Biblia Missionaria Estudo - Introdução

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Carriker, Timóteo, e Sherron George, orgs. Bíblia Missionária de Estudo. 2a. ed., 2020.

https://www.sbb.com.br/biblia-missionaria-de-estudo.html.

Introduções em português (2ª edição


com NAA)
01 Endosso - Presidente Honorário Vitalício do Movimento Lausanne, Presidente
Fundador de Ministérios Leighton Ford: Leighton Ford

A Bíblia é um livro muito incomum! A primeira parte foi valorizada por um povo
relativamente pequeno conhecido como hebreus. A segunda parte foi reverenciada por outra
comunidade relativamente pequena e desprezada chamada de Cristãos. Mas agora a Bíblia é
conhecida, lida e apreciada em todo o mundo! Sua mensagem central de um Deus que fez,
ama e cuida da humanidade é global e atemporal. Os editores prestaram um serviço muito
significativo ao mostrar como a Bíblia é global e quão amplo é seu chamado para tornar Deus
conhecido. Agradeço a eles por seu serviço dedicado e fico feliz em recomendar este
importante trabalho.

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02 Prefácio – Coordenador Editorial da primeira edição em português: Jamierson
Oliveira

“Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, eu
também vos envio.” (João 20:21)

O primeiro cenário do Livro de Atos é uma conferência “missionária” que durou 40 dias (1.3).
Ninguém menos que Jesus Cristo, o Filho de Deus ressurreto era o preletor! E o tema do
encontro era o prometido estabelecimento do reino de Deus. Queríamos muito ter as anotações
daquela conferência relatada nos primeiros três versículos do livro, sobre o que conversavam,
saber da emoção que sentiam, perceber a unidade entre eles e com o Senhor, enfim. Mas não é
possível!

Entretanto, os próximos versículos nos dão uma boa ideia do conteúdo daquelas palestras
proferidas por Jesus e o clima de vitória que pairava no ar. Jesus falou a respeito da vinda
poderosa do Espírito Santo e consequentemente da capacitação dos seus discípulos para
avançarem na antiquíssima promessa de abençoar todos os povos da terra com a pregação do
Evangelho (Gn 12.1-3).

Foi assim que nasceu a Igreja, com uma missão clara e objetiva, e desde então este tem sido o
seu maior desafio. Cumprir o Ide, sob o poder divino do Espírito Santo!

Atualmente, a igreja brasileira é uma das maiores e mais vibrantes igrejas no mundo, com
milhares de conversões todos os dias, com grandes líderes e muitos talentos e recursos, mas
carece de uma correta visão bíblica da sua natureza, do seu papel e principalmente da sua
missão. É neste contexto de efervescência espiritual e crise vocacional, que um projeto como
a Bíblia Missionária de Estudo ganha maior importância e é iminentemente oportuno. Isto
porque a Bíblia Missionária de Estudo não é simplesmente mais uma entre outras bíblias de
estudo temático, por mais importantes que sejam. Mas, as Sagradas Escrituras, antes de ser um
livro de teologia é um livro de missão, que nascem de missão e se propõem a lançar os seus
leitores nesta mesma missão, missão que é primariamente de Deus.

Mas, para este alvo ser alcançado, ou seja, colocar toda a Igreja em dinâmica missionária,
entendemos que não basta apenas destacar alguns versículos isolados que falam de missões, de
pregar o Evangelho, de ir aos confins da terra, etc. Esta é a maneira mais comum de falar de
missões e a Bíblia, pensando nas “bases bíblicas de missões”. Mais do que isto, nesta obra
inédita propomos não somente aprofundar as bases bíblicas de missões, mas também enfatizar
as “bases missionárias da Bíblia” e assim destacar a suma importância da Bíblia como o Livro
da missão de Deus, e o manual de missões do povo de Deus.

Um só Deus, um só livro, um só povo e uma só missão! Começando com Israel, chamado para
ser luz entre as nações, povo separado para o serviço e adoração. Agora a Igreja, formada por
pessoas de todas as nações da terra, sob a inspiração e poder do Espírito Santo.

E é com altos e baixos, nesses mais de dois mil anos de história, que a Igreja peregrina continua
avançando, enfrentando toda sorte de dificuldade e oposição, mas segue vitoriosa. Mas, ainda
resta muito a fazer, milhões de perdidos sem salvação, centenas de povos não-alcançados,
muitas línguas sem a Palavra de Deus, a pobreza, violência e a desesperança assolam a
humanidade.

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Para mudar esse quadro, queremos um despertamento missionário no Brasil, e cremos que
Bíblia Missionária de Estudo será essa mola propulsora para este grande avivamento em nossa
nação. Um avivamento não de emoções superficiais, mas solidamente enraizadas na Palavra
de Deus, que mude conceitos e comportamentos. Nela, você encontrará um rico conteúdo de
notas, introduções, reflexões, artigos, mapas e estatísticas missionárias. Tudo isso foi preparado
não por teóricos ou por missiólogos de gabinetes, mas por gente competente tanto, mas que
também está com a “mão no arado”, homens e mulheres com larga experiência transcultural,
missionária e pastoral.

Desta forma, já imaginamos o resultado, com milhares de crentes brasileiros, instruídos pela
Palavra de Deus, despertados e conscientes do seu papel missionário saindo para o mundo e
cumprindo a sua vocação e chamado, que é pregar o Evangelho de Jesus Cristo para todo
mundo.

Você que faz parte da Igreja de Cristo, não verá isso como um peso, uma obrigação, mas um
privilégio. Conforme destacado no versículo inicial, Jesus nos convida para dar continuidade
na sua missão!

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03 Apresentação geral – Editores Gerais: Timóteo Carriker e Sherron George

Fruto de um esforço de treze anos, é com muita alegria que apresentamos esta Bíblia
Missionária de Estudo. O caro leitor verá por meio dos créditos o envolvimento amplo de
pessoas no projeto, tanto de diversas áreas do empreendimento missionário quanto da área
bíblica. São mulheres e homens de diversas tradições denominacionais, diversas regiões e
diversos ministérios, mas todos com a convicção que é na Bíblia que descobrimos o plano de
Deus para o mundo – a Sua própria missão. E ao descobrirmos a Sua missão descobrimos que
esta inclui um convite... ou melhor, uma convocação àqueles que Ele chamou para Si, para
participarmos desta Sua missão e deste Seu plano para a criação.

E qual é exatamente esta missão? A resposta a essa pergunta é o desafio e o propósito desta
Bíblia de Estudo. A resposta é simples e extremamente complexa. A Bíblia é longa e densa,
assunto jamais “fechado” ou completamente “claro”, mesmo que possamos, sim, identificar
temas e enredos principais. Além disso, ninguém jamais pode dizer a palavra ou interpretação
“final” ou “definitiva” a respeito da Bíblia. Afinal, esta incumbência pertence e sempre
pertencerá ao Autor por trás dos autores da Bíblia. Deus é um mistério. Deus é
transcendente. Deus é cheio de surpresas. Depois de mais de cinco décadas buscando
ativamente a Deus, diligentemente estudando a Palavra de Deus, ensinando e pregando-a,
nós, os editores, continuamos a nos maravilhar diante do que aprendemos a cada dia das
Escrituras. Por isso, é necessário sempre ler as Escrituras com uma postura aberta e um
ouvido para ouvir o que o Espírito diz por meio dela.

É necessária uma Bíblia de Estudo?

Algumas pessoas preferem evitar o uso de Bíblias de Estudo no intuito de não confundir a
voz de pessoas humanas (por meio das notas e reflexões) com a voz de Deus (o texto bíblico
em si. Entretanto, por mais nobre que pareça esta posição, não deixa de ser um tanto
enganosa, pois ninguém simplesmente chega ao texto da Bíblia sem as suas ideias e
interpretações já formadas ou pelo menos, grandemente influenciadas por muitas influências
em sua formação religiosa na igreja e em casa, assim como por influências abrangentes na
cultura e nas instituições. Claro que as notas ou os comentários e dicionários bíblicos e
quaisquer outros recursos não devem ofuscar a voz de Deus na leitura do “texto puro”. Ao
invés disto, simplesmente fornecem mais subsídios para entender o texto melhor. Nosso
cuidado e zelo nessa Bíblia de Estudo foi de sermos absolutamente fiéis na exegese do texto
bíblico. Sempre ouvindo em primeiro lugar a voz do Senhor em nosso coração missionário.
Você perceberá isto!

Por que mais uma Bíblia de Estudo?

As Bíblias de Estudo servem um propósito específico. Ressaltam, para os seus leitores, uma
determinada temática do seu interesse. Uma Bíblia de Estudo das Mulheres realça assuntos
da preocupação das mulheres. O mesmo ocorre com Bíblias de Estudo para Teens, para
Homens, para grupos Pentecostais, para pessoas de linha teológica reformada, para
Evangelistas, para Conselheiros e assim por diante. Assim, grupos de interesse específicos
produzem Bíblias de Estudo que destacam seus interesses. Outras Bíblias de Estudo que não
sejam temáticas, mas que fornecem notas mais históricas e literárias, ajudam o leitor a
entender o que está “por trás” do texto, isto é, o contexto histórico, a sequência narrativa e o
“fio da meada” de toda uma seção maior. Logo, as Bíblias de Estudo, quer sejam temáticas,
quer não, são “ajudas” como quaisquer outros recursos – comentários, dicionários e

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enciclopédias bíblicas, atlas, e introduções bíblicas – e não fontes definitivas de “última
palavra”. A palavra final e absoluta vem somente do Espírito de Deus.

O que é a Bíblia Missionária de Estudo?

Por um lado, é fácil conceber a Bíblia de Estudo Missionário como mais uma destas Bíblias
de Estudo relacionadas a um interesse específico. Neste caso, seria para missionários e
pessoas interessadas na obra missionária da igreja. Entretanto, o propósito desta Bíblia
Missionária de Estudo é muito mais amplo que isto, embora inclua este propósito também. É
mais amplo, porque, diferente de outras Bíblias de Estudo temáticas, a Bíblia Missionária de
Estudo entende que missão é intrínseca à Bíblia como um todo. Isto é, a Bíblia tem um
propósito missional e tem como mensagem central a missão ou o plano de Deus para a Sua
criação desde o início até o fim. Missão é o enredo que permeia a Bíblia toda. Certamente há
outros enredos e temas importantes ao longo do caminho. Mas o fio condutor é a história de
como Deus criou o mundo e como irá resgatá-lo para a Sua honra e glória. E quando falamos
da restauração e da redenção da humanidade e da criação, estamos falando da missão de Deus
e, por consequente, a missão do povo que Ele convidou e convocou a participar da Sua
missão de restauração e redenção.

