Atividade 1 - IV Bimestre Geografia

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OLIVEIRA, Fabiano Arndt Araújo Pykosz de.

Os mapas contam histórias:


reflexões, análises e perspectivas da utilização da cartografia histórica no ensino de
história. Orientador: Andréa Carla Doré. 2020. 116 f. Dissertação (Mestrado
Profissional em Ensino de História) - Curso de História, Setor de Ciências Humanas,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2020. Disponível em:
<https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/69429>. Acesso em: 03 out. 2022.

ATENÇÃO:
Será colocado uma parte desta dissertação para análise em grupo em sala de aula,
e em seguida, responder as perguntas baseadas no texto.

1.3. CARTOGRAFIA CRÍTICA E CARTOGRAFIA HISTÓRICA: O MAPA COMO


LIGAÇÃO ENTRE O SER HUMANO, O TEMPO E O ESPAÇO

Por serem simultaneamente produtos da ação humana, realizados no tempo


e referidos a determinados espaços, acredito que os mapas ocupam uma importante
posição enquanto elos entre os saberes históricos e geográficos, De maneira geral,
pode-se dizer que os mapas e a cartografia são utilizados pelos seres humanos há
muito tempo, em uma história que caminha desde os primeiros traços representados
em pedras até as modernas fotografias tiradas por satélites de alta precisão:

Desde o Paleolítico Superior (40.000 a 10.000 a.C.), o ser humano já


buscava representar graficamente o espaço onde habitava,
selecionando seus elementos da paisagem com o símbolos de poder
e sobrevivência sobre o território: áreas e elementos de caça, coleta,
moradia e rituais religiosos e funerários. N a vida do Homem
pré-histórico tinham lugar a arte e o espírito de conservação daquilo
de que necessitava.

A necessidade de representar o espaço acompanhou as necessidades


humanas ao longo do tempo, de modo que desde muito cedo foi necessário
estabelecer princípios norteadores dessa prática, baseados na escala, no uso de
símbolos próprios, cores etc. A importância desses recursos pode ser sentida
quando se observa que já na Grécia Antiga havia técnicas para a representação do
“mundo conhecido”. Tales de Mileto (c. 624-546 a.C.), Pitágoras (c. 570-495 a.C.),
Aristóteles (384-322 a.C.), Hecateu de Mileto (c. 550-480 a.C.), Eratóstenes
(276-194 a.C.) e Ptolomeu (90-168) são apenas algumas das personagens
relacionadas ao surgimento da cartografia. Essa história continuou ao longo da
Idade Média, na qual perspectivas religiosas tiveram grande influência sobre a
maneira como o mundo era visto, percebido e representado, e encontrou grandes
desenvolvimentos sob a cultura islâmica.
No entanto, foi a partir da Modernidade que grandes modificações se fizeram
sentir. Embora de maneira gradual e não sem questionamentos, ocorreram
modificações sobre a concepção do mundo e sobre as formas como esse mundo
seria representado. Como explica William Randles, no período entre 1480 e 1520,
profundas mudanças conjunturais trariam poderosas consequências ao pensamento
europeu. Randles aponta para a transformação das visões europeias acerca do
planeta, que durante praticamente toda a Idade Média teriam convergido no sentido
de alinhar o conhecimento herdado da Antiguidade Clássica à teologia bíblica. No
século XV, a tradução e a circulação da obra de Ptolomeu introduziriam algumas
alterações, ao apresentar à Cristandade Latina a representação em um plano de um
mundo esférico, no que poderia ser chamado de “[...] estado intermédio entre o
mapa-múndi medieval e o globo terrestre construído pelos Descobrimentos [...]”.
Porém somente após as navegações é que seriam observadas modificações
definitivas nas noções geográficas e nas representações cartográficas produzidas na
Europa.
Algo evidente é a relevância de Cláudio Ptolomeu na cartografia do início da
Modernidade, uma vez que diversos dos mapas produzidos à época baseavam-se
nas ideias do pensador alexandrino. Ptolomeu havia proposto a representação
cartográfica do mundo conhecido em um plano à semelhança de uma “grelha”, com
linhas horizontais e verticais que auxiliavam na localização, sobretudo de
navegadores. A influência ptolomaica demonstra, entre outras coisas, a importância
do conhecimento greco-romano “redescoberto” entre o final da Idade Média e o
início da Modernidade, bem como o papel dos povos árabes na preservação desses
conhecimentos. Além disso, fica clara a própria relação dessa conjuntura com o
conhecimento, expressa na releitura dos “clássicos” e no aprimoramento de
conhecimentos anteriores.
Em sua obra Geografia, considerada o primeiro grande guia de cartografia,
Ptolomeu tentou compilar e sintetizar o conhecimento geográfico (greco-romano)
existente até então, sendo fortemente influenciado pelo já citado Eratóstenes de
Cirene, e por Hiparco de Niceia (190-120 a.C.) e Estrabão (c. 64-24 a.C). Apesar de
seu mapa original ter sido perdido e de estar reduzido ao mundo conhecido à época
do Império Romano, o sistema de “grelha” desenvolvido por Ptolomeu para
representar cartograficamente o mundo continua sendo reutilizado em diversas
projeções, inclusive atuais. Embora relativamente desconhecido durante a Idade
Média, o trabalho de Ptolomeu foi difundido entre os árabes e, a partir do século XV,
“redescoberto” no Ocidente latino, fato que se deveu, especialmente, à tradução da
Geografia:

