Potencialidades Do Uso de Animes No Ensi

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Ensino

Remoto

Diálogo

ENTREMEIOS DA EDUCAÇÃO
CONTEMPORÂNEA
Jenerton Arlan Schütz
Leandro Mayer
(Organizadores)
Jenerton Arlan Schütz
Leandro Mayer
(Organizadores)

ENTREMEIOS DA EDUCAÇÃO
CONTEMPORÂNEA

Editora Ilustração
Cruz Alta – Brasil
2020
Copyright © Editora Ilustração

Editor-Chefe: Fábio César Junges


Diagramação: Fábio César Junges
Imagem da capa: Freepik
Revisão: Os autores

CATALOGAÇÃO NA FONTE

E61 Entremeios da educação contemporânea [recurso eletrônico] /


organizadores: Jenerton Arlan Schütz, Leandro Mayer. - Cruz
Alta: Ilustração, 2020.
315 p.

ISBN 978-65-88362-47-1
DOI: 10.46550/978-65-88362-47-1

1. Educação. I. Schütz, Jenerton Arlan (org.). II. Mayer,


Leandro (org.).
CDU: 37

Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720

2020
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora
Ilustração. Todos os direitos desta edição reservados pela Editora Ilustração.

Rua Coronel Martins 194, Bairro São Miguel, Cruz Alta, CEP 98025-057
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www.editorailustracao.com.br
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Drª. Salete Oro Boff IMED, Passo Fundo, RS, Brasil
Dr. Tiago Anderson Brutti UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil

Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.


SUMÁRIO

PREFÁCIO.................................................................................................... 13
Jenerton Arlan Schütz

POTENCIALIDADES DO USO DE ANIMES NO ENSINO DE


CIÊNCIAS: ALGUNS DIÁLOGOS ............................................................. 15
Alberto Lopo Montalvão Neto
José Gomes da Silva Filho
Gustavo Gomes Siqueira da Rocha

DIAGNOSTICANDO CONCEPÇÕES SOBRE MEIO AMBIENTE EM


UMA ESCOLA NO MUNICÍPIO DE ARACAJU/SE ................................. 33
Aldeci dos Santos

O USO DE MURAIS VIRTUAIS(PADLET) NO ENSINO DE HISTÓRIA


DURANTE A PANDEMIA ......................................................................... 43
Cícera Aparecida de Oliveira

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES CURADORES


DE LÍNGUA PORTUGUESA EM UM CENÁRIO PÓS-PANDÊMICO:
REFLEXÕES NECESSÁRIAS....................................................................... 51
Clair da Silva Teixeira

A PESQUISA NA SALA DE AULA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: A


PERCEPÇÃO DOCENTE NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL ........................................................................................ 61
Diego Gerônimo Silva
Regina Maria Rovigati Simões
Diovane de César Resende Ribeiro

QUANDO ESCREVER FAZ SENTIDO: RELATOS SOBRE


APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA EM
INGLÊS......................................................................................................... 79
Fernando Silvério de Lima

NAS TEIAS DE ANANSE: (DES) COMPASSOS ENTRE A


MATERIALIZAÇÃO DOS MARCOS LEGAIS E O CORPO NEGRO
COMO MARCA IDENTITÁRIA NA EDUCAÇÃO ................................... 93
Herlan Smith
Jenerton Arlan Schütz Leandro Mayer

FORMAÇÃO DOCENTE PARA A INCLUSÃO: PERCEPÇÃO DE


PROFESSORES CAPACITADOS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL ...................................................................................... 105
Amanda Muller Tornich
Jacqueline Lidiane de Souza Prais

A ALFABETIZAÇÃO NO LIMIAR DE PAULO FREIRE ......................... 119


Jessé Pinto Campos
Maria José Borges da Silva

LEVANTAMENTO DE PRODUÇÕES EM INGLÊS QUE


CONTEMPLAM A PRÁTICA PEDAGÓGICA INCLUSIVA SUBSIDIADA
PELO DESENHO UNIVERSAL PARA A APRENDIZAGEM ................. 127
Jacqueline Lidiane de Souza Prais
Célia Regina Vitaliano

PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO SOBRE


AGROTÓXICOS: UMA TEMÁTICA NECESSÁRIA PARA A
EDUCAÇÃO .............................................................................................. 143
Diuliana Nadalon Pereira
Keiciane Canabarro Drehmer Marques

JOGO “A TRILHA CEM POR CENTO” NO ENSINO DE


MATEMÁTICA: UMA PROPOSTA PRÁTICA ......................................... 159
Eduardo dos Santos de Oliveira Braga
Valéria da Silva Lima
Luiz Felipe Santoro Dantas
Thiago Rodrigues de Sá Alves

A EDUCAÇÃO NO BRASIL COLONIAL COMO HIPÓTESE PARA


UM CONCEITO DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA: POLÍTICA,
PRÁTICA PEDAGÓGICA, REPRODUÇÃO SOCIAL E CONDIÇÃO
COTIDIANA .............................................................................................. 173
André Luiz Batista da Silva
Marco Antonio Ribeiro Merlin

APRENDIZAGEM EM TEMPOS DE AULAS REMOTAS: LEITURA E


PRODUÇÃO A PARTIR DO GÊNERO TEXTUAL MEMES .................. 183
Maria Valdinete de Pontes Matias
Andréa da Silva Oliveira
Helenildo Arruda de Macedo Júnior
Entremeios da Educação Contemporânea

PANDEMIA, ENSINO REMOTO E TRABALHO DOCENTE: COMO


ESTÃO AS PROFESSORAS? ...................................................................... 197
Mariana Corradi Bruno

ADOÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A AUTOEDUCAÇÃO


COMO CAMINHO POSSÍVEL ................................................................ 207
Marta Soares da Silva
Stefano Rocha da Cruz

LITERATURA NA PANDEMIA: A FORMAÇÃO DO LEITOR E OS


DESAFIOS DA LEITURA DIALÓGICA NO ENSINO REMOTO ......... 219
Naiana Leme Camoleze

OS JORNAIS COMO OBJETOS DE ESTUDO NO ENSINO DE


HISTÓRIA .................................................................................................. 227
Pâmela Pongan

A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE DO TRANSTORNO


DO ESPECTRO AUTISTA (TEA): UM OLHAR A PARTIR DA
INFLUÊNCIA NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
ENVOLVENDO CRIANÇAS DO ENSINO REGULAR .......................... 239
José Orlando Rodrigues de Barros
Rômulo José do Couto
Rafael Gonçalves Campolino
Magali Francisca de Oliveira Silva

AS NTIC’s COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO PARA FAVORECER A


APRENDIZAGEM DOS ALUNOS PERANTE O ENSINO REMOTO .. 249
Rawena De Almeida Araújo Dantas
Wiliana De Araújo Borges
Yeman Omar Zapata Barbosa

A GAMIFICAÇÃO COMO PRÁTICA DE ENSINO-APRENDIZAGEM


DE LÍNGUA PORTUGUESA EM CONTEXTO DIGITAL .................... 265
Edmundo Lins de Andrade
Mariana da Silva Tomadon
Rosa Carolina Silva de Gouveia
Sirlei de Melo Milani
Tatiana Petri Lopes
Jenerton Arlan Schütz Leandro Mayer

EDUCAÇAO, PATRIMÔNIO CULTURAL E CIDADANIA: O PAPEL


DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL ............................................................ 281
Tadeu Silvestre da Silva
Rosana Maria Prado

HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL – HIS: CONCEITOS E


REFLEXÕES A RESPEITO DA SUSTENTABILIDADE E INCLUSÃO
SOCIAL....................................................................................................... 293
Cristhian Moreira Brum
Tarcisio Dorn de Oliveira
Luana Vanessa Wildner
Pamela Rossoni Franco

A RELAÇÃO ENTRE FAMÍLIA x ESCOLA .............................................. 301


Jaíne Karal
Tatiane Maiara Hammes

UNIDADE DE GERAÇÃO DE RENDA – UGR: POSSIBILIDADE DE


RENDA E INCLUSÃO SOCIAL................................................................ 309
Cristhian Moreira Brum
Tarcisio Dorn de Oliveira
João Vicente Machado Schmitz
Rudinei Gomes Rodrigues
PREFÁCIO

Permanece pelo menos: a honestidade de nossos esforços, o trabalho limpo.


(Ludwig Hohl)

A obra Entremeios da Educação Contemporânea se apresenta em


diálogo com a pluralidade de vozes da educação. Os capítulos que
compõem este livro abordam diferentes olhares sobre a pesquisa, a escrita e as
metodologias, num movimento que assume pertinentes tensionamentos nas
mais variadas áreas do conhecimento.
Quando falamos sobre a educação, de alguma forma, estamos nos
referindo ao desejo que alimentamos em termos um mundo humano que
dure, perdure e se aprofunde. O nosso esforço, ou nossa disposição em educar
os filhos e as novas gerações de um modo geral, se deve ao fato de acreditarmos
que esse mundo humano – com suas crenças, valores, competências, modos
de ser, técnicas, etc. – constitui um legado que vale a pena ser transmitido às
gerações vindouras. Com isso, podemos dizer que temos um aprendizado de
espécie que desejamos que seja incorporado pelas novas gerações.
Além disso, salientamos que esse desejo se expressa no dizer dos pais:
“Queremos o melhor para o(s) nosso(s) filho(s)”. Esse “melhor” representa a
compreensão que os pais têm em relação ao que seja propriamente o “humano”
em suas relações com o meio natural, com os outros e consigo mesmo. Tudo
isso nos remete à ideia de que educar, em última instância, significa no esforço
em “contar o mundo às novas gerações”.
Entretanto, o que permite falar/contar/comunicar/narrar um mundo
“comum”, que já não seja apenas o meu mundo, a minha percepção das coisas,
os meus valores, as minhas referências?
Se na educação familiar/doméstica é necessário que os pais se acertem
sobre o que constituiu propriamente o “conteúdo” da educação a ser dada
aos seus filhos, na escola e em outras instituições formativas o entendimento
precisa ser mais amplo, já que nelas está previsto o ensino que é considerado
importante e básico pela sociedade, pela ordem política instituída. E é isso que
traz a demanda e a necessidade de um referencial de objetividade.
Afinal, é preciso saber como o mundo que contamos corresponde
ao “nosso” mundo e que ele é “comum” a todos nós. Ou, ainda, em outros
termos, o conteúdo da educação não pode ser um âmbito de livre criação ou
de achismos por parte de cada respectivo professor ou profissional que assume
tal tarefa. Pois, o desejo de contar o mundo às novas gerações pressupõe que
14
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

se explicite a forma de como nós produzimos a objetividade desse mundo,


de modo que ele possa, efetivamente, ser apresentado como sendo o “nosso
mundo comum”.
Precisamos produzir um “nosso” digno e passível de ser definido e
apresentado às novas gerações Este é o esforço da presente obra. Boa leitura!

Jenerton Arlan Schütz


Primavera de 2020.
POTENCIALIDADES DO USO DE ANIMES NO
ENSINO DE CIÊNCIAS: ALGUNS DIÁLOGOS

Alberto Lopo Montalvão Neto1


José Gomes da Silva Filho2
Gustavo Gomes Siqueira da Rocha3

Introdução

A s discussões acerca da aplicação de novas Tecnologias de Informação


e Comunicação (TICs) e das Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação (TDICs),4 assim como o uso de métodos ativos de aprendizagem
na rede básica de ensino, são cada vez mais recorrentes. De fato, a virada do
século e a expansão dos meios de conhecimento apontam a necessidade de
mudanças na forma tradicional de Ensino de Ciências na Educação Básica,
ancorando-a em práticas sociais significativas (BRASIL, 1998, 2017).
Ressalta-se aqui que os documentos curriculares oficiais evidenciam
a importância de ancorar o Ensino de Ciências enquanto prática social
viva. Há muito os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) criticavam a
fragmentação, descontextualização e as dificuldades de compreensão dos
alunos a respeito dos conteúdos científicos no âmbito das disciplinas escolares,
tal como indicado no trecho a seguir:
Em relação aos conteúdos conceituais, particularmente de quinta a oitava
séries, persiste uma tendência que os aborda de modo estanque nas disciplinas
científicas, tais como se consagraram há mais de um século, e de forma
caricatural. Apresenta-se separadamente Geologia, dentro de água, ar e solo;
Zoologia e Botânica, como sendo classificação dos seres vivos; Anatomia e

1 Doutorando em Educação (UNICAMP), Mestre em Educação Científica e Tecnológica


(UFSC), Licenciado em Ciências Biológicas (UFSCar – Campus Sorocaba e Universidade de
Coimbra – Portugal). Bolsista CNPq. E-mail: [email protected]. Lattes: http://
lattes.cnpq.br/5073553553718539
2 Especialista em Docência e Gestão do Ensino Superior (UNESA), Graduando em Pedagogia
(UFPI). E-mail: [email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0064983280741215
3 Mestrando em Letras (UFJF), Especialista em Docência do Ensino Superior e Tutoria em
EaD (UCAM) e em Literatura, Cultura e Arte na Educação (UNIVES), Graduado em Letras
Português/Literaturas (UFF) e em Pedagogia (UNIFACVEST). Professor efetivo na rede
pública de ensino (SEE/MG). E-mail: [email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/8715509241400248
4 “TDIC são tecnologias que têm o computador e a Internet como instrumentos principais e se
diferenciam das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) pela presença do digital”
(LOPES; FÜRKOTTER, 2012, p. 2).
16
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Fisiologia humana, como sendo todo o corpo humano; Física, como fórmulas,
e Química, como o modelo atômico-molecular e a tabela periódica. As
interações entre os fenômenos, e destes com diferentes aspectos da cultura, no
momento atual ou no passado, estudadas recentemente com maior ênfase nas
Ciências Naturais, estão ausentes (BRASIL, 1998, p. 27).
Corroborando e atualizando os pressupostos dos PCNs (1998), a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), enquanto atual documento orientador
da educação, ressalta a importância de um Ensino de Ciências contextualizado
no âmbito da Educação Básica, com vistas à preparação para a vivência do
aluno enquanto cidadão. Assim, a BNCC afirma que “[...] aprender ciência
não é a finalidade última do letramento, mas, sim, o desenvolvimento da
capacidade de atuação no e sobre o mundo, importante ao exercício pleno da
cidadania.” (BRASIL, 2017, p. 321).
Nesse sentido, considerando os aspectos culturais e a necessidade de
se pensar numa perspectiva de Ensino de Ciências que vise a compreensão
de outras formas de “ler o mundo”, o presente trabalho possui como tema
a apresentação das potencialidades quanto ao uso de animes no Ensino de
Ciências enquanto possibilidade pedagógica, tendo como objetivo geral
refletir sobre como esse tipo específico de animação tem sido (re)tratado no
âmbito da pesquisa da área. Assim, a partir de uma breve revisão bibliográfica
sobre o tema de interesse, e que se refere à última década, refletimos sobre as
distintas potencialidades, apontadas por pesquisas empíricas e/ou teóricas, a
respeito do uso de animações, mais especificamente de animes, na Educação
em Ciências. Essa abordagem se deve ao fato de partirmos da premissa de que
formas de materialização da linguagem em perspectivas audiovisuais podem
auxiliar práticas docentes e destituir alunos de seu tradicional papel passivo em
sala de aula. Dessa forma, a partir de um movimento descritivo-interpretativo
e analítico-reflexivo, foi delineada a seguinte questão de pesquisa: em que
medida o uso de animes pode corroborar positivamente à prática docente no
âmbito do Ensino de Ciências na Educação Básica?
Nesse contexto é válido discutir as distinções entre os termos: animes
e animações, para o desenvolvimento do trabalho e de modo a justificar o
recorte da pesquisa. Dutra (2006) destaca distinções gráficas, culturais e
temáticas entre as animações e os animes:
Animê são desenhos animados, que em sua grande parte são originados dos
mangás (histórias em quadrinhos japonês) e que possuem um diferencial
notável dos desenhos animados ocidentais, pelo fato de conseguirem expressar
a realidade, os sentimentos dos personagens e os detalhes dos traços dos
desenhos. Outro fator que acentua essa diferença está na questão das histórias
em que os personagens se encontram inseridas, pois os temas tratados vão
desde a ação, romance, comédia, temas históricos aos temas que abordam a
sensualidade (DUTRA, 2006, p. 16).
17
Entremeios da Educação Contemporânea

Apesar de sua origem remontar à segunda década do século XX no


Japão, no Brasil o sucesso dos animes iniciou-se com a exibição de “Os
Cavaleiros do Zodíaco”, em 1994, pela TV Manchete (DUTRA, 2006),
impulsionando também o mercado editorial do ramo no país.
De acordo com Machado e Duarte (2017), os animes, assim como
os mangás, são exemplos de uma mundialização cultural, de modo que essas
produções, provenientes da mídia japonesa, difundiram-se para além de
aspectos fronteiriços. E, se essas expressões culturais inicialmente tinham apenas
o propósito de entretenimento, com a sua difusão, principalmente entre jovens
(CATÃO; ACEVEDO; GODOY, 2017), os animes passaram a ser pensados
como um recurso pedagógico (FUNAKURA; WESCHENFELDER, 2020),
visto que se caracterizam como “[...] um veículo de comunicação, em que
o aluno pode construir o seu conhecimento a partir das suas interpretações
e experiências, desenvolver o espírito de observação, a imaginação e o
pensamento crítico” (FERNANDES; RODRIGUES, 2011, p. 106). Isso
porque, assim como outras mídias (digitais e televisivas) o fizeram, os animes
influenciam na composição de identidades e práticas de sujeitos, de tal
modo que essas produções audiovisuais se mostram presente em suas vidas.
Outrossim, demarca-se a formação de grupos (otakus), e expressões artístico-
culturais, como o cosplay, e em outras formas de interação que perpassam os
multiversos criados pelos admiradores de animes5.
As influências aqui apontadas justificam as nossas preocupações sobre
a temática no Ensino de Ciências, visto que, mais do que um tipo comum de
animação, os animes são uma forma de expressão cultural específica, que possui
as suas particularidades e que muito influencia diversos jovens na atualidade.
Destarte, pautado nesses pressupostos, o trabalho está assim organizado: na
seção 2 serão apresentadas reflexões teóricas que versam acerca das teorias
da linguagem, enfocando a noção de representação, conforme pressupostos
da Análise do Discurso (AD) de vertente franco-brasileira. Na seção 3 serão
elencados aspectos metodológicos de nosso recorte de análise, que centra-se em
uma revisão bibliográfica sobre a temática no âmbito da pesquisa em Ensino
de Ciências. Na seção 4, realizamos um movimento descritivo-interpretativo
de nosso corpus de análise, composto a partir da revisão de literatura. Por fim,
nas considerações finais estabelecemos algumas reflexões acerca deste corpus.

5 Otaku: termo utilizado no Japão e em outros países para designar os fãs de animes e mangás.
Disponível em: <https://tab.uol.com.br/faq/voce-e-um-otaku-qual-o-significado-do-termo-
e-outras-curiosidades.htm>. Acesso em: 14 nov. 2020. Cosplay: é forma abreviada do termo
costume play e pode ser traduzido como “representação de personagem a caráter”. Mangá é a
palavra usada no Japão para designar “[...] quaisquer histórias em quadrinhos feitas no estilo
japonês”. Disponível em: <https://sites.google.com/site/gabrielmaianogueira/diferenca-de-
anime-cosplay-e-manga> Acesso em: 12 nov. 2020.
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Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Algumas reflexões teóricas: a noção de representação


Entre várias concepções encontradas nos dicionários, a palavra
“representação” pode ser descrita como a “Imagem ou ideia que traduz nossa
concepção de alguma coisa ou do mundo”6. Nesse sentido, ao longo da história,
compreendemos que o ser humano sempre almejou representar, de alguma
forma, a si e ao mundo que o rodeia, buscando compreender, sistematizar e/
ou fazer com que circule uma determinada informação/ideia a partir de suas
concepções, que, para nós, estão no limiar da relação sujeito-história-mundo.
A Filosofia, a Psicologia e outros diversos campos do conhecimento
relacionados à comunicação e à linguagem buscam, a sua maneira, compreender
as distintas formas pelas quais o ser humano representa essa relação com o
mundo. Entre os principais referenciais teóricos que constituem na atualidade
o campo da linguagem, e que se remete, em certa medida, às representações,
a Análise de Discurso (AD), de vertente franco-brasileira, se apresenta como
um potencial meio de se pensar sobre a questão. Não pretendendo assumir
a AD como o referencial teórico-metodológico deste trabalho, expomos
algumas breves reflexões a partir dela, de modo a pensar sobre as influências
dos animes/animações na produção de interpretações e de imaginários dos
sujeitos, em suas formas de “ler do mundo”.
A AD, que teve em Michel Pêcheux um de seus principais precursores
na França, e em Eni Orlandi uma de suas principais expoentes no Brasil, desde
os seus primórdios, busca estabelecer as relações com as representações sociais,
por meio do dito imaginário, e isso ocorre a partir das formas como os sujeitos
assumem determinadas posições no discurso, de modo a representar a si e/ou
ao outro. Nessa relação, Almeida e Pagliarini (2018) apontam que a noção
de representação é polissêmica. Dessa forma, os sentidos que são atribuídos
à noção dependem das condições de produção, em seu sentido estrito7, ou
seja, no contexto imediato da enunciação. No entanto, apesar da palavra ser
polissêmica, numa área específica do conhecimento ela se torna parte de uma
formação discursiva (FD), que é “[...] aquilo que numa formação ideológica
dada - ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica
dada - determina o que pode e deve ser dito (ORLANDI, 2003, p. 43).
Sobre o Ensino de Ciências, Almeida e Pagliarini (2018, p. 5)
complementam que a noção de representação “[...] inclui uma qualificação
que determina sua natureza”. Nesse âmbito, os autores explicitam algumas

6 Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/busca?id=ZNPxR>. Acesso em: 07 out. 2020.