O título, Bíblia Missionária de Estudo, torna claro que o assunto da Bíblia é a missão de
Deus e que Deus convida todos os seguidores de Cristo a participarem dessa missão. A Bíblia
é um instrumento missionário de Deus para o mundo, bem como uma ferramenta e
referencial para todos os cristãos, a igreja engajada em esforços na missão local e global e
missionários em seus próprios países ou além-mar.

Objetivo geral e público alvo

O público alvo é o leigo interessado suficientemente no estudo da Bíblia para optar pela
compra de alguma Bíblia de Estudo, interessado no impacto do evangelho dentro do seu
próprio contexto, quer por meio do evangelismo, quer por meio de ministérios de cunho
social; o estudante e candidato ao trabalho missionário, e pastores e líderes eclesiásticos que
incentivam o engajamento missional. Pode ser um bom recurso para os professores e outros
acadêmicos da missão da igreja.

Como usar a Bíblia Missionária de Estudo?

Esta Bíblia de Estudo traz consigo diversos recursos. O maior e principal, como em todas as
Bíblias de Estudo, é o próprio texto bíblico. É destacado tanto pelo primeiro lugar de
destaque nas páginas da Bíblia quanto pelo tamanho e cor da fonte. Todos estes destaques
servem para lembrar o leitor que o texto bíblico é a Palavra de Deus. O resto é nossa tentativa
humana de explicá-la, especialmente o que se refere ao plano de Deus para o mundo e a
nossa participação neste plano. O texto bíblico é Deus falando conosco de modo definitivo.
Entretanto, seria muito ingênuo supor que se pode interpretar a Bíblia sem nenhuma
orientação ou explanação. Em algum momento ou em muitos momentos da vida, todos nós
precisamos de ajuda para aprofundar nosso entendimento e aplicação prática da Bíblia e uma
boa Bíblia de Estudo serve justamente a este propósito. Além disso, a ideia de que a Bíblia é
inteiramente sobre a missão de Deus, um documento missional, é uma nova compreensão e
um desafio para muitos cristãos. Esta Bíblia de Estudo permite que seus leitores percebam o
fio missional desde Gênesis até Apocalipse e se unam efetivamente a esta missão.

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Quais recursos estão disponíveis na Bíblia Missionária de Estudo?

Primeiro, notas explicativas de rodapé. As notas no pé da página estão em azul e realçam


três aspectos da passagem bíblica: a dimensão missional, o significado do texto, e a dimensão
cristológica.
• A dimensão missional. As notas são uma fonte rica de informações para esclarecer a
missão de Deus e do seu povo na antiguidade e sugerir ações missionais apropriadas
hoje. As notas procuram tratar “missão” e “missões” no sentido mais amplo e geral
de “envio por Deus para a realização duma tarefa”.
• O significado do texto bíblico. A Bíblia Missionária de Estudo trabalha a partir do
pressuposto duma história maior que une os diversos textos como um fio condutor,
mesmo contada por meio de histórias específicas menores. Assim, ressalta as ênfases
diversas de conteúdo dos textos bíblicos sem debater sobre as suas origens. As notas,
portanto, focalizam mais a mensagem em si. O contexto histórico é incluído somente na
medida que esclareça o significado dos textos.
• A centralidade de Cristo. A Bíblia Missionária de Estudo ressalta o grande pressuposto
consensual de todos os autores do Novo Testamento: que as Escrituras, de modo geral,
apontam para Jesus Cristo e que especificamente as promessas de Deus feitas ao seu
povo, ao longo da sua história, se cumprem em Jesus. A tarefa dos comentaristas de
livros específicos é perguntar como o texto esclarece ou contribui para nossa
compreensão da missão de Deus e, por consequência, a missão do seu povo. E partindo
do mesmo pressuposto dos escritores do Novo Testamento, é importante também
perguntar se e de que forma um texto, na “meta-história”, ou “meta-narrativa” caminha
em direção à revelação e cumprimento da missão de Deus em Jesus.

Segundo, há notas técnicas de rodapé de dois tipos: um tipo indica a citação de uma outra
passagem bíblica dentro de um texto bíblico e o outro tipo indica variações de leitura e
explicações linguísticas. Estas notas se encontram logo abaixo do texto bíblico, mas acima
das notas explicativas e estão em preto.

Terceiro, as introduções de cada livro da Bíblia. Elas são divididas em quatro partes: 1)
uma introdução com informações gerais a respeito do livro como o contexto histórico, 2) o
conteúdo do livro com os seus principais temas e ênfases, 3) a estrutura básica do texto, 4) a
relação com outros livros da Bíblia, e finalmente, 5) a significância missional deste livro da
Bíblia.

Quarto, resumos da significância missional das diferentes partes da Bíblia (Pentateuco,


Livros Históricos, Escritos, Profetas, Evangelhos e Atos, Paulo, Cartas Gerais, Apocalipse).
Esta visão panorâmica importante se encontra no início de cada seção e reunida nos
apêndices.

Quinto, muitas reflexões temáticas sobre alguma dimensão missional como: missão como
evangelismo, missão e cultura, missão como adoração, missão como transformação social, a
missão da Bíblia, missão e a tradução da Bíblia, missão no mundo urbano, missão
contextualizada, missão transcultural, missão por relacionamentos, missão como o cuidado da
criação, etc. São mais que 100 destas reflexões (veja o índice na página XXX). Estas
reflexões são localizadas, cada uma, na página dum texto bíblico apropriado.

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Sexto, o apêndice onde encontra-se um glossário missiológico e outros recursos como
uma síntese de fases missionárias históricas, calendário com motivos de oração, frases
missionárias, uma chave bíblica e outros documentos de relevância ao tema do projeto.

Finalmente, os mapas e os gráficos bíblicos e contemporâneos. A grande maioria dos


mapas bíblicos se encontram na página de uma passagem bíblica apropriada (veja o índice na
página XXX) mas alguns mapas bíblicos mais gerais e de maior consulta se encontram no
Apêndice. Os mapas em geral ressaltam o movimento do povo de Deus, isto é, de alguma
forma, a sua missão. No Apêndice há inúmeros mapas, tabelas e gráficos com informações a
respeito dos desafios contemporâneos da missão da igreja.

Esta é a Bíblia Missionária de Estudo. Desejamos que seja um auxílio para a


aproximação e engajamento de cada leitor na magnífica missão de Deus.

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04 O papel missionário das Escrituras – Ex-Diretor Executivo Da Sociedade Bíblica do
Brasil: Rudi Zimmer

A preparação e lançamento da Bíblia de Estudo Missionária é, sem dúvida, um


empreendimento importantíssimo para a Sociedade Bíblica do Brasil. No entanto, visto dentro
da história do cristianismo, seu aparecimento resulta, na verdade, de uma experiência já
consagrada no decorrer da história. Pois, qual foi a relação entre a Bíblia e o esforço
missionário através dos longos anos da história da Igreja? Estudando-se esta história, não há
como não reconhecer que o trabalho missionário da Igreja tem sido essencialmente centrado
na Bíblia.

Pensando, por exemplo, especialmente no Novo Testamento, o próprio impulso de colocar a


sua mensagem em formato de livros escritos teve muito a ver com o anseio de passar esta
mensagem para outras pessoas, de modo que elas também pudessem conhecer o evangelho. O
motivo, portanto, também era missionário. Vemos isso, por exemplo, claramente nas cartas de
Paulo, e temos a declaração explícita do evangelista João 20.30-31: “Jesus fez diante dos
discípulos muitos outros milagres que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos
para que vocês creiam que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, crendo, tenham vida
por meio dele.”

Por outro lado, o que também ajudou na formação do Novo Testamento foram as frequentes
viagens de muitos dos cristãos da Igreja primitiva. Parecia que jamais parariam de se mover.
Cruzavam o mundo de um lado para outro. Seu movimento constante e também a consequente
conquista de novos convertidos foram uma influência importante. Como não poderia haver um
apóstolo presente em todas as igrejas, os relatos escritos de testemunhas vivas tornaram-se seus
substitutos. Os novos convertidos é que mais necessitavam de relatos acurados. Assim, esses
relatos tornaram-se um meio para um amplo e bem-sucedido movimento missionário.

Outro destaque claro no Novo Testamento é o uso das Escrituras como base da pregação
missionária. Há vários relatos em Atos e nas Epístolas, em que a mensagem cristã é apresentada
a não-cristãos. Lembremos, apenas, Pedro, no dia de Pentecostes, Estevão, diante dos que o
acusavam, e Paulo, no Areópago ou no Tribunal, em Cesareia. O que se destaca em todos esses
relatos é a maneira como os oradores apelaram para as Escrituras. Eles não só apresentam a
sua mensagem em linguagem bíblica, mas usam as palavras da Bíblia para que a sua mensagem
seja claramente compreendida e, assim, como meio para persuadirem não-cristãos a aceitarem
a fé.

Portanto, as evidências mostram que, desde o começo, a Igreja considerava a Bíblia não só
como uma fonte necessária para a sua vida e fé, mas também como um instrumento
indispensável para a sua expansão. Assim, como resultado, a Igreja estimulava que a Bíblia
estivesse disponível não só para os cristãos, mas também para os não-cristãos. Essa experiência
sobre o valor missionário da Bíblia levou a um passo que teria resultados que nem eram
sonhados pelos primeiros que o empreenderam. Esse passo foi a tradução das Escrituras para
outras línguas, que não só revolucionou a missão, mas também abriu um novo capítulo na vida
cultural e religiosa de povos inteiros, sendo que lançou os fundamentos para a literatura
nacional de muitas nações. Tudo que os tradutores, porém, queriam e, até hoje, querem é
libertar a ação das Escrituras entre os falantes de línguas que ainda não a possuem. O crescente
número de línguas alcançadas com traduções das Escrituras, até hoje, só pode ser explicado
como resultado de um impulso missionário profundo.

