Feira Da Ladra (Tomo IV)

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F E I Il:;Á ffiJ

DA LADRA.
l\.c-vist1 mensal ilustrad•;
Dirige-a Cerdoso Martha e edit;.a G11sma6 Navarro
TOMO QUAR.TO.

~.
•'

• N.o 1
FEIRA DA LADRA
Fêz-se uma f1ra,gem especial
de H exemplares
em papel de li111to azul
FEIRA
DA LADRA.
!.\e.vista mensal ilustrada;
Dirige-a Cardoso Martha e edita.a Gusmaó Navarrc
TOMO QUARTO.

1 S BOA,
.' ' - J;
' lf
i
.,?,;
Três anos depois

Enlrn hoje esta revista no seu quarto volume, num


país cm que a maioria delas nem ao quarto número
chega.
Olh ..mos o caminho andado e, com franqueza, nao
achâmos de que nos penilenciar. Se nem sempre pre·
enchemos o prol(rama arvorado, ao menos procurámos
acerla1, n·1lel.ar-clos mulliplicndos contratempos <1ue se
nos antcpuscratn.
Ai1ula nssim, uma grata compcnsnçno nos aligeirou
o cncaq.(o: é que veio ao nosso encontro, do pais e de fo-
ra dõlc, um grupo de amigos e até desconhecidos, aju-
dandu·nos a levar o navio a bom pôrto, isto é, pondo
da melhor vontade a sua pena ao disp(Jr da Feira da
Ladra, rom um desprendimento diJ?no d~ rcgislo numa
época em cada indivíduo representa um egoísmo e um
bloco de intcrêsses e ambições.
A todos l!sscs nos confessilmos devedores do êxi-
to da revista; com êles cont:1111os; a <·ks endereçamos·
os nossos ogradecimentos, que também englobam quan
tos leem contribuído para a prosperidade desta publi·
caçno.
o DJRtCIOR
Ü ÜDITOR
\'ot. 1 ""• l
A TRIPE ÇA HUMANA

A em dois dos meus livros (l 1 me ocupei


largamente de um monstro portugu~s
vivo que possuia três membros inferio-
res.
Trata-se de JoãO Baptista dos San-
tos, que nascera no Algarve cm 5 de
Setembro de 1845 e que possuía um
membro inferior supranumerário, situado entre os
dois normai s. A terceira perna termin ava por 11111 pé
duplo, com dez dedos.
O célebre monstro português percorreu a Europa,

1I) J. A. Pires de Lin1a As "nom:tli:is dos membros no~ Por1u.


guesos. Põrto, 1927 PIÍJ(. &l
ldrm- Vícios de conformnçt10 do s;s1ema uro·gcnilAI P6rto
19JO. Pág. 3-1.
1-
exibindo-se publicamente, sendo muitas vezes observa-
do por diversos sábios.
Quando chegou ao estado adulto, o nosso monstro
tinha l ,m65 de estatur;i, e oslcnlu\'a em duplicado o
seu aparei ho sexual.
Quando tinha sete meses, seus pais fizeram um con-
trato com um inglês, oue o levou, como empresário,
para ser exibido em diferentes cidades da Europa.
Em 1864 voltou n ser contratado por novos em-
presários e seguiu em nova peregrinação.
João Baptista dos $antos ainda hoje !em lmnllia no
Algarve. $eguudo informações que pude colher de um
velho irmAo do monstro, Joaquim dos Santos, o Pulga,
de Paro, e de um seu cunhado, João Ba1>lista casou
em Inglaterra, onde deixou mulher e filhos; morreu as
sassinado, segundo uma versao, ou elas conscqilências
de uma operação, segundo outros. Muifos cirurgiões e
teratologislas se ocuparam da moifologia estranha de
Joao Baptista dos Snntos. Lorthioir, de Bnixclas, pu
blicou em 1901, no Jo11rnal de C/1/mrgie daquela cida-
de, uma extensa obscrvuçao, baseada em dados forne-
cidos pelo Professor May Figueira, de Lisboa. Ilustra o
trabalho uma gravura que reprodut uma fotografia que
possuo. Estn prova, assim como n dum outro aspecto
cio Santos, foram-me gentilmente oferecidas 11elo meu
ilustre colega e amigo Prol. Celcsliuo da Cosia, parente
do velho Prof. Jllay Figueira. Conta Lorlhioir que o
monstro nao pôde ser exibido nem convenientemente
estudado t•m Lisboa por a isso se oporem as autorida-
des civis, Jque reputavam a exibiçao como ofensiva ela
moral!
Como se estava ainda tão longe da era do nudismo
infeirral. ..
Nos meus citados livros informo que é muito extensa
a bibliografia relativa i1 "Tripeça humana" e menciono
A-
toJos os trabalhos meus conhecidos, que ao assunto
se referem.
Posso agora acrescentar mais dois: Um deles é um
tratado polaco de teratologia(Po/rvom i ich rozwâj, por
,fan Tur, de Varsóvia), que reprodut uma gravura in-
seria no manual de lcrntologia de Ouinard, desenho
que representava .J. B. Santos ainda criança.
A outra mem6ria cic11trHca sôbre o famigerado
monstro li -a recentemente no "D iário do Govêrno" de
f5 ele Setembro de l 815.
1Uma memória cientifica no "Diário do Govêrno"?
exclamará o leitor assombrado! Pois é verdade: o nos-
so jornal oficial linha outrora uni aspecto bem diverso
cio que tem hoje. Além da parte oficial, que tinha o
mesmo caracter que lem hoje, o "Diario do Governo"
tinha uma e~1ensa parte extra-oficial, com noliciürio
nacional e estrangeiro e matérias variacffssimas, até ele
cnraclcr cientifico.
"O Diário cio Gov~rnn" de há oitenta anos parecia-
-se bastante com as gazetas polfticas de agora, com a
vantagem de nao ter artigo do fundo .. ,
O trabalho referido é uma carta escrita em 9 de Se-
tembro de 1845 por um médico de Paro, que não de·
clnra o seu nome.
l';sse médico fôra chamado no dia 5 dêsse mrs para
ver uma criança recem-nascida, que tinha vindo {1 luz
com três pernas.
O médico foi solicitado pela famflia da criança
"pnra lhe cortar a perna <1ue trazia de mais".
O desconhecido clínico puhlicou no "Diário do Go
vêrno" uma descriçno minuciosa do monstro . lal co-
1110 se apresentava quatro dins depois de nascer.
Essa observação roi de11ois transcrita na excelente
"Galeia Médica do Pôrto", 3.0 vol., 30 de <;etembro de
1845.
Possuo ainda a foloi:rafia de um outro ca<o do
-9
me•mo género: compele a uma rapariga que tinha nada
menos de duas pernas supranumerárins.
Fsla menina quadrúpede, sc~'Undo me informou o
Prof. <;ousa Júnior, que me ofereceu a fotografia, exi-
bia-se há anos em Manteca (Califórnia).
). A. PIRCS DE LIMA
ll1••t"'" oo l1o1J1. o. A~A•1.1M1A 114 1·Ac. 11• 1'i•r>•tocA oo Poa10
ÚLTIMAS VON T ADES
DE BROTERO

UM dos primeiros d ias de Janeiro de


181 ó, "apareceu riresenlc" 110 csni ·
tório do tnbelifo Tomaz Isidoro da
Silva !'reire, cm Lisboa, o lente de
bot;lnica iuhilado e naturalista insii.:nc,
dr. h'lix de Avelar Brotem. Por \'ia de
regra. os \'elhos testam no inverno. o
desconlôrto ambiente, a desnudei da
naturcz.1. o frio arrepiant<' que lhes congela o sangue
dcssorado, criam-lhes na alma um pcssimi""º amar~n.
dcraram-lhes a imago morlis inexorável . Ora Brotem.
com os seus setenta e três, sentia-se velho. quebrado de
fü1imo e fôrças, e ia fazer o seu testamento. Alem elas
[unções p(tblicas que cxcrd tnra e consignou nesse dncu-
111e11 to, era ainda cavaleiro professo na orde111 de
S. Bento de Aviz. Morava cm Alcolena, nas arribas de
Belém e estava, segundo declarou e eu creio. cm seu
perfeito juízo.
Passado t testamento, devidamente •cerrado e cosi
-11-

do., às mãos do funcionário, na presença de quatro tes-


temunhas possivelmente seus amigos, "chamados e ro-
gados por rarlc dcllc lcstador .. U, dirigiu-lhe o notário as
preguntas do estilo - se era, de facto, o seu testamento,
se eslava à sua vontac..le e "se o queria aprovar e
haver por bom, firme e valiozo,,, A tudo o sábio profes-
sor respondeu que sim, que depois de escrito "o l~u
todo, e pelo achar muito á sua vontade na mesma for-
ma que o havia mandado escrever o assignou com a
sua propria mão, e aqui agora o aprovava e ratificava
por ser bem e verdadeiro ...
O antigo director do Jardim Botânico de Coimbra,
o organi1,1dor entre nós dos estudos de taxonomia ve-
getal, o amigo de jussieu, de Lamarck, Condorcet e Cu-
vier, não cuidava que ainda viveria treze anos depois
daquele dia, falecendo com 86 cm 1 8~9. Aberto o tes·
lamento depois da sua morte, viu-se que era c.lo teor
que segue:
"Em nome da Santissima Trindade, Padre, Filho e
Espirito Santo, Trcs Pessoas distinctas, e hum só Deus
verdadeiro, em quem eu o Doutor Felix d'Avellar Brotero
bem e verdadeiramente creio, e em cuja fé protesto vi-
ver e morrer como verdadeiro e fiel Christão: Determi-
no fazer o meu Testamento na forma seguinte. Primei-
ramente encomendo a minha alma a Deus Nosso Se-
nhor que a criou e remiu com o precioso Sangue de seu
Unigen ito filho Jesus Christo Nosso Senhor, a quc111
peço e rogo e a Sua Mãi Maria Sanlissima Nossa Se-
nhora, e a todos os Santos intercedam por minha al ma
para que vá go1.ar da Bemaventurança para que foi cria-

(IJ Um d~les chamava-se Diogo Borel, cavaleiro professo de


Cristo, morador na run das Portas de St.n Cnterinn, talvez nscen ..
te dos livreiro Boreis; era livreiro umn outro 1esten1unhn, António
Jon<1uin1 dos S:intos.
-12-

j
PaLIX DE A VELAR BROTERO
-n-
da. Declaro qut· sou Lente Jubilado na l"aculdaclc de
hlosoiia d.1 Univer,idadc de Coimbra e ao prescnlc Di-
rector, Athninistrador e The>oureiro do Real Mu>eu do
Ja1di111 llotanico, que sempre 111c conservei no biado de
Celibato que não le11ho l lcrdeiros alguns n~ccs.'ª' ios
Ascendenlcs, ou De>ccndenle> por cuja 1.11ão disponho
de todos os meus bens como se segue. Instituo por 111i-
11ha Univc"al Herdeira de todns os meus Bens Di1cctos,
e Acções a minha sohrinha Dona lzabcl de Avellar ílro·
lcro, em que se comprchendcm, tudo quanto se 11w res-
tar a de\'cr dos ordenados do> meus I' mpregos, e bem
ª"i 111 a remuneração que merecerem os Serviços que fiz
<' /1011ver de fazei á U11iversiúa<ic, e ~o Soberano sendo
taobem minha Testamcntcira. Pagará todas as mi 11 lms di-
\'idas e porque jull!ô ser muito mo<lica a Herança, as
1lonras e f'uneracs <1ue me ma11dar faicr, não excederão
hu 111a decente simplicidade, dad algu mas esmolas, e ;i.:;
Missas que por sufragio mandar dizer serão todas elitas
por Eclcsiasticos parentes ficando tudo ao seu livtl' ar-
hitrio, e d•sposição, e despcnsando a de preslu cnntas
cm Juizo, e quando a isso seja obrigada bastará huma
atestação por ella jnrada de assim o haver cumprido para
se lhe haver a conta por dada Quanto aos meus 1 ivros
se eu não disposer dclles, ella dita minha sobrinha. e
l lcrdeira ficará sua legitima possuidora, mas nenhum
dclles poder:\ venclcr sem expresso co11senti111e11to de
M'US dois Irmãos José de Avcllar 13rotero, e Joaquim de
J\vellar Brnlcro, por que lhe> deixo a estes o seu uzo ro-
1!•1ndo-lhe que tãobc111 o perrnit.1 a seu sobrinho Autnnio
Pegado. L desta forma hei por acabado este meu Testa-
mento, que quero se cumpra co1110 nellc se contem por
ser esta a minha ultima vontade.
Lisboa dois de Janeiro ele mil oitocentos e de1ascis.
Oe como o fiz por mandado do Testador-João l'ran-
cisco do Nascimento Serrão.
Felix de Ave/lar Brolero.
1.\

Morreu solteiro e ?O que parece, sem filho,. C:Ha,·erá


por aí ainda al1:um representante da lamllia dr llrotero?

Jo.110 oe COIMBRA
D. FELlP A DE VILHENA
E UMA SUA FILHA

r.c1.A~o desconhecer livro imnrcsso ou

-ti1l
manuscrito, artigo de jornal ou revista
que diga da vida e feitos da mulher que
mais altamente personificou cm Portu-
gal a abnegação e o patriotismo-a con-
dessa de Atouguia, D. fclip:i de Vilhe-
na. E como não 'ei se os h;í, igualmen-
te ignoro se o traço de c.iracter que vou
referir se encontra já d ivulgadn nalgumas dessas pos-
síveis hio1:rnfias.
Adoecera seriamente sua filha D. Maria de Ataídc,
dama do paço da rainha Lui:ia de Gnsm;lo. A condessa
de Atouguia eslava longe da côrte, cuidando do infante
D. Afonso, o 6.0 futuro rei daquele nome, a quem os
físicos palatinos preceituaram banhos do mar. Cresceu
a gravidade da doença de D. Maria e com ela o de-
sengano da$ esperanças que dar-se pudt"'5Cm. E man-
-16-

dando-se recado à 111ãi para que viesse visitá-la, a con-


dessa repizou no íntimo do coração os i111pulsos mater-
nais traídos pelas lágrimas que lhe afogavam os olhos,
para só se lembrar dos deveres que lhe impunha o seu
cargo. " Favor que recusou, diz um raro livro da ép0ca,
mais fiel às obrigações do ofício que às maternais. Gra-
tificou el-Rci esta fincta com honras maiores que seu
título,. i1 '.
D. Maria de Ataíde faleceu dias depois, a 22 de
Agôsto de 1649, com 24 anos de idade, sc111 ter vislo
sua mãi à cabeceira do leito a dar-lhe, no mo111ento ex-
tremo, o beijo da despedida .


Já que tenho a 111ão sôbre o caso, que por certo
alguns capitularão de dure1.a ou indiferença, mas que
em meu entender bem se ajusta à mulher que na vés-
pera da revolução contra o estrangeiro distribuiu a seus
dois filhos espadas libertadoras, escreverei mais duas
linhas a modo de elogio funeral da pulcra dama seis-
centista.
Assim a acredito eu, seguro no dizer do livro
que citei e que lambem a chama "formosa com tal des-
cuido, como se o não quisera ser, discreta como se o
não soubera. Os aplausos da côrte não parecia que os
amava, senão que os permitia... Notável era lambem por
suas letras, ressuscitando nn cõrte severa de D. João IV o lu-
zimento literário das damas eruditas da nossa Renascença,
que tamanho lustre deram aos saraus da infanta O. Ma-
ria. "Freqüentava a lição dos livros-é ainda o prefácio
daquêle livro que o assegura; naquela idade das línguas

( 1) Me1norias (unebres . . .. n~ morte da Senhora O. Maria do


Atayd•· Lisboa, 1650.
. 17-

tnlcndcu a L11ina, e Toscana com tanta brevidade, que


n;lo esperou o ingenho a tardança dos anos ...
Da sua discrição e boa presença testemunha também
.:,te verso do epitáfio latino que lhe compôs o s<lbio Fr.
Francisco de Santo Agostinho de Macedo:
Ne si diu apud nos esse!,
ad nos sydera descenderent.

(Se mais tempo ficara neste mundo, desceriam à


terra as estrêlas ... )

A espécie de "in memoriam .. publicado depois do


seu passamento, foi menos um aclo de lisonja co1iesã
do que um prcito de sincera estima e saudade à que
fôra em tão curta vida exemplo de talentos e virtudes.
Nessas páginas, cujo titulo atraz dou em nota, escreve-
ram versos alguns dos mais afamados engenhos da épo-
ca D. Francisco Manuel de Melo, António Barbosa Ba-
celar, a freira poetisa Violante do Ccu. Concluirei com
duas amostras: a 1.• estrofe duma ode de D. Francisco
Manuel, que é linda:

e um sentido soneto cm francês, em forma de epitá-


fio, de Manuel Fernandes Vila-Real:

éDonde te foste, donde


querida saudade?
<que Amor é que te aprova essa partida
saudade querida?
lQue mar? Que terra? Que ar? Que fogo esconde
aquêle Sol, aquela claridade
logo pela manhã anoitecida?
- 18

Ce que l'Amour avoit de plus rare, & divin,


cc que la terre avoit de charmant, & d'aymable,
cloisgné de nos yeux. rour un fatal destin
mil dans ce tombcau ta Parque inexorabte.
O toy, passant, qui vois la perle irreparable,
qui nous cause· l'aspcct de cct Astre malin,
pnr !armes, par sanglol1, & par souspirs sans fin,
lcmoigne la dou lcur d'un mal inconsolablc.
Mais non, nc pleures point la rigucur de nos maux,
puis q les plus grands pleurs nc sçauroient estre cgaux
eslant inliniment au dcssoubs de leur sort ;

Car le ciel, cnvieux de nous, l'ayant ravic,


elle jouit en fin, quoy qu'aupr~ de sa mort,
dans l'Empire Azuré d'unc cltcrnelle vie.

Vamos lá que os alexandrinos do célebre judeu não


são das piores cousas do livro, numa época cm que o
'cntimcnto dos factos, se o havia, morria abafado ou con
fuso nas maravalhas do preciosismo.

e. /li
CURIOSIDADES E INDICA-
ÇÕES ÚT E lS E PRECIOSAS
1~XTRAfDAS lJI! PKOCf.SSOS DO •ARQUIVO DOS PP.ITOS rtNl>OS»

Desembargo do P3ÇO loi instituído por


O. Sebastiao. Desrachava a princípio
os negócios com o Rei numa casinha
(pequena sah1) e dai a alcunha de de·
sembar,qadores da Casinha. Tudo o
que ditia respeito à justiça cível e cri·
minai lhe pertencia.
Os desembargadores tinham uma janela no Paço
para assistirem aos touros e restas reais. E tinham o
ririvilégio de se sen tarem junto do Rei, quando despa·
chavam os perdões cm quinta-feira de endoenças.

Joao Pereira Cõrle-Real, quinto nelo de Martim


Gonçalves C11rvalhnl, correspondia-se com o fluque
de l\'\cclina Sidónia e com o Duque de Nngera, que o
!ralava por Senhoria.
Foi genernl com estandarte real e poderes de so·
.Qa e c11cl1illo, cm tôdns as crualro partes do mundo:
20

na Ásia, sendo capitão mór das naus da fndin ; na


América, sendo general da escolta da praia de Castela;
tm Alrica, sendo governador e capitão-general de Ca-
bo-Verde e tomando as lorlnlezas de Berseguiche aos
holandeses e na Europa sendo general.
llma carta do Duque de Nagera datada de 7 de
Junho de 1637, que está junta aos documentos em que
Côrle-Real pede a EIRei D.•JoAo 4.o a sua nomeação
de Conselheiro de Estado, laia em duas pipas de vinho
que o Duque punha à sua disposição pedindo que
lhe mandasse persona qua las escoxa, concierte, pagur
11 llrve.

EDITAL
•Chegou a esta capital huma menina que tem andado
ve~lida á hespanhola e agora anda \'eslida á portugueza.
•Farão os senhores o lavor se a conhecerem, de a
agarrar e levar á presença do senhor Ministro do llair·
ro, donde será entregue 3 seu pai e a sua mae.
•Esta menina he filha do Senhor Ministro Jui1. de Co·
i111bra, donde foi desinquictncln por hum !ilho de hum
desembargador que a levou para lá de Leiria, humas
trcz lcguas, e ali a desamparou e deixou no meio da·
11uellas montanhas, e elle lu~iu. Seu pai imedialamenle
deitou edilais por todas villas e Cidades, caminhos e
carreiros, mas nada licava atraz, ninguem dava rela ·
çao da menina, sómenle se sabia do supplicante que o
forao agarrar ao Porlo, e está preso na PortagP.
•O pai do supplicante j(t dnva 50 e tantos mil cruza
cios ao Ministro para o soltar, que estava ali envergo-
nhando o seu rosto, e o ministro respondeu-lhe que
emqunnto nao encontrasse a sua !ilha morta ou vivn,
nunca clle sahirâ de lá, porque nao faltava senao trel
mezes para ella entrar no Convento de Santana, e seu
pai dnva·lhe hum dote de 20:000 cruzados por ser a uni ·
ca lilha que tinha em seu poder; e mesmo apezar della
-21-

lhe ter leito esta desfeita, seja casada ou solteira está


pronto p.1ra lhe dar o seu dote, e di1: eu sou como cl-
Rci. s6 tenho huma palavra e ni\o lhe hei-de ficar a de·
\'Cr nem cinco reis; mas mal diria cu que andava a
criar huma filha para a v~r fora do meu poder.
•Tantos editais que nesta ca1lilal se tem pôsto e nin-
guem tem dado informações desta menina, sabendo-se
em Coimbraquc he muito conhecida por tôda a rarte;
mesmo aJ>Sim, todo o senhor que a agarrar terá boas
alvic;aras para os dias da sua vida comer.
•Senhores, saberão que os primeiros sinais desta me-
nina he saber ler e escrever; a respeito de costura, ne-
nhuma he capaA de pôr as mãos sobre a costura. Segun-
dos sinais, he cabello castanho, cara larga. nariz redondo,
boca pequena e 35 polegadas aonde está. A dita menina
poz em Lisboa Anna, e o seu nome verdadeiro, na pia do
baptismo he senhora D. Maria dos Prazeres, e todo se-
nhor que a agarrar ou mais cedo ou mais tarde ter{t
boas alviçaras para os dias da sua \'ida comer, e man-
dará di1.cr num cscritinho o nome quem a agarr,\r.
•Lisboa, 28 de Novembro de 1829.

Eis o cartaz, que um cidadão, procurador de ofício,


estava afixando à esquina da Rua da Prata para a Praça
da figueira, quando um beleguim pregou com êle na
cadeia com parte carregada.
Como vêem, o assunto do caria; era de uma gran-
de simplicidade e a sua alixação não fazia perigar a se-
gurança do Estado; mas o sr. corregedor do crime do
bairro do Rossio, Isidoro António do Amaral Semblano,
imaginou coisas tétrkas. instaurou um sumário, inquiriu,
barafustou e por fim ... mandou todos em paz. Mas os
vexames e as maçadas-que naquele tempo eram o p.fo
nosso de cada dia-ficaram com as victimas. E cara ale-
gre, senão ...
22-

1 111 1816, por causa de uma escritura dotai, i11stau-
rou-se um procc'ISO cm que era autora a Prcclariss1ma
e Excelentíssima Senhora l>oi1a Marb fligénia Á)(ucda
de Portugal, vitíva do Prcclarissimo Dom Luiz Manuel
Carlos Dantas de Almeida e réus a Prcclarissima Excelen-
tíssi ma Senhora Sua filha Dona Maria Bcnedita !>antas
da Cunha e Almeida e seu marido o Prcclarfssimo
João Paulino Leite Pacheco Baena Malheiros.
É assim que está escrito no rôsto dos autos, na se
qu~ncia do processo e no teor da sentença.

l'm 1820 vivia a Senhora D. Ana l1.1bel Marcclina


Migueis de Ahncourt, que era filha de Constança Mecia
(vide vai. 3.", p~g. 194). l'.sta Consta11 ça era vití va de
Marcos Francisco de Alincourl, brigadeiro do Real Corpo
de fngenhcir°'· cm ser,·iço de Portu1:al
l>. Ana foi casada com l.ui1 José d'Alincourt, coro-
nel de artilharia, fi lho doutro do mesmo nome e de
lzabcl Clara Ldcbrc e tiveram 11111 filho Luiz, que crdcu
à m:ii tudo quanto havia direito à sucessão paterna. A
iamilia Aliucourt Braga, de que rião Irá descendentes
procedia desta D. Ana.

r:m 18().l ha\'Ía um sujeito chamado António fetices
Sarrafana Pimentel, que era filho primogénito de João
Rohalo Pimenkl de Araújo e Silva e de Mariana Jose-
fa. Como nem o pai nem a 111 ãi leem o apelido Sarrala-
na, pregunta-sc l onde foi ~le busca-lo? l'oi ao avô mater-
no, 4uc se chamam Ant6nio Feiices 5arrafana, de Celo-
rico da Beira.
cl>C>Ccndcrá daqui o ilu~trc diplomata Snr. dr. Vaz
Sarafana?
-23

r:m 180'.l, era juiz da Irmandade de No.sa Senhora
do Ros:lrio dos Homens Pretos, erecta na igreja e fregue-
sia de :;. Salvador ela Mata, na cidade de Lisboa, Sebas·
tião Correia de Morais, que se intitulava imperador e
rei do Congo.
Eram juízes perpétuos da irnrnndade, neste ano de
1803, lodos os membros da família real e eram morclo-
mos por devoção o intendente da polfcia, Pina Mani-
que, a condessa dos Arcos e a marquesa de Taucos.

N;1 Vila de Melo e nas aldeias de Nabais e Nabaínhos
da diocese da Guarda, fazia-se em t 786 uma procissão no
dia da Assunção de Nossa Senhora, cm que entravam
ranchos de gaiteiros, homens mascarados armados com
armas de logo, uns a pé outros a cavalo, lcva11do bonc·
cos horrendos e praticando acções indecorosas, ao mcs·
mo tempo que mulheres ornamc11tadas de enfeites inde-
centes bailavam dansas lúbricas. Dentro da igreja da
Senhora do Coito praticavam-se os mesmos actos. E no
lugar de Arcozclo, no 8.º domingo depois da Ascenção,
fazia-se uma procissão em que iam mulheres armadas
com bandoleiras e armas de fogo como se fôssem para
a guerra.

Em 1803 vivia Teresa Catarina Weymar de la Roche
Guyon l'c1 rari, casada com O. Lu iz José Domingos de
Ferrari, sccrct;\rio de ElRei de Espanha e teve uma filha,
que nasceu cm Rtlâo (França) e q11r casou com Lázaro
José Mo11jardim ele Andrade e Almeida.


Em 1809 vivia Sebastião Pedro de Bastos, inspector
da Cmporaç.'o dos Lapidários de Diamantes.
-24-

Em nov~mbrn de 1716 a princesa de Nassau, Clara
Francisca Bernardina, viúva de D. Francisco de Sousa
Pacheco, embaixador plenipotenciário de Portugal aos
Estados da l lolamla, dava procuração a António Rebêlo
da Fonseca, porteiro da real câmara, para administrar a
pessoa e bens de seu filho O. João Guilherme de Sousa
Pacheco, conde do Império .


António Maurício do Carmo, musico que foi do en-
tretenimento militar do Sereníssimo Senhor Infante D.
Pedro Carlos, tendo deixado o uso do clarinete para
freql1entar o Seminário Patriarcal na voz de tenor, pe·
diu para ser admitido nesta qualidade na Capela Real.
COMO SE PERDEU CAiENA

NQUANTo o norte de Portugal se con-


vulsionava por entre os terrores da
invasão de Soull, o príncipe regente,
instalado na sua nova côrte do Rio-
-de-Janeiro, as~istia à tomada da
Guiana francesa pelas tropas lusita-
nas.
l.Jma compensação, no fim de
contas.
Caicna era um poético rincão, de cu10 solo fértil bro-
tavam milho, mandioca, baunilha, açúcar, café, arroL,
tabaco, cravo, 1101 moscada, pimenta, cacau, algodão e
frutas de tôda a espécie.
Sete anos durou o novo domf11io. João Scveriano
Macicl da Costa, depois 1.• visconde e !." nrnrquês de Que-
luz, assumiu o governo da Ou"iana até que necessário se
tornou cedê-la "de mão-beijada", como se dilia nesse
tempo.
A propósito disto, um dos diplomatas portugueses
mais accrbamcntc combatidos foi, incontestavelmente, D.
Domingos de Sousa Coutinho, 1.0 conde e 1.0 marquêl.
-26
do Funchal. No entanto (vem a propósito salientá-lo)
poucos o ig ualaram nas suas altas qualidades de espfrito
e 110 fervoroso patriotismo com que ser·viu o pais.
Tendo iniciado a sua carreira diplomática cm 1788
corno enviado à côrle de Copenhague, passou a ·turi m,
term inando-a como embaixador em Londres.
foi nesta altura que se intensificou o ataque ao di-
plomata ilustre encarregado de assinar em Paris o trata-
do de cedência de Caiena aos franceses.
esperava-se que Portugal, restituindo Ca'iena, reto-
masse Olivença, que tão desastradamente perdera.
Os partidos rolítieos agitavam-se numa luta apaixo-
nada. O "Correio Braziliense", impresso em Lond res, na
oficina de W. Lewis. no S.t Jolrn's Square, Clerkenwell,
atacava duramente o conde de Funchal no seu n .o 80,
do mês de Janeiro, pág. 97, vol. XIV.
«O Conde de PunchAl- salienta\ll\ cede Cayenna e naô obtem
Olivença e chama1n a isto nto<lo decetrfe de assioar u1n Ira tnd().
Tonu1.rnmos que nos dissessem os Scientificos lOS redactores do
"Investigador Portuguez'\ que hnnUém se publicava em 'Londres•
se o seu poderoso Hercules, que tAnH1s proezas faz, naô tivesse
àSSinado tal tratado, que peór irin pi-tn\ Portugal? Som o tratado
ser assin:ldo por este Aflanff.!, perderia talvez Portugal C:iyenna e
<>lh1enç$ 1 mas naó 6 crivei que lhe tirasse1n nHlÍS ntHltl».
. .. ..:Ol:r.em os Scientificos fa p. Sló.J Tu (o «Corr. Braz•) poes
umu duvid:'l que ne111 levemente pós o Príncipe. <lu Talluyrflnd ~ ·
"Porte milAgre! con1 que <.O conde de Funchnluntregn Cayen-
na aos Francoies, :\s maos Invadas. e havia o No~ocindor Pruncez
por-lhe objccçocn•? ...
. • . .:Nós fomos mAiS longe no que dissen1os; e asseveran1os
:lquillo de que alndn agora est:ivam~s convencidosi isto é, q ue o
conde de Funchal nao somente pitSsou por diroilos on,mUidos•
n10.s concordou u1n usurpaçao de direitos de seu soborano, que
co1n mediana abilidnde ou instrucçao DlplomaHca, 1loderiá prevenir:
soffreo que outras Potencias cedessem os territorlos que ~rarn de
Portugal, sen1 consentilnento do seu Soboranoj o que, na nossn
oplnlaO, he de um grande desdouro, e degraduaçaO do Princlpa;
ignominia éstn que o conde de Funchal podia obvlar, ja que n11õ
ob\dasse o maJ dn perda de territorio, pelos meios que apontamos
uo Nosso N.o 75 (voJ. Xiii- p. 256, e seg.u•.
-27-

Jo.i:o Seve~IANO MAClcr. DA CosTA


1.0 vi!llconde e t.o marqu~s do Queluz
e governador de Caiena e Ou-tana
(1"' (nt.~Ao tt&J<••o~·· •••Qt;roi.;
-28-
Volta a 1.argunchar o conde de Funchal, atribuindo-
lhc todos os desaires sofridos pela atribulada regência
do Prlncire O. João. Acusa-o de pretcncioso, ignoran·
tão e usurpador dos poderes do monarca lusitano, ma·
nifcstando, linha a linha, a mais virulenta das invejas.
O conde de Funchal, colaborando no "Investigador
Portuguez,,, esmagava os seus adversários em polémicas
sucessivas e rcnhidfssimas. Publicou muitos op1ísc11los
políticos, alguns dos quais sem assinatura, como convi-
nha ao seu cargo diplomático.
Ainda assim, o fogoso transmontano-o conde ele
Funchal era natural de C.haves- patenteou bem o seu
valor combativo especialmente na resposta às gravíssi-
mas acusações que contra êle e seu irmão, o conde de
Unhares, fizera António de Araújo de Azevedo.
Seguidamente o "Correio BrazilienSC" publica a pro-
clamação do intendente de Caiena.
Joaó Severiano Maciel da Costn.. Deiombàr~:tdor Intendente
Oeral, e Primeiro Magistrado de Cnyenna, e Ou1A11a, éommenda-
dor da Ordem de Chrislo, &e. &e. &e.
H:lbilnntcs de Cnyennn, e Ouinno..
As gazet:i.s pub1iC:\S, que chegsm do estrangeiro, nos trazem
:l notici:i de que, pelos :'lrtnnj!unentos particulares entte S. A. R. o
Prlncipe Regente N. S. e S. M. Brlt:i.nnica, setá 1.1. Ouinnn Franceztl
entregue n S. i\t Christia.nissima. Tudo annuncin, que as condí·
çoens e modo destn ontreç-a, serao disculidos e Ux.ados no Con·
gresso Oeral1 que se Clev10: nbrir en1 Vlennn no t.o do presentu
mez, o que retnrdará tambum ésta epocha. No entanto, hc preciso
que a Ad111ini::;trt\9aõ dosh\ Colonia slgn a sua rotina, que se fnça
o ser\•iço publico, que se pague e sustente a guarniçno, e que se
nno perturbe n ordem publíca 1 e n lrnnqulltidndc, do que tendes
gozado até o 11resentei no caso contrnrio, vós conheceis muito
bem, que he sobre vós, que de\'(Hn pezar as consequenclas do
aperto e embaraços, que expcrlmenlasse n Administraçao; e seria
bem doloroso no Governo do S. A. 1.:.. ser obrigado a empregar
n1eios de rigor, que até este dia vós nao tendes conhecido, pnrn
vos obrigar a faier o que o vosso dever, e a grntidao cm que
estais, para com uma ndmiuislraçaõ tào paternal, vos ordcn!tn1
impcriosumonte.
Nao deis ouvidos n discursos insidiosos, que vós JlOderao
D. DoMINoos ANTÓNIO o~ Sous•
CouT•NHO
l,ll condu o Lo n1nl'q ues de Funchnl
29-
fntcr gentes ociosas, ibrnorunlos e imbecis, ou individuo:.; que. por
11101ivos pnrtlculnrc.s, depuudu111es dn nnlurez.a do seus
11 1.:~ocios ,
~ao interessados na desordo1n . Elles sn.õ bem conhecidos; e em
toda a parle hc esta misera"º' classe d!l Sociedade quem fomenta
a desordem polilica: uma be111 triste expcrlencia ,·õlJo tem provado.
Nnõ he dado a simples pnrciculnres o punolrar os scj{rodo& politi·
cos dos Onblnotes dos Soberanos, u tudo o que o 1>11b1ico lhe
Aprnz dizer n 09to respeito, no.o he o 1nnls das vozoc; sennõ sonhos
para se divertir, ou indlspor o povo crodulo, e tinl ldn. llabilantos,
continuai A cun1prir lr:tnqullh1..mcate com o vosso dever, e desCln·
ç:11 com confiança na jusuça, que de'ie necessariamente dirigir as
trnn.sacçoen~. ftuc vao a ser lill;udas en1re dC)uS Soberanos justos: A
vosso. sorte, n~ vossas pesi:ions, os vossos bens, stto ob1uctossngtn-
dos, com quu se vao oecupnr. A c.alu111nlfl e n inlrign tu111 se111pro
o seu c._i_stigo.
Dado cm Caycnna, no nosso liôtt•I, aos 15 de Outubro, de
1814.
fAssignutlo) .folio Severlano Maciet da Costa.

Assim, êstc Macicl da Costa, ali:ís marquês de Que-


hll, teve de largar o alto cargo que constituía um dos
maiores or>:ulhos d.1 sua vida de palaciano favorecido.
Apesar de ter nascido na província de Minas-
-Ocrais, nunca sentm 111andes simpatias pela terra de
Santa-Cm1. Ao ser engendrada a independência do
l!rnsil, Macicl da Cosia surgiu apoplético com o seu
opí1sculo "Apologia!•, combatendo desassombradamente
a atitude do pai de O. Maria 11.
Ora, Carena perdeu-se porque assim tii1ha de ser e
não poderia o embaixador português em Londres impe-
dir uma solução que o Príncipe Regente de Portugal
aceitara e ;1 ln):latcrra, nossa fiel aliada, nos aconselhava
delicadamente com a sua autoridade indiscutível.
tssc férti l rindo passaria a ser perfurado cm todos
o:; sentidos pelos pc11in:izcs pc,qni1.adorcs de filões
auríferos, acabando->e com lôda a :;ua vasta cultura agrí-
cola. 1loje, a poética CaTcna da pa, bucólica, é o calvá-
rio de cc11lc11as de c.lcsi.:raçados, que a França atira para
ali com a i,trilheta chumhada ao toruotclo.
30
Perdeu-se Calena e se dC'-"1 perda alguém tivesse de
,cr culpado. êsse alguem poderia ser o príncipe D. loão,
com a sua pacatez de boa l>C'>Oa; poderia ser o prínci1>e
de ·1 allcyrand com as suas rabuliccs de politicão astuto;
poderia ser a diplomacia britinica arfando de satisfaçào
ank o declínio napoléonico; poderiam ser lodos, em ~uma,
visto que conceder compensações à custa de outrem é
emprcza fácil.
O grande patriota Conde de 1~u11chal, é que não foi
culpado. A sua competência diplomática, o seu brio de
português, os seus argumentos mais eloqüentes estavam
muito acima da pequenc1 dum.1 Pátria, que não poderi;i
fa1ê-los realçar pela fôrça do direito, que é como quem
dil pelo direito da fôrça.
OoMES MoHTl!IRO·
EPlSTOLARlO
V
COMO SE DESINFECTAVA UM ARQUIVO

Nlo consegui apurar quem fõ~so o autor desta carta, nem a


pe«o• • quem é dirigida. t> possível que al~çasso s•b6-lo so
0$ meus afazeres mo duixassem nesta oc.asil.\o tempo liYre. p:tr:t as
necessdrlas pesquiias.
Tnnto a carta co1no o onexo expllcROvo n1e parecerBm dljff'los
de publicidade peln noUcln que dao dos conhochnentos snnltárlos
entre nós nos começos do século passado.
.l. J. V.

Snr. Pedro de Alcantara Pereira Rolim.


t:: m res posta a sua carta de 12 do corrente, cm q.
pertcndia deste Real Laboratorio da Ca1.a da Moeda
lhe fornecesse os meios de dezinlcctar o Archivo da
Secretaria d'Eslado do Reino, remetto os apropriados
reagentes pelo operador do dito Laboratono João
Campanha afim de se fa,er á sua ordem a dita 01>cra-
ção.
-32-
Leva lambem hum vidro de Ammoniaco para res-
pirar e cheirar, quem nos primeiros dias depois da
de1infecção entrar a trabalhar na dila Caza quando sin-
ta alg-um cheiro estranho.
Não me resolvi mandar fazer o processo por meio
de fogo como lho tinha participado por ser caza onde
ha papeis, e querer evitar algum incendio, sendo o que
se fará a frio igualmente profícuo.
Dezejarei ter muitas ocaziões de concorrer para o
bom serviço de S. A. R. e mostrar-lhe lambem nas
couzas do seu interesse a minha pronta, e sincera ami-
zade, porq.
Sou A.º seu m.t• Vnr. obgd.o e C.
Gregorío José de Seixas

Real Laborntorlo Chimico dn Cnza dn Moeda 14·10.1805

O modo de dezinfectar a caza que tem papeis cor-


ruptos he do modo seguinte:
Sobre hum pequeno fogareiro com alguns carvões
accezos, se porá hum pequeno taxo quasi meio de cin-
zas, e sobre estas se asentará huma capsula de barro,
cm que se lançarão duas onças de sal de cozinha, e
quando este estiver quente se lhe deite huma onça
d'oleo de vilriolo, que se pode mandar buscar a huma
Botica. Apenas se Jansar o oleo sobre o sal, se deve
relirar a pessoa que isto fizer, e fechar a po1ia da dita
Caza, podcndo·a abrir já dezinfectada depois de vinte
e quatro horas.
O vapor que se levanta pela combinação dos dois
saes destroe o bafio e ar podre que encontra; e quan-
do depois das vinte e quatro horas alguem quizer en-
trar na caza livremente e sem perigo, deverá chegar
ao nariz, e boca o vaJ)Or do alcalino volatil fluor, que
-33-
se pode mandar vir da Botica, ou qualquer Laborato·
rio chi mico, e fi nalmente abrir portas e janelas sem
damno algum dahi cm dcante nem ser mais necessa-
rio cheirar o a1calino.

VI

SEBASTIANISMO

Meu iluslre an1igo

Pede-me o meu a1nigo lhe diga o que se me oferecer sôbre a


intore-ssnnte cnrta, expedida do MilO.o, nos 2 de Abril do 1628, en-
dereçada ao duque D . Teodósio e firn1adu por Fr. Bernnrdino
de sena. Asshn seja, jó. que nssin1 o exige.
Co1noço por lhe confessar a mnis onlssn ignorAncin sôhre o
signntário.
Calculo que seria urn frade arrábido e abono o n1eu 1>areco!'
con1 as intimas relações existeotes entre o duque e os religiosos
da uusturn Províucin dn Arrábida, aos c1uais doara o chào da Ar-
mar ia, no termo de Son1arén1, por carta de 2l de J:tneiro de 1592
e que se encontra na Clironica tia Provincla de Arrablda. t. li.
Bem sei que a Província (los A lgarves, segundo o seu cr o-
nista, no 1. V. so confOGsa mui to devedora de favores e graças á
Casa de Bragança, apresentando u1nn silttéticn perfcope genealó-
gica da ducal estirpe, at6 ao rei O. Joào IV. Contudo inclino-me
a que seja um religioso nrrábido, que de melhor nnin10 se pres-
tasse n lnvestigaçocs sóbre o E11Cllberto-na.s clausuras fre iráti-
cas.
O que se deduz da carta ó o nnseio geral que do111inn a naça.o,
Cnrta do insuportável togante espanhol, não acr editando na morle
de o. Sebastião, esperando-o a todo momento, pAra que o rei le-
g íti1no ntermasse o cativeiro, reivindicando o trono que por direito
i 11contestável lhe pertencia .
.,ortugal queria recuperar a liberdade e ser governado por um
Rei portugucs.
Possuo uns manuscritos dos séculos XVII, XVIII o XIX com
i mensas dessas profecias, calendas todas sobre o pe11san1e1HQ dos
duas freiras de Pr. Bernardino de Sena, coincidindo a n1aior pro-
-34-
duçào destas composições com os dois períodos de triste rccor-
daçào - inv:isAo espanholn e invnsl\o francesn.
Noste meu interessante manuscrito. c1n que o Alcorao se mis-
tura con1 o Apocalipse, S. Frei Oil com O. Afonso Henriques, o
Arcebispo de Lisl>oa O. Miguel de Castro com o Sapateiro Ban-
dnrrn, a Venenivel i\\nrin do ·Lado com s. Angclo Car1neli1n, 1n1n-
bé1n 1ne aparece conto profetisu dó E11c11berlo uma Madre Leo-
cÃdia, italiana de nação, fundadora do Convunto do Cristo on1
Nápoles. Entre \•árias ducimas de corrccçtio n1uito discutfvel. apa-
rece esta :
Em huma Ilha abitada
de gento cristan está
da qual sedo snhir:i
a lazer sun.J'ornadn.
Sua gente esgarrnda
e o seu gado perdido
ajuntará con1 sentido
o isto haveis de esperar
nào ha do muito tardar
posto que esteja escondido.

Sl\o vinte décimos dêsto teor.


f\ins esta nbundosa compUaçAo 11) dá·me mais o n1elhor; é um11
cnrta do Pap:i ao Rei de Hes11Anha:
«Paulo V 1 Bispo do Roma, no mt.o amado filho Fill1>pe tersoiro
Rey de Espanha segundo de Portugal. Pnzen1os saber que n1e foi
:iprezentada A sentença do 1neu antecessor Cle1nente VIII en1 q.
conllnha ser vh•o o unieo etdeiro d& J>or1ugal EIRey O Sebastlfto
de saudosa n1e1noria e nos pedia que mandnssemos por nosso
nunslo nposto1ico n dizervos que ln.rgnces o Reino a q ... pertence.
por evitar guertas entre catolicos, nos J>:ll'("Ceu bent com os ltma.os
Cardines, o informarvos desta verdade o q. Vos saberiels pot
vosso Pay e nis10 usa1nos com piedade o que mnndan1os com
pena de excon1unhao 1naior l>nda nesta Curia de Roma de. baxo do
rutel do pescador, aos L7 de Março de 1617~.
Escusado é diier que a autenticidade de tal docun1ento na.o re·
siste !t. mais leve apreciação crítica; contudo, divulgou .. se polos
motos de que então podiam os interessados dispor, e calcule-se o
efeito que tais palavras c:ausarinm nos ânimos sim1>los e o.po.ixo-
nados.

(1) Contém·l567 páginas o 268 composiçoes de autores u orns


diferentes.
-35
Se cm época de m:Uor 3dian1amen10, no princípio do s6culo
XIX, e:sh:~ proccs!\OS: lograram efeitos, o quo :.oria então?
E já Al{Ot• deixe-me dizer-lho que pos!»uo la.mbem m:inuscri-
tos proflllcos do s6culo XI X (1) com •• prof.rias 1salvo-seja1I
•de hum reill(ioso PranclscanodaCid•dedeN•poles,feitasem 1520•,
as proft•cln1 1llJ oncontrndas numa ~amoln de cobr e, na quinta
de Lul7. Anlónlo de Oliveira, cm Castro V urdo e ns d11 freira Maria
Leocitdln, do i\to11chi<1uu. Sei, polo to~lhuu 11 ho do n1fnha A\'Ó, <1uc
ora fn.uj uonto, durnnte a invasno ruu1co:;11 1 os prêgndores citarc;111
no p\Jl1> to o Bnndorrn, o Preliriho do J1\f)QO, P'r. Joao da Barroco
e ou tro~ f)ndrus-mestres do Sebnstianhuno o que muito em vogo
ando.varn as volhns profecias.
Contudo, mou c.'.lro, isto que o multo!I cau'ittrá riso, algo tem de
respeit6vel e muito teve de útil: manter nas multidões o fogo sa.·
R'fOdo du patrloti~mo e exordescer a chama vivaz do !\mor à inde-
pendencla tia Pátria; despertar energias sopitadas, afer•orar os
valentes, prep:arar, enfim, o ambiente que nos levou àquele instan-
te em i1uc, como cantou Tomaz Ribeiro,
• . . . • .emfim disperto
Oopols de sessenta annos de lethor110
Olhnvn Porlugnl ao Ceu, do lo.rgo,
Chovln·lhc nu1ná no sou dusorto.
H ora bsto o empe11ho fervoroso do frndc Bernar dino de Senn
e do orlslocrilllco duc1ue O. Teodósio.
Perdoo n 1nnçnda ao seu adrnfrndo r e nmlgo,

S ANTOS FAl\INHA.

Ex."'° S."'
Fis com grande cuydado a in!ormaçao, que V. Ex.•
me mandou lisesse, sobre o que sentia em estas par·
tes dos cousas de El Rey D. Scbastiam: Nam busquey
sentimentos ela terra, os do Ceo so perlend i por duas
Religiosas Seruas de Deos, cuslunrn das ater certas re-
uelacoens, e visoens, e divinos auizos. A primeyra di-
ligençio que !is loy em Florença com a M.e M.ª de S.

t 1) 3 cardernos, contendo composições po~tlcas e lrechos em


pro~:a.
-36-
rranc.•, hua das sernas de Deos assima dilas. Chamey
a esta Religiosa, e lhe cncomendey com encarcçimcnto
pedisse u O'. o bom sucesso em as couzas de LI Rey
D. Sebastiam, obrigouse a Religioza a fasello com to-
da a elficacia, que pudesse; passados cinco dias torney
a falar com ella, pedindo a resoluçam em este negocio
disseme a Religiosa, que cm o primeyro dia entendera
de Deos, que era viuo L::l Rei O. Scbastiam, e ao se-
gundo, que ouuira de Deos estas palavras:- Filha esse
Rey, que me encomendas he fiel servo meu, e como tal
o guardo pera grandes cousas; cm breue tempo sera
outra vc1. Rey de Portugal; loy neçessario que andas-
se encubcrlo muylo tempo, por se cumprir o que clisse
em o Campo de Ouric111e ao primeyro Rey da<111elle
Reyno, se se adelgaçou a decima sexta geração nao
acabou, mas nella, e nas que selhe seguirem ser~ meu
nome glorioso por largo tempo. Ouasi semelhante a
esta inlormaçam foy aque me deu a M.• Franc." de S.
Clara no Conu.to de Milão, dissclhe Dcos estas pala-
vras cm quarta fr.• de Cinzas esperando a missa do
dia: •filha esse Rey, c111e me encommendas, lenho de-
bayxo de meu amparo, e protecçao 1>articular, e assim
o bom sucesso, q. pe1 lcndes, e me pedes eslà muylo á
minha conla, lriunfará de se11s ini111igos, e sera rcslau-
rado a seu Reyno em brcue tempo.
Estas sno, Excellenlissimo S.º as informaçoens mais
qualificadas, que neste caso se podem fazer, pella ex-
periencia, que ha do verdad."' trato entre [)•. e estas
suas Seruas. Ao mais, q. for de scrniço de V. Ex.cu me
offcreço.
De Milno, 2 de Abril de 1628,

Capellao de V. Ex.rn

Pr. Bernardino de Sena


~

A PROPOSITO
DOS ,.FEITOS FINDOS"

Meus qm:ridos amigos

i:entilcza com que vocês me cederam uns


palmos de terreno da l'eira da ladra,
para poiso e exposição da minha prosa
de ferro-velhn, 1H·mc direito (ia quanto
vai a minha basófia I) a fazer-lhes um
pedido. Não se assustem; não é dinheiro,
nem uma borla parn o •S. Luiz• ...
Explico, para sossêgo do vosso espírito e descanso
futuro da minha alma.
No mesmo número em que vem a min ha descon·
chavada croni quelha, lê-se ao fundo da r ág. 193 (tômo
Ili), o sci:ui11 tc:
"Em l Cl de Fevereiro de 17Cló faleceu cm Scl(1bal
o coronel reformado barão Carlos d' Amon Allensson
e Chatillon, de origem alemã (?) e ao serviço de Por-
tugal.•
-38-

O sublinhado é meu e a interrogativa, evidente·


mente do respii;:ador do •Arquivo dos feitos findos''.
é muito razoável; de facto, aquêles apelidos não sào ger·
mãnicos, mas genu'inamente franceses.
Sem intentos elucidantes, muito ao contrário, na
csrectativa de que algum carola de coisas gt!nca ló1rieas
ven ha à liça, não para co mbate, pois estou desarmado,
mas para minha instruçao:
É que ... (perdoem-me os que não leem cócegas no·
biliárquicas e, sobretudo, aquêlcs que, não tendo di-
reito a elas, sentem pruridos, de condados e marquesa·
das adquiridos, talvez, no retroseiro •Condes•, ou na
pastelaria •Marques• ... é que êsse barão Carlos de
Amon de Alenron de Chatillon era, nem mais nem
menos, meu bisavô.
Contava êste avc11t11rier nos seus avocngos o ma·
r
rechal de Coligny, o ho nrado huguenote assassin ado
e, estupenda antítese, o papa Urbano li.
Notem que não escrevi aventureiro mas aueril11ricr,
vocábulos que, a-pezar·da mesma sinonfmia, leem si·
gnificações diferentes.
Aventureiro tem hoje o sentido pejorativo de •tipo
sem eira nem beira, náufrago da vida que corre cm
árvore sêca ao sabor dos ventos e correntes•, ao passo
que avenlurier puxa mais fino ... sempre é estrangeiro
e tudo quanto fede a crêpc gcorgelle ou trescala a Hou-
bigant, é que tem curso entre os tais uCondcs• e
1rMarqucsu,
Deixem-me dar-lhes ideia da diferença ele matiz dos
dois vocábulos.
O conde O. Henrique foi auenlurier e Gabriel d'
Annunzio aventureiro. Ambos correram a aventura e
à ventura, como dantes se dizia; mas, enquanto da
aventura do primeiro nasceu uma nação, a do ~ande
cabotino da Ouse e das d1ísias -a aventura de Filíme-
-39-
não deu scn~o fumo. Estão já a vfr a razJo do sentido
pejorativo.
Mas não quero maçá-los com ling1iismos desca-
bidos na nossa florescente •idade do Jan-Band• e
volto à 11v;1ca íl'iª''·
Sssc meu bisavô casou cm Setúbal co m uma se-
nhora de 1:ranclc nobreza, não sómente pela pros1ipia
dos seus maiores (Portugais da Silvcirn, Caslros Pinto,
Sanchez ele Ouzman, Tôrres de Sequeira e outros) nem
porque o Santo Ofício a aristocratizasse com a fami-
liaridade paterna mas, principalmente, pelo valor do-
brado e incontestável cio progenitor- médico-cirurgião
de alto coturno e um dos árcades de mór estandarte.
Refiro-me a llelchior Manuel Curvo Semedo Tôrres
lide Sequeira, qm• 5C apodou na Arddia de Belmiro
[ Transtagarw, emparelhando doiradan1entc com Elma-
no Sadi no, filinto Elísio, Elpino Non.1cricnsc e ... (outra
parente minha) Alcipe-Dona Leonor de Almeida, con·
dessa de Oycn hauscn e Marquesa dt• /\!orna.
Belchior Manuel fôra um cstoirn-vêrgas na mocida·
de. Abandonava, por vezes, a ciência infusa de Hipó-
crates. para verter em portugut:s as Metamorfoses de
Ovídio e outras •ninharias• de passatempo.
Uma dtssas •ninharias• é o soneto•/\ tempestade ••
passado a in1:lês pelo americano William Cullen
Bryant, falecido cm Nova-Iorque cm 1878 e grande
amador da poesia portuguesa.
Dou a titulo de curiosidade e não pelo seu valor
poético, o orir,'inal e a tradução do ;oneto:

•Medonha corre a noite, a frouxa Lua


A furto mostra o rosto desmaiado;
Em mil voluveis serras levan~'do
Ruge raivoso o mar na praia nua,
-40-
"Um só baixel nas ondas não flutua;
Os nautas dormem. zuuc o vento irado;
i Ah! doce Laura, ah! doce obiectn amado,
i Quem vira agora a linda i magem tua!•
A<sim as vozes eu soltava ansioso,
Qu~ndo Laura, o meu bem, a minha estr~la,
Ao lado \'ejo, e vejo-me ditoso.