7 De acordo com Orlandi “Podemos considerar as condições de produção em sentido estrito e
temos as circunstâncias da enunciação: é o contexto imediato. E se as considerarmos em sentido
amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio-histórico, ideológico” (ORLANDI,
2003, p. 30).
19
Entremeios da Educação Contemporânea

possibilidades a respeito dos sentidos da noção a partir do diálogo com outros


autores. Assim, com base nos exemplos dos autores e por meio de extrapolações,
podemos dizer que a noção de representação pode se referir a distintas coisas/
situações, como, por exemplo, uma estrutura química (átomos, moléculas,
etc.), uma célula no âmbito biológico, a representação da natureza a partir
das teorias da Física, a imagem que um professor tem de alunos e vice-versa,
entre outros.
Resumidamente, podemos dizer que, na noção de representação, “[...]
o sentido que lhe é atribuído parece estar associado à abordagem do objeto
da investigação e a princípios que a sustentam” (ALMEIDA; PAGLIARINI,
2018, p. 7). Ademais, cabe ressaltar que, no Ensino de Ciências, “[...] isso
ocorre mesmo quando esses princípios não são explicitamente descritos no
texto” (ALMEIDA; PAGLIARINI, 2018, p. 7). Assim, consideramos que leis,
teorias, métodos, entre outras formas de interpretar, podem ser consideradas
como representações, comuns tanto nas Ciências, quanto no seu ensino.
Ademais, outros mecanismos da linguagem incidem sobre a questão.
Primeiramente, é importante salientar que a AD pressupõe que o discurso é
“efeito de sentidos entre interlocutores” (ORLANDI, 2003). Nessa relação
de produção de sentidos, há vários mecanismos que contribuem para que
o sujeito signifique. Entre eles, podemos citar o mecanismo de antecipação.
Sobre esse mecanismo, de acordo com Orlandi:
[...] todo sujeito tem a capacidade de experimentar, ou melhor, de colocar-
se no lugar em que o seu interlocutor “ouve” suas palavras. Ele antecipa-se
assim a seu interlocutor quanto ao sentido que suas palavras produzem. Esse
mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um
modo, ou de outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte
(ORLANDI, 2003, p. 39).
Nesse sentido, partimos do pressuposto de que, ao representar algo,
aquele que enuncia (os autores de um livro didático ou de uma notícia de
divulgação científica; os produtores de um filme, de uma série animada ou
de um anime; um grupo de cientistas, em explicações num congresso sobre a
sua nova teoria; etc.) o fará em busca de direcionar a produção de sentidos de
seu interlocutor. Ou seja, há uma busca pela estabilização de um determinado
sentido, apesar da impossibilidade disso, dado que o interlocutor pode
interpretar de diferentes maneiras com base em suas histórias de leitura e de
vida. Todavia, se tomarmos como exemplo os animes, compreendemos que,
ainda que não sejam capazes de propiciar um estável movimento parafrástico,
ao entrar em contato com o interlocutor, influenciarão na produção de
identidades e nas formas de “ler o mundo” desses sujeitos. Em outras palavras,
eles influenciarão nos gestos de leitura de seus telespectadores.
Ainda sobre a representação, é necessário salientar que ela está
20
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

intrinsecamente relacionada à formação imaginária (FI), ou seja, às imagens


que são construídas “[...] a partir das relações sociais que funcionam no
discurso”, visto que há “[...] em toda língua mecanismos de projeção que
permitem passar da situação sociologicamente descritível para a posição dos
sujeitos discursivamente significativos” (ORLANDI, 1994, p. 56). Em outras
palavras, por meio da FI, “[...] podemos procurar entender o modo como os
textos produzem sentidos e a ideologia será então percebida como o processo
de produção de um imaginário, isto é, produção de uma interpretação
particular” (ORLANDI, 1996, p. 65). Complementarmente, Pêcheux (1997),
em explanações de uma de suas obras mais expoentes, coloca, por exemplo,
que a representação que os alunos fazem sobre o que o professor lhes apresenta
influenciará nos efeitos de sentidos produzidos. Nesse aspecto, podemos
dizer que é a partir da imagem que se tem dos sujeitos e das situações que se
produzem os sentidos. Nessa relação, as condições de produção, o imaginário
e a relação com a exterioridade levará a uma “situação concreta” por meio da
atuação da ação da ideologia (PÊCHEUX, 1997).
Cabe ressaltar que só é possível produzir uma determinada interpretação
a respeito de algo devido ao efeito do interdiscurso. Há uma memória
constitutiva, que permite o dizer e que faz com que o sujeito se coloque em
sua origem, de modo a significar (ORLANDI, 1996). Daí, compreendemos
que o imaginário perpassa a construção social das posições que os sujeitos
ocupam/assumem no (ou na ordem do) discurso. A partir dessas noções,
entendemos que as formulações veiculadas por meios audiovisuais se tornam
proeminentes representações e formulam-se a partir de distintos imaginários
dos (e sobre os) sujeitos. Entre elas, podemos citar a imagem que se formula e
veicula de/sobre Ciência e cientista.
Pensando nas possibilidades de produção de sentidos, podemos apontar
como algo fundamental a formação do leitor no Ensino de Ciências. Nessa
forma de olhar, os gestos de leitura podem ocorrer por meio de diferentes
materialidades e, entre elas, estão as produções animadas. De acordo com
Ramos e Silva (2014), trata-se, então, de um domínio do simbólico que
abrange outras formas de textualização, verbais e não-verbais, e que tem os
meios midiáticos como grande possibilidade de circulação das representações
até aqui mencionadas. Inclusive, podemos dizer que comumente ocorre a
circulação daquelas representações que se relacionam às imagens de Ciência,
de cientista e de seu ensino.
Sobre as representações de Ciência e de cientista em séries animadas,
em recente pesquisa, Nakamura, Montalvão Neto e Silva (2020) apontam
para a possibilidade de desconstrução de estereótipos do feminino, a partir
da representação de uma princesa cientista que está no entremeio da visão
estereotipada de uma mulher delicada e “cor-de-rosa”, e de uma líder
21
Entremeios da Educação Contemporânea

empoderada e destemida, que, usando da Ciência e de grande coragem,


protege o seu povo. Trata-se de uma representação na série animada “Hora de
Aventura”, que, a partir de uma série de relações de gênero, mostra algumas
das possibilidades no uso de animações para a (des)construção de sentidos
hegemônicos e de posições-sujeito hegemônicas.
Considerando que para a AD a linguagem não é transparente
(ORLANDI, 1996, 2003) e que “[...] aquilo que se fala e como se fala da/sobre
ciência e tecnologia produz efeitos de sentidos nos leitores” (LINSINGEN;
CASSIANI, 2010, p. 163), julgamos como algo importante a compreensão
sobre a forma como as potencialidades do uso de animações, mais
especificamente de animes, têm sido (re)tratadas no âmbito das pesquisas e
nas práticas didático-pedagógicas realizadas no âmbito do Ensino de Ciências,
tal como supramencionado.

Aspectos metodológicos da pesquisa


O presente trabalho é um estudo qualitativo, que, a partir de uma
revisão de literatura, tem por finalidade estabelecer algumas reflexões sobre a
potencialidade do uso de animes no Ensino de Ciências. Nesse sentido, este
pode ser identificado como um estudo exploratório e descritivo (GIL, 2002),
uma vez que a discussão dos trabalhos encontrados em nossas buscas foram
realizadas numa perspectiva descritiva-interpretativa e reflexiva.
A exequibilidade da pesquisa deu-se a partir de uma busca realizada nas
bases de dados Scielo, Portal de Periódicos da CAPES e Google Acadêmico,
nas quais foi utilizado o seguinte descritor: anime AND “ensino de ciências”.
O rastreio retornou variados trabalhos acadêmicos e, entre eles, identificamos
teses, dissertações, monografias, anais, livros e artigos científicos. Entretanto,
nosso objetivo foi realizar uma seleção apenas destes últimos para compor o
corpus utilizado para reflexões no presente estudo por considerarmos que este
é o principal meio pelo qual as pesquisas acadêmicas circulam entre os seus
pares.
Para a seleção dos textos de interesse delimitamos alguns critérios de
elegibilidade, os quais foram aplicados para a separação dos dados retornados.
Com isso, deu-se preferência aos artigos completos, publicados em periódicos
ao longo da última década, incluindo aqueles referentes ao presente momento,
ou seja, abrangendo estudos entre os anos de 2010 e 20208. Ademais, os textos
deveriam ser escritos em português e apresentar o termo “ensino de ciências”
e suas palavras correlatas, a saber, “ensino de física”, “ensino de química” e/ou

8 Dado que a abrangência das buscas incluem um ano que ainda está em curso, as buscas
consideraram os artigos publicados até o dia 11 de novembro de 2020.
22
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

“ensino de biologia”, em seus títulos, resumos e/ou palavras-chave.


A busca realizada na plataforma Google Acadêmico foi refinada,
desmarcando as opções “incluir citações” e “incluir patentes”, além de
delimitar o “período específico” (2010 a 2020) em campo disponibilizado
para tal finalidade. A partir da busca, foi devolvido o total de 198 resultados,
estando inclusos diversos tipos de produções acadêmicas, como anteriormente
reportado. Não obstante, nas demais bases, não foi retornado nenhum
resultado utilizando-se os mesmos critérios. Em seguida, os dados obtidos
foram analisados, um a um, considerando os critérios de elegibilidade
previamente delimitados. Com o objetivo de organizá-los, os arquivos foram
direcionados para a aba “Minha biblioteca”, da base Google Acadêmico, a fim
de serem exportados para o programa EndNote. Posteriormente, eles foram
enviados para o EndNote e, concomitantemente, foi criada uma planilha
no Word, a qual foi preenchida mediante os seguintes componentes de cada
artigo: a) Título; b) Palavras-Chave; c) Autor(es); d) Periódico; e) Objetivo da
pesquisa; f ) Anime utilizado; g) Conteúdo curricular abordado; h) Público-
alvo da atividade realizada; i) Principais conclusões e potencialidades sobre o
uso de animes no Ensino de Ciências.
Como a proposta versou selecionar artigos publicados em periódicos
que tinham como tema o uso de animes no Ensino de Ciências, somente 3
textos foram incluídos no corpus utilizado para as reflexões deste estudo, posto
que os 195 restantes não atenderam aos critérios de inclusão, principalmente
por não se caracterizam como uma publicação do tipo artigo científico ou
por não estarem escritos em português. A partir da seleção mencionada,
realizamos um movimento descritivo dos textos encontrados com base em seus
elementos constitutivos anteriormente mencionados. Dessa forma, a partir da
descrição, interpretação e reflexão sobre as abordagens didático-pedagógicas
apresentadas por estes trabalhos, relatamos algumas possibilidades sobre o uso
de animes no Ensino de Ciências.

O uso de animes na educação e na pesquisa em Ensino de Ciências


No Quadro 1 destacamos as principais informações sobre os três
artigos que compõe o nosso corpus de análise. Dois trabalhos trazem a
descrição da criação, desenvolvimento e análise de atividades em sala de aula,
nas quais utilizaram-se de animes para fomentar discussões de conteúdos
relativos ao currículo de Ciências, enquanto que um deles traz uma análise
teórica sobre um anime, destacando a utilização desse tipo de animação como
recurso paradidático no Ensino de Ciências. Apresentamos uma síntese desses
trabalhos a seguir.
23
Entremeios da Educação Contemporânea

Quadro 1: Síntese do corpus de análise

Referência Henrique (2019) Santos e Meneses (2019) Campos e Cruz (2020)


Título Contribuições O anime Pokémon Análise de conceitos
da franquia como ferramenta lúdica científicos presentes no
Pokemón para o no processo de ensino e anime Hataraku Saibou
ensino de Biologia aprendizagem em ciências
(Física e Química)
Palavras- Ensino de Pokémon; Ferramenta Animação japonesa;
Chave Biologia; Recurso lúdica; Aprendizagem Circulação sanguínea;
pedagógico; significativa; Mapeamento Ensino de Ciências; Recurso
Pokémon. conceitual. paradidático.

Autor(es) Victor Hugo de Alef Bruno dos Santos Taynara Rúbia Campos
Oliveira Henrique (Universidade Federal do (Universidade Federal de
(Universidade do Rio Grande do Norte) Santa Catarina)
Estado de Mato Fábia Maria Gomes de Dulce Márcia Cruz
Grosso) Meneses (Instituto Federal (Universidade Federal de
do Rio Grande do Norte) Santa Catarina)

Periódico Revista Pleiade Revista Eletrônica Ludus Revista Debates em


ISSN: 1980-8666 Scientiae Educação
ISSN: 2527-2624 ISSN: 2175-6600
Objetivo Relatar uma Descrever e analisar a Descrever e analisar a
do artigo experiência na utilização de um episódio representação que o anime
qual utilizou-se o do anime Pokémon traz de conceitos científicos,
anime da franquia como ferramenta lúdica desde elementos estéticos,
Pokémon numa no processo de ensino como o cenário e o design
prática pedagógica e aprendizagem com de personagens, até os
para ensino de significados em ciências narrativos
biologia (física e química)
Anime Pokémon Pokémon (1997-presente) Hataraku Saibou
utilizado (1997-presente). (2015-presente)
Conteúdo Biodiversidade Corrente elétrica, Células (hemácias),
curricular condutores, semicondutores circulação sanguínea
abordado e não condutores elétricos,
ondas mecânicas e
eletromagnéticas, soluções
eletrolíticas, ligações
químicas, íons e dissociação
iônica
Público Alunos do 3º Alunos do 9º ano do Sem público específico
da ano do Ensino Ensino Fundamental
atividade Médio de uma de uma escola da rede
realizada escola estadual de particular de Parnamirim-
Araputanga-MT RN
Fonte: Os autores, a partir das obras referenciadas no quadro.
24
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

A respeito do primeiro trabalho, vemos que Henrique (2019) se reporta


a uma prática pedagógica desenvolvida no dia Internacional da Biodiversidade,
tendo como inspiração o anime “Pokémon” (1997-presente). Nesse anime,
seres humanos capturam e treinam seres ficcionais denominadas pokémons,
dispondo-os para batalhar entre si a comando de seus donos/treinadores, numa
prática similar a um esporte (SANTOS; MENESES, 2019). O anime vincula-
se a uma franquia que conta também com diversos jogos e produtos, a qual,
mediante Henrique (2019), tem expressiva influência cultural em diversas
gerações, sendo uma das mídias mais consumidas desde o seu lançamento nos
anos 90.
Na prática pedagógica antes mencionada, alunos do 3º ano de
uma escola estadual de Araputanga-MT realizaram uma apresentação, sob
orientação do professor, no dia 22 de maio, data escolhida pela Organização
das Nações Unidas (ONU) para sensibilizar a população sobre a importância
da diversidade biológica do planeta. Na referida atividade, os estudantes, em
grupos, deveriam apresentar a biodiversidade da fauna de um continente do
planeta Terra, traçando paralelos com a diversidade do universo do anime
“Pokémon”. Cada grupo deveria discorrer sobre um continente, relacionando
pokémons (as criaturas ficcionais do universo do anime) a animais e vegetais
reais de nossa fauna e flora, de acordo com as características típicas da
região eleita. Exemplificando, com isso os alunos que apresentaram sobre o
continente Antártida relacionaram o pokémon Walrein à morsa marinha,
devido às semelhanças entre essa criatura ficcional e o animal.
Por sua vez, Santos e Meneses (2019) trabalham com o mesmo anime
anteriormente aludido, mas utilizado numa perspectiva de organização prévia
para a aprendizagem significativa de conteúdos específicos do currículo de
física e química. Além disso, ancorados na teoria da aprendizagem significativa
e na estratégia dos organizadores prévios do conhecimento, sugeridas por
David Ausubel, os autores delineiam, aplicam e analisam uma sequência
didática cujo episódio do anime “Pokémon” é usado como ferramenta lúdica
no processo de ensino e aprendizagem em ciências. Ademais, a pesquisa foi
realizada com 15 alunos do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola da
rede particular da cidade de Parnamirim-RN, em 2016.
A sequência didática parte de um episódio em que existe uma batalha
entre um pokémon com poderes elétricos e outro com poderes de pedra. Nesse
anime, as criaturas do tipo elétrico são fracas frente as do tipo pedra, de modo
que a vitória do primeiro seria improvável. No entanto, quando o ser elétrico
aciona por acidente o sistema de incêndio do local onde ocorre a batalha e
molha seu adversário, o enfraquece e consegue derrotá-lo dando-lhe choque.
Assim, em busca de compreender como o pokémon elétrico conseguiu vencer
o pokémon adversário com a ajuda da água, trabalha-se conteúdos de corrente
25
Entremeios da Educação Contemporânea

elétrica, condutores, semicondutores e não condutores elétricos, ondas


mecânicas e eletromagnéticas, soluções eletrolíticas, ligações químicas, íons e
dissociação iônica. Estes conteúdos foram abordados em conjunto à medida
que os alunos necessitavam que se explicasse algum dos fatos observados no
transcurso do episódio. Além disso, os autores avaliaram a aprendizagem dos
estudantes por intermédio de mapas conceituais construídos pelos próprios
discentes e aplicaram um questionário ao final da atividade para investigar a
percepção deles sobre a sequência didática vivenciada.
Finalmente, Campos e Cruz (2020), numa perspectiva mais ensaística,
buscam apresentar a potencialidade do anime enquanto recurso pedagógico
em aulas de Ciências. Isso ocorre a partir do apontamento dos autores de que
os animes trazem em sua linguagem narrativa alguns conceitos científicos,
os quais podem viabilizar o Ensino de Ciências. A vista disso, os autores
analisaram o anime Hataraku Saibou (2015-presente), o qual traz como
cenário o próprio corpo humano e em que, no decorrer de seus episódios,
é retratado funções patológicas ou patologias diferenciadas, enfatizando o
movimento de algumas células antropomorfizadas, notadamente, as células
vermelhas (hemácias) e as brancas (leucócitos/neutrófilos), as quais no
anime são as personagens principais. Ademais, ao analisarem proficuamente
o episódio oito, cujo assunto tratado versa sobre a circulação sanguínea, os
autores observaram que o tema é amplamente apresentado, inclusive com a
abordagem de conceitos científicos, configurando-se, portanto, como uma
fonte de grande potencial educativo.
Como exposto a seguir, compilamos no Quadro 2 as conclusões desses
três trabalhos sobre o uso de animes no Ensino de Ciências.

Quadro 2: Conclusões e potencialidades do uso de animes no Ensino de Ciências,


segundo as obras referenciadas

Referência Conclusões e potencialidades sobre o uso de animes no Ensino de


Ciências
Henrique (2019) - Gerou entusiasmo no aluno;
- Tornou o conteúdo escolar mais atrativo e divertido;
- Instigou o pensamento crítico e reflexão dos alunos frente a obras
audiovisuais;
- Potencial para realização de atividades numa perspectiva interdisciplinar.
26
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Santos e Meneses - Tornou o ensino mais divertido e atrativo;


(2019) - Possibilitou participação ativa dos estudantes;
- Possibilitou uma dinamização conceitual – conceitos científicos não
foram trabalhados em sequência rígida e pré-determinada, mas conforme
a demanda dos alunos;
- Contextualizou e exemplificou os conceitos científicos – levou os
discentes a visualizarem a química e a física como elementos presentes
nos mais diversos domínios sociais;
- Facilitou o processo de significação dos conceitos – como consequência
da contextualização e exemplificação proporcionada;
- Promoveu uma maior aprendizagem.
Campos e Cruz - Promissores para o desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras,
(2020) contextualizadas e divertidas com jovens e crianças;
- Possibilidade da linguagem narrativa para o Ensino de Ciências na
cultura digital.

Fonte: Os autores, a partir das obras referenciadas no quadro.

Como podemos observar, um aspecto convergente entre os estudos


de Henrique (2019) e Santos e Meneses (2019) foi que o uso de animes
promoveu entusiasmo nos alunos, resultando em aulas mais divertidas e
atrativas, sendo esta perspectiva também apontada por Campos e Cruz
(2020). Santos e Meneses (2019) complementam que esse fator levou a um
envolvimento maior dos discentes nas discussões em aula. Ademais, os três
artigos salientam particularidades positivas no uso de animes no ensino de
conteúdos científicos.
Henrique (2019) pontua que relacionar pokémons a criaturas da
fauna/flora terrestre se revelou uma estratégia eficiente para o ensino e a
aprendizagem do conteúdo biodiversidade, promovendo aprendizagens
significativas e divertidas. Além disso, o autor percebeu em seu uso grande
potencial para a efetividade de atividades interdisciplinares.
Campos e Cruz (2020), por sua parte, assinalam que em Hataraku
Saibou são apresentados conceitos científicos de fisiologia e morfologia
celular por intermédio da narrativa e das imagens contidas no anime, as quais
podem ser base para um Ensino de Ciências de forma divertida e inovadora.
Além disso, os autores salientam que em sala de aula os animes alargaram as
possibilidades de aprendizagem e afirmam que, por serem os animes ricos em
cultura e informações, estes podem ser trabalhados tanto por meio de debates,
quanto por meio de trabalhos autorais. Além do mais, nessa perspectiva,
pode-se restringir ao que se sucede no anime ou extrapolar o contexto por ele
abordado.
Por sua vez, Santos e Meneses (2019) discorrem sobre uma considerável
27
Entremeios da Educação Contemporânea

aprendizagem de conteúdos de física e química por intermédio do anime


“Pokémon”. Os autores destacam que o anime viabilizou a contextualização/
exemplificação do assunto, bem como a maior interação dos alunos nas aulas
e a consequente melhora na aprendizagem. Ademais, eles explicam que:
[...] o uso do anime “Pokémon” como ferramenta lúdica possibilitou uma
integração da memória operacional, responsável por codificar as informações,
e a memória a longo prazo, espaço de armazenamento de aspectos relevantes,
uma vez que os discentes conseguiram relacionar os fatos do episódio assistido
com os conceitos científicos (SANTOS; MENESES, 2019, p. 84).
Com isso, entende-se que esta significativa melhora na aprendizagem
se deu pelo fato de que houve uma contextualização e exemplificação dos
conceitos científicos em consonância com as histórias de vida (e de leitura)
dos alunos envolvidos, e que, por isso, diferem das usuais metodologias
de ensino, que lhes apresentariam apenas de forma teórica o conteúdo.
Outrossim, Santos e Meneses (2019) encontraram na utilização de um anime
uma forma de sistematizar previamente a situação de ensino e aprendizagem; a
possibilidade de dinamização conceitual – isto é, de se trabalhar os conteúdos
mediante a demanda dos discentes, e não numa sequência rígida e previamente
estabelecida.
Entretanto, ao se fazer uso de animes no processo de ensino-
aprendizagem de Ciências é necessário levar em conta algumas considerações.
Nesse sentido, Santos e Meneses (2019) alertam que o seu uso não é apropriado
em todos os conteúdos e o docente precisa conhecer bem o enredo de uma
obra a fim de utilizá-la em sala de aula.

