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ISSN 1980-3540

Volume 17 • No 2 • 2022

Conceitos em Genética
Genética e Sociedade
Na Sala de Aula
Materiais Didáticos
Resenhas
Um Gene
Índice
Editorial
A Genética na Escola completa uma nova etapa de sua jornada
Eliana Dessen

Conceitos em Genética
Ancestralidade e a estrutura genética da população brasileira.............................................139
Maria Luisa de Barros Rodrigues, Juliet Figueiredo Gonçalves Maciel, Cláudia Emília Vieira Wiezel,
Igor Caetano Dias Alcarás, Ana Maria Barbosa Pessotti, Aguinaldo Luiz Simões

Genética e Sociedade
Metilação do DNA e predição de idade para fins forenses...................................................150
Matheus de Sousa Ferrari, Thássia Mayra Telles Carratto, Silviene Fabiana de Oliveira, Celso Teixeira Mendes Junior
Como a genética contribuiu para compreender os efeitos biológicos
da exposição humana à radiação ionizante de Césio-137?..................................................158
Lorraynne Guimarães Oliveira, Samara Socorro Silva Pereira, Elza Maria Gonçalves Santos Uchoa, Daniela de Melo e Silva,
Emília Oliveira Alves Costa, Thaís Cidália Vieira Gigonzac, Cláudio Carlos da Silva, Aparecido Divino da Cruz

Na Sala de Aula
Que bacalhau é esse? – Uma abordagem lúdica introdutória
para a aplicação prática de sequências de DNA em sala de aula..........................................168
Carine Belau de Castro Martins, Ieda Zanotti, Antonio Mateo Solé-Cava

Materiais Didáticos
Identificando variantes de DNA utilizando conceitos
do pensamento computacional no ensino médio.................................................................180
Renato Augusto Corrêa dos Santos, Thayana Vieira Tavares, Matheus Scaketti, Jayme Sakae dos Reis Furuyama,
Guilherme Henrique Gomes, Alexandre Colato, Carlos Norberto Fischer
AmEG – Ambientes e Expressão Gênica..............................................................................191
Shenia Pedro Bom da Silva, Iris Hass
Como determinar a herdabilidade para um caráter quantitativo?........................................215
Kaliana Ferreira, Luísa Bertolini, Maria Imaculada Zucchi, Enéas Ricardo Konzen

Resenhas
Portal GenomaUSP: materiais didáticos para o ensino de Genética.....................................237
Andréa Grieco Nascimento, Maricí Leite, Bruna Trench, Mirelly Soares, Eliana Dessen

Um Gene
O gene MFN2 e sua associação com a Lipomatose Simétrica Múltipla................................239
Matheus Oliveira de Sena, Josivan Gomes Lima, Julliane Tamara Araújo de Melo Campos
Síndrome de Dunnigan: uma rara doença relacionada ao gene LMNA.................................246
Monique Alvares da Silva, Josivan Gomes Lima, Julliane Tamara Araújo de Melo Campos
Editorial A Genética na Escola completa uma nova etapa de sua jornada. Este editorial discute o perfil da revista,
sinaliza o depósito da revista no Periódicos em Nuvens e o término do processo artesanal de submissão de manuscri-
tos e também agradece o patrocínio da Mendelics para o ano de 2022.
Ao longo dos anos, verificou-se que a seção Investigações em Ensino de Genética, a única que trazia con-
tribuições originais sobre a pesquisa em ensino, foi recebendo um número de submissões gradualmente menos ex-
pressivo e com níveis muito altos de recusa, próximos a 90%. Para o corpo editorial, essa foi uma indicação de que a
“vocação” da GE não era a de apresentar resultados inéditos de pesquisa em ensino e, por isso, a seção acabou sendo
extinta em janeiro de 2022. Assim, o perfil da Genética na Escola consolidou-se por conter abordagens pedagógicas
criativas e inovadoras para o ensino aprendizagem da Genética e da Biologia evolutiva, atualizações conceituais da
Genética Moderna, e também por propiciar reflexões e discussões sobre os desdobramentos de novas tecnologias
na vida cotidiana e a fornecer material didático facilitadores da aprendizagem em sala de aula. Em outras palavras,
a GE afirmou-se como uma revista de apoio ao ensino. Procurou-se enfatizar cada vez mais conteúdo e linguagem
que atendesse a comunidade de professores dos ensinos médio e superior. A linguagem de divulgação científica foi
priorizada, sem perder a qualidade e precisão da informação veiculada.
O perfil da Genética na Escola como uma revista que “dá vontade de mostrar” deve muito à dedicação, cria-
tividade e eficiência do Pérsio Marcondes, que formatou uma revista com um padrão visual maravilhoso e que torna
a leitura mais fácil e convidativa. Por isso, o corpo editorial propõe que o Pérsio passe a ser o Diretor de Arte da GE.
A chegada da pandemia de Covid-19, impossibilitando a realização de congressos presenciais durante 2
anos, colocou a SBG em situação financeira crítica. Para não alterar o padrão de qualidade gráfica da Genética na
Escola e permitir a implantação da revista no sistema de Periódicos em Nuvens, um plano de longa data, buscou-se
o apoio da iniciativa privada. O patrocínio integral da Mendelics/Meu DNA permitiu, não apenas a manutenção da
revista em 2022, como também a modernização de sua infraestrutura. À Mendelics, os nossos agradecimentos.
O atual número da Genética na Escola foi o último a ser editado por meio de um processo artesanal de sub-
missão e análise de manuscritos. Este mesmo número inaugura a submissão eletrônica dos manuscritos e a inserção
de toda a coleção de artigos da GE no Periódicos em Nuvens, no sistema OJS, Open Jornal System. Além disso, o nú-
mero DOI passou a ser atribuído para todos os artigos, um requisito há muito almejado por todos os autores da GE.
A partir de setembro de 2022, as submissões passam a ser eletrônicas e os autores deverão acessar https://
geneticanaescola.emnuvens.com.br/revista para enviar suas contribuições. O antigo site da Genética na Escola https://
www.geneticanaescola.com/ foi desativado para uso e contém apenas o redirecionamento para o novo site.
Durante a trabalhosa fase de implantação da GE no sistema OJS destaca-se a contribuição de Pérsio Mar-
condes do Amaral, responsável pela edição de arte da GE, pela adaptação do tamanho e da rediagramação parcial das
primeiras páginas dos artigos, que podiam ser lidas em página aberta. Outro destaque na fase de implantação foi a
Eveli Alexandre, que juntamente com a Lepidus e a editora, ajudou a configurar o sistema OJS para a publicação da
GE.
A revista Genética na Escola permanece com vontade de crescer ainda mais. Temos desafios e ambições pela
frente, como melhorar a divulgação dos números e participar das redes sociais. Nos ajude a formar uma comunidade
de apoio e trocas para professores que precisem de materiais didáticos e ideias inovadoras para o ensino de Genética
e Biologia Evolutiva na sala de aula. Imagine quão ricas e criativas poderiam ser as interações e como poderíamos
contribuir ainda mais para promover a alfabetização em Genética e, no final das contas, a alfabetização científica das
próximas gerações de jovens brasileiros.

Eliana Dessen
CONCEITOS EM GENÉTICA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Ancestralidade e a estrutura
genética da população brasileira

Maria Luisa de Barros Rodrigues1, Juliet Figueiredo Gonçalves Maciel1,


Cláudia Emília Vieira Wiezel2, Igor Caetano Dias Alcarás1,
Ana Maria Barbosa Pessotti1, Aguinaldo Luiz Simões2
1
Programa de Pós-Graduação em Genética, FMRP, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP
2
Departamento de Genética, FMRP, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP
Autor para correspondência - [email protected]

Palavras-chave: ancestralidade, estrutura genética, população brasileira, estudos de associação,


genética médica, diferenciação populacional

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 139


CONCEITOS EM GENÉTICA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Ancestralidade é um termo que atrai a atenção da maioria das pessoas, pois remete à história
de cada um de nós e nossas famílias. Em decorrência desse interesse, surgem empresas ofere-
cendo exames com propagandas como “Quais são as suas origens?”. Então, as pessoas buscam
por esses exames motivadas pela curiosidade ou necessidade de criar vínculos ancestrais, uma
vez que a maioria sabe muito pouco ou nada sobre seus antepassados. O que geralmente as
pessoas não sabem é que a ancestralidade nos diz muito mais do que nossas origens, nos conta
sobre a história de todas as populações e contribui para a genética médica.

Ao longo do texto, serão abordados concei- Esse primeiro conceito está atrelado a ma-
tos de ancestralidade genética, formas de nifestações culturais e políticas dos nossos
estimá-la, sua importância na genética médi- antepassados, às tradições familiares e re-
ca, a formação de subpopulações humanas e lações afetivas e não se relaciona direta ou
estrutura genética da população brasileira. É exclusivamente à composição genética dos
importante ressaltar que esse artigo se atém à indivíduos. Nesse caso, precisamos conhecer
conotação biológica de ancestralidade, o que os antepassados e suas histórias para saber
não deve ser confundido com o conceito de qual seria a origem de cada um deles, isto é,
raça, que é de cunho sociopolítico. A diferen- de que país vieram e a qual grupo cultural
ciação genética entre grupos populacionais pertencem.
humanos é muito baixa, não havendo, por-
tanto, razão biológica para separar a espécie
humana em raças.

Conceitos de
ancestralidade
A ancestralidade é um conceito amplo que
aparece em contextos socioculturais, em que
se refere à ancestralidade genealógica, e bio-
lógicos, em que geralmente se refere à ances-
tralidade genética.
O termo ancestralidade genealógica é um
conceito mais subjetivo, que envolve a linha-
gem familiar e se refere à árvore genealógica
de uma família. Por exemplo, como ilustrado
na Figura 1, costumamos dizer que um in-
divíduo cujos pais são espanhóis também é
espanhol. Ou então que um indivíduo com
pais vindos da Itália e Nigéria é meio italiano
e meio nigeriano. Por extensão, um indiví-
duo que seja descendente de um espanhol e
de um meio italiano e meio nigeriano, será
metade espanhol, um quarto italiano e um Figura 1.
Árvore genealógica. É a
quarto nigeriano. Apesar de muitas vezes a representação de uma história
ancestralidade genealógica ser mencionada familiar, a partir da qual
em proporções, geralmente há um ramo da conseguimos observar as
árvore cujas tradições se sobressaem. conexões entre os indivíduos,
sejam descendentes ou
antepassados.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 140


CONCEITOS EM GENÉTICA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

A ancestralidade genética é um conceito to a ancestralidade genealógica refere-se às


de caráter científico que se refere à relação raízes geográficas e tradições familiares, a
genética entre um indivíduo e seus ances- ancestralidade genética resulta de eventos
trais, indivíduos dos quais se descende bio- de recombinação cromossômica, divisão
logicamente. Diferentemente da genealógi- meiótica e fusão de gametas ao longo das ge-
ca em que se herda a genealogia completa, rações, como se observa na Figura 2. Após
somente parte dos ancestrais genealógicos múltiplas gerações e novos eventos de mis-
estarão presentes na ancestralidade gené- cigenação e recombinação (Gn), o material
tica, pois esta diz respeito exclusivamente genético será semelhante a um mosaico, em
aos segmentos de DNA que é herdado dos que cada trecho de DNA será originário de
progenitores. Em outras palavras, enquan- uma região geográfica específica.

Figura 2.
Formação de populações
miscigenadas. Consideramos
duas populações ancestrais A
e B como geração inicial (G0).
Após miscigenação dessas
populações, origina-se a
primeira geração de população
miscigenada A. A partir de G1,
quando ocorre um evento de
recombinação cromossômica,
um mesmo cromossomo passa a
apresentar trechos referentes a
ancestralidades diferentes.

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CONCEITOS EM GENÉTICA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Estimando a A ancestralidade global é uma estimativa


da proporção da contribuição de cada po-
ancestralidade pulação ancestral para todo o genoma de
um indivíduo, ou seja, é a porcentagem do
genética genoma que se originou de cada população
ancestral. No gráfico de barras da Figura 3,
A ancestralidade de uma população é esti- cada barra vertical é formada por diferentes
mada pela comparação de suas frequências componentes ancestrais, cujos tamanhos
alélicas com as de amostras de populações representam as proporções de ancestralida-
consideradas representativas das ancestrais, de de um indivíduo. Nessa imagem, é pos-
as chamadas populações de referência. Tra- sível identificar a existência de populações
ta-se, portanto, de uma inferência a partir distintas, ou até mesmo subpopulações, ao
da similaridade genética entres elas. Ao observar agrupamentos de indivíduos que
considerar que populações de referência apresentam as mesmas ancestralidades em
descendem das populações ancestrais, po- proporções aproximadas. Notam-se também
demos inferir que essa relação de similari- os diferentes graus de miscigenação das po-
dade é, por extensão, uma relação de ances- pulações, sendo as populações mais miscige-
tralidade. nadas as que apresentam grandes proporções
de DNA de múltiplas origens.
Para inferir a ancestralidade genética, po-
dem ser utilizadas duas abordagens – an- Outra forma de representar a ancestralidade
cestralidade global e local, isoladamente ou global é através do gráfico de triângulo (Fi-
combinadas – escolhidas de acordo com o gura 3), onde os indivíduos são distribuídos
objetivo da análise e da disponibilidade de na área do gráfico de acordo com suas por-
marcadores genéticos. Para ambas as abor- centagens de ancestralidade. Os indivíduos
Marcador genético - Os mar-
dagens, existem softwares específicos que que se agrupam nos vértices do triângulo são cadores genéticos são trechos
utilizam testes probabilísticos cujos resul- aqueles de populações representantes das cromossômicos que apresentam
tados devem ser criteriosamente interpre- ancestrais e os indivíduos miscigenados en- alguma variação na sequência
tados. contram-se dispersos. de nucleotídeos e, portanto,
são utilizados para estudar
as diferenças genéticas entre
indivíduos.

Figura 3.
Representações da estimativa
de ancestralidade global. Na
forma de gráfico de barras,
visualizamos as proporções
de ancestralidade de cada
indivíduo (cada barra) e
agrupamentos populacionais de
indivíduos com ancestralidades
semelhantes. Na forma
de gráfico de triângulo,
visualizamos os indivíduos
(pontos) das populações
representantes das ancestrais
(população 2, 3 e 4) fixados nos
vértices, enquanto indivíduos
da população miscigenada
(população 1) encontram-se
dispersos pela área do triângulo
de acordo com suas proporções
de ancestralidade.

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CONCEITOS EM GENÉTICA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

A estimativa do número correto de popula- de ancestralidade. Isso ocorre porque os cro-


ções ancestrais nem sempre é fácil. O pes- mossomos Y e mitocondrial são haploides,
Haploides - Células haploides
quisador deve conhecer bem a história da portanto não sofrem recombinação como os são aquelas que apresentam
população que está sendo analisada e então cromossomos autossômicos e assim perma- uma única cópia de cada
definir o melhor número. Sabe-se que a po- necem com a sequência de nucleotídeos mui- cromossomo. Os humanos são
pulação brasileira é majoritariamente tri-hí- to mais conservada ao longo das gerações. seres diploides, apresentam
duas cópias de cada
brida, sendo assim, na maioria das análises Dessa forma, os marcadores dos cromosso- cromossomo autossômico em
tem-se três ancestrais (europeu, africano e mos Y e mitocondrial fornecem informações suas células somáticas, mas
ameríndio), o que permite a representação que podem remontar há várias gerações e per- apresentam somente uma cópia
das proporções de ancestralidade na for- mitem a reconstituição da história inicial de do cromossomo sexual Y (em
indivíduos do sexo biológico
ma de gráfico de triângulo. Entretanto, esse uma nação através das migrações de homens
masculino) e do mitocondrial.
número pode variar dependendo da amos- e mulheres respectivamente. Já o cromosso-
tra populacional que está sendo estudada, mo X deve ser utilizado lembrando que esse
podendo ser acrescentado na análise um apresenta um padrão diploide em indivíduos
outro componente ancestral se a população de sexo biológico feminino, mas haploide no
em questão tiver imigrantes de outros gru- sexo biológico masculino.
Marcadores informativos
pos populacionais em sua formação, como os
Sabendo que o genoma de um indivíduo de ancestralidade - são
asiáticos, por exemplo. Nesses casos em que marcadores genéticos que
há mais populações ancestrais, a representa- miscigenado é como um mosaico, em que
apresentam uma diferença
ção das proporções de ancestralidade é mais cada segmento do DNA pode ser oriundo de frequência alélica (δ)
acurada através do gráfico de barras. de uma população ancestral diferente, a esti- de ao menos 30% entre as
mativa de ancestralidade local é justamente populações. Quanto maior δ,
A estimativa de ancestralidade global pode a atribuição de cada segmento cromossômi- mais informativo é o marcador.
Adicionalmente ao δ, os AIMs
ser feita tanto em nível individual quanto co às respectivas populações ancestrais. Na mais interessantes para serem
populacional e geralmente são utilizados de Figura 4 vemos uma representação de cro- aplicados nas análises de
dezenas a centenas de marcadores genéti- mossomos em diversos graus de miscigena- ancestralidade são aqueles
cos informativos de ancestralidade (AIMs ção, apresentando segmentos de colorações que apresentam baixa taxa de
mutação e amplicons pequenos
– Ancestry Informative Markers) espalhados distintas. Quanto mais miscigenado é um
para facilitar a análise de DNA
pelo genoma (cromossomos autossômicos, indivíduo, mais trechos de origens distintas degradado.
X, Y e mitocondrial). Atualmente, com o serão observados em seu cromossomo.
avanço da bioinformática, é possível a análise
de dados em larga escala, fazendo com que Essa estimativa de ancestralidade local é
um painel bem mais denso de AIMs seja con- realizada a partir de centenas de milhares
siderado para a inferência de ancestralidade. de marcadores genéticos, portanto, confere Estudos de associação -
ainda mais acurácia aos estudos de associa- buscam associar características
fenotípicas a variantes
Os cromossomos autossômicos, os mais uti- ção, uma vez que permite estimar a ancestra-
genéticas.
lizados, por sofrerem recombinação, apresen- lidade especificamente da região de genes e
tam haplótipos que são excelentes marca- variantes alvos, enquanto a global apresenta
Haplótipos - são combinações
dores de individualidade, mas são um pouco uma média para todo o genoma. Além disso, de alelos de marcadores
menos informativos em termos de ancestrali- mesmo entre indivíduos que apresentam os genéticos localizados em um
dade. Os cromossomos X, Y e mitocondrial mesmos valores globais, a distribuição de an- mesmo cromossomo.
apresentam padrões particulares de herança cestralidade local ao longo do genoma pode
que diferem dos autossômicos, o que deve ser ser bem diferente, trazendo informações
considerado antes de iniciar as estimativas muito relevantes a nível individual.

Figura 4.
A ancestralidade local é a
ancestralidade atribuída a cada
trecho do DNA, conferindo
um aspecto de mosaico ao
cromossomo.

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A diferenciação da to geográfico das subpopulações durante a


primeira fase da história humana devido ao
espécie humana processo de dispersão e fragmentação dos
grupos de Homo sapiens. Como resultado do
Os eventos evolutivos provocam alterações isolamento, aliado aos outros fatores evoluti-
na composição genética de uma população vos, houve um acúmulo de variações genéti-
ao longo das gerações, o que pode ocasionar cas diferenciando gradualmente essas subpo-
o aparecimento de subpopulações diferencia- pulações em ancestralidades distintas.
das. Portanto, para entendermos um pouco a O padrão de cruzamentos também altera
história da população humana e o surgimen- a composição genética de uma população.
to de subpopulações de ancestralidades dis- Em populações grandes e panmíticas, isto
tintas, é necessário revermos os eventos evo- é, em que os cruzamentos ocorrem ao aca-
lutivos aos quais os seres vivos estão sujeitos. so, provavelmente haverá uma manutenção
Mutação altera o pool gênico de uma po- da composição genética de uma geração para
pulação, pois é a única fonte primária de va- a outra. Em populações muito pequenas ou
riabilidade genética desde a origem da vida, quando ocorrem cruzamentos preferenciais,
ou seja, é assim que surgem novas variantes. haverá uma redução na variabilidade genéti-
Nos seres humanos, a mutação poderá ser ca entre as gerações devido à endogamia, que
passada aos descendentes e perpetuar na po- é o acasalamento entre indivíduos genetica-
pulação se ocorrer em células germinativas. mente semelhantes.
Pool gênico - é o conjunto de
A seleção natural, por sua vez, é o evento Por último, deriva genética é a alteração da alelos de uma população ou
composição genética de uma população ao grupo de indivíduos.
evolutivo responsável pela perpetuação ou
desaparecimento de variantes, resultando acaso de uma geração para outra, seja por
na adaptação ou extinção de uma espécie ou eventos de sobrevivência, reprodução ou he-
população. No caso da população humana, rança genética. É nas populações pequenas
a conquista de novos ambientes submeteu que os efeitos da deriva genética são mais
os indivíduos migrantes a diferentes pres- acentuados, pois cada indivíduo representa
sões seletivas devido às diferenças climáticas uma proporção grande da população. Em po-
(altitude/latitude, temperatura, sazonalida- pulações grandes, a deriva genética também
des), diferença na disponibilidade de água ocorre, porém provoca alterações tênues.
e alimentos, alterações do estilo de vida (ca- Como explicado acima, os eventos evolutivos
çadores/coletores ou agricultores/pastores), contribuíram para o estabelecimento de sub-
exposição a diferentes patógenos etc. Assim, populações da espécie humana apresentando
em cada região do planeta, houve um pool gê- divergências genéticas suficientes para serem
nico diferente selecionado. classificadas em ancestralidades distintas.
A migração, ou fluxo gênico, afeta a compo- Como consequência, estimando a composi-
sição genética populacional de duas formas: ção ancestral das populações, conseguimos
(1) pelo aumento de variabilidade genética, inferir sobre os eventos evolutivos, princi-
quando uma população recebe um pool gê- palmente migração e miscigenação.
nico diferente do preexistente, ou (2) pela Ao estimarmos as proporções de ancestra-
redução da variabilidade genética, quando lidade de uma população, inferimos que de-
o grupo emigrante carrega alelos que ficarão terminadas populações ancestrais se misci-
com baixa frequência ou ausentes na popu- genaram, portanto coexistiram. Por extensão
lação de origem após a migração. Conforme dessa ideia, grupos de algumas das popula-
ocorria o crescimento demográfico da espé- ções ancestrais precisaram migrar até esses
cie humana, entre 70 mil e 120 mil anos atrás locais de coexistência, então a ancestralidade
ocorreram várias ondas migratórias levando dos diferentes povos indica possíveis rotas
a espécie a habitar todos os continentes. migratórias de seus ancestrais.
Entretanto, houve um período de isolamen-

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Quando esses povos se encontram, aconte- escravizados em fazendas de cana-de-açúcar


cem eventos de miscigenação e há recombi- e depois em minas de ouro, diamantes e em
nação cromossômica, então o cromossomo fazendas de café.
passa a apresentar traços de origens geográ-
ficas diferentes, como pode ser visto na Figu- Posteriormente à abolição do tráfico ne-
ra 2. Com o passar do tempo e novos even- greiro, durante o século XIX, cerca de 4,5
tos de recombinação acontecendo a cada milhões de imigrantes europeus vieram ao
geração, esses traços ancestrais tornam-se Brasil para trabalhar em lavouras de café
cada vez menores. Portanto, o tamanho dos ou como camponeses nos núcleos coloniais
traços ancestrais permite estimar uma da- que se formavam. A partir daí, o Brasil re-
tação para os eventos de miscigenação, pois cebeu, e ainda recebe, imigrantes de várias
essa redução é proporcional a quantas gera- nacionalidades, incluindo imigrantes vindo
ções atrás ocorreu a miscigenação. Quanto do Oriente Médio e Ásia, entretanto, em
maiores os traços ancestrais, mais recente é o porcentagem muito pequena, raramente
evento de miscigenação e, quanto menores, ultrapassando 1% da população existente.
mais antigo. Portanto, a população brasileira é formada
principalmente por portugueses, africanos e
ameríndios, pois são esses os povos que esta-
Breve histórico vam em grande quantidade no país desde o
início da colonização.
da população Como resultado desses processos históricos,
brasileira a estrutura genética da população brasileira
tornou-se complexa, pois além da miscigena-
A população brasileira apresenta uma estru- ção entre imigrantes de múltiplas origens, há
tura tri-híbrida resultante de mais de 500 também a presença de bolsões de indivíduos
anos de cruzamento entre os povos princi- de mesma ascendência. Como visto anterior-
palmente nativos americanos, europeus e mente, esses fatores sempre devem ser consi-
africanos. Como resultado da miscigenação derados nos estudos de genética populacio-
desses povos ao longo desse período, a estru- nal e médica.
tura genética da população brasileira tornou-
-se complexa, portanto, para entendê-la me-
lhor, precisamos saber um pouco da história Ancestralidade na
do país.
Durante o início da colonização, entre os sé-
genética médica
culos XVI e XVIII, chegaram em torno de e em estudos
700 mil portugueses ao Brasil, onde, na épo-
ca, havia nativos americanos cujas estimati- de associação
vas da população são bem variáveis, desde 1
Dada a complexidade da estrutura genética
milhão até 6,8 milhões de habitantes. Inicial-
das populações humanas, as diferentes ori-
mente, a miscigenação no Brasil resultou da
gens podem implicar em diferenças na pre-
relação de homens europeus com mulheres
valência de doenças e outros traços genéticos
nativas americanas, entretanto, a população
como, por exemplo, a resposta a medicamen-
nativa americana foi bruscamente reduzida
tos. Como consequência, a estimativa da an-
por conflitos com os portugueses e doenças
cestralidade tem aplicabilidade também na
trazidas por eles.
genética médica e em estudos de associação.
Logo no primeiro século de colonização até
Os estudos de associação são aqueles que
o século XIX, aproximadamente 4 milhões
correlacionam características dos indivíduos,
de africanos oriundos principalmente da
por exemplo, o desenvolvimento de doen-
Guiné, Congo, Angola, Moçambique e Nigé-
ças, a variantes genéticas. Nesses estudos,
ria foram trazidos para o Brasil para serem

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são comparadas as frequências alélicas das está de acordo com os relatos encontrados na
variantes entre indivíduos portadores (gru- literatura que descrevem a estrutura genética
po-caso) e não portadores (grupo-controle) da população brasileira, o que enfatiza a ne-
de determinada característica. Como essas cessidade de avaliar a ancestralidade baseada
características podem ser influenciadas pela em marcadores genéticos ao invés incluir nos
ancestralidade, esta torna-se um fator de estudos a autodeclaração dos indivíduos so-
confusão nesses estudos, levando a associa- bre suas características fenotípicas.
ções espúrias principalmente nas populações Fator de confusão - é uma
Em um outro estudo, também com popu- terceira variável, muitas vezes
miscigenadas. desconhecida, que pode estar
lação brasileira, incluindo amostra de dife-
presente em um experimento e
Os efeitos de confusão surgem quando a rentes regiões do país, identificaram uma leva a associar de forma espúria
característica em questão é mais prevalente associação da ancestralidade africana com as variáveis que se deseja
em indivíduos de uma origem específica e, obesidade em mulheres. Nesse estudo, ob- estudar.
portanto, o grupo-caso pode apresentar pro- servaram que um alelo que é muito raro em
porções de ancestralidade distintas das apre- europeus, porém mais frequente em africa-
sentadas pelo grupo-controle. Essa diferença nos ocidentais, é muito mais frequente tam-
na representatividade da ancestralidade ge- bém no grupo de mulheres com obesidade
nética entre os grupos é o que pode levar a mórbida. Isso mostra, além da influência da
associar erroneamente uma característica a ancestralidade em determinados fenótipos,
determinadas variantes quando, na verdade, como populações miscigenadas são úteis
a característica pode estar associada à maior para permitir novas associações entre varian-
representatividade, no grupo-caso, de indiví- tes genéticas e fenótipos.
duos cujo DNA apresenta grandes propor-
ções de uma determinada origem. Outros exemplos de ancestralidade influen-
ciando a incidência de doenças são a maior
Nesse contexto, em populações que apresen- prevalência de esclerose múltipla entre euro-
tam mistura, como a brasileira, é protocolo peus, de diabetes em regiões da América do
de excelência a utilização de um conjunto de Norte e Caribe e de hipertensão em popu-
AIMs para inferir a ancestralidade genética e lações africanas e asiáticas. Também existem
corrigir estatisticamente os efeitos da estra- variações metabólicas resultantes de diferen-
tificação populacional em estudos de caso- tes ancestralidades, o que implica em dife-
-controle para realizar análises de associação renças na resposta a tratamentos médicos.
genômica de doenças complexas. Como exemplo, podemos mencionar que
caucasianos requerem doses maiores do anti-
Como exemplo, o Lupus Eritematoso Sis- coagulante varfarina comparado aos asiáticos
têmico (LES) é uma doença autoimune que e há uma maior resposta ao broncodilatador
apresenta diferentes taxas de incidência de albuterol em latinos comparados a afro-ame-
acordo com o grupo ancestral. Em um es- ricanos.
tudo com pacientes brasileiros com LES,
os grupos de caso e controle apresentaram
diferenças significativas nas proporções an-
cestrais europeias e africanas, embora ambos
Estrutura genética
tenham mostrado maior contribuição euro- da população
peia, seguida de africana e ameríndia. Outra
informação importante desse estudo é que a brasileira
comparação entre a ancestralidade genética e
Ao inferirmos a ancestralidade global da po-
a autodeclarada desses pacientes brasileiros
pulação brasileira, de modo geral, observa-
com LES apresentou pelo menos 30% de
mos predominância de material genético de
contribuição ancestral não declarada, incluin-
origem europeia e menor ascendência ame-
do africano/ameríndio em indivíduos auto-
ríndia, entretanto notamos que cada região
declarados brancos e europeu/ameríndio em
do país apresenta proporções de ancestrali-
autodeclarados pretos. Tal divergência entre
dade distintas (Figura 5). As regiões Sul e
a ancestralidade autodeclarada e a estimada

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Sudeste apresentam maiores proporções de Brasil afetou a estrutura genética brasileira.