No meu pobre batel entro com ela;


iOh Ccus ! desde que sulco o Tejo mHlosu,
Nunca vi, nem gosei noite mais be la.
A traduç11o inglesa é esta ;

SONNET
(From lhe portuguese of Semedo)
lt is a lcaríul nighl; a íeeblc glare
Strcams from the sick moon in the o'crclouded Sk)·;
lhe rid~y billows, with a mighty cry,
R11d1 011 lhe foamy beaches wild and bare;

"No bark lhe madttess of lhe waves will dare,


The sailors sleep; the winds are loud and high;
!Ah, pcerless Laura! for \ll'hose love 1 d ic,
C:\lílho ga1cs on thy smiles while 1 despair ?.,
As t11Us, in bittcrness ot heart 1 cried,
1 turned, a nel saw my Laura, kind and brinht,
A mcsscnger or g ladness, at my sidc;

fo my poor bark shc sprang with lootstcp light,


And as we furrowed Tago's heav1ng lide,
1 ncver <aw so beautiful a night.
. ... ... ...
.. . . . .. . . . . . . . .. . . . . .. .. . .. . . . . .. . . .
-41-
Ora o que eu queria saber ao certo, tanto quanto
possível, era a aventnra que trouxe a Setúbal o barão
francês, quais as !.raças de que se valeu para casar com
a filha do poeta-cirurgião, familiar do Santo Ofício,
porque tal dama devia ser fortaleza de dificil tomadia,
e por virtude de que manhas ficou senhor do palácio
que ainda hoje alardeia o seu complexo brazão na
Avenida Todi.
Daqui faço êstc apêlo, por vosso intermédio, ao
nosso comum amigo Gustavo de Matos Sequeira, des-
cendente de Belmiro Transfagano no mesmo grau
que eu e mais vezado em coisas genealógicas do que
o vosso
amigo certo

o. TOMAZ DE ALMEIDA
P. S.
Vocês conhc,cem-me bem para não verem , na mi-
nha curiosidade, mais do que ela significa. Mas, aos
condes de Ta l e marquêses de Qual, que se admirem
da minha ignorância, direi que de todos os meus antepas-
sados conhecidos, prováveis, directos ou afins, não me
ufano do brutamontes do Fernandes Almeidão, nem do
arrojiido-impotente Decepado, do romântico-imbeci l
Vice-Rei da lndia ou do hipócrita tonsurado primeiro
Cardial Patriarca de Lisboa, assim como não deito lo·
guetes de três respostas em apoteose ao papa Urbano
li, ao huguenote de Coligny e ao tal barão de Amon de
Alençon de Chatillon.
Dos dois lados da família, em que peze a parentes
e aderentes, só me orgulho, por uma banda, da Alcipe
e, pela outra, do Belmiro.
Eram ambos poetas e poetas são, em geral, bôas
pessoas.
ToM.
O MILAGRE D E MARTINACHA

incontestável, sem dúvida, a noticia


que as velhas crónicas monásticas
nos ministram de factos miln1trosos
sucedidos atravez da história relil(io-
sa da naciona lidade.
A veneração que, pelas í111age11s
milagrosas, tem o povo português,
como regista o padre João Baplista
de Castro e o culto das sagradas imagens, s:io tao
antigos em Portugal como a mesma religião. • Logo
que o Apostolo Santiago a estabeleceu n'cstc reino,
edificou altar á Mãi de Deus em Braga. Foi continu-
ando o culto com singularissimo zêlo, corno se prova
do canon 36 do Concilio El iberitano.,, M11is diante
acrescenla o douto reverendo: " N ão é para desprc·
sar a reflexão que devemos fazer no especial favor, com
Deus Senhor nosso por sua immensa bondade, e por
meio das suas venernndns imagens, e dos seus santos
assistindo benigno a este reino, trazendo-as a elle por
meios tão exquisitos, e conservando tantas, que com
os frequentes milagres que obram, não só corrobo-
-43-
ram na devoçao, mas nos servem de refugio para nos
valermos do seu patrocinio em nossas urgentes neces-
sidades. ti )
Bastante singular é o que acabámos ele transcre·
ver e que bem demonstra a fé e a crença que sentia
ainda o nosso povo na época em que o padre Castro
escrevia as suas memórias.
Estamos em crer, que ainda hoje, no seio do povo
crente ou descrente, quando a desventura lhe bate à
poria, nas suas grandes afíições, implora a protecçao
divina pela intercessao do Santo da sua devoçao, a pe-
sar da descrença a esmo semeada pela escola paga.
Mas a fé que se observava há uns séculos alraz
era intensa e abrasava a vida de quási tôda a huma-
nidade.
O facto representado no pequeno quadro em que
incide a nossa observaçao, cuja inscriçao simples e
rude nos dá o epílogo de um drama passado numa
nobre habitaçao da província, é deveras emocionante.
A legenda é assim concebida:
• •
Mercei q. fes N. S. da Guia a Joaõ Roz. estan-
do. m.to// mal, de h11ma dor ia de todo dcscom-
fiado de medicos e sor/Jgiaõ. pegose com mt.•
{e com a d.• Sr." foi logo Iiure de todo / f o mal
marti11axa em 8 de Str.• de 1760 Fete Simos.
Se o delineamento do quadro é rude, como se vê
da gravura que ilustra aste artigo, a redacção da ru-
brica é deveras arrevezada, mas, no entanto, compre-
ensível, e o conjunto é dum realismo que choca e sen-
sibiliza todos os corações. Talvez, mesmo aquêles que

(1) Pndre João Saptista de Castro, Mappa de Porl11gal, etc.


Tõmo li, pág. 136, Lisboa, 1870.
44 -
se julgam empedernidos por concepções eivadas de
enciclopedismo, se sintam, por momentos, 1>rcsos à
scena, tno ing~nuamente representada na humilde tá-
bua.
O quadro, toscamente aparelhado em duas lábuas
de pinho com moldura sobreposta, mede quarenta e
cinco cenlfmetros de comprimento, por trinta e dois
de largo e foi seu autor, como nos diz a legenda um
tal Simões.
A pintura foi certamente feita por mão de pintor
curioso e, embora rude, a sua composição é duma in·
genmdade própria do !neto que representa, pelo qual
se rememora um drama familiar, que só quem estives-
se com o pensamento cm Deus o podia ide11lizar.
Como se vê du rubrica, a sccna passou-~c na quin·
ta de Nartinac/1a no ano de l 7b0, naturalmente pro-
priedade pertencente ao cnfêrmo .Joao Rodrigues, que
deveria ser pessoa de certa importância na região, a
avaliar pelo aspeclo cln alcova figurada no quadro, que
bem nos dfl a nota de um certo sabor de habitação
fidalga (t).
Na representação do quadro entram as seguintes
figuras: a principal é a do enfermo João Rodrigues.
quâsi moribundo, estendido no Jcilo e, como diz a ins·
criç:io, jt\ de todo sem esperanças de salvaçao e de-
seng111rndo dos médicos; as duas figuras do centro de-
vem representar os médicos, ao abnndonarem o doen-
te, voltando-lhe as costas, lalvez desanimados da efi-
cãcia da sciência de Esculãpio, com o aspccfo de
quem intimamente imploram umn salvação sobrcnatu-
l'al, levantando um clôles a mao ao ceu, clrnmando

(t) A qufnln de Martü1acha, pcr1enconte ao concelho de So.


bral de Monto Agraço, polo censo renllindo om t91 l, tlnh• 4 logos
com t~ habltnntes.
.EX-VOTO• OE JO,\O RODRIGUES
da Quinta de Martlnacha
-45-
11cla protecçtto divina, que o pintor representou na
apariçao de Nossa Senhora da Guia, entre nuvens,
acompanhada de uma eslrêla, imagem milagrosa vene-
rada na vila de Tôrres-Vedras; junto uos pés da cama
do doente, vê-se ainda reh·atada uma outra figurn,
que, pela leitura da rubrica, julgamos identificá-la
como sendo o cirurgião.
Por falia de elementos, nao podêmos fazer a iclen-
tificaçao das figuras dos médicos e cirurgiao e de ou-
tras pessoas da famflin do doente, visto que os livros
de registos paroquiais daquela freguesia se nao cncon·
trnm em Lisboa, e Mo termos sido mais felizes nas
buscas a que procedemos nas Chancelarias Reais ar·
quivndns na Tôrre do Tombo.
O quadro pertence hoje à senhora O. Maria Elvira
de Lacerda Reis ~\artins Sá <haves, vhí~a do coronel
Si\ Chaves, residente em Lisboa, que o conservi1 com
muita dcvoçao e carinho, por ser uma relíquia herdada
dos seus antepas;ados. Scgl11tdo as informações <1ue
csla senhora nos deu, o quadro 1>assou pelas seguin-
tes mãos:
No comOço do século XIX pertencia a D. Iria Pe-
reira de Lacerda, que deveria talvez ser nela do dito
./ollo Rodrigues, e que, sendo casada com Jacinlo Pe-
reira de Lacerda, natural da Ilha do Fninl, viveu no
lugar da Guia, freguesia da Sapataria. E dêstes pussou
para sua li 1ha :
D. Ana Perpélua de Lacerd: Reis, nascida no lu-
gar da Guia no ano de 181 J, <1ue foi casada com Ma-
nuel Gonçalves dos Reis, natural de Soure, onde nas-
ceu em 1799 e por sun vez o deixou a sua filha:
O. Marin Adelaide de Lacerda Reis Martins, que
nasceu cm Tôrres-Vedras em 2 de Abril de 1835, e
foi casada com António Maria Coutinho Marlins, nas-
cido na Snpatarin em 12 de i\gôsto de 1834, filho de
António Maria Xavier Percirn Martins e de Guill1cr·
-46-
mina Bernarda Bravo da Fonseca Gorjão Coutinho,
naturais de Lisboa.
Desta D. Maria de Lacerda é que passou à actual
possuidora, O. Maria Elvira de Lacerda. que nasceu
na freguesia do Socorro, cm Lisboa, a 13 de Dc1crn
bro de 1857 e que, como j(1 dissemos, o tem em grande
estimação, a cuja senhora apresentamos aqui os nos-
sos agradecimentos.

Jost o• CuNH• SAl\AIVA


POEIRA DOS TEMPOS

XXVII /\PtRFE!ÇOAMENTO UTI IOORAPl-llCO

Era geral entre nós o es111orcci111c11to nos cmprehen-


dcdorcs de trabalhos lithograrhicos: os desenhadores ti-
nham creado horror a similhantes obras pelo discrédito
que, em vez de gloria, sacavam cl'cllas: poucos perseve-
ravam nas tentativas, e esses não curavam de aprimorar
o que tinham por certo se desfaria antes de chegar ao
publico.
A Officina do Sr. Manocl LuiL da Costa, como ler
sido sempre a menos atraz.ada, esforçar-se constantemen-
te, à custa de trabalhos e clespesas, para a perfeição, e
haver por vezes recebido os elogios da imprensa, a lill10-
graphia do Sr. M. L. da Costn, pouco 111enos assolava
do que as outras, do que são boa próva muitos dos Qua-
dros Hístor/cos de Porlugal, e as soberbas cópias do Sr.
Lopes. Provinha isto da deseulpavet ignorancia em que
todos ja1.ia111os àcerca de melhore' 111elhodos de prepa-
rar as pedras depois de desenhadas; methodos conheci-
dos e praticados por algumas olficinas lá de lóra, mas
cujo segredo costuma ser com grande ciume recatado
-4S -
por seus auctorcs ou possuidores. O primeiro impressor
d'esta officina, a quem o Sr. M. L. havia feito director
d'ella, por lhe r~o11hecer o prcstimo e boa vont.tde, o
Sr. ]o5é António da Silva. que ha largo tempo trabalha
por desencantar algum bom procc,so com urna admi-
ravcl perseverarn:a da sua parte, e 11ão menos generosi-
dade tln do Sr. M. 1.., que jámais recusou os gastos cau-
sados pelas novas expcricncias, acaba finalmente de in-
ventar um processo, que nem levemente damnifica
os dCs<'nhos mais bem acabados e subtis, as linhas finis-
simas de que se as estampas costumam guarnecer e
quaesquer letras, que n'ellas haja. Este rico descobrimen-
to portugucz, e só portuguez, ainda passa adiante com
as suas vantagens, pelo grande brilho, que por urna tal
operação se communic.t á estampa. A esta operação de-
verá incontestavehncntc dar-se. e manter-se, o nome do
seu auctor, chamando-se-lhe acidulaçãa de Silva.
jí1 sem tacha de vangloria podemos dizer que pos-
suímos hoje em Portuiial perfeitas lithographias.
Não :;crão o Sr. Silva, como inventor, e o Sr. Costa,
corno coadjuvador elficaz, merecedores de uma meda-
lha? l'\ós os lembramos, e r~omendamos á Academia
de Bellas Artcr, a a quem toca servir nesta parte de
Curador de Orphãos.
M. ]. S. (li

Rt-iif.fla Unlunsot Llsbonenu, tomo 1, n.o 1 de. &.• feira 1 de


Outubro do 1841.

(1) Iniciais do conhocldo desonhndor-lltógralo Mnurfclo José


Sendlm.
O ESTUDANTE
NO CANCIONEIRO POPULAR

.. vários lrabu lhos llJ lenho focado


diferen tes aspcctos etnográficos da
gente de S. Simão de Nova is, mi-
núscula al dcin do concel ho de Vila-
-Nova-de-F'amalicão. Achei digna
de registo e bem cabida na Feira
uma nótula folclórica a respeito
do estudante. Sirvo-me apenas de
quadras colhidas por mim; umas, já impressas nas
minhas duas séries do CancioMiro dp S. Simão tlp
Novais, outras ainda inéditas. i:ste tema dar-nos-hia
ele mentos para a elaboraçao de um longo estudo;

( l 1 Cn11c/011eiro de S. SinrDo d<' No1111I$ (1" o 2.• séries) ln


.. Rev. do Oul111nràes", 1922 a 1929;
Alg11n .. nspecfos da vida portugul•!fn 110 ('n11c. de S. S. d~
Noun($, ln .. Trnb.ilhos da soe. Port. do Anlr4lp. e •:tnografia'",
vol. IV, la•c. Ili (1930);
J.Jsbon no •Canc:. tle S. S. dr Noval.""• ln .Feira d:t Ladra"',
vol. li, pág. 146; e muitos outros.
-r;o-
no enlanlo, por hoje, vou apresentar as quadras só·
brc assunlos académicos que me !oram cantadas nn
aldeia e denotam a maneira como o povo minhoto
encara a prolissao de estudante.
O rapaz .que anda nos esludos• (assim se diz na
minha região) é qu{1si se1111>re um irreverente. Sao de
lradiçao já longlnqun as diabniras feitas pelos estudan-
tes. A ,.praga do estudante., é notória em muitas afir-
m!lçõcs populares. ,.Nem o diabo querc nada com
êles", ,.sao piores do que o infcrno",-sao frases que
:mdam de bôca em bOca, principalmente na do pací-
fico cidadão, que não admite brincadeiras. E, assim,
algumas quadras recolhi, em que a má vontade conlrn
o académico se denuncia duma maneira bem clara:

Se viesse uma nôrlada


para êsses estudanles,
ficaria Braga livre
de garotos e trntnntes.

Para Coimbra burros vao,


de Coimbra burros veem ;
Coimbra nao pode d11r
juízo a quem o nao tem.

A irreverência do poeta popular é tão grande, que


deixa transparecer, lalvez, qualquer partida de que fch
,;rm viclimas, possivelmenle, os seus próprios a11lores.
A referência a Braga explicn-se nao só por ser n ci-
dade cabeça do dislrilo a que pertence a freguesia de
S. Simão, mas lamb6m pelo antigo seminário que pos-
sue, muito lreqücnlado por genle do Minho. Quanto a
Coimbra, é, sem dúvida, o centro académico, i;or ex-
cel~ncia, do país. Compreende-se muito bem que seja
cilada a cada passo nos cantares do povo.
-51
A que segue é um hino de amor dum estudante à
sua namorada. É uma retribuTçno justn por tantas qua·
dras a êles dedicadas. Refere-se aos segredos guarda-
dos religiosamente por uma ca1>n-e·bntina:

Se a minha capa falasse,


1 eu sei lá o que dirin 1
bastava que ela cont11ss<l
os nossos beijos, Maria ...

Em outra, apenas hâ uma leve referência à profis-


sao académica:
O meu amor é estudante,
estuda na estudantaria ;
Diz-me Já a primeira letrn
que a segunda j~ cu sabia.

Outras ainda mostram a impaciência dos corações


femininos pelos seus namorados, que andam a eslu-
clnr:
Não me faleis em Coimbra,
que são penas que me dais;
tenho lá o meu amor,
não quero que mo lembrais.

[u hei de subir ao alto


que eu do alto vejo tudo;
também vejo o meu amor,
1111'anda cm Braga no estudo.

Por outro lado, a sensibilidade da rapariga portu-


guesa nao pode deixar de referir-se com simpatia à
terra onde se formam tantos rapazes que, um dia, vao
reprcsent..r para elas a sua maior ns1>iraçao - 1o casa·
menlo!
- 52 -
Certas quadras envolvem uma repreensão, lamen-
tando que Coimbra transforme o rapaz acanhado que
vai dn aldeia e que volta um garoto insuportável:
l Coimbra, nobre cidade,
que fazes aos estudantes?
Vao para lá uns santinhos,
veem de lá uns tratantes.

Mas nem tudo sao maus tratos para os estudantes.


Se os homens leem uma certa má vontade contra
êles, pelo contrário as raparigas de Portugal tecem-
-lhes as mais lindas referências.
Umas receiam que, ao verem um, estudante, nno
tenham coragem para resistir-lhe. E disso bem de-
monstrativa a trova seguinte:
Ó minha mãi, nno me mande
a C:oimbra vender trigo,
que me dao os eslll(lantes:
- 1menina, case comigo 1

Outras mostram o receio que os pais leem de que


su;is filhas namorem um estudante:
Ó Anninda, ó Armindinha,
o teu pai chora bastante ;
foram dizer-lhe ao quartel
que estavas c'um estudante.

Algumas são de gratidão para a terra onde se for-


mara m os namorados das raparigas. Coimbra jàmnis
se apagará do coraçao das mulheres por tuguesas:

Coimbra, nobre cidade


onde se formam doutores,
foi nela que se formaram
os meus primeiros amores.
-53-
Se Coimbra fõsse minha
como é dos esludantes,
mandnvn-lhe pôr no centro
umn c'ron de brilhanles.
E, finalmente, t'.·slc cantar cheio de alegria e de
beleza:

Estudanlc, deixa os livros,


vira-te cá para mim:
mais vale um dia de amores
que cem anos de lalim 1
Porto, 193 1.
O S AERONAUT AS ROB E RTSON
E M PORTUGAL

s aeronautns dêste nome que cslivt·ram,


c11trc nós, no seirundo decénio do sé-
culo XIX •1>, foram uoi': Estêvão 0.1spar
Robcrtson, natural de l.i~c e '~u filho
lt1génio Robertson, qm· nasceu em Pa-
ris em 1800.
O pri111ciro já tinli a alcan~·ado no-
meada cm v1rios paises estrangeiros, por ter !eito ao;cen-
çôcs nas prmcipais cidade' da Europa e dos seus feitos

(1) Em v~rlo• números do Gaztla d• Usbótl, do 1818, cncon-


1ra1nos referência, n Robertson, pai J.\orava no Cais do Sodr6, o.o
3, 2 o a:ldar e 11;• sua easA linlut um gabinete de lisica o optica,
donde no dia 2.& do setembro dnquclc a.no, aniversário da ro:.1aura-
çAo do reino, foz voRr um hnlno, en1 quu ~o lia: Vil,a el-r<•I. E:sle
gtthlnote est:ivo pntuntc 110 p11hllco. No salno e.lo tentro do S. Carlos
deu vários espcctáuu1os recrenllvos nesto n1e:~ 1no ano. Oepolc; nnun-
ctou na Gaz~la do 2l de Oe2en1bro, que vendin todos o~instru1nen·
tos o m~quin:is do seu gabinete, o cosmora1na e tudo qu:anlo pet·
tc:n\:ia à f:1ntasmagoria. ,\,orou depois numa casa da rua dos Ro·
rnulnros, n.o 27, nnde vcncJin un11l peç:t do 1netal, chamadn Vesfnl,
quo SB conserv:n•n em brazn 1ôdn n noite. Vld. os n os 227, 232, 240,
2461 255, 260, 26-1 e 301 da Oazf!IO ,1, Lisboa, do 1818 o os n.os 37,
40, 114 e 300 do 1819).
--55-
e experiências rezam as Mémoires récréntifs, scienli/i-
ques et anecdotiques, publicadas cm Paris cm 1840.
O segundo subira, pelo menos uma vez, em balão,
na companhia de seu pai, em Viena.
foi, porém, em Portugal qne, em 181Q, realizou a sua
estreia, subindo sósinho o jóvem aeronauta Eugénio Ro-
bcrtson.
Dessa viagem aérea existe impresso um relato feito
por Marino Miguel Franzini, oficial de engenheiros, pre-
sidente da Comissão da estatística e eadastro do reino,
e sócio da Academia, com o título: Relação do viagem
aeroslalica feita em Lisboa no dia 14 de Março de 1819
por Eugenio Roberts_on, e dirigida por seu pai Estevão
Gaspar Roberlson, membro da Sociedade Galvanica de
Paris e da Academia das Sciencias de Hamburgo, offe-
recida á Academia Real das Scicncias tlc Lisboa. Na
Impressão Regia, Anno 1819, in-8.o de 15-1 br. pág., que
foi reproduzida a pág. 418-421 do vol. 9.0 da Revista
Universal Lisbonense.
Essa ascenção fôra anunciada para o dia 28 de Fe-
vereiro, mas a chuva impediu que ela se reali1.assc nesse
dia. Porém, no dia 14 de Março de 1819,que foi um do-
mingo, os lisboetas puderam assistir a um surpreendente
espectácu lo que, há 25 anos, desde a subida do balão
do italiano Vicente Lunardi, celebrado por Bocage e
José /\gostinho de Macedo, não presenciavam.
Teve lugar êsse acontecimento na quinta dos condes
da Anadia, na rua de S. João dos Bem casados. on ele, cer-
tamente, se reüniu grande multidão de curiosos, cinqücn·
ta mil pessoas, informa a Gazeta 11).

(') Vid. no Gazela de Lisboa, n.• 69 de 22 de Março de 1819,


a dQSCriÇàO destti. ascençno.
A relaçao vendia-se por 160 reis, com o retrato de Eugénio
Robcrtson, e por 120 reis sem o retnuo (ld., º·°' 72, 74 e 11).
-56 -
O enchimento do balão começou às 10 horas da
manhã e estava conclu ído à 1 hora da tarde.
Eugénio Robertson, vestido com uma fla111a11 k far-
da da escola de Minas de Paris, que seu pai lhe empres-
tara, entrou na barquinha às 2 h. e um quarto.
Entre º' aparelho' de que se mnniu, conta,·am-sc os
i.egouintcs: barómetro, termómetro, higrómetro de harhas
de baleia e óculo.
Depois de ter espalhado papeis com vcrsalh ada de
Joaquim ]os~ Pedro Lopes e de kr dado vivas a el-rei,
largou o balão ao som do hino nacional.
Em Ualamares, próximo de Sintra, lêz a sua alerra-
gPm, (assim se lê na Relação), pelas ·1 horas e um quarto.
Nesta vila r ernoitou na casa de pasto do Victor, an-
tepassado do proprietário do antigo hotel do mesmo
nome e, no dia seguinte, partiu para Lisboa, onde loi
muito relicitado pela sna intrepidcl manilestada cm tão
verde!; anos.
i\lguns meses depois, não sabemos quando, Lui.rénio
Robertson dirigiu uma petição ao ministro da Oucrra,
alim de lhe serem fornecidas as aparas de ferro que,
no Arsenal Real do l'xfrcito, caíssem dos tornos, para
as utilinr na fabricação do hidrogEnio necc.<;sário para
encher o seu balão para uma segunda experiência, o que
1he foi concedido.
É o que consta dos seguintes docu mentos cxi~tentcs
no Arquivo l listórico Militar:

•111.mo e Ex.mo Snr.


S. Mai.r.• He servido q ue a Rea l junta da fn1enda
dos Arscnacs do E.xcrcito consulte com eflcito o q ue
parecer sobre a Petição inclusa de l'ugenio Robcrtson,
!ilho, o qual pede se lhe deem as aparas de !erro que
nesse Arsenal Real cahem dos tornos, afim de encher o
seu Balão para a segunda cxpericncia aerostatica.
-57-
Ocos O.• a V. Ex.a. Palacio do Governo, em 9 de Agos-
to de 1819.
D. Miguel Per! Foriaz
Snr. Jozc Antonio da Ro7.a,, .

• IJ l.mO e Ex.mo Snr.


El Rey Nosso Scnl1or, conformando-Se com o pare-
cer da Real Junta da fazenda dos Arscnacs do Exercito,
dado cm Consulta de 30 de Agosto ultimo, N.o l 99, so-
bre o Requerimento de Eugenio Robertson, filho; 1-1e
Servido que nesse Arsenal Real scjão postas em res-
guardo as aparas de ferro que cahem dos Tornos, afim
do Supp.c encher o seu Balão para a segunda experien-
cia aerostatica que vai fazer. O que participo a V. Ex.•
afim de o fazer presente na Junta para sua intelligencia e
execução.
Deos O.' a V. Ex.•. Palacio do Governo, em 2 de Se-
tembro de 1819.
D. Miguel Per.• Forjaz
Snr. Jose Antonio da Ro1.a,, .

Como se vê ,Robertson, foi mais feliz do que o Lunar-


c\i; conseguiu o auxílio tio Estado, ao passo que êste
teve de sofrer os escrúpulos do terrfvel intendente Diogo
Inácio de Pina Manique, que o conservou preso duran-
te alguns meses, e que, depois de efectuada a sua as-
cenç1i.o aerostática, mandou demolir o barracão em que
g uardava o balão.
Da segunda ascenção de Robcrtson não conhecemos
relação ou relatório algum.
Apenas sabemos da ex istência de um Programo do
ascenção aerostatica e descida em guarda quedas que
- 58-

;1
J
BUOllNIO llOBERTSON, PILHO
(Ornv. dn época)
-59-
ha de fazer mr. Robertson na quinta -do Ex.mo Viscon-
de da Bahia, Entre-Muros, domingo 5 de Dezembro de
1819, reproduzido a pág. 417 e 418 do 9.0 vol da Revis·
ta Universal lisbonense, desconhecendo as circunstan-
cias cm que ela se realizou e se foi bem ou mal suce-
dida. Segundo êssc programa, as duas portas da quinta
eslariam abertas às 11 horas da manhã, uma para as
pessoas que fôssem de carruagem, outra para as que
fôssem a pé.
Ao meio dia lançar-se-iam ao ar alguns pequenos
balões de diferentes formas. havendo enfrc elas uma de
leopardo e, no recinto, tocar-se-iam m1ísicas P.ara distrair
a assistência, enquanto se enchia o ba lão. À 1 hora e
três quartos estariam concluidos os preparativos do ba-
lão e do guarda-quedas. Às 2 horas o aeronauta en-
traria na barquin ha e, empunhando a bandeira portu-
guesa, faria as suas despedidas.
Pelas 2 horas e meia lar-se-ia a subida do balão,
anunciada por um tiro de peça. O balão elevar-se-ia até
mil braças. Nesta altura, o aeron1uta daria um tiro para
indicar que ia descer no pára-quedas, tendo cortado,
previamente, a corda que suspendia o balão. t~te parti-
ria sozinho e o aeronauta caYria com o referido pàra-
·qucdas, descendo, ao princípio, ràpidamenle e, depois,
com suavidade. Com a trompa faria o aeronauta sinal do
inicio da descida, que se efcctuaria na mesma quinta,
se o vento fôssc moderado.
Os bilhetes para êsle sensacional cspcch\culo (IJ ven·

(1) Depois de contposto o arligo1 enconrrámos, no n.o 297 da


Gazeta de l.is·boa, de J6 do Deze1nbro, a relação dosla ascençao e
<Jescida em pára-c1uedas. Decorreu tudo como se indicava no pro...
gra1nn. lloberlson, filho, desceu no pti.rn-qucdas nn estrada dns
Lnrangeiras e o balao foi cnir em S. Lourenço de Rann. Porén1 a
nscençao, que devia realizar- se no dia 5 de Oete1nbro, como anun-
ciou n Gazela nos seus nos 282 e 286, foi :1.diada, em consequen-
- 60-
dfam-se em casa do Robcrtson, na rua dos Romulares,
n.o 27, 2.o.
Oscamarotespara9, 12,ou lô pcssoascusta,·am 1$600
reis por pessoa e as entradas na quinta cust.wam um
r>into (~80 reis). Os meninos de menos de 12 anos pa-
l(avam metade desta importl\ncia.
De Lisboa passou Robertson ao Pôrto, onde exccu
tou a sua terceira ascenção a 25 de Junho de 1820, para
comemorar o nome de S. M. I'. o senhor D. João VI.
As peripécias desta viagem aérea constam do folheto
Rclaçdo da terceira viagem aerostática de mr. Eugenio
Robertson, dirigida por seu pae e executada no Porto
110 dia 25 de Junho de 1820 em memoria do nome de
S. Magestade Fidelíssima, rei do Reino Unido. Porto,
t 820, in-S.o de 8 pág.
Teve lugar a ascençãn na quinta chamada do Prado,
pertencente à mitra portuense, no dia 25 de Junho
de 1820.
O enchi mento do bal~o principiou às 3 horas da
tarde e terminou às 5 horas.
Às 5 e meia subia, levando o arrojado aeronauta, que
émpunhava a bandeira portuguesa, dava vivas ao rei e
ia lançando papeis com versos. Desceu próximo da Ire·
J(uczia de ferreiró, num lugar além do rio /\ve, situa-
do a uma légua de Vila-do-Conde e a cinco léguas do
l'õrto.

cil\ do tempo chuvoso quo sohroveiu (Gazela, n_o 287> pnrn o do~
ntlngo seguinte, 12 daquele me~ (Oazrta, n.o 292,l vcndondoasO os
hllhotes de camarotes o os do nnntoutro n 1440 reis e os do sin11>los
unlrndn nn quinta pelo proço rixado no programa.
A Intendência Qerttl dn PoHcln mandou publicar 1u1 GarrJn n.o
286 de 3 de Dezembro, um odllal oru que, para evlt:ir confusoos,so
detormina quais as runs que devem 10111ar as pessoas quo foron1 do
c.arru1gen1 ou a cavalo assistir àquolo ospecláculo.
Segundo a Gauta n.o 98 de 27 do Abril de 1819, por conselho
de Robcrtson, p3J, foi melhorada a llumln.aç3o do teatro do S.
Carlos.
- 61 -
Pernoitou em Bagunte em cas.i do major das orde-
nanças. í:, linatmcntc, voltou ao Pôrto no dia seguinte
tendo recebido muitas felicitações.
Nada mais sabemos da estada, em Portugal, dêstes
dois aeronautas llamengos.
Eugénio Robcrtson veiu a falecer, cm 1838, em Vera-
Crul.
"fstevam Robertson, diz o anónimo autor do exten-
so a11igo do Diccionario Universal (pág. 443 a 625) do
falecido comendador lienrique Zeferino, teve o desgos-
to de ainda sobreviver, embora pouco tempo, aos filhos
(Eugénio e Dimitri), e ao desmoronamento da riqueza
que lograra accumular (um milhão de francos} em alguns
annos prosperos de vida •.
J-leNRIQUe oe CAMPOS FeRREIRA LtMA
O BATIZADO D A PRINCESA
DA BEIRA
D. MARIA TERESA

ARIA Teresa Francisca de 1\ssis Antó-


nia Carlotn Joaquina Josefa Xavier
de Paula Micaela l~afaela Goniagn
i ta111a11ho nome para tao pequenino
ente 1 cru o dn princczin ha da 13ci ·
ra, a primogénita dos príncipes O.
.Joao, o futuro D. João VI e de O.
Carlota Jonquinn. Nasceu no real
palâcio de N. Senhora da Ajuda às 6 horas e 40 mi·
nulos da manha de 2.• fcir;i 29 de Abril de 1793 e foi
haptizada na capela do mesmo palácio no dia 4 de
Mnio, pelo cardeal patriarca D. José Francisco Miguel
António de Mendonça.
Foram padrinhos o rei de Espan ha Carlos IV, seu
nvó, representado por seu sobri nh o o inlante D. Pedro
Carlos, !ilho dos iníantes [). Mariana Vitória e D. Ga-
briel António de Bourbon, filho de Carl os lll de Espa
nha e irmão do entno príncipe de Astúrias e mais
tarde Carlos IV, que tanto se evidenciou pela amisade
e dedicação que tinha pelo célebre O. Manuel Godoy,
-63-
Príncipe da Paz e amante de sua régia consorte, D.
Maria Luiza de Parma.
Foi madrinha a minha O. Maria 1, avó da criança,
que a loucura impedia de assistir a esta cerimónia, fa-
zendo as suas vezes sua irma O. Maria Francisca Be-
nedita, princesa viúva do Brasil.
Tenho notado que vários escritores, referindo-se
ao nascimento e baptizado desta princesa, a clao como
nascida e baptizada em Queluz, o que não é exacto,
pois tal acontecimento se deu no palácio da Ajuda,
que ainda nesse tempo nao era, como hoje, uma mole
de pedra e cal, mas sim um enorme casarão de ma-
deira, que Pombal linha começado a tôda a pressa
para alojar O. José e a real famíl ia depois do terre-
moto, que destruiu os velhos paços da Ribeira .

Era costume antigo noticiar-se ao povo o nasci-
mento ele um herdeiro do tro110 por meio ele girândolas
de foguetes. Logo que os vigias recebiam êste aviso, o
transmitiam a outros e assim sucessivamente até che-
garem à capital.
Quando nasceu D. Maria Tereza, do alto da Ajuda
foi lançado o primeiro sinal. Recebeu-o o vigia da
tôrre das Necessidades, que levara àlerta a noile in-
teira e logo passou o aviso ao real convento do Cora-
ção de Jesus (basílica da Eslrêla), que por sua vez o
transmitiu a S. Pedro de Alcânlara, troando logo a ar-
tilharia ele terra e mar e repicando os inúmeros sinos
da cidade a anunciar .. o feliz sucesso da princeza que
deu a luz hum a robusta princeza ".
Para a cerimónia do baplismo, que revestiu grande
imponência, armaram-se várias salas do palácio, com
ricos panos de Arraz, sêda e damasco, recamados de
ouro; fizeram-se pavi lhões e da poria principal do
palácio à capela montou-se um passadiço, com vária
-64-
obra de arquiteclura, grande colunata, sêdas, bordados,
ouro, etc. por onde devia passar o régio cortejo.
O lemplo, todo pinlado imilando mármore e dou -
rado na sua maior parle, foi também ricamente orna-
mentado com panos e alcatifas, erguendo-se dois tro-
nos para o cardeal e família real, posta em frcnle da
preciosa pia baptismal tôda de 1>1'ala primorosamente
trabalhada, e muita outra argentaria que devia servir
na cerimónia.
A guarda real dos archeiros, formando alas por
todo o passadiço, estendia-se desde a sala dos Tudes-
cos alé à capela. Abriam o cortejo os porleiros da
câmara com as maças de prata; seguiam depois os
reis de armas, arautos e passavanles, com as ricas co·
las onde se dcslacavam os caslelos do reino, confor-
me o costume antigo ; os mocos da câmara c mais
criados do paço; o corregedor do crime da côrte; o
porleiro da câmara; o marques das Minas, com o
"massapao,,, o duque cio Cadaval com a vela e "du-
catões" e o duque de Lafões com a "vesle cândida";
os príncipes D. António e D. José (1); a princesa viú-
va do Brasil e o infanle D. Pedro Carlos; o marquês
de Ponle-de-Lima, mordomo-mór da rainha e o conde
de Pombeiro, capitão da guarda real: em fim o pálio e
debaixo dêle o príncipe D. João, pai da neófila, o
marquês mor domo-môr com ela nos braços e dois
moços fidalgos a ladeá-los.
Pegaram às varas do pálio os marqueses de Valen-
ça, Angeja, Niza, Minas (filho), Penalva, Abranles, Al-
vito, e Lourical e, como substitutos, oito .. cavalleiros
do foro de moços da camara de S. Mageslade"- José
Joaquim de Malos Ferreira e Lucena, José António
Rcbêlo de Andrade, ,José Frederico Ludovici, Joao
Diogo de Barros Leilao e Carvalhosa, Domingos José
Pi nto da Silva, Pedro .José Caupers, Lourenço Gomes
de Araújo e Sousa e Joaquim José de Sousa Lobato.
- 65 -
/\traz do pálio ia a condessa de Ficalho, viúva, no lu-
gar de camarcira-mór, seguida das damas do paço.
Numerosos fidalgos e o resto da cõrte lecharnm o
magestoso e brilhante cortejo.
Foi n última cerimónia (e estu imponenllssima) que
se realizou no primitivo palácio de madeira da Ajuda.
Um ano, seis meses e seis dias depois, o povo de Lis-
boa viu consumir-se num rormidf1vel braseiro, que
avermelhava todo o horizonte e os montes da Outra-
-Banda, a grande barraca, faustosa e opulenta, de el-
-rei D. José.
AN1'ÓNIO C••.Dfl~· PIRES.

(1) Bnr.tnrdOJ:l do O. Jo4o V, gcralnicnlc conhecidos pelos


,\frni11os tlt• Pol/1a11fl.
UM ESQUELETO E M
BOLANDAS

UANDD D. Joao VI abalou par11 o


Brasil, supondo .lunot já em i\\alra,
quando êste transpunha ainda a
Beira, levou no séquito o seu mes-
tre de capela Marcos Portugal, o
qual, em vida do monarca e jun to
clêle, se finou e se enterrou na igre-
ja do Morro do Castelo, cio Rio-de-
Janeiro.
Rolaram os tempos. O. Joao VI e quási todos os
parasitas que o acompanharam, voltarnm a Lisboa.
Marcos Portugal roí esquecido, ussim como os se11s
moletes célebres, à maneira italiana, que cm Queluz
:1brilhantaram as reais festas.
Marcos Portugal nasceu em Lisboa. Deixo11 uma
obra vasta e leve grande lama cm llália, onde se aper-
feiçoou e em muito se ins11irou. liá poucos anos 'ô-
-67-
mente, alguns portugueses patriotas, na sua ânsia de
glorificar o pais, interrogaram-se: •lOncle estao os os-
sos ele Marcos Portugal ?• Entao escreveram-se artigos
inflamaclos. •I O grande compositor esquecido!• E, v:1
de falar do grande músico aqui e itCOUt. Acontece, po-
rém, que êsle nome soante, que andava nas mentes lu
sas •O nosso Marcos t'ortugnl•-como •O nosso Vas-
co da Gt111111•, •A nossa {1g un du Viclago•, representa·
va si111 plcsrnente ... um nome. As suas sonatas, os seus
minuctcs, os seus vilocos, eram admiràvelmente desco·
nhcciclos. Até hoje, tôda a gente tem cantado a Marta
Cac/111c/1a, n Noite Serena .. . porém, de Marcos Portu·
gal, nem sc<1uer dois compassos de uma àriazinha.
Entao, cm vista dêste insigue cs<111eleto, que patriôti·
camcntc iria importar -se, moveram-se os críticos. Ana-

r lisarmn a música, nao tôda, 11ue é muita, mas alguns


trechos, os <111ais naturalmente sofreram a influência
dessa é1>oca, que se ma uteve graciosa e medida desde
Purscll até Rossini.
Ora Henry Pursell, que foi mestre ele Bach, era
i ngl~s; Rossini, italiano. Nno foram compositores na-
cionalistas. Tampouco, portanto, Marcos Portugal. Nao
h:1 de nomeada. até ao tempo de Marcos, compositor
algum que o lósse. As loa,tas uacionais, até ao seu
lempo, cxisliam monodicamenle transmitidas pelo povo,
pelo povo concebidas e só pelo povo apreciadas. Bee-
thoven era alemao, porque nasceu em Weimar. A sua
miísica nao é alem~. como tnmpouco a de Porpora ~
ita li:11111 ou a de Mouret francesa. A música, que é a
exprcss:io mais elevada da arte, nno tem pátria. É um
dom elo mundo, 1>orque a todo o mundo fala o idio-
ma universal cio sentimen to e da beleza.
;.Como poderia pois Mnrcos Portugal ser um com-
positor regionalista ? O regionalismo musical só é
possivel com grapdeza fácil : it Russia, à Espanha ..
a Nápoles, 11or faclores que implicam nao superiori-
-68-
dade ou inferioridade, mas clima, modificando-lhes as
heranças orientais, que foram as mesmas, desde a
cantilena à dança dos russos, dos espanhoes e dos
napolitanos. Mas Portugal, se bem que o Algarve e o
Alentejo herdassem, como a Espanha, os cantos cios
árabes, nao recolheu a mesma riqueza melódica. lPOr·
quê? Alegrem-se os patriotas ... Pelo lacto dos úrabes
haverem sido expulsos mais cedo da Lusitânia do que
da Andaluzia. Eis uma elas razões porque o pobre
Marcos Portugal é tao maltratado pelos patriotas, que
devem regosijar-se pensando nos reis conquistadores
da primeira dinastia. Albeniz, Breton, Chapi, Grana-
dos, Falia, la quem devem o nacionalismo das suas
obras? l A Felipe 1, a Calderon de la Barca, a Fer-
nando o Católico, ao general Primo de Rivera? Não.
Ao grande rei Boabdil, ao último rei mouro de Grana·
da, pelo qual a formosa Espanha poude desenvolver
os preciosos tesouros de grande parte da sua arte de
múltiplas facetas.
Demoliram a igreja do Morro do Castelo, para a
Exposiçao. Os ossos de Marcos foram metidos numa
urna e entregues à colónia lusa. Volta-e-meia, ia um
portugu~s célebre ao Brasil e eram pedidos e mais pe-
didos para que levassem a:quilo dali. Todos, porém, se
recusavam. Em Lisboa íormavam-se partidos. Havia
quem dissesse mesmo: "i Marcos é um traidor 1 ...
Nem sequer fez um lado... " 1Era uma 1:,trande respon-
sabilidade! Em fim, um dia, o Dr. Bento Carqueja afoi-
tou-se; mala a mais, mala a menos... Trouxe os ossos.
Quando chegou, teve dificuldades alfandegárias. A pau-
ta nao previa tal importaçao ... Conseguiu o ilustre
jornalista desfazer-se da malfadada caixa no Arsenal de
Marinha e suspirou, nao lôssem obrigá-lo a guardá-la.
Do Arsenal passou o esqueleto, demolido pelos sola-
vancos dos transportes vários, para o Ministério cios
Estrangeiros. Lá ficou a um canto. Mas um dia, um dos
MARCOS ANTÓNIO DA PONSECA J'OflTUClAL
-69-
muitos ministros que por ali passam, passando sempre,
e se nao sabe quem, embicou com a urna macabra,
que lhe lêi alliçao. Tocou, raivento, umn campainha:
"!Levem-me já isso daqui p'ra fóral ... " Um emprega-
do levou u coixn num "taxi", por 9$50, para o Conser-
vatório de M11sica, onde as más llnl(uas dizem ainda
eslíi. Lf1 mesmo se celebrará o 1>rimciro aniversário
da sua morte: 7 de Fevereiro. À margem desta come-
moraçno consta que será rcsada, cm tal dia, uma mis·
sa com nuísicn religiosa do maloi:rndo artistas. Deo
grafias . .
Dos maus fados que tão nssusladamenle levaram o
pobre Marcos a sair de Lisboa com a côrle alvoroçada,
aos grilos, entre as bagagens dispersas e a mullidao
medrosa dos lranceses, sao culpados os destinos. Sao
Cles que o trazem ainda à pátria, que o lêz cardlaco e
de cujos ossos ao menos, se d~le sao, se poderao la
zer, sem 11111enor dôr para o desditoso Marcos, botões
de ceroulo.

,•
A MATRICIDA MARIA JOSÉ

o artigo do meu iluslre amigo M.


Cardoso Mar1a, Um brado contra
a peno de morte, inserto no t61110 II
desta revista, vê-se uma gravura
rc!ercnlc à criminosa Mariu José,
que há oitenta anos 11ssassinara em
Lisl>on sua própria mae. Essa grn-
vura, abertn tôscamenle em madei-
ra, iluslra uma !ôlha volante que nessa época se pu-
blicou.
Possuo uma litogrnlin de leiçao popular com as-
sunto idêntico - a ré a caminho da fôrca - que julgo
011ortuno !ornar conhecida por a supor de pouca vulgn ·
rida de.
O crime causou grnnde ernoçao no públ ico. Daí o
a1mreccrcm vários fOlhelos e a estampa mencionada,
avulsa, que é a única que conheço.
A Camilo Castelo Branco deve-se o folheto M"l'io 1
ll{lo me mates que sou tua m6e I que saíu anónimo.
Albcr1o Pi mentel (O Uomance do Romancista, Lisboa,
1890) diz que lhe contou Camilo •que recebeu em co-
bre o preço dêste op1ísculo, e que foi grande a sun
- 71-
salisfaçao quando em sua casa começou a despejar as
algibeiras atul hadas de patacos.•
Bem curiosa é a cilada estampa. Representa Maria
José, em marcha para a forca, erccta no Campo de
Snnta Clara, com os lrnbituais figurantes d~sse triste
corlejo de morle. Essa lilografia anónima, de uma
!l'rnnde ingenu'idade de composiçao e de desenho, me-
dindo 51 X39, tem a seguinte legenda:
SENTENÇA NA 2.' INSTANCIA
Accorcido em relaçao etc. Bem j11/gado foi pelo juiz
do primeiro dislricto criminal desta cidadena Senten-
ça appellada folhas cento noventa e tres ver.ço, que
condemnou 11a pena c/1• mo1te nal11ra/ na forco a ré
nppe//anle Maria, José sua pro/issao torcer esparto
moradora ao tempo ela sua prisao na Trtwessa das
/"reiras N.• 16, freguezia de Santa Engracia pelo enor-
me e horror a crime de ler aleivozamente assassinado
com dezenovc facadass111.'11<t m<lc Mnthilde do Rozario
dnl.uz, não (sic) mee a cazn em que am/Jas /ia/Jltavam;
sMdo este crime acompanhado das circu11slancias
aggravantes de ler a 1é muti/lado o corpo de sua mãe
depois de morta, cortando-1/re as pemas, as mtios a
cabeça que tlesfig11ro11 e indo depoi.~ lanç11r cm um
local as pernas e melo e em outro local o tronco do
corpo, enterrando em caza na cosinlra a cabeça, de
cujo crime foi a ré accusacla pe/Q ministerio publico e
convencida pela decis/lo do jury, portanto confirmam
a tlifa .senlença por seus fundamenlos, e pelo mais dos
autos; e pague a ré as <·11slas. Lisboa, li de .Janeiro de
1849. Baplisfll Usboa Godinho C1111ha-Ferraz-Mi-
111oso Guerra Neta-Alves de Sá.
É desenhnda à pena, tendo sim11lesmenle esta in-
dicação de origem: Lillt. Campo Pequeno N.0 I<). Pare-
tcr sido feita no Pôrlo, pois que cm 1849, no lugar e
I•
-73-
número referidos, havia uma oficina litográfica perten·
cente a Joaquim Cardoso Vitória Vila Nova, professor
de desenho na Academia de Belas Artes do Pôrto.
Digo •parece•, cm face da redacçAo da legenda, onde
S<l 1~ .. desta cidade• (Lisboa).
O mesmo tema iconográfico do patlbulo repete-se
numa gravura em madeira de factura rudimentar que
acompanha um folheto publicado no Pôrto em t849,
com o título: Senfe11ça de morte contra a ré Maria José,
co11ffrma<ia 11a Re/açl!o de Lisboa em 11 de Ja11eiro tfo
1849. O sentido do cortejo é idêntico, vendo-se à fren ·
te o homem tocando a campainha, com chapcu armado;
dois homens de cabeça descoberta, uma com o painel
de nossa Senhora e outro com uma vara na mão! um
menino cio cllro alçando uma cruz; a ré, com um cru-
cifíxo, ao lado de um padre, de bnrrete; uma !Orça mi·
lilar de infanlaria, e na cauda, a cavalo, um oficial da
justiça de bicómio e uma grande capa sôbre os om-
bros.
A história do crime é, em resumo, esta: Maria
.José vivia com sua m!IC Matilde do Rosário da Luz na
travessa das Freiras, n.• t7. Tendo travado conheci·
mento com um rapaz, .losé Maria, que freqüentava a
casa, êste, por não ser bem visto pela mãe, aconselhou
a filha, a a11oderar-sc de alguns haveres, a llhcrtar-sc
dela. Assim o fêz, com requintes de crueldade. Cravou
no peito da desgraçada dezanove fac3das, tendo de-
pois separado do tronco a cabeça com uma machada,
e foi escondê la debaixo de um lcjolo do pavimento
dn cozinha. Separou os membros do tronco, indo pôr
~ste nas obras de Santa Engrácia e as pernas e mãos
nn travessa das Mónicns.
Prêsa, quando lhe mostraram a cabeça de sua mae
e lhe pregunlararn se a conhecia, ela respondeu com
lôda a naturalidade, comendo melancia com 1>no
conheço, é de minlia mtli !
-74-
Ora o meu amigo Cardoso Marta leve a gentileza
de me enviar alguns esclacimentos colhidos nos jor-
nais da época :•A criminosa chamava-se apenas Maria
José, filha de Agostinho José e de Matilde Rosária
da Luz; tinha trinta anos de idade, aparentando pouco
mais de vinte ; era solteira, vendedeira de obras de es·
parto e de peixe algumas vezes. Morava com a mãe
na travessa das Freiras, ao Campo de Santa Clara, e
matou-a no dia 12 de Setembro de 1848, parece que
para entrar ràpidamente na posse de umas terras que
um padre deixara à velha, em Abrantes, além de um
cordao de oiro e algum dinheiro que ela tinha amea·
lhado.•
A Maria José era, evidentemente, uma louca, uma
degenerada inferior em adiantado grau, que a justiça
tomou à sua conta tal como a representam- de olhos
vendados.
O seu julgamento, efectuado a 6 de Novembro de
1848, conforme se acha impresso, concluiu desta ma-
neira: • .... Depois o sr . .Juíz publicou a sentença pela
qual em conformidade das leis e da deliberaçao do
júri, condenava a ré Maria José, solteira, a sofrer
morte natural para sempre na lôrca, que se há-de le·
vantar no Campo de Santa Clara, devendo a ré cami-
ar para aquêle patíbulo pela travessa das Mónicas, tra-
vessa das Freiras, e por junto das obras de Santa En-
grácia, e mais a condenou nas custas.•
A ré apelou da sentença, sendo novamente julgada
a 11 de Janeiro de 1849 e condenada, na mesma, ao
suplicio da fôrca.
A estampa litogralada, agora reproduzida, apare-
ceu por esta ocasião.
A história tem de ficar incompleta, porque des-
conheço a data em que foi executada a matricida.
PeoRo V !TO RI No.
CURIOSIDADES E INDlCA-
ÇÓES ÚTElS E PRECIOSAS
elCT~Ah.IAS DE PIWCESSOS DO •A~QUIVO DOS fErros FINDOS»

M 1735 os livreiros, que tinham por


sua padroeira S.i. Catarina, recla-
maram para que se não aceitasse
aprend i;, algum, sem q ue êste pagasse
pri meiro 18$000 rs, para as dcspe;,as
da irmandade e que nenhum oficial
pudesse tirar carta de aprovação sem
que contribuísse com 4$800 reis. t·
Assim se observou até ao terremoto de 1755, e
quando êsscs donativos eram mais necessários para a
reedificação da paroquial da mesma santa, caíram
em esquecimento, até que em 1780 se tornaram a esta-
belecer com penas e multas .

cm 1831 havia em Vila Franca de Xira um nego-
ciante chamado António de Almeida Vinte Homens e
Silva.
-76-

Pelo andar dos anos, ês!e Vin!e liomens veio a dar,


certamente, na família Mil Homens do nosso tempo .