Considerações finais
O presente trabalho teve como intuito refletir sobre as potencialidades
do uso de animes no Ensino de Ciências. Para isso, por meio de um movimento
de descrição, interpretação e reflexão, a partir de uma breve revisão de literatura,
apresentamos algumas discussões a respeito da temática. A partir do exposto,
indicamos que tais apontamentos apresentados pelos trabalhos descritos vão
ao encontro da noção da AD de representação e, por extensão, da noção de
formação imaginária, fundamentadas em Orlandi (1996) e Pêcheux (1997),
uma vez que a imagem construída pelos alunos, a partir da linguagem do
anime, lhes permite a produção de efeitos de sentidos particulares.
Nessa forma de compreensão, podemos apontar, por exemplo, o
trabalho de Campos e Cruz (2020), que intencionam retratar a circulação
sanguínea por meio da representação de conceitos científicos expostos no
anime Hataraku Saibou. Movimentos similares são identificados nos outros
dois trabalhos expostos. Assim, podemos dizer que, ao serem comparadas
28
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

as representações idealizadas no âmbito ficcional com situações concretas


para se ensinar a Biologia de nossa fauna/flora (HENRIQUE, 2019), há um
imbricamento entre ficção e realidade. Destarte, podemos considerar que, se
inicialmente a natureza serviu como fonte de inspiração para a criação do
anime da franquia Pokémon, atualmente é possível ver que essas formas de
representação e de transposição da realidade podem ser utilizadas, mediante
os seus níveis de abstração, para atividades didático-pedagógicas que visem
trabalhar conceitos científicos e de modo a influenciar os alunos em suas
formas de “ver o mundo”. Outrossim, Santos e Menezes (2020) também nos
mostram que é possível refletir a partir de um episódio de anime, por meio de
contextos fictícios que trazem a representação de conceitos químicos (ligações/
reações químicas) e físicos (eletromagnetismo).
Mediante o exposto, ressaltamos que a forma como os conteúdos são
expostos influenciam na produção de efeitos de sentidos. Com isso, poder-
se-á dizer que o uso de animes possui potencialidades que podem abrir
margens a outros gestos de leitura, principalmente ao se apresentarem como
uma possibilidade para se trabalhar conceitos (e discursos) científicos por
meio de outras formas de materialização da linguagem, e que ainda são pouco
usuais no Ensino de Ciências, carecendo de estudos. Assim, concluímos que,
apesar de encontrarmos uma ampla gama de trabalhos sobre as animações,
em distintos contextos/abordagens, no Ensino de Ciências esta ainda é uma
questão pouco explorada, principalmente se considerarmos os animes. Sendo
os animes expressões culturais cada vez mais difundidas entre o público jovem,
apontamos para a importância de realização de outros trabalhos, teóricos e/ou
empíricos, que reflitam sobre a questão.

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ufal.br/index.php/debateseducacao/article/view/8595. Acesso em: 14 nov.
2020.
DIAGNOSTICANDO CONCEPÇÕES SOBRE MEIO
AMBIENTE EM UMA ESCOLA NO MUNICÍPIO DE
ARACAJU/SE

Aldeci dos Santos1

Introdução

A tualmente, a educação ambiental pode ser compreendida como


sinônimo de reflexão e ação, que se desenvolve a partir de um
processo educativo, permanente e contínuo tendo como objetivo, superar
a visão meramente ecológica, transpondo o olhar para uma dimensão mais
abrangente, com discussões de questões políticas, sociais, econômicas,
culturais e ambientais (SPIRONELLO et al. 2012).
Para Guimarães (1995), no trabalho de conscientização dá-se grande
importância ao papel ativo do educando na construção de conhecimento,
baseado no questionamento dos diferentes valores, em busca de uma formação
pessoal que refletirá em novas atitudes. Portanto, a Educação Ambiental
não deve se preocupar em transmitir conhecimentos científicos, mas sim,
em produzir conhecimentos a partir de experiências direta do dia a dia do
aluno. Diante disso, Dias (1994) comenta que a simples transmissão de
conhecimentos deve ser evitada.
Além disso, a Educação Ambiental exige uma postura crítica e
conhecimento por parte do educador para que este possa desenvolver um
ensino mais contextualizado e participativo. Daí surge a necessidade de os
educadores terem acesso a cursos que forneçam instrumentos para a prática da
Educação Ambiental (OLIVEIRA, 2000).
Essa atualização por parte dos educadores se torna mais urgente porque
a Educação Ambiental apresenta uma nova dimensão a ser incorporada ao
processo educacional, trazendo toda uma recente discussão sobre as questões
ambientais e as consequentes transformações de conhecimento, valores
e atitudes diante de uma nova realidade a ser construída” (GUIMARÃES,
1995).
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN
– (BRASIL, 1997), o conhecimento dos ciclos da natureza e da complexa

1 Mestra em Ensino de Ciências e Matemática, Professora da Rede Estadual de Ensino.


Email:[email protected]
34
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

trama de relações que os possibilitam permite aos alunos compreender a


importância da recomposição dos elementos necessários e permanência da
vida no planeta. A viabilização desse tipo de ação é de extrema importância,
diante da amplitude, rapidez e intensidade das ações predatórias, que poderá
até mesmo inviabilizar a continuidade da vida.
Conforme Leff (2001), o saber ambiental estabelece uma particular
relação entre realidade e conhecimento: Não só busca completar o
conhecimento da realidade existente, mas orientar a construção de outra
organização social que não seria a projeção das tendências atuais para o futuro.
É neste sentido que a utopia ambiental abre novas possibilidades, a partir do
reconhecimento de potenciais ecológicos e tecnológicos, onde se amalgamam
os valores morais, os saberes culturais e o conhecimento científico da natureza
na construção de uma nova racionalidade social.
Uma das razões que tornam a prática de educação ambiental tão
complexa para alguns professores, especialmente relacionada a áreas distintas,
é o caráter que compõe a educação ambiental e que o permite que o processo
pedagógico aconteça sob diferentes aspectos complementares. Assim, é possível
a existência de momentos nos quais aconteçam transmissões de conhecimento,
podendo ser até do aluno para o professor, construção do conhecimento,
inclusive entre professores de diferentes disciplinas e a desconstrução das
representações sociais dos alunos e dos próprios professores, fundamentados
na interação entre ciências e cotidiano.
Conhecimento científico, popular e representações sociais; participação
política e intervenção cidadã, deve descartar a relação predominante até então
de que o professor ensina e o aluno aprende, e estabelecendo o processo
dialógico entre gerações diferentes, ou seja, professores e alunos, discutindo
possibilidades de ações conjuntas, que possam garantir vida saudável para
todos, sempre visando à herança ecológica que será deixada às gerações futuras.
(CANDIANI, 2004).

Metodologia e área de estudo


A investigação adotada para a realização deste trabalho baseou-se
nos problemas ambientais apresentados no município de Aracaju/SE. A área
de estudo escolhida foi uma Escola Municipal da rede pública do referido
município.

Aplicação do questionário na escola


Para a coleta de dados, foram aplicados questionários, pelo fato de
ser uma forma de avaliar as concepções dos alunos na sua aprendizagem, nos
35
Entremeios da Educação Contemporânea

conteúdos que estão sendo ministrados em discussão pelo professor na sala de


aula, assim como sobre o meio ambiente. O questionário, segundo Gil (1999,
p.128), pode ser definido “como a técnica de investigação composta por
um número mais ou menos elevado de questões apresentadas por escrito às
pessoas, tendo por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos,
interesses, expectativas, situações vivenciadas etc.”
Na pesquisa participaram 42 alunos do 6º ano, nos quais responderam
a questões abertas e fechadas concernentes às causas que contribuem para os
prejuízos ao meio ambiente, os tipos de problemas ambientais, de que maneira
os docentes trabalham os temas relacionados ao meio ambiente dentre outros.

Resultados e discussões
Foram pesquisados 42 alunos da escola Dr. Jessé Andrade Fontes, sendo
que 40% dos alunos são do sexo masculino e 60% do sexo feminino. Além
disso, os alunos apresentaram uma faixa etária que variou de 12 a 16 anos.
Quanto ao conhecimento em torno do meio ambiente, houve maior número
de alunos com um bom nível de conhecimentos sobre o tema. Outros ficaram
indecisos em relação à educação ambiental. Os alunos expressaram que o meio
ambiente é um lugar com paisagens naturais, outros que o conhecimento
contribui para o meio ambiente protegendo os seres vivos no lugar onde
vivemos (Fig.1):

Figura 1: Conhecimento sobre as causas dos problemas ambientais

Fonte: Da autora.

A maioria dos alunos, quando questionados a respeito do conhecimento


sobre as causas dos problemas ambientais que contribui para destruição do
meio ambiente, os mesmos definiram que as causas de tais problemas se
relacionam a destruição da natureza que vem ocorrendo diariamente pelo
homem no seu ecossistema.
O trabalho educacional é componente essencial dessas medidas,
as quais são necessárias e de caráter emergencial, pois sabe-se que a maior
parte dos desequilíbrios ecológicos está relacionada a condutas humanas
inadequadas impulsionadas por apelos consumistas – frutos da sociedade
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Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

capitalista – que geram desperdício, e ao uso descontrolado dos bens da


natureza, a saber, os solos, as águas e as florestas. Os homens são responsáveis
diretos pelo que acontece a sua volta e, a menor que haja uma significativa
mudança nos valores e nos hábitos de todos os seres humanos, não haverá
saída para o planeta (CARVALHO, 2006, p 2).
A maioria (92%) dos alunos já ouviu falar sobre meio ambiente.
Ao serem questionados onde receberam tais informações, a escola, obteve o
maior número de resultados em relação a fonte de informação com 64% das
respostas.
Ao serem indagados sobre o que entendiam por meio ambiente 71%
das respostas expressaram que o meio ambiente é o lugar onde vive a maior
diversidade existente na natureza, 24% desses alunos responderam que o meio
ambiente é o lugar onde vivem os seres vivos; 5% não responderam (Fig.2).

Figura 2: Concepção de Ambiente

Fonte: Da autora.

Guimarães (1995), ressalta que não existe a separação entre o meio


ambiente e o homem. Assim, em Educação Ambiental é preciso que o educador
trabalhe a integração ser humano e o meio ambiente e se conscientize de que o
ser humano é natureza e não apenas parte dela. Vale ressaltar que a concepção
do professor sobre o meio ambiente exerce uma influência significativa na
construção do conceito de meio ambiente para os alunos.
No questionário, as respostas dos alunos no que se refere à existência
dos problemas ambientais na comunidade, evidenciam que eles existem, pois
100% dos discentes afirmam a existência de problemas ambientais. Desses
entrevistados que afirmaram a existência de problemas no questionário, 100%
citaram o lixo como um dos problemas mais graves da sua escola. Segundo
Santos (2000), o lixo tem uma significação ideológica, pois cada indivíduo
estabelece um critério para o que se deve jogar fora, o que se separa, se exclui
e o que não presta. Portanto o lixo é uma questão local, pois cada cidade tem
seu lixo com uma composição diferente. A questão dos resíduos e também
37
Entremeios da Educação Contemporânea

cultural e, portanto, varia de acordo com cada forma de pensar e agir de cada
comunidade. As soluções possíveis para os problemas ocasionados pelo lixo
só virão a partir desse entendimento (OLIVEIRA, 1992). De acordo com
o autor, ninguém joga fora o lixo somente como uma transferência de lugar
longe dos olhos de alguém, embora perto do “nariz” de alguém e certamente
na natureza.
74% das respostas dos alunos expressaram que os professores trabalham
os temas ambientais com aulas teóricas, 19% expressaram que o professor
trabalha com projetos, 2% expressou com excursões, 5% expressaram com
Feira de Ciências (Fig.3).

Figura 3: Trabalho do professor sobre o tema

Fonte: Da autora.

Nesse sentido, Araújo (1997) ressalta que a escola é o elemento


fundamental para a construção da cidadania, ou seja, deve voltar-se para os
valores e os problemas da comunidade, e a partir desses valores, construir uma
consciência crítica sobre a própria situação local.
Nos questionários, 95% dos alunos expressaram que na escola não
trabalhava com projetos relacionados ao meio ambiente,5% expressaram que
a escola trabalhava com projetos (fig. 4).

Figura 4: Existência de projetos sobre Meio Ambiente

Fonte: Da autora.
38
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

É fundamental desenvolver atividades de Educação Ambiental nas


escolas, pois essa desempenha um papel importante na hora de educar
a comunidade para a recuperação e o gerenciamento ambiental do local
(SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE, 2003).
Segundo Oliveira (2000), as propostas de ações/atividades, em Educação
Ambiental, são concebidas em três áreas de incidência: 1) Educação Formal:
projetos voltados para a inserção das questões ambientais nos currículos
escolares de 1º e 2º Graus; 2) Educação Não Formal: projetos voltados
para trabalho com instituições envolvendo a sociedade; 3) Capacitação:
Aperfeiçoamento de pessoal técnico para exercício com atividade de civil,
em comunidade, controle, preservação, fiscalização e educação para o meio
ambiente, como suporte as ações de educação formal e não formal.
Dos alunos questionados, 64% expressaram que a forma de interferência
da humanidade no meio ambiente é feita através da destruição da natureza
pela humanidade, 36% expressaram que a humanidade preservar seu meio
ambiente (fig. 5).

Figura 5: Interferências do Homem no Meio Ambiente

Fonte: Da autora.

A interferência da humanidade no meio ambiente e a falta de


conscientização coloca o planeta em perigo, desta forma, é necessário que
haja um trabalho educacional, que faz parte do componente de medidas
necessárias e de caráter emergencial, pois sabe-se que a maior parte dos
desequilíbrios ecológicos está relacionada a condutas humanas inadequadas,
impulsionadas por apelos comunistas – frutos da sociedade capitalista – que
geram desperdício, além do uso descontrolado dos bens da natureza, a saber,
os solos, as águas e as florestas. Os homens são responsáveis diretos pelo que
acontece a sua volta e, a menos que haja uma significativa mudança nos valores
e nos hábitos de todos os seres humanos, não haverá saída para o planeta.
Diante desse cenário,
além da formulação de propostas teóricas, da aprovação de leis e da introdução de
novas diretrizes curriculares, e orientações didáticas nos sistemas educacionais,
além da produção e distribuição de material pedagógico, e necessário que haja
mais acompanhamento e maior apoio ao que acontece dentro das escolas, no
39
Entremeios da Educação Contemporânea

espaço das salas de aula. É lá que a educação realmente acontece e, quer sejam
grandes ou pequenas ações, elas são extremamente necessárias (CARVALHO,
2006, p. 2).
Já, 48% expressaram que é possível resolver os problemas ambientais,
através da preservação do meio ambiente, 26% expressaram não desmatar
a natureza, 14% não poluir o meio ambiente, 12% não opinaram sobre os
problemas ambientais (fig. 6).

Figura 6: Solução para os problemas ambientais

Fonte: Da autora.

Segundo Leff (2001), a problemática ambiental do desenvolvimento


deu lugar a um movimento, na teoria e na prática, para compreender suas
causas e resolver seus efeitos na qualidade de vida e nas condições de existência
da sociedade. O custo social da destruição ecológica e da degradação ambiental
gerada pela maximização do lucro e dos excedentes econômicos a curto
prazo deram impulso à emergência de novos atores sociais mobilizados por
valores, direitos e demandas que orientam a construção de uma racionalidade
ambiental.
Quando perguntados o que deveria ser feito para melhor com os
problemas ambientais, 24% alunos não opinaram, 59% expressou que
a conscientização das pessoas para com os problemas ambientais já está
ocorrendo na natureza, 10% expressaram conscientizar as pessoas a não poluir
o meio ambiente, 7% não jogar lixo na natureza (fig. 7) .

Figura 7: Ações para melhoria do Ambiente

Fonte: Da autora.
40
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Segundo Ruy (2004) tais princípios devem incluir ações visando


educar as comunidades procurando sensibilizá-las para as questões ambientais
e mobilizá-las para a modificação de atitudes nocivas e a apropriação de
posturas benéficas ao equilíbrio ambiental.
CANDIANI (2004), por sua vez, afirma que a educação ambiental
objetiva proporcionar aos indivíduos a compreensão da natureza complexa do
meio ambiente, ou seja, levar todos à percepção das interações entre aspectos
físicos, socioculturais e político-econômicos que compõem a relação homem/
meio. Para esse autor, a educação ambiental busca ainda fornecer maneiras de
interpretar a interdependência desses diversos elementos no espaço, levando à
utilização mais prudente dos recursos naturais.
Pela prática da educação ambiental pretende-se transformar a
concepção da natureza como um elemento exterior ao homem, fazendo com
que o mesmo se torne mais responsável, comprometido com os valores éticos
e de solidariedade entre os seres vivos e exercite plenamente a cidadania.
Quando questionados sobre os seus atos para preservar o ambiente,
48% dos alunos opinaram que a conscientização é de cada indivíduo, 19%
opinaram a respeito das poluições, 7% outros afirmaram que o ambiente é o
nosso lugar de sobrevivência, 26% não opinaram (fig. 8).

Figura 8: Ações próprias em relação ao Ambiente

Fonte: Da autora.

Segundo Branco (1998), o grande problema da civilização moderna,


industrial e tecnológica é a de não perceber que o homem depende da natureza.
À medida que o homem foi desenvolvendo novas tecnologias e ampliando seu
domínio sobre os elementos da natureza em geral, os impactos ambientais
foram se ampliando em intensidade e extensão.

Considerações finais
Através da análise de compreensão sobre as concepções dos alunos do
6º ano sobre o meio ambiente, observou-se que a maior parte dos alunos
41
Entremeios da Educação Contemporânea

conceitua o meio ambiente como lugar onde vivem os seres vivos, com
belas de paisagens naturais, relacionando o meio ambiente diretamente com
a natureza. Apenas a minoria ver o homem, a casa e a escola como parte
integrante do meio ambiente.
Todos os alunos afirmaram a existência dos problemas ambientais em
seu povoado, apontado a poluição por lixo como problema mais graves em
sua região como uma das situações mais comuns e como um dos principais
causadores dos problemas ambientais na escola. Percebeu-se, ainda, que houve
um aumento expressivo nessa escola em relação a pesquisa realizada nesta
escola no que se refere à Educação Ambiental.
A grande parte dos alunos já ouviu falar sobre meio ambiente e
educação ambiental, entretanto, poucos sabem como fazê-la. A escola obteve
a maior expressão (92%) desses alunos nas informações citadas e em segundo
lugar a televisão que tem o meio de informações ou de comunicação para toda
sociedade.
A escola exerce um papel fundamental na hora de educar os alunos e a
comunidade em geral sobre os problemas ambientais da região desses alunos.
A escola tem grande necessidade de trabalho com projetos relacionados a
Educação Ambiental e de outros projetos a serem trabalhados nesse povoado
para conscientizar os alunos a diminuir desequilíbrio que está acontecendo no
meio ambiente.

Referências

ARAÚJO, S. C.S. A Educação Ambiental e o contexto educacional


brasileiro. Dissertação (Mestrado de Desenvolvimento e Meio Ambiente).
Núcleo de Pós-graduação e Estudos do Semiárido, Programa Regional de
Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA,
Universidade Federal de Sergipe. Documento Sergipano. Aracaju: UFS,
1997.

BRANCO, S. M. O Meio ambiente em debate. São Paulo: Moderna,


1998.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares


Nacionais – Ciências Naturais. 5ª a 8ª série. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CANDIANI, G. Educação Ambiental: percepção e prática sobre Meio


ambiente de estudante do ensino fundamental e médio. Revista Eletrônica
Mestrado Educação Ambiental, vol.14, janeiro a junho de 2004.

CARVALHO, M. B. S.S. Educação Ambiental: A experiência da Escola


42
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Municipal Agrícola. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José


do Rio Pardo, disponível em www.centrorefeducacional.com.br. Acesso em
18/07/16.

DIAS, G. F. Educação ambiental: princípios e prática. 3 ed. São Paulo;


Gaia, 1994.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São


Paulo: Atlas, 1999.

GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. Campinas, SP:


Papirus, 1995.

LEFF, E. Saber ambiental: Sustentabilidade, racionalidade, complexidade


poder; tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth-Petrópolis, RJ: Vozes,
2001.

OLIVEIRA, A. S.D. Lixões: o preço da ignorância. Rio Grandes, RS:


Editora Fundação Universidade do Rio Grande, 1992.

OLIVEIRA, E. M. Educação Ambiental uma possível abordagem.


Brasília: Ed. IBAMA, 2000.

RUY, R. A. V. A educação ambiental na escola. Revista Eletrônico de


Ciências, vol. 12, Número 26, 2004.

SANTOS, J. Os caminhos do lixo em Campo Grande: disposição de


resíduos sólidos na organização do espaço urbano. Campo Grande: UCDB,
2000.

SPIRONELLO, R.L.; TAVARES, F. S.; SILVA, E.P. Educação ambiental:


da teoria à prática, em busca da sensibilização e conscientização ambiental.
Revista Geonorte, v.3, n.4, p.140-152, 2012.
O USO DE MURAIS VIRTUAIS(PADLET) NO
ENSINO DE HISTÓRIA DURANTE A PANDEMIA

Cícera Aparecida de Oliveira1

Introdução

O presente artigo traz uma experiência pedagógica no ensino de


história para o nono ano, com a utilização de mídias digitais. A
prática pedagógica descrita desenvolve-se durante o período das aulas remotas
em uma escola situada no sudoeste do Paraná, durante o ano de 2020, onde a
autora atua como professora.
Esta prática pedagógica considerada bem sucedida e inovadora,
objetiva socializar com os colegas professores, e demais pesquisadores uma
proposta de trabalho inspiradora, pois almeja dar visibilidade a segmentos
sociais muitas vezes esquecidos pela historiografia, e também o acesso do
aluno a aplicativos digitais que possibilitem a organização e sistematização dos
conteúdos históricos. Para isso se faz necessário a seleção de fontes de pesquisa
tanto escritas quanto visuais, que colaborem com o exercício da escrita de uma
narrativa histórica, onde o aluno possa tecer comparações entre o passado e o
presente.

Contexto do relato
Inicia-se um novo ano letivo, onde tudo parecia fluir normalmente,
até que no dia 20 de março de 2020, pela Resolução nº 1.016 - 03/04/2020
- Regime especial - aulas não presenciais, estabelece no âmbito da Secretaria
de Estado da Educação e do Esporte- SEED, o regime especial de oferta de
atividades escolares de forma não presencial, em decorrência da pandemia
causada pela COVID 19.
Esta resolução, no seu artigo 7º, fala que a Secretaria de Estado da
Educação e Esporte disponibilizara videoaulas gravadas pelo professores da
rede de ensino e transmitidas através da TV aberta, do aplicativo “Aula Paraná”,
gratuito para IOS e Android, contendo material das aulas, com possibilidade
de interação em tempo real com um ou mais professores da turma na qual o
aluno encontra-se regularmente matriculado.