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E convém, ainda, mencionar que todos os reavivamentos da fé cristã, no decorrer da história,
em grande medida eram motivados e alimentados por um retorno à Bíblia. Para ilustrar, basta
lembrar o grande reavivamento ocorrido no cruzamento dos séculos XVIII e XIX, que resultou
em grandes empreendimentos missionários ao redor do mundo, que transformaram a face da
cristandade, buscando, inclusive, conquistar o mundo todo para o Senhor. Pela ligação íntima
entre missão e Bíblia, o empreendimento missionário enfatizou a necessidade da tradução e
distribuição da Bíblia em proporções nunca vistas. Assim, foi este o contexto em que, além das
sociedades missionárias, surgiram simultaneamente as Sociedades Bíblicas, começando pela
Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, em 1804, Com isso, configura-se, desde o começo,
a estreita cooperação entre as Sociedades Bíblicas e a Igreja, o que veio a crescer cada vez mais
nestes últimos dois séculos até hoje.

Portanto, o lançamento da Bíblia de Estudo Missionária vem coroar este relacionamento íntimo
entre missão e a Bíblia aqui no Brasil. Que Deus conceda que ela seja mais um recurso
importante para as igrejas, na realização da missão que Deus lhes confiou.

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05 A História da Bíblia e da Missão - Notável Missiólogo e Ex-Presidente das Sociedades
Bíblicas Unidas e da Comunhão Internacional de Estudantes Evangélicos: Samuel Escobar
[original em espanhol]

Na Primeira Epístola de Pedro, o apóstolo nos diz "já que nasceste de novo, não de uma
semente perecível, mas da imperecível, pela viva e permanente palavra de Deus ... E esta
palavra são as boas novas que vos foram pregadas" (1 Ped. 1.23, 25). Um aspecto
fundamental da nossa identidade evangélica é a convicção de que o povo de Deus nasce da
Palavra e por isso está sujeito a ela. A igreja reconhece sua origem na pregação apostólica e,
portanto, coloca a autoridade da Palavra acima da tradição.

Este princípio já aparece no Antigo Testamento. Quando Israel foi para o exílio e estava em
perigo de se desintegrar e desaparecer como povo, a instituição da sinagoga surgiu e deu ao
povo um senso de identidade e fidelidade a Deus, como um testemunho a outros povos e
outras nações. Ao retornar do exílio, o livro de Neemias nos diz que ler e compreender a
Palavra foi o que ajudou a reconstruir a nação para cumprir o propósito divino. O Primeiro
Testamento, ou Escrituras Hebraicas, era a “Bíblia” que Jesus e Paulo estudaram e usaram e
cuja leitura era a atividade central da sinagoga. Quando as novas gerações de judeus, imersos
na língua grega da cultura dominante, começaram a perder a língua nacional hebraico e
aramaico, tornou-se necessário traduzir o Antigo Testamento para o grego, conhecido como
Septuaginta, porque era importante que o povo de Deus conhecesse a palavra de Deus.

A Reforma Protestante no século dezesseis foi uma época de intensa atividade em termos de
tradução e disseminação da Bíblia. A prática dos reformadores nasceu de sua convicção sobre
a maneira como Deus dá vida, renova e promove o crescimento da Igreja por meio da Bíblia.
A invenção da imprensa por Gutenberg em 1450 tornou os livros disponíveis para homens e
mulheres comuns, de modo que um novo artefato cultural - o livro - tornou-se o veículo de
uma revolução espiritual. Embora os principais reformadores tenham se dedicado
intensamente ao ensino e à vida pastoral das igrejas protestantes em expansão, quase todos
eles também priorizaram a tradução e promoção da Bíblia.

Quando o movimento missionário protestante floresceu dois séculos e meio depois de Lutero,
o componente fundamental da metodologia missionária adotada foi a tradução das Escrituras.
Os historiadores de missões reconhecem que essa prática e a convicção de que os cristãos
deveriam ter a Bíblia em suas mãos, em sua própria língua, no menor tempo possível foram
fundamentais para o avanço do evangelho.

Durante o século XIX e as primeiras décadas dos anos 1920, a Bíblia desempenhou um papel
decisivo no surgimento de vigorosas igrejas evangélicas na América Latina. Não era
simplesmente um livro de doutrina ou um guia devocional, mas a Bíblia era a ferramenta
básica para a evangelização, para lançar as sementes que resultaram na igreja. Essa ênfase foi
baseada na convicção de que Deus fala hoje por meio de sua Palavra e por seu Espírito de
uma forma que o cristão comum possa entender. Além disso, na tarefa de entender como
interpretar a Escritura, devemos sempre ter em mente a convicção de Lutero: a Bíblia é um
livro claro e que torna possível o sacerdócio dos crentes, para que o cristão competente
estivesse apto a interpretar a Bíblia, e o A Bíblia é clara o suficiente em seu conteúdo para
fazer sentido para o crente. Ao mesmo tempo, Lutero escreveu comentários para ajudar as
pessoas neste processo, e outros artigos introdutórios nesta Bíblia de estudo explicam a
importância dessas ajudas, uma das quais é esta Bíblia de estudo. Visto que o propósito de

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Deus é alcançar todas as famílias na terra com sua mensagem de amor, a Palavra de Deus é
traduzível. Por exemplo, embora Jesus ensinasse em aramaico e hebraico, os escritores dos
Evangelhos usavam o grego, então a língua mais difundida. Assim, esses documentos
originais já eram uma tradução compreensível.

A Bíblia serviu como um instrumento para reformar a igreja do século dezesseis em duas
dimensões: (1) evangelizar pessoas que eram apenas nominalmente cristãs e (2) renovar
espiritual e moralmente os cristãos genuínos, que poderiam assim enfrentar o desafio da era
moderna de que estava começando naquele momento histórico. Um século depois da
Reforma, ficou claro que o próprio protestantismo não era imune a alguns dos sinais de
decadência que os reformadores atacaram no catolicismo romano. No entanto, a Bíblia
continuou sendo o instrumento fundamental de Deus para a renovação. Para os movimentos
de renovação, como o movimento pietista do final do século XVIII e primeiras décadas do
século XIX, o retorno à Bíblia foi decisivo. O fervor missionário inicial dos protestantes veio
daquele movimento caracterizado por uma profunda devoção à Bíblia e uma firme crença em
seu poder evangelizador.

A Bíblia serviu como um instrumento para reformar a igreja do século dezesseis em duas
dimensões: (1) evangelizar pessoas que eram apenas nominalmente cristãs e (2) renovar
espiritual e moralmente os cristãos genuínos, que poderiam assim enfrentar o desafio da era
moderna de que estava começando naquele momento histórico. Um século depois da
Reforma, ficou claro que o próprio protestantismo não era imune a alguns dos sinais de
decadência que os reformadores atacaram no catolicismo romano. No entanto, a Bíblia
continuou sendo o instrumento fundamental de Deus para a renovação. Para os movimentos
de renovação, como o movimento pietista do final do século XVIII e primeiras décadas do
século XIX, o retorno à Bíblia foi decisivo. O fervor missionário inicial dos protestantes veio
daquele movimento caracterizado por uma profunda devoção à Bíblia e uma firme crença em
seu poder evangelizador.

Isso não foi simplesmente uma renovação do interesse acadêmico nas Escrituras. Em vez
disso, dentro dos grandes corpos protestantes, a multiplicação de pequenos grupos enfatizava
uma vida de piedade, de estudo das Escrituras e de oração. O pietismo foi decisivo no
desenvolvimento do movimento moraviano, que por sua vez foi a fonte do primeiro esforço
missionário intencional do protestantismo no século XVIII. Durante os séculos XIX e XX, as
missões protestantes alcançaram um dos maiores avanços da história missionária, e a Bíblia
desempenhou um papel fundamental nesse avanço.

Esta evangelização centrada na comunicação da mensagem bíblica foi fecunda no mundo de


língua espanhola, com um notável crescimento numérico de crentes e igrejas. O Evangelho
da Palavra de Deus pregado, lido, meditado e obedecido tem demonstrado seu caráter
transformador. Agora, tomamos consciência de que um novo crescimento na compreensão do
Evangelho de Jesus Cristo e a mudança de vida que ele traz deve acompanhar esse
crescimento numérico. É por isso que uma agenda de retorno à centralidade da Palavra para o
povo de Deus é tão importante.

Na América Latina, também é evidente o surgimento de um forte impulso missionário que só


pode vir do Espírito Santo. Existem dezenas de milhares de missionários latino-americanos
em países da Europa, Ásia, África e Américas. Além disso, muitos imigrantes evangélicos
são missionários e missionários voluntários. Para que a prática da missão esteja de acordo
com o propósito divino e o modelo de Jesus Cristo, é muito importante alimentá-la e

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direcioná-la com a revelação divina na Bíblia. Só então os missionários latino-americanos
poderão ver pessoas convertidas à fé viva em Jesus Cristo, transformador de vidas e
sociedades. Uma Bíblia de estudo com ênfase no ensino missional de toda a Palavra de Deus
é uma ferramenta que visa ajudar o povo de Deus no mundo de língua inglesa, espanhola e
portuguesa a cumprir sua missão de maneira renovada. Afinal, a intenção divina por trás da
escrita da Palavra de Deus era espalhar a mensagem entre todos os povos, nações e línguas da
humanidade.

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06 O tema missionário das Escrituras – Diretor de Ministérios Internacionais para
Langham Partnership International: Christopher J. H. Wright

Frequentemente se pensa em missão como um fenômeno do Novo Testamento ou posterior à


igreja primitiva. É possível ler o Velho Testamento também como um texto missional? A
justificativa mais clara para isto é que o próprio Jesus disse aos seus discípulos que eles assim
o lessem. Por duas vezes em Lucas 24 ele repassa todo o cânon das Escrituras do Velho
Testamento e afirma: “Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os
mortos no terceiro dia, e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de
pecados, a todas as nações,...” (vv.45-47). A primeira afirmação é uma leitura messiânica do
Velho Testamento; a segunda, uma leitura missiológica – e Jesus incentiva a todos aqueles que
fazem a leitura do Velho Testamento centrada conscientemente nele que adotem esta mesma
dupla estratégia hermenêutica.

Começar desta maneira, isto é, imitando Jesus em seu uso teocêntrico e teleológico das
Escrituras (afirmando que as Escrituras revelam “toda a vontade de Deus”) também nos faz
lembrar que lidar com a Bíblia em relação a missão não é simplesmente uma questão de
identificar nela temas que justifiquem e deem forma a nosso envolvimento missionário. Porque
por trás de toda a missão humana está a missão de Deus. E a própria Bíblia (inclusive o Velho
Testamento, é claro) é uma dimensão da missão de Deus. Todo o cânon das Escrituras é um
fenômeno missional, no sentido de que ele testifica o movimento de autodoação deste Deus
por meio da revelação e da redenção, um movimento em direção a sua criação e a nós, seres
humanos feitos à imagem do próprio Deus, mas desobedientes e rebeldes. Os escritos que ora
compõem nossa Bíblia são, eles próprios, produto e testemunho da missão última de Deus para
a redenção da humanidade e da criação.

