Prestem atençã o à fachada de uma das unidades de Weissenhof, sabemos que a
obra existe, que insiste diante dos nossos olhos através da presença elegante e
silenciosa que jamais se impõ e. Do silêncio de sua torre de pureza ameaça no
entanto surgir com um propó sito diferente... Afinal, como disse o escritor
existencialista Albert Camus: “A angú stia é o contraste entre o apelo humano e o
silêncio insensato do Mundo.” Medito sobre a obra de Oud e a comparo com os
mú ltiplos exemplos atuais de arquitetura Minimalista ocorrendo mundo afora de
maneira já acadêmica. Estariam estas obras que marcam nosso início de século
traindo o propó sito de toda a arte abstrata em sua origem, sempre cheia de
objetividade e fé Iluminista? Seriam elas má quinas de fazer angú stia, um
inconfessá vel arremesso ao desconhecido das demandas deste urgente presente
em que vivemos? E surge entã o em defesa do mistério o poeta Octavio Paz: “(...)
deja caer en la plentud del ser, una gota de nada.”

Tanta matéria coerentemente composta pelo labor de artistas comprometidos


com a técnica estaria apenas disfarçando um inconfessá vel e dissimulado desejo
de transcender o sentido rumo ao pleno significado? Depois do esgotamento da
exploraçã o das possibilidades sensoriais, as artes plá sticas finalmente retornam
ao niilismo desconcertante da metafísica aplicada a imagem? - Fica a grande
questã o para futuras reflexõ es.

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JOSEF POLASEK

A unidade da obra Minimalista mostra-se de imediato no primeiro componente


da série. Esta observaçã o nã o implica uma noçã o de início ou término da
apreciaçã o da obra, como se fosse temporariamente percebida por uma
seqü ência ló gica. Indicando uma primeira unidade, menciona-se a ordem
arbitrá ria do espectador criando no instante sua geometria particular, seu
pró prio espaço.

Josef Polasek

A redundâ ncia do mesmo elemento e a quantidade material, repetindo-se


sempre igual, sã o aná logas, de certa maneira, ao cará ter desumanizador dos
mecanismos sociais que engendram as massas; conseqü entemente, tem-se a
percepçã o despertada pelo reproduzir maciço de um mesmo estímulo sensível:
uma mesma nota musical, uma mesma matéria , uma mesma cor, uma mesma
estrutura, volumes que se repetem numa vizinhança socializada produzida em
série a baixo custo. O arquiteto nem pensou em variar o volume padrã o,
tampouco as aberturas.

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SIMPLICIDADE E MINIMALISMO

O Minimalismo poderia ser entendido como a forma mínima de uma obra cujo
fim é atingir a plenitude do que é simples?

Na rara obra Minimalista, atingir a totalidade da idéia equivale a conquistar o


grau de simplicidade nas unidades poéticas constitutivas.

A dimensã o física da obra (arquitetura, escultura ou pintura), provém de


mecanismos compositivos de adiçã o e extensã o . Já que ela nã o cresce através da
agregaçã o de elementos concretos heterogêneos à obra, será soma de material
poético repousando tranquilamente diante do conceito. Semelhante em certa
medida ao classicismo histó rico, o Minimalismo também agrega suas partes
movido pela força unificadora de esquemas hierarquicamente cerebrais.

O encontro da obra com o ambiente vai gerar um campo permanentemente


dramá tico, até estranho, como no caso desta casa no campo sobre um vale; este
diá logo extravagante é o campo de confronto má ximo entre a natureza e o
artifício, entre a realidade e a fantasia, oriundo do choque do orgâ nico com o
abstrato, tensã o de uma aristocrá tica arte com a vida ordiná ria. É também o
ponto de embate entre uma ordem aparentemente homogênea e está vel com

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outra tensamente unificada. O artista que opera dentro da poética Minimalista
quer se livrar de uma vez por todas das relaçõ es complicadas com o meio
ambiente onde repousa a obra, por isso elimina definitivamente o pedestal, que
nada mais faz que acentuar o heterogêneo da arte no ambiente. Engloba todo o
espaço envoltó rio, o quadro vai direto sobre a parede, a escultura se equilibra
sobre os suportes construídos do espaço, a arquitetura brota do solo sem sinais
de conexã o com o que existe embaixo.

Sem componentes de transiçã o, misturando-se ao ambiente, a obra de arte torna-


se ela mesma um ambiente absoluto. O drama da distâ ncia produzida pelo
pedestal, ou moldura, que impunham uma inevitá vel barreira, fica solucionado
tecnicamente pela justaposiçã o.

projeto nã o realizado de Craig Elwood

Resumindo, uma vez que a obra é parte do ambiente, o ambiente também é parte
da obra. O nexo é mecanicamente recíproco. Este novo dado implica uma nova
hipó tese formal. Nã o há pedestal, a obra carece de limite claro com a terra, seu
vínculo mais poderoso com a abrangência exterior. O que era unidade em si
mesma permanece ainda fazendo parte do exterior. Conclusã o? Nem todo

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exterior é exterior à corporeidade da obra Minimalista, já que é base integral
desta nova arte.

O ambiente é fundo, é céu, é terra, é extensã o infinita da inércia visual da figura.


Ao incorporar tudo que está em volta da matéria transfigurada, o artista criou
simplesmente uma nova ordem dramá tica de colocaçã o da oba no lugar: muito
mais complexa e difícil que as anteriores. Porquê nã o arriscar uma hipó tese? Ele
criou um novo tipo de realismo, um pseudo-realismo teatral que faz do ambiente
um cená rio que posto em açã o gera o drama.

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O CAMPO CROMÁ TICO NA ARQUITETURA

Pavilhã o Le Corbusier de Zurique

Observando Malevich, tanto quanto Newman, descobre-se ume elemento formal


de grande impacto e relevâ ncia: a palheta reduzida, a cor ú nica. Malevich
descobre na cor ú nica uma das possibilidades fundamentais da futura pintura
moderna. Já havia em Le Corbusier o prenú ncio da arte do “campo cromá tico”.
Contudo, a cor em sua arquitetura é profundamente retó rica e nã o é elemento
dominante em sua poética abrangente. Na arquitetura de Luis Barragan a cor
elementar conquista posiçã o de destaque. A partir de entã o, a cor ú nica nã o será
prerrogativa de nenhum movimento especifico. Praticamente. Todos os artistas
plá sticos do Século XX ensaiaram sobre as possibilidades do plano autô nomo
sem profundidade e matiz. Em uma palavra, o que vem a ser a reduçã o da palheta
cromá tica a uma só de suas unidades? Vale a pena recorrer à memó ria dos
Neoplasticistas para encontrar a resposta adequada a esta pergunta.

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Luis Barragan

“Composiçã o A” - Piet Mondrian

Como nã o lembrar também de um Mondrian, outro pioneiro do Minimalismo,


redutor da iconografia cromá tica a somente três cores: os bá sicos, azul, amarelo
e vermelho; três cores organizadas em fundo branco e divididas entre si por
rígidas coordenadas horizontais e verticais em negro. Sã o linhas neutras
definindo campos retangulares de um cromatismo homogêneo. Nessas linhas e
planos, Mondrian logrou abstrair o mundo real em imagens que deveriam ser a
linguagem de uma comunicaçã o universal.

Ives Klein

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Mondrian, Malevich, Newman... Três nomes presentes que resumem as
principais conquistas das pinturas de reduzido campo cromá tico. Quanta
aparência pretensamente comum os une e quantas infinitas diferenças de alma
os separam. Reduzir e abstrair, destes trampolins o que alçou o salto mais radical
(embora nã o pareça) foi o pró prio Malevich. Malevich iria mais longe nesta
pintura do “sentimento”. Pintou um quadrado negro sobre fundo branco no
alvorecer no novo século. Estava ali descortinado um mundo maravilhoso de
possibilidades para o engenho plá stico. Encontramos a semente de todos os
futuros quadros, virtualmente representados, neste quadrado negro que era
também todos os quadros. Continha as luzes e sombras em infinita variaçã o na
transiçã o do branco ao negro; da luz ao seu nada, escondiam-se todos os
quadros. Conquistando a definiçã o da cor, este exploradores de um mundo que
se pretendia novo adiantavam o que seria futuramente a cor ú nica, a cor em si
mesma, a cor como expressã o total: Ives Klein, depois a tela negra de Richard
Serra.

Richard Serra

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ROBERT MALLET-STEVENS

“Nã o pode existir realismo acabado em uma realidade que jamais termina”
Roger Garaudi

Numa época marcada pela tecnologia e ubíquo cientificismo a arte nã o poderia


permanecer alheia, também se transforma em correlato da ética e ciência,
postula programas de açã o e soluciona problemas. Toda a arte do Século XX,
dominada ou nã o pelo construtivo, será conceitual. Conterá elementos de ciência
pura a serviço do conhecimento sobre o fenô meno da visualidade.
Definitivamente, a pseudo-ciência da arte moderna nã o pretende mais que um
fim: defender com a retó rica de sua época o direito de continuar sendo apenas
arte – Arte pela Arte.

ROBERT MALLET-STEVENS -Hotel Martel, 1927, parte da escada, Paris

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ROBERT MALLET-STEVENS

É evidente, ao ser conceitual, que esta produçã o artística se tornará


profundamente complexa, isto é, difícil. A complexidade nã o é motivo, nem o alvo
do artista. Pelo menos no que diz respeito ao exercício sistemá tico e deliberado
de busca de um estado perene de dú vida. A arte moderna se torna complexa
quando se propõ e a construir um mundo abstrato, livre de associaçõ es
representativas obvias. Assim, o “complexo”é o dado inicial. A reflexã o metó dica
do artista moderno é um dado processual rumo a soluçã o do problema inicial.
Por exemplo: como pintar o espaço sem o recurso da perspectiva dos pintores da
renascença?

O fim do Humanismo foi celebrado com pompas magistrais pelo Cubismo


Relativista. O espaço dos cubistas já nã o pretendia alcançar a glorificaçã o de uma
imagem-mundo de totalidade. O Cubismo é a poética do fragmento; o fragmento
visto em plano, na proximidade de sua superfície.

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A superfície do mundo é a superfície do quadro. Reduzindo distancias, o artista
abolia as dificuldades. Nã o mais um mundo religioso de complexidades
impossíveis, de enigmas que impedissem o livre ingresso do artista no domínio
da auto-reflexã o, a medida em que os está dios construtivos fossem avançando
numa prá tica operacional ilimitada – aberta inclusive para aceitar a negaçã o de
todo o princípio. Nã o sendo mais totalidade virtual, mas sim complexidade
apreendida, existência, a arte moderna ambiciona um outro gênero de absoluto:
o da má xima clareza. Toda essa arte virá acompanhada de uma literatura, de uma
espécie de ensaio que reconstró i pela palavra a integralidade do processo.

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UNIVERSALIDADE

Mies van der Rohe – Weissenhof Siedlung, 1927

A arte moderna existe contra algo. Pensar a modernidade equivale a renunciar


ao classicismo histó rico, a esta arte tida como clá ssica pelos historiadores. Qual,
entã o, é a diferença aparente entre a denominada arte clá ssica desta moderna,
tipicamente falando? O objeto do artista clá ssico está alem de uma resposta
eficiente à s demandas do cotidiano. Encontra-se no arquétipo do Universal como
sistema revelador do divino, ou, mais profanamente, do sublime. A consciência
deste artista nã o admite as limitaçõ es temporais e físicas da existência. Motivo
pelo qual o clá ssico absorve mais as tensõ es da idéia que as necessidades da vida
em seu ilimitado campo de sucessos. O que é a idéia senã o o exercício de
elevaçã o da realidade ao nível da pura consciência, do livre ato de pensar. Da
arte de pensar ou do pensar esteticamente.

Pensar o clá ssico na modernidade é pensar a modernidade através do clá ssico. O


clá ssico na modernidade nã o se manifesta sem um embate direto com a
existência; logo, é clá ssico impuro, “degradado”, relativizado. Alguém duvida que

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as obras de Mies van der Rohe ou Mondrian (inclusive suas pró prias vidas)
foram o retrato de uma tragédia pessoal, uma luta sem possibilidade de existo na
transformaçã o daquilo que pensavam sistematicamente? Seria possível chamar a
estas vidas de classicismo solitá rio, o que para os olhares agudos poderia ser
confundido com um renovado e permanente romantismo?

Como a realidade nã o pode ser transformada distante da consciência, tanto para


clá ssicos como para os româ nticos, em alguns instantes da criaçã o é a pró pria
projeçã o da psique que se superpõ e sobre a açã o, a obra de arte moderna volta-
se permanentemente ao lugar de onde partiu, consciência, ou seja
Universalidade. A Universalidade como conceito ou açã o, pode muito bem ser um
anacronismo, se vista sob a ó tica da ideologia moderna, porem, quando inserida
na estrutura do pensar, através do vitalismo ou atitude positiva de atuaçã o e
construçã o de um mundo, retorna a sua posiçã o original que é a determinaçã o de
um territó rio particular através do desejo.

A Universalidade da arte moderna importa como categorizaçã o que estabelece


relaçõ es vá lidas entre as unidades e o todo, importa também como definidora de
qualidades que significam em suas estruturas de composiçã o. Olhar fixamente os
registros do passado e estarrecer-se diante da imagem do antigo, através do
choque contemplativo, nã o é suficiente como experiência vá lida do clá ssico.
Muitos autores viajam pelo passado sem lograr uma liçã o produtiva sobre a
construçã o do presente. Este passado-presente, identificado nas obras de arte,
nã o comunica senã o uma pá lida noçã o do que foi poesia ou qualquer outro
sentimento de obscura indefiniçã o em termos de linguagem.

A obra de arte antiga pode, e deve, ser vista em sua dualidade fundamental:
através da historia e de sua atualidade. A historia reconstró i algo que nã o se
revela na evidência da obra, o tempo inicial, o tempo circunscrito no momento da
criaçã o. Apesar da histó ria, existe a presença do objeto ocultando-se do presente,
nã o se deixando penetrar como totalidade (relaçã o tempo-forma), senã o como
estética, percepçã o de um momento presente, de uma forma presente. Solta num
determinado local do presente, sem o espaço irresgatá vel que lhe deu origem. A

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obra de arte antiga perde assim seu espaço, tornando-se abstraçã o pura.
Tornando-se abstrata, uma vez que agora é só forma, nã o mais forma-espaço.

Voltemos a diferença fundamental entre o clá ssico e o moderno: o clá ssico é


aquilo que perdeu seu espaço, que nã o pode ser sentido como revelaçã o de um
tempo particular, isto é, existência; moderno, pelo contrá rio, é a conquista de
uma atitude que se apresenta numa abrangente interdependência de obra, lugar,
circunstâ ncia e tempo.

Mesmo quando seu objeto é a arte abstrata, o historicismo nã o deixa de tender a


identificar a arte aos estranhos motivos vindos de causas alheias ao seu pró prio
desenvolvimento, contudo evoluiria sua visã o mecanicista em detrimento de
uma abordagem capaz de transitar pelo passado que todavia sobrevive, e dele
compor narrativas mais brandas do presente; por brando entende-se o leve
inclinar sobre a forma - uma qualidade revelada na dimensã o localizada alem das
exigências bá sicas do momento e das determinaçõ es prá ticas voltadas a
manutençã o da existência.

O vô o dos contemporâ neos nã o encontra limites na observaçã o pragmá tica dos


instrumentos que utiliza, nem nos historicismos que cegam a abrangência
possível da arte. Estes podem incorporar, através de um classicismo
ressuscitado, distintas influências temporais e geográ ficas, transitando por
mundos opostos, por formas anô malas, unindo territó rios heterogêneos com
rara liberdade, só possíveis pela variá vel autoridade de sistemas rá pidos de
informaçã o.
Existe um estreito limite entre o Universalismo e o Realismo. Nas duas visõ es o
reino da necessidade se expressa veementemente, procurando interpretar aquilo
que é perene na humanidade: a urgência na preocupaçã o de sobreviver.
Questõ es que, independentes da forma, aparecem sempre como projeçõ es
ontoló gicas, estabelecendo-se como tal através dos conteú dos e nã o por
resoluçõ es lingü ísticas preestabelecidas pelo artista.

LE CORBUSIER

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Meu aluno inteligente e nada usual entra em minha sala da UEL com uma
surpreendente folha de papel escrita à mão contendo suas parcas reflexões sobre um
átrio projetado por Louis Kahn. Explico, pedi a ele que desse início a sua prática
analítica de maneira singela mas insistente. Dei-lhe o próximo desafio: trabalhar com
dicionários reavaliando as palavras mais contundentes. E como exemplo do método,
eu mesmo refiz o velho aforismo de Le Corbusier usando como apoio o acervo de
sinônimos contidos no computador. O resultado está contido aqui em baixo.

A arquitetura é a arte da disposição de partes necessárias na concepção de um


edifício monumental. A obra finalizando um projeto também pode ser considerada
um jogo, até mesmo uma brincadeira lúdica, no jogo o mais importante é a regra. Na
combinação dessas partes é importante manter acesa a luz da prudência. Sábio é o
arquiteto sensato, aquele absolutamente controlado em suas técnicas e emoções
eficientes. É magnífico o produto da razão submetido a forma poética que se insere
sob a luz.

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É totalmente falso o conceito de que a simples reproduçã o de uns tantos có digos
admitidos como clá ssicos terá como efeito o idêntico papel exercido por este
padrã o em tempo passados, até, inclusive, quando este esteja adaptado ao
presente. O clá ssico e o universal sã o conceitos existentes somente numa
releitura do passado por uma atualidade que os pretende incluir em campo
operacional, isto é, modernizá -los.

Por exemplo, as leis de proporçã o da arquitetura grega tornam-se clá ssicas na


medida em que logram comover a Le Corbusier, quando seu afã em compor uma
arquitetura moderna que possua referências fundamentais humanizadoras
(ocidente e sua raiz). Na obra de Le Corbusier o espírito clá ssico está para o
presente, readquirindo um cará ter até o momento de sua nova aplicaçã o. O
mesmo poderia ser dito sobre o gó tico em Gaudi.

O passado reproduzido integralmente pela simulaçã o verossímil jamais cumprirá


o sentido da determinaçã o clá ssica. Na universal releitura do passado existe uma
açã o comum, o trabalho de detectar os componentes intemporais que se
apresentam à humanidade. O passado como tal nã o existe senã o como narrativa.
Para que se torne presente deverá agregar a idéia a entidades relativamente
temporais: formas visíveis. Nesta operaçã o, a arte é ponto de partida para a
apropriaçã o do real pela imaginaçã o. De imagem, radicada na consciência, se faz
um giro de domínio sobre a matéria, conseqü entemente sobre o mundo.

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CHARLES EAMES

Charles Eames - Wire Chair, 1951

Do universo – pura idéia – se alcança a forma, processo conduzindo à arte, arte


que é processo em via de concretizaçã o até concluir-se em objeto: cadeira, coisa
concreta e ponto final na ocupaçã o e transformaçã o do territó rio vivido.
Qualidade e quantidade (proporçã o) sã o dimensõ es compatíveis à percepçã o e
concretizaçã o da arte, compondo um agregado de idéia mais matéria
transfigurada. A percepçã o da arte clá ssica, ou percepçã o moderna da arte
clá ssica, evidencia como impossível a intemporalidade da herança passada,
localizada em espaço e tempo definidos.

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Obras de arte criteriosamente definidas como clá ssicas sã o submetidas a nova
interpretaçã o pelo especifico de suas poéticas. Cada circunstancia compreendida
como clá ssica engendra seu corpo de detalhes e pormenores nos princípios
gerais de composiçã o que nã o permitem transferência. Sã o formas
representativas do mais particular de uma arte e de toda uma época, dominadas,
em alguns momentos, pelo desejo de integraçã o estrutural, como ocorreu entre
os gregos, também de índole româ ntica ou decorativa em períodos sucessivos.

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OSCAR NIEMEYER

Oscar Niemeyer – Auditó rio do Parque do Ibirapuera

O classicismo é um paradigma formal que simboliza algumas da idéias que


perseguem continuamente o homem, sua universalidade radica em certo sentido
comum representado em suas formas. Cada época possui sua pró pria percepçã o
do clá ssico, elaborada como linguagem para açõ es presentes e modelos
interpretativos para conhecer o passado. A correlaçã o entre as duas disciplinas
nã o é necessariamente unívoca, posto que na primeira há arte e na segunda uma
filosofia. Quanto a época em que vivemos já se pode dizer que houve um período
clá ssico da modernidade; o período dos pioneiros como Oscar Niemeyer. Ali
existiu uma prá tica irradiando modelos que já foram reinterpretados mais de
uma vez. Teve também um pensamento, nã o afim a mesma experiência no campo
das vanguardas artísticas por ausência de paralelismo temporal. Uma verdadeira
ciência da arte nã o pode ser contemporâ nea à experiência do inédito. A luta por
uma filosofia da arte moderna talvez seja a grande batalha a ser travada no
â mbito da arte de hoje. Um claro entendimento do que foi este revolucioná rio
movimento chamado provisoriamente de modernidade. Alem de uma abertura
para o presente, a Modernidade instaura a possibilidade de manipular em
termos formais uma associaçã o com o jogo, com o gesto espontâ neo e com e com
o infinito. Enfim, traz para seu territó rio a ló gica obscura daquilo que era até
aquele momento entendido como “informal”.

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ALBERT SPEER

Zeppelnhaupttribune

Em sua infinita possibilidade compositiva, a linguagem clá ssica pode surgir como
um estilo de força, jogado pelo poder e representativo unicamente deste poder
que se implanta sobre o territó rio do artista, divorciado da milenar associaçã o
arte-povo. Sã o os estilos imperiais de Roma, o Barroco absolutista, a arquitetura
dos países com regimes políticos totalitá rios em pleno Século XX. Seria arriscado
denominá -los imposturas, afinal, a obra de arte sempre preservará certa
dimensã o autonomamente estética, porém sã o manifestaçõ es pouco
representativas daquelas camadas sociais que tradicionalmente introduzem o
gérmen dos estilos artísticos: a comunidade dos artistas, compreendida em sua
categoria social que executa trabalhos economicamente representativos e que no
curso da histó ria sempre se ocupou dos destinos da arte.

Um exemplo típico desta ú ltima categoria da arquitetura contemporâ nea foi


dado pelo arquiteto alemã o Albert Speer, alguém que se pretendeu
institucionalmente esquecer, no que toca a cultura oficial da arquitetura
moderna e que concebeu uma poética de enorme abrangência social no mesmo
período onde proliferava a influencia de Le Corbusier e Walter Gropius.

25
A arquitetura de Speer se dissemina através de uma política cultural totalmente
concebida nos intramuros do estado totalitá rio alemã o, com o apoio das
academias oficiais de arte mantidas pelo governo. Neste fenô meno nã o houve
apoio ou presença das vanguardas. O mesmo fenô meno que se deu na
arquitetura dos estados totalitá rios aconteceu também no plano das demais
artes plá sticas. Em um estado nã o democrá tico as instituiçõ es protetoras das
artes nã o representam os movimentos que surgem da liberdade. Durante o
derrocamento da Bauhaus, à princípio da década de 30, temos uma Alemanha
agitada por forças pluralistas, tanto no campo político quanto na inteligência
artística mais pura. Bauhaus nã o foi destruída somente pelo Estado nazista, a
autoridade deste Estado estava baseada no apoio da inteligência acadêmica
tradicionalista. Um tradicionalismo que nem de longe possuía a mesma
vitalidade do Neoclassicismo que surgia na Europa do Século XIX.

Marcello Piacentini - Roma

É fato que havia uma inteligência acadêmica, contudo, ela nã o estava habilitada
tanto através de uma disciplina operativa quanto por uma inteligência
globalizada para adaptar as velhas ordens estilísticas à modernidade emergente.

26
Hoje, à distâ ncia, podemos analisar friamente o fenô meno da falência do intento
de renovaçã o do clá ssico pelos moldes modernos. O motivo nã o é simplesmente
de ordem estético-operativa, senã o mais propriamente, de ordem ética e política.
Speer e Marcello Piacentini fracassaram em suas poéticas pela ausência de um
projeto de interligaçã o entre arte e progressismo político. O que nã o equivale a
dizer que essas mesmas poéticas nã o pudessem desenvolver-se em um estado
democrá tico. Fato que pode ser comprovado historicamente através dos
“revivals” pó s-modernistas. Inevitavelmente vinculados a um sincero anseio de
renovaçã o e revitalizaçã o da cidade como um organismo contínuo, isto é,
tradicional. Alem do mais, estes arquitetos vinculados ao Fascismo respondiam a
uma demanda estilística que nã o podia ser adequadamente preenchida pelos
modernos – que, agindo ao contrá rio de sua rigorosa reduçã o dos elementos de
composiçã o, estariam pondo em risco a totalidade de seu discurso: a criaçã o de
um monumento à modernidade, ou seja, a criaçã o de um espaço cenográ fico e
simbó lico do Estado Moderno, instituiçã o esta que nã o se adaptou facilmente à
asséptica imagem da maquina de morar.

27
MARCEL BREUER

O clá ssico em termos contemporâ neos nã o se permite reproduzir somente em


seus aspectos de configuraçã o, só é categoria estética quando a forma surge
representando sua pró pria época (estilo) em todos os matizes a englobar as
tensas energias da sociedade onde se revela. Dessa maneira, o conceito de estilo
é fundamental para a construçã o da ló gica do clá ssico. O crítico e historiador de
arte inglês Richard Wolheim identifica o conceito de estilo em três contextos.
“Em primeiro lugar, o estilo é uma condiçã o prévia em nosso interesse estético
por um quadro: só um pintor formado em um estilo determinado pode sua obra
nos interessar – mesmo que à s vezes nã o o consiga. Depois, que o estilo seja
generativo, dizendo com outras palavras, o estilo é algo que o pintor faz seu, algo
que o pintor interioriza. Em terceiro lugar, o estilo é o que possibilita a
expressã o”. Se tomamos o clá ssico em sua acepçã o mais corrente, como
intemporal e ubíquo, e jogamos esta soma de totalidades formais à sua aceitaçã o
geral por um pú blico privilegiado, teremos por resultado algo assim como uma
possível utopia; uma vez que a obra ultrapassou suas limitaçõ es de projeçã o
imaginaria e de discurso no plano da mera linguagem.

28
LUDWIG KARL HILBERSEIMER

Cidade Vertical – 1927

No século onde tudo é possível, tanto pelo alcance da técnica como pela enorme
elasticidade semâ ntica das palavras, também há o lugar fixo para a utopia. Ali a
utopia perde seu cará ter de impossibilidade e se vê de repente diante de uma
contradiçã o bá sica, o que a levará definitivamente ao terreno ao qual sempre
evitou: o local da existência, onde comprometer-se com a vida em seu conflito
diá rio de obra de arte imaginada dá lugar ao mercado de obra de arte consumida.
No entanto, nem tudo está perdido, também no Século XX, o tempo moderno por
definiçã o, a Utopia, ou, melhor dizendo, o artista que revela seu pró prio eu pela
predicaçã o utó pica, nã o se confundirá com os progressos imediatos da
sociedade. A utopia, de fundo clá ssico ou nã o, como neste projeto de Ludwig
Hilberseimer para Berlin em 1927, terá seu inconfundível selo na modernidade.
Um papel que firmará um norte dentro da cultura pluralista em que vivemos. A
utopia, no que se refere ao texto de Wolheim, anteriormente citado, quando fala
de estilo em pintura, perde sua procedência. Na verdade, nã o existe utopia senã o
na arte de compor e ocupar espaços. Contudo, é possível se falar de utopia

29
quando um pintor ou escultor se distancia das categorias estilísticas
convencionais para aprofundar-se em uma experiência pessoal radical. Fato raro
neste século de comprometimento entre artista e sociedade, mas que merece
atençã o quando nos dirigimos a uma boa parte da pintura e escultura inglesas.
Como falar de Francis Bacon, Lucien Freud, David Hockney ou Henry Moore?
Sem dú vida, há nestes artistas uma utopia possível, uma utopia reconhecida
como moderna, apesar do grau altamente pessoal de suas conquistas.

O clá ssico encontra-se melhor na utopia, se uma sociedade está em evoluçã o e se


todas as manifestaçõ es desta mesma sociedade admitem mú ltiplas formas de
representaçã o, inclusive se a liberdade é o paradigma moral e a multiplicidade
sua face, uma arte se arrogando à unidade será vista definitivamente como
utopia.
Visã o geral de ordem, ordenaçã o individual contra o caos coletivo, o clá ssico
contemporâ neo é o desejo de uma vanguarda retrospectiva. Vanguarda porque
olha o presente com intensidade reformadora e nã o vê outra possibilidade que
naos seja projetar o futuro; retrospectiva porque anseia um futuro onde a arte
seja aparentemente semelhante ao passado – a imagem do passado -, isto porque
sabe extrair da histó ria uma liçã o universalmente vá lida para atuar sobre o
presente, sabe inclusive requalificar ordens adormecidas. Esta vanguarda
rememorativa nã o se culpa de omitir-se à “tradiçã o do novo”, de eliminar o mito
da invençã o de sua prá tica artística.

Esta vanguarda nã o tem o remorso de estar deixando escapar algum fato capital
do momento, nã o tem nostalgias româ nticas que poderiam deformar sua visã o
do passado através do idílio apaixonado do artista pela sua pró pria imagem. Para
as novas vanguardas retrospectivas que pretendam resguardar o clá ssico para a
atualidade, o passado é passado. Do passado extrai uma energia vivificadora e
uma noçã o de ordem, sempre aptas ao renascimento no â mbito da razã o
presente.

30
ABSOLUTO

“Os que desejam viver em liberdade devem buscar amplo esclarecimento do


conflito entre forças existenciais que se opõ em.” (Carl Jaspers)

Absoluto: do latim absolutus, adjetivo. Forma-se na origem pela uniã o de solutus,


que quer dizer desligado, do prefixo ab (de). A etimologia do vocá bulo aponta
para o acabado, perfeito. Em seu amplo espectro de uso, entre nó s, infinitamente
tolerantes porque tudo compreendemos, raramente é empregado para designar
o fim ultimo das coisas; a modernidade recusa como principio o limite fixo.
Absoluto define muitas coisas, podendo até mesmo nomear a fronteira na qual a
obra de arte perde consistência. O absoluto é a zona proibida do moderno.
Contudo, sondar os limites, cujo o exame equivale a um dos desdobramentos
obrigató rios na busca da verdadeira meta, é também dever moral do artista.

Milhares de metros quadrados, muitas complicaçõ es administrativas, alta


tecnologia e a mais complexa ciência eletrô nica, e tudo isso numa ú nica forma;
indissolú vel, absoluta. Assim pensou Norman Foster uma forma para sediar a
indú stria Apple de computadores.

31
Como fronteira, o absoluto é um campo de três faces: terminaçã o do concreto,
neutra linha divisó ria, início de si mesmo. A visã o particular interpreta-o
segundo suas normas. Como fronteira, supõ e uma perspectiva privilegiada
abarcando vá rios pontos de vista.

“Imperioso emprega-se de preferência falando da força, do ar, das maneiras, do


tom, da linguagem, e absoluto quando se fala do fundo, dos caprichos de um
homem” (Lafaye). O absoluto para o sujeito da civilizaçã o maquinista é o
predicado do afastar-se da natureza – da intuiçã o das forças có smicas -,
respondendo ao desejo profundamente humano de antepor-se ao mito da criaçã o
divina, substituindo o “realizado” pelo “por fazer”, num perpétuo deslocar-se
rumo ao mundo artificial. O absoluto do artificial é a ciência; o absoluto da
natureza é Deus.

32
CASAS COM PÁ TIO DE MIES VAN DER ROHE

No tempo, o absoluto muda de lugar sem contudo perder a visã o da palavra que é
a verdade primitiva. A ciência nã o logrou eliminar ainda a causa em si no limite
de suas investigaçõ es. Assim, aparece Deus como a possibilidade extrema do em
si. O problema das geraçõ es que nos precedem foi o passo efetivo do absoluto
para o relativo. Estabelecer relaçõ es entre a praxe e sua dicotomia na visã o do
imponderá vel era para o homem antigo o verdadeiro desafio face ao absoluto.

Mies van der Rohe – projeto ideal de casas com pá tio

Absolutum significa o que é livre e sem nexo; quer dizer o que está isento de
relaçã o, limitaçã o ou dependência. Como nesse projeto ideal de Mies van der
Rohe, no qual uma série de três casas se ordenam no interior de um retâ ngulo
á ureo; nada indica a presença de imposiçõ es funcionais bá sicas, as casas voltam-
se para si mesmas, nenhuma janela aponta para o exterior; o que importa
ocorrerá somente lá dentro. O Absoluto arquitetô nico de Mies se opõ e a Relativo
em todas as acepçõ es do termo. Diz primeiro do Ser da arquitetura intuído pelo
gênio, segundo dos atributos. Ser absoluto significa primeiro o que existe em si e
por si. O absoluto como problema perde seu cará ter de paradoxo, pró prio da

33
filosofia, quando o caminho é a soluçã o que constró i na representaçã o artística.
Mais concretamente, o que vem a ser isto: pensar o absoluto longe do enigma
paralisante como efeito sem causa? Em poucas palavras, realizar a obra pela
eliminaçã o dos contornos da natureza que imprime sua imagem escravizando-as
em ú teis. Por exemplo, deixar somente a cor no quadro (Color Field), retirar a
terceira dimensã o da escultura colocando o objeto no espaço apenas pela linha e
plano, quebrar a ló gica das funçõ es no espaço arquitetô nico obrigando o usuá rio
a viver e interpretar a construçã o sem o apoio dos có digos prá ticos. Operaçõ es
estas que aproximam a obra de arte de seu absoluto referencial, da pura idéia
que lhe serviu de origem: a arte. O absoluto na arte reside na construçã o fiel à
intuiçã o da linguagem, um retorno à origem mítica do gesto, ao espanto que as
coisas da natureza provocava na percepçã o primitiva.

Temos o enigma dos enigmas, a forma mais perfeita do obscuro, quando o


absoluto como idéia é transposto para o â mbito atual da reflexã o e açã o poética
(um movimento que jamais se detém); do conceito ao mero exercício pedagó gico.
Fazer o mistério falar, iluminar o culto secreto, nã o é o mesmo que falar de
mistérios. Sem o fio de Ariadne o artista será consumido e consumirá o absoluto
como mistério. Aqui, inexoravelmente, a arte converter-se-á em açã o
supersticiosa.

34
A CIDADE UTÓ PICA MODERNA

Superstudio

Absoluto = Intuir a natureza; Relativo = Razã o analítica e dedutiva. Somente pela


realizaçã o da obra o sujeito torna-se artista. Logo, a arte como absoluto o
precede. A arte é a causa de si mesma.

Ignorando o tema do enigma que envolve a origem da arte, a arte moderna,


inteiramente racional em seus princípios, até mesmo quando manipula a
expressã o e seu inominá vel, pretende compreender o fenô meno de seu devir
face à histó ria, filosofia e psicologia. Isto é, ao se satisfaz com o êxito expressivo
sobre o momentâ neo e particular. Assim, absoluto para os Modernos é
contraditoriamente a relativizaçã o num embate com o geral.

A ciência fez os Modernos acreditarem no fim da tradiçã o artística. Uma ilusã o


poderosa iluminou durante décadas o espírito pedagó gico dos artistas.
Redigiram programas pretensamente claros a fim de transformar radicalmente o
Antigo. Esclarecida, agora sem medo, poderia a humanidade marchar em direçã o

35
a suas completas potencialidades, segundo a crença dos Iluministas, nossos avó s.
Na transformaçã o completa do antigo, abusaram de uma palavra: o Novo. O novo
é a compreensã o do absoluto como fenô meno que deverá alcançar soluçã o na
operaçã o. Uma prá tica aberta a tudo, contrá ria a qualquer eliminaçã o, sem previa
analise, do mais ínfimo aspecto da realidade. É o espírito aberto sem se deter
frente ao mistério, tendo por causa o ensimesmamento de um papel que provem
da histó ria, mas que pode dissolver-se perigosamente na circunstâ ncia.

Com a relatividade, com o mito tã o popular que propaga a inexistência de uma


ú nica verdade, o artista moderno segue o ritmo monstruoso do tempo e nã o se
permite aceitar passivamente a histó ria como determinante, antes, coloca-se na
mesa de projetos sob o comando de uma razã o crítica imperiosa; mesmo
combalida pela crise do indivíduo e a falta de autoridade num meio onde a
ciência e a tecnologia comandam. O Eu e a circunstâ ncia no mundo moderno
embatem-se numa prolongada tensã o, quase trá gica em seus desdobramentos. O
resultado é que perde a arte em grandeza e perde a sociedade sua face mais
verdadeira representada pelos artistas.

Superstudio

36
ADOLF LOOS

Relacionemos Adolf Loos a Albert Einstein: o arquiteto do espaço interno


complexo e o físico da teoria da relatividade. Loos viu o universo
tetradimensional, sintético e irregular na arquitetura. Le Corbusier, um passo à
frente, foi mais profundo e moderno em apenas duas dimensõ es. Corbusier era
no fundo um pintor cubista pensando e construindo espaços na cidade do sonho.
Le Corbusier foi o arquiteto do plano livre. As forças que atuam no espaço de
Loos nem sempre apontam para uma mesma direçã o. Corbusier usa uma tensa
palheta de cores para descrever a ilimitada possibilidade de interpenetrar
espaços; Loos nos interiores combina em dissonâ ncia materiais que se chocam.
A atualidade ainda hoje de Adolf Loos deve-se em grande parte ao interesse dos
pó s-modernos pelo discurso complexo e contraditó rio entre culturas diversas
que tentam novas alianças. O universo de Le Corbusier, cartesiano-relativista, já
nã o dá conta do enorme desafio que é a construçã o de nossas cidades. Muito
mais dispersa e confusa nos propó sitos que à de um século atrá s. Daí a
necessidade de se retornar ao estudo crítico de Loos. Nele assistimos o espaço
agitar-se na infinita grandeza da incompletude e do irresoluto. Espaço inter-
penetrante de um novo cosmopolitismo.

