36 46 PB
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Volume 17 • No 2 • 2022
Conceitos em Genética
Genética e Sociedade
Na Sala de Aula
Materiais Didáticos
Resenhas
Um Gene
Índice
Editorial
A Genética na Escola completa uma nova etapa de sua jornada
Eliana Dessen
Conceitos em Genética
Ancestralidade e a estrutura genética da população brasileira.............................................139
Maria Luisa de Barros Rodrigues, Juliet Figueiredo Gonçalves Maciel, Cláudia Emília Vieira Wiezel,
Igor Caetano Dias Alcarás, Ana Maria Barbosa Pessotti, Aguinaldo Luiz Simões
Genética e Sociedade
Metilação do DNA e predição de idade para fins forenses...................................................150
Matheus de Sousa Ferrari, Thássia Mayra Telles Carratto, Silviene Fabiana de Oliveira, Celso Teixeira Mendes Junior
Como a genética contribuiu para compreender os efeitos biológicos
da exposição humana à radiação ionizante de Césio-137?..................................................158
Lorraynne Guimarães Oliveira, Samara Socorro Silva Pereira, Elza Maria Gonçalves Santos Uchoa, Daniela de Melo e Silva,
Emília Oliveira Alves Costa, Thaís Cidália Vieira Gigonzac, Cláudio Carlos da Silva, Aparecido Divino da Cruz
Na Sala de Aula
Que bacalhau é esse? – Uma abordagem lúdica introdutória
para a aplicação prática de sequências de DNA em sala de aula..........................................168
Carine Belau de Castro Martins, Ieda Zanotti, Antonio Mateo Solé-Cava
Materiais Didáticos
Identificando variantes de DNA utilizando conceitos
do pensamento computacional no ensino médio.................................................................180
Renato Augusto Corrêa dos Santos, Thayana Vieira Tavares, Matheus Scaketti, Jayme Sakae dos Reis Furuyama,
Guilherme Henrique Gomes, Alexandre Colato, Carlos Norberto Fischer
AmEG – Ambientes e Expressão Gênica..............................................................................191
Shenia Pedro Bom da Silva, Iris Hass
Como determinar a herdabilidade para um caráter quantitativo?........................................215
Kaliana Ferreira, Luísa Bertolini, Maria Imaculada Zucchi, Enéas Ricardo Konzen
Resenhas
Portal GenomaUSP: materiais didáticos para o ensino de Genética.....................................237
Andréa Grieco Nascimento, Maricí Leite, Bruna Trench, Mirelly Soares, Eliana Dessen
Um Gene
O gene MFN2 e sua associação com a Lipomatose Simétrica Múltipla................................239
Matheus Oliveira de Sena, Josivan Gomes Lima, Julliane Tamara Araújo de Melo Campos
Síndrome de Dunnigan: uma rara doença relacionada ao gene LMNA.................................246
Monique Alvares da Silva, Josivan Gomes Lima, Julliane Tamara Araújo de Melo Campos
Editorial A Genética na Escola completa uma nova etapa de sua jornada. Este editorial discute o perfil da revista,
sinaliza o depósito da revista no Periódicos em Nuvens e o término do processo artesanal de submissão de manuscri-
tos e também agradece o patrocínio da Mendelics para o ano de 2022.
Ao longo dos anos, verificou-se que a seção Investigações em Ensino de Genética, a única que trazia con-
tribuições originais sobre a pesquisa em ensino, foi recebendo um número de submissões gradualmente menos ex-
pressivo e com níveis muito altos de recusa, próximos a 90%. Para o corpo editorial, essa foi uma indicação de que a
“vocação” da GE não era a de apresentar resultados inéditos de pesquisa em ensino e, por isso, a seção acabou sendo
extinta em janeiro de 2022. Assim, o perfil da Genética na Escola consolidou-se por conter abordagens pedagógicas
criativas e inovadoras para o ensino aprendizagem da Genética e da Biologia evolutiva, atualizações conceituais da
Genética Moderna, e também por propiciar reflexões e discussões sobre os desdobramentos de novas tecnologias
na vida cotidiana e a fornecer material didático facilitadores da aprendizagem em sala de aula. Em outras palavras,
a GE afirmou-se como uma revista de apoio ao ensino. Procurou-se enfatizar cada vez mais conteúdo e linguagem
que atendesse a comunidade de professores dos ensinos médio e superior. A linguagem de divulgação científica foi
priorizada, sem perder a qualidade e precisão da informação veiculada.
O perfil da Genética na Escola como uma revista que “dá vontade de mostrar” deve muito à dedicação, cria-
tividade e eficiência do Pérsio Marcondes, que formatou uma revista com um padrão visual maravilhoso e que torna
a leitura mais fácil e convidativa. Por isso, o corpo editorial propõe que o Pérsio passe a ser o Diretor de Arte da GE.
A chegada da pandemia de Covid-19, impossibilitando a realização de congressos presenciais durante 2
anos, colocou a SBG em situação financeira crítica. Para não alterar o padrão de qualidade gráfica da Genética na
Escola e permitir a implantação da revista no sistema de Periódicos em Nuvens, um plano de longa data, buscou-se
o apoio da iniciativa privada. O patrocínio integral da Mendelics/Meu DNA permitiu, não apenas a manutenção da
revista em 2022, como também a modernização de sua infraestrutura. À Mendelics, os nossos agradecimentos.
O atual número da Genética na Escola foi o último a ser editado por meio de um processo artesanal de sub-
missão e análise de manuscritos. Este mesmo número inaugura a submissão eletrônica dos manuscritos e a inserção
de toda a coleção de artigos da GE no Periódicos em Nuvens, no sistema OJS, Open Jornal System. Além disso, o nú-
mero DOI passou a ser atribuído para todos os artigos, um requisito há muito almejado por todos os autores da GE.
A partir de setembro de 2022, as submissões passam a ser eletrônicas e os autores deverão acessar https://
geneticanaescola.emnuvens.com.br/revista para enviar suas contribuições. O antigo site da Genética na Escola https://
www.geneticanaescola.com/ foi desativado para uso e contém apenas o redirecionamento para o novo site.
Durante a trabalhosa fase de implantação da GE no sistema OJS destaca-se a contribuição de Pérsio Mar-
condes do Amaral, responsável pela edição de arte da GE, pela adaptação do tamanho e da rediagramação parcial das
primeiras páginas dos artigos, que podiam ser lidas em página aberta. Outro destaque na fase de implantação foi a
Eveli Alexandre, que juntamente com a Lepidus e a editora, ajudou a configurar o sistema OJS para a publicação da
GE.
A revista Genética na Escola permanece com vontade de crescer ainda mais. Temos desafios e ambições pela
frente, como melhorar a divulgação dos números e participar das redes sociais. Nos ajude a formar uma comunidade
de apoio e trocas para professores que precisem de materiais didáticos e ideias inovadoras para o ensino de Genética
e Biologia Evolutiva na sala de aula. Imagine quão ricas e criativas poderiam ser as interações e como poderíamos
contribuir ainda mais para promover a alfabetização em Genética e, no final das contas, a alfabetização científica das
próximas gerações de jovens brasileiros.
Eliana Dessen
CONCEITOS EM GENÉTICA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Ancestralidade e a estrutura
genética da população brasileira
Ancestralidade é um termo que atrai a atenção da maioria das pessoas, pois remete à história
de cada um de nós e nossas famílias. Em decorrência desse interesse, surgem empresas ofere-
cendo exames com propagandas como “Quais são as suas origens?”. Então, as pessoas buscam
por esses exames motivadas pela curiosidade ou necessidade de criar vínculos ancestrais, uma
vez que a maioria sabe muito pouco ou nada sobre seus antepassados. O que geralmente as
pessoas não sabem é que a ancestralidade nos diz muito mais do que nossas origens, nos conta
sobre a história de todas as populações e contribui para a genética médica.
Ao longo do texto, serão abordados concei- Esse primeiro conceito está atrelado a ma-
tos de ancestralidade genética, formas de nifestações culturais e políticas dos nossos
estimá-la, sua importância na genética médi- antepassados, às tradições familiares e re-
ca, a formação de subpopulações humanas e lações afetivas e não se relaciona direta ou
estrutura genética da população brasileira. É exclusivamente à composição genética dos
importante ressaltar que esse artigo se atém à indivíduos. Nesse caso, precisamos conhecer
conotação biológica de ancestralidade, o que os antepassados e suas histórias para saber
não deve ser confundido com o conceito de qual seria a origem de cada um deles, isto é,
raça, que é de cunho sociopolítico. A diferen- de que país vieram e a qual grupo cultural
ciação genética entre grupos populacionais pertencem.
humanos é muito baixa, não havendo, por-
tanto, razão biológica para separar a espécie
humana em raças.
Conceitos de
ancestralidade
A ancestralidade é um conceito amplo que
aparece em contextos socioculturais, em que
se refere à ancestralidade genealógica, e bio-
lógicos, em que geralmente se refere à ances-
tralidade genética.
O termo ancestralidade genealógica é um
conceito mais subjetivo, que envolve a linha-
gem familiar e se refere à árvore genealógica
de uma família. Por exemplo, como ilustrado
na Figura 1, costumamos dizer que um in-
divíduo cujos pais são espanhóis também é
espanhol. Ou então que um indivíduo com
pais vindos da Itália e Nigéria é meio italiano
e meio nigeriano. Por extensão, um indiví-
duo que seja descendente de um espanhol e
de um meio italiano e meio nigeriano, será
metade espanhol, um quarto italiano e um Figura 1.
Árvore genealógica. É a
quarto nigeriano. Apesar de muitas vezes a representação de uma história
ancestralidade genealógica ser mencionada familiar, a partir da qual
em proporções, geralmente há um ramo da conseguimos observar as
árvore cujas tradições se sobressaem. conexões entre os indivíduos,
sejam descendentes ou
antepassados.
Figura 2.
Formação de populações
miscigenadas. Consideramos
duas populações ancestrais A
e B como geração inicial (G0).
Após miscigenação dessas
populações, origina-se a
primeira geração de população
miscigenada A. A partir de G1,
quando ocorre um evento de
recombinação cromossômica,
um mesmo cromossomo passa a
apresentar trechos referentes a
ancestralidades diferentes.
Figura 3.
Representações da estimativa
de ancestralidade global. Na
forma de gráfico de barras,
visualizamos as proporções
de ancestralidade de cada
indivíduo (cada barra) e
agrupamentos populacionais de
indivíduos com ancestralidades
semelhantes. Na forma
de gráfico de triângulo,
visualizamos os indivíduos
(pontos) das populações
representantes das ancestrais
(população 2, 3 e 4) fixados nos
vértices, enquanto indivíduos
da população miscigenada
(população 1) encontram-se
dispersos pela área do triângulo
de acordo com suas proporções
de ancestralidade.
Figura 4.
A ancestralidade local é a
ancestralidade atribuída a cada
trecho do DNA, conferindo
um aspecto de mosaico ao
cromossomo.
são comparadas as frequências alélicas das está de acordo com os relatos encontrados na
variantes entre indivíduos portadores (gru- literatura que descrevem a estrutura genética
po-caso) e não portadores (grupo-controle) da população brasileira, o que enfatiza a ne-
de determinada característica. Como essas cessidade de avaliar a ancestralidade baseada
características podem ser influenciadas pela em marcadores genéticos ao invés incluir nos
ancestralidade, esta torna-se um fator de estudos a autodeclaração dos indivíduos so-
confusão nesses estudos, levando a associa- bre suas características fenotípicas.
ções espúrias principalmente nas populações Fator de confusão - é uma
Em um outro estudo, também com popu- terceira variável, muitas vezes
miscigenadas. desconhecida, que pode estar
lação brasileira, incluindo amostra de dife-
presente em um experimento e
Os efeitos de confusão surgem quando a rentes regiões do país, identificaram uma leva a associar de forma espúria
característica em questão é mais prevalente associação da ancestralidade africana com as variáveis que se deseja
em indivíduos de uma origem específica e, obesidade em mulheres. Nesse estudo, ob- estudar.
portanto, o grupo-caso pode apresentar pro- servaram que um alelo que é muito raro em
porções de ancestralidade distintas das apre- europeus, porém mais frequente em africa-
sentadas pelo grupo-controle. Essa diferença nos ocidentais, é muito mais frequente tam-
na representatividade da ancestralidade ge- bém no grupo de mulheres com obesidade
nética entre os grupos é o que pode levar a mórbida. Isso mostra, além da influência da
associar erroneamente uma característica a ancestralidade em determinados fenótipos,
determinadas variantes quando, na verdade, como populações miscigenadas são úteis
a característica pode estar associada à maior para permitir novas associações entre varian-
representatividade, no grupo-caso, de indiví- tes genéticas e fenótipos.
duos cujo DNA apresenta grandes propor-
ções de uma determinada origem. Outros exemplos de ancestralidade influen-
ciando a incidência de doenças são a maior
Nesse contexto, em populações que apresen- prevalência de esclerose múltipla entre euro-
tam mistura, como a brasileira, é protocolo peus, de diabetes em regiões da América do
de excelência a utilização de um conjunto de Norte e Caribe e de hipertensão em popu-
AIMs para inferir a ancestralidade genética e lações africanas e asiáticas. Também existem
corrigir estatisticamente os efeitos da estra- variações metabólicas resultantes de diferen-
tificação populacional em estudos de caso- tes ancestralidades, o que implica em dife-
-controle para realizar análises de associação renças na resposta a tratamentos médicos.
genômica de doenças complexas. Como exemplo, podemos mencionar que
caucasianos requerem doses maiores do anti-
Como exemplo, o Lupus Eritematoso Sis- coagulante varfarina comparado aos asiáticos
têmico (LES) é uma doença autoimune que e há uma maior resposta ao broncodilatador
apresenta diferentes taxas de incidência de albuterol em latinos comparados a afro-ame-
acordo com o grupo ancestral. Em um es- ricanos.
tudo com pacientes brasileiros com LES,
os grupos de caso e controle apresentaram
diferenças significativas nas proporções an-
cestrais europeias e africanas, embora ambos
Estrutura genética
tenham mostrado maior contribuição euro- da população
peia, seguida de africana e ameríndia. Outra
informação importante desse estudo é que a brasileira
comparação entre a ancestralidade genética e
Ao inferirmos a ancestralidade global da po-
a autodeclarada desses pacientes brasileiros
pulação brasileira, de modo geral, observa-
com LES apresentou pelo menos 30% de
mos predominância de material genético de
contribuição ancestral não declarada, incluin-
origem europeia e menor ascendência ame-
do africano/ameríndio em indivíduos auto-
ríndia, entretanto notamos que cada região
declarados brancos e europeu/ameríndio em
do país apresenta proporções de ancestrali-
autodeclarados pretos. Tal divergência entre
dade distintas (Figura 5). As regiões Sul e
a ancestralidade autodeclarada e a estimada
Figura 5.
Proporções de ancestralidade
no Brasil em geral e por região
geográfica para marcadores
genéticos em cromossomos
autossômicos, no cromossomo
Y (Y-chr) e no cromossomo
mitocondrial (mtDNA). As
proporções ilustradas foram
estimadas através da média
entre valores encontrados na
literatura científica.