1 Professora da Rede Estadual de Ensino do Paraná, com licenciatura em História, e Pós Graduação
em História do Brasil. E-mail: [email protected]
44
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Na mesma resolução, no artigo 10, diz: “ Serão disponibilizados os


serviços Google Classroom e Google Forms, vinculados ao e-mail @Escola,
disponível a todos os estudantes e professores da rede estadual de ensino,
que consiste em uma sala de aula virtual sincronizada com o aplicativo Aula
Paraná, permitindo ao professor autonomia em organizar de forma didática
os materiais complementares da respectiva disciplina por meio de fóruns,
imagens, vídeos, links, quizzes etc “
Os professores, pedagogos, gestores, não tinham conhecimento do
aplicativo “Aula Paraná”, nem do Google Classroom e do Google Forms,
isso gerou uma jornada por formação e troca de informações informais entre
professores, alunos e pais, e nas primeiras cinco semanas de abril foi feito
um plantão na escola, de entreajuda para ensinar a utilizar estas ferramentas,
viabilizando a continuidade das aulas e o cumprimento do ano letivo.
Este período foi exigido do professor, da equipe gestora, do aluno,
muito estudo, pesquisa e uma necessidade de se reinventar, enfrentar desafios,
se adaptar a esta nova realidade. Para tanto foi necessário adquirir equipamentos
como celulares, notebooks, tablet, melhoria na internet da sua residência, para
poder dar proporcionar ao aluno o conhecimento, agora não presencial.
Um dos sentimentos que perpassou este período foi o medo, pois não
havia muito conhecimento sobre o COVID19, a insegurança, pois não estava
claro o se esperava da escola, enquanto espaço de socialização e conhecimento,
do professor, enquanto profissional, que ainda não tinha o domínio de
tecnologias digitais, e precisava aprender a utiliza-la o mais rápido possível.
Ensinar história em períodos ditos “normais” é desafiador. Em um
momento de incertezas e medo como este, e cientes da responsabilidade de
trabalhar os conteúdos propostos no planejamento anual, as competências
e habilidades de propostas na BNCC - BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR( Brasil,2017) e encontrar uma prática de ensino de história
inovadora, desafiadora, que se adéque ao este cenário, que torne o conteúdo
significativo e lúdico ao indivíduo, é essencial.
Este período diferente, jamais experimentado, foi se alongando, e
exigindo replanejamento e a busca de novas ferramentas e metodologias de
ensino.
Eis, que faz parte, do referido ano, presente no planejamento anual o
conteúdo, Primeira Guerra Mundial. Este é conteúdo desperta na maioria dos
alunos a curiosidade e o interesse, fato este verificado em anos anteriores. Era
chegado o momento de estudar o mesmo de forma remota.
A SEED - Secretaria de Estado da Educação, começou a fazer
as aulas pelos canais de televisão, pelo YouTube, Google Classrom. Eu,
como professora, a partir do acompanhamento do projeto Aula Paraná, ao
45
Entremeios da Educação Contemporânea

comparar as aulas desenvolvidas no 9º Ano com as demandas dos estudantes


fiz um planejamento para contemplar a abordagem do conteúdo que não
foi trabalhada pelas aulas remotas: a participação das mulheres na Primeira
Guerra Mundial (1914-1918). O planejamento anual havia contemplado os
diferentes segmentos sociais que atuaram neste conflito.
Procuramos desenvolver um planejamento sempre propondo
metodologias inovadoras, e desafiadoras, capazes de tirar o aluno da condição
de ouvinte, reprodutor de conhecimentos prontos e acabados, e colocando-os
na condição parceiros ativos de conhecimento significativos para a realidade
atual.
Neste sentido, nos apoiamos em Demo (2003), quando argumenta
que o professor tem que ser um investigador permanente de sua área de
conhecimento, fazendo da reflexão e da crítica parceiras permanentes na busca
de melhoria de sua prática pedagógica.
Esta é, uma prática permanente, inspiradora e que permite ser uma
prática de sala de aula, através do Educar para Pesquisa (DEMO,2003),
tornando-se uma ferramenta capaz de oferecer aprendizagens significativas.
Educar pela pesquisa tem como objetivo incentivar o questionamento
dentro de um processo de construção do conhecimento. Este processo pode
ser entendido como a produção de um conhecimento inovador, que inclui
interpretação própria, formulação pessoal, saber pensar e aprender a aprender.
Desta maneira, educar pela pesquisa é ir contra a cópia, a condição de objeto
e manipulação do aluno (MORAES, 2002).
Eu, docente, como mediadora do conhecimento, propus no Google
Classroom fontes de pesquisa, que abordavam a temática por diferentes
autores. Estas fontes eram tanto textos, quanto imagens. E orientei os alunos
a buscarem outras fontes, objetivando uma atitude investigativa, e autônoma.
Após o acesso as fontes, os alunos foram orientados a analisar as
informações, comparar textos e as imagens, fazer um pequeno roteiro
organizando os dados pesquisados, posteriormente fazendo um resumo das
informações.
Pesquisar em sala de aula proporciona um avançar na compreensão da
realidade, produzindo argumentos que ampliem a capacidade de explicar e
compreender fenômenos. (MORAES, LIMA,2004).
A pesquisa exige do professor uma postura de pesquisador, de mediador
do conhecimento. Sendo a pesquisa um principio formativo ela contribui
para a formação integral do aluno, para o desenvolvimento de competências e
habilidades necessárias para o seu dia a dia.
Os conteúdos da disciplina de história propostos para o 9 ano, trazem
46
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

competências que perpassam da vida cotidiana, como o desenvolvimento do


pensamento cientifico, critico e criativo, a empatia e a cooperação.
A proposta de utilização de fontes históricas primarias e secundarias
fundamenta-se na ideia de superação de métodos de repetição, memorização,
para uma metodologia em que o aluno possa “beber na fonte” e assim produzir
o desenvolvimento do pensamento histórico.
Pesquisar contribui significativamente para o desenvolvimento
da autonomia e da emancipação dos sujeitos, para a produção de novos
conhecimentos.
O ato de pesquisar requer um professor mediador, que abre caminhos
para o aluno exercer a investigação, instigando-os a querer aprender, visando
ultrapassar o saber artificial pauta na memorização e cópia de informações.
Se faz necessário uma mudança na postura do professor, não mais o único
detentor do conhecimento,
Ao refletir sobre a Primeira Guerra Mundial, surgiu a seguinte
problematização: os homens se alistaram para a guerra, quem iria cuidar da
família? Quais atividades econômicas as mulheres tiveram que assumir, pois,
os homens foram recrutados? Que mudanças ocorreram na vida das mulheres
durante a Primeira Guerra Mundial? Foi a partir destes questionamentos que
os alunos se debruçaram sobre as fontes históricas, procurando respostas a esta
problematização.
No Google Classroom foi disponibilizado fontes de pesquisa escritas,
e imagens sobre a atuação da mulher na Primeira Guerra Mundial. Tendo lido,
selecionado as informações, as imagens, vídeos e elaborando uma narrativa
histórica, organizariam um mural virtual, utilizando o aplicativo PADLET.

O Padlet
O Padlet é uma ferramenta virtual ‘web’, gratuita e colaborativa. É
um recurso para construção de mural virtual, online, colaborativo e gratuito.
O recurso possibilita aos usuários curtir, comentar e avaliar as postagens de
materiais publicados no mural, além de compartilhar com demais usuários
para visualização ou edição do mesmo.
Ferramentas como o Padlet, permitem a interação das pessoas, a
difusão de ideias, cultura, a democratização das informações e possibilita uma
aprendizagem em um contexto diferente do presencial, ou seja, da tradicional
sala de aula, é uma ferramenta que proporciona ludicidade ao aprendizado.
Além disso, estimula a criatividade e contribui para a organização das ideias
em murais “postite”.
Este recurso foi escolhido justamente por possibilitar o acompanhamento
47
Entremeios da Educação Contemporânea

do professor, ser um recurso colaborativo, onde todos os murais construídos


pelos alunos são compartilhados, e por ter uma interface com o Google
Classroom, podendo ser atualizado constantemente pelo autor.
Para CARLOTTO (2003,pag.98), “é importante destacar que a
aprendizagem que utiliza a ‘internet’ como recurso, só é significativa, se o
aluno assumir o papel de aluno-pesquisador, autônomo que gerencia as
informações, para construir o próprio conhecimento”, ou seja, pode relacionar,
tecer relações e construir um novo conhecimento, visando um novo olhar sob
o objeto pesquisado, para compreender a realidade e apontar caminhos para
mudança.
Foi um desafio para os alunos, utilizar uma ferramenta virtual que ainda
não tinham o conhecimento. Para tanto foi necessário recorrer aos tutoriais
disponíveis no YouTube, as trocais informais de informais via grupo de watts.
Com este trabalho foi possível trabalhar algumas competências da
BNCC,
Competências 2,5 ,6 e 7
2. Identificar Interpretações que expressem visões de diferentes sujeitos,
culturas e povos com relação ao mesmo contexto histórico, e posicionar-
se criticamente com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos
sustentáveis e solidários;
5. Elaborar questionamentos hipóteses, argumentos, proposição
em relação a documentos, interpretações e contexto histórico específico,
recorrendo a diferentes linguagens e mídias, exercitando a empatia, o diálogo,
a resolução de conflitos, a cooperação e o respeito.
6. Compreender e problematizar os conceitos e procedimentos
norteadores da produção historiográfica.
7. Produzir, avaliar, utilizar tecnologias digitais de informação e
comunicação de modo crítico, ético e responsável compreendendo seus
significados para os diferentes grupos e estratos sociais.
Neste contexto, podemos citar a BNCC(Base Nacional Curricular
Comum), “um dos objetivos da história é estimular a autonomia de
pensamento, e a capacidade de reconhecer que os indivíduos agem de acordo
com a época e o local nos quais vivem, de forma a preservar ou transformar
seus hábitos e condutas. A percepção de que existe sujeitos e histórias estimula
o pensamento critico, a autonomia e a formação para a cidadania.”
Não ensinamos apenas conteúdos ditos formais, ensinamos através
de nossas atitudes, concepções de sociedade, de ser humano, das relações e
interrelações com o passado e o presente. Importante o professor oferecer aos
alunos metodologias de pesquisa que ao serem utilizadas desafiem o aluno:
48
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

descobrir, questionar, analisar, criticar, comparar, sintetizar, argumentar, criar,


selecionar e organizar informações, e utilizar aplicativos como o Padlet, que
por ser colaborativa, dinâmica, criativa e lúdica, contribui para que todos
os alunos possam participar de maneira prazerosa sendo protagonistas do
conhecimento.
Este caminho é um processo, muitos alunos manifestaram resistência
para utilizar um aplicativo digital, argumentavam que não sabiam acessar e
manusear o mural interativo - PADLET, outros manifestaram dificuldade
em compartilhar o trabalho, em fazer uma narrativa histórica a partir das
fontes utilizadas. Mas como uma colcha de retalhos, onde cada pedaço precisa
ser costurado, com planejamento, persistência, dedicação, criatividade e
ludicidade, o trabalho foi sendo realizado com êxito, e sucesso.
A utilização de uma tecnologia digital desconhecida para os alunos,
contribuiu para o desenvolvimento da habilidade de executar diferentes
comandos existentes no PADLET, como fazer uplod de arquivos, anexar
imagens, vídeos, documentários, compartilhar de diferentes plataformas.
Contribuiu para desenvolver habilidades de comunicar-se de modo critico,
ético e responsável, e compreender e problematizar conceitos próprios da
historiografia.
Vale ressaltar, que todas as produções realizadas pelos alunos foi um
sucesso. Contribuiu para aprofundar a temática, trabalhar com diversas fontes
de pesquisa, para o aprimoramento da habilidade de escrita e interpretação
textual, desenvolveu a competência de utilizar tecnologias digitais.

Conclusão
Este artigo demonstra que mesmo em condições adversas é possível
conduzir um processo de produção de conhecimento, possibilitando a
utilização de tecnologias digitais no ensino de história, que oferecem ao
aluno a possibilidade de ser um parceiro ativo e criativo do conhecimento.
Esta iniciativa contribui para que tenham iniciativa própria, autonomia,
argumentação e defesa de suas ideias.
Com a suspenção das aulas presenciais, pela Resolução nº 1.016
- 03/04/2020, instituindo a oferta de trabalho pedagógico não presencial,
exigiu dos professores, alunos, equipe pedagógica e gestora, muitas horas
de pesquisa, de formação, e um reinventar-se para conseguir dar conta de
trabalhar os conteúdos propostos no plano de trabalho docente.
A proposta conseguiu retirar os sujeitos de uma situação de passividade
e de mesmice, diante do conhecimento, levando-os através das fontes
de pesquisa, a fundamentar suas produções, e superar a condição inicial,
49
Entremeios da Educação Contemporânea

contribuindo para ser protagonista do seu conhecimento.


Evidentemente, o assunto que foi trabalhado é de interesse dos alunos,
por se tratar do trabalho da mulher durante a Primeira Guerra Mundial, e
permite analisar a condição atual da mulher na sociedade. Por trabalhar com
as concepções de tempo e espaço, que são os conceitos essenciais da disciplina
de história, perpassam todos os conteúdos.
A escola do século XXI, não é mais percebida com espaço de mera
transmissão de conhecimento, utilizando metodologias de ensino que
privilegiam a cópia e a repetição. Esta visão foi ultrapassada por metodologia de
ensino mão na massa, que visam a formação do ser humano de forma integral,
que sejam capazes buscar informações, selecionar, interpretar, relacionar, criar
narrativas históricas que respondam aos desafios da sociedade atual.
O ato pedagógico não pode ser concebido como mera transmissão
de informações. Os conteúdos que se pretende ensinar precisam de uma
metodologia de ensino que desperte a curiosidade, a reflexão, a ludicidade, que
contribui para que os alunos tenham prazer em aprender. Não compartilho
da ideia de que as tecnologias digitais são um problema. Acredito serem
ferramentas, que bem utilizadas podem contribuir para a socialização e
democratização do conhecimento produzido.
Se faz necessário nesta empreitada acreditar no potencial dos alunos,
fomentar a curiosidade e o espirito critico, a busca da superação de mero
copista, para produtor de conhecimentos, e estes digitais.

Referências

BRASIL. 2017. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, SEB,


2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/
BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 02/11/2020.

BRASIL, Portaria nº 356, de 11 de março de 2020, o Decreto Estadual nº


4.320, de 20 de março de 2020, Resolução SEED no 1.016 - 03/04/2020-
Regime especial - aulas não presenciais. Estabelece em regime especial as
atividades escolares na forma de aulas não presenciais, em decorrência da
pandemia causada pelo COVID-19, o Decreto Estadual nº 4.320, de 20 de
março de 2020, e a Deliberação do Conselho Estadual de Educação nº 01,
de 31 de março de 2020.

CARLOTTO, Fabiane Raquel. Internet: Oceanos de Informações.


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A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
CURADORES DE LÍNGUA PORTUGUESA EM
UM CENÁRIO PÓS-PANDÊMICO: REFLEXÕES
NECESSÁRIAS

Clair da Silva Teixeira1

Introdução

O presente capítulo visa trazer algumas reflexões acerca da perspectiva


da curadoria da informação no processo de formação continuada
de professores de língua portuguesa. O termo é relativamente novo no cenário
educacional, porém, nunca foi tão necessário para o contexto que estamos
vivendo: uma pandemia, o isolamento social, o ensino remoto e, portanto,
a necessidade de novas metodologias de ensino, sobretudo com o uso das
tecnologias digitais. Nesse contexto, evidentemente, o professor teve que
se reinventar e redimensionar as possibilidades do trabalho pedagógico.
Pretende-se contribuir para uma reflexão sobre os novos saberes docentes
que deverão ser construídos a partir de práticas diferenciadas que o cenário
pandêmico exige.
Trazemos discussões associadas aos conceitos básicos que permeiam
as formações pedagógicas, o processo de curadoria e a sua implicância para a
práxis no cenário pós-pandêmico. Para que as aulas fossem possíveis no novo
formato online, as tecnologias foram aliadas à manutenção de uma rotina. No
entanto, emergiram várias dificuldades que configuraram uma fragilidade no
que tange aspectos relacionados à formação do professor, sobretudo em relação
às tecnologias, domínio de técnicas e de seleção de materiais. A nova forma de
distribuição do conhecimento, muda totalmente a configuração do papel do
professor. Ele precisa ter a consciência que o aluno, em relação às tecnologias
têm acesso a tudo ao mesmo tempo e não ignorar o impacto que isto tem na
sala de aula. No entanto, devemos considerar que, o fato de o aluno ter acesso
a tudo ao mesmo tempo, não implica dizer que ele esteja munido do melhor

1 Mestra em Letras pela UFC, Especialista em Coordenação Pedagógica pela UFC, Especialista
em Gestão da Educação Pública pela UFJF, Especialista em Educação Inclusiva pela UECE,
Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela UECE, Especialista em
Psicopedagogia Clínica e Institucional pela UVA. Graduada em Letras pela UNITINS, Graduada
em Pedagogia pela UVA. Professora de Língua Portuguesa na Escola Municipal Firmino Coelho
e na EEEP José Vidal Alves.
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Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

material didático ou do material necessário para conseguir fazer as conexões


de modo a compreender o contexto. Aí entra o papel do professor curador.
Nossa sociedade sofre influências da chamada revolução tecnológica
ocorrida na década de 90, assim, requer que a escola repense o fazer pedagógico
para que consiga suprir as necessidades de uma sociedade em que as informações
estão cada vez mais amplamente difundidas pelos meios digitais e requer,
portanto, que o aluno esteja apto à tomada de decisões. Entendemos que isso se
dá por meio de uma formação continuada de professores, consolidada através
da curadoria da informação. Faz-se necessário, no entanto, compreender se
essas formações contribuem para essa dinâmica.

Conceitos necessários à formação de professores


As discussões que perpassam o fazer pedagógico estão consolidadas
no processo de formação de professores. Requer, portanto, que consigamos
fazer a distinção sobre o conceito de formação de professores, partindo de
pressupostos básicos, a exemplo de sua origem. Conforme nos aponta Duarte
(1986), a necessidade da formação docente já era discutida por Comenius no
século XVII e o primeiro estabelecimento de ensino destinado à formação
de professores teria sido proposto no ano de 1684, em Reims, na França.
No entanto, a questão sobre a formação de professores exigiu uma proposta
institucional apenas a partir do século XIX.
Quanto à formação inicial, Imbernón (2010) nos traz uma concepção
instigante sobre a forma como essa se deu, já na década de 70, vivendo o
predomínio de um modelo individual de formação, onde cada um buscava
para si a vida formativa, conforme as necessidades locais. No Brasil, nos anos
80 e 90, com a universalização do ensino fundamental obrigatório, tivemos
avanços significativos, pois melhorou o fluxo de matrículas e investiu-se
na qualidade da aprendizagem. A democratização do acesso e a melhoria
da qualidade da educação básica vêm se dando concomitante ao cenário
marcado pelo fortalecimento dos direitos da cidadania e pela disseminação
das tecnologias da informação. Diante dessas expectativas, desde a década de
80 os sistemas de ensino vêm passando por processos de reforma educacional,
nas unidades escolares, em âmbito local ou estadual. Com a promulgação da
Lei no 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
que incorporou as experiências e lições aprendidas ao longo desses anos,
inicia-se outra etapa de reforma. A nova LDB consolidou uma profunda
ressignificação do processo de ensinar e aprender: prescreveu um paradigma
curricular sendo que os conteúdos de ensino deixam de ter importância em si
mesmos e passaram a ser entendidos como meios para produzir aprendizagem
e constituir competências nos alunos. Diante dessa perspectiva, compete a
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Entremeios da Educação Contemporânea

discussão sobre o que o aluno deve aprender, o que ensinar e como ensinar.
Nessa perspectiva, uma importante política educacional entra em ação:
as formações de professores. Requer, no entanto, que façamos a distinção entre
os tipos de formação, a exemplo da inicial e da continuada. A formação inicial
de professores, segundo Estrela (2002, p.18) pode ser entendida como “o
início institucionalmente enquadrado e formal, de um processo de preparação
e desenvolvimento da pessoa, em ordem ao desempenho e realização
profissional numa escola a serviço de uma sociedade historicamente situada”.
Compreende-se que não se pode facilitar o desenvolvimento daquilo que não se
teve a oportunidade de aprimorar em si mesmo. Ninguém consegue promover
a aprendizagem de conteúdos que não domina, a constituição de significados
que não compreende nem a autonomia que não pôde construir, segundo
Mello (2000). Desta forma, a formação inicial é entendida como componente
estratégico da melhoria da qualidade da educação básica, define-se como uma
política pública. Embora não seja necessário que o poder público a execute
diretamente, é indispensável que ele estabeleça critérios de financiamento,
padrões de qualidade e mecanismos de avaliação e acompanhamento.
Os processos de formação inicial, tão significativos para a qualidade
da educação, devem levar em consideração aspectos como as competências a
serem constituídas na educação básica, os princípios pedagógicos estabelecidos
nas normas curriculares nacionais (a interdisciplinaridade, a transversalidade,
a contextualização, e a integração de áreas em projetos de ensino). Nas
formações iniciais, deve-se ainda levar em consideração a diversidade curricular
que dê conta de sua complexidade cultural, social e econômica, tendo como
referência os planos curriculares e os projetos pedagógicos dos sistemas de
ensino públicos e privados e, sempre que possível, das próprias escolas. Isso
poderá estimular o surgimento de vários modelos de formação de professores,
com maior adequação às necessidades e características das regiões e dos alunos.
Entende-se a formação continuada, de uma maneira mais ampla,
como o alargamento dos conteúdos adquiridos durante a formação inicial, são
conhecimentos necessários à prática pedagógica, levando-se em consideração
a realidade em que o professor está inserido. No entanto, com o advento
de discussões sobre a realidade educacional e as necessidades da sociedade,
ficaram evidenciadas que devem constituírem-se em representações e valores
que filtram os conhecimentos que lhes chegam. Os conhecimentos adquirem
sentido quando são tratados não apenas do ponto de vista cognitivo, mas,
socioafetivo e cultural., conforme Gatti (2003). Essa é uma das razões pelas
quais tantos programas que visam a mudanças cognitivas, de práticas, de
posturas, mostram-se ineficazes. Neste sentido, Nóvoa (2009, p.25) afirma
que: “A formação não se constrói por acumulação de cursos, conhecimentos
ou técnicas, mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as
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Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal.”


A partir da perspectiva da formação continuada, que deve ser
significativa para o professor de maneira a contribuir para a sua ação, compete
algumas reflexões que perpassam o saber pedagógico. Essas formações devem,
antes de mais nada, levar em consideração os conhecimentos já adquiridos
pelos professores na sua formação inicial, mas sobretudo as necessidades
advindas de um mundo dinâmico e tecnológico em que compete ao professor,
fazer escolhas metodológicas e de conteúdos que possam ir ao encontro
das necessidades do mundo contemporâneo. A questão seria: as formações
continuadas favorecem para o processo de um professor curador?