O florentino Jacopo de Angiolo, aluno do bizantino Manuel


Chrysolorus, concluiu a tarefa de traduzir para o latim , por volta do
ano de 1406, a obra Geographia, que foi apresentada primeiro com o
título de Cosmografia. Não se tem confirmação, mas parece que a
primeira edição da obra na Europa teria sido feita na cidade de
Vicenza (1475) e a primeira edição a incluir um mapa seria,
provavelmente, a de 1477 em Bolonha.

O conhecimento das ideias de Ptolomeu deu novo impulso à cartografia no


Ocidente latino, obrigando a uma renovação do conhecimento geográfico. Tudo isso
em um momento especialmente importante, no qual Portugal e Espanha, e mais
tarde outros reinos, lançavam-se às navegações. Nesse contexto, os conhecimentos
ptolomaicos receberam novo significado e tiveram grande relevância. Apesar disso,
as próprias navegações viriam a contestar o mapa de Ptolomeu, que com o passar
do tempo caiu em desuso e foi substituído por opções mais “precisas”, como a
projeção de Mercator (1512-1594).
Igualmente, é possível perceber o fato de as representações cartográficas
mudarem com o passar do tempo em razão das novas descobertas feitas a partir
dos movimentos de expansão marítima ao redor do planeta. Tais mudanças
demonstram a relação constante entre conhecimento teórico e prático, assim como
deixam claro os modos como as navegações, em suas diversas motivações,
influenciaram também na produção e na difusão do conhecimento no início da
Modernidade. Além disso, pode-se notar a valorização da experiência na
cosmografia e a crescente vinculação da teoria e da prática, o que fez com que o
século XVI se tornasse o momento no qual os mapas eruditos recebessem cada vez
mais a influência da cartografia prática.
Como aponta Maria Fernanda Alegria, as navegações tiveram grande papel
no desenvolvimento da cartografia:
A História da Cartografia ficou marcada no século X V por 3
acontecimentos que se repercutiram de forma contraditória nas
representações cartográficas do Planeta - a redescoberta da
Geographia de Ptolomeu, provavelmente escrita no século II, o início
das viagens de exploração de portugueses e espanhóis e, enfim, a
invenção da imprensa, que permitiu difundir am plam ente diferentes
form as de olhar a Terra.