Além disso, não poucas vezes os processos pelos quais estes textos foram escritos eram por
natureza profundamente missionais. Muitos deles surgiram de eventos, dificuldades, crises ou
conflitos enfrentados pelo povo de Deus na sua tarefa desafiadora e interminável, a de articular
e viver o que entendiam da revelação de Deus e de sua ação redentora no mundo. Às vezes
esses conflitos eram internos ao povo de Deus; às vezes eram conflitos extremamente
polêmicos devido às diferentes afirmações religiosas e cosmovisões diversas dos povos ao seu
redor. Muitas vezes os textos bíblicos têm sua origem em alguma questão, necessidade,
controvérsia ou ameaça com a qual o povo de Deus precisava lidar no contexto de sua missão.
O próprio texto é um produto de missão em ação.

É fácil ver isso no Novo Testamento. A maioria das cartas de Paulo foi escrita no calor de seus
esforços missionários: lutando para definir a base teológica da inclusão dos gentios; afirmando
a necessidade de judeus e gentios se aceitarem mutuamente em Cristo e na igreja; enfrentando
os inúmeros problemas novos que surgiam nas novas igrejas com a implantação do Evangelho
no mundo do politeísmo grego; confrontando heresias incipientes através de afirmações claras
da supremacia e suficiência de Jesus Cristo, e assim por diante. Semelhantemente, os
Evangelhos foram escritos para explicar a significância das boas novas a respeito de Jesus de
Nazaré, mais particularmente a respeito de sua morte e ressurreição. Confiança nesses
elementos era essencial para a tarefa missionária da igreja que se expandia.

Voltando ao caso do Velho Testamento, percebemos que muitos textos surgiram do


engajamento de Israel com o mundo ao seu redor, à luz do que conheciam de Deus na sua
história e na sua relação com Ele como povo da aliança. Pessoas escreveram textos sobre o que
acreditavam que Deus havia feito, estava fazendo, ou ainda faria no mundo delas. A Torá

13
registra o êxodo como um ato de Javé que confrontou e, de maneira ampla, derrotou o poder
de Faraó e todas as suas reinvindicações de ser uma divindade rival, merecedora de devoção.
A Torá apresenta uma teologia da criação diametricamente oposta aos mitos politeístas da
criação conhecidos na Mesopotâmia.

As narrativas históricas do Velho Testamento retratam a longa e triste história das lutas de
Israel contra a cultura e a religião de Canaã, lutas também presentes nos escritos dos profetas
pré-exílicos. Os textos exílicos e pós-exílicos surgem da tarefa que a pequena comunidade
remanescente de Israel enfrentou para definir a continuação de sua identidade como uma
comunidade de fé atuante numa sucessão de impérios que trataram Israel com diversos níveis
de hostilidade ou tolerância. Os textos de sabedoria dialogam com as tradições internacionais
de sabedoria das culturas ao seu redor, mas o fazem com um forte desinfetante monoteísta. E
em sua adoração e sua profecia, os israelitas refletem – às vezes negativamente, às vezes
positivamente – sobre a relação entre seu Deus, Javé, e as demais nações, e sobre a natureza de
seu próprio papel como sacerdócio eleito de Javé no meio das nações.

Esta observação de que o cânon das Escrituras, incluindo o Velho Testamento, é missional em
sua origem (no propósito de Deus), e em sua formação (nos múltiplos contextos de
engajamento cultural) significa que a chamada “contextualização” não é algo que
acrescentamos ao “verdadeiro significado” dos textos bíblicos, mas algo intrínseco aos
mesmos. A tarefa de re-contextualizar a palavra de Deus é um projeto missional que tem sua
base nas próprias Escrituras, e que tem sido parte da missão do povo de Deus ao longo dos
séculos. O fechamento do cânon das Escrituras se refere ao encerramento da obra de Deus na
revelação e na redenção, e não ao encerramento do testemunho – contínuo, necessário e
enculturado em cada cultura – àquela obra consumada.

Resumindo, uma hermenêutica missional parte do pressuposto de que toda a Bíblia nos
apresenta a história da missão de Deus, através do povo de Deus em seu envolvimento no
mundo que é de Deus em prol do propósito de Deus para toda a criação de Deus.

A seguir apresentamos um breve panorama de alguns dos principais temas do Velho


Testamento que sustentam este entendimento de missão. Não se trata de uma busca por
versículos isolados que talvez digam algo relevante para nosso conceito limitado do envio de
missionários; é, antes, um esboço de algumas das grandes trajetórias do entendimento de Israel
sobre seu Deus, e sobre a missão de Deus por meio de Israel para todas as nações. Nossa
preocupação principal não é com o apoio eventual que o Velho Testamento possa oferecer ao
que já estamos fazendo; é com a teologia que sustenta toda aquela cosmovisão que é a premissa
fundamental da missão cristã.

Faremos, então, um resumo das implicações missiológicas de quatro grandes pilares da fé


veterotestamentária – o monoteísmo, a eleição, a ética e a escatologia.

A singularidade do Deus de Israel

Israel fazia afirmações extraordinárias sobre Javé, afirmações que em seu contexto imediato
eram polêmicas, e que continuam sendo reivindicações distintas. Entre elas estava a declaração
monoteísta de que somente Javé é Deus e que não há outro além dele (por ex., Dt 4.35, 39).
Portanto, como único Deus, Javé é dono do mundo e o dirige (Dt 10.14, 27; Sl 24.1; Jr 27.1-
12; 1Cr 29.11). Em última análise, isto significa a remoção radical de todos os outros deuses
rivais, e o reconhecimento de Javé como Deus sobre toda a terra e sobre todas as nações (por

14
ex., Sl 96; Jr 10.1-16; Is 43.9-13; 44.6-20). O impacto dessas afirmações se faz sentir em
contextos dos mais diversos, como na luta contra a idolatria, na linguagem de adoração, e na
reação a outras nações, tanto em sua história internacional contemporânea quanto em sua visão
escatológica.

Não há dúvida de que a força das afirmações do Velho Testamento sobre a singularidade e
universalidade de Javé como Deus servem de base, e até fornecem parte do vocabulário, para
as afirmações do Novo Testamento sobre a singularidade e universalidade de Jesus (veja Fp
2.9-11, baseado em Is 45.23; e 1Co 8.5-6, baseado em Dt 6.4). É também digno de nota o fato
de que, em seu próprio contexto histórico, essas primeiras afirmações cristãs eram tão
polêmicas quanto as do antigo Israel. E, por sua vez, elas também forneceram a justificativa
principal e a motivação para a missão cristã. São as implicações missiológicas do monoteísmo
bíblico. Se somente Javé é Deus e se somente Jesus é o Senhor, e se é a vontade de Deus (como
a Bíblia deixa bem claro) que essas verdades sejam conhecidas por todos, então essas
convicções possuem um mandato missional intrínseco.

Uma compreensão totalmente bíblica da universalidade e da singularidade de Javé e de Jesus


Cristo está na linha de frente de uma resposta missional ao relativismo que é o cerne do
pluralismo religioso e de algumas expressões de filosofia pós-moderna.

O propósito da eleição de Israel

O Velho Testamento começa no palco da história universal. Depois dos relatos da criação,
lemos a história de como Deus lidou com a humanidade caída, e o problema e desafio do mundo
das nações (Gn 1-11). Depois dos relatos sobre o Dilúvio e a Torre de Babel, poderia haver um
futuro para as nações no que diz respeito a seu relacionamento com Deus? Ou o juízo teria que
ser a última palavra de Deus?

A história de Abraão, começando em Gênesis 12, nos dá uma resposta clara. O compromisso
declarado de Deus é que ele pretende abençoar as nações: “Em ti serão benditas todas as
famílias da terra” (Gn 12.3). Repetida seis vezes somente em Gênesis, esta afirmação chave é
o fundamento da missão bíblica, pois ela anuncia a missão de Deus. A missão do Deus Criador
é nada menos do que abençoar as nações humanas. Esta agenda divina é tão fundamental que
Paulo define a declaração de Gênesis como “o pré-anúncio do evangelho” (Gl 3.8). E a visão
com que a Bíblia toda termina representa o cumprimento da promessa a Abraão, com pessoas
de toda nação, tribo, língua e povo reunidos, tomando seu lugar entre os redimidos na nova
criação (Ap 7.9). Tanto o Evangelho como a missão começam em Gênesis, e ambos remontam
à intenção redentora do Criador de abençoar as nações. Missão é a forma de Deus tratar o
problema de uma humanidade caída e desunida, e é universal em seu alvo último e em sua
extensão.

Os mesmos textos de Gênesis que afirmam a universalidade da missão de Deus de abençoar


as nações, também afirmam, e com igual força, a particularidade da eleição divina de Abraão
e seus descendentes como veículos dessa missão. A eleição de Israel é um dos pilares mais
fundamentais da cosmovisão bíblica, e do senso de identidade de Israel ao longo de sua história.
É imprescindível insistir que, embora a crença em sua eleição pudesse ser (e foi) distorcida,
transformada num dogma de superioridade nacional, esse desvio encontrou resistência na
própria literatura de Israel (por ex., Dt 7.7ss.). Ali afirma-se que Javé, o Deus que havia
escolhido Israel, era também o criador, dono e Senhor de todo o mundo (Dt 10.14s., veja
também Êx 19.4–6). Ou seja, Javé não era apenas “o Deus deles” – ele era Deus de todos (como

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Paulo insiste em Romanos 4). Javé havia escolhido Israel visando seu propósito para com o
mundo, e não somente para com Israel. A eleição de Israel não equivalia a uma rejeição das
nações, mas era explicitamente para o benefício das mesmas. A eleição não é um privilégio
exclusivo, mas uma responsabilidade inclusiva. Parafraseando o texto de João: “Porque Deus
amou ao mundo de tal maneira que escolheu Israel”.