A Curadoria da informação à luz da Base Nacional Comum Curricular


A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um dos principais
documentos norteadores da educação nacional, homologada em 2018, traz
uma importante discussão acerca da concepção da formação do ser integral,
ou seja, que contemple as dimensões do ponto de vista cognitivo, social e
emocional. As discussões que permeiam essa premissa corroboram para
questões como o que se deve aprender, para que aprender, como devemos ou
podemos ensinar, como dispor de aprendizagens colaborativas e, por fim, como
avaliar. Estas questões norteadoras para o processo de ensino e aprendizagem
ficam evidenciadas em função do atual contexto histórico e cultural, com a
necessidade da formação de pessoas críticas, participativas, abertas ao novo,
resilientes e principalmente que não sejam exclusivamente um depósito de
conhecimentos, mas que saibam utilizá-los para agir de maneira responsável e
consciente no mundo em que vivem.
Tendo em vista contribuir para a construção do sujeito integral, ou
seja, do ser humano que se pretende formar ao longo da educação básica e
as capacidades que deve desenvolver, foram sugeridas 10 competências gerais
ou conhecimentos que devem nortear o trabalho pedagógico, conforme
orientações da BNCC (2018): 01- o conhecimento, 02- o pensamento
científico, crítico e criativo, 3- o senso estético, 04- a comunicação, 05- a
cultura digital, 06- trabalho e projeto de vida, 07- a argumentação, 08- o
autoconhecimento, 09- a empatia e cooperação e por fim, 10- a autonomia.
Evidentemente, para atingir aos propósitos sinalizados pela BNCC
(2018), emergiram discussões acerca do fato de estados e municípios terem
que se mobilizarem em relação a algumas ações, tais como reelaborar o
currículo de suas redes, o Projeto Político e Pedagógico, rever materiais
didáticos, metodologias, as matrizes de avaliações e de exames nacionais,
por exemplo. Diante desse contexto, a BNCC (2018, p.19) nos traz uma
importante consideração “ [...]criar e disponibilizar materiais de orientação
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Entremeios da Educação Contemporânea

para os professores, bem como manter processos permanentes de formação


docente que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos processos de ensino
e aprendizagem”. Em meio às discussões, entende-se que são essenciais,
portanto, as formações continuadas de professores, pois toda formação
humana constitui-se de uma ação permeada por intencionalidades, com ações
produzidas em um contexto social e historicamente construído, portanto, as
formações continuadas devem constituir-se em ações que permeiam o trabalho
pedagógico e reverberam-se na prática consciente para entendermos de onde
viemos e para onde queremos ir, tornando-se complementar à formação
inicial. Entende-se, portanto, como uma política governamental necessária ao
cenário educacional.
Pela importância que deve ser dada à formação continuada, entendemos
serem significativos, estudos investigativos sobre esse processo pedagógico, uma
vez que, são necessárias algumas observações para que as formações continuadas
sirvam aos seus propósitos. Requer entender que o cenário pedagógico sofre
alterações, assim, as metodologias, práticas e ensino, inclusive com novo formato,
deve refletir nos direcionamentos quanto às formações continuadas. Compete
não somente ao professor dominar a sua área do conhecimento, é necessário que
tenha um conhecimento mais amplo, dado a partir da formação continuada, uma
vez que esse processo formativo é uma possibilidade para o desenvolvimento de
novas competências e, consequentemente, de transformações em suas práticas e
no próprio sistema educacional.
O professor, na sua formação, deve ter um continuum, ou seja,
uma formação permanente que exija desse sujeito a leitura constante e o
aprimorando do conhecimento. Este não basta tê-lo e transmiti-lo a alguém.
É preciso compreendê-lo, ser capaz de reorganizar, de reelaborá-lo e transpô-lo
em situação didática em sala de aula. Entendemos, portanto, que a formação
continuada é o processo que deve ter como locus da formação, a própria
escola, ter como referência fundamental o reconhecimento e a valorização do
saber docente e levar em consideração as diferentes etapas do desenvolvimento
profissional. Sob esse ponto de vista, entende-se que o aprender contínuo é
essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa como agente, e a
escola como lugar de crescimento profissional permanente.
Por entendermos o significado da formação continuada para o processo
de aprendizagem, sobretudo, como um mecanismo necessário e primordial
para que haja, efetivamente a ruptura em relação a práticas dissociadas da
realidade e que pouco contribuem para a formação do ser humano integral,
como preconizado pela BNCC (2018), entende-se que as formações
continuadas devem valorizar sobremaneira a sociedade contemporânea e
suas peculiaridades. A necessidade da formação de um ser humano integral
nunca fez tanto sentido quanto agora, pois, compete à escola, sobretudo aos
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Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

educadores, contemplar em suas práticas o ser cognitivo, social e emocional


nesse novo cenário pandêmico e pós-pandêmico. Perpassam essa premissa, o
trabalho desenvolvido por um dos principais intermediadores desse processo,
que é o professor. Essa prática reconhecidamente consciente, se dá sobretudo,
pela formação continuada. Desta maneira, tão necessária à discussão sobre o
redimensionamento que as formações continuadas devem ter em função do
atual cenário educacional.
Como vimos, a BNCC (2018) traz algumas indicações importantes
quanto ao trabalho a ser desenvolvido nas escolas. Chama-nos a atenção a
competência geral 05 que fala a respeito das tecnologias no processo de ensino
para comunicar-se, acessar e disseminar informações, produzir conhecimento e
resolver problemas. Em um ano totalmente atípico em função de uma pandemia,
o que antes tínhamos como uma das opções de metodologia de trabalho, em
tempos de ensino remoto, as tecnologias acabam sendo, muitas vezes, o único
mecanismo possível para que se continue com uma rotina de aulas.

Ampliando o conceito de curadoria da informação


O ano de 2020 trouxe ao cenário educacional mundial, inevitavelmente,
a reflexão sobre saberes pedagógicos. Os profissionais da educação tiveram que
lidar com contextos totalmente adversos, que foram desde a impossibilidade de
manter as aulas no formato tradicional, com o processo guiado por materiais
didáticos convencionais, como o livro e a lousa, por exemplo; contextos
socioeconômicos que impossibilitaram a continuidade de uma rotina de aulas
por parte de alguns alunos, até a própria falta de familiaridade com recursos
tecnológicos por parte dos professores. Sabemos que a pandemia nos trouxe a
necessidade de repensar e de redimensionar a práxis pedagógica e que continuará
influenciando, por algum tempo, as práticas escolares, seja pela continuidade
dos estudos remotos ou ensino híbrido por algum tempo, seja pelo reflexo do
formato deste tipo de aulas para o processo ensino e aprendizagem.
Conforme Castilho (2015), entende-se por curadoria um conceito
oriundo do mundo das artes, no qual, através da figura de um curador - palavra
que advém do latim curator, ou seja, aquele que cuida ou que coloca à disposição
de determinada audiência – as obras são selecionadas para a apreciação da
população, através de uma exposição, por exemplo. Posteriormente, o termo
curadoria expandiu-se para outras áreas, a exemplo do direito, jornalismo,
comunicação e educação. Em contextos digitais, de acordo com Monteiro
(2017), o termo empregado é curadoria digital, um termo relativamente novo,
tendo surgido a primeira vez em função de um seminário na área da Ciência
da Informação, em Londres no ano de 2001. O conceito, no entanto, alargou-
se devido às ações e aos processos próprios do universo das redes: conteúdos
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Entremeios da Educação Contemporânea

e informações abundantes, complementares e/ou contraditórios e passíveis de


múltiplas seleções e interpretações que precisam de reordenamentos que os
tornem confiáveis, e/ou que os revistam de (novos) sentidos. Implica sempre
escolhas, seleção de conteúdos/ informação, validação, forma de organizá-
los, hierarquizá-los. O termo também vem sendo bastante utilizado em
relação ao tratamento da informação (curadoria da informação), envolvendo
processos mais apurados de seleção e de filtragem de informações, que podem
requerer procedimentos de checagem e validação, comparações, análises,
(re)organização, categorização e reedição de informações, entre outras
possibilidades.
Compreende-se que alguns elementos como o perfil do profissional
que estará à frente destas formações continuadas devem ser levados em
consideração para a construção de um processo que vise uma maior equidade
nas práticas pedagógicas. Assim, compete aos formadores, não somente terem
habilidades técnicas para conduzirem as formações, mas sobretudo terem
uma sensibilidade para repensar as formações continuadas em um cenário
pós-pandêmico, abordando assuntos efetivamente válidos para o novo cenário
que se constrói, sobretudo a partir do uso de tecnologias, corroborando para
a formação de um professor curador, sem deixar de lado aspectos voltados ao
contexto sociocultural dos envolvidos.
Um dos documentos norteadores da educação, a BNCC (2018),
aborda de maneira bem clara sobre o uso das tecnologias na educação e estas
foram, de fato, de suma importância neste ano de pandemia com o ensino
remoto. O documento faz menção, também, a um termo relativamente novo,
a curadoria da informação e que se originou a partir das discussões acaloradas
em relação à necessidade do uso das tecnologias no processo educacional,
visando preparar nossos estudantes para uma sociedade tecnológica, fazendo
uso ético e consciente desse recurso. O componente curricular da língua
portuguesa, aponta na BNCC (2018) que a centralidade do trabalho deve
emergir a partir do texto e dos seus usos, trazendo uma indicação na vertente
do uso das tecnologias digitais na educação. Como nos aponta o referido
documento, ser familiarizado e usar não significa necessariamente levar em
conta as dimensões ética, estética e política desse uso, nem tampouco lidar de
forma crítica com os conteúdos que circulam na web. Passamos a depender
de curadores ou de uma curadoria própria, que supõe o desenvolvimento de
diferentes habilidades.
Uma vez que a BNCC (2018, p. 87) nos traz como referência a
importância da pesquisa, que “[...] perpassa todos os campos em ações de
busca, seleção, validação, tratamento e organização de informação envolvidas
na curadoria de informação, podendo/devendo também estar presente no
tratamento metodológico dos conteúdos.” Assim, levando-se em consideração
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Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

a necessidade cada vez mais recorrente do uso das tecnologias em sala de aula,
dado tanto pela recorrência dessa prática na perspectiva do processo de ensino
e de aprendizagem da sociedade contemporânea, quanto pela necessidade
do trabalho pedagógico em função do cenário pandêmico, conforme a
orientação de documentos norteadores, a exemplo da BNCC (2018) e a sua
clara indicação para o processo de curadoria da informação tendo em vista
a dinâmica já apresentada. Como vimos, há uma clara orientação quanto
à necessidade para o desenvolvimento de habilidades por parte dos alunos,
quanto à busca pela confiabilidade da informação, o combate à proliferação
de fake news, da manipulação de fatos e opiniões tem destaque e muitas das
habilidades se relacionam com a comparação e análise de notícias em diferentes
fontes e mídias, com análise de sites e serviços com o exercício da curadoria,
estando previsto o uso de ferramentas digitais. Nessa perspectiva, a nosso ver,
a formação continuada seria um dos principais mecanismos para que isso
aconteça, possibilitando ao educador de língua portuguesa, contemplar em
suas aulas, processos em que ele mesmo se torne curador de informações.

Considerações finais
As reflexões trazidas apontam para a necessidade de mudanças nas
formações continuadas em um cenário pós-pandêmico, uma vez que não se
pode ter as mesmas orientações e metodologias levando em consideração
num contexto diferenciado. São necessárias novas abordagens nas formações
continuadas para que estas consigam dar conta da constituição de um professor
curador, ou seja, aquele que não somente saiba utilizar-se de recursos tecnológicos
na sua prática, mas sobretudo que consiga selecionar, organizar e hierarquizar
ferramentas e materiais tecnológicos que favoreçam o processo de ensino e
aprendizagem, levando em consideração o contexto pós-pandêmico. Diante
disso, entendemos não ser mais possível dissociar a aprendizagem dos recursos
tecnológicos daqui para frente. Desta forma, compete uma análise quanto
aos aspectos relacionados aos saberes e práticas docentes que se constituem
a partir destas formações continuadas. Para que seja possível constituirmos
as características das formações em questão, faz-se necessário apropriar-se do
contexto que envolve a tríade: professor, formador e a formação.
Outro ponto importante a ser levado em consideração para a
constituição das formações continuadas para os professores curadores em
um cenário pós-pandêmico, são as orientações da BNCC (2018) para os
professores da disciplina de língua portuguesa, percebendo a menção ao uso
das tecnologias em sala de aula, apontando para a necessidade do processo de
curadoria da informação. Faz-se necessário, portanto, tornar-se um professor
curador a partir do momento em que se necessita selecionar, hierarquizar
59
Entremeios da Educação Contemporânea

e classificar materiais e conteúdos tecnológicos com foco na perspectiva


proposta. Entende-se, portanto, que para cumprir a esta diretriz, compete
ao professor, antes de mais nada, desempenhar o papel de curador, estando
preparado para esta atividade a partir de formações continuadas concernentes
com a adequação ao novo cenário educacional.
Assim, faz-se necessário, investir na compreensão sobre quais as atuais
indicações para as políticas públicas voltadas a essas três categorias citadas:
formação continuada, tecnologia na educação e curadoria da informação.
Diante disso, ao serem elaboradas formações continuadas, os sistemas
educacionais responsáveis devem criar mecanismos para que os professores
possam opinar sobre quais seriam, efetivamente, as suas necessidades. Ficou
bastante evidenciado no período pandêmico, a falta de comunicação entre
secretarias e educadores, haja vista a natureza das formações propostas no
período. Evidenciou-se, por exemplo, a falta de familiaridade por grande
parte dos professores quanto ao uso das tecnologias, não somente do ponto
de vista técnico, mas sobretudo, pedagógico. Embora o uso de metodologias
devesse ser diferenciado, o que se observou, muitas vezes, foram práticas
convencionais, mesmo em um cenário tão adverso como o da pandemia.
Isso se dá, sobretudo pelo fato de não haver discussões efetivas sobre o uso
de tecnologias nas formações, sejam iniciais ou continuadas. O reflexo disso
ficou evidenciado nas lacunas percebidas no período pandêmico.
Convêm, portanto, deixarmos a reflexão sobre a necessidade de
um redirecionamento para as formações continuadas pós-pandêmicas que
apontam para o uso cada vez mais recorrente das tecnologias, seja através da
continuidade do ensino remoto, com o surgimento do ensino híbrido ou até
mesmo pelos reflexos oriundos das dificuldades educacionais apresentadas por
alunos e professores no ano de 2020 num contexto de pandemia. Desta forma,
ressalta-se a importância de levar em consideração os principais agentes das
formações que são os professores que precisam, antes de mais nada, serem
ouvidos para que as práticas pedagógicas sejam feitas de forma cada vez mais
consciente e que possam não somente cumprir com as orientações advindas
da BNCC (2018) quanto à necessidade de um professor curador que esteja
preparado para elencar, selecionar, hierarquizar conteúdos e metodologias que
permeiam as tecnologias, mas que sobretudo seja um agente de transformação.
Por fim, outros fatores devem ser levados em consideração na
elaboração das formações continuadas: o tempo de formação para que seja
suficiente em relação aos objetivos de sua origem, o formato ou meio em
que serão feitas, possibilitando a participação efetiva dos professores, os
interesses e motivação para participarem de tais formações e principalmente,
os conteúdos abordados, como se dá a escolha dos materiais e quais são os
referenciais teóricos imbricados no processo. As formações continuadas devem
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Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

estar atreladas à prática e necessidades dos professores para efetivamente


cumprirem os seus propósitos e para que reflexões possam emergir e contribuir
para novos direcionamentos, tornando a formação como eixo articulador das
intervenções na escola. Em suma, dispor de formações continuadas em rede
e que possibilitem a qualidade em detrimento à quantidade, dando a devida
importância que deve ser conferida ao professor, considerando as formações
continuadas como um espaço de socialização para demandas de formações
apoiadas nas avaliações de sistemas.

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A PESQUISA NA SALA DE AULA NA EDUCAÇÃO
BÁSICA: A PERCEPÇÃO DOCENTE NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Diego Gerônimo Silva1


Regina Maria Rovigati Simões2
Diovane de César Resende Ribeiro3

1 Introdução

N os dias atuais muitos estudos focalizam a utilização da pesquisa


em sala de aula, também denominada pesquisa escolar, a qual é
realizada na instituição escolar como forma de buscar novos conhecimentos
ou informações, proporciona diálogos e debates sobre diversos conteúdos
disciplinares, como instrumento para o desenvolvimento do discente, (re)
construção do seu conhecimento, na formação da autonomia e organização
da prática docente, como observado nos trabalhos realizados por Moraes,
Galiazzi e Ramos (2004), Maciel (2005), Almeida (2006), Bagno (2008),
Kistner (2008), Oliveira e Campello (2016).
A pesquisa escolar é um componente constituinte para a construção do
conhecimento nas instituições de ensino do Brasil, que se processa juntamente
com a Lei nº 9.394/96 que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDBEN, em seu artigo 3º, trata dos princípios norteadores do
ensino. A pesquisa aparece no segundo princípio, “liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”
(BRASIL, 1996, grifo meu). Ou, ainda, como uma forma de integrar as várias
disciplinas curriculares, como apresentado no parágrafo 7 do artigo 26, “A
integralização curricular poderá incluir, a critério dos sistemas de ensino,
projetos e pesquisas envolvendo os temas transversais [...]” (BRASIL, 1996).
Neste caminho, Galiazzi (2005) afirma que uma educação por meio da
pesquisa promove a transformação dos educandos, outrora objetos, em sujeitos
das interfaces pedagógicas, dispondo de autonomia, possuindo capacidade
para a construção de competências, articulando práticas autorais, sendo

1 Mestre em Educação – Escola Municipal Urbana Frei Eugênio – [email protected]


2 Doutora em Educação Física – Universidade Federal do Triângulo Mineiro - rovigatisimoes@
uol.com.br
3 Mestre em Educação – Escola Municipal Adolfo Bezerra de Menezes/Universidade Federal do
Triângulo Mineiro – [email protected]
62
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

capazes de prover a argumentação com propriedade e, dessa forma, emergindo


inúmeros pensamentos críticos, autonomia, reflexão e promovendo neles o
processo de aprendizado.
Bagno (2008) permite refletir que o docente ao ensinar, ele também
aprende no cotidiano da sala de aula, promovendo inúmeras possibilidades
para que o discente busque e alce sozinho as fontes do conhecimento que
estão dispostos na sociedade moderna. Contudo, não quer dizer apenas
mostrar as alternativas, mas oferecer suporte, orientação e direcionamento ao
aluno para que potencialize um olhar crítico e consiga escolher as fontes de
conhecimento e de informação fidedignas.
Compreender a pesquisa como alicerce da educação e não de aula –
simples interação entre docente e discente – é apreender que o conhecimento
não é fim, mas um meio. Contudo, para que esse conhecimento se torne
educativo, tem-se a necessidade de orientação tendo ética e valores como
pilares dos fins almejados (DEMO, 2015).
Para tal fim, a interação entre professor e aluno precisa ser orientada
para que esse conhecimento reconstrutivo seja (re) configurado no cotidiano
da sala de aula, por meio do diálogo, da mediação para induzir o aluno ao
questionamento, envolvendo-se e interpretando o contexto que engloba
a pesquisa, e tal envolvimento só se articula quando há conscientização de
ambas as partes para a percepção do processo.
Em contraponto, o alargamento da concepção de pesquisa no ensino-
aprendizagem precisa ser ponderado com acautelamento. Esse interesse tende
a uma reflexão das implicações pedagógicas, em refletir quando a pesquisa se
delimita a um mero procedimento didático, fundamentado em uma atitude
em que o professor apresenta um tema para o aluno pesquisar e este procura a
informação de forma arbitrária (MACIEL, 2005).
Ao propor uma atividade de pesquisa para casa, por exemplo, o docente
pode proporcionar diferentes saberes metodológicos, conforme menciona
Maciel (2005) e, ainda, pode indicar, avaliar e redimensionar as informações
que vão se fazendo presentes na prática pedagógica. O processo investigativo
é fundamental, uma vez que aspectos significativos podem ser socializados,
considerando que o envolvimento do educador não é ato de isolamento, e sim
de socialização – em que rodeia o diálogo e compartilhamento de saberes e
experiências – tanto na elucidação do que é pesquisado quanto na averiguação
de soluções, sendo esses fundamentais.
Em vista disso, a pesquisa escolar direciona o professor a (re) pensar
sobre a flexibilização dos conteúdos didáticos, porque eles certamente
extrapolam os que, em princípio, foram propostos. Exige articulação que
promove o movimento entre as diversas áreas do conhecimento, buscando
63
Entremeios da Educação Contemporânea

complementar as informações imprescindíveis para os fenômenos a serem


pesquisados (MACIEL, 2005).
O uso da pesquisa em sala de aula não apresenta um único caminho,
todavia é determinada por algumas diretrizes. Demo (1997), por exemplo,
acredita que o professor precisa abarcar, dentre outros elementos, a motivação
do discente, sua orientação, fazendo com que a pesquisa seja parte do cotidiano
de ambos, e que o aluno precisa ser ator na construção de sua aprendizagem,
desenvolver um espírito crítico, dedicar-se juntamente com o professor, sendo
um personagem ativo no processo de aprendizagem.
Para utilizar a pesquisa na sala de aula é necessário que o professor,
questione seus alunos para identificar os conhecimentos prévios que possuem
com as suas vivências de mundo (experiências e aprendizados), e o discente
precisa participar desta experiência, assim como dialogar e apontar
caminhos de como suas vivências podem ser trabalhadas de forma que a
aprendizagem tenha sentido (MORAES, 2002).
É no ambiente da sala de aula que se verifica que há espaço para um
amontoado de produtos em forma de teorias ou modelos, todavia para um
processo de aprendizagem é de grande relevância difundir para os discentes
o caráter dinâmico e perecedouro das investigações científicas que a pesquisa
lhes oferece (MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2004). Segundo os autores:
A pesquisa em sala de aula é [...] uma das maneiras de envolver os sujeitos,
alunos e professores, num processo de questionamento do discurso, das
verdades implícitas e explícitas nas formações discursivas, propiciando a partir
disso a construção de argumentos que levem a novas verdades. A pesquisa
em sala de aula pode representar um dos modos de influir no fluxo do rio.
Envolver-se nesse processo é acreditar que a realidade não é pronta, mas que
se constitui a partir de uma construção humana (MORAES; GALIAZZI;
RAMOS, 2004, p. 10).
Sendo assim, durante a utilização desse método, é indispensável que o
professor assuma uma postura que envolva ações conjuntas e articuladas entre
ele e o aluno, com o compromisso formal e político para o desenvolvimento
de competências, e precisa aprender a perceber os ruídos e os silêncios de seus
alunos, necessitando ser, em sala de aula, um árduo mediador (GALIAZZI,
2005). No que condiz ao papel do aluno, a autora considera que a postura
dele requer uma maior participação, questionamentos, espírito crítico, enfim
a sua autonomia.
Procurando entender como professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental compreendem a pesquisa escolar e a indica no contexto de suas
práticas de ensino, o presente estudo é proveniente da dissertação de mestrado
intitulada “A pesquisa escolar na visão de professores dos anos iniciais do
Ensino Fundamental: um estudo na rede municipal de ensino de Uberaba/
64
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

MG”, defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Educação da


Universidade Federal do Triângulo Mineiro com o objetivo de mapear a visão
de docentes dos anos iniciais deste nível de escolarização acerca da inserção da
pesquisa escolar em suas práticas pedagógicas.
Trata-se de uma investigação fundamentada em uma abordagem de
cunho quali-quantitativo, desenvolvida em 21 escolas da rede municipal de
ensino de Uberaba/MG e que contou com a participação de 124 professores, os
quais responderam a um questionário estruturado com seis questões objetivas
adaptadas do instrumento proposto por Almeida (2006). O material empírico
obtido nesta etapa foi interpretado utilizando-se da análise de conteúdo
(BARDIN, 2011) com o suporte do software SPSS 18.0, que proporciona
explorações poderosas das questões, possibilitando a construção de análise de
material empírico por meio de técnicas estatísticas no campo das pesquisas
qualitativas.