Exemplo de absoluto na antiguidade, o Parthenon ateniense, durante mais de


dois mil anos este molde serviu de modelo à s necessidades do homem civilizado

37
ocidental. Até que o homem moderno descobriu outras dimensõ es expressivas
de seu pró prio ser. A tensã o do indivíduo com sua circunstâ ncia nã o se esgota
somente no exterior, podendo inclusive acelerar-se no plano da consciência
(imaginaçã o, ló gica). A angú stia que daí resulta aumenta à medida que os dados
cambiantes da realidade nã o se encaixam num todo maior. Até mesmo a técnica e
as informaçõ es disponíveis pouco contribuem para a paz no jogo das decifraçõ es.
O homem antigo vivia em equilíbrio quase está tico, daí sua noçã o também
está tica do absoluto: a orbita da verdade era plena e lhe bastava para as poucas
necessidades. Para o Moderno, ao contrá rio, a unidade indissolú vel do absoluto
é uma abstraçã o que traz energia, mas que nã o soluciona satisfatoriamente as
tensõ es operativas. O artista cuida de um realidade construída e desenvolvida no
absoluto que lhe vem como herança imutá vel através da histó ria, porém que
pretende fazer seguir seu rumo vital num mundo de relatividades. Adolf Loos foi
um pioneiro da arquitetura moderna, formou-se numa escola acadêmica no final
do Século XIX em Dresden, Alemanha. Observem a fachada frontal da Vila Karma,
projetada no início do passado século, já é uma sutil interpretaçã o de sua
herança clá ssica. Agora dêem a volta e vejam o que ocorre nos fundos, a simetria
abriu-se e aceitou os resultados de uma interpretaçã o mais problemá tica da
quarta dimensã o. Nã o parece ser a mesma casa, o que ocorreu?

Villa Karma – fachada frontal

38
Villa Karma – fundos
Pensar o absoluto no centro da modernidade é nã o só isolar a palavra como
buscar sua origem simples. A palavra simples, o termo arcaico vulgarmente
aceito, servirá precisamente porque contem, segundo Heidegger, a maior carga
de percepçã o humana inicial e vá lida. A atividade a que se refere o filosofo é uma
espécie de arqueologia da palavra, mediante a qual se a depura, eliminando-a da
confusã o dos contornos – arbitrariamente livres -, pela origem das possibilidades
de significaçã o onde o vocá bulo representa clareza.

Em resumo, o absoluto é a crença de primitivos; o relativo, a conquista dos


modernos através da ciência. Portanto, o espírito clá ssico (plá stico) na
atualidade vem sempre permeado pelo relativo, difuso, pictó rico. Neste sentido,
o Cubismo de Adolf Loos é a síntese maior entre a plasticidade está tica dos
gregos e a organicidade dinâ mica e efêmera da Civilizaçã o Maquinista.

Transparência + Fechamento, eis a formula dos Modernos. Os planos


representam a instâ ncia do fechamento e a estrutura linear disposta em planta
livre possibilita a ordem das transparência. As duas em conjunçã o introduzem a
contribuiçã o moderna à dicotomia do absoluto da razã o com o absoluto do
sentimento. Kale pà tà kalà : As coisas belas sã o difíceis (Provérbio de Só lon).

39
Mü ller Haus

Desde sempre foi interditado qualificar a Mü ller Haus como um atual simulacro
de palá cio. Pois lhe é proibido mencionar seu cará ter solene de casa nobre pelos
ideoló gicos teó ricos modernistas. Há certas verdades que sempre devem ser
ocultadas, revelá -las à luz da razã o põ em em risco o significado ético da pró pria
poética defendida pelo autor – o profeta do ornamento como delito. Apesar do
tabu que a envolve e de sua aparência palaciana, devemos examinar seus
atributos formais desde a lupa de uma semâ ntica nobiliá rquica extremamente
simples. Neste solar paradigmá tico, todos os pormenores foram controlados pela
simetria clá ssica devida à morada de um rei moderno. Evito colocá -la na
tipologia da mansã o porque o casarã o burguês deve sua grandeza à s interdiçõ es
que faz o burguês rico ao temas essencialmente artísticos, tais preconceitos
colocam a funcionalidade par e par com o ideal de monumentalidade. Palacete
contudo viria melhor à calhar. Jó ia da abstraçã o reducionista, sua entrada
mostra-se ao mesmo tempo antiga e imponente, pese a concisã o dos elementos
empregados. Marquise de concreto armado revestida em fina camada de cobre, o
restante fica por conta do majestoso má rmore travertino. Retirar as tradicionais
figuras do frontã o, declarando ao mesmo tempo que o espaço continua a manter
a verdade primeira do frontã o equivale a um inteligente jogo de abstraçõ es. Só o
vê quem for capaz de decifrar a presença oculta do sub-reptício. A sagaz fala da
sutileza trabalha com sucesso defendendo os mais altivos valores eternos.

40
ADOLF LOOS E A JANELA DISSONANTE

Adolf Loos foi um clá ssico da arquitetura moderna. Em seus espaços


encontramos a complexidade má xima da razã o, comandando o jogo dissonante
das partiçõ es dentro de volumes rigorosos, que ordenam cada rincã o. Em Loos a
simetria e a modernidade alternam-se revelando na construçã o o “eterno”
problematizado na existência. Aqui o exemplo do clá ssico traduz a possível
eternidade no instante.

Adolf Loos - Casa em Viena, 1922

Freqü entemente se abate sobre mim o terrível poder da dú vida. Ela vem
desestabilizar o que tradicionalmente já deveria ser definitivamente
convincente; nestes momentos anseio entã o pelo auxílio da resposta que vem de
longe, quase sempre oculta, misteriosa para nossa percepçã o normal. Um
exemplo deste tipo de dú vida aplicado à arquitetura: porque a janela
confrontada com o restante do edifício incomoda nosso sentido de perfeiçã o? A
resposta nã o é simples, para questõ es estéticas assim, ansiamos pela explicaçã o
que seja um derramamento de inteligência inesperada, um raciocínio que seja
capaz de explicar a conexã o ló gica, e conseqü entemente simétrica, entre o plano

41
construído e seu contrá rio, o vã o, pronto para enquadrar nobremente o vazio;
um pedaço de espaço sem nada em meio à superfície ideal. Quã o mais bela e
integral seria a arquitetura sem todas estas janelas – penso, quando me domina o
ceticismo. Nestas horas admiro os construtores egípcios, eles invertiam a face
principal de seus edifícios monumentais colocando-a de frente para os pá tios.
Pretendiam assim manter no exterior o imponente equilíbrio pétreo das massas
congeladas a fim de glorificar o melhor. Na arquitetura, qualquer mínima
abertura nos volumes exteriores aparece como uma fenda quase definitiva, uma
cratera que rasga a massa para revelar algo de imemorial à consciência. E nã o há
em toda a histó ria da arquitetura mais forte e propícia ao espírito religioso que a
egípcia. A relatividade de julgamento nã o se abate jamais sobre o equilíbrio de
sua proporçã o humana e grandiosa, retrato do espírito revelador do que há de
mais elevado. Extinguir-se-á a energia plá stica da pedra moldada, face à
intromissã o do vazio? – E, no entanto, há graça sutil no jogo imprevisto dos vã os
e molduras.

42
ABSTRAÇÃ O

Existem enfá ticos comentá rios na Autobiografia do compositor alemã o Richard


Wagner assinalando a percepçã o e um mundo novo. Já era claro para o autor os
alcançados limites de uma arte que francamente se esgotava. Wagner presenciou
um estilo e um tempo tornando-se passado, um tempo que em simultâ neo
começava em lentidã o a materializar uma arte que só viria a acontecer
plenamente no Século XX. Em seu período o Wagner militou a favor de uma obra
de arte total. Mais que um objeto concentrado, seria todo um espaço a dividir o
protagonismo da mú sica, poesia e pintura; todas juntas formando uma sagrada
uniã o.

Quando esteve em Paris, Wagner participou do círculo de Mallarmé, sendo


altamente reverenciado por poetas e pintores. Pintores como Gauguin, Van Gogh,
Maurice Denis foram receptivos à s idéias literá rias dos poetas, o que pode ser
comprovado em presença dos conceitos simbolistas expressos em suas
abundantes pinturas e testemunhos escritos. Algumas destas idéias, tais como o
Sintetismo, apareceram nos textos de Gauguin.

Wagner jamais chegou a empregar diretamente o termo abstração ao ilustrar o


pró prio discernimento daquele “algo” completamente novo a pairar desafiador

43
no ar; uma acelerada energia grandiosa, rapidamente encontrando forma na
mú sica – a voz mais intensa da burguesia triunfante. Mas na medida em que
mencionou a necessidade de eliminar as fronteiras nacionais no imaginá rio do
artista, até entã o ancorado a bases locais, acabaria por definir quiçá o parâ metro
mais importante da arte futura; formalmente, o artista nã o mais se confinaria aos
estímulos e tradiçõ es de um local preciso.

Afinal, que arte é esta fazendo distanciar a idéia das demandas imediatas do local
de origem, senã o aquilo que hoje chamamos de ARTE ABSTRATA? - Uma
prodigiosa má quina intelectualizada pensada com o fim de gerar confusã o e
espanto nos contemporâ neos, ao ver suas pró prias faces deslocadas do plano de
representaçã o natural. Apesar de já completar quase um século, a arte abstrata
ainda é capaz de chocar o grande pú blico. Por que?

Enquanto a arte grega expressou apenas o espírito de uma nação magnífica, a arte
do futuro deverá expressar o espírito de pessoas livres, sem considerar as fronteiras
nacionais; o elemento nacional contido nela não deve ser mais do que um
ornamento, um encanto individual acrescentado e nunca um limite onde ela se
confine. (Richard Wagner).

Abstrair é considerar separadamente o que pode ser dado separadamente. Separar pela
autoridade do livre pensamento o que na realidade não admite separação no jogo das
uniões práticas. Ato de pura arte, determinação do desejo emancipado das pressões
externas. A área da circunferência de um círculo é concebível, e isto por abstração,
pois suprimir a circunferência é suprimir a área que esta contém; supor a
circunferência é supor a área. Se no mundo físico estas entidades são inseparáveis, no
mundo da arte e da matemática, ao contrário pode-se isolar uma parte da natureza ou
da idéia e representá-la em fragmento; desta maneira ela se universaliza, estabelece
comunhão com a idéia, o verdadeiro retrato do homem livre, individual, não da
humanidade.

Pareceria impró prio usar indiscriminadamente o vocá bulo abstraçã o para


definir a abrangência de sentido daquilo que é particular ao prá tico ou teó rico

44
como sucede livremente em nosso idioma informal. Implicaria no surgimento de
alguns problemas ló gicos de difícil soluçã o. Etimologicamente, o termo abstração
é claro e nã o admite ambigü idades. Do latim abstractus, particípio passado
passivo de abstrahere: tirar ou arrastar (tahere), de (ab, o “s” que se segue é
ditado por razã o de eufonia).

Em sentido pró prio, abstrair é simplesmente retirar algo de seu lugar de origem,
tornando-o elemento separado, isolado, sem envolvimento, sem relaçã o direta
com o imediato. Abstraçã o, no sentido grego de afairesis, significa ao mesmo
tempo o processo e o resultado da retirada do olho da á rea particular, o
acidental, o nã o essencial, para obter uma visã o interiorizada, mais ampla, o
inevitá vel, o essencial. Ao reunir características essenciais em um só conceito
artístico, a abstraçã o nos oferece nosso meio mais importante de ordenar
sistematicamente a ilimitada multiplicidade de objetos que nos chegam através
de nossa percepçã o, de nossa imaginaçã o, e inclusive de nossos pensamentos.

Para o artista contemporâ neo – um abstrato por antonomá sia - abstrair significa
encarnar um movimento objetivo ao redor da natureza, enquanto se detém
frente a um dos aspectos que foi determinado a priori. Busca-se a essência das
coisas quando o mesmo processo muda para o plano da representaçã o.

A observação direta da essência luminosa da natureza é para mim indispensável.


Não quero dizer necessariamente observar com a palheta na mão, apesar de não
ser contrário às anotações tiradas da própria natureza. Muito de meu trabalho eu
faço da natureza, frente ao objeto, como é normalmente conhecido. Mas o que é de
grande importância para mim é a observação do movimento das cores. O autor
desta passagem, o pintor Robert Delaunay, usou o processo de abstraçã o para
tornar mais rigorosa a açã o de construir o quadro. Da concentraçã o da disciplina
de ver e do exercício da síntese o pintor extraiu a mais pura luminosidade
natural. Exercitando a pura economia do espírito, fez nascer a regra de nova
poética. Com o título de pintura abstrata a obra de Delaunay cuidou
fundamentalmente de compor com o fenô meno da pureza cromática.

45
O grande paradoxo da conquista da abstraçã o sobre as formas pretéritas de
representaçã o recai sobre a ingênua aceitaçã o da tese que defende a superaçã o
definitiva do ideal naturalista, inclusive na crença de que houve avanço teó rico
conclusivo no entendimento do modo naturalista de representar. Mergulhados
com fé inabalá vel na hipó tese de um mundo novo, em verdade, experimentada
mais em idéia que em açã o, ficou consignada como verdade definitiva o
esgotamento histó rico do realismo face ao surgimento de uma nova visã o. Uma
crítica apurada demonstra que a novidade da arte moderna foi somente uma
meia-verdade. Em si, a figuraçã o abstrata nada tem de radicalmente novo. No
que diz respeito a suas raízes histó ricas ela é mais antiga do que o naturalismo; é,
em termos estritamente histó ricos, congênita à s representaçõ es do homem
primitivo. No passado contudo a abstraçã o se confundia com o ornamento.

Nas poucas obras sobreviventes de período tã o remoto, capazes de servir como


documento de uma origem a qual sempre queremos identificar, percebe-se
caracteres claros de abstraçã o da natureza; isto é, um retrato simbó lico da
superfície sensível das coisas que impactavam a consciência gerando o mito. A
representaçã o do belo natural aparece somente muito tempo depois, sendo um
desvio idealizador na evoluçã o da primeira rota: da essência artística apenas
intuída hoje em nó s. Há minucioso exame deste tema no livro de W.Worringer,
Abstração e Natureza, cujo segmento anexado resume seu pensamento sobre o
fenô meno da ornamentaçã o: É fato fundado no caráter peculiar da ornamentação
que nela se expressem com maior pureza e claridade paradigmática a vontade
artística absoluta de um povo e suas particularidades específicas.

Os povos primitivos iniciaram sua marcha rumo à revelaçã o da necessidade


humana chamada arte nã o diretamente pela elaboraçã o de obras com cará ter
autô nomo, isto é, vá lidas por si mesmas, como é pró prio da autêntica arte
moderna, mas através do ornamento geométrico. Derivamos dos heróis dessas
obras não só a impressão sensorial de vitalidade, mas também o sentimento de
sublimidade, reação imaginosa resultante da impressão sensorial. (...) Pode
concluir-se, portanto, que além dos valores puramente formais conforme se
encontram em um vaso, poderá haver valores psicológicos – que surgem das nossas

46
simpatias e interesses humanos comuns e mesmo os que resultam da vida
subconsciente; e além destes, valores filosóficos provenientes do alcance da
profundidade do gênio do artista (Herbert Read).

Abstrato, o emancipado da matéria. O abstrato é o protó tipo da paixã o e da


aspiraçã o humana em geral. Como se fosse uma escrita bá sica do imponderá vel.
A forma do hierá tico.

O pintor alemã o Adolf Helzes define seu modelo de abstraçã o a partir da


superposiçã o de imagens contidas no plano, tudo convertido em elemento plano,
sobre a tela, que também é plano, segundo um princípio de identidade recíproca:
sobre o plano, formas, planas... As formas planas são o fundamento de toda
representação no plano. – Por conseguinte, devemos aprender a desenvolver o
objetivo a partir de simples formas planas: assim, conseguiremos que, para o
espectador, uma forma plana transforme-se cada vez em um objeto,
posteriormente lhe atribuiremos qualidades objetivas... – O quadro em sentido
musical – que surge puramente da realização e elaboração dos elementos
fundamentais autônomos e que, como obra de arte absoluta, é sumamente valioso
– não tem nenhuma de um objeto.

Beleza abstrata, definitivamente, o que se conserva de vida por entre as sombras


da beleza abstrata? Idéias? As idéias sã o tã o humanas quanto qualquer
representaçã o da natureza. O mundo moderno internacionalizou-se, baniu as
raízes, buscou novos símbolos no mundo interior, foi em busca do ouro da
espiritualidade. Hoje, um século depois, já é imensa a contribuiçã o dos
abstracionistas ao inventá rio geral da modernidade. E sobre a arquitetura,
acrescento que desde o Pó s-modernismo o ideal de gerar espaços deslocados do
contexto – considerando a paisagem um fundo branco – vem perdendo
consideravelmente sua força entre os melhores criadores. Aplicar os mesmos
princípios do abstracionismo pictó rico à arquitetura nã o funciona,
principalmente porque seu espaço se estende à cidade formando uma
configuraçã o paisagística.

47
48
SIMPLICIDADE

“Tudo fala da renú ncia que conduz ao Mesmo. A renú ncia nã o tira. A renú ncia dá .
Dá a força inesgotá vel do Simples. O apelo faz-nos de novo habitar uma distante
Origem, onde a terra natal nos é devolvida”. (Heidegger)

A arte ao deslocar-se do campo de açã o da regra universal – capaz de convertê-la


em obra simples -, nã o desce imediatamente ao pó lo oposto: a ordem do confuso
e do obscuro, o espaço do artista Româ ntico. Distante e sem perspectivas e sem
intimidade com o centro regulador de toda arte ocidental, o artista ingênuo se
compraz de sua falsa vitó ria pelo que considera a total conquista da liberdade
criadora. Com gozo e satisfaçã o intensa, qualidades típicas do ilusó rio, o artista
livre da histó ria explode seu livro de ordens, sua herança, sua raiz.

Unido por vínculos opacos com o passado, já que dele nã o se pode mais que
distanciar-se, e sem o texto histó rico, a arte faz do momento sinô nimo má ximo
de moderno, impossibilidade de desdobramentos no futuro. Na esteira de uma
rigidez que ainda reverbera seus ecos, a obra de arte transparece o vigor da
memó ria, a impetuosidade dos sentidos, o automatismo da composiçã o, mas,
principalmente, a vitalidade do gesto carregado de saber. Nã o muito distante da
simplicidade (origem), esta modalidade artística consumirá rapidamente a pouco
energia vital, extraída do trá gico de cada dia, que ainda lhe sobra.

Nã o faz muito tempo, estas obras foram chamadas de Barrocas, mostravam a


“fluidez do parecer e aspiraçã o à liberdade”, segundo Hauser; ou sintomas de
decadência no “relaxamento e no arbitrá rio”, Wolfflin. Hoje, demonstrando as
dissoluçõ es quase que completas dos rigorosos princípios das vanguardas, estas
artes recompõ em sobre o mesmo plano toda a gama de linhas paralelas,
separadas pela necessidade de utopia e de elementarizar, pró prias da
modernidade. Seria temeroso e , porquê nã o, arbitrá rio chamá -las de
“maneiristas”. Nenhuma regra assegura que os modelos se perpetuem com as
mesmas articulaçõ es. Legitimada por direitos conquistados na luta, a arte
moderna engloba todas as artes em uma só : volta a pretender ser interprete da

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totalidade. Sem ser clá ssica ou barroca, a arte total de nossos tempos ensaia um
novo modelo de modernidade. Nã o demonstra sintomas de decadência, mas sim,
de messiâ nica ilusã o. Se no passado a arte se fazia clá ssica “procedendo por
analise: o conjunto se articula em uma pluralidade de partes, onde cada uma é
por si mesma vá lida” (Wolfflin), atualmente o conjunto se interpola por
componentes heterogêneos e a ordem da articulaçã o é, em vez de estético-
abstrata, arbitrariamente ética. As coisas estã o ali pela autonomia da eleiçã o, nã o
por cumprir uma ordem preestabelecida em raízes antigas.

Queira ou nã o, o revolucioná rio artista moderno, crente de estar criando o


inédito, o conceito de simplicidade transita entre os pó los Clá ssico e Barroco.
Mencionar na arte moderna a palavra “simplicidade” é o equivalente a evocar
novamente seu sentido original. Barroca ou Clá ssica, toda a arte ambiciona em
mais alto grau a hierarquia do simples; o que pode diferir entre o passado e o
presente é a proporçã o de ordens externas, poéticas ou nã o, colocadas em jogo
no ato de criar o atual. Em resumo, conta como cada uma destas artes deverá
articular em sua estrutura os conceitos estéticos herdados com o fim de criar
para o momento cambiante. “O clá ssico exige absoluta claridade; o barroco
preserva uma obscuridade relativa” (Wolfflin).

“Sintética no barroco e analítica no clá ssico” as artes convergem para uma idéia
de simples como produto da operaçã o cristalizadora, evoluindo no trato com o
tema até que alcance aquele determinado ponto no imaginá rio onde nada se vê
além do estritamente necessá rio à conclusã o do motivo.

A obra de arte, grandiosa ou nã o, é realizada em meio ao conflito, no interior de


uma natureza em expansã o. Da dificuldade e do enigma extrai energia e em
honra ao cosmos ela dirige seu corpo – mero artifício. Adaptada ao mundo
exterior por tensos instrumentos de equilíbrio, a obra nã o encontra no espaço
físico oposiçã o ao rechaço. Todos os fatores restritivos à obra no espaço brotam
da crítica e do valor e, por que nã o aceitar, do preconceito. A condiçã o do que é
simples descende da vontade determinada pelo artista que acata à s ordens de
um espírito que busca clareza e transparência no conceito e na técnica. A

50
natureza é a parte oposta deste jogo, encarnando o enigma, ou como diria
Mondrian, o trá gico. A natureza opõ e-se à idéia.

Os dois pó los de crescimento da forma aspiram, cada um a sua maneira, à


condiçã o de simples porque resultam de um longo e á rduo processo de
elaboraçã o mental: clá ssico e barroco sã o categorias estilísticas oscilantes na
historia (Wolfflin). Porém sã o categorias que nã o esgotam as possibilidades de
expansã o estilísticas da forma. O ecletismo nã o se adapta nem ao rigor
compositivo do classicismo e tampouco a fluida continuidade do barroco: nele
“cada elemento parece esboçado, fortuito, unido aos outros por um vínculo muito
débil; a forma se distende por todas as direçõ es simultaneamente; a insistência
sobre as oblíquas e curvas destró i o enquadramento horizontal-vertical, proíbe a
visã o ao fixar-se sobre um ponto de vista privilegiado, e confunde por uma
aparência de improvisaçã o que sem trégua lhe apresenta o arbitrá rio e o fugaz”.

Estes conceitos que ilustram um dos cinco princípios fundamentais da histó ria
da arte de Wolfflin, relativo à composiçã o, adapta-se facilmente à s exigências de
uma teoria para o ecletismo. Porém há de se conjecturar que o autor trabalhava
com um fechado corpo de exemplos, o vocabulá rio extraído do renascimento
italiano e sua conseqü ente dissoluçã o no barroco. Em sua teoria estava implícito
um jogo compositivo mais livre tomando por base um vocabulá rio comum aos
dois estilos. Contudo, no ecletismo no Século XX nã o é possível empregar
friamente o mesmo raciocínio dualista, uma vez que, a gramá tica do estilo
clá ssico há muito se dissolvera em conflito com determinaçõ es formais e
funcionais alheias à tradiçã o européia. Por sua vez o Ecletismo encontra-se
ligado a uma regra superior à estética, proveniente da organizaçã o das funçõ es.
Mais que um estilo, ele é uma postura ética voltada para o dinamismo das novas
articulaçõ es de movimento e informaçã o global que convergem no nú cleo de
uma sociedade em sua maior parte urbanizada de acordo com modelos de linha
de montagem extraídos da ló gica industrial. Esta conceituaçã o nã o é apenas
metá fora, ela pode facilmente ser constatada nos mú ltiplos exemplos a nossa
vista. A confusã o dos ajustes formais do ecletismo só existe na aparência e no
preconceito de teó ricos, na realidade ela é uma má scara que disfarça e aproxima

51
a arte recente, nã o abstrata em sua constituiçã o, da economia e eficiência no uso
controlado do espaço. Alem do mais, o ecletismo permite-se apresentar em todo
o trâ nsito de países colonialistas na ampliaçã o de seus territó rios através de
colô nias com tradiçõ es artísticas distintas daquelas européias: Á sia, Á frica e
America pré-colombiana. De repente, o exó tico tornou-se comum aos gostos do
europeu, foram de tal maneira vividos e adaptados que logo instauraram outra
tradiçã o. Trazido à Metró pole, o exó tico seria adaptado – na unidade do
fragmento – à nova visã o: funçã o e propaganda dos domínios imperiais.

Esta aparência de caos dos ecletismos contemporâ neos nã o pode ser facilmente
adaptada a mecâ nica bipolar de Wolfflin. Funda o pró prio ecletismo uma nova
categoria estética, sendo ela a característica fundamental da arte moderna. Esta
terceira categoria, que vai alem do estilo historicamente reconhecido, ainda
continua sendo alvo de preconceitos e incompreensõ es. Nã o tanto por sua
complexidade aparente como pela dificuldade teó rica de se fugir da tradiçã o
maniqueísta daquele “mundo dividido entre o bem e o mau”. Resultado disto é
que o fato de mencionar despretensiosamente a palavra ecletismo já significa
evocar outro termo, declínio. A visã o do ecletismo como degeneraçã o provém do
conflito entre prá tica artística e a dogmá tica do historicismo. Através da
desconsideraçã o do momento de ruptura das artes modernas e do surgimento de
uma arte do Novo Mundo.

Desta maneira existem abundantemente na arte moderna o que chamo de três


categorias genéricas quanto ao estado de simplicidade: a primeira delas se refere
ao ato de compor os elementos, a composiçã o. Tende a admitir o equilíbrio de
proporçã o entre forma e conceito de elementos físicos, distintos plasticamente,
porém de mesma raiz Greco-Romana; articulados através de analise rigorosa,
estes elementos agregam-se sinteticamente na obra final. Simplificar, dentro
deste conceito artístico, significa antes de tudo igualar e ajustar o valor das
aparências das partes isoladas e , ao mesmo tempo, criar elementos de conexã o
(detalhes, vínculos com vida pró pria, juntas universais) independentes,
trabalhando em prol da unidade. Reduz também ao mínimo a quantidade de
matéria e de imagem (depura) em cada um dos componentes do todo. Para que

52
no conjunto final transpareça um equilíbrio do todo, conquistado por partes que
podem ser claramente identificadas; tensamente unificadas através da razã o
construtiva do autor. Nesta primeira ordem de simplicidade moderna é menos
importante o sucesso nos está gios intermediá rios do que aquele que engendra a
ordem final. Clá ssico, assim é chamado este esforço pelo reatamento com a
histó ria pela abstraçã o intelectual. Um adequado exemplo de classicismo
moderno nos anos vinte alemã o, a casa dos professores da Bauhaus, projetada
por Walter Gropius em Dessau.

Casa dos Professores da Bauhaus – Walter Gropius

A segunda categoria nã o oferece ao “detalhe” independência expressiva no


conjunto da obra, nã o admite aqui contradiçã o entre o todo e a parte. Mais
orgâ nica ela reflete na unidade toda a complexidade do conjunto que se
multiplica: está em todas as partes, enlaçando-se em ritmo contínuo. A alma da
intençã o artística apresenta-se solta em cada uma das unidades. A unidade
compositiva já nã o é mais ó rgã o, é célula que se repete na extensã o infinita da
obra. Ao revés do clá ssico, no qual cada parte foi concebida independente,
dirigindo-se a um futuro projeto de justaposiçã o, processo de busca do má ximo
grau de expressã o no detalhe com o mínimo de recursos, a composiçã o final
barroca nã o possui um nexo geométrico contido na coordenaçã o das horizontais
e verticais. Importante para o Barroco é que suas partes apareçam no conjunto

53
como um organismo vivo, pulsante e sintético. O Barroco está em oposiçã o ao
clá ssico, maneja seu vocabulá rio e isenta-se do rigor de suas leis. É , portanto,
clá ssico corrompido; isto dito sem nenhuma conotaçã o de valor. Exemplo,
conjunto de habitaçõ es em Montreal, projeto do arquiteto Moshe Safdie.

Moshe Safdie

A terceira categoria é o caos que retorna mais ou menos controlado ao mundo da


ordem. Mais difícil de ser descrita e dominada pelo conceito, nã o aparece em
oposiçã o direta ao estilo precedente, antes alinha-se ao lado. Engendra a si
mesma pela necessidade, simplesmente porque nã o pode deixar de sê-lo. Quer
ser moderna, quer ser efêmera sob o impulso de uma inédita visã o, de uma
perspectiva oblíqua sobre o espaço. Exemplo, James Stirling no edifício da
Faculdade de Engenharia de Gloucester. Nascida da prá xis projetual, mais que do
antagonismo entre ordens estilísticas cristalizadas – enfraquecidas em seus
discursos -, a arte eclética exercida pelos modernos é na imagem final também
abstrata, semelhante formalmente ao caos representado. Porquê o caos? Porque
desenvolve-se no espaço sem o auxilio e determinaçã o de coordenadas ideais. O
que apresenta como caos para uma ordem dada para outra é redençã o .

54
James Stirling

O Barroco moderno, conhecido em nosso tempo como organicismo, é o clá ssico


obscurecido, o eclético, conhecido como tardo-modernismo, será a dissoluçã o do
espaço perspectivo pela relativizaçã o dos fatos submetidos a uma percepçã o
fragmentaria da realidade. Acontece aqui a substituiçã o necessá ria da noçã o de
espaço ó tico encerrado por uma visã o unitá ria de mundo pelo campo de
operaçõ es formais autô nomas e paralelas. Se já no clá ssico a justaposiçã o punha
tensã o sobre a forma, no ecletismo a justaposiçã o será fator de explosã o do
espaço unitá rio. Nele a tensã o jamais se soluciona, nã o diminui. Cada parte é um
todo, independente e conexo simultaneamente, colado à força num campo de
operaçõ es sujeito à s supremas imposiçõ es do necessá rio, da determinaçã o de
poéticas ambíguas, da economia e, porque nã o dizê-lo, de um espírito româ ntico
há muito distanciado do otimismo.
ECLETISMO PÓ S-MODERNO

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O que era caos para os antigos será o ecletismo para o nosso tempo; ordem de
uma geometria permanentemente oculta e individual. No ecletismo importa a
tendência de perpetuar a ocultaçã o dos fins. A forma faz sentido, porém nã o gera
histó ria, nã o pode ser multiplicada em có pia, contudo, indiretamente, sua fluidez
é difícil, a continuidade é pecado mortal que será punido com a exclusã o do
paraíso da historiografia oficial. Os que nã o entenderam a esta ordem e ousaram
reproduzir o ú nico, sã o denominados plagiadores, falsá rios que nã o merecem o
menor respeito por parte da historiografia oficial. Talvez o denominador comum
do ecletismo seja esta ordem: deverá realizar o ú nico, seus passos nã o deverã o
ser seguidos, oculte suas regras, queime seus arquivos, contudo, deves restaurar
em cada momento a capacidade de emoçã o em teu pú blico.

No caos utó pico dos modernos o artista pode manejar instrumentos anô malos à
composiçã o histó rica da arte. Junta o rigor da leitura histó rica ao impulso
propulsor dos sentidos aprisionados pelo espírito e pelas leis que conferem
significado à s formas, somados, é claro, ao valor da eficiência – fluxo e
movimento dos elementos através do espaço de conexõ es imprevistas, exemplo,
Frank Gehry.

Frank Gehry
Como simplificar este novo quadro de conexõ es? Com certeza, nã o totalmente
pela aná lise crítica. O fator intuitivo aparece na arte presente como nunca

56
apareceu em momentos pretéritos, mescla-se aos sistemas e obscurece a rigidez
crítica: surge entã o o “segredo”. O mundo secreto das neo-magias. A proporçã o
agora já nã o é a beleza das matérias trabalhadas com equilíbrio. O equilíbrio dos
conceitos será mais importante ainda que o equilíbrio das formas; tudo conta
alem das formas: os mitos sob a forma de imagem iconográ fica resistente, as
técnicas, os elementos primá rios, os materiais, todos eles estã o em jogo, todos
contribuem para a simplicidade e sinceridade expressiva. A luz se apaga, será um
navegar em trevas guiado apenas por estrelas.

À distancia, o sistema proposto por Wolfflin continua vá lido, ilumina nosso


entendimento nessa difícil tarefa de compreender, a extensã o longínqua do
fenô meno artístico. Se nã o logra abarcar o confuso panorama do Século XX é
certamente por causa dos sistemas, que teó ricos como o formalista alemã o ainda
defendiam, nã o pela ausência de universalidade dos seus conceitos.

57
MINIMALISMO E ESTRUTURA

No Minimalismo a estrutura deixou de ser apenas a matéria física de resistência,


opaca e escondida, mero instrumento de suporte, passando a ser elemento
dominante no jogo hierá rquico das figuraçõ es. As composiçõ es em carcaças
ganhou peso. Enquanto os arcabouços habituais modernos funcionam como
armaçõ es de apoio a planos autô nomos gerando espaços, ou que configuram o
espaço, na poética Minimalista a estrutura comporta antes de tudo a si mesma.
Nã o sã o mais figuras de resistência, contidas na forma nascidas da pró pria
potência do material suportando as cargas. De sua autonomia nasceu um estilo.
Continente e conteú do, estrutura e idéia sã o partes reciprocamente
independentes. Divorciadas definitivamente dos meios que produzem a obra,
estas estruturas imperam independentes de qualquer outro fator. Eis um
exemplo significativo de sua origem histó rica:

Eugene Freyssinet

À partir destes dois conceitos, a ó tica sobre a obra de arte amplia-se um pouco
mais: a estética do Minimalismo suporta a indiferença existente na uniã o de duas
forças aparentemente antagô nicas: por um lado o conceito, e por outro sua
materializaçã o; sustentam no espaço um complexo de forças que se repelem.

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Abaixo um exemplo contemporâ neo, a casa do escultor americano Donald Judd
inserida num galpã o industrial reciclado.

Casa Donald Judd no Texas

Suportar a indiferença - conciliaçã o que convivem no mesmo local, porém, nã o


se tornam conhecimento – é o mesmo que estetizar-se, uma vez que este suporte
admite equilíbrio formal? Em uma palavra, indiferença a que? Admitindo na arte
a possibilidade de coesã o pela indiferença, o artista se nega a refletir pela arte
um mundo aná logo de equilíbrio e proporçã o, ou seja, um mundo belo, conforme
os “clá ssicos”. Parece que a indiferença ao mundo como idéia – como totalidade –
supõ e o tema fundamental do Minimalismo: restringir os elementos
compositivos de uma poética já reduzida e ser indiferente a noçã o de todo.

No Minimalismo nã o existe, como seria licito supor, uma tendência a


concentraçã o. Síntese do complexo no simples. Há , sim, uma total indiferença a
possibilidade de lograr na obra a mimeses do global. Seu movimento caminha em
sentido oposto à reduçã o admitida como programa. Através da estrutura, a
forma se confina ao elemento bá sico de sustentaçã o: mínima aparência, perda do
só lido interior, forma penetrada pelo vazio, apenas linhas delimitando o interior
desocupado. Depois da estrutura, o pó ; tudo é excesso.

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Multiplicando a unidade estrutural mínima, o artista engendra uma anti-retó rica.
Contendo de maneira inversa as mesmas possibilidades de convencimento e
produçã o de grandes sentimentos comuns à retó rica persuasiva. Porém, a
diferença é espantosamente exó tica: o artista do mínimo luta por mostrar a
grandeza do nada; o nada multiplicando-se numa inércia tendente ao infinito.

Se o Minimalismo pretendesse somente a síntese como os primeiros modernos,


bastaria a presença da primeira unidade. Contudo, nã o é suficiente a força da
idéia na concepçã o do mó dulo inicial. Para completar-se será necessá rio
introduzir uma ordem rítmica – a repetiçã o. Continuando, caminha para o ritmo
constante do primeiro discurso. Faz da repetiçã o cará ter; do arbítrio o
necessá rio territó rio de perigo.

Shigero Ban

60
MINIMALISMO E A MATÉ RIA DO DESENHO INDUSTRIAL

Anish Kapoor

Escala de produçã o industrial, esmero na execuçã o, imagem de um produto


acabado. Somente por definidos critérios de produçã o industrial podemos
afirmar que algo está definitivamente acabado. Na obra de arte realizada
manualmente este critério é arbitrá rio, na indú stria o produto é também
necessidade patente dos meios de produçã o. Este acabado quer dizer: estar
pronto para o consumo. No produto industrial nenhuma má cula que revele
impureza pode trair o cuidado no processo de fabricaçã o. A marca do
instrumento pode testemunhar imperfeiçã o manual de quem executa. Logo, o
destino do produto será impuro, possibilidade de um rá pido desaparecimento
pela força desgastante do uso.

Mais que um formato característico, a má quina imprime a ló gica do sistema


fabril a qual representa. Matéria-Prima indica um segmento do processo de
transformaçã o. No produto já nã o existe a imagem-testemunho da matéria em
estado bruto. A aparência material desaparece dando origem a integridade do
desenho. Plá stico sintético, aço niquelado, alumínio, vidro temperado, materiais
de alta resistência feitos para uma nova era industrial. Tã o resistentes em sua
estruturaçã o interna, que nã o precisam de apoios exteriores para que se

61
mantenham em pé no espaço. Estes materiais podem ser recompostos, jamais
transformados ou manipulados pelo instrumental arcaico do artista. Empregá -
los equivale a ajustar-se à fina cadeia de produçã o que lhe deu origem.

David Adjaye

Um escultor como Richard Serra trabalha diretamente na indú stria empregando


a mesma mã o-de-obra que constró i a grande embarcaçã o. Entre o artista e o
construtor existe o técnico, especialista que mede o desempenho da matéria
frente à s exigências da estrutura. O engenheiro domina uma fraçã o mínima do
saber construtivo da escultura. Artista, operá rio e engenheiro estã o polarizados
na cadeia produtiva. Para o operá rio e engenheiro, a insensatez da forma
artística em que trabalham só distancia ainda mais a compreensã o que possuem
do mundo em que vivem: a fá brica. O Minimalismo surgiu simultâ neo à Pop Art,
glorificadora da propaganda e artificialidade luminosa da matéria transfigurada
(as coisas nã o sã o como se apresentam). Ao contrá rio da Pop Art, o Minimalismo
adotará uma poética sacada do produto industrial acabado, sem conter a
abstraçã o das imagens contidas no real. Representadas pelas mesmas técnicas de
comunicaçã o de massa empregada pela propaganda. Na obra Minimalista a
matéria tem seu conteú do de representaçã o reduzido a um plano hermético, nã o
evidente, somente captado pela interpretaçã o. A matéria Minimalista nã o cria

62
ilusã o, ela é o que é, está ali, é presença e como presença deverá ser sentida.
Acabada, indica por extensã o seu processo de transformaçã o na indú stria.
Componente industrial, uma chapa Minimalista está impregnada pela técnica das
grandes corporaçõ es internacionais. Seu saber técnico nã o se revela, é segredo
que mantém a ló gica do mercado. Alheio a manipulaçã o industrial, o artista
observa o processo de produçã o da obra com resignaçã o. A onipotência da arte é
ubíqua desde a eleiçã o conceitual até o grau de transformaçã o. Basta estar
salientada em um pedestal para ser representaçã o. Posta em relevo num
ambiente, esta peça criará um espaço convencionalmente artístico. Lançando sua
carga oculta de significaçã o representativa de uma vontade artística individual –
um impulso estético -, um mistério que irá além do continente. A matéria
industrializada transparece na Pop Art como uma imagem cheia de encantadoras
sensaçõ es aos sentidos menosprezados por sua falta de espiritualidade: paladar,
tato, sonoridade ruidosa, brilho ofuscante das estrelas de cine americano, carros
de corrida; ícones de uma sociedade informada através do consumo. Ao revés do
Minimalismo, a matéria Pop é profundamente ilusó ria. Simula o real com ironia,
revela um conteú do falso e autodestrutivo das nobres sensaçõ es estéticas. Em
resumo, explora a poética do Kitsch. A face demoníaca do produto. O plá stico
sintético da Pop Art quer se mostrar natural, é fina ironia ilusionista; no
Minimalismo o plá stico nã o pretende ser nada alem de aparência reveladora de
uma resina industrial. Matéria atual com possibilidades de criar novas
expressõ es. No Minimalismo nã o existe humor, somente a iconografia de um
certo desencanto.