Assim sendo, ao invés de perguntar se Israel “tinha uma missão”, no sentido de ter sido
“enviado” a algum lugar (mais uma injeção anacronística de nosso paradigma de “enviar
missionários”), precisamos discernir a natureza missional da existência de Israel em relação à
missão de Deus no mundo. A missão de Israel era a de ser algo, e não a de ir a algum lugar.
Esta perspectiva é claramente focalizada na pessoa do Servo de Javé (Isaías 40-55) que tanto
encarna a eleição de Israel (a mesma coisa é dita a respeito de Israel e do Servo), como é
encarregado da missão (igual à de Israel) de levar a bênção da justiça, salvação e glória de Javé
até os confins da terra.

A vida de Israel no mundo

Nossa ênfase principal aqui é ética, ou seja, trata-se da dimensão missiológica da santidade de
Israel. Israel foi chamado para ser diferente do mundo ao seu redor não somente em termos
religiosos, mas também éticos. Gênesis 18.19 afirma que este aspecto era o verdadeiro
propósito da eleição de Israel em relação à promessa de Deus de abençoar as nações. Num
contraste dramático com o que prevalecia no mundo de Sodoma e Gomorra, Javé diz, a respeito
de Abraão: “Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim
de que guardem o caminho do SENHOR e pratiquem a justiça e o juízo; para que o SENHOR
faça vir sobre Abraão o que tem falado a seu respeito” (Gn 18.19). A construção gramatical
deste versículo, bem sucinta, reúne a eleição, a ética e a missão como três aspectos entrelaçados
do propósito de Deus. A sua escolha de Abraão é por causa de sua promessa (de abençoar as
nações); mas o cumprimento da missão de Deus exige a obediência ética do povo de Deus – o
eixo central do versículo.

Em Êxodo 19.4-6, a distintiva ética de Israel também está ligada à sua identidade e papel como
povo sacerdotal e santo no meio das nações. Como sacerdócio de Javé, Israel seria o meio
através do qual Deus seria conhecido pelas nações, e o meio de levar as nações a Deus
(exercendo uma função análoga à dos próprios sacerdotes de Israel que eram mediadores entre
Deus e o resto do povo). Como povo santo, Israel seria eticamente (assim como ritualmente)
distinto das nações ao seu redor. As dimensões morais e práticas desta santidade distintiva são
especificadas em Levíticos 18-19. Tal comportamento visivelmente diferente seria alvo de
observação e comentário entre as nações, e esta expectativa por si só era uma forte motivação
para guardar a lei (Dt 4.6-8). A questão da obediência ética ou da falha ética por parte de Israel
não era apenas uma questão entre Israel e Deus, mas tinha um significado enorme no que disse
respeito aos planos de Javé para as nações (veja Jr 4.1-2). E isto significa que há uma ligação
inseparável entre a ética do Velho Testamento e a missão de Deus como declarada no Velho
Testamento.

A mim me parece que esta perspectiva missiológica da ética do Velho Testamento é uma
maneira promissora de abordar o velho debate hermenêutico sobre a autoridade ou relevância
do ensino moral dado a Israel no Velho Testamento (especialmente a lei) para os cristãos. Se a
lei foi dada para moldar Israel naquilo que ele foi chamado para ser – uma luz para as nações,
um sacerdócio santo – então ela tem uma relevância paradigmática para aqueles que, em Cristo,
herdaram o mesmo papel em relação às nações. Tanto no Velho quanto no Novo Testamento,

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a exigência ética para aqueles que se dizem povo de Deus é determinada pela missão que lhes
foi confiada. Não há missão bíblica sem ética bíblica.

O escopo da visão de Israel para o futuro

Israel via as nações (inclusive a si mesmo) como sujeitas ao reino soberano de Deus sobre a
história – tanto em juízo como em misericórdia (veja Jr 18.1–10; Jonas). Mas Israel também
via as nações como “espectadores” de todo o trato de Deus para com Israel – tanto
positivamente quanto negativamente. Ou seja, quer recebesse libertação de Deus, ou os golpes
de seu juízo, Israel vivia num palco aberto, e as nações haviam de tirar suas próprias conclusões
(Êx 15.15; Dt 9.28; Ez 36.16–23).

No entanto, mais adiante, e de forma um tanto misteriosa, as nações eram vistas como
beneficiárias de tudo o que Deus havia feito em Israel e em prol dele, e até mesmo eram
convidadas a regozijar-se, aplaudir e glorificar a Javé, o Deus de Israel (Sl 47; 1Rs 8.41-43; Sl
67). E, o mais impressionante, Israel chegou a nutrir uma visão escatológica em que, entre os
provenientes das nações, alguns não somente se juntariam a Israel, mas seriam identificados
como Israel, com os mesmos nomes, privilégios e responsabilidades diante de Deus (Sl 47.9;
Is 19.19–25; 56.2–8; 66.19–21; Zc 2.10–11; Am 9.11–12).

Em seu escopo universal estes textos são de tirar o fôlego. Esta é a dimensão da herança
profética de Israel que mais profundamente influenciou a explicação e motivação teológicas da
missão gentílica no Novo Testamento. Certamente é a base da interpretação de Tiago da obra
de Cristo e do sucesso da missão entre os gentios conforme Atos 15.16-18 (citando Amós 9.12).
E, da mesma forma, ela inspirou os esforços de Paulo como praticante e teólogo de missão (por
ex., Rm 15.7-16; Ef 2.11-3.6). E ainda, forneceu o matiz teológico dos Evangelhos, cada um
terminando com sua versão da grande comissão, o envio dos discípulos de Jesus ao mundo das
nações.

Em último lugar, não podemos omitir a visão ainda mais ampla de que não somente as nações,
mas toda a criação será incluída nos propósitos redentores de Deus. Este Deus de Israel, das
nações e do mundo, declara, ele mesmo, que está criando novos céus e nova terra, e que a
humanidade redimida viverá em segurança, em harmonia entre si e em paz com seu meio
ambiente, dentro da criação renovada. Mais uma vez o Novo Testamento endossa essa
interpretação, e com entusiasmo (Sl 96.11-13; Is 65.17-25; Rm 8.18-21; 2Pe 3.13; Ap 21.1-5).
Além de alimentar nossa esperança hoje, este ensino permite que entendamos que a
preocupação e a ação de cristãos em prol do meio ambiente e do cuidado para com a criação
fazem parte essencial de nossa missão bíblica, integral.

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07 O Enredo Missional das Escrituras – Editores Gerais: Timóteo Carriker e Sherron
George

Há pelo menos três boas maneiras de se falar sobre missão na Bíblia. Primeiro, pode-se
procurar passagens específicas que dizem respeito a algum aspecto da obra missionária e fazer
uma boa exposição de cada uma, tentando, em seguida, traçar algumas conclusões em comum.
Este exercício traz à luz os “fundamentos bíblicos de missão” ou “de missões” e constitui um
primeiro passo importante para falar da perspectiva missional ou missionária da Bíblia.

Segundo, ao invés de partir de passagens bíblicas específicas, pode-se destacar os principais


temas da Bíblia e depois, considerar como estes temas esclarecem um plano missionário de
Deus e/ou a obra missionária da igreja. O êxito desta abordagem temática depende de um
trabalho cuidadoso e fiel de interpretação dos textos bíblicos. Na reflexão anterior de
Christopher Wright, “O propósito missionário das Escrituras”, ele desenvolveu este tipo de
abordagem de maneira genial.

Mas ainda há uma terceira boa maneira de se falar sobre missão na Bíblia. É uma abordagem
que busca nem tanto os principais temas em si, mas os enredos que permeiam as Escrituras e
encaminham o leitor que segue essas narrativas até a sua finalização. A diferença é sutil, mas
importante. A elaboração de temas não exige necessariamente uma sequência de
desenvolvimento histórico, pelo menos não do desenvolvimento da narrativa da Bíblia. Um
melhor entendimento dos enredos exige esta sequência. Pois o enredo narrativo é sempre
enredo de uma história. O êxito desta abordagem meta-narrativa também depende do um
trabalho anterior de estudo e interpretação de passagens bíblicas (a primeira abordagem de
fundamentos bíblicos de missão) e de identificação dos principais temas desenvolvidos nas
Escrituras (a segunda abordagem temática). A sua vantagem é que trata a Bíblia não só como
muitos livros individualmente escritos por diversas pessoas em contextos históricos e culturais
diferentes (e a Bíblia certamente é isto), mas também a percebe como um livro único com um
só autor por trás de todos os autores, o próprio Deus. Ou seja, a abordagem narrativa parte do
pressuposto de um só autor que deu ao mundo este texto com um propósito. E é este propósito
que queremos entender...

O grande enredo da salvação

Se Deus é o Autor por trás de todos os autores dos livros da Bíblia, podemos esperar uma
narrativa fundamental, mesmo com diversos ângulos e nuanças, por trás das diversas narrativas
que os autores humanos nos apresentam. Além disso, quando se lê a Bíblia desta maneira, é
difícil evitar a conclusão, expressa de muitas maneiras nas Escrituras, de que Deus ama o
mundo que Ele criou e está levando, no tempo e no espaço, este mundo e as pessoas que dele
fazem parte, a uma missão de salvação, mesmo que isto envolva também julgamento. Toda a
Bíblia se dirige para a conclusão desta missão de amor. Em outras palavras, Deus está
restaurando aquilo que Ele próprio criou como muito bom, e porque é e será bom, Deus está
resolvendo o problema do mal que veio ao mundo, causando as trágicas consequências de
morte e destruição. As Escrituras relatam esta incrível história por meio de um grande enredo
de salvação que começa e termina com a redenção e a restauração da criação, sendo o seu ápice,
a salvação da humanidade. Conta a recriação de céus e terra em novos céus e nova terra, e
conta a redenção de pessoas de toda língua, raça, tribo e nação. Também é um enredo de terrível
julgamento e destruição, mas a chave para entender tudo isso é a salvação, mesmo que haja
disciplina e punição no processo. Este é o enredo maior das Escrituras. E um dos propósitos de

18
uma Bíblia Missionária de Estudo é justamente destacar esta história, este enredo e esta visão
panorâmica.

No meio desta história da missão de Deus nas Escrituras está a narrativa da missão do povo de
Deus de “abençoar todas as famílias da terra”, “fazer discípulos de todas as nações”, e de levar
o evangelho “até os confins da terra”. Estes eventos centrais da história maior sustentam boa
parte da narrativa das Escrituras. Porém, o pano de fundo geral de cada passagem importante
é uma história mais abrangente ainda, a história da salvação por Deus de toda a Sua criação.