O professor e a pesquisa nos anos iniciais do ensino fundamental


No questionário, a pergunta inicial buscou levantar dados sobre o
conceito de pesquisa escolar e, conforme o Quadro 01, é possível observar que
o número de professores que consideram a pesquisa escolar como uma forma
de ensinar o aluno a sintetizar, argumentar, expor e defender seus pontos de
vista, deixando de ser apenas um trabalho suplementar para complementação
de notas e sem resultados.

Quadro 1 - Conceito de pesquisa escolar pelos docentes

PERGUNTA RESPOSTAS %
uma forma de ensinar o aluno a sintetizar,
argumentar, expor e defender seus pontos 78,2%
de vista
uma forma de fazer o aluno aprender mais
60,5%
1 - Para você, realizar uma sobre o assunto da aula
pesquisa seria um modo de ajudar o aluno a melhorar
3,2%
sua nota
outros 5,6%
um trabalho que demanda muito tempo e
0,0%
traz pouco resultado

Fonte: Elaborado pelos Autores, 2018.


65
Entremeios da Educação Contemporânea

Para Diniz-Pereira e Lacerda (2009) a palavra pesquisa, como


polissêmica, pode expressar muitos significados e diferentes aplicações,
dependendo de quem a manipula. Ao ser relacionada como atividade
científica, a palavra pesquisa estabelece rumos que a caracterizam como tal,
dialogando com o paradigma no qual se inscreve e que tenta conhecer um
objeto determinado para que seja seguida, socializando o conhecimento
aprendido. Os docentes também apresentaram outras concepções sobre o
que seria pesquisa “Uma forma de expandir também os seus conhecimentos,
extravasando os muros da escola. Expandir, evoluir sobre diferentes conceitos,
Professor 38” e, “Ampliar seus conhecimentos partindo do que já sabe sobre os
assuntos a serem pesquisados, Professor 60”.
Para Faqueti (2002, p. 12) a atividade pesquisa escolar é
[...] um importante instrumento metodológico de ensino aprendizagem, sendo
possível, através dela, desenvolver ações educativas de cunho interdisciplinar,
multidisciplinar e transdisciplinar. Sua utilização, dentro de parâmetros
construtivistas, favorece ao desenvolvimento de competências, habilidades
básicas e específicas indispensáveis à formação profissional do educando.
Enfim, sua prática pode contribuir para que o educando aprenda como
transformar informação em conhecimento e assim continuar aprendendo ao
longo de sua vida profissional.
A pesquisa na sala de aula, na Base Nacional Comum Curricular,
homologada em 20 de dezembro de 2017, traz um conceito de pesquisa
diversificado nos diferentes campos de aprendizagem (Língua Portuguesa,
Matemática, Geografia, Ciências e História) nos anos iniciais do Ensino
Fundamental promovendo a construção do conhecimento por meio de
competências e das habilidades dos alunos, “a pesquisa, além de ser mais
diretamente focada em um campo, perpassa todos os outros em ações de
busca, seleção, validação, tratamento e organização de informação envolvidas
na curadoria de informação, podendo/devendo também estar presente no
tratamento metodológico dos conteúdos” (BRASIL, 2017).
Constata-se que pesquisar é, algo muito sério. Dessa forma, não deve-
se tratá-la com indiferença ou pouco caso nas instituições escolares.
A segunda questão visou compreender como os professores
apresentariam uma proposta de pesquisa escolar aos alunos. Os resultados
demonstraram que a maioria ainda trabalha a partir de temas (55,6%),
seguido da indicação da pesquisa a partir do aproveitamento das dúvidas dos
alunos e propondo que encontrem soluções (46,0%).
66
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Quadro 02 – Formas que o docente apresentaria a pesquisa aos alunos

PERGUNTA ALTERNATIVAS %
escolhendo um tema dentro do assunto que está sendo
55,6%
tratado na aula
aproveitando as dúvidas dos alunos e propondo que en-
46,0%
contrem soluções para as mesmas
2 - Como
você apre- antes de iniciar um assunto novo, sugerindo que os alu-
43,5%
sentaria uma nos façam uma pesquisa e tragam as informações
proposta de propondo várias perguntas sobre o assunto que está es-
23,4%
pesquisa para tudado
seus alunos? sugerindo problemas a serem resolvidos pelos alunos 20,2%
esperando que os alunos definam sobre o que querem
10,5%
pesquisar dentro do assunto tratado em aula
outras 5,6%

Fonte: Elaborado pelos Autores, 2018.

Para iniciar a análise têm-se segundo Neuzing (2004) que a pesquisa


é um ato do cotidiano de todo ser humano, dessa forma, quando propor a
pesquisa na sala de aula o professor precisa ter em mente essa reflexão do dia
a dia.
Embora não pareça, pesquisar é algo que está presente em diversos momentos
de nosso cotidiano. Desde consultar um relógio para ver que horas são, ler
uma bula de remédio antes de tomá-lo, consultar o manual de instruções do
aparelho de som para ver como ele funciona, espiar pela janela para observar
o tempo, remexer papéis velhos atrás daquela receita de bolo, procurar e
assinalar na página de classificados do jornal um imóvel para alugar, comprar
um computador e sair pelo comércio anotando capacidade de memória,
velocidade, marca e preço, consultar um dicionário em busca de uma
palavra, consultar um catálogo telefônico em busca do telefone de um amigo
(NEUZING, 2004, p. 26).
Segundo Kistner (2008), o trabalho com a pesquisa em sala de aula não
pressupõe o docente apenas como um transmissor ou expositor de conteúdos
didáticos, mas como um mediador, com o intuito de pensar com o aluno e
elaborar meios de como o discente pode fazer parte do processo de elaboração
da pesquisa. Faz-se necessário estabelecer uma parceria entre professor e aluno,
nos diferentes níveis de aprendizagem.
Os professores também disseram outras formas de como propor uma
pesquisa na sala de aula “A partir de um tema explorar para enriquecer a aula e
valorizar a identidade e autonomia de cada um, Professor 116” e, “Verificar também
a bagagem de conhecimento escolar e social que o discente apresentaria, a fim de elencar
67
Entremeios da Educação Contemporânea

as possibilidades dos mesmos para desenvolver o trabalho, Professor 38”.


Como se percebe, a fala dos professores que trata proposição da pesquisa
partindo das vivências e da bagagem de mundo que o aluno traz consigo
corrobora com as reflexões de Moraes (2002), pois é preciso possibilitar aos
discentes a autonomia dentro da sala de aula (GALIAZZI, 2002; DEMO,
2015), além de oportunizar e motivar, por parte do docente, possibilidades
de construção de conhecimentos que partam da realidade social na qual estão
inseridos (BAGNO, 2008).
Um contraponto, quanto aos temas que alicerçam a pesquisa dentro da
sala de aula apontado pelos professores, é que não devem surgir de conteúdos
disciplinares, precisam partir da realidade social em que vive o aluno. Em uma
concepção freireana, o tema deve ser o desencadeador para a construção do
conhecimento do educando e do seu processo educativo.
Nessa proposta a construção do conhecimento provoca uma relação de
diálogo, alimentado a produção de sentidos e a recriação de saberes a partir
das trocas dentro do ambiente escolar. Na sala de aula, entre professor e aluno,
este método impulsiona a troca de saberes, respeitando as diferenças entre
ambos, superando a visão de um mundo ingênuo para uma realidade mais
objetiva, uma conscientização crítica da vida social (COSTA e PINHEIRO,
2013).
Quando um professor ensina aos seus alunos a utilização correta de um
procedimento, nesse caso a pesquisa na sala de aula, ele também ensina um
adequado modo de pensar e de se produzir conhecimento.
A terceira questão busca identificar quais ações seriam efetivadas pelo
professor para indicação de uma pesquisa e os resultados demonstram que
63,7% dos professores estabeleceriam a pesquisa como um desafio fazer com
que o aluno busque mais e mais respostas para suas dúvidas, aproveitando ao
máximo todas as possibilidades que a pesquisa pode oferecer. Os docentes
ainda mencionam que estimulariam o aluno a buscar fontes alternativas para
novas informações (53,2%).
68
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Quadro 3 – Ações dos professores para indicar a pesquisa

PERGUNTA ALTERNATIVAS %
colocaria como um desafio fazer com que o aluno bus-
que mais e mais respostas para suas dúvidas, aprovei-
63,7%
tando ao máximo todas as possibilidades que a pesquisa
pode oferecer
incitaria o aluno a buscar informações em diversas fon-
53,2%
tes disponíveis
buscaria fazer com que o aluno se sinta seguro, confiante
50,0%
3 – Em caso de e motivado para iniciá-la
indicação de uma ficaria atento às novidades descobertas, às dúvidas, as
pesquisa, você trocas de informação e aos registros que vão acontecen- 42,7%
do concomitantemente
traria material seu para a sala de aula e o disponibiliza
29,8%
aos alunos
outros 4,0%
apenas indicaria o tema, não interferindo em nenhuma
0,8%
outra etapa do processo de pesquisa

Fonte: Elaborado pelos Autores, 2018.

Abreu e Almeida (2008) contrapõem o resultado apresentado pelos


professores justificando que muitos docentes usam a pesquisa com os alunos
motivando-os para obtenção de nota bimestral. Quando um professor destina
um trabalho de pesquisa meramente com o objetivo de recuperar uma nota,
alcançar a média de pontos ou mesmo como forma de ajudar na nota final do
ano letivo, não ocorrerá de forma efetiva um processo educativo consistente
e autêntico. Se faz indispensável refletir se há um real motivo ou uma real
necessidade para a realização da pesquisa de um objeto em estudo.
Oliveira (2008, p. 84) complementa o pensamento acerca dos motivos
para realização de uma pesquisa apenas como obtenção de nota ou por outros
fatores: “[...] pesquisar para complementar nota, ou porque consta na lei que
estrutura e organiza o ensino, ou ainda por modismo pedagógico não são
razões que justifiquem de modo algum a prática pedagógica da pesquisa”.
A motivação é indispensável para o desenvolvimento do indivíduo, pois
bons resultados de aprendizagem só são alcançados à medida que o professor
oportunizar um ambiente escolar de trabalho, e de pesquisa, que estimule o
educando à criação, comparação, discussão e, ainda, rever, perguntar e elevar
ideias (COSTA, 2001).
Com relação às fontes que os professores indicam para a elaboração
69
Entremeios da Educação Contemporânea

da pesquisa, em conformidade com o solicitado pela Questão 4, 90,3%


recomendam a Internet. Outra fonte de pesquisa muito indicada pelos
professores foi a realização de entrevistas com pessoas que pertencem ou
trabalham em alguma área de conhecimento (73,4%). Quanto à pesquisa em
livros didáticos e/ou paradidáticos (67,7%), a porcentagem ficou próxima às
indicações de revistas (62,9%).

Quadro 4 – Indicação de fontes de pesquisa pelos professores

PERGUNTA ALTERNATIVAS %
internet 90,3%
entrevistas com pessoas de uma determinada área 73,4%
4 – Que fontes
você em geral você livros didáticos e/ou paradidáticos 67,7%
indicaria para que jornais 62,9%
os alunos realizas- revistas 60,5%
sem uma pesquisa?
vídeos/filmes 59,7%
nenhuma fonte 0,0%

Fonte: Elaborado pelos Autores, 2018.

Sobre as fontes de pesquisa, Oliveira (2008) destaca que ao se


empreender uma pesquisa não se deve pensar apenas em como realizar a
coleta de dados ou informações ou se será em uma ou mais fontes, contudo
versa acerca de um processo que inicia no momento em que passamos a ser
desafiados a descobrir se sabemos muito, pouco ou nada sobre algum fato ou
alguma coisa.
As autoras Bernardes e Fernandes (2002, p. 7) apoiam os professores
na indicação da Internet como fonte pesquisa e justificam sua relevância:
Um dos meios de entrada da internet na escola tem sido justamente a
realização da pesquisa escolar. Através desta atividade, os alunos têm levado
aos seus professores a oportunidade de refletir sobre as consequências das novas
tecnologias da informação na produção do próprio conhecimento escolar.
Na opinião dos usuários adolescentes a internet tem facilitado – e muito – a
realização da pesquisa da e para a escola. A variedade de textos e informações
que a rede disponibiliza, a redução do tempo material e as modificações
trazidas pelo computador enquanto novo suporte textual são apontadas como
importantes fatores nesse sentido.
Contudo, as autoras em seu estudo reiteram que o direcionamento
dos professores perante aos alunos por meio da indicação de sites para que
possam realizar suas pesquisas é de fundamental relevância para que não
ocorra como outrora, a cópia dos textos de livros e de enciclopédias, pelos
textos reproduzidos identicamente aos das páginas de buscas, por meio do
70
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Ctrl+C (copia) e Ctrl+V (cola), nos dias atuais.


Lima (2011) reflete contrapondo o uso da Internet e o uso das
bibliotecas pelos discentes nas pesquisas escolares, “o alto índice de utilização
da internet e pouca utilização das bibliotecas pelos alunos, também pode ser
explicado por outro fator, além daquele já conhecido de que na internet a
localização da informação é muito mais rápida [...]” (p. 141). Assim, a autora
mostra que o ambiente das bibliotecas é um espaço em desuso nas escolas
em face da busca pela informação mais rápida e da mera cópia do texto
(BERNARDES; FERNANDES, 2002).
A Professora 40 ainda apresenta um outro meio, os documentários,
como fonte de pesquisa: “os documentários são formas instigantes diante a uma
pesquisa”. Sobre as produções audiovisuais, Oliveira e colaboradores (2012)
afirmam que o aproveitamento de reproduções de filmes como estratégia
de ensino auxilia no processo de ensino e aprendizagem, contudo requer do
professor uma postura de mediador para promover as discussões em torno do
conhecimento externado.
Diante disso, as imagens constituem um poderoso instrumento de
proximidade com a realidade, devido a uma sedutora e sutil linguagem. A
utilização de filmes como recurso pedagógico incentiva os alunos a irem além
das palavras, possibilitando a visualização de imagens. Os filmes propiciam
efeitos visuais, como gráficos e animações, para intensificar a sua mensagem
possibilitando, ainda, simular experiências ou atividades as quais, geralmente,
os discentes não possuem acesso. Destarte, os efeitos estéticos desses recursos
possibilitam uma melhor compreensão e a acompanhamento por parte dos
educadores e educandos de inúmeros assuntos (MANDARINO, 2002).
Com relação à percepção do trabalho de acompanhamento pelo
professor em todo o processo de pesquisa, foco da Questão 5, os participantes
foram enfáticos (91,9%) ao destacar que é importantíssimo, o aluno se sente
mais confiante, motivado e seguro com as orientações do docente durante as
buscas para elaboração dos trabalhos.
71
Entremeios da Educação Contemporânea

Quadro 5 – Acompanhamento durante a pesquisa

PERGUNTA ALTERNATIVAS %
5 – Qual a sua
percepção do tra- é importantíssimo, o aluno se sentirá mais confiante,
91,9%
balho de acom- motivado e seguro com a presença do professor
panhamento por
parte do professor
durante todo o o professor deve dar as primeiras informações e o
12,9%
processo de pes- aluno deve se responsabilizar pelo resto
quisa?

Fonte: Elaborado pelos Autores, 2018.

Alcará e Guimarães (2007) mencionam que no âmbito educacional,


a motivação dos educandos torna-se um fator desafiador confrontado pelos
professores todos os dias, devido às consequências diretas envolvidas na
qualidade do envolvimento do aluno com o processo de ensino e aprendizagem.
Um discente motivado, busca por novos conhecimentos e oportunidades,
havendo uma participação no processo de aprendizagem, manifesta interesse
nas tarefas (pesquisa) propostas pelo docente com entusiasmo e vontade par
encarar novos desafios.
Segundo Lourenço e Paiva (2010) a motivação no interior da escola é
[...] um determinante crítico do nível e da qualidade da aprendizagem e do
desempenho. Um aluno motivado revela-se ativamente envolvido no processo
de aprendizagem, insistindo em tarefas desafiadoras, despendendo esforços,
utilizando estratégias apropriadas e procurando desenvolver novas capacidades
de compreensão e de domínio. Manifesta entusiasmo na execução das tarefas
e brio relativamente aos seus desempenhos e resultados. Criar esta cultura
de atuação na escola poderá ser o pilar essencial para a ação de aprender
(LOURENCO; PAIVA, 2010, p. 139)
Para Bzuneck (2000, p. 9) “[...] a motivação, ou o motivo, é aquilo que
move uma pessoa ou que a põe em ação ou a faz mudar de curso”. O autor faz
refletir sobre a ação do professor, sendo o principal fomentador da motivação
do aluno quanto à realização de suas atividades de pesquisa em sala de aula,
pois a construção de novos conhecimentos parte da curiosidade estimulada
por meio dos desafios ocasionados durante aulas teóricas e/ou práticas.
Na Questão 06 os professores foram questionados a respeito do que
consideram importante no momento da avaliação do processo de pesquisa.
Os participantes foram bem expressivos (92,7%) ao responderem que avaliam
juntamente com o aluno, verificando o que este aprendeu com a pesquisa.
72
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Quadro 6 – Aspectos importantes para avaliação das pesquisas pelos docentes

PERGUNTA ALTERNATIVAS %
avaliar juntamente com o aluno quais os
6 – No momento da 92,7%
aprendizados com a pesquisa
avaliação da pesquisa
realizada pelo aluno, você a forma como o aluno apresentou a pesquisa 26,6%
consideraria importante?
o número de páginas apresentadas 0,0%

Fonte: Elaborado pelos Autores, 2018.

A avaliação da aprendizagem escolar é um dos temas mais discutidos


com relação à educação hoje. Outrora, o conceito de avaliação era apresentado
como simples verificação e aferição do nível de aprendizagem do aluno, nos
dias atuais vem sendo modificado por procedimentos que enfatizam o processo
de construção de conhecimento, como o acompanhamento de atividades
contínuas no cotidiano, tendo em vista não apenas o fim, mas o processo
contínuo como um todo (ALMEIDA, 2006).
Frequentemente utilizo a pesquisa como prática de ensino, a utilizo após introduzir
um novo conteúdo solicitando aos alunos que busquem mais informações de tópicos
já pré-estabelecidos para eles. Avalio como nota de trabalho para o bimestre –
Professor 83.
Quanto às reflexões acerca da avaliação da pesquisa, o Professor 67
menciona “[...]. Avaliando os questionamentos dos alunos e os levando a se
expressarem quando surgem as dúvidas”, o que salienta o trabalho realizado com
professores do Ensino Médio, Almeida (2006, p. 57) aponta que:
[...] a avaliação da pesquisa escolar deve ser vista como um momento real
de reflexão sobre todo o processo da pesquisa, abalizando se esta trouxe
conhecimento significativo para o aluno. É importante a avaliação do professor,
tanto quanto é importante a auto avaliação por parte do aluno.
A pesquisa, entretanto, de acordo com Luckesi (2005), pode ser
utilizada como instrumento avaliativo se for útil para aferir o que o aluno
aprendeu ou deixou de aprender. A geração de conhecimento sobre o estado
de aprendizagem do aluno é avaliar, segundo o autor. Diante isso, a utilização
da pesquisa vinculada a uma nota acaba funcionando como moeda de troca e
isso, para o autor, não é avaliar.
Partindo do pressuposto de que a pesquisa deve incitar o aluno, deve
fazer com que esse procure saber sobre si e o mundo que o cerca. Portanto,
faz-se necessário que se eduquem, docentes e discentes, para que possam
compreender que os saberes sobre-excedem os limites de uma avaliação
escrita, de um texto retirado da internet ou de um trabalho de pesquisa para
73
Entremeios da Educação Contemporânea

recuperação de nota.
Corroborando na perspectiva do uso da pesquisa escolar para uma
avaliação apenas classificatória Carvalho (2003, on-line) também constata que:
Qualquer trabalhinho serve desde que se cumpra com as exigências do trabalho:
introdução, desenvolvimento e conclusão. Muitas vezes as introduções e as
conclusões não dizem nada, mas são avaliadas. Na verdade, o aluno só está
mesmo é interessado na nota. Vale até enganar o professor, pagando a outras
pessoas para fazerem os “chamados trabalhos de pesquisa”. Essa prática,
repetida ao longo do tempo, tem prejudicado os alunos, principalmente,
porque eles ingressam na universidade sem nenhuma noção de pesquisa, e
isso tem comprometido, de certa forma, os professores que trabalham com o
ensino médio, como também tem gerado muita polêmica em torno da escola,
no que diz respeito à forma como vem ensinando a seus alunos a tornarem-se
sujeitos de seus próprios conhecimentos. (CARVALHO, 2003, p. 2).
Por fim, Demo (2015) menciona que é preciso, por parte do professor,
rever as proposições acerca da avaliação no momento em que se propõe usar o
ensino com pesquisa, abarcando outras maneiras de avaliar alternativamente,
para compreender o processo avaliativo como uma forma acompanhamento
do aluno constantemente.

Considerações finais
Este estudo ao seu final conseguiu averiguar que os docentes
compreendem a pesquisa na sala de aula como recurso benéfico às práticas
docentes, fazendo com que os alunos tenham vivência com projetos e
atividades relacionados a práticas investigativas. As experiências concretizadas
em sala interferem no ensino-aprendizagem trazendo mudanças significativas
em aspectos atitudinais ou cognitivos, especialmente porque o trabalho com a
pesquisa proporciona sentido às práticas escolares e possibilita a aprendizagem
de forma mais lúdica. Além disso, os professores entendem que esses
educandos, ao se sentirem motivados para o processo de pesquisa, realizam as
atividades escolares com maior interesse para buscar por novas informações ou
novos conhecimentos.
Durante o mapeamento, ficou evidenciado pelos professores que a
pesquisa contribui para o desenvolvimento de atitudes mais críticas, curiosas
e reflexivas na interpretação da realidade, por meio dos questionamentos que
emergem de assuntos contextualizados pelos docentes. Possuem uma visão
eficiente da relação entre professor e aluno no processo de ensino, promovendo
um ambiente escolar desafiador, em que a formação de habilidades e
competências do próprio aluno são pontos primordiais na construção de sua
autonomia. Apontaram que o acompanhamento é um fator preponderante
durante a realização de práticas investigativas pelo aluno.
74
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Após a leitura e compreensão das respostas sobre a indicação da pesquisa,


ficou salientado um aspecto negativo, pois muitos professores ainda propõem
esse recurso como critério avaliativo na recuperação ou complementação de
conteúdos disciplinares quando o aluno possui um índice insatisfatório de
aprendizagem.
Sobre os recursos utilizáveis pelos professores para o desenvolvimento
da pesquisa pelos alunos, o estudo constatou que a internet é a fonte de
pesquisa mais usada pelos educadores, confirmando os apontamentos
teóricos dos autores. Contudo, livros, jornais e revistas ainda são recursos
mais indicados, e uma curiosidade que emergiu dos dados foi a realização de
Pesquisa de Campo, por meio da entrevista com profissionais que atuam em
áreas das temáticas orquestradas entre alunos e professores.
Nesta investigação revelou-se um ensinar pela pesquisa, que a literatura
traz não apenas como um modismo, os professores sabem das reais modificações
que esse método proporciona na educação dos seus alunos, admitem que a
pesquisa é ato político, que possibilita ao indivíduo a oportunidade de ser
um sujeito social, com perspectivas de libertar-se para novos conhecimentos
e questionamentos, de desenvolver a autonomia e a curiosidade na busca
constante, garantindo a formação efetiva para cidadania.
O estudo não teve intenção de denegrir o trabalho que as escolas e os
professores promovem, a pretensão nunca foi de arrolar ações em juízo quanto
às práticas docentes, mas de apenas refletir sobre ensino direcionado com a
pesquisa dentro das instituições de ensino. Há consciência do esforço dos
educadores em promover atividades pontuais dentro das instituições, mesmo
entendendo que ainda não seriam as ideais; contudo, a semente deve ser
plantada e o cuidado para ela produza bons frutos depende da força coletiva
dos professores.