DNA de origem europeia e o Nordeste e Um estudo verificou que, nas diferentes re-
Norte apresentam respectivamente maiores giões do Brasil, há componentes ancestrais
proporções de origem africana e ameríndia originários de regiões diferentes da Europa
se comparadas às demais regiões. Essa dife- e África. Por exemplo, na região Sul e Su-
rença está ligada a questões históricas, pois deste, há material genético originário de
as imigrações ocorreram de forma diferencial uma região europeia ampla, incluindo cen-
em cada região. tro-norte da Europa e Oriente Médio, e
originário de regiões africanas referente às
Esses dados ilustrados na Figura 5 são váli- populações Bantu do Centro-Leste africa-
dos para as populações urbanas em geral, que no. No Nordeste foi encontrado DNA de
apresentam proporções de ancestralidade origem europeia mais restrita à Península
bem diferentes em relação às populações iso- Ibérica e africana não Bantu associadas às
ladas que existem no Brasil. Os grupos qui- populações Iorubá e Mandenka da África
lombolas e indígenas apresentam DNA de Ocidental.
origem majoritariamente africana e amerín- Patrilinhagem - refere-se
dia, respectivamente, ainda que haja outras Vista a complexidade e diversidade da es- à descendência paterna.
ancestralidades, como a europeia, em menor trutura genética brasileira, para inferência Geneticamente, refere-se ao
cromossomo Y, que é passado
proporção. de ancestralidade genética com boa acurá- do pai a todos os filhos do sexo
cia, são necessários representatividade nas biológico masculino. Portanto,
Na Figura 5, observamos também uma baixa populações de referência e um conjunto de o cromossomo Y indica a
porcentagem de outras ancestralidades além marcadores genéticos capaz de diferenciar linhagem paterna.
de ameríndia, europeia e africana devido múltiplas origens. Caso contrário, as esti-
à baixa porcentagem desses imigrantes no mativas podem não representar adequada-
país. Entretanto, mesmo em baixas propor- mente a realidade e informações de traços
ções, o conjunto de marcadores genéticos e as ancestrais menos frequentes podem ser
populações de referência a serem utilizados perdidas. Para direcionar a escolha desses
nas estimativas de ancestralidade, devem ser marcadores e populações de referência, é
selecionados para serem capazes de identifi- necessário, portanto, conhecimento histó-
car essas origens minoritárias. rico detalhado sobre a formação da popu-
Com relação às particularidades dos cromos- lação em estudo. Muitos desses dados, por
somos Y e mitocondrial, há um padrão de exemplo, momento e quantidade de imi-
diversidade genética brasileira cujo cromos- grantes e as regiões onde se fixaram, foram
somo Y (marcador de patrilinhagem) é de pouco ou nada registrados. Entretanto, o
origem majoritariamente europeia e o DNA constante aprimoramento de técnicas de
Matrilinhagem - refere-se
mitocondrial (marcador de matrilinhagem) sequenciamento do DNA, resultando em à descendência materna.
é de origem africana ou ameríndia (Figura 5). maior disponibilidade de variantes genéti- Geneticamente, refere-se ao
Esse fato é resultante do momento histórico cas, e softwares cada vez mais robustos para cromossomo mitocondrial, que,
inferir ancestralidade ajudam a preencher pelo mecanismo de formação
logo após a colonização europeia, quando do zigoto, é passado somente
houve uma frequência alta de relações entre essas lacunas históricas. das mães para todos os
homens europeus e mulheres africanas ou filhos, independente do sexo
ameríndias, em parte porque poucas mulhe-
res europeias imigraram para a América nos Considerações biológico. Portanto, o DNA
mitocondrial indica a linhagem
materna.
séculos XVI e XVII. Esses dados mostram
que os genomas da maioria dos brasileiros
finais
são mosaicos compostos por cromossomos Y Outras populações miscigenadas são, por Origens fitogeográficas -
e DNA mitocondrial de diferentes origens exemplo, as demais populações da América, Filogeografia é a ciência que
filogeográficas. principalmente América Latina, países da estuda processos históricos
que possam ser responsáveis
África que também passaram por coloniza- pela distribuição geográfica
As análises de ancestralidade local também
ção europeia, populações da Ásia Central de indivíduos. No caso da
têm contribuído para entendermos como
onde há contribuição parental asiática oci- espécie humana, a filogeografia
a imigração diferencial em cada região do busca compreender a origem e
dental e oriental, entre outras.
padrões de dispersão dos seres
humanos.

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Figura 5.
Proporções de ancestralidade
no Brasil em geral e por região
geográfica para marcadores
genéticos em cromossomos
autossômicos, no cromossomo
Y (Y-chr) e no cromossomo
mitocondrial (mtDNA). As
proporções ilustradas foram
estimadas através da média
entre valores encontrados na
literatura científica.

Na América Latina, em regiões de países Houve também uma grande contribuição


como Chile, Colômbia, Costa Rica, El Sal- africana na América Latina, mas essa in-
vador, Equador e Peru que apresentavam fluência ocorreu majoritariamente em re-
florestas fechadas e regiões montanhosas de giões onde havia uma grande exploração
difícil acesso e/ou inóspitas na época da co- econômica por parte dos europeus, na costa
lonização, há maior contribuição ameríndia, do Atlântico, rota de navegação na época da
pois consequentemente houve menos imi- colonização. Desse modo, países do Cari-
gração para essas regiões. Em oposição, Bra- be, Brasil, e Venezuela apresentam grande
sil, Argentina, Colômbia, Venezuela e Porto composição ancestral africana enquanto
Rico eram regiões mais acessíveis, portanto, países da costa do Pacífico como Chile,
houve um grande fluxo migratório vindo dos Equador e Peru apresentam uma baixa
países europeus e a contribuição genética dos composição.
ameríndios se tornou bem menor.

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Isso posto, cada população apresentará par- já mostraram que há divergência entre am-
ticularidades e uma história demográfica di- bas, o que pode gerar surpresas e confusão
ferente a ser considerada e, portanto, dados para as pessoas que buscam por exames de
de ancestralidade genética não podem ser ancestralidade motivadas pela curiosidade.
extrapolados para outras populações e indi- Portanto, é preciso cautela e orientação de
víduos mesmo que haja alguma semelhança um profissional da área ao interpretar esses
na história geral dos países. Como ilustrado resultados e seu significado.
na Figura 5, se até mesmo entre as regiões do
Brasil podemos verificar diferentes ancestra-
lidades e proporções, a diferença será ainda Para saber mais
maior ao considerar outros países. MATHIESON, I.; A. SCALLY. What is ancestry?
PLoS Genetics v.16: e1008624, 2000.
Essas considerações evidenciam a importân-
cia de estudar a ancestralidade de cada po- PENA, S. D. J., F. R. SANTOS; E. TARAZONA-
pulação e de unir os dados históricos aos ge- SANTOS. Genetic admixture in Brazil. Ameri-
can Journal of Medical Genetics Part C: Seminars
néticos para guiar a escolha das populações
in Medical Genetics v.184, p. 928-938, 2020
de referência e aumentar a confiabilidade dos
resultados, seja em estudos populacionais ou PEREIRA, F. D. S. C. F.; R. M. GUIMARÃES; A.
em estudos de associação e genética médica. R. LUCIDI; D. G. BRUM, C. L. A. PAIVA et al.
A systematic literature review on the European,
Por fim, a ancestralidade genética tem uma African and Amerindian genetic ancestry com-
ponents on Brazilian health outcomes. Scientific
grande importância populacional e indivi- Reports v.9, p. 8874, 2019.
dual, mas devemos lembrar que há diferença
desses dados comparados às informações que SUAREZ-PAJES, E., A.; DÍAZ-DE USERA, I.;
MARCELINO-RODRÍGUEZ, B.; GUIL-
geralmente conhecemos sobre nossa história
LEN-GUIO; C. FLORES. Genetic ancestry
e de nossa família. Apesar da ancestralidade inference and its application for the genetic map-
genealógica ou autodeclarada dar indícios ping of human diseases. International Journal of
da ancestralidade genética, muitos estudos Molecular Sciences v.22, p. 6962, 2021.

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Metilação do DNA e
predição de idade
para fins forenses

Matheus de Sousa Ferrari1, Thássia Mayra Telles Carratto1,


Silviene Fabiana de Oliveira2, Celso Teixeira Mendes Junior1
1
Departamento de Química, Laboratório de Pesquisas Forenses e Genômicas, Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP
2
Departamento de Genética e Morfologia, Laboratório de Genética, Instituto de Ciências
Biológicas, Universidade de Brasília, Brasília, DF

Autor para correspondência – [email protected]


Palavras-chave: genética forense, epigenética, fenotipagem forense por DNA

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Em um cenário de investigações policiais, a possibilidade de extrair o maior número de infor-


mações da cena do crime se faz necessária, sendo de extrema importância a existência de me-
todologias forenses alternativas para a análise das amostras biológicas encontradas, visando a
identificação das vítimas e dos agressores. Para isso, a metilação do DNA vem se destacando
como um potencial marcador de idade cronológica, permitindo realizar a predição de idade
de um indivíduo com alta precisão e acurácia dependendo do método utilizado, das regiões
genômicas consideradas e da amostra analisada.

Biologia molecular que chamamos de mecanismos epigenéticos


vêm sendo realizadas, como modificação de
nas ciências histonas, metilação do DNA e RNAs não
codificantes, e suas relações com a expressão
forenses gênica, a diferenciação e a função celular den-
tre outros.
O DNA é um dos mais importantes objetos
de análise das ciências forenses. No âmbito
pericial, é comumente utilizado para fins de
Metilação do DNA
identificação individual, sendo que a princi- No ano de 1948, o bioquímico Rollin Hot-
pal análise realizada é a obtenção do perfil chkiss, analisando moléculas de DNA via
genético de um possível criminoso a partir cromatografia em papel, observou citosinas
de vestígios biológicos, como sangue, saliva, modificadas que, posteriormente, na década
sêmen, dentre outros, encontrados na cena de 1960, foram identificadas como citosinas
do crime. Este perfil pode ser comparado metiladas. Porém, somente no ano de 1980
com amostras da(s) vítima(s), de suspeitos, foi descrito que a metilação do DNA é um
de outros vestígios ou, ainda, ser pesquisa- processo que consiste na adição de um grupo
do na Rede Integrada de Bancos de Perfis metila (CH3) na posição cinco de uma cito-
Genéticos. O DNA pode ainda ser usado sina, convertendo-a em 5-metilcitosina. Hoje,
para estimar ancestralidade e para predizer utiliza-se o termo “sítios CpG” para designar
características físicas, como cor dos olhos, sítios no DNA onde uma citosina ocorre vizi-
cabelos e pele. A predição de características nha a uma guanina, sendo separadas por um
físicas, que é a fenotipagem forense, pode po- fosfato, do esqueleto açúcar-fosfato do DNA.
tencialmente auxiliar no reconhecimento dos Essa expressão foi cunhada para descrever
atores de um crime, assim como na busca de um nucleotídeo com citosina vizinho a um
pessoas desaparecidas. Outra área que vem nucleotídeo com G na mesma fita do DNA e
ganhando destaque é o uso da epigenética no para distinguir da situação na qual a citosina
desenvolvimento de possíveis biomarcadores ocorre emparelhada com uma guanina na fita
forenses. complementar. Estão distribuídos por todo
o genoma sendo classificados conforme a lo-
O significado do termo “epigenética” vem calização. Os sítios CpG mais estudados são
sendo discutido na comunidade científi- aqueles que ocorrem em ilhas CpG, que são
ca, sendo que uma das definições é: área de definidas como trechos de DNA com tama-
estudo das alterações no funcionamento nho variando de 500 a 1.500 bp , com alta fre-
dos genes que ocorrem sem que haja altera- quência de sítios CpG e com uma razão CG:-
ções na sequência de bases nitrogenadas do GC maior que 0,6. Diversos genes têm uma
DNA. Dentro dessa área, pesquisas sobre o ilha CpG localizada na sua região promotora.

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A adição do radical metil é realizada por en- Após essa etapa, é realizada uma amplifica-
zimas DNA metiltransferases (DNMTs) e ção da região de interesse por uma reação
sua remoção, por enzimas da família TET em cadeia da polimerase (PCR). Este proce-
(ten-eleven translocations). dimento faz com que as citosinas metiladas
estejam presentes no produto amplificado
Para avaliar o status de metilação de uma como citosinas, enquanto que as citosinas
região genômica de interesse, o método não metiladas, que foram convertidas em
mais utilizado consiste no tratamento da uracilas, aparecem no produto amplificado
amostra investigada com bissulfito de sódio como timinas. Dessa forma, utilizando dife-
(NaHSO3), que converte as citosinas não rentes métodos de sequenciamento de DNA
metiladas em uracila, enquanto que as cito- é possível diferenciar facilmente as citosinas
sinas metiladas permanecem como citosinas. metiladas daquelas não metiladas (Figura 1).

Figura 1.
Modelo ilustrativo da conversão
com bissulfito de moléculas de
A metilação tem papel importante em di- função. Por ser fortemente influenciada pelo citosina não metiladas.
versas atividades biológicas, dentre elas está ambiente e estilo de vida, a metilação media
a regulação da expressão gênica sendo que a o impacto destes agentes externos em diver-
metilação contribui para silenciar um gene e, sos processos fisiológicos como, por exem-
a desmetilação, para estimular sua expressão. plo, no envelhecimento. Uma vertente nos
Dessa forma, a metilação atua na diferencia- estudos de metilação e envelhecimento é a
ção celular de forma que, ao regular a expres- possibilidade de predição de idade biológica
são de genes específicos, pode influenciar na a partir da avaliação de algumas regiões do
especialização da célula para determinada genoma (Figura 2).

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Relógios dos dados. De acordo com um estudo realiza-


do em 2020, alterações aleatórias na metilação
epigenéticos do DNA de humanos são comuns e muitas
dessas têm sido associadas a doenças rela-
De acordo com estudos, a idade cronológica cionadas à idade, incluindo diabetes do tipo
tem uma relação direta com os níveis de me- 2, doenças cardiovasculares, doenças neuro-
tilação em sítios CpG específicos, o que vem degenerativas e alguns tipos de câncer. Além
tornando possível desenvolver estimadores de disso, determinados fatores externos podem
idade chamados de “relógios epigenéticos”. Um influenciar a precisão dos modelos de predi-
dos maiores desafios em se estabelecer um re- ção de idade como, por exemplo, consumo
lógio epigenético está no fato de que os níveis de álcool, consumo de cigarros, dieta, prática
de metilação podem ser fortemente influencia- de exercícios físicos, ou até mesmo exposição
dos por inúmeros fatores. Em um dado lócus, solar. Portanto, é de fundamental importância
a metilação pode ocorrer em três condições: 0, a identificação de regiões genômicas cujo pa-
1 ou 2 alelos metilados. Ainda, pode haver a drão de metilação apresente forte correlação
heterogeneidade nos padrões entre as células, com a idade e que não seja influenciada por
o que dificulta as análises e as interpretações tais fatores exógenos (Figura 2).

Figura 2.
Alteração do padrão de
metilação (representada por
Segundo esse raciocínio, buscou-se identi- CpG utilizados influencia a eficácia do reló- estrelas vermelhas) do DNA de
acordo com o avanço da idade
ficar sítios CpG com padrões de metilação gio, sendo que os resultados mais precisos cronológica. Enquanto existem
fortemente correlacionados com a idade e são obtidos quando um maior número de sí- genes que tendem a ser mais
tentar caracterizar tais “relógios epigenéticos” tios CpG é utilizado. Além disso, há relógios metilados conforme a idade
baseados no nível de metilação de sítios de que são eficazes somente em alguns tecidos e avança (A), como os genes
ELOVL2, FHL2 e KLF14, outros
CpG. Foi constatado que o número de sítios outros, em vários tipos de tecidos.
tendem a se desmetilarem com
o passar do tempo (B), como
é o caso dos genes HOXC10 e
HOXC-AS2.

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Variabilidade “multitecido”, denominado de relógio epi-


genético de Horvath (Horvath’s epigenetic
populacional e clock). Sabendo que cada tecido apresenta
padrões distintos de metilação, Horvath e
a predição da seu grupo analisaram 7.844 amostras para
avaliar os padrões e os níveis de metilação
idade a partir da de mais de 450 mil sítios CpGs em 51 ti-
pos de tecidos e células. Com isso, desen-
metilação do DNA volveram uma ferramenta capaz de predi-
zer a idade a partir dos níveis de metilação
A partir do melhor conhecimento acerca de 353 sítios CpG. Esta ferramenta ficou
dos padrões de metilação em indivíduos de conhecida pela sua capacidade de predi-
diferentes idades, foi possível desenvolver ção com alta precisão (erro médio de cerca
diferentes modelos para a predição de ida- de quatro anos), independente do tipo de
de com alta precisão. Os modelos desen- tecido analisado. O modelo preditivo de
volvidos utilizam diferentes amostras bio- Horvath está disponível para uso de forma
lógicas coletadas de cenas de crime. Nesse online e gratuita no site DNA Methylation
contexto é necessária a preocupação com Age Calculator.
a degradação e contaminação do material
coletado que, por estar exposto a insultos Em 2019, utilizando sequenciamento
ambientais, pode resultar em danos nos sí- após conversão por bissulfito, foram iden-
tios CpG, e dificultar a interpretação dos tificados e analisados sete sítios CpG nos
dados. genes ASPA, EDARADD, CCDC102B,
ZNF423, ITGA2B, KLF14 e FHL2 em
A amostra biológica mais comumente en- amostras de sangue de chineses. Os genes
contrada em cenas de crimes é o sangue. que apresentaram maior correlação com a
Por isso, muitos modelos preditivos desen- idade foram o CCDC102B, o KLF14 e o
volvidos no contexto forense são específi- FHL2. Com esse estudo foi possível identi-
cos para sangue. ficar que genes fortemente correlacionados
Uma das ferramentas mais conhecidas com a idade em populações europeias, tais
para predição de idade foi desenvolvida e como ELOVL2 e TRIM59, podem não
vem sendo aprimorada por um grupo de apresentar a mesma correlação em outras
pesquisadores da Universidade de Santia- populações. Em 2020, amostras de sangue
go de Compostela. O primeiro modelo foi post-mortem provenientes de indivíduos
publicado em 2016, para predição da ida- estadunidenses foram analisadas. Após o
de em amostras de sangue utilizando sete sequenciamento foram identificados cinco
sítios CpG, localizados nos genes ELO- sítios CpG nos genes ELOVL2, C1orf132,
VL2, ASPA, PDE4C, FHL2, CCDC102B, TRIM59, KLF14 e FHL2, previamente
C1orf132 e no lócus chr16:85395429. O associados à idade. Os genes que apresen-
sítio CpG, localizado no gene ELOVL2 taram maior correlação com a idade foram
mostrou-se o principal preditor, apresen- o TRIM59, seguido do ELOVL2. O mo-
tando um desvio médio de três anos com delo preditivo proposto alcançou uma taxa
uma taxa de acerto de aproximadamente de acerto de 73,1%, associado a uma va-
80%. Posteriormente, novos modelos fo- riação na idade predita em relação à idade
ram criados e a ferramenta passou a incluir cronológica de cerca de 10,57 anos, devido
modelos preditivos independentes para à dificuldade do modelo em predizer ida-
predição da idade a partir de amostras de des de indivíduos mais velhos, o que não
sangue, sêmen e saliva. A ferramenta está é desejável.
disponível online gratuitamente no site Sni- Posteriormente, em 2021, foi realizado
pper app suite 3. um experimento em duas fases, utilizan-
No ano de 2013, Steve Horvath desen- do amostras japonesas. Após a conversão
volveu o primeiro relógio epigenético com bissulfito, foi realizado NGS para

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determinar os níveis de metilação. Na de contaminação. Um estudo conduzido


primeira fase, sete sítios CpG nos genes em 2015 com amostras de sêmen de co-
ASPA, CCDC102B, C1orf132, ELOVL2, reanos selecionou, a partir do resultado de
ITGA2B, KLF14 e PDE4C foram anali- NGS, dois sítios CpG nos genes TTC7B
sadas em amostras de sangue post-mortem e NOX4, além do sítio CpG cg12837463,
de adultos. Metilação no gene ELOVL2 para predição da idade. O gene que me-
mostrou-se novamente altamente correla- lhor apresentou correlação com a idade foi
cionada com a idade. Na segunda fase, fo- o TTC7B, com um desvio médio de 4,7
ram utilizadas amostras de sangue de indi- anos e uma taxa de acerto de 90%. Ou-
víduos com idades variando de dois meses tro fluido biológico bastante encontrado
até 91 anos. Quatro sítios CpG nos genes é a saliva que, por se encontrar na região
ASPA, ELOVL2, ITGA2B e PDE4C fo- bucal, recebe uma maior proteção em rela-
ram analisados. A partir dos modelos cria- ção aos agentes externos e se torna menos
dos foi possível obter um desvio médio passível de contaminação. Uma pesquisa
em torno de seis anos e uma acurácia de realizada em 2017, utilizando amostras de
aproximadamente 94%. Não foram obser- indivíduos coreanos, selecionou para in-
vadas diferenças significativas nas idades vestigação sete sítios CpG nos genes SST,
estimadas para o sexo masculino e para o CNGA3, KLF14, TSSK6, TBR1, SL-
sexo feminino. Ainda no ano de 2021, fo- C12A5 e PTPN7. O modelo apresentou
ram analisadas amostras de sangue de in- uma alta precisão, com um desvio médio
divíduos chineses de Singapura, Malásia e de 3,1 anos e uma taxa de acerto de 94,5%.
Índia, utilizando quatro sítios CpG nos ge-
nes ELOVL2, TRIM59, KLF14 e FHL2. Outro tipo de amostra que é facilmente en-
O melhor modelo proposto apresentou um contrada em cenas de crime são os ossos.
desvio médio de 3,7 anos e taxa de acerto Devido à resistência, eles conseguem man-
de 75,5%. ter o DNA preservado, e por isso podem
ser considerados valiosos para se estudar
De acordo com os estudos realizados com marcadores de predição de idade, princi-
amostras de sangue em indivíduos de dife- palmente em ossos fragmentados que não
rentes populações, é possível observar que se mostram úteis para se estimar a idade
determinados genes são constantemente por métodos antropométricos. Em 2019,
apontados como correlacionados à idade, foram analisados cinco sítios CpG, locali-
tendo o gene ELOVL2 um papel de des- zados nos genes ELOVL2, FHL2, KLF14,
taque na maior parte das vezes. De modo Clorf132/MIR29BC e TRIM59, em es-
geral, os desvios são baixos e as taxas de queletos de identidades desconhecidas. Os
acertos dentro do intervalo estabelecido pesquisadores observaram que, quando os
pelo desvio médio são elevadas, o que evi- indivíduos possuem 30 ou mais anos de
dencia o potencial de tais ferramentas para idade, os marcadores predizem uma idade
a predição de idade. Entretanto, é impor- consideravelmente menor do que a idade
tante ressaltar que as pesquisas são ainda estimada por métodos antropométricos.
recentes, e também evidenciam a possibili- Comparando com dados da literatura ba-
dade de se aumentar a acurácia dos resulta- seados em sangue, saliva e swabs bucais
dos de modo a se aproximar a um patamar obtidos com os mesmos marcadores, os re-
ideal para que contribua de maneira mais sultados das análises em ossos apresenta-
eficiente nas investigações forenses. ram uma grande variação no nível absoluto
de metilação de DNA em três sítios CpG
Além do sangue, outros fluídos destacam- (ELOVL2, FHL2 e TRIM59), produzin-
-se por serem frequentemente encontrados do um grande erro na predição da idade. A
em cenas de crimes. Amostras de sêmen partir dessas primeiras análises, foi realiza-
são comumente encontradas em casos de da uma busca para encontrar novos mar-
violência sexual. Por ser um fluido biológi- cadores que tivessem boa correlação com a
co, pode ocorrer grandes perdas de amostra idade em ossos, o que culminou em 14 pos-
até que ocorra a coleta, além da facilidade

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síveis marcadores CpG adjacentes ou pre-


sentes nos genes C5orf66, ARHGAP20, Direções futuras
TCF21, SMPD3, BCL11A, ANKH,
Os padrões de metilação no DNA, na for-
TMEM51, MIR764-2/CDH1, EPHA6,
ma de preditores de idade para a compo-
LCMT1, SPIDR/KIAA0146, C14orf72/
sição de perfis fenotípicos em casos crimi-
LINC00239, MYO18A e LINC00968.
nais, vêm se mostrando como promissores
Entretanto, não foram propostos modelos
aliados às ciências forenses. Os estudos
preditivos baseados neste conjunto.
realizados realçam como sítios CpG espe-
Além dos ossos, os dentes são as estruturas cíficos podem se mostrar bons preditores
que mais resistem a mortes violentas, como de idade para diferentes tipos de tecido e
em desastres de massa, por exemplo, por se com boa acurácia na predição. Apesar de se
situarem em regiões extremamente prote- ter um erro muito pequeno entre a idade
gidas, além de terem o suporte da mandí- real e a prevista das amostras, observa-se
bula. Embora a arcada dentária possa ser em alguns casos uma variação maior decor-
empregada diretamente para a determi- rente de influências externas. Por se tratar
nação de idade, os métodos odontológicos de uma metodologia recente, os modelos
apresentam baixa acurácia para estimativas ainda não permitem lidar adequadamente
em adultos. Assim, os métodos molecu- com tais influências externas, o que requer
lares tornam-se importantes alternativas estudos adicionais para aprimorá-los. Para
para casos como esses. Um estudo de 2021 obtenção de modelos mais consistentes, é
utilizou amostras de molares para analisar imprescindível que a comunidade científi-
os níveis de metilação, a partir de ensaios ca continue os esforços para identificar os
por sequenciamento, em 46 sítios CpG sítios CpG com melhor precisão, buscan-
localizadas nos genes ELOVL2, KLF14, do encontrar aqueles que sejam menos in-
SCGN, NPTX2 e FHL2. Valores significa- fluenciados pelo meio externo, ou mesmo
tivos de correlação entre metilação e idade identificando os padrões gerados por essas
foram obtidos para apenas sete desses sí- interferências para incorporação em mode-
tios CpG localizados nos genes ELOVL2, los preditivos.
KLF14 e NPTX2. Foi construído um mo-
Enquanto estudos desta natureza são pra-
delo preditivo utilizando a maior parte dos
ticamente inexistentes no Brasil, existem
sítios CpG nos genes ELOVL2, NPTX2,
na Europa muitos grupos de pesquisa
KLF14, SCGN e alguns CpGs individuais
que estudam a predição da idade a partir
do gene FHL2, levando a um erro médio
do DNA. Em 2017, várias instituições de
absoluto de apenas 1,55 anos entre a idade
oito países europeus uniram-se no consór-
estimada e a idade cronológica e uma in-
cio VISAGE (Atributos visíveis a partir
crível taxa de acerto de 98%, ainda mais se
da genômica, do inglês, Visible Attributes
considerado o menor erro absoluto já des-
Through Genomics), cujo objetivo central é
crito.
o desenvolvimento de painéis forenses para
Por fim, amostras de cabelo também po- predição de ancestralidade, características
dem ser utilizadas para identificação de físicas e idade. Para determinação da idade,
vítimas ou agressores e são de fácil coleta, dois tipos de ferramenta estão sendo ava-
uma vez que os fios desprendem-se facil- liados, a básica e a avançada, sendo a pri-
mente mas, ao mesmo tempo, podem ser meira para predição de idade em amostras
contaminados com facilidade, dependendo de sangue a partir de marcadores presentes
do ambiente. Embora os estudos sejam es- em cinco genes, e a segunda para predição
cassos, um estudo na Alemanha demons- em amostras de células somáticas (sangue,
trou, por NGS, níveis de metilação em células bucais e ossos) ou de sêmen, a par-
sítios CpG nos genes ELOVL2, KLF14, tir de oito e treze genes, respectivamente.
RPA2, TRIM59 e ZYG11A, que apresen- Tais ferramentas ainda estão sendo valida-
tam alta correlação com a idade. das sendo que, de maneira geral, os estudos

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 156


GENÉTICA E SOCIEDADE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

preliminares apresentam erros médios em


torno de três a cinco anos.
Os estudos demonstraram que a metila-
ção de alguns genes manteve-se eficaz na
predição de idade mesmo em populações
diferentes. Assim, é possível observar que
os métodos desenvolvidos podem ser uti-
lizados em qualquer população com uma
certa acurácia. Porém, é essencial que es-
tudos desta natureza também sejam con-
duzidos no Brasil, um país de dimensões
continentais caracterizado por uma grande
variedade populacional, de ambientes e es-
tilos de vida.
Com o aprimoramento dos modelos pre-
ditivos de idade, abre-se a possibilidade de
uma nova contribuição da genética para
a elucidação de crimes. Ao se predizer a
idade de uma vítima ou de um agressor a
partir de um vestígio biológico, novas pis-
tas são geradas, o que pode ser essencial
para trazer um novo foco às investigações,
aumentando, portanto, as chances de se so-
lucionar casos criminais complexos e apa-
rentemente insolucionáveis, tão frequentes
no Brasil.

Para saber mais


Calculadora online do modelo preditivo do relógio
de Horvath: https://dnamage.genetics.ucla.
edu

Calculadora online do modelo preditivo desenvolvi-


do por pesquisadores da Universidade de San-
tiago de Compostela: http://mathgene.usc.es/
snipper/age_models.php

HORVATH, S.; RAJ, K. DNA methylation-based


biomarkers and the epigenetic clock theory of
ageing. Nature Reviews Genetics, v. 19, p. 371-
384, 2018.

KOOP, B. E. et al. Epigenetic clocks may come out


of rhythm—implications for the estimation
of chronological age in forensic casework. In-
ternational Journal of Legal Medicine, v. 134, p.
2215–2228, 2020.

SIMPSON, D. J.; CHANDRA T. Epigenetic age


prediction. Aging Cell, v. 20, p. e13452.

ZHENG, S. C. et al. Epigenetic drift, epigenetic


clocks and cancer risk. Epigenomics, v. 8, p.
705-719, 2016

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 157


GENÉTICA E SOCIEDADE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Como a genética contribuiu


para compreender os efeitos
biológicos da exposição
humana à radiação ionizante
de Césio-137?

Lorraynne Guimarães Oliveira3, Samara Socorro Silva Pereira3,


Elza Maria Gonçalves Santos Uchoa3, Daniela de Melo e Silva3,
Emília Oliveira Alves Costa1, Thaís Cidália Vieira Gigonzac2,3,
Cláudio Carlos da Silva1,2,4, Aparecido Divino da Cruz1,2,3
1
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Escola de Ciências Médicas e da Vida, Programa de
Mestrado em Genética, Grupo de Pesquisa Replicon, Goiânia, GO
2
Laboratório de Citogenética Humana e Genética Molecular, Secretaria Estadual de Saúde de Goiás
3
Universidade Federal de Goiás, Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular,
Instituto de Ciências Biológicas, Campus Samambaia, Goiânia, GO
4
Universidade Estadual de Goiás, Unidade de Goiânia, Goiânia, GO
Autor para correspondência - [email protected]

Palavras-chave: césio-137, radiação, mutação

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Há 34 anos ocorreu em Goiânia, Goiás (Brasil), o maior acidente radiológico em área ur-
bana, tendo como consequência a exposição humana, animal, vegetal e ambiental pelo Cé-
sio-137. As vítimas do acidente manifestaram contaminação externa e/ou interna a radiações
ionizantes para doses que variaram até 7 Gy e se viu a necessidade do acompanhamento da
saúde genética dessas pessoas. Tecidos biológicos são extremamente vulneráveis à radiação
ionizante que pode causar acúmulo gradual de danos no DNA, por exemplo. As exposições
a baixas doses, por sua vez, causam uma instabilidade genômica progressiva. Melhorias nas
tecnologias de análise genômica proporcionaram a chance de investigar, com alto nível de pre-
cisão, diversos tipos de biomarcadores, possibilitando uma estimativa real do risco genético
de populações exposta à RI.