De céus e terra para novo céu e nova terra

Os primeiros dois capítulos da Bíblia relatam a criação dos céus e da terra por Deus. Os últimos
dois capítulos da Bíblia concluem com o estabelecimento do novo céu e da nova terra. Isto, por
si só, já serve de alerta sobre o enredo maior desta “biblioteca de livros” chamada a Bíblia, a
intenção de Deus de restaurar a criação que Ele enfaticamente havia declarado como “boa”, e
“muito boa” (Genesis 1.12, 21, 25, 31). Este tema também se destaca abundantemente no meio
(muitos salmos, inclusive 24.1; 50.10-11; 93; 96.11-12; 104; 145.10; 148.1-13; 150.6) e por
toda a Bíblia (Is 11; 40-45; Rm 8.18-25; 1Co 15.20-28; 2Co 5.17, Ef. 1.20-23; Fp 2.9-11; Cl
1.15-20).

Desde o início, Deus incumbiu a humanidade com o caprichoso cuidado da Sua criação (Gn
1.26; 2.19). E mesmo depois da queda e da introdução do pecado no mundo, esta incumbência
permaneceu de pé (Gn 9.1-7). Este primeiro “mandato” foi dado à humanidade toda. Mas o
povo de Deus, conforme as Escrituras, além de “cuidar” da criação junto com toda a
humanidade, possui um papel especial em relação a criação (Rm 8.18-25; 2Co 5.16-20; Ef
1.21-23) que envolve a sua restauração. É por isto que as Escrituras descrevem o papel redentor
de Cristo em termos mais abrangentes para a criação toda. A missão de Deus é abrangente e
impressionante porque ela flui do amor infinito de Deus por toda a Sua criação. Nosso
chamado e nosso papel como discípulos missionais e como igreja-em-missão é de entender a
sua extensão, adotar a visão e colaborar com Deus, que irá “sujeitar todas as coisas debaixo
dos seus pés” (1Co 15.23-28) e também “fazer convergir nele...todas as coisas, tanto as do céu
como as da terra” (Ef 1.10). Cristo é “o primogênito de toda a criação...nele tudo subsiste” e
por meio da cruz está reconciliando “consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer
nos céus” (Cl 1.15-20). Por isto mesmo, Jesus recebeu “o nome que está acima de todo nome,
para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda
língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2.6-11). O seu senhorio
sobre tudo é a base para esta missão mais abrangente de Deus em relação à obra das Suas mãos.
Jesus não é apenas Senhor do meu coração, e nem Senhor apenas da igreja. Ele é Senhor de
tudo. Esta missão mais abrangente de Deus em Cristo Jesus é o contexto maior da missão da
igreja em relação às pessoas e aos povos. É o enredo maior por trás do enredo que domina
contundentemente as Escrituras: o plano de salvação para “abençoar todas as famílias da terra”
(Gn 12.3) e “fazer discípulos de todas as nações” (Mt 28.19) e para ver um “novo céu e nova
terra” (Ap. 21.1”.

De Abraão e Israel para todos os povos abençoados

O Novo Testamento mostra que há uma só mensagem abrangente e essencialmente boa das
Escrituras (o “evangelho”, que significa “boas notícias”, Mt 24.14; 13.10; 16.15; Lc 4.43;
16.16; Rm 1.16; Ap 14.6). As “boas novas” alcançam o seu auge em Jesus Cristo (Mc 1.1; At
10.36; 11.20; 13.32; Rm 1.1,9; 15.19; 2Co 4.4; 9.13; Gl 1.7; Ef 3.8; Fp 1.27; 1Ts 3.2; 2Ts 1.8).

19
Esta narrativa, o evangelho, se cumpre em Jesus, o seu alvo e a sua realização (Mt 5.17; 12.17;
21.4; Lc 18.31; 24. 25-27, 44-47; Jo 18—19; Rm 10.4). Mas para entender o que significa “se
cumpre em Jesus” é preciso recapitular a narrativa em si. Para isto, o apóstolo Paulo indica o
caminho, pois ele fala do pré-anúncio do evangelho para Abraão, “Em ti, serão abençoados
todos os povos” (Gl 3.8 citando Gn 12.3).

Podemos “começar” a narrativa da missão em Gênesis 12.1-3. E de fato, uma leitura cuidadosa
de Gênesis revela a importância desta passagem onde Deus estabelece a sua aliança com
Abraão, mas deixa claro que a abrangência dessa aliança vai além das suas promessas de
bênção para Abraão e sua família para incluir, por meio de Abraão, “todas as famílias da terra
(Gn 12.3). A confirmação da importância vital desta passagem se dá pela sua repetição para
Abraão e as suas sucessivas gerações (veja a tabela “A grande bênção”, na página 20). Só que
a história não começa bem aqui. Pois Gênesis 12 é a resposta de Deus para Gênesis 11, onde a
arrogância do ser humano alcança novamente um ponto alto (como aconteceu no dilúvio) na
construção da torre de Babel. Logo, a aliança de Deus se apresenta como a resposta de Deus
para o acúmulo do pecado humano, cuja história começou em Gênesis 3 onde o ser criado,
homem ou mulher, ao invés de assumir o seu papel dado por Deus de sujeitar a criação e cuidar
dela, resolveu se sujeitar a uma criatura (a serpente) e desacatar a ordem de Deus acerca dos
seus próprios limites. A escolha de Abraão, e por meio dele, de todo Israel, seria o meio para
Deus resgatar a humanidade desobediente, para que este grupo representante abençoasse todos
os povos, e como vemos em Romanos 8, eventualmente abençoando a própria criação.

É óbvio que nosso Deus de amor deseja, chama e quer moldar um povo para adorar e amar a
Deus e para ser coparticipante na missão de Deus. Esta história ou narrativa do papel de um
povo de Deus se desenvolve ao longo das Escrituras com alguns (aliás, muitos) destaques,
sendo os principais Moisés e Davi. Por meio de Moisés Deus liberta o seu povo que se tornara
escravizado e formaliza o seu pacto anterior com Israel através das instituições da lei e do
sistema de sacrifícios. Ambas as instituições funcionavam para instruir e guiar Israel a partir
de características fundamentais de Deus, como a justiça e a misericórdia. Assim, Israel seria
um povo sacerdotal no meio de todos os povos e intercederia a favor de todos eles (Êx 19.5-
6). Por sua vez, o reino de Davi, apesar das suas falhas, apontava para o futuro, para o dia em
que Deus iria reinar na vida do seu povo e eventualmente na criação toda.

Jesus cumpriu as promessas de Deus para Abraão porque por meio dele, e não de Israel, que
fracassou repetidamente, são derramadas bênçãos de Deus sobre todos os povos (Ef 1.3). Ele
cumpriu as promessas de Deus para Moisés, porque Jesus “cumpriu” a lei (Mt 5.17; Rm 10.4)
e o sistema de sacrifícios (Hb 5—9) e assim abriu um novo caminho para servir a Deus na
plenitude do Espírito Santo (Ef 1.13; 5.18). E por meio de Jesus, o povo de Deus pode realizar
a sua incumbência sacerdotal recebida no Monte Sinai (Êx 19.5-6) a favor dos povos (1Pe 2.9).
E finalmente, o Novo Testamento é incansável em afirmar que Jesus é o Filho de Davi (Mt 1.1;
Lc 1.32; Rm 1.3) que cumpre as promessas de Deus de um descendente de Davi que viria para
reinar eternamente e sobre toda a terra (2Sm 7.12-17; Sl 72).

Esta é a história que as Escrituras contam, uma história que culmina na vida morte e
ressurreição de Jesus e que continua em uma espiral crescente no trabalho missionário da igreja
equipada pelo Espírito de Cristo. É a história que lemos no Livros de Atos e nas cartas dos
apóstolos. E é a história de julgamento e de salvação gloriosa, cujo cumprimento final lemos
no Livro de Apocalipse.

20
Nós fazemos parte desta história! É a história da missão de Deus, o seu amor pelo mundo e o
seu plano de restaurar o mesmo. E é a história na qual recebemos um chamado para participar
ativamente como parceiros de Deus. É a missão de Deus. E é a nossa missão.

21
08 Eclesiologia Missional - Missiólogo Notável: Michael W. Goheen

Missão de Deus e Natureza Missionária da Igreja

Esta Bíblia de estudo foi projetada para ajudar os leitores a discernirem o formato missional
da Bíblia. Esse formato fundamental é, em primeiro lugar, a história da missão redentora de
Deus para restaurar toda a criação e toda a vida da humanidade do pecado e de sua maldição.
Mais recentemente, isso é chamado de missão de Deus.

Mas, em segundo lugar, inclui um povo missional. No centro da missão de restauração de


Deus narrada nas Escrituras, está uma comunidade escolhida e chamada a participar e
desempenhar um papel na obra redentora de Deus. Deus trabalha antes de tudo em nós como
seu povo para nos restaurar à nossa humanidade plena. Ele então trabalha através de nós para
trazer essa restauração a todas as nações. O povo escolhido de Deus é abençoado para ser
uma bênção: a bênção do design criativo de Deus para o florescimento da vida humana é
graciosamente restaurada em nós por meio de sua obra salvadora, para que possamos ser um
canal dessa bênção para o mundo todo. A missão salvadora de Deus se move dentro e através
de uma comunidade específica para incorporar todas as nações em sua obra de renovação.

A narrativa da obra redentora de Deus passa pela missão de Israel até seu clímax na vida,
morte e ressurreição de Jesus Cristo e segue para a missão da igreja em todas as nações. É
essa história que nos dá nossa identidade missional. Somos escolhidos não apenas para
sermos beneficiários da missão reconciliadora de Deus, mas também para sermos
instrumentos dessa missão para os outros. Existimos não apenas para nós mesmos, mas para
o bem do mundo. Somos um povo “para que”: somos curados para que possamos ser uma
presença curadora no mundo.