Isso posto, cada população apresentará par- já mostraram que há divergência entre am-
ticularidades e uma história demográfica di- bas, o que pode gerar surpresas e confusão
ferente a ser considerada e, portanto, dados para as pessoas que buscam por exames de
de ancestralidade genética não podem ser ancestralidade motivadas pela curiosidade.
extrapolados para outras populações e indi- Portanto, é preciso cautela e orientação de
víduos mesmo que haja alguma semelhança um profissional da área ao interpretar esses
na história geral dos países. Como ilustrado resultados e seu significado.
na Figura 5, se até mesmo entre as regiões do
Brasil podemos verificar diferentes ancestra-
lidades e proporções, a diferença será ainda Para saber mais
maior ao considerar outros países. MATHIESON, I.; A. SCALLY. What is ancestry?
PLoS Genetics v.16: e1008624, 2000.
Essas considerações evidenciam a importân-
cia de estudar a ancestralidade de cada po- PENA, S. D. J., F. R. SANTOS; E. TARAZONA-
pulação e de unir os dados históricos aos ge- SANTOS. Genetic admixture in Brazil. Ameri-
can Journal of Medical Genetics Part C: Seminars
néticos para guiar a escolha das populações
in Medical Genetics v.184, p. 928-938, 2020
de referência e aumentar a confiabilidade dos
resultados, seja em estudos populacionais ou PEREIRA, F. D. S. C. F.; R. M. GUIMARÃES; A.
em estudos de associação e genética médica. R. LUCIDI; D. G. BRUM, C. L. A. PAIVA et al.
A systematic literature review on the European,
Por fim, a ancestralidade genética tem uma African and Amerindian genetic ancestry com-
ponents on Brazilian health outcomes. Scientific
grande importância populacional e indivi- Reports v.9, p. 8874, 2019.
dual, mas devemos lembrar que há diferença
desses dados comparados às informações que SUAREZ-PAJES, E., A.; DÍAZ-DE USERA, I.;
MARCELINO-RODRÍGUEZ, B.; GUIL-
geralmente conhecemos sobre nossa história
LEN-GUIO; C. FLORES. Genetic ancestry
e de nossa família. Apesar da ancestralidade inference and its application for the genetic map-
genealógica ou autodeclarada dar indícios ping of human diseases. International Journal of
da ancestralidade genética, muitos estudos Molecular Sciences v.22, p. 6962, 2021.
Metilação do DNA e
predição de idade
para fins forenses
A adição do radical metil é realizada por en- Após essa etapa, é realizada uma amplifica-
zimas DNA metiltransferases (DNMTs) e ção da região de interesse por uma reação
sua remoção, por enzimas da família TET em cadeia da polimerase (PCR). Este proce-
(ten-eleven translocations). dimento faz com que as citosinas metiladas
estejam presentes no produto amplificado
Para avaliar o status de metilação de uma como citosinas, enquanto que as citosinas
região genômica de interesse, o método não metiladas, que foram convertidas em
mais utilizado consiste no tratamento da uracilas, aparecem no produto amplificado
amostra investigada com bissulfito de sódio como timinas. Dessa forma, utilizando dife-
(NaHSO3), que converte as citosinas não rentes métodos de sequenciamento de DNA
metiladas em uracila, enquanto que as cito- é possível diferenciar facilmente as citosinas
sinas metiladas permanecem como citosinas. metiladas daquelas não metiladas (Figura 1).
Figura 1.
Modelo ilustrativo da conversão
com bissulfito de moléculas de
A metilação tem papel importante em di- função. Por ser fortemente influenciada pelo citosina não metiladas.
versas atividades biológicas, dentre elas está ambiente e estilo de vida, a metilação media
a regulação da expressão gênica sendo que a o impacto destes agentes externos em diver-
metilação contribui para silenciar um gene e, sos processos fisiológicos como, por exem-
a desmetilação, para estimular sua expressão. plo, no envelhecimento. Uma vertente nos
Dessa forma, a metilação atua na diferencia- estudos de metilação e envelhecimento é a
ção celular de forma que, ao regular a expres- possibilidade de predição de idade biológica
são de genes específicos, pode influenciar na a partir da avaliação de algumas regiões do
especialização da célula para determinada genoma (Figura 2).
Figura 2.
Alteração do padrão de
metilação (representada por
Segundo esse raciocínio, buscou-se identi- CpG utilizados influencia a eficácia do reló- estrelas vermelhas) do DNA de
acordo com o avanço da idade
ficar sítios CpG com padrões de metilação gio, sendo que os resultados mais precisos cronológica. Enquanto existem
fortemente correlacionados com a idade e são obtidos quando um maior número de sí- genes que tendem a ser mais
tentar caracterizar tais “relógios epigenéticos” tios CpG é utilizado. Além disso, há relógios metilados conforme a idade
baseados no nível de metilação de sítios de que são eficazes somente em alguns tecidos e avança (A), como os genes
ELOVL2, FHL2 e KLF14, outros
CpG. Foi constatado que o número de sítios outros, em vários tipos de tecidos.
tendem a se desmetilarem com
o passar do tempo (B), como
é o caso dos genes HOXC10 e
HOXC-AS2.
Há 34 anos ocorreu em Goiânia, Goiás (Brasil), o maior acidente radiológico em área ur-
bana, tendo como consequência a exposição humana, animal, vegetal e ambiental pelo Cé-
sio-137. As vítimas do acidente manifestaram contaminação externa e/ou interna a radiações
ionizantes para doses que variaram até 7 Gy e se viu a necessidade do acompanhamento da
saúde genética dessas pessoas. Tecidos biológicos são extremamente vulneráveis à radiação
ionizante que pode causar acúmulo gradual de danos no DNA, por exemplo. As exposições
a baixas doses, por sua vez, causam uma instabilidade genômica progressiva. Melhorias nas
tecnologias de análise genômica proporcionaram a chance de investigar, com alto nível de pre-
cisão, diversos tipos de biomarcadores, possibilitando uma estimativa real do risco genético
de populações exposta à RI.
Instabilidade genômica -
Nome dado à ocorrência de
efeitos numa célula irradiada
e em suas descendentes.
Figura 1.
Linha do tempo dos eventos
do acidente com Césio-137 em
Goiânia (Goiás – Brasil). A: Dois
sucateiros tiraram a cápsula
dos escombros para vendê-la.
B: O dono do ferro velho, que
comprou a cápsula, percebeu
que, no escuro, o pó possuía
um brilho azul. C: O dono do
ferro velho mostrou a cápsula
aos vizinhos e amigos. D: A
sobrinha do dono do ferro velho
ingeriu um ovo com as mãos
sujas de Césio-137. E: Duas
vítimas levaram a cápsula para
a Vigilância Sanitária de ônibus.
F: Monitoramento da exposição
da população à radiação
ionizante.
Figura 2.
Decaimento radioativo do
Césio-137. A meia vida deste
radioisótopo é de 30,2, que é o
intervalo de tempo necessário
para que o número inicial
de nuclídeos seja reduzido
à metade do valor inicial.
O decaimento radioativo
do césio-137 ocorre pela
diminuição gradual de massa
e atividade e se torna um
elemento estável quando decai
para Ba-137.
Figura 3.
Dose e resposta dos efeitos
determinísticos e estocásticos.
A: Uma das características
dos efeitos determinísticos é
a existência da dose limite. A
exposição à radiação acima
desse nível é danosa para o
organismo e, quanto mais alta
a dose, mais severo o efeito.
B: Não existe dose limiar para
efeitos estocásticos. Nesse
tipo de efeito, mesmo em
doses extremamente baixas,
a exposição à radiação pode
causar alguns efeitos.
duzem íons que atacam o DNA. O princi- reativas de oxigênio que interagem com o
pal processo indireto de dano ao DNA pela DNA causando lesões potencialmente mu-
radiação ionizante é causado pela radiólise, tagênicas. Os danos na molécula de DNA,
Radiólise - É a quebra de uma
sendo a radiohidrólise o mais eficiente dos induzidas pelas radiações ionizantes, po- ou várias ligações químicas,
ataques nucleofísicos ao DNA. Na radiohi- dem ser lesões em um ou poucos nucleotí- resultante da exposição à
drólise, a energia radioativa depositada deos, quebras de fita simples do DNA ou de radiação ionizante.
sobre moléculas de água produz espécies dupla fita do DNA (Figura 5).
Figura 4.
A natureza dos agentes
O monitoramento de exposição do sistema quantificáveis que podem estar alterados mutagênicos. Os agentes
biológico a agentes genotóxicos e mutagêni- devido à interação do sistema biológico com mutagênicos são capazes de
cos consiste em avaliar e interpretar parâme- um agente estressor. A quantificação dos induzir mutação no genoma das
tros biológicos e/ou ambientais com a fina- biomarcadores gera informações úteis para células expostas.
lidade de detectar possíveis riscos à saúde. os estudos de biomonitoramento, proteção e
Biomarcadores são parâmetros biológicos mitigação de riscos.
Figura 5.
Representação esquemática
dos efeitos diretos e indiretos
da radiação no DNA e os tipos
de danos que essas interações
podem causar na molécula. Na
ação direta, a radiação danifica
o DNA sem intermediários;
na ação indireta, a radiação
interage com a molécula de
água produzindo radiólises da
água e assim danificando o
DNA.
Corrida eletroforética - É
Em meados de 1970, a natureza das mutações função do tratamento aplicado, durante a uma técnica que separa
induzidas por radiação foi amplamente infe- eletroforese, o DNA íntegro permanecerá no moléculas biológicas com base
em seu tamanho, quando
rida de relações dose-efeito com diversos bio- nucleoide, enquanto o DNA fragmentado submetidas a um campo
marcadores. Os danos na molécula de DNA migrará por força de um campo elétrico uni- elétrico. Como o DNA possui
podem ser quantificados, sendo, portanto, um forme durante a eletroforese, gerando uma carga negativa, ele migrará
parâmetro de análise usado como biomarca- imagem que lembra um cometa com uma quando sujeito ao dipolo de um
campo elétrico uniforme.
dores de exposição e/ou de efeito. As lesões cabeça e uma cauda, daí o nome do ensaio
provocadas na molécula de DNA são usadas (Figura 6).
para investigar a genotoxicidade e a mutageni-
cidade da exposição. Para quantificar os danos Os biomarcadores mais frequentemente Nucleoide - O DNA
genotóxicos, são empregadas metodologias usados para investigar o dano mutagênico geralmente é acondicionado
que têm como princípio separar e observar induzido pela exposição do DNA à radia- em suborganelas chamadas
ção são as aberrações cromossômicas e os nucleoides, que tornam-se
fragmentos da molécula de DNA. visíveis quando corados com um
micronúcleos. A frequência de aberrações
corante que se liga ao DNA.
Uma metodologia frequentemente usada cromossômicas é o marcador de exposição
para a investigação da genotoxidade é o teste de preferência desde a década de 1960. A
cometa. O princípio do teste é a visualização metodologia é sensível, permitindo estimar
direta de danos no DNA em células indivi- doses absorvidas tão baixas quanto 0,1 Gray.
Gray - Grandeza física usada
duais por meio de uma corrida eletroforéti- Este ensaio é visto como o método mais efi- para avaliar a quantidade de
ca. Esta técnica apresenta alta sensibilidade caz para a dosimetria biológica na faixa de radiação absorvida pelo tecido.
para a detecção de danos genotóxicos e pos- doses de radiação que ocorre em acidentes
sui a reprodutibilidade simples e rápida. Em em massa. Dosimetria biológica
- Técnica utilizada para
determinar a dose de radiação
recebida por um indivíduo
através de efeitos biológicos
induzidos.
Figura 6.
Nucleoide submetido ao teste
cometa. A imagem mostra uma
nucleoide celular com quebras
de diversos tamanhos de DNA
causada por radiação ionizante
que possui efeito estocástico.
A célula foi submetida à corrida
eletroforética em um campo
elétrico uniforme, que permite
a separação dos fragmentos,
fazendo com que os menores
migrem com uma velocidade
maior formando um arraste.
O sentido de migração é para
o polo negativo, na imagem
caracterizado pelo arraste, que
lembra um cometa.
Os micronúcleos são um subproduto das Mais recentemente, diversos estudos têm in-
aberrações cromossômicas instáveis ou de vestigado o papel da variação estrutural do
perdas de cromossomos inteiros. A quanti- genoma que possui tamanho intermediário, Figura 7.
dade de micronúcleos presentes nas células é conhecida como Variação do Número de Representação esquemática
dos tipos de aberrações
proporcional à dose de RI absorvida. Os mi- Cópias (do inglês, Copy Number Variants - cromossômicas instáveis
cronúcleos consistem de pequena massa nu- CNV), que envolve rearranjos variáveis de e estáveis e da formação
clear revestida por membrana com aparência ganhos e/ou perdas do conteúdo de DNA de micronúcleo. A. Os
de um pequeno núcleo, porém separada do como biomarcadores de efeito de agentes cromossomos dicêntricos são
originados a partir de quebras
núcleo celular. O diâmetro do micronúcleo é mutagênicos. Evidências demonstram que a
das extremidades teloméricas
menor que 1/3 do núcleo principal, e, por- exposição à radiação ionizante resulta em um de dois cromossomos distintos,
tanto, pode ser facilmente diferenciado em aumento significativo na formação de CNV que se reúnem de forma errada,
uma célula binucleada. Os micronúcleos são de novo em células irradiadas. As CNVs, formando uma estrutura com
originados durante a divisão celular decor- contendo perdas genômicas, parecem ser 2 centrômeros e fragmentos
acêntricos. B. O cromossomo
rente da não disjunção cromossômica, geral- mais comumente induzidas por radiações em anel surge de duas quebras,
mente ocasionada por lesões no DNA, que que causam deleções no DNA. Elas surgem ambas no mesmo cromossomo,
não foram reparadas pelo sistema de reparo como resultado de reparo ou erro de reparo flanqueando o centrômero.
(figura 7). de DSBs e SSBs na molécula de DNA. As extremidades quebradas
são ligadas, formando-se um
anel que inclui o centrômero
e um fragmento acêntrico.
C. Nas deleções terminais há
rompimento de um segmento
terminal e um fragmento
acêntrico é originado. (*Os
fragmentos acêntricos
produzidos pelas quebras
são instáveis, ou seja, são
perdidos durante o processo
de divisão celular.) D. As
radiações ionizantes podem
causar diferentes tipos de
ganhos e perdas de fragmentos
cromossômicos.
E. A translocação é a
transferência de um segmento
de um cromossomo para outro
não-homólogo. F. As inversões
surgem a partir de duas quebras
nos cromossomos e cada
fragmento reorganiza-se de
forma invertida, podendo ou
não envolver o centrômero.
G. Os micronúcleos (indicados
pelas setas) são originados
durante a divisão celular
derivados da não disjunção
cromossômica geralmente
ocasionadas por lesões no DNA.
Formação de micronúcleos a
partir de fragmentos acêntricos
e cromossomos inteiros
atrasados. H. Formação de
micronúcleos a partir de
fragmentos acêntricos e pontes
citoplasmáticas a partir de
cromossomos dicêntricos.