63
REDUZIR COMPONENTES FORMAIS

Reduzir os componentes formais da obra de arte para obter maior integraçã o


entre um diminuto corpo de elementos. Diminuir o grau de diferença das coisas
reais, moldando-as em uma nova unidade simples com vistas ao permanente.
Sabemos que, paradoxalmente, a obra que pretende explorar as mil faces da
abundâ ncia é a que menos logra sucesso - toda utopia tende a ser uma visã o
abreviada e torcida de mundo por parte de uma imaginaçã o fértil em delírios.

Moldar a idéia de arte universal em amostras ínfimas, de objeto-mínimo,


cruzando configuraçõ es espaciais simplificadas pela operaçã o racional; repetir
indefinidamente as unidades de permanência-padrã o – afinal, qual o ponto de
conexã o desta ultima afirmaçã o com a proposta estética dos Minimalistas?
Confesso, nã o saberia dizê-lo em profundidade, assim de improviso, pelo menos
neste momento. Ainda é prematuro julgar definitivamente uma obra em
processo de desenvolvimento. Nã o sei se há um artista como Christo assumindo
a fina ironia de empacotar o mundo ou se, inversamente, o que lhe parece
importante é a intençã o de experimentar suas dimensõ es perceptivas num
agradá vel e lú cido jogo de formas belas. É prematuro afirmar e formular
respostas definitivas, contudo nã o o é conceber perguntas definitivas.

Christo – Wrapped Coast

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A operaçã o reducionista e sintética do Minimalismo nã o abarca somente o
limitado conjunto de figuras geométricas abstratas. Na obra do arquiteto italiano
Aldo Rossi a iconografia arquitetô nica, sedimentada pela histó ria, reaparece
fortalecida pela aná lise dos componentes fundamentais da poética passada, que
seleciona e exclui os elementos desnecessá rios na atualidade – irreconhecíveis
pelos homens modernos. Para Rossi a arquitetura converte-se através da
limpeza formal em síntese mínima da histó ria.

c
Aldo Rossi – Grande Teatro do Mundo – Veneza

Em Mies van der Rohe o “menos é mais” traduz um ideal mais platô nico. Ilustra
sua visã o da época pela síntese tecnoló gica representada pela econô mica
estrutura em aço. As duas formas, as duas arquiteturas, apesar da complexidade
conceitual, revelam-se ao espectador na dimensã o mínima do imediato; pela
repetiçã o do seu padrã o, insistem no tempo contemplativo. Captada a forma no
instante, isto significaria um imediato abandono pelo espectador, que satisfeito

65
abandonaria o local. Porém à distâ ncia no tempo significa banalizaçã o da
faculdade de ver. Por este motivo a forma se multiplica, continua existindo além
de sua expressã o mínima conferida pelo modulo inicial, pleno de significaçã o.

Projeto do Convention Hall de Chicago – Mies van der Rohe

Repentinas, estas obras pegam como impacto a uma sociedade da imagem rá pida
e superficial. O espectador jamais se detém diante da obra de arte, capta-a na
longitude pelo filtro indiferente dos sentidos velozes. Por ela passa em
movimento, dela nã o extrai nada mais que a forma em estado dinâ mico.

66
CONTRASTES

Num vô o rasante sobre esta obra anô nima, a qual nem imagino de quem seja a
autoria, pressinto que o arquiteto preferiu nã o se misturar ao á spero e impolido
da paisagem. Parece entã o que, ao se queixar por estar preso por imposiçõ es
funcionais, estilizaçõ es de revistas e gosto passageiro, o arquiteto já punha o
dedo num elemento necessá rio ao viver o exó tico, como obra de arte asséptica e
confortá vel, e que o partido foi também uma limitaçã o necessá ria imposta pelo
rico cliente. Uma límpida e pura estrutura branca funciona como redoma de
museu. No interior, o vazio e poucos volumes habitá veis. Proporcionará o
encantamento ú til à poética da economia radical, esta geografia de fim dos
tempos?

O saber competente do fotó grafo aponta para o cerne da questã o: esta


adulterada maneira de enfrentar francamente os desafios da pureza nos obriga a
ver o todo arquitetô nico, desde uma elegante e segura distâ ncia, como obra de
arte que também é cená rio de um estilo de vida mais afim à s normas da moda. O
nã o natural da atmosfera nos transporta para as instâ ncias da hiper-civilizaçã o.
A imagem desta casa nã o me impressiona, à primeira vista nada tem de simples,
pois a essência da simplicidade guarda apenas as substâ ncias filtradas da
extrema necessidade, em contrapartida, no Minimalismo tardio, como aliá s em

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qualquer estilo que evolui para a Academia, prevalece antes de tudo o gozo fá cil
pelo artificial. A beleza perfeitamente bem acabada e sem tensã o do mundo
sofisticado é incapaz de nos provocar arrebatamento. Sua sinceridade afetada
camufla a perda daquela espontaneidade que carregamos desde a época infantil.

O arroubo ingênuo do arquiteto correspondeu ao gosto crédulo do cliente. O


verdadeiro Minimalismo tira sua técnica elementar de uma experiência
encarnada do bucó lico. Neste caso o chã o informal onde repousa a casa de campo
ficou à margem da intençã o plá stica, desligado e remoto da obra de arte. A
plataforma elevada em que a casa se apó ia é forma para o alheamento, jamais
componente de conexã o entre o perfil abrutalhado do belo rochedo. O desafio
maior seria unir definitivamente a matéria grosseira à estrutura polida e assim
instaurar o domínio da intensa ambigü idade entre a forma campestre de viver
com o substrato da idéia artística. Quem troca a cidade pelo campo espera um
reatamento com a natureza idealizada, neste caso, o que espera aprender como o
bá sico o morador?

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LE CORBUSIER

Maison La Roche

Há dias frustro-me quando tento escapar da poderosa atraçã o emanada dos


provocativos detalhes de Le Corbusier, deles provem a tirâ nica gravidade dos
fatos contundentes. Admiro a ousadia do autor ao simplificar ao má ximo o
desenho de uma luminá ria. Desde quando este espanto inteligente? Quarenta
anos, mais ou menos, na faculdade foi o início, depois dela, ao vivo em Paris,
durante – muitas dú vidas. Aprendi a ler a arquitetura examinando realidades
excessivas; diante do mínimo, permaneço paralisado. Confirmo minha
incapacidade em ler e escrever sobre um fio de aço esticado; poucos passos
adiante despenco no banal. Se um aluno pergunta-me se consigo decifrar o
motivo clá ssico em nossa era digo que nã o. Quem sabe afinal escrever sobre a
grandeza do humilde fato depurado? Escrever é lutar com a burrice de cada um,
nã o tanto para fazer-se entender como para expressar o que se encontra
soterrado em algum lugar secreto do ser. Como nã o me vêem fá cil as palavras,
tentarei um caminho diferente nestas horas, comparar obras de criadores
diferentes, mas de igual qualidade, pode ser um bom caminho. O arquiteto
veneziano Carlo Scarpa tinha por Le Corbusier a maior admiraçã o, no entanto
projetou este monumental lustre para a indú stria de cristais Venine. Arrisco-me
a afirmar que ambas as respostas sã o geniais e querem dizer a mesma coisa por

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caminhos diferentes. Na primeira despontam rastros de uma tocha empregada
pelo artista ancestral das Covas de Altamira, a mesma luz que desde trinta mil
anos ilumina a estrada da arte; a segunda explode em festividades, transborda-se
em alegrias como fogos de artifício. Uma fala do medo primá rio, outra do
conforto de viver numa civilizaçã o sofisticada.

Carlo Scarpa – Lustre Venine

Corbusier poderia gastar os tubos na Maison La Roche em Paris. Era para um


culto banqueiro suíço que lhe permitiu dar livre vazã o ao gosto. Na criaçã o do
novo, ou se capricha demais ou nã o se capricha o bastante. Raramente se
encontra o meio termo que tremula como uma bendiçã o. Corbusier nã o era
homem de hesitar diante de um estímulo voraz. Fê-lo em nome de uma verdade
artística sombria e só dele. Possivelmente descobriu na pró pria forma da
lâ mpada um encanto tã o poderoso que revesti-la com o véu do cristal seria um
aná tema contra o bom senso da técnica mais lapidar. Mas, e o cano preto em
balanço, afastado a um metro da parede? - Creio que é mesma ló gica, a década de
trinta foi pró diga em revelaçõ es dadaístas e surrealistas, vá rios outros artistas
nã o vacilaram em expressar suas intuiçõ es revolucioná rias deslocando o objeto
de lugar; da Fá brica para uma residência senhorial. Admito, ler o moderno é
outro negó cio. Eu leio e só , tateio, melhor dizendo, percebo que nã o li
adequadamente. É o problema eterno da traduçã o da arquitetura para um texto
arrazoado.

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Escada padrã o dos apartamentos duplex da Unidade Habitacional de Marselha

Longas esperas forçam demais a fá brica de nossa despreparada imaginaçã o, uma


vez constatado o fato, descobre-se a coisa diversa, nã o relacionada intimamente
com a obra de arte em questã o, mas, outrossim, com o delirante imaginá rio dos
que sonham acordados. Tal fenô meno nunca ocorreu comigo, minha experiência
de arquiteto, amante de toda a produçã o corbuseriana, foi sempre superior à s
melhores expectativas, tecidas em solitá rio sedutores admirando livros bem
editados. Ao penetrar num dos apartamentos da Unidade Habitacional de
Marselha o choque foi positivo pelo acú mulo de detalhes espantosos, todos eles
amplamente analisados por fotos. Nem tudo é publicado, ali naquele oceano de
talento bem aplicado ia me esbaldando com os excessos, era coisa demais para se
decifrar numa simples visita. Constatei uma vez mais como Corbusier amava as
formas construtivas da indú stria mecâ nica. Inclusive sua escala econô mica e
material. Admirava também estes fantá sticos detalhes funcionais dos enormes
bairros flutuantes criados para cruzar o Oceano Atlâ ntico. Foi numa dessas
viagens que o arquiteto se deteve a imaginar variantes das escadas de aço
redesenhadas para ocupar com graça as habitaçõ es de gente normal. Há vá rias
interpretaçõ es desta escadinha transparente de aço pré-oxidado em seus
projetos anteriores. Em cada exemplo foi acrescentado um inventivo detalhe
marcante que a caracterizava como ú nica. As barras de proteçã o laterais sã o
diferentes a fim de demonstrar riqueza experimental. A linha mais simples

71
colada à parede de madeira pintada recebeu o colorido energético que
enfatizaria seu cará ter singelo e assim equilibrou a composiçã o com o guarda-
corpo mais exuberante no extremo oposto.

Nã o se deve interpretar um apartamento igual a este ignorando os valores de


época e condiçã o específica em que foi concebido, principalmente, nã o se deve
alinhá -lo com aos valores de hoje. Vivemos numa era transbordante em apliques
decorativos e abundante também em quanto a sua efêmera simbologia fashion.
Nosso exemplo de arquitetura habitacional de massa foi realizado ainda sob os
efeitos solares do Iluminismo modernista de pó s-guerra, em pleno período
brutalista, no qual surgiu o culto à verdade construtiva e a elaboraçã o do gosto
pelos materiais primitivos, expostos sem disfarces na superfície da arquitetura
nua. Como bom revolucioná rio, Corbusier põ e em cheque todas as convençõ es do
morar. Principalmente as proporçõ es dos componentes foram alteradas em vias
de propiciar maior intimidade ao usuá rio. Os detalhes e os ambientes sã o
pequenos contudo sem sufocar. Parece mesmo que o arquiteto quis abrir aqui a
percepçã o para o imediato tá til da construçã o e do espaço maior, e nada é caro
ou raro em toda a inteligente construçã o.

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ESTILOSO

Depois de tudo, constatou-se a impossibilidade do espelho; foi banido pela


brancura. A graça do quarto Minimalista, admirar o banho como altar, e o banho,
o que antevê de sua cortina invisível? Ser estiloso, nesta irretocá vel sociedade do
espetá culo, passou a ser obrigaçã o entre os da alta sociedade, deixou de ser falta
grave nesta sociedade do espetá culo, passou quase a ser obrigaçã o na vida da
alta sociedade. Peço perdã o aos puristas por empregar a palavra “casto” na
definiçã o de um banheiro. Formas demasiado higiênicas denotam inocência e
falta de sentido construtivo, um pouco de sujeira ajuda na memó ria do canteiro.
E pensar o quanto de energia foi consumida no detalhamento, tudo branco,
porque os minimalistas elegeram o branco, a cor que nã o é cor, como marca-tipo
de sua arquitetura? Eis a incontorná vel sensaçã o de impasse que começa
devagar a capturar-me de todos os lados do organismo e se atar bem no centro
de minhas preocupaçõ es. Preciso urgente decodificar este banheiro sem autor,
ou tentar dormir com o desconforto de haver falhado; com certeza ele tem um
há bil responsá vel pela idéia. Mas, desde que vi numa revista internacional
européia todo este esplendor de pureza, nã o me interessou ligá -lo a um nome
específico. Prefiro mantê-lo assim meio anô nimo. Gostei, e confesso meu deslize,
de um modo errado do exemplo. Fixei-me nele apenas como cená rio culto para
uma peça cara sem drama, nã o como obra de arte impregnada de desafios e

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vacilaçõ es. De tã o depurado que foi na acadêmica bacia esteticista, o banheiro
perdeu o cará ter reflexo do criador individual, generalizou-se, ficou sem estilo.
Apesar de estiloso – palavra horrenda, contudo funciona - a ponto de pender ao
chamativo apelativo das coisas imaculadas, gosto bastante dele por corresponder
a um ideal de decoro e controle edificador. Já se foi o tempo em que era
considerada a pureza virginal um atributo ético, depois do Brutalismo,
desconfiamos da inocência demasiado elaborada. Pessoas temem por seu pudor
ao usar um banheiro devassado. Imagino o arquiteto se esfolando para alcançar a
perfeiçã o sobre-humana nos acabamentos, eu conheço essas crises de vaga
angú stia pela exatidã o radical por já ter sido vá rias vezes vítima delas.
Incomoda-me sua demasiada luz e o recado subliminar de que se deve usar o
espaço sem jamais sujá -lo. Quem usa um banheiro assim, viverá um stress bem
bizarro, uma espécie de paranó ia pelo perigo de manchar o imaculado. Mas no
fundo, pouco importam as limitaçõ es funcionais, contanto que prevaleça a
beleza, no mundo da moda, mais vale o estilo que as boas intençõ es funcionais.

O efeito cabotino de todo o discurso arquitetô nico fica por conta da mensagem
artificial passada pelo arquiteto, afirmando que há vida sincera em todo o
projeto; quando sabemos que é bem o contrá rio, a forma do banheiro-cená rio
equivale ao desejo de status, mais que a necessidade de se experimentar
sensaçõ es extravagantes sem sair do quarto. Nada é mais difícil do que dar aos
pormenores estilizados um contorno crítico que nos permita olhá -los de frente.
Desde o primeiro minuto que este mal-estar crítico aparece importunando, ele
me domina completamente, impedindo de ler abertamente esta imaginativa
proposta de mudança de vida. Escrever sinceramente sobre arquiteturas
abstratas é quase sempre frustrante, a pró pria superficialidade do tema barra
nosso aprofundamento. A vida do corpo tem início na linha divisó ria do espírito
racional.

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VAZIO

As pessoas normais precisam de muitas coisas, os adeptos do minimalismo


crêem ser suficiente o muito pouco na arquitetura. Cultuar a parede branca
transformou-se no símbolo reitor do apó stolos da nulidade expressiva, o terreno
ao redor parece estar abandonado, duas reduzidas cavidades se ocupam do
resto. Julgo esta obra tentando pensar como o vizinho ao lado. Falta algo aqui,
sinto que há um vazio. O vazio, na cultura minimalista, nã o é assim tã o vazio, é
mais uma depuraçã o elaborada pela razã o: está ocupado por existências sutis,
ocultas, só vistas pelos especialistas, e fala alto também as nã o existências, e
define-se pela tensã o entre umas e outras. Separando o vazio da plenitude nã o há
uma oposiçã o; apenas, o espaço de uma relaçã o de reversã o: uma coisa reverte
na outra, infinitamente. Para esta nossa cultura de derivaçã o européia o vazio
tende a ser interpretado como ausência de símbolos muito necessá rios à
completude do discurso. O vazio nos é pura impossibilidade de convívio. Se sinto
esta caixa branca como um imenso vazio, é porque ela nã o me serve. Arquitetos
de bom gosto consideram bonita uma casa dominada pela interrupçã o de desejos
expressivos. O cavo tornou-se estilo, nenhuma brecha por cujo canal possa
transitar os símbolos reconhecíveis. Quero ver a beleza apenas pelo filtro da nula
brancura opaca.

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Ao projetar, o Minimalista luta contra a tradição, retira a figura ornamental do jogo
compositivo e em contrapartida coloca toda sua energia na perfeição dos valores da
execução e nos valores da exata aglutinação de partes. A máxima atenção recairá
sobre a forma que o arquiteto cria a fim de demonstrar que sua arte se limita ao
encaixe. Nada lhe é tão importante e belo quando a união perfeita, a forma sem
sobras, sem fiapos, sem asperezas, sem calombos ou micro concavidades, sem furos
ou caroços.

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LUIS BARRAGAN

Aquele que realmente necessita o fruto da beleza, deve abolir as rudes amarras
da necessidade, dizer adeus aos falsos consolos de uma ímpia religiosidade
positiva, estruturada na mera técnica, eliminar a tirâ nica sonoridade do discurso
política vigente. Suprimido a horrível fala utó pica dos arquitetos modernos, está
debelado o inimigo ordiná rio, sobra todo o cerne da histó ria da arte por fazer-se
familiar e doméstica. O terraço de Barragan atesta como se pode ofuscar os
imperativos econô micos restritos à um baixo custo e revelar o má ximo de poesia
com extrema simplicidade. Basta um detalhe, e descortina-se a forma que excede
em sentido. Seu tempo era outro, pressinto em todas as formas criadas por
Barragan uma oculta divindade trapaceira, somente transparente aos Estetas de
coraçã o, aos privilegiados herdeiros da sagrada disposiçã o anímica e alentado
anti-corpus contra a vulgaridade do materialismo democrá tico.

Le Corbusier dizia que a arquitetura é uma criaçã o do espírito e nã o explicou os


pormenores de sua profundidade. Intuo que para ele a alma era uma fá brica de
seres absortos na contemplaçã o matemá tica. Inventou como coroamento dos
edifícios o terraço-jardim, um lugar sem plantas nem animais de estimaçã o. Dizia
que seu horto abstrato lembrava os primitivos assentamentos em cujo pomar de

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pedra os primeiros astrô nomos lançaram sem o instrumental telescó pico as
bases da linguagem cosmoló gica. Isso foi lá pelos anos vinte do passado século.
Quando muito jovem esteve em Paris, Luis Barragan ficou impressionado com
este vergel simulando em planos coloridos a amplidã o de toda a natureza. Ainda
nã o se falava em “Collor Field” nem em pintura da pura visualidade. Sua casa
veio à luz na Cidade do México em 1949, e nela o arquiteto arrojou-se a imitar o
mestre e acrescentar algo mais de sua imaginaçã o mexicana; paredes altas em
cujas á speras texturas foi submetida a lava vulcâ nica, surgiu uma enorme
potência espacial poética neste quadrilá tero de planos neo-plasticistas
concebidos em alvenaria, aflorou um espaço religioso para um artista moderno
guiado por elegante fervor cató lico. Em seu castelo aristocrá tico, o
idiossincrá tico artista terminaria seus dias. Era uma casa para tudo, trabalho,
festas e muitas leituras, mas sobretudo era o altar de um solitá rio meditativo de
nã o muitas obras. A essência do homem pensativo alimenta-se de solidã o, estudo
focado e de um eterno refazer. Em seu íntimo criou a couraça do bom gosto, nã o
suportaria abrir suas janelas para a paisagem e constatar a terra arrasada ao seu
redor. Quando lhe era urgente ligar-se à natureza, preferiu o céu de todos. Sua
muralha é rigorosamente estética, serve para banir o horizonte da cultura
republicana e fortalecer uma erudiçã o calcada na leitura dos escritores célebres
do passado. Eclipsando a mensagem do horizonte fabril de homens-má quinas
neste terraço ideal, Barragan encobria com uma capa sublime a insidiosa vida
burguesa degradada.

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POÉ TICA DO SAGRADO

Ando à procura de uma imagem sintética que diga tudo sobre a Capela de la
Tourette de Le Corbusier. Impossível! Como uma sinfonia, esta obra precisa ser
experimentada na intensa relaçã o do espaço e do tempo. Sua virtude reside
menos num instantâ neo relampejar que na á rdua somató ria de mil detalhes, e
cada um deles expressa num segundo uma faceta na galá xia espiritual do autor.
Assim é o deus-humano encarnado na figura absoluta do raro heró i-artista. A
noçã o de todo é sempre imprecisa quando se trata de contemplar a profundidade
oceâ nica de certos gênios. Apesar dessa enorme muralha, tentarei expressar sua
grandeza com apenas quatro precá rias fotografias.

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Nã o haveria o sagrado sem a linguagem adequada que lhe revele materialmente
sua verdade inconfundível, posto que o poeta é o inventor da linguagem, será ele
mesmo a estrada que conduz pela percepçã o direto ao divino pré-existente em
nossa consciência. Portanto, existem qualidades universais reconhecíveis que lhe
conferem os atributos específicos da divindade numa obra humana. A histó ria
deu um nome a este revelador do sagrado entre a massa de homens arrebatados
agrupados em torno de uma sociedade aflita. Se examinarmos a arquitetura
religiosa de todo o mundo nã o será difícil estabelecer paralelos formais entre as
essências de cada uma. Outrossim, o sagrado cola-se à memó ria e adquire vida
anímica, torna-se portanto um dourado monumento na memó ria de cada homem
amedrontado pela fatalidade.

Até que se prove o contrá rio, todos os homens de uma mesma maioria sã o
preguiçosos e covardes, exceto os santos, os heró is e os gênios; todos os homens
sã o confusos e atormentados, e procuram realizar suas obrigaçõ es da maneira
mais fá cil e até mentirosa (todos os homens mentem em seu trabalho, exceto o
verdadeiro artista); a gambiarra é o estilo fabril do homem normal – um acertar
o alvo cheio de disfarces e imprecisõ es nos contornos; ocultar seus erros com
camuflagens cosmetoló gicas, é a prá tica mais usual entre os trabalhadores em
série. Refazer o que o senso comum considera já feito é maçante para o homem
comum; refazer, para o preguiçoso é pura e absoluta mortificaçã o dolorosa.

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Atingir a perfeiçã o nã o é, nem por sombra, o destino da maioria. Este homem
produzido em série contudo ajoelha-se diante da exatidã o do trabalho e atribui
sua incandescente revelaçã o misteriosa a um ser superior que por costume
chama de deus. Encontra aí sinais milagrosos do sobre humano. Mas nã o há
segredo em uma obra genial, feita e refeita até a exaustã o, focada e resoluta até o
limite da demência. Sagrado é a forma total concebida pelo santo e heró i,
amarrada e sem falhas, resistente aos solavancos da sentimentalidade episó dica.
A lapidaçã o sobre-humana da matéria resistente é feita com técnica e
perseverança, mais que com o coraçã o e a vontade. Renuncia-se ao que é mais
precioso ao criar a grande arte – ao perecível tempo e a energia gastas com o
ó cio – em nome de ajustes entre os elementos, que constituem a base formal de
uma obra de arte, faz-se o impossível, em louvor da uma entidade que a todos
controla – nossos deuses. Somente aos predestinados ao culto da perfeiçã o é
permitido adentrar na intimidade dessas luminescências numenosas, conhecidas
como o mais sagrado. Somente os refinadores, onde cada parte se liga viva a uma
idéia geral, possuem o dom de materializar o sagrado.

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CAPELA ROTHKO

Nenhuma técnica fotográ fica será capaz de reproduzir com fidelidade a


superfície de uma tela com essa qualidade. Temo que o careca da foto jamais
encontrará o sentido do que vê procurando através da meditaçã o, perde seu
tempo o moço ingênuo empregando método equivocado. Dizia Rothko: “Minha
pintura nã o é o retrato de uma experiência, é a experiência mesma”. O termo
chave, que abra o portal da sabedoria estética, existe no dicioná rio do
conhecimento específico do estilo, toda a histó ria da expressã o pictó rica está
embutida nos entretons da imagem. Como se diz vulgarmente por aí, só quem
tem cancha conseguirá percorrer em minú cias o ensaio que ora se confunde
com uma intensa e culta existência singular. Nesta fase final de sua focada
carreira, Rothko baniu a diversidade cromá tica a fim de escavar nas capas dos
matizes. Saber ver uma arte como esta significa percorrer com igual técnica e
intensidade as cambiantes gradaçõ es da experimentaçã o prá tica do autor
individual. A tonalidade final alcançada esconde como um véu semi-transparente

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as mú ltiplas capas da coloraçã o soterrada. Sabemos que somente se encontra o
tom desejado pela experimentaçã o esmiuçada, é praticamente impossível cogitar
as nuances e suas simbologias sem colocar com rigorosa disciplina a mã o na
massa.

Vista frontal da Capela e esquema das pinturas no interior

2015, domingo de muito sol em Curitiba, 7 de junho. Segue na UEL a greve que
me imobiliza à contragosto em casa. Há dias tento em vã o descrever a Capela
Rothko, contudo sou bastante teimoso, persevero na luta. Minhas leituras sobre o
tema esbarram-se tristemente na muralha do lugar comum. A massa de críticos
mundo à fora contenta-se em repetir o termo “transcendente” para tudo que nos
ofereceu em vida o pintor. É verdade, há algo de metafísico na pincelada deste
gênio trá gico, mas simplesmente repetir chavõ es superficiais nã o atende à s
demandas da inteligência. Confio em minha intuiçã o quando ela diz que
transcendência nada mais é que educaçã o. Sim, quem se educa liberta-se. Educar
os sentidos para a arte supõ e exercer a prá tica da escrita e leitura, nada mais que
isso. Transcender é traduzir em palavras o que realizamos com sentimento. No
ano de 1964, o casal John e Dominique de Menil encomendaram ao celebre
pintor de Nova York, desde sua habitaçã o de Houston, uma obra estimulante que
levaria seis anos em ser concluída – uma capela ecumênica que no futuro se
tornaria sucesso em todo o mundo. Foi concluída em 1971 e hoje recebe 80.000
visitantes de todos os países, etnias e variados níveis culturais, todos á vidos em

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se deparar com o milagre transfigurador da misteriosa representaçã o e com a
promessa de elevaçã o espiritual por via da arte moderna. Participaram da
empreitada nada menos do que três dos maiores representantes da
revolucioná ria plá stica americana: o escultor Barnett Newman, 1905/70, Mark
Rothko, 1903/70 - a figura central do projeto - e o arquiteto Philip Johnson,
1906/2005. Os ricos benfeitores pediram ao pintor algo especial, um lugar
discreto e fabuloso para a meditaçã o; um espaço cheio com pinturas específicas.
Rothko respondeu dizendo que seu propó sito seria atender ao pedido pintando
em duas direçõ es, o finito e o infinito. Concebeu, depois do á rduo
amadurecimento, 14 enormes telas no que chamou de Soft Brown composto
juntamente com matizes de negro. Cada painel mede 11 por 15 pés, colocados na
posiçã o vertical. Da parte de Newman foi ofertada uma escultura de quatro
toneladas em aço Corten chamada Broken Obelisk, resultado de sua reflexã o
sobre a arte egípcia. Menil acrescentou depois que este monumento era sua
oferta à memó ria de Martin Luther King. A relaçã o de Rothko com Johnson foi
continuamente problemá tica, o arquiteto pensou como partido numa forma
octogonal irregular na planta, com uma luxuriante pirâ mide de vidro repousando
como coroamento sobre a laje plana. Sua monumentalidade, em concreto armado
no exterior e planos de estuque branco no interior, foi imediatamente rechaçada
por Rothko, que preferia para a temá tica algo bem mais singelo. Acabou
prevalecendo no final uma só lida construçã o monolítica em tijolos de terracota.
Depois de idas e vindas, evoluçõ es elípticas e transferência de arquitetos, o
trabalho acabou sendo concluído por Johnson depois da morte por suicídio de
Rothko em 1970. Ele jamais veria concluída sua obra pictó rica. Interiormente, os
painéis estã o divididos em quatro paredes principais, alternando com quatro
paredes adicionais secundá rias. Piso e teto sã o planos.

Hoje, o curador da Capela é o filho do pintor, sua meta extrapolou a intençã o dos
criadores. Tornou-se popular e canô nica em termos de abrangência de
propó sitos. É atualmente usada para palestras, concertos, aulas de meditaçã o e
outras performances adequadas à interpretaçã o da aberta temá tica. Afinal, cada
um tem sua pró pria visã o do que é o ecumenismo. Pela imagem do espaço

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interno, vemos que o circo politicamente correto adaptou-se perfeitamente à s
dimensõ es disponíveis.

Espaço interno da Capela Rothko

Devo confessar um imperdoá vel erro de minha parte. Esta é a segunda vez que
redijo este texto, o primeiro foi deletado acidentalmente nesta manhã . Aproveitei
a deixa e fui de encontro a mais material. Nunca fiquei satisfeito com minhas
apressadas conclusõ es sobre a obra deste enigmá tico pintor. Deixo agora de lado
o cará ter aberto do atual uso e parto para minha usual visã o esteticista sobre
obras dessa natureza. Estou pouco me lixando para os usos demagó gicos das
grandes obras de arte. Pelo que conheço dos autores, nada desse ecumenismo
popularesco passou pela cabeça dos que idealizaram a magnífica obra. Trata-se
aqui de arte abstrata culta em seu patamar mais elevado. Nas fotografias antigas
a clarabó ia nã o estava obscurecida como agora pelo refletor que a tornou mais
apelativa e circunspecta. A luz difusa fez aumentar a impressã o de mistério do
espaço, resultou mais pró ximo do espiritismo do que de um erudito espírito em
busca de amplidã o humanista e libertaçã o. O partido arquitetô nico geral tem
pouco de International Style. Neste período Johnson andava à s voltas com o
pó s-modernismo, sem dú vida buscou referencias em edifícios antigos do proto-
cristianismo.

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Imagem com o interior antes rebatedor de luz zenital

A simbologia da luz faz toda a diferença, transita do poético intelectual para o


místico no segundo exemplo. Com toda a certeza, Rothko nã o é um pintor para a
maioria, tampouco é fá cil de ser compreendido, creio inclusive que sua
popularidade nã o se deve ao explícito valor artístico do que realizou em si, e sim
ao mito de anjo redentor promovido pela mídia. A pintura mostrada aqui
culmina toda uma vida de pesquisas. Simbolicamente, o monocromo sem dú vida
expressava o desapontamento depressivo do autor em relaçã o aos descaminhos
civilizató rios pressentidos sob a lente de um artista-poeta. A substituiçã o da
anterior apoteose colorida pela exploraçã o das micro-pigmentaçõ es escuras
queria dizer mais do que aparentava; uma simples relaçã o soturna. De qualquer
maneira, uma arquitetura pictó rica desta envergadura ultrapassa em muito sua
fechada origem, ganha abrangência em mú ltiplas direçõ es na semâ ntica humana.
Deixa de ser galeria para o desfile e apreciaçã o de refinados Estetas e cai também
no territó rio da magia popular, lugar de milagres, catarses coletivas, etc.

Através da perspectiva isométrica mostrada abaixo, nã o se tem noçã o da real


dimensã o física do conjunto. No á trio aberto frontal, em frente do espelho d’á gua,
há lugar para representaçõ es pú blicas, á rea capaz de abrigar folgadamente
multidõ es. Penso que a verdade eterna da pedagó gica mensagem simples
apoderou-se dos autores. Nenhuma sofisticaçã o de moda ou arrogâ ncia tem
lugar ali. Seu sucesso canô nico é devido à inequívoca qualidade universal e
eterna da elaborada arquitetura.

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Perspectiva isométrica do conjunto

Um adendo, a escultura de Newman é uma entre quatro mú ltiplos existentes no


mundo, todas estã o localizadas em lugares monumentais nos Estados Unidos. Ela
foi colocada no recinto depois de concluído o projeto arquitetô nico inicial. O
reconhecido crítico de arte americano Robert Hughes a considera a mais
significativa criaçã o escultó rica do período em seu país. Busquei alguma opiniã o
relevante que atestasse a importâ ncia da arquitetura em relaçã o a Johnson e
nada encontrei. Coisas assim acontecem quando há contendas insolú veis entre
criadores, lutando pela manutençã o da autonomia de sua poética. Na arte
moderna quase nunca se encontram numa mesma direçã o o arquiteto, o pintor e
o escultor. Há muito deixou de ser vital a presença das artes aplicadas no campo
específico da arquitetura, que sempre se considera suficiente. Mas as negativas
de Rothko entraram em conflito por motivos mais éticos que estéticos. Queria de
fato algo muito simples e conseguiu.

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RITUAL

Templo de Portunus, 100 anos A.C., celebraçã o à Fortuna Virilis

Que eu construa rapidamente meus novos traços de tinta para substituir aqueles
que se foram sem uma soluçã o razoá vel. Escrevo assim mesmo, é um dever e ao
mesmo tempo um prazer. Sigo em frente. De longa data venho tecendo minhas
urdiduras teó ricas sobre o que ainda nos chega revestida de mistérios, a
abstraçã o de um edifício antigo por um criador moderno ansioso por penetrar no
câ none da qualidade atemporal. Edifícios místicos sã o sempre bem vindos nesta
hora. Comparo o resultado obtido por Mies van der Rohe em sua igreja
universitá ria e percebo que o outro, o motivo que lhe serviu de modelo, hoje é
apenas uma sombra que se apaga para nossa percepçã o. Como explicar que o
primeiro lugar dedicado a um deus já destituído foi decifrado com novo olhar e
apresenta sutis indiretas semelhanças com o arquétipo? Em primeiro lugar vem
a proporçã o, salta-nos à vista suas evidências arrepiantes; o retâ ngulo á ureo está
presente em cada pormenor. Como no templo antigo, em Mies nã o eram para
existir as cadeiras, foram colocadas depois, prejudicam a mensagem do vazio, a
fachada é plana assim como as paredes laterais. O territó rio histó rico Greco-
Romano está impregnado de templos muito parecidos entre si. Nã o era lícito
nestes primó rdios inventar ou criar ainda de acordo com critérios expressivos

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individuais. Pois na época moderna é imperativo criar o novo, mas nem todos
pensavam em radicalizar suas obrigaçõ es revolucioná rias. Melhor do que
esvaziar entranhas, havia os que achavam mais prudente abstrair a essência dos
monumentos antigos, caso de Mies van der Rohe com sua canô nica Capela do IIT.

Fachada principal

Desencorajo-me a seguir em frente com minhas habituais ponderaçõ es


imaginativas e tendentes ao enigmá tico. Trata-se da ú nica capela projetada pelo
arquiteto. Até para ele, o resultado pareceu simples demais, suponho eu.
Contudo a histó ria a celebrou pelos atributos formais superiores. Como é pró prio
de minha natureza formalista, ponho-me a trabalhar o tema do ritual de maneira
avessa a qualquer dogma religioso. E como é isso? Para o Esteta o ritual
acompanha a extrema disciplina da admiraçã o e contemplaçã o exigida no
percurso de reconhecimento dos méritos construtivos do artista; eis aí o seu tom
sagrado.
Mies dizia que nã o se pode criar algo novo todas as segundas-feiras pela manhã ,
e assim o fez em cada porçã o de terra neste, solene lugar de estudos superiores
localizado na em Chicago, Estados unidos. Adotou para tanto um monó lito todo
estruturado em aço e paramentado em tijolos de terracota aparente. Se nã o fosse

89
pelo piso em imaculada lousa de granito escuro polido, e o altar de má rmore
Travertino, diríamos que o projeto poderia abrigar a sede de um banco.

Nenhum cerimonial grandioso encarnará o rito divinal neste impiedoso triunfo


Esteticista da simetria. Para que nã o haja surpresa, o crente constata a totalidade
espacial desde fora, foi eliminado, via depuraçã o, qualquer instá vel sinal
simbó lico de equivalência à cerimô nia da afliçã o, angú stia, pecado, culpa, erro,
infraçã o, maldade ou lá stima. Em lugar disso, uma ceara purista para a redençã o
anímica dos tementes a Deus. Resumindo, a má quina de fazer milagres ,projetada
por Mies van der Rohe, no Ilinoys Institut of Technology, é um prodígio de
formalidade apenas protocolar. Trata-se de uma arquitetura ritual imaginada
para um mini-drama. Até numa Universidade, a má quina do tecnó logo se
desmembra cada dia mais, e a cada manhã o homem desperta com um novo
entrave. Em que abrangência terá o arquiteto pensado ao examinar o poder
eclesiá stico e sua capacidade em articular os protocolos divinos? De todas, as
concebidas pelos grandes mestres, esta é sem dú vida a mais corajosa em questã o
de simplicidade e cortes; justo por ter colocado de lado a iconografia milagrosa, e
ausentar qualquer traço reconhecível de iconografia tradicional vinda do
cristianismo doloroso.