Em 1832 havia na mesma vila, uma senhora chama-
da Ana Emerenciana de SanrAna, que era proprietária
dum campo chanrndo os Arcans .

O reverendo António Dâmaso de Castro e Sousa,
mais conhecido poro nAbade Castro,• autor de muitos
folhetos sôbre assuntos a1ifsticos, hoje muito raros e
apreciados, tinha 15 anos quando tornou posse da Aba-
dia de S.ta Eulália de Rio de Moinhos, igreja que era
do padroado do visconde de Vila Nova de Cerveira e
marquês de Ponte de Lima, D. Tomaz José Xavier de
Lima Vasconcelos Teles da Silva. foi êle apresentado
nesse benefício com a condição de respeitar a pensão
de 50$000 reis nele imposta a favor de D. Lourenço de
Lima, que foi nosso ministro em Paris.

O Reinado de El-Rei D. José foi fé1iil em monopólios
e a Compan hia do Grão-Pará e Maranhão, a-pezar de ter
aecionistas, era um perfeito monopólio, porque algumas
das suas cláusulas consistiam no privativo do comércio
e navegação nos portos da América PortuJ?;uesa e nas
praças da metrópole.
Por êste facto, os deputados da Mesa do Espírito San-
to dós Homens de Negócio representavam ao rei contra
essa concessão e as rnzões que aduziam eram bastante
fortes para que um ministro qualquer mandasse sustar
os efeitos do decreto e prometesse que ia estudar o as-
sunto; mas o Grande Marquês (nessa ocasião conde de
Oeiras) era inabalável e decreto real que êle inspirasse
não admitia reconsideração, quanto mais revogação.
-77-

E como era um crime de lesa-ma1:cstade a reprcsen-


taç.'io em que êles haviam defendido a liberdade do seu
comércio, o sustento das suas famílias e a prosperidade
da sua f):itria, D. José mandou-os prender no Limoeiro.
Pnrecc que ~les fizeram depois vários requerimentos
sôbrc a sua prisão, e o escrivão dos papeis que temos
prcsc11 tcs chama-lhes e.sca11dalosos por insu//arem o
Trono e a soberania e como a pristlo 110 limoeiro ndo
era airr<la proporcionada aos seus gra11es delitos, D. José
castigou-os da m;meira seguinte: João Tomaz ele Negrei-
ros, António Marques Gomes e Matias Correia de Aguiar,
condenados cm 8 anos; para o presidio de Mazagão o
primeiro, cm seis anos os outros dois; Custódio Noguei-
ra Braga, seis anos em Alcoutim ; Custódio ferreira Gois,
!rê:. ano:; em Tôrre do Moncorvo; Inicio Pereira de
Sousa, tr~s cm Penamacor; António Alves dos Reis, dois
anos cm Leiria; Belchior de Araújo Co~ta, para Põrto de
Moz e Manuel António Pereirn, para Ourém.
A Comp;mh ia cio Grão-Pará e Marnnltão desfraldou
as velas e si11grou cm maré de rosas dura11le alguns anos,
até que um dia, cm 1778, foi extinta.
O decreto que criou esta Comranhia dit que ela foi
fundada para o serviço de Deus, do l?ei e do bem
comum dos vassalos.
Era administrada por uma junta, cujo presidente se
denominava provedor e os seus membros deputados.
Cada um dêstes tinha as sua'> atribuições. Ainda
existe o livro onde se registavam os nomes dos accionis-
tas e o manuscrito do estatuto pela qual a junta se re-
gia, assinado por um grupo de financeiros, entre os quais
se achava Paulo Jorge, que deu o nome a um local da
Junqueira.

No n.• 145 da Gazeta de Lisboa ele 1832, vem publicado
um decreto com data de 16 de Junho daquele ano, lan-
Ç.'.lndo um impõsto sôbre tôdas as janelas, que nas cida-


-78-
dcs de Lisboa e Pôr!o, deitassem para as ruas, travessas
e bêços, no valor de 480 reis por cada janela do I.º
andar para cima, ou sacada, ou de peito, cxccpto as do
rez-do-chão, que pagariam some nte 240 reis. Nas outras
cidades e vilas pagar-se-hia 240 reis no primeiro caso e
120 no segundo.
A cobrança dêsse impôsto far-sc-hia durante 4 anos
e a sua impor!ãncia serviria para sustentação do exér-
cito e outras despezas indispensáveis à sua organizaçao.
Eram respons,"\veis os donos das propriedades e, na
sua ausência, os seus feitores, procuradores ou adminis-
tradores.
Foram feitas muitas penh oras por falta de pagamc11-
lo do impôsto.

Logo que o 1.0 correio-mór do reino José António
da Mata de Sousa Coutinho faleceu no dia 7 de Novem-
bro de l 790, foi feito o inventário dos seus bens.
O 1·0 dêssc inventário é eslupcnclo :
Um !hábito grande e outro pequeno, de oiro, com a
cruz. Arrecadas grandes, laços de peito, plumas, seis ala-
mares, p ulseiras, uma custódia de trazer ao peito, três
ane is, um paliteiro de ouro, um relógio, - tôdas estas
peças cravejadas de diamantes. Um relógio com dia-
mantes, rubis e esmeraldas, brincos de águas marinhas,
um fio de 71 pérolas grossas, dois fios de pérolas miúdas
de oito voltas cada u m, u mas meadas de aljôfar com
vinte fios cada uma, um cestinho com crisálidas e uma
safira grande, pingentes de topázios, aneis de esmeraldas,
uma crnz de cristal guarnecida de ouro com um Sanlo
Len ho, bolões, fivelas, relicários, remates, cordões, ban-
dejas, tudo cm ouro. ·
Nove serpentinas, doze castiçais, o nze salvas, cento e
onze pratos, Ires baldes. cinco faqueiros, sessenta facas,
setenta e duas colhércs para ch<i, quatro cafeteiras, jarros,.
-79-
bacias, manteigueiras, açucareiros tudo de praia. trCs
faqueiros com seis d1ll.ias de lacas e j!'arros de cas-
quinha.
!.ouças de Saxe, da China e da l ndia.
Bronzes. Lençois de Holanda, cokhas de Malta, linhos
de Guimarães. Dama,cos de Itália, p.~nos de Ruão. Trc-
mós, bolctes, canapés, tamboretcs de mogno, xarão, no-
gueira e madeiras do Brasil. Quadros, imagens em marfim,
roupas de linho, objcctos do culto. Toneis, balsciros,
barris. Pensões, foros, créditos. Quintas, casas de campo
com o seu recheio, olivais e montados. fora o mai> lfue
não dizemos. Emfim, uma orgia de riqueza com que a
senhora 7.ª corrcio-mór, D. Joaquina da Câmara e seus
s~te filhos, se deviam ter locuplctado.
entre as pessoas que deviam dinheiro ao casal, fiJ?ura
D. lnez Antónia da Câ mara, aquela senhora a quem
o ncl{ociante inglês 1httl>On legou por sua morte um qu;,.
dro de Vieira.

*
Lui1. da Silva r:l>tcvcs foi cm 1758 botic.írio de el-rei
D. José.
A caiia do monarca nomeando-o boticário de sua Real
Casa, cargo vago por morte de seu tio l\'\anucl Esteves
da Silva, é assim concebida nas partes que nos intcrc~·
Mm :
•A vós, D. Josê Masc.~renhas e Lencastre, Duque de
Aveiro, Marque1. de Gouveia, Conde de Santa Cruz,
111c11 muito amado e prc1.1do Sobrinho e meu Mordo1110-
·Mór .... Por confiar na boa infonnaçaõ que tenho tia
pessoa, e sufficicncia de Lui1. da Silva t:stcvcs .... llcy
por bem de o tomar por Boticar da minha casa .... l la·
ver~ 20: 000 reis de ordenado cada anno pagos na meza
dos Azeites, e 7:500 reis no tesoureiro das moradias, !t re-
zão de 375 reis por mcz, e 250 reis mais para hum moço,
e 2.736 reis de sua vestiaria ord inaria cada anno pagos
-80-
pelo tesoureiro da minha casa .... Haverá mais aposen-
tadoria e alojamento de casas e os mais (ilegluel} e
precalços que lhe pertencerem, e dará as Mezinhas que
forem necessarias para as Pessoas Reais e officiacs da
minha casa, e soldados da guarda que assistem no Paço
as quaes Mezinhas lhe seram pagas cada an no pela con-
signaçaõ da folha dos Officiaes da minha casa por
mandado do meu Mordomo-Mór, e pelos preços que se
pagavaõ aos mais Boticarios seus antecessores .... E dará
lambem as Mezinhas que se comprarem pelos armazens
para as armadas da Costa, lndia, Brazil e mais conqu is-
tas ... Jurará na minha Chanccllaria de bem e fielmente
servir o dilo olficio .... E pagará de novos direitos,
13:618 reis que loraõ carregados ao Tesoureiro delles .. .,
Luiz ela Silva Esteves morreu solteiro em 1775 e 1
sua mãi, Cecília da Silva, habilitou-se à herança, que
consistia numa importante divida que lhe ficou devendo
a casa Real nalJ s6 pela importancia dos remedias
minislrados da sua botica para toda a Parnilia (Real}
mas taõ bem por alguns ordenados, comedorias, e ves·
tiarias.
i Em tôdas as épocas os empregados do Estado dei-
xaram ele receber a tempo e horas os seus ordenados!

JoAo ]>IRDIM oe V11.11eN•·


EPISTOLÁRIO
VII
UNIA '·CUNHA ..... •\>llGUCLISTA

Pat ngorl\ 32 anos que, sendo o conse1hciro José Nava.r ro de


AndrRde lnspector do fatenda da lndl1 1 foi procurado on1 Ponglm
por um nn.dvo de nom(' Joao Avelino, quo era por1ndor de uma
caria do recon1ondnç.Ao, nada ma1s, 1111.da mcno9, que de Sua Alte-
za Reol a Senhora Dona Aldegundes, condessa do Budi.
O ca~o pAre.ceu tào extraordin4.rio a 1neu pai, que admitiu a
posslbllld!ldo d:.. caria. ser apócrifa; e, assim, mandou pedir ao snr.
conde da RodinhR, por Intermédio de uma p11cn1a. o fa,·or de ave..
rigunr so 01'1 era ''erdadeira.
Em seguida. à carta pub1icamos a do snr. co11de da. Redinha e
um telogrnmn do Sun Alteza.
este fnclo n1ostra-nos de quanto 6 CnJ>RZ um fndio para con-
seguir um11 rccon1cndaçào quo lho possn render um emprego pú-
blico.

Schwar1au 21 de Jan.o de 1900


Senhor Conselheiro,
Esteve alguns annos de serviço em minha cv.a um
certo Domingos Francisco Fernandes; as suas boas qua-
-82-

!idades e 111.I• fidelidade fazem com que eu me interes~


se a tudo quanto lhe diz respeito.
Este acaba de me escrever que seu sobrinho, João
Avelino de Deus Sant'Anna, da comarca de Bardez, um
rapaz com uma certa instrucção e qualidades aprcciaveis
desejaria inmensamente ter um Jogar na secretaria da
qual o Senhor Conselheiro I! Chefe.
Segundo vejo pela carta o João Avelino deve estar
habilitado para preencher o Jogar a que aspira.
Como este rapaz não tem meios e é orphão de mãe,
com o pae doente, ser lhe hia m.to reconhecida se qui-
zesse adherir ao meu desejo que aqui lhe csponho, por-
que as pessoas de que falo merecem m.to ser altendidas.
Deus guarde o Senhor Conselheiro cm sua Santa
Guarda.
Dona fllarla Aldegundes de Bragança e Bourbo11
Co11dessa de Bardf. ( 11

Quarta-feira 11-4-1900
Ex.m• Snr.a
Minha boa prima
Tenho a honra de enviar-lhe o telegrama junto rece-
bido no dia 9 do corr.e em que Sua Alteza Real a Se-
nhora Condessa de Bardi confirma a verdade da ca1ta
em questão: Pode a sua amiga fazer o uso que quizer
do telegrama.

De V. Ex.• Primo e Resp.r Cr.o


M. Ant.0 de Carv.º Daun e Lor!-Redinha

(1) O papel desta carta vem llmbrndo com um M e um A en·


t1'elaçados, sob uma coroa real.
-83-
TELEGRAMA
Conde de Red inha Lisboa
9 Abril 900 .. . de Sclzwarzau Amsleinfelde em 8 ás
10 h. 50111 M.
Agradeço, carta é verdade, amisades.
Aldcgu ndcs.
A senhora Condessa de Bardi, Dona Maria h1degundes de
8rl'lg:tnçn e Bourbon, era filha do Snr. O Miguel 1.

i\. O. N.
VIII
DA VELHA FARMACOPEIA
Quem ren1exe papelada velha. sernpre encontra novid:'\des
do passado. Edmund Bnch, n1édico.far1n:tcéutico saxa.o, sabendo
putos jornais fnu1c<isi>s do ostodo grave da rnlnhn de PortugaJ, O.
CnrJotn Jonqulna, escreveu.lhe unltl cnrt:.\ quo féz nco111panhnr de
uma receita, cm pergamlltho, pnrn a a li viar dos seus sofri n1cntos.
Veio tardo, porque no din 7 de Janeiro de 1330 falecia O.
Carlota Jo:iquina e no dia 10 er:i sepulladn na igrejt'I de S. Pedro
de Pennferri1n, en1 Sintra.
Carlota Joaquina roi, de tOdas as soberanas portuguesas, n
que 1nnis se salientou na política do pars. O. Miguel foi o seu es-
cudo n:i.s lHti1nns revoltas.
Já muito doente, viu-o triunfnr e, desde 1828, nunca 1nnis npA...
receu nns festns da côrte, vivendo no 1>nlácio de Q uelu7., ent mo-
destos aposentos, tendo no seu oratório particular o formoso rettn-
to do filho D. Miguel, pintura. de Giovanni ltnder, que boie se
admira naquele palácio, na sala do Lanternim.
Não faremos um iuizo do muito que se tem o.scrito sôbre esta
Rs.inlul, do muito mal com que se tem conspurtaiJo :i sua honcsti..
dndc. Quando um dia se 1>ossn jocirnr o <1uc há c.scrito, 1>odc.-
re111os então apreciar a sua conduta, co1no ntulher e co1no rnal.
Carlota Joaquina, npós angustioso sofrer. faleceu por efeito
de um scirro no útero ou, segundo outros, de hidropisitt.

A. C. P.
-84-
Madame
Si l'état de l'indisposition ou se frouve Votre Ma-
jesté est celui dont plusieurs journaux !rançais font
mention, je serais, peut-~lre, assez heureux pour con-
tribuer à votre prompte guérison par le remede ci-
·ioint.
Le remede, qui se compose de substances tout-à-
·fait simples et innocentes est un secrel dont je dois
la possession au hasarcl, et qui a réussi dans les cas
les plus extraordinaires; je le soumets d'ailleurs au sa-
vanl jugement des médecins qui jouissent de la con-
fiance de Votre Majeslé.
Je suis avec le plus profond respect, de Votre Ma-
jesté
le tres-humble et
Ires obeissanl serviteur
Edmund Bach
Paris, 10 Janvier 1830
Rue Jacob, N.o 20

Inclusa vinha a receita seguinte : ( 1)

R. Vini albi generosi, (libram unam e! semis)


Baccarum juniperi, manip. j (manipulum unum)
Rad. allii porri, fase. j (fasciculum unum)
Lagena operta ad levem calorem per viginti horas
etqu atuor absque coctione digere, dein cola.
D. S.- 11 faut en boire 3 demi verres par jour, dont
un le matin à jeun, et ne pas laisser épuiser la provi-
sion, afin de ne pas :nlerrompre le traitement.
Edmund Bach
(1 > Os compononlos dês te n1nnipuln.do ern111: bngAs de iimbro
e raízes de alho pórro, em cozin1ento de -.·inho branco generoso.
CAMILO E A LOUCURA

it.o é um estudo de psiquiatria, nem Iam


pouco uma análise crítica das ten-
dências mórbidas, que porventura
existiram em Camilo, o que vamos
faier. Somente uns leves apontamen-
tos a propósito do autor das Freiras
que faziam c/iagas e do interêsse que
lhe mereceu o estudo de certos pro-
blemas psicológicos de algum modo afins da loucura.
Não pretendemos por consequência descobrir no
sarcasta da Queda d'um Anjo, quaisquer penclores
anormais, que entanto já alguém julgou surpreender
nas páginas por demais celebradas das Noue/as do
Minho. Não aceitamos, pois, que Camilo fôsse um vulgar
necrófilo, como pretende um distinto médico português.
Camilo era, principalmente, um extraordinário es-
tilista. Foi êlé, sem dúvida, o mais fulgurante e variado
''ivificador da língua portuguesa. As suas qualidades
-86-
críticas eram, contudo, mínimas, e o seu poder criador,
"para além da !arma", quási nulo.
Assim, qualquer estudo por êle leito em vista de
obter conhecimentos práticos para a criação de per-
sonagens, representou pum perda sôb êste aspecto.
Camilo nao poderia jamais fazer psicologia. As
suas páginas sc1·ão veementes ou exaltadas, mas nunca
profundamente exactas. Era um escritor de emoção,
mas não um modelador de baixos relevos minuciosos
e sufocantes. A técnica de Proust tê-lo-hia feito rir.
Em lôda a sua obra se pode constatar o que acaba-
mos de dizer. Todavia, nas anotações que em alguns
livros lançou à margem, mais se evidenciam os factos
apontados.
Num exemplar que possuímos de le crime el la /O·
ic, de Maudslcy, rabiscou Camilo abundanles notas a
propósito do texto, algumas das quais sem maior re·
lação com o que na obra se expõe. Sao as que pas-
samos a transcrever, para regalo de algum camilista
curioso de tôdas as prosas do mestre:
A propósito ela citaçao duns episódios bíblicos in-
verosímeis:
"Um homem de scicncia não deve acceitar o teste-
munho de casos fabulosos p." fortalecer os seus ar-
gumentos. Se a citaçao é uma ironia, vem mal cabida
em obra tão seria."
Diz Maudsley que nâO devemos aceitar sem sério
exame as visões e os êxtases dos epilépticos e Camilo
comenta:
.. os milagres referidos p.' chronistas de freiras-
hysterismo, epilepsia, e ás vezes demencia- alg."' ve-
zes impostura. Vej. Freiras q. faziam c/iagas p.' C.
C. B.•
Noutro ponto'
"Todo o systema penal e em todos os crimes abo·
-87
lido. O que não fôr crime por insnnia, será crime por
falta de sen.~o moral!" (1)
Comentando um passo de Esquirol, em que um la-
vrador abastado sentia tentações, durante a noite e só
nessn ucnsiAo, de matar a mulher que dormia a seu
lado, escreve:
"A theologia medica explicava isto cabalm.t•: Ten-
taçoens do diabo".
Verdade seja que páginas atrnz, lança à margem
duma opinião de Maudsley, àcerca da vontade irresis·
lfvel de praticar um acto criminoso, que repugna à ra-
zão de quem o pratica, eslas palavras: "Loucura in1-
pulsiva •.
"1ais adiante, noutra passagem:
"O temperamento insano é a loucura latente. A au-
sencia de senso moral é a heridatierid.' (sic} da dernen-
cia. Responsabilid.• a mesma."
A 1>rop6sito dum louco <1ue matou o guarda, diz
Camilo:
"Se não em melhor p.• a socied.• ou pelo menos
p.• o guarda q. o tivessem enforcado?"
Escreve o crítico inglês anotado por Camilo, que
muitas ideias e opiniões, alé hoje aparecidas no mun-
do, !oram reputadas absurdas e, por consequência, par-
tos da loucura humana e vieram mais tarde a ser tidas
por verdades verificadas. E o romancista anota:
"0 Chrislianismo. Veja a opinião dos contempora-
neos Tacito e Flavio Josepho,,.
A p{ogina 65 do citado livro, há uma nota muito in-
teressa nte, embora incompleta. A propósito da insufi-
ciência mental e desenvolvim ento particular numa di-
recção especial desta mesma faculdade nalguns imbe-
cis, Camilo exemplariza, depois de sublinhar a lápis as

(l) Sentido Incompreensível i mas 6 cóplA 1ex1ual da nota ca-


mil1ana.
88-
frases que mais nitidamente transluzem várias grada-
ções da idiotia:
.o caso de J."
Deve referir-se ao filho Jorge. É típico para o es-
clarecimento do valor moral de Camilo esta frialdade
de observaçao, inusitadn ni'lc e dizendo res1>cito a al-
guém Iam Intimo.
No fecho do livro comenta Camilo:
"Visto q. o auctor materializa o homem até ás
condicões d'um animal inferior, sou de opinião que ao
doudo homicida se faça o que se faz ao cao hydro-
phobo, sendo certo q. se em algum dos dois peza a
responsabilid.• é no homem. Veredictum do P.• John
Pearhouse em polemica com Maudsley.
Seria inútil salientar o nenhum valimento crítico
destas nolas; ou Iro é o seu valor. Sao interessantes;
eis a razão porque as publicamos.
UM LIVRO CURIOSO

o ano de 1784 imprimiu-se em Lisboa,


na oficina de Domingos Gonsalves,
um curioso volumezinho em 8.0 pe-
queno intitulado Arte e Diccio11ario
do Commercio, e Economia Portugue-
za, pata que todos negoceem, ego-
vernem os seus bens por calculo e
naõ por colijectura; ou para que
todos lucrem mais com menos risco.
Saiu dos prelos sem nome de autor, mas Martinho
da F'onseca, a pág. 169 do seu Diccionario dos pseu·
donymos e obras anonymas declara que a paternidade
da obra pertence a Bernardo de .Jesus Maria. n 1
(1) Sste Bernardo de Jesus Maria, a quem se rerere Martinho da
Fonseca, é, nem n1ais nem menos, do qvc Pr. Bernardo du Jesus
Ma.ria, religioso francisCl.lnO observante da provfnci::i de Portugnl.
Chaniava-se no sé.colo Bernardo de Li1nn e Melo Bacelar. Foi
prior no Alentc{o e amigo do arcebispo O. F'r. Manuel do Cenáculo
Vilas Boas. (Vei a o dicionário Portugal).
Autor de várlns obras e, entre elas, do pitoresco Dicclonorio
da lingu11 Porlugucza, eni que se acharáõ dobradas palavras do
que traz Btuteau, e todos os mais Dlcclonarlstas ju11tos; ele.,
conhecido vulgarmenle pelo teOiclonl1rio do Trls-lris."
-90 -
Quis o acaso, pelo lavor de um amigo, que nos
viesse às maos um exemplar dêste livrinho, e a sua
leitura, deveras curiosa, deu-nos a ideia de falar dêtc
nesta •Feira>, a propósito de notas que se conteem no
seu Diccionario do Commercio Portuguez, imporlalivo
e expor/ativo em o a11110 da 1777, com a sua economia
,. adjunto.
Éste dicionário é urna lisla inlormativa das merca-
dorias que ao tempo se consumiam, com a indicação
dos valores da importação e exportação relativa ao
ano de 1777, e muitas delas veem acompanhadas de
notas do autor, que lhe dão interêsse e, por vezes, graça.
Vamos transcrever algumas das que nos pareceram
mais interessantes:
• Bacalháo. Trouxerao os lnglezes a Lisboa
59693 quint. a 36(>() 192,856,380
. ao Porto 47690 2 quint.
4000 190,762,000
. . . a Viana 11 933 c1uint. ao m. 47,732,000
. . . á Figueira 6520quint. aom . 26,080,000
e os Castelh. á Traz-dos-Mont.
127 arrob. por 228,600
• Este peixe foi descubcrto pelos nossos Viannezes
em 1507, e tão !requentado pelos d'Aveiro, que segundo
o Registo que traz Carvalho, rierao 70 navios carre-
gados delle em 1550. L a terra do bacalháo foi po·
voada por Francisco de Souza em 1577 conlorme diL
o mesmo. O bacalháo nos estragou as nossas pescarias,
mas ainda tem remedio. V. art. Peixe.
"Bandejas de pao açliaroádo (l). lntroduzirao os
Hamburg. em Lisb. 36 a 3600. 129,600
"Como se nós nao tivesscrnos paos, e çharáo, me-
lhor cio que elles.

t l ) Todos os cc no grupo r/1 veem cedilhados l!! 1.


-91 -
"Borráçhas. Exportarão os Castelhan. do Minho
40 borraçh. a 180 7,200
da Beira 160 duzias 208,600
e de Traz·dos-Monte.s 18 por 10,800
"Já no tempo dos Romanos usavamos dellas, e nos
serviao de barcos para passarmos os rios. Tito Livio,
etc.
"Borraclzinhas de Gomma. Exportarão de Lisb. os
Jnglez. 273 duzias a 360, 98,280. Em Olivença do
Rio Negro ha muita desta gomma elastica, e della fazem
ao modo dos sineiros borraçhinhas do Entrudo, syrin·
gas, pelas, botas impenetraveis á agoa, e mais vasos;
caiaçoens, e bilumes etc. Ha pouco, que se inventou
na aula de Engenharia Lisbonense o tirar o lapis com
um pedáço de borraçhinha. Xavier.
"Cannos de espingarda. lntroduzirllo os Hol.
em Lisboa l 02 a 1600 163,000;
quando o Conde de Lippe levou de Braga pedaços de
troçhados que foi ver fabricar.
"Cebolas Albarrans. Levarão do Algarve 28
arrobas a 100 2,800
"Estas cebôlas bem cosidas em agua com ferros em-
ferrujaJos dão tinta preta de tingir pannos, e ainda de
escrever.
"Quasi todos os montes de Portugal abunda.o dellas.
"Estampas. Trouxera.o os Hamburg. ao Porto
192 duzias 22,900
os Francez. a Lisboa 832 2 duz. 139, l 60
e os Genovez. a Lisboa l 999 duz. a 280 l 28,000
•Tendo nós bons abridores, e pelles para pergami-
nho, para que havemos de esperdiçar este dinheiro?
"Pontas de Boi. Levarão de Lisboa os lnglez.
3 2 centos a 2000 7,000
os Hamburg. 18 milheiros a 2000 36,000
os Francez. 9 centos ao m. 18,000
e os Genovez. 2 milh. ao m. 5,000
-92-
•Devo-me queixar dos pintieiros, tinteirciros, caixei-
ros, navalheiros etc. e dos Brasileiros lambem, e
muitos nao mandarem ; más deixarem perder tantas
pontas. Elias sao transparentes, e com folhétas occul-
las parecem tarlarúgas etc. se as seguintes pontas
tem tantas servenlias como as não lerão as de boi?
As unhas de boi, cavalo etc. tem quasi o mesmo
prestimo.
"Sal - Faz o autor uma longa indicação dos valores
exportados e no lim tem esta curiosa nota:
"0 sal depois de refinado vai em dobro, e occupa
menos; faz a todo o animal mais gordo, forte, fecundo,
e leitoso. Encyclop. V. art. Tarifa.
•Tinta da Clzi11a. Trouxera o os Holand. a
Lisb. 1O arrateis 11 840 8,400
•Ouvi dizer que a nossa Academia se prornettera
fazela de olio de cibn etc.•

LUCIANO R1oemo
1

POE IRA DOS TEMPOS

XXVIII - PAÇOS DA UNIVERSI DADE (LISBOA)

"A Universidade, tempos depois da sua ultima mu-


dança para Coimbra, alienou os seus paços de Lisboa,
que foram passando a diversos proprielarios e que ainda
eram habitados em 1755, morando então n'elles monse-
nhor Amaral, prelado da igreja pah'iarchal. quando suc-
cedeu o terremoto. Desmororou-se o edifício e ao dian-
te foram-lhe aproveitando os pedaços de parede que fi-
caram de p6, construindo-se sobre as ruinas pobrissimas
habitações.
"D'estes paços da universidade, a q ue el-rei D. Ma-
nuel fez algumas obras de augmentos e concertos em
1503, restam ainda preciosas relíquias, que se podem
ver na rua das Escholas Geraes, á qual deram o nome,
dentro de um pateo, hoje chamado dos Q11infC11inhos,
fronteiro á casa dos srs viscondes de Balsemão .... . . .
"Na mesquinha frontaria do edificio do paleo dos
Quintalinhos, descobrem-se entre outros pedaços de
construcção antiquissima, duas portas dos antigos paços,
ambos de verga de volta redonda. Uma tem por ci ma
urna pedra com esculpturas bastante gastas pelo tempo,
mas que. ainda deixam distinguir no centro uma figura
humana sentada. Sobre outra porta, que fica no interior
-94-
do edilicio, e para a qual se sóbe por uma estreita esca-
da de pedra, de poucos degraus, está uma lápida mais
pequena, que a supra citada, tendo esculpida no meio
em baixo relevo uma figura humana, cm pé, vestida de
roupas talares, com uma inscripção por baixo em carac-
teres gothicos um pouco apagados, representando esta-
rem gravados n'uma fila. Por cima da outra porta, na
mesma escada encontra-se ainda uma terceira lapida igual

,.

a esta, e lambem com uma inscripção. Representariam


sem duvida essas figuras a Sapiencia, que era o emble-
ma da universidade. As pedras que estão esculpidas se-
riam provavelmente alli collocadas depois da doação do
infante D. Henrique, pois que se acham embebidas nas
paredes, e sem ligação com os arcos das portas.
"A entrada para o ,?ateo dos Quinlalinlios é um gran-
de portão em meio de altos muros coroados de ameias •.
1. de Vilhena Barbosa, in Arcl1ivo Piftoresco, 1862,, tOmo V,
pág. 335 e 336.
r

A S FAMÍLIAS
CURVO SEMEDO E CHATlLLON

(DUAS CARTAS)

4 1. 932
Ateu c:\rO üusmào Navarro

No n.o l dê~IO ano da Feira da J.adrn, ~ou convidado pelo nos·


so comun. arnigo D Tomai do Almeida (pág. 41) tt esclarecer a
vlndn. a Portugnl do barão Carlos do Chntlllon, o seu casa111cnto
cm Sotllbnl con1 a fil hn do 1>outu Curvo Sc111odo o a fonnn como
élo velo n ser possuidor du1n palácio na A venldn 1'odi.
C""umpre·rna desde já dizer quo nno sol umtt únie11 pahlvr::l SÓ·
brotais nssuntos. E se escrevo j~. é pnra lho dizer que nno sou dcs-
cendouto 4.lo poetu, como o O. Tomai Rupoc, nen1 no mesmo grau,
nen1 noutro qualquer. Foi sur preza pnrn n1lm quo o poeta fõssc
cirurgiao 1iStnorava·O) e que tivosge oulra. filha a nao ser a. do
prln1efro CQ:tamcnto com D. Ana Ludnvlco de Santa Bárbara e
.\\oura, a qunl se chamou, por sinal, O Mariri Amd.lia e veio a ser
mulher do deze1nbsrgsdor António Delgado da Sil\'ft e mai da con-
dessa dR RNinha O i\\aria Joana Curvo Semedo Ludo\•ico Del-
g~do, onde a geraçno se cxhnguiu
H11 sou paronte desta gente, mas por outro lado. O poeta era
neto de i\tnnuel Jos6 Curvo Semedo, lrman d& Pedr o Joaquiln
Curvo Semodo o ambos filhos de F'rnnclsco Curvo Semedo. mer-
cador do forro om Lisboa, IUl ruu nova, o aunl foi lrinao do fnnioso
médico Jol\o Curvo Se111edo. O:l quule 1 adro .Jonqulm é que 6
(]u:trtn netn 1ninhn nu\i. l>evo portnnto sar primo om quinto ou
SéXIO gr:u1 de 1) TOnlt\Z de Allneidn
A ~s t o, o que lhe peço, 6 quu n\O informo sõbre a filha do Btl·
111iro o sõbro o resto.

Am.• certo

M ATOS SEQUEIRA
-96-

A\eu caro amigo

·rorná1nos a ler o processo referente ao 1narcchnl Carlos Luiz


d'Amon e Chatlllon e vimos que casou em Setúb:ll com Ana Jon-
quln:i de CtlStro Pinto Vieira e Barbudo, em 6 de Maio de '770. l::!e
el'a filho do bttrllo Hcrnnrdo de Amon de Berna e de Luisa de Cha-
lillon e natural do hnpél'io dn Alemanha. Ela ora filha de Oonçalo
José de Castro Vieira Pinto de Snrbudo e de h:abcl Inácio. d:t Sil-
voir::>.. O 1nafido raleceu a 29 de Pevereiro de 1796 e ela a 1 de Fe-
vereiro do 1801,
Tiver:1m duns filh:'.1.S: Maria Carolina Autn do Caslro Pinto Vi-
eirfl e BArbudo de Amon. quo nnsccu em 12 de Setembro de 1774
e Mnriana Ludovina de Castro de Chatillon, nascida cm 7 de De-
zentbro do 177&.
O processo de habilitaçno destas duns Senhor::ts ora pnrn re-
ceberem ns rendas de v~rlas tcnças dns qunis a mf.li era adminiS·
tradora e que lh:ts havi:\ legado qunndo fltlcccu. Nesses docun1en·
tos no.o hé :l 1nenor refer~ncia no poetn Gurvo Semedo e leem-se
nele ns variantes C/tatt/1011, Cafillo11, Alençon e Alle11sson.
Estas notas ampliam a notfcin que démos a pág. 193 do n.o
5 do vol. 3.o.
A1n.~ cerlo

JOÃO 01! VILllfNA


1

COMO SE GANHOU CAiENA

º"º complemento ao i nteressante arti-


go que, com o titu lo Como se perdeu
Caiena, publicou o sr. Gomes Monteiro
no úllimo mímero desta revista, vamos
reii nir neste artiguclho algumas notas
sôbre a tomada da Gu'iana Francesa
pe los portugueses e 11 sua entrada em
Ca'iena.
Em represália dos actos praticados pelos franceses
em Portugal cm 1807-1808, resolveu o govêmo. insta ·
lado no Brasil, organizar uma expcdiç:lo contra aquela
sua colónia.
Essn expedição constava de tropas de terra coman-
dadas pelo tenente-coronel de urtelharia Manuel flfor-
ques, eonslilnindo o 1'.:orpo de Vanguarda dos Volun-
tários Pnraenses, composto de uns 500 a 600 homens,
e marchou do Par á, em 3 de Dezembro de 1808. em-
barcada na escuna General Magal/1(J~s e em outros
navios portugueses, a que se reüniram ainda outros e a
corveta inglesa Con(iancl', do comando do capitão sir
James Lucas Yeo, que assumiu o comando da fôrça na-
val.
Depois de uma breve campanhn em que as fôrças
-98-
francesas, que mantinham diversos postos bem organiza.
dos com artelharia e apoiados pelo brigue Joséphine,
ofereceram uma forte resist~ncia, os portugueses apo·
derarnm-sc da Guiana Francesa no meadÓ de Janeiro
de 1809.
Em 12 dêste mês foi assinada a capitulaçao pelo
conrnndante francês, Victor Huguey e, em 13 ou 14, as
tropas portuguesas entravam triuní•lmente em ca·icua,
sua capital.
Foi nomeado seu governador o desembargador
Jono Severiano ll\aciel da Costa, natural de Minas.
-Gerais, depois I.º visconde e I.º marquês de Queluz
(no Brasil), que nao deve confundir-se com o !.º barao,
1.º visconde e 1.• Conde de Queluz, (em Portugal) An·
Iónio Bartolomeu Pires, cirur1iião da real câmara e
grande valido de el-rei D. Mii.,'llel 11), cujo retrato, em
vez do daquele, vem, por la1>so, a ilustrar o artigo do
snr. Gomes Monteiro. 121
Antes de tomar posse do seu cargo, governou a
colónia uma junta governativa.
Para comemorar a tomado de Caiena foi cunhada
uma medalha, cujo uso, como distintivo, não foi per·

(1) A quem Martiniano da Siha \'íeira ~e refere no seu t!\o cu ..


rloso h\·rinbo A minha vida, ~ n dos n1~11s amigos ou OJ ulll·
mos 40 annos, Lisboa, 1848: •o PireM Cirurgiào, fi1ho da Padeira
Canlvota (na Carreira dos Cavnloi.1 foi feito Barào de Quclu1;'"
e•·. o unico nmii:co de confiançn quo acon1pnnhou o lnfnnlo Ido·
pois da AbrilndeJ foi o Cil'urJ:lno Pir1;s, depois B:trat) de Queluz,
e que se1111>re se lhe n1ostro11 Uol.'"
Tnnto dêste titular do Quoi111 (om Porlugal), como do oulro
(no Urnsll), tro.tou com 1..TfAndo doscnvolvJmento, no prefácio do l .o
vol dn Hislorfa do Pafdcfo JVacfor1al d(• QueltJz, por António Cnl·
de Ira Piros, Lisboa 1925. o nosso que tido tt111igo e confrade Afonso
da Ooroel!ls.
12) h•te lapso deu-se lgu•lmtnto no vol 8.• da Hist6ria d1•
Portflgaf, de Pinheiro Chaga1, J" ed, p~g. 28.5.
-99-
mitido, descrita por ,·firios medalhistas, entre êles o
nosso falecido amigo Dr. Artur !,;unas.
Do seu precioso trahnlho Medalhas porluguesas e
cstraugeír'as refe1"e11fes a Portugal, Lisboa, 1917, trans-
crevemos il respectiva descrição:
·Nn orla, a legenda, que começa do lado esquerdo,
cm baixo, e é interrompida no cxergo: D: Joam P:
(): D: Prlnc: Regen : de Porl ugal tlc.
•No exergo, 11ue não está separado por Iriso, a da·
ta: 1809. Cabecn do Principe Regente, com bastante
relêvo, voltada à esquerda e adornada com uma corila
de louro que se prende, junto da nuca, com um laço.
No campo, junto do c.Srte do pescoco, a assinatura do
gravador: I idgeon F. e 110 próprio córle a do modela·
dor, 1111c em todos os exemplares que lemos visto
está muito conlusa, pC'dcndo ler-se, com dificuldade,
talvez, o seguinte: Mod. By. Rovw {?}. R. Na orla, a
legenda, que comcca do Indo esquerdo, em baixo, e é
interrompida no cxcrgo: Caye1111a tomada a: os (sic)
francezes.

•Ao centro, a data: 14. Jan/1809., escrita em duas li·


nhas hori1.ontais 110 centro ele uma corôa lei ta com dois
ramos de café, ligados em baixo por um laco. AR.
dourada. Diâmetro: 51 milímetros. :-iao é comum•.
-100
Por resoluçllO de 11 de Setembro de 181 O roi esta-
beleci tio que a todos os soldados •que foram (1 gloriosa
expediçM de Cuycnna, se;a concedido o traiercm no
braço direito a palavra- Cayennn".
A Guiana foi entregue ao conde Carra de Sninf-Cyr,
representante da Frnnça, em 8 de Novembro de 1817,
segundo o determinado no Congresso de Viena, no !ra-
lado de Paris de 30 ele Maio de 1814 e na convcnçãO
de 28 de Agosto ele t817.
Acêrca da forma como exerceu as suas funções de
governador, escreve Joao Sevcriano ~\aciel tia Costa,
num folheio, que possuímos, intitulado Apologia que
dirige a 11açdo porl11g11eza J. S. M. da Cosia, do Co11-
sel/10 dr Sua ·Mageslade e seu Oesem/Jargador do Paço
110 Rio de Janeiro, a fim de sr justificar das impulaçõis
que //1r fazem homms obscur.is, as quais tlrrtlo causa
ao drcrelo de J de .Junho e á pro11idencia comunicada
no aviso de li 11<• Jun/10 do corrente 011110 de 1821,
"Cresceu a estima d'El-Rei vendo o modo com que
organisei na Guyana Francesa uma Administraçao
completa em todos os seus ramos de Justiça, Policia
e fazenda, preparando os Planos organicos e dando
regimentos ás diferentes repnrliçõis, e como diriji
esta mesma Aclministraçao oito annos com plena satis-
fação sua e de seus Ministros, e geral contentamento
dos habitantes cl'aqucla Conquista que inda hoje xo-
rao por um governo tão paternal ..
Mais adiante alega outros ser\'iços prestados a Por·
tugal: •como tirei o partido possivel cl'aquella Conquis·
la quando previ que poderia vir a ser restituída aos
Prance?.cs, fazendo transplantar 1>ara o Brasil o que
havia n 'clla de generos preciosos tanto indígenas como
estrangeiros, fundando, como fundei, por minha só di-
ligencia, trez Jardins de especiarias, um no Pnrá, ou-
tro em Pernambuco e outro no Rio-de-Janeiro, que
lloresccm, onde entre outras coisas temos o girofle e a
- 101 -

muscada, e emfim vulgarisanclo a cana d'assucar de


Cayena, que é tão super:or á creoula do Brasil, que
tem leito triplicar os rendimentos dos Engenhos.,,
Sôbre a entrega da colónia (1), diz o seguinte
"Sobretudo eisultoir S. Magestade de praser quando:
viu o modo com que me conduzi na infeliz entrega
daquella Conquista ao Governador Francez, o Conde
Carrá Saint-Cyr, e na negociacao que com elle fiz em
virtude das Notas lrocaclas entre o nosso Plenipoten-
ciario e o Duque de Richelieu, n'aqual nada escapou
que tocasse a Dignidade e interesses de Sua Real Co-
roa e a honra cio Nome Porluguez."
Portugal, que tantos sacrifícios, de tôda a espécie,
fêz durante a Guerra Peninsular, não só licou sem
esta colónia, como se viu, mas até nunca conse·
guiu que lhe fôsse entregue Olivença.

HeNR1Que oe CAMPOS FeRRl!IR• LIMA


tlA A c ADICMIA OMI C 1iu.-ç1A~ nn l .r:i•OA

(J) Vid. História da guerra civil, do Sorisno, 2.• época, tõn10 J,


p:\g. 585; id., tõmo IV, parle li, pág. 307; id., tômo V, porte 1, pág.
268 e id., tõmo V, parlo li, p~g. 460 e Catalogo das meda/lias
brazileiras e das estrangeiras referentes ao BrazU, pela Viscondes-
sa de Cavalcantl. Paris, 1910.
"OS BROCAS"

RO.\IANCE QUE CAMILO SÃO l:HEGOU A ESCRF.VF.R

•M•Lo Castelo Bra nco, referindo-se ao


seu antepnssndo Domingos José Cor-
reia Botel ho, pai do celebrado Simao
do Amor ele Perdição, concede-lhe
uma linlrngcm fidalga e apresenta-o
"como alcançndíssimo de inteligcncia•,
que é corno quem diz: estúpido como
um tamanco.
Salíenta que êssc Correia Botelho •grangeara en-
tre os seus condiscípulos da Universidade o epíteto de
" brocas" com que ainda hoje os seus descendentes em
\'ila-neal sao conhecidos. Bem ou mal derivado, o
epíteto "brocas" vçm de "brõa". Entenderam os aca-
démicos 11ue a rudeta do seu condiscípulo procedia do
mu ito pllo de milho que ~l e digerira na sua terra".
O egrégio romancisti1 planeava escrever um novo
livro, intilulndo Os Bro1·as, cm cujas pági nas per-
passariam as memórias dessa lnmília lâO bizarra quao
desgraçada, que o Amor de P;;rdiçdo deixara im-
completas.
- 103--

Essa ideia obcecava-o a todo o momento.


Nas Memorias do Carcere, diL:
• recordo-me eu que fiquei ouvindo de minha
lia a história de meu avô assassinado, de meu tio mor-
to no ctcwôdo, de meu pai lcv:1do peln demência a
uma congcstao cerebral ... "
Com eleito, o pai de Camilo, modesto funcionário
dos correios cm Vila Real, morreu doido.
Camilo pensava insistentemente na sua desventura-
da ascend~ncin e registava os seus 1>cnsamcntos, afir-
mando que sua lia, decrépita e cadavérica, lhe dis-
sera •tornar-se necessário ser dcsi:raçado para não
conlradizer os fados da lamília."
l.m 1883, quási tõdas as publicações do editor
Ernesto Clrnrdron ostentavam o anúncio de Os Bro-
cas (romance de uma família), da autoria de Camilo
Castelo Brnnco.
Dois anos depois, o romancista publicava na Bo-
hemia do Espírito a seguinte alus1io ao seu Jllano fra-
cassado:
"À portaria do mosteiro augustiniano da Piedade,
em Santarém, chegou em 1762 um homem na llõr dos
anos a pedir o hábito. Mostrou pelos seus documen·
tos chamar-se João Correia Botelho, e ser de Vila·
-Real de Traz-os-Montes. Viéra de longe propelido por
uma grande catástrofe. A pro!issno era o aclo li·
nal de uma tragédia que eu escreveria rroixamentc
nesta minha idade glacial, se tivesse vida para urdir o
ronrnncc inlilulado Os Brocas. Como a história é
enredada e ele longas complicações, nem ainda muito
em cscôrso posso antecipá-la. Se eu morrer, como é
de esperar da medicina, com a malograda esperanca
de escrever êsse livro, algum ele meus sobrinhos en-
contrará nos meus papeis os elementos orgânicos. de
uma hisl6ria curiosa e recreativa".
l Que seria feito dêsses papeis?
-104 -

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ÃR".ORE GENEAl.OGICO-PSIQUIÁTRICA DE ·os BROCAS"


esboçnda 1>or Camilo.
-105-
Ora, um feliz acaso trouxe às minhas maos o li·
vro /.e crime cl la folia, de H. Maudsley, professor
de medicina legal da University College, de Londres
icdiçao da Librairie Germer Bailliere et C. 1•- Paris
1880) e nas marj?cns dêSSt! interessante volume, hoje
pertença do distinto colonialista, sr. All'es de Azevedo,
dc1rnrci com várias notas trnçadas a lápis pelo pró·
11rio punho de Cnmito Castelo Branco.
No ante-rôsto, por exemplo, esboça uma espécie
de árvore genealógica da sua malfadada famllia, dan-
do Rita Preciosa como doida e filha de Teresa lnácia,
também doirh1, e cita-lhe duas filhas com tara idêntica.
Referindo-se a Simao Bolclho, apresenla·O como ho·
micida, filho e neto ele homicida. Alude a Manuel
Bolelho, atribuindo-lhe aus~ncia de senso moral, à ln
ce das teorias de Maudsley. Os lilhos do romancista
sno também classificados como "filhos duma senhorn
cpileptica", tendo Jorge •a herança da bisavó e lri·
suvó" e Nuno a tara herdada do avô Manuel, 01>inino
lounulada acêrca dêste úllimo e reforçada com a nota:
A ausencia de senso moral é a hereditariedade da
demencia".
Na página 6'\, Camilo anotou uma passagem alu·
sivn a casos de idiotia e imbecilidade em que sao cita·
dos exemplos de enlermos <1ue manileslam, por veze~.
uma prodigiosa memória, especialmente nn lixaçao de
nomes e números, relatando, com todos os pormeno-
res, casos longínquos e Jlatenteando, por vezes, uma
exhcmn habilidade para a mecânica.
Camilo anotou simplesmente: O caso de J., isto é,
o caso do seu <tuerido filho .Jorge.
Com efeito, quando o desventurado rapaz te,·e de
ser internado no Hospital do Conde de r:crreira, do
Põrto, o prolessor dr. Ricardo .Jorge declarou no seu
Atestado, oue tem a data de 2 de J\gôsto de 1886:
• ... Aprendeu a ler e a escrever e chegou mesmo
- 106
a iniciar os estudos preparatórios, que não pôde pros·
seguir por falta de capacidade, sendo para notar que
sõzinho, em casa, adquiriu razoáveis conhecimentos de
Ungua latina, er.tregando·se também ao de~enho com
certa habilidade".
Terminando, o iluslre sábio afirma que " o pai do
cnfêrmo, sendo um homem de !alento, é um nevropata
e um siíilítico e que o avô paterno foi um alienado,
assim como dois tios,,.
Pelo visto, o projectado romance Os Brocas se-
ria alicerçado numa forte base científica, constituindo
um aglomerado de atenuantes às faltas gravlssimas
dos Correia Botelho. Ficaria sendo uma espécie de
reabilitaçao dos filhos do romancista, uma explicação
cabal da origem da loucura do Jorge e da ausência
de senso comum do Nuno, sem esquecer que D. Ana
Plácido, sua mai, •era uma senhora epileplica".
Por baixo dessa espécie de árvore genealógica dos
13roca.ç, a11arece uma mulliplicaçao a sugerir a ideia
de que Camilo tencionava dar ao livro 16 fólhas de 16,
ou seja uma totalidade de 256 páginas.
No fim de contas, o romance Os Brocas nunca
apareceu.