Instabilidade genômica -
Nome dado à ocorrência de
efeitos numa célula irradiada
e em suas descendentes.

Histórico do fato era aquilo, notou que, no escuro, o pó


que saía da cápsula emitia uma luz azul re-
Mesmo após várias gerações
da célula parental irradiada,
a instabilidade pode ser
acidente em luzente (Figura 1B). Fascinado com aquela
descoberta, mostrou o material radioativo
observada.

Goiânia com para amigos, vizinhos e familiares (Figura


1C).
Césio-137 Com isso, o césio-137 radioativo, liberado da
Em 13 de setembro de 1987, em Goiânia, cápsula, passou a circular na região central de
capital do Estado de Goiás, foi encontrada Goiânia, contaminando pessoas e ambientes
uma cápsula de chumbo de um equipamen- por onde espalhou. O irmão do dono do
to de teleterapia descartada pelo Instituto ferro-velho, ao visitá-lo levou um pouco da
Goiano de Radioterapia (IGR), num local substância para casa, pois também ficou in-
abandonado e parcialmente demolido sem trigado com aquele fenômeno. Chegando em
qualquer advertência ou avisos sobre os ris- casa, mostrou para os filhos, incluindo a filha
cos associados ao equipamento. de 7 anos, que ficou deslumbrada com aque-
le pó e brincou durante horas com ele. Du-
Dois sucateiros, que passavam pelo local rante o jantar, ela ingeriu os alimentos com
abandonado e vendo aquele monte de ferro e as mãos contaminadas com o sal radioativo
chumbo desprezados, presumiram que o ma- (Figura 1D).
terial poderia ter algum valor como sucata. Radioterapia - especialidade
Removeram os destroços do local, levaram Após alguns dias, diversas pessoas exibiram médica na qual se utilizam
sintomas gastrointestinais resultantes da ex- radiações ionizantes para
para casa e, posteriormente, para um ferro tratamento oncológico. A
velho para serem comercializados (Figura 1). posição à radiação, como náuseas, vômitos e radiação é emitida por um
diarreia. Uma das vítimas pressupôs que os aparelho, que fica distante do
O cabeçote de chumbo era a blindagem para sintomas eram em virtude do pó e, com a aju- paciente, apontado para o local
19,26 g de cloreto de césio-137, um sal ra- da de um funcionário do ferro velho, levou a a ser tratado.
dioativo comumente usado para o tratamen- cápsula de Césio-137 de ônibus à Vigilância
to do câncer. A blindagem foi rompida e a Sanitária de Goiânia que, em menos de 24
fonte radioativa do equipamento liberada. horas, identificou a substância como radioa-
Subsequentemente, as partes foram levadas tiva (Figura 1E).
ao ferro velho. A ruptura da fonte permitiu
acesso ao cloreto de césio que era altamente A Comissão Nacional de Energia Nuclear
solúvel e prontamente dispersável no meio (CNEN), policiais e bombeiros militares
ambiente. Ao se deparar com aquele sal, o foram acionados no dia 29 de setembro,
dono do ferro velho, sem entender o que de dando início à descontaminação da região

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 159


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e a mitigação dos riscos para a população cirurgia de amputação do antebraço e 4


local. Mais de 112,8 mil pessoas foram mo- pessoas foram a óbito na fase aguda do aci-
nitoradas, 249 pessoas estavam contami- dente. Atualmente, os rejeitos radioativos
nadas, entre estas, 120 possuíam roupas e provenientes do acidente radiológico com
sapatos contaminados e 129 manifestaram césio-137 estão depositados em um reposi-
contaminação externa e /ou interna com tório permanente em Abadia de Goiás, em
o radionuclídeo (Figura 1F). Dezenas de uma Unidade de Conservação Ambiental
pessoas apresentaram a síndrome aguda de 160 hectares, sob vigilância e monitora-
da radiação e, dentre elas, uma passou por mento constante da CNEN.

Figura 1.
Linha do tempo dos eventos
do acidente com Césio-137 em
Goiânia (Goiás – Brasil). A: Dois
sucateiros tiraram a cápsula
dos escombros para vendê-la.
B: O dono do ferro velho, que
comprou a cápsula, percebeu
que, no escuro, o pó possuía
um brilho azul. C: O dono do
ferro velho mostrou a cápsula
aos vizinhos e amigos. D: A
sobrinha do dono do ferro velho
ingeriu um ovo com as mãos
sujas de Césio-137. E: Duas
vítimas levaram a cápsula para
a Vigilância Sanitária de ônibus.
F: Monitoramento da exposição
da população à radiação
ionizante.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 160


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Em 1988, a partir da necessidade de acom-


panhamento da população exposta ao Cé- Afinal, por que
sio-137, o governo de Goiás instituiu a Fun-
dação Leide das Neves Ferreira, nome de uma o Césio-137 é
das vítimas fatais do acidente. As competên-
cias dessa fundação foram transferidas em
radioativo?
1999 para a Secretaria Estadual da Saúde de O Césio-137 foi descoberto em 1860 por
Goiás que, atualmente, conta com o Centro de Robert Wilhelm Bunsen e Gustave Robert
Assistência aos Radioacidentados (C.A.RA). Kirchhoff na água mineral de Durkheim, na
O C.A.RA possui atribuições de atendimen- Alemanha, por espectroscopia de emissão da
to médico, odontológico, psicológico, assis- luz azul, de onde deriva seu nome em latim,
tência farmacêutica e social e monitoramento caesium, céu azul. O césio possui 31 isótopos,
biológico mediante pesquisas científicas para dentre eles, apenas o isótopo 133 é estável e
a avaliação da saúde genética da população ex- naturalmente presente em dois minérios, po-
posta e seus familiares. lucita e rodozita. Todos os outros isótopos são
radioativos e denominados radionuclídeos ou
Neste artigo, reunimos dados sobre o moni-
radioisótopos.
toramento da saúde genética dos indivíduos
expostos acidentalmente e ocupacionalmente Um radionuclídeo é um átomo energetica-
à radiação ionizante de césio-137, realizado mente instável, que possui núcleos atômicos
pelo Núcleo de Pesquisa Replicon da PUC com o mesmo número de prótons, mas di-
Goiás, em parceria do Laboratório de Cito- ferentes números de nêutrons. Portanto, ao
genética Humana e Genética Molecular que estabilizar o núcleo, emite radiação ionizante.
faz parte do Laboratório Central da Secreta- Este fenômeno é conhecido com decaimento.
ria de Saúde do Estado de Goiás (LaGene/ No caso do Césio-137, o decaimento ocorre
LACEN/SES-GO), durante as três décadas pela liberação de partículas β, que são elé- Braquiterapia - Tratamento
de acompanhamento da saúde genética da po- trons de alta energia (pósitrons), e fica com oncológico através do qual a
pulação goiana exposta à radiação ionizante. excesso de prótons, transformando-se em bá- radiação será emitida de uma
fonte de dentro do corpo do
rio radioativo e que, por emissão de radiação
paciente, em contato com o
gama, é uma onda eletromagnética formada local a ser tratado.
por fótons altamente energéticos. Assim, o
Césio-137 decai para o um estado estável de
bário (Ba-137) (Figura 2). A radiação ioni-
zante emitida pelo césio-137 é utilizada para
fins médicos em radioterapia e braquiterapia
para o tratamento de tumores malignos res- Tumores malignos - São
células replicadas de maneira
ponsivos à radioterapia.
desordenada e descontrolada,
formando os tumores que,
geralmente, desenvolvem-se
rapidamente e podem proliferar
pelo corpo, invadindo tecidos
vizinhos.

Figura 2.
Decaimento radioativo do
Césio-137. A meia vida deste
radioisótopo é de 30,2, que é o
intervalo de tempo necessário
para que o número inicial
de nuclídeos seja reduzido
à metade do valor inicial.
O decaimento radioativo
do césio-137 ocorre pela
diminuição gradual de massa
e atividade e se torna um
elemento estável quando decai
para Ba-137.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 161


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O que é radiação e quais


as consequências no
organismo exposto?
As radiações ionizantes existem no planeta Terra desde a sua Ondas eletromagnéticas
origem, sendo, portanto, um fenômeno natural. No final do e/ou partículas - A forma
como a radiação se propaga,
século XIX, com a aplicação das radiações ionizantes em be-
seja em forma de onda, seja
nefício da humanidade, os efeitos para a saúde humana torna- em forma de partícula, está
ram-se evidentes. A radiação tem aplicação ampla na medicina relacionada à forma como
do diagnóstico para o tratamento de doenças, na indústria e ela é observada. As ondas
para fins bélicos. Diversos equipamentos médicos empregam de radiação eletromagnética
são uma oscilação de campo
radionuclídeos para variadas utilidades como radiografia, ma- magnético com campo
mografia, tomografia computadorizada, entre outras. Devido elétrico que se propagam no
às diversas aplicabilidades da radiação, a população fica sujeita vácuo transportando energia
a riscos de exposição acidental, ambiental e ocupacional. como acontece com as ondas
eletromagnéticas, raios-x e
A radiação é uma forma de energia que se propaga em on- gama. As partículas são uma
estrutura diminuta e atingem
das eletromagnéticas e/ou partículas. Quando a energia ra-
somente um local em um dado
dioativa atinge as células ou os tecidos, inicia-se uma série de instante como as partículas α,
processos que ocorrem em nanossegundos. O primeiro evento β, prótons, nêutrons.
é a interação entre radiação e células. Quando há colisão da
energia radioativa sobre átomos nas células viáveis, ocorre a
ejeção dos elétrons. Este fenômeno é chamado de ionização
Ejeção de elétrons - Evento
e, a radiação que o provoca, de radiação ionizante.
que acontece quando a
ionização expulsa o elétron de
Nos seres humanos, a exposição aguda ao césio-137 conduz,
um átomo ou de uma molécula,
ao qual ele está ligado por força na maioria dos casos, à aplasia da medula óssea caracterizada Aplasia - A aplasia é uma
elétrica. por uma diminuição de células brancas do sangue e deficiência doença caracterizada pela
imune, como foi relatado no acidente em Goiânia. A exposição alteração no funcionamento da
a doses elevadas de césio-137 é caracterizada pela indução da medula óssea. A medula óssea
é responsável pela produção
Síndrome de
síndrome de mielossupressão observada após irradiação agu-
das células do sangue e a
mielossupressão - É uma da com radiação ionizante. aplasia é caracterizada como a
condição na qual a atividade substituição do tecido medular
da medula óssea é diminuída, A exposição à radiação ionizante pode causar reações teciduais normal por tecido gorduroso e,
resultando em menor número que resultam em morte ou dano celular, conhecido como efeito portanto, leva a concentrações
de glóbulos vermelhos, determinístico. Nesse contexto, quanto maior a dose, mais se- baixas de hemácias, plaquetas
glóbulos brancos e plaquetas. e leucócitos pela circulação
vero o efeito (Figura 2). Um exemplo de efeito determinístico
A ocorrência da síndrome de sanguínea.
mielossupressão é resultante da é a radiolesão da pele, que podem variar de um leve averme-
exposição a doses agudas de lhamento no local irradiado até a formação de grandes bolhas
radiação ionizante. e necrose. Outros efeitos determinísticos observáveis incluem
o aparecimento de catarata, doenças vasculares cardíacas e ce-
rebrais. Por outro lado, existem efeitos que podem surgir sem
que uma dose limite de radiação tenha sido ultrapassada, sen-
Radiolesões - Denominação do conhecidos como efeitos estocásticos (Figura 3). Os efeitos
dada a qualquer tipo de lesão estocásticos são tardios e sua ocorrência é probabilística. Den-
causada por exposição à tre os diversos efeitos estocásticos decorrentes de exposição à
radiação.
radiação, encontram-se o desenvolvimento de células tumo-
rais, o envelhecimento precoce, a diminuição da longevidade,
as mutações gênicas e as alterações cromossômicas.

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Um evento mutacional pode ocorrer em radioativa. Na linhagem germinativa as mu-


Evento mutacional - Processo
qualquer célula do organismo. Em células so- tações podem ocorrer durante a replicação do mecanismo molecular pelo
máticas ocorre durante a replicação do DNA do DNA que precede a meiose. As mutações qual uma molécula de DNA
que precede uma divisão mitótica, sendo o fixadas no genoma das células germinativas sofre alterações sequenciais de
câncer o efeito estocástico mais comumente podem ser transmitidas ao longo das gera- nucleotídeos.
associado à exposição individual à energia ções.

Figura 3.
Dose e resposta dos efeitos
determinísticos e estocásticos.
A: Uma das características
dos efeitos determinísticos é
a existência da dose limite. A
exposição à radiação acima
desse nível é danosa para o
organismo e, quanto mais alta
a dose, mais severo o efeito.
B: Não existe dose limiar para
efeitos estocásticos. Nesse
tipo de efeito, mesmo em
doses extremamente baixas,
a exposição à radiação pode
causar alguns efeitos.

Como a energia compreender quais são os mecanismos mo-


leculares envolvidos nos processos pré e pós
radiativa pode mutacionais, sejam eles espontâneos ou in-
duzidos e quais as biomoléculas envolvidas
Biomoléculas - As
causar dano nos sistemas de reparo do DNA. biomoléculas são compostos
químicos que, em geral, são
ao DNA? As mutações espontâneas são alterações oca-
sionais na sequência na molécula de DNA
compostas por carbono, além
de hidrogênio, oxigênio e
A integridade da informação genética é es- produzidas sem estímulo de algum agente nitrogênio. Biomoléculas
mutagênico, indutor de mutações. As muta- organizam-se, interagem e
sencial para a manutenção da vida, por isso, configuram as características
algumas pessoas presumem que o DNA está ções espontâneas geralmente ocorrem devido fundamentais dos seres vivos.
isolado do ambiente celular de modo que o a erros durante a replicação do DNA, como
torna inalcançável por agentes endógenos e erro na incorporação de base e pareamento
exógenos. Mas, o que não se deve esquecer, incorreto durante a replicação. As mutações
é que a maior biomolécula do nosso organis- induzidas são alterações na sequência do
mo, o DNA, evoluiu de modo que é possível DNA que ocorrem devido à exposição do
haver interações com agentes físicos, quími- DNA a agentes mutagênicos, podendo ser
cos e biológicos, podendo contribuir posi- físicos, químicos ou biológicos (Figura 4).
tivamente ou negativamente para a seleção A radiação ionizante é um exemplo de
natural. agente físico com capacidade de induzir
Os esforços científicos para compreender as mutações no DNA. Os danos provocados
interações que ocorrem entre a molécula de pela radiação ionizante podem ser diretos,
DNA e os agentes ambientais resultaram em quando há depósito da energia radioativa
um importante campo de estudo, denomi- diretamente na molécula de DNA, e/ou in-
nado mutagênese. O foco da mutagênese é diretos, quando moléculas irradiadas pro-

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duzem íons que atacam o DNA. O princi- reativas de oxigênio que interagem com o
pal processo indireto de dano ao DNA pela DNA causando lesões potencialmente mu-
radiação ionizante é causado pela radiólise, tagênicas. Os danos na molécula de DNA,
Radiólise - É a quebra de uma
sendo a radiohidrólise o mais eficiente dos induzidas pelas radiações ionizantes, po- ou várias ligações químicas,
ataques nucleofísicos ao DNA. Na radiohi- dem ser lesões em um ou poucos nucleotí- resultante da exposição à
drólise, a energia radioativa depositada deos, quebras de fita simples do DNA ou de radiação ionizante.
sobre moléculas de água produz espécies dupla fita do DNA (Figura 5).

Figura 4.
A natureza dos agentes
O monitoramento de exposição do sistema quantificáveis que podem estar alterados mutagênicos. Os agentes
biológico a agentes genotóxicos e mutagêni- devido à interação do sistema biológico com mutagênicos são capazes de
cos consiste em avaliar e interpretar parâme- um agente estressor. A quantificação dos induzir mutação no genoma das
tros biológicos e/ou ambientais com a fina- biomarcadores gera informações úteis para células expostas.
lidade de detectar possíveis riscos à saúde. os estudos de biomonitoramento, proteção e
Biomarcadores são parâmetros biológicos mitigação de riscos.

Figura 5.
Representação esquemática
dos efeitos diretos e indiretos
da radiação no DNA e os tipos
de danos que essas interações
podem causar na molécula. Na
ação direta, a radiação danifica
o DNA sem intermediários;
na ação indireta, a radiação
interage com a molécula de
água produzindo radiólises da
água e assim danificando o
DNA.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 164


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Corrida eletroforética - É
Em meados de 1970, a natureza das mutações função do tratamento aplicado, durante a uma técnica que separa
induzidas por radiação foi amplamente infe- eletroforese, o DNA íntegro permanecerá no moléculas biológicas com base
em seu tamanho, quando
rida de relações dose-efeito com diversos bio- nucleoide, enquanto o DNA fragmentado submetidas a um campo
marcadores. Os danos na molécula de DNA migrará por força de um campo elétrico uni- elétrico. Como o DNA possui
podem ser quantificados, sendo, portanto, um forme durante a eletroforese, gerando uma carga negativa, ele migrará
parâmetro de análise usado como biomarca- imagem que lembra um cometa com uma quando sujeito ao dipolo de um
campo elétrico uniforme.
dores de exposição e/ou de efeito. As lesões cabeça e uma cauda, daí o nome do ensaio
provocadas na molécula de DNA são usadas (Figura 6).
para investigar a genotoxicidade e a mutageni-
cidade da exposição. Para quantificar os danos Os biomarcadores mais frequentemente Nucleoide - O DNA
genotóxicos, são empregadas metodologias usados para investigar o dano mutagênico geralmente é acondicionado
que têm como princípio separar e observar induzido pela exposição do DNA à radia- em suborganelas chamadas
ção são as aberrações cromossômicas e os nucleoides, que tornam-se
fragmentos da molécula de DNA. visíveis quando corados com um
micronúcleos. A frequência de aberrações
corante que se liga ao DNA.
Uma metodologia frequentemente usada cromossômicas é o marcador de exposição
para a investigação da genotoxidade é o teste de preferência desde a década de 1960. A
cometa. O princípio do teste é a visualização metodologia é sensível, permitindo estimar
direta de danos no DNA em células indivi- doses absorvidas tão baixas quanto 0,1 Gray.
Gray - Grandeza física usada
duais por meio de uma corrida eletroforéti- Este ensaio é visto como o método mais efi- para avaliar a quantidade de
ca. Esta técnica apresenta alta sensibilidade caz para a dosimetria biológica na faixa de radiação absorvida pelo tecido.
para a detecção de danos genotóxicos e pos- doses de radiação que ocorre em acidentes
sui a reprodutibilidade simples e rápida. Em em massa. Dosimetria biológica
- Técnica utilizada para
determinar a dose de radiação
recebida por um indivíduo
através de efeitos biológicos
induzidos.

Figura 6.
Nucleoide submetido ao teste
cometa. A imagem mostra uma
nucleoide celular com quebras
de diversos tamanhos de DNA
causada por radiação ionizante
que possui efeito estocástico.
A célula foi submetida à corrida
eletroforética em um campo
elétrico uniforme, que permite
a separação dos fragmentos,
fazendo com que os menores
migrem com uma velocidade
maior formando um arraste.
O sentido de migração é para
o polo negativo, na imagem
caracterizado pelo arraste, que
lembra um cometa.

Os números de quebras envolvidas e a forma na estrutura dos cromossomos, sendo mais


como os segmentos interagirão entre as extre- amplamente quantificadas em casos de expo-
midades quebradas determinam os tipos de sições recentes à radiação ionizante. As aber-
rearranjos que serão formados. As aberrações rações cromossômicas estáveis tendem a per-
cromossômicas podem ser classificadas como manecer nas células ao longo dos processos de
instáveis e estáveis. As aberrações cromossô- divisão celular. A figura 7 retrata os tipos mais
micas instáveis caracterizam-se por alterações comuns de aberrações cromossômicas.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 165


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Os micronúcleos são um subproduto das Mais recentemente, diversos estudos têm in-
aberrações cromossômicas instáveis ou de vestigado o papel da variação estrutural do
perdas de cromossomos inteiros. A quanti- genoma que possui tamanho intermediário, Figura 7.
dade de micronúcleos presentes nas células é conhecida como Variação do Número de Representação esquemática
dos tipos de aberrações
proporcional à dose de RI absorvida. Os mi- Cópias (do inglês, Copy Number Variants - cromossômicas instáveis
cronúcleos consistem de pequena massa nu- CNV), que envolve rearranjos variáveis de e estáveis e da formação
clear revestida por membrana com aparência ganhos e/ou perdas do conteúdo de DNA de micronúcleo. A. Os
de um pequeno núcleo, porém separada do como biomarcadores de efeito de agentes cromossomos dicêntricos são
originados a partir de quebras
núcleo celular. O diâmetro do micronúcleo é mutagênicos. Evidências demonstram que a
das extremidades teloméricas
menor que 1/3 do núcleo principal, e, por- exposição à radiação ionizante resulta em um de dois cromossomos distintos,
tanto, pode ser facilmente diferenciado em aumento significativo na formação de CNV que se reúnem de forma errada,
uma célula binucleada. Os micronúcleos são de novo em células irradiadas. As CNVs, formando uma estrutura com
originados durante a divisão celular decor- contendo perdas genômicas, parecem ser 2 centrômeros e fragmentos
acêntricos. B. O cromossomo
rente da não disjunção cromossômica, geral- mais comumente induzidas por radiações em anel surge de duas quebras,
mente ocasionada por lesões no DNA, que que causam deleções no DNA. Elas surgem ambas no mesmo cromossomo,
não foram reparadas pelo sistema de reparo como resultado de reparo ou erro de reparo flanqueando o centrômero.
(figura 7). de DSBs e SSBs na molécula de DNA. As extremidades quebradas
são ligadas, formando-se um
anel que inclui o centrômero
e um fragmento acêntrico.
C. Nas deleções terminais há
rompimento de um segmento
terminal e um fragmento
acêntrico é originado. (*Os
fragmentos acêntricos
produzidos pelas quebras
são instáveis, ou seja, são
perdidos durante o processo
de divisão celular.) D. As
radiações ionizantes podem
causar diferentes tipos de
ganhos e perdas de fragmentos
cromossômicos.
E. A translocação é a
transferência de um segmento
de um cromossomo para outro
não-homólogo. F. As inversões
surgem a partir de duas quebras
nos cromossomos e cada
fragmento reorganiza-se de
forma invertida, podendo ou
não envolver o centrômero.
G. Os micronúcleos (indicados
pelas setas) são originados
durante a divisão celular
derivados da não disjunção
cromossômica geralmente
ocasionadas por lesões no DNA.
Formação de micronúcleos a
partir de fragmentos acêntricos
e cromossomos inteiros
atrasados. H. Formação de
micronúcleos a partir de
fragmentos acêntricos e pontes
citoplasmáticas a partir de
cromossomos dicêntricos.
I. Células submetidas ao teste
de micronúcleo. A seta indica,
na imagem, uma célula com
um micronúcleo ao lado de um
núcleo principal.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 166


GENÉTICA E SOCIEDADE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Nos últimos anos, o rápido desenvolvimento tações no genoma dos filhos dos indivíduos
de tecnologias de análise genômica tem pro- expostos. Esta população apresenta doenças
porcionado a chance de investigar, com alto comuns como diabetes, osteoporose, alergias,
nível de precisão, diversos tipos de variantes gastrites, entre outros, porém são inquestio-
genéticas. Consequentemente, estimativas náveis os inúmeros agravos de cunho psicos-
mais precisas sobre o risco genético da popu- social que as pessoas envolvidas enfrentam.
lação exposta à radiação ionizante podem ser Portanto, é importante a continuidade do
obtidas. Inovações nas técnicas de sequencia- monitoramento da saúde dessas pessoas,
mento do genoma humano vêm sendo refi- pois é uma das maneiras de mitigação dos
nadas em um ritmo rápido e está permitindo efeitos deletérios da RI.
um progresso fascinante e valioso na com- Sequenciamento de Nova

Para saber mais


Geração (NGS) - Método de
preensão de variantes de DNA induzidos sequenciamento do todo ou de
por radiação ionizante em toda a extensão algumas partes do DNA em um
do genoma. Recentemente, a tecnologia do NOUAILHETAS, Y. Radiações Ionizantes e a vida. curto período. É de fácil acesso
Sequenciamento de Nova Geração anali- Rio de Janeiro: Comissão Nacional de Energia a diversos bancos de dados
Nuclear. 2005. que disponibilizam centenas
sou o genoma dos liquidators e seus filhos,
de mutações genéticas, e tem
confirmando a capacidade revolucionária das OKUNO, E. Efeitos biológicos das radiações ioni- baixo custo.
metodologias genômicas aplicadas à mutagê- zantes: acidente radiológico de Goiânia. Estudos
nese ambiental. Avançados v.27, n. 77, p. 185-200, 2013.

ROZENTAL, J. J.; CUNHA, P.; OLIVEIRA, C. A.


Em Goiás, diversas metodologias de biomo- 1989. Aspects of the initial and recovery phases of
nitoramento foram empregadas no acom- the radiological accident in Goiania. In Proc. Int.
panhamento do efeito genético da RI nas Symp. Recovery Operations in the Event of a
pessoas expostas e seus familiares durante o Nuclear Accident or Radiological Emergency,
IAEA, Vienna (p. 593-597).
acidente com césio-137 (figura 8). O avanço
das tecnologias de análise genômica foi pro- UCHOA, Elza Maria Gonçalves Santos. Cesium
porcionando chances de investigar, com alto 137: Integrative Review of the genetic biomonitor-
nível de precisão, diversos tipos de variantes ing of individuals exposed to ionizing radiation
in the Goiânia radiological accident in Goiânia,
genômicas. Os resultados destes estudos ve- from 1988 to 2021. Dissertação (Mestrado em
rificaram danos gênicos e cromossômicos, Genética) – Pontifícia Universidade Católica de
além de um aumento na incidência de mu- Goiás, 2021.
Liquidators - Bombeiros,
militares, operários e voluntários
que ajudaram a reduzir as
consequências do acidente
nuclear de Chernobyl, foram
assim denominados.

Figura 8.
Linha do tempo do
biomonitoramento genético
da população exposta ao
Césio-137 de 1987 até o
momento atual.

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NA SALA DE AULA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

QUE BACALHAU É ESSE?


– Uma abordagem lúdica
introdutória para a aplicação
prática de sequências de DNA
em sala de aula

Carine Belau de Castro Martins1, Ieda Zanotti2, Antonio Mateo Solé-Cava1


Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro Nacional para Identificação Molecular do Pescado,
1

Instituto de Biologia. Rio de Janeiro, RJ


Pajelança Conteúdos, Rua Almirante Alexandrino, 2603, CEP 20241-263, Rio de Janeiro, RJ
2

Autor para correspondência - [email protected]

Palavras-chave: sequências de DNA, identificação, filogenia, forênsica

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NA SALA DE AULA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

A atividade prática “Que bacalhau é esse?” constrói um diálogo de saberes entre ensino de
biologia e mundo real para facilitar o aprendizado de conteúdos que vão desde o DNA como
base hereditária até o seu uso para identificação de espécies. A atividade envolve uma parte
lúdica, através de uma história em quadrinhos sobre “o mistério da ceia de Natal”, e segue
um roteiro que instiga a redescoberta e investigação. Motivados a atuarem como cientistas,
tentando esclarecer o mistério, estudantes comparam sequências de DNA dos bolinhos com
aquelas de uma biblioteca, auxiliados por uma chave dicotômica. A atividade foi aplicada em 5
escolas públicas com sucesso, e manteve a maior parte dos estudantes engajados nas atividades
propostas.