Altar da Capela do IIT

90
Temo que em sua vida, coroada de plenitudes, Mies tenha permanecido à
margem de qualquer forma de religiosidade institucional. Talvez sua busca de
Deus tenha ocorrido de um jeito enviesado, quiçá indireto, algo assim, presumo.
Como nã o poderia deixar de ser, o ponto alto da hierarquia espacial ficou por
conta do altar. Cruzar dois econô micos vetores de latã o polido, um vertical e o
outro horizontal, foi suficiente para que o mais tradicional símbolo cristã o, a
cruz, se materializasse em potência e oferecesse uma legível identidade à
proporçã o universal do espaço. O elemento plá stico mais criativo na concepçã o
do altar, contudo, ficou por conta da macia cortina em tecido italiano, mistura de
lã e seda, justaposta a uma parede cega feita com blocos de concreto aparente;
nenhuma outra figura em toda a capela rivaliza com esta arriscada e enorme
ousadia reducionista.

A capela foi inaugurada no ano de 1952, depois de três anos de trabalho, os


alunos a apelidaram de “God Box”, a Caixa de Deus. E como esse lapidar êxito
arquitetô nico suscita controvérsias interminá veis, até mesmo entre os
iconoclastas modernistas, que pensam que lhe falta à capela algo mais intenso e
caloroso. Partamos entã o para o outro lado, o da culminâ ncia e correçã o dos
atributos projetivos, e - porque nã o - o da simples aceitaçã o da beleza

91
construtiva e do segredo da simplicidade, dominado com muito trabalho e apuro
disciplinar. Arriscaria a dizer que o domínio do sagrado foi alcançado pela
perfeiçã o construtiva e clá ssica simetria. Os admiradores da pureza amam a
mestria carregada com os frutos da exatidã o matemá tica. Outro aspecto
importante, e este diz respeito aos sinais do nosso tempo: tudo, absolutamente
tudo, fala da técnica e sensibilidade cultuada por eruditos em nosso meio
cosmopolita. Curioso, nos templos antigos a terminaçã o vertical ocorria num
magnífico teto ornamentado. Em vez de uma metá fora da abó boda celeste, Mies
simplesmente recortou um pedaço de cobertura tã o comum à s fá bricas e o
aplicou ali, numa trama de vigas de aço e peças de concreto pré-moldado de
mesmo mó dulo. A beleza de uma malha estrutural subdividindo um retâ ngulo
á ureo salta à admiraçã o como um quadro minimalista, ele é o nosso mais
representativo e sagrado símbolo vivente. Imagino que este gesto queira dizer
algo de caro sobre o espírito industrial aos estudantes de um complexo
tecnoló gico.

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KAZUO SHINOHARA – CASA ASHITAKA

Sú bito percebo a inteligente clonagem do arquétipo, o autor em questã o era um


célebre professor de arquitetura na Universidade de Tó quio. Viveu dividido em
dois mundos, o do Estilo Internacional e no radical oposto, os sentimentais
apelos do poderoso verná culo japonês. Shinohara foi escritor de talento e crítico
do funcionalismo cosmopolita, em seus textos herméticos difíceis de transitar há
o espelho de suas mú ltiplas casas complicadas no conceito. O que faz da Casa
Ashitaka, projetada para um medico adepto do Feng Shuy, ser um exemplo tã o
curiosamente singular de moradia deve-se menos ao que vemos de imediato por
nossa percepçã o desavisada, do que ao que pressentimos nas entrelinhas da
forma. Na aparência, um exitoso ensaio sobre a monotonia, feérica repetiçã o de
imaculadas janelas de vidro medindo 1,1 de largura por 2.0 metros de alto,
alinhadas a retâ ngulos de concreto armado liso de igual tamanho. Trata-se da
multiplicaçã o de um molde ideal, o tipo é universal, a planta nã o tanto, 17.2 x 9.5,
acrescentados mais meio metro de beiral dando a volta ao redor do retâ ngulo. A
cobertura inteira é em concreto armado, 45 graus de inclinaçã o moldada
completamente em monobloco. No espaço interno, todo em madeira, o negó cio é
outro, começa já desde a entrada um baile de simbologias abstrusas. Quatro
quartos, dois no térreo e os outros no segundo andar, 593 m2 de á rea construída,
implantada no campo, entre Tó quio e Nagoya.

93
Obras assim de puras devem possuir arremate perfeito, do contrario se
tornariam banais. Cada detalhe e material construtivo mereceu o melhor
acabamanto. À cada repasse de olhar descubro uma faceta camaleô nica na forma
- pirâ mide, templo grego com seu abstraído peristilo, etc. Sem dú vida, há em jogo
variadas citaçõ es eruditas, o arquiteto segue fiel em sua nobre missã o de nos
surpreender com sua “anti-má quina”. Apesar do concreto armada exposto sem
disfarces, os arremates na moldagem sã o impecá veis como numa construçã o de
má rmore polido. À 7,6 metros partindo do solo, impera a aguda linha de
cumeeira no coroamento da alta cobertura, ritmada numa quadrícula de
retâ ngulos, é o ponto mais tenso na composiçã o, corta a atmosfera como uma
faca, o discurso revés do volume que se encaixa no terreno sem nenhuma
alteraçã o topográ fica. Como se fosse uma ideal criaçã o do espírito que despenca
verticalmente de céu e se finca no solo como um projétil. Esta maneira de
terminaçã o me obceca. Na fachada principal, apenas uma discreta figura, a bay-
window que se sobressai provocando tensã o de assimetria.

Impossível compreender a complexidade da relaçã o entre a cadência do fora e a


confusã o das pequenas células interiores sem uma aná lise minuciosa. Toda a
compassada monotonia da sala de estar contracena com uma partida labiríntica
entre formas irregulares derivadas do quadrado, sem contar que domina o
espaço interno a desnorteante inclinaçã o dos vetores oblíquos.

Elavacoes, corte e plantas da Casa Ashitaka

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Pelo que me recordo, a sala de estar nã o é có pia de nada, originalíssima coragem
de arriscar, tudo aqui é muito sutil como numa aventura Minimalista,
obviamente a figura dominante fica ao lado da parede alta em ripas de carvalho
alinhadas na diagonal, sua ponte linha divisó ria impõ e o compasso geral. Em
todas as reproduçõ es pesquisadas, este â ngulo fotográ fico é insubstituível.
Estou convencido, Shinohara rende tributo a imitaçã o de um peristilo grego.
Abstraído pela poética da simplicidade Minimalista. O movimento cadenciado
entre luz e matéria, cheios e vazios, quer dizer algo de transcendetal, de
continuidade.

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REPETIÇÃ O CADENCIADA

A simetria é a ordem visível de elementos em serie, da estrutura, do ritmo e da


harmonia. Como o mundo ordenado é aquele que repete modelos e ao mesmo
tempo formaliza a relaçã o entre as peças que se alinham geometricamente na
estrutura compositiva, deverá aparecer um componente a mais, o ritmo.
Indicando a proporçã o entre a parte cheia (matéria) e o espaço de intervalo
(vazio). Na obra de arte, o vazio absoluto nã o existe, o espaço que é a qualificaçã o
do vazio está sempre definido pelas partes que foram dispostas ao seu redor.

Seguir o objeto que se repete e se desdobra no mesmo. A primeira imagem é


igual à ú ltima? O ú ltimo mó dulo seria igual ao primeiro se nã o existisse o tempo,
se nã o fosse a obra de arte uma semente que engendra memó ria. Entre o ú ltimo
mó dulo e o primeiro existe a transcendência do mesmo na experiência da
repetiçã o pela percepçã o. A forma mínima nã o é singular, torna-se significativa
pela repetiçã o e extensã o espacial. A ú ltima imagem está sujeita a
transformaçõ es e reconstruçõ es contínuas; ela requer ser lida no tempo assim
como no espaço.

Philip Johnson – Casa de hó spedes da família Rockfeller

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Lívio Vachinni – Giná sio de Espostes

A necessidade é a ordem final que une arte, homem e mundo. Evidentemente, se


poderia pensar, como mero exercício de ló gica artística, em uma arte totalmente
desvinculada do conceito de necessidade, porém este seria um exercício inó cuo
de vazio formalismo, desprovido em sua essência de sentido. Moldando a arte, o
homem estará ordenando também a necessidade; a relaçã o é recíproca. A arte,
portanto, é simétrica ao desejo de ordem na manutençã o da vida no cosmo.

97
OSWALD MATHIAS UNGERS

A mais aberrante ordenaçã o derivada da simetria dos vã os paralelos nos


costuma abater e suspeitar de nossa integridade interpretativa. Habituados ao
excesso de figuras simbó licas, distribuídas em fachadas, sentimos um á cido
horror-vacui quando confrontados por acaso como o mínimo discurso formal
arquitetô nico diferente de todas as demais casas numa rua de grande cidade. É
que o real motivo de toda esta reduçã o abstrata só o arquiteto conhece. Desde
fora, desde o farol da normalidade perceptiva, ninguém consegue sequer
penetrar nos motivos mais íntimos de um excêntrico acumulador de livros raros.
O arquiteto alemã o Ungers levantou para si uma série de cená rios cultos em
cujos recintos distribuiu harmonicamente sua bela utopia livresca, uma enorme
coleçã o de livros raros ao longo de toda uma inteira existência passional. Depois
de abarrotar a casa de Stuttgart, projetada no final da década de 50, o arquiteto
partiu para o terreno ao lado. Projetou ali um lugar pró prio à sua enorme
biblioteca particular parecido aos palacetes do iluminismo. Já era um outro
tempo e o estilo saiu diferente, meio neo-clá ssico visitado pelas ondas pó s-
modernas. O biblió filo projetou em seguida uma casa palladiana no campo, mas
os livros nã o pararam por aí. Na imagem acima Ungers se deteve na imensidã o
do branco porque morreu pouco depois. Foi sua ú ltima casa-biblioteca, o sucesso
contra a desarmonia de nossa era. Uma mistura de nascente Minimalismo com
uma intuiçã o bastante depurada da Vila Palladiana.

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SHIRO KURAMATA

Eis o exemplo de uma mesa exó tica toda concebida em vidro temperado.
Estruturada, prá tica, totalmente transparente. A técnica faz milagres em nome da
imaginaçã o. Simples, contudo, a obra de Shiro Kuramata foi toda dedicada à
expressã o plá stica do imponderá vel à serviço do estranho.

Certas vidas transcorrem ao ritmo surpreendente do impensado desde uma


ló gica comum. Nenhum destino regulador vindo de fora as guia nem controla,
nenhum prévio projeto arquiteta o seu imediato. Sujeitos que simplesmente
amanhecem a cada anô nimo dia para a errá tica viagem no pró prio azar mental.
Para estes profetas da liberdade cada instante é o revés acidental do outro. Aliá s,
vivem balançando sob o quente vetor do revés. Abandonados pela inércia
tradicional do grupo, estes farejadores solitá rios têm por mapa encontrar os
dispersos fragmentos de valor, abandonados pelo passado remoto; pistas
desconexas para que o gênio da histó ria os reagrupe em sua á lgebra infalível.

Kuramata transita pelo perigo

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QUALIDADES DA ARQUITETURA DA SIMPLICIDADE

Gordon Bunshaft - Beineck Library - Yale University New Haven, 1963

O arquiteto americano Gordon Bunshaft, foi diretor de projetos da filial de Nova


York do escritó rio SOM, projetou em 1963 a Biblioteca Beineck de livros raros na
Universidade de Yale, New Haven, Estados Unidos. Seguiu à risca todos os
princípios universais da monumentalidade, o seu é um bom exemplo a ser
seguido pelos estudiosos.

100
Conselhos aos futuros arquitetos monumentais:

Escolha um dos poucos volumes arquetípicos na célebre amostragem da


geometria dos só lidos, reconhecidos e copiados universalmente, desde sempre,
sem o esforço de qualquer imposiçã o teó rica. Molde o arquétipo volumétrico
com a melhor proporçã o; imprima sobre a face visível de suas partes o nú mero
de ouro. Legibilidade, antes de tudo, é preciso evidenciar a ordem até no mínimo
pormenor. Torne a construçã o claramente visível desde longe, acentue a
verticalidade formal das linhas ascendentes. Pedra e metais nobres asseguram
melhor a permanência material do edifício, além de causar mais viva emoçã o no
espectador. Afaste o edifício monumental de seus vizinhos. Crie amplas
perspectivas ao seu redor. Que na periferia ele seja circulado com a mesma
devoçã o que o crente dedica ao apelo hierá rquico do espaço frontal.

A planta principal, o plano nobre, deve salientar-se do plano médio exterior, e


uma ampla escadaria deverá ser criada para conduzir o publico em circunspeto
silêncio em direçã o ao grande portal. A rampa trabalha sempre para a perda, ou
diminuiçã o, da qualidade monumental. Talvez isto se deva ao cará ter ambíguo
das linhas grandes oblíquas.

101
Projete o espaço interno de forma a revelar o sentido do acolhedor, mas que
seja a seriedade confortá vel; extremamente séria em sua alta verticalidade.

Coroe o espaço maior com teto magnífico; um verdadeiro panó ptico deve
propiciar a ideal plataforma de visã o para o todo. Empregue a luz natural dando
predominâ ncia aos meios tons, eles contribuirã o para que se produza uma rica
atmosfera dramá tica.

102
Lembre-se que o monumento glorifica a grande causa, jamais os apetites
instintivos do arquiteto individualista. No monumento, o pú blico quer ver e ser
visto, ambiciona firmar laços de comunhã o e selar acordos com a eternidade.
Evite empregar formas interessantes. A moda existe para passar rá pido, mas,
pelo enorme gasto de energia, o edifício enfadonho acaba permanecendo, a
testemunhar nossos estados relampejantes de humor. Gaste o mais que puder,
fazer economia é render-se aos apelos imprecisos do efêmero. Tudo no
monumento foi concebido para durar e impressionar: pinturas, esculturas e ricos
detalhes. Abaixo um corte perspectivado do conjunto completo da biblioteca.

Acima um corte perspectivado do conjunto completo da biblioteca de Yale

103
CIDADE MODERNA

A cidade moderna é moralmente feia e completamente informal, graças ao


domínio egoísta do indivíduo, cada um faz o que quer. Construtor imperfeito de
seu pequeno paraíso, ele ignora tudo que de verdadeiro acontece ao seu redor.
Compor espaços significa para o individualista criar arquitetura no papel e para
o papel, como faz o escritó rio de Tó quio Sanaa. Seus limites prescrevem o
cuidado de nã o ultrapassar o campo visual do desenho e perder o privilégio da
super abstraçã o. Desconhece o egoísta que para além da pá gina em branco
existe a suprema obra de arte: a integral cidade. Uma entidade que se pode fazer
ou desfazer. A histó ria instiga, mas é o indivíduo que destroça.

Sanaa

Tomada por furor intimista, como, aliá s, quase toda a arte de pó s-guerra, a
arquitetura moderna refugiou-se também no HERMETISMO, ou seja, na
deliberada obscuridade de expressã o. Quem entende o que se passa na cabeça
dos arquitetos projetistas deste edifício complicado na esquina de uma anô nima
regiã o da metró pole? Será isto simples, ou uma complexidade deliberada
disfarçada de clareza?

104
GIGON & GUYER

O cubo frio pergunta pela inteligente simetria. Há paralelismo entre as partes.


Nã o há tensã o na analogia. No retâ ngulo o corpo soma-se ao olhar buscando
direçã o, um fim. Quando a arquitetura moderna decai e se torna ruim na pó s-
modernidade, o primeiro sinal de sua forma imperfeita e arrogante recai sobre
suas paredes planas e vazias, insignificantes, sem profundidade aparente.
Sombra e luz nã o dialogam mais sobre o vá cuo do mero fechamento. Os edifícios
antigos projetavam incontá veis sentimentos de grandeza e heroísmo sobre o
plano. Foi na parede dos monumentos que a histó ria escreveu seus grandes
feitos, e foi também sobre ela que os construtores do passado brincaram,
detalhando belos ornamentos, cheios de despretensiosa alegria. Em nossa era
insensata o ornamento é delito. A boa arquitetura é uma traduçã o, pois nã o
existem dois arquitetos que compartilhem as mesmas opiniõ es. Um mal
arquiteto é como um mal tradutor: interpreta literalmente quando deve
parafrasear e parafraseia quando deve literalmente interpretar. É difícil definir o
significado deste edifício pú blico construído para servir de controle técnico na
Estaçã o Ferroviá ria de Zurique. Como obra pú blica esperaríamos um maior grau
de trabalho simbó lico, e no entanto, o que a dupla de arquitetos Gigon & Guyer
projetaram é uma caixa ambígua e esteticamente misteriosa. Sua beleza rende
tributo à culta reflexã o individualista das ricas civilizaçõ es cosmopolitas. É pura
e autô noma Arte Contemporâ nea.

105
REFERÊ NCIAS VERNACULARES

Vejam que saudá vel modelo de resposta arquitetô nica contemporâ nea à reflexã o
sobre antigos tipos comuns na linguagem vernacular. O caso é que se tornou
proibido entre nó s construir com telhados. Antes de um novo tema, instado a
relatar aos alunos de arquitetura os motivos aná logos acontecidos em geraçõ es
pretéritas, cujas soluçõ es foram perfeitamente solucionadas pela observâ ncia
crítica do que está nos livros de histó ria, sou obrigado a reafirmar que nã o há
assunto tã o velho que sobre ele nã o possa hoje ser dito algo novo. Diante deste
axioma, os alunos ficam invariavelmente em silêncio, e disfarçam de todas as
maneiras a cética desconfiança em face desta terrível ordem absoluta. Os
métodos modernos de ensino desautorizam o professor a impor modelos que os
revolucioná rios consideravam acadêmicos e decadentes. O mestre pode, quando
muito, aconselhar, jamais impor suas convicçõ es. O culto a criatividade
individual parece ser soberano aqui no terceiro mundo. Observamos que nã o há
idéia nem gesto canô nico que nã o possam ser vulgarizados e reapresentados sob
uma luz ridícula. A arte é a linguagem primitiva de um povo histó rico, esta é a
sua verdade; nã o a verdade do indivíduo imerso em si mesmo. Mas, aos olhos do
estudante de arte a tautoló gica verdadeira verdade parece à primeira vista
inverossímil.

106
Pelo desenho da planta nota-se que o tipo antigo em nada dificultou a vida do
arquiteto criativo de nosso tempo vivendo numa Europa culta. A planta é livre e
integra visualmente num mesmo ambiente todas as funçõ es do morar.

A poética da simplicidade Minimalista nos países germâ nicos também está


impregnada de saber técnico construtivo. Para um alemã o nã o faz sentido
expressar idéias sem uma adequada e equivalente ló gica estrutural. Na fotografia
do interior há uma amostra de que figura e verdade está tica andam juntas
quando se tem competência holística.

107
DIFÍCIL

Apó s um quarto de século dando aulas de arte ainda nã o me sinto seguro, ao


tentar convencer o jovem aluno, sobre as vantagens de se tomar o caminho mais
intricado. Ao aprender um modelo antigo de arquitetura, estaríamos ampliando e
refinando nosso acervo de indeléveis conceitos. Da mesma maneira que, ao
traduzir estes conceitos em termos de atualidade, muitas vezes substituiríamos
os elementos formais exatos do passado por outros novos apenas
correspondentes, mas, imprecisos. Ao mesmo fenô meno que em literatura se
chama traduçã o, damos em arte o nome de abstraçã o. Dizem que poesia é tudo o
que se perde na traduçã o. Bem, isto é uma meia verdade. Traduzir é um meio,
nã o o fim ú ltimo na criaçã o artística. Defende-se aqui a interpretaçã o da traduçã o
para se alcançar um patamar mais elevado na criaçã o. A arquitetura brasileira
chegou ao seu mais baixo padrã o de qualidade porque deixou de estudar os
grandes acertos do passado. “O que herdaste de teus pais, adquire, para que o
possua”, disse Goethe, no Fausto. Nas duas fotos vemos como ocorre o fenô meno
de transferência do arquétipo para a atualidade. No caso da simplicidade nã o
houve imposiçã o do eu do criador no resultado final, mas uma simples traduçã o
atualizada do molde antigo; o segundo caso refere-se à hiper- abstraçã o
individual do tipo, prevalece a vontade férrea do sujeito em alterar o modo de
vida tradicional do cliente.

108
ARTE POPULAR E INFORMALIDADE

Na paisagem cultural das cidades modernas massificadas, tais como o atual


fenô meno de Dubai, há duas formas visíveis de descaminhos: a primeira
demonstra a remanescente criaçã o popular, insignificante, vá cua, pela ausência
de forma elaborada, mas é suportá vel em seus singelos apelos decorativos; a
segunda fundamenta o perigo da criaçã o sem critérios. Apenas um jogo insensato
de volumes e enfeites, um teatro de arquitetos solitá rios, condenados a vagar
sem rumo pela retó rica da informalidade, munidos tã o somente de parco
instrumental ingênuo. A ingenuidade criativa nã o se dá conta dos vá rios degraus
a modular a escala da perfeiçã o. O feio ou o belo sã o para eles indistinguíveis.
Mas há uma ló gica em toda esta confusã o sentimental. Fazer arquitetura significa
jogar com o diverso, buscar efeitos rá pidos, ser monó tono na diversidade,
contrastar, revestir e colorir a matéria bá sica. Transitar pelo absurdo,
estabelecer critérios particulares onde cabe ser universal e ser universal no
particular. Capturar a ordem ló gica tã o somente para moldar o seu contrá rio. Em
uma palavra, a ordem na cultura de massas é: buscar a facilidade do feio e
espetacular. Entra-se hoje na universidade para aperfeiçoar o domínio que
poderíamos ter sobre a técnica de moldar o feio. Num estudo sério sobre a
simplicidade deveríamos estudar a fundo casos assim.

109
Dubai
EMPENA CEGA

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Parede branca, nua, silenciosa. De todos os campos formais onde o arquiteto
operou a reduçã o de elementos compositivos, é a empena cega o mais aberrante
dos descasos com o organismo arquitetô nico inserido na paisagem da cidade.
Creio que em arquitetura a forma plá stica do menor valor progride sem
obstá culos à partir da poderosa retó rica de Adolf Loos. Quando a passiva
arquitetura de nosso tempo decai para a vazia poética da modernidade, com sua
fú til retó rica da desmaterializaçã o, e dos excessos de transparência, tornando-se
programaticamente ruim, o primeiro sinal a emitir, demonstrando a imperfeiçã o
de sua forma global, recairá sobres as paredes brancas e planas, insignificantes,
sem profundidade aparente. Nelas sombra e luz nã o dialogam. Na realidade a
boa arquitetura é o desenho da sombra; tijolo e luz sã o apenas os materiais
primeiros para a beleza formalizada pela sombra.

PODE O ROMÂ NTICO CONQUISTAR A SIMPLICIDADE?

Philip Johnson – Glass House e Casa de Hó spedes

Mergulhado em textos utó picos o arquiteto do progresso, formado com base nos
ideais româ nticos, apartou-se sem que o quisesse, de antemã o, do grande
pú blico. Contradiçã o das contradiçõ es, para quem trabalhará agora este
sonhador do perfeito abstrato? Aos olhos do artista erudito o grande pú blico é
um mal necessá rio: será preciso vencê-lo e nada mais. Educá -lo, moldá -lo

111
segundo seus princípios. Fazer deste voraz consumidor de moda um esteta digno
da apreciaçã o dos pensadores Iluministas, eis aí o papel que o arquiteto moderno
traz para a guisa de dever moral. Nó s modernos intelectuais damos plena fé ao
princípio de que nem homem nem naçã o poderã o existir sem uma idéia sublime
a guiá -los. Reconsideremos a questã o, os fatos visíveis evidenciam o contrá rio,
apesar de haver um ou outro ponto raro de exceçã o, cujo tom e atmosfera
grandiosa preservam dificilmente os rasgos do tã o decantado sublime.

MOTIVOS PELOS QUAIS NÓ S ARQUITETOS ATUAIS PODEMOS SER


CONSIDERADOS ROMANTICOS: Para nó s, mais que a histó ria, a psique individual
é fonte plenamente confiá vel no processo de criaçã o. Encorajados pela
autonomia que os modernos lhe dã o, a mente individual alcança o má ximo
patamar na escala de valores modernos. Ao arquiteto, o profundamente íntimo é
a fonte mais adequada, neste tempo de cristianismo exacerbado, no campo
aberto da criaçã o. Existe sem dú vida em nossos dias certa valorizaçã o do
trabalho coletivo em arte, porém, isto decorre de um pequeno grupo, cego aos
valores universais. Este gênero de criadores forma uma espécie rara de tribo, o
que se entende hoje por “trabalho em equipe”. Validaçã o projetual pela
comparaçã o com a histó ria. Ausência de confiança no juízo dos pares
contemporâ neos. Solipsismo descomunal somado a uma dose de hedonismo.
Culto à s formas extravagantes, cujo tom escapista, e atmosfera nebulosa, já vem
sendo desenhados desde o Iluminismo. Cultivo em plano ligeiro de relaçõ es
amorosas impró prias. Fé na utopia. Fazendo-as por assim dizer inacessíveis, as
praticas racionais e amorosas de nossos româ nticos, cultivam o gosto pelo
irresoluto. Somente o desenho do impraticá vel é para eles digno de completa
admiraçã o. Ama-se antes de tudo a integridade do projeto nã o realizado, puro,
nã o prostituído pelo mundo alheio à suas maluquices imaginadas. Crença num
futuro pressentido e numa vida melhor. Quem sabe se com alguns cuidados
especiais à desconfiança do româ ntico devotada à s instituiçõ es burguesas nã o
seja capaz de servir como tô nico energético para a manutençã o de seus
contrá rios. Os româ nticos rejeitam com o má ximo de desprezo sua época e lugar,
seja ela qual for. Prá tica normativa de viagens. Vale a pena reconsiderar o
fundamento da viagem româ ntica. Escapada para o sonho. Uma ordem interior

112
formula a hipó tese de que haverá em algum lugar no mundo um espaço perfeito
para eles. Da raiz desse nomadismo, pode ser retirado o futuro geográ fico do
eterno insatisfeito. Os arquitetos româ nticos crêem numa vida política mais
satisfató ria quando a arquitetura que eles imaginam receberem, desde o alto, a
luz da palavra validada pela mente intelectual. Esperam que num futuro pró ximo
a onírica realidade do sonhos se efetive em fato. Sã o ingenuamente crentes em
sua fé artificial. Praticam o culto ao experimentalismo e fogem tresloucados de
qualquer método dogmá tico. Abominam definiçõ es fechadas e aceitam com
relativa parcimô nia os resultados imediatos de discussõ es interminá veis. Sã o
dialeticamente contrá rios ao princípio que defende a continuidade dos valores
constituídos como tradiçã o. Para os româ nticos o ontem é invariavelmente
concebido como imagem melhor do que o conflito sentimental despertado pelo
dia de hoje, que, sem dú vida, será um dia superior ao terrífico amanhã . Sã o
adeptos definitivos do imaginá rio apocalíptico. Para o autêntico româ ntico, a
simetria desperta desconfiança; ele a considera produto de uma mente
autoritá ria. A cidade ideal deve ser repartida segundo critérios ló gicos. Cada um
é dono de seu lote, cuja principal norma reguladora aconselha ocupar
criativamente, mantendo alguns recuos mínimos, e projetando o que se bem
entende sobre a á rea, como se nã o existisse uma forma envoltó ria. Para o
româ ntico nã o existe a paisagem da benéfica rotina, apenas um sombrio
entroncamento de imaginativas vias para o trâ nsito poético da liberdade.
Anarquismo: confiança suprema no filtro interpretativo da consciência
individual. Acredita-se antes de tudo nos valores do inabordá vel. Ecletismo: O
indiscriminado arbítrio do sujeito em nivelar todas as figuras histó ricas.

113
INÉ DITO

Três estudos realizados por alunos numa dessa escolas mundo à fora, o tema era
a arquitetura espacial: treinando sobre o tema da vanguarda soviética ocorrida
entre 1921 e 1930. O “espaço”, curso para arquitetos, em Vkhutemas. Estudantes
jovens amam esse tipo de bobagem indiferente e pseudo-criativa. Vemos
indiscriminadamente nas faculdades de arquitetura uma delirante perseguiçã o
ao inédito. Busca-se em vã o à forma nova, o espelho de uma idéia de mundo e o
retrato do pró prio criador. Em geral o resultado desta busca recai
automaticamente na lei do disfarce. O simulacro do novo é mais comum que o
raro novo propriamente dito. O novo em uma sociedade marcada pelos valores
mercantis atende menos à necessidade do mundo está vel, que a vaidade mesma
em apresentar-se ao pró prio mundo como sujeito singular. O criador no campo
da moda enquadra-se na categoria de heró i duvidoso. E sobre seu ego cintilante,
o que podemos acrescentar ainda sobre ele? “O ego é dotado de um poder, de
uma força criativa, conquista tardia da humanidade, a que chamamos vontade”.
Jung demonstra aqui uma nobre saída para nosso inconseqü ente ego dilatado.
Mas, cuidado com os produtos ilusó rios da vontade! Ocorre em nossas
faculdades de arquitetura um gozo sem fim mais pelo PROCESSO que pela aná lise
do tema concreto. Quem já nã o se perguntou onde e quando parar com essas
coisas? Parece-me que o sentido mais profundo do “processo” leva a uma idéia
de infinito. Se for vá lido, o processo é uma açã o sem fim. Viver plenamente o
processo é entregar-se à lei circular do infinito. E o tempo, e a duraçã o? A

114
duraçã o por princípio inscreve-se nas normas do pré-definido,
conseqü entemente lutará para impor-se sobre o processo. Uma coisa só existe
enquanto for vá lido seu período de tempo. Esgotado o valor da duraçã o,
terminará o processo. Caberá ao arquiteto saber interpretar as duas leis
antagô nicas: a lei do processo e a lei da duraçã o. Somente o bom enlace destas
energias fornecerá a perfeiçã o do completar. Diz Sartre, “O homem nã o é a soma
do que tem, mas a totalidade do que ainda nã o tem, do que poderia ter”. E quem
nos diz o que poderia ter: o crítico, o filosofo, o historiador? E ainda o filó sofo
acrescenta: “Cada homem deve inventar o seu caminho”.

115
EM CASO DE DÚ VIDA, PROCURE O MAIS SIMPLES E TRADICIONAL

Arrastado: o termo define uma série de movimentos de tartaruga, lesma, bicho-


preguiça, etc. O carro de boi é muito rápido se comparado ao que pretendo definir. O
arrastar é diferente da lentidão. O arrastar em termos de movimento encontra-se em
posição um pouco acima do zero, bem íntima a ele, melhor dizendo. A condição
humana do arrastar-se tem algo de ligação com o protelar. Aquele que se arrasta só
enxerga o rés do chão, não avista horizonte, nem pretende se levantar. Por que se
arrasta se pode correr? A quietude tem uma vantagem, não chama atenção, não
desperta a inveja dos deuses.

Deparo-me constantemente com a angú stia do estudante de arquitetura à


procura de um tema que lhe faça mostrar o que há de melhor de si no momento
de concluir o Curso. Creio que a resposta segura para este fenô meno é uma só :
nã o há novos temas em arquitetura, apenas novas formas para velhos temas.
Para que a arquitetura se efetive de fato deverá o arquiteto estar possuído pelo
ancestral espírito da construçã o perfeita. Nã o há que se angustiar com o novo,
tudo é muito simples no ofício do arquiteto: sua missã o é estudar pacientemente,
meditar profundamente a respeito dos sentimentos habituais, e repetir os
modelos até alcançar a perfeiçã o.

116
LUGAR

Palá cio extraordiná rio, Torre extravagante, Cú pula exó tica, Formas avançadas,
Prédio esdrú xulo. O que tem em comum todos estes adjetivos nomeadamente
excêntricos? Dante dizia que a primeira tarefa do poeta é conservar a pureza de
sua língua materna. Algo aná logo ao que sucede na depurada poesia pode
ocorrer também na arquitetura. A linguagem é a arma mais eficaz da mente
humana. Quando os adjetivos que batizam nossas experiências oníricas
deslocam-se para a teoria do projeto, é sinal de que uma força estranha passou a
dominar todo o projeto. Com o má ximo cuidado há de preservar o arquiteto a
linguagem da perfeita simplicidade contra a vulgar eloqü ência do desejo. O
projeto nã o pode render-se deliberadamente ao exó tico, quando o que cria
carece relativamente de atrativo. “Passados quinze minutos, já ninguém olha o
arco-íris”, disse Goethe.

O culto româ ntico à transparência na arquitetura de aço e vidro. Nela sã o


acabados os tradicionais limites entre o dentro e o fora. Apesar das aparências,
os planos interiores condizem com a simplicidade do volume exterior. O mundo
interior é guardado em uma caixa de cristal.

117
Arquiteto Harry Weese
Tanto as boas quanto as má s ocorrências vã o entreabrir uma clareira
diferenciada para a percepçã o, compõ em uma espécie ú nica de territó rio
emocional, de cuja somató ria de dados retiramos o nome “lugar”. A influência
anímica do lugar sobre o nosso corpo é um dado que merece a atençã o detalhada
do juízo. À margem de um rio, lago ou mar, nó s somos tomados pelo mudo
sentimental da nostalgia. Alguma vida distante acena através da á gua. Resulta
deste sentimento o impulso ao estado pétreo, a uma espécie de estancar
deprimido, que põ e em cheque a pró pria validade do manter-se ativo na
constâ ncia do movimento.

118
Que sensaçã o misteriosa é esta oferecido pelo levíssimo e transparente volume
em balanço sobre uma encosta rochosa?

Uma outra lei, de nossa íntima natureza alerta, faz com que nas montanhas
nossos sentimentos se purifiquem no mais cá lido e transparente otimismo.
Ó bvio, tudo isso é mera impressã o. No solo alto, até a mais pueril paixã o ganha
em profundidade o que perde em vivacidade primitiva junto à evanescente
presença da á gua. Será , quiçá , o chamado da origem?

119
Planta e corte da residência do arquiteto Harry Weese

120
ELEMENTO

Elemento: o elemento está para a pintura como a letra, a sílaba, e o ponto estã o
para a linguagem escrita. Seu tamanho muda com a extensã o da pesquisa
pictó rica. O elemento na arquitetura pode ser um grã o de areia ou um tijolo;
concreto armado ou cicló pico. O elemento plasticamente pretérito na matéria
mais limpa. - Nã o à retó rica, sim a solidã o da antiguidade.

Quando dizemos que determinada pessoa conseguiria realizar sua arquitetura


com muito menos recursos, estamos despertando o demô nio da comparaçã o. E
desta comparaçã o concluímos que o “outro” é imoral, pois desperdiça, rouba os
escassos recursos. Em arquitetura ganha quase sempre a economia – sã o mais
baratos os produtos da razã o, mais caros os ditados pela expressã o. Nestes
edifícios projetados por Norman Foster, diria que mais que toda a bela e perfeita
proporçã o da série dos volumes, impressiona-me os elementos estruturais de
estabilizaçã o, um simples tirante de aço, posto em primeiro plano na composiçã o
fechada.

Norman Foster

121
ORNAMENTO

Maquete com o projeto total da Universidade de Constantine

No final dos anos Sessenta Oscar Niemeyer alcançou seu grau má ximo de
simplicidade em resposta aos mais complexos programas arquitetô nicos. Na
Universidade de Constantine, Argélia, nã o existem ornamentos nem detalhes,
somente um jogo de macro volumes extravagantes de imediato reconhecimento
pelo grande pú blico.

No ornamento floresce o campo expressivo do artesã o, ali acontece em alto modo


a estética do comum cotidiano. Com o fim da era do artesanato, acabou também o
papel moderador do ornamento. Sobrou apenas o grande espaço para o gênio
operar, e colados a ele, como servos subordinados, os grandes volumes e a
estrutura rogando por expressã o. E assim, tudo que é o macro impera
atualmente na arte. Quando afirma Le Corbusier ser a arquitetura um jogo sá bio,
eficiente e magnífico de volumes sob a luz, queria simplesmente mostrar: a luz é
a luz da razã o, metá fora do iluminismo, e com volumes referia-se à espiritual
geometria do gênio. O gênio enxerga grande, na melhor das hipó teses, vê o
pequeno enquanto detalhe: uma galá xia no pequeno. O gênio nã o enxerga o

122
rincã o isolado do ornamento. Para ele, nã o há cotidiano, apenas dias marcados
pela memó ria nas pequenas galá xias denominadas detalhes.

Havia um sinal profético no livro “Ornamento e Delito”, de Adolf Loos, escrito nas
primeiras décadas do Século XX. O arquiteto pressentia o começo de uma nova
ló gica para a arte de construir. Loos pensava naquele instante na criaçã o de algo
realmente extraordiná rio como base formal para um tempo favorá vel à
sensibilidade abstrata. E o arquiteto moderno europeu seria o legítimo
idealizador físico e fiel gestor deste admirá vel mundo novo, só pele e ossatura,
sem adereços. Onde até a mínima forma seria grandiosa, como retrato de um
operá rio ideal, a forjar tã o somente objetos significativos para a sensibilidade
inteligente. A arte abstrata firmou-se como fato moral pela eliminaçã o radical
dos assessó rios na composiçã o das necessidades urgentes. O ornamento sempre
foi o instrumento capaz de eternizar a passagem do homem pelos minutos
ordiná rios de sua existência.

Na fotografia, três grandes volumes simples: o mais exó tico abriga a funçã o de
aula magna, ao seu lado o bloco de classes, ao fundo o restaurante universitá rio.
Quando a arquitetura perde sua capacidade de descrever o que ocorre no lugar
das minú cias, começa o reino do grande volume sintetizando a totalidade, e o

123
pró prio volume vira a ú nica figura, ou seja, uma substituiçã o do que antes
acontecia no plano do ornamento e das artes agregadas.

Niemeyer nos oferece eficientes exemplos de Cenarismo: neologismo alusivo à


criaçã o de um tardio estilo moderno em arquitetura, tende a mostrar através de
edifícios exó ticos semelhanças com à leveza espetacular e efêmera do cená rio
teatral. Chamamos a este fenô meno de habitaçã o geneticamente modificada.
Buscam-se no cenarismo conceitos interessantes, aleató rios e randô micos cujo
foco desloca-se do tectô nico para a diversidade sem alvo específico. Pequenos
flashes de figuras contam uma estó ria pitoresca. Diríamos que aqui
especificamente a arquitetura se infantiliza graças a influência do contexto
turbulento da publicidade. No cenarismo tudo é transitó rio e nutre em seu
pú blico ansioso um sentimento quase sagrado de louvor ao exó tico.