Go1o1~s MomEIRO
r

OS PlSCOS DE SEZIMBRA

UMA EDIÇÃO DOS • LUZIADAS•


E
UMA ENCOMENDA DE EMPADAS

ooos os bibiliólilos e csludiosos conhe-


cem, de ciência certa, <111c existe uma
cdiçao dos •Lusíadas" datada de 1584,
impressa por Manuel de Lyra, raríssi·
ma hoje, e chamada comumente dos
piscos. De ouvido sabem-no também
muitos curiosos, mas dêstes alguns o que
nao saberao é o motivo de tal nome.
l Dos piscos porquê?
O porqu~ é o seguinte:
Numa nota à estância 65 do canto Ili, onde Camões
rala da plscosa Cezimbra, diz o ignorado comentador,
a quem talvez perlença a autoria dos cortes e emen-
das reitas na ediçao, que a razno tlc convir a Cezímbra
o eplteto de píscosa, é porque em certo tempo do ano
se ajunta ali uma grande quantidade de piscas para se
passarem para África.
-108-
Inocêncio Francisco da Silva, citando isto, fulmina
o escasso entendimento do anotador.
A ideia era rara. Efec!ivamente, isto de notabilizar
a pitoresca vila com um rendez-vous de pi~cos antes
de partirem de longada até às costas de Africa, as-
pando a lógica ideia da sua riqueza piscatória, era,
até certo ponto, digna do anátema do incansável e
probo bibliófilo.
Nunca afguem se lembrou, que cu saiba, de averi·
guar, todavia, da razao da nota.
Aquilo nao se imprimia ali sem mais nem menos.
Algumas vezes andei com os piscos ás voltas, da
mesma forma que o falecido Alberto Pimentel andou
com os cães do Nilo, de Sá de Miranda, que correm e
vão bebendo, mas desistia ao cabo da primeira inculca.
Nao podia ir até Sezimbra esperá-los e espreitá-los.
E punha o assunto de lado.
Aqui há tempo, porém, veio-me parar às maos, en·
tre outra papelada (os papeis velhos correspondem à
minha simpatia por êles) uma fôlha de papel, amare-
lecida, a letra característica, cabidoal, do século XVffl,
que logo me interessou vivamente. Era o caso dos
piscos que vinha ter comigo.
Tratava-se de uma conta que deveria ter >ido en-
viada ao marquês de Tancos 1>or um José da Fonseca
Pais, cuja assinatura figura ao fundo rematada pelos
inevitáveis rabiscas ornamentais. J;:ste sujeito ou era
correspondente do marquês, ou fabricante da iguaria
encomendada. Ora a encomenda referia-se a empadi-
nlras, a empadinhas de piscos, e, pelo volume, destinava-
·se decerto a gordo festim - banquete de anos ou de ca-
samento, assembleia pomposa ou "púcaro de água". Não
consegui averiguar de que festa se tratava. A Gazeta de
Lisboa, que, às vezes, se referia a algumas delas, estava
então suspensa por Pombal. A conta das empadas está
datada de Sezimbra, de 13 de Setembro de 1770.
- 109-
Examine-se o documento:
José da f'onseca Pais, recebido o encargo de ma-
nulacturar a iguaria, começou por contratar um homem
para apanhar os piscos e os picanços a 200 reis por
dia. No fim de dezassete dias estavam apanhados
2.220 piscos e 84 picanços.
f'eita a colheita, vá de c hamar o "depenador". Ta-
reia extenuante, essa. Depenar 192 dúzias de pássaros
era obra. Pois depenaram-se, e o homenzinho que fez
o trabalho, lê-lo, levando 5 reis por cada dúzia. Como
na "conta" se mencionam um pataco e três vintens, res-
pectivamente, como preço de cada dúzia de piscos e de
picanços, a na.o ser que tal custo correspondesse ao
"feitio" das empadinhas a lucro do F'onseca Pais (o
que nao se infere cio dizer da parcela que lhe diz respeito)
ocorre-me preguntar a quem teria sido feito o paga-
mento. l Ao caçador? Nao. ~ste já recebera o esti-
pêndio do seu trabalho . l Ao Deus criador que lhes
dera vida e os levara até ali para negócio? Não é de
crêr, sem ofensa grave à religillo e à lógica. (, Enlao a
quem? Só se se pagaram à câmara de Sezimbra como
taxa municipal. Pique o caso em mistério para lhe dar
maior interêsse.
Caçados, depenados e pagos os passouros, como
lá se escreve, tratou f'onseca Pais de comprar os ou-
tros géneros: 12 alqueires de trigo, 115 arráteis de
manteiga de vaca e 24 da de porco. O trigo custou-
-lhe a 450 reis cada alqueire. A manteiga de vaca a
120 reis o arr átel e a de porco a 200 reis. O custo to-
tal foi, pois, de 24. 000 reis. Os restantes temperos
(adubos, como então se dizia) importaram em 3.050
reis.
Começaram a fabricar-se as e mpadinhas e, feitas
elas, vá de ajustar com a forneira. Por onze tostões
fez-se o contrato (20 reis por dúzia), e assim prontas,
coradas, apetitosas, ainda faltava outra despesa - o
-110-
papel para embrulhá ·las. Comprou-se uma resma por
850 reis.
Agora é que estava tudo pronto, pensará o leitor.
Engana-se. Faltava ainda o transporle.
Foi necessário alugar três cavalgaduras-a carga
foi por três vezes - para a levar a Cacilhas, e lreta1·
três barcos para a travessia até Belém. As bestas ar-
ranjarum-se por oito tostões e as três travessias im-
portaram em 3. 600 reis, um quartinho caria barco.
[)esta forma, as 55 dúzias de empadi nhas (660 em·
padinhas) vieram a custar ao marquês de Tancos
49. 330 reis, que viriam a ser hoje cêrca ele dois con-
los de réis, se os meus cálculos nao lalham.
Êste faustoso marquês, também 5.• conde de Aveiras
pelo seu primeiro casamento com O. Inês Telo, herdei-
ra da casa de Aveiras, ad<1uirira o marquesaclo pelo
segundo consórcio com O. Constança Manuel, filha
única, que era, do segundo marquês de Tancos e sexto
conde de Atalaia, O. Joao Manuel de Noronha. Era
da casa Ribeira Grande, filho dos segundos condes, e
chamava-se O. Ouarle António da Câmara. O ser her-
cleii'o de duas boas casas poderá explicar a sua es-
travagância em gastar, só num pileu da sua mesa, cen-
to e vinte e três cruzados. O que nao explica é êle ter
vivido cem anos, como viveu de 1693 a 1793, a nao
ser que os piscos tivessem o poder de "elixir ele longa
vicia •.
Agora, a sério:
O documento, o que prova, indubitàvelmente, é
que ainda no século XV!ll, os piscos !requentavam
Sezimbra e que com êles se faziam empadas saboro·
sas e apreciadas 1111 côrte. Como se a conta não bas-
tasse, na referida fôlha de papel escreveram-se duas
notas a lápis, de letra novecentista, que dizem: a pri·
meirn ... Atender.do às numerosas empadas de passa·
rinllos que se faziam em Cezim/Jra, q11ási sempre de
-111-
piscos e picanços, bem disse talvez um anotador dos
Lusiadas que Camões chamou piscosa a Cezimbra em
razão dos muitos piscos que nela havia.
E a segunda: Curiosa industria especial de Cezim-
bra.
E como se tudo isto ainda fõssc pouco, o coronel
Fran cisco Coelho de Figueiredo, em certa página do
14.•volumc do Thenlro de seu irmão, exclama na sua al-
garnviada pitoresca e misturada (11111s sempre preciosa),
ao referir-se aos voláteis úteis, depois de anatemalizar
os que sao prejudiciais: - ainda como em Cezimbra,
em cslaçdo propria, de que se fazem as boas empa-
dinllas, ainda que com pouca ambiçdo e muito des-
mazelo.
Só me faltava ir a Seúmbra completar a minha
investigaçao e lá fui neste último domingo magro,
num automóvel amigo, que ráJ>idamcnle atravessou a
linda regino e me pôs na piscosa vila citada por Ca-
mões. J á 1>elo caminho fui estranlrnndo não topar
um unico passouro. Nem piscos, nem pa rdais, nem na-
da. Enlrado na povoação, o mesmo. Apenas duas
gaiolas com canários. Numa das ruazinhas, vi numa
taboleta: Pensdo Piscosa. Bem, pensei eu. Cá temos
uma reminiscência camoneana. Mais abaixo, varado
na praia, um bote, tendo escrito à prõa, o mesmo
Piscosa. Depois, mais nada. Preguntei no gentio:
- l Ainda aqui se fazem empadas? l Os piscos
ainda aparecem por aqui? l E picanços '/
Ol haram-me espantados, como se cu l hes pregun-
tasse pel n Teorin de Einstein. Apenas um velho me
informou:
Aqui há uns anos morreu nf uma mulherzinha,
que fabricava empadas.
l De quê? De quê ?-preguntei ansioso.
- De carne ou de peixe, conforme.
Desanimei. A tradiçao das empadinhas do marquês
112-
de Tancos extinguira-se, e dos piscos nem se me dava
fé.
Deixei Sezimbra - pobre vila esquecida, engolfacla
no seu sonho de um pôrlo de pesca -quási no anoi-
tecer. Os olhos aindn se erguiam para os ramos e
para as !ranças das árvores.
Nada ... nada ... Nem um trilo, nem um esvoaçar.
E, quand o cheguei a Cacilhas, ia jí1 convencido de
que a caçada do Fonseca Pais lôra tão temerosa, que
os piscos não só nuncn mais puseram as asas em Se-
zimbra, como avisaram tôda a demais passarada dessa
tremenda Saint· Bartlrt!lemy de 1770.
CURIOSIDADES E INDICA-
ÇÕES ÚTEIS E PRECIOSAS
P.XTRAiL•AS rw PROCESSOS DO •ARQUIVO DOS re1ros l ISOOS»

o número 1 do presente volume


fala-se de JOâo Pereira Côrte-Real.
O erudito investigador Sr. Frazao
de Vasconcelos publicou 1111111 mo-
nografia que lhe diz respeito e que
tem por título Jotlo />ueira Côrte·
·Rral, Conselheiro de Guerra d'EI·
·Rei O. Joao IV e as Naus da Cor·
r~irn da índia, Lisboa, 1921.
O teor do requerimento em que êle pede parn ser
conselheiro de Estado daquele rei, é o seguinte:
".Joaõ Pereyra Corte Real hc fidalgo mnito honrado
por seus Auõs, e quinto neto de Martim Gonça lu cs cio
Carualhal, como he notorio a todos os 11ue tem liuros,
ou cscrevcrnõ de gerações teue tais procedimentos, e
occupou taõ grandes lugares qne os grandes de lles-
panh11 lhe fnlauaõ por Senhorin como consta da caria
do Senhor Duque de Medina Cidonia, e do Duque ele Na·
gera, e teue particular amisade com o Ex.mo Senhor Ou·
-114

que Pay de V. lllag.d•, que Deos g.d• como se veda sua


cana, he do conselho dei Rey neste Reyno, ha onze
nnnos; foi General com estandarte Real, e poderes de
Soga, e cuchilho em todas as quatro partes do mundo,
a saber na Azia sendo Capitaõ mór das naos da lndin;
na America sendo Gcnernl de Escolta da prata de Cas-
tella o anno de 632. cm Africn sendo goucrnador, e
Cnpilaõ General de Cabo Verde tomando a fortaleza
ele Berseguiche aos olandeses; em Europa sendo ge-
neral da armada desta Coroa em propriedade que ser·
uio hum só anno, por estar os outros impedido de
gota, sendo o primeiro marinheiro deste Reyno o dia
do acclamaçaõ de Sua Mag.de a nobresa deste Reyno
o fez vir ao Cons.• destado, e nelle assistia votando
em tudo ate o dia que Sua Mag.d• chegou, em que
estnua despachando o nuiso de Catalunha, e sendo
pessoa de tantos merecim.to•, e o mais obrigado à fide-
lidade he o mais desamparnclo de valia com Sua Mag..i.,
11orque nenhum dos validos he parente seu, nem hade
falar nele a Sua Mag.do; tem de comer bastantemente,
como soldado pretende de Sua Mag.de honra, e acre·
centnmentos; Estâ seruindo de Conselheiro de guerra
com grande satisfaçaõ, pretende que Sua Mag.dr o fnça
Conselheiro d'estado tendo respeito a seus merecimen-
tos, e hauer muitos annos que he do Conselho, e a
ser general tantas vezes em todas as parles do mundo
(singularidade para hum soldado ser estimado) ficando
obrigado a seruir juntam.t< no Cons.• de guerra, e no
que Sua Mag.de ror servido, porque ainda no Cons.•
d'cstado conuem que Sua Mag.<lo se sirua de pessoa
de !untas noticias de guerra, e de todo o mundo corno
elle. E. R. M."


Em 179-1 vivia nn pr:tça de Setúbal o marechal
-115-
de campo Agostinho Jansen Moller (de origem ale-
ma) casado com sua prima Catarina Jansen Moller,
que era filha de Teresa da Silva Orta.
O seu filho mais velho foi o naturalista Adolfo Fre-
derico Moller, já falecido, inspector do Jardim Botâ-
nico da Universidade de Coimbra, que deixou um filho,
Henrique Caries Moller, actual chefe dos serviços pos-
tais em Lisboa.

A páginas 150 do vol. 1.0 da "Feira" vem meneio·
nada uma quinta em Azeitão chamada Parvoíce.
Na uGazeta de Lisboa", 11.0 96, de 25 de Abril de
1825, rata-se de uma propriedade chamada também
Parvolce, adiante de S. José de Ribamar e que tinha o
número de porta 388.
Essa propriedade estava na posse de Manuel Joa-
quim de Mendonça Escarlate, herdeiro da firma José
da Silva Ribeiro.
Sôbre esta propriedade houve um litígio que durou
10 anos.

Em 1811, António Cairou e sua mulher Joana An·
golini, residentes em Lisboa, foram contratados para
trabalhar no Teatro Grande do Funchal, como pri·
meiros bailarinos grotescos. E porque o emprezário
Pompílio Maria Panizza não lhes pagou, ê)es move·
ram·lhe um processo.


Em 1839 era costume, quando morria algum indivf·
duo prêso nas Cadeias Civis de Lisboa, nll.O deixar sair
o seu cadaver do edifício emquanto a autoridade, a cuja
- 116.

ordem êle esta,•a encarcerado, nao enviasse o mand11-


do de soltura.
~aquele ano, morreu um prêso no Limoeiro. O juiz
do crime do bairro do .\locambo n:io mandou a ordem
de soltura, porque estava de cama com reumatismo go-
toso, lendo as maos entrapadas. O provedor da saúde
públi~a nao se meleu no caso, porque isso representa-
ria 11111 conflito de co111pclências para resolver um as·
su nto que, pelas leis, cabia s6 nos juizes do crime.
O cadáver, pelo motivo de cheirar mal, foi pôsto lo·
rn da porta com sentinela à vista.
E por fim, o juiz do crime do bairro do Limoeiro
prendeu-o à sua ordem e logo à sua ordem o m;111-
dou soltar!

A pág. 195 do vol. 3." citámos os nomes do prín-


cipe Pio de Saboia e dn princesa sua mulh er, como
proprietá rios de terrenos cm Belas.
Snbemos agora que aquêle príncipe casou com uma
descendente de O. Cristóvno de Moura, porluguas de
nascimento, mas, pelos serviços prestados aos hcspn-
nhois, feito por Fclipe Ili marquês de Castelo-Ro·
drigo e vice-rei de Portu1eal cm seu nome.
Foi êste marquês quem, de ncôrdo e mão-comum com
sua mulher D. Margarida Côrlc-Real, neta do navegan-
te e descobridor Gaspar Cõrte·Real, fundou e vinculou
a quinta de Queluz, lendo adquirido por compra nos
sub1írbios dessa quinln grandes lralos de terreno.
Em 1640 a quinta foi sequestrada a O. Cristóvao,
ficando na posse da corc'ln porluguesa, e os terrenos
não vincu lados passaram aos seus descendentes, visto
que dêles ainda es•avam empossados em 1832.
fsta família tem a sua cnsn em Milao.
-117 -


Em 1803 havia em Lisboa umu fnmília com o ape-
lido Rossig11ol, que tinha alguns filhos. que deixaram
desccndCnciu.


tm Janeiro de 1811, o corregedor do crime, Fran·
cisco de Paula Aguiar Ottolini, com o alcaide do bairro
do Rocio e o escrivão do juízo foram, em virtude de
ordens superiores, assaltar os botequins com bilhares,
onde se jogavam as descarregadas.
í'.ste jôgo consistia em os parceiros carambolarem
sem que as bolas tocassem num co(lo de sola que se
colocava no meio do bilhar com o fundo para cima e,
poslos sôbre êle, quatro dados. O jogador pagava
conlorme o número das pintas, quando os dados ca·
iarn.
Foram aos três principais botequins com bilhar,
talvez os mais suspeitos dêsse tem1>0: bilhar de S.t•
Justa, bilhar das Colunas a S. Roque e botequim de
Jos~ António Francisco, ao Passeio Público.
Resultado do assalto: prisao de quatro sujeitos e
apreensão: de um jõgo de gamão, n quantia de dois mil
reis, dois copos de sola e quatro dados.

Joxo JARDIM or V11.ueNA


O "SÃO PEDRO" DE
A
TORRE S-VEDRAS

• velha ermida da Senhora do Pinhei·


ro. ao norte de Tôrres·Vcdrns, pas-
sada a Ponte dn ~\entira, existiam, por
1861, quatro paineis antigos cm péssi·
mo estado ele conscrvaçao, ele "boa
pintura em madeira", reprrscnlando os
apóstolos S. Pedro e s.
Paulo, e os
santos Lourenço e Sebastiao. Assim o
nolaram na segunda ediçao da bela monogralia Dcscrip-
ção Hislorica economica da vil/a P termo de Torres Vedra.~
do grantlc torree11se Manuel Agostinho Modvira forres,
os seus anotadores, António ]ncinlo da Gama Leal e
José l'duardo Césnr.
Um dia visitou T6rres, a meu convite, o erudito
autor do Portugal Artistico e Monmncnlal, Doutor Pe-
reira de Almeida, e na sua visita il ermida abandonada
onde existe ainda a velha imagem da Sc11flora ele Ro-
- llQ
quamador, f~z-me notar a semelhança entre o Sno Pe-
f dro que ali existia e o São Pedro de Viseu.
Esta observaçao entusiasmou-me e levou-me a tra-
tar, nas gazetas locais, da possibilidade da existõncia
cm Tôrrcs, de quadros do grande pintor de Viseu,
lanlo mais que Cirilo Volkmar Machado diz ter sido
possível, que D. Afonso V tivesse mandado estudar
à Itália Vasco Fernandes - o mesmo D. Afonso V, que
fundou o convento do Varalojo, a dois quilómetros ao
poente de Tôrres, onde habitou tantas vezes e onde
existe ainda a sua janela, a •janela do Conselho•, e
onde existia e donde foi salva miraculosamente, a sua
formosa cadeira, pelo eminente critico de arte e ilus·
Ire director do Museu Nacional de Arte Antiga, o snr.
dr. José de Figueiredo.
A reforçar as minhas presunções e as minhas espe·
ranças havia ainda o facto de Frei Manuel de Santa
Maria, na História da Fundaçtlo do Real Co11venl.i e
Seminario cio Varatojo, depois de afirmar que é de Vi-
cente Baccarelli o formoso Santo António que orna a
capela-mór, assegurar que sao de Gr:lo·Vasco, o "Ape-
les português", os quatro quadros da mesma capela
e mais dois que existiam na sacristia do convento.
Dos meus artigos dei conhecimento ao distinto
director do Museu de Grao Vasco, o snr. Almeida Mo-
reira, oue, a meu pedido e convite, teve u grande ama-
bilidade de vir a Tôrres, desanimando-me com a pe-
rentória e autorizada afinnação de que nãO eram de Vas-
co Pemandes os quatro apóstolos da Senhora do Pinhei-
ro, no Ameai.
Mais lorde, quando o snr. dr. José de Figueiredo
honrou Tôrres-Vedras com a sua visita e o pequeno
Museu Municipal que fundei e cuja direcção tive que
deixar para proceder à inslalaçno da Biblioteca Muni-
cipal, aquNc eminente crflico de arte notou t1ue os
quatro apóstolos eram o que restava de dois trfpticos.
-110
Tendo-lhe merecido os paineis baslanle inlerêsse, n:lo
afirmou conludo, nem ao de leve, que os apó.tolos ti-
vessem sido obra de Vasco Fernandes.
Que me conste, alé ali, ninguém tinha notado a
correlaç~o dos quadros entre si, sendo para lamentar
n absolutu impossibilidade de descodrir o panideiro
das portas 11ue faltam para completar os dois trípticos.
•Já nessa ocasiao, os paincis tinham sido levados
por mim para a sala lormosfssima da Irmandade dos
Clérigos Pobres, onde linha instalado e onde se en-
conlra ainda, o pe11ucno Museu Municipal de Torres-
-Vedras.
Com seu belo silhar de 11w lejos, reproduzindo um
desenho do nosso Cláudio Coelho, a quem Ris-Pnquot
enquadra nos pintores da escola espanhola, chamando-
·lhe Cláudio Coei/o; e com um lindo lccto de mnceira,
onde em ricas molduras dourndas se cnquadrnm, em
bon pinlurn, os quatro evangelistas do pinlor torreensc
Bernardo António de Oliveira Gois, a sala da Irman-
dade dos Clérigos Pobres é, sem dúvida, uma das mais
lindas salas de Portugal do século XV III.
Ali continuam os quatro apóstolos ele Grao·Vnsco
ou de alguém que o reproduziu; e se o São Pedro de
Tórres-Vedras, a quem o ilustre e erudito pintor Al-
berto de Sousa net:a também a paternidade de Vasco
l'ernandes, nao tem n riqueza e opulência de realização,
nem a imponência do Sao Pedro de Viseu; se nao tem
a doçura e bondade do Sa.o Pedro de Tarouca; nem
por isso o São Pedro de Tõrrc:<, deixa de impressionar
pela bondade magoada e triste com que, do alto da
sua dignidade, estende a sua benção p•ternal.
Li há len1pos, na Feira, o interessantíssimo artigo
em que o snr. Rocha Madahil trata do Sao Pedro da
igreja de Mouraz, e corno desde entao formei o pro-
pósito de apresentar aos leitores da Feira o Sao Pe-
dro de Tõrres -Vedras, realizo hoje essa aspiração,
S. PALl.O S. Pl'DRO
-121-
apresenlando-01 bem como a porta lateral direila do
triplico, com o maior desgõsto de nao poder reproduzir,
por incompleto, o triplico inteiro.
Por ela verao os leitores da Feira que o Sao Pe-
dro de Tllrres-Vedras, que hoje, como se disse
alraz, se encontra no pequeno Museu lllunicipal desla
histórica vila, é, a todos os tílulos, digno do melhor
aprêço e veneração.
T<lrr•s-Vedras, 1932.
"JORA NÃO SE PERCA A
CASA DOS BICOS!"

tTo popular antigo e muito conhecido.


l A que ~tribuir o grande valor
<1ue o povo lhe dava e donde natural-
mente veio o anexim ?
l Seria por causa dos brilhantes
que a lenda diz lerem existido en-
gaslados no vértice de cada uma das pirâmides que re-
vestem a fachada?
Ignoro.
Nao me compele a mim, pobre remendao de esc11-
da das cousas velhas de Lisboa, resolver o problema,
se é que nao está já resolvido.
A propósito do anexi m citado, lembro que lnmbérn
se encontrava, perdida no interior do Brasil, uma
casa dos Bicos ainda em tempo de O. Joao VI.
A descrição do caso achn-se num artigo sõbre o
-123-
"Cunhal d11s Bolas" da rua da Rosa das Partilhas, a
páginas 288 do volume V do "Archivo Piltoresco", de
1862.
•Em Cnntuby, província do Rio de Janeiro, existe
umn casu chamada dos Bicos, que íoi pertença de uma
famllia muito poderosa, já falecida. Um de seus chefes
presenteou O. Joao VI com uma galinha e doze pintos,
todos de oiro massiço. Querendo-se saber quem fôra o
primeiro possuidor da casa, e buscando-se nos arquivos
do império documentos que pudessem satisíazer êste
desejo, meramente de curiosidade, encontrou-se o no-
me seguinte, que era de quem 11 tinha mandado edifi·
car: O. Maria Renalsc Recoralta Reconquésia Perinln-
qua de Godões Campeão Catarollo."
l Seria alfacinha esta primeira proprietária e natu-
ralmente grande admiradora da casa dos Bicos da
Ribeira-Velha?
Pelo nome parece que nao.
Em todo o caso, ncho interessante a descoberta e
muito para notar o nome da primeira proprietária da
referida casa, nome cujn leitura é um bom exercício
para quem tiver a memória fraca e dificuldade de pro-
núncia.
A SEPULTURA DA MARQYESA
DE RA V ARA NO CEMITF.RlO
DE BEMFICA

o interessante trabalho intitulado O


lindo sitio de Carnide, refere-se Ga-
briel Pereira á transferência da cam-
pa da Marquesa de Ravara, da velha
igreja de S. Lourenço daquela pilo-
resca localidade para o vizinho cemi·
tério dos Arneiros, no aristocrático
arrabalde de Bemfica. Nada, porém, nos diz acêrca
dessa nobre senhora, a quem um título, embora estran-
geiro, devia dar direito a mais honrosa jazida que não
fôra em tao obscuro recanto dos arredores da nossa
antiga côrte.
Papeis que o acaso me depôs nas mãos, dao-me
escassa notrcia dalguns factos relativos à sua vida.
Aos 29 de Novembro do ano de 1717, falecia em
Lisboa, na sua casa junto ao 'Sequeiro das Chagas, o
marquês D. Pedro Prancisco Ravara, sendo sepultado
na sacristia do Loreto, no carneiro dos provedores.
HllAl.ÀO DI:: ARM .\S
ll() \IA llQtJlli UE 1/AVJ\I/,\, O. PE DRO
1A.1.ulcjo~ citados no ll'~to •
l l1c.... ,. ·• • ·• e. 1\\.
-125-
Fôra casado com O. Ana Maria Ouido, de quem não
houvera filhos. ·
En tre os muitos centos de cruzados que o falecido
marques trazia a juros, contavam -se uns míseros seis-
centos e doze mil reis emprestados a Paulo Gomes d11
Costa, um honrado chefe de família, que l he hipotecara
um a proprieda de de casas nn "rua dircit11 que vai do
Poço novo parn o dos negros e para o Most.•• da Es-
pernnça, da parle da terra". (ll
Impaciente por abandonnr o triste casarão da rua
do Ataide, a impiedosa viuva obriga os órfãos de
Paulo da Costa a porem n cnsn em praça e arremata-a
para si, toma ndo posse dela cm Abri l de 1718. Nalural-
mente seguiram-se as necessárias obras para a instala-
ção da nova propriedade e tenho razao para supôr que
data dessa época o azulejamento das paredes com os
belos paineis que ainda se podem vêr, nas salas os
do andar nobre e nos muros do pequeno jardim os que
fora m barbaramen te arruncados do segundo andar.
[)estacam-se ali ainda umas armas que devem ser as
do defunto provedor da irmandade de Nossa Senhora
do Loreto: sob uma coroa de marquês e suportado
por dois rechonchudos meninos, um escudo partido,
com urna estrclu de 6 pontas e 3 conlrn·bnndas.
Instalada a marquesa na sua nova morada, segue-se
um período de trinta anos, em que provavelmente se
entreteve a dissipar a avultada herança do usurário cs·
poso, até que vou encontra-la na sua quinta de Carnide,
cm tam más circunstâncias que, na.o só tivera de arren-
dar a casa de Lisboa, como se vira nn triste necessi-
dade de a hi1iotecar para, com oulros bens, garantir
um empréstimo de quinze mil cruzados, que lhe fizcru
(). Joao Luiz de Menezes, •para desempenhar algumas

( 1) É o prédio quu com hojo o~ """ 128 o 136 o 1>ortenco aos


hurdolros do 1íllimo visco11de du l!lbnmor·
-126-

peças ele sua casa". E, ou porque os quinze mil cruza-


dos, soma na verdade elevada, nao tivessem a aplica-
ção devida, ou por outra forte razao, o certo é que
D. Joao de Menezes, julgando o seu dinheiro mal-pa-
rado, chama as justiças, e a 26 de Fevereiro de 1748,
o alcaide do bairro do Rossio, Bartolomeu Antunes
Teixeira de Matos, va i ao Poço dos Negros e "na dila
propriedade e seus Rendimentos faz penhora, e corpo-
ral aprehcnsllo para pagamento da quantia" i que fôra,
pouco mais dum mês antes, emprestada! No ano se-
guinte foi a malfadada casa posta em praça e arrema-
tada pelo desembargador Manuel Gomes de Carvalho,
por uns magros quatro contos e oitocentos mil reis.
Estavam vingados os pobres filhos de Pau lo Gomes
da Costa.
Bem amargurados devem ter sido os úllimos anos
de vida desta desditosa senhora, até que aos 24 de
Janeiro do ano de 1754, veio a falecer na sua quinta
de Carnide, sendo levada para a ermida do Espírito
Santo em cuja capela-mor ficou sepultada, tendo antes
instituído "a sua Alma por erdeyra". (1)
AQUI JAZ D.AN
NA MARI A GUI
DO, MARQUEZA
RAVARA PALE
CEO AOS 24 DE
JANEYRO DE
1 754
Lumiar, Quinla. de N. S.r.t do Carn101 um Julho de 1930.

J. M. CORDEIRO DE SouSA

(1) Arq. dos Reg. Paroq. - L.• 3.• dos Obllos da freg. de s.
Lourenço de Cnrnide.
UM COMUNICADO AMOROSO

rlNTUR• de que hoje damos uma repro-


duçao aos leitores e que é uma enter-
necedora lcmbranca de hábitos e tem·
pos.passados, foi encontrado na guarda
ele um livro c1ue tinha como titulo, na
lombada, Obras Varia.~.
Constava a colcctanea de 45 folhe-
tos do sécu lo XVIII, todos obras poéticas - éclogas, en·
tremeses, etc,- de género essencialmente amoroso,
entre os quais citamos ao acaso e conforme a orto-
grafia do ln dice manuscrito, a lstoria da Bela Aurora
Princeza de Cezilia, Egloga de Alcino e Tirce, O En-
ga110 e Dezengano de ilum Pastor, T:gloga de E/mano
e úrseli11a, Tragedia de Dona lnez tfe Castro, A lno-
cancill tri11mfanfe, A virtuosa Pamalla, Namorar por
moda nova, ele., ele.
O desenho, com a poesia, devem representar um a
oferta de apaixonado à deusa dos seus sonhos, ou obje-
clo amado, como mais propriamente se chamava en-
tão às Dulcinêas, ou mesmo aquilo a que prosaicamente
chamamos hoje declar~ão de amar e que naquele tem·
- 128-
po era decisão que se tomava com mais dificuldade e
menos frequência do que em nossos dias.
Por causa dessa mesma frequência e l11mbém por
motivos de ordem económica, o comunicado protocolar
de a!eiçao incipiente por uma donzela em idade de se
fazer dona é leito, em regra, verbalmente ou, quando
muito, numa !Olha de pnpel de caria de três tostões.
Mas naquela época o caso passava-se de maneira
muito diferente.
A recusa das divindades em aceitar o incenso que
os apaixonados lhe o!er·eciam de joelhos era -costu-
mavam t'les dizer de cabeleira hirsuta, os olhos cm
claro e a voz teatral- um caso de vida ou de morte.
Havia, portanto, a necessidade de preparar com tõdas as
cautelas êsse aclo de declarar a uma senhora que das
suas palavras dependia a vida, a felicidade, sei lá quê ...
do requerente.
No caso presente os esmeros foram todos de or-
• dem artística: poesia e pintura. Esta última, por sinal,
bem interessante dentro da sua ingenuidade.
Um Cupido, possivelmente também filho de Vénus,
de olhos vendados e de joelhos sôbre uma coluna,
prepara-se para jogar terceira seta a um coracao que
se encontra no alto do desenho com as iniciais S.
F. E. (certamente da eleila) e escorrendo basto san-
gue de outras duas setas que nele se encontram cra-
vadas.
fm baixo e enquadrada por uma cercadura, a se-
guinte poesia :
Suspende ingralo Copido
a seita q lens na maô,
bem ves este Coraçaô
que de amor esta ferido.
Jâ este peito rendido
se confessa todo teu,
e daqui me por sedeo
129

amnr com tanta firmeza,


que digo com bem certeza
amante lirme so eu.
F. J. R. T.
A nao ser que as iniciais gravadas no coracão mal
ferido sejam da pessoa eleita nao se compreende
bem que n poesia seja assinada por letras dileren·
tes. TAivez que um exagerado escnípulo literário, pou·
co vulgar da parte de um a11111nte desejoso de bri-
lhar, lenha levado o cavaleiro rendido a assinar com as
iniciais do autor os versos de que se servia para ilus-
trar a afirmativa de que neste val e de lágrimas apenas
tinha um dos dois destinos: o sim da sua eleita ou a
paz da tumba.

O volume não traz qualquer outra indicação sõbre
as pessoas que se serviram desta miscelanea como vel·
culo discreto e talvez único posslvel de seus comuni·
cados sentimentais.
Apenas a pí1gina fronteira da guarda tem as seguin-
tes notas: assinado numa linha, ao alto,
Fran.co (ou Fran.<o) Miz. Dias
e em baixo, em duas linhas
Em 1 de Fev.• de 1806
Dado pello Dr. Baiarw
Nno ser{1, talvez, possivel identi!icAr as personagens,
mas nem por isso deixa este desenho de ser um
documento interessante sôbrc a arte de amar em fins
de sele ou princ(pios de oitocentos.
EPISTOLARlO

IX
O BRIO DE FERNANDES TOMAZ

1603 é a época em que se arrastan1 espndas, os soldados prn·


guejnn1, chupnm cachimbos, usam sulssns e rezam o lêrço em·
quanto nn;o chnmam pelo diabo. Acabara ta guerrft do RussilhAo;
e Jogo com a genle mal treinndn nossa Jutn, se partira J>nra outra
campanha, a de 1810, que o velho Lafoes- já decrépito mas aind:t
elegante- devia comandar. Perdera-se en1 dezoito dias, Olivença,
Juromenha. Campo-Maior, i'i•onforlo. Arronches, Castelo-de-Vide,
Ougueln e B:irbacenn. Os espanhois guardaram Olivença, pois o
resto foi trocado pelas vilórlss de Bos.aons e Pi.zeva, tomadas por
Oomes Freire nas fronteiras transmontanas. Ao exército, dizinu1do,
faHavam recrutas i era necessario prev~r novos encontros. As
divisões do Porbes e Alorna careciam de gente, e os pais, com n
velha pcchn dos campónios, querendo sempra dar os filhos no cul-
tivo da ter·ra cm voz de para a terra da sepultura os onvinren1 em
nonle da pátria, recusavam-se a apresentá-los, escondiam-nos, ar..
ranjnvam subterfúgios, que punham loucos os corregedores. Fa-
ziam-se levas, enganchavnn1-sc cm ferros os de idnde de serviço
militar; pretendeu-se, emfim, avlgorrtr as fileiras dovnstadas.
Nesse tempo, Fernandes Tomaz, juiz de fóra de Arganil, cum-
priu o seu dever, o pelos n1odos, o capitào-n16r, apndrlnhador de
refractários, nao podendo livrar das correias a afiJhadagom, procu-
r3va indispór o juii com o desembargador Almada. o A1endonça, que
-131-
supcrinlcndla em todo11; os serviços do rccru1nmenlo o ahastuci-
mcnto do exército.
Ao caractcr Impoluto do Fernandes 'l'o1nn2 ropugnnvn fnltnr
no::1 sous cuidados de oUcio e, :~nte ns ucusaç~s molévolllK, élo nrio
quorin deixar de n1oslrnr como procedia dentro d:ts norn1:1;s da:
Ju:.1iç.-. Essa caria o revela no seu bloco do •uma só peç.1 ....
A linha hirta da sua existência honrnda o digna manHcs1:.&·4i:C
no~là caso, aos seus 32 1:nos1 para con1inunr inlle:cível at~ °'º ~eu
apogeu o ao seu finol de pobre, no l:tr ~em recursos d:i rull do
Ca1dolrn, 2, depois do lur dndo a llbcrdndo n. Porrugnl. A corln do
iu1i de fora nfirmu bo111 como a h l ~tórln nAo errou no vuncrnr
11que1e quo soube proforlr o bronze forre dn consciéncin llntpn no
ouro luzidio das vennlldudos.

111.~· Sr. francisco de Ahnmla e .Mendonça.


Em olficio de 31 d'agosto disse eu a V. l'.x.• <1uc
havia principiado e continuado o recrutamento sem
violcncia, e sem prisllo dos Pais: e cm aquelle que ago-
ra recebo de V. Ex.• com a data de 13 do corrente, diz-
me V. fa.• que o Capitão mór destn Villa representara,
e fizera constante, que cu tinha proced ido a prisão con-
tra alguns Pais por 111lo apresentarem seus filhos; sendo
hum delles José do Rosa rio que se acha a ferros.
l lc preciso <JUC V. Ex.• o diga, para cu acreditar, que
o Capitão mór !ilera huma tal representação: porque
elle tem sido huma testemunha ocular dos meus proce-
dimentos, que não devem lazer-me envergonhar; ellc
melhor do que algucm sabe. que eu ten ho observado
a Lei, e as ordens de V. Ex.• com aquela moderação,
que V. Ex.• recomenda, e que hc compativel com a exc-
cus.,o da diligencia, da qual tenho a honra ele ,;,.•r cn-
c.irrci:ado por V. Ex.•.
Em taes circnnstrncias parece, que se o Capitão mór
li1.esse uma tal representação, nada menos se proporia cio
que calumniar· mc, norem eu não creio, quando me lcm-
-132-
bro de que 11e111 cu tenho dado causa para assim ser tra-
tado, nem elle lambem scri:t capa.: de sacrificar a ver-
dade ao seu capricho.
Prenderão os meus officiaes o filho mais velho de
José do Rosario. Pediu-me este que lh'o entrcw1ssc e o
apresentaria a qualquer tempo que cu mandasse: as-
sig11ou disto hum termo, e obrigou-se a cumprillo com
a pena de prisão e sequestro. Mandei-lhe so!L1r o filho,
e em tempo competente avisar o Pai para o traier á mi-
nha presença: não obedeceu mandei (lrendc-lo, e dei
parte a V. Ex.• cm meu olficio de 11 do corrente. Eis
aqui o facto. ·
:-Ião he pois hum Pai, que eu mandei prender, por
n~o apresentar seu filho; he um fiador, hum guarda,
hum fiel carcereiro, a quem entreguei hum preso, e dei-
xa com toda a perfídia, de cumprir a palavra que me
deu, e a obrigação que contrahio.
Mas quando fosse huma verdade, que eu mandara
prender este Pai, no systen1:1 da representação do Capi-
tão mór, elle mesmo assim era o unico, com quem cu
havia tido sc111elha11tc procedimento. Lm tal caso, pois,
já se vê que cllc não se explicava bem, usando da pa-
lavra Pais.
Resta sómente falar na prisão a frrros. Não me per-
suado, de que o Capitão 1116r olhe esta qualidade de pri-
são, como hur11a violencia feita a José do Rosario: por-
que elle sabe Que n'esta Villa não h.1 cadeia, e que o
carcereiro não se incumbe da guarda de hum pre>o só
senão daquclle modo porque he o unico de o segurar:
ell e sabe, que !em praticado ouh-o tanto sempre com
outros presos, e que pela ultima vc1. o praticou ha me-
nos de hum mez com os recrutas, que mandou para
S.1ntarem.
Mais. José do Rosarío sendo preso, e mandando eu
rccolhclo ao lugar, em que se achavão os recrulas, pcdiu-
me, que queria antes ei.tar a ferros cm casa do Carce-
-133-
reiro, o que não lhe concedi : e sendo mudado depois
elfeclivamente para ella, só esteve com os ferros menos
de hum dia, cmquanto não se me deu parte, porque
logo mandei tirar-lhos; e nunca mais os teve.
Ultimamente José do Rosario havia-se obrigado com
pena de prisão e sequestro a cumprir o termo: não
cumpriu foi preso e até hoje não ~ lli c fez tal seques·
tro. Quem dirá pois que cu somente queria vexa lo?
Entretanto Ex.• Snr. eu sou tido perante V. Ex."
como hum homem violento e mcutiroso: a minha re·
putaçao hc denegrida e a minha honra atacada nos
dois pontos mais esscnciaes.
Para justilicar-rne pois, e fazer ver a V. Ex.• a re·
gularidade e imparcialidade dos meus procedimentos,
eu rogo a V. Ex.• a graça de mandar á minha custa
hum Ministro, que se informe d'ellcs, e principalmen-
te couhcça <.tos nrtigos $eguintes:
Primeiro: se tenho mandado notilicar ou prender
hum só Pai ou Mai para dar conta ele seus filhos: se
tenho mandado pôr-lhe guardas ás porh1s, ou fazer-
lhes sequestros; se os tenho ameacado com palavras
ou acções: Segundo-se depois que principiou o re-
crutamento, eu recebo, ou attendo huma só carta de
empenho, ou se hum moço só capaz do Real servico,
e com as qualidades requeridas nas ordens de V. E.•,
tem sido solto, ou deixado de ser recrutado por con-
templaçao de alguma pessoa. Terceiro Se eu me te-
nho portado com ommiss:io nesta diligencia; e senao
tem acontecido a mim e aos m~os.olficiaes o perder
muitas noites inteiras pelas serras prendendo recrutas.
Em qualquer d'estes artigos, que eu seja culpado,
ou falte {1 verdade levemente ao menos estou prompto
a receber o castigo, que V. Ex.• quizer dar-me.
Espero pois, que V. Ex.• se diJ.,rnará de attender â
supplica 11ue laço. A justiça que brilha entre todas as
virtudes de V. Ex.•, não se tomará pela primeira vez
-134-
inutit para mim.
Nao he o capricho, nao he o desejo de haver por
este modo huma satisfaçao. que me obriga a importu·
nar V. Ex.>, he sim, e unicamente a necessidade, em
que estou de lazer apparccer a verdade, a fim ele que
V. Ex.a se desengane, e conheça que o actual .Juiz de
fora de Arganil não he o homem que V. E.• julga lhe
tem pintado.
Deus Guarde a V. Ex.• muitos annos.
Arganil 25 de Setembro de 1803.
111.m' e Ex.m• Sr. Desembargador do Paço, lnspe·
ctor Geral sobre todas as Repartições Civis do Exer-
cito.
O Juiz de fora servindo de Corregedor
Manoel Fernandes 711omaz.

UMA CARTA INÉDITA DE JUNQUEIRO

A carta inédita de Junqueiro que a Feira da LDdra a 5eguir


publica, refere-se com indiptçao ju•en.slesca a um episódio que
ll4 45 anos foi célebre em [l!;bO.i polo seu cómico funsmbulesco o
propalado, ns poeirada do escAndnlo que se levantou, pel:. l.IC!il-
gnaçno do casame11lo da Vl'rrt1111a. E fícou nssim conhecido porque,
numa crónica jornnlístlcn onde urn celobrado em 1ern1os oncomh1.s-
tlcos êsse enlace mntrhnonlnl dn fllhn de um pitoresco 111nntonodor
da unui casn de modas, nu U11lxn, jd 1>or Bordalo nmnrrndo no JJC..
lourlnho dn sátira, um snlto do co111posiçno misturou n pros:n upl·
tn1limica com a nolícln de uma vlstorin poliein1 a uma portn nr ..
ron1bada e isto por acnso Irónico lugo a seguir ao non10 do pa ..
drinho: •São padrinhos por parle da noiva, o Snr. ministro da
marinha Henrique do Macedo, o qual armado de uma verruma •• •
Beldemónio apro\·eitou es10 desvio de granel para uma das
suas cintilantes crónicas (inseria numa publicaçao do Põrto, A Fn·
trixa , n:i qual chama à inespornda \'erruma, que toma por !lllm·
135-
bólicn naqueln ocnsiâo CSJJOnsnlfcia, «t1n1n 1netúfora th.I nbrir bu-
rncOS».
Junttuciro lndlgnn~se con1 llCslrondosa publicid:ltle jornalística,
porquo conhcci:l a des,·ergonha dos actorcs da comédia e o sus·
peito da casa de onde s:niu o 1>r&iilito, e sci..runao e ~cu costume,
Acumul:' na prosa as nnlftesos o faz csfuslnntes jogos 11111lnbores
do trocadilhos, co1n essa nacoo;sldndo í 11vuncível de do5ob11far que,
no seu isolruncnto de Viania do Cn.stelo, u 1nlúdo o esplcnç.nvn.
Confessou·nte êlc um <Jln que a vida provincial lhe 11iminuín
h.:nt1mente a faculd!dO da fala, sentindo por isso subil:amente a
11ci;ess1dadc do lug-lr para un1 centro de run1or e do vida. Como
ou lhe observ:1s~e que o POrto, que ~lo 0111.'\o demandava, burgo
~orna e soturno, nAo er:l JJOSlllvnmonte o 110rlo dn clvllh:nçAo,
Junqueiro res11ondeu·n1c t\f)Onlnndo co111 gosto teatral os f::icha·
d:\s tristes e o, cnndieiros hlncbres da Prn.ça Nova ~
1Pois i,to p:tra mim, quando chego do Viana, 6 uma B:tbitó·
"'ª'

C1ro am.o

11 horas da noite. Lc111brei-111c n~ora de você.


Que íarça e que tragcdia 1 Que carnaval e que sexta
leira de paixão !
É o necrolOlt'iO a b.1tcr o lado com o ditira111bo, é o
Marqucz de Vnllada a dizer a Egas Moniz: onde moras,
íillio?
Tacito não basta. Precisa um colaborador: o Mar-
qucz de Sade. Juvenal e o Fermino escreveriam esses
annaes.
1:spanloso l Sublime 1
Um ex-sargento que tem em Lisboa n'uma trnvessa
qualquer um armazem de modas e de ....... cujos fre-
guC:>cs (dos dois sexos) se vão lá dtspir pelo ultimo fi-
Knrino, casa a multiplicação (feminina) de Cecília por
Fernandes (?) com um triste idiota. imbecil e imundo,
e toda a imprensa de l .ishoa, impudenteme11le, rufa aos
-136-
4 ventos cardcacs a noticia gloriosa de tão !cliz aconte-
cimento.
Sob o ceu azul e amigo os dois nubentes radiosos
tirados a seis parelhas-duas de cavallos e quatro de pa-
drinhos! E entre esse fado festival contavam-se alguns
mini~tros da Companhia e algumas bestas do ministerio.
l .i esse programa, essa enlrndnda latrinaria ha dois
dias, cm lodos os jornaes de Lisboa. E confesso-lhe, se
cu fosse um romancista, partiria pelo J.o comboio, para
ver cm !lagrante essa sinthesc pavorosa do apodreci-
mento ........... d'uma nação inteira.
Como esse cspcctaculo me daria viva e completa a
imagem d'uma sociedade pelintra e pulha, cm que os
homens se vendem por meio bi!e e as mulheres por
meia libra, sociedade que vai desde o príncipe real até
ao Tinoco, desde a egoa do Rcgaleira até á egoa do
Caldeira, desde o Albuquerque.duque até ao Albuquer-
que-Francisco, desde o Fontes até ao Ganhado, desde o
Mariano até ao Perd ido, desde a corôa do rei até á co-
rôa de Venus !
Babilonia dentro d'um penico!
t: chega-me a •Província•. E o A. Braga (11 enche
de sarcasmos o mesmo Marcos Maria, que, 4S horas
antes, na caderneta mundana, tinha enchido de apo-
theoscs !
A quanto se vende nas Nouitlcules o metro quadrado
de pancgirico?
E rniseravel !
Lamento sobretudo que o am.0 Navarro, (2) que pro-
nunciou aquelas palavras dignas e fulminantes sobre o
Bailio das casas de Malta, se prestasse a uma comedia

fl J O escritor Alberto Braga


121 Por esta Iras• parece quo a caria era dirigida a Emidlo
Nnvnrro.
137 -
tão relks e descarada, que, mesmo dentro d'um cano de
c<l{oto, tem feito fiasco.
De toda ess.1 porcari~ é o que me desgosta.
O resto alegra-me. L a estrumeira que vem á su-
pur~ção.
E dizer a 11cnte que, se não lossc111 meia duiia de as-
sobios, estariam amanhã, sobre o arco da rua Augusta,
cm vct do Marquei de Pombal e do Vasco da Oama,o
Snr. Justino Soares (11 e o Snr. Marcos Maria Fernandes!
Bem se vê que a padroeira d'cstes reinos é a Sr.• dá
Conceição. , . Capellista !
Estou alliviado. Posso-me ir deitar tranq uillamcnte.

V. doC.10

seu a111.º
G. J.<f

(l) Mostro <lo dnnçn que o Anl6nlo Maria imortalizou peló


ridículo e era o dançarino oficial do :antigo Passeio Pdbhco.