I. Células submetidas ao teste
de micronúcleo. A seta indica,
na imagem, uma célula com
um micronúcleo ao lado de um
núcleo principal.
Nos últimos anos, o rápido desenvolvimento tações no genoma dos filhos dos indivíduos
de tecnologias de análise genômica tem pro- expostos. Esta população apresenta doenças
porcionado a chance de investigar, com alto comuns como diabetes, osteoporose, alergias,
nível de precisão, diversos tipos de variantes gastrites, entre outros, porém são inquestio-
genéticas. Consequentemente, estimativas náveis os inúmeros agravos de cunho psicos-
mais precisas sobre o risco genético da popu- social que as pessoas envolvidas enfrentam.
lação exposta à radiação ionizante podem ser Portanto, é importante a continuidade do
obtidas. Inovações nas técnicas de sequencia- monitoramento da saúde dessas pessoas,
mento do genoma humano vêm sendo refi- pois é uma das maneiras de mitigação dos
nadas em um ritmo rápido e está permitindo efeitos deletérios da RI.
um progresso fascinante e valioso na com- Sequenciamento de Nova
Figura 8.
Linha do tempo do
biomonitoramento genético
da população exposta ao
Césio-137 de 1987 até o
momento atual.
A atividade prática “Que bacalhau é esse?” constrói um diálogo de saberes entre ensino de
biologia e mundo real para facilitar o aprendizado de conteúdos que vão desde o DNA como
base hereditária até o seu uso para identificação de espécies. A atividade envolve uma parte
lúdica, através de uma história em quadrinhos sobre “o mistério da ceia de Natal”, e segue
um roteiro que instiga a redescoberta e investigação. Motivados a atuarem como cientistas,
tentando esclarecer o mistério, estudantes comparam sequências de DNA dos bolinhos com
aquelas de uma biblioteca, auxiliados por uma chave dicotômica. A atividade foi aplicada em 5
escolas públicas com sucesso, e manteve a maior parte dos estudantes engajados nas atividades
propostas.
sendo 50 minutos voltados para exposição dora deve ser, nesta parte da atividade, orien-
teórica, e 50 minutos para atividade prática tar a discussão para chegar no DNA como
investigativa, e se organiza em 3 momentos. possível ferramenta para resolver o mistério.
A turma deve ser estimulada a debater e bus-
I. Apresentação do tema car respostas para o problema. É possível que
(diferenças entre bolinhos de bacalhau a turma convirja para alguma solução expe-
feitos por irmãs) rimental para comparar os bolinhos de ba-
O primeiro momento contextualiza a pesca calhau. A facilitadora deve auxiliar, fazendo
do bacalhau a partir de uma perspectiva his- perguntas que orientem, sutilmente, a dis-
tórica e social, apresentando-a como objeto cussão da turma. Esse direcionamento para
investigativo. Resgatamos brevemente a his- a aula poderá ser feito a partir do questiona-
tória da pesca do bacalhau e sua importância mento direto aos estudantes sobre “quais as
histórica. O conhecimento que se considera semelhanças e diferenças entre você e um ba-
nas aulas de ciências passa a ser também o calhau?”. Em nossa experiência, essa pergun-
conhecimento social, que perpassa os muros ta, encarada inicialmente como uma piada
da escola e se conectam para construir um pelos estudantes, provoca algumas reflexões
discurso científico próprio da sala de aula. interessantes sobre o que é ser semelhante e
Isso torna possível ao estudante definir, a o que é ser diferente, que podem ser explo-
partir deste contexto, o problema a ser inves- radas. Caso não haja uma convergência para
tigado. as células e o DNA como resposta, pode ser
feita uma outra pergunta, acompanhada da
Após essa apresentação inicial sobre o baca- exibição de imagens (em powerpoint ou im-
lhau e de sua importância história e cultural, pressas; Fig. 2) de embriões de bacalhau e
apresentamos à turma a história do mistério humanos, mostrando como são parecidos, e
da ceia de Natal. Como material de apoio seguidos da pergunta: “por que este embrião
para esta parte da aula, empregamos uma vai originar um bacalhau, enquanto este ou-
história em quadrinhos, em que o primeiro tro vai originar um ser humano?”.
ato (Fig. 1) introduz, no arco dramático, um
problema: será que a diferença nos bolinhos Nesse momento da aula, o ponto-chave es-
de bacalhau feitos por duas irmãs, a partir tará nos conceitos de genética já abordados
da mesma receita de família, são resultado com a turma em aulas anteriores. A trajetória
de diferenças na qualidade no preparo ou no passa pela ideia de que, macroscopicamente,
tipo de peixe usado? existe pouca semelhança entre ambas as es-
pécies, mas a semelhança nas etapas iniciais
Recomenda-se a realização de uma leitura de seu desenvolvimento embrionário provo-
coletiva da HQ em sala de aula, permitin- ca o pensamento para além do macroscópico,
do que a turma interaja entre si e com a(o) sendo a existência do DNA trazida à tona
facilitadora(or). A leitura pode ser realizada pelos próprios estudantes. Nesse momento,
por voluntários ou a(o) facilitadora(or) pode passamos para a relativização do que é seme-
escolher estudantes para fazerem uma leitu- lhante e o que é diferente, explicando que os
ra dramatizada, em que cada um dos parti- humanos e o bacalhau têm 70% dos genes
cipantes engajados na leitura representa um em comum, mas que esses genes são dife-
dos personagens presentes na história. rentes (mas também semelhantes) em suas
sequências de DNA. Esse é um ponto im-
II. Levantamento investigativo portante na aula porque permite a discussão
(qual a diferença entre você e o bacalhau?) sobre a diferença nos conceitos de gene e de
A partir do problema apresentado, a(o) fa- DNA. Em termos de DNA, a diferença, por
cilitadora(or) estimula os estudantes a pro- exemplo, no gene mitocondrial citocromo b
curar uma solução para o problema. Como entre humanos e bacalhau é de cerca de 60%.
saber se a diferença no gosto dos bolinhos A próxima pergunta, então, pode ser: “se en-
de bacalhau se devia ao uso de espécies di- tre você e o bacalhau têm uma diferença de
ferentes? Até este ponto da atividade, a sigla 60% no DNA do citocromo b, será que entre
“DNA” não foi usada. O objetivo da facilita- você e o colega do lado essa diferença é maior
Figura 1.
Quadrinhos 1 a 6 da história
“Que bacalhau é esse?”.
Nessa parte da história, os
estudantes são introduzidos ao
problema: será que a diferença
na qualidade dos bolinhos de
“dona” Jane e de sua irmã, são
devidos a diferenças em suas
habilidades culinárias ou ao
peixe usado?
ou menor?”. Mais uma vez, pode haver uma De fato, a diferença entre o DNA do cito-
discussão, e espera-se que convirja, natural- cromo b de um humano e outro humano é
mente, para “menor’ (surpreendentemente, de menos de 1%. E entre dois bacalhaus da
essa convergência não é rápida, e precisa ser mesma espécie?”. Mais uma vez, alguma dis-
trabalhada com cuidado). Nesse ponto, a fa- cussão na turma e a resposta “mesma coisa,
cilitadora pode dizer algo como “muito bem! 1% mais ou menos”.
Figura 2.
Embriões no estágio de
duas células de bacalhau (à
esquerda) e de humano (à
direita). Apesar de diferentes, os
dois são bastante semelhantes.
Figura 3.
Diferenças entre sardinhas,
bacalhau verdadeiro, ling
(que é um bacalhau falso) e
humanos, nas sequências do
gene citocromo b. Notem que
os peixes são menos diferentes
entre si do que em relação a
humanos, mas que, entre eles,
também existem diferenças.
Ou seja, a facilitadora tem o papel condutor momento da aula atua como construção do
nessa etapa, sendo o estudante o responsável diálogo do pensamento científico, em que se
por inferir ativamente no objeto de investiga- estimula a ação ativa dos estudantes nas ela-
ção através da pergunta proposta pela histó- borações de visões do mundo de forma críti-
ria em quadrinho (“o que pode estar diferen- ca, na qual o sujeito se torna a voz principal
te nos bolinhos de bacalhau servidos?”). Este do processo de aprendizagem.
Após chegar nesse ponto, os estudantes bolinhos de bacalhau. Então, podem ser
estão prontos para reconhecer que dife- mostrados e teatralizados os próximos 8
renças nas sequências de DNA podem quadrinhos, correspondentes ao segundo
ser a solução para saber a espécie dos ato (Fig. 4).
Figura 4.
Quadrinhos 7 a 14 da história
“Que bacalhau é esse?”.
Nessa parte da história, os
estudantes acompanham
como a bióloga Vanessa usa
o estudo das sequências de
DNA dos bolinhos para resolver
o mistério. Note que não
mostramos ainda a solução
do mistério, pois serão os
estudantes que irão descobrir
qual bolinho era feito com
bacalhau falso. É importante
criar um clima de suspense
nessa etapa, enfatizando que
está em jogo a capacidade
culinária da irmã de dona Jane
ou a honestidade de quem
vendeu o tal bacalhau para ela.
Figura 4.
Cont.
letra). O objetivo da atividade não é ensinar cinco tipos diferentes para depois descobri-
sequenciamento ou biologia molecular, mas rem a espécie que comeram é maravilhoso,
apenas mostrar como sequências de DNA mas a logística necessária é muito complexa,
podem ser usadas para identificar espécies. o custo é alto e provavelmente não aplicável
Se a turma estiver devidamente motivada e na maioria das escolas.
curiosa sobre o assunto, ele pode ser apresen-
tado e discutido em outras aulas. Uma coisa O material padrão para essa parte da aula é
que deve ser esclarecida para a turma é que, uma figura com a biblioteca de referência,
em geral, trabalha-se com sequências muito constituída de sequências de DNA de cito-
maiores, mas que, como a diferença entre as cromo b dos bacalhaus verdadeiros e falsos
espécies é bastante grande, podemos esco- (Fig. 5), bem como uma chave dicotômica
lher uma parte da molécula que sirva para para a identificação de cada espécie a partir
diferenciá-las. da sequência (Fig. 6). Após a apresentação
dessas sequências, cada grupo recebe uma
A turma, então, está pronta para a atividade sequência impressa que corresponde ao seu
prática, na qual irá investigar, como “detetives bolinho. As sequências (Fig. 5) podem ser
do DNA”, o mistério dos bolinhos. A prática impressas (3 por página, recortadas) em
consiste na divisão da turma em cinco gru- impressora colorida e entregues para cada
pos de investigadores, cujo objetivo é desco- grupo. As sequências devem ser identifica-
brir a espécie usada em bolinhos de bacalhau das por letras de A-E ou numeração de 1-5.
imaginários. Essa aula também pode ser feita Pode ser dito para os grupos que duas das
com bolinhos de bacalhau verdadeiros! Já o sequências entregues são as dos bolinhos da
fizemos em três ocasiões, em escolas em lo- dona Jane e de sua irmã na HQ (marcar a
calidades de vários níveis socioeconômicos, sequência de Gadus macrocephalus como a do
e sempre funcionou muito bem. O aspecto bolinho da dona Jane e a sequência de Pola-
lúdico dos estudantes comerem bolinhos de chius virens como a da irmã da dona Jane).
Figura 5.
Sequências de um fragmento do
gene citocromo b diagnóstico
para espécies de peixes
salgados secos. As espécies das
sequências são: 1 - saithe;
2 - bacalhau porto imperial;
3 - zarbo; 4 - bacalhau “cod”;
5 - ling. Essas sequências
podem ser impressas em um
papel de gramatura maior
(120 g/cm) e plastificadas para
reuso, ou podem ser impressas
em papel normal e entregues
para os estudantes.
O caminho para a identificação das espécies parar com as sequências em mãos. Assim, os
correspondentes às sequências é uma chave estudantes colocarão em prática o que foi dis-
dicotômica (Fig. 6) junto com a imagem das cutido na aula até então, identificando a espé-
sequências (Fig. 5). A chave e a biblioteca de cie correspondente por comparação visual da
sequências podem ser projetadas, coladas ou sequência de DNA, e apontar se a espécie en-
desenhadas, para que a turma possa ver e com- contrada é de um bacalhau falso ou verdadeiro.
Figura 6.
Alinhamento de um fragmento
As sequências identificadas serão conferidas escolar, através das discussões levantadas do gene citocromo b de
conjuntamente com a(o) facilitadora(or) e durante os momentos da aula. Assim, os co- espécies vendidas como “peixe
os grupos podem falar para a turma qual o nhecimentos dos estudantes sobre o mundo salgado seco”. Os nucleotídeos
resultado que obtiveram. Nesse ponto, pode foram o ponto de partida para a construção diferentes entre as sequências
estão coloridos. Para facilitar
ser passada para a turma a parte final da HQ do questionamento e da experimentação
a identificação, é apresentada
(Fig. 7). que caracterizam o método científico. A di- uma chave dicotômica que pode
nâmica discursiva proporcionou a constru- ser usada pelos estudantes para
Na finalização da aula, será então levanta- ção de um diálogo entre saberes adquiridos identificar a amostra.
da uma última discussão na qual se propõe no ensino de biologia e no cotidiano fora
pensar o índice de substituição e fraudes na da escola o qual tornou fácil a assimilação
cadeia comercial de pescado no Brasil, assim dos conceitos de fraude e substituição, as-
como a motivação para tal, direcionando os sim como suas consequências ao comércio
estudantes a questionarem como isso pode pesqueiro. A base filogenética apresentada
afetar principalmente as espécies em risco e sutilmente sobre a semelhança e a diferença
os estoques pesqueiros utilizados como fonte entre bacalhau e humano e entre bacalhau
de consumo. e sardinha funciona muito bem e serve de
base bastante rápida para que os estudantes
Experenciando encontrem a maneira de resolver o mistério
dos bolinhos. Nesse sentido, os estudantes
a atividade participaram ativamente na construção do
conhecimento sobre o que é uma análise
A implementação da atividade prática du-
de forênsica pesqueira, e ficaram, de uma
rante a aula permitiu que houvesse um diá-
maneira geral, muito contentes com suas
logo entre os saberes cotidiano, científico e
Figura 7.
Quadrinhos 15 a 18 da história
“Que bacalhau é esse?”. Nessa
parte da história, Vanessa
desvenda, da mesma forma
que os estudantes fizeram,
o mistério. O bacalhau
da irmã de dona Jane era
falso! Esse fechamento da
história é importante por
permitir o compartilhamento
da experiência vivida pelos
estudantes com o desenlace da
história em quadrinhos.
Figura 8.
Wordcloud formada a partir
das respostas dos estudantes
na folha de avaliação aplicada
ao fim da aula à pergunta “O
que você achou da aula?”.
Foram excluídos pronomes
e preposições. Note que as
palavras “incrível”, “divertida”,
“gostei”, “quadrinhos” e
“descoberta” figuram entre as
10 mais citadas.