Contexto e objetivo construída em torno da pergunta – “que ba-


calhau é esse?” – como uma ferramenta de
aprendizagem que incorpora perspectivas
A aprendizagem significativa se estabelece
históricas, culturais e científicas, tornando
quando ocorre a relação entre o novo, concei-
o processo de aprendizagem significativo,
tos, conteúdos, e aquilo que os participantes
dinâmico e prazeroso, articulando e pro-
do processo de aprendizagem trazem, conhe-
movendo a interação entre o saber existente
cimento tácito, percepções. Assim, a constru-
e o saber construído. A atividade pode ser
ção do conhecimento deve extrapolar os pro-
realizada em vários pontos do currículo de
cessos mecânicos associados, por exemplo,
Biologia, podendo servir de motivação para a
à memorização de conceitos e à repetição, e
descoberta do DNA como material genético,
incorporar uma práxis sócio crítica. As ba-
sobre como ele pode ser analisado/sequen-
ses para esse processo são o aprender a ser,
ciado, e como pode ser usado para resolução
aprender a conviver, aprender a conhecer e
de problemas práticos.
aprender a fazer.
A seguir oferecemos um pouco do back-
O ensino de ciências se apresenta como uma
ground sobre o bacalhau, que pode ser usa-
oportunidade de relacionar teoria e prática,
do em um projeto transversal articulando o
e se torna ainda mais significativo quando os
aprendizado de história, sociologia e de cul-
estudantes são expostos a problemas desafia-
tura. Na nossa experiência, essa introdução
dores que estimulem a pesquisa e descoberta
ajuda a estimular a curiosidade de estudan-
de soluções aplicáveis à realidade. Entretan-
tes, e possibilita a inserção do assunto da ati-
to, apesar de ser potencialmente integrador,
vidade da aula no mundo real.
ele é frequentemente realizado a partir de
abordagens que o desvinculam da realidade
e do cotidiano dos alunos, sem que haja uma O bacalhau e suas
conexão entre as vivências e os conhecimen-
tos estruturados em sala de aula. A experi- nuances histórica,
mentação em sala de aula contribui para o
aprendizado do paradigma científico, desde a cultural e científica
formulação e o teste de hipóteses e a solução O bacalhau (Gadus morhua), abundante no
de problemas até o exercício da curiosidade e oceano Atlântico Norte, foi usado na sua
do prazer da descoberta. Ela amplia os hori- forma salgada como principal mantimen-
zontes educacionais e favorece a aprendiza- to durante a época das grandes navegações
gem significativa e ativa. porque permitia sua conservação pelo tempo
Dentro desse arcabouço teórico, desen- das viagens e fornecia uma fonte de proteínas
volvemos uma atividade prática que busca confiável. Podemos dizer que o bacalhau foi
apresentar uma abordagem transdisciplinar, um dos responsáveis pela expansão marítima
para os mares do sul.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 169


NA SALA DE AULA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

A facilidade de conservação do bacalhau con-


tribuiu para sua incorporação à dieta em vá- O problema como
rios países da Europa e Américas e instigou
a expansão da indústria pesqueira. Trazido desencadeador
para o Brasil pela família Real portuguesa no
início do século XIX, tornou-se rapidamen-
do processo de
te o peixe favorito para a comemoração de
datas tradicionalmente religiosas.
aprendizagem
Contextualizar a Genética a partir do apro-
O bacalhau popularizou-se no Brasil na for- veitamento dos recursos existentes dentro
ma de bolinho, tornando-se um acompanha- e fora do ambiente escolar pode facilitar a
mento para refeições e lanches, podendo ser construção do conhecimento de forma dina-
facilmente encontrado em restaurantes, bo- mizada, contribuindo assim para o melhor
tecos populares, barraquinhas de rua e feiras. aprendizado dos estudantes. Aplicar concei-
A facilidade no preparo e a incorporação de tos científicos vinculando-os com o dia a dia
batata à receita contribuíram para a dissemi- e, dinamicamente, através de atividades prá-
nação do bolinho de bacalhau como alimen- ticas, pode proporcionar maior envolvimen-
to exequível nas várias classes sociais. to dos alunos, e concomitantemente, auxiliar
No Brasil, o bacalhau é comercializado sal- a reestruturação da prática tradicionalista de
gado e desidratado sob várias formas: inteiro, ensino.
desfiado ou em lascas. Sua identificação na Nesse aspecto, o bolinho de bacalhau ga-
forma de peixe inteiro é relativamente fácil, nha papel de mediador entre as relações de
mas, quando há algum tipo de processamen- dentro e de fora da escola, já que possui uma
to durante a comercialização, sua substitui- representatividade histórico-social como um
ção por outros peixes secos e salgados de alimento de tradição em várias regiões do
menor valor comercial pode ocorrer. Para Brasil.
evitar essas fraudes, foram criadas normas
pelo governo em 2015, que definiram que A problematização do “que bacalhau é esse?”
apenas duas espécies poderiam ser comer- para indagar e atiçar a curiosidade de estu-
cializadas com o nome de Bacalhau: Gadus dantes sobre qual peixe foi usado em seu pre-
morhua (Bacalhau do Atlântico ou do Porto) paro permite que exercitem o pensamento
e Gadus macrocephalus (Bacalhau do Pacífi- crítico e investigativo.
co). Outras espécies, como Polaca-do-Alasca
(Gadus chalcogrammus), Ling (Molva molva),
Saithe (Pollachius virens) e Zarbo (Brosme
A atividade
brosme) devem receber a denominação ge- A atividade “Que Bacalhau é esse?” foi inicial-
nérica de “peixe seco salgado semelhante ao mente elaborada como parte do projeto “A
bacalhau”. UFRJ Doa uma Aula”, que tem como objeti-
vo levar às escolas públicas de Ensino Funda-
Entretanto, apesar dessas espécies serem fa- mental e Médio conteúdos como aulas teóri-
cilmente identificadas quando estão inteiras, cas e práticas, palestras e debates que possam
sua identificação morfológica é muito difícil interessar e enriquecer a comunidade escolar,
quando estão processadas, como por exem- promovendo o diálogo entre a universidade
plo na forma de bolinhos. Análises molecu- e as escolas (https://ufrjdoaumaaula.com.
lares, especialmente o sequenciamento de br/). Este artigo é baseado na experiência
DNA, têm sido uma alternativa para a iden- acumulada ao longo de atividades apresen-
tificação de produtos pesqueiros processa- tadas em cinco escolas públicas em bairros
dos. Em sala de aula, essa questão oportuni- de níveis socioeconômicos variados no Rio
za a introdução de conceitos que vão desde a de Janeiro. A teatralização associada à pro-
importância do bacalhau para as grandes na- blematização estimula os estudantes a enga-
vegações como a introdução do DNA como jar-se na busca de uma solução ao longo da
fator hereditário e seu uso para identificação atividade, que tem duração de 100 minutos,
de espécies.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 170


NA SALA DE AULA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

sendo 50 minutos voltados para exposição dora deve ser, nesta parte da atividade, orien-
teórica, e 50 minutos para atividade prática tar a discussão para chegar no DNA como
investigativa, e se organiza em 3 momentos. possível ferramenta para resolver o mistério.
A turma deve ser estimulada a debater e bus-
I. Apresentação do tema car respostas para o problema. É possível que
(diferenças entre bolinhos de bacalhau a turma convirja para alguma solução expe-
feitos por irmãs) rimental para comparar os bolinhos de ba-
O primeiro momento contextualiza a pesca calhau. A facilitadora deve auxiliar, fazendo
do bacalhau a partir de uma perspectiva his- perguntas que orientem, sutilmente, a dis-
tórica e social, apresentando-a como objeto cussão da turma. Esse direcionamento para
investigativo. Resgatamos brevemente a his- a aula poderá ser feito a partir do questiona-
tória da pesca do bacalhau e sua importância mento direto aos estudantes sobre “quais as
histórica. O conhecimento que se considera semelhanças e diferenças entre você e um ba-
nas aulas de ciências passa a ser também o calhau?”. Em nossa experiência, essa pergun-
conhecimento social, que perpassa os muros ta, encarada inicialmente como uma piada
da escola e se conectam para construir um pelos estudantes, provoca algumas reflexões
discurso científico próprio da sala de aula. interessantes sobre o que é ser semelhante e
Isso torna possível ao estudante definir, a o que é ser diferente, que podem ser explo-
partir deste contexto, o problema a ser inves- radas. Caso não haja uma convergência para
tigado. as células e o DNA como resposta, pode ser
feita uma outra pergunta, acompanhada da
Após essa apresentação inicial sobre o baca- exibição de imagens (em powerpoint ou im-
lhau e de sua importância história e cultural, pressas; Fig. 2) de embriões de bacalhau e
apresentamos à turma a história do mistério humanos, mostrando como são parecidos, e
da ceia de Natal. Como material de apoio seguidos da pergunta: “por que este embrião
para esta parte da aula, empregamos uma vai originar um bacalhau, enquanto este ou-
história em quadrinhos, em que o primeiro tro vai originar um ser humano?”.
ato (Fig. 1) introduz, no arco dramático, um
problema: será que a diferença nos bolinhos Nesse momento da aula, o ponto-chave es-
de bacalhau feitos por duas irmãs, a partir tará nos conceitos de genética já abordados
da mesma receita de família, são resultado com a turma em aulas anteriores. A trajetória
de diferenças na qualidade no preparo ou no passa pela ideia de que, macroscopicamente,
tipo de peixe usado? existe pouca semelhança entre ambas as es-
pécies, mas a semelhança nas etapas iniciais
Recomenda-se a realização de uma leitura de seu desenvolvimento embrionário provo-
coletiva da HQ em sala de aula, permitin- ca o pensamento para além do macroscópico,
do que a turma interaja entre si e com a(o) sendo a existência do DNA trazida à tona
facilitadora(or). A leitura pode ser realizada pelos próprios estudantes. Nesse momento,
por voluntários ou a(o) facilitadora(or) pode passamos para a relativização do que é seme-
escolher estudantes para fazerem uma leitu- lhante e o que é diferente, explicando que os
ra dramatizada, em que cada um dos parti- humanos e o bacalhau têm 70% dos genes
cipantes engajados na leitura representa um em comum, mas que esses genes são dife-
dos personagens presentes na história. rentes (mas também semelhantes) em suas
sequências de DNA. Esse é um ponto im-
II. Levantamento investigativo portante na aula porque permite a discussão
(qual a diferença entre você e o bacalhau?) sobre a diferença nos conceitos de gene e de
A partir do problema apresentado, a(o) fa- DNA. Em termos de DNA, a diferença, por
cilitadora(or) estimula os estudantes a pro- exemplo, no gene mitocondrial citocromo b
curar uma solução para o problema. Como entre humanos e bacalhau é de cerca de 60%.
saber se a diferença no gosto dos bolinhos A próxima pergunta, então, pode ser: “se en-
de bacalhau se devia ao uso de espécies di- tre você e o bacalhau têm uma diferença de
ferentes? Até este ponto da atividade, a sigla 60% no DNA do citocromo b, será que entre
“DNA” não foi usada. O objetivo da facilita- você e o colega do lado essa diferença é maior

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 171


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Figura 1.
Quadrinhos 1 a 6 da história
“Que bacalhau é esse?”.
Nessa parte da história, os
estudantes são introduzidos ao
problema: será que a diferença
na qualidade dos bolinhos de
“dona” Jane e de sua irmã, são
devidos a diferenças em suas
habilidades culinárias ou ao
peixe usado?

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 172


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ou menor?”. Mais uma vez, pode haver uma De fato, a diferença entre o DNA do cito-
discussão, e espera-se que convirja, natural- cromo b de um humano e outro humano é
mente, para “menor’ (surpreendentemente, de menos de 1%. E entre dois bacalhaus da
essa convergência não é rápida, e precisa ser mesma espécie?”. Mais uma vez, alguma dis-
trabalhada com cuidado). Nesse ponto, a fa- cussão na turma e a resposta “mesma coisa,
cilitadora pode dizer algo como “muito bem! 1% mais ou menos”.

Figura 2.
Embriões no estágio de
duas células de bacalhau (à
esquerda) e de humano (à
direita). Apesar de diferentes, os
dois são bastante semelhantes.

A próxima pergunta é “E entre um bacalhau plificado que, entre o bacalhau verdadeiro


e uma sardinha, a diferença deve ser maior e a sardinha a diferença na sequência de
ou menor do que entre um bacalhau e um citocromo b é de 20%, e entre o bacalhau
humano?”. Nesse ponto, espera-se que já verdadeiro e o falso do tipo Ling, ela é de
tenha se estabelecido na turma, ainda que 15%, ou seja, menor do que entre bacalhau
não nomeado, o conceito de semelhança fi- e gente, mas maior do que entre bacalhau e
logenética. Após discussão, pode ser exem- bacalhau (Fig. 3).

Figura 3.
Diferenças entre sardinhas,
bacalhau verdadeiro, ling
(que é um bacalhau falso) e
humanos, nas sequências do
gene citocromo b. Notem que
os peixes são menos diferentes
entre si do que em relação a
humanos, mas que, entre eles,
também existem diferenças.

Ou seja, a facilitadora tem o papel condutor momento da aula atua como construção do
nessa etapa, sendo o estudante o responsável diálogo do pensamento científico, em que se
por inferir ativamente no objeto de investiga- estimula a ação ativa dos estudantes nas ela-
ção através da pergunta proposta pela histó- borações de visões do mundo de forma críti-
ria em quadrinho (“o que pode estar diferen- ca, na qual o sujeito se torna a voz principal
te nos bolinhos de bacalhau servidos?”). Este do processo de aprendizagem.

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Após chegar nesse ponto, os estudantes bolinhos de bacalhau. Então, podem ser
estão prontos para reconhecer que dife- mostrados e teatralizados os próximos 8
renças nas sequências de DNA podem quadrinhos, correspondentes ao segundo
ser a solução para saber a espécie dos ato (Fig. 4).

Figura 4.
Quadrinhos 7 a 14 da história
“Que bacalhau é esse?”.
Nessa parte da história, os
estudantes acompanham
como a bióloga Vanessa usa
o estudo das sequências de
DNA dos bolinhos para resolver
o mistério. Note que não
mostramos ainda a solução
do mistério, pois serão os
estudantes que irão descobrir
qual bolinho era feito com
bacalhau falso. É importante
criar um clima de suspense
nessa etapa, enfatizando que
está em jogo a capacidade
culinária da irmã de dona Jane
ou a honestidade de quem
vendeu o tal bacalhau para ela.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 174


NA SALA DE AULA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 4.
Cont.

III. Aplicação do método investigativo seja na solução de crimes ou em testes de


(“como eu uso o DNA para descobrir a paternidade. Como eles já haviam concluído
espécie do bolinho?”) que espécies diferentes têm DNAs diferen-
tes, é natural que a discussão convirja para
Na terceira e última etapa da aula, os estu- a solução de comparar os DNAs das amos-
dantes já alcançaram a ideia do DNA como tras. Nesse momento, a pergunta passa a ser
conexão e diferença entre ser humano e baca- “comparar com o quê?”, que deve evoluir para
lhau, e então passamos a estimulá-los a refle- a importância de se ter uma biblioteca de
tir sobre as maneiras como o DNA pode ser referência, com as sequências das espécies
utilizado para responder à pergunta princi- que podem ser vendidas como bacalhau, com
pal. Partindo do pressuposto de que a turma a qual os DNAs das amostras poderão ser
já teve contato com os conceitos de DNA, comparadas.
estudantes são orientados à reflexão, ao fazer
uma revisão breve sobre a estrutura do DNA Nesse ponto, a facilitadora deve apresentar
e suas funções nos organismos. muito brevemente a rotina de um laboratório
para o sequenciamento de DNA, explicando
Novamente, a facilitadora pergunta à tur- que, como as espécies têm sequências muito
ma se, com os conhecimentos previamente grandes de DNA, distribuídas em dezenas
adquiridos, sejam eles frutos das aulas de de milhares de genes, escolhem-se apenas
genética ou de seu cotidiano, podem pen- um ou dois genes para este tipo de estudo.
sar em um método em que o DNA possa Esses genes são, então, sequenciados, ou seja,
ser utilizado para identificação de espécies. se aplicam metodologias para saber a ordem
Assume-se que, nesse momento, uma nova dos nucleotídeos (representados pelas letras
série de respostas surgirão vinculadas ao A, T, C e G embaixo de um diagrama em
conceito de DNA e sua aplicação forênsica, que cada pico colorido corresponde a uma

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 175


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letra). O objetivo da atividade não é ensinar cinco tipos diferentes para depois descobri-
sequenciamento ou biologia molecular, mas rem a espécie que comeram é maravilhoso,
apenas mostrar como sequências de DNA mas a logística necessária é muito complexa,
podem ser usadas para identificar espécies. o custo é alto e provavelmente não aplicável
Se a turma estiver devidamente motivada e na maioria das escolas.
curiosa sobre o assunto, ele pode ser apresen-
tado e discutido em outras aulas. Uma coisa O material padrão para essa parte da aula é
que deve ser esclarecida para a turma é que, uma figura com a biblioteca de referência,
em geral, trabalha-se com sequências muito constituída de sequências de DNA de cito-
maiores, mas que, como a diferença entre as cromo b dos bacalhaus verdadeiros e falsos
espécies é bastante grande, podemos esco- (Fig. 5), bem como uma chave dicotômica
lher uma parte da molécula que sirva para para a identificação de cada espécie a partir
diferenciá-las. da sequência (Fig. 6). Após a apresentação
dessas sequências, cada grupo recebe uma
A turma, então, está pronta para a atividade sequência impressa que corresponde ao seu
prática, na qual irá investigar, como “detetives bolinho. As sequências (Fig. 5) podem ser
do DNA”, o mistério dos bolinhos. A prática impressas (3 por página, recortadas) em
consiste na divisão da turma em cinco gru- impressora colorida e entregues para cada
pos de investigadores, cujo objetivo é desco- grupo. As sequências devem ser identifica-
brir a espécie usada em bolinhos de bacalhau das por letras de A-E ou numeração de 1-5.
imaginários. Essa aula também pode ser feita Pode ser dito para os grupos que duas das
com bolinhos de bacalhau verdadeiros! Já o sequências entregues são as dos bolinhos da
fizemos em três ocasiões, em escolas em lo- dona Jane e de sua irmã na HQ (marcar a
calidades de vários níveis socioeconômicos, sequência de Gadus macrocephalus como a do
e sempre funcionou muito bem. O aspecto bolinho da dona Jane e a sequência de Pola-
lúdico dos estudantes comerem bolinhos de chius virens como a da irmã da dona Jane).

Figura 5.
Sequências de um fragmento do
gene citocromo b diagnóstico
para espécies de peixes
salgados secos. As espécies das
sequências são: 1 - saithe;
2 - bacalhau porto imperial;
3 - zarbo; 4 - bacalhau “cod”;
5 - ling. Essas sequências
podem ser impressas em um
papel de gramatura maior
(120 g/cm) e plastificadas para
reuso, ou podem ser impressas
em papel normal e entregues
para os estudantes.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 176


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O caminho para a identificação das espécies parar com as sequências em mãos. Assim, os
correspondentes às sequências é uma chave estudantes colocarão em prática o que foi dis-
dicotômica (Fig. 6) junto com a imagem das cutido na aula até então, identificando a espé-
sequências (Fig. 5). A chave e a biblioteca de cie correspondente por comparação visual da
sequências podem ser projetadas, coladas ou sequência de DNA, e apontar se a espécie en-
desenhadas, para que a turma possa ver e com- contrada é de um bacalhau falso ou verdadeiro.

Figura 6.
Alinhamento de um fragmento
As sequências identificadas serão conferidas escolar, através das discussões levantadas do gene citocromo b de
conjuntamente com a(o) facilitadora(or) e durante os momentos da aula. Assim, os co- espécies vendidas como “peixe
os grupos podem falar para a turma qual o nhecimentos dos estudantes sobre o mundo salgado seco”. Os nucleotídeos
resultado que obtiveram. Nesse ponto, pode foram o ponto de partida para a construção diferentes entre as sequências
estão coloridos. Para facilitar
ser passada para a turma a parte final da HQ do questionamento e da experimentação
a identificação, é apresentada
(Fig. 7). que caracterizam o método científico. A di- uma chave dicotômica que pode
nâmica discursiva proporcionou a constru- ser usada pelos estudantes para
Na finalização da aula, será então levanta- ção de um diálogo entre saberes adquiridos identificar a amostra.
da uma última discussão na qual se propõe no ensino de biologia e no cotidiano fora
pensar o índice de substituição e fraudes na da escola o qual tornou fácil a assimilação
cadeia comercial de pescado no Brasil, assim dos conceitos de fraude e substituição, as-
como a motivação para tal, direcionando os sim como suas consequências ao comércio
estudantes a questionarem como isso pode pesqueiro. A base filogenética apresentada
afetar principalmente as espécies em risco e sutilmente sobre a semelhança e a diferença
os estoques pesqueiros utilizados como fonte entre bacalhau e humano e entre bacalhau
de consumo. e sardinha funciona muito bem e serve de
base bastante rápida para que os estudantes
Experenciando encontrem a maneira de resolver o mistério
dos bolinhos. Nesse sentido, os estudantes
a atividade participaram ativamente na construção do
conhecimento sobre o que é uma análise
A implementação da atividade prática du-
de forênsica pesqueira, e ficaram, de uma
rante a aula permitiu que houvesse um diá-
maneira geral, muito contentes com suas
logo entre os saberes cotidiano, científico e

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 177


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descobertas, particularmente ao chegarem à bolinhos (ou dos das personagens da histó-


resposta sobre qual seria a espécie de seus ria em quadrinho).

Figura 7.
Quadrinhos 15 a 18 da história
“Que bacalhau é esse?”. Nessa
parte da história, Vanessa
desvenda, da mesma forma
que os estudantes fizeram,
o mistério. O bacalhau
da irmã de dona Jane era
falso! Esse fechamento da
história é importante por
permitir o compartilhamento
da experiência vivida pelos
estudantes com o desenlace da
história em quadrinhos.

Ao aplicar um questionário avaliativo para bacalhau é verdadeiro ou falso como a parte


a turma sobre a atividade, constatou-se que favorita da aula (Fig. 8). Ressalta-se também
os estudantes em geral gostam das dinâmicas a utilização do HQ dramatizada como um
no decorrer da mesma, sendo apontado pela complemento positivo à aula sendo este alvo
maioria da turma a parte investigativa com de interesse dos estudantes para interação e
as sequências de DNA para descobrir se o reflexão no processo de aprendizado.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 178


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Figura 8.
Wordcloud formada a partir
das respostas dos estudantes
na folha de avaliação aplicada
ao fim da aula à pergunta “O
que você achou da aula?”.
Foram excluídos pronomes
e preposições. Note que as
palavras “incrível”, “divertida”,
“gostei”, “quadrinhos” e
“descoberta” figuram entre as
10 mais citadas.

Contudo, vale ressaltar que a prática do- não sejam lesadas na compra de pescado. A
cente está sujeita a diferentes dificuldades, partir desse ponto, e dependendo do tempo
sendo fluida para se reinventar constante- e do interesse da turma, evoluímos a discus-
mente, e através de tal perspectiva precave- são para mostrar a importância de se garantir
mos que essa aula pode não ser apropriada, que espécies ameaçadas não sejam vendidas
diretamente, para qualquer perfil de turma. como se fossem outras, não ameaçadas, o que
Faz-se necessário analisar a identidade cul- também despertou muito interesse.
tural dos membros da turma. Para que esta
prática possa ter reconhecimento identitá- Acreditamos que esta atividade seja relativa-
rio, é necessário que as facilitadoras investi- mente simples de aplicar em sala de aula, logo
guem e compreendam quais conhecimentos no início do tema da genética, servindo como
sobre o mundo os estudantes já dispõem, motivadora do tema “DNA” para o resto do
uma vez que suas principais reflexões par- curso. Nossa experiência foi muito positiva,
tem das concepções discentes sobre o tema. e continuamos a oferecer esta atividade em
Por exemplo, quando a aula foi apresentada outras escolas e como atividade de extensão.
a uma turma em localidade muito precária
(uma comunidade na Pavuna, bairro pobre
do Rio de Janeiro onde, um mês antes, uma
Para saber mais
CARRAHER, T.N. Ensino de ciências e desenvolvimen-
estudante havia morrido por bala “perdida”), to cognitivo. Coletânea do II Encontro “Perspec-
um dos estudantes questionou sobre para tivas do Ensino de Biologia”. São Paulo, FEUSP,
quê iriamos descobrir qual era a espécie de 1986.
um bolinho de bacalhau, se “aqui ninguém
GEMIGNANI, E. Y. M. Y. Formação de Professores e
come essas coisas não, professor”. Essa inter- Metodologias Ativas de Ensino Aprendizagem: En-
venção permitiu evoluir a aula, com sucesso, sinar Para a Compreensão. Fronteiras da Educa-
para fora do bacalhau, passando por testes ção, v. 1, n. 2, p.1-27, 2012.
de paternidade e de forênsica jurídica, áreas KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. 4ª
muito mais familiares a muitos ali presentes. São Paulo: Universidade de São Paulo, p. 85-87,
Em outros lugares, por outro lado, houve 2004.
identificação imediata da turma com o di-
TEMP, D. S.; BARTHOLOMEI-SANTOS, M.
lema das personagens da HQ, e a discussão L. Genética e suas Aplicações: Identifican-
inicial ficou limitada à questão dos direitos do o Conhecimento Presente entre Con-
do consumidor, mostrando o poder das aná- cluintes do Ensino Médio. Ciência E Natu-
lises de DNA para assegurar que as pessoas ra, v. 36, n. 3, p. 358–372, 2014. https://doi.
org/10.5902/2179460X13619

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 179


MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Identificando variantes
de DNA utilizando
conceitos do
pensamento
computacional
no ensino médio

Renato Augusto Corrêa dos Santos1, Thayana Vieira Tavares2, Matheus Scaketti1,
Jayme Sakae dos Reis Furuyama3, Guilherme Henrique Gomes4, Alexandre Colato5,
Carlos Norberto Fischer6
Programa de pós-graduação em Genética e Biologia Molecular, Instituto de Biologia, UNICAMP, Campinas, SP
1

Departamento de Genética e Evolução (DGE), UFSCar, São Carlos, SP


2

Departamento de Computação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP


3

Programa de pós-graduação em Ciências da Nutrição e do Esporte e Metabolismo, Faculdade de Ciências Aplicadas,


4

Universidade Estadual de Campinas, Limeira, SP


Departamento de Ciências da Natureza, Matemática e Educação, Universidade Federal de São Carlos, Araras, SP
5

Departamento de Estatística, Matemática Aplicada e Computação, Instituto de Geociências e Ciências Exatas,


6

Universidade Estadual Paulista - UNESP, Rio Claro, SP


Autor para correspondência - [email protected]
Palavras-chave: mutação, albinismo, algoritmo, raciocínio lógico, tradução, pensamento computacional

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 180


MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

O chamado pensamento computacional pode ser entendido como um conjunto de ações lógi-
cas que visam solucionar um problema ou realizar uma ação. Para que o estudante de Biologia
possa se familiarizar com conceitos do pensamento computacional, foi desenvolvido um ma-
terial didático cuja finalidade é apresentar uma atividade de Genética que pode ser realizada
em sala de aula, na qual os alunos têm a oportunidade de aplicar o pensamento computacional
de forma desplugada, o que permite seu desenvolvimento também em escolas sem recursos
tecnológicos. O material didático envolve a aplicação do conhecimento em dois contextos
diferentes: em atividades do cotidiano e em uma atividade voltada para a identificação de va-
riantes em sequências de DNA codificantes homólogas, correspondentes à enzima tirosinase,
em macacos-pregos brasileiros com fenótipos saudável e albino. A apresentação dos conceitos
em diferentes contextos favorece a aquisição gradual de competências e facilita a aplicação dos
conhecimentos na análise de sequências biológicas. A atividade apresentada é indicada para
aplicação em turmas do ensino médio e sugere-se a utilização de recursos didáticos de ensino
investigativo.

A Genética cânica, pois o aluno simplesmente executa


a tarefa sem pensar no significado deste ali-
na prática e nhamento.

incorporando As sequências de DNA codificador (trans-


critas em RNA mensageiro (mRNA) e pos-
competências teriormente traduzidas em proteínas) apre-
sentam uma ordem de nucleotídeos que, por
do pensamento si só, possuem características associadas. En-
tre elas, podemos mencionar o comprimento
computacional e a composição de bases. De forma isolada,
uma sequência deste tipo pode ser analisada
Muitos alunos chegam ao ensino médio para verificar o impacto de uma variante na
com problemas relacionados à abstração de sequência da proteína correspondente.
alguns conceitos que fogem do concreto, ou
seja, entendem o que conseguem observar, O ensino de variantes (mutações) genéticas
tocar e escutar, mas não conseguem asso- é geralmente realizado como parte do curso
ciar tais características como sendo produto de Biologia ao longo dos três anos do ensino
do que é invisível aos sentidos. Isso aconte- médio. Há vários tipos de modificações em
ce com relação à Genética, que acaba sendo sequências de DNA codificantes que po-
diretamente afetada, pois muitos estudantes dem alterar a proteína resultante, incluindo
apresentam dificuldade para entender a cor- variantes associadas a distúrbios genéticos
respondência entre genótipos e fenótipos de relacionados a vias metabólicas. Entre estes,
um determinado organismo. o albinismo, o qual consiste em um conjunto
de distúrbios genéticos associados à ausência
O processo de análise do alinhamento de ou redução do pigmento melanina; o albinis-
bases de nucleotídeos permite a identificação mo é hereditário e atinge ambos os gêneros,
de genes, das proteínas que eles codificam e sendo consequência de erros relacionados a
de variantes com possível impacto no fenó- genes envolvidos na produção desse pigmen-
tipo, ou seja, na formação e funcionamento to. Os casos mais comuns envolvem muta-
do organismo em questão. Vale ressaltar que ções na enzima tirosinase, que prejudicam
este processo é entendido pelos estudantes, total ou parcialmente a produção de mela-
porém, na maioria das vezes, de forma me- nina, principalmente em suas etapas iniciais.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 181


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Além de seres humanos, o albinismo também mo, torna-se necessário o entendimento de


pode ocorrer em outros primatas, aves, pei- alguns conceitos, dentre eles, de particular
xes, camundongos e coelhos. Todavia, não é interesse neste trabalho, os referentes às cha-
comum encontrar animais selvagens com esse madas “estruturas de repetição” e “estruturas
distúrbio, principalmente porque a falta de de decisão”. No primeiro caso, as estruturas
pigmentação na pele pode ser crucial para a permitem que um conjunto finito de ações
sobrevivência dos mesmos, já que pode torná- seja executado de forma repetida, até que
-los alvos mais fáceis de serem identificados uma dada condição de parada do processo
por predadores. O macaco-prego (Sapajus seja encontrada. No caso das estruturas de
apella), um primata encontrado em todo o decisão, a ideia é representar uma situação na
território brasileiro (principalmente na região qual deve-se tomar um caminho ou outro, ou
amazônica), pode apresentar fenótipo albino seja, executar um certo conjunto de ações ou
que, nestes animais, é caracterizado pela pre- outro, dependendo da condição de momen-
sença de pelos muito claros e de olhos rosados. to que está sendo testada. Exemplos de uso
Um estudo brasileiro (DE VASCONCE- destes dois conceitos são apresentados neste
LOS, et al. 2017) identificou uma mutação na material didático.
posição 64 do gene que codifica a tirosinase
neste primata, no primeiro dos cinco éxons Vários destes princípios da área de Compu-
que compõem a região codificadora, mutação tação fazem parte do que tem sido tratado
(C → T) que acarreta a inserção de um códon como “pensamento computacional”. Não
de parada (mutação sem sentido), gerando há uma definição única e conclusiva para o
uma proteína com apenas 22 aminoácidos em termo pensamento computacional, dadas as
vez dos 530 normalmente codificados. diferentes demandas no aprendizado de cada
área, mas podemos caracterizá-lo como es-
A chamada mutação sem sentido, como no tratégias a serem usadas para tratar proble-
exemplo acima, faz parte do grupo de muta- mas, sejam eles simples ou complexos, uma
ções não sinônimas, caracterizadas pela alte- tentativa de organizar logicamente as ações
ração de aminoácido e que podem ocasionar que devem ser realizadas para solucioná-los.
um grande efeito para o indivíduo, podendo Deve-se observar, ainda, que não necessaria-
até ser letal. Além das sem sentido, mutações mente o pensamento computacional envolve
não sinônimas que acarretam a troca de ami- a consequente criação e execução de um pro-
noácido sem que ocorra o término da tra- grama de computador, podendo ser realiza-
dução são denominadas de sentido trocado. do pelo ser humano.
Diferentemente das anteriores, as mutações
sinônimas não resultam em alteração da se- Em um mundo cada vez mais digital, ha-
quência de proteínas e tendem a ocasionar bilidades e atividades envolvendo o pensa-
menos efeito direto no indivíduo. mento computacional são relevantes para a
resolução de problemas do dia a dia, como o
Pensando particularmente na detecção de simples ato de se dirigir a um caixa eletrôni-
mutações em uma sequência de DNA, o co e seguir os passos necessários para sacar
processo de comparação entre sequências dinheiro. Neste sentido, a forma de pensar-
homólogas (que compartilham um ancestral mos em resolução de problemas e execução
comum) pode ser realizado utilizando-se ou elaboração de processos não está restrita
princípios da área de Computação, o que ao cientista da computação, mas também
possibilita posterior avaliação se entre estas está presente no cotidiano dos cidadãos em
sequências há diferenças com relevância bio- geral. Também na Biologia, diferentes princí-
lógica. pios computacionais podem ser aplicados, o
que traz novas perspectivas para a resolução
Na Computação, um problema específico é de problemas em áreas como a Genética e a
tratado e resolvido a partir da proposição de Ecologia, além de também proporcionar um
um “algoritmo”, uma sequência de ações ló- ambiente para aquisição de competências
gicas que deve ser executada para a solução que podem ser utilizadas em outros aspectos
daquele problema. Para a criação do algorit- da vida das pessoas.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 182