No mesmo artigo, Alegria discorre ainda sobre a mudança incorporada após


as navegações, no sentido de representar nos mapas cada vez mais aquilo que
realmente havia sido visto, testemunhado, no lugar do havia sido apenas imaginado.
Essa “especialização” estaria intimamente relacionada ao conhecimento adquirido
com as viagens ao redor do globo, e estaria vinculada, como apontou Veloso Filho, a
um contexto mais amplo do Renascimento.
Durante a Modernidade, e como resultado dos conhecimentos adquiridos a
partir das navegações europeias, diversos cartógrafos contribuíram para o
desenvolvimento das técnicas e representações cartográficas. Entre eles podemos
citar Gerhard Kremer, conhecido pela tradução latinizada de seu nome como
Gerardo Mercator, que publicou, em 1569, um mapa mundi baseado em uma
projeção cilíndrica do globo terrestre. Para representar o planeta, Mercator colocou-o
em um cilindro aberto, o que acabou por gerar distorções, especialmente nos poios.
Apesar desses problemas, a projeção de Mercator se tomou uma das mais utilizadas
no período moderno, sobretudo por traçar meridianos e paralelos em ângulos retos,
o que facilitava a navegação. Nos séculos XVII e XVIII, movimentos de navegação e
colonização realizados por Inglaterra, Holanda e França, por exemplo,
acrescentaram às representações cartográficas mais informações e, paralelamente,
um maior rigor matemático, o que não impedia, obviamente, que estes mapas, como
todos os demais, carregassem conteúdos subjetivos.
Como visto anteriormente, ao explorar os percursos da Geografia, os séculos
XIX e XX trouxeram também modificações à prática da cartografia, a qual, sobretudo
no contexto oitocentista, se tomou um importante meio de expressão dos ideais
nacionalistas e imperialistas. Do mesmo modo, o desenvolvimento científico e
tecnológico destes últimos dois séculos traria consideráveis contribuições à
cartografia, que ganhou destaque estratégico com as duas guerras mundiais.
Recentemente, o surgimento de instrumentos como balões, máquinas fotográficas,
impressoras, aviões, satélites artificiais e computadores acrescentou às técnicas
cartográficas possibilidades até então inimagináveis de precisão, análise e difusão.
Esse breve histórico apontado nos parágrafos anteriores informa sobre o
papel desempenhado pelos mapas ao longo da história. Interessa agora explorar,
sucintamente, a visão sobre os mapas e a cartografia existente atualmente. Ao
consultar-se a palavra “mapa” em um dicionário, encontra-se a explicação de que se
trata de uma representação gráfica, em escala, de informações relativas à Terra. Ao
se realizar uma consulta semelhante procurando pela palavra “cartografia”, o
dicionário a delimitará como arte ou técnica da composição de mapas, ou mesmo
descrição e análise destes mapas. De maneira um pouco mais técnica, a
Associação Internacional de Cartografia (ACI) explica o significado de cartografia
nos seguintes termos:

Conjunto de estudos e operações científicas, técnicas e artísticas


que, tendo por base o resultado de observações diretas ou da
análise da documentação, se voltam para a elaboração de mapas,
cartas e outras form as de expressão e representação de objetos,
fenômenos e ambientes físicos e socioeconômicos, bem como sua
utilização.