Contudo, vale ressaltar que a prática do- não sejam lesadas na compra de pescado. A
cente está sujeita a diferentes dificuldades, partir desse ponto, e dependendo do tempo
sendo fluida para se reinventar constante- e do interesse da turma, evoluímos a discus-
mente, e através de tal perspectiva precave- são para mostrar a importância de se garantir
mos que essa aula pode não ser apropriada, que espécies ameaçadas não sejam vendidas
diretamente, para qualquer perfil de turma. como se fossem outras, não ameaçadas, o que
Faz-se necessário analisar a identidade cul- também despertou muito interesse.
tural dos membros da turma. Para que esta
prática possa ter reconhecimento identitá- Acreditamos que esta atividade seja relativa-
rio, é necessário que as facilitadoras investi- mente simples de aplicar em sala de aula, logo
guem e compreendam quais conhecimentos no início do tema da genética, servindo como
sobre o mundo os estudantes já dispõem, motivadora do tema “DNA” para o resto do
uma vez que suas principais reflexões par- curso. Nossa experiência foi muito positiva,
tem das concepções discentes sobre o tema. e continuamos a oferecer esta atividade em
Por exemplo, quando a aula foi apresentada outras escolas e como atividade de extensão.
a uma turma em localidade muito precária
(uma comunidade na Pavuna, bairro pobre
do Rio de Janeiro onde, um mês antes, uma
Para saber mais
CARRAHER, T.N. Ensino de ciências e desenvolvimen-
estudante havia morrido por bala “perdida”), to cognitivo. Coletânea do II Encontro “Perspec-
um dos estudantes questionou sobre para tivas do Ensino de Biologia”. São Paulo, FEUSP,
quê iriamos descobrir qual era a espécie de 1986.
um bolinho de bacalhau, se “aqui ninguém
GEMIGNANI, E. Y. M. Y. Formação de Professores e
come essas coisas não, professor”. Essa inter- Metodologias Ativas de Ensino Aprendizagem: En-
venção permitiu evoluir a aula, com sucesso, sinar Para a Compreensão. Fronteiras da Educa-
para fora do bacalhau, passando por testes ção, v. 1, n. 2, p.1-27, 2012.
de paternidade e de forênsica jurídica, áreas KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. 4ª
muito mais familiares a muitos ali presentes. São Paulo: Universidade de São Paulo, p. 85-87,
Em outros lugares, por outro lado, houve 2004.
identificação imediata da turma com o di-
TEMP, D. S.; BARTHOLOMEI-SANTOS, M.
lema das personagens da HQ, e a discussão L. Genética e suas Aplicações: Identifican-
inicial ficou limitada à questão dos direitos do o Conhecimento Presente entre Con-
do consumidor, mostrando o poder das aná- cluintes do Ensino Médio. Ciência E Natu-
lises de DNA para assegurar que as pessoas ra, v. 36, n. 3, p. 358–372, 2014. https://doi.
org/10.5902/2179460X13619
Identificando variantes
de DNA utilizando
conceitos do
pensamento
computacional
no ensino médio
Renato Augusto Corrêa dos Santos1, Thayana Vieira Tavares2, Matheus Scaketti1,
Jayme Sakae dos Reis Furuyama3, Guilherme Henrique Gomes4, Alexandre Colato5,
Carlos Norberto Fischer6
Programa de pós-graduação em Genética e Biologia Molecular, Instituto de Biologia, UNICAMP, Campinas, SP
1
O chamado pensamento computacional pode ser entendido como um conjunto de ações lógi-
cas que visam solucionar um problema ou realizar uma ação. Para que o estudante de Biologia
possa se familiarizar com conceitos do pensamento computacional, foi desenvolvido um ma-
terial didático cuja finalidade é apresentar uma atividade de Genética que pode ser realizada
em sala de aula, na qual os alunos têm a oportunidade de aplicar o pensamento computacional
de forma desplugada, o que permite seu desenvolvimento também em escolas sem recursos
tecnológicos. O material didático envolve a aplicação do conhecimento em dois contextos
diferentes: em atividades do cotidiano e em uma atividade voltada para a identificação de va-
riantes em sequências de DNA codificantes homólogas, correspondentes à enzima tirosinase,
em macacos-pregos brasileiros com fenótipos saudável e albino. A apresentação dos conceitos
em diferentes contextos favorece a aquisição gradual de competências e facilita a aplicação dos
conhecimentos na análise de sequências biológicas. A atividade apresentada é indicada para
aplicação em turmas do ensino médio e sugere-se a utilização de recursos didáticos de ensino
investigativo.
Figura 1.
Representação da atividade de
lavagem de pratos. Na parte
superior, estão representados
os pratos sujos e limpos que
devem ser recortados pelos
alunos. Na parte inferior,
apresenta-se um exemplo de
organização da “bancada” de
atividade.
Para a execução da atividade, o professor Como cada aluno pode sugerir um passo a
deve colocar o conjunto inicial em uma mesa passo diferente e que não aborde necessaria-
(Figura 1) e conduzir os alunos na resposta, mente estes conceitos (algoritmos, estruturas
ou seja, ele pega um prato e mostra para a de decisão e estruturas de repetição), ao final
sala, deixando que os alunos apontem o pas- da atividade, deve ser explicado para os alu-
so a passo a ser realizado. Caso aconteça de nos quais conceitos foram utilizados e quais
algum aluno sugerir um passo a passo dife- poderiam ser utilizados, apresentando um
rente, é função do professor conduzi-lo para algoritmo, como exemplificado na Figura 2.
a resposta desejada. Alguns questionamen-
tos podem ser levantados pelo professor: O algoritmo da Figura 2 é apresentado na
forma de fluxograma, que utiliza formas
• Se o prato está sujo na sua casa, você o co- geométricas como o retângulo, o losango
loca junto com os limpos? e círculos. No caso do retângulo, ele serve
para mostrar a execução de uma ação direta
• Se o prato está limpo, por que lavá-lo no- (neste exemplo do cotidiano, “a seleção de um
vamente?
prato”, “a lavagem de um prato” e “a colocação Além disso, as setas indicam a ordem em que
do prato limpo no conjunto de limpos”). Já as ações são executadas. Por fim, nota-se no
o losango é usado para indicar uma tomada algoritmo a indicação de uma “estrutura de
de decisão, a chamada “estrutura de decisão” repetição” (o tracejado vermelho mais amplo
(na Figura 2, para verificar “se o prato sele- na figura), que indica que todo o conjunto de
cionado está sujo” ou “se ainda há pratos a se- ações (as três ações diretas e as duas estrutu-
rem verificados”). Os círculos no fluxograma ras de decisão) deve ser executado repetida-
servem para especificar o “Início” e o “Fim” mente até que não haja mais pratos a serem
da sequência de passos a serem executados. verificados.
Figura 2.
Exemplo de sequência de
passos para realizar uma
atividade do cotidiano,
considerando a lavagem de
pratos.
gene que codifica a tirosinase (da posição ções”. Tal sequência deverá ser usada pelos
55 a 75) em indivíduos diferentes de maca- alunos para fazer as comparações de bases
cos-pregos, destacando os códons do código homólogas com o trecho de sequência de
genético, apresentadas na Figura 4. A pri- outros quatro indivíduos, a fim de responder
meira sequência de cada par a ser comparado se há alteração. Se houver, deve-se anotar o
representa a de um indivíduo saudável (“re- tipo de mutação e qual o possível impacto no
ferência”) e deve ser considerada “sem muta- fenótipo.
Figura 3.
Exemplo de algoritmo para
Para iniciar a atividade, o professor deve- régua. As linhas tracejadas na parte de cima realizar uma atividade do
rá imprimir e recortar o conjunto de ima- da Figura 4 deverão ser cortadas com estile- cotidiano de professores e
gens da Figura 4, que ajudará os alunos a te, para criar uma “janela” de visualização. As- alunos, considerando a escolha
consolidarem o aprendizado dos conceitos sim, os alunos poderão passar cada conjunto de uma série para assistir. Neste
caso, o algoritmo é apresentado
computacionais introduzidos anteriormen- de sequências através dela e comparar as ba- em dois formatos: à esquerda,
te. As imagens na figura correspondem a ses, uma a uma. O professor deverá instigar de forma descritiva e, à direita,
sequências de DNA de quatro indivíduos os alunos a desenvolverem uma estratégia (o como um fluxograma.
diferentes, mostrando posições numeradas algoritmo) para comparar sequências com
de acordo com a sequência de referência. este material de recorte em mãos. O objetivo
Esta numeração indica que as posições são é que os alunos analisem cada uma das po-
homólogas, ou seja, compartilham um an- sições utilizando o conceito de estrutura de
cestral comum e, portanto, podem ser com- repetição, de forma análoga ao exemplo do
paradas. conjunto de pratos, mas desta vez percor-
rendo cada nucleotídeo, em uma ordem de-
O professor deverá distribuir as sequências terminada pela posição, em uma sequência
(numeradas de 1 a 4) aos alunos, informan- de DNA. A fim de responder se há ou não
do o fenótipo do organismo portador, mas mutação, nesta parte da atividade, os alunos
sem dizer quais delas apresentam mutação. estarão colocando em prática o conceito de
Em seguida, ele deverá orientar os alunos a estrutura de decisão.
colocar cada uma destas sequências em uma
Figura 4.
Material para ser utilizado em
sala de aula que representa
trechos de uma sequência de
bases para quatro indivíduos
diferentes. Para cada recorte, a
sequência superior (numerada)
corresponde à referência, ou
seja, do organismo tido como
saudável com a qual as demais
devem ser comparadas.
2a
U C A G
Figura 6.
Na parte superior, são
O professor pode interagir com os alunos nes- • Há diferença no produto da tradução? apresentados os fenótipos
ta parte da atividade, para instigar a formação Qual a consequência? albino (esquerda) e saudável
do raciocínio lógico em relação à construção (direita). Na parte inferior, é
do algoritmo de comparação de sequências: • Como cada um fez a comparação? apresentado o material para
ser utilizado em sala de aula,
• É possível comparar todas as sequências, Como os alunos podem seguir um racio- que inclui os macacos-pregos
uma a uma, com a referência? cínio lógico diferente e que não aborda os e um retângulo abaixo de cada
conceitos tratados neste material didáti- imagem, no qual devem ser
colocadas as sequências de
• Há alguma semelhança entre elas? co, ao final da atividade deve ser explica-
aminoácidos de cada indivíduo.
do para os alunos quais conceitos foram e Ela foi intencionalmente
• Há alguma diferença? Qual? quais poderiam ser utilizados, apresentan- criada em preto e branco,
• Como as proteínas são sintetizadas e qual do um algoritmo, como exemplificado na pois possibilita a distinção
Figura 7. de fenótipos e permite que o
a importância delas para o organismo? professor a use em sala de aula
sem necessidade de impressão
colorida. Fonte da imagem
colorida: DE VASCONCELOS, et
al. (2017).
Figura 7.
Exemplo de algoritmo
para realizar a comparação
AmEG –
Ambientes e
Expressão
Gênica
Figura 1.
A transcrição está normalmente
desligada. A proteína
reguladora repressora livre
de seu substrato específico
liga-se ao operador (A) e
assim bloqueia a ligação da
RNA polimerase no promotor,
impedindo a transcrição.
Quando um substrato indutor
está presente (B), este se liga
à proteína reguladora (C), a
qual modifica sua estrutura
e perde a capacidade de se
ligar ao DNA. O operador
livre permite a ligação da
RNA polimerase ao promotor,
iniciando a transcrição dos
genes estruturais (D).
Figura 2.
A transcrição está normalmente
ligada. A proteína reguladora
repressora livre de seu substrato
não tem capacidade de se ligar
ao operador, o que permite
a ligação da RNA polimerase
no promotor e ativação da
transcrição (A). Quando o
substrato correpressor está
presente no meio (B), este
se liga à proteína repressora
e induz sua alteração
conformacional (C). Como
resultado, a proteína repressora
passa a ter afinidade pelo
operador, ao qual ela se liga
impossibilitando o acesso da
RNA polimerase no promotor,
desligando a transcrição (D).
Figura 3.
A transcrição está normalmente
desligada. A proteína reguladora
ativadora livre do seu substrato
não se liga ao sítio ativador
(A) e consequentemente inibe
a transcrição. Na presença
do substrato indutor (B), a
proteína reguladora ativadora
tem sua conformação alterada
e ganha a capacidade de
ligação ao sitio regulador (C). A
proteína auxilia no deslizamento
da RNA polimerase pelo
promotor, permitindo a
transcrição dos genes
estruturais (D).
Figura 4.
A transcrição está normalmente
ligada. A proteína reguladora
ativadora livre se liga ao
sitio ativador (A) e auxilia
no deslizamento da RNA
polimerase e sua saída do
promotor, promovendo a
transcrição. Na presença do
substrato correpressor no meio
(B), este se liga à proteína
reguladora (C), que muda
sua conformação tornando-a
incapaz de se ligar ao sítio
ativador (D), de modo que
a transcrição não é mais
estimulada.
AMBIENTE 2
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)
Um operon qualquer de E.coli que possui
controle de regulação do tipo positivo
induzível tem a presença do substrato 1 hora = Substrato induzível presente em
no meio representado no gráfico. Como 15 minutos = Substrato induzível abundância.
se encontra a expressão dos genes no ausente.
tempo de 15 min e de 1 h? Na presença do substrato indutor, este
Na ausência do substrato indutor, a se associa com a proteína reguladora
proteína reguladora repressora não repressora, muda sua conformação e
possui afinidade pelo sítio ativador e não então o complexo passa a ter afinidade
estimula a transcrição. pelo sítio ativador, auxiliando no
deslizamento da RNA polimerase pelo
Genes do operon encontram-se
operon e estimula a transcrição.
desligados.
Genes do operon encontram-se ligados.
AMBIENTE 3
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)
Pesquisadores buscando compreender Operon I Operon II
melhor o funcionamento das vias A transcrição está normalmente ligada. A Semelhança com o operon I: a transcrição
metabólicas que influenciam na proteína reguladora atua como repressora está normalmente ligada.
respiração da bactéria E.coli em condição e, na ausência do substrato repressor, Diferença com o operon I: a proteína
anaeróbica, descobriram a atuação de não possui afinidade com o DNA (sítio reguladora atua como ativadora e precisa
enzimas de dois operons, ambos de operador), possibilitando a ligação da estar ligada ao DNA (sítio ativador) para
regulação repressível, porém o operon I RNA polimerase ao promotor. que os genes sejam expressos.
possui controle negativo e, o operon II,
O substrato repressor presente no meio Semelhança com o operon I: o substrato
controle positivo.
auxilia na ligação da proteína ao DNA, presente no meio silencia a expressão
Represente o controle genético dos impedindo a ligação da RNA polimerase dos genes.
operons I e II em condições normais ao promotor, desligando a expressão dos
e com a presença do substrato Diferença com o operon I: o substrato
genes.
evidenciando as diferenças e repressor auxilia na separação da
semelhanças entre eles. proteína reguladora do DNA e não
estimula o deslizamento da RNA
polimerase pelo operon, silenciando a
expressão dos genes.
Movimentação das peças: - Controle negativo repressível (Ver Figura 2).