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Neste contexto, e considerando o foco prin- • CONTEXTO 1:


cipal deste trabalho, apresentamos uma al- Situação do dia a dia
ternativa para auxiliar estudantes do ensino
médio para um melhor entendimento da 🌕 Limpeza de pratos
Genética, mais especificamente, consideran-
do a detecção de variantes em sequências de
🌕 Escolha de séries para assistir
DNA e a relação com o fenótipo do indiví- • CONTEXTO 2:
duo. Para isso, este material didático traz, Genética
inicialmente, dois exemplos de atividades
práticas que envolvem o pensamento compu-
🌕 Atividade de identificação de variante
em sequências de DNA
tacional, a fim de apresentar alguns de seus
conceitos, particularmente direcionados para Situação do dia a dia: limpando pratos
mostrar como usar as estruturas de repetição
e as estruturas de decisão, para, em seguida, Inicialmente, propomos que seja realizada
aplicá-los para tratar o problema específico uma atividade prática que visa entender uma
em Genética (detecção de variantes). Nele, situação do cotidiano para que, em seguida,
os alunos são envolvidos em um contexto possa ser criado o algoritmo correspondente.
que tem como mote a mutação em uma re- Para facilitar a conexão entre os conceitos do
gião específica do gene que codifica a tirosi- pensamento computacional e atividades do
nase em macacos-pregos. cotidiano, o professor pode discutir o tema
com os alunos em uma conversa colocando
Sugere-se que o professor em sala de aula questões a serem tratadas para impulsionar
utilize recursos didáticos alinhados com o o processo investigativo, o qual poderia en-
ensino investigativo, de forma a instigar, des- volver uma apresentação de atividades do
de o início, a aplicação de princípios compu- cotidiano, pelos próprios alunos, em discus-
tacionais pelos alunos, visto que facilitará o são e construção lógica em conjunto com o
processo de busca do nucleotídeo alterado e a professor.
investigação se esta mudança pode ser a cau-
sa da variação fenotípica no indivíduo. Esta Para ajudar e facilitar esta discussão, pro-
atividade foi proposta para ser desenvolvida pomos uma primeira atividade do cotidiano
tanto utilizando recursos tecnológicos como que consiste na tarefa de lavar pratos, com a
também no formato desplugado, ou seja, que finalidade de introduzir e aplicar os concei-
não envolve o uso de tais recursos, tendo tos de algoritmos, estruturas de decisão e
como premissa o uso de papel, atividades im- estruturas de repetição. Para tanto, serão uti-
pressas e recortes. lizados dois conjuntos de pratos: um inicial,
com todos os pratos (limpos e sujos), e outro
Como executar apenas contendo pratos limpos. Além disso,
entre estes conjuntos, supõe-se a existência
as atividades de uma área designada para o ato de lavar o
prato, em que deve ser colocado apenas um
envolvendo o prato por vez. Os alunos devem verificar se
cada prato do conjunto inicial está sujo ou
pensamento não e, em seguida, realizar o processo de “la-

computacional vagem” daquele que estiver sujo; os pratos


lavados ou identificados como limpos devem
ser colocados no conjunto de pratos limpos
São apresentados nesta seção os materiais
(Figura 1). O professor deve orientar os alu-
didáticos envolvendo o pensamento compu-
nos de que pratos sujos não contaminam
tacional nos dois contextos citados acima. As
pratos limpos, esclarecimento que dá maior
atividades são propostas para realização em
fluidez à atividade e permite o exercício da
sala de aula e de forma desplugada (sem o
abstração.
uso de recursos digitais).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 183


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Figura 1.
Representação da atividade de
lavagem de pratos. Na parte
superior, estão representados
os pratos sujos e limpos que
devem ser recortados pelos
alunos. Na parte inferior,
apresenta-se um exemplo de
organização da “bancada” de
atividade.

Para a execução da atividade, o professor Como cada aluno pode sugerir um passo a
deve colocar o conjunto inicial em uma mesa passo diferente e que não aborde necessaria-
(Figura 1) e conduzir os alunos na resposta, mente estes conceitos (algoritmos, estruturas
ou seja, ele pega um prato e mostra para a de decisão e estruturas de repetição), ao final
sala, deixando que os alunos apontem o pas- da atividade, deve ser explicado para os alu-
so a passo a ser realizado. Caso aconteça de nos quais conceitos foram utilizados e quais
algum aluno sugerir um passo a passo dife- poderiam ser utilizados, apresentando um
rente, é função do professor conduzi-lo para algoritmo, como exemplificado na Figura 2.
a resposta desejada. Alguns questionamen-
tos podem ser levantados pelo professor: O algoritmo da Figura 2 é apresentado na
forma de fluxograma, que utiliza formas
• Se o prato está sujo na sua casa, você o co- geométricas como o retângulo, o losango
loca junto com os limpos? e círculos. No caso do retângulo, ele serve
para mostrar a execução de uma ação direta
• Se o prato está limpo, por que lavá-lo no- (neste exemplo do cotidiano, “a seleção de um
vamente?

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 184


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prato”, “a lavagem de um prato” e “a colocação Além disso, as setas indicam a ordem em que
do prato limpo no conjunto de limpos”). Já as ações são executadas. Por fim, nota-se no
o losango é usado para indicar uma tomada algoritmo a indicação de uma “estrutura de
de decisão, a chamada “estrutura de decisão” repetição” (o tracejado vermelho mais amplo
(na Figura 2, para verificar “se o prato sele- na figura), que indica que todo o conjunto de
cionado está sujo” ou “se ainda há pratos a se- ações (as três ações diretas e as duas estrutu-
rem verificados”). Os círculos no fluxograma ras de decisão) deve ser executado repetida-
servem para especificar o “Início” e o “Fim” mente até que não haja mais pratos a serem
da sequência de passos a serem executados. verificados.

Figura 2.
Exemplo de sequência de
passos para realizar uma
atividade do cotidiano,
considerando a lavagem de
pratos.

Situação do dia a dia: Identificação de variantes


escolha de uma série de televisão de único nucleotídeo em
sequências de tirosinase
Para reforçar o aprendizado dos conceitos
apresentados na primeira atividade do coti- Para o ensino de Genética, propomos uma
diano, propomos uma segunda que envolve atividade envolvendo a identificação de mu-
a escolha de séries em uma plataforma strea- tações em uma sequência de DNA codifican-
ming. Sugerimos que o professor conduza a te, na qual os alunos devem colocar em práti-
atividade de forma semelhante ao exemplo ca os conceitos computacionais introduzidos
anterior, tendo em mente que a complexida- anteriormente. O objetivo é encontrar nesta
de da escolha de séries é maior (Figura 3). sequência a posição homóloga que tenha so-
frido mutação, ou seja, o nucleotídeo diferen-
Além disso, caso a escola tenha salas de aula
te da correspondente posição da sequência
com televisão ou laboratórios de informática
de referência.
ou vídeo com acesso à Internet, o professor
pode entrar em algum serviço de streaming Para facilitar a comparação de sequências em
desejado e realizar o processo de escolha de uma atividade desplugada, são considerados
um filme ou série. os trechos homólogos do primeiro éxon do

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gene que codifica a tirosinase (da posição ções”. Tal sequência deverá ser usada pelos
55 a 75) em indivíduos diferentes de maca- alunos para fazer as comparações de bases
cos-pregos, destacando os códons do código homólogas com o trecho de sequência de
genético, apresentadas na Figura 4. A pri- outros quatro indivíduos, a fim de responder
meira sequência de cada par a ser comparado se há alteração. Se houver, deve-se anotar o
representa a de um indivíduo saudável (“re- tipo de mutação e qual o possível impacto no
ferência”) e deve ser considerada “sem muta- fenótipo.

Figura 3.
Exemplo de algoritmo para
Para iniciar a atividade, o professor deve- régua. As linhas tracejadas na parte de cima realizar uma atividade do
rá imprimir e recortar o conjunto de ima- da Figura 4 deverão ser cortadas com estile- cotidiano de professores e
gens da Figura 4, que ajudará os alunos a te, para criar uma “janela” de visualização. As- alunos, considerando a escolha
consolidarem o aprendizado dos conceitos sim, os alunos poderão passar cada conjunto de uma série para assistir. Neste
caso, o algoritmo é apresentado
computacionais introduzidos anteriormen- de sequências através dela e comparar as ba- em dois formatos: à esquerda,
te. As imagens na figura correspondem a ses, uma a uma. O professor deverá instigar de forma descritiva e, à direita,
sequências de DNA de quatro indivíduos os alunos a desenvolverem uma estratégia (o como um fluxograma.
diferentes, mostrando posições numeradas algoritmo) para comparar sequências com
de acordo com a sequência de referência. este material de recorte em mãos. O objetivo
Esta numeração indica que as posições são é que os alunos analisem cada uma das po-
homólogas, ou seja, compartilham um an- sições utilizando o conceito de estrutura de
cestral comum e, portanto, podem ser com- repetição, de forma análoga ao exemplo do
paradas. conjunto de pratos, mas desta vez percor-
rendo cada nucleotídeo, em uma ordem de-
O professor deverá distribuir as sequências terminada pela posição, em uma sequência
(numeradas de 1 a 4) aos alunos, informan- de DNA. A fim de responder se há ou não
do o fenótipo do organismo portador, mas mutação, nesta parte da atividade, os alunos
sem dizer quais delas apresentam mutação. estarão colocando em prática o conceito de
Em seguida, ele deverá orientar os alunos a estrutura de decisão.
colocar cada uma destas sequências em uma

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Figura 4.
Material para ser utilizado em
sala de aula que representa
trechos de uma sequência de
bases para quatro indivíduos
diferentes. Para cada recorte, a
sequência superior (numerada)
corresponde à referência, ou
seja, do organismo tido como
saudável com a qual as demais
devem ser comparadas.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 187


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Relacionando o DNA com a proteína gura 4) com a sequência de aminoácidos cor-


respondente. Para isso, é fornecido na Figura
Após a detecção da sequência mutada, a 5 o código genético relacionando cada códon
atividade objetiva relacionar a sequência do de mRNA com o aminoácido resultante.
RNA mensageiro transcrito a partir da se- Observar que, para o uso da tabela citada, a
quência de DNA do primeiro material (Fi- base T tem que ser trocada por U.

2a
U C A G

UUU UAU UGU U


Fenilalanina UCU Tirosina Cisteína
UUC UCC UAC UGC C
U UUA UCA
Serina
UAA UGA PARADA A
Leucina UCG PARADA
UUG UAG UGG Triptofano G
CUU CCU CAU CGU U
Histidina
CUC CCC CAC CGC C
C CUA
Leucina
CCA
Prolina
CAA CGA
Arginina
A
CUG CCG Glutamina CGG
CAG G
1a AAU AGU
3a
AUU ACU Asparagina Serina U
AUC Isoleucina ACC AAC AGC C
A AUA ACA
Treonina
AAA AGA A
ACG Lisina Arginina
AUG Metionina AAG AGG G
GUU GCU GAU Ácido GGU U
GUC GCC GAC Aspártico GGC C
G GUA
Valina
GCA
Alanina
GAA Ácido GGA
Glicina
A
GUG GCG GAG Glutâmico GGG G
Quando encontrado um códon de parada, deve-se parar a tradução e colocar um *
Figura 5.
Tabela para ser utilizada em sala
de aula que representa o códon
do mRNA e o aminoácido
Os alunos precisarão identificar os códons analisando. É importante destacar que, a correspondente. Os códons
nas sequências da Figura 4 e relacionar cada códon de parada encontrado, a criação apresentam uma trinca de
cada um com as que estão na Figura 5; a da sequência proteica deve ser interrompi- nucleotídeos que determina o
cada relação feita, o aminoácido deverá da. Desta forma, os alunos podem relacio- aminoácido; para cada códon,
os números ordinais (1º, 2º e
ser anotado no espaço indicado na Figura nar a mutação na sequência de DNA com
3º) correspondem às posições
6 abaixo da imagem do macaco albino ou o fenótipo albino ou saudável do macaco- de seus nucleotídeos.
não, de acordo com a sequência que se está -prego.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 188


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Figura 6.
Na parte superior, são
O professor pode interagir com os alunos nes- • Há diferença no produto da tradução? apresentados os fenótipos
ta parte da atividade, para instigar a formação Qual a consequência? albino (esquerda) e saudável
do raciocínio lógico em relação à construção (direita). Na parte inferior, é
do algoritmo de comparação de sequências: • Como cada um fez a comparação? apresentado o material para
ser utilizado em sala de aula,
• É possível comparar todas as sequências, Como os alunos podem seguir um racio- que inclui os macacos-pregos
uma a uma, com a referência? cínio lógico diferente e que não aborda os e um retângulo abaixo de cada
conceitos tratados neste material didáti- imagem, no qual devem ser
colocadas as sequências de
• Há alguma semelhança entre elas? co, ao final da atividade deve ser explica-
aminoácidos de cada indivíduo.
do para os alunos quais conceitos foram e Ela foi intencionalmente
• Há alguma diferença? Qual? quais poderiam ser utilizados, apresentan- criada em preto e branco,
• Como as proteínas são sintetizadas e qual do um algoritmo, como exemplificado na pois possibilita a distinção
Figura 7. de fenótipos e permite que o
a importância delas para o organismo? professor a use em sala de aula
sem necessidade de impressão
colorida. Fonte da imagem
colorida: DE VASCONCELOS, et
al. (2017).

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MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 7.
Exemplo de algoritmo
para realizar a comparação

Propostas de Para saber mais entre nucleotídeos de duas


sequências.

questionários DE VASCONCELOS, et al. “A novel nonsense mu-


tation in the tyrosinase gene is related to the al-
pós-atividade binism in a capuchin monkey (Sapajus apella).”
BMC genetics 18.1 (2017): 1-6.

Aplicação dos conceitos


de pensamento computacional
no cotidiano, em Genética e
em Biologia geral
1) Em que situações o pensamento compu-
tacional pode ser útil? Como aplicá-lo na
solução de problemas do dia a dia? E de
problemas na escola?
2) Se quiséssemos comparar a sequência de
aminoácidos da tirosinase mutada com a
da tirosinase normal ao invés da sequência
de DNA, como esse exercício deveria ser
alterado?
3) Você consegue enxergar conceitos do pen-
samento computacional em outro assunto
da biologia? Qual?
Dica: as possibilidades são infinitas.
4) Descrever em etapas lógicas como uma
árvore surge: iniciando pela semente até a
frutificação.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 190


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AmEG –
Ambientes e
Expressão
Gênica

Shenia Pedro Bom da Silva1, Iris Hass1


1
Universidade Federal do Paraná, Departamento de Genética,
Laboratório de Educação Científica, Curitiba, PR
Autor para correspondência - [email protected]
Palavras-chave: regulação gênica procariotos,
Escherichia coli, material didático, ensino-aprendizagem

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 191


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Compreender a regulação gênica é indispensável para o estudo de como a informação genética


flui do DNA ao fenótipo através da síntese proteica. A fim de diminuir a abstração do tema,
o material didático AmEG é uma alternativa metodológica para o processo de ensino-apren-
dizagem, que pode ser usado por professores do ensino superior.

O material didático Ambientes e Expressão • Anexo 7: setas;


Gênica (AmEG) foi concebido para estu-
dantes de graduação de cursos das áreas de • Anexo 8: operon;
Biológicas e da Saúde e tem por objetivo • Anexo 9: legenda;
auxiliar na compreensão da regulação gênica
em procariotos. O desafio que os estudantes • Anexo 10.1: cartilha introdutória sobre a
enfrentarão ao manusear o material didáti- bactéria Escherichia coli (E. coli)
co é desvendar a regulação gênica de alguns
• Anexo 10.2: descrição de seis ambientes
operons da bactéria Escherichia coli, quando
que apresentam cenários com modifica-
submetida a diferentes situações ambientais.
ções ambientais, permitindo empregar a

Materiais efetividade de eventos de expressão gê-


nica.
Operon - Unidade
O material conta com: Para tornar o material visualmente atrati- transcricional de genomas
bacterianos, na qual genes com
vo é recomendado usar papel color plus A4 funções relacionadas estão
• Anexo 1 e 3: diversas peças coloridas que
em 10 cores diferentes, conforme escolha do agrupados sob o controle de um
representam proteínas reguladoras;
professor. Os números organizados na tabela único promotor.
• Anexo 2 e 4: substratos; abaixo permitem a montagem de oito kits,
onde os componentes de cada kit após recor-
• Anexo 5: enzima polimerase; tados e separados, podem ser armazenados
em envelopes de papel.
• Anexo 6: metabólitos específicos de regu-
lação dos operons; Enzima - Molécula proteica
que ativa e/ou regula uma
reação química no organismo -
catalisadores biológicos.

Papel Quantidade Número Quantidade


Componentes
color plus de folhas do Anexo por Kit
Cor 1 1 Proteína reguladora ativadora 1 1
Cor 2 1 Proteína reguladora repressora 1 1
Cor 3 1 Substrato ativador 2 4
Cor 4 1 Substrato correpressor 2 4
Cor 5 1 Proteína ativadora CAP 3 2
Cor 6 1 Substrato cAMP 4 4
Cor 7 1 RNA polimerase 5 1
Cor 8 3 Metabólitos 6 1
Cor 9 4 Setas 7 1
8 Estrutura do operons 8 1
Cor 10 4 Legenda 9 1
1 Cartilha e Ambientes 10 1

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 192


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Instruções A cartilha introdutória (Anexo 10.1) traz


informações sobre a bactéria Escherichia coli,
bem como sua simbiose com a espécie huma-
Para entender a tabela, ver, por exemplo, que
na. Na cartilha há também as orientações de
o anexo 1, será impresso duas vezes, porém
como os estudantes devem proceder a dinâ-
em dois papeis de cores diferentes, tornando
mica, que envolve o lançamento de um dado.
possível a presença dos dois tipos de proteí-
Cada aluno pode lançar o dado mais de uma
nas reguladoras: uma cor para proteína regu-
vez e deve participar ativamente da rodada
ladora ativadora e a outra cor para proteína
em que os outros membros da equipe esta-
reguladora repressora. Seguindo esta expli-
rão jogando.
cação, o mesmo deve ser feito para o anexo
2, pois há substratos indutores e correpres-
sores. Orientações para
É preciso imprimir todos os anexos neces-
sários, sendo 10 no total (coluna número do
os professores
anexo), com quantidade de cópias precisas O conteúdo sobre regulação da expressão gê-
(coluna quantidade de folhas), e reconhecen- nica em procariontes deve ser abordado pre-
do a identificação de cada peça (coluna com- viamente, conforme preferência do professor,
ponentes). por meio de aula expositiva ou aplicação de
alguma metodologia ativa, pois o contato
Após todo material ser impresso, o próximo prévio dos estudantes com conceitos, meca-
passo é fazer o recorte das peças para a mon- nismos e nomenclaturas específicas são fun-
tagem de oito kits (coluna quantidade por damentais para a dinâmica de trabalho com
kit). Um passo importante é identificar os o material.
componentes e as cores na legenda (Anexo
9), pois o professor deve usar as sobras dos É importante que tenha sido abordado: 1. A
recortes e colar, frente a cada linha, a cor es- estrutura dos genes estruturais; 2. a classifi-
colhida por componente, permitindo a iden- cação dos operons, se positivo ou negativo,
tificação correta das peças pelos estudantes. se indutível ou repressível; 3. os sítios regu-
ladores; 4. a localização e o produto dos ge-
O anexo 6 traz os metabólitos específicos nes reguladores; 5. as proteínas reguladoras
(lactose, glicose e triptofano) que são res- (ativadora e repressora); e 6. os substratos
ponsáveis pelo ligar e desligar dos genes (indutores e correpressores).
dos operons Lac e Trp. Eles servem para Lactose - Carboidrato
demonstrar a condição do ambiente (ver fi- Os estudantes devem ser divididos em oito composto presente no leite.
gura 5 e 6), porém a peça a ser manuseada equipes (ou menos) de 3 (no mínimo) a 5 Glicose - Carboidrato do grupo
na representação dos mesmos correspondem integrantes, podendo variar este número dos monossacarídeos, a glicose
conforme a quantidade de alunos matricula- é utilizada pelas células no
ao “substrato” (Anexo 2). Por exemplo, se há
processo de respiração celular;
triptofano no meio, o aluno coloca o metabó- dos na turma. Ao entregar um kit para cada
a principal função da glicose é
lito triptofano (composição química – Anexo equipe, o professor deve orientá-los sobre a fornecer energia aos organismos
6) sobre a mesa, e tem que utilizar, conforme importância da autonomia na familiarização vivos.
as cores da legenda, o substrato correpressor. das peças coloridas, da legenda, da estrutura Triptofano - Um tipo de
Essa dinâmica é uma maneira do aluno com- do operon, da cartilha introdutória e dos am- aminoácido essencial.
preender qual dos operons é induzível e qual bientes propostos.
é repressível.
Após o lançamento do dado, o aluno deve
O molde das setas (Anexo 7) tem a função reproduzir a situação do ambiente confor-
de representar a situação atual do operon, se me o número obtido (ex. número 5 obtido
os genes estiverem sendo transcritos é utili- no dado, ambiente 5 deve ser reproduzido)
zado a seta sem o “X” e se os genes estiverem e usar as peças coloridas para expor a si-
silenciados, a seta a ser usada é a que possui tuação para os colegas, testando seus co-
o “X” (Ver figuras 1 a 6). nhecimentos através da interpretação do

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 193


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cenário descrito e o correto funcionamento


do operon. Protocolo de ação
Em cada ambiente, duas condições ambien- 1. Dividir a turma em oito equipes.
tais são propostas para que seja possível a
2. Entregar um kit/envelope do material
movimentação das peças, demonstrando o
didático para cada equipe.
“ligar e/ou desligar” dos genes estruturais,
que devem se encontrar em situação diferen- 3. Recordar quais são os tipos possíveis de
tes no início e no fim, representando assim regulação dos operons da bactéria Esche-
as modificações do meio e a influência desse richia coli, analisando as figuras 1, 2, 3 e 4.
meio sobre a expressão dos genes (ver res-
postas). 4. Ler a cartilha introdutória sobre Escheri-
chia coli.
O professor pode sugerir aos estudantes
que façam uso do recurso de filmagem da 5. Abrir o envelope e se familiarizar com as
câmera do celular, permitindo o registro da peças representativas dos elementos que
condição ambiental, da movimentação das participam da regulação gênica (proteína
peças e da explicação do colega de equipe reguladora repressora, proteína regula-
que está sendo desafiado a testar seus co- dora ativadora, substrato ativador, subs-
nhecimentos. Os vídeos produzidos po- trato correpressor, polimerase, etc...)
dem ser compartilhados entre eles servindo 6. Lançar o dado para obtenção de um nú-
como material complementar no processo mero aleatório, que será utilizado para
de aprendizagem. selecionar a carta ambiente (1 a 6) que
Os estudantes devem ficar atentos: constará de informações sobre as condi-
ções ambientais que deverão ser repre-
1. aos metabólitos específicos (Anexo 6) sentadas.
que precisam ser inseridos ou removidos
da dinâmica, demonstrando as condições 7. Fazer a interpretação do cenário descrito
específicas do meio em diferentes momen- na carta ambiente.
tos; 8. Construir a correta representação do
2. as condições específicas do meio influen- operon na condição ambiental inicial.
ciam na correta ligação da proteína regu- 9. Movimentar, acrescentar e/ou remover
ladora aos sítios reguladores, bem como a peças do material didático AmEG, de-
correta associação e dissociação da enzima monstrando para os colegas os passos
RNA polimerase ao promotor; necessários para representar as novas
3. as setas com as representações corretas de condição do operon, conforme a mudança
genes ligados ou desligados; ambiental proposta na carta ambiente.
RNA Polimerase - Enzima
10. Usar o recurso de filmagem da câmera do responsável pela síntese de
4. o encaixe do substrato na proteína regu-
celular, para registrar a condição do ope- RNA a partir de sequências de
ladora, levando à mudança conformacio- DNA.
nal. ron conforme a mudança ambiental, atra-
vés da movimentação das peças e da expli-
Sugere-se que sejam utilizadas no mínimo cação do colega de equipe que está sendo
2h/aula para execução desta atividade práti- desafiado a testar seus conhecimentos.
ca que, apesar de envolver a participação ati-
va e estimular a autonomia dos estudantes, 11. Selecionar um novo participante e reto-
deve também ter a participação do professor mar ao passo 6 deste protocolo.
durante a dinâmica, caminhando entre os Repetir o passo 11, até que todos os estudan-
grupos, mediando a aprendizagem e confe- tes da equipe participem da dinâmica.
rindo a interpretação dos dados.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 194


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Respostas e auxílio A expressão dos genes não depende ape-


nas da capacidade de ligação da proteína
ao professor reguladora ao promotor, mas também de
substratos presentes no meio (Anexo 6). Os
O material didático explora, através de seis substratos que estimulam a expressão de ge-
descrições ambientais, os diferentes controles nes que estão habitualmente desligados são
de expressão gênica de um organismo proca- chamados de indutores (Anexo 2), e estão
rioto, a bactéria Escherichia coli. Em procario- envolvidos na indução da expressão gênica.
tos o nível mais importante da regulação gê- Por outro lado, os substratos que desligam a
nica é transcricional e pode ocorrer por dois expressão de genes que estão habitualmen-
tipos de controle: positivo e negativo. te ligados são chamados de correpresores
(Anexo 2), e estão envolvidos no silencia-
Na regulação de controle positivo a proteína mento gênico. Transcrição - É a primeira
reguladora (Anexo 1) atua como ativado- etapa da expressão do gene.
ra, pois quando ligada ao DNA ativa a ex- No organismo procarionte a regulação gê- Envolve a síntese de uma
pressão dos genes. Na regulação de controle nica pode ser classificada como: controle molécula de RNA a partir da
negativo induzível (Figura 1); controle nega- leitura de um gene presente no
negativo, a proteína reguladora (Anexo 1) DNA.
atua como repressora, pois quando ligada ao tivo repressível (Figura 2); controle positivo
DNA bloqueia o acesso da RNA polimerase induzível (Figura 3); e controle positivo re-
ao promotor e impede a transcrição dos ge- pressível (Figura 4).
nes em RNA mensageiro. RNA mensageiro -
Responsável pela transferência
de informações do DNA até
os ribossomos. Ele contêm a
mensagem escrita na sequência
de nucleotídeos para que
ocorra a montagem correta da
sequência de aminoácidos da
proteína.

Figura 1.
A transcrição está normalmente
desligada. A proteína
reguladora repressora livre
de seu substrato específico
liga-se ao operador (A) e
assim bloqueia a ligação da
RNA polimerase no promotor,
impedindo a transcrição.
Quando um substrato indutor
está presente (B), este se liga
à proteína reguladora (C), a
qual modifica sua estrutura
e perde a capacidade de se
ligar ao DNA. O operador
livre permite a ligação da
RNA polimerase ao promotor,
iniciando a transcrição dos
genes estruturais (D).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 195


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Figura 2.
A transcrição está normalmente
ligada. A proteína reguladora
repressora livre de seu substrato
não tem capacidade de se ligar
ao operador, o que permite
a ligação da RNA polimerase
no promotor e ativação da
transcrição (A). Quando o
substrato correpressor está
presente no meio (B), este
se liga à proteína repressora
e induz sua alteração
conformacional (C). Como
resultado, a proteína repressora
passa a ter afinidade pelo
operador, ao qual ela se liga
impossibilitando o acesso da
RNA polimerase no promotor,
desligando a transcrição (D).

Figura 3.
A transcrição está normalmente
desligada. A proteína reguladora
ativadora livre do seu substrato
não se liga ao sítio ativador
(A) e consequentemente inibe
a transcrição. Na presença
do substrato indutor (B), a
proteína reguladora ativadora
tem sua conformação alterada
e ganha a capacidade de
ligação ao sitio regulador (C). A
proteína auxilia no deslizamento
da RNA polimerase pelo
promotor, permitindo a
transcrição dos genes
estruturais (D).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 196


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Figura 4.
A transcrição está normalmente
ligada. A proteína reguladora
ativadora livre se liga ao
sitio ativador (A) e auxilia
no deslizamento da RNA
polimerase e sua saída do
promotor, promovendo a
transcrição. Na presença do
substrato correpressor no meio
(B), este se liga à proteína
reguladora (C), que muda
sua conformação tornando-a
incapaz de se ligar ao sítio
ativador (D), de modo que
a transcrição não é mais
estimulada.

Representando o controle positivo induzível, tes. A movimentação das peças e a resposta


temos no material didático o ambiente 2, que para cada um destes cenários possuem expli-
apresenta no cenário duas condições diferen- cação na tabela abaixo.

AMBIENTE 2
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)
Um operon qualquer de E.coli que possui
controle de regulação do tipo positivo
induzível tem a presença do substrato 1 hora = Substrato induzível presente em
no meio representado no gráfico. Como 15 minutos = Substrato induzível abundância.
se encontra a expressão dos genes no ausente.
tempo de 15 min e de 1 h? Na presença do substrato indutor, este
Na ausência do substrato indutor, a se associa com a proteína reguladora
proteína reguladora repressora não repressora, muda sua conformação e
possui afinidade pelo sítio ativador e não então o complexo passa a ter afinidade
estimula a transcrição. pelo sítio ativador, auxiliando no
deslizamento da RNA polimerase pelo
Genes do operon encontram-se
operon e estimula a transcrição.
desligados.
Genes do operon encontram-se ligados.

Movimentação das peças: - Controle Positivo induzível (Ver Figura 3).

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Representando o controle positivo e negati- condições diferentes. A movimentação das


vo repressível, temos no material didático o peças e a resposta para cada um destes ce-
ambiente 3, que apresenta no cenário duas nários possuem explicação na tabela abaixo.