"0 AMANTE LIBERAL"

ARAa bibliografia cervantina em língua

li
portuguesa, há dois catálogos espe-
- , ciais: o Catalogo da Exposição Cer-
vantina realisada a 12 de Junho de
1905 por occasião do 3.o centenario do
' D. Quixote no Gabinete Português de
Leitura do Rio de Janeiro (Rio, 1905) e A Exposição
Cervantina da Bibliolheca Nacional de Lísboa, de Xavier
da Cunha e Eduardo de Castro e Almeida (Lisboa,
1908).
Em nenhum dêles vem citada a obra seguinte, de
cordel: Historia do Amante Liberal of{erecida á /l/ustris-
stma e Excelleniilisima Senhora . .... po1 A. eia C. de T.
A. e F. Lisboa. Na Officina de Antonio Gomes. Anno
MDCCLXXXVlll. Com licença da Real Meza da Com-
missão Geral sobre o Exame, e Censura dos Livros. 39-1
pág. de papel ordinário.
Precede a versão uma carta-dedicatória assim re-
digida: "lllustrissima e Excellentissima Senhora. He
• certo, que os meus dezejos sempre se cmpenharaõ em
agradar a V. Excellencia desde o venturozo instante
-139
que tive a honra de !aliar-lhe. E como sei a curiozida-
cle, e o gosto, c1ue V. Excellencia faz em ler semilhan-
tes Novellas, por isso me propuz (com os meus pc<1ue-
nos estudos) a tirar de alguns Livros Estrangeiros, com
que formar a prczentc historia para oflerecer a V. Ex-
cellencia. A sinseridade da oferta, e o motivo de lia me
desculpará com V. lfacellencia, de quem me confesso
ser -- O mais allento venerador, e obrigadissimo cria-
do. A. da C. de T. A. e I'."
Nno deixa de ter graça ver ~slc trapaceiro dador
de excelências aludir a "alguns Livros Estrangeiros",
quando, sem lhe nomear o autor, nno lêz mais do que
traduzir linha a linha, e com muitos êrros, uma das
Novelos Exemplares de Cervantes, EI Amante Uberal,
deixando até em castelhano e reduzidas a uma décima,
as duas quinlilhas do original.
Para que se veja de que fôrça era o traditore, copio
11 passagem, primeiro em castelhano e depois em por-
tuguês :
En buen /1ora, clijo Ricardo, y v11elvole á advertir
que los cinco versos dijo el uno y los oiros cinco el
oiro, todos de improviso, y son estos:
Como quarulo el sol asoma
Por una monlar1a baja,
Y de súpilo nos toma,
Y con su vista nos doma
Nueslra vista y la relaja;
Como la piedra balaja, •
Que no co1L~le11/e carcoma:
Tal es Ili rostro, Aja,
Dura lanza de Malroma,
Que las mis n1/rat1as raja.
Agora a traduçao: •Em boa hora (disse Ricardo)
eu te venho a divertir; porém os sinco versos disse-os
hum, e os outros sinco disse-os o outro, todos de im-
-140
provizo, e sao esles: " - e vêm os versos em caslc-
lhano.
Pouco adianle, diz Ricardo no original: Tambirn
se suelM //orar endec/1as, como cantar himnos, y lodo
es decir versos. Pois o vertedor escreveu: •Tambcm te
soaõ chorar Endeichas, como caqtar Hymnos; e tud(l
he dizer versos." .
No final, quando Cervantes disse: A sus padras y
á los sobrinos de ffallma di6 la '/ibera/idad ele Ric11r·
cio, de las parles que te cupieron dei desp.Jio, su{lcienle-
menle con quê uiuiesen, o de cá traduziu: •A seus Pais,
e aos sobrinhos de Hatima deu liberdade Ricardo; e
das partes, que lhe couberaõ, deo despojo sulficicn
le.... "
Nao sei quem fôsse A. da C. de T. A. e F., cuja de-
dicatória me cheirou a pedinchice; mas talvez algum
leitor da Feira da ladra consiga desvendar o mist~rio
do desastrado tradutor de O Amante Liberal de Cer·
vantcs, ou, em linguagem mais moderna, O Namorado
Generoso.

MANOE1. oe SousA PisTO


POEIRA DOS TEMPOS

XXIX-SUPRt:SSÃO DE PERIÓDICOS

•Lemos na Gazela de Lisboa. N.º 308, um an nuncio,


de que o Mcrcurio Lutitano cu ntinuava a publicar·se
debaixo do privilegio exclusivo da Secretaria do Esta·
cio; isto nos moveo a indaRar o faclo. e achamos, que,
cm consequencia de cs!ar accabada a guerra, e juli:rar
o Governo, que j;\ n:1õ éra preciza a energia do Povo,
mandou supprimir todos os pcriodicos. ficando sómcn·
te, como d'ante<> éra, a Gazela de Lisboa em papel
pardo : achamos mais que o Mercurio Luzitano pnra
escapa r desta rcdnda. pagou 300.000 reis, e com essa
consideraçaõ se lhe permittio, que continuasse a impri·
mir o seu papel.
•O Reverendíssimo Governo de Lisboa. naõ 1>0de
deixar de confessar, a obrigaçaõ cm que o Reyno cs·
tá aos pcriodicos pelo muito> que ellcs serviram cm
animar o patriotismo do povo, durante a guerra e ex·
-142 -

pulsaõ dos francezc.s; por tanto consideramos ésta


morte subita dos pcriodicos de Portugal, como um
acto de i1111ratidaõ do governo; a menos que se naõ
aleguem poderosos motivos, a favor de tal medida.
"A cantilena dos Oodoyanos, de que as gazetas pó-
dem causar commoçocns no espírito publico; naõ he
applicavcl, nem se quer a este caso; porque todos os
periodicos tinham de passar pela fieira dos Censores
do Governo, antes de serem impressos; e portanto naõ
podia haver a menor sombra de temor, que se publi-
casse cousa alguma dcsagradavel aos mandadeiros ou
mandocns, que he o que ellcs chamam escriptos con-
tra o bem publico,
"Naõ se pode lambem alegar o proveito do mono-
polio; porque se sabe muito bem, que nem os lucros
da gazeta de Lisboa, nem os taes 300: 000 reis, que
pagou o Mcrcurio, vaõ ter ao Erario.
"Logo naõ dcscubrimos outro motivo para este acto
de ingratidaõ aos jornalistas, e de injustiça a toda a
naçaõ; senaõ a estudada manha, com que se pretende
sopitar tudo quanto he tendente a generalizar os conhe-
cimentos humanos; a ésta rançoza política, que suppoem
necessaria nos povos a ignorancia para os poder go-
vernar".
Do Correio Brazllle11se, vol. XIV, n.o 80, págs. 134 (Janeiro
do 1815)

XXX-A ESTÁTUA DE D. JOSÉ 1

"Sahindo hum viajante a ver as marauílhas do


J\1u11do, cliega a Lisboa encontra hum cidadaõ della,
o qual o conduz a moslrar-lhe a Estatua Equestre de
Sua Mageslade Fidellssima.
-143
Soneto dia/ogisfico 11 !
Cid. - Peregrino, que pizas venturoso
A Lisia praia, a fundaçaõ de Ulysses,
Que te move a deixar Regiões Fenices
Por buscar Lusos climas cuidadoso?
Per. - Surco o mar, gyro a terra curioso
Por ver o que, lalvez, tu nunca visses;
Do engenho, e do poder partos folices,
E quanto no Orbe for 111aravilhoso.
Cid. - Vcm comigo, porque eu te subministro
Da Gente Lusitana a arte, e estudo;
Se tu parcial naõ vens, naõ vens sinistro.
Per. - Vamos; porem que vejo? Eu fico mudo?
Que REVI que Heróel que Estatual e que Ministro!
Cid. - Embarca-te outra vez, tens visto tudo.
De l'r. /lfanoe/ da Ave-Maria, Ue/igioso Paulista.

XXXI- RARIDADES DA NATUREZA

•No fim do inverno do ano de 1662 três religiosos


franciscanos vieram à cõrte de Toscana e apresenta-
ram várias pedras, que encontraram na cabeça de uma
serpente descrita por Garcias da Orlo (2) e chamada •
pelos portugueses cobra de cabelos.

(I > l'ititu soneto, i111press:o e1u fôlhn volnnto, uma das illlhne-
ras poeslns dlS!rlbuídns durante a lnaugurnçno da Rsl:llua (e dns
nutls rnrR~. l'>OIS fnlta em n1uitas das colecçO(JS ), foi~nos obs4:qulo-
samontó cedido peloapln.udido oscritorsr. dr Luii de Oliveira Oui·
marAe$. Alll abrov1atura..o; dos intcrlocutoros significam Cidad4o e
Peregrino.
(21 o naturalista OBicu'.l dti Orla, CUJ:l obra o falecido conde do
Fícalho odilou.
-141-

•O Padre António Vieira, j esuita, disse que no Bra-


sil o remédio mais usado para as rerid as é o suco das
lôlhas de Tabaco.

"Há nas caudas dos elefantes certos pelos 0 11 cri-


nas brancas transparentes e de uma subst~ncia quási
óssea, mas flex!vcl. Estas crinas curam a surdez. Mui-
tas pessoas leem sido cur3das com êste remédio, que
lhes deu o cónego da Sé de Goa, D. Anlino Moreira.

•No Malabar hã umas aves que Icem no estômago


pedras que, encastoadas em chumbo, curam a dor de
cabeça. Antino Morei ra me deu uma para eu curnr
unta dor de cabeça. E como eta nao passasse, ele me
disse que eu era muito desgraçado, ou que a minha
cabeça era diferente da dos asiáticos.

Tr:id. da: Collec:tlon acadl111tque conrposl~ d~ tt1.!mo~ âtlN


ou journamc de> pltJS teibre• Acadlmlts ~ Socl/l{s lillerolrr.•
itrangires concerna11t l'hlstofro 1111l11ri!llé et ln bo/011/que. lo pf•u-
:;fque expdrb11e,,tatc et la thyn1tr, la uu!declne el ta11alomlc, lrn-
tltJils par 1111• socllilt/ d• Gens dr lellres Oljon-Poris, 1747, vol. IV


AS EXÉQUIAS DE D. JOÃO V

artigo para a Feira nao é coisa íácil;


M
interessar os leitores e interessarmo-
-nos nós próprios na sua composiçao,
é caso de cosi a arriba. Na indecisão •
de qual seria o assunto a tratar, cai-me
sob os olhos um raro e interessante
folheto, uma daquelas curiosas relações
em que !oi tao !értil o século XVIII. Verdadeiras notí-
cias de jornal, algumas delas fazendo inveja às grandes
reportagens actuais na minúcia da informacao. Intitu-
la-se o opúsculo, que apenas contém oito páginas inu-
meradas, sem frontespício especial :
Relaçaõ das solemnes exequias que se celebráraõ
"º Real Colluenlo de Nossa Sellhora e Santo A11tonio
jullfo à Vil/a de Mafra, pela alma do muito alio, e muito
poderoso Rey, e Se11hor D. João V de saudosa, e perdu-
ravel memoria. (No fim :) Lisboa, Na o{flcina dos Her-
deiros de Alllonio Pedrozo Galraõ. Anno de M.DCC.L.
Brito Aranha cita-o no Diccionario Bibliographico,
vol. X~lll, pág. 172 e aponta-o como espécie rara. No
146-
leilao da livraria do Dr. Rodrigo Veloso a(lareceu (ou
antes nao apareceu, pois faltou à chamada) um exem-
plar dêste opúsculo com a indicacno de interessante e
raro, descrito sob o n.o 6315. Depois dest;i data, nao
me consta de qualquer outro exemplar que tenha apa-
recido 11lém do que possuo, e que há muitos nnos ad-
quiri na livraria de Manuel dos Santos.
A bibliografia slibrc êste assunto de exéquias de
D.•Joan V, é vastlssima. Pena ~ que nao e~teja 'eita,
pois há espécies da maior raridade e <tue tendem a
desaparecer de todo.
Inocêncio e Figaniere deixaram-nos, aquêle disperso
no corpo do Dicciorwrío BibliogMphico e Ostc na sua
Biblíographia Historica, notícia de muitos dêsscs folhe-
tos; mas a lista, longe ele ser completa, é deficientíssi-
ma. Assim, Inocêncio aponta R.elttçóes e Noticias nos
tômos 1, pg. 156, 216; 11,-172, 211, 304, 393; 111,-35,
96, 331; V,-9, 226; Vl,·157, 158; Vll,-219; IX,-121;
X,·224; XVl,-75, 220 e XVllI,-172, e Figaniere 11a parte
• que trnt11 de D. Joao V, a pg. 89.
Oe tõdas as manifestações fún~bres que se filcram
aos reis ele Porlugal, estou certo de que nenhum as teve
mais pomposas e onde melhor se manifestasse a saü-
dade e n gratidao !los seus vassnlos do que o Magnâ-
nimo. E Mo se vâ aquilatar da sua piedade ou prodi-
galidade (qualidades que ficam ao arbítrio úo leitor)
que apenas as ordens religiosas comemoraram o hínebre
acontecimento. i L"nge disso!
Enalteceram as virtudes (nlgnns chamam-lhes de-
reilos) do monarca !lidas as classes da sociedade
porlugucsa; o clero, a nobreza c nté o próprio povo,
representado pelos seus artistas, e ainda os estrangei-
ros, admiradores das qualidades dêsse rei, <1ue teve
o mau scstro de nascer e reinar anlcs de D. .José, a
quem a nossa época se arroga a obrigaçao de procla-
mar defensor das liberdades do povo, sem sequer se
-147 -
lembrar de que a decantada Liberdade íoi nas suas ma os
um símbolo do mais feroz despotismo.
Nao é êste o lugar de escalpelizar os actos de O.
Jono V como rei, nem tao 1>ouco a nossa limitada in-
teligência pode atingir a argúcia dessas águias, que lhe
tem lavrado o terrível ueredicturn de pródigo, rrascário,
freirático, fanático e nao sei quantos esdrúxulos, que
fariam inveja ao próprio Gôngora.
Mas, vamos ao que importa:
Da relação citada consta, de envôlta com o empo-
lado da frase, próprio da época, uma ~u riosa descri·
ção do mausoléu ou eça, que no magestoso templo de
Mafra os arrábidos ergueram ao centro do cruzeiro,
tendo por doce! o elegantíssimo zimbório, riara, entre
11uvens de incenso, elevarem até Deus preces com que
traduzissem a sua gratidao e saüdade pelo generoso
bemfeitor e amigo.
Oiçamos o c1ue nos conta o anónimo narrador:

"Confiou esla fabrica do Mestre Joseph Rodrigues,


Intendente de sua Magestade na(1uellas Reaes obras, o
qual com a cxperiencia de muitos a1111os, que por ordem
do mesmo Senhor assistia na mayor Metropole do
Mundo, e nas principaes Caries da Europa; e pela
grande sciencia de que he assistido, deleneou, e poz
em execuçaõ no breve espaço de 48 horas o Mausoléo
composto de quatro corpos sobre os quaes assentava
a Urna do deposito. O primeiro corpo tinha quinze pal-
mos, e quarto de largo, dezaseis, e meyo de comprido,
e seis de alto. Este como socolo, o u çorpo rustico, se via
revestido de panos pretos sem outro algum ornato,
sustenlanclo nos cantos quatro colunas de bronze de
seis palmos, e oitavo de altura com capitel, e pedestal
de ordem Dorica, e na circumferencia 36 castiçaes
grandes do mesmo metal, com outros tantos cirios de
18 onças cada hum, e quatro de 24, que ardiaõ sobre
-148-

as mencionadas columnas.
•oa mesma sorte era ornado o segundo corpo, que
fazia de alto tres palmos, de largo onze, e meyo, de
comprido doze, e Ires quartos, tendo lambem nos can-
tos outras quatro columnetas, e na circumferencia 28
casliçaes da mesma grandeza, e artificio, que os do
primeiro corpo. O terceiro, <111e segundo as regras du
Architectura devia ser mais i11ferior nas medidas, sus·
tentava nos cantos outras quatro columnetas, e 20 cas-
tiçaes grandes com outros tanlos cirios na circumfe·
rencia, e servia de asscnlo ao 11uarto corpo que tinha
de altura quatro palmos, e meyo, de largura cinco, e
oitavo, e seis e oitavo de comprimento, o qual estava
ornado todo com passamanes de retroz côr de ouro, e
sobre elle se colocou o Ca.çfrum daloris, coberto com
hum pano rico de veludo 11reto apassamanado de galocns
com franjas à roda e nas qualro pontas oito grandes
borlas, tendo cm cima huma almofada rica de selim
preto, toda bordada, e dos c1 uatro cantos pendcnles
doze borlas do mais primoroso requi!e, sobre a qual
se viu o Sceptro, e Coroa Real, excitando nos olhos
de huns as lagrimas, nn liberdade de outros o
desengano, e nos coraçoens de todos a inestinguivet
mágoa .....
•Ccrcavaõ toda esta fabrica situada no plano do
Cruzeiro em vinte palmos de distancia dos degraos,
que formaõ a escada para o Coro, 28 tocheiros de
hronze de nove palmos de nltura, fabricados do mais
11obre, e primoroso artificio, que pode delinear aidea
Romana, e nelles ardiaõ outros tantos brandoens de
seis 11almos, e meyo de alto, e ele 72 onças de 11ezo
cada hum: vindo deste modo a ser illuminado aqucllc
Mausoleo com 124 luzes, formando huma Mageslosa
perspectiva, tanto pela bem proporcionada distincçaõ
das banquetas, como pela uniforme semelhança, e gran-
deza dos castiçaes, e locheiros, que por serem todos
-149-

da mesma cor do bronze, de que era a sua materia,


lazinõ reluzir entre o !unebre ornalo dos corpos a
grande soberania do lumulo ...... .
•Achando-se já completas todas estas disposiçoens,
e lomadas as providencias ..... amanheceo palido,
medonho, e triste o dia oito de Agosto, naõ sey se
em, por<1ue vendo a Aurora poslo nas sombras do
occaso o Sol de Portugal, já naõ tin ha de quem rece-
ber in!h1xos, para illuminar com seus ra ios os nossos
horisontes."
Pena é que o espaço de que dispomos nesla Revisla
me nao permita publicar integralmente a curiosa e em-
polada narração que tenho presente. Os eufemismos,
dum ressaibo gongórico, que hoje nao podemos com-
preender, !azem-nos olhar para êsses homens que
nos seus avanlajados corpos albergavam verdadeiros
espfrilos infantis.
Niio resisto a transcrever a perífrase em Que o
narrador nos rala da morte do Monarca:
"Esla he em succintas clausulas, e laconicas ex·
pressoens a verdadeira relaçaõ das primeiras Exequias
que em justa, e devida gratidaõ dos incomparaveis
bene!icios, com que loraõ condecorados, celebrãraõ
os Religiosos do Real Convento de Mafra no dia 8 de
Agosto pela Alma do seu glorioso Bemfeitor, que no
dia 31 de Julho acabou de dissolver o escrupulo, que
tinha formado a nossa admiraçaõ da sua humanidade;
mas a foma pregoeira das suas infinitas virludes fará,
que se ilcendaõ as fornalhas de Vulcano, para lhe dar
nova vida nas Esta tuas com arlcl'ias de ouro; e que se
abram as entranhas dos montes, para que extrahindo•
-se da sua concavidade os marmores, os porfidos, e
os metais convertidos em famosas pyrnmidas, introdu-
zaõ o seu augusto nome na clara regiaõ das eslrellas:
porque este he o ntodo com que n mesma fama em
-150-

beneficio dos Heroes costuma despicar-se das injusti-


cas da Parca, quando innexoravelmente lhes usurpa os
alentos."
Deixo aqui apontadas, além das mencionadas em
Inocêncio, 19 espécies raras, que servirao de subsídio
a quem pretenda fazer a bibliografia referente a êste
assunto. Oxalá o meu desejo tenha realizacao. pois
há sermões fúnebres e relações que sao verdadeiras
preciosidades artísticas, pela ilustraçao das suas vi-
nhetas e cabeções, sem querer falar do duvidoso
mereci:nento literário da composiçllO.
J) Oraçaõ funebre nas solennes exequias que na
Igreja de N. S.• do Loreto d'esta Cidade celebrou no
dia 6 de fevereiro deste presente anno a Irmandade
dos Clerigos ... Disse-a o R. P. D. Joseph Caldeira.
Lisboa na Otticina de Miguel Rodrigues-M.DCCLI. ln
8.o inum. 28 pg.
li) Discurso Sagrado Político, Moral, nas sumptuo-
sas exequias que a muyto nobre, e muy leal cidade de
Sevilha consagra ao Fidelíssimo Senhor D. Joaõ V, Rey
de Portugal, e dos Algarves, no magnifico Templo da
Santa Metropolitana, e Parochial Igreja da mesma Ci-
dade pregado pelo Doutor O. Affonso Texedor, colegial
no Colegio Maior de Santo Ildefonso na Universidade
de Alcalá, traduzido da lingua Castelhana. Lisboa na
oHicina ,Je Francisco Luiz Ameno ... Arrno M.DCCLI.
Abre <:on1 urna lind:a gravura a buril re1>rese11tando S. Pedro a
entregai' ns chaves (,h1 lhrrcja de Antioquia, nssinadtt por' 11 De J?t>-
chofort" e desenho de Fracisco 4Sic) Vieira. ln s.o XVIII fnn.-28
pdg.

Ili) Oraçaõ funebre nas solennes exequias do Au-


gustíssimo Senhor D. Joaô V ... celebradas em Lon-
dres na Capela dos Ministros de Portugal, composta
na língua latina por P. Blyth, e traduzida na portugueza
-151-
por D. Vicente Mexia ... Na oflicina de Miguel Manes.
cal da ( osta. Anno 175 l. /11 8" VI in11m. e 62 pg.
Co111 vlnhet~ abcrtn por Oobrlo.

IV) Scrmaõ de Exequias do Sereníssimo e Fidclis·


simo Senhor Rey D. Joac'I V, celebradas nn Igreja Ma·
hi1. de S. Martinho na Villa de Monte-Mór-o-Velho o
(111al pregou O. Francisco Xavier de S. Bento. Coimbra.
Na olficina de Luis Secco Ferreira. Anno M.DCCLl-ln
s.• 31 pgs.
V) Scrmaõ nas exequias de El Rey Fidclissimo D .
•Joaõ V que o Senado da Camara da Cidade do Rio de
.Janeiro fe1. celebrar na Sé da mesma cidade em 12 de
fevereiro de 1751 ... pregado pelo P. M. D. Fr. Mn-
theus dn Encarnaçaõ Pinna. Lisboa. Na olficina de
lgnacio Rodrigues. Anno 1752. ln 4.o XXX pg. in11m. e
16 pg.

V1) Desafogo saudoso que na preciosa morte e sen-


tidíssimo transito do semt>re Augusto, Fidelissimo, e
Magnifico Rey de Portugal D. .Joaõ V. . . olferece e
dedica à sua imortal, e elerna memoria o Podre Doro-
theo Quaresma Penichense. Consta de 14+ VI pg.
Um ~ne10 e cp11áfio métrico.

VII} Sermaõ nas exequins do muito alto e Podera·


so Senhor D. Joaõ V que em a Igreja de Sam Tiago
da Villa de Pena Macor fizeraõ os seus senadores.
Recitou-o o M. R. P. F. Antonio da Charneca. Lisboa
na officiua de Manoel da Sylva. Anno M.DCCLI. ln 8.
18 pg.
Vlll} Carla de pezames que hum vassalo existente
fora da cOrte expressa ao Fidelíssimo Rey D. José 1
o seu grnnde sentimento, e o anima à constancia na
morte do seu amado Pay o nosso monarca D. Joaõ V
- 152 -
de Portugal. Lisboa. Na oH. dos Herdeiros de Antonio
Pedroso Galram. M.DCCL.
Polh. do VIII pg. inum., conter1do apenas uma elegia.

IX) Oraçaõ funebrc nas reaes exequias da Magesta-


de fidelissima do muito alto, e poderoso Rey, o Senhor
O. Joaõ V celebradas na Cathedral da Bahia de Todos
os Santos aos t l de Novembro de t 750, que recitou o
M. R. P. M. Placido Nunes da Companhia de Jesus ...
Lisboa na Regia ollicina Sylviana, e da Academia Real.
M.DCCLll. ln 8.0 Vlt3ftll pg.

X) Poema epico recilado à morle do Fidelissimo, e


Augustissimo Rey Dom Joaõ V. Consta de /Vfls. inum.
s. /. n. d.
XI) Lenitivo a Portugal na morte do Augustissimo
e Pidelissimo Senhor Rey D. Joaõ V por Antonio Mou-
ram Toscano formado na Faculdade dos Sagrados Ca-
nones, Gonimbricense. Consta de 8 pgs.

XII) Culto lunebre á Memoria sempre saudosa do


Fidelíssimo, Augusto, Magnifico, e Pio Monarca o Se-
nhor D. Joaõ V, Rey de Portugal. Collecçaõ 1. Lisboa
na officina de Francisco Luiz Ameno. Impressor da
Congregaçaõ Camararia da St.• Igreja de Lisboa,
M.DCCLI. Contém 43 págs.
No fim vem a ~d1elaçno ou Cntnlogo das cxequins que se cele-
hrnrnm nesta corte, e m:iis partes do Reyno pera nlmn <lo F'idclissi-
mo Snr. O. Joao V Hcy de Portugal•. Destn colecção existcn1 mais
três opúsculos de 53, 60 e 61 páginas rospectiva1nencc.

XIII) Suspiros metricos que à sempre lamentavel


morte do Fidelissimo Rey o Senhor D. Joao V em 10
sonetos exala do mais intimo do peito o seu muito
amante, e fiel Vassalo Diogo Braz Ximenes Oardra.
Lisboa. Na Officina de Pedro Ferreyra. Impressor da
-153-
Augustissima Rainha Nossa Senhora. Anno do Senhor
M.DCCL.-fll 8.• de 11 pág.
XIV) Epitaphio metrico consagrado ao sumptuoso
Mausoleo do Fidelissimo, e Augustíssimo Rey de Po1·-
tugal Dom Joam V, e oferecido à inconsolavel dor do
Senhor O. José ..... por Felix da Silva Freire, Fami-
liar do St.• Oflicio da lnquisiçaõ de Lisboa, Acadcmico
Scalabitano. Lisboa na 011. de Pedro Ferreyra, Impres-
sor da Augustíssima Rainha N. Senhora. Anno do Se-
nhor M.DCCL. ln 8.' de 17tll inum.
XV) Vida sucessos e íalessimenlo do Rey Fidelís-
simo D. Joaõ V (No fím): Na officina de .fozé da Sylva
lm11ressor da Sereníssima Caza, e Estado do lnfantado.
Anno de 1150.-ln 8.' de Z8 págs.
XVI) Relaçaõ das solemnes exequias dedicadas pe-
los Padres da Congregaçaõ da Missaõ e... :?f\ e 26 de
Outubro de 1750 à Saudosa Memoria do Fideiissimo
Rey de Portugal D. Joaõ V seu Augusto Fundador.
Lisboa na Olficina de lgnacio Rodrigues. Anno M.DCCL
ln 8.o de li pag.
XVII) Relaçam dassolemnes exequias dedicadas pelo
Excellentissimo, e Reverendíssimo D. Joam da Sylva
Ferreira, Bispo de Tangere, Deaõ, e Prelado da Real
Capella de Vilta Viçosa cm 15 e 16 de Fevereiro de 1751
à saudosa memoria do Fidelíssimo Rey D. Joam V. Sem
frontespício nem lugar de impressão. 8 pág. inums.
&1n. raríssinnl relnça.o é curiosn ~or descrever co1n grande
minuciosidade a ârmnç:io quo se féz na Cnpela Renl de Vila Viçosa
cm 15 de Fevereiro de 1751.

XVIII) A EIRey inclito, Augusto, e Fidelíssimo Nosso


Senhor D. Joseph 1. Na morte de seu Augustíssimo
Pay e Senhor Rey Dom .Joaõ V de saudosa memoria.
Romance consolatorio.
-154-
Coni-.la do um ro1nnnco em rodondtlha maior e dois sonetos
em 8 pi\gs. lnums. 1 sem fro111es1>ício nont lugnr ou data dn l1nprossâo.

XIX) Noticia cronologica dos Puneraes que as Ci-


dades, e Villas do Reino de Portugal dedicaram à sau-
dosa memoria do seu Fidelíssimo Monarca O. Joaõ V.
Madrid. En la lmprenta de Antonio Perez de Souto
t 752. /11 8.o de 74 pg.
Esta Noticia é da maior raridade, como aliás o sao
tõdas as anleriormenle mencionadas. O compilador, que
não sei quem lõsse, nem qual o intuito em a haver publi-
cado em Madrid, descreveu com grande minuciosida-
de muitos dos actos religiosos com que a piedade dos
portugueses sufragou n alma do rei.
A pompa que se empregou em muitas dessas sole-
nidades, algumas delas realizadas no estrangeiro, espe-
cialmenle em Itália, é o 1Utimo clarao da magnificência
dêste monarca.
Possuo algumas !Olhas sôltas, impressas na época,
onde se dá noticia de c~rca de 70 destas funções íú-
nebres, que tiveram lugar nos Iras meses que se segui-
ram à morte do rei, isto é, alé Setembro de 1750.

ERNesTo SOAReS
PROBLEMAS BIBLIOGRÁFICOS

li ESTAMPAS A MAIS . .. E A MENOS

, por demais conhecida a obra de Gal-


vão de Andrade, intitulada Arte de
Cavallaria de Gineta e Estardiota .. .
que João da O>sta editou e fêz impri-
mir em Lisboa em 1678.
Diz-nos Inocêncio, no seu útil e
precioso trabalho, a pág. 147 do tõmo
1, que os exemplares, além do retrato
do autor, g-ravado a buril em chapa de cobre, conteem
mais 13 estampas (tambem gravadas), dando-nos a indi-
cação de dois exemplares, visíveis, um, na Biblioteca
Nacional de l.isboa, outro, no extinto Convento de Jesus;
sendo 110 entanto para lastimar que não nos indique o
número de estampas contidas nesses volumes. Ricardo
Pinto de Matos nada adianta sôbre êste assunto, limi-
tando-se apenas a dizer-nos que os exemplares, além
do retrato. conteem estampas.
Dêmos, rápida e sumàriamentc. notícia de alguns
-156-

exemplares que leem aparecido à venda em leilões ou


em catálogos de livrarias:
Em 1878, Cat. do Marquês de Castelo Melhor, regista
um com 20 estampas; 1908, Cal. de Moreira Cabral, idem
(esta livraria é hoje pertença do Ex.mo Sr. Conde de Su-
cena); 1909, Cal. da Condessa de Azambuja, 16 est.; 1915,
Bibliografia Geral, por M. dos Santos, 21 est.; 1921,
Cal. dos Condes de Azevedo e Samodãcs, 20.
É facto que os exemplares, a pág. Xllf (s. n.) men-
cionam o "lndex dos lugares aonde se ham de por as
estampas do livro", vindo indicadas 20 estampas, e tam-
bém: •No principio huma tarja". Assim, seriam 21 es-
tampas fora o retrato e, neste caso, 22 gravuras, in-
cluíndo o retraio do autor mais a tarja; mas esta é com
certe1,t a que vem a abrir a 1.0 pág. (s. n.) e indicada no
índice.
Mas o que mais me intrigou, e q uc me não foi pos-
sível decifrar, foi a razão porque tive em meu poder um
exemplar com 23 estampas, não sendo contada a tarja
nem o retrato - 25 gravuras, portanto. Duplicados, por
certo não eram, sendo no entanto possível que fôssem
variantes, o que não nos deve admirar, pois como lerei
ocasião de dizer num próximo artigo, existe uma ou·
Ira obra sôbre o mesmo assu nto, em que há variantes
nas gravuras.
~ísl>on, 5 de Abril de 1932.
P E TIÇÃO A D. MIGUEL

il-.~~r, P.• José Zacarias da Costa (de Vila Viço-


sa?), pretendia uma cadeira cm qualquer
sé do reino, que não especifica qual
fôssc. Lembrou-se de dirigir petição
ou memorial nesse sentido a D. Mi-
guel. Pega na pena e sai·lhe o reque-
rimento cm verso, e até em çlécin1as, de rcdondilha,
que se podiam cantar à viola. É possível que o clérigo
pretendente supusesse que, dirigindo-se cm verso a um
monarca que se prazia com a malta de bolcciros e fadis-
tas, lhe tocaria mais facilmente o coração.
Seja, porém, o interessado quem diga de sua justiça,
segundo o autógrafo, que temos presente:
Allondoi REAL SENHOR
os voa:e.s <10 hum Suplicante,
flrnu), leal, e constnnto
do Doos, do Roy defensor.
Bn1 nHa v6z1 sem f;avor,
do pulpito dice, e is ver.
que o 8ovo devia ser
fiel a eos, e ao seo Reyi
que de Oeos mesmo hora lei
ao Monarcha obedecer
- 158
Alguns, SENHOR, não gosl&rã<>
de hum a tal propottçao,
e s6 ! constitulçi(')
seos affectos dcdicarao :
He desde aqui, que tomnrAo
má vontade ao Suplicante,
ccesccndo mais, cadn. instante,
que contra clln. clamava,
e sem rrnquojar pug-nnva
pello soo RSY DOMINANTE
AO Sensor Lu7.ltauo
por varias veios tJ9 ver,
que Portugal vinha a tor
das cõrtcs hum fatal dnmno.
Que hum• vez que o SOBERANO
de taes cortes dopendcs:so,
de certo em t4o conhec~o
o Rcy em ri:sco fatal,
e em diSl?<•Ç• Portugal
sem ter Já quem lho valesse
Tudo pareco scab11vn 1
já se lexava o terreiro,
Só o officio do 1>•droiro fl J
no mnior augo so nchavn:
este officlo 111nqulnnvn
o Roy, e o Throno oxllngulr,
e Portugnl reduiir
a huma triste an~rquln
proximo já e:stAva o dia
de tal projecto surgir
A Santa Religião
quazi estava a cspirar.
O Regio Throno, o Aliar
se vira.o á Santa Unçào.
Foi, sim foi que Doo~ onhlo
animou o RBOIO INPANTE
chamn l\s nrn111s... num inslnnte
tudo mudn do ffgurn,
cortes vno n scpulturn,
MONARCHA '"ho Trlunlnntc

(1) .-\lusào à chamada •seíta dos redreiros~lh·res" 1m:çonariaJ.


159-
Gravada~, com Lelras de ouro,
sobre o ntais fino brilhanlo
as ACÇÔENS do AUGUSTO INPANTE
veija o seculo vindouro.
Coroado do lmmorlal louro
bem o velj111 a L.uzn gente,
porque se vlo de repente
pio REOIO JOVEN Liberta
fazei-lhe, 6 Luzos, offerta
das vidat sinceramente
Quando a consllluiçAO
Se achnvn qunzo a espirar,
me pertonderl'lo matar,
com alelvozn, o vil traiçao i
desta malovola acçào
nunca vingança pedi;
da minha patrla luJ(i;
sem saudo o bens fiquei,
praticando n Santa Lei
por Ocos, o por vos sofri
Quanto _por vos padeci,
i' mco MONARCHA !is ver,
estive qu110 a morrer
na maneira em que me vi.
Conhecei, SHNHOR,daqui,
se mereço con1paixfto;
deixei ctia, deixei põ.o,
tudo por vós deixarei,
nada 1nnis 1>relirlrei
do que a otcrnn salvação
Nao pesso moo REY riqueza,
Nao pesso MO~ARCHA l•u•tos.
pesso só nao ver exhau.stos
os meios a nntureza.
E se a noçAo porlugueza
tem em vó• MONARCHA PIO,
con10 porluguoz confio
me haveis SENHOR attendor,
na.o me deixando morrer
nem com romo, nem com frio
Canto chllo nllo o ignoro
a voi na.o ho das peiores
tereis visto outros cantores
160
me.nos habe-i' paro o coro;
por isso, SENHOR, imploro
buma cadeira na S6,
por quanto, vaga." ~el que
as há, e om Vtf111. \llçoia
terei velhice s;rosto111
o Rocobcroi Ml>l!CQ
J11(or111nçllo
Se quereis, SP.NllOR. de mim ter
huma co111plota noçno,
de Alvaiazoro o BarAo. i lJ
o pode mui bem f:i.icr:
elle poder4 dizer
a vós, SENHOR, a verdade,
porque d~t do a mocidade
me conhece munto bem
e tal \'CZ scija cllo quem
Vos con1 mova 4 piedade.

O P.• Joz~ 7.•C•llt•s DA CosTA.


De tõda esta buruda11g3, apura-se: que o padre, como
muitos dos seus col~gas do tempo, se servia do pí1 lpito
para concitação de ódios polfticos; que terçou arma~ na
imprensa com um <>rgão liberal O Censor luzitano;
que para fugir à morte, de que escapou por um triz, teve
de ful(ir, ficando "sem saude e bens"; que segundo pa-
r~-ce era natural de Vila Viçosa, porque lá queria ir aca-
bar seus dias.
Finalmente, a avaliar pela penúltima décima, não dei-
xava os créditos por 111;1 0 alheia. t l'er-se-ia o rei "Como-
vido à piedade" e concedido a mercê pedida?
J. V.
tlJ Manuel Vieira da Silva. I.• b.rdo de Alvaiázere (17SJ-1826),
comendador de Cristo e cavaleiro da Tórre e Espada, fidalgo <Is
casa reil, físico.mór do reino o médico da cãmara de O. João 6.0 ,
a quen1 acon1pnnbou ao 8rasl1.
JUNQUEIRO BRICABRAQUIST A

eve Guerra Ju11queiro desde muito no-


vo uma rcquinta<fa paixão pelo brica-
brnque. É conhecida a burlesca anedo-
ta, obstinadJmentc reed itada, em que
se afirma que o poeta, cioso na con-
quista de objectos de arte, percorrera o
intrincado dédato das ruells de Villa
Vicja cxcrccmlo o mister de bufarinhciro ambulante,
com um burro pela arreata, fauhosaudo o pregão
castelhano :
- !Quien tiene para vender cuencas, palanganas, medias
fuentes !
Desta forma conseguira despojar as velhas províncias
castelhanas, ele pratos, alcatifas, filigranas, bibelofs, mó-
veis, faianças, :mnaeluras, imagens e outras preciosidades
ele gôsto rcq11intad0, com que opulentou as suas viven-
das, converkndo-as, com um admirável senso de arte,
em museus apreciáveis.
Essa narrativa anedótica que teve fam larga reper-
cussão, reve.te aparências que a tornam qu:isi inverosi-
-162-
mil. Embora não fosse vivida, mas simplesmente fanta-
siada, não resta dúvida que Junqueiro, além dos objectos
místicos adqu iridos nos extintos conventos portugueses,
muitos possuia pacientemente rebuscados em diversas
localidades espanholas. Assim, um grande nú mero dos
relicários e telas litúrgicas dos primitivos, que coleccio-
nou, pertenceram a uma abad ia castelhana, e muitas
das suas curiosidades artísticas, provin ham de Mad rid
e Cçmpostela.
Esses preciosos objectos de arte sacra mereciam-l he
todo o carinho, levando-o a designar o aposento em
que os expunha, pela sua "Catedral".
O autor de Os Simples, possuía uma cadeira brazona-
da da renascença espanhola, que tinha, rodeando o bra-
1.ão, esta sentença lapidar: •Velar-se debe la vida de
tal suerte que quede vida e11 la muerte.•
O poeta traduziu genial mente: •Vive de tal sorte
que aches vida na morte.• e a propósito, ditou êste li-
losóficp comentário :
- E o fecho profundo e sublime da moral cristã.
Deve gravar-se, como guia eterno, e111 tôdas as almas.

Quando, cm uma das suas digressões• a Espanha,
Junqueiro se hospedou nu m hotel cm Sala111a11ca, foi ali
procurado por um indivíd uo que preguntou ao guarda-
-portão pelo grande poeta Guerra Jrmqueiro.
- iNão conheço!- respondeu êste.
- iOra essa! retrucou, visivelmente contrariado, o
visitante. - Mas não oferece dúvida que o poeta se acha
aq ui instalado ! E, para faci litar a identificação, ponne-
11orizava :-é um sujeito baixo, de longas barbas, nariz
aqu il ino e olhos coruscantes.
-Perfeitamente! -rematou subitamente o porteiro,
como que resolvendo um intrincado teorema.-Mas
êsse . . . es Guerra, e/ antiquario !•
-163-

Nm; impressões colhidas pelo brilhante articufü;ta
João Chagas, quando, a convite de Junqueiro, visitou
em 1QOl a vivenda do poeta, em Vila do Conde, recor-
tamos º">cguinles períodos referentes ao seu bricabra-
que, ~ sua quincalha mística, que sno altamente eluci-
dativos: ,
• ... vi anião passar por dcante cios meus olhos a
mais estranfla colecção de justos, de sontos e de már-
tires, que ainda poude reünir, não fá a /é e a devoção,
mas a curiosidade de 11m artista místico. A sala de
jantar de Vila do Conde é uma sacristia.
•Retirem a mesa, ergam um altar e poderemos 011-
vir missa.

•A imaginação do poeta buscou e e11co11tro11 em 16-


da a Espanlza, uma Iam grande soma ele madeiros ex·
pressiuos, que a sua sala de jantar 4 uma aulêntica
filosofia •par l'image•, do catolicismo espanhol."
................· ................ ........... .
'


De Junqueiro são as segumtes apreciações sôbre Arte:
"Só é grande a arte que é eterna! Só aquela que
tem o vinco do eterno, vive no meu espírito. A arte
francesa do século XVIII, é bela, sim, mas frívola, tôda
mesuras, sem o poder maravilhoso da inspiração, viven-
do em Versalhes e não saindo de Versalhes.
A arte 111edicva e a da Renascença, são grandes, por-
que são eternas.•
Como coleccionador infatigável, o poct1 esquadri-
nhava os mais recônditos escaninhos, à cata de anti-
qualhas.
-164
Um dia entrou na loja de um ferro-velho e, naque-
la habcl de bugigangas, topou com umas telas nuídas e
sem pompa de coloridos.
Vagueou o olhar prescrutador e informou-se do pre-
ço de um dos quadros, que o ferro-velho diligenciou
encarecer, garn11ti11do a sua antiguidade e celebridacte
do aulor.
lmpassh·el, Junqueiro apontou para o segundo qua-
dro e indagou:
-iQuanto custa isto?
-Isto! volve com azedume o ferro-velho, "convença-
-se de que é um Rubens autentico!,. E pediu uma exor-
bitância.
Junqueiro, sempre severo e d~dc11hoso, acercou-se
do mostrador onde, num prato esbeiçado, ressequiarn
uns pasteis baficntos.
·e! E isto, quanto custa?- tornou Junqueiro.
-c!O quê, os bolos?- atalhou surprêso o ícrro-
-velho- .Vinte réis, cada.
-"Pois compro-lhosn rematou o poeta maliciosa-
mente - .. e creia que é a 1í11ica coisa antiga e autentica
que você cá tem na toja".-
Na col~ção de quadros de Guerra Junqueiro, con-
tava-se urna nequena tábua em que S. Vicente é figu-
rado de diácono. com o Evangelho na mão e uma corda
aos pés.
Grande número dos seus quadros foi adquirido nelo
Museu de Arte Antiga; entre outros, uma tela valiosa de
Sanches Coelho, notável pintor português que trabalhou
na côrlc espanhola, onde lhe chamavam o Ticiano lu-
sitano.
Por doação de Junqueiro, passou. após o seu fale-
cimento para o mesmo Museu, parte do espólio artís-
lico do Poeta.
CURIOSIDADES E INDIC A-
Ç ÕES ÚTEIS E PRECIOSAS
eXTRAÍIJAS OE PROCr.SSOS 00 •ARQUIVO DOS PEITOS 1 INOOS•

o ano de 1782 loi constituída em Lis-


boa utha sociedade entre Maria Clara
Rc)•, viúva de João José Bertrand e seus
lilhos João e Jorge Bertrand de um
lado e do outro Francisco Xavier
Constâncio, para n exploração do pri-
vilégio que a êste havia sido conce-
dido (lOr provisão real e que consistia na sementeira
de terrenos com sementes rermentadas, - de trigo, cevada,
centeio e outros lci:umes.
Frandsco Xavier Constâncio era siciliano de orli:cm,
mas nnturalizara-sc português e havia inventado êssc
modo de cultivar a terra, porque redundava grande be-
neficio para a agricultura.
O contrato tinha várias cláusulas, 1nas as mais im-
portantes eram estas: -- Constâncio entrava com a sua
inle/igéncia, habilidade, indusfriabi/idade, indústria, tra-
balho 11 com11nicoç(lo do seu invento; os outros entra-
-166-
riam com o capital ; Constâncio em pregaria o privilégio
sàmente na Sociedade; Constâncio receberia como rega·
lo 240.000 rs., na assinatura do contrato e outros 240
no primeiro ajuste de contas.
O privilégio concedeu lambem ao Constâncio umas
terras na coutada de Almeirim para as experiências.
Afinal, depois de algum tempo de ensaios, Constâncio
não poude dar contas e, por qualquer circunstância, refu-
giou-se no convento dos padres domínicos da Serra de
Almeirim.
Os sócios reclamaram o sequestro ele todos os bens
e a demanda devia ter sido' julgada na junta cio Comér-
cio. mas desconhece-se o desenlace .

Joseph Pogliani, vedor das ucharias cio rei da Sar-
den ha, cirurgião matriculado na Universidade ele Turim.
foi um homem que. depois de viajar por todos os esta-
dos europeus, deu fundo na cidade de Lisboa. Fêz gran-
des estudos sôbre tõdas as maneiras de apagar os incên-
dios; e, como havia inventado um plano tendente a salvar
Lisboa, pediu um privilégio real, apresentando projectos
e impondo condições.
Como o projecto não tem data, a avaliar pelo papel
onde foi redigido podemos concluir que o privilégio
devia ter-lhe sido passado por el-rei O. José .

Os fabricantes de sêda Arnauds, estabelecidos na vi la
de Chacim (Trás-os-Montes) fizeram sociedade com João
Baptista de Vasconcelos, negociante de sêdas estabeleci-
do no Pôrto.
A sociedade íoi aprovada por carta régia, que lhe
concedeu caldeiras. forn ilhos e mais trastes de fiação
pertencentes ao Estado.
-167-
Antes dessa união social e cM1ercial, a Companhia
d as Sêdas, que devia auxiliar os Arnauds na construção
de cdificios, não só cm Chacim, como cm outras vilas de
Portugal e devia prestar todos os recursos necessários,
visto êles trazerem do seu país os segredos de fiar a sê-
da à maneira do Piemonte e os moinh os ali emprega-
dos, de maneira a torná-la de qualidade superior à da-
quela província da Itália, desprezando os reais conselhos,
que lhe haviam sido dados cm provisão real, pretendeu
entravar a acç.'ío dos negociantes Arnauds, contrarian-
do-os no desenvolvimento da fiação e não os socorren-
do cm épocas calamitosas e difíceis.
Assim, D. João 6.o decretou do Brasil que, separados
os interêsses respectivos da Companhia e dos Arnauds,
fôsse dada à nova sociedade Arnauds & Vasconcelos tôda
a protecção possfvel, concedendo-se os maiores privilégios,
de sorte que a sêda fiada à maneira do Piemonte por
moinhos apropriados e sob segredos especiais, pudesse
vencer os mercados da Oran-Bretanha, onde a sêda do
Piemonte (metade da extensão de Portugal) adquiria
anualmente a produçào de 9 milhões de cru~,ados.
Os Arnauds eram três, dos quais o mais velho se
chamava Caetano. O estabelecimento em Chacim (co-
marca de Moncorvo) chamava-se Real Filalório da Sêda
e a companhia das sêdas tinha por título Real Compa-
nhia de Pamp/1ília.
A sociedade Arnauds &. Vasconcelos pediu a conces-
são de terrenos baldios para o cultivo da amoreira, a
entrega das fiações de Valpassos, Sanfins e Lebuç,'io, e
que por espaço de 20 anos não laborasse no reino outro
filatório semelhante.
*
Foi o engenheiro Carlos Mardel quem fêz o projecto
para a construção das casas que, por ordem de elrei D.
José, deviam ser construídas junto dos Arcos elas Águas
-168-
Livres, na Praça Nova (hoje Jardim das Amoreiras) des-
tinadas aos fabricantes de sQdas, oficiais e aprendizes.
Como é 111uílo longo o texto do projecto. daremos
u m pequeno extrato das condições a que deviam obe-
decer a obra de pedreiro e a de carpinteiro:-a alvena-
ria seria de pedra rija do Carval hão ; os al icerces das
paredes e dos muros dos quintais, de alvenaria rija fa-
bricada com ca l e a reia; a cal seria de Alcântara, de
Cacil has ou do estrangeiro, os sobrearcos das portas,
serão de abóbada dobrada; as cimalhas, de tcjôlo de boa
qualidade ; os cun/1aís, de pedraria bastarda, lavrada de
picota; os ehãos das cosinhas, ladrilh ados de tejôlo ba-
tido e escacilhado; os telhados mouriscados de boa te-
lha ; as janelas das lojas, levariam assentos de pedraria
e as janelas do andar de cima seriam rasgadas sem as-
sentos e os peitoris seriam de lancil ord inário; os fron-
tais seriam assentados, os paus de p/111no em suas
mexas de a/uenaria assentadas em seu massamo; tô-
das as ombreiras levariam gatos de ferro e os peitos das
janelas também seus ~atos; o madciramento, seria de vi-
ga de Flandres; o guarda-pó, de madeira de Flandres,
chanfrado e plainado, e a ripa também; as Cll.Sas dos
teares assoalhadas com madeira de Fland res da melhor
q ualidade e, não o sendo, que seja sapia o u taboado;
as portas da rua seriam de casqu in ha dobrada.
Eis as principais condições do projecto, que tem a
data de 21 de Março de 1753 e onde se diz, no último
capítulo, que os mestres da obra deviam executá-la con-
forme o projccto e, se o não fizessem, seriam obrigados
a desmanchá-la à sua custa e a fazer como se ordenava .

Dona Florência Piütrro P iccolomini de Aragon Her-
rera Ayala y Rojas Rubin de Cél is Roda Fajardo y Coal-
la, marquêsa viúva de Bélgida, proprietária de S. João
das Pedras Alvas e Orellana, condessa de Oorniera, se-
-169-
nhora das aldeias de Ampulia, Valoria, Raiaces e Couto
de Aguilaredo, da casa e morgadio de Castela, senhora
e dona das ilhas de Oomera e Ferro nas Canárias, pa-
droeira da província de Candelária, grande de Espanha
de 1.• classe, era proprietária cm 1788 de um morgadio
cm Portugal : o de Formoselha, que se estendia até à
ponte de Alfarclos de um lado e do outro até à ponte
da Granja, com seu palácio, terras de pão, vinhas, oli-
vedos, montados e abcgoarias.
JoAo JARDIM oE Vu.ttEN•
EPISTOLÁRIO
XI
VIEIRA PINTANDO EM ROMA

Pranclsco Vieira de Mntos (161)9. t 783), mais conhecido 110


mundo da arte por Vieira Lri&flano /como, afin3..I, êle próprio
o.sslnava} -fol um dos mtdore, pintores do seu tempo e por.,entura
o mslor de Portugal no s6culo XVIII. Temperamento sentin1ental o
lmprcss-lon4.vel. logo a sua meninice foi ocupada por duas grandes
p1lx4)C:S--a arte e oamor,Ute, Inspirado por O. lnb Helena do Li-
ma e .~elo, que conheceu quando seus p:iis o apre.sentaran1 na
quinta da Boa-Vista., a-par do convento da L.uz; a a rte, no e1np&-
nho com que enchia de desenhos quanto papel l he vinha à ml\o
e até a cal das paredes, como elo próprio refere:
O Progeni tor Violrn
i)1;s~; Q~~· ~Xi~1id~ ·1;P~n~S.
Elle se nchsro do borço,
Nao l he escnpava parede
Já do carvaõ para emprego
ltHI fantasins, mil COU!IS
Riscando, que ao pen,amenl.l
Parecia, que lmpos!ive1
-171-
Pudessem vir·Jhe ocottendo;
M~~ qu·o· ~~~Íu·e·l~ ~~(~~·º;· ·
Nas E.<tcotas consuotos
JA superava os seus soclos
Oanhando Infinitos premios i
Pois ns n1uterlas ornava
Oo modo, que enca11tamonlo
ErR ~m edade 11\6 tenru
O ver tno activo engonho.
Do cercnduras orJlados
Todas de lindos brotescos,
Com maripoias, com flores,
Com mil bichinhos diversos:
E que p1ssar na.o dobava,
Nem Saloia nem Carreiro,
Que os nao retnuuse á penna,
Con1 seus bois. com seus iumontos;
Que de armas brancas armados
Õobu1ar3. huns Cavallctros,
Por hu1na só vez. ter visto
Do Sao Jorge o Escudeiro.