- Controle positivo repressível (Ver Figura 4).
Entre os principais sistemas de operon bac- positivo, sendo obtido por meio da ligação
teriano, o Operon Lac refere-se ao controle de uma proteína reguladora chamada pro-
genético do metabolismo da lactose em E. teína catabólica ativadora (CAP) (Anexo
Metabolismo - Conjunto
coli. Considerado um operon negativo indu- 3) ao sítio ativador do DNA, aumentando de transformações que as
zível, os genes estruturais estão geralmente a eficiência de ligação da RNA polimerase substâncias químicas sofrem no
desligados, devido à associação da proteína aos promotores. O regulador CAP só con- interior dos organismos vivos.
reguladora repressora ao operador. Quando segue se ligar ao sítio ativador ao formar um
no meio há presença de lactose e ausência de complexo com uma molécula sinalizadora -
glicose, a expressão dos genes aumenta cerca um nucleotídio modificado adenosina-3',5'-
de mil vezes. monofosfato cíclico (AMP cíclico ou cAMP)
(Anexo 4), que tem sua concentração regula-
A transcrição eficiente do Operon Lac ocor- da de maneira inversa proporcional ao nível
re apenas se houver lactose e se a glicose de glicose disponível no meio.
estiver ausente (Figura 5). Por ser um mo-
nossacarídeo e não precisar ser previamen- O operon Lac possui três genes estruturais:
te hidrolisada, a glicose é a fonte de energia lacZ, lacY, e lacA. Esses genes são transcri-
primária de muitas bactérias que, quando tos como um único RNAm, regulados sob o
está presente no meio, reprime a expressão controle de um único promotor e traduzidos
de genes que participam do metabolismo de para proteínas específicas que ajudam a cé-
outros açúcares. lula a utilizar a lactose. A enzima β-galac-
tosidase, codificada pelo gene lacZ, possui
A repressão catabólica é um segundo con- duas funções importantes: converte lactose
trole do operon Lac, que surge em resposta em alolactose e também quebra a lactose em
à presença de glicose através de um controle glicose e galactose. A enzima permease, pro-
duto do gene LacY, é necessária para que seja galactosídio transacetilase, produto do gene
possível o transporte da lactose para dentro LacA, não possui uma função clara no meta-
da célula. E ainda, uma terceira enzima, tio- bolismo da lactose.
Figura 5.
Em (A) é possível visualizar
como o gene está inicialmente
organizado quanto à sua
expressão - desligado e a
representação dos substratos,
lactose, alolactose e glicose,
necessários para ativar o
operon. Em (B) temos a
representação da associação/
dissociação das proteínas
reguladoras e da ligação da
RNA polimerase ao DNA,
levando a nova organização do
gene quanto a sua expressão
– ligado. Fonte: As autoras
(2021).
AMBIENTE 1
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)
Na rotina nutricional de uma pessoa, às 7:00 h da manhã = Presença de glicose e 11:00 h da manhã = Ausência de glicose
6:00 h (a.m) a glicose está sendo usada ausência de lactose. e presença de lactose.
como principal fonte energética e não há
Sítio ativador sem ligação do complexo Sem glicose a quantidade de cAMP
no meio nenhum outro carboidrato. Após
CAP-cAMP, pois na presença de glicose aumenta e forma o complexo CAP-
uma série intensa de atividade física e
há baixo cAMP na célula e o complexo cAMP, capaz de se ligar ao sítio ativador,
alto gasto energético, a primeira refeição
com a proteína reguladora CAP não é auxiliará no deslizamento da RNA
do dia, feita as 9:30 h (a.m.), contou com
formando. polimerase pelo operon.
o consumo de produtos ricos em lactose.
Proteína reguladora repressora Lac I O substrato indutor presente no meio
Pensando na obtenção de energia das
ligada ao sítio operador, impedindo o se liga à proteína reguladora repressora,
bactérias E.coli presentes no intestino
acesso da RNA polimerase. Ausência de que perde a afinidade com o operador.
desta pessoa, demonstre a expressão dos
substrato indutor no meio (lactose). Operador livre permite a ligação da RNA
genes do operon Lac às 7 h da manhã e
polimerase ao promotor.
as 11 h da manhã. Genes do operon Lac desligados.
Genes do operon Lac ligados.
Movimentação das peças: - Controle da glicose (CAP-cAMP) = Positivo induzível (Ver Figura 3).
- Controle da lactose = Negativo induzível (Ver Figura 1).
- Funcionamento do operon Lac = Positivo/Negativo Induzível (Figura 5).
AMBIENTE 6
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)
Ao ingerir glicose para um exame de Acréscimo 1 h após o exame. Acréscimo 6 h após o exame.
curva glicêmica, e se alimentar com
A presença do substrato indutor lactose A situação da proteína reguladora
produtos ricos em lactose 1 h e 6 h após
no meio se liga à proteína reguladora repressora Lac I em associação com a
a análise laboratorial, a atividade das
repressora Lac I e esta se desliga do lactose permanece a mesma.
enzimas que participam do metabolismo
operador permitindo a ligação da RNA
de lactose variaram e estão representadas O que muda é que na ausência de
polimerase ao promotor. Porém, na
nos gráficos. Demonstre a situação glicose há um aumento de cAMP na
presença de glicose há baixo cAMP na
da regulação do operon Lac nos dois célula e o complexo com a proteína
célula e o complexo com a proteína
momentos de acréscimo da lactose. reguladora CAP é formado, permitindo
reguladora CAP não é formado e o sitio
a ligação ao sítio ativador e favorecendo
ativador permanece vazio, não havendo
o deslizamento da polimerase pelo
estímulo do deslizamento da polimerase
operon.
pelo operon.
Genes do operon Lac ligados.
Genes do operon Lac desligados.
Movimentação das peças: - Controle da glicose (CAP-cAMP) = Positivo induzível (Ver Figura 3).
- Controle da lactose = Negativo induzível (Ver Figura 1).
- Funcionamento do operon Lac = Positivo/Negativo Inzudível (Figura 5).
Repressão catabólica: por mais que tenha lactose no meio, a glicose será consumida primeiro, como fonte preferencial de
energia.
Outro operon bacteriano bem estudado e leva a uma mudança conformacional na pro-
descrito é o Operon Trp, que possui contro- teína repressora, tornado-a capaz de se ligar
le negativo repressível e é responsável pela ao operador que, ocupado, impede a ligação
conversão do corismato em triptofano. A da RNA polimerase ao promotor e desliga a Corismato - Principal precursor
presença do aminoácido triptofano nas cé- transcrição dos genes estruturais (Figura 6). bacteriano para a biossíntese
lulas é importante, pois compõe parte das Quando os níveis celulares de triptofano es- de aminoácidos aromáticos
moléculas proteicas tão fundamentais à vida. tão baixos, a proteína reguladora repressora essenciais, como o triptofano.
A proteína reguladora do Operon Trp atua se desliga do operador, liberando o promo-
como repressora e apenas consegue se ligar tor, quando então a RNA polimerase se liga
ao operador quando há presença de tripto- e inicia a transcrição dos genes estruturais,
fano extra no meio. A presença de triptofano sintetizando, assim, mais triptofano.
Figura 6.
Em (A) é possível visualizar
como o gene está inicialmente
organizado quanto a sua
expressão – ligado e os
substratos triptofano presentes
no meio necessários para
reprimir o operon. Em (B)
temos a representação da
associação da proteína
reguladora e da dissociação
da RNA polimerase do DNA,
levando à nova organização do
gene quanto à sua expressão
– desligado. Fonte: As autoras
(2021).
AMBIENTE 4
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)
A E. coli é capaz de sintetizar todos os Paciente A: favorece a presença de Paciente B: não dispõe de triptofano no
vinte aminoácidos de maneira natural triptofano no meio e a E.coli não precisa meio e a E.coli mantendo o operon Trp
para a síntese proteica. Na espécie gastar energia, mantendo o operon Trp ligado.
humana o triptofano é um aminoácido ligado.
Na ausência do substrato correpressor
essencial e deve ser adquirido pela
Quando o substrato correpressor triptofano no meio, a proteína repressora
alimentação. Uma amostra de intestino
triptofano está presente no meio, ele não se liga ao sítio operador e favorece a
retirado de dois pacientes mostrou
liga-se à proteína repressora e induz a ligação da RNA polimerase ao promotor.
que o paciente “A” apresentava uma
alteração conformacional. A proteína
alimentação rica em alimentos que Genes do operon Trp ligados.
repressora se liga ao operador e impede a
continham triptofano, enquanto que
ligação da RNA polimerase no promotor.
no paciente “B” não foram encontrados
sinais deste aminoácido. Como encontra- Genes do operon Trp desligados.
se e expressão do operon Trp das
bactérias intestinais que residem nos
paciente “A” e “B”, considerando a
eficiência energética do microrganismo?
Professor, observe que nos kits que serão as equipes após a dinâmica, para que elas
entregues aos alunos, haverá apenas as confiram através da gravação dos vídeos,
descrições sobre o cenário. As condições seus erros e acertos, e descobrindo a cor-
1 e 2 apresentadas são informações refe- reta proposta do ambiente; 3. anexo extra
rentes às respostas. O gabarito de resposta ao kit, optando por entregar o gabarito de
pode ser usado conforme sua preferência, respostas concomitantemente à aplicação
e aqui sugerimos três maneiras: 1. para si da dinâmica, permitindo que os colegas da
próprio, optando por auxiliar presencial- equipe que estão aguardando sua jogada,
mente os estudantes, estimulando para o possam auxiliar o estudante que está sen-
pensamento correto e a participação ativa do desafiado.
de todos os membros da equipe. 2. pós
aula, optando por passar o gabarito para Bom trabalho!
ANEXO 1
Molde para proteína reguladora.
Duas impressões, uma em cada cor de papel A4, onde: Cor 1 à proteína reguladora ativadora e Cor 2 à proteína reguladora
repressora.
ANEXO 2
Molde para substrato.
Duas impressões, uma em cada cor de papel A4, onde: Cor 1 ao substrato ativador e Cor 2 ao substrato correpressor.
ANEXO 3
Molde para proteína catabólica ativadora (CAP).
ANEXO 4
Molde para monofosfato de adenosina-3' 5'-cíclico ao AMP cíclico ou cAMP.
ANEXO 5
Molde para RNA polimerase.
ANEXO 6
Molde para catabólitos.
6.1 Molde para Glicose
ANEXO 7
Modelo para as setas.
ANEXO 8
Molde para operon.
ANEXO 9
Molde das legendas.
Aqui, monta-se a legenda conforme as cores de papel escolhido pelo professor. Com as sobras dos recortes, identificar as
cores com seus respectivos componentes do material.
LEGENDA LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor Substrato indutor
Substrato correpressor Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase RNA polimerase
LEGENDA LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor Substrato indutor
Substrato correpressor Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase RNA polimerase
LEGENDA LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor Substrato indutor
Substrato correpressor Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase RNA polimerase
LEGENDA LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor Substrato indutor
Substrato correpressor Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase RNA polimerase
ANEXO 10
10.1 Cartilha introdutória
A Escherichia coli é uma bactéria que vive em plena harmonia com os humanos e essa con-
vivência pacífica é conhecida como simbiose (ambos os organismos saem beneficiados).
Em nosso corpo, o habitat natural destas bactérias é o intestino grosso e para sua sobrevi-
vência são nossos hábitos alimentares que determinam os nutrientes que estarão disponí-
veis no meio. A adaptação de E. coli às mudanças ambientais deve-se à alta capacidade de
alterarem rapidamente sua bioquímica. Apesar de possuírem informações genéticas para sintetizar diversas
proteínas, apenas os genes responsáveis pela síntese das proteínas necessárias para aquele momento se-
rão expressos. Sairia energeticamente muito caro manter todo o genoma ativo. Os genes bacterianos são
organizados em operons, transcritos em um único RNA mensageiro e regulados por um único promotor.
As sequências reguladoras atuam como sítios de ligação de proteínas reguladoras, podendo
promover ou inibir a transcrição, conforme o substrato presente no meio. Jogue o dado e
busque pela carta ambiente com o número sorteado no dado. Você está sendo desafiado a
representar as duas condições do meio propostas na sua carta ambiente. Divirta-se, aprenda
e boa sorte.
10.2 Ambientes
AMBIENTE 1 AMBIENTE 2
Na rotina nutricional de uma pessoa, às 6:00 h (a.m) a glicose Um operon qualquer de E.coli, que possui controle de
está sendo usada como principal fonte energética e não há no regulação do tipo positivo induzível, tem a presença do
meio nenhum outro carboidrato. Após uma série intensa de substrato no meio representado no gráfico. Como se encontra
atividade física e alto gasto energético, a primeira refeição do a expressão dos genes no tempo de 15 min e 1 h?
dia, feita as 9:30 h (a.m.), contou com o consumo de produtos
ricos em lactose.
AMBIENTE 3 AMBIENTE 4
Pesquisadores, buscando compreender melhor o A síntese de proteínas requer uma grande quantidade de
funcionamento das vias metabólicas que influenciam aminoácidos e a E. coli consegue sintetizar todos os vinte
na respiração da bactéria E.coli em condições aeróbias, aminoácidos de maneira natural. Para a espécie humana o
descobriram a atuação de enzimas de dois operons, ambos triptofano é um aminoácido essencial e deve ser adquirido
de regulação repressível, porém o operon I possui controle pela alimentação. Uma amostra de intestino retirado de dois
negativo e o operon II controle positivo. pacientes mostrou que o paciente "A" apresentava uma
alimentação rica em alimentos que continham triptofano,
Represente o controle genético dos operons I e II em
enquanto no paciente "B" não foram encontrados sinais deste
condições normais e com a presença do substrato, focando
aminoácido. Como encontra-se e expressão do operon Trp
nas diferenças e semelhanças entre eles.
das bactérias intestinais que residem nos paciente "A" e "B",
considerando a eficiência energética do microrganismo?
AMBIENTE 5 AMBIENTE 6
Um operon que possui controle de regulação do tipo Ao ingerir glicose para um exame de curva glicêmica, e se
positivo repressível é capaz de mudar a expressão conforme alimentar com produtos ricos em lactose 1 h e 6 h após a
a disponibilidade e quantidade de um substrato específico análise laboratorial, a atividade das enzimas que participam
presente no meio. Este substrato quando em abundância do metabolismo de lactose variaram e estão representadas nos
é capaz de interagir com a proteína reguladora alterando gráficos. Demonstre a situação da regulação do operon Lac
todo comportamento gênico e a síntese enzimática da via nos dois momentos de acréscimo da lactose.
metabólica. Demonstre a condição inicial e final desde
operon, tendo como intermédio a presença do substrato
específico em abundância no meio.
Como determinar a
herdabilidade para um
caráter quantitativo?