Bloco de classes da Universidade de Constantine

124
A SIMPLICIDADE DAS CAPAS CONTEMPORÂ NEAS

Detalhe: á tomo, símbolo ú ltimo de vida interior elaborada, visível. O sujeito do


detalhe é capaz de construir uma ponte intima em profunda relaçã o e
independência entre as partes do universo compositivo. O detalhe impera no
espaço interior. Simbologia do espaço interior: o homem que se vê
simultaneamente como parte e todo. Diz-se que o espaço interno é uma
roupagem e o exterior um revestimento. Ser reconhecido pelos de fora conta
muitíssimo. Esperamos que nos decifrem pela expressã o que damos a nossa
roupagem externa. Quem já nã o apelou, em dú vida infantil, aos magos do
cotidiano, e mesmo aos orá culos de jornal, como se os acontecimentos que nos
governam pudessem ser previstos muito além de nosso pró prio domínio, na
esperança de um sinal redentor?

A arquitetura clá ssica tem na figura exterior de sua pujante estrutura


independente a protagonista formal; a arquitetura barroca sustenta o espaço em

125
está ticas paredes portantes. O pilar nã o divide, ele estrutura e hierarquiza. O
plano interrompe e isola, cria duas ou mais instâ ncias espaciais.

A arquitetura contemporâ nea desfez-se das palavras magnâ nimas, trocando-as


por simples sílabas. Aflora de sua perfeiçã o funcional um grande diletante,
expondo a simplificaçã o com vaidade e frenesi. Reconhecemos esta arquitetura
pelo brilhante excesso de superfícies artificiais e pelo emprego indiscriminado
de biombos escondendo volumes puros. E a pró pria construçã o também nã o
conseguirá livrar-se da histeria pelas capas atrativas neste ilimitado jogo de
impressõ es. No projeto do arquiteto espanhol Alberto Campo Baeza a noçã o de
simplicidade nã o conseguiu eliminar a â nsia de expressar um espaço interno
ocultado da cidade através de um lacrado muro-biombo que mantém o edifício
totalmente isolado de uma leitura ativa do exterior. Duas capas de cristal
arrematam o jogo feérico das transparências.

Al
berto Campo Baeza

126
127
PLANTA
LIVRE

Considerar a planta-livre arquitetô nica o correlato do plano grá fico de


representaçã o da colagem nã o parece, à primeira vista, uma intuiçã o arriscada.
Tanto na arquitetura como no plano bidimensional os recortes e fragmentos
deslizam na surpreendente ausência de fronteiras. Quase sempre acusando a
presença da reflexã o ló gica aliada ao sentido.

128
Le Corbusier - Planta baixa do Parlamento de Chandigard

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PLANTA MIESIANA NEO-PLASTICISTA

O espaço interno Miesiano simboliza os poderes do caos, e estes permanecem


tensamente equilibrados no interior dualista: ordem versus caos. O volume
simboliza a ordem absoluta, a planta Neo-plasticista simboliza o equilíbrio
gravitacional entre os corpos planetá rios.

Projeto ideal nã o construído de Mies van der Rohe

130
JAMES STIRLING

A origem da arquitetura reside na grande e superlativa construçã o. Mas, nã o é


isso que vemos hoje nas revistas especializadas, ou no ensino universitá rio de
massa. Lugares francamente demagó gicos e mitomaníacos. Nessas instituiçõ es
assistimos um desconcertante desfile de ilusõ es informalmente desenhadas. Sim,
imagens, imagens de todo tipo e impropriedade. Por que nã o se publicam,como
prova de uma real intençã o executiva, as plantas construtivas, os detalhes, etc.?
Questã o: na arquitetura a forma construtiva é escandalosamente visível; no
desenho industrial o interior é escondido pela camuflagem do belo produto, pela
embalagem publicitá ria. Os modernos escondem, quando escrevem seus livros, a
ló gica do volume e da pele que emprega nos edifícios, ocultando um espaço
interior complexo, e à s vezes contraditó rio com o exterior. Ou seja, a crítica
especializada continua glorificando a embalagem que reveste uma má quina feia,
ou inexistente. Junto à doutrina Brutalista descobrimos uma reaçã o româ ntica ao
bom acabamento do desenho industrial. Qual é precisamente a natureza mais
íntima da arquitetura senã o o pró prio territó rio da construçã o; os valores
formais que geram a aparência devem acompanhar a ló gica construtiva. A forma
é um adorno da tectura. A forma propõ e, antes de tudo, inter-relaçõ es
abrangentes, o pacto com o ilimitado. “Abaixo da superfície, em zonas profundas,
tudo é lei”, Rainer Maria Rilke.

James Stirling – Habitaçõ es Coletivas Brutalistas

131
MÁ RCIO KOGAN

Má rcio Kogan – Residência

Quem faz o rio, a á gua ou o vale? Nova questã o, quem faz a arquitetura, o
arquiteto ou o trabalho. A arquitetura é a ponta avançada do trabalho. O
arquiteto é quase nada. Mú ltiplas geraçõ es de trabalho concentrado e repetitivo
fazem a mais elevada arquitetura. Nã o há arquitetura onde a técnica nã o alcança
seu má ximo grau, sua transcendência. A técnica é o ú ltimo e definitivo degrau
antes da conclusiva arte. O que no Brasil se habituou chamar hoje de arquitetura
é em definitiva o surgimento de uma nova ordem, pouco vinculada à perfeiçã o
construtiva e ideal simétrico na forma. Nem construçã o industrial (design); nem
arte, nem artesanato; é possível dizer-se que alcançamos a realidade singela de
um teto com alguma dose limitada de ornamento ingênuo. Quase o jogo lú dico de
habitar com pouco.

132
GERRIT RIETVELD

Pavilhã o das Esculturas no Museu Krooler Muller - Holanda

Toda a natureza da arquitetura deriva do cumprimento de regras. Contudo,


observa-se algo maior nesse fenô meno. Nem sempre a histó ria confirma o
cumprimento absoluto das regras. O mundo à s vezes evolui como resultado de
um embate imprevisto de forças que a nosso juízo nã o deveriam somar-se. O
mundo é interpretado, conseqü entemente as regras também o sã o. O nã o rivaliza
com o sim. Na afirmaçã o de algo vemos a semente da energia contraditó ria.
Jamais alguém teve sucesso em frear o fluxo catastró fico do nã o obstinado,
quando essencialmente encarnado pelo grupo social. A modernidade é a
suprema energia da contradiçã o de um tempo que pretende estar sempre na
moda. Literalmente, sua ú nica lei manda fazer o contrá rio da tradiçã o.

133
WALTER GROPIUS E O NEUTRO

A diferença de significado entre o esteta estoico minimalista e o anti-esteta econômico


do território do nada é o alvo de minha investigação. A vida justa num plano espiritual
versus a vida justa no plano do consumo de energia, sem o alvo de um diálogo mítico
com os deuses. A estética do nada é pois a estética do ateu inconsciente? Se pergunto
ao borracheiro se ele acredita em Deus evidentemente responderá afirmativamente.
Não obstante a completa ausência de componente divinos em sua linguagem.

Walter Gropius - Bauhaus

No movimento moderno foram pensadas as mú ltiplas poéticas deste incrível


mundo variá vel. Uma delas é a menos inspirada, no que se trata de beleza
plá stica, apesar de ser a que ocupa a maior á rea construída. Ela é uma
arquitetura feita para a multiplicaçã o. Quanto maior a linha da série, tanto maior
será seu significado. Na série, a pá lida figura do neutro agiganta-se pela mera
força persuasiva do grande volume. Cria a arquitetura da configuraçã o. No fim de
contas, o arquiteto do neutro é um declarado altruísta, renuncia à auto-expressã o
em prol do que considera ser a ética justa para o projeto que abriga os valores
comunais.

134
O neutro: abstrair a identidade, tirar a má scara para mostrar a face do simples.
Haverá ao longo das ruas anô nimas das grandes cidades prédios silenciosos.
Suas formas concentram e registram a simplicidade e o despojamento. Só , esta
má scara do homem sem qualidades pouco se nota; o neutro na arquitetura perde
força. Vejamos o partido arquitetô nico da Bauhaus: um palá cio para aqueles que
ambicionam viver suas ilusõ es à s escondidas. O jogo de volumes confere ao
edifício graça e movimento; claro, tudo isso muito de um jeito bem discreto. O
Neo-plasticismo, tomado emprestado dos holandeses por Gropius imprime com
ênfase algo de nobreza sobre a funçã o destinada ao nã o-percebido. O desafio
maior de Gropius neste prédio foi equilibrar cheios e vazios, superfícies
transparentes e fechadas. O meio nível é um dado interessante do projeto.
Provocativo para aquele que se encontra no restaurante. Visã o singular da praça
frontal.

Bauhaus

135
À LVARO SIZA VIEIRA

Na mú sica, um equivocado instrumentista interpreta sem destruir a escrita que


lhe serve de guia: sobrevive imperfeita a mú sica em seu limitado período de
execuçã o ao falso mú sico. Com a arquitetura sucede o contrá rio: cada açã o do
usuá rio machuca a integridade da forma. O espaço arquitetô nico é de frá gil
estabilidade, o uso inadequado põ e por terra tudo que a arte constituiu com
dificuldade. Temo que os brasileiros nã o estejam mais preparados para a
arquitetura, temo pelo destino de todas as obras de Oscar Niemeyer e temo pelo
destino desta jó ia rara que é a Fundaçã o Iberê Camargo, de Siza Vieira, em Porto
Alegre. Em poucos anos nada deste grande edifício resistirá à barbá rie do uso. Os
brasileiros têm por costume considerar a arquitetura um mero abrigo de
necessidades funcionais.

Á lvaro Siza Vieira – Fundaçã o Iberê Camargo

136
EERO SAARINEN E A PLANTA CIRCULAR

Eero Saarinen - Capela da Universidade de Yale

Na planta circular de Saarinen, o infinito torna-se discurso. Estamos no lugar do


neo-barroco: a abertura, uma fenda que leva ao labirinto, metá fora da nã o
direçã o. O cubismo fundamenta-se justo aí. A esfera abre-se como uma flor. Suas
partes movem-se no espaço. Dois tempos: um físico e o outro real; um para o
corpo (cronoló gico); outro para o espírito – memó ria e intuiçã o.

137
DETALHES
ARQUITETÔ NICOS

Le Corbusier - Detalhe do Balcã o da unidade Habitacional de Marselha

Em primeiro lugar uma dú vida, ou melhor, uma perplexidade: se a origem da


arquitetura está na construçã o, porque nã o mostrá -la e estudá -la em publicaçõ es
científicas? O arquiteto estuda seu objeto sempre de longe, como um fascinado

138
observador de estrelas. Munido tã o somente de aparelhagem teó rica e imagens
imperfeitas sacadas do jornalismo especializado. Ver completamente supõ e aliar
o pequeno ao grande, empregar rigorosamente o microscó pio e o telescó pio.
Olhar de perto o universo que estrutura o detalhe e lançar-se para longe
compreendendo o todo edificado. Os historiadores modernos ainda devem à
cultura uma micro-física da arquitetura. Kenneth Frampton tentou dar inicio a
este trabalho no livro “Studies in Tectonic Culture”.

139
SOLIDÃ O DO ARQUITETO E A FORMA FÁ CIL

Neste exato momento a arquitetura nã o possui normas confiá veis e nada de


orientaçã o sob a forma de mandamentos pragmá ticos. Faz todo o contrá rio da
religiã o cristã , que plasma ideais de misericó rdia, muito ú teis como princípios
para a atuaçã o ética. Em sua solidã o de criador, o arquiteto fica relegado somente
aos limitados poderes do pró prio talento e ao instá vel capricho que orienta cada
dia. Paradoxalmente, em arquitetura a elaborada forma fá cil aparece aos nossos
sentidos como resultado de um sujeito insuportavelmente pretensioso. O crente
de sua pró pria intuiçã o. Trata-se aqui, evidentemente, das criaçõ es ligeiras de
grandes artistas. Estas formas guardam em si a verdade convincente e
pretensiosa do primeiro gesto de sucesso. Há nelas o clarã o do falso êxito, pois
nã o seguem seu caminho para a perfeiçã o. Cuidado com o fascínio do gesto
retó rico, o demô nio da vaidade entra em açã o justamente no territó rio da
preguiça genial. Para combatê-lo é preciso por em prá tica a humildade da
renú ncia. Esta residência foi publicada dentro segmento bibliográ fico
Minimalista. Contudo, há mais retó rica com estes beiras chamativos que uma
real necessidade formal. Nã o importa o nome de quem a projetou, aqui prevalece
o anô nimo em posse de uma linguagem que se perdeu ao virar mera propaganda.

COLAGEM

140
Metafísica da colagem: Uma força vivificadora preserva a qualidade contra uma
outra tendência humana que leva as coisas ao pá tio comum da destruiçã o e do
esquecimento. O paradoxo da colagem: o jornal foi feito para o esquecimento, o
artista torna seu fragmento imortal. Na arquitetura o mesmo raciocínio,
restaurar e compor com os pedaços da demoliçã o. Ou, as placas de madeira
compensada, também pensadas para o esquecimento, que possuem sua beleza
nã o revelada. Frank Ghery a revelará .

141
ALVAR AALTO

Um tijolo agregado a outro, através da argamassa, desperta toda uma gama de


significados formais e de apreciações contemplativas. Será a beleza da junta, da soma,
da aderência, da justaposição. Às vezes, oculta-se a forma que unifica o componente
através de uma capa. Será o caso do reboco. O desejo da junta é um pesponto,
alinhavar, debrum, fazer a barra com ponto invisível. Arremate...

Alvar Aalto subverteu a lei da série infinita defendida febrilmente pelos


arquitetos da industrializaçã o. Deu voz em seu organicismo, em plena era do
positivismo modernista, aos espíritos que regem a contradiçã o na natureza.
Curvas gestuais alternam com planos interrompidos e fragmentos de elementos
compositivos ajustam-se em inédita e ousada tensã o, onde antes era total
impossibilidade. Para Aalto o edifício concentra em sua rara e difícil harmonia a
aparência de uma floresta instá vel habitada por homens. O maneirismo herdado
de uma sofisticada cultura italiana aqui será disciplinado pela ló gica da
praticidade funcional. É evidente também que nã o haveria tal tipo de arquitetura
sem antes aparecer a intermediaçã o inspiradora das colagens sintéticas de
Picasso.

142
TEORIA ARQUITETÔ NICA

Por que a teoria é considerada pela maioria dos arquitetos atividade


desnecessá ria, pese a esmagadora quantidade de teses acadêmicas publicadas
todos os anos? Porque na prá tica os arquitetos discordam de sua formaçã o
reflexiva dentro da universidade, a arquitetura em si continua impondo sua
ló gica construtiva e nã o a liberaçã o do instinto de imagem, que aflora quando o
arquiteto recusa seguir a risca as leis bá sicas herdadas de sua linguagem.
Historicamente a arquitetura somente se efetiva na completa adoçã o da técnica,
capaz de conduzir todo o processo ao aprimoramento do construir e jamais das
exigências plá sticas e representativas do puro desenho. A autonomia da teoria
por sua vez tende a contrariar os conselhos da técnica. A teoria situa-se no
primeiro plano de interesse do ouvinte atento aos apelos atraentes do novo. Aqui
fala o sujeito interpretando nã o uma demanda urgente do mundo real, mas sua
pró pria consciência deslocada. É o ente moderno que apela à teoria em busca de
uma melhor coesã o formal para suas idéias.

143
SIMETRIA

As faces de um objeto simétrico seriam absolutamente iguais se nã o estivessem


em constante oposiçã o ao fundo. A simetria nã o se encontra na natureza, é
geometria, é parte de um infinito desejo de ordem da mente habituada ao
pensamento. O objeto simétrico é aquele em cuja construçã o sã o empregados
diversos elementos agregados em série, guardando em si uma relaçã o de
proximidade geométrica e de reproduçã o da aparência. A ordem simétrica possui
duas características bá sicas: a estético-formal e a matemá tica. Uma obra de arte
pode ser simétrica na aparência, quando reproduz na forma final dois ou mais
elementos idênticos, ou quando possui uma ordem geométrica na qual cada um
dos pontos que definem o plano, a linha e o ponto estã o dispostos componentes
heterogêneos em forma e conteú do.

Herzog & De Meuron – Perrish Art Museum

144
AMANCIO WILLIAMS

Quando o arquiteto emprega a simetria ordenando formalmente seu campo de


trabalho está tomando da natureza sua idéia fundamental. Seria possível pensar
em uma obra de arte concebida unicamente por unidades irrepetíveis, e se isto
fosse possível, qual seria o resultado prá tico? Será que há na arte, como na
natureza, uma necessidade íntima de simetria, ou seja, de repetiçã o e relaçã o?
Nã o é fá cil responder a esta indagaçã o, uma vez que nã o poderia ser dada à
margem da historia da arte, a qual indica em todo seu transcurso no tempo a
permanência e a repetiçã o do tipo. Uma arte assimétrica seria o equivalente a
uma arte sem ordem, fato que resultaria na negaçã o do pró prio conceito de arte
e, por exemplo, na diluiçã o do espaço; onde todas as partes guardam íntima
relaçã o entre si. Estas relaçõ es , guardadas no interior da concepçã o artística vã o

145
formar uma segunda unidade, nã o mais a unidade das partes, mas a unidade da
obra em relaçã o ao mundo, à totalidade das coisas e à necessidade destas
mesmas coisas estabelecerem vínculos de harmonia e de complementariedade.

146
RUMO A ARQUITETURA ABSOLUTA

Longe da funçã o simbó lica transcendente, a arquitetura deixaria à margem de


suas preocupaçõ es tudo aquilo que significasse forma em si mesma. Se
analisamos detidamente a evoluçã o da arquitetura moderna, a descobrimos em
defasagem de pelo menos um século em relaçã o à s conquistas formais das
demais artes plá sticas. Dizendo nã o, à pesquisa formal pura, os arquitetos
abdicam de sua responsabilidade artística definida historicamente a fim de
adotar uma postura reformista de índole eminentemente moral e, por quê nã o
dizê-lo, utó pico. Neste momento da histó ria seria difícil abandonar a toda uma
carreira de lutas e conquistas no sentido de unir arte e técnica face a estruturar
um melhor ambiente para a vida na cidade. Os primeiros ideais da arquitetura
moderna rumo à obra de arte total continuarã o ainda existindo, apesar do
esfacelamento das ideologias progressistas. Nestes dias, os arquitetos sã o mais
humildes e menos pretensiosos, vivendo um sentido de limite menos abrangente.
Neste panorama aparentemente desencantado, o arquiteto finalmente conquista
um espaço onde nã o existem as mesmas contingências cerceadoras do
urbanismo genérico. Neste territó rio edificado pelas vanguardas, o valor
dominante será a plá stica, mostrada em toda sua exuberâ ncia representativa.

Sou Fujimoto – Serpentine Pavilion em Londres

147
Como os demais artistas plá sticos contemporâ neos, o arquiteto também terá sua
moldura, sua fronteira reduzida. Em cuja moldura o arquiteto terá a liberdade de
imaginar em alto grau, e ainda mais, será quase que obrigado a atuar com as
mesmas obrigaçõ es que os demais artistas rumo a uma produçã o estética capaz
de gerar fantasias e sistemas de moda cada vez mais acelerados, como em
qualquer indú stria cultural. Apontando para esta direçã o surgem as obras dos
arquitetos-escultores, com um tipo de arquitetura pura, desprovida de qualquer
alusã o ao valor prá tico do habitá vel em termos de conforto burguês.

148
NORMAN FOSTER

Fala-se muito do maravilhoso em arquitetura como se nã o houvesse barreira


entre as expressõ es de estilo; que tanto o clá ssico quanto o barraco pudessem sê-
lo. Ainda seria preciso chegar a um acordo e saber o que ele é, e o que nomeia
este adjetivo tã o completo e arrebatador. Se eu precisasse defini-lo, eu diria que
é a qualidade má xima da proporçã o, que nos afasta dos limites dentro dos quais
precisamos viver no dia a dia. O maravilhoso nos anestesia contras os efeitos do
tédio cotidiano. O arquiteto capaz de inventá -lo nos recupera de um cansaço que
se estende exteriormente ao nosso berço e ao nosso leito de morte. No exemplo
retirado de um Museu projetado por Norman Foster o maravilhoso é
ousadamente simples, em contrapartida, heroicamente bem acabado. Um á trio
deve ser a ante-câ mara de uma experiência grandiosa, e um Museu o merece em
alto estilo. Deve possuir a altura de três pisos - pelo menos -, ser adornado com
pedras raras e ser coroado pelo teto abstraído da abó boda celeste. Ser muito
vazio, mobiliá rios nos fazem retornar ao imperativo da necessidade. Em templos
erigidos ao prazer do espírito, o diá logo é outro. Há um erro que consiste em
acreditar que é a arquitetura monumental uma arte pró pria para realizar essa
faculdade da alma chamada prestidigitaçã o. Foster nã o quis ligar sua arte à
magia teatral, nada de transcendental em direçã o à idéia de um desses deuses
que abundam no reinado dos homens, sua técnica está à disposiçã o do homem

149
real, terreno, em posse de si mesmo. Museu nã o é igreja. Nã o é uma grande
maravilha tirar uma pomba de um chapéu, mas é uma maravilha o resultado de
um longo e laborioso trabalho de equipe culta e afinada a uma idéia de forma
universal. A prova disso é que esse tipo de nú mero de simples magia se compra
na loja da esquina, se ensina em cartilhas e que os milagres de um tostã o seguem
modas. Nossa maravilha se conquista pelo domínio da técnica, aprendê-la-á o
arquiteto que estudar numa só lida e tradicional universidade.

O maravilhoso viaja na histó ria e quando pousa num lugar, adapta-se a um estilo
– muda de nome. Norman Foster veste um estilo já senhor, tem quarenta anos o
High-Tech. Bem mais jovem que eu, infelizmente. Vi-o nascer quando cursava a
faculdade. Muito pouco para uma Musa que se expressa por intermédio de
fantasmas de dois mil e quinhentos anos e de materiais ainda na infâ ncia, se
comparamos ao uso da escrita literá ria.

Presumo contudo que uma forma assim nã o seja sentida intensamente por
qualquer um. Nada menos apropriado que a classe-média funcionalista, tã o á vida
por respostas econô micas e objetivas, nessa faculdade que recorre à razã o e aos
grandes símbolos. Poucos dessa classe de homens intermediá rios querem gozar
de um acontecimento excepcional conhecendo sua fonte e seu objetivo; sem
estudá -lo, será impossível sentir a estética do grandioso clá ssico. A gente vulgar
endinheirada prefere ridicularizá -lo e tratá -lo com insultos. O conceito de
maravilhoso, tal qual um camaleã o, muda suas feiçõ es quando quer agradar a
classe-média, transforma-se em linguagem decorativa de Shopping Center de
luxo. Separa o territó rio da arte, daquele inventado pela propaganda dirigida à s
massas, toda uma intransponível galá xia. Chama-se “qualidade”, a todo o espaço
desta distâ ncia.

150
ESPAÇO E LUZ EM LUIS BARRAGAN

Galeria

A variedade da arquitetura contemporâ nea distribui-se entre especialistas de


diversas á reas. Fala-se de luz, e pula para a frente, ocupando o palco cheio de
autoridade e orgulho, o luminotécnico. Uma época de sabichõ es tende a borrar a
importâ ncia das soluçõ es nã o objetivas na arte da construçã o. A luz que pretendo
abordar é de outra ordem, nã o é a do conforto físico, mas da liberdade da alma
defendida a duras penas pelos poucos homens ilustrados.

Todas as formas diretas, refinadas na reflexã o da simplicidade, empregadas na


arquitetura de Luis Barragan proclamam o poder simbó lico dos vetores
simultâ neos. Nada é apenas ú nico, a funçã o trivial de se alimentar urbanamente é
ao mesmo tempo a conquista do prazer descomprometido e uma imersã o no
mistério dos símbolos inalcançá veis pela razã o. Como o excêntrico arquiteto
mexicano sabia muito bem que a beleza dos elementos prá ticos transcende o
propó sito da exatidã o histó rica da poética modernista, abusou como pode do
emprego dos muitos efeitos ilusionistas a disposiçã o dos que enxergam longe. A
iluminaçã o diurna lhe fala como um quadro, um quadro pintado apenas com os
efeitos sugestivos de luz, rebatendo em planos brancos de alvenaria matizados

151
pelo colorido exó tico. Explorou-os ambiguamente pelo prazer que proporcionam
à vista e por remeter o usuá rio à dimensã o do inefá vel. A geometria da luz varia
no espaço de acordo com o horá rio do dia solar e as angulaçõ es promovidas
pelos dias do ano. Vazada a forma só lida moldando-lhe o cará ter, que interage
com a matéria da parede construída, a luz torna-se atmosfera singular,
encantamento; haverá uma relaçã o dinâ mica entre o painel grá fico desenhado
pelos feixes luminosos e a totalidade do espaço ambiente.

Barragan glorifica em seus enunciados o estilo de vida de um monge leigo que


admira a contemplativa solidã o, e dela espera sacar sua experiência religiosa
mística como apostolo sem credo definido. Afim de encontrar a sala de jantar,
separada do bloco principal da residência, revela-se o poder pausado de uma
galeria de monastério. Mais adiante examinarei em pormenor a situaçã o.

Sala de Jantar e o Espelho d’á gua

É preciso dominar com arte a dimensã o do escuro, se se quer projetar de acordo


com o dogma artístico. O escuro do escultor nã o é o mesmo do pintor, nem
tampouco o do arquiteto. É pois a mediçã o matemá tica do escuro que revelará a
poética extravagante da luz transformada. O desenhista da luz expressiva
introduz constantemente em suas obras metamorfoses de modelos de abertura

152
existentes em solenes arquiteturas monumentais antigas. E quando alcança
sucesso é porque pensa em entidades míticas primitivas há muito perseguindo a
percepçã o daquele que crê no mais além. Aplaudir a presença dos deuses, e
aclamar seus valores, impõ e no entanto técnica e destreza compositiva, a
arqueologia da luz monasterial está por completo fora de lugar na representaçã o
de qualquer obra de Barragan, ele nã o se preocupava em nada com as repetiçõ es,
e sim em criar novos detalhes abstratos. Mas no que concerne à hipó tese da
cromá tica lousa panorama, servindo de superfície refletora da diminuta linha de
luz zenital, é preciso reafirmar que se trata de uma parte de todo um espaço
dominado pela atmosfera da arte pura, e nã o da objetividade medida pela
extensã o da necessidade de habitar o ó bvio. Esta luz lírica domina todo o campo
visual da sala de jantar. A luz zenital nã o vem de uma á rea de ampla
intermitência escondida pouco acima do teto, mas sim de um quase
imperceptível intervalo desenhado a modo de lanternim no plano da cobertura.
O artista do espaço luta contra o nada dominando a abertura que apenas quer se
tornar janela.

153
PHILIP JOHNSON

Biblioteca particular de Philip Johnson

Pequena biblioteca para o consumo de um rico erudito localizada num horto


paradisíaco, seu autor nã o teria ficado verdadeiramente surpreendido ao ver
classificada sua obra entre os raros contos de fadas da modernidade. O valor
estético das obras de Philip Johnson dispersas em sua chá cara de recreio, em
New Canaan, nada tem a ver com o extremo realismo da época em que viveu ao
longo de quase cem anos. Naturalmente, em sua casa, de modo algum o arquiteto
repete os urgentes fatos que lhe servem de assunto quando trata de construir
edifícios para o grande capital americano. Sua obras particulares dirigem-se com
comedida discriçã o exclusivamente à pró pria verdade de homem, amadurecido
numa humanista cultura cosmopolita; e a Verdade de um homem assim é sempre
independente dos fatos externos, tirados de uma sociedade ambiciosa e
materialista, que inventa e escolhe modelos a seu gosto. Mas, ainda assim, o
emprego dos fatos, como faz Johnson, constitui uma parte interessantíssima de
seu método de trabalho, e nos mostra uma atitude firme em relaçã o com a cena
social novayorkina em que viveu, e com a grande arte da ilusã o.

Quem o conheceu somente pela produçã o condizente com o período em cujo


centro reinava a figura do mestre Mies van der Rohe irá se surpreender com a

154
forma diferenciada deste pequeno edifício monumental. Os ventos culturais
sopravam em direçã o ao Pó s-modernismo. O volume fechado lembrando
qualquer imagem de um passado remota denota a vontade de novamente se
viajar pela histó ria. Quando Johnson a concebeu a elite dos arquitetos embebia-
se de teoria e de vontade de contestar as utopias do passado recente. O espaço
interno mostrado nas fotos é pequeno. Suficiente para abrigar uma mesa de
trabalho iluminada por canhã o de luz, duas estantes embutidas e uma lareira de
canto.

155
ARQUITETURA COM ARTE PARA O POBRE

Mart Stamm – Weissenhof Siedlung

Aos 34 anos, depois de muita leitura sobre o tema, parti em peregrinaçã o à


cidade de Stuttgart na Alemanha. Nem carecia de verborrá gica justificaçã o.
Sentia-me com esta idade como um caracol misturado a sua couraça, no meu
caso a volumosa capa era toda composta por teorias arquitetô nicas meio
confusas. Pressentia na viagem que ao chegar ao celebre quarteirã o Weissenhof
iria me deparar com a grande verdade socialista perseguida pelos arquitetos
vanguardistas do Século XX - um sublime museu habitá vel para a pobreza. Sua
influência fora grandiosa durante décadas. De todas as fabulosas casas, chamou
muito a atençã o, desde o primeiro contato, o conjunto de três sobrados projetado
pelo arquiteto holandês Mart Stamm; a data foi 1927. Exceto pelo exó tico azul da
fachada, ela é parecida em linguagem com as demais. Todas evidentemente super
abstratas. Vale a pena perguntar qual seria o impacto se a famosa personagem
tivesse sido colocada numa favela, e nã o num refinado bairro elegante de classe-
média. O competente desenho da organizaçã o e implantaçã o das casas foi tarefa
de Mies van der Rohe.

Partamos de uma vez à expediçã o pela simétrica fachada plana. Há uma pontada
de ousadia na implantaçã o do bloco em Piano Nobile. Cinco significativos

156
degraus numa bela escada de concreto aparente em balanço separam a á rea de
estar da casa do democrá tico nível da rua. Meus critérios de avaliaçã o estética
sofrem ondulaçõ es perió dicas, portanto hoje sinto o que nã o percebi naquela
época - o significado provocado pela tensã o da quebra de ritmo na ultima janela
do segundo andar. Ferve-me o sangue o detalhe inteligente. Ele parece-me agora
a figura que mais conta na linearidade da série constante. Sã o atitudes assim que
fazem da boa arquitetura uma arte provocativa. Há um volume muito discreto
emoldurando a porta de entrada, funciona como ú nico recurso de alto relevo
nesta á rea. Basta um intervalo na repetiçã o, e a monotonia ganha vida.
Percorrendo as casas dos grandes mestres dispersas pelo conjunto percebi que
em cada exemplo havia um elemento de suspense que era realmente
amedrontador para o senso comum. Mart Stamm, como todo mestre, havia
angariado suas provisõ es formais estudando os clá ssicos de eras pretéritas.

Desponta em toda a criaçã o artística voltada à elevaçã o do pobre, uma


vergonhosa barreira intransponível: o custo elevado. Quem afinal paga a conta? É
inegá vel, trata-se de uma homenagem soberba ao humanismo restaurador da
Repú blica de Weimer. Mas infelizmente é pura utopia. É cara, nenhum Estado
neste planeta pode suportar tal ô nus. Bonita, porém impraticá vel. Sã o três
andares refinadíssimos. E nem mencionar o mobiliá rio. Se o examinarmos com a
lente do Esteta descobriremos que nã o é comum sua noçã o de conforto. Esbanja
excitamento cada detalhe desta sala de jantar. Mó veis desenhados na Escola
Bauhaus provocando o suspense estético necessá rio a qualquer grande

157
manifestaçã o artística. Tã o clara era a imagem obtida nesta foto de época, que a
imagino inspirada por um sentimento semelhante à quele que inaugurou o Século
de Péricles na Grécia antiga. Se nã o dissessem pormenores de sua procedência e
a publicassem numa revista de arquitetura contemporâ nea, acreditaria na
possibilidade de que sua forma corresponde ao gosto da vanguarda
contemporâ nea japonesa ou suíça. A gente elegante e sofisticada dos países de
alta cultura e economia forte adotou como modelo habitacional de sonho o que
há um século foi pensado como arte moderna educacional para os mais
desvalidos.

Sala de Jantar em foto de 1927

Deve ter sido o efeito de uma simpá tica imaginaçã o, a luz que se abateu
inspiradora sobre estes jovens da destruída Alemanha apó s a grande que
sobreveio com o fim da Primeira Guerra. Mas, eu penso que deve ter havido boas
razõ es para que Mart Stamm incorrido em certo esbanjamento formal, nã o
exatamente como sonhador. Afinal, o que é pior para o propó sito artístico,
derrapar no senso comum ou transbordar gastando o impossível?

158
PIET MONDRIAN, CHRISTO E MARCEL DUCHAMP

Qual é o vínculo – forma histó rica concreta – que unifica estes três artistas:
Mondrian, Christo e Duchamp? Holandês, bú lgaro e Frances, sã o pares na
maneira de buscar a arte na viagem, viver como nô mades. Alheios a seus países,
retiraram-se em primeiro lugar à Paris. A Guerra foi o êmulo da transformaçã o
de territó rio em mundo, uma mudança que acabaria em Nova York, a capital do
novo mundo e mundo novo, que nos anos sessenta seria o berço do Minimalismo.
Centro atual, do mundo e das artes, ali encontraram a energia que buscavam
numa Europa quase deserta de estímulos renovadores. Nos Estados Unidos
deixaram de ser testemunhas passivas de uma circunstâ ncia que lhes escapava
definitivamente das mã os. Taumaturgos, mais que artistas, lograram ser gênios
contra a massificaçã o devoradora de autores. De nenhum lugar, além da obscura
cidadania daquele que vive de agregar lugares à memó ria, cada um deles
construiu em suas obras algo impossível, representaram o nã o espaço possível, a
Utopia. Mondrian fez do quadro sua pró pria consigna de mundo, seu habitat que
eliminava qualquer noçã o de praticidade e conforto. Repousando na rigidez da
plena estrutura e de uma visã o elementar da natureza, profundamente
simplificadora.

Duchamp foi homem mais lú dico, possuía algo raro entre os modernos, o humor.
Foi Dadá antes de ninguém, pícaro quando poucos acreditavam na possibilidade
estética da astú cia. Em seu absoluto, Duchamp negou o objeto. E, íntegro jogador
na vida, compartiu seu tempo entre o pensamento estético e o jogo de xadrez.
Christo é o mais jovem deste seleto grupo, vem muito depois, varias décadas o
firmam com um típico homem do Século XX. Seguindo os primeiros, como ignorá -
los? Opera num primeiro momento unificando e depurando os destroços de uma
herança impossível, de uma vanguarda dispersa pelo colapso da razã o européia
(Argan chama o fenô meno de crise da ciência européia). Porquê estã o unidos
aqui, além é claro de responderem à arbitrariedade na confecçã o do texto?
Foram livres, radicais, santos, colagem textual, e permitido avançar um
milímetro a mais, na compreensã o deste fenô meno que tende a afunilar as
tensõ es precedentes em um ú nico ponto claro e luminoso: o simples.

159
Se há uma razã o teó rica para este casamento, certamente nã o está na apatia.
Traveste-se pela má scara da intuiçã o. Torna-se razã o de texto. O nú mero que
mede as obras de Christo é o bloco, é o pú blico anô nimo que nã o se detém, é a
massa em movimento transitó rio nas Metró poles. Dos três artistas, Christo é o
ú nico que se infiltra através do volú vel e simpló rio gosto popular, este pú blico
para ele conta. Nã o é o mesmo pú blico que possuído de fé civilizadora freqü enta
museus. Incidental, leviano, ele atravessa os caminhos da escultura, é no entanto
pú blico para a arte só naquele instante determinado pelo artista. Desfeita a obra
(desmontada), desfaz-se o espectador. Assim, como há transitoriedade na obra,
há também o efêmero estado de graça no homem comum.

Agregado à massa, que pactua como títere no espetá culo da arte, existe uma
figura mais constante, porém igualmente ingênua: o jovem artista coadjuvante,
quase sempre sentimental, que participa junto a Christo de todo o teatro
construtivo. E, por fim, o empresá rio: financista interessado apenas em aspecto o
senso religioso de todos. O ú nico que tem a capacidade de transformar a arte em
valor visual adquirido. Estas três categorias humanas nã o foram definidas pela
arte e sua determinaçã o histó rica. Para Christo, eles existem como o mais aberto
dos conceitos. Christo, artista do presente por excelência, aceita estes modelos de
homens como um conjunto atuante dado, necessá rio para a operaçã o. Nã o
introduz nos matizes de sua poética nenhum projeto especifico de homem. O que
realiza nã o está dirigido a uma elite especifica. Vê-lo é apreciá -lo na imediatez
dos sentidos, nã o é necessá rio ser portador de cará ter especial ou mesmo dom.
Senti-lo é completamente distinto de ingressar no esotérico discurso artístico. O
artista espera do pú blico uma reaçã o simples: que ele se porte face à obra de arte
com a mesma espontaneidade que o caracterizou. Dois mundos estã o aparentes:
compreensã o ao lado da autonomia da experiência pluridisciplinar. Paradigmas
que produzem duas figuras proeminentes; duas posturas que enfocam a
problemá tica da participaçã o do sujeito anô nimo na produçã o da arte. Estes dois
modelos estéticos e comportamentais estã o representados em grande medida
em Marcel Duchamp e Piet Mondrian.

160
PIET MONDRIAN

Broadway Boogie Woogie, 1942-43

Mondrian é pintor moderno e netamente agressivo. É prová vel que compareça


na historia da arte do século XX como instaurador da mais radical reforma
pictó rica. Outros também propuseram reformas radicais em igual grandeza,
porém foram reformas de visã o nã o de comportamento, poucos permaneceram.
Porquê? Mondrian pediu nada mais que um novo homem. Nã o é possível vivier
em profundidade sua obra sem se alijar da trá gica condiçã o de homem moderno.
Contemplar sua obra exige do observador uma “armadura de anjo”. E angelical
foi a condiçã o vivida pelo pintor, segundo Giulio Carlo Argan.