AMBIENTE 3
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)
Pesquisadores buscando compreender Operon I Operon II
melhor o funcionamento das vias A transcrição está normalmente ligada. A Semelhança com o operon I: a transcrição
metabólicas que influenciam na proteína reguladora atua como repressora está normalmente ligada.
respiração da bactéria E.coli em condição e, na ausência do substrato repressor, Diferença com o operon I: a proteína
anaeróbica, descobriram a atuação de não possui afinidade com o DNA (sítio reguladora atua como ativadora e precisa
enzimas de dois operons, ambos de operador), possibilitando a ligação da estar ligada ao DNA (sítio ativador) para
regulação repressível, porém o operon I RNA polimerase ao promotor. que os genes sejam expressos.
possui controle negativo e, o operon II,
O substrato repressor presente no meio Semelhança com o operon I: o substrato
controle positivo.
auxilia na ligação da proteína ao DNA, presente no meio silencia a expressão
Represente o controle genético dos impedindo a ligação da RNA polimerase dos genes.
operons I e II em condições normais ao promotor, desligando a expressão dos
e com a presença do substrato Diferença com o operon I: o substrato
genes.
evidenciando as diferenças e repressor auxilia na separação da
semelhanças entre eles. proteína reguladora do DNA e não
estimula o deslizamento da RNA
polimerase pelo operon, silenciando a
expressão dos genes.
Movimentação das peças: - Controle negativo repressível (Ver Figura 2).
- Controle positivo repressível (Ver Figura 4).

Entre os principais sistemas de operon bac- positivo, sendo obtido por meio da ligação
teriano, o Operon Lac refere-se ao controle de uma proteína reguladora chamada pro-
genético do metabolismo da lactose em E. teína catabólica ativadora (CAP) (Anexo
Metabolismo - Conjunto
coli. Considerado um operon negativo indu- 3) ao sítio ativador do DNA, aumentando de transformações que as
zível, os genes estruturais estão geralmente a eficiência de ligação da RNA polimerase substâncias químicas sofrem no
desligados, devido à associação da proteína aos promotores. O regulador CAP só con- interior dos organismos vivos.
reguladora repressora ao operador. Quando segue se ligar ao sítio ativador ao formar um
no meio há presença de lactose e ausência de complexo com uma molécula sinalizadora -
glicose, a expressão dos genes aumenta cerca um nucleotídio modificado adenosina-3',5'-
de mil vezes. monofosfato cíclico (AMP cíclico ou cAMP)
(Anexo 4), que tem sua concentração regula-
A transcrição eficiente do Operon Lac ocor- da de maneira inversa proporcional ao nível
re apenas se houver lactose e se a glicose de glicose disponível no meio.
estiver ausente (Figura 5). Por ser um mo-
nossacarídeo e não precisar ser previamen- O operon Lac possui três genes estruturais:
te hidrolisada, a glicose é a fonte de energia lacZ, lacY, e lacA. Esses genes são transcri-
primária de muitas bactérias que, quando tos como um único RNAm, regulados sob o
está presente no meio, reprime a expressão controle de um único promotor e traduzidos
de genes que participam do metabolismo de para proteínas específicas que ajudam a cé-
outros açúcares. lula a utilizar a lactose. A enzima β-galac-
tosidase, codificada pelo gene lacZ, possui
A repressão catabólica é um segundo con- duas funções importantes: converte lactose
trole do operon Lac, que surge em resposta em alolactose e também quebra a lactose em
à presença de glicose através de um controle glicose e galactose. A enzima permease, pro-

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 198


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duto do gene LacY, é necessária para que seja galactosídio transacetilase, produto do gene
possível o transporte da lactose para dentro LacA, não possui uma função clara no meta-
da célula. E ainda, uma terceira enzima, tio- bolismo da lactose.

Figura 5.
Em (A) é possível visualizar
como o gene está inicialmente
organizado quanto à sua
expressão - desligado e a
representação dos substratos,
lactose, alolactose e glicose,
necessários para ativar o
operon. Em (B) temos a
representação da associação/
dissociação das proteínas
reguladoras e da ligação da
RNA polimerase ao DNA,
levando a nova organização do
gene quanto a sua expressão
– ligado. Fonte: As autoras
(2021).

No material didático, representando o con- estão representados pelos números 1 e 6. O


trole negativo/positivo induzível, temos que deve ser esperado do aluno em cada um
os ambientes que envolvem o operon Lac e dos cenários, encontra-se organizado abaixo.

AMBIENTE 1
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)
Na rotina nutricional de uma pessoa, às 7:00 h da manhã = Presença de glicose e 11:00 h da manhã = Ausência de glicose
6:00 h (a.m) a glicose está sendo usada ausência de lactose. e presença de lactose.
como principal fonte energética e não há
Sítio ativador sem ligação do complexo Sem glicose a quantidade de cAMP
no meio nenhum outro carboidrato. Após
CAP-cAMP, pois na presença de glicose aumenta e forma o complexo CAP-
uma série intensa de atividade física e
há baixo cAMP na célula e o complexo cAMP, capaz de se ligar ao sítio ativador,
alto gasto energético, a primeira refeição
com a proteína reguladora CAP não é auxiliará no deslizamento da RNA
do dia, feita as 9:30 h (a.m.), contou com
formando. polimerase pelo operon.
o consumo de produtos ricos em lactose.
Proteína reguladora repressora Lac I O substrato indutor presente no meio
Pensando na obtenção de energia das
ligada ao sítio operador, impedindo o se liga à proteína reguladora repressora,
bactérias E.coli presentes no intestino
acesso da RNA polimerase. Ausência de que perde a afinidade com o operador.
desta pessoa, demonstre a expressão dos
substrato indutor no meio (lactose). Operador livre permite a ligação da RNA
genes do operon Lac às 7 h da manhã e
polimerase ao promotor.
as 11 h da manhã. Genes do operon Lac desligados.
Genes do operon Lac ligados.
Movimentação das peças: - Controle da glicose (CAP-cAMP) = Positivo induzível (Ver Figura 3).
- Controle da lactose = Negativo induzível (Ver Figura 1).
- Funcionamento do operon Lac = Positivo/Negativo Induzível (Figura 5).

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AMBIENTE 6
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)
Ao ingerir glicose para um exame de Acréscimo 1 h após o exame. Acréscimo 6 h após o exame.
curva glicêmica, e se alimentar com
A presença do substrato indutor lactose A situação da proteína reguladora
produtos ricos em lactose 1 h e 6 h após
no meio se liga à proteína reguladora repressora Lac I em associação com a
a análise laboratorial, a atividade das
repressora Lac I e esta se desliga do lactose permanece a mesma.
enzimas que participam do metabolismo
operador permitindo a ligação da RNA
de lactose variaram e estão representadas O que muda é que na ausência de
polimerase ao promotor. Porém, na
nos gráficos. Demonstre a situação glicose há um aumento de cAMP na
presença de glicose há baixo cAMP na
da regulação do operon Lac nos dois célula e o complexo com a proteína
célula e o complexo com a proteína
momentos de acréscimo da lactose. reguladora CAP é formado, permitindo
reguladora CAP não é formado e o sitio
a ligação ao sítio ativador e favorecendo
ativador permanece vazio, não havendo
o deslizamento da polimerase pelo
estímulo do deslizamento da polimerase
operon.
pelo operon.
Genes do operon Lac ligados.
Genes do operon Lac desligados.

Movimentação das peças: - Controle da glicose (CAP-cAMP) = Positivo induzível (Ver Figura 3).
- Controle da lactose = Negativo induzível (Ver Figura 1).
- Funcionamento do operon Lac = Positivo/Negativo Inzudível (Figura 5).
Repressão catabólica: por mais que tenha lactose no meio, a glicose será consumida primeiro, como fonte preferencial de
energia.

Outro operon bacteriano bem estudado e leva a uma mudança conformacional na pro-
descrito é o Operon Trp, que possui contro- teína repressora, tornado-a capaz de se ligar
le negativo repressível e é responsável pela ao operador que, ocupado, impede a ligação
conversão do corismato em triptofano. A da RNA polimerase ao promotor e desliga a Corismato - Principal precursor
presença do aminoácido triptofano nas cé- transcrição dos genes estruturais (Figura 6). bacteriano para a biossíntese
lulas é importante, pois compõe parte das Quando os níveis celulares de triptofano es- de aminoácidos aromáticos
moléculas proteicas tão fundamentais à vida. tão baixos, a proteína reguladora repressora essenciais, como o triptofano.
A proteína reguladora do Operon Trp atua se desliga do operador, liberando o promo-
como repressora e apenas consegue se ligar tor, quando então a RNA polimerase se liga
ao operador quando há presença de tripto- e inicia a transcrição dos genes estruturais,
fano extra no meio. A presença de triptofano sintetizando, assim, mais triptofano.

Figura 6.
Em (A) é possível visualizar
como o gene está inicialmente
organizado quanto a sua
expressão – ligado e os
substratos triptofano presentes
no meio necessários para
reprimir o operon. Em (B)
temos a representação da
associação da proteína
reguladora e da dissociação
da RNA polimerase do DNA,
levando à nova organização do
gene quanto à sua expressão
– desligado. Fonte: As autoras
(2021).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 200


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Para converter o corismato em triptofano, o participa de outro mecanismo regulatório do


operon Trp possui cinco genes estruturais operon Trp, que consiste no término prema-
(trpE, trpD, trpC, trpB e trpA) que codifi- turo da transcrição e é conhecido como ate-
cam para três enzimas distintas, sendo que nuação.
duas das enzimas são compostas por dupla
cadeia polipeptídica. O primeiro gene estru- No material didático, apenas o ambiente 4
tural, trpE, tem uma região 5' não traduzida envolve a ação do operon Trp; as condições
(5' UTR) longa que é transcrita, mas não co- esperadas no cenário proposto encontram-se
difica para nenhuma dessas enzimas, apenas organizadas na tabela abaixo.

AMBIENTE 4
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)

A E. coli é capaz de sintetizar todos os Paciente A: favorece a presença de Paciente B: não dispõe de triptofano no
vinte aminoácidos de maneira natural triptofano no meio e a E.coli não precisa meio e a E.coli mantendo o operon Trp
para a síntese proteica. Na espécie gastar energia, mantendo o operon Trp ligado.
humana o triptofano é um aminoácido ligado.
Na ausência do substrato correpressor
essencial e deve ser adquirido pela
Quando o substrato correpressor triptofano no meio, a proteína repressora
alimentação. Uma amostra de intestino
triptofano está presente no meio, ele não se liga ao sítio operador e favorece a
retirado de dois pacientes mostrou
liga-se à proteína repressora e induz a ligação da RNA polimerase ao promotor.
que o paciente “A” apresentava uma
alteração conformacional. A proteína
alimentação rica em alimentos que Genes do operon Trp ligados.
repressora se liga ao operador e impede a
continham triptofano, enquanto que
ligação da RNA polimerase no promotor.
no paciente “B” não foram encontrados
sinais deste aminoácido. Como encontra- Genes do operon Trp desligados.
se e expressão do operon Trp das
bactérias intestinais que residem nos
paciente “A” e “B”, considerando a
eficiência energética do microrganismo?

Movimentação das peças:


peças: - Controle do operon triptofano = Negativo repressível (Ver Figura 2)
- Funcionamento do operon Trp = Ver Figura 6.

Professor, observe que nos kits que serão as equipes após a dinâmica, para que elas
entregues aos alunos, haverá apenas as confiram através da gravação dos vídeos,
descrições sobre o cenário. As condições seus erros e acertos, e descobrindo a cor-
1 e 2 apresentadas são informações refe- reta proposta do ambiente; 3. anexo extra
rentes às respostas. O gabarito de resposta ao kit, optando por entregar o gabarito de
pode ser usado conforme sua preferência, respostas concomitantemente à aplicação
e aqui sugerimos três maneiras: 1. para si da dinâmica, permitindo que os colegas da
próprio, optando por auxiliar presencial- equipe que estão aguardando sua jogada,
mente os estudantes, estimulando para o possam auxiliar o estudante que está sen-
pensamento correto e a participação ativa do desafiado.
de todos os membros da equipe. 2. pós
aula, optando por passar o gabarito para Bom trabalho!

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ANEXO 1
Molde para proteína reguladora.
Duas impressões, uma em cada cor de papel A4, onde: Cor 1 à proteína reguladora ativadora e Cor 2 à proteína reguladora
repressora.

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ANEXO 2
Molde para substrato.
Duas impressões, uma em cada cor de papel A4, onde: Cor 1 ao substrato ativador e Cor 2 ao substrato correpressor.

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ANEXO 3
Molde para proteína catabólica ativadora (CAP).

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ANEXO 4
Molde para monofosfato de adenosina-3' 5'-cíclico ao AMP cíclico ou cAMP.

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ANEXO 5
Molde para RNA polimerase.

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ANEXO 6
Molde para catabólitos.
6.1 Molde para Glicose

6.2 Modelo para Lactose

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6.3 Modelo para Triptofano

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ANEXO 7
Modelo para as setas.

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ANEXO 8
Molde para operon.

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ANEXO 9
Molde das legendas.
Aqui, monta-se a legenda conforme as cores de papel escolhido pelo professor. Com as sobras dos recortes, identificar as
cores com seus respectivos componentes do material.
LEGENDA LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor Substrato indutor
Substrato correpressor Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase RNA polimerase

LEGENDA LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor Substrato indutor
Substrato correpressor Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase RNA polimerase

LEGENDA LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor Substrato indutor
Substrato correpressor Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase RNA polimerase

LEGENDA LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor Substrato indutor
Substrato correpressor Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase RNA polimerase

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ANEXO 10
10.1 Cartilha introdutória

Cartilha Introdutória: Entrando no universo do lúdico...

A Escherichia coli é uma bactéria que vive em plena harmonia com os humanos e essa con-
vivência pacífica é conhecida como simbiose (ambos os organismos saem beneficiados).
Em nosso corpo, o habitat natural destas bactérias é o intestino grosso e para sua sobrevi-
vência são nossos hábitos alimentares que determinam os nutrientes que estarão disponí-
veis no meio. A adaptação de E. coli às mudanças ambientais deve-se à alta capacidade de
alterarem rapidamente sua bioquímica. Apesar de possuírem informações genéticas para sintetizar diversas
proteínas, apenas os genes responsáveis pela síntese das proteínas necessárias para aquele momento se-
rão expressos. Sairia energeticamente muito caro manter todo o genoma ativo. Os genes bacterianos são
organizados em operons, transcritos em um único RNA mensageiro e regulados por um único promotor.
As sequências reguladoras atuam como sítios de ligação de proteínas reguladoras, podendo
promover ou inibir a transcrição, conforme o substrato presente no meio. Jogue o dado e
busque pela carta ambiente com o número sorteado no dado. Você está sendo desafiado a
representar as duas condições do meio propostas na sua carta ambiente. Divirta-se, aprenda
e boa sorte.

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10.2 Ambientes

AMBIENTE 1 AMBIENTE 2
Na rotina nutricional de uma pessoa, às 6:00 h (a.m) a glicose Um operon qualquer de E.coli, que possui controle de
está sendo usada como principal fonte energética e não há no regulação do tipo positivo induzível, tem a presença do
meio nenhum outro carboidrato. Após uma série intensa de substrato no meio representado no gráfico. Como se encontra
atividade física e alto gasto energético, a primeira refeição do a expressão dos genes no tempo de 15 min e 1 h?
dia, feita as 9:30 h (a.m.), contou com o consumo de produtos
ricos em lactose.

Pensando na obtenção de energia das bactérias E.coli


presentes no intestino desta pessoa, demonstre a expressão
dos genes do operon Lac às 7 h da manhã e às 11 h da
manhã.

AMBIENTE 3 AMBIENTE 4
Pesquisadores, buscando compreender melhor o A síntese de proteínas requer uma grande quantidade de
funcionamento das vias metabólicas que influenciam aminoácidos e a E. coli consegue sintetizar todos os vinte
na respiração da bactéria E.coli em condições aeróbias, aminoácidos de maneira natural. Para a espécie humana o
descobriram a atuação de enzimas de dois operons, ambos triptofano é um aminoácido essencial e deve ser adquirido
de regulação repressível, porém o operon I possui controle pela alimentação. Uma amostra de intestino retirado de dois
negativo e o operon II controle positivo. pacientes mostrou que o paciente "A" apresentava uma
alimentação rica em alimentos que continham triptofano,
Represente o controle genético dos operons I e II em
enquanto no paciente "B" não foram encontrados sinais deste
condições normais e com a presença do substrato, focando
aminoácido. Como encontra-se e expressão do operon Trp
nas diferenças e semelhanças entre eles.
das bactérias intestinais que residem nos paciente "A" e "B",
considerando a eficiência energética do microrganismo?

AMBIENTE 5 AMBIENTE 6
Um operon que possui controle de regulação do tipo Ao ingerir glicose para um exame de curva glicêmica, e se
positivo repressível é capaz de mudar a expressão conforme alimentar com produtos ricos em lactose 1 h e 6 h após a
a disponibilidade e quantidade de um substrato específico análise laboratorial, a atividade das enzimas que participam
presente no meio. Este substrato quando em abundância do metabolismo de lactose variaram e estão representadas nos
é capaz de interagir com a proteína reguladora alterando gráficos. Demonstre a situação da regulação do operon Lac
todo comportamento gênico e a síntese enzimática da via nos dois momentos de acréscimo da lactose.
metabólica. Demonstre a condição inicial e final desde
operon, tendo como intermédio a presença do substrato
específico em abundância no meio.

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Como determinar a
herdabilidade para um
caráter quantitativo?

Kaliana Ferreira1, Luísa Bertolini1,


Maria Imaculada Zucchi2, Enéas Ricardo Konzen2
Graduanda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Campus Litoral Norte,
1

Centro de Estudos Costeiros Limnológicos e Marinhos, Imbé, RS


Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio, Piracicaba, SP
2

Autor para correspondência - [email protected]; [email protected]


Palavras-chave: variabilidade fenotípica, variância genética, variância
ambiental, SmartGrain, ANOVA

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Características quantitativas são controladas por vários genes, portanto, apresentam heran-
ça poligênica. A determinação da herdabilidade de uma característica quantitativa permite
identificar a proporção da variação fenotípica que é explicada pela variação genética em uma
população. Dentre vários métodos, este material didático apresenta a aplicação da análise de
variância (ANOVA) para o cálculo de herdabilidade, decompondo-se os componentes da
variância fenotípica em suas variâncias genética e ambiental. Alia-se essa metodologia a um
exemplo prático que envolve mensurar caracteres biométricos de frutos que podem ser cole-
tados no seu jardim e medidos no seu computador através do programa SmartGrain. Assim,
este material didático visa fornecer um guia para estudantes de graduação e/ou ensino médio
para determinar a herdabilidade para variáveis biométricas, incentivando o uso de materiais
genéticos do cotidiano do estudante, e o aprendizado de conceitos básicos em genética esta-
tística.

Herdabilidade - A
herdabilidade é um coeficiente
genético que expressa a razão Os estudantes de Ensino Médio apropriam-se de conceitos Variação fenotípica e
genotípica - A variação de um
entre a variação genética e básicos em genética, geralmente trabalhando com as duas leis
a variação fenotípica total traço quantitativo conforme
de Mendel e suas consequências para diversas características. foram tomadas suas medidas
de um dado atributo em
uma população. Veremos,
Para cursos do Ensino Superior, como de Ciências Biológicas, na população é referida como
efetivamente, que se trata de Agronomia, Engenharia Florestal e afins, alunos geralmente variação fenotípica, enquanto
um quociente entre variâncias apresentam bases sobre as leis da hereditariedade, mas tam- a variação genética associada
genética e fenotípica, conforme a esse traço é referida como
bém já apresentam alguma noção sobre o estudo e análise de variação genotípica.
descrições mais a frente neste características quantitativas.
material.
Características ou caracteres ou traços dizem respeito a quali-
dades, categorias ou medidas que se desejam analisar em um
indivíduo ou em populações e espécies. Quando um caráter
pode ser descrito por categorias bem definidas, por exemplo,
a cor de sementes de ervilha (amarela ou verde), diz-se que
esse caráter é qualitativo. Em contrapartida, quando o cará-
ter apresenta diversas medidas numéricas possíveis, como a
estatura de uma pessoa, a produtividade de uma cultivar de
feijoeiro em um hectare, a quantidade de leite produzida por
determinada raça de vaca leiteira, dentre outros, o caráter é
quantitativo. É fato que a maioria das características são quan-
titativas, o que torna o seu estudo mais complexo quanto à sua
dissecção genética.
O estudo dos caracteres qualitativos é relativamente mais
simples, dado o menor número de genes envolvidos. Gregor
Mendel trabalhou com características de ervilha tais como a
forma e a cor das sementes, a cor das pétalas de flores, o porte
de plantas, dentre outras. Com os seus estudos, mostrou que

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 216


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cada uma dessas características poderia ser velmente a área foliar após um certo perío-
explicada pela segregação dos alelos de um do será diferente entre os dois locais. Vários
gene. Estas terminologias ainda não eram genes condicionam o desenvolvimento das
utilizadas na época dele, mas cabe aqui uma folhas, mas o ambiente certamente contribui
descrição objetiva e precisa com os termos com maior ou menor expansão da área foliar,
atuais. Adicionalmente, mostrou que duas considerando a disponibilidade de lumino-
características combinadas segregavam de sidade, a temperatura, o status nutricional e
forma independente, através de sua segunda umidade relativa do ar. Nessa linha de racio-
lei. cínio, nota-se que a área foliar é o resultado
de genes mais o efeito do ambiente. Além
Para caracteres quantitativos, no entanto, disso, dependendo do ambiente, pode ocor-
cientistas do século XIX e primeiros anos do rer um efeito adicional de interferência no
século XX não conseguiam aplicar as duas comportamento dos genes que se expressam
leis de Mendel. Francis Galton, considerado para aquela característica, o que é chamado
o pai da biometria, foi quem primeiramen- de efeito de interação. Ao analisar uma carac-
te descreveu características quantitativas terística quantitativa e discriminar os efeitos
segundo histogramas de distribuição de dos genes, que chamamos de genotípicos, e
frequências para a estatura humana, dentre do ambiente, assim como a interação (quan-
outras características que avaliou. Cientistas do condicionados a diferentes ambientes),
que seguiram a linha de Galton declararam podemos calcular o quanto de uma caracte-
que não era possível explicar características rística é atribuído a efeitos genéticos. Utili-
quantitativas através das leis mendelianas. zando uma expressão matemática, podemos
Foi Ronald Fisher, com uma publicação iné- dizer que o fenótipo é igual a genótipo, mais
dita em 1918, que propôs um modelo esta- ambiente, mais interação genótipo versus
tístico que conseguiu explicar características ambiente. Se considerarmos somente um
quantitativas segundo uma combinação de ambiente, podemos desconsiderar o efeito
vários genes e seus alelos, demostrando que de interação, para facilitar nosso raciocínio.
as leis Mendelianas também se aplicavam Assim, fenótipo é igual a genótipo mais am-
a estas características. Foi o primeiro passo biente. Quando estendemos essa análise ao
para uma série de descobertas que mostra- nível de população, a relação pode ser escri-
ram o papel dos genes e de suas interações ta da seguinte maneira: variância fenotípica
para a definição de características quanti- é igual a variância genética mais variância
tativas. Além disso, ao longo das décadas, ambiental. Nessa última relação, o quociente
os geneticistas mostraram e desenvolveram entre a variância genética e a variância fenotí-
modelos que permitiram identificar que não pica é chamado de herdabilidade.
somente os genes, mas também o ambiente,
modulam a expressão de uma característica, As pesquisas realizadas já na segunda déca-
ou seja, moldam o fenótipo. da do século XXI mostram que a modula-
ção ambiental sobre a expressão do genótipo
Caracteres quantitativos são efetivamente se dá via mecanismos que ocorrem também
controlados por mais um de gene. Geral- no nível intracelular, até mesmo ao redor
mente, muitos genes estão envolvidos na do DNA. As influências ambientais con-
determinação de uma característica como a dicionam certas modificações químicas do
estatura humana, o peso corporal de um bo- DNA, tais como a adição de grupos metil
vino, a produção de leite e a área foliar total (metilação), que podem se tornar estáveis e
de uma planta. E, muitas vezes, o ambiente herdáveis. Essa é uma nova fronteira do co-
modula fortemente a expressão do genóti- nhecimento, a epigenética, que certamente
po, influenciando no valor final do fenótipo. contribuirá para melhor entendimento de
Por exemplo, se cultivarmos uma espécie de variações fenotípicas que ocorrem até mesmo
planta em um local ensolarado e plantas da para dois indivíduos com genótipos iguais,
mesma espécie em local sombreado, prova-

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 217


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tais como gêmeos, ou mesmo duas mudas


produzidas a partir de estacas coletadas de Biometria de
uma mesma roseira. Essa abordagem não é
a base deste material, mas não poderíamos frutos e sementes Biometria de frutos e
deixar de citá-la, considerando sua impor- sementes - Conjunto de
Ao ir à feira encontramos diversos frutos procedimentos que determinam
tância na elucidação de traços quantitativos. com cores e tamanhos diferentes; o mesmo as dimensões de frutos e
Neste artigo, busca-se demonstrar, de ma- acontece em um passeio em um parque ou sementes. A biometria dos
campo, em que encontramos árvores com frutos é um instrumento com
neira simplificada, como características potencial para ser utilizado
quantitativas podem ser analisadas geneti- frutos e sementes de diversos tamanhos em análises da variabilidade
camente com materiais vegetais que podem (Figura 1). Nesse caso, já estamos traba- genética dentro de populações
ser encontrados até mesmo na cozinha de lhando com variáveis quantitativas, com de- de uma mesma espécie e as
terminação genética mais complexa, confor- relações desta variabilidade com
nossa casa. As análises foram realizadas com os fatores ambientais, conforme
o uso de variáveis biométricas para frutos de me relatamos anteriormente. Sabe-se que
relatam Macedo e colaboradores
palmeiras tropicais e subtropicais que vêm através da análise biométrica desses frutos em estudo publicado em 2009.
sendo objeto de pesquisas em genética de e sementes podemos obter informações im-
populações e da conservação. Outros exem- portantes sobre a variabilidade genética
Variabilidade genética - A
plos são também mostrados com o propósito em populações e determinar a herdabilida- variabilidade genética diz
de demonstrar os procedimentos para deter- de das variáveis que estão sendo estudadas. respeito à diversidade de alelos
minar o quanto uma característica é herdá- Cabe explicar brevemente do que se trata de um ou mais lócus avaliados
uma análise biométrica de frutos, assim em nível de população ou
vel, ou seja, sua herdabilidade. Este material espécie.
pode ser utilizado, principalmente, em uma como reforçar os conceitos de variabilidade
aula introdutória sobre genética quantitativa. genética e herdabilidade.

Figura 1.
Frutos e sementes com cores e
tamanhos diferentes.
Biometria de de-se pensar em frutos como tomateiro, pi-
mentinha e vários outros. Aqui vamos trazer
frutos de espécies exemplos de espécies nativas de palmeiras
que têm sido objeto de estudos científicos. As
comestíveis espécies consideradas são o butiazeiro (Butia
odorata, B. catarinensis e outras do mesmo
Vamos demonstrar como podem ser deter- gênero) e jerivá (Syagrus romanzoffiana). B.
minadas dimensões de frutos e sementes, odorata (Figura 2, duas fotos superiores) é
utilizando exemplos do nosso cotidiano. Po- uma espécie que ocorre tipicamente entre o

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litoral do Rio Grande do Sul e o Uruguai, outra palmeira nativa mais conhecida e de
sendo popularmente conhecida como butiá. ampla distribuição pelo Brasil, o jerivá (Fi-
B. catarinensis é uma espécie com caracterís- gura 2, duas fotos inferiores). Seus frutos
ticas semelhantes, ocorrendo entre o Litoral também são consumidos por animais como
Norte do RS e Santa Catarina. As duas pal- gado, antas e pássaros. Quanto à S. roman-
meiras produzem muitos frutos, vistosos e zoffiana, embora não esteja na lista de espé-
saborosos, frequentemente utilizados em ge- cies ameaçadas, alguns estudos já sinalizam a
leias, sucos, licores e até mesmo tortas e bo- importância de ações de conservação, consi-
los. No entanto, são palmeiras ameaçadas de derando os efeitos que exploração antrópica
extinção, o que requer o desenvolvimento de pode ter para a espécie ao longo das gerações.
estratégias para conservação de seus recursos A expansão do conhecimento acerca dessas
genéticos. espécies e seus recursos genéticos são essen-
ciais para sua conservação, passando pelo es-
Essas palmeiras também possuem valor or- tudo da produtividade de seus frutos, o que
namental, dividindo a paisagem urbana com inclui variáveis biométricas.

Figura 2.
Indivíduo reprodutivo de Butia
odorata (duas fotos superiores)
e de Syagrus romanzoffiana
(duas fotos inferiores).

Através de biometria de frutos e sementes relações entre variabilidade e fatores am-


podemos identificar a variabilidade gené- bientais, informações importantes para
tica em populações da mesma espécie e as conservação e seleção de materiais genéti-

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cos para fins de melhoramento genético. plantas diferentes (genótipos diferentes)


Melhoramento genético
Por exemplo, com butiás ou pimentas co- (Figura 3). Verificando quais frutos são - O melhoramento genético
letadas de plantas diferentes, poderemos mais produtivos dentro e entre genótipos, é um conjunto de técnicas
identificar se há variabilidade entre os fru- poderemos selecionar os mais produtivos que envolve cruzamentos
tos coletados de uma mesma planta ou ge- para produzir mudas dos genótipos mais e seleção de genótipos de
interesse (por exemplo, mais
nótipos e/ou variabilidade entre frutos de promissores. produtivos, com frutos maiores,
maior rendimento de polpa)
para aprimorar características
importantes que podem
favorecer a comercialização de
frutos dessas espécies.

Figura 3.
Frutos de Butia odorata
com diferentes tamanhos e
cores (superior), assim como
pimentas (inferior).

Como determinar www.kazusa.or.jp/kazusalab/smartgrain.


html), é um exemplo de aplicativo compu-
medidas tacional que calcula dimensões de frutos
através do seu reconhecimento em imagens.
biométricas de As variáveis calculadas através do programa
incluem, dentre outras, a área, o perímetro,
frutos e sementes? o comprimento, a largura e a circularidade
dos frutos.
Uma opção para obter medidas biométricas
de frutos e sementes é a utilização de um Os frutos e sementes no programa Smart-
paquímetro analógico ou digital. No entan- GRAIN são medidos através de uma ima-
to, essas mesmas medidas também podem gem simples. É recomendado um fundo de
ser obtidas através de um programa que cor que não transmita sombra para diminuir
dimensiona frutos e sementes por imagens. os ajustes do tamanho do fruto no programa
O programa SmartGRAIN (desenvolvi- (Figura 4), e que se determine uma escala de
do e lançado por Tanabata e colaboradores acordo com o tamanho dos frutos em milí-
em 2012, disponível através do link: http:// metros.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 220


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Figura 4.
Captura de tela ilustrando
fotografia com tomates que
foram analisados no programa
SmartGrain.