Características quantitativas são controladas por vários genes, portanto, apresentam heran-
ça poligênica. A determinação da herdabilidade de uma característica quantitativa permite
identificar a proporção da variação fenotípica que é explicada pela variação genética em uma
população. Dentre vários métodos, este material didático apresenta a aplicação da análise de
variância (ANOVA) para o cálculo de herdabilidade, decompondo-se os componentes da
variância fenotípica em suas variâncias genética e ambiental. Alia-se essa metodologia a um
exemplo prático que envolve mensurar caracteres biométricos de frutos que podem ser cole-
tados no seu jardim e medidos no seu computador através do programa SmartGrain. Assim,
este material didático visa fornecer um guia para estudantes de graduação e/ou ensino médio
para determinar a herdabilidade para variáveis biométricas, incentivando o uso de materiais
genéticos do cotidiano do estudante, e o aprendizado de conceitos básicos em genética esta-
tística.
Herdabilidade - A
herdabilidade é um coeficiente
genético que expressa a razão Os estudantes de Ensino Médio apropriam-se de conceitos Variação fenotípica e
genotípica - A variação de um
entre a variação genética e básicos em genética, geralmente trabalhando com as duas leis
a variação fenotípica total traço quantitativo conforme
de Mendel e suas consequências para diversas características. foram tomadas suas medidas
de um dado atributo em
uma população. Veremos,
Para cursos do Ensino Superior, como de Ciências Biológicas, na população é referida como
efetivamente, que se trata de Agronomia, Engenharia Florestal e afins, alunos geralmente variação fenotípica, enquanto
um quociente entre variâncias apresentam bases sobre as leis da hereditariedade, mas tam- a variação genética associada
genética e fenotípica, conforme a esse traço é referida como
bém já apresentam alguma noção sobre o estudo e análise de variação genotípica.
descrições mais a frente neste características quantitativas.
material.
Características ou caracteres ou traços dizem respeito a quali-
dades, categorias ou medidas que se desejam analisar em um
indivíduo ou em populações e espécies. Quando um caráter
pode ser descrito por categorias bem definidas, por exemplo,
a cor de sementes de ervilha (amarela ou verde), diz-se que
esse caráter é qualitativo. Em contrapartida, quando o cará-
ter apresenta diversas medidas numéricas possíveis, como a
estatura de uma pessoa, a produtividade de uma cultivar de
feijoeiro em um hectare, a quantidade de leite produzida por
determinada raça de vaca leiteira, dentre outros, o caráter é
quantitativo. É fato que a maioria das características são quan-
titativas, o que torna o seu estudo mais complexo quanto à sua
dissecção genética.
O estudo dos caracteres qualitativos é relativamente mais
simples, dado o menor número de genes envolvidos. Gregor
Mendel trabalhou com características de ervilha tais como a
forma e a cor das sementes, a cor das pétalas de flores, o porte
de plantas, dentre outras. Com os seus estudos, mostrou que
cada uma dessas características poderia ser velmente a área foliar após um certo perío-
explicada pela segregação dos alelos de um do será diferente entre os dois locais. Vários
gene. Estas terminologias ainda não eram genes condicionam o desenvolvimento das
utilizadas na época dele, mas cabe aqui uma folhas, mas o ambiente certamente contribui
descrição objetiva e precisa com os termos com maior ou menor expansão da área foliar,
atuais. Adicionalmente, mostrou que duas considerando a disponibilidade de lumino-
características combinadas segregavam de sidade, a temperatura, o status nutricional e
forma independente, através de sua segunda umidade relativa do ar. Nessa linha de racio-
lei. cínio, nota-se que a área foliar é o resultado
de genes mais o efeito do ambiente. Além
Para caracteres quantitativos, no entanto, disso, dependendo do ambiente, pode ocor-
cientistas do século XIX e primeiros anos do rer um efeito adicional de interferência no
século XX não conseguiam aplicar as duas comportamento dos genes que se expressam
leis de Mendel. Francis Galton, considerado para aquela característica, o que é chamado
o pai da biometria, foi quem primeiramen- de efeito de interação. Ao analisar uma carac-
te descreveu características quantitativas terística quantitativa e discriminar os efeitos
segundo histogramas de distribuição de dos genes, que chamamos de genotípicos, e
frequências para a estatura humana, dentre do ambiente, assim como a interação (quan-
outras características que avaliou. Cientistas do condicionados a diferentes ambientes),
que seguiram a linha de Galton declararam podemos calcular o quanto de uma caracte-
que não era possível explicar características rística é atribuído a efeitos genéticos. Utili-
quantitativas através das leis mendelianas. zando uma expressão matemática, podemos
Foi Ronald Fisher, com uma publicação iné- dizer que o fenótipo é igual a genótipo, mais
dita em 1918, que propôs um modelo esta- ambiente, mais interação genótipo versus
tístico que conseguiu explicar características ambiente. Se considerarmos somente um
quantitativas segundo uma combinação de ambiente, podemos desconsiderar o efeito
vários genes e seus alelos, demostrando que de interação, para facilitar nosso raciocínio.
as leis Mendelianas também se aplicavam Assim, fenótipo é igual a genótipo mais am-
a estas características. Foi o primeiro passo biente. Quando estendemos essa análise ao
para uma série de descobertas que mostra- nível de população, a relação pode ser escri-
ram o papel dos genes e de suas interações ta da seguinte maneira: variância fenotípica
para a definição de características quanti- é igual a variância genética mais variância
tativas. Além disso, ao longo das décadas, ambiental. Nessa última relação, o quociente
os geneticistas mostraram e desenvolveram entre a variância genética e a variância fenotí-
modelos que permitiram identificar que não pica é chamado de herdabilidade.
somente os genes, mas também o ambiente,
modulam a expressão de uma característica, As pesquisas realizadas já na segunda déca-
ou seja, moldam o fenótipo. da do século XXI mostram que a modula-
ção ambiental sobre a expressão do genótipo
Caracteres quantitativos são efetivamente se dá via mecanismos que ocorrem também
controlados por mais um de gene. Geral- no nível intracelular, até mesmo ao redor
mente, muitos genes estão envolvidos na do DNA. As influências ambientais con-
determinação de uma característica como a dicionam certas modificações químicas do
estatura humana, o peso corporal de um bo- DNA, tais como a adição de grupos metil
vino, a produção de leite e a área foliar total (metilação), que podem se tornar estáveis e
de uma planta. E, muitas vezes, o ambiente herdáveis. Essa é uma nova fronteira do co-
modula fortemente a expressão do genóti- nhecimento, a epigenética, que certamente
po, influenciando no valor final do fenótipo. contribuirá para melhor entendimento de
Por exemplo, se cultivarmos uma espécie de variações fenotípicas que ocorrem até mesmo
planta em um local ensolarado e plantas da para dois indivíduos com genótipos iguais,
mesma espécie em local sombreado, prova-
Figura 1.
Frutos e sementes com cores e
tamanhos diferentes.
Biometria de de-se pensar em frutos como tomateiro, pi-
mentinha e vários outros. Aqui vamos trazer
frutos de espécies exemplos de espécies nativas de palmeiras
que têm sido objeto de estudos científicos. As
comestíveis espécies consideradas são o butiazeiro (Butia
odorata, B. catarinensis e outras do mesmo
Vamos demonstrar como podem ser deter- gênero) e jerivá (Syagrus romanzoffiana). B.
minadas dimensões de frutos e sementes, odorata (Figura 2, duas fotos superiores) é
utilizando exemplos do nosso cotidiano. Po- uma espécie que ocorre tipicamente entre o
litoral do Rio Grande do Sul e o Uruguai, outra palmeira nativa mais conhecida e de
sendo popularmente conhecida como butiá. ampla distribuição pelo Brasil, o jerivá (Fi-
B. catarinensis é uma espécie com caracterís- gura 2, duas fotos inferiores). Seus frutos
ticas semelhantes, ocorrendo entre o Litoral também são consumidos por animais como
Norte do RS e Santa Catarina. As duas pal- gado, antas e pássaros. Quanto à S. roman-
meiras produzem muitos frutos, vistosos e zoffiana, embora não esteja na lista de espé-
saborosos, frequentemente utilizados em ge- cies ameaçadas, alguns estudos já sinalizam a
leias, sucos, licores e até mesmo tortas e bo- importância de ações de conservação, consi-
los. No entanto, são palmeiras ameaçadas de derando os efeitos que exploração antrópica
extinção, o que requer o desenvolvimento de pode ter para a espécie ao longo das gerações.
estratégias para conservação de seus recursos A expansão do conhecimento acerca dessas
genéticos. espécies e seus recursos genéticos são essen-
ciais para sua conservação, passando pelo es-
Essas palmeiras também possuem valor or- tudo da produtividade de seus frutos, o que
namental, dividindo a paisagem urbana com inclui variáveis biométricas.
Figura 2.
Indivíduo reprodutivo de Butia
odorata (duas fotos superiores)
e de Syagrus romanzoffiana
(duas fotos inferiores).
Figura 3.
Frutos de Butia odorata
com diferentes tamanhos e
cores (superior), assim como
pimentas (inferior).
Figura 4.
Captura de tela ilustrando
fotografia com tomates que
foram analisados no programa
SmartGrain.
manual disponibilizado pelo programa, onde deter apenas aos passos necessários para de-
também podem ser encontradas mais informa- terminar as medidas no programa. Depois,
ções sobre a barra de tarefas e suas outras fun- vamos apresentar um exemplo de dados sim-
cionalidades. A partir dos dados mostrados, plificado que permitirá fazer o cálculo da va-
será possível calcular a variabilidade genética riabilidade genética e da herdabilidade.
(que efetivamente será expressa como uma va-
riância) para as variáveis de dimensões de fru- Antes de mais nada, deve-se coletar ou sepa-
tos e estimar a sua herdabilidade. rar frutos de alguma espécie e organizá-los
sobre uma superfície preferencialmente escu-
Figura 5.
Imagem utilizada no exemplo.
Figura 6.
Abertura da imagem no
Posteriormente, é necessário informar ao pro- do sobre os frutos) e também cores que serão programa SmartGrain.
grama quais cores da imagem são associadas a entendidas pelo programa como plano de fun-
frutos (pode-se informar até cinco cores clican- do (até cinco cores também) (Figuras 7 e 8).
Figura 7.
Selecionar cores para frutos/
sementes.
Figura 8.
Selecionar cores para o fundo.
Depois de ter indicado ao programa quais fundo e como cores de frutos, pode ser efe-
cores devem ser reconhecidas como plano de tuada a análise da imagem (Figura 9).
Figura 9.
Como analisar a imagem?
Figura 10.
Figura analisada.
#FICA A DICA - Se caso após analisar a parte do fruto ou da semente que desejar.
imagem o programa não contemplar toda Esses ajustes são recomendados para melhor
a área do fruto pode-se excluir e/ou incluir precisão dos dados (Figura 11).
Figura 11.
Inclusão e exclusão de área.
Após esses ajustes é necessário ajustar uma lizar o botão mostrado na imagem a seguir
escala para a imagem. Para tanto, deve-se uti- (Figura 12).
Figura 12.
O botão de escala.
Na imagem que está sendo utilizada aqui programa conseguirá calcular as dimensões
foi desenhada uma escala de 30 mm à ca- dos frutos, de maneira proporcional (Figu-
neta e régua. É a partir dessa escala que o ra 13).
Figura 13.
Definição da escala para
medidas dos frutos.
Após colocar a escala e fazer a correção, falta salvar os dados em uma planilha (Fi-
se for necessário, a análise está pronta! Só gura 14).
Figura 14.
Exportando os dados para uma
planilha.
Os próximos passos mostram como abrir Assim, o Excel geralmente está configurado
tabela no Excel. Esse processo deverá levar para decimais em vírgula. Desse modo, para
em consideração um aspecto particular: o abrir a planilha com os números corretamen-
fato de que o programa utiliza decimais re- te representados, deverá ser utilizado um ar-
presentados por ponto. No Brasil, utiliza- tifício conforme demonstrado na sequência
mos os decimais representados por vírgula. (sequência de figuras 15 a 19).
Figura 15.
Abrindo arquivo .csv e
realizando os ajustes
necessários.
Figura 16.
Ajuste necessário devido à
vírgula e ponto em números da
língua portuguesa e inglesa,
respectivamente (início).
Figura 17.
Ajuste necessário devido à
vírgula e ponto em números da
língua portuguesa e inglesa,
respectivamente (continuação).
Figura 18.
Ajuste necessário devido à
vírgula e ponto em números da
língua portuguesa e inglesa,
respectivamente (continuação).
Figura 19.
Tabela finalizada com os dados
para análises.
Resumindo esta explicação, a variância é cal- Os passos a seguir vão conduzir ao cálculo
culada como: das variâncias fenotípica, genética e ambien-
tal, assim como a herdabilidade. Os dados
∑(xi - X)2
Var = _______ do exemplo são medidas do comprimento
n-1 de frutos, uma das variáveis que o programa
SmartGrain fornece. As medidas foram to-
Lê-se: somatório dos quadrados da diferença
madas seguindo os mesmos passos descritos
de cada observação (xi) pela média dividido
anteriormente, mas com uma amostra peque-
pelo número de graus de liberdade (n - 1).
na, desta vez frutos de butiazeiro, os butiás, da
Utilizando essa expressão para representar o espécie Butia catarinensis (Figura 20).
cálculo realizado anteriormente, temos:
Vamos supor que estamos avaliando quatro
(1- 3)2+(2- 3)2+(3- 3)2+(4- 3)2+(5- 3)2 genótipos (plantas diferentes geneticamente).
Var = ___________________________ Coletamos butiás de cada uma dessas plantas.
5-1
Para cada planta, avaliamos quatro repetições
A partir da compreensão do significado de (quatro frutos). É importante ressaltar que
variância, a análise de variância é uma forma esta é uma amostra muito pequena, apenas
de dividir a variância total em suas partes: para fins didáticos. Em um experimento real,
a parte da variância que é genética e a parte vários genótipos e repetições seriam necessá-
que é ambiental. Com isso, pode-se estimar rios para obter estimativas precisas de variân-
a herdabilidade. cia genética e de herdabilidade.
Figura 20.
Imagem que foi utilizada
para demonstrações dos
procedimentos de cálculo de
variâncias fenotípica, genética
e herdabilidade. Corresponde
a frutos de butiazeiro (Butia
catarinensis).
Figura 21.
Preparando os dados para
análise.
Segunda etapa: cálculo dos graus ambiente hipotético e uniforme). Para o caso
de liberdade de genótipos, o número de graus de liberdade
(GL) será: 4 - 1 = 3. No total, há 16 frutos
A próxima etapa consiste em calcular os graus médios. O número de graus de liberdade para
de liberdade para cada um dos fatores que o total é: 16 - 1 = 15. Ainda precisamos deter-
estão envolvidos no conjunto de dados: genó- minar o número de graus de liberdade para o
tipo (quatro genótipos), ambiente (ambiente ambiente, que será o que falta em relação ao
em que os genótipos cresceram) e o fenótipo genótipo para completar o GL total. Portan-
(total que representa a soma do genótipo e to, será a diferença 15 - 3 = 12. Verifique a
do ambiente, desconsiderando o efeito de in- sequência de passos para cálculos de GL na
teração por estarmos tratando de apenas um figura 22 (PASSOS 4, 5 e 6).
Figura 22.
Calculando os graus de
liberdade.
Figura 23.