Como tornar claro a estrutura do pensamento de Mondrian sem se aproximar da


maneira de ver e sentir o mundo que lhe foi tã o peculiar? Bem poderia ser pela
razã o e excessivo desdobramento do raciocínio. Pô r acento nos sentidos? – Muito
difícil. Somente nos sistemas exageradamente espiritual. Esta proposiçã o é
curiosa: uma arte organicista e confortá vel aos sentidos e outra friamente
espiritual, distanciando o homem de sua condiçã o natural (um departamento
especial da razã o, uma espécie de templo sagrado onde nã o é possível a larga

161
permanência, a menos que alguém queira tornar-se parte integrante da pró pria
pintura). Para ver a pintura de Mondrian é necessá rio estudá -la em vez de
penetrar seu sentido através da faculdade contemplativa em seu grau de exagero
e persistência. A pintura de Mondrian exige do pú blico uma mirada cientifica,
banindo qualquer desejo de prazer sensorial imediato. A “ciência”de Mondrian é
a mesma de todas as outras artes de vanguarda. Nestas artes de especialistas,
nã o há lugar para o leigo. Se sã o conhecidas as regras, a imagem resulta opaca.
Algumas destas artes – muito poucas – ainda possuem uma qualidade que as
tornem atrativas visualmente, nã o produzem uma ilusã o que as convertam
imediatamente em belas. Contudo, a maioria das produçõ es modernas nã o sã o
imediatamente belas. A beleza que decorre destas obras, quando evidentemente
existe, é resultado evidente do grau de complexidade da idéia.

Harmonia em Vermelho, Amarelo e Azul, 1921

Ciência e arte sã o contraditó rias até certo ponto: a arte evoluiu da imagem literal,
reconhecida como sinô nimo de natureza, ao estado de elemento autô nomo. Sem
a figura natural que lhe dava coerência estrutural e acesso à identificaçã o, a obra
de arte torna-se completamente hermética. Isto nã o se deve ao propó sito de ser
complexo, é fruto de uma conseqü ente evoluçã o histó rica. Para se compreender a

162
arte moderna, é necessá rio, antes de tudo, vestir a toga de especialista. Fora de
sua linguagem hermética existe somente o fulgor da aparência. Aparência que
pode convencer, agradar aos olhos, servir como substituta de uma entidade
má gica, porém que nã o cumpre a funçã o primordial da arte, isto é, arte refletindo
a si mesma. Em resumo, o que significa dizer que na pintura de Mondrian nã o
transparece emoçã o? Que é uma obra que nã o se comunica com a imediatez dos
sentidos além do reconhecimento de um equilibrado sistema dualista de linhas
verticais e horizontais cruzando-se num plano branco, formando alguns campos
coloridos. Quase todos os seus quadros sã o iguais no plano da mera aparência,
reproduzindo uma mesma experiência, uma idéia plá stica que nã o se altera. Um
olhar ingênuo poderia apreender algo além desta equilibrada monotonia? – Nã o!
A verdade de um quadro de Mondrian é paradoxal: está fora do quadro, porém,
como encontrá -la senã o através da imagem? A obra é alusiva deste inteiro
universo de referencias esparsas que transitam pelo tempo. Para obtê-las faz
falta dominar o tempo, mais que o espírito do quadro. As referencias contidas na
pintura nã o se legitimam por elas mesmas. Voltar permanentemente à pintura, à
mais concreta das realidades, é necessá rio. Se Mondrian nã o produz impacto,
como poderá o espectador manifestar interesse pelo lado oculto da abstrata
configuraçã o? – Por um inato desejo de compreensã o, ou, porque, convertido em
símbolo de cultura, impõ e uma ordem de interpretaçã o que deve ser seguida
com todo o rigor.

O sistema das artes indica um valor, diz que a obra é fato original, dá seu aval.
Imediatamente, o fruto do julgamento do especialista obterá consentimento
pú blico, isto é, apesar da obra. O aval do especialista fará da obra uma
transcendência ao exterior, crescerá mais como significado e menos como
sentido. Interpretar um quadro de Mondrian equivale a chegar no íntimo de uma
escritura meditada e experimentada no terreno mesmo da pintura. Altamente
complexa, temporalmente lenta, um texto filosó fico sob a forma de pintura. É o
que se pode compreender da açã o levada à arte por Mondrian. Cinqü enta anos
nos separam do desaparecimento deste grande pintor, tempo suficiente, neste
mistificador Século XX, para transformar seu vulto em lenda, a lenda do criador
de algo que se destina a fazer do método uma experiência para o oculto.

163
O tempo sobreviveu, sua pintura existe nos lugares, contudo o tempo nã o
contribuiu a interpretá -lo melhor. O que sentiu, qual foi a natureza dos impulsos
que provinham de á rduo e estafante ofício? Mondrian dedicou sua vida a traduzir
em abstraçõ es elementares as relaçõ es ocultas entre a natureza exterior,
visualizada, e seu avesso na geometria. Asceta na pintura e na vida, Mondrian
impõ e o insociá vel exercício da dificuldade. Nã o busca o prazer do e para os
sentidos, somente a verdade transparente da pintura. Difícil: realidade que
resiste ao fá cil enlace dos sentidos. Captá -la pela visã o é distanciar-se mais da
essência que propõ e a pintura.

164
CHRISTO

Christo - Reichstag

Christo representa a mais extrema oposiçã o aos princípios do Neo-plasticismo.


Sua obra é feérica, exuberante na escala e significado. Christo se opõ e ao espírito
finamente analíticos de Mondrian. Desmistificado o cará ter transfigurador do
objeto artístico – matéria pura trabalhada -, perdido definitivamente pela
ausência de credulidade, Duchamp converteu-se à ironia, esta seria brincadeira
de filó sofos e espíritos ilustrados. Quando pintava ou construía estava
produzindo retratos de si mesmo, imagens de seu niilismo declarado, era um
cético que acreditava no que fazia. Basicamente sem crenças absolutas continuou
por toda a vida sem conseguir livrar-se da sensaçã o produzida pelo primeiro
impacto. Em cada estampa surpreendia seu pró prio retrato, sempre presente:
grave e sorridente, qualidade típica do retrato francês, conforme as palavras de
René Huyghe. Ironia e niilismo jamais conseguiram no entanto diminuir a força
vital que unia Duchamp à Arte. Do riso meditado extraiu a substâ ncia do
conceito. Operando sobre figuras e objetos previamente existentes nã o cessou de
afirmar o fator de intervençã o no territó rio sagrado. Duchamp descobriu a face
risível de uma arte que se afastava do divino em nome do profano.

165
Marcel Duchamp – Fonte

O humor de Duchamp simula o delírio enlouquecido do rei de manicô mio. Como


aquele que defende seu reinado em terras republicanas, ocupando o ocupado.
Pinta bigodes na célebre criaçã o de Leonardo da Vinci, põ e sobre o pedestal um
urinol que vai ser denominado fonte. Ingenuamente, seria esta atitude simples
burla, pela mudança de registro crítico, a mais avassaladora lesã o sobre a
tipologia artística. Convertido o objeto em burla, que atitude restava ao artista?
Meditar sobre a comédia, convertê-la em signo positivo: conceito. Duchamp faz
com a arte aquilo que Sartre pretendia da existência: “Já que Deus nã o existe,
tudo é possível”. Uma vez que a arte nã o se revela senã o na feitura da obra, tudo
é possível pela obra. Contudo, a liberdade total é ilusã o. Sendo livre, o artista está
preso a sua pró pria imensidã o. O ilimitado cosmo do artista solitá rio que pode
desviar os rumos do destino, que nã o mais responde ao mito da natureza
humana. Diante dele está a histó ria da arte, a historia de tudo que é visível. Sem
herança, este artista terá na ética a fronteira da açã o. Sua responsabilidade,
diante de si mesmo e da historia, repentinamente agiganta-se.

Qual o vínculo entre Duchamp e Christo? Mais propriamente no instante em que


a retina nã o soluciona o estado de inquietaçã o provocado por uma forma

166
exuberante que cessa de emitir os mesmos estímulos encontrados no impacto
primeiro com a escultura. Quando cessa o encanto o espectador apela à razã o.
Nesta hora surge o sorriso fino de Duchamp. Todo artista que pensa
fundamentalmente o sentido da obra de arte (nã o naquele sentido da coisa
mental de Leonardo da Vinci, mentalizando a imagem), o porque da “obra”nestes
tempos de modernidade super valorizada, está , por extensã o, evocando a ironia
crítica de Duchamp. Seu pensamento estético que era ao mesmo tempo negaçã o
e distâ ncia do objeto visto como valor.

Desvirtuado pela atitude sistemá tica e abusiva de tudo negar, o pensamento de


Duchamp rapidamente se tornaria suicídio. O artista negaria seu direito de atuar,
de expressar-se pela obra. De luz passaria a abismo, de crítica que revitaliza
cairia na auto-justificaçã o de um eminente fracasso pessoal ou de grupo. Em
período de profunda crise de valores Duchamp seria a bandeira que sempre
evitou carregar. Toda idéia revolucioná ria é simultaneamente perigo e salvaçã o.
O perigo de Duchamp, de sua poética convertida em estética, é ser reproduzido
como gesto – açã o de pueris, nada; negaçã o automá tica e absoluta da histó ria e
da experiência. Revelada pela contemplaçã o mistificadora de alguns sistema de
pensamento revolucioná rios ou de escapismo pseudo-orientalistas.

Estes grupos positivos deram uma valiosa contribuiçã o ao conceito da arte:


mostraram formalmente que é possível fazer arte sem o protagonismo do objeto.
Que na dimensã o do discurso artístico vive-se a arte, sem o processo do plasmar
material também é permitido expressar um sentido estético, um ideal de beleza.
E, o mais importante, a arte pode ser simples afeiçã o, “ready-made”. Neste caso, a
estruturaçã o mental do processo, sua psicologia, conta mais que o envolvimento
expressivo.

Em resumo, qual o parentesco entre Christo, Mondrian e Duchamp? O pensar, o


escolher e o simbolizar. Em um, a transformaçã o heró ica do meio, natureza e
sociedade, em outro, o abandono do objeto construído pela vitalidade da idéia.

167
MARCEL DUCHAMP

Um artista como Marcel Duchamp, por exemplo, ao tentar desestabilizr um dos


focos principais da tradiçã o artística, nada mais fez que estender os limites
operacionais do autor, fazendo-o transitar pelo perigo da dissoluçã o e reforçar os
instrumentos de aná lise e compreensã o geral do fenô meno. O que equivale a
dizer: mostrando o nada tã o visivelmente contribuiu para a sobrevivência da
arte e revelou claramente a linha de risco, a extensã o física e conceitual que
divide a arte da nã o-arte. Mostrou também, que mais além da arte existe um
campo intermediá rio: o campo da dissoluçã o e a estrutura desta nã o-arte, com
toda sua complexa gama de significados, mais perigosos que o nada, porque sã o,
antes de tudo, aparentes e ilusó rios.

Duchamp demonstrou que, aná logo ao campo da construçã o existe o campo da


mera eleiçã o, onde o fenô meno artístico pode se concluir independente da
criaçã o de um objeto, e que, definitivamente, a arte pode ser a faculdade de
refletir sobre formas já existentes, nas quais memó ria e imaginaçã o operam em

168
direçõ es contrarias à quela atividade febril de expressar sobre a matéria
inanimada forças originais, concebidas somente por uma imaginaçã o educada.

Justapor uma idéia estética ao lado de um objeto banal, criando uma terceira
realidade, foi a grande contribuiçã o de Duchamp à arte moderna. Criando esta
nova simetria entre conceito e objeto já realizado, ao invés de transitar como,
determina a tradiçã o, sobre o longo caminho da exteriorizaçã o do desejo através
da matéria. Duchamp devolve à consciência seu protagonismo anímico, restaura
a antiga faculdade de imaginar realidades, apenas movida pelo impacto da
imaginaçã o com um tênue instrumento de reativaçã o de sua faculdade. Com
Duchamp o homem volta a ser primitivo, só que desta vez seu primitivismo será
de ordem puramente facultativo, cerebral em princípio, cujo campo de relaçõ es
possíveis está afinado à cultura da modernidade, valendo-se de todos os
mecanismos atuais de aná lise e domínio do campo total da existência.

O “animismo” para Duchamp, poderia se arriscar, é quase que sinô nimo de


ciência. Estas obras de arte inconclusas levemente insinuadas, nã o devem ser
completadas na consciência, posto que sua obra nã o é retiniana, nã o foi feita
exclusivamente para o olhar – para determinados sentidos localizados -, o que
pretendem é instaurar um territó rio independente da consciência à partir de
estímulos formais emblemá ticos. Nã o uma reflexã o sobre o objeto, que é
fundamentalmente mediaçã o, ma uma reflexã o sobre a pró pria arte. Esta é sua
simetria e sua analogia, arte que é uma realidade independente, nã o material,
encontra na consciência seu verdadeiro lugar, sem a confusã o dos sentidos os
quais nã o distinguem a “obra de arte” da pró pria “idéia de arte”.

169
JAMES TURREL

Para que um círculo elementar da natureza seja percebido poeticamente faz-se


ú til o emprego de um prisma especifico. Ela em si, é o que é. Carecemos dos
ingredientes estéticos de um observató rio especial munidos de lentes
metafó ricas, engenhos que convertam o espectro da luz noturna e a guardem em
forma para o nosso territó rio espiritual. Pressinto a entidade numinosa, embora
nã o a sinta em essência. Intuo apenas a inspirada sensaçã o de assombro
arrepiante oferecida por um lugar purificado sem finalidade funcional. Advirto,
será necessá rio todo um preparo para a revelaçã o encantadora.

Espaço para se contemplar o céu enluarado

James Turrel é o artista americano que transita entre a astronomia do


Minimalismo e a geologia da Land Art. Seu foco é a disciplina de assoalhar-se na
terra ambicionando descobrir os limites da secreta interaçã o quando o espaço
construído se choca com a luz. Nem imagino o que seria da arquitetura se o
arquiteto de nossos lares pensasse assim. O resultado seria espantoso, teríamos
um maravilhoso lugar para o metafísico viver transcendental, dominado pela
força incondicional do fato Absoluto. Creio que John Pawson deva ser hoje o
arquiteto minimalista que mais esforços despende por chegar bem perto de
conquistar o espaço existente só pelo espaço. Seu trabalho resumido nada tem a

170
ver com as convençõ es vigentes de atender à s demandas do imaginá rio
funcional. Infelizmente, nossas confortá veis casas vulgares tornaram-se
insípidos depó sitos fabris, mais que arquitetura como um dia já ocorreu.
Acumulamos aos montõ es o desnecessá rio porque nos apegamos a eles como
fetiches redentores. Mas aqui com esta obra de James Turrel ocorre um
fenô meno bem diferente, nã o há nem sobra daquelas barreiras do habitar
impregnadas com todas suas mú ltiplas limitaçõ es praticas, tã o comuns quando
ocorre livremente a arte plena.

Sala com pinturas Minimalistas no Palá cio Panza di Biumo

Sala com instalaçã o com obras de Dan Flavin

171
Entre os refinados nobres no passado era diferente o conceito de habitar, em
seus palá cios havia muitos recintos absolutos por pelos quais transitavam os
mais sublimes ideais conquistados pela inteligência. Ainda existem na Europa
exemplos como o palá cio do colecionador Conde Panza di Biumo, em Torino, um
dos maiores colecionadores mundiais de arte abstrata minimalista. Em sua
enorme casa há tantas salas ricamente decoradas que alguém se perderia na
contemplaçã o de obras puristas distribuídas em há bil contraste com o ambiente
antigo. Num espaço todo dedicado a arte, o mobiliá rio concebido para o conforto
jamais deve interferir no discurso principal.

172
LAND ART

Kurt Flekenstajn Ocean kod Miliza

Para uma nova ediçã o do clá ssico livro sobre a arquitetura moderna, Gideon
escreve um novo prefá cio, justo um quarto de século depois da primeira ediçã o
do livro “Space, Time and Architecture”, no qual admite os equívocos relativos à
interpretaçã o da mecanizaçã o da arquitetura moderna. A tendência acentuada a
partir dos anos 50 de revelar o cará ter formal da arquitetura sequer foi
presumida. Pergunta Ziegfried Gideon: “Porquê a arquitetura aproxima-se da
escultura e a escultura se aproxima da arquitetura sem constituir um desvio do
desenvolvimento principal?”

Em 1965, Gideon ainda admitia a possibilidade de fusã o dos dois campos, nã o


sentia a futura ruptura entre a arquitetura para habitar daquela concebida para o
fim estético puro. Logo a seguir acrescenta: “(...) uma das características da
tradiçã o que se está desenvolvendo é a simultaneidade da liberdade e a relaçã o
de conjunto. Deste modo o volume alcançou um significado que nã o possuía no
alvorecer da civilizaçã o”. Como historiador inspirado que foi, Gideon teve a
intuiçã o de sentir, ao contrá rio de muitos de seus contemporâ neos, que a
arquitetura desdobrava-se iniciando nova tradiçã o. A tradiçã o de uma autonomia
completa do espaço como arte; uma arte nada devendo à s determinaçõ es

173
funcionais da arquitetura histó rica. As manifestaçõ es que vemos hoje sã o apenas
prenú ncios de uma arte que nã o possui ainda nome, mas que será
provavelmente a maior manifestaçã o espiritual do século que se adianta.

Robert Smithson - Spiral Jetty, vista de Rozel Point, abril de 2005

Resumindo os princípios da Land Art, notamos que ela nã o é somente uma


experiência indeterminada com a paisagem, no sentido de extrair deste meio um
potencial plá stico ainda nã o revelado. A Land Art tira seus materiais bá sicos da
pró pria terra, portanto, o brutal e o primitivo sã o seus motivos principais, assim
como o elementar. Como toda arte possui também uma ressonâ ncia ética, uma
postura de confronto com o mundo vivido, querendo reconstruir a escultura à
partir da natureza sem intermediá rios instrumentais tecnoló gicos. Esta ultima
idéia é um tanto irrelevante se pensamos no niilismo dos tempos atuais, contudo,
sua ética nã o é plenamente isenta de anacronismos traduzindo ideais
reformistas. Nesta ó tica permanecem resíduos ideoló gicos da arte dos anos 60.
Contudo, trabalhar com a natureza, in situ, e sem a impressã o massiva dos
instrumentos, é atitude interpretá vel longe de suas vinculaçõ es ideoló gicas com
a cultura maquinista, quando pensamos sobre o enorme potencial plá stico
existente no confronto entre alta-tecnologia e primitivismo residual no mundo
da indú stria, entendemos que o campo de exploraçã o estético da Land Art é de

174
enorme validade e possibilidade de conquista de novos territó rios para a arte
moderna.

Crítica ideoló gica, ou experimentalismo plá stico, a Land Art nã o isenta o


panorama escultó rico da necessidade de explorar o potencial de uma arte Neo-
naturalista acomodada aos novos desígnios de abstraçã o de qualidades nã o
representacionais. Quer dizer, uma arte que nã o copie a natureza mas que a
desloque de seu sitio original, apresentando como objeto ou elemento natural em
si mesmo, cortado e colocado sobre o espaço arquitetô nico ou sobre a paisagem.

175
ALICE AYCOCK

Alice Aycock

Escultura ou arquitetura nã o codificada, o importante das novas propostas é a


imposiçã o de inéditos desafios para artistas e pú blico. Dos artistas exige-se uma
nova disciplina de interrelaçõ es de poéticas e conceitos heterodoxos, do pú blico,
uma mais atual definiçã o do habitar. O que podemos apreender das tendências
que surgem desestabilizando a tradiçã o da modernidade é que a arte do presente
tende a dissolver as fronteiras impostas pelo espírito humanista herdado da
Renascença. Falar de quadro, escultura, edifício ou artes decorativas em termos
clá ssicos – de um objeto claramente definido por uma forma e uma estética – é
no mínimo um exercício de desconcertamento para o crítico. Sentimos a
impotência da velha crítica de arte diante de tendências que desde um certo
tempo vêm subvertendo os modelos clá ssicos de objeto artístico.

Na obra de artistas como Alice Aycock o desconcertamento recobra ainda mais


vigor. Como perceber este tipo de obra, quer dizer, perceber em sentido físico e
menos conceitual? Sua obra impõ e desde o início um desafio: sendo escultura
deve ser notada fora, se é arquitetura, mesmo que atípica, desde o espaço
interior. O ponto de vista inicial faz muita diferença para a compreensã o da obra.

176
As esculturas de Aycock sugerem algo de habitá veis, pedem para ser penetradas,
vistas desde um interior envolvente, aceleradas na contemplaçã o do movimento.

Alice Aycock

Alice Aycock construirá sua arte-espacial à partir da relaçã o da natureza


formalmente selecionada (uma porçã o de territó rio) ou por resíduos de espaços
arquitetô nicos (planos, colunas e volumes pesados). O resultado será uma
combinaçã o heterogênea, materiais típicos da solidez arquitetô nica somados a
matérias brutas naturais asperamente transformadas: troncos de á rvores, areia,
rocha, terra, etc.
Sua obra encontra precedentes em criaçõ es como as de André Bloch, que por
evidentes vinculaçõ es com o movimento informal dos anos 50 da pintura e
arquitetura nã o chegam a alcançar uma independência de forma capaz de
descrevê-la como um ramo livre entre as artes plá sticas espaciais. As esculturas
espaciais de Bloch nã o geram as ambigü idades das esculturas afins da
atualidade, ficam mais pró ximas de referencias arquitetô nicas primitivas – estas
arquiteturas cavadas na rocha ou estruturadas com adobe.

177
André Bloch

Outro artista significativo no mesmo campo foi Jean Dubuffet. Já no final da vida
concebeu espaços-escultó ricos servindo de base para a sua pintura. Poder-se-ia
dizer que eram pinturas desdobrando-se em volumes escultó ricos e espaços
arquitetô nicos.

Jean Dubuffet

178
O que diferem de Aycock as experiências precedentes é o fato de que nenhuma
delas pretendia distanciar-se demasiado da poética-mã e. Cada uma destas artes
pretendia ser um limitado desdobramento da arte reitora, ou pintura, ou
escultura. Na obra de Aycock observa-se o surgimento da estrutura espacial que
nã o parte nem da pintura, nem da escultura, menos ainda da arqutetura, mas de
uma poética plá stica autô noma que faz do espaço unido a síntese das artes, um
plano de desenvolvimento formal autô nomo, ambicionando a qualidade de “arte
espaço”.

179
JAMES TURREL E A ARTE DO ESPAÇO

A arte do espaço pode ou nã o ser habitada, a obra nã o se define à priori como


valor de uso ou nã o uso, o importante é fixar seu cará ter estético indeterminado.
Sã o obras espaciais pela necessidade intrínseca de conter algo. A arquitetura
contem o vazio para o uso humano, a escultura espacial contem o vazio porque
sua forma é duplamente exposta, cô ncava e convexa simultaneamente, com
expressõ es voltando-se para dentro e para fora.

Com uma sucessã o de planos e volumes que ao se interpenetrar uns nos outros
possuem assim mesmo uma independência, como uma floresta de arvores
distintas, o novo campo artísticos difere basicamente da escultura tradicional
por que vai negar o valor volumétrico como determinante de um significado
especifico, nã o há mais o elemento monolítico apreendido do exterior jogando
sua forma para todo o conjunto escultó rico.

Na escultura espacial, Land Art ou Instalaçã o, mostra-se uma sequencia de


objetos definindo o campo de visã o e atuaçã o do artista. O valor maior está na
transparência das geometrias a estruturar o conjunto de elementos sacados de
diferentes poéticas e campos semâ nticos.

Observaçã o sobre a ó tica para a arte do espaço: o ponto de vista perspectivo,


unipontual e está tico, atende à necessidade de visã o simultâ nea dos objetos

180
artísticos que compreendem um sistema onde todos os planos que chegam à
visã o estã o concentrados esfericamente (jogo de planos e volumes justapostos).
Com a criaçã o concentrados esfericamente (jogo de planos e volumes
justapostos). Com a criaçã o moderna da Colagem – independência das formas e
da inclusã o do vazio ou “silêncio” como elemento de composiçã o atuante – seria
necessá rio criar uma coordenaçã o mais complexa para as artes plá sticas. Como
na mú sica, a escultura estabelecerá tantas unidades de massa ou plano por
unidade de intervalo ou vazio. As bases par este sistema ó tico estã o fixadas
previamente na arquitetura de um Frank Lloyd Wright ou de um Alvar Aalto. A
coordenaçã o temporal será vital para a compreensã o deste tipo de arte. A
perspectiva congelante.

James Turrel

181
DAVID ADJAYE

David Adjaye é o arquiteto da renú ncia. Renuncia a conceber estruturas


habitá veis em nome de uma espacialidade figurativa. As nuança é clara entre as
divergências dos dois conceitos: uma estrutura arquitetô nica bá sica é
reconhecida pelo cará ter de abrigo, ao contrá rio de uma escultura arquitetô nica,
onde os elementos de composiçã o cumprem um papel mais figurativo, digo, mais
simbó lico que propriamente habitacional, tanto em sentido funcional quanto
ritualístico.

A tendência adotada por Adjaye nã o é particular, vem de longa evoluçã o


arquitetô nica. Desde o fim da Grande Guerra percebe-se uma inclinaçã o formal
na arquitetura em sentido de alcançar autonomia para a plá stica, renunciando
em grande medida aos valores de uso funcional. Tal evoluçã o deveria chegar
necessariamente a obras como as da escultora Alice Aycock nos Estados Unidos,
Zaha Hadid e Peter Kook na Inglaterra e Coop Himmelblau na Á ustria, citando
apenas alguns exemplos. Em todos estes arquitetos é possível notar uma caída
para as formas espaciais puras nã o denotando propriamente nenhuma clara
referência aos tradicionais tipos arquitetô nicos. Elementos estes que, mais que
definir a arquitetura, tornam possível sua identificaçã o por aquele que vai
habitá -la. Estes artistas produzirã o espaços, porém espaços diferentes dos da

182
arquitetura reconhecidos como tal. Este novo tipo de espaço-arquitetô nico-
escultó rico será chamado de “Instalaçã o” ou Land Art, ou até mesmo de outra e
simples escultura, devendo nascer no exato momento em que a arquitetura
encontrasse a si mesma submergida por obrigaçõ es alheias ao seu desígnio
histó rico: templo e palá cio, ou seja, o sagrado no concreto habitá vel.

David Adjaye

183
CHRISTO

Na escultura de Christo a simetria é a ordem de permanência do elemento, nã o


da geometria, já que nem sempre o fundo impõ e suas regras. Se é natureza,
dificilmente terá uma ordem geométrica, se é artifício a geometria já estará
implícita na conformaçã o.

Christo – Running Fence

Qual sã o as duas faces aparentemente idênticas de Running Fence? Será o


suporte (paisagem de fundo) o ú nico fator a distinguir os dois lados simétricos
da escultura, um prová vel interior e o exterior? Se se toma como ponto de
partida a suposiçã o de que o interior e o exterior na escultura de Christo sã o
pontos de perspectiva relativos ao espectador. Como por exemplo nas
assemblages existem objetos autô nomos contidos no interior e a camada que
reveste no exterior. Ou, em Rinning Fence que é um plano interrompendo a
visã o. Existe o lado de cá – o do espectador – e o de lá – interior – formado pelo

184
espaço omitido. Esta criaçã o é distinta de uma escultura monumental
impregnada de tradiçã o, na qual simplesmente há uma dimensã o frontal (face da
figura) e seu complemento que pode ser visto quando se gira ao redor do objeto.
Running Fence pode ser lida como um muro cortina, alto e com 35 quilô metros
de extensã o. Nã o é possível realizar aquele jogo de penetraçã o e envolvimento
entre os dois lados da escultura. Nos dois lados existem, vá rios elementos visuais
e ambientais, além das formas cô ncavas e convexas provocadas pelo vendo,
qualificando a distinçã o aparente da sua simetria. A escultura plana necessita,
para uma maior presença de sua simplicidade, um “outro lado”. Este gênero
escultó rico, ocultando o outro lado e ao mesmo tempo provocando uma sensaçã o
de interior, provoca no observador uma tensa imagem de ruptura, que desta
maneira buscará outros recursos para complementar sua visã o integral de
paisagem momentaneamente interrompida. Neste instante a simetria é posta em
cheque, os dois lados idênticos do mesmo plano rompem a integridade da
natureza, que é sua continuidade, sem começo e sem fim.

A escultura clá ssica, com seus limites rígidos, suas três dimensõ es claramente
compreendidas, nã o rompem a transiçã o da paisagem, antes, pelo contrá rio, se
acomoda a ela através do pedestal como mais um componente ambiental.
Running Fence divide a paisagem em margem esquerda e direita, em norte e sul.
Estabelece pó los de orientaçã o como em uma divisã o de territó rio. O vazio de
Running Fence é oda a extensã o da paisagem envoltó ria à escultura. A simetria
física, a repetiçã o ordenada de partes criando relaçõ es diferentes com o fundo,
que jamais é simétrico em sentido artístico, leva, através da interpretaçã o, a uma
descoberta de relaçõ es métricas mais complexas, uma vez que estas se situam no
plano da consciência e da dualidade do ser. A primeira simetria deste gênero é a
da razã o, consciência construtiva, e o da natureza. Estes dois mundos aná logos
formam a mais tensa e imediata imagem da obra de arte. Alguns artista
trabalham para diminuir e confundir estas duas realidades, outros acentuam-
nas. Como se dá a separaçã o irreversível destes dois mundos? – Através da
intensificaçã o do cará ter individual de cada uma das partes: arte como criaçã o
autô noma do espírito (entidade profana), natureza como herança divina.
Percorrer as duas faces corresponde a viver e simbolizar a visã o “dual”.

185
CARL ANDRE E RICHARD LONG

Carl Andre “horizontaliza” o conceito de coluna-sem-fim de Brancusi. Por que


isto? A coluna-sem-fim, símbolo de símbolo, criada por Brancusi continua
demonstrando o valor inerente à linha ascendente que domina a cidade, a torre
forma que simula o mito do eixo sagrado unido inferno, terra e céu (Mircea
Eliade). Este arquétipo universal presente em quase todas as arquiteturas se
individualiza na arte, consigna a inevitá vel distâ ncia entre o homem e os
símbolos visíveis do sagrado. Na torre a percepçã o é entidade externa à forma.
Sua dimensã o vertical afasta o contato íntimo, é arte para ser louvada, nã o
sentida. O valor á pice da torre encontra-se no céu, sua base nã o é torre, é
somente pedestal. Ver uma torre de perto é nã o vê-la. Ver à distâ ncia é nã o senti-
la, é pressenti-la: intuir uma grandeza além dos limites a arte.

Brancusi – Coluna sem fim

Em Brancusi o artista ainda trabalha para a religiã o – religiã o profana -, porém


nã o deixa de ser o mais distante. Com Carl Andre a coluna-sem-fim abaixa-se ao
solo, tornando-se dimensã o tangível. Cada mó dulo de sua estrutura está

186
firmemente conectado à terra, simplesmente apoiado em outro mó dulo. O
mó dulo é ró tula solta, indício de uma conexã o formal, nã o uma estrutura que se
debate diante dos esforços da força gravitacional.

Carl Andre

Horizontalizada-a coluna, seu mistério se dissolve. Medida, sentida e avaliada a


coluna está para ser reconhecida. O á pice caiu à terra, seu segredo foi confessado.
Obra de arte existente e existencial nela o homem vê a si mesmo quando
percorre. Na coluna-torre a verticalidade era sempre abismo ao revés, na coluna-
caminho a horizontalidade aponta para um fim, um fim humanizado e virtual.
Está tico, o espectador vê a sucessã o de mó dulos em movimento, neles há
concentraçã o de desenho e forma. Depois do primeiro contato com o primeiro
mó dulo (unidade padrã o), os outros aparecem como dissoluçã o da coluna, como
extensã o do primeiro: sã o quase informaçã o ou retrospectiva do primeiro.

187
Sã o vá rios os pontos concordantes unindo a obra escultó rica de Carl Andre com a
de Richard Long. Estã o, os dois escultores, em escolas distintas: na especialidade
da forma vá rios pontos comuns os aproximam, é que ambos escultores
renunciam a tridimensionalidade manipulando fundamentalmente as duas
dimensõ es que compreendem o solo. Sã o esculturas a revelar-se na superfície da
paisagem, porém, como a maioria das esculturas modernas, atuam pela negaçã o
de alguns de seus elementos tradicionais. Andre e Long estã o continuamente
movidos por uma fecunda determinaçã o estética. Diminuindo a dimensã o
vertical da escultura, o que equivale a negar o valor volumétrico da peça.

Richard Long

Nã o se contentando com a reduçã o do volume a plano, também eliminam o


pedestal, repousando a peça sobre o solo. Formalmente estas esculturas
necessitam a rigidez do solo para que se completem. Fazem do solo extensã o
horizontal ilimitada da escultura; uma extensã o imaginá ria concebida como
ilusã o. Agregam-se à terra por justaposiçã o. Estas esculturas vã o encontrar seu
limite perceptivo nã o no limiar do objeto, mas na escala do ambiente e na linha
do horizonte. Long cria “esculturas” que mais se parecem a “caminhos” e
“esculturas-mundus”, círculos de ocupaçã o primitiva denominado pelos antigos

188
latinos que estabeleciam as fronteiras do habitat social; Andre cria estruturas
horizontais lineares. Colunas e obeliscos tombados sobre a terra que de certa
maneira identificam-se com os caminhos de pedra de Long.

Até na estrutura geométrica fechada – plana ou tridimensional – sua escultura


aparenta-se com os círculos primitivos de Long. Na unidade bá sica de
composiçã o, inclusive, as duas esculturas se aproximam. Long, empregando
componentes homogêneos encontrados na pró pria natureza, mineral ou
orgâ nica; Andre usa o mó dulo industrial ú nico, apenas um componente que vai
se multiplicar através de jogos combinató rios absolutamente rígidos. Jamais este
mó dulos desestabilizam a compreensã o total da forma volume, linha ou plano
escultó ricos deixam claro a presença do mó dulo. A alusã o é recíproca: está claro
que o volume foi composto por unidades soltas que se repetem, assim como está
claro que o volume remete-nos à integridade do mó dulo, que em si já é uma
unidade concreta plena. Agora, se por um lado, a forma aproxima os dois
escultores, a proposta conceitual os separa; fato que torna ainda mais difícil a
compreensã o da escultura moderna.

189
SERIALIDADE – DONALD JUDD – 1974

Dado formal encontrado, na escultura de Donald Judd, a série numérica dos


elementos é unidade harmô nica que aproxima sua obra da poética Minimalista.
No ritmo compassado das mesmas unidades, a escultura abarca o espaço
multiplicando indefinidamente o componente inicial. Os elementos construtivos
sã o idênticos. Nã o existe realce. A primeira forma é prenú ncio de uma segunda:
sua reproduçã o é mimética. Na reproduçã o do “mesmo” institui-se um sistema
geral, um processo de reproduçã o similar ao industrial. Cada elemento estrutural
e estruturante da forma guarda toda a escultura na parte, é totalidade
restringida. A imagem final pode ser apresentaçã o de uma paisagem sem fim (um
oceano, um deserto, uma floresta...). cor e ritmos estruturais vibram sob a luz. O
valor e força da unidade padrã o é de tal sorte representativo como grandeza
estética que se por ventura fosse omitido o restante da série esta primeira
unidade, assim mesmo, completar-se-ia na imaginaçã o do espectador. O
fenô meno ó tico a completaria através da razã o globalizadora, penetrante e
evocativa. O conceito fundamental da obra de arte serial repousa no produzir a
ló gica do todo na parte e o todo como conseqü ência da multiplicaçã o indefinida
da parte, o nexo é portanto, recíproco. Estando o sentido simultaneamente nos
dois pó los, a verdade do conjunto se deve ao cará ter conclusivo da unidade
componente. A serialidade é metá fora da linha de montagem fabril, acumulando
o estoque na ordem geométrica da linha. Sua beleza também é a beleza da
quantidade. Contudo, a serialidade é também a beleza da persistência da idéia na

190
açã o construtiva. A obra de arte serial pode ser estudada de duas maneiras:
investigando a ló gica interna do desenho unitá rio, do objeto em si, independente
da ordem estrutural do espaço onde se repousa, espaço arbitrá rio. Mó vel, ele
independe do contexto. Sua razã o justifica-se na idéia do artista, em sua
autoridade. A segunda maneira é contextual, resulta das reaçõ es de fundo e do
fator de adiçã o serial das partes independentes. Criando uma particularidade, a
série estabelece no espaço ú nico novas relaçõ es de unidade com a geografia –
quando a escala o permite –ou com um meio fechado escolhido, um ambiente
relativo. Hoje em dia, a tendência é instalar estes objetos criando um todo
ambiental: arte da instalaçã o. Qual é seu cará ter, entã o, porquê repetir o mó dulo,
esta ilusã o de infinito? O sentido da repetiçã o se encontra na fixaçã o do objeto na
retina ou, melhor dizendo, na consciência? O lingü ista poderia dizer que a
serialidade se encontra a angú stia de uma universalidade frustrada; que se
pretende universal somente na criaçã o de um ramo de comunicaçã o massificado
pela série e nã o pela variedade de possibilidades de adaptaçã o ao especifico da
cultura. Na economia a série artística encontra uma analogia mais adequada,
através da qual vislumbra-nos a possibilidade de uma linha de montagem
universal, semelhante à racionalizaçã o construtiva com afinidade de conexã o
entre produtos provenientes de mundos distantes. Recordamos a ultima obra de
Christo, “Umbrellas”, 1991, 3000 componentes na Califó rnia e outros 3000 no
Japã o, perfeita simetria. Seja qual for o caminho de compreensã o adotado estará
sempre presente a vontade de ser universal do artista.

191
RICHARD SERRA

O Minimalismo explora até os limites da contradiçã o a imagem de clareza no fato


artístico; chegando, à s vezes, ao limiar sutil da ironia. Contradiçã o? - Nã o, apenas
ocorrência daquilo que chamamos comumente de pureza. A forma conseguida
por tal decantaçã o é tã o visível que ofuscará os sentidos e confundirá o juízo
normatizado. Nã o parecendo haver o menor conflito entre o pró prio da matéria e
o pró prio da herança artística. No plano, célula Mater destes obreiros da reduçã o,
a ambigü idade do relevo perde a distâ ncia que confunde; no plano, a sempre
presente ambigü idade para os sentidos está mais pró xima do espectador. Tã o
pró xima, íntima a ponto de criar a ilusã o de clareza. Os poucos elementos entã o
revelam-se homogêneos como numa epifania sem deuses.

Richard Serra

Se estã o no plano os elementos necessá rios para uma completa poética da


simplicidade, onde está no entanto a complexidade necessá ria, onde está a
dimensã o da distâ ncia? – Creio que esta ocorrerá na presença da abundâ ncia do
mesmo, na insistência com que a figura em sua singularidade torna-se aparente.
reproduzindo-se, mesmo apó s a captaçã o do estímulo primeiro, impondo uma
idéia de infinito. De que apenas poderia repetir-se além do tempo.