Obtendo medidas de frutos através


de fotos e determinando variabilidade
genética e herdabilidade
O tutorial a seguir é uma adaptação para medir mais informações, consulte o tutorial e o artigo
frutos e sementes de butiá (B. odorata) e jerivá específico dos autores do programa (Tanabata
(S. romanzoffiana), espécies que temos estuda- e colaboradores). O programa SmartGRAIN
do. Criamos um passo a passo para a medição é um aplicativo executável (não requer instala-
de frutos e sementes que se queira, mas para ção) e os passos que seguem são baseados no

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 221


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manual disponibilizado pelo programa, onde deter apenas aos passos necessários para de-
também podem ser encontradas mais informa- terminar as medidas no programa. Depois,
ções sobre a barra de tarefas e suas outras fun- vamos apresentar um exemplo de dados sim-
cionalidades. A partir dos dados mostrados, plificado que permitirá fazer o cálculo da va-
será possível calcular a variabilidade genética riabilidade genética e da herdabilidade.
(que efetivamente será expressa como uma va-
riância) para as variáveis de dimensões de fru- Antes de mais nada, deve-se coletar ou sepa-
tos e estimar a sua herdabilidade. rar frutos de alguma espécie e organizá-los
sobre uma superfície preferencialmente escu-

Mãos à obra! ra e com uma régua à mostra. Neste tutorial,


mostramos um exemplo de frutos de jerivá,
espécie de palmeira que descrevemos ante-
Depois de baixar o programa pelo link, de-
riormente (Figura 5). Fotografia deve ser ti-
ve-se executá-lo para abrir e utilizar. A aná-
rada; pode ser com o celular. Posteriormente,
lise pode ser realizada com uma imagem que
a imagem deve ser aberta no programa, con-
contenha frutos ou sementes de espécie de
forme os passos 1, 2 e 3, a seguir (Figura 6).
sua preferência. Primeiramente, vamos nos

Figura 5.
Imagem utilizada no exemplo.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 222


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Figura 6.
Abertura da imagem no
Posteriormente, é necessário informar ao pro- do sobre os frutos) e também cores que serão programa SmartGrain.
grama quais cores da imagem são associadas a entendidas pelo programa como plano de fun-
frutos (pode-se informar até cinco cores clican- do (até cinco cores também) (Figuras 7 e 8).

Figura 7.
Selecionar cores para frutos/
sementes.

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Figura 8.
Selecionar cores para o fundo.

Depois de ter indicado ao programa quais fundo e como cores de frutos, pode ser efe-
cores devem ser reconhecidas como plano de tuada a análise da imagem (Figura 9).

Figura 9.
Como analisar a imagem?

O programa fará o processamento da niu para o fundo e para os frutos (Figura


imagem conforme as cores que você defi- 10).

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Figura 10.
Figura analisada.

#FICA A DICA - Se caso após analisar a parte do fruto ou da semente que desejar.
imagem o programa não contemplar toda Esses ajustes são recomendados para melhor
a área do fruto pode-se excluir e/ou incluir precisão dos dados (Figura 11).

Figura 11.
Inclusão e exclusão de área.

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Após esses ajustes é necessário ajustar uma lizar o botão mostrado na imagem a seguir
escala para a imagem. Para tanto, deve-se uti- (Figura 12).

Figura 12.
O botão de escala.

Na imagem que está sendo utilizada aqui programa conseguirá calcular as dimensões
foi desenhada uma escala de 30 mm à ca- dos frutos, de maneira proporcional (Figu-
neta e régua. É a partir dessa escala que o ra 13).

Figura 13.
Definição da escala para
medidas dos frutos.
Após colocar a escala e fazer a correção, falta salvar os dados em uma planilha (Fi-
se for necessário, a análise está pronta! Só gura 14).

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Figura 14.
Exportando os dados para uma
planilha.

Os próximos passos mostram como abrir Assim, o Excel geralmente está configurado
tabela no Excel. Esse processo deverá levar para decimais em vírgula. Desse modo, para
em consideração um aspecto particular: o abrir a planilha com os números corretamen-
fato de que o programa utiliza decimais re- te representados, deverá ser utilizado um ar-
presentados por ponto. No Brasil, utiliza- tifício conforme demonstrado na sequência
mos os decimais representados por vírgula. (sequência de figuras 15 a 19).

Figura 15.
Abrindo arquivo .csv e
realizando os ajustes
necessários.

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Figura 16.
Ajuste necessário devido à
vírgula e ponto em números da
língua portuguesa e inglesa,
respectivamente (início).

Figura 17.
Ajuste necessário devido à
vírgula e ponto em números da
língua portuguesa e inglesa,
respectivamente (continuação).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 228


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Figura 18.
Ajuste necessário devido à
vírgula e ponto em números da
língua portuguesa e inglesa,
respectivamente (continuação).

Figura 19.
Tabela finalizada com os dados
para análises.

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Como determinar a variância genética


para variáveis biométricas de frutos?
Posteriormente, como determinar a
herdabilidade?
Já descrevemos antes, mas cabe ressaltar e à média (3 cm), o que corresponde à soma de
agora detalhar um pouco mais sobre herda- quadrados. Esta é então dividida pelo núme-
bilidade. A herdabilidade é determinada a ro de frutos. O desvio de cada valor anterior
partir da divisão entre a variância genética e em relação à média é:
a variância fenotípica. A variância fenotípica
inclui o efeito ambiental, ou seja, é a variância Fruto 1 = 1 - 3 = -2
genética mais variância ambiental (aqui esta- Fruto 2 = 2 - 3 = -1
mos desconsiderando efeitos de interação).
Fruto 3 = 3 - 3 = 0
var genética
H² = __________ Fruto 4 = 4 - 3 = 1
var fenotípica
Para fazermos esses cálculos, vamos utilizar Fruto 5 = 5 - 3 = 2
uma análise estatística chamada análise de Para evitar desvios negativos e maximizar as
variância (ANOVA). Essa análise permitirá diferenças entre cada fruto, elevam-se os des-
determinar a variância devida ao genótipo vios ao quadrado.
(variância genotípica), ao fenótipo (variância
fenotípica) e ao ambiente (variância ambien- Fruto 1 = (-2)2 = 4
tal). A variância genotípica pode ser entendi-
da como a variabilidade devida aos genótipos Fruto 2 = (-1)2 = 1
que vamos analisar, assim é uma maneira de Fruto 3 = (0)2 = 0
verificar que há variabilidade genética em
uma população que está sendo estudada. Fruto 4 = (1)2 = 1
A variância fenotípica é usada para medir a
variabilidade fenotípica. O mesmo é válido Fruto 5 = (2)2 = 4
para a variância ambiental, como medida da Os valores dos quadrados dos desvios são
variabilidade ambiental. Basicamente, de- somados: 4 + 1 + 0 + 1 + 4 = 10. A soma
monstra-se uma análise que permite identi- é dividida pelo número de elementos (5). A
ficar uma variação total (fenotípica), quanto variância será igual a 2.
dessa variação é genética e quanto é ambien-
tal, chegando-se à herdabilidade. Mas há um detalhe importante. No exem-
plo, consideramos como se fossem os únicos
Genericamente, a variância é uma medida de frutos que podíamos medir, ou seja, uma
dispersão na estatística. É uma forma de me- população de cinco frutos. Geralmente tra-
dir o desvio que um conjunto de dados apre- balhamos com amostras e, então, calculamos
senta em relação à média do conjunto. Vamos os graus de liberdade. Os graus de liberdade
supor que medimos cinco frutos, que tenham são utilizados em estatística para designar
os comprimentos: 1 cm, 2 cm, 3 cm, 4 cm e 5 o número de observações que podem variar
cm. O comprimento médio é dado por: quando se estimam parâmetros estatísticos,
1+2+3+4+5 de maneira simplificada, expressos por n - 1,
X = ______________ = 3 cm em que n é o número de observações. Assim,
5 para uma amostra de n = 5, o número de
A variância será calculada como a soma dos graus de liberdade será GL = 5 - 1 = 4. A
quadrados do desvio de cada valor em relação variância, portanto, será 10/4 = 2,5.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 230


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Resumindo esta explicação, a variância é cal- Os passos a seguir vão conduzir ao cálculo
culada como: das variâncias fenotípica, genética e ambien-
tal, assim como a herdabilidade. Os dados
∑(xi - X)2
Var = _______ do exemplo são medidas do comprimento
n-1 de frutos, uma das variáveis que o programa
SmartGrain fornece. As medidas foram to-
Lê-se: somatório dos quadrados da diferença
madas seguindo os mesmos passos descritos
de cada observação (xi) pela média dividido
anteriormente, mas com uma amostra peque-
pelo número de graus de liberdade (n - 1).
na, desta vez frutos de butiazeiro, os butiás, da
Utilizando essa expressão para representar o espécie Butia catarinensis (Figura 20).
cálculo realizado anteriormente, temos:
Vamos supor que estamos avaliando quatro
(1- 3)2+(2- 3)2+(3- 3)2+(4- 3)2+(5- 3)2 genótipos (plantas diferentes geneticamente).
Var = ___________________________ Coletamos butiás de cada uma dessas plantas.
5-1
Para cada planta, avaliamos quatro repetições
A partir da compreensão do significado de (quatro frutos). É importante ressaltar que
variância, a análise de variância é uma forma esta é uma amostra muito pequena, apenas
de dividir a variância total em suas partes: para fins didáticos. Em um experimento real,
a parte da variância que é genética e a parte vários genótipos e repetições seriam necessá-
que é ambiental. Com isso, pode-se estimar rios para obter estimativas precisas de variân-
a herdabilidade. cia genética e de herdabilidade.

Figura 20.
Imagem que foi utilizada
para demonstrações dos
procedimentos de cálculo de
variâncias fenotípica, genética
e herdabilidade. Corresponde
a frutos de butiazeiro (Butia
catarinensis).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 231


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Primeira etapa: organização mento de cada genótipo (PASSO 2). Desse


dos dados e operações iniciais modo, se obterá um total para genótipos.
Além disso, pode-se calcular a média (PAS-
O primeiro passo, ao obter as medidas, é SO 3) usando a função conforme mostra a
organizá-las (PASSO 1) de modo que se figura seguinte (Figura 21). Ao analisar os
identifiquem os indivíduos dos quais os fru- dados, note que os valores dos comprimen-
tos foram coletados (Figura 21). A variável tos dos frutos são mais semelhantes entre os
que será estudada será o comprimento dos frutos dentro de cada genótipo. Isso é refleti-
frutos. Os indivíduos serão os genótipos, no do na soma para cada genótipo. Note que as
exemplo, quatro plantas diferentes de que fo- somas são diferentes, em princípio, numeri-
ram coletados os frutos. De cada genótipo, camente. Isso já sinaliza diferenças entre os
foram coletados quatro frutos. Depois disso, genótipos, que serão verificadas adequada-
deve-se somar as quatro medidas de compri- mente pela ANOVA.

Figura 21.
Preparando os dados para
análise.

Segunda etapa: cálculo dos graus ambiente hipotético e uniforme). Para o caso
de liberdade de genótipos, o número de graus de liberdade
(GL) será: 4 - 1 = 3. No total, há 16 frutos
A próxima etapa consiste em calcular os graus médios. O número de graus de liberdade para
de liberdade para cada um dos fatores que o total é: 16 - 1 = 15. Ainda precisamos deter-
estão envolvidos no conjunto de dados: genó- minar o número de graus de liberdade para o
tipo (quatro genótipos), ambiente (ambiente ambiente, que será o que falta em relação ao
em que os genótipos cresceram) e o fenótipo genótipo para completar o GL total. Portan-
(total que representa a soma do genótipo e to, será a diferença 15 - 3 = 12. Verifique a
do ambiente, desconsiderando o efeito de in- sequência de passos para cálculos de GL na
teração por estarmos tratando de apenas um figura 22 (PASSOS 4, 5 e 6).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 232


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Figura 22.
Calculando os graus de
liberdade.

Terceira etapa: cálculo da te), implica em perda de graus de liberdade.


variabilidade genotípica, Esse fator de correção, representado por C
ambiental e total no PASSO 8, é calculado através do soma-
tório dos quadrados de cada indivíduo (da
Nesta etapa, calculam-se as somas de qua- variável examinada) dividido pelo número
drados. No Excel, a soma de quadrados é total de amostras (n = 16 no nosso caso).
calculada usando a fórmula SOMAQUAD, Assim, o valor final da soma de quadrados de
selecionando-se os dados envolvidos, e mais genótipos será obtido mediante a subtração
alguns procedimentos. A soma de quadra- do fator de correção da soma de quadrados
dos dos genótipos será calculada utilizando executada no PASSO 7.
os quatro valores do PASSO 2 (soma dos
efeitos de cada genótipo) e dividindo-se A soma de quadrados total será obtida com
pelo número de genótipos, conforme indi- a fórmula SOMAQUAD aplicada a todos os
ca o PASSO 7 na Figura 23. Além disso, valores individuais selecionados (os 16 fru-
será necessário aplicar um fator de correção, tos), descontada do fator C, para capturar a
considerando que a análise de variância, ao variabilidade total entre eles, conforme PAS-
dividir em fatores (genótipo, total e ambien- SO 9 da Figura 23.

Figura 23.
Calculando as somas de
quadrados da ANOVA.

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A partir da diferença entre a soma de A partir das somas de quadrados, será possí-
quadrados total e a soma de quadrados vel determinar as variâncias. A variância para
dos genótipos, determina-se a soma de genótipos será calculada pela divisão entre a
quadrado do erro ou resíduo, que enten- soma de quadrados de genótipos (o valor fi-
demos como a soma de quadrados devida nal, descontado do fator C) pelo número de
ao erro experimental. O erro ou resíduo graus de liberdade para genótipos. Mas aten-
compreende a variabilidade que não pode- ção, essa ‘variância para o fator genótipo’ não
mos controlar, podendo ser simplesmente é a variância genética. É ainda uma variância
algum erro na medida feito pelo usuário que contém os efeitos ambientais.
e, no contexto dos frutos, do ambiente em
que os materiais se desenvolveram. Assim, Dividindo-se a soma de quadrados do erro
podemos chamar de soma de quadrados pelo número de graus de liberdade, obtém-
do ambiente, conforme PASSO 10 da Fi- -se a variância devida ao erro e/ou ambiente
gura 23. (Figura 24).

Figura 24.
Os efeitos do ambiente.

Agora, é possível finalizar os cálculos consi- a variância fenotípica, basta dividir a va-
derando as seguintes definições: riância do fator genótipos pelo número de
repetições (PASSO 14). A estimativa da
- Variância genética: é uma parte da variância ambiental é o erro experimental
variância fenotípica atribuída a compo- (PASSO 15). Finalmente, dividindo-se a
nentes genéticos. variância genotípica pela variância fenotí-
- Variância fenotípica: é a soma da variân- pica, obtém-se a herdabilidade. No exem-
cia genética com a variância ambiental plo fornecido, o valor de herdabilidade foi
(modelo simples que estamos aqui consi- de 0,71 ou 71%. Isso significa que 71% da
derando). variância fenotípica dessa amostra é devi-
da à variância genética. Desse modo, há
Portanto, para calcular a variância genética, uma proporção considerável de influência
é necessário descontar a variância ambien- ambiental. Lembrando, é meramente um
tal e dividir pelo número de repetições do exemplo. Para um estudo real, muitos as-
experimento (quatro), conforme o PAS- pectos mais e muitas amostras a mais pre-
SO 13 a seguir (Figura 25). Para calcular cisariam ser incluídas.

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Figura 25.
Parte final: cálculo da
herdabilidade.

Para realizar estas análises de forma automá- nível de controle experimental que podemos
tica, pode-se obter uma planilha pré-preen- ter pela própria natureza da espécie. Esses
chida com os mesmos dados demonstrados fatores tornam análises de herdabilidade
neste material. A planilha pode ser baixada substancialmente complexas, pois torna-se
pelo link https://www.ufrgs.br/geneticave- um desafio de ordem prática a separação da
getal/?page_id=94. variância fenotípica em componentes gené-
ticos (a variância genética) e ambientais (a
Considerações variância ambiental). Alguns casos valem a
pena ser apreciados, ponderando-se o nível
sobre estudos de dificuldade:

visando a) para humanos, análises de herdabilidade


são feitas baseadas em gêmeos idênti-
determinação de cos. As diferenças entre eles serão pre-
dominantemente ambientais, afinal os
herdabilidade genótipos são os mesmos, salvo algumas
mutações ou modificações de natureza
Vários estudos mostraram herdabilidades epigenética. Desse modo, geralmente é
variando de valores próximos a zero até va- mais fácil distinguir a variância genéti-
lores próximos a 1, sendo estes últimos bem ca da ambiental e determinar a herdabi-
mais raros para caracteres quantitativos. Va- lidade. Mesmo assim, todos os fatores
lores de herdabilidade dependerão muito anteriormente considerados não tornam
do caráter quantitativo avaliado, do quan- essa análise simples assim. Vários gêmeos
to ele varia na população e no ambiente ou precisam ser estudados para se obter esti-
ambientes em que está sendo avaliado, tudo mativas precisas de herdabilidade para o
repercutindo na proporção da variância que caráter desejado;
será devida a fatores genéticos e ambientais
nessa população. Além disso, é preponde- b) Para plantas que se propagam natural-
rante considerarmos a espécie que está sen- mente ou são artificialmente propagadas
do avaliada, a sua forma de reprodução e o de forma vegetativa, portanto, clonal, a

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 235


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análise de herdabilidade pode ser relati- obviamente não será utilizado o programa
vamente mais simples. Ao tomar medidas SmartGrain, mas cabe a estas aplicar todos
de repetições dos mesmos clones, pode-se os procedimentos que foram demonstrados
calcular a variância ambiental e genética para análise de variância e o isolamento dos
(devido aos diferentes clones) e calcular a componentes necessários para chegar à esti-
herdabilidade; mativa de herdabilidade.
c) Para plantas que são estudadas por linha-
gens, diferenças entre plantas dentro da Para saber mais
mesma variedade ou cultivar fornecem FRANKHAM, R.; BALLOU, S. E. J. D.; BRISCOE,
estimativas de variância ambiental. Assim, D. A.; BALLOU, J. D. Introduction to conservation
é relativamente fácil estimar a variância genetics. Cambridge University Press, 2009.
genética e, consequentemente, a herdabi- MACEDO, M. C. D.; SCALON, S. D. P. Q.; SARI,
lidade. A. P.; SCALON FILHO, H.; ROSA, Y. B. C. J.;
ROBAINA, A. D. Biometria de frutos e semen-
d) Quando se trata de espécies pouco estu- tes e germinação de Magonia pubescens ST. Plant
dadas, relativamente selvagens, e especial- Physiology, v. 160, n. 4, p. 1871-1880, 2012.
mente as de ciclo longo, a estimativa de
TANABATA, T.; SHIBAYA, T.; HORI, K.; EBA-
herdabilidade começa a ser influenciada NA, K.; YANO, M. SmartGrain: high-through-
por muitos fatores difíceis de isolar. put phenotyping software for measuring seed
shape through image analysis. Plant Physiology,
Resumidamente, estudar caracteres quanti- v.160, n.4, p.1871-1880
tativos não é uma tarefa fácil. Às vezes, até
mesmo medi-los é um desafio. Um geneti-
cista ou melhorista precisam ter bastante
conhecimento da espécie que estão avalian-
do, lançando mão de vários experimentos
com o maior controle possível, de modo que
possam ser isoladas as variâncias genéticas e
ambientais, para então proceder com a deter-
minação de herdabilidades.

Considerações
finais
Neste material, o intuito de utilizar variá-
veis biométricas foi mostrar uma maneira
prática de se entender princípios básicos
de genética quantitativa a partir da toma-
da de medidas para variáveis quantitati-
vas, e com materiais de fácil obtenção, que
frequentemente podem ser obtidos na sua
cozinha, quintal ou jardim. Como se vê,
pode-se explorar essas análises com frutos
e sementes de uma casa. Não esquecer de
que é necessário separar os frutos e semen-
tes por planta (o genótipo), de modo que se
possa calcular a variância genética e fenotí-
pica, assim como a herdabilidade. Se forem
avaliadas outras características em plantas,
como do caule, das folhas, do crescimento
(altura, diâmetro, circunferência do caule),

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 236


RESENHAS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Portal GenomaUSP:
materiais didáticos para
o ensino de Genética
Andréa Grieco Nascimento1, Maricí Leite2, Bruna Trench1, Mirelly Soares1, Eliana Dessen3
Graduada, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, SP
1

Graduanda, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, SP


2

Departamento de Genética e Biologia Evolutiva, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, SP


3

Autor para correspondência - [email protected]


Palavras-chave: ensino de Genética, Materiais Didáticos, vídeos educacionais, podcasts, kits educacionais

O site do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco, conhecido como geno-


maUSP <https://genoma.ib.usp.br/>, tem uma seção exclusiva para educação e difusão do
conhecimento. Além de apresentar os projetos da instituição na área, o menu “O Genoma e
as Escolas Públicas” disponibiliza na página “Materiais Didáticos” recursos educativos faci-
litadores do aprendizado em diversos formatos, como jogos (10), atividades interativas (8),
folhetos (13), programas de rádio, protocolos de aulas práticas (8) e vídeos de YouTube. Além
disso, o menu “Outras Ações” deixa acessíveis as produções das mídias sociais do centro de
pesquisa, como posts educativos em pdf, o podcast Segredos de Família, as séries de vídeos
ABC e o CINEgenoma.

Os materiais didáticos foram produzidos em salas de aula com até 45 alunos. Todos
majoritariamente por um grupo de docen- eles possuem um manual explicativo para o
tes e pós-graduandos do Departamento de professor da escola básica e alguns possuem
Genética e Biologia Evolutiva do Instituto anexos que podem ser impressos, recortados,
de Biociências da USP, principalmente entre montados e utilizados diretamente em sala
os anos 2014 e 2015. Muitos dos materiais de aula. A maioria dos manuais tem conteú-
foram apresentados na Genética na Praça, do teórico referente ao tema do kit, sugestões
evento voltado para o ensino de Genética e de utilização do material em sala de aula,
que ocorre anualmente durante os congres- perguntas para serem discutidas em grupo
sos Sociedade Brasileira de Genética. Alguns pelos estudantes, assim como as respostas
dos materiais instrucionais foram produzi- das mesmas. Os kits ficam disponíveis para
dos em disciplinas de pós-graduação como, empréstimo nas Diretorias de Ensino par-
por exemplo, os quatro referentes à Diferen- ceiras do G­ enomaUSP (DE da região de
ciação Celular e o Baralho Celular. Osasco e DE Centro Oeste) e também no
Departamento de Genética e Biologia Evo-
Todos os materiais estão disponibilizados lutiva do Instituto de Biociências da USP.
para download direto do site. Além dis- O público-alvo é diverso: há recursos para
so, boa parte dos materiais está organiza- o ensino fundamental, passando por ensino
da na forma de kits, que podem ser usados médio e até mesmo graduação.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 237


RESENHAS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Boa parte dos materiais didáticos dispo- 6 episódios da série, as conversas são sobre
nibilizados no site auxiliam na construção aspectos genéticos, humanos e éticos, entre
dos conceitos como, por exemplo, Filho de a geneticista Regina Mingroni Netto, o pro-
Scoiso, scoisinho é!, A família Silva e seus fessor de Biologia Rodrigo Mendes e a jor-
Genes e Diferenciação Muscular. Há ma- nalista Mônica Teixeira. O podcast pode ser
teriais que permitem um maior envolvimen- um excelente ponto de partida ou de síntese
to dos alunos com procedimentos atrelados para tratar os conceitos básicos da genética
à natureza da ciência como, por exemplo a em sala de aula de modo instigante, a partir
atividade Classificando Periquitos. To- dos segredos que o DNA pode nos contar.
dos os materiais colocam o estudante como
protagonista de seu próprio aprendizado,
motivando-o e engajando-o no processo de
aprendizagem dos conceitos. Alguns mate-
riais são excelentes para concretizarem pro-
cessos invisíveis a olho nu, como a redução
do número de cromossomos na formação dos
gametas (no material Filho de Scosio, scoi-
sinho é!) ou uma via de ativação gênica (no
material Diferenciação Celular) ou ainda a
simulação de um processo, como o de esca-
vação feito por arqueólogos (em Escavando
Identidades: muito além do RG). Existem
materiais lúdicos por excelência como o Mi-
cromonte, capaz de envolver o aluno em uma
divertida aventura, ao mesmo tempo que ele
entra em contato com os diferentes tipos de
células microbianas. Os baralhos, Baralho
Celular, Baralho Embriológico e Baralho
Animal propiciam o desenvolvimento de um
pensamento estratégico de seleção de infor-
mações, reunindo aquelas que são relevantes
para o agrupamento de um conjunto de car-
tas e descartando outras não relacionadas. Figura 1.
Outra vertente de materiais é virtual, como O formato CINEgenoma apresenta transmis-
os vídeos depositados no canal GenomaUSP sões ao vivo de mesas redondas, com partici-
do Youtube <https://www.youtube.com/c/ pação de convidados de diferentes áreas, que
GenomaUSP/playlists>. A série ABC apre- discutem sobre diferentes temas da Genética
senta em vídeos, com cerca de 5 minutos cada, tendo um filme como ponto de partida. Ge-
temas diversos que fazem parte do currículo ralmente participam um professor de ensino
da escola básica como: Câncer, Dogma Cen- médio, um profissional da área do cinema e
tral da Biologia Molecular, Ancestralidade e um geneticista. Discute-se sobre conceitos bá-
Testes Genéticos. São 52 vídeos organizados sicos e sobre as mais variadas implicações da
em playlists temáticas, que abordam diferen- genética na sociedade moderna. A discussão
tes aspectos de um mesmo tema, como é o sempre é rica e serve de embasamento para o
caso de Ancestralidade, ou então que tratam professor trabalhar algum dos filmes em sala
de um tema num crescente de complexidade, de aula. Além de genética, temas como ciên-
como Câncer, por exemplo. Todos os vídeos cia, medicina, sociedade, ética, educação e ci-
foram gravados por pesquisadores e pós-gra- nematografia também são abordados. Todo o
duandos do GenomaUSP. material online está disponível em <https://
www.youtube.com/c/GenomaUSP>.
Segredos de Família, é uma série de 6 pod-
casts que revela a dinâmica, as reviravoltas e Vale a pena conferir os recursos didáticos
os dilemas do aconselhamento genético. Nos disponíveis no portal do GenomaUSP.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 238


UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

O gene MFN2 e
sua associação com a
Lipomatose Simétrica
Múltipla

Matheus Oliveira de Sena1, Josivan Gomes Lima2,


Julliane Tamara Araújo de Melo Campos1
1
Laboratório de Biologia Molecular e Genômica, Departamento de Biologia Celular e Genética,
Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
2
Departamento de Medicina Clínica, Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL)/UFRN,
Natal, RN, Brasil
Autor para correspondência - [email protected]
Palavras-chave: lipomatose simétrica múltipla, lipomas, tecido adiposo,
mitofusina 2, mitocôndria

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 239


UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

O gene MFN2 codifica a proteína mitofusina 2. Uma variante patogênica pontual na sequên-
cia nucleotídica deste gene resulta na rara doença mitocondrial conhecida como Lipomatose
Simétrica Múltipla (LSM). A LSM caracteriza-se fenotipicamente pelo desenvolvimento de
lipomas benignos principalmente nas regiões supraclavicular, interescapular e pescoço.

Tecido adiposo - Tipo


de tecido conjuntivo
que apresenta diferentes
funções fisiológicas, como Diabetes tipo 2 - Doença
armazenamento de gordura crônica caracterizada pela
(lipídeos), termogênese, resistência do organismo à
proteção contra choques
mecânicos e função endócrina
O tecido adiposo marrom, insulina, resultando em altos
níveis de glicose na corrente

a termogênese e a
(secretando hormônios). É sanguínea. Alguns sintomas
dividido funcionalmente em como sensação de boca seca,
vontade frequente de urinar
tecido adiposo multilocular
(ou marrom) e tecido adiposo
unilocular (ou branco).
mitofusina 2 e grande perda de peso sem
motivo aparente são marcantes
O tecido adiposo tem sido extensivamente estudado nos na doença.
últimos anos devido à sua associação com o desenvolvimen-
Síndrome metabólica -
to da obesidade, síndrome metabólica, diabetes tipo 2 e
Condição caracterizada por ­resistência à insulina. Classicamente, existem dois tipos de
Resistência à insulina -
altos níveis de colesterol e tecido adiposo: o branco (WAT, do inglês ‘’White Adipose Tis- Condição na qual o corpo
glicose no sangue, alto índice sue’’) e o marrom (BAT, do inglês, “Brown Adipose Tissue”). do indivíduo não responde
de gordura em torno da Enquanto o WAT é o local primário de deposição de triacil- ao hormônio da insulina,
cintura e hipertensão arterial. resultando no acúmulo
Esses fatores aumentam gliceróis (gordura) proveniente da dieta, o BAT desempenha
de glicose na corrente
consideravelmente os riscos de atividade termogênica por meio do aumento de gasto ener- sanguínea, o que pode levar ao
ocorrer um acidente vascular gético através do desacoplamento da cadeia respiratória. Além desenvolvimento de diabetes
cerebral ou um ataque cardíaco. do aumento do gasto energético, a ativação do BAT também tipo 2.
resulta no aumento da tolerância à glicose.
Os primeiros estudos sobre a localização e fisiologia do BAT
Atividade termogênica - reforçaram que este tecido teria função mais significativa nos
Produção de calor a partir do recém-nascidos, auxiliando na manutenção da temperatura
desacoplamento da cadeia corporal após o nascimento. Contudo, o BAT continua pre-
-transportadora de elétrons Sinalização adrenérgica -
durante a cadeia respiratória, sente em adultos, principalmente ao redor dos vasos e das vér- Sensibilização dos receptores
a qual ocorre na membrana tebras, entre as escápulas, abaixo das clavículas e axilas, além adrenérgicos, resultando
interna da mitocôndria, gerando de estar associado a pâncreas, baço e rins. Atualmente, sabe-se em respostas fisiológicas e
calor ao invés de ATP. que o BAT possui importantes funções na regulação do meta- metabólicas como, por exemplo,
alteração da frequência
bolismo e no balanço energético, sendo considerado um tecido
cardíaca, tensão muscular,
alvo para intervenções terapêuticas para o tratamento da obe- lipólise e atividade termogênica.
sidade e do diabetes tipo 2 devido às suas funções benéficas
para o metabolismo. Em condições de exposição ao frio ou de
exercício físico, ocorre sinalização adrenérgica, a qual ativa o
processo de lipólise no BAT, que promoverá a hidrólise de Hidrólise - Processo químico
Lipólise - Quebra de moléculas
de triacilglicerol em moléculas triglicerídeos em glicerol e ácidos graxos. Com isso, os ácidos no qual ocorre quebra de uma
de ácidos graxos e glicerol. Este graxos resultantes entram na mitocôndria para oxidação lipí- molécula em meio aquoso.
processo ocorre por meio das dica, onde serão utilizados na cadeia transportadora de elé-
enzimas denominadas lipases. trons para produzir calor (termogênese).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 240


UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

A Lipomatose riormente, relatada como uma doença especí-


fica por Otto Madelung, a partir da observação
Simétrica Múltipla de 33 pacientes, em 1888. Dez anos depois,
foi caracterizada por Lanois e Bensaude em Característica fenotípica

(LSM) e sua uma série de 65 casos de pacientes com uma


entidade clínica bem definida, denominada
- Característica observável,
determinada pela interação

associação com o
entre a genética do indivíduo
Lipomatose Simétrica Benigna. A principal e o ambiente no qual ele se
manifestação fenotípica dessa doença é o de- encontra.
gene MFN2 pósito de tecido adiposo de caráter benigno, os
chamados lipomas. Estes podem ser de rápido
A LSM é uma doença genética de caráter au- crescimento, principalmente na região cervical, Neuropatia axonal -
tossômico recessivo, também conhecida como dorso e, mais raramente nos membros (supe- Degeneração do axônio dos
doença de Madelung ou doença de Lanois- riores e inferiores), face e genitália (Figura 1). neurônios, causando perda
-Bensaude. Foi mencionada na literatura pela Geralmente o aparecimento dos lipomas está sensorial e motora no paciente
primeira vez em 1846 por Benjamin Brodie, afetado.
associado com complicações metabólicas, po-
no St. George Hospital de Londres e, poste- dendo ou não apresentar neuropatia axonal.