Calculando as somas de
quadrados da ANOVA.
A partir da diferença entre a soma de A partir das somas de quadrados, será possí-
quadrados total e a soma de quadrados vel determinar as variâncias. A variância para
dos genótipos, determina-se a soma de genótipos será calculada pela divisão entre a
quadrado do erro ou resíduo, que enten- soma de quadrados de genótipos (o valor fi-
demos como a soma de quadrados devida nal, descontado do fator C) pelo número de
ao erro experimental. O erro ou resíduo graus de liberdade para genótipos. Mas aten-
compreende a variabilidade que não pode- ção, essa ‘variância para o fator genótipo’ não
mos controlar, podendo ser simplesmente é a variância genética. É ainda uma variância
algum erro na medida feito pelo usuário que contém os efeitos ambientais.
e, no contexto dos frutos, do ambiente em
que os materiais se desenvolveram. Assim, Dividindo-se a soma de quadrados do erro
podemos chamar de soma de quadrados pelo número de graus de liberdade, obtém-
do ambiente, conforme PASSO 10 da Fi- -se a variância devida ao erro e/ou ambiente
gura 23. (Figura 24).
Figura 24.
Os efeitos do ambiente.
Agora, é possível finalizar os cálculos consi- a variância fenotípica, basta dividir a va-
derando as seguintes definições: riância do fator genótipos pelo número de
repetições (PASSO 14). A estimativa da
- Variância genética: é uma parte da variância ambiental é o erro experimental
variância fenotípica atribuída a compo- (PASSO 15). Finalmente, dividindo-se a
nentes genéticos. variância genotípica pela variância fenotí-
- Variância fenotípica: é a soma da variân- pica, obtém-se a herdabilidade. No exem-
cia genética com a variância ambiental plo fornecido, o valor de herdabilidade foi
(modelo simples que estamos aqui consi- de 0,71 ou 71%. Isso significa que 71% da
derando). variância fenotípica dessa amostra é devi-
da à variância genética. Desse modo, há
Portanto, para calcular a variância genética, uma proporção considerável de influência
é necessário descontar a variância ambien- ambiental. Lembrando, é meramente um
tal e dividir pelo número de repetições do exemplo. Para um estudo real, muitos as-
experimento (quatro), conforme o PAS- pectos mais e muitas amostras a mais pre-
SO 13 a seguir (Figura 25). Para calcular cisariam ser incluídas.
Figura 25.
Parte final: cálculo da
herdabilidade.
Para realizar estas análises de forma automá- nível de controle experimental que podemos
tica, pode-se obter uma planilha pré-preen- ter pela própria natureza da espécie. Esses
chida com os mesmos dados demonstrados fatores tornam análises de herdabilidade
neste material. A planilha pode ser baixada substancialmente complexas, pois torna-se
pelo link https://www.ufrgs.br/geneticave- um desafio de ordem prática a separação da
getal/?page_id=94. variância fenotípica em componentes gené-
ticos (a variância genética) e ambientais (a
Considerações variância ambiental). Alguns casos valem a
pena ser apreciados, ponderando-se o nível
sobre estudos de dificuldade:
análise de herdabilidade pode ser relati- obviamente não será utilizado o programa
vamente mais simples. Ao tomar medidas SmartGrain, mas cabe a estas aplicar todos
de repetições dos mesmos clones, pode-se os procedimentos que foram demonstrados
calcular a variância ambiental e genética para análise de variância e o isolamento dos
(devido aos diferentes clones) e calcular a componentes necessários para chegar à esti-
herdabilidade; mativa de herdabilidade.
c) Para plantas que são estudadas por linha-
gens, diferenças entre plantas dentro da Para saber mais
mesma variedade ou cultivar fornecem FRANKHAM, R.; BALLOU, S. E. J. D.; BRISCOE,
estimativas de variância ambiental. Assim, D. A.; BALLOU, J. D. Introduction to conservation
é relativamente fácil estimar a variância genetics. Cambridge University Press, 2009.
genética e, consequentemente, a herdabi- MACEDO, M. C. D.; SCALON, S. D. P. Q.; SARI,
lidade. A. P.; SCALON FILHO, H.; ROSA, Y. B. C. J.;
ROBAINA, A. D. Biometria de frutos e semen-
d) Quando se trata de espécies pouco estu- tes e germinação de Magonia pubescens ST. Plant
dadas, relativamente selvagens, e especial- Physiology, v. 160, n. 4, p. 1871-1880, 2012.
mente as de ciclo longo, a estimativa de
TANABATA, T.; SHIBAYA, T.; HORI, K.; EBA-
herdabilidade começa a ser influenciada NA, K.; YANO, M. SmartGrain: high-through-
por muitos fatores difíceis de isolar. put phenotyping software for measuring seed
shape through image analysis. Plant Physiology,
Resumidamente, estudar caracteres quanti- v.160, n.4, p.1871-1880
tativos não é uma tarefa fácil. Às vezes, até
mesmo medi-los é um desafio. Um geneti-
cista ou melhorista precisam ter bastante
conhecimento da espécie que estão avalian-
do, lançando mão de vários experimentos
com o maior controle possível, de modo que
possam ser isoladas as variâncias genéticas e
ambientais, para então proceder com a deter-
minação de herdabilidades.
Considerações
finais
Neste material, o intuito de utilizar variá-
veis biométricas foi mostrar uma maneira
prática de se entender princípios básicos
de genética quantitativa a partir da toma-
da de medidas para variáveis quantitati-
vas, e com materiais de fácil obtenção, que
frequentemente podem ser obtidos na sua
cozinha, quintal ou jardim. Como se vê,
pode-se explorar essas análises com frutos
e sementes de uma casa. Não esquecer de
que é necessário separar os frutos e semen-
tes por planta (o genótipo), de modo que se
possa calcular a variância genética e fenotí-
pica, assim como a herdabilidade. Se forem
avaliadas outras características em plantas,
como do caule, das folhas, do crescimento
(altura, diâmetro, circunferência do caule),
Portal GenomaUSP:
materiais didáticos para
o ensino de Genética
Andréa Grieco Nascimento1, Maricí Leite2, Bruna Trench1, Mirelly Soares1, Eliana Dessen3
Graduada, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, SP
1
Os materiais didáticos foram produzidos em salas de aula com até 45 alunos. Todos
majoritariamente por um grupo de docen- eles possuem um manual explicativo para o
tes e pós-graduandos do Departamento de professor da escola básica e alguns possuem
Genética e Biologia Evolutiva do Instituto anexos que podem ser impressos, recortados,
de Biociências da USP, principalmente entre montados e utilizados diretamente em sala
os anos 2014 e 2015. Muitos dos materiais de aula. A maioria dos manuais tem conteú-
foram apresentados na Genética na Praça, do teórico referente ao tema do kit, sugestões
evento voltado para o ensino de Genética e de utilização do material em sala de aula,
que ocorre anualmente durante os congres- perguntas para serem discutidas em grupo
sos Sociedade Brasileira de Genética. Alguns pelos estudantes, assim como as respostas
dos materiais instrucionais foram produzi- das mesmas. Os kits ficam disponíveis para
dos em disciplinas de pós-graduação como, empréstimo nas Diretorias de Ensino par-
por exemplo, os quatro referentes à Diferen- ceiras do G enomaUSP (DE da região de
ciação Celular e o Baralho Celular. Osasco e DE Centro Oeste) e também no
Departamento de Genética e Biologia Evo-
Todos os materiais estão disponibilizados lutiva do Instituto de Biociências da USP.
para download direto do site. Além dis- O público-alvo é diverso: há recursos para
so, boa parte dos materiais está organiza- o ensino fundamental, passando por ensino
da na forma de kits, que podem ser usados médio e até mesmo graduação.
Boa parte dos materiais didáticos dispo- 6 episódios da série, as conversas são sobre
nibilizados no site auxiliam na construção aspectos genéticos, humanos e éticos, entre
dos conceitos como, por exemplo, Filho de a geneticista Regina Mingroni Netto, o pro-
Scoiso, scoisinho é!, A família Silva e seus fessor de Biologia Rodrigo Mendes e a jor-
Genes e Diferenciação Muscular. Há ma- nalista Mônica Teixeira. O podcast pode ser
teriais que permitem um maior envolvimen- um excelente ponto de partida ou de síntese
to dos alunos com procedimentos atrelados para tratar os conceitos básicos da genética
à natureza da ciência como, por exemplo a em sala de aula de modo instigante, a partir
atividade Classificando Periquitos. To- dos segredos que o DNA pode nos contar.
dos os materiais colocam o estudante como
protagonista de seu próprio aprendizado,
motivando-o e engajando-o no processo de
aprendizagem dos conceitos. Alguns mate-
riais são excelentes para concretizarem pro-
cessos invisíveis a olho nu, como a redução
do número de cromossomos na formação dos
gametas (no material Filho de Scosio, scoi-
sinho é!) ou uma via de ativação gênica (no
material Diferenciação Celular) ou ainda a
simulação de um processo, como o de esca-
vação feito por arqueólogos (em Escavando
Identidades: muito além do RG). Existem
materiais lúdicos por excelência como o Mi-
cromonte, capaz de envolver o aluno em uma
divertida aventura, ao mesmo tempo que ele
entra em contato com os diferentes tipos de
células microbianas. Os baralhos, Baralho
Celular, Baralho Embriológico e Baralho
Animal propiciam o desenvolvimento de um
pensamento estratégico de seleção de infor-
mações, reunindo aquelas que são relevantes
para o agrupamento de um conjunto de car-
tas e descartando outras não relacionadas. Figura 1.
Outra vertente de materiais é virtual, como O formato CINEgenoma apresenta transmis-
os vídeos depositados no canal GenomaUSP sões ao vivo de mesas redondas, com partici-
do Youtube <https://www.youtube.com/c/ pação de convidados de diferentes áreas, que
GenomaUSP/playlists>. A série ABC apre- discutem sobre diferentes temas da Genética
senta em vídeos, com cerca de 5 minutos cada, tendo um filme como ponto de partida. Ge-
temas diversos que fazem parte do currículo ralmente participam um professor de ensino
da escola básica como: Câncer, Dogma Cen- médio, um profissional da área do cinema e
tral da Biologia Molecular, Ancestralidade e um geneticista. Discute-se sobre conceitos bá-
Testes Genéticos. São 52 vídeos organizados sicos e sobre as mais variadas implicações da
em playlists temáticas, que abordam diferen- genética na sociedade moderna. A discussão
tes aspectos de um mesmo tema, como é o sempre é rica e serve de embasamento para o
caso de Ancestralidade, ou então que tratam professor trabalhar algum dos filmes em sala
de um tema num crescente de complexidade, de aula. Além de genética, temas como ciên-
como Câncer, por exemplo. Todos os vídeos cia, medicina, sociedade, ética, educação e ci-
foram gravados por pesquisadores e pós-gra- nematografia também são abordados. Todo o
duandos do GenomaUSP. material online está disponível em <https://
www.youtube.com/c/GenomaUSP>.
Segredos de Família, é uma série de 6 pod-
casts que revela a dinâmica, as reviravoltas e Vale a pena conferir os recursos didáticos
os dilemas do aconselhamento genético. Nos disponíveis no portal do GenomaUSP.
O gene MFN2 e
sua associação com a
Lipomatose Simétrica
Múltipla
O gene MFN2 codifica a proteína mitofusina 2. Uma variante patogênica pontual na sequên-
cia nucleotídica deste gene resulta na rara doença mitocondrial conhecida como Lipomatose
Simétrica Múltipla (LSM). A LSM caracteriza-se fenotipicamente pelo desenvolvimento de
lipomas benignos principalmente nas regiões supraclavicular, interescapular e pescoço.
a termogênese e a
(secretando hormônios). É sanguínea. Alguns sintomas
dividido funcionalmente em como sensação de boca seca,
vontade frequente de urinar
tecido adiposo multilocular
(ou marrom) e tecido adiposo
unilocular (ou branco).
mitofusina 2 e grande perda de peso sem
motivo aparente são marcantes
O tecido adiposo tem sido extensivamente estudado nos na doença.
últimos anos devido à sua associação com o desenvolvimen-
Síndrome metabólica -
to da obesidade, síndrome metabólica, diabetes tipo 2 e
Condição caracterizada por resistência à insulina. Classicamente, existem dois tipos de
Resistência à insulina -
altos níveis de colesterol e tecido adiposo: o branco (WAT, do inglês ‘’White Adipose Tis- Condição na qual o corpo
glicose no sangue, alto índice sue’’) e o marrom (BAT, do inglês, “Brown Adipose Tissue”). do indivíduo não responde
de gordura em torno da Enquanto o WAT é o local primário de deposição de triacil- ao hormônio da insulina,
cintura e hipertensão arterial. resultando no acúmulo
Esses fatores aumentam gliceróis (gordura) proveniente da dieta, o BAT desempenha
de glicose na corrente
consideravelmente os riscos de atividade termogênica por meio do aumento de gasto ener- sanguínea, o que pode levar ao
ocorrer um acidente vascular gético através do desacoplamento da cadeia respiratória. Além desenvolvimento de diabetes
cerebral ou um ataque cardíaco. do aumento do gasto energético, a ativação do BAT também tipo 2.
resulta no aumento da tolerância à glicose.
Os primeiros estudos sobre a localização e fisiologia do BAT
Atividade termogênica - reforçaram que este tecido teria função mais significativa nos
Produção de calor a partir do recém-nascidos, auxiliando na manutenção da temperatura
desacoplamento da cadeia corporal após o nascimento. Contudo, o BAT continua pre-
-transportadora de elétrons Sinalização adrenérgica -
durante a cadeia respiratória, sente em adultos, principalmente ao redor dos vasos e das vér- Sensibilização dos receptores
a qual ocorre na membrana tebras, entre as escápulas, abaixo das clavículas e axilas, além adrenérgicos, resultando
interna da mitocôndria, gerando de estar associado a pâncreas, baço e rins. Atualmente, sabe-se em respostas fisiológicas e
calor ao invés de ATP. que o BAT possui importantes funções na regulação do meta- metabólicas como, por exemplo,
alteração da frequência
bolismo e no balanço energético, sendo considerado um tecido
cardíaca, tensão muscular,
alvo para intervenções terapêuticas para o tratamento da obe- lipólise e atividade termogênica.
sidade e do diabetes tipo 2 devido às suas funções benéficas
para o metabolismo. Em condições de exposição ao frio ou de
exercício físico, ocorre sinalização adrenérgica, a qual ativa o
processo de lipólise no BAT, que promoverá a hidrólise de Hidrólise - Processo químico
Lipólise - Quebra de moléculas
de triacilglicerol em moléculas triglicerídeos em glicerol e ácidos graxos. Com isso, os ácidos no qual ocorre quebra de uma
de ácidos graxos e glicerol. Este graxos resultantes entram na mitocôndria para oxidação lipí- molécula em meio aquoso.
processo ocorre por meio das dica, onde serão utilizados na cadeia transportadora de elé-
enzimas denominadas lipases. trons para produzir calor (termogênese).
associação com o
entre a genética do indivíduo
Lipomatose Simétrica Benigna. A principal e o ambiente no qual ele se
manifestação fenotípica dessa doença é o de- encontra.
gene MFN2 pósito de tecido adiposo de caráter benigno, os
chamados lipomas. Estes podem ser de rápido
A LSM é uma doença genética de caráter au- crescimento, principalmente na região cervical, Neuropatia axonal -
tossômico recessivo, também conhecida como dorso e, mais raramente nos membros (supe- Degeneração do axônio dos
doença de Madelung ou doença de Lanois- riores e inferiores), face e genitália (Figura 1). neurônios, causando perda
-Bensaude. Foi mencionada na literatura pela Geralmente o aparecimento dos lipomas está sensorial e motora no paciente
primeira vez em 1846 por Benjamin Brodie, afetado.
associado com complicações metabólicas, po-
no St. George Hospital de Londres e, poste- dendo ou não apresentar neuropatia axonal.