192
Se tentá ssemos sintetizar a visã o sobre a escultura de Serra, esforço que
pretendesse superar as abordagens gerais do Minimalismo, veríamos que a
quase totalidade de sua obra atual tende, como concepçã o estrutural, a fazer uso
de um tenso equilíbrio de planos soltos apoiados no espaço. Estabilizando essas
pecas nã o existem elementos fixos de junçã o, as partes simplesmente apó iam-se
umas à s outras, encontrando-se num ponto ou linha de definiçã o. Através deste
recurso plá stico, pró prio da está tica, Serra torna tangível a presença da forca de
gravidade.

Quando nos aproximamos da escultura, sentimos no ambiente que a envolve a


tensã o das forças equilibrantes. A soma do enorme peso de suas placas de aço
pré-oxidado, aumentando progressivamente sua cor natural, abate-se sobre
nosso corpo até congelar a espinha, produzindo vertigem. Percebe-se que a
simples aproximaçã o do espectador, ultrapassando a linha de segurança, põ e em
risco a verticalidade do objeto. Tal é a delicadeza da estabilidade da massa
descomunal.

193
Serra consegue equilibrar as esculturas sem o auxilio de aditivos presos ao
pró prio corpo escultura. Uma peça horizontal facilmente repousa sobre o solo, já
as peças verticais necessitam apoiar-se no só lido ambiental, por exemplo a
parede, ou pelo peso de outro componente mais pesado; juntando-se dois planos
em equilíbrio, onde é pleno o diá logo de formas e de afinidades geométrico-
vetoriais. Na seqü ência e serialidade deste achado estrutural, Serra produzirá
suas variaçõ es formais, circunscrevendo uma trajetó ria de insuperá vel limpeza
visual, onde as peças crescem cada vez mais de dimensã o e diminuem no
complexo jogo de elementos.

Crescendo, suas obras vã o exigir a compatibilidade de ambientes também


maiores. O diá logo com o exterior se acelera e o fundo começa a participar de
maneira atuante na determinaçã o dos valores escultó ricos. Fenô meno este
aná logo aos desafios encontrados por Christo, Richard Long e Carl Andre. Todos
estes escultores que trabalham no segmento conhecido como Land Art, distantes
das velhas tradiçõ es monumentalistas, usarã o o ambiente como elemento da
escultura, nã o aquilo convencionalmente chamado de fundo. Cada uma destas
obras nasce da observaçã o do espaço onde será colocada, nã o de uma idéia
escultó rica autô noma de estú dio, que quando adaptada ao ambiente exterior
necessitava toda uma serie de elementos urbanísticos e arquitetô nicos de
contençã o do impacto recíproco do fundo sobre a escultura e vice-versa.

194
A TÉ CNICA ESCONDE O MANUAL

No Minimalismo nã o há a expressã o de traços de humos, em seu lugar aflora um


certo desencanto elaborado intelectualmente. O desencanto de ver o mundo
transformado pelas limitadas aderências de um toque pessoal, tá til, sobre os
instrumentos que dirigem os nossos destinos. Os Minimalistas observam com
descrença sonhe as ranhuras deixadas por suas mã os ao tocar o objeto ideado.
Nestas ranhuras – signos que só reconhecem o agitar de uma intençã o primitiva
– transparecem grafias, insó litas grafias. O que elas descreve? Um trabalho que
vai perdendo sentido progressivamente face a precisã o executiva da má quina.

Richard Serra

O Minimalista, diminuído o tempo de contemplaçã o e interpretaçã o futuros,


assim como os elementos físicos de composiçã o, intensifica a estética do
imediato. A obra continua e estende-se, porém, porquê continuar buscando um
sentido para a obra na repetiçã o reverberante do primeiro instante? É lícito dizer
que a obra Minimalista cria significado ao repetir-se, contudo, este significado é
pressentido antes de ser percorrida a extensã o total da obra. A surpresa,
paradoxalmente, aparece antes de ser revelada a potência de continuidade da
obra. No imediato, sua extensã o contínua e quase infinita já se insinua freando
qualquer intençã o de percorrer o “ilimitado” mesmo

195
BARNETT NEWMAN

O pintor da Escola de Nova York Barnett Newman é ilustraçã o da gênese deste


fenô meno no campo pictó rico. Em algumas das pinturas de grande formato,
Newman descobriu que seria necessá rio um estú dio especifico que trabalhasse a
favor do enorme campo cromá tico que estava sendo criado. Sabia que nessas
telas os fatores plá sticos que inundam o ambiente normal começariam por
invadir as plenitudes Minimalistas de Vermelho, amarelo e azul postas no plano
do sensível e de significaçã o do quadro.

A luz enfrentada por Newman era bem diferente daquela luz ideal, descrita por
Leonardo da Vinci em seu tratado de pintura. Da Vinci necessitava uma luz para
iluminar a pintura, Newman necessitava isolar a luz do quadro da luz ambiente,
criando uma luz particular, uma luz que abandonava o quadro e inundava o
ambiente, gerando uma atmosfera particular via arte.

“(...) a luta contra o motivo figurativo é a essência da contribuiçã o do artista


moderno ao mundo do pensamento. O artista todavia nã o consegue pintar sem
um tema”. Lutar contra o tema também é lutar contra as distorçõ es ambientais,
intuiria Newman. O tempo pode estar dentro do quadro – quase sempre está –

196
porém, com o ambiente, sua presença pode ser ainda mais real que através da
mimeses representativa.

Ao centro, o quadro de Kazimir Malevich, Quadrado Negro, 1915

Newman reafirma a independência da arte moderna do motivo psicoló gico: o


tema. Ao determinar a ausência da figura no campo operativo, o artista nã o se
condena ao exílio do territó rio dos homens, simplesmente evoca o desafio maior
de uma busca a longo tempo começada: a figura sai de campo provisoriamente
deixando o “vazio”. neste vazio o Minimalismo descobrirá uma quantidade de
elementos, alguns que podem expressar a arte por si mesma. Lutar contra o tema
significou para a gênese da pintura dita abstrata uma luta contra a visã o está tica
do homem sobre a natureza; esta natureza convertida em visã o. Cinqü enta anos
de Newman, o pintor russo Kazimir Malevich, precursor do abstracionismo
geométrico, disse algo assim: “Para o Suprematista, os fenô menos visuais do
mundo objetivo, sã o em si mesmo, sem significado; a coisa significativa é o sentir
como tal, completamente à parte do ambiente em que opera” (The Non-Objective
World, p.67. Newman ampliará e atualizará o sentido da poética Suprematista,
nã o mais obrigado a pintar o sentimento como idéia. Fato que restringiu a plena
realizaçã o do Suprematismo no plano meramente pictó rico, faria do ambiente
um dos elementos fundamentais da dimensã o do quadro.

197
De maneira mais simples, Newman perceberia que o sentimento estava
condicionado pela dimensã o física do quadro, ou seja pela quantidade de cores
postas no plano. Para ele, isto equivaleria a diminuir o cará ter ainda fortemente
retó rico da geometria Suprematista, e de sua capacidade programá tica de operar
uma revoluçã o nas experiências visuais. Malevich busca cumprir as
autodeterminaçõ es de sua poética pelo calculo mental elaborado em programa.
Newmam, ao contrá rio, trabalhou no interior da pintura, mesmo na extensã o
ilimitada da tela, usando somente cor e discreta pincelada. Numa repetiçã o
permanente da cor sem representar em momento algum algo que se postule
como figura geométrica.

198
A PUREZA TÉ CNICA NÃ O EXPULSA O TOQUE PESSOAL

“A marca pessoal nã o ocorre pelo emprego da técnica bá sica; anonimidade nã o é


conseqü ência de uma pintura altamente acabada. A ordem conceitual do artista é
só pessoal como rastros de uma a açã o grá fica particular”. (Lawrence Alloway)

Brice Marden em seu estú dio

O produto Minimalista nã o apresenta os indícios herdados da mã o artística.


Porém sua forma permite ser reconhecida como intérprete de uma vontade
singular; assim mesmo, revela a identidade do criador via seu estilo. Anô nimo na
obra, é o homem que a construiu mecanicamente: uma nova presença, uma
escandalosa e quase imoral ausência de toque. Porquê amoral? – Por tradiçã o,
nossos olhos demandam uma impressã o digital, uma resposta plá stica que

199
também signifique trabalho artesanal, mostrando que a obra de arte é parte de
um mesmo global sentido humano operativo: transformar a natureza para que
ela sobreviva na metamorfose.

Na observaçã o crítica de Alloway descobrimos o nú cleo conceitual da elaboraçã o


minimalista, a construçã o de uma obra de arte, a materializaçã o de um objeto
estético ocupando toda uma cadeia de trabalhadores especializados dentro de
uma indú stria. Nã o sã o eles necessariamente operá rios, sã o isto sim os
segmentos de um sistema construtivo complexo. Contudo, a construçã o será
incapaz de resumir o todo do Minimalismo. Este fazer industrial é, mais bem, o
revelar de uma açã o comum (interna e externa), congregando em movimento
todos os seus membros e todas as suas forças. A edificaçã o estrutural é apenas
mais um fator agregado a já tã o forte e universalmente conhecida imagem
artística concebida sob o mando centralizador de um ú nico sujeito. O controle
permanece íntegro.

Como na arquitetura e grandes esculturas monumentais, a escala física e a


determinaçã o técnico-construtiva da obra justificará a anonimidade dos
colaboradores na cadeia produtiva. Quando se menciona a “escala técnica
industrial”, trata-se nã o só do tamanho material, mas sobretudo do grau de
complexidade fabril que envolve tal materializaçã o. A cada passo, o artista
contemporâ neo descobre uma nova potencialidade plá stica possível através da
técnica mais avançada. Os domínios tradicionais do artista estã o longe de poder
responder satisfatoriamente à s novas solicitaçõ es e seduçõ es da tecnologia. Mais
que iniciar a imaginaçã o destes artistas, a tecnologia desconcerta os primitivos
instrumentos de representaçã o do mundo moderno. Só com a pincelada e cinzel
os autores plá sticos se vêem limitados, melhor dizendo, abrumados diante da
revoluçã o dos novos materiais.

A urgência da expressividade coloca obstá culos a que o artista encontre tempo


necessá rio para a maturar satisfatoriamente a idéia sobre os meios. Atualmente,
os meios parecem formar um mundo à parte, uma autonomia, escapando
permanentemente dos domínios da arte milenar que nos fez a histó ria. O

200
paradoxo é quase completo. Detendo-se, o artista deixa escapar seu tempo;
apressando-se, foge do artístico artificializando-se no domínio da técnica, torna-
se rudimentar e banal. A técnica aproxima o artista de outro artista, unindo-os
numa comum irmandade universal. Abandonada na tradiçã o, distanciada por
caminhos desiguais.

Como o arquiteto, que recentemente perdeu quase que por completo o controle
sobre a construçã o, o pintor e escultor também observam atô nitos seu saber
universal – sua técnica de estú dio – perder-se junto à vasta galeria do arcaico. A
ausência de um oficio firmado na autoridade das técnicas tradicionais do
artesanato, exclusiva das artes, estende-se a quase totalidade dos campos de
representaçã o. O artista contemporâ neo debate-se entre a pura idéia
conquistada pela liberdade individual e as imposiçõ es gerenciais da indú stria.
Assim vive o artista, quando nã o possui a competência do realizar em meio à
técnica mais avançada.

201
MÍNIMO MATERIAL

Afirmar que um objeto artístico foi executado com o mínimo material supõ e
aludir a padrõ es de medida fixos, externos que lhe servem de modelo. Esta é a
medida clá ssica; medida histó rica universal nos dois mil anos que antecedem o
ato liberató rio, isto é, a possibilidade de realizar uma obra de arte de acordo com
critérios subjetivos de projeto. A quantidade de matéria empregada pelos
minimalistas evoca a equilibrada proporçã o dos clá ssicos antigos. Desde um
ponto de vista tradicional começa a operar o desmembramento da massa figura.
Além de volume a escultura impõ e-se como peso, uma certa quantidade de
matéria que lhe dá consistência e estabilidade gravitacional. Diminuir este peso
por razõ es estruturais significa falsear uma determinada relaçã o, soltando-a da
terra para torná -la transparente e flutuante. Se numa escultura clá ssica a massa
tinha valor representativo, mostra-nos a presença de um interior preenchido,
gerando ilusã o que se expressa pela oscilaçã o do relevo, no Minimalismo o
interior se converte facilmente em vazio. Desaparece o relevo porque neste
instante o interior mostrará a si mesmo, o nada.

Carl Andre

202
A superfície em plano está associada a valores e sentidos abstratos, realidade
antagô nica ao espaço vazio guardado em seu interior. Porém, no interior nem
tudo é vazio. Quando isto ocorre a matéria será massa plena, inerte de uma
dimensã o a outra da escultura. Privada de superfície ela será apenas quantidade
de matéria convertida em forma. Exemplo disso sã o as esculturas de madeira ou
cerâ mica de Carl Andre, grupo de figuras solidas dinamizadas pelo jogo
geométrico de um outro volume final, multiplicado pela adiçã o de mó dulos
concretos: expressã o mínima da matéria. Brancusi é mestre e referencia desta
poética. Sua Coluna-sem-fim prenuncia, por exemplo, as conquistas formais de
artistas como Carl Andre.

Na ausência da variedade se afugenta o barroco. Na poética Minimalista a


escultura proíbe o revestimento: sobre a superfície só é permitido agregar
pigmento – fina película que transformará a luz da natureza aparente da
superfície material escondida. No revestimento há má scara, dissimulaçã o
enfatizada até o limite do exagero na gratuidade do espírito barroco. Unidos à
poética do mínimo um grupo de artistas abstratos se livra definitivamente do
drama ó tico da palheta cromá tica e da expressã o do trabalho de colaboradores.

A cor agregada é uma só ; singularíssima, ela se sobrepõ e ao frio limite da matéria


têxtil. Neutra, a base da escultura minimalista será fá cil recipiente para a
aplicaçã o dos altos tons, aplicados um de cada vez, variados somente pelo
impacto cortante da luz externa. Diz-se frio limite da matéria, ou cor, porque nela
nã o há oscilaçã o. Claro que este limite frio, em si mesmo, nã o quer dizer muita
coisa, como estética ou calorimetria. Mas traduz um sentimento convencional. A
cor unitá ria sobre a matéria unitá ria é forma estruturante de impacto.

É comum nos minimalistas ambientais como Richard Serra, Carl Andre, Christo
ou Richard Long a adoçã o de paisagens homogêneas - fundos neutros -, mar e
ilhas, rochedos e mar, planície com relva, vale entre duas colinas idênticas, como
base para suas intervençõ es quase todos estes lugares apresentam uma
aparência simétrica. A forma bá sica nos ú ltimos trabalhos de Christo é
estruturada pela pró pria natureza. Apesar de naturais e simétricas, estas formas

203
eleitas pelo escultor poderã o apresentar ambigü idade no ajuste com as matérias
escultó ricas: uma paisagem que parece ter sido trabalhada previamente por
algum artista, provavelmente um representante da Land Art. Quando observada
atentamente, com rigor estético, esta paisagem transparece uma potência
plá stica relativa à quela da escultura; em si já se presta para uma intervençã o
poeticamente mínima neste belo natural, selecionado rigorosamente por muitos
exercícios de desenho analítico, poderá ser intuída uma obra de arte.

Christo – Surrounded Island - Miami

204
Sua estrutura geográ fica, pela dimensã o e imagem, pede como correspondência
um tratamento semelhante a sua simplicidade, porém, de outra natureza. Que
fenô meno é este, de natureza ao mesmo tempo semelhante e distintas?
Semelhantes enquanto estrutura plá stica e aparência, distintas na medida em em
que a natureza e artifício encontram-se em posiçõ es diametralmente opostas.
Aqui, seria necessá rio evocar os primeiros tratadistas da arte abstrata: “Criar
formas independentes da aparência natural, no entanto, aludindo a sua mesma
idéia de estrutura”.

A geometria é um bom exemplo desta analogia estrutural. Nasce para orientar o


homem em seu territó rio vivido, para medir e representar plasticamente o
espaço transformado em mundo. Christo e Andre agregam à natureza uma
matéria mínima, vibrante e luminosa ela estende ao nível da consciência em
imagem potencial da realidade, arte. Por exemplo: a superfície sintética (rosa,
flutuante das ilhas artificiais de Miami de Christo), é a possibilidade, oferecida
pela arte, do territó rio natural ampliar-se da realidade física aos domínios da
imaginaçã o.

205
JOSEF ALBERS

Os críticos hiper-modernos hã o censurado aos moralistas dos Estados


Totalitá rios, sobretudo aos que enceraram de vez a escola Bauhaus, de se
ocuparem em pleno Século XX da restauraçã o do saber artístico clá ssico-
acadêmico. Há verdade nesta censura, como há verdade em quase todas as
censuras que se possam fazer. No fundo, se tivéssemos a coragem de só ouvir a
voz mais simples, mais pró xima e mais urgente da nossa consciência, o nosso
ú nico dever seria aliviar no má ximo possível os sofrimentos ao nosso alcance.
Passado quase um século da criaçã o em Weimar da Escola Bauhaus, ainda nos
chocam e maravilham seus arroubos em pretender mudar o homem através da
arte abstrata. O fenô meno jamais se esgotou e merece de nossa parte toda a
atençã o que a ele podemos oferecer.

Elogio ao Quadrado – Josef Albers

A série de pinturas chamada de Elogio ao Quadrado visava explorar os efeitos da


interaçã o de cores puras, abstratas sob a influência direta da luz. Foi realizada
nos anos 60. Albers nã o tinha como meta representar em duas dimensõ es
sugestõ es de espaço fora da tela, nesse sentido, é temá tica totalmente alheia a
qualquer modo de representaçã o. Nos ensina a por ênfase na tranqü ila

206
contemplaçã o da á reas de pura festividade solene dos meios bá sicos da pintura:
cor, tela, quadrado, proporçã o e posicionamento da simples justaposiçã o
cromá tica. Sã o muitas as variá veis na cor e tom e nã o tantas no posicionamento
dos quadrados. Andei percorrendo alguns autores especializados nesta á rea e
confesso a minha decepçã o em encontrar um mapeamento seguro, os
historiadores inteligentes derrapam feio e alguns até enveredam para a
linguagem transcendental. Vejamos o que diz Giulio Carlo Argan ao por em
paralelo a pintura e a arquitetura numa mesma empreitada: “A posiçã o de Kahn
pode em certo sentido avizinhar-se aquela de Albers, um pintor que se move
desde a idéia do quadrado como forma simbó lica do espaço, mas a verifica
através de uma construçã o colorística-tonal mediante a qual a forma simbó lica
se traduz em espacialidade física e visual”. A citaçã o encontra-se no livro L’Arte
Moderna.

Josef Albers sentado na Cadeira Wassily desenhada


por Marcel Breuer, ao fundo uma de suas criaçõ es.

Minha responsabilidade moral é também correr riscos, nã o temer cair no


ridículo. Vamos lá ... Creio que o fim deste gênero de arte de puro campo
cromá tico é o de investigar a caverna escura na qual repousa tranqü ilo o
monstro da “coisa em si”. O guardiã o da autonomia da arte em si despreza o
diá logo com palavras obvias, mas, como nã o há outra arma espiritual disponivel,
será preciso enfrentá -lo com nossas parcas metá foras, e delas orientar a

207
percepçã o curiosa a que se aventure vencê-la. Sobre tudo deve-se fazer falar as
impressõ es, nã o tenho dú vida, há uma palavra para qualquer açã o humana, se a
ignoramos é só seguir a linha imprecisa da intuiçã o. Algumas sã o mais difíceis de
decifrar, contudo nã o devemos abrandar. Os grandes poetas tiram de letra o
desafio de descrever tais situaçõ es, como nã o sou nem um mestre em metá foras
nem pintor de formas puras, apesar de haver tentado, sigo em frente com meu
ingênuo método rastejante. Transmite-me alegria passear jubiloso pelas
invençõ es certeiras do gênio da cor, o mesmo regozijo encontro em Matisse de
quem já estudei bastante. Estar em posse de uma eterna jovialidade confiante,
creio que será necessá rio nesta viagem sem fim pelo intra-mundo misterioso da
pura abstraçã o. Poderia em certos momentos substituir o inocente termo alegria
por alacridade. Sua sonoridade ríspida me faz lembrar dos testemunhos dos
apavorados alunos do guerreiro alemã o Albers. Suas investigaçõ es metó dicas
denotam para mim os símbolos que orbitam em torno do adjetivo cristalino -
limpo, claro sob luminosidade plena, sem a interferência dos matizes, meios tons
e nuances, vitó ria sobre o espaço sem conflitos, o corpo em harmonia có smica
exultante, a ponto de antever a felicidade como fato absoluto dominando por
instantes o ser disciplinado. Exercício espiritual em cujo centro desponta uma
episó dica intuiçã o do absoluto. Ah, e que a teve! Contemplar significa aqui
renunciar aos sentimentos trá gicos carregados há milênios pela tradiçã o artística
religiosa, sem deuses nem dor, tampouco heró is. Por que nã o uma pintura
somente humanista no mais ideal que supõ e o termo. Digo humanista em sentido
renascentista, como desafio de moldar o homem universal sobre a controlada
sombra oferecida pelos textos gregos e latinos. Nã o esqueçam que nosso pintor
além de outros méritos, foi durante a vida professor e tratadista; seu
compromisso era se tornar educador e uma voz criteriosamente didá tica.

208
LER NO TEMPO

Donald Judd

O que vem a ser em definitivo interpretar uma obra de arte no tempo? Como a
mú sica e literatura, a escultura se omite a sua totalidade para além dos limites da
visã o. Esconde todas as suas dimensõ es sistematicamente. E permite variaçõ es,
recompondo-se numa ordem que sempre será ela mesma. Antes tínhamos o
espaço exterior como enquadramento da forma, hoje a forma expande-se além
do espaço: o espaço muda, a obra nã o. Seu suporte já nã o é fundamento. Ler uma
escultura no tempo é percebê-la em seu desdobrar constante. Adaptando-se
infinitamente à variedade sempiterna do fundo. Isto é uma escultura de Donal
Judd, ou uma coluna horizontal de Carl Andre.

Na leitura temporal da obra Minimalista também existe um componente


socioló gico aderente ao processo de expansã o do estilo individual. O gênio
criador nã o tem a capacidade de controlar a forma e de converter em significado
todas as passagens de seu desdobrar do conjunto ao pormenor. Estender e
repetir a obra pela apreciaçã o pú blica ou pela reutilizados dos mesmo
componentes, equivale a vulgarizar seu conceito alem dos limites individuais do
objeto ú nico. É tarefa difícil para o historiador reunir a produçã o artística
dispersa pela massa. A contribuiçã o dada a arte pela massa anô nima está

209
dispersa em distintos locais e períodos. Em alguns momentos, inclusive, estará
disfarçada por aparências espú rias. Mascaradas, se analisadas no tempo, por
outras ordens estilísticas.

Reconstruir a imagem de uma escola dispersa pelo tempo, através da histó ria, é
tarefa para arqueó logos. Colar fragmentos desconexos, encontrados em
escavaçõ es e extrair deste quebra-cabeça um significado, é tarefa que foge à s
necessidades do estudioso de arte, que nã o precisa ver sentido além da obra
integral, fechada em si mesma. O fenô meno da interpretaçã o pú blica nã o se
detém, aterrorizado somente diante do Minimalismo - uma arte impregnada de
personalidade. Estudar também a apreciaçã o pú blica no Minimalismo é dar
coerência ló gica à cultura que colhe no tempo distintas influências. Agregar a
uma ú nica composiçã o estas influências, deve ser o alvo primeiro de qualquer
crítica que se pretenda abrangente. Esta crítica terá que vencer os desafios
provocados por uma forma incompleta, apagada quase que totalmente de suas
impressõ es ocasionais do tempo passado. Terá também que vencer as ilusõ es
que desorientam o olho desatento. Enfim, deverá reconstruir o sentido da obra
somente pela faculdade de interpretaçã o e pela palavra em sua semâ ntica
persuasiva.

210
INTERPRETAR A SIMPLICIDADE

“Um dos princípios fundamentais da Arte Minimalista é que o todo nã o é de


maneira alguma maior que as partes. Neste sentido, é estritamente nã o
hierá rquica.” Lawrence Alloway

Durante a leitura desta seqü ência de reflexõ es, à modo de ensaio, sobre a Poética
do Minimalismo será necessá rio que o leitor desperte a sua má xima atençã o a
fim de unificar as possíveis analogias ocorridas; todas, evidentemente, derivadas
de um certo desencanto individual em face da multiplicidade, também da noçã o
de conjunto abrangente; fenô meno comum à s manifestaçõ es artísticas no Pó s-
Guerra e da enfadonha e insignificante imagem dos produtos de consumo na
economia industrial. Isto é: coordenaçã o modular e reduçã o dos componentes ao
mínimo grau elementar, contençã o dos conteú dos expressivos, e, quando
possível, sua total eliminaçã o.

John MacCrecken

Compreender o desdobramento do Minimalismo em um sistema estético de


valor universal equivale a situar a grandeza dimensional da obra-objeto em
relaçã o ao conceito abstrato de série infinita (troca da totalidade através da

211
unidade por serialidade). No qual, o conceito clá ssico de “totalidade” na unidade
é substituído por uma unidade através da perfeiçã o serial; o mínimo absoluto.

A extensã o física do fato artístico – sua dimensã o real – está circunscrita à série
matemá tica, esta por sua vez será submetida à ordem estética histó rica. A
quantidade de unidades que compõ em o todo (a obra) é fruto de um repetiçã o
arbitrá ria, pró pria da imaginaçã o artística. Terá lá seus motivos, mas jamais
serã o revelados numa bula explicativa. O artista cumpre ordens, determinaçõ es
afloradas no interior da pró pria autoridade artística outorgada como linguagem
pelo meio em que vive o artista. Neste sentido, o Minimalismo também deve sua
coesã o à sintaxe. No reino da profunda sintaxe lingü ística, tudo é lei. A
matemá tica no Minimalismo é ordem composta, tendo por base a Estética. É uma
numeraçã o intuída e sobretudo sensível. Nã o se impõ e através de ló gica interna
independente.

“Há momentos onde eliminar o humano significa retornar ao humano”


Giulio Carlo Argan

212
ALDO VAN EYCK – KROLLER-MULLER MUSEUM

O compromisso do arquiteto holandês Aldo Van Eyck sempre foi elaborar no ano
no meio de uma rica e sofisticada sociedade européia, exemplos de obras
pú blicas em cuja forma e construçã o seriam explorados o material barato a ser
produzido em série pela indú stria. Ao que me conste, nenhuma das grandes
reputaçõ es arquitetô nicas modernas desceu tã o baixo na simplicidade e
economia como alvo de conquista da extrema simplicidade “brutalista“, justo
num tema que sempre exigiu do arquiteto o má ximo de sua potência em revelar
a alma histó rica do edifício monumental. Hoje, todo este estoicismo parece
datado - fora de moda - meio absurdo para os jovens que nã o viveram a memó ria
destes tempos sombrios de pó s-guerra. Com a idade, algumas obras
representativas de um passado nã o muito distante, nos parecem hoje algo
pitorescas, mas de um modo gentil.

213
O ano era 1966, o programa dado ao arquiteto era sucinto, criar um pavilhã o
temporá rio a ser disposto ano grande jardim do Museu Kroller-Muller dedicado
a abrigar esculturas modernas na cidade de Hoenderloo, Holanda. O material e a
técnica: bloco de concreto estrutural, predominantemente; a cobertura foi
composta por uma leve clarabó ia de vidro e armaçã o metá lica suspensa sobre as
paredes auto-portantes independentes umas das outras, ocupando a extensã o
total do quadrado da planta.

A soluçã o plá stica me faz lembrar dos quadros Suprematistas de Kazimir


Malevich, guardados no Museu de Amsterdam. Dentro do arrojado quadrilá tero
existem passagens e desvios surpreendentes. O piso foi todo concebido numa
absoluta superfície de concreto armado alisado. A planta quadrada dialoga com a
circunferência da á rea de implantaçã o, bem como com os semi-círculos dispostos
aleatoriamente no espaço interno, algumas esculturas foram disposta do lado de
fora, assim ficou mais dinâ mico o conjunto. A soluçã o espacial encontrada foi
absolutamente ú nica, jamais vi algo parecido. Realmente muito original e
eficiente a soluçã o. Mas, pensando bem, poderíamos relacioná -la à Stonehenge.

Examinem a maquete de perto, encontrarã o bem no centro um jogo de formas


cilíndricas que fazem alusã o à sagrada coluna grega e ao pequeno templo antigo
de planta circular. Trata-se portanto de um trabalho de abstraçã o, mais que de
pura imaginaçã o. Um museu aberto pelo qual se pode ingressar e tomar contato
com as esculturas acompanhando a linha da circunferência externa.

O espaço interno nada tem de simples, o arquiteto projetou cada parte do


conjunto levando em consideraçã o as esculturas que seriam colocadas ali.
Percorre-se o interior do museu seguindo o ritmo linear das estreitas galerias.
Como se fosse um labirinto. Resistiu à s modas do tempo, a idéia, felizmente. Nã o
existe propriamente uma ú nica forma de ingresso, pode-se começar o percurso
considerando o convite simpá tico desde diferentes â ngulos. É todo um sério e
capaz trabalho de quebra da hierarquia convencional de visã o linear, típico da
arquitetura tetradimensional. Como todo bom projeto racionalizado até o
extremo, como filosofia ele deixa permear um senso de humanidade ao mesmo

214
tempo culto e humilde. Arquitetura mais propensa a responder perguntas
despretensiosas do que atender à exigência de uma julgamento categó rico e
erudito. Aqui nã o há necessidade de se falar muito.

Vendo de fora fascina-me o alcance da proposiçã o reducionista, mas semeia em


mim um dilema, por temperamento sou propenso a querer enxergar a escultura
sob uma luz zenital indireta, nada intensa. A luz plena, sem filtro ou rebatedor,
incide direto sobre obras sutis formando grandes á reas de sombra, inclusive a
estrutura superior projeta-se sobre a superfície escultó rica marcando-a com
linhas de sombra.

Um museu assim de original nos conclama a reconsiderar o que é de fato a


essência de um museu. Este aqui cumpre o desígnio da nobre funçã o? Suas
obrigaçõ es incidem sobre o papel de colocar a moldura espacial no mais elevado
dos planos, assim como sua sombra é resultado de uma luz emitida pelas
estrelas? Van Eyck foi um poeta de seu pró prio tempo, assim deve ser entendido.
Nele oscilava o intelectual e o inspirado em igual medida. Afinal, nã o é a vida um
permanente sonhar e acordar?

215
Imaginaçã o intelectual em rara gradaçã o. Mas nã o é exatamente esta qualidade
que me deixa de quatro. Escolhi este museu por ser uma prova contundente de
que a alta qualidade nã o tem necessariamente na arquitetura preço elevado,
outrossim, possui os atributos somente conseguidos pela refinada cultura
erudita. E o melhor de tudo, nã o corresponde ao resultado obtido somente pelo
homem superdotado. Seu autor foi um homem consciencioso e aplicado à tarefas
técnicas e de profundo entendimento do significado do papel humanista da
arquitetura contemporâ nea. Mais um recado, examinem também com lupa o
detalhe promovido pelo encontro entre as vigas metá licas intermediando o ritmo
sinuoso da clarabó ia. Pura levitaçã o, simples, rá pido e conclusivo. Na base seria
impossível criar um detalhe marcante diferenciando o encontro das paredes com
o piso. A dinâ mica dos blocos e paredes baixas servindo de pedestal devem sua
importâ ncia ao neo-plasticismo; marca registrada da cultura moderna holandesa.

216
GEORG MUCHE

Há 92 anos, o jovem Walter Gropius, entã o diretor da Escola Bauhaus de Weimar,


promoveu uma grande exposiçã o mostrando três anos de produçã o relativos à
nova pedagogia defendida contra a tradicional Academia de Belas Artes. Era
preciso mostrar à cidade porquê vieram. Como resultado, o jovem professor
Georg Muche foi designado para dirigir o projeto coletivo da Casa Modelo AM
Horne, a ser construído na pró pria cidade de Weimar. A casa ainda existe, foi
restaurada, e está aberta à visitaçã o pú blica. É um bom documento histó rico do
desenvolvimento dos ideais de uma popular arquitetura democrá tica. Com a
reabertura da Escola Bauhaus nas duas cidades – Weimar e Dessau – depois da
queda do Muro de Berlin, temos amostras museísticas dos dois períodos: de
1919 até 1925 e depois de 1926 até 33, com seu fechamento pelos Nazistas.

Casa Modelo Am Horne – Weimar, 1923

O resultado plá stico foi frio e pouco expressivo, lembrando, sob a ó tica de uma
releitura rigorosa, uma típica Casa Palladiana. Esta casa experimental é tudo de
representativo de uma grande obra de arte, falta-lhe no entanto sinais da pura

217
geometrizaçã o, a expandir-se até o absoluto posteriormente, rendendo tributo
ao espírito da simetria nos anos subseqü entes de Dessau. O toque da mã o
expressionista do arquiteto e pintor nã o foi sentido nos pormenores, tampouco
na soluçã o adotada como partido volumétrico.

Villa Rotonda – Andrea Palladio

218
A forma como um todo demonstra um pensamento clá ssico. Reinava em toda a
vanguarda européia de Pó s-Guerra um anseio de recuperar ordem. Foi um
período de adoçã o do neo-classicismo pelas artes em geral. Pablo Picasso, depois
de uma década de Cubismo, disse em bom tom: “É preciso matar a arte
moderna”. Foi ele pró prio um dos maiores representantes da pintura figurativa
nesta década. Pelo que se pode observar através do mobiliá rio, prevalece a idéia
de explorar o jogo plá stico entre madeira e neo-plasticismo holandês ao modo de
Gerrit Rietveld.

Vista da Sala de Estar

Os trabalhos vistos nas fotos foram desenvolvidos na escola pelos professores e


alunos. A idéia de obra de arte total dos arquitetos do Jugendstil todavia
imperava na Alemanha da Repú blica de Weimar. Uma curiosidade, o culto à
transparência e à parede-cortina todavia nã o havia sido iniciado na Bauhaus em
1923. A sala de estar recebe luz apenas de janelas altas, nã o se avista a paisagem.
Três anos depois, no pró prio edifício da Escola em Dessau, o vidro tornou-se o
protagonista da arquitetura, tanto em monumentos quanto na proposta
habitacional.

219
Vista de um dos Quartos

220
A QUALIDADE DO MENOS

Na estética da execução perfeita, um ponto à mais atrapalha a contemplação da visão.


Estará aí o ponto alto de sua hierarquia simbólica, a sutileza do enlace, do elo, das
amarras, do nó, da atadura, da bandagem, da costura? Mais feio contudo que o
pequeno detalhe que sobra é o “remendo”. O remendo é o supremo pecado na ânsia
por exatidão. Emendar é uma arte suprema no classicismo tectônico.

Planta-baixa da casa do arquiteto Lívio Vachinni

O fato incomum desta planta recai sobre a posiçã o dos seis pilares, nenhuma
razã o aparente justifica a inversã o da ló gica. Porquê vencem o vã o maior,
contrariando o senso comum? Um retâ ngulo de vidro aberto à magnífica
paisagem dos Alpes suíços. O interior lembra a Farnsworth House de Mies van
der Rohe. Simples e devassada de doer, me é irresistível, tendo a chamá -la de
minimalista por facilidade, só para nã o pensar muito. A planta é a dimensã o
menos interessante neste estilo reducionista. Tende quase a ser nula e nã o
contar muito na fala do arquiteto. O que fala alto entã o? - Creio ainda no poder
do detalhe, também no arrojo estrutural. A ausência de partiçõ es na planta
minimalista rende tributo ao confuso surrealista. Sua qualidade maior repousa
na conquista do limite do menos. Há uma palavra para isso em nosso idioma?

221
Uma planta equilibrada no fio da navalha, qualquer oscilaçã o para o mais causa
distú rbio e anulaçã o do propó sito.

Samuel Beckett inventou uma palavra que faz sentido em inglês e ao tentar
traduzi-la para nossa língua pobrinha fica quase sem sentido: lessness. Um
menos + ness dá no que afinal? - Como smart + ness dá em esperteza. O sujeito
que se funde a um sufixo que lhe arremete ao substantivo maior, ao flexionar-se
ganha á rea no infinito, algo de uma substâ ncia superior. Nã o me recordo de
haver estudado a semâ ntica do menos em nenhuma oportunidade. Caso tenha
dissertado sobre o menos, terá sido há muito, muitíssimo tempo atrá s. O que é o
menos, onde empregá -lo, por que descer até ele? Alguém disse sabiamente que o
menos é mais. Paradoxo que dá o que pensar. E o menos que devia: o menos do
que merecia; há menos gente que assentos; há menos comida...

O menos denota falta, ausência que impede o completar-se. Em casos radicais o


menos estanca na miséria. O menos mata! Gosto das coisas que me fazem aceitar
o acostume ao menos. O homem do menos iguala-se ao homem do mais. Duas
forças antagô nicas e complementares. O clá ssico ambiciona localizar-se no limite

222
expressivo do menos; o barroco expande-se à hipertrofia do mais, mais, mais... E
quanto este mais se torna muito? Menossidade, menissidade, emenescer, estado
característico do menos. Viver no menos, estar no menos, ser menos, estar
menos, aderir-se ao menos. Agir em prol do menos é igual a diminuir?
Desconheço o texto escrito por Beckett contendo este termo lessness. Cá no meu
humilde lado, fico a imaginar um sujeito desgraçado cuja essência está neste tal
de lessness, diferente das resultantes da situaçã o do pouco.

223
MINIMALISMO VERSUS BORRACHARIA

Seria viável alinhavar o tema da estética da exatidão tectônica, do refinado


colecionador de arte minimalista, ao da informalidade absoluta na vida do borracheiro
de beira de estrada vicinal? Contraponho aqui a forma do local de trabalho criado pelo
arquiteto John Pawson ao do anônimo borracheiro. O culto à limpeza absoluta

224
antepondo-se à sujeira permanente. Evidentemente esta contraposição de duas
condições de trabalho completamente despidas de intenção simbólica, direta e
evidente, seria artificial, contudo poderia ser estimulante como jogo intelectual mantê-
las em ativo. A mente precisa, nesta hora crítica, marcada pelo transbordar de
hípoteses, de alguns parâmetros rígidos. Parto sempre do princípio da menor energia
gasta nas movimentações operacionais, ou seja até no Barroco existe uma idéia
econômica norteando o trabalho humano. Gasta-se o mínimo para se chegar ao
exagero também no Barroco. Em contraposição, penso na grotesca e hiper necessária
estética da borracharia. Até o mais luxuoso automóvel procura seus serviços quando
fura o pneu no meio da estrada. Tudo nela é muito prático e também muito
econômico. Pneus usados carregam as marcas da terra.