Qu1111do o nHLrquês de Abrnntoii (6 n11LIS tnrdo de Pontes) foi


escol hido pnra n emb:iixadn de Romn, levou consigo o moço ar..
tista parn o nJ>errolçoar na pintura. Ali ostovo sete anos (l 712-1719)
trab~Jhnndo parn o fidalgo, cconUnuando os Estudos na Acade-
mia, vezitando lgrcias1 e Oaleri3s. e prallco.ndo, ...• com os Piuto·
rcs 1 q. ja conhecia. . . e outros de meresimto.- - ~omo éle
escreve na interessante carta que o leltor vai ter o praier de sa-
borear
Reentrando na p'lria, n:ao extinto, antes mais areado, o amor
peln sua Inês. tra1ou Francisco Vieira do ea_snmento, a quo se
opunhn n fn1nília dela, dada a condiçAo hunllldo do artisra.
Co111e9n o romance. Metem a dam11 num convento, o do
Snntnnn, b obrlgnrn-na a tonl!lr o v6u, 1>rofess11ndo ~oh o nomo
du Soror lnes llulona da Aprescnh1çfi.o. Sem protestava ela que ern
casada à fAce do nUar; tudo pura pcrdo.. O desolado marido
n1ultlpllcnvn-sc junto do tõd:l a gente do influencia para conseguir
c1uo ela safs.410: Inutilmente. Deliberou entoo Ir u Roma, diriglr·se
n fonte llmp11. ao Papa Em cinco nnos <1uo Jt\ esteve, apenas a
Arto ganhou
Voltou a Portugal, desesperançado. Desesperançado, não: lan-
çou n1t10 do ulhn10 recurso o rapto da esp<>!lA Vestida de homem,
vingou '\air da clausura., passando em frenco dll própria abadessa
172-
que n nào reconhocou nesse 1>re1>aro. 1E111fhnf Fantasie o leitor
o quo seriam os prirnoiras horas dnquelo ditoso par.
Surge uma nuvem. O irmno de Inês iura. llquidnr o cunha-
do, e 1 espenindo -o quando sala do casa, sli ~rua das Pretas, pre-
gou -lhe um tiro 1 quo o levou à cama por alg-um rempo. Rostabe·
fccldo, vai ter com O. Joào V, n quem pedo justiçai outro vfllor,
1>or6nl. mnis 111to se la\'antAi o rei faz ouvidos de n1crcndor, e
o frustro assassino consegue pór-so a salvo pRrA a E:spanhn Mas
qurs o destino que t!le, anos pas .. ndos, caí~c na mlsétln e vle,.se
esmolar o p:to dn sua victima. .
Vieira, I'- no doclio11r da \•ida o mofdo do ~audAdes, dt$hl, num
longo poemn em quadras, iolilulodo O insigne Pintor e /la/ f:.spo·
SO (Llsbon, 1780), OSIO Codclt1 de avonlurM. Abre 6SIU poomo
uma. gravu r~, aulO·tClrnlo do J)lntor, corondo de clprestes e segu ..
rando a lmagom dn suo. amadn.
Picando.se do •Insigne•. por acaso acertava; iA se v~, porEm.
quo o seu rorte nâo era a modéstia. tMas no.o vemos nós os cscrilo·
res, artistas e Impressores nottl\•eis dos séculos XV e XVl dCCO·
rnr·i»O com o qunlificalivo de lnsignes, cxlmtos e ilustres vn·
roes?
Acordam quásl lodos os historiadores Jllerárlos em que hle
poon1a 6 insulso e fa.slidioso. Sent Vieira nào 6, realmente, um poe·
l•i mas lambém nAo 6 por essa faceta que o ~ncaro ~ quo, mos·
mo oscre\•endo. so denuncia o pintor, pela verdade das dc"crlçc>es,
tao representativas da vida e costumes do tcn1po.
Vieira LusitR110 osteve ~lgum tempo no convento dos Poullstas.
onde deixou trabalhos notáveis; pro1ectou dopois nova via1fen1 a
Roma, em 1733, mas na.o pas!lou do Sevilha, porque O. Jono V o
mandou regressar. Chegado a tl!lboa, foi non1os.do pintor do rei,
que andava a enterrar em Mafra os milhões do Brasil quu a lng-1::1.·
terra não comia. Pnra lá foi o pintor, e Já 1>crdou a csposu. Dos·
gostoso, abandonou os pincels e foi viver 1J1iri. o Beato, ondu 1nor-
reu cm 1783, conl 84 anos de ldado.
Pns.ncisco Vieira Lusitano foi simullnneamente pintor (de qua-
dros o a fresco), desenhador, grava.dor e poetL Mullas d:is
suas melhores colas abismaram-se no grande terremoto. Outras
nndam dispersas 1>or 1nuseus, igrejas e colccç<>es partlculnros.
NClo sol a quonl foi dirigida ostn cnr1a, 11orque lhe foi on1putnda
a nu~la fOlhn brnncn exterior do resguardo, onde se lnscrovln o
nome do destinntdl"lo. Parece, no entanto, por uma passagem da
epfstola. que devamos procur'·IO om Bcmfü:a.
O marquês a quem se refere, também nAo sei quem 6. O de
Abran1os nao n10 parece, já porque Vieirn o conhecia quttndo foi
JH\rn Ro1na1 já 11orque essas llnhns na.o sao dum rapaz do 1reze
anos, idade om que o artisra pnrn lá foi peln primeira vei- A cnrla,
173-
nrlnnl, é do scgun.d:i. estndn de Vieirn un cidade oturnn. A
Academia de quo se fala 6 a célebre de S. Lucas, da quul, nessa
segunda residência, lõra \'leira Lusitano leilo académico de m6·
rifo, pols que, como éle diz com aquela n1od6stia i' conhecidtt
nossa:
.••• . dentro do rlo1na
Sou 11on1e já nuo cabendo
So ospalhou por Ioda llalla.
Em toda foi bem a.coito,
Tambcm 3SSinl noutras Cor1c~
Das 1nals polidas souberan1
Tanto apl!ludlr obrl\s suas, etc.
De mais, o 1nnrquês snrrn <lo Romn e1n corneços do 1718.
l.Soria urn fid11lgo porlugu~ nn cOrl& pontiUcia, ou algt1m pró-
cere romano, quem U'to amavelmente acolheu o nosso pintor? (1)

Meu Senhor e Amigo


Muylo me obrigavaõ com V. E.• os beueficios q.
ja lhe devia; muyto mais me obriga este ultimo, q. naõ
posso nem devo esquecer.
No fim do mes passado (em 28, se naõ erro) me
apprezeutcy cm caza do S.r Marque;, q. me recebeu com
huma corte1in, e benevolcucia, q. eu naõ meresia, e só
á gcneroza rccomendaçaõ de V. E.• devo atribuir. Logo
me levou á prczença da S.... Marqueza, M.• S.r•, e am-
bos me enchcraõ de perguntas sobre os meus adianta-
111.10• na Arte da Pintura, e se me dava bem c111 Roma.
Ali lhes respondi quanto á primeyra parte, q. hia obran-
do o q. podia, seg11ndo as m.as poucas forças, continu-
ando os Estudos na Academia, velitando Igrejas, e Ga-
lerias, e praticando se111 pre que p.• 1:11 tinha ensejo com
os Pintores, q. ja conhecia da 1.• vez q. aqui asscsti, e
outros de meresim.'° cuja conversaçaõ podia alcansar.

(l 1 SObre este eminento nrlisla deve ler-se, além do já cilado


pocmn O l11slg11c Plulor: os Afl1ores de Vltlrn J.usllarto. do JUlio
de Castilho e os trabalhos fundamentais do dr. Xavier da Cosia.
-174-

Logo o S.r Marquct me dcmostrou dezejos de q. o


retrai.ice, e á S.r.a Marqucza, e eu confu1.0 de tamanha
honra so pude responder q. os meus pinseis estavaõ ao
dispor de ambos; e perguntado quando comcsaria,
prontam.•• respondi q. quando assim o houvessem por
bem, porque logo eu o aprovaria.
Não se falou do preço porq. seria pago o meu lrn-
balho, porq. o deyxo á genero1.a muneficencia de Pes·
soas de tanta qoalid.• e entendimento como estas de q.m
trato. O ca1.0 he q. ja comesei o reir.o da S.ra Marqueza,
e ainda em pouco mais q. esboço agradalhe ja gran·
dem.lc
Honte fuy convidado a assestir a huma funçaõ de re-
go1.ijo pelos annos da Sobr.• dos S.res Marquezcs. FiLC·
raõ-se ouvir muy destintos mulicos e cantores, as Sallas
e Jardins muy bem illuminados, e foi servido grnndc
numero de refrescos. Em fim, meo lllustre e E.mo Ami-
go, hu ma lunçaõ corno só numa cv.a q. eu sey cm
flcmlica poderia achar igual ...
Quanto ao q. pergunta, e sabe pouco mais tenho adian·
lado, vivendo a penas de esperanças.
Naõ enfado mais V. 1:.• se naõ p.ª lhe dizer q. naõ
sofre mais dellongas o meo desejo em agradece ri he ludo
q.•0 devo, e aqui fico ás suas ordens como
De Vossa E.ª
Amigo e obzequiossimo Servo m.to grato
Fra11.co Vieira lusitano
-175-

xu
A FRANQUEZA DE CAMILO
Meu •• • Alnlgo.
Muito obrigado pela sua cnrta de 18.
Oemnis sabin eu que, só pol' causa especial, V ... nao respon-
din à 1nlnha pregunta•
.. , .. · ··· ·· ·· .......... ... ········ ······· .......... .
Da caria camiliana, que faz cócesra.s a. Castilho, aqui junto
cópia, cujn conformidnd.o com o original, inteira & a.bsoluta, mesmo
na ortografia, ou posso ufirn1ar-lho. Camilo utilizou uma fõlha de
4 pá!f· do papel destinado h sua corrcspondCncia, limbrAdo com
as iniciais e. C. B. em letra gótica ü ocupou do seu punho a pá.·
ginn da frente e quási tõda a do versoJ guardados ao ::ilto os &S·
paços do eslilo. A disposiçao gráfica da cópia é a mosma do ori·
ginnl.
O destinatário, designado familiarrne1He por Júlio, ó o dcsdi·
toso Júlio César J\1achado, que arquivou a carta num!! fõlha do
seu album, colando ao lado direito uma outra de Ana Plácido, a
éle dirigida e ns fotogrnlias dos seus dois amigos de Selde Tenho
essa fõlha completa cm meu poder.
Nem a cnrta do Camilo, nem a de Ana Plt\cido leem data.
Quem tiver tempo e paciência talvez n possa dolerminar. Nao me
parece, porém, que ser!\ coisa do imporllncia.; o importante é a
referência irreverente a Cnstllho o a domonslraçao da amizade que
o ligava a Jiílio César Machado.
13squecin-me dizer-lhe que a letra da cartn ó caligráfica, em
tipo mh1do, e traçada com todo o vagar e a maior serenidada.
Tenho também umas cnrtas de Viefrn de Castro, dns qu3is igunl-
mento lhe enviarei cópias logo que consiga decifrar inteirnmente
o que elas dizem, pois éle escrevia mnl como o Diabo. Polo que
já pude ler, sào interessantíssimas. Como não sei fazer prosa, quo
honre n Feira, publicnçào que tanto aprecio (1 ), contribuo pt1ra o
enriquecimento do .iBpistollirio" ..•
• • • • • • • • • • • • # • • • • • • • ••••••••••••••••••••• • ••••••••••••••••

Subscrevo-me com o.slim:i o considora.ç.âo, etc.


ANTÓNIO TAVARes oe CARVAl.HO
(!) Se nao livesse oulros lílulos a oporem-se a lal afirmaliva,
bastaria, pnrn a contra.dizer) a leitura dcs1n cnr1a, oscritn com pre-
cisão, clarozn e boa linguagem.
-176-

.Meu caro Julio


O caso loi assim: ás 6 horas da tarde vi-me annu n-
ciado em Lx,a nas gazcfas. Ás 7 safei-me receando as
visitas do Castilho que terminam quando a aurora se
leva nta dos seus coxins de rosa. O Ca~tilho é uma im-
perlinencia q nem o cstylo suavisa. E homem d'un~
te mnos extinctos em que o espírito se pascia nas pa-
lestras indigestas como lampreia de escabeche. Eu, fil ho,
não aturo quinze minutos de conversação sem pensar
no suicídio, salvo se o conversador tem o coração
moço e a língua bem acerada da malaguêta da cri-
tyca.
Li hontem o teu livro d'um hausto. Bellissima coisa
de talento, de humor e de lorma ! Estás um juvenil
brincalhão. Raro ha ahi quem, nesta terra tão cerrada
a resplandores de inspiração, passados 20 annos de
trabalho mal rctribuido, se co nserve na puberdade da
fantasia com tanto ardor e vivacid.• de imagens.
Apertamos-te todos a mão.
Eu sou o teu velho
Camil/o Castello Br.co
SlLHUET AS DO SÉCULO XVIII

A nesta revista (t. 1. pág. 159) apresen-


lei ao leitor alguns papéis recorlados.
ReTncido, para informar quem me
ler de que se nao perderam, como eu
supunha, fôdas as silhuelas que perten-
ceram a Aniba l Fernandes Tonrnz, o
sapientlssimo amador de livros. Um bibliófilo ni>rlenho
possue pelo menos, seis. Tenho-as diante de mim, por
extremada genlilcza sua, pois, vindo a Lisboa, as pus
à disposiç:to da Feira da ladra.
Dessas seis reproduzo duas, que me pareceram ª'
mais carncleríslicas. A primeira, (Est. 1) que mede cêrca
de l J .cm e 8.cn•, rcspectiv11111ente nas maiores altura e lar
gura, fêz·me pensar em O. António Manuel de Vilhena,
grao-mcslre português de !llalla e depois em D. ,José 1.
Mas cêdo enjeitei estas suposições, e incli nei-me para
D. Joao v.
Não me parece original o debuxo. Aproximemo-lo
da medalha que Arlur Lamas descreve num sen pre-
-178·
cioso e mui citado livro 111 e veremos a notável seme·
lhança entre êle e o busto que a adorna. As feições

do rõsto, ainda que snmàriamenta indicadas no recor·


te, o penteado, os olhos, a bõca, a coroa de louros, a
(1 , ,\ltdalhas p0rlugu~sos r r1frángrtras rder~ntn a Portugal.
Lhboa, 1916, pigs 18, es1. &.•
-179-
linha sinuosa do perfil moco do rei, a couraça que, à
rornnna, lhe reveste o tronco, o paludamento. emlim, que
lhe pende do ombro direito, denuncinm uma cópia e eu
la jurar que quem recorlou a •sombra" teve diante dos
olhos n medalha que em 1716 o norueguês Rõg mo-
delou em homenagem ao rei ningnffico, que contava
entao 27 anos.
l Mas é da mesma data da medalha ~ste bocado de
papel preto que uma tesoura setecentista recortou ?
Nao me parer.e; e urna das razões que me movem a
crê·lo é assemelhar-se a silhueta, no modus faciencii,
a três das suas quatro irmas mais modernas.
Destas, reproduzo ainda outra, (Esl. 11). representan-
do (aqui é que nao há dúvidas) a eslátua equestre de D.
José. Distingue-se nesta, claramente, n marca de água
do papel, a meu vêr italiano, com a data de 1782, onde
está colado o recorte.
Numa cercadura arrendada que encaixilha o grupo
central, l~em-sc, na parte superior, as !eiras O. A. S. A.
e, na inferior, B. A. e. A. É hoje dilfcil, se não impossí-
vel, decilrf1-las exactamente; mas sempre aventarei a opi·
niao de que, nas primeiras, o artista <1uereria significar
Ofe1ecP ao seu amigo e, nas restantes, o nome dêsse ami-
go. Assim, teríamos diante de nós um recorte, ou som·
bra, expressamente leito para presentear alguém.
O monumento é visto por quem olha de E. para O.
O recortador, todavia, não tinha por certo diante dos
olhos a estátua quando a recortou no papel, porque
lhe nao debuxou fielmente a linha do contórno. Pos-
tergando outras minúcias, a cabeça do cavalo, por
ex., é mais levantada e mais pequena, em t>roporçao,
do que o orii:inal e pouco exacta a posiçao das serpes
que rastejam nos pés do animal. O grupo destaca-se dum
fundo de rantasia de linhas cruzadas em diagonal, for·
mando grade. Nos ângulos superiores, dentro da mol-
dura, um sol e uma lua - l intençao ou simples motivo
-180-
ornamental? A cada um dos quatro cantos, uma cru-
zinha de ,\1alla.
~stc recorte, que mede 10,SX 14.an está muito mallra-

ES L li

lado pelo tempo e pelas maos dos possuidores, algum


ou alguns dos quais lentaram desastradamente res-
-181-
taurá-lo. Encontrado dentro dum velho calhamaço (t}
meio devorado da traça, também por sua vez nao foi
poupado, como o testificam vários orillcios. Falta-lhe
o ângulo inferior direito e igualmente desapareceram,
como mais frágeis, alguns cruzamentos das linhas que
decoram o fundo e muitos raios das estrelinhas colo-
cados nos cruzamen tos do gradeado. Num ou noutro
ponto, onde faltavam fragmentos, foram estes refeitos
a tinta de escrever (!). Reproduz-se tal qual se encon-
tra.

Reslam 11uatro silhuetas. Uma delas, aberta em pa-
pel branco, nao tem valor histórico. Exibe um vaso
com flores, ladeado por duas figuras, uma de ho-
mem outra de mulher, que nao sao retratos, mas sim-
ples motivos de decoraçao. Das três resta ntes, duas
sao grosseiramen te recortadas. Uma delas, também em
papel hranco, é um bu$tO, à direita, rodeado de uma
coroa, c1uc pretende ser de l ouro ; está assente num
quarto de papel azul acartonndo e tem por baixo, à
pena, em letra do prímeiro quarto do século passado :
Reir.o de M. M. Barbosa de Bucage. Verdade seja que
só se parece com o poeta na aduncidade nasal e em
três ou 11uatro farripas que lhe descambam na testa. A
outra, igualmente recortada em branco, cabeça de ho-
mem descoberta, cabeleira acachoada, perfil à esquer-
da, nao sei de quem seja; pensei em Pombal, pensei
em Pina ~la nique ... Foi colada modernamente sõbre
cartolina a1.11l, decerto pelo autor ilustre das Carias Bí-
bliogmpillcas, '1ue lhe pôs por baixo uma interrogaçao
a lápis. A terceira, de melhor punho e cm papel branco

ri 1 Conformo se I~ numa no1a a lápis no 'erso, do punho de


Fernandes Toma.z
182
como as precedentes, julgo que representa O. Maria 1;
esteve encaixilhada e assenta sõbre sêda cõr de rosa,
da época.
A soberana, em busto, olha à direita. Tem em
aberto o penteado, os olhos, a bõca e, apenas indica-
da num ou noutro golpe de tesoura, a parte superior
do vestido.
C. M.
- 183-

,
HISTORIA COLONIAL
(CARTA)

Escreve-nos de Angola o rev. Manuel Ruela, que


ainda há pouco honrou esta revista com a sua colabo-
ração, comun icando que ficara inco mpleta a informa·
ção dada a págs. 155-156 do vol. Ili; pois no maço 6.0, en-
contra-se mais uma carta autógrafa do chanceler Sebas-
tião Xavier de Vasconcelos Couti nh o, com a data de 20
de Fevereiro de 179 1, dirigida a Martinho de Melo e
Castro, que fala do tal Nicolau Jorge, irlandês de nação.
A esta carta está apenso o respcctivo auto de preguntas.
O distinto sacerdote ainda se refere ao Arq uivo His-
tórico Colonial, para onde foi transferida a secção ul-
tra marin a da Biblioteca Nacional de Lisboa, arquivo
instalado no palácio da Ega, à Junqueira, por iniciativa
do seu inteligente e infatigável director, sn r. Pires Ave-
lanoso. E acrescenta:
•<Na verdade, os papéis vel hos ele Angola estão quási
todos ainda por classifica r ou catalogar devidamente
e, por isso, as pesquisas ou buscas são mui custosas e
demoradas, como pessoal mente experimentei em 1928.
•Por minhas próprias mãos e sob a etiq ueta Tl-
RADENTES, lá deixei, por ordem cronológ-ica e em
sete maços, todos os documentos relativos à .. Jnconli-
dência Mineira", ou seja à tentativa de independência
do Brasil em 1789.
•Já tenho em co mposição, numa tipografia de Lu-
anda, um modestíssi mo livro, não só com a lista dês-
tcs documentos, como também de mais outros que
descobri nos arquivos da secretaria geral de Angola, os
quais referem a sorte que por cá tiveram os conspira-
-184 -
dores, que do Brasil vieram desterrados para os diversos
prcs!dios desta colónia•.
Grato anúncio nos dá o sr. P.• Ruela. É certo que,
desde meados de século passado tem sido muito estu-
dado o célebre tentamc rcvolucio11~rio de Minas, que
o govêrno da "Piedosa• castigou com dureza e até com
crueldade. Mas a noticia de todos os documentos no-
vos, que venham ainda dilucidar aquêle episódio, desi-
gnadamente na parte que se refere a Angola, scd labor
que bem merece de todos os amadores da lusa his-
tória colonial que, como nós, ficam esperando com
interêsse o anunciado livro.
...

,
GLORIA REFLEXA

ueM se tenha familiari1ado com os


nossos poetas quinhentistas, familia-
riado estará também com o nome
de D. fraucisca de Aragão, dama
dilecta da côrte da rainha D. Cata-
rina de Áustria, mulher de D. João
Ili, porque vários dêsses poetas,
principiando pelo maior de todos,
lhe entoaram louvores calorosos à beleza, li inleligência
e à candura. Pode-se rastrear em Camões, O. Manuel
de Portugal, Andrade Caminha e Jorge de Montemor,
o ;deslu mhramcnto e o entusiasmo inspirados por tais
dons.
O Or. Quciro1. Veloso, com o seu conhecimento pro-
fundo do sl-culo XVI peninsular e sua documentação
nova, pela maior parte do arquivo de Si mancas, sentiu-
-lhe também o atractivo e quis-lhe recompor a biogra-
- 186-
fia, (1) em verdade muito mal conhecida fora do seu
aspecto de musa inspiradora daqueles poetas. Esta re-
constituição biográfica é estrieta mente documentar, por-
tanto de segurança perfeita, mas não consegue eviLtr
u ma lacuna grande: a da influ~ncia positiva da formosa
dama, q ue explicasse o seu grande ascendente.
Queiroz Veloso afasta-se de todo das hipóteses de
Teófilo Braga-espírito paradoxal que fêl. poesia com
a usteridade didactica e exerceu a crítica com a mais ar-
bitrária imaginação interpretativa-, como se aparta da
narrativa gentilhomesca do Conde de Sabugosa, tecida
à volta dos dados vagos e não verificados dos cronistas.
Teófilo Braga c hegou a atribuir a D. Francisca de
Aragão. quando donzelita mal entrada na nubilidade, o
o papel excelso de sugerir a Camões o pensamento da
sua epopeia . . .

D. Francisca de Aragão era algarvia, filha do alcaide·


-mor de Faro e vCdor da fazenda do Algarve, Nuno
Barreto, e ligada a famílias ilustres. Sua mãi, O. Leonor
Milá, era filh a de aragonesa e tinha sangue da casa real
do Aragão. donde lhe vinha o apelido que usou .. Era
seu tio Francisco Barreto, aquêle governador da lndia
q ue perseguiu Camões, quando êste por lá militou e
pen uriou. Era algarvia, mas não u ma algarvia castiça,
daquela vivacidade faladora, com que Oliveira Martins
caracterizou o espírito algarvio, porq ue os poefas seus
louvadores e ncareceram-lhe a discrição e porque sem
prudência de língua não teria conservado tão lo ngo
te mpo o cetro de primeira dama da côrte.
Apezar de grandemente requestada, com a mor mais
veemente em Camões e O. Manuel de Portugal, com
( 1) Uma alia figura feminina de Porl11ga/ e Espan/10 nos sef-
culos AYI e XY/1-D. Francisca de Aragao. Barcelos, 1931 , 19 1
págs.
-187-
galanteios mais literários e inócuos cm Caminha, D.
Francisca de Aragão conservou-se solteira até perto dos
quarenta anos. Parece que sabia administrar muito bem
os seus prestígios e que o ascendente da poesia não a
tentava muito. Conservar durante anos a sua situação
de predomínio na côrte e o seu valimento no ânimo da
raínha, principalmente no período das desavenças des-
ta com o neto, necessita um grande talento político -
político no sentido mais modesto e mais portugues da
palavra: cálculo e dissimul.:1ção nas relações, estrategia
social, indeterminação de opiniões.
É natural que a êsse domínio sereno dos seus sen-
timentos não faltasse o dom de se defender da sedução
falaz dos versos, quando a fascinação das letras era tão
precária, apanágio de alguns espíritos sclectos, que o poeta
sublime morreu de miséria. O reinado do escritor veio
muito depois; e já hoje, nalguns pa!ses, onde nunca
chegou a principiar, o dão por terminado com essa reac-
ção barbarizadora que reduz a inteligência à meno-
ridade.
Se os poetas a não seduziram nos anos róseos da
juventude, seduziu-a a candidatura de D. João de Borja,
no estio pleno, quando se avizinhava a quarentena e a
beleza, sem o nimbo da ingenuidade, tinha a madurez
suculenta que tenta o homem já outoniço, como era o
segundo filho do Duque de Oândia, D. Francisco de
Borja, então já envolto na roupeta de jesuíta professo.
Pai e filho tinham estado em Lisboa, o primeiro re-
petidamente, o segundo demoradamente, ambos em
missões da refalsada onça do Escorial. D. João era ca-
sado com D. Lourença de Oflaz, que lhe dera quatro
filhos, mas essa circunstância não terá sido impedimen-
to para se inteirar dos eracantos da formosa trintona. Ape-
nas D. Lourença morreu, caminho de Espanha, em Outu-
bro de 1575, D. João pede de longe a mão de D. Fran-
cisca, que prontamente lha concede. D. João de Borja
-188-
era pessoa muito adieta a fclipe li; e a :>rotee(ão do
soberano mais poderoso da Europa excedia decerto
as po~ ibilidadcs oferecidas por qualquer poetastro
e mais ainda as dum poeta de génio, condenado
a i:sse trágico frete. i 1: quem cria então Camões um
[lOeta de génio? Isto é uma expressão e um valor cria·
dos pelos séculos; raro cm Portugal se mediram méritos
sem a colaboraçao da miséria e do tempo. r:ssc rasa·
mcnto, segundo um curioso texto publicado pelo Dr.
Queiroz Veloso, deve ter sido um casamento polltico:
polltico era-o já pelo c.~lculo dn dama, político o loi
porque se recorria ao seu belo para colaborar na missão,
que D. João de Borja ía desempenhar na Alemanha i. 1;
quem sabe se não foi também a política que os aproximou,
quando nas intrigas palacianas de Lisboa ambos forma-
\'3m no mesmo p.1rtido, o da rainha-avó?
No seu aspccto de advcr,.irios viu D. Scha;t1511 aos
cônjuges serôdio,, porque não concedeu mcrcês de di·
nheiro à noiva, como era costume num tempo, cm qm•
a nohreza vivia do f.wor dos reis. Nem à instante soli·
citaç:lo de felipe li cetlcu. Só cm 1578 confirmou o que
,1 avó modestamente concedera.
A noi\'3, madura e hch, a quem os pocL1s tinham
revelado os próprios encantos, deixou-se amar com en-
tusiasmo por D. João de Rorja e deu-lhe qUJtro filhos,
o do noivado, nascido no 1m1.r, nas vascas do enjoo, lu·
turo príncipe de t::squilachc; dois em Praga onde o
marido, nadando cm felicidade, se fêz também autor
de prosa, publicando 11111;1 colcctãnea de Empresns 1110-
ra/cs; e o último cm l.bboa, onde voltara na com ili·
va tlt• Maria de Áu,tria, governadora de Portugal, j;Í
anexado por Feli pc 11.
lntrclanto, D. Jo~o de Uorja en~orda·1a, caminho
dos 'ctenta anos; e sôbrc ê»c ah-o crescente iam c:ifndo
as mercê;; rendas opulcnt.15, o condado de /l\ayaldc,
um lugar no Conselho de l:;stado, a presidência do Con·
-189
selho de Portugal, legados de Mana de Austria, a mor-
domia-mor da Rainha. A espo$1 11~0 era esquecida e
p.ua ela se criou o condado de hcalho, que ela cm
1607, Já \'iúva, renunciou a lavor do filho lisbocu, D.
Carlos de lloqa, o único tido por p<>rtugu~.
Mas tanta prosneridadc acordou a inw1a dos deuses
-que uma tarde, tr~damente, cmpu11.11a111 o górdo e Já
cnhl-v.1do I>. )o;lo de Borja ror umn cscacfa abaixo; e
do dcsa~t1 e morreu prosaicamenk o homc111, que duran-
te trinta 3110$ possuira a mulher mais nnetccida da côr-
tc de Lisboa.
A discreta algarvia viveu ainda nme anos na viuvez
opulenta. Pôde cumprir a vontade do mando, fuendo
trasladar o corpo d~le para l isboa. para a igrei:i de S.
Roque, cm CUJO alur-mor os esposos tinham um camci·
ro. Na mesma igreja se guarda uma grande colecção
de rcllquia,, reunidas pelo> c'Srosos n.ts su." viagens c
oíerccidas cm l ">88.
t:m to05, na vcspcra dos scknl,t anos, n envelheci·
da 11111;a de C1111õcs foi vista cm Vall.1llolid, nas lestas
do nascimento de Fclipc !\', por um ol»crvador rortu-
i.:uês bem humorado, Tomé Pinheiro da \'ciga, que na
Fasligunll nos conservou uma c:mcatura dela era ainda
uma grande dama, de todos acatada, e preocupava se
:unda muito com o maquillage da sua beleza, da beleza
que Camões cantara.
Morreu cm 1615, com cerca de oitenta anos, longe·
va como ,\\ariana 1\lcoforado, a .\brllil de Tomaz ,\nlú·
nio Gonzai:a e a mulher de G~rretl. j Parece que o
amor conserva 1
O. f·rancisca de 1\ragào niln amou i:randcmcntc,
111a5 dcixoU-!>C amar, liric.tmcntc no pcrfodo .lurco da
sua beleza, fecundamente no seu declínio. 1: na qualí·
dadc do mais pobre d°' homens, que a unanm, rc,ide
a railio de ser lembrada. mais de trb seculos depois do
ocaso dC'\S.'I bcku GPorquc se ocupou dcl3 nesta exce·
190
lente monografia o Dr. Queiroz Veloso? i Porque D.
Francisca de Aragão teve algum papel importante na
vida política de Portugal, de Espanha ou da Áustria?
iPorque afirmou dalgum modo o seu espírito nacional
no momento da absorção da coroa pelo protector
do marido? Porque ligou o seu nome a algum gran·
de sucesso da história? N1lo. A parte intima e mi-
litante da sua actividndc -dama dilecta de D. C1tarina
e colaboradora da carreira p1íblica de seu marido-
é-nos totalmente desconhecida. É a grande lacuna da
sua biografia. Não, o seu il ustre biógrafo ocupou-se
dela com simpatia, seguro método crítico e grande sa-
ber, porque D. Francisca de Aragão foi amada e cantada
por Camões. Acima do valimento da rainha, da privan-
ça e prosperidade do marido, imortalizaram-na os versos
do poeta altíssimo, como a pont.t da sua espada salvou
do esquécirnento aquêle pobre criado do paço, Gonçalo
Ribeiro, que num dia de procissão de Corpus Clirisli
recebeu no pescoço uma boa cutilada camoneann.
E este foi, afinal, o grande sucesso da história, a que
D. Francisca de Aragão teve a fortuna de ficar ligada
para sempre, dele recebendo a luz que revela e nimba coi-
sa tão fugaz, como a bclcia dum rôsto: a existência da
alma poderosa, que criou os lusíadas, espelho fiel dos
n•>vos horizontes do Renascimento. E a monografia do
Dr. Queiroz Veloso, muito mais que uma contribuição
para a história geral, é uma importante contribuição
para a crítica camoneann.
F1oe1,1No ot: Fioul!l~eoo


A
UM LIVRO SOBRE
A ,.COMUNA"

A Imprensa da Universidade foi im·


presso em 1871 um opúsculo com
o título A Co1111111111a de Paris e o
Governo de Versall/es, da autoria do
doutor José Pereira Fakao, nesse
tempo lente substituto da faculdade
de Matemática.
Como no opúsculo se sustentavam e se elogiavam
os aclos da Comuna e os princípios subversivos que
ela proclamava, irrogando graves injúrias ao govêrno
francês, o entao ministro do Reino, o marquês de
Ávila e Boiama, oficiou ao ministro da .Justiça, en·
viando-lhe o opiísculo e o parecer do procurador ge·
ral da Corllo e Fazenda, que nesse tem po era Mártens
Ferrao. pedindo-lhe providências contra o autor.
Mártens Ferrão, nesse parecer, depois de verberar
o procedimento do dr. José Falc:io e as doutrinas por
êle expcndidas, termina por pedir o castigo do autor,
do administrador e do director da Imprensa da Uni-
versidade.
-192-
Como nos papéis relativos a êste assunto nao se
fala no nome dêstes dois últimos criminosos, escreve-
mos para Coimbra ao snr. Cândido Nazaré, muito
digno director das oficinas da Imprensa da Universi-
dade, que nos enviou a seguinte carta:
"0 director da Imprensa, ao tempo em que foi pu-
blicado o opúsculo A Communa e o Governo de Ver-
sailles, era o dr. Bernardo de Serpa Pimentel, Len-
te ela Faculdade de Direito e mais tarde Par do Reino
e Vice-Reitor da Universidade durante muitos anos.
irmão de António de Serpa Pimentel e de José de
Serpa, nao poetizou, como os dois.
uA organização da Imprensa, há 60 anos, era muito
diíerente da de hoje. Além de um director, cargo que
só poderia ser exercido por um lente da Universida-
de, havia mais um administrador e o director das
oficinas, lugares desempenhados respectivamente por
Ol!mpio Nicolau Rui Fernandes, cidaclao benemérito
a quem esta cidade deve relevantes serviços e José
Pereira Júnior, tipógrafo muito instruído e astuto.
"Foi a êste último a quem o original do opúsculo
foi entregue pessoalmente, com o pedido de ser com-
posto com a maior urgência, pelo dr. António Rodri-
gues Vida!, lente e director da Faculdade de Filoso-
fia e sogro do dr. José Falcao.
"Parecerá bastante estranho que naquela época,
quando as ideias socialistas e republicanas estavam
pouco ou nada propagadas no nosso país, havendo
ao mesmo tempo a pior atmosfera que se pode ima-
ginar contra os homens da Comuna, acusados dos
maiores crimes, houvesse tanta facilidade em publicar
o referido livro nesta Imprensa-um estabelecimento
do Estado ...
"0 caso, que por tôdas essas razões loi comentado,
tem uma explicação.
•O dr. Vida! teve sempre ideias rasgadamente
-193-
liberais e, além disso, foi sempre muilo respeilado por
tôdas as classes sociais. Publicou também aqui alguns
livros didácticos e, por isso, estava nesta Imprensa inti-
mamente relacionado com os seus dirigentes, nao
lhe sendo, por tôdas essas circunstancias, difícil en-
contrar da 1>arte do direclor das oficinas a melhor
boa vontnde na aceitaçao do originnl.
•Composto e revisto o livro, houve depois uma
certa hesilaçao na sua salda. Mns era tarde. Ninguém
queria indispor-se com o portador do original do opús-
culo, que, a-pezar das suas boas qualidades, nao era
isento de autoritarismo.
• Como ia dizendo, pôsto o livro a cirrular, o seu
aparecimento causou a maior sensação no meio co-
imbrão, como é facil de supor e dai uma grande in-
triga da parte de alguns lentes, junto do gov~rno,
dando isso lugar a um inquérito muito rápido, do qnal
resultou n demissão do dr. Bernardo de Serpa Pimen-
tel, pclu portaria de 20 de Junho ele 1871, assinada
por António .José d' Avila. Foi subslituído pelo dr.
Bernardo de Serra Mirabeau, lente da !acuidade de
Medicina.
•o director das oficinas, José Pereira Júnior e
Olímpio Nicolau Fernandes trataram de alijar o melhor
que p0stcram a responsabilidade que tinham no as-
sunto. a natural que houvesse alias influ~ncias pollti-
cas a proteg~·los, porque sobretudo Olímpio Nicolau
eslava bastante relacionado nao só nesta cidade como
também em Lisboa, de onde veiu pnra organizar esta
Imprensa por ocasião de uma sua reforma.
"O dr. Bernardo de Serpa, espírito bonachei-
rao que como director desta Imprensa era apenas
uma figura decorativa, nao me consta que protestasse
contra a demissão que injustamente lhe foi dada, êle
que se tinha alguma responsabilidade era a de se não
querer indispor com um colega. E assim acabou esta
-194-
comédia muito bem desempenhada por Oli1111>io Ni-
colau e José Pereira Júnior e nno prosseguindo o pro-
cesso ioslaurado pelo Fõro académico contra o Dr.
José Falcão. Melhor foi assim ...
Ignoramos se ainda está em vigor 1111 Imprensa dn
Universidade o Regimento de 9 de Janeiro de 1790.
~le preceitua no seu art • 23, que não se imprima.n ali,
seja por co nta dela, seja por conta parlicular, obras
fúteis . ..
O SIMBOLISMO
NA ARTE MEDIEVAL
(EXCERPTO)

ÃO é meu intuito desenvolver aqui o


interessantíssimo tema do simbolis·
mo na arte cristn dn Idade-Média (lt.
Observarei, todavia, que entre o sen·
tir de certos arqueólogos que, em tô-
das as manilestações da arte religio ·
sa dos séculos XI, XI! e XIII, vêem a
expressão de um pensamento, um 1>ropósito moral, re ·
correndo, por vezes, às mais engenhosas e subtis in-
terpretacões •procurando explicar o inexplicável", no
conceituoso dizer de um escrilor lranc(·s - e o parecer
clac1ueles que negam absolutamente o caracler simbó-
lico da complexa ornamentaçao dos edilfcios religio-
sos medievais, há um meio-termo, que deve correspon-
der à verdade. Nem tudo é simbolismo; nem ludo é
apenas decoraçao. le vrai symbolisme, escreve E. MA-
• 196-
le, tienf asset de place cfans l'art du moyen ág1, pour
que naus n'allions pas /e cherL'11er lá ou il n'esl pas (ll.
Era necessário que a igreja, tanto na estruturn co-
mo na ornamentação, representasse, para os fieis. cla-
ro e persuasivo ensinamento. Importava que, pelos senti·
dos, os crentes se elevassem até à compreensao das
verdades sobrenaturais.
De maferialibus ad immaferialia - proclanwvn S u
ger, o ramoso abade de S. Denis, o célebre ministro
de Luiz VII, que tanto concorreu, com a sua inrtu~n­
cia, para que os domínios da simbólica se dilntassem
consideravelmente.
Mercê do seu poderoso impulso, os monges-artis-
tas de Cluny enriquecem as igrejas com uma plâstica
exuberante, espiritualizada pelas mais altas intenções.
Não era só a História Sagrada que interessava os
imaginários. Eram também os conceituosos apólogos
dos fabulários clássicos; as narrativas fantásticas de
;rntigos viajantes; a fauna, real e imaginária, que po-
voava as páginas dos besti:'trios; as plantas; os astros;
as pedras preciosas e, até, a estranha e cativante or-
namentação de artigos suntuários importados do Ori-
ente, esmaltada, por vezes, de enigmáticos slmbqlos
religiosos, emanados das remotas civilizações da Asia
Central.
A igreja era uma Bíblia e uma Encictopedia. Era,
verdadeiramente, a tradu ao em pedra do Espelho <lo
Mundo, que Vicente de Beauvais coordenara, por de-
terminaçao de S. Lui1..
Contra essa perturbndorn riqueza decorativa uma vol.
auslera se erg ueu: - n de S. Bernardo. Mas o sim boiis·
(1 > l >61o lrala, larga o proficientemente, o sr. dr. Mrâo do
L'1cerda, na sun notável dlsscr1nçAo O Fe1161nc110 r~l1gioso e a
•lmbóllca. Põrto, 1924
(li L'art rlligieux du XII/.• slicle en France. 4 "'' 6d1t. pigs
67.
CAPITEL DA IGREJA OE RIO-MAU
tVi11-do-Condo1

1'•11111 IJll l. AllllA


YOM!'I ' "• M 01 S-6
CAPITllL 00 MOSTEIRO DE CELAS

••m• IJ4 U••••


'TONll n·. H,Ot .\•fl
CAPITEL
DA IOllEJA DE S. MARTINHO·DE·MOUROS
(RCzcndcn

1• 1111 .\. DA 1 o\l )lt A


H'•Mn w1 ,._o• A~t1
-197
mo nno foi logo proscrito, porque se radicara funda-
mente na nlma medieval.
Se é certo que, na arte gótica, a decoração vegeta1
era muilas vezes empregada sem inluilo simbólico·
nao ~ menos cerlo que a própria calcdrnl, na sua ma·
ravilhosa nrquitectura, consliluio o mais complclo, o
mais cx1>rcssivo, o mais eloqíicntc símbolo.
Só nos derrndciros lempos dn ldnclc-Média o sim-
bolismo religioso decai, subslituindo-se-lhe uma csla·
tuária de cnraclcr hislórico e narralivo, até que de todo
se extingue com o Renascimento, tomando então, por
vezes, o seu lugar um simbolismo profano, do qual
oferece exemplos Irisantes certa modalidade da arte
manuelina.

Quanto à nossa Península, como a sua população
era, nos tempos medievais, muito hcleroi::énea, e, na
sua arte, várias correntes estrangeirns actuavam, suce-
dia, nao raro, que o arquiteclo e o imaginário re-
presentavam influancias artísticas diversas, de modo
que, da colaboraçllo de ambos, nao resultava para o
edillcio aquela perfeita unidade que noulras regiões se
observa. A escultura que, dêsse modo, nem sempre é
entre nós, no perfodo românico, elemento decorativo
em íntima conexão com a obra nn1uitcctónica, reveste,
no entanto, pela sua complexidade, altíssimo interêsse.
A par do fundo clãssico, - clementos franceses, bisan-
tinos, maometanos, persas. . . NãO s:lo vulgares os
apólogos. Aos exemplos que nos oferecem as catedrais
de Tarrngona e Çamora, S. Pedro de Ávila, a colegia-
da de Cervatos, o claustro de Celas (Colmbra) -- êsle
último jú da trnnsiçao-pouquíssimos haverá a acres-
tar. O ima~inãrio procura''ª• em geral, tornar odiados
os vícios, figurando-os com o mais cx1ircssivo realismo.
D. Jost PesSA>IHA·
011Uln'o. oA 1... 6l4 I•• H..\ .. i a ~ "'" Lbok•"'-·
EPISTOLARIO

XIII
PEDRO IV e LUIZ XVIII

A corta de O. Pedro LV dG Portugal e 1 do Brasil, que a seguir


publicamos, foi escrita originà.riamcnte em francês A-pczar de nao
datada, é de 1822, ano c1n que o Brasil se tornou independente da
metrópole, aclamando imper:.tdor o príncipe O. Pedro que, hipbcri-
f;'lmentc, se dh::ia chamo.do «a manter no Brasil a autoridade do
Rei seu PAi."'
En1 todo o caso, a confinnça no ~xlto dn empresa nâo era gran·
de, o que neto só exp1icn o lançnmento do célebre Ma11ifesto t)s
Pof~11cias, a que se l\lude na carl:l, mas ttunbóm o pedido de pro-
tecçao a Luiz XVIII, ucujn intertcrêncin seri:l de grande importan·
cin.
É um documento curiosísshno da versatilidade de carncter do
O. Pedro IV, que durante muito ten1po, nn questão luso-brasileira.,
jogou com pau-d~-dois-bicos.
Suponho que o conde de Gestas, a quo se refere o imperador,
er:i um agenle diploruético do rei de Prançn.
C. M.