Nossa vocação missionária pode ser definida como o chamado para sermos um povo distinto
que manifeste o que significa ser verdadeiramente humano em contextos culturais específicos
para o bem do mundo. Esta definição destaca três características. Primeiro, somos chamados
a ser um povo distinto que manifesta o que significa ser verdadeiramente humano. O povo de
Deus está voltado a três direções: de volta à criação, incorporando o projeto original de
criação e a intenção de Deus para a humanidade; rumo à nova criação, vivendo como sinal e
antevisão da nova humanidade de Deus; e para fora, para as culturas do mundo, em um
encontro missional. Essa direção voltada para fora acentua a segunda característica: vivemos
nossa distinção dentro de contextos culturais específicos. Israel incorporou sua santidade
distinta em meio à idolatria das culturas do antigo Oriente Próximo. A igreja encarna sua
humanidade renovada em meio às muitas culturas idólatras do mundo. Dentro dessas
culturas, o chamado da nova humanidade de Deus é para ser distinto, para rejeitar seus
padrões idólatras enquanto abraça o que é bom da criação de cada lugar. E a terceira
característica é que vivemos para o bem do mundo. Somos colocados no meio das nações
para que todos observem a nova humanidade de Deus e sejam atraídos para essa comunidade.
Existimos para ser um canal das bênçãos de Deus para as nações da terra.

Esta vocação missional da igreja tem implicações para toda a vida da congregação local.
Esboçamos brevemente quatro áreas: sua identidade, sua vida reunida, sua vocação no mundo
e sua compreensão do contexto cultural.

A identidade da Igreja

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A primeira questão para a Igreja, se é para ser fiel, é sempre uma questão de identidade:
quem somos e a quem servimos? Se não encontrarmos nossa identidade na história bíblica,
ela será, automaticamente, encontrada em outro lugar, quase certamente em nossa história
cultural e localização social. Então, não seremos mais as pessoas que fomos chamados a ser e
serviremos ao mestre errado.

Considere a igreja alemã sob o nazismo, que se esqueceu de quem eram e a quem deveriam
servir. Foram moldados pela história socialista alemã e, portanto, serviram aos deuses étnicos
de sangue, solo e nação. Ou pense na igreja sul-africana sob o apartheid ou na Igreja na
Rússia e na Europa Oriental sob o comunismo. Embora sempre tenha havido crentes fiéis
nesses ambientes, em geral são exemplos flagrantes de uma igreja que permitiu que a
idolatria reinante de sua cultura moldasse sua identidade e a quem serviam.

Mas às vezes identidade equivocada e falsos deuses não parecem ser tão tenebrosos. Por
exemplo, quando a igreja é considerada uma organização religiosa voluntária composta por
pessoas que acreditam na mesma coisa, a identidade da igreja foi sequestrada pelo
individualismo. Ou quando a igreja se torna uma fornecedora de bens e serviços religiosos,
então a identidade da igreja está sendo moldada pelo consumismo. Ou quando a igreja é
considerada uma instituição que só existe para o benefício de seus membros, então o
narcisismo egoísta da cultura moldou sua identidade. Ou quando a igreja está confinada ao
domínio religioso e privado da cultura, o secularismo estabeleceu os termos para a identidade
da igreja.

Uma compreensão da igreja missional que participa da missão salvadora de Deus, conforme
esboçado acima, moldará a identidade da congregação local de pelo menos duas maneiras.
Primeiro, somos nada menos do que a nova humanidade restaurada por Deus para ser o que a
humanidade deveria ser no início. Quando Adão se rebelou, Deus escolheu Abraão de entre a
velha humanidade, para ser o início de um novo povo que seria a humanidade que Adão
deveria ter sido. A história que começa com Abraão culmina em Jesus Cristo, cujo ato de
obediência forma a nova humanidade prometida a Abraão. Pela fé em Cristo, entramos nesta
raça humana renovada. A igreja não é uma organização religiosa, mas uma imagem e uma
prévia da nova humanidade de Deus, incorporando sua intenção criadora para toda a
humanidade. Confinar a igreja a uma esfera privada, futura e sobrenatural é permitir que
nossa cultura molde nossa identidade, privatizando a religião e removendo-a de toda a vida.

Uma segunda característica definidora de nossa identidade é que não existimos apenas para
nós mesmos, mas para o bem do mundo. Somos um povo voltado para fora. Somos
escolhidos não apenas para desfrutar de nossa salvação, mas para dar testemunho aos que
estão de fora, através da nossa vida, palavra e ação, de que Deus está restaurando o mundo e
a humanidade à sua bondade original.

A vida em reunião da igreja

Uma compreensão missional da igreja também nos dá as lentes adequadas para ver a vida em
reunião da congregação. A igreja assume forma institucional: é um povo organizado em um
determinado lugar para cumprir uma determinada tarefa. A igreja também é uma
comunidade: é um povo que compartilha uma vida comum. E é essa vida em reunião que
muitas vezes tem dominado nosso auto-entendimento e chamado. Quando separamos esta

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vida institucional e comunitária do quadro maior do propósito de Deus na história bíblica, a
igreja pode se voltar para dentro e esquecer por quê se reúne.

Nós nos reunimos para adorar, ouvir a Palavra de Deus, orar e participar dos sacramentos.
Nós nos reunimos em comunidade para exercitar nossos vários dons e exemplificar as muitas
passagens "uns aos outros" do Novo Testamento. Nós nos engajamos no discipulado e na
formação para nos equiparmos todos para sermos mais fiéis em nosso compromisso cristão.
Temos estruturas na liderança e na congregação que nos permitem realizar essas tarefas. E
tudo isso - e muito mais - faz parte do que significa ser uma congregação saudável.

Mas se esquecermos por quê fazemos essas coisas, corremos perigo mortal de termos um
egocentrismo piedoso. Somos abençoados para ser uma bênção: esta vida em reunião
aprofunda nossa nova vida em Cristo, para que possamos levar essa bênção aos outros. O
propósito de nossa vida institucional e comunitária em reunião é nutrir-nos como um povo
para receber cada vez mais o poder renovador da vida de ressurreição por meio do Espírito.
Nossa oração, comunhão, discipulado e liderança são todos planejados para canalizar a nova
vida do reino de Deus para a comunidade crente - mas em última instância e sempre para o
bem do mundo. Se o propósito missional de nossa vida institucional e comunitária for
esquecido, a igreja perdeu algo essencial para sua vocação.

Quando olhamos o livro do Apocalipse, por exemplo, vemos muitos cânticos e muita liturgia,
todos canalizando o culto da igreja para aquele que está no trono e o Cordeiro. Mas a
adoração serve ao propósito de formar uma comunidade que pode resistir à idolatria do
Império Romano e testemunhar a vitória do Cordeiro na cruz. A adoração traz glória a Deus,
mas também forma a identidade de um povo que viverá suas vidas encontrando seus ídolos
culturais. A adoração nos submerge no mundo real por um período de tempo, nos enraíza
naquele mundo real e, então, nos envia para um mundo falsamente construído pela idolatria
para dar testemunho da verdade. A adoração que existe apenas para nosso desfrute, ou pior,
para o entretenimento do povo de Deus não os preparará para sua difícil vocação no mundo.

Uma igreja missional dará alta prioridade ao discipulado - que aprofunda a compreensão da
palavra de Deus, que ensina as pessoas a orar, que abre uma nova visão sobre o que significa
servir a Deus em nossas vocações na vida pública, que prepara os pais para formar seus filhos
como seguidores de Jesus, que aprofunda o discernimento dos ídolos culturais, que enraíza
cada vez mais as pessoas em práticas e ritmos que lhes permitem receber seiva de vida nova
da videira. Tudo isso equipa o povo de Deus para viver suas vidas como testemunha da obra
renovadora de Deus no mundo.

A Vida Dispersa da Igreja

Nossa identidade missional também nos dá uma perspectiva de nossa vocação no mundo.
Nosso testemunho da obra renovadora de Deus em Jesus Cristo como um povo disperso
estará antes de tudo em nossas vidas. Visto que somos nada menos que a nova humanidade,
testemunhamos o que Deus pretende para a vida humana em todo o espectro cultural e social.
O povo de Deus é enviado para suas várias ocupações e chamados para incorporar o projeto
criativo de Deus para essas áreas da cultura. Professores e políticos, profissionais jurídicos e
médicos, engenheiros e operários, donas de casa e líderes empresariais - todo o povo de Deus
deve viver algo do design criativo de Deus para a educação, política, direito, medicina,
indústria e negócios. E além de nossa vida profissional, somos chamados a manifestar o

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poder renovador de Deus em nosso casamento, família e vizinhança. Na verdade, toda a
nossa vida deve ser um sinal de como Deus deseja que a humanidade viva na sua criação.

É em nossa vida como um povo distinto e restaurado que nosso testemunho se manifesta em
primeiro lugar. Mas nosso testemunho também virá por meio de atos intencionais que
buscam demonstrar a justiça e a misericórdia do reino. Somos um povo que não vive para si
mesmo, mas derrama sua vida em amor abnegado e compaixão sacrificial por amor ao reino
de Deus. E no mundo de hoje de muitas palavras, as ações falam alto! Uma congregação
local que entende sua identidade missionária erguerá os olhos para ver as necessidades
urgentes em seus próprios bairros, para que possam canalizar a compaixão e a justiça de
Cristo para os necessitados.

Mas também somos um povo cujas palavras apontam para a fonte de nossas vidas renovadas
e atos de sacrifício - as boas novas de Jesus Cristo. Nossas palavras evangelísticas não terão
peso, a menos que haja uma comunidade que demonstre em suas vidas e ações que as boas
novas realmente têm o poder de renovar um povo e torná-lo distinto. Nossas vidas e ações
autenticam nossas palavras; nossas palavras explicam nossas vidas e ações. Proclamar as
boas novas continua sendo uma tarefa indispensável. Deus usa o poder de um testemunho
verbal espontâneo de Cristo como um meio de atrair as pessoas para a nova humanidade de
Deus.

Toda a nossa vida, nossos atos de sacrifício e nossas palavras cativantes - esta é a tarefa da
congregação no mundo. Mas existe mais uma dimensão. As células desta nova humanidade
devem ser estabelecidas em todas as partes do mundo e entre cada grupo de pessoas. Cada
congregação local também deve erguer os olhos para além de sua própria vizinhança e
indagar que papel ela pode desempenhar para divulgar as boas novas até os confins da terra.
Nossa missão está em casa e distante. Uma congregação missional estará comprometida com
missões transculturais.