Chamo de estética tectônica – esta que reflete criticamente sobre a mera construção –
a reflexão sobre a costura, a cola, a solda, o rebite, o parafuso, o alinhavado, o pregar,
o botão, o velcro, dobradiça, chumbar, encaixe, a cunha, ancorar, prender, cavilha,
etc. A borracharia é parte desta poética do neutro? O que posso ganhar ou perder
investigando o território construído do nada? Nele habitam homens, são felizes,
constroem suas vidas, têm seus filhos, amam, sonham com uma vida melhor e
morrem. O que tiram de seus não lugares, da escassez de seus símbolos, de sua
solidão cósmica? É isso que quero descobrir!

Um laço é o nó convertido numa figura; um lação transborda para a retórica. O


pesponto duplo desponta para a reafirmação, mais um passo, entrará no território do
convencimento pela emoção. Cerzir é tampar o buraco (defeito) com a suprema
técnica da ocultação. Impureza imperceptível. Mas sabemos que o furo maculou
definitivamente o estado angelical de pureza. Na técnica suprema, tampar buraco é
crime. O que fazer com o buraco é matéria de pensamento para o grande artista
clássico. A costura é a ênfase do primeiro plano; a costura instaura a beleza do código
geométrico sobre um plano material primeiro que deixa de ser integral. Agora será
maculado. Uma simples falha na costura já é suficiente para instaurar desordem,
defeito, desconforto, informalidade no minimalismo... Roupas com forro são melhores
do que roupas sem forro. O forro aumenta o valor até mesmo da mais perfeita forma.
Forrar significa o que afinal? Engrossar a superfície... Torná-la mais densa e
encorpada quando a matéria for insuficiente na densidade. A linha da costura, com um

225
colorido extravagante, será um desvio contraditório em direção ao território
figurativo. Um desdobrar simbólico fora da primeira necessidade. Desvio de atenção.
O rasgar no tecido é igual a fissura na tectura da superfície construída.

O mundo anônimo como este da borracharia é pintado de branco, cinza ou bege.


Chama atenção contudo a impositiva sujeira. O não-lugar não é propriamente sujo,
apesar de dialogar e agregar a poeira como forma final: a pátina, o empoeirado, a
lama, o descorado, a mancha terrosa, a marca dos pés sujos e do sapato sobre a parte
inferior das paredes. Neste meu estudo talvez seja importante adentrar na antropologia
– estética antropológica diferente de antropologia estética. Há tempos pretendo ir à
cidade de Cornélio Procópio com a intenção de rever meus lugares de origem.

Interessa-me sobremaneira traçar uma linha entre o primeiro homem nômade, a


transitar carregando o mínimo, e na ponta oposta Luis XIV habitando sua
transbordante casa em Versailles. O caso de Ludwig da Baviera entraria como uma
capítulo do esteticismo real desvairado. Ambos instauram importantes limites na
linguagem da superioridade. O limite estelar do Rei Barroco esconde sua natureza
básica através de elaboradas camadas de significado, que jamais se revelam fora do
âmbito íntimo. Luis XIV, ao adormecer no último ato de seu dia operístico, dedicaria
um instante de reflexão a sua posição na tortuosa marcha da humanidade?

A estética estóica do exato alinhavar (penso também em São Francisco de Assis) é


igualmente poderosa se comparada ao apogeu construtivo da Catedral Gótica, mas, na
primeira, a semântica desdobra-se do cerimonial do ocultar e revelar múltiplas capas
de significado; na segunda, a revelação ocorreu muito antes da materialização. O
manto exíguo de São Francisco é fruto de uma meditada lapidação santificada. Em
contrapartida, o manto real de Luis XIV transborda em signos de confusão
sentimental; a espessa folhagem que lhe serve de vestimenta precisa expor, um ao
lado do outro, todos os múltiplos retratos de um rei barroco. Um rei como o Santo
Francisco veste apenas o alto símbolo depurado, o nada que esconde o muito, apenas
o necessário no cúmulo de uma cristandade abissal. A jaça deixada para trás no
aprimoramento da roupa e do homem jamais confunde o nosso juízo sobre a
mensagem posta em ostensivo discurso. Estive em Assis na Itália e em Versailles com
diferença de dias, confesso ter pressentido uma maior grandeza humana na arte da

226
purificação que na oposta máxima forma ostentatória. Arte de purgar é o mesmo que
técnica de depurar ou de lapidar?

Prender, aprisionar, encerrar... O elo escolhido depende da forma conferida ao plano.


Uma mesma matéria prende-se de diversas maneiras, dependendo do caráter
impresso em sua linha de corte e da imagem conferida à superfície. Explico: A.
Matéria encontrada. B. Matéria quebrada. C. Matéria serrada. D. Matéria lixada. E.
Matéria polida. F. Matéria encoberta (verniz ou cor). G. Matéria reelaborada,
sintetizada, recomposta em pasta solidificada e refundida numa fôrma ideal.

Se a consciência do mal faz o homem gerar símbolos, e a gratidão monumentos, o


que irá gerar de permanente a inconsciência? Quando se quebra uma parte, entra em
ação a técnica da gambiarra. Quando a quebra não tem concerto, não se joga fora o
objeto avariado. A ordem é abandoná-lo no jardim. O jardim do nada abunda em
quinquilharias. Ferrugem e madeira apodrecida, soldas desfeitas e parafusos perdidos.
O terreno baldio é a terra de ninguém. Muro descascado, telhas quebradas, trilhas
improvisadas em diagonal. Restos de construção. Mofo, caca de galinha, bicho morto.
Velhos animais de carga, carroças... Reforma nem pensar, puxadinho. Abandono. Um
cidade sem primeiro plano é também um conjunto refratário à hierarquia. Sem
saliências nem fosso íntimos. O olhar pouco se levanta, parado, olhar detido, refreado.
Todos precisamos de um deus, aqui contudo será um anjo estagiário.

227
NADA

Adol Loos – Luminária

Por enquanto, valho-me da seguinte hipótese, o Nada enquanto fato estético é o


mínimo simbólico, posto que o arcabouço simbólico das coisas jamais tangenciará o
zero grau. Tendo como pressuposto que qualquer coisa realizada por mãos humanas
carregará inequivocamente um substrato simbólico. O mínimo simbólico buscará na
linguagem, ou, constituirá seu discurso particular, termos como: imperceptível, pouco,
quase, pequeno, nulo, nulidade, insuficiente, transparente. O Nada é portanto em
nosso caso um quase Nada. Ontem à noite parei num tradicional ponto de cachorro-
quente no Bairro de Shangrilá. Enquanto esperava observava detidamente os signos
mais relevantes. Pensei: isto é o nada que procuro? – Não, o nada é mais silencioso e
opaco, há mais distância entre as coisas e uma dificuldade em distinguir nuances. O
nada imprime sua identidade muito próximo do seu rosto, o nada é imediato e não
sabe o que é profundidade. O nada está muito próximo de onde vive o homem
agrícola. O nada está em posição oposta ao imaginário. Nele o tempo se arrasta e o
sujeito não precisa contar. Igual ao prisioneiro perpétuo de uma cela exígua. Uma
solidão sem clamor.

228
O MITO DO FUNCIONALISMO

Humildes notas de rodapé metafísicas serão acrescentadas neste texto ingênuo às


descrições momentâneas. Ufa, repasso a memória constatando que esta será sem
dúvida minha enésima descolorida tentativa em descrever minhas intuições sobre o
malfadado funcionalismo moderno. Ninguém sério sabe de fato do que se trata esse
tal de funcionalismo, parece-me mais uma dessas palavras muito repetidas e pouco
entendidas. O fenômeno para mim não é de hoje, e sinto ainda um amplo território
cheio de percalços e buracos indecifráveis ao pesquisador de sentidos nesta nossa
mitologia contemporânea. Meu objetivo é compreender como ocorre todo o processo
de construção de um valor, e como este mesmo valor converte-se em forma construída
no diverso quadro da arquitetura moderna. Quero hierarquizar os diversos níveis de
linguagem, por exemplo, desde o mais sagrado e intocável até o mais relativizável. Da
beleza absoluta ao mais chão território onde reina sobretudo a necessidade prática.

Antes, (quando eu era ainda criança) até num pequeno apartamento de classe média
era fundamental a existência de uma entrada de serviço lateral dando acesso à
lavanderia e dependências de empregada; que muito certamente viveria por anos com
a família. Comprava-se inclusive um apartamento sem garagem nesta época incipiente
do proto-modernismo, hoje é impensável ser vendido um apartamento de dois quartos
sem as duas garagens. Aqui estamos diante do sagrado, em alucinado deslocamento
semântico. A cozinha era uma fábrica isolada em cujo desalinho uma mulher feia, e
excluída socialmente, operava quase como uma escrava; nesta época, cada casa tinha
sua parcela de senzala. Hoje, a cozinha é um caríssimo altar encomendado em loja de
luxo, aberto na posição mais nobre da sala de estar e sempre aberto a visitação
pública. A poética do espaço funcional adaptou-se a uma farta sociedade de consumo,
nela rituais de artesanato culinário são postos em magnífica ação. A empregada
ganhou status e mais dinheiro, hoje ela é uma orgulhosa diarista e já não cozinha
como antes. A quantidade de armários caros aumentou, ganhando relevância na
arquitetura habitável. Portanto, o armário é mais um dos objetos sagrados e
deificados. Isto sem contar o delirante recinto da higiene pessoal. Este fim de semana
estive numa cidade de médio porte do Estado do Paraná e o arquiteto de levou-me a
conhecer um de seus projetos de mansão em fase de acabamento. O closet e o

229
banheiro da suíte principal lembrou-me da Catedral de Chartres. O lugar todo aberto
ao quarto era escandalosamente ritualístico em termos decorativos e funcionais.

Um mito poderoso, na era do escravo alforriado, é o Funcionalismo – uma espécie


confusa de estética, ética e engenharia de produção. Defino como o Neo-escravo à
ramificação total da nova classe-média. E é esta classe a responsável pela conversão
do raciocínio funcional em estilo arquitetônico digno de ser transformado em cânone,
ou melhor, em nobre estilo de vida para o sujeito se fazer de bacana. Presa aos
preconceitos mais variados, às vergonhas mais entranhadas, aos tabus mais bizarros,
impedimentos sem rigor, proibições de desejos, um gosto pela legalização ao extremo,
gente amedrontada, burocratizada; esta classe molda sua toca íntima segundo critérios
completamente alheios àqueles guardados pela história da arte. Em suma, uma classe
ordenada segundo valores absolutamente contrários às caras leis da arte. Diga-se de
passagem, a arte e suas leis são moribundas, em vias de extinção neste nosso mundo
atual. Posto que hoje é a classe-média triunfante que dita até os valores que serão
seguidos pela elite econômica.

Conseqüentemente, a elite objetivou-se. Ela também raciocina funcionalmente, e não


em termos monumentais e ritualisticamente, de acordo com as normas do excelso
artesanato antigo. No caso do povo, ainda à margem do consumismo, a questão é
inteiramente diferente, o populacho todavia expressa desejos eróticos e sinais básicos
de selvageria e agressividade instintiva nos relacionamentos, ainda não está reprimido
até o talo pelas instituições moralistas criadas pelo Estado. Esquento os motores, antes
de chegar ao ponto central: a forma arquitetônica e urbana atual onde vive e se
expressa a classe-média em total desvario. Urbanismo é a ciência funcional da
produtiva cidade onde habita e imperam os valores da classe-média. Na cidade
aristocrática os lugares eram concebidos com arte, hoje a cidade reflete os valores da
produtividade pequeno-burguesa, da segurança, da circulação motorizada e da divisão
rígida de renda. A paranóia é uma das características mais fortes na personalidade do
pequeno burguês covarde, sempre aquém de suas expectativas e envergonhado de sua
própria condição e renda, mas, mais envergonhado ainda de seu próprio corpo. A
cosmetologia da classe-média baseia-se sobretudo em técnicas parecidas às do
prestidigitador. Esconde-se, protege-se, camufla-se, reprime-se com medo de tudo que
a ameace em seu arficial casulo de sonho. O tempo e as gorduras a põem louca. Será

230
preciso um cirurgião plástico, um personal trainer, um massagista, um cabeleireiro,
um maquiador, um assessor de imagem e de vestimenta; todos muito habilidosos,
preparados na técnica de ocultação de um corpo que só causa dissabores a quem vive
se comparando às modelos de moda. Resumindo, a classe-média que endeusa o
funcionalismo carrega um corpo impregnado sempre de imaginário e sensações de
desconforto. Por este motivo, espera de quem a atende um serviço digno das estrelas.
Esta classe espera dos serviçais o tratamento antes ofertados somente aos reis. Assim
ocorre seu referencial maluco.

Absolutamente tudo, ao redor de um corpo frágil, põe em perigo a segurança


espiritual do arrivista ser de classe-média. O medo tornou-se visceral entre estes
apóstolos da ilimitada artificialidade e da obsolescência programada, gerenciada pela
grande indústria. O medo do contágio bacteriano também é enorme, portanto a
higiene extrema é um de seus lemas capitais. Mas também aqui o símbolo do luxo
entrou ocupando um espaço importante na mitologia da vida doméstica. Se você vai a
um supermercado, encontrará materiais de limpeza bem caros, esta perfumaria de
limpeza promete elevá-lo às estrelas. Moral da estória, a mulher será uma perfeita
histérica, e o homem um incurável neurótico no campo do funcionalismo.

A arte maior será uma ameaça terrível à estabilidade emocional da classe-média, seu
fator coagulante. Para tanto, ela inventou uma série de proteções contra a arte de
viver. Como as escolas de arquitetura são freqüentadas e voltadas hoje em dia quase
que exclusivamente a esta gente sem alma, todas as disciplinas serão construídas de
tal forma que anulem o discurso artístico, e em seu lugar transforme o alvo capital,
agora convertido em estética, os resultados de sua lógica ontológica. Antes, o nome
dado para esta nova lógica, era Funcionalismo, hoje, ele desdobrou-se em várias
disciplinas disfarçadas de ciência empírica: Conforto, Sustentabilidade, Urbanismo,
Paisagismo, Desenho de Interiores, Patrimônio Histórico, APO, etc. Todas estas
especialidades do arquiteto medíocre, aninhado na Academia, têm por alvo uma única
direção: apagar, destruir, eliminar do horizonte, esquecer por completo o maior
inimigo, o arquiteto artista e sua arte - o fator diluidor, desnorteador, da lógica do neo-
escravo. Mas afinal, de quem mesmo ele é escravo? - De si mesmo, de seus
preconceitos, de sua ignorância, de sua visão chã de mundo, de seus curtos horizontes.
E do que, em resumo, mais ele tem medo? – Em primeiro lugar da inteligência, e na

231
seqüência, do forte, do espiritual, do criativo, do corajoso, do artista. Como o artista
moderno encarna a síntese do super-homem extremamente livre e nada decadente,
será este mesmo artista o ser a representar o maior perigo dentro do sistema da plena
funcionalidade, da objetivação, que norteia a identidade do arrogante homem médio
atual.
Qual é a estratégia tipo do modo funcionalista de pensar? – Ordenar numa seqüência
encadeante as funções práticas produtivas e preconceituosas da mente paranóica.
Feita a ordenação, o funcionalista poderá se dar por satisfeito com os resultados
óbvios deste arranjo, ou, avançar no sentido de mascarar com decorados a opacidade
agressiva dessa incolor massa informe. Temos portanto dois tipos de funcionalismo:
aquele meramente conectado à lógica da fria produtividade – contendo um mínimo de
símbolos – e um segundo tipo cuja sem graça superfície opaca se reveste de múltiplas
artificialidades decorativas. A arquitetura de interiores contemporânea - de gênero
Casa Cor - é um avanço simbólico desta última categoria rumo ao espaço interno;
ordenado como um cenário de conto de fadas – que em si, é a literatura padrão, a
bíblia, da classe-média triunfante. Sabemos que a classe média não suporta a
condição de estar alerta - ver, sentir, perceber, mostrar-se. Vive pois num estado
limítrofe à crônica depressão. Inclina-se um pouco e ultrapassa limites, deprime-se. A
classe-média vive permanentemente cansada de sua condição artificial. Seu corpo é
um amálgama de desconforto e cansaço latente. Precisa urgentemente aposentar-se,
sair de férias, descansar, dormir, desaparecer, tirar suas máscaras e acomodar-se ao
pijama num amplo sofá macio. É muito cansativo para uma mulher de classe-média
enganar os outros com seu corpo oculto pelo peso do disfarce. Não suporta sua altura,
a cor do cabelo, a coloração da pele, o peso de suas banhas (como come muito, está
sempre fora do peso). Sua silhueta e sua verossimilhança a inibem. Antes de
apresentar-se em público esta pseudo mulher-atriz precisará disfarçar-se com todos os
rigores da ocultação. No fim do dia, estará exausta de tanta falsidade desconfortável.
Precisará de uma casa prática e confortável em cujo espaço toda natureza atmosférica
seja tão artificial quanto seu corpo e personalidade. Precisará de ar-condicionado,
calefação, exaustor, grossas cortinas, persianas, venezianas, toldos que enganem o sol
e uma iluminação que esconda as imperfeições da pele. O espaço mais importante
para este cansado, e deprimido nato, é portanto o quarto – uma perfeita e anestésica
câmara de amortecimento e esquecimento de mundo. Neste recinto, a classe-média
esquecerá da vida. As fabulosas lojas de colchões prometem o mundo quimérico a

232
estes desgraçados de corpo dolorido, já com a coluna dorsal em frangalhos. A
engenharia do sono não para de evoluir, criando aparatos alienantes cada vez mais
sofisticados àqueles que preferem se refugiar na câmara de Morfeu. Falo do quarto,
mas este raciocínio da artificialidade se estende a todos os demais cômodos da
habitação. E ai se você tocar nestes mitos, pondo-os sob suspeita. O funcionalismo
está em íntimo contato com a impostura. Aqui em Alphaville, preocupo-me com a
distância da cidade real. Contrariamente, para a classe-média a distância será um
benefício. Isolar-se dos pobres e da gente comum, e não ver a amplidão da vida, é
prioritário. O grande muro assegura um campo salutar para o cenário camuflado.
Higienizar o olhar impedindo-o de ver a verdade, isto é o que promete e cumpre o
empreendedor imobiliário dos assépticos condomínios horizontais. Não esquecer
jamais que a classe-média não suporta a menor incursão do senso crítico em seu
comportamento padronizado, ela prefere o convívio do tolerante psicólogo, a estar
diante de uma mente demolidora e investigativa, como a do filósofo ou do artista
inteligente. Qualquer sujeito que lhe revele a verdade, será portanto um desconforto
dos diabos, melhor não convidá-lo à festa, nem privar de seu convívio. O
Funcionalismo Decorativo da classe-média avança e ganha enormes territórios na
cidade contemporânea, transforma tudo que vê pela frente em adocicada paisagem,
num cenário repetitivo e insípido que pronto cansará. A inconsistência artística em
nosso meio levou a sociedade a um campo fértil para a arrefecida mídia publicitária.
Leio e releio meus escritos querendo anular as observações moralistas ali contidas.
Confesso, não é nada fácil, às vezes falho. Mas não é minha intenção ser o repressor
moral da classe-média; quero apenas compreender à fundo seus valores mais
substanciais e seus alcances civilizatórios. Não acho de maneira alguma que agindo
assim, tão passivamente, esta nova classe irá direto para o inferno, nem tampouco irá
aos céus, pois continua sendo essencialmente manada, e creio por um bom tempo
ainda. Ponto final. Meus critérios de análise são forjados em bases humanistas,
portanto, creio em seus princípios e nos valores da educação universitária,
inauguradas na época renascentista. Não acredito que a atual educação superior,
oferecida pela gananciosa indústria do diploma, vá ajudar a melhorar
substancialmente o progresso espiritual do homem médio. Em termos de progresso
social moderno e democrático, creio ainda estarmos engatinhando. Sou contudo
otimista, chegaremos mais à frente um dia desses.

233
ESTÉTICA PROTESTANTE E MODERNIDADE

Estou animado com este novo assunto: ligar o protestantismo centro europeu às
poéticas do pobre branco imaculado pode dar samba. Sem contar esta entediante
higiene solar, ofuscando nossa visão em lugar do encantador claro/escuro. O golpe
dos modernos protestantes foi fatal e certeiro. Quiseram em primeiro lugar destruir no
homem sua veia poética, logo em seguida abateram sua noção de equilíbrio e
proporção na composição de elementos formais. Isto sem contar sua castradora ética
socialista. Preciso relembrar os efeitos nocivos à sensibilidade, impostos pela religião
adventista em minha infância. Foram uma quantidade de vazios sem fim, dias
solitários e inócuos, observando o prazer de viver correndo solto a minha volta, sem
poder tocá-lo; só imaginando como seriam. A vida de um protestante radical é toda
tolhida, somente com um único alvo: eliminar o apelo corporal em nome de uma
promessa futura de vida eterna lá longe na nova Jerusalém. No socialismo acontece
algo parecido. O indivíduo se castra para que o Estado alcance sua plenitude abstrata,
desenhada por loucos que se consideravam intelectuais. Hoje pela tarde assisti dois
amigos arquitetos discutindo o que pode ou não ser feito em sua poética moralista.
Ornamento nem pensar, falso bronze em superfície de laminado plástico também.
Creio que o arquiteto, que nunca primou entre os demais artistas modernos por uma
inteligência privilegiada, agora afundou de vez na idiotice fundamentalista. O que era
pouco tornou-se indigência crítica e gosto chão.

Que palavras usar no discurso da castração estética, programaticamente desenvolvido


no século vinte? – Anestesia vem em primeiro lugar, suponho. Será preciso cortar os
sensores abaixo da mente moralista. Tudo que sente fora do padrão abstrato de um
conceito absurdo deverá ser decepado e logo cauterizado; foi operada uma espécie de
lobotomia nos autores. Comparado ao homem antigo, o atual é um extensão
incalculável de insensibilidade superficial. Resultado, este mesmo homem foi
proibido de julgar pela única dimensão tangível, a superfície das coisas. Não é a toa
que Oscar Wilde veio em defesa do esteta dizendo que só os tolos não julgam pela
aparência. O que é a pura verdade. Por onde julgaríamos então, senão pelo tangível?
Há uma oculta má fé do poder revolucionário por trás desta proibição. Eles apregoam
ao rebanho julgar pelos valores interiores. Quais sejam? – Aqueles que o Partido

234
ensinou a proteger e respeitar. Conseqüentemente, este mesmo homem passou a julgar
a partir de slogan, tornou-se um defensor da apatia. Para ele, um homem só seria um
ser de valor se defendesse determinada ideologia. O Pathos de homem para homem
foi eliminado na modernidade. Importa agora somente o conceito, e não o homem em
sua totalidade. Pobreza é a inquestionavelmente a palavra que melhor define o
modernismo protestante transmutado em paganismo socializante. Obscurantismo,
pode-se dizer com toda a certeza que este homem fanaticamente ligado ao sentido
prático e funcional é um obscurantismo ainda mais intenso que aquele da idade média.
Renúncia, sim, é isso aí, a ideologia de esquerda que doravante baliza os critérios
éticos do home de hoje exige de cada um de nós um programa intenso e aplicado de
renúncias a praticamente tudo que signifique elaboração formal e alegria interior de
viver. Só vale mesmo as diversões de massa praticadas todas ao mesmo tempo nos
dias e ocasiões que o Estado mandar. O Estado ligado à economia, evidentemente.

Abandono, abandonar, abandonado. Feita a cabeça do pobre coitado, ele mesmo se


excluí da vida sensível. Fica encostado no Estado esperando pelas ordens prazerosas.
Copa do Mundo, por exemplo, foi um fenômeno desse tipo; um prazer totalmente
manipulado pela industria do futebol aliado ao poder político. Quando os de cima não
oferecem o deleite pasteurizado, o sujeito adormece como um bicho deixado sem
atenção por seus donos.

Que homem é este que sem pressão ou violência abdica totalmente de seu caráter
grandioso? - Descuidado. Alguém que assume a identidade de distraído. Alheio ao
seu próprio corpo. Um homem que fala e ouve apenas estereótipos. Aquele tipo de
imprudente que negligenciou por completo sua totalidade humanista em nome das
promessas e segurança oferecidas pelo Estado. Melhor dizendo, um ser abobado,
completamente descurado. Excluído da natureza individual. O homem desajudado é
aquele que espera ser ajudado desde fora, jamais crê na possibilidade de ele mesmo
em liberdade vir a definir seu próprio destino. Desistência de viver por si mesmo e
para si mesmo. Extinção das parte pecaminosas: sexo, volúpia, inveja, ira,
concupiscência, ódio, gula, avareza. Interrupção dos nervos sensíveis. Suspensão.
Suspender o gênio vital, interromper a capacidade de criar o próprio deleite e de
julgar o que bom e mau para o próprio corpo. Amenorréia?

235
Prevaleceu no século vinte o mundo ao qual Nietzsche tanto nos advertiu evitar. Os
infelizes ganharam a guerra. A ética cristã da completa renúncia do corpo foi a maior
vitoriosa. Abnegação a uma causa inventada no laboratório ideológico da academia,
cessação de uma tradição ancestral. Um cessar que me mete medo, que me horroriza.
O homem abandona o clamor sensível em nome de uma vida artificial plena. O
movimento sempre existiu, sempre pediu ao sujeito abnegação, altruísmo, desapego,
desinteresse, desprendimento, devotamento. Julga-se a faculdade de sentir prazer
pelas formas agradáveis e belas um pecado terrível. Compare-se uma parede de
concreto aparente embolorado da arquitetura paulista a uma parede fartamente
decorada de uma igreja projetada pelo Aleijadinho. Devemos meditar muito
seriamente sobre o valor dessas coisas. É preciso por a capacidade critica novamente
para funcionar. A religiosidade cega e tomada a risca pelos arquitetos modernos não
pode mais ser levada à serio. Como todo o mal moderno desde a Revolução Francesa
vem dos equívocos da frustrada e triste classe média, não seria nada absurdo atribuir
ao seu desanimo suicida a feiúra de seus edifícios.

236
PERFEITA ELEGÂ NCIA

“As pessoas que acreditam na inteligência, no progresso e no entendimento, sã o


as que tiveram uma infâ ncia infeliz” Gertrude Stein

Casa do Arquiteto David Chipperfield em Berlin

Minha loucura por móveis atingiu outra vez altos graus de paroxismo. A casa de
Curitiba voltou a ficar pequena graças ao voraz apetite comprador. Comprei um sofá
de dois lugares e uma chaise estranha de Le Corbusier. Onde ficarão nem eu mesmo
sei. Flexiono uma vez mais o tolerante verbo espremer, reordenando meus cômodos
há muito sufocantes. Estava em dúvida sobre o Hofmann em couro negro. Depois de
vê-lo tão maravilhosamente disposto na loja Valentino, achei que ficaria perfeito
também ao meu lado. Chipperfield foi magistral em muitos aspectos, alguns deles
inclusive bem difíceis de compor. Todavia ele não me convence totalmente como um
dos top gênios contemporâneos. Falta-lhe aquela mágica dose de monumentalidade
alinhavando a finalização. Na feitiçaria arquitetônica cabe em qualquer situação o
mistério insolúvel. Diria que para chegar lá poderia submergir como um possesso no
negro imaginário lacustre e, uma vez ali imerso, aprender a mandinga dos deuses
danados. Garanto, sua arquitetura sairia ganhando! Seria engraçado montar um curso
desse tipo na pós-graduação. Onde seria, como seria? Quanto a chaise pintada de azul
com encosto em couro bege de Corbusier, nada de novo acrescentaria. Como tudo que

237
realizou, transborda em mistérios estéticos. Foi nosso maior mago, afianço sem ler as
minúcias. Chipperfield é único contudo num raro aspecto em nossa época maneirista,
foca no detalhe e no profundo acabamento construtivo. Entre os grandes não há
ninguém mais assim. Diferente de John Pawson, muito preocupado em ser
monumental com apenas o nada.

Comportamento em sociedade: Na totalizada elegâ ncia do amá vel, inexiste a


intençã o de colidir, nem se sobressai o apelo à s grandes contradiçõ es estilísticas.
Harmonizar todas as partes de um todo menor num outro maior, como numa
orquestra sinfô nica deve ser a meta principal. A nenhum pormenor é autorizado
sobressair neste projeto. O resultado, evidentemente, será uma síntese bem
equilibrada de variados estímulos formais extremamente elementares.

Há mais de um século saem da sensata Inglaterra as emendas relevantes de


comportamento elegante masculino. Somente aquelas judiciosas e elaboradas na
prancheta inteligente, que logo se espalham pelo mundo formando estilo.
Abalou-me pela surpresa a ponto de impressionar a casa-escritó rio do
ponderado arquiteto inglês David Chipperfild em Berlin. Nã o chega a ser
minimalista este discreto desdobramento da sensatez arquitetô nica, seus
motivos formais se aproximam mais em alto estilo do chamado prá tico simétrico.
Ritmos contidos e nenhuma aparente arrogâ ncia. Diria que é clá ssica pela pétrea
e tranqü ila geometria presente em cada ponto da construçã o. Arte em
circunspecto concreto armado sem o mínimo adorno, é o que ela é. Tocou-me
este difícil exercício de cortesia justo por vir de um homem tendente ao calado,
mas que nada tem de grave no espírito. É que a ajuizada prudência artística
costuma nos aprisionar a estímulos chatissímos. Somente o sá bio classicista tira
partido feérico da simplicidade radical, e concluído seu exercício de extrema
força compositiva nos lança para os refinados prazeres do rigoroso.

Um Esteta nã o se vê obrigado a seguir como um leal evangelista qualquer credo


legítimo. Tampouco espera ensinar aos demais seus princípios estruturais.
Indiferente espera que o mundo siga seu pró prio caminho. Sente o disponível,
conclui-se assim sua maior ambiçã o – tirar partido das boas coisas existentes

238
simbolizando o mínimo possível. Onde quer chegar concluído seu trabalho? Nem
ele mesmo sabe de antemã o; o fleaneur se deixa levar pelos convites
surpreendentes do azar. Se pensa ou escreve, é para satisfazer seus caprichos, e
seus ideais de beleza nã o sã o tã o fixos assim. Jamais se viu o Esteta pregando
ostentaçã o como um mestre salvador de seres humanos em queda. Solene, frio
em sua janela aberta ao movimento em destaque, observa impassível;
desconfiará da autenticidade dos propó sitos de quem ensina a redençã o aos
demais. Sentimentos sem ênfase incomoda aos sanguíneos. Mistério, esse
homem sem grifo...

239
ADOLF LOOS

Que tal terminar o dia feliz exercitando a memória visual num texto difícil e
provocativamente inédito! Mas o que poderia ser surpreendente desta vez? Estou até
as tampas, entupido de sopa rala, depois de um frugal jantar com o que havia de
disponível em minha esquecida despensa. Desinspirador, eu diria. Uma única obra,
nunca antes comentada, nada repisada, importante contudo em meu ideário estético.
Uhm... deixe-me puxar pelo coração... Às vezes, me dou conta de já ter passado a
limpo todas as minhas maiores inquietações formais. Escrevi um livro sobre a pintura
abstrata, até satisfatório para meus critérios; outro sobre os interiores modernos –
aqui acertei mais -, falar de literatura ou sobre a vida de meus poetas preferidos
exigiria muito esforço criativo, impraticável agora. Li muitas biografias no passado e
no entanto nenhuma delas exigiu de mim uma resposta clara, uma contestação à altura
do que propunha o escritor. Arquitetos? – Nem pensar, levam uma vida chata, mesmo
os mais criativos são uns porres. Gostaria muito, mas não teria o vocabulário
necessário à descrição de uma beleza feminina singular, justo agora. O tema me
fascina em excesso, deixo-o para mais além. Lembrei-me da Casa do Dr. Scheu de
Adolf Loos, 1912, Viena. Uma casa polêmica que a ninguém agradou em sua época.
O público achou mais favorável se fosse construída na Tunísia. Esta casa sempre me
deixou perplexo e sem palavras desde que a vi publicada pela primeira vez numa bela
edição colorida da Editora Gustavo Gili. Nada tão desafiador quanto escrever sem
palavras sobre o que se gosta muito. Há nela uma ousadia aberrante que me agrada
como defensor do gosto singular. Constato em seu partido o uso de uma iconografia
geométrica tão pura que a sinto quase impossível para a época em que foi projetada.
Veio ao mundo em resposta a um ideal bem estranho de simplicidade zen numa
cultura caracterizada pelo mais escandaloso barroco imperador. Hoje à tarde tentei
explicar ao Novak os princípios da poética da neutralidade, praticados por Gropius
quando criou a Bauhaus. Gropius conheceu Loos em Viena. Ousei até compará-los
com as formas das bolsas, sem ornamento ou figura, criadas aqui em sua firma
curitibana. Contundentes, são todas as casas de Loos por nada apresentarem de
figuração retórica. Corajosas por ser algo mínimas antes de todo mundo achar que
seria viável tal redução. Por fora a Casa Scheu chega a ser chocante de tão
provocativa que é pela ausência de mínimos elementos chamativos. Há uma
permanente tensão musical no jogo das aberturas, contrastando com a ascendente

240
volumetria escalonada. Loos tirou tudo do exterior com o objetivo de surpreender no
rico interior. Dentro, o jogo é soberbo e confunde de tão sofisticado que é em cada
parte hiper pensada. Fino artesanato na execução dos pormenores, rimas nada óbvias
(isto quando penso nas simetrias entre volumes interiores). A Casa Scheu existe ainda
e em bom estado de conservação. Entre as obras de Loos ela é pouco comentada. São
cinco andares, o primeiro deles é semi-enterrado, o último, bem reduzido, coroa a
terminação do edifício. A medida que cresce, a planta vai diminuindo e ganhando um
terraço sobre o piso inferior. Termina numa laje plana com platibanda. O tom do
discurso é a sofisticação de ser simples em escala universal. Prática de nobres
espíritos que jamais relutariam em ceder suas expressividades ao convite de uma
economia restrita ao ideal de silêncio. Insólita, anormal, diriam os leigos ao comparar
sua imagem a da cidade tradicional. Aqui tem início uma forma nova de arrogância
criativa. O gênio contra a cidade, e contra todo o mundo. Não interessa mais
continuar, importa sobretudo ser diferente, transgredir, diferenciar-se dos demais,
interpretar as novas demandas técnicas. Os arquitetos modernos dedicados à crítica
sistemática viam em Loos a possibilidade de uma nova socialização, eu, ao contrário,
vejo em Loos um novo veio de poesia individualista que o leigo jamais irá
compreender. Arquitetura de dandy provocador. E para mim esta descarada
intromissão nos negócios puros já interessam por seus próprios méritos artísticos.
Gosto antes de tudo da solução anti-cansaço criada por um arquiteto que sentia no ar a
presença massacrante da cultura de massas. Bruno Zevi resumiu a arquitetura
contemporânea a um jogo sugestivo de volumes extravagantes no qual seria colocado
toda a ênfase expressiva, já que a partir daquela época seria proibido agregar
ornamentos.

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ÍNDICE

01. Poética do Simples - 2


02. Minimalismo e Maneirismo - 3
03. Josef Polasek - 5
04. Jacobus Oud - 6
05. Simplicidade e Minimalismo - 8
06. Craig Ellwood - 10
07. Campo Cromá tico na Arquitetura - 11
08. Robert Mallet-Stevens - 14
09. Universalidade - 17
10. Le Corbusier - 20
11. Charles Eames - 22
12. Oscar Niemeyer - 24
13. Albert Speer - 25
14. Marcel Breuer - 28
15. Ludwig Karl Hilberseimer - 29
16. Absoluto - 31
17. Casas com Pá tio de Mies van der Rohe - 33
18. Cidade Utó pica Moderna - 35
19. Adolf Loos - 37
20. Abstraçã o - 40
21. Simplicidade - 45
22. Ecletismo Pó s-Moderno - 52
23. Minimalismo e Estrutura - 54
24. Minimalismo e Desenho Industrial - 57
25. Reduzir Componentes Formais - 59
26. Contrastes - 65
27. Le Corbusier - 67
28. Estiloso - 71
29. Vazio - 73
30. Luis Barragan - 74
31. Poética do Sagrado - 76

242
32. Capela Rothko - 79
33. Ritual - 85
34. Kazuo Shinohara - 90
35. Repetiçã o Cadenciada - 93
36. Oswald Mathias Ungers - 95
37. Shiro Kuramata - 96
38. Qualidades da Arquitetura da Simplicidade - 99
39. Cidade Moderna - 103
40. Gigon & Guyer - 104
41. Referencias Vernaculares - 105
42. Difícil - 107
43. Arte Popular e Informalidade - 108
44. Empena Cega - 107
45. Pode o Româ ntico conquistar a Simplicidade -
46. Inédito - 111
47. Em Caso de Dú vida o Mais Simples - 113
48. Lugar -
49. Elemento - 117
50. Ornamento - 120
51. Simplicidade das Capas Contemporâ neas - 123
52. Planta Livre - 126
53. Planta Miesiana - 127
54. James Stirling - 128
54. Má rcio Kogan - 129
55. Gerrit Rietveld - 130
56. Walter Gropius e o Neutro - 131
57. Á lvaro Siza Vieira - 133
58. Eero Saarinen e a Planta Circular - 134
59. Detalhes Arquitetô nicos - 135
60. Solidã o do Arquiteto e a Forma Fá cil - 136
61. Simetria - 140
62. Amâ ncio Williams - 141
63. Rumo à Arquitetura Absoluta - 143

243
64. Norman Foster - 145
65. Espaço e Luz em Luis Barragan - 147
66. Philip Johnson - 150
67. Arquitetura com Arte para o Pobre - 152
68. Mondrian, Christo e Duchamp - 155
69. Piet Mondrian - 157
70. Christo - 161
71. Marcel Duchamp - 164
72. James Turrel - 166
73. Land Art - 169
74. Alice Aycock - 172
75. James Turrel - 176
76. David Adjaye - 178
77. Christo - 180
78. Carl Andre e Richard Long - 182
79. Donald Judd - 186
80. Richard Serra - 188
81. A Técnica Esconde o Manual - 191
82. Barnett Newman - 192
83. Toque Pessoal - 195
84. Mínimo Material - 198
85. Josef Albers - 202
86. Ler no Tempo - 205
87. Interpretar a Simplicidade - 207
88. Aldo van Eyck - 212
89. Georg Muche - 216
90. A Qualidade do Menos - 220
91. Minimalismo versus Borracharia - 225
92. NADA - 226
93. O MITO DO FUNCIONALISMO - 227
94. ESTÉTICA PROTESTANTE E MODERNIDADE - 322
95. PERFEITA ELEGÂNCIA - 235
96. ADOLF LOOS - 238

244

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