Tanto as definições encontradas em dicionários quanto a oferecida pela


Associação Internacional de Cartografia revelam um pouco daquilo que se pensa
sobre os mapas. De maneira geral, eles são vistos como representações gráficas do
espaço geográfico. No entanto, tais “representações do espaço”, vistas unicamente
como técnicas, abrem pouco ou nenhum espaço para questionamentos.
Consequentemente, os mapas foram e em muitos casos ainda continuam sendo
usualmente enxergados como imagens neutras, objetivas, “científicas”, simples e
imparciais reproduções da realidade espacial. Justamente por serem entendidos
dessa forma, quando das renovações teórico-metodológicas ocorridas na Geografia
a partir dos anos 1970, a cartografia foi relegada a um segundo plano, pois era tida
como uma mera “técnica”, e como tal não teria espaço dentro da Geografia Crítica
que se pretendia criar.
Segundo Eduardo Girardi, a Geografia Crítica trouxe grandes avanços aos
estudos geográficos, porém negligenciou os mapas. O mesmo autor afirma que Yves
Lacoste, em A Geografia - isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, obra
publicada originalmente em 1976 e considerada uma das iniciadoras da corrente
crítica da Geografia, deu ao mapa um lugar de destaque para a organização e o
pensamento sobre o espaço. Esse destaque, porém, foi ignorado pela maior parte
dos geógrafos, que ainda carregariam uma visão “positivista” acerca dos mapas.
Ainda de acordo com Girardi, os mapas começaram a ser analisados de maneira
diferente somente no final dos anos 1980, após a publicação do artigo
Deconstructing the Map (Desconstruindo o Mapa), do geógrafo britânico John Brian
Harley, autor que se tomaria então a principal referência para a construção de uma
“teoria crítica do mapa”. Essa teoria crítica do mapa estaria baseada em “[...] uma
leitura da natureza da Cartografia a partir da concepção do mapa como uma
construção social”, a qual por sua vez ancorar-se-ia em autores como Jacques
Derrida, Michel Foucault e Erwin Panofsky para propor a análise da textualidade e
da natureza retórica e metafórica dos mapas.
No artigo mencionado no parágrafo anterior, Harley iniciou suas reflexões
alegando que os cartógrafos possivelmente definiram a cartografia como “técnica”
“científica” e “objetiva” para obter maior credibilidade acadêmica, todavia os
historiadores, no que se refere aos mapas, não teriam a mesma obrigação. Aliás,
para aqueles que trabalham com a história da cartografia, questionar as suposições
dos cartógrafos seria especialmente útil. A história da cartografia apareceria, para
Harley, como um tema interdisciplinar entre as humanidades e as ciências sociais,
dentro do qual novas ideias seriam fundamentais para possibilitar uma
“desconstrução” do mapa. Tal processo de desconstrução visaria a romper o suposto
vínculo entre a realidade e a representação cartográfica, alcançando as forças
sociais e poderes agentes sobre os mapas e demonstrando que estes, assim como
a arte, são interpretações sobre o mundo.
Nesse caminho de desconstrução, Harley propõe que a cartografia seja
entendida como “[...] um organismo de conhecimento teórico e prático utilizado pelos
cartógrafos para construir mapas como um modo particular de representação visual”.
Essa perspectiva aponta para a existência de um “discurso cartográfico”, submetido
a regras, sociais e técnicas, bem definidas. Um exemplo da aplicação destas regras
seria a posição ocupada por cada lugar em um mapa, cabendo geralmente àquele
local considerado “mais importante” a posição central ou superior. Este exemplo
poderia ser observado tanto nas modernas projeções eurocêntricas, como a de
Mercator, como em mapas de diferentes conjunturas, como aqueles produzidos na
Antiguidade ou na Idade Média, nos quais o centro poderia ser ocupado pela Grécia,
pela Babilônia ou por Jerusalém, por exemplo. Igualmente seria possível perceber a
presença de regras sociais expressas na simbologia utilizada nos mapas. Detalhes
como o tamanho de determinados símbolos e letras, a espessura de linhas e o uso
de sombreados ou cores serviriam como mecanismos para definir relações,
respaldar códigos e realçar valores sociais.
Harley utilizou propositalmente a palavra “texto” para se referir aos mapas,
sustentando que estes seriam representações nas quais existiriam narrativas, e cuja
leitura precisaria ser feita à luz da história e da antropologia, entre outros campos.
Ademais, os mapas seriam hipertextuais, guardando outras narrativas além do
espaço representado, as quais poderiam ser depreendidas em detalhes como
imagens ornamentais, textos paralelos e assim por diante. Outra constatação se dá
quanto à retórica dos mapas, que, embora muitas vezes ocultada por aqueles que
os produzem, se apresentaria na seleção ou omissão de informações, bem como
nas simplificações, classificações, criações de hierarquia e simbolizações, por trás
das quais haveria intenções e propósitos humanos subjetivos.
Apropriando-se da noção de “poder-conhecimento” de Michel Foucault,
Harley alude à existência de um poder externo e de um poder interno na cartografia.
O poder externo se exerceria sobre a cartografia, sobretudo na relação entre os
mapas e os centros de poder, sejam eles reis, instituições estatais, a Igreja ou
outros, para os quais os mapas e o mapeamento se tornaram muito cedo
instrumentos de conhecimento e controle. Por sua vez, o poder interno seria aquele
exercido na própria produção dos mapas:

[...] O poder vem do mapa e passa pela forma como os mapas são
feitos. A chave para este poder interior é, então, o processo
cartográfico. Com isto quero dizer com o os mapas estão reunidos e
com o as categorias de informação são escolhidas; com o são
generalizadas, o conjunto de regras para a abstração da paisagem ;
como os elementos da paisagem são formados em hierarquias, e
com o os diferentes estilos retóricos, que por sua vez reproduzem o
poder, são usados para representar a paisagem.

Nesse ponto de vista, os mapas seriam formas de classificar e se apropriar do


mundo, controlando sua imagem e disciplinando-o, e os cartógrafos atuariam como
padronizadores das visões acerca deste mundo, exercendo poder sobre o
“conhecimento do mundo” posto à disposição dos demais indivíduos. Os mapas, ao
articular imagens padronizadas e estereotipadas, expressariam visões sociais e,
consequentemente, jamais poderiam ser vistos como “neutros”. Eles, ao mesmo
tempo em que não são a realidade, acabam influindo sobre ela, pois são “imagens
acreditadas”, que podem tanto legitimar e reforçar a ordem estabelecida quanto
questioná-la.
Em suma, para Harley os mapas jamais seriam meras representações
objetivas da realidade:

Os mapas nunca são imagens isentas de juízo de valor e, salvo no


sentido euclidiano mais estrito, eles não são por eles mesmos nem
verdadeiros nem falsos. Pela seletividade de seu conteúdo e por
seus símbolos e estilos de representação, os mapas são um meio de
imaginar, articular e estruturar o mundo dos homens. Aceitando-se
tais premissas, torna-se mais fácil compreender a que ponto eles se
prestam às manipulações por parte dos poderosos na sociedade.