Conhecendo Nossa Cultura

Nossa identidade missional também reforça a necessidade de um conhecimento profundo de


nosso contexto cultural. Infelizmente, a maioria de nós realmente não entende a forma
religiosa da nossa cultura. Em primeiro lugar, são as águas em que sempre nadamos. Um
provérbio diz: “O que um peixe sabe sobre a água em que ele nada por toda a sua vida?”. Se
você quer saber sobre a cultura canadense, não pergunte a um canadense, porque ele está
nadando nessas águas culturais. Há grande perigo em ignorar alegremente essas águas; cada
“lagoa” cultural está poluída pela idolatria. Na medida em que não entendemos a dimensão
da profundidade religiosa que está moldando nossa cultura, somos vulneráveis a sermos
conformados a seu poder idólatra.

Além disso, não conhecemos a forma religiosa de nossa cultura porque fomos enganados por
alguns mitos. O mito de uma cultura cristã enganou muitos crentes a acreditar que vivem no
contexto de uma cultura cristã. O mito de uma cultura neutra também enganou muitos
cristãos com a noção de que nossa cultura é neutra, seja porque se baseia na ciência objetiva,
seja porque é pluralista, dando igual espaço a todas as convicções religiosas. Esses mitos são
falsos e perigosos. E precisamente esses mitos fazem da cultura humanista ocidental que está
se espalhando pelo mundo no processo de globalização uma das culturas mais perigosas que
já enfrentou a igreja. Não existem culturas cristãs ou neutras. Cada cultura é moldada por

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uma visão religiosa que é idólatra. E essa idolatria padroniza a vida cultural de um povo e
molda cada instituição, costume e prática dessa comunidade.

Isso significa que não há nada de bom na cultura. Ao contrário! Deus continuou a apoiar sua
criação e cada cultura manifesta muita coisa boa da criação em seu desenvolvimento cultural.
Mas tudo o que é bom também foi, até certo ponto, distorcido pelo serviço a outros deuses. E
assim, a tarefa é de discernimento: como podemos distinguir aquilo que é bom vindo da
criação da idolatria que o deforma?

Uma igreja missional, que reconhece que toda sua vocação é viver como um povo distinto
que manifesta o que significa ser verdadeiramente humano, também perceberá que seu
ambiente cultural continuamente a seduz a servir a outros deuses. Por ter que participar das
estruturas políticas, econômicas, sociais, educacionais, judiciais e culturais moldadas pela
idolatria, é de alta prioridade compreender a forma religiosa de nossa cultura.

Se é difícil entender e discernir a idolatria de nossa cultura porque vivemos nela, precisamos
desesperadamente das percepções de outras pessoas de fora. Os nigerianos podem ver coisas
na cultura americana que os americanos não conseguem. Os coreanos podem ver coisas na
cultura britânica que os britânicos não conseguem. Os brasileiros podem ver coisas na cultura
canadense que os canadenses não conseguem. E sempre o vice-versa se aplica. Devemos nos
apoiar nas percepções de quem está de fora, para entender o cerne religioso da nossa cultura,
entender como se formou em nossa história, saber como isso afeta as muitas áreas de nossa
vida pública conjunta e avaliar como ele está moldando a igreja e seu ministério. Isso
permitirá que a igreja tenha um encontro verdadeiramente missionário com a cultura.

Uma igreja que entende sua identidade missional tornará uma prioridade entender a sua
cultura, amar a sua cultura, odiar a idolatria que prejudica seu povo e encarnar uma
alternativa fiel e contextualizada enraizada em uma história diferente - a história das
Escrituras.

Conclusão

Hoje estamos recuperando algo sobre a igreja que muitas vezes ficou obscurecido na história
da igreja. A igreja deve ser entendida em termos do papel missional que desempenha na
história bíblica. A missão de Deus de renovar a criação incluiu o povo de Deus em seu plano
em andamento. Somos convidados como amigos de Deus a entender o que ele está fazendo e
a discernir como podemos participar com aquilo que Deus nos confiou. Como mordomos, um
dia seremos responsabilizados pela forma como respondemos. Que Deus nos permita
responder fielmente ao seu apelo. E que esta Bíblia de estudo nos ajude a ler a história das
escrituras mais fielmente, para que estejamos equipados para nossa tarefa.

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09 “Missionary” or “missional”? – General Editors: Tim Carriker and Sherron George

Antes dos anos 70 e 80, as palavras “missão” e “missionário” costumavam identificar a


atividade de pessoas que realizavam seu ministério em outra cultura ou país. Cerca de 20
anos atrás, uma nova palavra começou a circular mais amplamente nos círculos cristãos com
uma conotação ligeiramente diferente. O adjetivo “missional” se refere especialmente à ação
das comunidades cristãs locais que buscam alcançar e servir as pessoas nas vizinhanças que
estão fora da igreja, frequentemente chamadas de “sem igreja”, algumas com experiências
anteriores na igreja, outras sem nenhuma. Para simplificar, uma igreja missional é aquela que
exerce sua vocação missionária no contexto local, ou pratica a missão local.

As raízes das duas palavras

Algumas observações gramaticais sobre os diferentes sufixos. Tanto “-al” quanto “-ário” vêm
do latim, embora o primeiro também tenha raízes no francês antigo. Os significados são
bastante semelhantes. A primeira forma adjetivos com as ideias de 1) “relacionado a” ou 2)
“tendo as características ou prática de”. Este último aparece como adjetivos, substantivos
pessoais ou substantivos de objetos com a ideia geral de “pertencer a, conectado a” e, em
alguns casos, “contribuir” e “com o propósito de”.

Portanto, a palavra missional significa "relacionado à missão" ou "tendo as características ou


prática da missão", enquanto o missionário "pertence ou está ligado à missão" ou "contribui
para a missão". Consequentemente, em um sentido semântico estrito, as duas palavras
semelhantes têm praticamente a mesma força e apontam para a mesma ideia, podendo até ser
trocadas. Porém, como em muitos casos linguísticos, é o uso de palavras que os diferencia. A
literatura missiológica primitiva sobre a “igreja missional” usa esta palavra para se referir à
identidade da igreja como um instrumento de transformação no mundo, com ênfase especial
na “missão local”, no contexto imediato da igreja. A mesma literatura usa a palavra
missionária para se referir à igreja como instrumento de Deus na transformação do mundo,
em contextos mais distantes, que alguns chamam de “missão global”. Muita literatura sobre
missão não usa a nova nomenclatura missional e continua a usar missionário com ênfase no
ministério mais distante, seja geograficamente ou culturalmente.

Nos últimos anos, tem havido muitas críticas às missões e aos missionários dos séculos 19 e
20 caracterizados pelos estereótipos de padrões coloniais de dominação e a imposição
cultural e religiosa de "ocidentais brancos" aos "nativos" em todo o mundo, o que ainda
continua hoje. Um dos resultados é que a palavra "missionário" adquiriu associações
negativas e às vezes parece estar "desatualizada". Na tentativa de resgatar e renovar o estudo
e a prática da missão, importantes missiólogos atualmente ampliam o uso de “missional” para
se referir à visão maior da missão na Bíblia e, assim, enfatizar os fundamentos bíblicos para a
missão de Deus nos dias de hoje. mundo. Eles falam da "base missional para a missão na
Bíblia", uma leitura e interpretação missional, ou hermenêutica da Bíblia que naturalmente
pressupõe uma multiplicidade de perspectivas e contextos, bem como uma abordagem ou
perspectiva missional, atitudes missionais e práticas. Em última análise, a Bíblia é um
documento “missional” ou “missionário”. O propósito da existência da igreja é “missional”,
para ser um participante na missão de Deus para a glória de Deus.

Nesta Bíblia de Estudo de Missão, usamos a palavra “missional” tanto neste sentido mais
amplo, a fim de engendrar um impulso renovado na vida e ministério de cristãos e igrejas,
bem como em referência à “missão local”. Uma parte importante da introdução de cada livro

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da Bíblia é o “Significado Missional” desse livro. Sim, cada livro da Bíblia tem um
“significado missional”. Este é um dos destaques desta Bíblia de estudo. Usamos a palavra
“missionário” mais em referência aos empreendimentos de “missão global” e em referência a
pessoas engajadas na missão fora de suas próprias fronteiras culturais. No entanto, as
palavras são sinônimos virtuais, e procuramos manter um certo equilíbrio para evitar
repetições excessivas.

Outra importante mudança paradigmática e semântica ocorreu durante o século 20 em relação


à palavra “missão”. Mais uma vez, depois de adquirir significados soteriológicos estreitos
(salvar indivíduos do inferno), culturais particulares (dominação do Ocidente cristão),
eclesiásticos (igreja / expansão denominacional) ou humanistas liberais (uma nova ordem
mundial), o teólogo reformado Karl Barth introduziu uma nova maneira de ver missão - como
uma atividade do próprio Deus. No início dos anos 1950, o termo latino missio Dei foi usado
para descrever essa mudança para a atividade de Deus como a natureza fundamental da
missão e isso abriu o caminho para uma nova ênfase e um novo paradigma missiológicos. A
missão deriva da natureza de Deus, da pessoa de Deus, dos sonhos de Deus e das ações de
Deus. Deus é um Deus missionário. A missão é um atributo de Deus. A missão é uma
atividade do Deus Triúno. A Trindade é uma comunidade de três em missão que convida e
inclui a igreja. Pai, Filho e Espírito Santo enviam a igreja ao mundo. A igreja não tem missão
exclusiva. A igreja participa da missão de Deus, do movimento do amor de Deus para com o
mundo, do projeto missional de Deus de salvação, restauração e reconciliação.

À luz desse entendimento, é fácil responder à pergunta: "O que vem primeiro, a missão ou a
igreja?" A missão de Deus tem uma igreja. Existe uma igreja porque existe uma missão. As
atividades missionais da igreja são consequências que dependem da atividade missional de
Deus, missio Dei. A esfera da missão de Deus é o universo. A missão de Deus é maior que a
igreja. Deus trabalha dentro, através e fora da igreja. Missão é a totalidade da atividade de
Deus em toda a criação, a serviço da plenitude do reino de Deus. Deus usa a igreja como um
agente missional e usa quem escolhe fora da igreja como instrumentos no estabelecimento do
reino de Deus de justiça, paz e amor.

Nesta Bíblia de Estudo de Missão, ocasionalmente usaremos o termo missio Dei, mas
geralmente usaremos o português, a missão de Deus. Além disso, na maioria das vezes
usaremos “missão” no singular para nos lembrar que todas as atividades missionais da igreja
derivam, dependem e são parte da missão holística única de Deus.

Oramos para que esta Bíblia de Estudo seja um auxílio para a compreensão e engajamento de
cada leitor na magnífica missão de Deus.

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