Senhor
Chamado, muito novo ainda, a fixar os destinos de
um grande povo, e a manter no Brasil a autoridade do
-199-
Rei meu Pai, que um Clube desorganizador oprime,
procurando estabelecer novas cadeias em nome do li-
beralismo, reclamo os conselhos e a amizade do Nestor
dos soberanos, que durante vinte e cinco anos de in-
rortúnios soube conservar o amor de todos os seus sú-
bditos, e de promover a sua felicidade, que êle asse-
gurou outorgando-lhes justas e sensatas liberda-
des.
Se Vossa Magestade me honrar com a sua amiza-
de, ficarei mais seguro de conseguir os meus fins e, ao
mesmo tempo, aumentarão as relações amigáveis en-
tre o Brasil e a França.
V. M. verá pelo meu Manifesto às Potências, que
roi apenas o sentimento de legitima delesa que levou
o Brasil a assumir a atitude belicosa contra a racçao
portuguesa. t'ara se evitar o derramamento de sangue,
não houve meio de conciliação de que eu não lançasse
mao; e, a-pezar disso, os insultos e as ameaças nllo fal-
taram em Lisboa. O orgulho cega-os a ponto de pare-
cerem desconhecer os recursos imensos de que dispõe
o Brasil, que nada agora poderá separar do Oovêrno
Monárquico, que êle quere e eu saberei manter, conser-
vando-o para o Rei meu Pai, que os Brasileiros amam
e respeitam sempre.
A mediaçao das Potências para impedirem a guerra
civil entre Portugal e o Brasil, seria de inter~sse para
todos, e entraria no pl;mo e intenções da Santa Alian
ça, e para isto chamo a atenção de V. M., cuja inter-
ferência seria de grande importância.
Príncipe Português, a unillo dos dois povos em ba·
ses honrosas e justas é o objecto da minha solicitude:
Defensor Perpétuo dos direitos e da independência do
Brasil, os meus deveres estao naturalmente indicados.
Encarrego o conde de Gestas de entregar esta car-
ta a V. M.; possue êle há muito tempo a confiança
de V. M., o que é um direito para ter igualmente a
-200-
minha.
O passo que dou, franco e directo, junto de V. M.,
é, Senhor, uma prova clara e nl!O equívoca dos meus
sentimentos.
Sou de V. M. amigo e admirador sincero
D. Pedro de Alcdnlara

XIV

AS ELEIÇÕES "LIVRES" DE 1865

Júlio Gomes da Silva Sanches Machado do Rocha, gra-cruz


da ordem de N. S.• da Conceição de VIia Viçosa; cavaleiro da
orde111 da Torre-e-Espada; n1inlstro do reino por 4 vezes e da
Paiendn por 3 vezes, sendo uma intcrinnmcntu; conselheiro de
Estado erectivo i par do Reino, por cartn régia de 5 do Março de
1853, tendo presidido por várias vezes a esta Câmara no impedi·
menta do Jlresldeote e do vice.presidente; deputado cm 16 legisln-
turns; iuiz e presidente da Relação de Lisboai liberal comba-
te111e no "'Bnto.lhno Acadénlico'',-nasceu no C:lsal de Oumiei, <IA
frêguesin de Ribafeilà, no bispado de Viseu1 em 3 do Janeiro do
1803, o fnleceu e1n Lisboa, a 23 do AbrU de 1866, quando ocupava
o penültimo dos cargos acima referidos
Ern filho de Manuel Gon1es da Silva Sanches e de sun mulher
O Páscoa t\1aria de Jesus Machado; neto paterno de José Go-
mes da Silva, natural do referido Casal e de sua n1ulher O Maria
Teresn Snncbes, natural de Serrazes; neto materno de Manuel Ma·
chado da Rocha e de sun mulher O. Rosa Mnria Simões, nmbos
naturais do moncionado Cnsttl. Dada n vastidão dn sua biografia
e as din1inutns proporçoos do espaço de que dispomos, llmit::u-
-nos·hemos a enviar para a Revista Co11fetnporanea (Vol. I, 1855)
os leitores estudiosos que desejarem conhecer pormenori2nda-
mentc a vida do aulor da carta inédila quo adiante trnnscroven1os.
Escreveu:
Respos1a á Carta que Panor11io niandou lr1serlr 11a "ftfi11orla
Co11sfifucional" "·º 5. Cofmbra, 1823;
lrrc{lexao, folheto escrito no e:<í1io.1 en1 1831;
201-
A/9u111ns luexacffdlJes do "Addila1111•11lo d c11rll$$/111a expo-
slrlln de at91111s factos" Ll•ba•, 1847
Casou en' 27 de Novembro de 1845 com O. Carollnit Augusta
da Oamn. filhn de Faustino da Gama, par do reino, do conselho
de S M. P, comendador d•R ordens de N. S Jesus Cristo o de N.
S.11 da Co11cclçno do Vila-Vlçosn, e do sun 1nulher O. MariR Adc-
lnlde.
A Silv:t Sanches foi concutlida c.1rtn do bros.ào do armns, por
nlvaré de morcé--nova de 20 de Maio do t865, no próprio dia em
que escreveu a c1rta que vamos transcrever. sendo ontào minis-
tro do Reino o interino da Pazcnda. Escudo esquartoludo: no l.( 1
e 4.o quartéis, os armas dos Si/uas; no 2.o, as dos Sa11clres; no 3.o,
ns dos Gon1es. Bl1no, do prntn, oberto, guarnecido do oiro; pnquifcs,
dos esmaltes dns armas; timbro, o dos Slloos.
O. Carolina Augusta da Oama, nasceu a 8 de Setembro de
1828 o, depois de cnviOvM, foi ngraciada com o título do condes-
~" de Silva S11nches, cm 2 vidas, por decreto de 1 do Maio de
1871, em mcmórin dos survlços prestacJos por seu n1nrl<10; por
folocimento dust" Sr.à, herdou o tílu1o sua filho O. Cnrolinu Júlia
<ln Onma dn Sllvn Sanches, que nasceu u 19 de Julho do 18-17, e
actunlmento reside em LlsbC'ln
Henrique José Ferreira Lima, a que111 esta. carta é diri-
ifldn, do C011$elllo de S. M. P., comenc.lador da ordc1n do N. S•
•Jesus Cristo, secretário gurnl do distrito de 13rngançn, tondo ser-
vido várins vetos e.lo governador civil iuterlno, nasceu nesln cida·
de, no 1.0 qunriel do século XIX Bra filho do capitão de ordcnon·
ças Pr:ancisco José Pecceira Lima, quo ~e distinguiu nas lutas
contr:t os franceses em 1808 o de sua mulher e parenta, O. Rosa
Joaquina de Cnstro; neto 1•nterno de Hoorlquo Josó do Litnn e du
HUR mulher D. lnácia Jaclntn Rosn Pcrroira de l.ude.s1un; noto
mntorno de António Dias do C:lStro e l..edesma e de sun mulher
D. Brites lnácin Henriques, todos naturais daquela cidado
C3sou com sua parenta O. Águeda Jdlia O:trci:i do Lima, 1'
\lhSva de seu irmão Joao Maximiano Ferreira de Lim:i e tilhn do
dr. Jacinto Jos6 ~e Sá o Lima.
Henriquo .los6 era tiunbén1 ir·n1ào do 11otável jurisconsulto o
J.o visconde do Porrciru Lfmu tbls!l.vô de Eugénio de Proltns, un1
dos autores dostns notas) t> deixou impres~o o seguinte lrab:Ubo:
Relat6rlo npr~unlodo á Junta Gero/ do Distrito d~ Braganta.
na sessdo ord/narla de J9 de Feoere.lro dr 1K17 p.:lo constlhriro
1:rcretario geral servindo de governador civil Henrique Josi Fer-
rrfrn de lirna. Porto, TypOSl't do Jorrral rio Porto, 1877, ln 4.o, do
llS págs. e 34 lnu1neradas, do documentos.
Henriquo Jos6, devido no alto cargo que exerceu. manteve
202-
correspondência poHlica com alguns dos mais eminentes est.tdls·
l:\S do seu tempo' de muitos dos quai~ era amigo particular,
A pequens parte que hOJ., resla dessn cotrespond~ncln 1 por·
touco n Eugénio de Frcitat, por oferecimento de seu tio, o coro·
nol de engenharia Manuel do Cnn1p.,s Perreira l_,imn, filho do l.n
visconde, e irmão do 2.o
On referida. corr espon<1encl11, <1uo oportunamente iremuN 1H1
bllc1111do neste Eplsfol tfrlo, 1r1111Hcroven1os hoje a SO(.!uinlo cnrlo
lnódilo, be1n demonstr:•tlvn <la 1'llburduc.tu'' que prosidin lls .~nudo$nS
etoiçoes, que Deus hnjn, to.o 1•xpressivas, tào sig11 lficallon.~ do
pcnsnmcnto e da vontade dn Noçno.
A cnrttt, que se encontra em perfeito estado de conserva.çAo,
o~t~ cscrila nas 2 primeiras pdl{inas de 1 fôlha d& papel ll!to,
tarj1do de negroi nela se rcfc;,ro Sih•a Sanches ao 1.0 visconde do
Pcrrelra Lima, de quem ora fnlin10 amigo.
Lisboa, Junho do 1932.
Euoe>110 ne ANI>RfA DA CUNHA e Fae1TA'
Josl AuousTo oe lllAceoo oe CAMPOS

Lx• 20 de Maio de 1865


lllm' Snr.
Confidencial
Reservada
Eslá V. S.> agora interinam ... governando o Dis-
tricto; nao sei ainda se por pouco ou se m.to tempo o
governará, por q. ainda nao sei bem, se o u.or Civil
sahiu por estar effectivam.tc doente, se por outro mo-
tivo.
Tenho, porem de hn muito boas informações ele
V. $.• m.to boas, e é Mano ele um coll.• meu, de quem
sou inlimo amigo.
Tudo contribue, pois, p.• eu ptenam.te confiar cm
q. V. S.• ha-de ser tao inteiram.to leal ao Governo,
quanto pela natureza do seu emprego de confiança
lhe cumpre sê-lo.
Confio, portanto, q. lealm.10 se oceupará de dirigir
-203
a~ eleições de modo, q. os eleitos venham apoiar a
política liberal progyessista do .Ministerio.
O GO\'erno quer eleições livres, com accesso â uma
inteiramente livre a lodos os eleitores, e com a mais
completa manutençao da segurançn publica e indivi-
dua l.
Mas, guardando-se em toda a sua inleg ridade es-
tes prcceifos de legalidade, deseja <1. sejam reeleifos
q,10' Dcputudos votaram pelo Oov~rno, e que os elei-
tores nno elejam os q. votaram contra elle.
E desejo q. o mais breve <J. possa, me communi-
que qual seja a opinião do Districto acerca das elei-
ções, q.'º' candidatos se apresentam cm cada circulo, e
quaes os q. leem mais probabilidades de serem eleitos.
Queira accusar-me Jogo a recepçao d'esta carta, e
acreditar q. sou com m.P estima.
De v. s.•
A." e Vr,
J. G. da Silva Sanches.
CONDES DA FLANDRES

o ler os trabalhos com que a Associa-


ção dos J\rqueológos Portugueses
comemorou o 5.• centenário da ins-
titulçno do Tosao de Ouro, os quais
se inserem no vol. IX da revista Ar·
queolayirt ~ ffisl6ría, devidos 11 trõs
dos mais bril hantes ornamentos des-
sn colectividadc, srs. Lui1. Chaves, Cunha Saraiva e
Cardoso Gonçalves, recordei um curioso livro que pOS·
suo, onde se acham os retratos dos condes da Plandrcs,
entre êles o de Felipe o Í>Om, o instituidor da ordem
militar que motivou a citada comemoraçao .
•Julgo pois oportuno reproduzi-lo, tanto mais que
creio essa gravura pouco conhecida entre nós.
Ao mesmo tempo reproduzirei também a effgie do
príncipe português Fernando, lilho de Sancho 1, que
em 12 t I desposou a condessa .Joana da Flandres, o
qual, pelo seu valor, soube honrar o nome do seu pais
originário.
O livro a que me refiro tem por título: Flanclr a í/
l11strala, ab Antonio S1111dc1 o. Coloniae agrippinae.
<l'.)f'.)CXXXXI.
-205-
É um irr-folio, em Ungua latina, com a história da
Flandres, onde !lC trata de glorificar os Felipes li! e IV,
de Espanha, 34.o e 35.o condes da Flandres, com ver·

··~:-rr. 1 l<'leltNJ\NJ)O E JO,\NAi COKDJ•:s


l>A l'l.ANDRI\$

sos paneglricos, em lalim, de um Emmanuel Pimcnla


Lusitanus, apresentando mapas das províncias do seu


·206-
reino, e entre elas Portugal, que nessa data. jii eslarn
independenle.
D. Fernando (csl. 1), nascido em 1188, conde da

Flandres pelo seu casamento, lendo tomado parle naco-


ligação contra f'elipc Augusto, de França, bateu-se na
balalhade Bou•ines (l 214), onde recebeu vários ferimen-


- 207
tos. foi derrubado do cavalo e feito prisioneiro. :\a bata-
lha. qnedurou mais de três horas, O. Fernando deu pro-
vas damaior cora~em e persist~ncia, mesmo vendo es-
capar-lhe n vitória.
•11 so11lint cependant, diz Todi~re, jusqu'a l'exlrémite
l'honneur ele la journée". Pilll/ppe-A11<111sle. Tours,
1867.
Na Flandres chamavam-lhe Fcrrancl. O conde da
f'landrcs loi conduzido preso com cadeias de ferro,
num carro, nté Paris.
Conla um historiador, que a multid:to, ao vêr passar
os senhores, aprisionados e cheios de !erros, cantava:
•Quatre lerrands bien enlcrrés tralnent Ferrand
bien cnlerré".
E explica: "Os ferrands eram os cavalos castanhos
que trnnsporlavnm Ferrand, conde da Flandres". Sei-
gnoh0$1 Hisl. d11 Moyen Age. Paris, 1917.
Foi levado para a Tôrrc do Louvre, de onde saiu
a1>enus no 11110 de 1227.
Em 1233 falecia em Noyon, sendo sepultado numa
ahadia de religiosas cistercienses lunduda cm 1226 por
sua mulher, na Marqueta, povoaçllO a nove quilómetros
de Lille, onde ainda se veem restos do primitivo edilf-
cio.
Na gravura nota-se um anacronismo: o escudo por-
tuguês de 1). .João 1 com a cruz de Aviz (erradamente
interpretada como lises), e os escudetes com cinco be-
santes cada um, mímero que só dêste rei em diante foi
adoptaclo.
A condessa .Joana (est. 1) era dcno111inada Constan-
tinopolitnnn, por ser !ilha do conde Baldufno, fundador
do im1>ério latino de Constaotinopln.
Àcêrca da gravura de Felipe o Bom (com quem
casou a !ilha de D. JOâo I, O. Isabel), vigésimo sétimo
conde da Flandres, que ostenta o colar da ordem do
Tosao de Ouro (est. li}, nada se me olerece relerir.
-208-

O escudo português desta época, por melhor conhe-


cido no Condado foi, como se viu, aquêle que o arlis-
la adaptou para colocar junto da efígie do valoroso fi-
lho de Sancho 1.
PeoRo VITORINO
Co>"1t•VADOlt llO ~l\'.1'1.\' }.fvJ<IClf'AI. l>CI J'CJ~'ft
JORNAIS
(NOTAS À MARGEM)

,
vasta já a bibliografia jornalística
portuguesa. Alguns nomes: Silves-
tre Ribeiro, Inocêncio, Silva Túlio,
Carval ho Prostes, Brito Aranha,
franco Monteiro, Alfredo da Cu-
nha, Maximfano de Aragão, José
Germano da Cun ha, Alfredo Luiz
Lopes, Eduardo Coelho, Jordão de Freitas, Alberto
Bessa, Martins de Carvalho, Pereira da Silva, Silva
Leal, Tôrres de Carvalho, Cardoso Marta ...
Mas a avultar dentre tôdos os beneditinos e diluci-
dativos trabalhos de Si lva Pereira, Os jornaes porfu-
guezes e O Jornalismo Portuguez, não falando no di -
cionál'io manuscrito que há uma quarentena de anos
-210
dorme, no seio magro da Academia, o sono dos esque-
cidos.

Algumas breves notas à margem dêstes dois 1ítcis
li vros ...
1) MERCURIO PORTUOUEZ, começado a publi-
car cm 1663 Oanciro) e terminado cm 1667 Ou l11 0):
abrange 58 números e, pelo menos, 4 variantes.
Assim, há duas edições do número de Fevereiro de
1663: a) •fim.• b) "fim. Taxada em sinco réis•. 1Ili
duas também do número de Março: a) •Lavs Deo•. b)
'Lavs Deo. Taxada em ~inco reis•. Como há duas tam-
bém no n.o de Setembro: a) 'Lisboa. Com as licenças
neccssarias•. b) Além desta indicação, mais: •Taixaõ
este Mercurio cm sinco reis. Lisboa, 20 de Outuhro
de 1663. Vel ho. Sylva•.
O n.• extraordinário cm espanhol, de Junho de 1665,
foi impresso cm dois papéis muito diferentes.
l lá também uma reprodução do n.º de Julho de
IM4, em tiragem muito reduzida, feita a expensas do
visconde de Fonte Arcada, com um apêndice, uo
qual transcreve um artigo seu, inserto na Sentinela da
1.iberdade (IO de Dez. de 65) referente ao assunto.
Alguns jornais e publicações periódicas dos sécu-
lo' XVII e XVIII não incluídos naquelas re~enhas:
1) Divertimento para /tum quarto de flora. Li~hoa,
1787. 4 números.
2) F //leio linivers~l. Lisboa, 1764.
3) Noticias catftolic11s e po/ilicas de /nglaterm. J.ig-
boa, 1689 (16 de Setembro)
4) Noticias da 11/P1110nlra e Inglaterra. Lisbou, 1<>8()
í 15 de Fevereiro).
5) Palestras criticas e semi-serias. Lisboa, 1771.
6) Caõ do cego. Lisboa, 1789.
7) Folheto Cotovia. Lisboa, 1749.
211


Silva Pereira fixa em Janeiro de 1790 o comêço d!l
publicaçao do Correio Mercantil, Economico de Por-
tugal; Silva Leal, cujo catálogo possuo, marca a mes-
mn datn; Pereira da Silva e Prnnco Monteiro não o
citam.
Tenho na minha colecção sete volumes de fólio,
que vão do que presumo primeiro número, de 2 de Ja-
neiro de 1787 a :{1 de Dezembro de 1793.
Donde se infere que o jornal existia, pelo menos,
três anos antes.
Vem de passo dizer que foi seu director durante
bast.111te tcmp0 João Carlos Morão Pinheiro, escrivão
dos agravos da Casa da Suplicação e um dos patriar
cas do jornalismo português .


Do Arc/1lvo Popular (1837-1812) !êz-se reedição
dos números l a 33, 36, 38 e 40 do 1.0 volume. Como
se pode verificar a págs. 408 do n.0 51, de 17 de De-
zembro de 1842: •Tendo-se concluído a reimpressão
de todos os numeros que faltavam do Archivo achão-
-se á venda na loja ... • lComo distinl(l!Hos?
Todos os números da 2.• edição foram impressos,
natipografia de A. J. da Cruz, rua larga de S. Roque
n.• ôO. Os sete primeiros números da 1: foram im-
pressos na mesma casa, mas distinguem-se dos da 2.•,
entre outras, pelas seguintes diferenças:
Os n.•• 1, 2, 4, 6 e 7 teem por subtítulo "semanário
pintorcsco,,, ao passo que nos correspondentes da 2.•
se lê "pintur~sco•. A subscrição dos n.•• 3 e 5 da 1.ª
é: "Lisboa: na typ. de A. J. C. da Cruz•. (Seguem-se
dois filcles tipográficos). Os da 2.ª: •Lisboa. Na typ.
de A. J. C. da Cruz. (sem filetes). liá muitas outras
dilerenças no n.º 3, como por exemplo o titulo '0
212-
Conde Caylus", etc. em 2 linhas na I.• ed. e em uma só
na 2.• (11ág. 23); e no n.º 5, a pág. 40, ln fine: "As as-
sig naturas recebem-se ... .,( J.'); e "vende-se e assigna-
-se ... " (2.•.)
Na primeira edição os n... 8 a 33 passaram a ser
impressos na mesma Tipografia, mas na rua da Emen
da, 60. Nos n."" 36, 38, 39 e 40 a tipografia :é na Rua
de S. Jnsé, n.• 140. Apenas os n.~ 34, 35 e 37 não
foram reeditados.
Suponho que bastam estas indicações para faci l-
mente ide11tificar as duas edições.

A Foi/la, revista litrrária que começou a publicar-


-se em Coímbra em 25 de Novembro de 186ô, termi-
nou em Abril e não em Fevereiro como diz Silva Pe-
reira. Teve 5 séries: I.• de 20 números e 160 págs.; a
2.", de 12 11."" e 96 pá&'S. começou cm janeiro de 1870;
a 3.•. ii:ualmente de 12 n."', iniciou-se cm 24 de Janeiro
de 1871; a .ia. de 6, em 5 de Fevereiro de 1872; a 5.•
de 4, de 5 de Fevereiro a Abril de 1873. O úllimo n.•
não pode ser de Fevereiro, porque a p~s,:s. 32 há uma
referência a 30 de Março e o 11.• da minha colecção te m
o carimbo do correio de •Coimbra & 1873••.
4

De O Drsmgano, de José Agostinho de Macedo, há
3 edições do primeiro número.
A primeira !em no frontispício as armas po1i ug ue-
sas cm ova l, circundadas por adornos tipográ ficos; a
·segunda, as mesmas armas em quadrado, ~cm enfeites;
a terccir~. com o frontispfcio igual ao da segunda, ten
do apenas a diferença de não haver uma víri?ula a se
guir a O Desengano. Acresce que, no texto, o tipo é me·
nor. Assim, a página 11 da 2.' ed. abre por •prova-
- 21 3-

dos" e a da 3.ª por "Verdade,, , o que representa a di·


ferença duma linha.
Do n.º 2 há tam bém 2 edições. Basta ver a subs·
crição de págs. 11: a) Lisboa, - b) Lisboa.
o utra diferença: a primeira palavra dessa págin a:
a) dasse, b) daese.

· Beneficencia co meçou a publi car-se em 1 de No·
vembro de 1852, como afirma Sil va Pereira, mas ter-
minou em 1 de Maio de 1856 e não em 15 de Janeiro
de 1854.

É raríssima a colecção completa de O Japonez, jor-
nal de caricaturas saído em Lisboa em 1867. Sil va Pe·
reira fixa apenas a data "10 de Maio a Junho." Silva
Leal tinha só 3 números. A co lecção completa
comp<ie-se de 4, com data e numeração seguintes: n.o 1
(n.• O, ano 5667), n.• 2 (n.º 1, ano 5667), n.º 3 (11.• 1, ano
11869) e n.º 4 (11.º 3, ano de 11869), respectiva mente
de JO e 25 de Maio, 12 e 27 de Junho .

É muito rara tam bém A Tribuna do Povo, a que
O Jornalismo Portuguez fixa, errada mente, a data de 1
de Janeiro a Dezembro de 1855.
A colecção completa, porém, abrange duas séries:
a primeira, que contém 40 números e que vai de 1 de
Dezembro de 1854 a 2 de fevereiro de 1856; a segu n·
da, 25 ntímcros: 1 de Março a 13 de Setembro d~ste
ano.

Do Diario do Porto, que se publicou nesta cidade
entre 18 e 28 de Maio de 1828, sucedendo-lhe a Gaze-
ta Officia/, rc"imprimiram-se, pelo menos, os n... 2, 3,
4, 5, 7 (supl.) e 8.
-214-
Diferençam-se as duas edições do suplemento ao
n.º 7, porque a segunda tem a mais, na subscrição,
a palavra •Porto•.
Distinguem-se os outros n.°' porque as reedições
leem a mais as palavras •Com licença• .

Não anda citado em nenhum tratadista da especia-
lidade o jornal O Taq11igrafo, publicado no Pôrto cm
1828 e destinado a arquivar npenas •o processo dos
4 dignos pares do reino•.
Compõe-se do prospecto e dois números. A enci-
mar o frontispkio do 1.0 níimcro lê-se em letra ms. da
época: "Nflo ha 111nis exemrilar algum, pois se inuti-
lizou este principio de impre~são.•
l Será exemplar único o que possuo?

O jornal académico Pre/udlos lilterarios começou a
publicar-se em Cofmbra c111 24 de Dezembro de 1858
e terminou em Janeiro de 1861 e não cm Junho de
1860; como o Esco/iasfe Politecnico terminou a t 5 de
Junho e não de l\bril.
A Revista de J11rispr11de11cia, começada cm Dezem-
bro de 1856, acabou cm Janeiro de 1859 e não em Abril
de 1858.
O Seculo 19 (Lisboa, 185(>) terminou cm Novembro
e não em Março de 1857.
O /11clusfrial Portuense vai de 31 de Março de 1845
a 28 de Fevereiro de 1846 e não de 31 de Maio de
1845 a 31 de julho de 1853.
O Beija-flor publicou-se de 15 de l\gôsto de 1838
a 3 de l\bril de 183Q.
O Correío de Londres terminou a IQ de Dezembro
de 1810 e não a 2 de Outubro de 1809.
É possível que algumas destas notas aproveitem
aos raros coleccionadorcs de jornais.
]OROE OE FARIA
CURIOSIDADES E INDICA-
ÇÕES ÚTEIS E PRECIOSAS
eXTRAIUAS J>t Pl\OCESSOS DO «ARQUIVO DOS FEITOS l'INOOS-

M 1829 abr-iu-se audiência no juízo da


Conservatórin dn Universidade de
Coimbra e compareceu o procura-
dor do conde de Anadia, visconde
de Alverca, Manuel Pais de Sá, par
do Reino, do conselho de Sua Ma-
gestade, deputado do Sereníssimo
Estado e Casa de Bragança, comendador da ordem de
Cristo, Mórdomo da Universidade de Coimbra, da Mor-
domia de Matozinhos, e disse que pedia citaçao de
vários lnvrndores do prazo de Anadia para nao ale-
garem as terras e vinhas sem deduzirem primeiro os
direitos que pertenciam ao donatário, pagando-lhe, além
de certos lóros, as rações cio quinto, sexto, sétimo e
oitavo, conforme os diversos casais de pno na eira, vi-
nho à bica da lagar, linho no IPrrdal e azeitona ao p~
da olíveira.
Os citados responderam por seus procuradores que
216-
o juízo era incompetente, visto que as terras de Ana-
dia tinham juiz ordinário com tõda a jurisdiçao.
O juiz conservador mandou seguir as causas. e.
lavradores agravaram do despacho para a Casa da Su-
plicnçao, que mandou que o conde juntasse carta dos
privilégios concedida ao mbrdomo da Universidade.
Bsses privilégios consisliam no seguinte:
O conservador dn Universidade era juiz privulivo
das suas causas, quer como autor, quer como réu; 11ao
1>odia ser nomeado para qualquer offcio ou cargo do
concelho de Coimbra; nao podia ser procurador, al-
motacel, sacador ou recebedor; nao pagava para as
fintas das fontes, pontes, caminhos, pedidos e emprésti-
mos: nao se lhe podia tomar casas, adegas, lagares, pao,
vinho, palha, centeio, carneiros, bois, galinhas e cavalos;
nao dava boletos; nao pagava jugada, porlagem e coimas;
nao ia à guerra por mar ou por terra, salvo com o
corpo da Universidade ou quando o Rei fôsse pessoal-
mente e gozava de todos os privilégios dos estudantes,
doutores, lentes, oficiais e contínuos da Universidade
- o mesmo gozando sua mulher, filhos e criados <111e
êle sustentasse.
Em face desta carta, das opiniões de Pêgas, Perei-
ra e Sousa, Bento Pereira (Academia seu Resp11blica /i/.
lerario) e Estatutos da Universidade, a Relação mandou
que as causas seguissem para o juízo da Conservató-
ria da Universidade e aí fõssem julgadas.
JoAo J•~DIM DE VILHENA.
PARA A ICONOGRAFIA DE
SANTO ANTONIO DE LISBOA

os meus estudos dos •registos de san-


tos" encontrei um "registo" conheci-
do e publicado já ri), mas em que tAl-
vez até agora nao atentassem os ico
nografistas de Santo António de 1 i~­
boa.
No catálogo dos "registos de san·
tos" da colccçao de Aníbal Fernandes Tomaz, hoje no
Museu Etnológico do dr. Leite de Vasconccllos (Jeró-
nimos-Belém), e que cu cataloguei, há vinte e cinco
exemplares, mais ou menos variados, dos "Olorio~os

1h Bm O Arclltolngo Port11guls. XXI, Est. Xlll, p. 4·• ·4f> u 11.1


sep. 14·15; e no Ti atado da Vida r Martlrlo dos Cinco M6rtirc~ tU
.'f anotos,do~r.An16nioOomes dR Rocha Ma<1nt1i1 1 Coi1nbra,192a,
p. 142·143, quo reproduz tnmbén1 A iluminura do códicu da HvrnriA
de S1 a Crui, ço111 o martírio dos franc:lscanos: nesta.. o snh3o.
de coroa na cabeçal 1em na ma.o direita a espnd• do sacrificio, e
agarra com a outrR o CftbOIO do primeiro md:r1ir, (LX, LXIJ.
-218

Santos Mártires de Marrocos, Protectores de Coim-


bra". 111
Antes de prosseguir, devo confessar que no aludi-
do catálogo nllO interpretei ~stes "registos" como clcvia,
pois os atribui, nao aos Mártires de Marrocos, a quem
·na verdade se relerem, mas a outros cinco t11mb6111
1 1111\rlires em Marrocos, induzido peta leitura da D1•scrip-

çdo do Re'no de Portugal, de Duarte Nunes de Leno,


p.-99 v. O sr. Rocha Mndahil chama-me com gentile-
za a atençao para o érro, nas notas ao Trotado da V/.
da e Martírio dos Cinco Márt1res de Marroco.ç, p. 138
e seg. Quando fiz para o jornal de Lisboa A Voz a
•nota etnográfica" de 17-1-1930, não conhecia ainda, e
com ~ezar o digo, esta emenda, e persisti por isso no
érro; já, porém, na revistlO que lhe fiz, pnru o livro cm
que reüni parte dessas crónicas etnográficas, dei pela
confusão, embora ainda nao conhecesse a obra do sr.
R .Madahil. (2l
Ora, os exemplares da colecção de Friiz Toma1. sao
todos éles referentes aos mesmos Mártires de Marrocos,
Protectores de Coimbra. Observando-os e cotcjan-
do-os com outros de fora da colecção, parece-me es-
tarem reünidos os tipos iconográficos a que obedecem
os •registos• respectivos. Assim, permitem fixar três
dêstes tipos: - 1.0 com a representação dos cinco fran
ciscanos martirizados, postos em glória; -2.º com a
mesma representaçao, a que roí acrescentada a cena
do martírio (o grupo dos cinco mártires, como no t .o
tipo e, sob êles, pais~gem deserta e torturada, onde se
mostram as correntes da prisao e a espada do marH-
(1 O Archeologo Portugul<, 1916 a 1924, vol. XXI (p 30-941,
XXII (~5), XXIII (81-1031, XXV 1141-1781 e XXVI (329.Ja01
Scp "Reg1$IOS d• Santo.•", Ll•boa, 192.5.
(21 ~ a obra da nota 11) da p:lg. anlerior. O livro meu a que me
refiro, está anunciado desde 19JO, ano em cujo vorào o comv101et
e revi, com o 1jtuto, m11ntido em comum, de No/as El1109rd(icas
(VOI. ll .


-219-
rio), o qual depois evolucionou para a representaçao
exclu siva do marUrio;- 3.0 e talvez definitivo, com o
portal do Mosteiro de Santa-Cruz de Coimbra ao cen-
tro e, ora cio lado direito, ora do lado esquerdo, o
episódio sucinto da degolaçao dos frades pelo próprio
Sultao, o Miramolim das histórias, compêndios, nolf-
cias e tratados, que descrevem o suplício e foi iden·
fincado com Youself-el-Mostansir por Pierre de Ceni-
val OJ. Nos "registos", pelo menos em três com tôda
a evidência, a dignidade do Sultao é designada pela
coroa sôbre a cabeça. (2)
O terceiro tipo desenvolveu-se; vai aparecer diante
do Mosteiro de Santa-Cruz a mulinha, que até Coim-
bra transportou as relfquias dos mártires e teimou em
as levar para Santa-Cruz, quando o seu destino era ir com
elas para a igreja principal da cidade, ou seja a Sé.
A princípio, o portal da igreja é ainda episódico, embora
ao centro em painel principal, e a mulinha está diante
dêle, desacompanhada; por fim, o portal é o centro
onde vai convergir tôda a cena, e os cónegos regran-
tes recebem nele a mulinha ; ainda as personagens da
cena ficam limitadas a estas, ou figuram nela o cor-
tejo real, que até Coimbra acompanhou as relfquias, e
o povo que as reverencia em-frente-do Mosteiro.
No "registo", que provocou esta nota, vemos os
Cinco Mártires subirem ao Céu com as palmas do
martírio, e serem recebidos festivamente pelos anjos,
que os coroam de flôres na pr·esença majestática de
Deus, que lhes abre paternalmente os braços.
(1) Pierre de Cenival, La 1ulssion fra11ciscai11e d11 /11aroc, nrtlgo
da co1. Saint François d'Asslse. so11 oe111Jre, son influruc.e, de 11.
Lemaitre e A. hiasseron. Paris, od. E. Droz, 1927.
(2• No livro do sr. R. Mn.dahil estão incluídos dois 11 re~stos'"
dos Mártires de Marrocos; o primeiro de Oebrie. p. 134-145, é do
2.0 lipoi o outro de Acquisti, já menciona.do, p. 142-143, é dfl dl-
tima forma (3.• tipo, evoluído).
-220 -

1 - C:RA \' l)J; e ~l<Pl''t:I 11 E~I 1763, Ql'f. l'KRH.Nn"


''º 3.• nos l IPOStP41f.
11:\LNCI Al)OS NO 1 ~;X ro
219)
-221-
Em baixo, abre-se o portal de Santa-Cruz de Coim-
bra, ao meio da fachada do Mosteiro, de janelas gra-
deadas e volta redonda. Saem da igreja os cónegos
agostinhos, e alguns estão já cêrca da mulinhh, que
leva atravessada no dorso a arca das rellquias sõbre
almadraque pendente de través.
Do lado direito avança a luzida guarda-de-honra
em cavalgada de cavaleiros armados de lanças, prece-
didos pelo rei D. Afonso li, de coroa ferrada no elmo
alto, e pela rainha D. Urraca, também a-cavalo. O rei
faz gesto de apresentaçao, (na verdade deve ser de
admiraçao, pelo caminho que a mulinha, por si própria,
tomava), erguendo o braço direito para os frades a in-
dicar-lhes a mulinha, já alegremente choutante diante
dêles e para êles.
Náo há no "registo" mençao dos instrumentos de
suplicio, nem se vê nele a cena do marlfrio.
Foi no reinado de D. Afonso li que êstes sucessos
se passaram. Os cinco franciscanos dirigiam-se a Mar-
rocos, a pregar a fé de Cristo; passaram por Coimbra,
onde os acolheu piedosamente a raínha D. Urraca, e
êles agasalharam-se em Santa-Cruz. Eram por seus
nomes Acúrcio, Ajuto, Berardo, Oito e Pedro. Diz a
tradição que, a pedido da rainha, predisse Fr. Berar-
do o martfrio dêles todos, a lrasladaçao das relfquias
para Portuga 1 por interferência de um princípe por-
tuguês e a morte da rainha após êstes acontecimen-
tos. 11)
(1) Fr Marcos de J,isboa, Clrro11icas ela Ordem dos Frades me-
flores do Seraphico Padre San-1 Fraucisco, 1.a, P. liv. IV, eap.
1-XXVlll (Lisboa 1615, T. 1, fls. 127 v. a 139 v.) Cliro,,/cas dos mi·
nlsfro.,. e gerne..s da Orde111 dos (raurcs u1enores, ms. dn Biblioteca
Nacional de Lisboa. (n1s. llumin!ldO no 94), escrito por Estevão An-
nes. de Vila·Franca; vid. Hotellm da Real Associaç/Jo dos A. e
Art/1eologos Porlugueses, 1$95, 3' Série, T. VII, p. 48; e Revisla
Lusitana, l902, vol. VII, p. l9l e ss. Livro cit. do sr. R. Madn..
hil, cap. XIX (p. 44) XXII (p. 481 XXX (p. 49 a 59).
-222-
Foram êles martirizados a 16 de Janeiro de 1220:
degolados, retalhados pelo Sultao, lançados rora da
cidade de Marrocos, arrastados pelos Mouros, des-
pedaçados, as relíquias foram recolhidas e levadas ao
infante O. Pedro, ir111ao de D. Afonso 11, que estava
homiziado em Marrocos por desavenças entre os dois.
O Infante saíu com as relíquias para Ceuta, e de lâ em-
bMcou r>ara a Península, com destino a Portugal.
D. Afonso 11, por as acolher condignamente, orde-
nou disposições para a recepçllo solene, entre elas a
presteza de tôda a clerezia ela cidade com suas cruzes.
O rei, com a sua comitiva, dirigiu-se ao encontro das
relíquias, fora da cidade. A raínha tomou de-carro o
mesmo caminho. Regressaram a Coimbra a·pé no
acompanhamento, e entraram pela rua da Figueira-
•Velha.
Vê-se a discrepância da crónica, revelada no Trata-
do da Vida tE martyno dos cinco Matfires de Marocos
enuiados per são Francisco, mandado íazer pelo Prior
de Santa-Cruz, Geral da Ordem, trasladado para lín·
gua corrente, impresso em Coímbra em 1586, e reTm-
presso na Imprensa da Universidade de Coímbra cm
l 928, com notas do mencionado sr. Rocha Mada-
hil. Discrepância entre a crónica e o "registo"; nesta,
os reis sao representados a-cavalo, e chegam diante·
-de Santa Cruz pelo lado oposto ao da rua da Figuei-
ra· Velha, por oncle o cortejo entrou em Coimbra.
Agora observe-se o frade agostinho que, à-frente·
-dos outros cónegos de Santa·Cruz e, separado inten·
cionalmente dêles, estende as maos para a mulinha,
representada sempre em atitude soberba de inteligên-
cia do precioso fardo. Os ossos dos mártires vieram
em uma arca só, assim o diz o Tratado; excepto dois,
em todos os "registos" da colecçao de Frflz Tomaz se
vê a mulinha com a arca transversa; nos restan·
tes, leva duas arcas, dispostas paralelamente, ao com.
-223-

prido, a um e outro lado do dorso. 1


Repare-se bem no frade, como os outros de hábito
branco e murça negra: cinge·lhe a fronte resplendor
brilhnntc; é êle quem levanta os braços para a mulinha,
como n receber neles o precioso cuix:1o funerário.
Quis-se represc11lar por certo alguém, que no mosteiro
tinhn preeminência.
<,Quem é?
e fácil a resposta, pelo estudo das circunstâncias
em que êstc acontecimento leve lugar. á, nem mais
nem menos, Santo António de Lisboa, entao no Mos·
teiro de Sanla-Cruz de Coimbra, parn onde passara do
de S. Vicente-de-Fora, de Lisbon. Estava lá, quando os
despojos dos mártires foram recebidos e depositados na
igreja convcutual dos cónegos de St.o Agostinho. "San-
eio Antonio que sendo conego 110 mosleyro de saneia
cruz no lôpo que as reliquias dos sanclos vieram de Mar-
rocos, lomâdo grade deuacarn de sua ordê se mudou
a ella cô desejos do martyrio destes sanctos, e licen-
ça de seu prelado comeleo",-Je.se 110 1/·atado, cap.
33, pág. 65 da relmpressao.
O exemplo e a proximiJade dos mllrtires acrisola-
ram o misticismo do que foi no mundo Fernando de
Bulhôes e ia ser Santo António de Lisboa.
Trocou n sua ordem pela cios mártires, e assim in-
gressou na Ordem dos frades menores de S. Francis-
co, pelo que saíu de Santa-Cruz, r>nra ir recolher-se ao
ermo ele S1111lo Antão dos Olivais, na mesma cidade
de Coimbra.
A grnvurn, que motiva esla nota, é do século XIX,
feita pelo buril hábil de A. Acquisli, formosa na com-
posição e no pormenor, no realce do desenho e na
perfeição da gravura a talho-dôce. êra "º·
Miguel t.•
Juiz Perpétuo• da confraria dos •Gloriosos SS.•\IM.

(ll Colocç:\o de Friiz Toma1, Vol. 1 P'R'· 120 o li. p,g, 12.
- 224-
de Marrocos• Cl), em Coimbra, quando a gravura foi
aberta, o que a reporta ao reinado dêste monarca
(1828-1834).
O assunto foi tratado por outros artistas gravado-
res, como Carpinetli, Debrie, Raimundo J. da Costa,
Godinho, J. J. Santos, e por gravadores e artistas po-
pulares, sobretudo de Coimbra. Nenhum, porém, o
tratou com a grandiosa encenacão de A. Acquisti. Na
capela de St.0 António da igreja de Santa-Cruz, o pai-
nel de azulejos do século XVIII representa o Santo a
receber as reHquias ao portal do Mosteiro.
AI fica uma achega para a iconografia antoniana,
que, completa, seria a melhor homenagem a prestar ao
taumaturgo e ao grande espírito português, tão gran-
de que, como às nossas navegações no mundo, os
outros no-lo querem tirar para lhe chamarem seu.

Lo1z C11A vES

(1) Também onleriormenle, em O Arc/1. Port. XXV, 150 e S11bs1-


dlos paro a 11/st. da Gravura (p. L68) e por equ(voco, aliás derivado
lbgicamente do outro da confusa.o dos Mli.rtires de Coimbra com os
de Lisboa, dei O. Miguel por juiz perpétuo desta confraria em
Lisboa. Aqui o reclifico.
os t:l.tll\IO:-iOS SS.)1)1. J)t: )l.\llltoros
l 'J\O' l't:(' 'l"t>J't t!S li J·: (',>l.J.J UU._.\
ri .vr,,Ju,~<•4' •'P. •••;,-./, .,.,, ~;,,,, ~ ~.;:,,,,.,,,,,,,,,,.,, r,~_, •V/'""º'
,, /.4/:,-.1'- ..H :::# . ,. __#,.,.,. .',-, ,J(..,,.. ,,;,;{,,;; ,;1.., ,,(.í', //..// ,/, _j/,_.,,f"V"<.,

2 llRil V. llll A. ACQUISTI, QUB P llRTENCE AO 3.• Tll'O


llESENVOLVlllO. r p~l(s. 223·Z24 >.
,
LOIÇA DE PO DE PEDRA

M pleno século XVI existiu em Fran-


ça, no modesto burgo de Oiron (Thou-
, ars-Deux Sêvres). uma fábrica de faf.
anra que, empregando a pederneira
calcinada na composição da sua pas-
ta, conseguiu produzir peças de lullO
do mais alto valor artlstico. Essas pe-
ças, de pasta dura e sonora, que podem hoje ser admira-
das nos museus franceses e em algumas colecções parti-
culares, foram, durante muitos anos, erradamente cha-
madas de Henrique li. Perdera-se o rasto da fábrica
que, fundada sob o patrocínio de l lelcna de Hangest·
·Genlis e dirigida por François Charpentier e Jean
Bernarl, desaparecera subitamente, duma forma mis-
teriosa, depois de ter atingido o mais alto grau de
perleiçao.
Estava, porém, encontrado o processo de cai/lo.,_
lagt ou ltrrt d1 pipe, cuja descoberta, dois séculos
·226-
depois, viria a ser atribufdn n Josiah Wedgwood, o Pa-
tissy de Inglaterra, incomparável artista e inventor do
11irómetro que tem o seu nome e dos fornos de chama
invertida, uns e outro hoje usual:nente empregados
nas fábricas de cerâmica.
De facto, foi Wcdgwoocl quem, nas suas fábricas
de Staffordshire criou, cm 1763, a indústria do cream
ware ou Queen's warc a que, em Portugal, se passou n
chamar pó de pedra por, na composição da pasta, en-
trar, como disse, a pederneira calcinada (argila plásti·
ca, 85,4; silex, 13,0; cal, 1,6).
Esta nova loiça, mais barata do que a da China e tão
resistente como ela, rapidamente conseguiu con11uis-
tar todos os mercados, sendo lal a sua expansão que,
só nas fábricas de Staffordshire, chegaram a trabalhar
20.000 operários !
Portugal seguira na csteira dos outros pafscs e, nos
fins do século XVIII, imporlavn em larga escala a loi-
ça inglêsa de pó de pedra; deixara de se abaslecer
dos mercados de Sevilha, Valência, Génova, Vencsa,
Holanda e França e, como as loiças da China nao po-
dessem competir em prcço com as inglesas e os pro-
dutos das fábricas nlcionais de laTanças, a-pezar de
devidamente apreciados sob o ponto de vista artfstico,
não suportassem o calor, estalando e fendilhando com
facilidade, rapidamente se generalizou entre nós o uso
duma loiça que, além de sólida, era leve, bem apresen-
tada e económica.
O lançamento de direifos pro!bitivos não conseguiu
suster a importação, sendo constantes os pedidos de
lealdamento, ou isençao de direilos, à sombra do qual
se faziam constanles despachos.
Então, o Professor Domingos Vandelli, sábio na·
turalísta, inteligente e de invulgar iniciativa, que, como
técnico ceramista, já prestara as suas provas na fábri·
ca de faTança de Santa Clara em Coimbra, monta em
-227-
Vila Nova de Gaia, na Real Fdbrica do CC11Jaq11inlzo, a
primeira manufaclura portuguesa de loica de pó de
pedra, conseguindo privilégio exclusivo para tal indús-
tria (alvará de 7 de Fevereiro de 1787). ·
Os produtos desta fábrica atingiram também um
elevado grau de pcrfeiçao, chegando mesmo as suas
loiças de uso doméstico a rivaliiar com as congénerea
inglesas.
Tenho á mão um curioso livro manuscrito, datado
de 1793 e que pertenceu à livraria dos Viscondes de
Balsemao:
"Ana/izes, 011 Eiotracfo Compreensivo que enserra
os elemcrrlos Historicamenle raciocinados de /111a Pau-
la de Alfandega 011 Tarifa Mefl1odica das suas avallta-
ções na mayor parle dos generos comerciaveis com a
descripç(lo rei/ativa a cada /wm em particular e as re-
flexois arrexas porporclorraclas ao objeclo ele que se
traia". (Formato O, 215x0, 282, 332 págs., das quais
12 em branco. Aulor, Manuel Joaquim Rebêlo).
No capítulo dedicado a •Louça• fala da fábrica
do Rato e refere-se o " ... outras miseroveis fabricas
de louça, Ião indigna que era afronta desta capital. . •,
não nos dando a mais leve notícia sôbre a fábrica de
Vandelli, o que nos leva a cr!r que a sua expansao
comercial se deve ter dado só depois de 1793. 11)
Do referido livro transcrevo, textualmente, por as
julgar dignas de serem arquivadas, as listas dos pre-
ços correntes da loiça de pó de pedra inglesa nos fins
do século XVIII :

(li Sõbr• • f:!bricn do Cavacauinho e a ocçoo de Vandolll den-


tro da ind\lstrla nncionnl, ncçtio quo bem 111orcco ser re1•osla no
1.. gar que lhe co1npete, agusrdomos o nparecimento do anun-
ciado e exaustivo trab:a.lho do sr. Ramiro Mourao.
-228-
•LOIÇA DE M~A
f. X. p.
•t terrina comprida com tampa sem prato t 3 polcgd ...
•I ditta 12 • 3.
•I ditta 11 • 2.6
•t ditta 10 • 2.
•I dilta 8 • 1. 6
't diltn b 1.
•I mostardeira prato tampa e colher •" 8
"1 prato comprido 18 " 1. 6
•I ditlo 17 1. 3
•t ditto 16
" 1.
"
•I dilto 15 " 10
•t ditto 14 " 8
•I dilto 13 ff 6
•I ditto O.o covo 15 ff 10
•t ditto 14 • 8
•I ditlo 13 • 6
•t ditlo Redondo 16 • 1.
•t ditto IS • !O
•t ditto 14 • 8
•t ditto 13 • 6
•I dilto J),o CO\'O 15 • 1.
•I ditlo D 14 • 8
•I dilto 13 • ó
•t selladeyra comprida 12 " 8
•I dilta 11 • 6
•t Oacia ele barba e jarro 1. 2
•t Pcnnico b." 3
•I Jarro e bacia de maos 2.
•t duzia pratos de Meza 1. 4
•I duzia D. covos p.• sopa 1. 4
f, 1. IS •
Sendo, então, de 3.600 rs. o valor da libra esterlina,
importavam estas peças em 6$300.
UM PAR DE BOlôllS DE FARMÁCIA
E TINTEIRO OE LOICA OE PÓ OE PEDRA
1Pábrica do Cavoquinho-Põrlo)

FuJ111 "" L•o1i11o


Te)lo 1v - N.os 5·6
-229-
·LOIÇA MIUDA P.• CHÁ P. CAFÉ

f. X. p.

"J duz. de chavenas Sorte de Londres çom seis pires JO


.. 1 duz. dittas com aza 10
• l dul. dittas Sorte de Irlanda 1.
• I duz. chicaras ele chiculate aza e pires 1. 3
.. 1 duz. chavenas g.des com pires 1. 3
"1 duz. O.•• de quartilho o.• 1. 6
• I duz. de Tigelas de Lavar sem pires 2.
• J Bulle marca meam 2
•I Calleteyrn de Canada 4
•\ Assucareiro tampa e prato 2
• 1 Bilha de Leyte piquena 1
•I Mnnteygueyra de bico 1
• 1 Ditta com tampa e pires 7
"' Caneca ele 1/2 canada sem tampa 3
"6 Sallcyros sem tampa 10
"1 Tigela de quartilho tampa aza e prato 3
11. 5 •

ou fõsscm, ao câmbio referido, 2$055 rs. da nossa


moeda.
Uma dúzia de pratos de mesa Wedgwood custava,
portanto, cm Inglaterra, 240 rs., sendo êste o valor in-
dustrial que, pela mesma época as lábricas de laTan-
ças de Gain e Pôrto atribuiam a igual quantidade de pra-
tos ele sua nrnnufactura.
Bons tempos ...
Porlo Junho, 1932.
MUITO TRABALHO PARA
NADA
(OU: COMO SE COLAVA UM SACRISTÃO)

Dezembro de 1821 , Fr. Pedro de S.


M
Francisco, menor observante da pro·
vincia de S. João EvangclisL1 dos AçO·
res, que obtivera um breve para sua
perpétua secularização no bispado do
Funchal, requeria ao Rev. vigário ca-
pitular e geral da mesma diocese, o
cónego-provisor dr João Manuel de Couto Andrade,
"implorando submissamente" que lhe fôsse concedido
património da sacristia tln igreja-colegiada de Santa Ma-
ria Maior desta cidade (1), cm vi1tude de ter falecido o
Rev. Clemente Fernandes Velosa, "que possuia seu lilu·
lo patri monial".
(t) Foi est:i a primeira frcguoz.i:i do Funchal o ficava sltua<ta
junto à ribeira de Joào Gomes, donde o primitivo nome de N. Sr.~
do C.'llhau. A terrfvel aluvillo do 1803 destruiu-a. O 1ocal 6 actual·
monto praça de :automóveis.
Na portaria. da actual lgro!a h4 uma lápide as!dns11tndo a p•·

1
-231-

i:stc requerimento, apenso ao rt!Spectivo auto, rece-


beu o seguinte informe do escrivão da Câmara:

IJlmo e Ex.mo Snr. Vigario Capitular


•Tendo falecido o Re\•.<lo Clemente friz. Veloz.a, que
possuía .cu Titulo Patrimonial na Sachristia da lgreia
Collei:iada de Santa Maria Maior desta cidade, n11o
co11sla, que fosse provido outro algum ordinando na
mesma sàch ristia.
fl.•I 18 do Deiembro de 1821.

De V.• S.•
o mais obediente subdilo
José Joaq.111 Montr.• Cabral•

Recebeu aos 20-Xlt-821 a provisão cm que o alrat


citado vigário capitular e geral do Bispado fazia saber

róqula e relembrando aquela formidável coulslrole;


HIC LAPIS INDICAO
Llb4?rnlltale111 sc11a111s
1•/ popull
Hanc Ecclesfmu
Fidellsslmo Princlpl R•gtflll
off.,•nlium
"1 tocum parochiae
per inundafionem aquarom
dlstr11cla~
A11110 Domi11I
MDCCClll
À onlrnda está o sopu1cro dum bemfellor;
Aqui ~slá sepullado
o P. M. llol: da Costa, &n.do da
lgr. de Nossa S. do Ca/lrao
No»o ln11aó • &mfclto-
r d.sla S. Casa A 1706
-232-
que fr. Pedro de S. Francisco carecia de património
para se secularizar, segundo o breve pontíficio que re·
cebera-e continúa: "Pelo que, atendendo ao exposto
Hey por bem de prover ao referido supplicante ..... .
na mencionada sachristia para clfeito de poder seculari·
7Au-se com a clausula e obrigação porem de obrigar-se
a servir a Igreja neste Bispado, e lhe concedo licença
para vinculação em patrimonio da congrua, q. lhe com·
pele emquanto não tiver outro titulo Patrimonial .... "
No verso desta provisão está lavrado o despacho do
promotor Soares em que êste diz que o sacristão deve
ser colado na sua sacristia.