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QUANDO ESCREVER FAZ SENTIDO: RELATOS
SOBRE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO
DA ESCRITA EM INGLÊS

Fernando Silvério de Lima1

Primeiros escritos

Faz alguns dias que não escrevo porque eu quis, antes de tudo, pensar neste
diário. É estranho uma pessoa como eu manter um diário; não apenas por
falta de hábito, mas porque me parece que ninguém — nem eu mesma —
poderia interessar-se pelos desabafos de uma garota de treze anos. Mas que
importa? Quero escrever e, mais do que isso, quero trazer à tona tudo o que
está enterrado bem fundo no meu coração.

(O diário de Anne Frank – 20 de junho de 1942).

E xistem diferentes motivos para escrever em um diário: registrar


histórias, expressar sentimentos e emoções, passar o tempo,
dentre tantas outras possibilidades. A jovem Anne Frank, que iniciou seu
diário relatando coisas da vida cotidiana, tornou-se uma das vozes presentes
na literatura biográfica mundial ao entrelaçar o ponto de vista adolescente
com reflexões sobre um período histórico marcado por guerras, atrocidades
e conflitos que são estudados por diferentes gerações até os dias atuais. As
palavras escritas por Anne Frank, durante a primeira metade da década
de quarenta, eternizaram sua memória e suas vivências, ainda que ela não
tenha tido a oportunidade de saber que seus relatos adolescentes viriam a ser
lidos em diferentes línguas, gerando debates e incentivando outros leitores a
perceberem a importância de registrar as próprias histórias, sejam pelos mais
variados motivos, como já citado anteriormente.
Do ponto de vista da inspiração, da escrita com valor afetivo, escrever
pode ser catártico, uma experiência prazerosa e libertadora. Como visto na
epígrafe, por exemplo, Anne Frank iniciou seu diário como forma de dizer o que
havia em seu coração. Escrever, no entanto, é um desafio. Exige concentração,

1 Professor Adjunto de Língua Inglesa e Linguística Aplicada no Departamento de Letras


(DELET) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Instituto de Ciências Humanas
e Sociais (ICHS). Mestre em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Doutor
em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/IBILCE), com estágio
doutoral em estudos histórico-culturais pela Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD).
[email protected]
80
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

requer revisão e seleção de ideias, e edição dessas mesmas ideias. É um desafio


ensinado em diferentes instituições de ensino, da escola à universidade, dos
mais novos aprendizes até os sujeitos mais vividos. Os textos a serem escritos
podem ser dos mais variados tipos e estes chamamos de gêneros2, cada um
com seu grau de dificuldade, suas características próprias e suas formas
linguísticas de constituir interações das mais variadas. Como tal, esses textos
são instrumentos mediadores da comunicação em suas diferentes esferas, de
um pequeno bilhete até uma obra literária. Para produzi-los, é necessário
mobilizar diferentes formas de conhecimento que nos constituem como
escritores em uma sociedade que valoriza essa modalidade de comunicação
por diferentes razões.
No contexto universitário, por exemplo, escrever faz parte de uma das
principais formas de interação e vivência da trajetória profissional, das primeiras
resenhas até um trabalho de conclusão que mostre o amadurecimento de um
sujeito que progrediu e que buscou construir diferentes conhecimentos em
uma dada área que compõe sua futura profissão. Considere, por exemplo, que
esse sujeito vai cursar Letras e que, no caso de uma licenciatura, vai ensinar
suas turmas futuras a ler a escrever em diferentes línguas, seja a sua língua
materna ou outra aprendida em seguida, como é o caso da língua inglesa.
Vários são os tipos de texto que esse ou essa estudante terá que aprender a
produzir e vários serão os graus de dificuldade sentidos a cada novo texto
produzido, algo revelado em pesquisas da área (ABREU-TARDELLI et al.,
2018; ABREU-TARDELLI; LIMA; FRIEDRICH, 2018; LIMA, 2020a,
2020b). Ao considerar que todo esse processo pode se dar mediado por uma
nova língua a ser aprendida, a escrita adquire mais uma dimensão desafiadora,
ainda mais considerado as relações ambivalentes que as pessoas podem ter
sobre a aprendizagem da língua inglesa no contexto educacional brasileiro (cf.
LIMA, 2012, 2017a, 2017b, para mais discussões).
Como forma de equilibrar todas essas novidades, a prática pedagógica
em sala de aula pode tentar engajar os estudantes com o processo de escrita a
partir de atividades e temáticas que favoreçam a escrita interativa, aquela com
propósitos definidos e que, de maneira geral, façam sentido. Fazer sentido,
nesse contexto, significa um entendimento tanto no pensar quanto no fazer,
de modo que escrever não seja apenas uma tarefa, mas uma forma de agir pela
linguagem, dentre outras possibilidades.

2 Na perspectiva da filosofia da linguagem, Bakhtin (1997, p.290) que a interação em sociedade se


organiza em diferentes esferas e cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso”. A Linguística Aplicada
retoma este conceito em diálogo com a psicologia histórico-cultural soviética, concebendo os
gêneros em relações mediadas de interação, dessa forma, eles se caracterizam como instrumentos
ou artefatos culturais.
81
Entremeios da Educação Contemporânea

Dessa forma, o presente capítulo busca ponderar sobre esse desafio


da escrita, tendo em vista o contexto do curso de Letras e os relatos de
uma universitária aprendendo língua inglesa para ser professora. Mais
especificamente, em uma disciplina inicial de produção escrita, a estudante
fez registros sobre suas impressões de produzir textos em uma nova língua a
partir de uma temática muito próxima: sua própria história. Com esse cenário
estabelecido, o percurso investigativo propõe uma análise do sentido sobre o
papel de aprender uma nova língua e de desenvolver a própria escrita a partir de
propostas que visam o engajamento do sujeito. A próxima sessão apresentará
algumas questões iniciais para o estudo do sentido. A discussão apresenta o
conceito de sentido na teoria histórico-cultural a partir dos estudos sobre a
formação da consciência (VIGOTSKI, 1934/2001; VYGOTSKY, 1987, 2007,
1934/2012), bem como estudos sobre a teoria da atividade (LEONTIEV,
1978, 1981, 2010). Em seguida, será apresentado um panorama do contexto
investigativo, da participante e da atividade de escrita, para então analisar
seus relatos sobre suas ações no processo de elaborar o texto biográfico. Por
fim, algumas implicações são consideradas tendo em vista a contribuição dos
estudos histórico-culturais e seu diálogo com a Linguística Aplicada.

Sentido e significado: escritos sobre a escrita


A tentativa de compreender qual é o sentido das coisas não é uma
novidade para a ciência e os diferentes campos do saber que fazem parte
dela. Seja na Filosofia, nas Artes, na Psicologia e até na Linguística, existem
diferentes formas de estudar a capacidade humana de pensar sobre as coisas, os
nomes que são dados para elas e as diferentes formas que as pessoas encontram
de representar ideias, expressar emoções e estabelecer um entendimento
(ou pelo menos tentar) em meio aos diferentes eventos que constituem a
vivência humana. Estudos na Psicologia Soviética (LEONTIEV, 1978, 1981,
2010; VIGOTSKI, 1934/2001; VYGOTSKY, 1987, 2007, 1934/2012;
VYGOTSKY; LURIA, 1993), por exemplo, observaram as complexas
relações entre pensamento e linguagem, bem como as relações dialéticas
entre a história cultural e a história biológica da vida humana. As pessoas
se comunicam fazendo uso de suas capacidades cognitivas, aparelho fonador
e plasticidade cerebral, mas também utilizam uma língua que concretiza
laços históricos, convenções sociais, representações coletivas, ideias e saberes
que se materializam nos mais diferentes enunciados. Essa é a dinâmica das
linhas culturais e biológicas que caracterizam a ontogênese humana, ou seja, a
história do desenvolvimento.
Na perspectiva dos estudos ontogenéticos, Vygotsky abordou o conceito
de sentido ao abordar a questão a formação da consciência e as relações
82
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

entre pensamento e linguagem em seus últimos trabalhos (cf. VIGOTSKI,


1934/2001; VYGOTSKY, 1934/2012, para exemplos). Para este autor
soviético, a palavra tinha papel essencial como unidade do pensamento, não
apenas como apenas forma de representação do pensamento verbal, mas de sua
realização como um todo, ou seja, uma forma de ação na vida. Ao retomar os
estudos do filósofo francês Frédéric Paulhán, Vygotsky (1934/2012) atentou
para a diferença entre sentido e significado.
O sentido se constitui da soma de “eventos psicológicos” (VYGOTSKY,
1934/2012, p.259) na mente do indivíduo e como tal se organiza de forma
fluída, mas também por certa estabilidade, e o significado, por sua vez se
mostra como exemplo de uma dessas zonas estáveis do sentido. Enquanto
o sentido (do russo smysl) envolve a vivência do sujeito e suas dimensões
na consciência, o significado (do russo znachenie) envolve as construções
sociais que permeiam as interações de um determinado contexto. É por
isso que os significados possuem certa estabilidade, tendo em vista que são
convencionados e compartilhados pelas pessoas nas palavras que elas usam
para se comunicar. Considere, por exemplo, o papel da escrita. Em nossa
sociedade, escrever possui significados sociais distintos e todos eles justificam
o fato dessa habilidade ser ensinada nas escolas como parte do letramento.
Além de sua presença na vida cotidiana (ao escrever um simples bilhete), saber
escrever é necessário em diferentes profissões e possui diferentes propósitos, dos
mais objetivos aos mais subjetivos. As crianças em idade escolar, no entanto,
não tem compreensão desses significados, mas são levadas para escolas que vão
oportunizar a aprendizagem e o desenvolvimento dessa tecnologia. A respeito
dessa nova fase, vale a ressalva de Vygotsky (2007):
Para isso a criança precisa fazer uma descoberta básica – a de que se pode
desenhar, além de coisas, também a fala. Foi essa descoberta, e somente ela,
que levou a humanidade ao brilhante método da escrita por letras e frases;
a mesma descoberta conduz as crianças à escrita literal. Do ponto de vista
pedagógico, essa transição deve ser propiciada pelo deslocamento da atividade
da criança do desenhar coisas para o desenhar a fala. (VYGOTSKY, 2007,
p.140).
Mesmo que escrever seja uma prática repleta de significados sociais
diferentes elaborados pelo mundo dos adultos (os pais que incentivam os
estudos, os professores que estudam, as escolas e materiais didáticos com
seus objetivos pedagógicos, dentre outros), para a criança isso representa uma
etapa em cada uma delas vai construir seu próprio sentido sobre esse processo.
Na perspectiva histórico-cultural, aprender a escrever envolve também essa
descoberta que além de desenhar coisas, as crianças percebem na atividade
escolar que é possível desenhar a fala, e nessa trajetória de deslocamento,
passam a construir diferentes relações com as letras, as sílabas, as palavras e
assim por diante. Ainda que elas assimilem os mesmos significados sociais de
83
Entremeios da Educação Contemporânea

seus familiares e professores, as crianças elaboram sentidos próprios do que é


escrever, ou seja, o que o ato de escrever representa para elas.
É por isso que Vygotsky (2007) já fazia duras críticas à maneira como
se ensinava a escrita na escola, pois em suas palavras “[e]nsina-se as crianças a
desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem
escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que se
acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal”. (VYGOTSKY, 2007,
p.125). A escrita é uma prática que ressalta a dinâmica da vida, da interação
humana pela linguagem. É um processo energizado por vontades, interesses,
ideias, potencial interativo e, portanto, não pode ser ensinado como algo
mecanicista, sem propósitos claros e desconectados de oportunidades de
estabelecer sentidos, organizar ideias e pontos de vista.
Ainda na questão do sentido, Leontiev (1978, 2010) trouxe importantes
contribuições ao estudo dessa categoria na psicologia histórico-cultural, tendo
como unidade de análise a atividade. Para Leontiev (1981), a atividade é a
unidade dinâmica da vida em relações mediadas e o sentido se constitui nessas
relações. Dois componentes se destacam na busca de compreensão do sentido:
os motivos e o objeto. Toda atividade se direciona a um fim, algo a ser buscado
(objeto) pelo sujeito. E além disso, uma esfera motivacional de sua consciência
atua como força energizante da ação, e a isso Leontiev (1978) definiu como
os motivos de uma atividade. Assim, para compreender o sentido, busca-se
observar a relação entre os motivos e o objeto da atividade. Em outras palavras,
a relação entre o que se busca e as forças que motivam essa busca.
Dessa forma, pensar a escrita em uma perspectiva histórico-cultural pode
ser um caminho a partir do estudo do sentido. A escrita enquanto atividade
constrói sentido sobre o processo na relação entre as forças que movem o ato
de escrever e a necessidade a ser suprida, aquilo que se busca produzir. Dito de
outra forma, escrever sem ter um propósito claro ou estímulos que incentivem
o processo, faz com que a escrita tenha um sentido artificial, e o sujeito não
escreve por vontades próprias, por intenções comunicativas, mas para cumprir
tarefas, obter notas (como acontece em contexto escolar), esvaziando assim
todo o caráter vital e dinâmico de interação pela escrita.
Do ponto de vista da instrução3, no sentido russo do termo obutchénie,
em que os sujeitos aprendem ao serem ensinados por outros sujeitos, o desafio
é promover oportunidades para que os alunos desenvolvam o processo de
escrita como uma atividade conectada com sua vida cotidiana e suas demais
atividades. A busca pelo engajamento no processo de escrita, ao mesmo tempo

3 Instrução refere-se ao ensino como atividade dinâmica e não como simples reprodução de
saberes prontos e acabados. Traduções contemporâneas do russo para o inglês têm utilizado o
termo instrução para ressaltar o caráter dialético entre os processos de ensinar e aprender.
84
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

em que se apresenta como desafio, possibilita o direcionamento de considerar


o papel dos motivos, ou seja, a esfera motivacional da consciência necessária
para o envolvimento de quem escreve com aquilo que pretende comunicar,
com o modo de interação que vai se concretizar pelas letras, palavras, sentenças
e enunciados.
A partir dessas considerações, o presente capítulo busca ser uma
tentativa nessa direção, pois atentará para o sentido de escrever em uma nova
língua, a partir de uma temática que promova o interesse e o engajamento
do aluno: sua própria história. Ele oferece um estudo sobre a perspectiva do
sujeito que vai relatando suas vivências e impressões sobre as diferentes etapas
de escrever e o que aprendeu ao longo desse processo. Busca-se, dessa forma,
compreender os eventos psicológicos que fazem parte do sentido sobre escrever
sobre si enquanto se aprende uma nova língua, neste caso, a língua inglesa.

Pensando sobre o processo de escrita em língua inglesa


Os relatos aqui apresentados fazem parte do conjunto de atividades
realizadas por alunos de um curso de Letras licenciatura em língua inglesa. Por
estarem matriculados em uma disciplina de escrita de nível iniciante, uma das
primeiras produções envolveu o gênero textual autobiografia. Como o texto
biográfico envolve tanto o relato histórico, quanto a escrita pessoal, optou-se
inicialmente por atividades de leitura e discussão de exemplos conhecidos da
literatura mundial.
O diário de Anne Frank foi a obra escolhida para iniciar a discussão,
mais especificamente o trecho de 08 de Julho de 1942, quando a jovem relata
os preparativos de sua família para chegar até o anexo secreto. A discussão
envolveu o conhecimento prévio dos alunos sobre a obra, o contexto histórico
da segunda guerra mundial, o papel do diário e da biografia em nossa sociedade
e o legado dessa obra literária. Posteriormente, o grupo buscou delinear um
perfil das principais características que compõem um relato autobiográfico
chegando aos seguintes traços: a escrita pessoal, o tom narrativo em primeira
pessoa e o detalhamento de questões ligadas ao contexto histórico.
Após essa familiarização com a autobiografia, cada estudante
tomou conhecimento que iria contar sua própria história em língua inglesa.
Concebendo a escrita enquanto um processo, diferentes etapas envolviam
não apenas novos temas, mas também momentos de reescrita mediados por
comentários do professor visando o desenvolvimento da escrita em língua
inglesa e a aquisição de vocabulário. Além dessa atividades, cada estudante
recebeu um roteiro de questões para responder sobre as experiências de
produzir textos em língua inglesa e opiniões e perspectivas sobre escrever a
própria biografia como parte das atividades do curso de Letras. Esses relatos
85
Entremeios da Educação Contemporânea

fazem parte da sessão de análise que será apresentada a seguir.


Em O diário de Anne Frank, a jovem escreve para uma amiga imaginária
chamada Kitty e este será o nome fictício usado para a aluna de Letras que
será apresentada nessa sessão. Kitty ingressou na licenciatura em língua inglesa
após o terceiro ano do ensino médio levando em conta sua paixão por escrever
e sua vontade em aprender línguas. Dessa forma, participar de uma atividade
que contemplava seus interesses foi algo que logo lhe chamou a atenção. Na
primeira vinheta, é possível observar as percepções iniciais da estudante sobre
as atividades da oficina de escrita que articularam a leitura de uma passagem do
livro O diário de Anne Frank com a proposta de escrever a própria biografia.
Vinheta 1
Achei um bom método, já que ajudou a nos situar a respeito de várias outras atividades
que iríamos ter, além de nos permitir conhecer a história do livro que também parece
muito boa.
Apesar do uso da palavra método, por parte de Kitty, é possível
compreender que ela está se referindo ao conjunto de atividades que
englobam desde a leitura do trecho do diário até as diferentes etapas de
escrita da autobiografia. Outro aspecto revelado é que a aluna não conhecia
o livro, mas se mostrou interessada em conhecer mais sobre a história após as
discussões iniciais em sala. Além de incentivar a leitura, a atividade também se
mostrou como um incentivo à escrita, uma vez que ressaltava o valor da escrita
biográfica e do registro histórico. Na segunda vinheta, Kitty nos mostra o que
pensa sobre escrever a própria história e recapitular experiências pessoais como
parte do processo.
Vinheta 2
Acho que o maior valor se mostra para nós mesmos, mais do que para os outros. Escrever
a própria história nos permite um autoconhecimento mais profundo. Ao escrever, nós
analisamos ações e acontecimentos com mais profundidade, além de relembrar bons
momentos de alegria e os momentos ruins também, que para mim tem um valor tão grande
quanto os bons, já que te permitem aprendizado e a reflexão de que por mais que as coisas
pareçam estar perdidas uma hora elas passam e você sobrevive.
Ainda que a atividade fizesse parte do componente avaliativo da
disciplina, a proposta escrita adquiriu um sentido diferente para Kitty, por
envolver a oportunidade de pensar sobre o que já viveu, para então compor seu
texto em língua inglesa. Ao pensar sobre o papel de escrever sua autobiografia,
ela reconhece que isso era algo mais importante para ela mesma, descrevendo
esse processo como autoconhecimento. O processo de escrita vai além da
escolha lexical, pois envolve um componente pessoal e afetivo que emerge
durante a tarefa: emoções boas e não tão boas. Para Kitty, isso se torna um
ato de análise e compreensão de eventos que mostram no momento atual
86
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

alguns desafios que a própria estudante vivenciou. Dentre as várias opções,


o relato vai se constituindo a partir das definições de cada pessoa, de cada
evento que é trazido para ilustrar uma diferente fase da vida. Para conhecer
mais detalhes sobre essa questão, a terceira vinheta contextualiza alguns temas
contemplados na biografia, como é o caso da infância e da adolescência, as
lembranças familiares e escolares.
Vinheta 3
Foi muito boa, pude pensar melhor sobre acontecimentos e tempos sobre os quais
eu não pensava há tempos, uma atividade dessas permite que as pessoas parem a
vida que está sempre corrida e voltem no passado para revisitar suas memórias.
Mesmo sendo jovem, Kitty explica ter gostado de revisitar fases
anteriores de sua vida, pois esse tipo de tarefa envolve um movimento dentro
do tempo presente, de forma que a pessoa se dedique ao ato retrospectivo de
buscar diferentes lembranças que podem ter um significado especial na vida
de cada indivíduo. A quarta vinheta apresenta os relatos sobre pensar acerca da
própria vida e o processo de contar essas histórias em uma nova língua, neste
caso a língua inglesa.
Vinheta 4
Também gostei, no início me senti um pouco insegura, já que até então nunca havia escrito
algo tão extenso em inglês, mas no final acabei por gostar bastante da experiência, isso meio
que serviu para me mostrar que sim, eu consigo escrever em inglês apesar de ter alguns
(vários) erros gramaticais, mas tudo bem, afinal estamos aqui para aprender sempre mais.
Conforme citado anteriormente, o ato de produzir a autobiografia
por si só fez emergir diversas questões afetivas que atravessam as diferentes
lembranças de Kitty. Escrever este mesmo texto em uma nova língua, que
está sendo aprendida, e que apresenta suas eventuais dificuldades típicas do
processo, pode fazer com que mais dimensões afetivas fiquem evidentes. Kitty
descreve o início do processo a partir da ideia de insegurança, tendo em vista
que a autobiografia estava organizada por temas e articulada em etapas de
escrita e reescrita. A visão sobre escrita, todavia, vai se modificando, uma vez
que a insegurança inicial deu lugar à confiança que se constrói conforme Kitty
vai percebendo que é capaz de produzir o texto e fazer adaptações.
Suas ponderações sobre as questões gramaticais, ao mesmo tempo em
que mostram sua consciência das dificuldades sentidas naquele momento,
mostram ainda a percepção de que elas não são a principal questão, mas fazem
parte daquela atividade de aprendizagem. A próxima vinheta oferece mais
detalhes sobre o processo de escrever e o que a estudante pensava sobre isso
antes e durante esse momento.
87
Entremeios da Educação Contemporânea