Seguindo essa perspectiva, dentro da Geografia, rapidamente suas ideias


foram lidas e criticadas, influenciando diversos outros geógrafos, como Denis Wood,
Christian Jacob, Matthew Edney e Catherine Delano-Smith. Ainda no final dos anos
1980, Harley participou, com David Woodward, da organização da obra History o f
Cartography, publicada pela Universidade de Chicago, a qual contribuiu para a
construção e consolidação de área da História da Cartografia em uma perspectiva
crítica. A despeito disso, o próprio Harley apontou para o fato de os mapas terem
sido ignorados dentro da História: “Os historiadores tendem a relegar os mapas,
juntamente com pinturas, fotografias e outras fontes não-verbais, a um tipo de
evidência menor [...]”. Apesar da existência de uma Cartografia Histórica, que visaria
a analisar a “[...] o surgimento e a dinâmica da atual configuração dos territórios, por
meio de suas representações espaciais ao longo do tempo”, as reflexões trazidas
pela concepção crítica da cartografia têm sido sentidas mais recentemente.
A seara aberta nos anos 1980 daria frutos rapidamente, gerando reflexões
acerca das teorias e das metodologias utilizadas na História da Cartografia já nos
anos 1990. Nesse sentido, merecem ser mencionadas algumas contribuições de Ed
Dahl e dos já mencionados Matthew Edney, Christian Jacob e Catherine
Delano-Smith. Por ocasião da décima sexta Conferência Internacional sobre História
da Cartografia, ocorrida em Viena em 1995, estes três autores apresentaram artigos
sobre o papel da teoria na História da Cartografia. Alguns pontos destacados foram:
o uso de aportes das ciências cognitivas, da antropologia visual, da antropologia do
conhecimento, da História da Arte, da micro história e da cultura visual; a
importância de se analisar mapas à luz da cultura na qual foram criados e utilizados;
o fato de que os mapas possuem propósitos e usos, sendo portanto “ferramentas
cognitivas”; e também a importância de se pensar sobre o autor de um mapa,
olhando para essa fonte da mesma forma como se examinam outros documentos
históricos.
Investigando as mudanças ocorridas nas áreas da História da Cartografia e
da Cartografia Histórica, e tendo como foco as últimas décadas e o Brasil, Maria do
Carmo de Andrade Gomes assinala que as proposições de John Brian Harley
atingiram primeiramente os Estados Unidos e a Inglaterra, para num segundo
momento alcançarem países como Holanda, Itália e Alemanha, e, apenas depois, a
América Latina. Essa “virada” em relação à História da Cartografia teria, igualmente,
trazido comunicações com diferentes campos, como História da Ciência, Estatística,
estudos pós-coloniais, estudos sobre o território, História da Arte, história dos
mapeamentos etc. No caso específico do Brasil, a autora afirma que essas novas
perspectivas teóricas e metodológicas têm ainda pouco impacto, embora estejam
sendo crescentemente utilizadas, especialmente em pesquisas que se debruçam
sobre o período colonial.
Findando esta primeira seção, gostaria de tecer algumas reflexões sobre o
uso dos mapas como fontes históricas e sua inserção acadêmica e escolar. Como
apontado desde o início deste texto, um dos pontos centrais neste trabalho é
relembrar a “geograficidade” do ser humano e sua relevância para os estudos
históricos, destacando o lugar, a circunstância das ações humanas, para além da
sua historicidade, de seu tempo, de sua conjuntura. Vê-se que essa reflexão é, por
sua própria natureza, necessariamente interdisciplinar, interessando
concomitantemente à História e à Geografia, domínios intimamente relacionados ao
longo da história, tanto academicamente quanto no ensino. A trajetória comum
trilhada pelas duas áreas, enquanto ciências e disciplinas escolares, é apenas um
indício dessa proximidade.
Os mapas, entendidos aqui como documentos históricos, são textos
produzidos em um contexto histórico específico e igualmente confeccionados em um
lugar próprio, seja ele geográfico, político, social, econômico, cultural, ideológico etc.
Semelhantemente, os mapas referem-se a uma ou mais conjunturas, da mesma
maneira que se referem a um ou mais espaços. A cartografia, portanto, vincula
simultaneamente o homem, o tempo e o espaço. Nessa linha de pensamento, os
mapas configuram-se como interessantes pontos de interseção entre os saberes
históricos e geográficos e, portanto, apresentam instigantes potencialidades
epistemológicas e didáticas. Como esta pesquisa debruça-se preferencialmente
sobre a temática do ensino de História, optei por privilegiar a análise dos mapas e
suas possibilidades dentro do processo de ensino-aprendizagem da disciplina
histórica. Nos próximos capítulos, examina-se a forma como os mapas são utilizados
nos livros didáticos de História e, após isso, apontam-se algumas perspectivas para
o seu uso no ensino da História.

QUESTÕES

1- Qual a importância da Cartografia para os saberes históricos e geográficos?


2- Como as ideias de Ptolomeu contribuíram para a Cartografia no Ocidente?
3- O autor menciona o dicionário e a Associação Internacional de Cartografia para
tratar do tema mapas. Como este conceito é pensado?
4- Qual a ideia central do geógrafo britânico John Brian Harley acerca dos mapas?
5- O autor finaliza o texto abordando sobre mapas. Como ele discute acerca da
temática?

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