Auto de collação
Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Chris-
to de mil oithocentos e vinte e hum, aos vinte e nove
dias do mes de Dezembro do referido anno, nesta cida-
de do Funchal Ilha da Madeira, em as cazas de reziden-
cia do lllmo. e Rmo. Snr. Vigario capitular Doutor Pro-
vizor, e vigario Geral deste Bispado onde eu Escrivão
coadjutor da Camara Ecclesiastica fui, e tendo (?) ahi na
prezença do dittoSenhorcompareceo o Patrimoniado Rdo.
Frei Pedro de São Francisco, e por elle foi (dito) ao mesmo
Senhor fosse servido collalo na Sachristia da Igreja Col·
legiada de Santa Maria Mayor desta cidade em que ti-
nha sido provido para lhe servir de Titullo Patrimonial,
como se manifestava destes autos. E logo o referido Se-
nhor o admitio a fazer a Protestação da fé, e prestar em
suas mãos juramento ua forma, que se contem no ca-
pitulo Ego e N. de jurejurando, havendo-o assim, e pela
impozição do BaJTete, que sobre sua cabeça lhe poz,
por collado na ditta Sachristia na forma de direito ecos-
tume para lhe servir de Titullo Patrimonial, com a clau-
zu la e obrigaçam porem de servir a Igreja neste Bispa-
do, ao que elle collado se sogeita, e obriga desde já de
233-
que ludo fü este auclo que assino com o mencionado
11111110. e Rmo. Senhor, e Testemunhas abaixo tãobem
assignadas. José Joaquim Monteiro Cabral, Escrivão Coa-
djutor da Camara Eclesiastica o escrevy e assignci.
Co11tto.-R. F. Pedro de S. Francisco-Anto11io d'Ave
Maria-Ma11.t Fernandas Nobriga-Jose Joaq.111 Mont.•
Cabral.
Pg. duzentos e vinte reis de scllo. f.aJ 2 de Janeiro
1822.
Afo11seca.-Baya111.
Do punho do vigário geral Couto e por êle firma-
dos, vem a seguir os •Conclusos•, em que •concede
em vista da resposta do Promotor a congrua de vinte
mil reis separados da congrua que s. Mago concede
annuahntc ao Sachristão desta Igreja Collegiada" e dá
por legitimo e canonico o seu patrimonio mandando
que •sejalhe dada posse•.
No dia imediato, isto é, a 10 de Janeiro de t822, to-
mava Frei Pedro de S. f'rancisco rosse do cubiç,ido
lugar.
Todo êste processo lhe custou a •importante" soma
de 10.308 reis, assim distribuida:
Aucl 100
Rub. 28
Alvará de P. 800
Tr.• e R. 200
Auct. de Coll. 2480
Carl. de Coll. 6400
10008
Ao R.do M. 200
D. 100
S. 10.308 Sy/va.
A carta de colação foi, como vêmos, o que lhe cus-
tou mais caro.
ftRNANDD ot AnUl•R
A CASA DE TA V AREDE

~ANC1sco de Almada e Mendonça, do


conselho de Sua Magcstadc, 111oço fi-
dalgo com exercício, alca ide-1116r de
Marialva, comendador mt Ordem de
Cristo, senhor da vila de Ponte-da-
-Barca, jui1. geral das Coutadas e de-
sembargador do Paço, era casado em
1800 com a senhora D. Antónia Ma-
dalena de Quadros e Sousa, senhora de Tavarede e pa-
droeira do convento de S.to António da figueira.
Haviam-se unido duas casas nobres, fidalgas de gran-
des tradições e ricas cm propriedades, pensões e foros.
As quintas de Tavaredc, os foros e os rornos da
f ijlucira-da-Foz do Mondego; os direitos da Murra·
ceirn e de Lares, com as suas propinas, os seus de1. moios
de cevada, os seus seis moios etc milho, as suas du1.en-
tas galinhas, as suas doze carradas de palha; os foros da
!atenda do Senhor da Chan, em Tavarcde; os rendi-
mentos da alcaidaria de Marialva; os rendimentos da
vila de Ponte-da-Barca; as pensões da comenda de S
235-
Martinho-do-Bispo; as pensões do Consulado. as de
um por cento do açúcar na Alfândega da côrte e as da
cas.1 das Cirnes; as pri111fcias de duas capelas \'incula-
das, as rendas das casas da rua da Quintinha e do Po-
ço Novo e as acções da Junta da Companhia dos Vi-
nhos do Pôrto, constitu iam a propriedade da cas.1 se-
nhorial de Francisco de Almada e Mendonç.1, irmão de
outrem, que, com o mesmo nome, loi por muitos anos
ministro de Portugal junto do Vaticano e mais tarde
airraciado com o título de visconde de Vila-Nova-do-
-Souto-de-El-Rei. Eram ambos filhos de João de Alma·
da e Melo, antigo ministro em Roma, que deixou uma
importantíssima livraria, que veio engrossar o valor da
cas.1 do alcaidc-mór de Marialva.
Por morte dêste, que deixou dois filhos-Ana Fel!·
cia de Quadros e João de Almada de Quadros e Len·
castre, barão de Tavarede, por merc~ do Prlncipe Re-
gente O. João, a sua viúva tomou conta da administra-
çao de tôda a propriedade, mas a breve trecho viu que
lhe era impossível, a-pezar de ter um filho bar3o e uma
filha casada com um desembargador, dar conta do seu
encargo de maneira a resultar o maior rendimento.
Requereu então à clemência rtgia uma admlnistra-
çdo especial, que lhe foi concedida.
Essa administração, com os maiores esforços, pôs a
casn cm ordc111 e conseguiu ser considerada u111 modê-
lo de gerência. Por morte de D. Antónia, quando os fi-
lhos tomaram conta da herança, acharam a propriedade
de tal modo aumentada, que por muitos anos se lalou
dn casa de Tavarede como se falava da casa de Bra-
ganç.1 ou da casa de Cadaval.
Mas o que aconteceu com a casa de Tavarede foi
uma excepçllo na história geral das administrações de
propriedades senhoriais; porque se nela houve des-
pens grandes a satisfa1cr, num:.1 loi preciso contraí-
rem-se empréstimos, aumentando-se assim os rendi-
-236 -
mentos e, por tanto, em benefício do depósito em cofre;
noutras casas as despezas eram enormes e, para as sa-
tisfazer, recorria-se aos empréstimos, quási sempre feitos
com os rendeiros, o que tornava proble mático o rendi-
mento certo das propriedades, visto que êles pediam
di min uição do pagamento da renda e concessão de
certas pitanças, fogaças ou primícias.
Como o administrador era sempre um juiz togado
que, independentemente de consulta à Casa da Suplica-
ção, mas com adjuntos da sua confiança, podia julgar
0$ processos que a casa intentasse ou contra ela inten-
tados e podia o rdenar coercivamente o pagamento das
rendas em dívida, ao princípio tudo ía muito bem. Re-
solviam-se as d ificuldades, reformavam-se os alugueis,
aumentavam-se as coimas, nada se desperdiçava. Mas os
anos decorriam, as necessidades da vida cresciam, obri-
gações contraídas, empréstimos forçados, desm~nchavam
o eq uilíbrio financeiro e, para o restabelecer, era preciso
chamar credores e combinar com êles rebates ou mora-
tórias. A-pezar disso, o desequilíbrio era constante, e
só com uma grande redução de despesas ou a venda de
uma propriedade a casa podia viver sem dificuldades.
Uma administração especial naquele tempo, na ca-
pital ou províncias, comp unha-se de: ad ministrador
(juiz togado, de cujo despacho dependia todo o anda-
mento dos assuntos); curador (algumas vezes juiz, mas
entendido em rendimentos de propriedades e nos frutos
que elas melhor pudessem produzi r); tesoureiro (arre-
cadador das receitas, con hecedor do estado do cofre e
muitas vezes opositor a certas dcspezas necessárias, mas
d ispensáveis, no seu entender ); procurador (espécie de
citote, promovendo as hastas, recomendando as terras,
recolhendo os frutos e vig iando o pagamento.
Em Lisboa, o pessoal da casa administrada com pu-
nha-se q uási sempre de capelão, médico, advogado,
cirurgião, mordomo, estribeiro, cosinheiro, moço da co-
A CASA DE TAVAREDI:
A''TfS Of SfR Rt.rOR:f.\ADA
-237-
pa, moço dos recados, criado de mcs.1 e criado da tá·
bua, além da rriada da câmara, covilhcira, açafata e ou-
tros criados com vários mestercs.
Por ~stes dois quadros se vê qual dc\lia ser a im-
portância necessária para pagamento dos ordenados.
Depois, era preciso atender às mensalidades, que os pro-
prietários deviam receber para alimentos, para vestuário,
para cxerclcio da caridade, para auxílio a pensionistas
e para des1:>esns de representação.
Depois das despesas obrigatórias h~via as even-
tuais, tais como: educação das filhas e seus dotes de ca-
samento; instrução dos filhos e seus auxílios para as
embaixadas, para as fileiras do exército ou para os car-
gos na c6rte.
Quási sempre eram as viúvas, inermes de fôrça
e de prestigio - , que requeriam ess.is administrações,
e se algumas vezes elas f6ram pedidas por homens, fô-
ram-110 por morte dos ascendentes e quando havia cau-
sas a resolver. para as quais era preciso um juiz priva-
tivo, que se transformava pelo decorrer do tempo em
administrador especial.
Nos Feitos Findos existem 111 ui tos processos de
.:dministraçllo dessas casas senhoriais desde o princípio
do reinado de O. Maria 1até ao advento do Constitucio-
nalismo.
A leitura dí!sses processos é muito interessante e a
transcrição de muitos dêles daria ocasi3o a conhecer-se
do estado financeiro daquelas casas, avaliando-se assim
o estado de espírito em que os administrados viviam
sem sabe'rcm o que possuiam, dependentes do administra-
dor e não podendo satisfazer os seus caprichos e fanta-
sias sem o despacho favorável daquele, depois de
consultado o curador, que por sua vc1 ouvia o tesourei-
ro e o procurador.
O sr. Dr. A. Mesquita de Figueiredo, muito digno con-
servador da Biblioteca Nacional e coleccionador afanoso
-238-
de tudo quanto se relaciona com a Figueira-da-foz e
seu concelho, pôs à nossa disposição uma série de in-
formações sôbre a família dos Senhores de Tavarede
que nós gostaríamos de publicar. Mas como o espaço é
pouco, por hoje limitâmo-nos a dar notícia da admi-
nistração da casa senhorial, ficando para outra vez a
a história dessa casa.
Joxo JA~o1M ue V11.HENA

JUNQUElRIAN A
FORA DE HORAS

Uma noite, já tarde, Guerra Junqueiro e Coelho de


Canalho saíam do Grémio Literário, quando repararam
num Lovelace que, ao alto das escadinhas de S. Fran-
cisco, gargarcjava para um terceiro andar. Junqueiro
aponta-o com a badine e clama:

Ei-lo erguido no tôpo da rampa


reclinado no seu paletot;
de pequeno criado na tr .... ,
só conhece os pasteis do C6c6.
Coelho de Carvalho pôs-se em defeza, supondo que
ia haver colisão: mas o Lovelace deitou a correr pelas
escadinhas abaixo. Em cima, no terceiro andar, fcchou-
·Se uma janela, de estalo.
J. B.
NOMENCLATURA) DE RUAS
(DANÇAS E MUDANÇAS)

-l i
ORQue entendemos merecer a carta que
segue a mais larga notoriedade e por·
que está na índole da nossa da revista,
aqui a deixamos arquivada (1):

"Meu prezado amigo


Os jornais de hoje trazem uma notícia alarmante.
Dizem, em resumo, que uma comissão de escritores e
artistas ( ! ! ! ) vai pedir à Câmara eborense que dê a
uma rua da cidade o nome da romancista Diana de
Lys, que ar nasceu.
e! E a Câmara de Évora que vai fazer? Não sei ; mas
a avaliar pelo proceder das suas congéneres, tira a uma

(l) Poí dirigída n E. Ouerra Oeraldo, chefe de redoeção da


De,,rocracia do Sul, de Évora, e publtc:1do. no n.o 4413 déste diá·
rio, de 30 do Julho passado.
·240-
das ruas da urbe o seu nome histórico e tradicional e
cota-llle o nome da falecida escritora.
! E os jornais informam uma enormidade destas sem
um comentário, sem um protesto, como se fôsse a coi-
~a mais natural dês!e mundo 1
Devo declarar- mea culpa/ -que nunca li uma li-
nha sequer da benemérita senhora. E' possivel que le-
nha escrito páginas perfeitas, que eu perco cm não co-
nhecer: mas não li. Chame·se, porém, a homenagean·
da (passe o neologismo) Diana de Lys ou Carolina
Micaclis, Inês de Castro ou a Padeira de Aljubarrota
- um português que o seja deveras não pode consen·
tir em tal.
é Pois nunca mais acaba, neste jardim da Europa, o
desafõro de mudar os nomes às ruas? Parece que não.
Raro é o dia em que, ao folhearmos um jornal de gran·
de informação, não verifiquemos que em sessão de
tantos, a Cãmara de tal resolveu substituir por ~;te e
aqul!lc nome os desta e daquela rua ... C: Quando aca·
had esta loucura, esta rajada de insânia que desgre·
nha as cabeças dos vereadores cm Portugal?
E, por via de regra, C:que recebem as ruas cm troca
dos seus nomes perdidos. nomes que são às vezes cpi·
sódios históricos, fóros de nobre1a e antii?uidade, alu·
sões a factos e pessoas doutras eras, locali7.açlo de
mcsteres- que sei eu? Um nome charro, incaractcrfs·
tico, dum qualquer Zé dos Anzois, brazilcirotede tor-
na-viagem ou politicão de manhas, dum antigo depu-
tado ou influente local que conseguiu uns contos de
réis para uma fonte ou para uma estrada 1
- Mas, oporá alguém. um homem dêstes pode ser
um benemérito ...
Pode, sim senhor, le quem o contesta? E o caso,
11esse caso, é de fácil soluçllo. Quando houver um ci-
dadão ou cidadã a memorar, como agora, esperem que
se rasgue uma nova rua, praça ou avenida, se não leem
-241

à mão obra feita, e colem-lhe na esquina o nome be-


nemérito. (1) i Mudar nomes antigos. nunca!
O nome antigo duma rua é uma coisa sagrada. Já
em tempos, num artigo não me lembra onde publica-
do e em idêntica circunstãnci.1, cu citei Anatole fran-
cc, Que apodava de criminoso Quem alterasse as velhas
toponimias, porque se os anlil!'os assim baplizaram as
suas ruas, praças, bêcos e vicias, é porque desejavam
que assi m se ficassem chamando para todo o sempre.
1Os mortos mandam!
E então quando se trata de Évora, a cidade-museu,
como justamente lhe chamam; a cidade-maravilha, on-
de cm cada recanto lembramos um p.i~ado mais belo
do que o safadissimo presente; a cidade-encanto, que
viu cortejos triunfais e foi repouso e prazer de reis,
a cidade ressurreição, onde os nomes cslnnhos- Mou-
raria, as d1•as Alcárcovas, Mesquita, Infantes, Cicioso,
lança r Dardo, Amas do Cardeal, AI/aia/e da Condes-
sa te tantos, tantos mais! prendem os olhos cxtáticos
do viajante, cu digo, como o 11rnndc Anatolc, que
chega a srr um crime, um crime de lcsn-arte, de lesa-
-tradição, de leso-bom-senso, um crime que revolta os
mortos dentro dos sepulcros, locar num só dos letrei-
ros da cidade.

(1) De lonsro vem~ 1naldila costumeira do sub:.tituir a nomen·


ela.lura tópica. H' 46 ttnos, escrevia o arqueólogo Borges <lc Pi·
guciredo:
• Estn. n1n.n1n de mudnr os nomes d•~ runn, praças e largos,
quo octu11h11ontu su tornou epidén1ica, 6 rnulto ux1rnvagnnte. Pois
porquo, so quuron1 ci;lobrar algum personugurn notl\vul a qualquer
rcspeilo, nBo llnpoem o nome d'ollu n. qunlquor run que de novo
se rnsguo '/ l'nrn que lr alterar deslgnnçOc! c.iu(.} conserv:un ttntigos
memoria.!!, u que tào uteis sao muilus velc!t pnrn uverigunçQo das
coisas ftUO passaram ?• Coimbra 0111/ga ,. modl!rna. Lisboa,
M. O. CCC. LXXX. VI., pllg. 119.
1.. Oue diria hoje quem cscre\·eu eJ>l&S pala\'tnS?
-242-
iOs Deuses nos livrem da afronta 1Dentro em pou-
co êsses letreiros, em vez de significarem uma grande,
uma nobre página de história e de lenda, seriam uma
procissão de figurões, muito respeitáveis, talvez, mas
que nada diriam à razão nem ao sentimento do visi-
tante. E a cidade perderia uma das suas maiores bel~­
zas, que, quando mais não fôsse senão por motivos de
turismo e de intcrêssc loca), lhe convém conservar.
E como ainda é em Evora que se teem sucedido
vereações com o bom critério de aceitar o sagrado
princípio de não alroutar os mortos (e nisto leem
dado um exemplo muito para seguir) esperamos, to-
dos quantos amamos as coisas belas do Passado, que
êsse critério continuará.
Desabafei. Que o meu bom amigo, e a Imprensa
daí, e a Câmara, e Grupo Pró-Évora, todos, enfim,
os que algum dia se enamoraram da nobre cidade his-
pânica, juntem os seus ao meu protesto.
Com um afectuoso abraço do seu muito devotado
amigo
CARDOSO /\'IA~THA.

Lisboa, 27 de julho."
POEIRA DOS TEMPOS

XXXII-A MORTE DE JUDAS

"Sabbado de alleluia, no Largo do Chafariz da Bolla,


junto a Relem, uma grande quantia de nopulacho, con-
formando-se com o tradicional e antiquíssimo costume
de muitas partes da Christandade, entendia no supplicio
do apostolo traidor, representado p0r um madraço de
um boneco mal agcitado, mas não falto de sua apparen-
cia humana. ~ o Terreiro vasto; não ha\'ia passar corda
de lado a lado; no meio lhe-arvoram uma especie de
mastro, uma das pontas della se-lhe-amarra ao tope, a
outra a urna janella; no meio se-pende o condemnado por
públic.1 scntcnç,1 dada ha 1842 armos, e sempre e em mil
sftios desde então repetida e executada.
•contr:1 cllc se-tiravam pedras e choviam pautadas,
ao som das injurias classicas, dos alaridos rituaes. Onde-
ava e volteavn nos ares o padecente; - ia e vinha a corda
sacudida; · estremecia e vacillava o poste; mas todos os
olhos e vontades estavam embebidos no alvo da execu-
ção: a ninguem occorria a idéa de um perigo, senão
-244 -
quando o madeiro mal llaslcado, cedendo aos violentos
cmpuxões, desaba para o lado da turba, na queda apa-
nha debaixo de si a uma pobre criança, e a-desp.:daça:
derramou judas pela segunda vez o sangue do in noccntc.•
Rov/sla U11lv<•rsal llsbo11011se, tOmo 1 (1842), pág. 321.

XXXIII-LETREIROS DAS RUAS

•Quem ha que, muitas vezes, nao tenha dito mal á


sua vida, por não poder ler um lettrciro de uma rua l
Este inconveniente cresce de ponto, quando se procu-
ra a ma por altns horas da noite. . ... ... . . . ..... .

•Por esta occasiao lembraremos á Camara um meio


de evitar <1ue os lettreiros se apaguem ta.o facilmente:
vem a ser: escreverem-se os nomes das mas em azu-
lejos em fundo branco, e coltocarem-se em cada lado
dn ma.
«Pazemos esta lembrança, porque já a vimos 1>osta
em pratica na Rua do Cura. O nome da rua está es-
cripto em azulejos brancos em lettras de um roxo car-
regado.(! O branco res1>lnndecente do azulejo, junto ao
reflexo do vidro, contribue muito para que, á menor
porção de claridade, em qua lquer noite se possa ler
dislinctamente o nome da rua.•
R••· Unl..,.,,l llsbon~11$(', n.o 28, de 17 de Maio du 1849.

li) Ainda exlslo es1e letreiro. N. da R.


-::?45

XXXIV- l QUEM DESCOBRIU A AMÉRICA?

"Na gazeta intitulada Correio de lo11dres. nos mc1es


de Março e de Julho, ou talvez de Maio de 1805. ha
duas Memorias (não estou certo cm que dias), as quacs
trabm e evidentemente pr,,vam que nilo fora Christovilo
Colombo o descobridor da America, e sim um llamcngo
ao serviço de Po11ugal, em tempo do rei D. João li.
Oi1,cm as memorias que o tal flamengo, em prémio da
descoberta, fôra armado cavalleiro por mão do mesmo
rei, que então estava cm Almeirim, e contam miuda-
mente a circum,l111cia, di;;endo que Colombo houvera
indircctamentc a derrota e a Cart.1 tirada pelo flamengo
(cujos originacs se conservam na 13ihliothcca de Berlim)
depois da morte d'este. Estas Memorias não são suspci-
tosas, porque são cscriptas por inl(lczes, que nunca con-
cedem a Portugal senão o que lhe não podem deixar
de conceder.•
Rrvls/a UniDer$0/ U.<bontnu, n.• 2i, do 10 de Maio do J849.

XXXV-REIS DE ARMAS, ARAUTOS E


PASSAVANTES

•Temos tres de cada um destes olficiaes; e seu~ no-


mes são. - Rei cl'armas Portugal, arauto Lisboa, passa-
vante Santarem. Rei d'armas Algarve, arauto Sylvcs,
passavante Lagos.--Rei d'armas lndia, arauto Goa, pas-
savante Cochim-.

ln O Panora"'ª n.o 126, de Lisboa, 28 do Sutcmbro de 1839.


246-

CARTAS

AINDA ·os BROCAS"


Meu cAro sr. Ousmao Navarro

Num artigo muito curioso 9uo o Ilustre colo.borador da "feira


da Ladra", snr. Oomcs i\1onte1ro, publica no 3.o n.o do4.• volumo
a propósito de Os Brocat, romance que Camilo anunciou. mas
nunca escreveu, afirma-se, entro outras cou52S muito curiosas quo
Os Brotll$ •seria alicerçado numa torto base científica.. conatituln·
do um aglomerado do atenuantes às faltas gravíssimas doa Cor·
rela Bolelho".
No meu artigo, também publfcado nn •Feira. o i ntitulado ªº"''·
lo e a loucuro, procurei esclarecer a impossibilidade em que so
encontrava o Romnnclst~ do rcnJliar qualquer trabBlho c nl quo
oxlittlsse. um sábio rigor nnnlrtlco, clnramcnto basondo cm con
ce1>ções de ordem cienlfllca,
Camilo ora um escritor do e1no9Bo e síntese o jàn1afs podorin
ter sido um raciocinador oxacto dõ problemns científicos valorlindos
por unu:1. dialectica llter4rla, quo éle entanto possuía no mais
alto grau .
..!lte ~. na minha modesta opiniao, o motivo por que Camilo
nAo chegou nunea a e~crevtr O.t Brocas. Era-lhe pslcolbgicamente
lmpoJslvol realiz!-lo.
E interessMte sa1ientar contudo a lmpotencia do estilista ge-
ni:il do Amor de Pn-dlffJO, para a construçao minuciosa de:rtses
btiixos relevos detalhados em que so estuda a loucura e outras
porturbaçoes psfqulcas. quo U\o em modR se encontram hoje, o que
1d féz n glória do grande escritor nlen1no Hermann Hungor,com ésse
extraordinário documento humano em quo se estudam lodos as
dcflclGncias e anormalfdndos du ordem psfquica. quo se vorlftcnn1
no~ Sous-Homnres.

Pedindo-lho • publicaçAO dostn, fico


sempre ao seu dispor
F. AltNs de Aiet.,do
-247-
li
••• Sr Oiroclor da Feira da ladra:

O n.o 3, tõmo lV desta interessnnto publlca9ào, traz um curlo·


so artigo firmado pelo Sr. Oon1es Monteiro sObre Os Brocas, ro-
romancu quo Camilo nào chegou n escrever.
Tal arlll(O vem acompanhado dum osbõço do árvore genealo-
gico~1>slqullf1rfeJt relnlivn a Gstes pnrcntos do egrégio ron1nnclstn
1
esbõço do próprio punho de Camilo o quu SUF;"Undo, depreendo, e
inédito e de nlto vnlor para n sua blogrnffn o estudo psicopático.
No csbóço •pnrece umn opernçôo unigm41ica: 16>< 16- 256.
O aulor do nr11go clASSi6CA islo do su11oslQo do papel neces-
sJrio ~ra o o~tudo Os Brocas, à rai.no de 16 fõlhas do 16, ou de
256 p ""'· NM posso concordar.
A mlrador dêste grande vulto dns lelras nacionais, para logo
me chamou a alenç.Ao esta operação mi,torlosa i e depois de v4-
rias pondcraçoes conclui que lem orlgc1n 1nu1to outra. E.r:plico o
que penso.
NQo é provAvol que Camilo fizesse nntoclpnda conla das pági-
nns dos souN uscrilos. Tal na.o era do sou tompornmento, sendo até
raro encontrar cssn precaução om qualquer outro escritor, l!sse
como quo llmllo lorç•do à pcnu quo discorre sob n lnsplraç~o.
Cnmilo orn um dos mnis npnlxonodos o doutos gencalO'fislns
do sou tur111lOi u, portanto, um perho nesso'I trnbolhos. Oom1n:ido
pela lcllura de Mnudsley 1 procurou resolver casos !ristes da sun
nscendêncln e por êles prever, estudar o que se dnria nos seus
descendentes: J tJorge) e N iNuno1, reterindo~se a este dllímo
aqueln noto desoladora no fim do esbOço.
Ora lemos que o ndmero de ascendentes~ progross~o geomé-
trica à rwo do 2, lei que não ignoram 0$ quo estudam estas
questões
Camilo snbia por consequência que, nn sua Jlnhn ascendente,
havia 6stcs graus o número de pessoas :

ORAUS N.O DE PESSOAS

1.0 -Pnls • 2
2.•-Avós. . 4
3.•-lllsavós • 8
4.•-Trlsavós. 16
6.0-4,0t avós 3Z
6.• - 6... ovós 64
7.• - t ... avós 128
8.o- 7,0t o.vós Uó
-248
Ora 256 6 o produto do 16-< 16. E os termos da progrcssJo, a
p1r1ír de 16 sao ou podem ser reprosentadospor 16:.<2:<2:<2
:<2 16:.<24kt6i<t6~256. Em qualquer linha, mas aqui a pa-
trrnn, linham os dois lnfeh1ot Jorgo e Nuno 256 ascendonlcs.
l Al6 onde o levaria a sua in\•e:.;llg:aç.ao desoladora?
Mnudsley veio lançar nn alma dHocerada de Camilo uma cru·
cfnnlc J>Orlurbayào. Os dizeres do esbõço, a letra, o co11firmnm.
Su~ l onto, pois snlvo o ruapollo por opiniao C'>nlrd.rin, que n
1

mulllpllcnçõo siblllnn 16:.-: 16 lol trnçadn por um irenoalol(lstn


npnixonndo como o ora C1unllo i l n quem sabe se é$so J>ruduto
256, o demoveu a nCl.o dnr n lurno os estudos relativos a Os IJrocas?
Acrasce que os quatro pri1nciro~ graus sao ch:in1ados os qualro
costndos Camilo talvez ainda qulse~so ver até onde podin Ir A sua
ltio lamentável desventura ••
Desculpe.me V. . . a ousadia dêsle parecer. certo de que só
prtlendo esclarecer um ca">o que muita luz pode lançar, qu:ando
dccid1do definitivamente, sõhre os l"nces mais crueis da \rldl\ do
s1udo1'0 romancista.
Crei1·me
de V.••• ele.
!v1A1<uer. S1LVA
Póvoa de Vnr2im
2a-7-932.

O •MALABAR•

Meu •••. amigo


f~ adição ao arligo do sr. Ferreira Lima sõbro o aeronauta
Robertson;
O ilustre académico fala do pro,..rramn da 2.• :1.scenç..10, mas n:\o
1109 diz (iulgando êste pormenor sem importância), que nos Inter·
\'Rios o ~tatabar divertia o pdtlllco cngulindo espada~ de .rrnndes
tJlmcnsõos.
O Mnfnbar ra.sslm ulcunhodo JlOrquo quando chegou u Llsbon
trnjuvn um casaco escnrlnto u usava u1n turbnnte nn cnbeço) chn ..
11111vn·se Luii Cossoul e <lo iiou casnmonto con1 n sobrfnho do
noronnuln, que se chamava Virgfnln, teve três filhos, um dos qunls
fnl o c:élobro mnestro e violo11cell~tn Oullbcrme Cossoul, quo mor·
rcu unt Lisboa, :iinda cm nossos dia!-
(.:o que diz Sene\·ides nn sua obra, O Real Thealro d~ S.Cllrlos.
CroJ3.me, etc.
J. de V.
LIVROS
®.REVISTAS
(IAR.. <i••H.( Horfe-u. Dlt TOU ll~ A..'I
l'VIU..ICAÇ0•li Ua (!:Ua ll'OÍUllol l!;X'VIA•
110.!i lMH~ .Jl:XY.Mrl. ,\JUI.• ,( tl!IUCCÇÃO
ul&Ya ,lollU<11.ÕJO.

- Os Lusíadas de Luís de Camões


Mais u ma edição dos lusíadas, organizada com sin-
gular competência pelo dr. Cláudio Basto, veio acres-
centar o pecú lio dos camonistas, pilotar os que se entre-
gam ao estudo da obra camon iana e ensinar os alunos
das ~scolas port uguesas.
E vulgar dizer-se que, na arte de escrever, tudo quan-
to seja obscuro ou confuso é cMeito insanável; que uma
obra de arte que, para ser compreendida, há mister ser
interpretada ou comentada, não é decisiva obra de arte,
ao alcance de tôdas as inteligências e de tôdas as sen-
sibilidades.
Todav ia, Camões não deixa de ser um poeta pelo
facto de ser explicado e comentado. E que Camões é
um escritor antigo apresentado ás gentes de hoje
e a explicação do seu poema incide mais no arcaís-
mo dos te rmos, da construção sintática e na e mbru-
lhada mitológica, do que no abstruso das concepções c na
exteriorização das ideias. L~ porque a sua obra necessita
de comentários, nem por isso di minuem as figuras lite-
rárias de Gil Vicente, de Dante, de Shakespeare, que os
seus lemporâncos mu ito bem entenderam e aplaudiram.
O dr. Cláudio Basto, sendo o mais recente explica-
dor dos lusíadas, alinha de facto entre os valiosos.
pe la sensata reposição do texto, racional pontuação, cri-
tério no aclarar dos passos d(1bios ou difíceis e seguro
exame filológico.
Assim os eruditos (que também ali leem q ue apro-
-250
veitar, mau-grado a negativa cio ilustre professor), os es-
colares e o público, cm gemi, correspo11dam a êstc cs-
fôrço benemérito.
Edição de Maran11s (Põrto), excelente.

- lnconfldencia Mineira (1789)

J\-pc1.u da numerosa literatura versando êste assunto,


ainda êle não está esgotado. Confirma esta asscrç5o
um trabalho do Rcv. Manuel Ruela Pombo, de que
saiu agora o t.o fascículo. impresso cm Luanda,
onde êstc nosso colaborabor dá notícia de numtrosos
documentos existentes na Bibl. Nacional de Lisboa (sec-
ção ultramarina) e se ocupa da sorte que correram cm
Ãfrica os que a sentença para lá deportou, entre os quais
se coutam duas figuras de vulto nas letras portuguc-
sas- Tomaz Oonzaiia e Alvarcnga Peixoto.
O nosso aplauso à obra benemérita daquele opero-
so missionário, que o é d11plamente-da Igreja e da l lis-
tória. Pena foi que no sumário do texto dalguns docu-
me11tos tivesse sido omisso em demasia. esquecendo-se
também de citar nalgumas cartas o sinatário e noutras o
destinat;\rio, ou ambas as coisas na mesma carta.

- Á margem dos Nobiliários


Numa elegante edição, omle o bom gôsto começa
logo na capa, de sóbrio título cm gótico a vermelho e
negro, deu-nos o dr. Vasco Valente, bem notório 110
mundo dos forragcadores de antigualhas e novidades
históricas, uma 5érie de comcnt;\rios, de grata leitura, a
figuras da nossa história e seus bracejados genea lógicos.
Além de valiosas transcrições de documentos, ilustram-
-251-·
-na curios.1S reproduc;ões de retratos. tapeçarias, pedras-
-de-armas. exlibris, etc.
Recomendamos o simpático voluminho a quantos se
interessem por coisas do Portugal velho.

-As pinturas das armadas


da illdia
Incansável trabalhador, frazão de Vasconcelos trepa
a~ora menos às árvores ... genealói~icas, para subir mais
às g:ÍV<'ª' das velhas naus dos descobrimentos. E deve·
mos conless.1r que se tem revelado um investigador cons-
ciencioso e atilado, como o provam. entre outras pági-
nas, a brochura que, com aquêle titulo já de si sugestivo,
separou duma revista oficial onde pela primeira vez foi
esta111pada. .
Pelos tflulos dos capítulos-As pl11l11ras do palácio da
Fortaleza, em Goa, O livro ele Liz1111rte de Abreu (per-
dido) e O .. /,lvro das A1·111adas", se apura a importân-
cia desta contribuição do sr. t'. de V. não só para a
nossa história artística, como para a do nosso domínio
nas partes da Ásia.

A colecção Osório
l~ também tuna separata o folheto q11c, com êste ró-
l\110, o sr. dr. Pedro Vitorino, nosso ilustre colaborador,
recentemente publicou. Nele se dá 11otícia da galeria de
pinturas que cm 1911 o benemérito t'crreira Osório le-
gou à câmara do Pô1io.
l listoriamlo o ca.so, o dr. P. V. deixa escapar algu-
mas considcr:1.ções amargas, mas justas, visando a má
organização do Museu Municipal do l'õrto, revelada.
-252-
entre outros facto\ no de Junqueiro ter doado as suas
colecções ao Museu de l .isboa.
Uma lista (p(isto que deficiente), pela l.• vez im
pressa, dos quadros legados ao Museu, enriquece esta
separata.

-Vida maravilliosa de Santo


António da Lisboa
Pedro Correia Marqu<·s, pela ~na cultura, pela forma
argula com que encara e ataca as quest(>C:>, crhu justa-
mente um nome no jonmlismo portut:u~s. Nunca, po-
rém, atirara à publicidade um livro. Aqui tc111os agorn
esta vida de Sto António para as crianças ... e para ho-
mens leitos, porque o li com prazer.
Linguagem cM e despretenciosa como convém; nar-
rativa fácil; rclêvo dos episódios; comento leve e insi-
nuante dos milagres e virtudes tudo isto junto à sim-
pátic.1 cdiç11o que Tom ilustrou com simplicidade e jus-
tela, fazem tio livrinho u 111 encanto. Rccomendamo-lo a
quem tiver a seu cargo a educaçilo de crianças.

- Olarias de Muge
-A pedra de cobra
O dr. J. A. tios Santos Júnior é um novo; não st•i
mesmo se alcançou a trintena. O seu amor ao estu-
do, porém. é de tal ordem, que j;I leva consigo uma nu
merosa baiiagem cientifica. Aq111 temos uma scparat<1
dos Trab. dt1 Soe. Port. tia Jlntropol. e klnologla, onde
pormcnori1,1. com fino critério etnográfico e justa obser-
vação, o trabalho dos oleiros de Muge, no Ribatejo, des-
crevendo peça por peça os aparelhos de olaria, e assim
-253-
mesmo os produtos da loiça regional que dali derivam
para vários pontos do país.
/\lguns desenhos do autor e foto1,'Tafi:1s completam
o texto.

Co111 o dr. J. Bcthencourt Ferreira, ainda Santos Júnior
cstuctnu, uum a1tigo da Rev. L11sita11a de que tirou scpa·
rata, as upcclras de cobra•" ou upcdras Bc1.0aru, aconse·
lhadas como anti-tóxico decisivo cm mordeduras de vf-
boras e outros olfdios peçouhcutos.
Trabalho bem abonado de kxtos antigos e moder-
nos, A pedra de cobra é achegas valiosas para um fu-
turo e quanto possível perfeito corpus da medicina po·
pular portuguêsa.

-Uma águaforlisla "" sócu!IJ XVf/.


Com n sua habitual compclêncin, ocupa-se o sr. dr.
Luiz Xnvicr ela Costa, a qu.m a história da arte por-
tuguesa deve notáveis serviços, do figura de Josefa
de Aynln, ma:s conhecida por Josefa de Óbidos, en-
carando-a como gravadora a água· forte, numa confe-
rência feita o ano passado no Museu N. (e Arte An-
tiga, que foi agora dada à es ampa.
Pouco 1.umerosa é a obra de .Josefa de Ayala neste
ramo artlstico, ou, pe o menos, poucos trabalhos che-
garam uté nós. No entanto, o ilustre investigador es·
gota o assunto, estuc!ando-o com ci~ncia e critério,
ilustrando o texto com reproduções dalgumas águas-
.fortes. Um apenso, com dados referentes à obra e i1
famflia da célebre pintora seiscentista completa e en-
riquece o volume, de que s2 tiraram apenas 300
exern1>lares.
Edição sóbria e elegante.
-254 -
- Os Vencidos da Vida.
Muito se tem falado e escrito dtste célebre grupo,
de que participavam alguns dos maiores nomes das
nossas letras e da selccla sociedade do seu tempo.
Eça, .Junqueiro, Ramalho e Ol iveira Martins, por exem·
pio, e para só citar êstcs, foram do número.
O t1ue r. inguérn disse nem escreveu foi o que o dr.
Manuel da Silva Gaio, poeta e critico de raça, trouxe
n lume uma pequena brochura com o titulo que encabe-
ça estas linhas, historiando o grupo, descrevendo-lhe
a acção e os intuitos e locando com superior análise
cada um dos personagens, cm conjunto e individual-
mente.
Nao se pode dizer mais, nem melhor.

-Not"s para a híst6ria


do jornalismo em Elvas
António José T(lrres de Carvalho, jornalista e bi
bliólilo, em boa hora se lembrou de publicar a mono·
grafia do jornalismo elvense, e devemos dizer que se
~a{u ela tareia bizarramente. Em fascículos sucessivos,
deu circunstanciada nolfcia de 48 publicações periódi·
cas, que leem vindo a lume na celebrada praça frontei-
riça. Pena é que o exemplo nao seja seguido na maio-
ria das cidades provincianas, o que seria uma exce-
lente conlribuTçao para a l.istória local.

- Touros e Toureiros em
Portugal
Quer como crítico lauromác1uico, quer como hislo·
rindor de toureiros e lestas de touros, o nome de Car-
-:.!55-
los Abreu é o duma autoridade. Nno me admiro, pois.
de çue o seu anuário tenha sido bem recebido e de
que a venda tenha sido larga.
Tanto o toureiro profissional como o amador, tan-
to o emprezário como o público alidonado, ali leem
um guia seguro do ofício e dos seus ossos e uma larga
cópia de informações, que se repetirao, espero-o, por
muitos anos.

-A mediâna popular em S. Simâo de Novais


-Folclore de S. Simão de Novais - Orações
-Medicina popular mi111!ota
Não é assunto êste da medicina, dos mais tratados
em folclore. Há muitos anos que Cláudio Basto nos
promete uma história da Medicina Popular em Portu-
gal, mas, até agora, não tem passado de promessas, e
é pena.
Ainda bem que um ou outro íolclorista vem dando
a lume o que vai encontrando, e nesse caso está o
Dr. Fernando Pires de Lima com esta brochurinha,
separata das actas do XV.• Congresso lntern. de An-
tropologia, reunido em Portugal no verao de 1930.


Do mesmo autor e em separata do n.• 1 da revista
Pátria, aqui tenho uma nova contribu'icao folClórica
com o 2.• dos títulos acima, exibindo um mostruário
abundante de orações populares, tôdas colhidas na-
quela risonha localidade, embora muitas, com ou sem
variantes, sejam comuns a todo o país.
Muito há a esperar do dr. Pires de Lima, que cm
tão verdes anos se mostra atencioso a trabalhos de
investigaçao desta natureza, tendo sabido explorar
• . 256-
com cuidado e inteligência a !arta seara etnográfica
que é S. Simão de Novais (l'amalic:io) .

De colaboraçao com Alexandre de Lima Carneiro,
publicou ainda o dr. P. de Lima Medicina popular mi-
11/wta, cm separata do vol. 29.• da Rev. Lusitana. Nada
urrescentarei ao que acimu escrevi, scnao que preen-
che o lolh~to um abundante reccitu;\rio em que, como
sempre sucedeu (1 que o digam os processos da Inquisi-
ção 1) a superstiçao intervem quási sempre à mistura
com medicamentos que a medicina moderna tolera e
até por vezes aceita.

Terra brava (versos).


A Musa ao volante, vinda n lume há coisa de dois
anos, deu a J. Preclerico llrilo uma certa aura de no-
toriedade. E justa, devo di?.ê-lo. Porque Terra brava,
11 que o seu autor antepôs uma carta de Teixeira de
Pascoais, é um livro onde se manifesta a grande sen-
sibilidade lírica e !acuidades criadoras de quem o es-
creveu.
O livro no geral, é todo bom; mas sobretudo
dentro da quadra, género popular, é que Frederico de
Brito está à vontade e onde melhor demonstra os seus
dotes de graça, espontaneidade e frescura de inspira-
ção.

Os santos populares: S. Anló·


nio, S. Jo(Jo e S. Pedro
O Dr. Luiz de Oliveira Guimaraes deu à estampJ
uma conferência feita no ano passado e fêz bem. Tudo
-257-
quanto seja contribuir para o estudo do nosso folclore
ou para a ~ua vulgarização, é urn neto de patriotismo
muito para louvar.
Em 45 1>~gs. nos dá o dr. O. G. uma síntese do pa-
pel que os três santos de J unho desempenham na vi-
da do nosso povo, ilustra ndo o texto com a reprodu-
çao de alg uns curiosos registos antigos.

- Aos llomens de bem !


Por duas vezes Crisóstomo Cruz, jornalista portu-
guês que no Brasil tem prestado altos serviços ao seu
pais, se viu acusado na imprensa de se ter naturalizado
brasileiro. fste folheio, bem abonado de documentos do
estado português e brasileiro, quebrn os dentes dos seus
dctractorcs, que certamente não voltarão a salteá-lo com
o bacamarte da calún ia.

PARA BREVE
l'stá em distribuição o fasclculo especime dum Di-
cionário de Bibliografia Portuguesa, utilíssima publi-
ca.;ão que Carlos Coimbra organi1.1 e Gusmão Navar-
ro edit.1. feito sôbre um plano inkiramenk novo, ês-
te dicionário propõe-se não só registar todos os livros
e outras publicações até hoje vindas a lume em Bar-
bosa M~chado, Inocêncio, Brito Aranha, figaniêre.
Aníbal Fernandes Tomaz, Martins de Carvalho, Seabra
de Albuquerque, Martinho da Fonseca, José e Manuel
dos S;111tos, D. Manuel de Bragança e outros, como,
Iam bem apresentar-se sob a forma de verbetes per-
furados, de modo a poder ser acrcsccnl.ido em cada
autor, à medida que novas obras tenham que regis-
tar-se, ou mesmo intercalar novos autores.
-258-
Tanto a imprensa como os amadores de livros e as
bibliotecas e arquivos do Estado, teem recebido com
agrado a nova publicação, cujo n.• especime eslá em
distribuição na sede desta revista e nas principais li-
vrarias de Lisboa, Põrto e Coimbra.

Anuncia-nos a importanle livraria fluminense J.
Leite &' c.• a próxima apariçao do vol. O Rio de Ja-
neiro do tempo dos Vice-Reis, da auloria do poeta e
jornalista Sr. Luiz Edmundo. A seu tempo daremos
notícia dêste livro, que interessa a portugueses e bra-
sileiros.

REVISTAS RECEBIDAS
-Arquivo de Documentos Históricos
Lisboa, 1931-32.
Publicado e dirigido pelo editor da Feira da ladra,
sr. Gusmão Navarro, retomou novo caminho esta pu-
blicaçao ou anles, esla série de publicações, de que
eslava há muilo publicado um apreciável volume: Car-
ias do Co1 de de Tamuca.
Agora eslá em via de conclusao a 2." edição das Ar-
uores de Costado, de Canais de Figueiredo, propondo-
-se dentro em breve o sr. G. N. completar as séries Vá-
ria, Documentos medievais, Habilitações do S. Ofício,
Cartório da Câmara Eclesiástica de Lisboa, Ementas das
Ordens Milítares, D. Flamínio, Cartas de brazão iné-
ditas, Justificações de nobreza, Aruores de costadas
modernas e Habililoções da Ordem de Malta.
Os trtulos dispensam comentários. E como o pro-
grama é bom, mas vaslo, às genles desla iniciativa
desejo um esplêndido sucesso.
-259-
- Po1 tvcale - Pôrto, 1932.

Tenho presente o n.• 25, 5.o vol., desta esplêndida


revista, que insere colaboração do dr. Leite de Vas-
concelos, Braz Burity, Rodrigo de Sú Nogueira, Ferreira
de Ser1>a, Cláudio Basto, etc.

-Revista de Arq11eologia- Lisboa,


n."s 1 e 2.
O Sr. Cordeiro de Sousa, já conhecido e aprecia-
do dos cscabichadores de velharias, epigrafista reputado,
que honra o nome dum pai ilustre por muitos títulos,
trouxe a lume esta publicação, que, por mu itos títulos
também, merece a atenção dos que se dedicam a êste
ramo da história- a arqueologia.
Mestre José Leite de Vasconcelos, Sousa Viterbo (ar-
tigo póstumo), D. José Pessan ha, Fclix Alves Pereira,
Ferreira de Serpa e Oarcc' Teixeira iluminam com a sua
erudiçiío as pái:inas desta revista.

-Revista de Philologia 11 de Hist6ria-


Rio-de-Janeiro, 1932.
Continua a sua rota benemérita de divulgação cien-
tífica esta revista, a melhor publicação cultural no seu
género que se estampa no Brasil, em edição da impor-
tante livraria J. Leite B< e.•. Como igualmente interessa
o português e o brasileiro, para o primeiro chamamos a
atenção dos estudiosos.
No fascfculo 1 do tômo li, que temos presente, des-
tacam-se, entre outros, os nomes laureados de Afonso de
Taunay, Alrânio Peixoto, Sousa da Silveira, Augusto
Magne,etc.
-260-
-Arquivo Histórico da Madeira
Funchal. IQ32.

Presente o n. · 1 do 2. · vol. desta revista, em que


o seu director, o nosso colaborador dr. Cabral do Nas·
cimento, continua a descntranlrnr do riquíssimo Arqui-
vo Municipal do Funcll:tl preciosíssi mos documentos,
de alta import-:lncia para a história da Madeira.

Arqueologia e Hisl6rio
Vol. IX. Lisboa, ICJ32. -

Saiu o vol. IX desta valiosa publicação da Ass. dos


Arqueólogos Portugueses, inserindo estudos dos srs.
l.uiz Chaves, Cunha Saraiva e Cardoso Gonçalves.

Diogo Cão-Luanda, 1932.


Revista ilustrada de assu 11tos históricos. N."' 1 a 3.
Publicação, que em boa hora o nosso colaborador sr.
P.' Ruela Pombo trouxe a lume, destinada a divuh:ar
factos e documentos que com o nosso império ultra-
marino se relacionem.
Nos 3 n."' que temos recebido com r~laridade, há
muito que apreciar, embora por vezes desejássemos
que a seriação e exposição dos assuntos fôsse menos
confusa e congestiva.
Nu entanto só temos que aplaudir o sr. Ruda pela
sua corajosa iniciativa e agradecer-lhe as palavras
am~vcis que no t.• n.• da revista dirige à Feira da la-
tira. Oa melhor vontade esta lhe concede a bençáo pe-
dida· i e que lhe sirva de viático para o caminho a
pcrcorr~rl
-261-
-Boletim do Arquivo Histórico Mififar-
Lisboa, 1931.
Saiu o n. 2, sob a direcção do nosso distinto cola·
0

borndor, sr. coronel Ferreira Lima. Destacam nele as


correspondências diplomáticas trocadas pelo gene-
ral 13ernardim Freire de Andrade e a Junta Provisional
do Supremo Gt1vêrno com o alto comando do exército
bril<inico em Portugal, bem como n trocada em 18!0
entre Lord Wcllinr.ton e D. Miguel Pereira Forjaz.
Grosso vol. de 316 p.'lgs.

- O Tripeiro. Pôrto, 1932.


Bairrista até ào medula, como o nome indica, esla
revista portuense continua a sua carreira, cumprindo
honestamente o programa que se impôs perante os seus
com patrícios e perante o país, - proporcionar-lhes o
conhecimento histórico e arqueológico da grande cida-
de nortista.

Recebemos e agrndccemos mais as seguintes publica-
ções:
Arquivo Nacionlll - Lisboa
!Jibliografia Lisboa
Cabaceiro (0)- Santarém
Comercio (O) de Vizeu
Correio do M in/10 - Braga
Correio do Sul f'nro
Despertar (O) Coímbra
Democracia do Sul Évora
Dos Pré/os Lisboa
Eco Macaense Macau
Era Nova - Lisboa
Jornal da Beira ViLeu
Linha Geral Leiria
-262 -
l usilania - Rio-de-Janei ro
Patria Portuguesa- Rio-de-ja11eiro
Presente e Fut11ro - Lisboa
Reportagem - Coimbra
Semana (A)- Funchal
Setubalense (0)
Sintra Regional
Tradição - Vila-da-Feira
União Nacional - Luanda
Verdade (A) - Pombal
Voz (A) da J11st/ça - Figueira-da-Foz

O TERCEIRO VOLUME DA BIBLIOTECA DA


"FEIRA DA LADRj>"
Distribuímos com êste n.0 da Feira os três últi mos
oitavos da peça de teatro popular Os Pastores em Belém,
edição revista e judiciosamente comentada pelo nos-
so il ustre colaborador sr. Rocha Madahil.
Com o l.º n.º do 5.o volume, iniciaremos a publica-
ção duma série de cartas, que o pastor luterano Ruders
escreveu de Portugal para o seu país, enquanto foi ca-
pelão da legação sueca em Lisboa, no fim do século
XVlll e começos do seguinte.
Estas cartas foram cm tempos publicadas, em tradu-
ção portuguêsa do falecido poeta António Feijó, no Dia-
rio de Noticias, de Lisboa. E de lamentar seria que, da-
do o efêmero da vida dum jornal, ali ficassem para sem-
pre sepultadas e desconhecidas de quási tôda a gente.
Nelas perpassa, como em fita de cinema, a sociedade
portuguesa dos tempos da Rainha Piedosa; e se não
leem o recorte literário nem a iron ia doirada das epis-
tolas beckfordianas, sobrelevam-nas porventura no deta-
1hado das descrições, critério sensato das pessoas e dos
acontecimentos e imparcialidade de apreciação.
Fim do Tomo Quarto

1~
\ "
,
IND I CE
Q_, #Jt11t.n·1 1 a•~•DIDOJi oa A-tr•lll1t'ftJ
a.i.n A• t>'llfA'°lif"~ D• CdA\'t lllA._

• Aeronautas 'Os) Rollrrlso11 em Portugal, por Henrique


du Cnn11>0S Pcrroirn Lima • • • • , . • • 64
«Au1a11te 10) Liberal•, por Manuel de Sou::Ji• Pinto . 138
Bapll:culo (0) da prl11cf.t(I tia Beira D. Maria Teresa.
por António Caldclrn Pires . • . . • . . 62
• •Broca.s- (Os)-Romanr~ qur Camilo ndo chego" aes-
Cft'l"tr, por Oomcs Monteiro • . • • 102
Cnn1llo t O Loucura, por r:. Alves do AtC\'OdO • . 85
Carias (de Alves do Ato,·odo, Mnnuel Silvn e J. de V.l • 249
• Casa (A) de 1'uuaredt', por Jooo de Vllhunn • • • 234
• Con10 se gaulrou CaltN1n, por llenriquu du Curnpos Per·
reira Lhna . , . • • • • • 97
• Cott10 ${.' perdeu Ca1t11a, por Oom&~ i\1outclro . 26
• Cor,,1111fcndo (Um) amoro.~o. por Carlos Coímbra 127
• Con<lt•s da flQJUJrt>..(, pnr Pedro \·ilorino . . . 2').I
Curlo~ltladn e indicaç6"'~ útris e prcciOS(I~, put Joào Jar·
dlm de Vilhena • • • • 19, 7~, 113, 165 a 215
Epl.<laldrlo:
V Couro se desiufectavn um nrq11i110 (Cnrtn de Ore-
górlo Jos6 do Seixos), 1>or J. J. V. . . • . 31
VI -.'\('bfl.Slituri:iuio !Cnrta de F'r. Bernnrdlno de Sena 1,
por Santos Futlnh!1i •
VII U111n •Cunha• tntnue/ista ·C3.rta d!'t condessa de
Bardi" por A. (i N. . . . . • . . HI
VIII Da """'º
porA CP •
farmaro/>('la (Cana da fldmund Bach·,
. .... 83
IX O brio de F4!r11andi1s Tomllz fCnrla do Manuel
11crnnndos Tomnt), por Rocha Mnrthu; 13-0
X -Un1n corta lnltllfa tlC! Junqueiro, JlOr Joào Bar~
reira • . • . • , •
XI Vieira pintando "'" Ron1a (Carla 1tc Vle1r:i Lusi·
tano·, por e. f,\, • • • 170
XII A fronquna d• Camilo 'Carta da Camilo Castelo
Brnnco), por António Ta,·ares de Car\'a.lho . 175
XIII Pedro IV o /.111% XVIII (Cario do D Pedro do
Alcflnlttr:ll, 1>or (.;, M. . . · • 198
-264-
XIV - As el•lç6es •livres• de 1865 (Corto do J, O. do
Silva Sanches•, por llugl!nio de André• da Cunha
e Freitas e .José Augusto do Macedo do Can1pos 200
• Esqueleto (Uni) c111 botant(a.s, por Jaimo de Bnlsomao 66
Esludru1/e (0) no CQ/1clonelro popular, por F'ernnndo de
Castro Pires de Lin1a • . . . . . • , . . 49
Exdqu;as (As) dt D. Jo/Jo V. por Brneslo Soares . . . 145
Famlllas (As) Curvo Semedo e Chatillon rDuns c•rlns),
por i\1atos Sequeira e João de Vilhena • · . . . 95
Felipa rD.1 de Vlllwna e uma sua fll/1a, por C. M. . 15
Glória reflexn. 1>or Pidelino de Figueiredo . 185
Hisf6rla Colo11lal (Cnr1a1, por Manuel Ruoln • 183
Jort1ois {Notas à margem), por Jorge dé Paria . 209
Ju11quefrla11a- Poro de horas, por J. 8. . . . 238
Junqueiro brlcabraqutsla,, por Ouilhorme Felgueiras 161
livro (Utn) curioso, por Luciano Ribeiro . . . . 89
Livro (Ut1t) sabre a 11Cornuna•, por Joao Jardim de Vi-
lhena . . . . . . . . . . . . . 191
L;uros d'. Revistas . . . . . . . . . . . . 249
• Loiça de pó de pedra, por Vasco Valente. . · . . 225
• Matrlclda (AI Maria José, por Pedro Vitorino . . . 70
• Afilagrí' (01 de ftfarlinaclia, por José da Cunha Snrniva 42
/tfut'fo trabal/lo para nada, por Fernando de Aguiar. • 230
No111enclat11ra de ruas (Danças e mudanças}, por Cardo-
so Martha . . . . . . . . . . . . . 239
(IOra uao se perCó a Caso dos Bicosi.. , por C:irlos Snntos 122
• Para a lconografra de Santo A.11/6nio de Lisboa, por
Luiz Chaves , • . . . . , , • . • • 217
Petição a D. Miguel, por J. V. . . . • . 157
Piscos (Os) de Sezfmbra, 1>or Mntos Sequeira . 107
• Poeira dos te111pos . . 47, 93, 141 e 243
Problemas blbllográ{ico.< (//), por Mendes Madeira • l 55
Propósito (A/ dos Feitos Fi11dos, por O. Tomnz do AI·
rneidn . . . . . . . . . . . 37
• •SM Pedro• (01 de Tôrres-Ve<tras, por R. Snlinns
Calado . . . . • • . . . . , ....• J 18
• Sepaltura (A) da nrarqufSa de Ravara 110 cemitério
de Benfica, por J. M. Cordeiro do Sousa . . . . 124
• Sil/luetas do século XVIII. por C. i\t . . . . . 177
• Simbolismo (O) na arfe mediuval (Excerpto), por O. Jo-
sé Pcssanha . . . . . . . . . . . . . . 197
rr~s anos depois, pelo Dlreclor e Editor . . . . 5
Tripeça (A)"ª"'ª"ª' por J. A. Pires de Lima . · 6
• ' ltimas vontades de Brotero, por Joao do Cofmbra lO
,

I
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Assinaturas
6 núneros, 20 esc.
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Número avulso
4 escudos

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