Figura 1.
Regiões do corpo nas quais
os lipomas benignos podem
se desenvolver. A região do
pescoço, supraescapular e
interescapular são as mais
comumente afetadas pela
doença. Fonte: Autoria própria
utilizando alicerces fornecidos
pelo SMART - Servier Medical
ART (Les Laboratoires Servier).
O gene nuclear MFN2, localizado no cro- apenas a variante patogênica c.2.119 C>T
Variante patogênica -
mossomo 1, no braço curto, região 3, banda neste gene está relacionada ao desenvolvi- Alteração permanente na
6 (1p36.22) (Figura 2), apresenta um total mento da LSM quando presente em homo- sequência do DNA que leva
de 17 éxons, sendo responsável por codificar zigose. Esta variante ocorre no éxon 17, na ao desenvolvimento de uma
a proteína mitofusina 2 (Figura 3A), a qual posição 2119 da região codificadora do gene doença.
tem 757 aminoácidos em sua estrutura (Fi- MFN2, resultando na substituição de uma
gura 3B). Embora o gene MFN2 seja onipre- citosina por timina no DNA, e do aminoáci-
sente nos tecidos dos mamíferos, ele apre- do arginina, localizado na posição 707, pelo Éxon - Sequência do
senta maiores níveis de expressão em tecidos triptofano (p.Arg707Trp) na proteína (Fi- gene (conjunto de bases
com alta concentração mitocondrial, como gura 3). Nesses casos, o indivíduo pode ou nitrogenadas) que são
no coração, músculo estriado esquelético e não desenvolver neuropatia axonal. Por sua transcritas e posteriormente
traduzidas em uma sequência
no BAT. Inúmeras variantes patogênicas já vez, quando a variante c.2.119 C>T está pre-
de aminoácidos, diferentemente
foram encontradas e descritas ao longo do sente em heterozigose com outras variantes dos íntrons, os quais não são
gene MFN2. A maioria delas é responsável patogênicas em MFN2 (heterozigoto com- traduzidos.
pela manifestação de uma neuropatia axo- posto), o indivíduo desenvolve neuropatia
nal denominada Charcot-Marie Tooth do axonal com pouco ou nenhum acometimen-
tipo 2A (CMT2A). Porém, até o momento, to do tecido adiposo.
Figura 2.
Representação esquemática
da localização nuclear do
gene MFN2 em um adipócito
marrom (BAT), o qual possui
inúmeras gotículas lipídicas
e mitocôndrias em seu
citoplasma. O gene mitocondrial
MFN2 está presente no genoma
nuclear. Porém, a proteína
mitofusina 2, codificada por
este gene, é direcionada para
a mitocôndria, onde exercerá
suas funções termogênicas e
metabólicas. Fonte: Autoria
própria utilizando alicerces
fornecidos pelo SMART -
Servier Medical ART (Les
Laboratoires Servier).
Figura 3.
A) Sequência codificante
do gene MFN2, na qual os
retângulos intercalados pretos
e azuis representam éxons,
resultando num total de 2274
pares de bases de nucleotídeos.
B) Estrutura primária (ou
linear) da proteína mitofusina
2, evidenciando seus principais
domínios: GTPase, HR1
(repetição hepta 1), PR (rico em
prolina), TM1 (transmembrana
1), TM2 (transmembrana 2)
e HR2 (repetição hepta 2). A
variante patogênica na posição
Figura 4.
Localização e estrutura da
mitofusina 2. A) Localização
mitocondrial da proteína
mitofusina 2. B) Abaixo é
possível ver a estrutura de
forma ampliada da proteína,
ancorada na membrana externa
da mitocôndria através de seus
domínios transmembranas
(TM). Além disso, são
observados outros domínios
dessa proteína, como o rico em
prolina (PR), os de repetição
hepta (HR1 e HR2) dispostos
na forma de espiral em bobina
e o GTPase. Fonte: Autoria
própria utilizando alicerces
fornecidos pelo SMART -
Servier Medical ART (Les
Laboratoires Servier).
variantes patogênicas nos genes MFN1 e não de MFN1, leva à profunda disfunção do
MFN2 demonstraram morfologia mito- BAT, prejudicando a capacidade respiratória
condrial aberrante, bem como fragmentação celular e as respostas ao estímulo adrenérgi-
de suas redes. A deficiência de MFN2, mas co que ocorrem nesse tecido.
Figura 5.
Demonstração simplificada
do papel da mitofusina 2,
evidenciando a interação entre
os domínios HR2 (verde claro)
de diferentes mitocôndrias,
no processo de justaposição
durante a fusão mitocondrial.
Fonte: Autoria própria
utilizando alicerces fornecidos
pelo SMART - Servier Medical
ART (Les Laboratoires Servier).
A mitofusina 2 possui alta expressão no BAT, bramento de proteínas. Isso ocorre porque a
desempenhando papel fundamental na fun- UPR está relacionada a uma maior tensão em
ção termogênica desse tecido por meio do regiões onde a membrana do RE se encontra
acoplamento da mitocôndria com a gotícula associada à mitocôndria. Essas regiões ten-
lipídica (situada no interior do adipócito). A sionadas apresentam a proteína mitofusina
mitofusina 2 auxiliará nesse processo através 2 como um intermediador entre a mitocôn-
de sua interação com a perilipina 1, proteína dria e o RE. Estudos com roedores e moscas
expressa nos adipócitos. A perilipina 1 esta- do gênero drosophila sp. demonstraram que a
biliza as gotículas lipídicas, as quais contêm ablação do gene MFN2 induz estresse de RE, Ablação - Silenciamento
as gorduras provenientes da dieta, através da ratificando a importância da mitofusina 2 na genético.
inibição da enzima lipase de triglicerídeos do manutenção das funções do RE.
tecido adiposo (ATGL), uma das enzimas Lipase de triglicerídeos
responsáveis pela liberação de ácidos graxos
livres para a corrente sanguínea (lipólise). Essa
Manifestações do tecido adiposo (ATGL)
- Enzima transportada do
Clínicas da LSM
retículo endoplasmático para
inibição facilita a interação da mitocôndria e as gotículas lipídicas dos
a gotícula lipídica dos adipócitos em resposta adipócitos brancos (WAT), onde
à estímulos adrenérgicos e protege as células e Dentre as características fenotípicas e clíni- atua na etapa inicial de hidrólise
dos triglicerídeos armazenados
tecidos da lipotoxicidade, resistência à insulina cas manifestadas por pacientes que apresen-
dentro da gotícula lipídica.
e do estresse de RE. Dessa forma, a perilipina tam a LSM, causada pela variante patogênica
1 regula a hidrólise dos gorduras armazenadas no gene MFN2, destacam-se: o desenvolvi-
nas gotículas lipídicas, evitando a lipólise, pro- mento de lipomas benignos não encapsula-
cesso através do qual ocorre a liberação de áci- dos distribuídos simetricamente nas regiões
dos graxos para serem utilizados na produção de pescoço (chamado também de ‘’colar de
energética e de calor (termogênica). Por sua cavalo’’), interescapular e supraclavicular.
vez, a mitofusina 2 contribui para o metabolis- Essas duas últimas localizações constituem
mo do BAT através do acoplamento das mito- evidências claras de que a origem dos lipo-
Hepatoesplenomegalia -
côndrias com as gotículas lipídicas e da manu- mas ocorre no BAT. Indivíduos com LSM Aumento anormal do volume do
tenção da capacidade oxidativa mitocondrial. também podem apresentar hepatoespleno- fígado e baço.
megalia, esteatose hepática, resistência à
A mitofusina 2 também está relacionada à Esteatose hepática - Acúmulo
insulina e hipertrigliceridemia. Ademais, os de gordura nos hepatócitos
resposta às proteínas mal dobradas (UPR, do pacientes podem apresentar manifestações (células do fígado).
inglês ‘’Unfolded Protein Response’’) e ao estres- neurológicas pé cavo ou pé plano valgo, dor
se de RE, mecanismo de resposta ao mau do- Hipertrigliceridemia - Elevada
nos membros inferiores, ausência de reflexos concentração de triacilgliceróis
na corrente sanguínea.
patelares e fraqueza distal dos membros su- tes com doenças mitocondriais, tais como
periores ou inferiores. Alguns podem ainda surdez, puberdade precoce e hipotireoidismo
apresentar sintomas observados em pacien- (Figura 6).
Figura 6.
Representação esquemática das
principais manifestações clínicas
da LSM. Fonte: Autoria própria
utilizando alicerces fornecidos
pelo SMART - Servier Medical
ART (Les Laboratoires Servier).
Síndrome de Dunnigan:
uma rara doença
relacionada ao gene LMNA
Figura 2.
Representação esquemática da
célula eucariótica (à esquerda)
evidenciando a localização dos
filamentos de laminas nucleares
(à direita). As laminas A/C
formam filamentos proteicos
(representados na cor cinza)
dentro do núcleo celular;
estabilizam e fortalecem a
membrana nuclear, e regulam
numerosos processos celulares,
incluindo replicação do DNA,
transcrição e organização da
cromatina. Fonte: Autoria
própria utilizando arcabouços
fornecidos pelo SMART (SMART
- servier medical ART).
Figura 3.
Representação da mutação
c.1445G>A, p.R482Q, no gene
LMNA. A substituição de bases
de guanina por adenina resulta
na substituição de uma arginina
por uma glutamina na posição
482. A lamina produzida
é diferente da original,
afetando tanto sua estrutura
como, consequentemente,
suas funções celulares.
Fonte: Autoria própria
utilizando arcabouços
fornecidos pelo SMART (SMART
– servier medical ART).
As laminas possuem diversas características rísticas clínicas específicas (Figura 4), como
e funções, dentre elas, fazer parte do citoes- perda variável de gordura nas extremidades
queleto, núcleo e nucleossomo, além de atuar e no tronco, além de um excesso de gordu-
como reguladora gênica da expressão de fa- ra subcutânea no queixo e na área superior à
Regulação gênica - processo
tores de transcrição. Portanto, além de rea- clavícula. Contudo, ainda não está claro por que determina a ativação,
lizar papéis estruturais, elas também atuam que existe essa variação na quantidade de inativação ou intensidade da
como “proteínas ajudantes” para o início da tecido adiposo nos indivíduos com lipodis- transcrição de um gene.
produção de novas proteínas. No tecido adi- trofias parciais familiares, ratificando a hete-
poso, as laminas do tipo-A (laminas A e C) rogeneidade da doença e a complexa biologia
são dois produtos resultantes da tradução de do tecido adiposo.
dois transcritos alternativos do gene LMNA.
Elas são membros da família do filamento Portadores da LPF2 também apresentam
intermediário (FI) de proteínas que formam diversas alterações metabólicas, entre elas,
componentes da lamina nuclear, rede fibrosa resistência à insulina, diabetes, dislipidemia
Dislipidemia - é a elevação
e proteica próximas à membrana nuclear in- e baixos níveis de adipocinas, incluindo lep- de colesterol e triglicerídeos
terna. Assim, as laminas são importantes na tina e adiponectina (Figura 4). A leptina é no plasma ou a diminuição dos
manutenção da integridade celular, incluin- uma proteína produzida principalmente no níveis de HDL que contribuem
tecido adiposo, composta por 167 aminoá- para a aterosclerose
do os adipócitos.
cidos. Sua liberação ocorre durante a noite
Os portadores da lipodistrofia parcial fami- e às primeiras horas da manhã. Esse hor-
liar do tipo 2 (LPF2) apresentam caracte- mônio produzido pelo tecido adiposo tem
como principal função o controle da ingestão ralizada congênita tem sido a administração
alimentar, atuando em células neuronais do com o análogo da leptina, a metreleptina, a
hipotálamo no sistema nervoso central, o que qual passou a ser utilizada no Brasil a partir
resulta na redução da ingestão alimentar e no de 2016. Estudos mostraram que esse trata-
aumento do gasto energético. A leptina tam- mento também promove efeitos metabólicos
bém participa da regulação do metabolismo positivos em pacientes portadores da LPF2,
da glicose e de gorduras. O principal trata- porém, este medicamento ainda não tem sido
mento para pacientes com lipodistrofia gene- utilizado em pacientes com LPF2 no Brasil.
Figura 4.
Representação das principais
alterações clínicas em
portadores da síndrome
de Dunnigan ou LPF2. As
áreas sinalizadas com perda
ou aumento de tecido
adiposo referem-se ao tipo
subcutâneo. Fonte: Autoria
própria utilizando arcabouços
fornecidos pelo SMART (SMART
- servier medical ART).
Por fim, é importante salientar que mais de transcrição e organização da cromatina ocor-
450 variantes patogênicas já foram descritas ram corretamente.
no gene LMNA, as quais têm sido relacio-
nadas ao desenvolvimento de, pelo menos,
15 tipos diferentes de doenças, conhecidas
Para saber mais
como laminopatias. Além da LPF2, estão DE MELO CAMPOS, J. T. A. et al. Endoplasmic re-
incluídas, como variantes patogênicas, as ticulum stress and muscle dysfunction in congen-
ital lipodystrophies. Biochimica et Biophysica Acta
desordens musculares cardíacas e esquelé- (BBA) - Molecular Basis of Disease, p. 166120,
ticas, cardiomiopatias, neuropatias como 2021.
Charcot-Marie-Tooth, distrofia muscular
de Emery-Dreifuss, e a síndrome progeroide HEGELE, R. A. et al. Heterogeneity of nuclear lamin
A mutations in dunnigan-type familial partial li-
de Hutchinson-Gilford. É possível relacio- podystrophy. Journal of Clinical Endocrinology and
ná-los porque tais variantes patogênicas no Metabolism, v. 85, n. 9, p. 3431–3435, 2000.
gene LMNA podem interferir na estrutu-
ZAMMOURI, J. et al. Molecular and Cellular Bases
ra secundária das proteínas laminas A/C, of Lipodystrophy Syndromes. Frontiers in Endo-
resultando no comprometimento das suas crinology, v. 0, p. 1830, 2022.
funções celulares, além de afetar a sua intera-
ção com outras proteínas e impedir que pro- SMART - Servier Medical ART. Disponível em:
<https://smart.servier.com/>. Acesso em: 22
cessos como replicação e reparo do DNA, mai. 2020.