Figura 1.
Regiões do corpo nas quais
os lipomas benignos podem
se desenvolver. A região do
pescoço, supraescapular e
interescapular são as mais
comumente afetadas pela
doença. Fonte: Autoria própria
utilizando alicerces fornecidos
pelo SMART - Servier Medical
ART (Les Laboratoires Servier).

O gene nuclear MFN2, localizado no cro- apenas a variante patogênica c.2.119 C>T
Variante patogênica -
mossomo 1, no braço curto, região 3, banda neste gene está relacionada ao desenvolvi- Alteração permanente na
6 (1p36.22) (Figura 2), apresenta um total mento da LSM quando presente em homo- sequência do DNA que leva
de 17 éxons, sendo responsável por codificar zigose. Esta variante ocorre no éxon 17, na ao desenvolvimento de uma
a proteína mitofusina 2 (Figura 3A), a qual posição 2119 da região codificadora do gene doença.
tem 757 aminoácidos em sua estrutura (Fi- MFN2, resultando na substituição de uma
gura 3B). Embora o gene MFN2 seja onipre- citosina por timina no DNA, e do aminoáci-
sente nos tecidos dos mamíferos, ele apre- do arginina, localizado na posição 707, pelo Éxon - Sequência do
senta maiores níveis de expressão em tecidos triptofano (p.Arg707Trp) na proteína (Fi- gene (conjunto de bases
com alta concentração mitocondrial, como gura 3). Nesses casos, o indivíduo pode ou nitrogenadas) que são
no coração, músculo estriado esquelético e não desenvolver neuropatia axonal. Por sua transcritas e posteriormente
traduzidas em uma sequência
no BAT. Inúmeras variantes patogênicas já vez, quando a variante c.2.119 C>T está pre-
de aminoácidos, diferentemente
foram encontradas e descritas ao longo do sente em heterozigose com outras variantes dos íntrons, os quais não são
gene MFN2. A maioria delas é responsável patogênicas em MFN2 (heterozigoto com- traduzidos.
pela manifestação de uma neuropatia axo- posto), o indivíduo desenvolve neuropatia
nal denominada Charcot-Marie Tooth do axonal com pouco ou nenhum acometimen-
tipo 2A (CMT2A). Porém, até o momento, to do tecido adiposo.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 241


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Figura 2.
Representação esquemática
da localização nuclear do
gene MFN2 em um adipócito
marrom (BAT), o qual possui
inúmeras gotículas lipídicas
e mitocôndrias em seu
citoplasma. O gene mitocondrial
MFN2 está presente no genoma
nuclear. Porém, a proteína
mitofusina 2, codificada por
este gene, é direcionada para
a mitocôndria, onde exercerá
suas funções termogênicas e
metabólicas. Fonte: Autoria
própria utilizando alicerces
fornecidos pelo SMART -
Servier Medical ART (Les
Laboratoires Servier).

Figura 3.
A) Sequência codificante
do gene MFN2, na qual os
retângulos intercalados pretos
e azuis representam éxons,
resultando num total de 2274
pares de bases de nucleotídeos.
B) Estrutura primária (ou
linear) da proteína mitofusina
2, evidenciando seus principais
domínios: GTPase, HR1
(repetição hepta 1), PR (rico em
prolina), TM1 (transmembrana
1), TM2 (transmembrana 2)
e HR2 (repetição hepta 2). A
variante patogênica na posição

A proteína mitofusina 2 2119 da região codificadora do


gene MFN2 é responsável por
alterar o aminoácido arginina,
As mitocôndrias se encontram, na maioria das células, dispos- localizado na posição 707,
GTPase - Família de enzimas
tas em redes tubulares extremamente dinâmicas e se caracte- pelo triptofano (p.Arg707Trp),
rizam como uma organela citoplasmática de extrema impor- afetando o domínio HR2 na
hidrolases (necessitam da sequência linear (estrutura
água para promover a quebra tância para a fisiologia celular, indo muito além da produção primária) da proteína mitofusina
de ligação) responsáveis por de adenosina trifosfato (ATP). A mitofusina 2 é uma proteína 2. A sequência referência
hidrolisar a molécula de GTP. localizada na membrana externa da mitocôndria, pertencen- utilizada para a criação da
te à família das GTPases, que atua em importantes eventos imagem do gene MFN2 foi a
NM_014874.4. Fonte: Autoria
Interações homotípicas - celulares relacionados à fisiologia mitocondrial. Essa proteína
própria utilizando alicerces
Interações entre moléculas atua promovendo interações entre a mitocôndria e o retículo fornecidos pelo SMART -
idênticas (exemplo: interação endoplasmático (RE), sendo uma proteína chave na justapo- Servier Medical ART (Les
entre mitofusina 2 com outra
mitofusina 2). sição entre essas organelas (Figura 4). A comunicação entre o Laboratoires Servier).
RE e a mitocôndria ocorre através de interações homotípicas
de mitofusina 2 (ou heterotípicas com mitofusina 1), numa
Interações heterotípicas
- Interações entre moléculas região específica da membrana do RE que se encontra associa-
diferentes (exemplo: interação da à mitocôndria. Nessa região, importantes funções celulares
da mitofusina 2 com a são desempenhadas, tais como: síntese e troca de lipídios, ho-
mitofusina 1). meostase do cálcio e apoptose.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 242


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Figura 4.
Localização e estrutura da
mitofusina 2. A) Localização
mitocondrial da proteína
mitofusina 2. B) Abaixo é
possível ver a estrutura de
forma ampliada da proteína,
ancorada na membrana externa
da mitocôndria através de seus
domínios transmembranas
(TM). Além disso, são
observados outros domínios
dessa proteína, como o rico em
prolina (PR), os de repetição
hepta (HR1 e HR2) dispostos
na forma de espiral em bobina
e o GTPase. Fonte: Autoria
própria utilizando alicerces
fornecidos pelo SMART -
Servier Medical ART (Les
Laboratoires Servier).

É importante compreender que as mitocôn- a fissão mitocondrial é o processo reverso,


drias não são organelas estáticas. Elas parti- causando a separação de mitocôndrias e per- Fusão mitocondrial - Processo
cipam de processos dinâmicos intracelulares mitindo a eliminação de seu conteúdo ou de de união física em que se forma
de fusão e fissão mitocondrial. Ambos os mitocôndrias danificadas. uma rede de mitocôndrias
para a troca de conteúdos
processos devem estar em equilíbrio para mitocondriais, sendo altamente
manter a funções da célula, incluindo o con- Em mitocôndrias opostas, a mitofusina 1 e
vantajoso no contexto de
trole da função mitocondrial e do ciclo celu- 2 interagem fisicamente através da formação uma célula sob alta demanda
lar. A fusão mitocondrial promove a união de dímeros antiparalelos (trans) entre seus energética.
de mitocôndrias através da membrana ex- respectivos domínios HR2 (repetição hepta
Fissão mitocondrial -
terna, formando uma rede mitocondrial que 2) (do inglês, heptad-repeat domain) (Figura
Processo inverso da fusão
permite a troca de substâncias e o aumento 3B). Esta interação é responsável por unir mitocondrial, promovendo
da produção energética, tanto em relação à fisicamente mitocôndrias diferentes; porém, a separação física entre
proteína mitofusina 2 quanto à proteína mi- não é suficiente para completar a fusão mi- mitocôndrias. Estes dois
tocondrial (Figura 5). Células possuindo mecanismos devem estar em
tofusina 1, codificada pelo gene MFN1. Já equilíbrio na célula.

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variantes patogênicas nos genes MFN1 e não de MFN1, leva à profunda disfunção do
MFN2 demonstraram morfologia mito- BAT, prejudicando a capacidade respiratória
condrial aberrante, bem como fragmentação celular e as respostas ao estímulo adrenérgi-
de suas redes. A deficiência de MFN2, mas co que ocorrem nesse tecido.

Figura 5.
Demonstração simplificada
do papel da mitofusina 2,
evidenciando a interação entre
os domínios HR2 (verde claro)
de diferentes mitocôndrias,
no processo de justaposição
durante a fusão mitocondrial.
Fonte: Autoria própria
utilizando alicerces fornecidos
pelo SMART - Servier Medical
ART (Les Laboratoires Servier).

A mitofusina 2 possui alta expressão no BAT, bramento de proteínas. Isso ocorre porque a
desempenhando papel fundamental na fun- UPR está relacionada a uma maior tensão em
ção termogênica desse tecido por meio do regiões onde a membrana do RE se encontra
acoplamento da mitocôndria com a gotícula associada à mitocôndria. Essas regiões ten-
lipídica (situada no interior do adipócito). A sionadas apresentam a proteína mitofusina
mitofusina 2 auxiliará nesse processo através 2 como um intermediador entre a mitocôn-
de sua interação com a perilipina 1, proteína dria e o RE. Estudos com roedores e moscas
expressa nos adipócitos. A perilipina 1 esta- do gênero drosophila sp. demonstraram que a
biliza as gotículas lipídicas, as quais contêm ablação do gene MFN2 induz estresse de RE, Ablação - Silenciamento
as gorduras provenientes da dieta, através da ratificando a importância da mitofusina 2 na genético.
inibição da enzima lipase de triglicerídeos do manutenção das funções do RE.
tecido adiposo (ATGL), uma das enzimas Lipase de triglicerídeos
responsáveis pela liberação de ácidos graxos
livres para a corrente sanguínea (lipólise). Essa
Manifestações do tecido adiposo (ATGL)
- Enzima transportada do

Clínicas da LSM
retículo endoplasmático para
inibição facilita a interação da mitocôndria e as gotículas lipídicas dos
a gotícula lipídica dos adipócitos em resposta adipócitos brancos (WAT), onde
à estímulos adrenérgicos e protege as células e Dentre as características fenotípicas e clíni- atua na etapa inicial de hidrólise
dos triglicerídeos armazenados
tecidos da lipotoxicidade, resistência à insulina cas manifestadas por pacientes que apresen-
dentro da gotícula lipídica.
e do estresse de RE. Dessa forma, a perilipina tam a LSM, causada pela variante patogênica
1 regula a hidrólise dos gorduras armazenadas no gene MFN2, destacam-se: o desenvolvi-
nas gotículas lipídicas, evitando a lipólise, pro- mento de lipomas benignos não encapsula-
cesso através do qual ocorre a liberação de áci- dos distribuídos simetricamente nas regiões
dos graxos para serem utilizados na produção de pescoço (chamado também de ‘’colar de
energética e de calor (termogênica). Por sua cavalo’’), interescapular e supraclavicular.
vez, a mitofusina 2 contribui para o metabolis- Essas duas últimas localizações constituem
mo do BAT através do acoplamento das mito- evidências claras de que a origem dos lipo-
Hepatoesplenomegalia -
côndrias com as gotículas lipídicas e da manu- mas ocorre no BAT. Indivíduos com LSM Aumento anormal do volume do
tenção da capacidade oxidativa mitocondrial. também podem apresentar hepatoespleno- fígado e baço.
megalia, esteatose hepática, resistência à
A mitofusina 2 também está relacionada à Esteatose hepática - Acúmulo
insulina e hipertrigliceridemia. Ademais, os de gordura nos hepatócitos
resposta às proteínas mal dobradas (UPR, do pacientes podem apresentar manifestações (células do fígado).
inglês ‘’Unfolded Protein Response’’) e ao estres- neurológicas pé cavo ou pé plano valgo, dor
se de RE, mecanismo de resposta ao mau do- Hipertrigliceridemia - Elevada
nos membros inferiores, ausência de reflexos concentração de triacilgliceróis
na corrente sanguínea.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 244


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patelares e fraqueza distal dos membros su- tes com doenças mitocondriais, tais como
periores ou inferiores. Alguns podem ainda surdez, puberdade precoce e hipotireoidismo
apresentar sintomas observados em pacien- (Figura 6).

Figura 6.
Representação esquemática das
principais manifestações clínicas
da LSM. Fonte: Autoria própria
utilizando alicerces fornecidos
pelo SMART - Servier Medical
ART (Les Laboratoires Servier).

A LSM apresenta heterogeneidade na cro- da LSM. Esses estudos contribuirão para


nologia do aparecimento de suas manifesta- a compreensão das funções metabólicas do
ções, características clínicas e até na gravida- BAT nos adultos bem como para o desen-
de das mesmas. Embora massas lipomatosas volvimento de novas estratégias terapêuticas
tenham sido facilmente diagnosticadas em voltadas para amenizar tanto o aparecimen-
todos os pacientes, os sinais neurológicos to de mais lipomas bem como as comorbi-
podem passar despercebidos por vários anos. dades metabólicas e neurológicas associadas
Em pacientes com LSM, também se obser- a essa doença.
Receptor β-2 adrenégico
vam defeitos na lipólise estimulada por si- - Receptor celular capaz
nalização adrenérgica no BAT. Além disso,
ensaios clínicos realizados com Salbutamol,
Para saber mais: de desencadear alterações
intracelulares, estimulando a
um agonista de receptores β-2 adrenégicos, BOUTANT M., KULKARNI S.S., JOFFRAUD atividade do sistema nervoso
M., RATAJCZAK J., VALERA-ALBERNI M., autônomo, a partir da ligação
demonstraram significante efeito terapêu- com um agonista, molécula
COMBE R., ZORZANO A. and CANTÓ C.
tico, com progressão reduzida dos lipomas (2017) Mfn2 is critical for brown adipose tissue capaz de ativar um receptor
associada com aumento da taxa metabólica thermogenic function. EMBO J 36:1543–1558. celular.
de repouso.
CAPEL E., VATIER C., CERVERA P., STO-
No Brasil, a LSM é uma doença subdiag- JKOVIC T., DISSE E., COTTEREAU A.S.,
AUCLAIR M., VERPONT M.C., MOSBAH
nosticada. Seu tratamento tem sido realiza-
H., GOURDY P. et al. (2018) MFN2-associated
do com foco principalmente estético, através lipomatosis: Clinical spectrum and impact on
da remoção dos lipomas. Contudo, o risco adipose tissue. J Clin Lipidol 12:1420–1435.
de recorrência dos lipomas é alto tendo
FILADI R., PENDIN D. and PIZZO P. (2018) Mi-
em vista a origem genética da LSM. Mais tofusin 2: from functions to disease. Cell Death
estudos são necessários para melhor com- Dis 9:330.
preender as funções da proteína mitofusi-
na 2 e sua relação com o desenvolvimento Les Laboratoires Servier SMART. In: Servier Med.
ART. https://smart.servier.com/.

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Síndrome de Dunnigan:
uma rara doença
relacionada ao gene LMNA

Monique Alvares da Silva1, Josivan Gomes Lima2,


Julliane Tamara Araújo de Melo Campos1*
1
Laboratório de Biologia Molecular e Genômica, Departamento de Biologia Celular e Genética,
Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
2
Departamento de Medicina Clínica, Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL)/UFRN,
Natal, RN, Brasil
Autor para correspondência - [email protected]
Palavras-chave: tecido adiposo, genética humana, lipodistrofia

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A síndrome de Dunnigan, também conhecida como Lipodistrofia Parcial Familiar do tipo 2


– LPF2 (do inglês Familial Partial Lipodystrophy type 2 - FPLD2) é uma doença autossômica
dominante rara em heterozigose, no gene LMNA, resultante de mutações do tipo sentido
trocado (do inglês missense). O gene LMNA é responsável pela codificação da proteína nu-
clear denominada lamina. As principais funções celulares das laminas incluem a regulação da
expressão gênica pela ligação a fatores de transcrição e a manutenção da integridade celular
pela sua rede de filamentos nucleares. As principais características do LPF2 são notadas no
desaparecimento progressivo do tecido adiposo subcutâneo nos membros, na região glútea,
no abdome e tronco, acompanhado do acúmulo de gordura em outras áreas, como a face, o
queixo e a região intra-abdominal. Essas alterações conferem aos afetados um aspecto de hi-
pertrofia muscular e simulam o fenótipo da síndrome de Cushing. Assim como a Lipodistro-
fia Congênita Generalizada - LCG, que possui uma prevalência elevada no Nordeste do Brasil
em relação ao resto do mundo, a LPF2 faz parte do grupo de doenças raras subnotificadas.
Esta revisão propõe a elucidação do papel das laminas e sua relação com a LPF2.

Mutação missense - alteração


de uma das bases do DNA O gene LMNA e seus Splicing alternativo - é um
que, de tal forma, muda o trio
de nucleotídeos, passando produtos proteicos processo pelo qual, a partir
de um mesmo gene, os éxons
a codificar um aminoácido
O gene LMNA está localizado na região 22 do braço longo do de um gene são conectados
incorreto e diferente do que
entre si de diferentes maneiras
seria esperado na posição cromossomo 1 e contém 12 éxons (Figura 1). Ele é responsá- durante o processamento do
correspondente da proteína. vel por codificar proteínas denominadas de laminas do tipo-A. pré-RNA mensageiro (RNAm),
Através do splicing alternativo no gene LMNA, são produzidas levando à síntese de diferentes
duas isoformas de lamina do tipo-A: a lamina A e a lamina C. RNA mensageiros (RNAm) e
Telômero - são estruturas isoformas de proteínas.
As laminas do tipo-A são proteínas longas e filamentosas que
compostas por sequências
compõem a lamina nuclear, as quais envolvem internamente o
repetidas de DNA associadas
a proteínas características núcleo e interagem com a cromatina, regulando a replicação e Célula-tronco - Células
existentes na extremidade o reparo do DNA, a transcrição e a organização da cromatina. precursoras que geram
diferentes tipos de células
de todos os cromossomos Além disso, desempenham um papel importante na dinâmica da diferenciadas e possuem
humanos, e exercem a função montagem nuclear, e na organização dos telômeros. As laminas
de proteger o material genético a capacidade de se
de degradação e alterações A e C estão presentes no núcleo de células dos mamíferos que já autorrenovarem.
cromossômicas. tiveram iniciado o seu processo de diferenciação (Figura 2) em
células que estão em estágios de diferenciação celular mais avan-
çados, e não são expressas em células-tronco.
Figura 1.
Localização cromossômica
do gene LMNA: 1q.22. O
primeiro número corresponde
ao cromossomo no qual o gene
pode ser encontrado. A letra
“q” se refere ao braço longo do
cromossomo. O número 2 diz
respeito à posição do gene nesse
braço. Logo, o gene LMNA se
encontra no cromossomo 1,
braço longo, posição 22. O gene
LMNA possui 12 éxons. Fonte:
Compilação do autor. Imagem
produzida utilizando a Genome
Decoration Page: https://www.
ncbi.nlm.nih.gov/genome/
tools/gdp/.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 247


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Figura 2.
Representação esquemática da
célula eucariótica (à esquerda)
evidenciando a localização dos
filamentos de laminas nucleares
(à direita). As laminas A/C
formam filamentos proteicos
(representados na cor cinza)
dentro do núcleo celular;
estabilizam e fortalecem a
membrana nuclear, e regulam
numerosos processos celulares,
incluindo replicação do DNA,
transcrição e organização da
cromatina. Fonte: Autoria
própria utilizando arcabouços
fornecidos pelo SMART (SMART
- servier medical ART).

O tecido adiposo O tecido adiposo marrom é desenvolvido a


partir de células precursoras que expressam
Myf5 e Pax7 (fatores de transcrição) no
Já é bem conhecido que o tecido adiposo é Fatores de transcrição -
mesoderma e também dão origem às células proteínas que se ligam ao
um importante tecido relacionado à reserva
do músculo esquelético e a uma porção de DNA de células eucarióticas
energética, atuando como isolante térmico,
adipócitos brancos. Os adipócitos caracteri- permitindo ou acentuando a
protegendo e sustentando os órgãos internos ligação entre a enzima RNA
zam-se por apresentarem múltiplas gotículas
contra pressões externas. O conhecimento polimerase e o DNA, iniciando a
lipídicas e um núcleo central. Esse tecido tem transcrição.
em relação à sua composição e suas intera-
como principal função dissipar a energia ar-
ções metabólicas tem sido muito estudado
mazenada na forma de calor e pode ser en-
e, atualmente, sabe-se que ele é formado
contrado na região interescapular em bebês e
por adipócitos e que, nos mamíferos, divide-
adultos cronicamente expostos ao frio extre-
-se em dois principais tipos: tecido adiposo
mo. Além disso, também está presente nas Mesoderma - folheto
branco e marrom.
regiões intercostal, periaórtica, perirrenal, germinativo, do qual derivam
No que diz respeito ao tecido adiposo bran- axilares, cervicais e ventrais. Recentemente, os tecidos conjuntivos,
os músculos, os sistemas
co, a principal função explorada tem sido o estudos indicam que o tecido adiposo mar-
urogenital e vascular e o
controle da homeostase energética por meio rom possui uma presença maior no corpo revestimento da cavidade do
do armazenamento e liberação de lipídios humano, diferentemente do que se conhecia corpo.
em resposta às necessidades nutricionais e anteriormente, bem como ações importantes
metabólicas sistêmicas, significando que o relacionadas à melhora da sensibilidade à in-
corpo libera energia pela quebra dos lipídios sulina e à redução do ganho de peso.
para atender às necessidades metabólicas,
mantendo o corpo em equilíbrio mesmo em
situações de escassez nutricional. Ele está
A síndrome de Autossômico - termo que
presente em diversos depósitos corporais,
tais como abaixo da pele (subcutâneo) e na
Dunnigan se refere à localização de um
gene em cromossomos do tipo
autossomos, ou seja, aqueles
região visceral, e suas células (adipócitos) são A síndrome de Dunnigan faz parte de um
que não determinam o sexo.
compostas por uma única gotícula lipídica e grupo de doenças raras que acometem o teci-
um núcleo excêntrico. O depósito subcutâ- do adiposo branco subcutâneo: as lipodistro-
neo tem sido um importante alvo de estudos fias. Algumas formas de lipodistrofias pos-
e algumas evidências sugerem que ele contri- suem um padrão de herança autossômico
bui de forma benéfica para o metabolismo. dominante e se caracterizam pela perda par-
Herança dominante - tipo
Além disso, a função endócrina do tecido cial do tecido adiposo corporal. A síndrome de herança na qual a presença
adiposo branco também tem sido bastan- de Dunnigan, também conhecida como Li- somente de um alelo no par
te estudada, tendo em vista que esse tecido podistrofia Familiar Parcial do tipo 2 - LPF2 de cromossomos é suficiente
(do inglês Familial Partial Lipodystrophy type para manifestar a característica
produz diferentes tipos de hormônios que correspondente a ele.
reguladores do metabolismo. 2 - FPLD2), ocorre devido a variantes pato-

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gênicas do tipo sentido trocado (do inglês referência: NM_001282625.1), resultando


missense) heterozigóticas no gene LMNA, na substituição do aminoácido arginina (R)
Mutação heterozigótica -
responsável por codificar as laminas. Exis- para glutamina (Q) na posição 482 (variante situação na qual uma mutação
tem mais de 10 variantes patogênicas relacio- referida como p.R482Q; sequência referên- relacionada a uma síndrome
nadas à LPF2 que alteraram o gene LMNA. cia: NP_733821.1). A troca de aminoácidos está presente em apenas um
Uma das mais prevalentes afeta o referido altera a estrutura proteica da lamina bem alelo.
gene no nucleotídeo 1.445 e afeta também a como sua função (Figura 3). Uma vez que as
proteína no aminoácido 482. Especificamen- laminas são proteínas estruturais do núcleo,
te, essa variante patogênica é a substituição variantes patogênicas que afetam a estrutura
de uma guanina (G) por uma adenina (A) dessas proteínas podem impactar a prolifera-
no nucleotídeo 1.445 do gene LMNA (va- ção, diferenciação celular e organização dos
riante referida como c.1445 G>A; sequência telômeros.

Figura 3.
Representação da mutação
c.1445G>A, p.R482Q, no gene
LMNA. A substituição de bases
de guanina por adenina resulta
na substituição de uma arginina
por uma glutamina na posição
482. A lamina produzida
é diferente da original,
afetando tanto sua estrutura
como, consequentemente,
suas funções celulares.
Fonte: Autoria própria
utilizando arcabouços
fornecidos pelo SMART (SMART
– servier medical ART).

As laminas possuem diversas características rísticas clínicas específicas (Figura 4), como
e funções, dentre elas, fazer parte do citoes- perda variável de gordura nas extremidades
queleto, núcleo e nucleossomo, além de atuar e no tronco, além de um excesso de gordu-
como reguladora gênica da expressão de fa- ra subcutânea no queixo e na área superior à
Regulação gênica - processo
tores de transcrição. Portanto, além de rea- clavícula. Contudo, ainda não está claro por que determina a ativação,
lizar papéis estruturais, elas também atuam que existe essa variação na quantidade de inativação ou intensidade da
como “proteínas ajudantes” para o início da tecido adiposo nos indivíduos com lipodis- transcrição de um gene.
produção de novas proteínas. No tecido adi- trofias parciais familiares, ratificando a hete-
poso, as laminas do tipo-A (laminas A e C) rogeneidade da doença e a complexa biologia
são dois produtos resultantes da tradução de do tecido adiposo.
dois transcritos alternativos do gene LMNA.
Elas são membros da família do filamento Portadores da LPF2 também apresentam
intermediário (FI) de proteínas que formam diversas alterações metabólicas, entre elas,
componentes da lamina nuclear, rede fibrosa resistência à insulina, diabetes, dislipidemia
Dislipidemia - é a elevação
e proteica próximas à membrana nuclear in- e baixos níveis de adipocinas, incluindo lep- de colesterol e triglicerídeos
terna. Assim, as laminas são importantes na tina e adiponectina (Figura 4). A leptina é no plasma ou a diminuição dos
manutenção da integridade celular, incluin- uma proteína produzida principalmente no níveis de HDL que contribuem
tecido adiposo, composta por 167 aminoá- para a aterosclerose
do os adipócitos.
cidos. Sua liberação ocorre durante a noite
Os portadores da lipodistrofia parcial fami- e às primeiras horas da manhã. Esse hor-
liar do tipo 2 (LPF2) apresentam caracte- mônio produzido pelo tecido adiposo tem

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como principal função o controle da ingestão ralizada congênita tem sido a administração
alimentar, atuando em células neuronais do com o análogo da leptina, a metreleptina, a
hipotálamo no sistema nervoso central, o que qual passou a ser utilizada no Brasil a partir
resulta na redução da ingestão alimentar e no de 2016. Estudos mostraram que esse trata-
aumento do gasto energético. A leptina tam- mento também promove efeitos metabólicos
bém participa da regulação do metabolismo positivos em pacientes portadores da LPF2,
da glicose e de gorduras. O principal trata- porém, este medicamento ainda não tem sido
mento para pacientes com lipodistrofia gene- utilizado em pacientes com LPF2 no Brasil.

Figura 4.
Representação das principais
alterações clínicas em
portadores da síndrome
de Dunnigan ou LPF2. As
áreas sinalizadas com perda
ou aumento de tecido
adiposo referem-se ao tipo
subcutâneo. Fonte: Autoria
própria utilizando arcabouços
fornecidos pelo SMART (SMART
- servier medical ART).

Por fim, é importante salientar que mais de transcrição e organização da cromatina ocor-
450 variantes patogênicas já foram descritas ram corretamente.
no gene LMNA, as quais têm sido relacio-
nadas ao desenvolvimento de, pelo menos,
15 tipos diferentes de doenças, conhecidas
Para saber mais
como laminopatias. Além da LPF2, estão DE MELO CAMPOS, J. T. A. et al. Endoplasmic re-
incluídas, como variantes patogênicas, as ticulum stress and muscle dysfunction in congen-
ital lipodystrophies. Biochimica et Biophysica Acta
desordens musculares cardíacas e esquelé- (BBA) - Molecular Basis of Disease, p. 166120,
ticas, cardiomiopatias, neuropatias como 2021.
Charcot-Marie-Tooth, distrofia muscular
de Emery-Dreifuss, e a síndrome progeroide HEGELE, R. A. et al. Heterogeneity of nuclear lamin
A mutations in dunnigan-type familial partial li-
de Hutchinson-Gilford. É possível relacio- podystrophy. Journal of Clinical Endocrinology and
ná-los porque tais variantes patogênicas no Metabolism, v. 85, n. 9, p. 3431–3435, 2000.
gene LMNA podem interferir na estrutu-
ZAMMOURI, J. et al. Molecular and Cellular Bases
ra secundária das proteínas laminas A/C, of Lipodystrophy Syndromes. Frontiers in Endo-
resultando no comprometimento das suas crinology, v. 0, p. 1830, 2022.
funções celulares, além de afetar a sua intera-
ção com outras proteínas e impedir que pro- SMART - Servier Medical ART. Disponível em:
<https://smart.servier.com/>. Acesso em: 22
cessos como replicação e reparo do DNA, mai. 2020.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 250

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