Vinheta 5
Não sei direito, mas eu achei que seria divertido, afinal eu gosto muito de escrever, ainda
que não sobre mim, mas acho que tomei a biografia, principalmente por ser toda em inglês,
como um desafio para mim mesma.
Suas primeiras impressões antes de iniciar a autobiografia revelam
uma mistura de incerteza com a sensação de diversão. Ao se descrever como
alguém que gosta de escrever, é possível perceber uma aluna que se realiza na
atividade, uma vez que ela vai ao encontro de seus interesses, ainda que falar
de si mesma seja algo relativamente novo para ela. Outro fator é a forma como
encarou a tarefa escrita, como um desafio para uma aluna de Letras que gosta
de escrever. Mais detalhes de como ela lidava com essa tarefa são mostrados
a seguir, nas diferentes etapas que fizeram parte do processo de escrita da
narrativa biográfica em língua inglesa.
Vinheta 6
Eu começava sempre delimitando o que eu queria contar, os acontecimentos, depois eu
repassava as cenas do que havia acontecido e começava a escrever já em inglês usando um
tradutor para palavras desconhecidas e a tabela de verbos, por último eu fazia uma rápida
correção e mudava algumas coisas necessárias.
A organização da escrita de Kitty envolvia a seleção dos eventos que
seriam narrados, em seguida, ela reorganizava a sequência e a forma como
seriam apresentados. A escrita seguia o próximo passo diretamente na língua
inglesa, sendo mediada pelo uso de um tradutor e uma lista de verbos em
língua inglesa. Como se sabe, o uso de tradutores em atividades de escrita em
uma nova língua são cada vez mais frequentes pela maneira como facilitam
o acesso à tradução de termos e trechos mais longos. Mesmo não sendo algo
recomendado, especialmente para alunos em fase inicial de escrita na nova
língua, Kitty cita o uso do tradutor, mas não detalha de que forma ele estava
presente ou com que frequência ela o utilizava. Como a correção não envolvia
apenas sugestões sobre aspectos linguísticos, mas também sobre os temas
abordados por Kitty, a produção escrita era incentivada, pelos comentários do
professor, priorizando a escrita criativa, ou seja, evitando recursos tradutórios
como aplicativos e sites. Ao ponderar sobre a versão completa de sua
autobiografia, a aluna faz outro relato acerca do texto que produziu ao longo
da disciplina.
Vinheta 7
Eu fiquei feliz com o resultado porque consegui passar principalmente os sentimentos e
sensações pelas palavras (eu acho), mas apesar disso eu acho que deveria ter falado sobre mais
acontecimentos, pois me pareceu que a biografia ficou muito breve.
A descrição de sua autobiografia reflete duas questões distintas.
Enquanto ela se sentiu satisfeita pela maneira como se expressou ao longo
88
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

de seu texto (sentimentos e sensações), sentiu que sua produção final estava
breve, ou seja, a sensação de que ela poderia ter contado outras histórias,
narrado outros eventos. Na vinheta oito, a estudante faz outras considerações
sobre falar da própria história.
Vinheta 8
Sim, para mim foi uma ótima experiência então eu gostaria de repassar para que outros
alunos pudessem ter a sensação que eu tive ao escrever sobre meu passado.
Nessas ponderações, Kitty conclui que foi capaz de cumprir todas as
etapas, sem desconsiderar suas dificuldades ao longo do caminho. Como citou
anteriormente, a produção da autobiografia envolveu diferentes sensações e
despertou nela diferentes momentos, das lembranças mais antigas até os dias
atuais quando observa suas dificuldades enquanto aprende língua inglesa. Em
seu relato, Kitty menciona que gostaria que outras pessoas (e outros alunos
de Letras) tivessem a mesma oportunidade de escrever um pouco da própria
história, vivenciando algumas das sensações que ela relatou, salientando suas
impressões da atividade realizada.

Outras escritas
A análise dos relatos na sessão anterior considerou apenas um recorte
na trajetória de uma pessoa que ainda continua escrevendo nas diferentes
situações e nos diferentes contextos em que interage. Enquanto uma categoria
dinâmica, o sentido sobre escrever pode se transformar, mesmo assim, o
estudo desse aspecto subjetivo possibilita compreender a dinâmica entre o
agir e o pensar das pessoas. Do ponto de vista da escrita, a análise revela a
importância do engajamento para que escrever faça sentido.
A proposta pedagógica apresentada teve sua introdução a partir de uma
obra que ressalta o valor da escrita pessoal, de caráter subjetivo e de registro
biográfico. Uma obra que transcende o relato pessoal e dialoga com um período
marcante da história em sociedade. Os primeiros traços do sentido sinalizam
o entendimento da escrita com valor para si, o sentido de autoconhecimento.
A temática envolve e preenche as ações da estudante que pensa nas próprias
histórias, seleciona fatos e, posteriormente passa a reorganizar esses relatos em
uma nova língua, com palavras novas e distintas, parte de sua aprendizagem
da língua inglesa.
Nessa perspectiva, a atividade sugere o sentido de retrospectiva, revela
uma tonalidade afetiva que adquire mais cor nas memórias de infância e
adolescência. Essa atividade escrita, no entanto, não se resumiu em apenas
reviver momentos, pois a atividade também foi atravessada pela sensação de
insegurança ao perceber que ainda estava em fase inicial de aprendizagem.
89
Entremeios da Educação Contemporânea

Ser capaz de produzir seu texto nas diferentes etapas de escrita e reescrita, no
entanto, fortalecem o sentido de que o objeto de sua atividade foi alcançado,
apesar das dificuldades relatadas e que são compreensíveis no processo de
aprender.
Escrever, em seu ponto de vista, torna-se um desafio que a aluna
aceita e encontra propósito. Ela articula diferentes operações (condições) para
sua atividade (seleciona exemplos mentalmente, esboça em inglês algumas
ideias, utiliza recursos para mediar a falta de vocabulário em inglês, dentre
outros exemplos). Ao final da disciplina, ela descreve satisfação em produzir
sua autobiografia em língua inglesa e a recomendação que outros aprendizes
vivenciassem o mesmo processo. A atividade revela seus propósitos, a aluna
percebe o objeto da atividade e a partir de diferentes motivos elabora seu
texto em uma nova língua. Seu relato revela ainda a satisfação de conseguir
comunicar sentimentos e sensações que fizeram parte daqueles momentos,
tanto no presente de escrever histórias quanto no passado de relembrar cada
uma delas.
Para o ensino de línguas em geral, a perspectiva do sujeito sobre sua
escrita, durante sua prática de escrever textos, é uma oportunidade potencial
para compreender não apenas as eventuais dificuldades, mas também as forças
energizantes (motivos) e as operações que são mobilizadas para alcançar um
objetivo centrado na escrita em uma nova língua. Para o professor, no entanto,
não basta apenas a identificação ou o reconhecimento dos elementos que fazem
parte do processo, não basta apenas reconhecer que existem, por exemplo,
dificuldades. Uma das contribuições é que esse tipo de atividade favorece uma
dimensão subjetiva que nem sempre fica evidente ou disponível ao professor
enquanto os alunos produzem seus textos. É preciso incentivar que os alunos
comuniquem suas impressões e suas vivências ao longo do processo da escrita.
O estudo do sentido pode contribuir na direção de planejamento e
reorganização das propostas didáticas, uma vez que a partir disso é possível
considerar quais os fatores essenciais para propiciar uma escrita engajada.
Este estudo forneceu alguns exemplos como o papel da temática, de forma
que o sujeito estabeleça alguma identificação. Todavia, quando este não
for o caso, que os alunos desenvolvam também o entendimento que sua
escrita também envolve questões distantes de sua realidade imediata, e que
aprendam as complexidades de outros gêneros, de outros temas e outros tipos
de conhecimento. E que no processo dinâmico de desenvolvimento da escrita,
todos esses desafios possam encontrar seu espaço nas mais variadas propostas
didáticas pensadas por diferentes professores.
90
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

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Entremeios da Educação Contemporânea

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NAS TEIAS DE ANANSE: (DES) COMPASSOS
ENTRE A MATERIALIZAÇÃO DOS MARCOS
LEGAIS E O CORPO NEGRO COMO MARCA
IDENTITÁRIA NA EDUCAÇÃO

Herlan Smith1

Zélia, Ananse e a contextualização do debate

H á alguns anos atrás, ouvi a minha mãe falar a respeito de uma


professora sua, que estava ministrando uma disciplina sobre
História da Arte, no curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará.
Ela relatava o quão importante estava sendo não só a presença da disciplina
na grade curricular, mas quem a ministrava, isto é, a professora doutora Zélia
Amador de Deus. Segundo o que pude observar através das narrativas a mim
repassadas, a professora, na verdade, acabou alterando de forma significativa o
olhar da turma de professores em educação continuada para com o trato das
questões relativas a educação e relações e étnico raciais.
O ponto alto nessa trajetória de aprendizado remonta um episódio
especifico em que Zélia, ao discutir sobre identidade negra nas Artes,
percebera que alguns alunos daquela turma não se reconheciam enquanto
negros, seja pela relação fenotípica ou por se alienarem da condição política,
social, econômica e cultural de inferiorizarão da população negra, ainda que a
primeira relação, a partir do pensamento de Munanga (2004), seja insuficiente
para determinar as relações de pertença para com a identidade negra, tendo
em vista que o pseudo conceito biológico de raça já foi superado.
Ao se deparar com este desafio, Zélia construiu com a turma e
especificamente com os alunos negros um debate necessário para fazê-los
compreender o contexto em que expressões como “moreno”, “mulato”,
“mestiço”, e etc., abraçadas por eles até então, foram criadas e a maneira
com que estas são utilizadas pelo inconsciente coletivo como ferramentas
necessárias para negar identidades negras.
O saldo positivo da disciplina, junto aos alunos, desencadeou em

1 Graduando em História – Licenciatura na Universidade Federal do Pará - UFPA, e-mail:


[email protected]
94
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

uma recusa no que há de mais perverso no racismo estrutural, ou seja, os


fez reconhecerem-se como negros. Tarefa que, como aponta Souza (1983),
é de difícil e tardia realização, uma vez que o pensamento do sujeito negro,
parasitado pelo fenômeno do racismo, faz com que o prazer de reconhecer-se
como tal seja secundário na vida do corpo e da mente. Sendo assim, “tornar-se
negro”, conforme a autora, não é apenas uma questão de autoidentificação,
mas uma luta contra a violência racista, que é sistêmica.
Pouco tempo depois, ao pesquisar sobre quem era Zélia, descobri a
amplitude de sua importância não só como professora, mas enquanto militante
ativa nos direitos da população negra no Brasil e de forma delimitada, na
Amazônia. Pouco sei sobre sua vida pessoal, mas sua tese de doutoramento
em Ciências Sociais - com enfase em Antropologia - pela Universidade Federal
do Pará, intitulada “Os Herdeiros de Ananse - movimento negro, ações
afirmativas e cotas para negros na universidade” é o que entrelaça parte desse
ensaio.
Em seu trabalho, Amador de Deus (2008) utiliza o mito de Ananse,
da cultura fanthi-ashanti, como uma metáfora para estabelecer os símbolos
das ações afirmativas de resistência travadas pelos povos africanos e também
por seus descendentes na América, particularmente no Brasil. Partindo das
narrativas de Ananse - a metamorfose Aranha da Deusa Aranã -, a autora, a
partir de um relato etnográfico trás para o debate a luta dos “herdeiros” de
Ananse contra o racismo. Em linguagem metafórica chega a conclusão de
que as teias tecidas pela deusa-aranha, através de seus herdeiros, culminaram
na inserção na agenda do estado brasileiro o reconhecimento do racismo e da
discriminação racial, também na elaboração de políticas de ação afirmativa,
com destaque especial à criação de um sistema de cotas nas universidades
públicas.
Tendo como parâmetro o empréstimo da narrativa mitológica
utilizada por Zélia, este ensaio tem como objetivo discutir os (des)caminhos
entre o que se estabelece através dos marcos legais e o corpo negro como
marca identitária na educação, por intermédio da seguinte problemática: se
existem marcos legais que estabelecem as diretrizes necessárias para o ensino
obrigatório da História e Cultura afro brasileira e indígena nas escolas - como
a Lei 10.639/2003 e posteriormente a Lei 11.645/2008 -, por que a educação
e, sobretudo, a educação pública, ainda se mostra insuficiente para com o
trato com o racismo? Para isso, este trabalho estará dividido em duas sessões
simbólicas.
No primeiro momento, é contextualizada a narrativa mitológica,
enquanto alegoria metafórica que está no limiar central dessa reflexão e a suas
aproximações para com a lei 10.639/2003 como uma conquista dos “herdeiros
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Entremeios da Educação Contemporânea

de Ananse”. Após traçar as aproximações entre ambos, é feita uma reflexão


sobre os desencontros desses processos e a persistência do racismo na educação
e, sobretudo, nas escolas. Nossa hipótese para que essa persistência racista
permaneça nas instituições públicas de ensino básico remonta as tramas do
estado neoliberal, que no ato de se desresponsabilizar das políticas públicas,
enfraquece a materialização efetiva das próprias leis que cria. Nas linhas finais,
levando em conta esse contexto, propomos algumas estratégias de intervenção.

“O Baú de histórias pertence a Ananse” - marcos legais nas teias do


mito
Mas, de fato, o que diz o mito africano de Ananse? O conto ou mito
remonta a um período em que as pessoas não tinham história para contar.
O mundo inteiro era escasso de histórias. Incomodada com esta situação,
certa vez, a aranha Kwaku Ananse, que era a representação aranha da Deusa
Aranã na terra, quis reverter a situação tentando comprar as histórias de
Nyankonpon, o Deus do céu, que as guardava em um baú de ouro. Sendo
assim, Ananse foi ao seu encontro, tecendo uma teia até chegar no céu, aonde
o detentor de histórias morava.
Ao chegar, propôs a ele que queria comprar as suas histórias.
Nyankonpon caiu na gargalhada junto com as pessoas presentes, mas depois
disse a Ananse que suas histórias tinham um valor que ninguém, até então,
pôde pagar. A aranha, inquieta, perguntou-lhe então que preço era esse.
Nyankopon respondeu a Ananse que se ela trouxesse respectivamente Onini,
a grande jiboia; Osebo, o leopardo de dentes terríveis, Mmboro as vespas que
picam como fogo, e Mmoatia o espírito que nenhum homem viu, lhe daria
em troca o baú cheio de histórias. Determinada, Ananse dissera que pagaria o
preço pelo seu objeto de tanto desejo.
O rei dos céus reagiu novamente com hilaridade, uma vez que, até
mesmo os outros deuses nunca conseguiram capturar o que ele pedia em troca
das histórias. Pequenina, porém astuta, Ananse após muito tramar, capturara
Onimi, Osebo, Mmboro e Mmoatia. Cada um através de um plano específico.
Os colocou em um grande saco e no dia seguinte teceu uma teia novamente
até o palácio de Nyankonpon, no céu.
O detentor do baú de histórias estava dando uma grande festa em seu
palácio neste dia, mas ao ver a pequena aranha com o “pagamento” disse:
Vejam só! É Ananse, que é pequenina, mas seu tamanho não condiz com
sua astúcia. Capturou o que lhe pedi como pagamento das histórias. Reis
e Deuses já tentaram, mas nenhum teve a expertise de Ananse. De hoje em
diante presenteio Kwaku Ananse com minhas histórias, que serão chamadas de
“Histórias da Aranha”! – E deu a Ananse a preciosa urna, com novas histórias,
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Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

que ela levou para a terra.


Ananse desceu levando o baú. Quando chegou na aldeia onde morava,
o abriu, tirou uma história e contou a alguém. Depois tirou outra e contou
novamente. A medida que Ananse contava as histórias, ela dava para as
pessoas, mas as narrativas também não as deixavam de lhe pertencer. Por que
as histórias, segundo o mito de Ananse, são assim: quando eu partilho a minha
história com alguém, essa pessoa tem uma história, mas ela continua sendo
minha também. E foi nesse movimento de multiplicação, que as histórias
de Ananse atravessaram todo o continente africano e cruzaram o oceano,
chagando a Europa, a Ásia, as Américas, ao Brasil, até nós.
Mas em que sentido uma narrativa alegórica tem a ver com o debate
sobre as lutas empreendidas pelos povos negros? Como podemos relacionar a
problemática aqui levantada a partir de Ananse? Segundo Rocha (1999 Apud
Amador De Deus 2008), antropólogo colombiano, o mito de Ananse faz parte
do que ele cognomina por “vestígios de Africanismo”. Conforme o autor,
esses vestígios foram trazidos pelos africanos escravizados para as Américas.
Taís vestígios tiveram uma importância central para que estes africanos e seus
descendentes pudessem realizar uma dupla reconstrução no contexto pós-
diáspora, essa reconstrução foi tanto em termos individuais quanto coletivos e
se concretizaram a partir da memória.
O que Amador de Deus (2008) também afirma em sua tese é que
no processo de diáspora forçada, a memória coletiva dos povos africanos foi
sucumbida pelo poder e os dominadores se tornaram donos da memória e do
esquecimento. Contudo, a autora, enfatiza que a reelaboração da memória
pessoal e coletiva causada pela diáspora forçada interviu tanto na ordenação
dos próprios vestígios - como o mito de Ananse - quanto em suas releituras.
Nessa perspectiva, a partir do pensamento de Amador, a narrativa de
Ananse pode ser utilizada como uma metáfora resultante desse fenômeno
social cultural, em decorrência do tráfico de negros. Portanto, assim como
a memória foi importante para que Ananse pudesse repassar as histórias
para outras pessoas, ela também se configurou enquanto uma ferramenta
preponderante no processo de reconstrução coletiva dos povos negros pós-
diáspora e mais tarde na luta para a conquista dos direitos que Amador de
Deus (2008) pontua em sua tese, como a inserção da temática racial na agenda
do estado Brasileiro e na criação de uma política de cotas nas universidades.
A partir do pensamento da autora, é possível inferir, então, que a
narrativa alegórica se relaciona com as lutas empreendidas pelos povos negros,
por que as conquistas pós-diáspora, nessa linguagem metafórica, são resultantes
dos “vestígios africanistas” que centralizaram a reconstrução, sobretudo
coletiva, dos povos negros a partir desse processo de deslocamento forçado.
97
Entremeios da Educação Contemporânea

Desse modo, assim como a centralização do racismo e da discriminação


racial na agenda do poder público e na criação de um sistema que fomenta a
entrada de pessoas negras nas universidades, tendo como base as premissas de
Amador de Deus (2008), a Lei 10.639/2003, pode ser considerada também
enquanto uma conquista dos “filhos de Ananse”, isto é, como um elemento
que faz parte do processo de “reconstrução” coletiva da população negra pós
escravidão. Mas em quê consiste tal marco legal? O que é instituído a partir
dele? Em que contexto se aplica?
A Lei 10.639/2003 versa sobre o ensino o ensino da cultura e história
Afro-brasileira nas escolas. Aprovada em 09 de Janeiro de 2003, segundo
Almeida e Sanchez (2017), a lei 10.639/2003 faz alterações na lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional para instaurar a implementação obrigatória do
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas públicas e privadas
de Ensino Fundamental e Médio, bem como também estabelece algumas
especificações pertinentes.
Sua criação e aprovação é reflexo de um histórico de lutas dos
movimentos negros no país, que conforme salientam Almeida e Sanchez
(2017), tanto passam a reconhecer quanto buscam reparar as desigualdades
sociais entre as populações brancas e negras no país. Essa reparação foi,
portanto, importante em dois sentidos. Primeiramente, pois, entende que a
educação também é um campo para reproduzir desigualdades sócio raciais e
em segundo lugar, por que se apresenta enquanto uma soma no conjunto de
política de ações afirmativas, importantes para a equidade racial no país, tal
qual nos lembra Amador de Deus (2008).
Ao compreendermos a lei como uma ferramenta que enxerga o campo
da educação também enquanto um lócus de manutenção e reprodução de
desigualdades sociais e raciais, a Lei 10.639/2003 mostrou-se eficaz no sentido
de questionar as ausências deixada nos currículos educacionais em relação a
história e cultura afro-brasileira, que só traziam o protagonismo negro, nos
livros didáticos, por exemplo, apenas quando as temáticas envolviam o debate
sobre escravidão negra no Brasil.
À luz do pensamento de Almeida e Sanchez (2017), então, a Lei
10.639/2003 foi uma maneira de se questionar o currículo oficial, entendendo
que é por meio dele que se escolhem as prioridades do que se deve ensinar ou
não dentro da escola e que, por isso, historicamente houve uma naturalização
de seus conteúdos selecionados como uma representação de uma única
verdade. Ao escamotear o protagonismo negro no processo de formação do
Brasil, antes da lei, em vistas teóricas, os currículos, então, consequentemente
naturalizavam a figura do negro como um sujeito histórico que só existiu
durante a escravidão forçada.
98
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Compreendemos a Lei supracitada enquanto uma ação afirmativa, pois


esta, a partir do pensamento de Gomes (2001), tem como objetivo induzir
a transformações de caráter cultural, pedagógico e psicológico, visando a
retirar do imaginário coletivo a ideia de supremacia racial em detrimento
da subordinação da população negra, coibindo a discriminação, procurando
sanar os efeitos da discriminação construída no passado ao objetivar a
ampliação representativa dos grupos minoritários em diversos setores como,
por exemplo, na educação, que é o enfoque desta lei.
Sendo assim, a partir desse questionamento do currículo, a lei a não
só trás para o centro das grades curriculares a história e cultura afro-brasileira,
mas também as próprias identidades negras que se relacionam com estes novos
parâmetros curriculares, o que até em termos de representação psíquica é
pertinente, haja vista que, como salienta Souza (1983), o sujeito negro, afetado
pelo racismo sistêmico, dissocia a percepção de sua representação psíquica, o
que culmina no afastamento de sua identidade negra, criando, conforme a
autora, por intermédio de sua representação a partir de uma estrutura social
racista um “ponto cego”, responsável por dissipar os traços das imagens e ideias
que constroem a sua identidade. Diante deste parâmetro teórico, o currículo
sob o ponto de vista dessa legislação, seria uma ferramenta-espelho em que
estudantes negros pudessem, enfim, “tornarem-se negros”, como podemos
pressupor a partir das premissas de Souza (1983).
Contudo, a lei, por si só, não garante que a sua materialização aconteça
efetivamente dentro das escolas ou, termos mais gerais, a partir do âmbito
da educação e inúmeros são os episódios de racismos que acontecem nas
instituições de ensino público que comprovam essa afirmação, sobretudo, nas
escolas de educação básica. Vale ressaltar que, por intermédio do pensamento
de Moore (2007) - que faz uma contextualização dos conceitos de raça,
racismo, identidade e etnia -, racismo não se restringe apenas à esfera de uma
injúria por fenótipo, mas a um sistema estrutural que blinda os privilégios
de um segmento hegemônico da sociedade, vedando o acesso da população
negra a recursos vitais, como a educação, serviços públicos, serviços sociais, e
etc. Desta maneira, o fenômeno do racismo classifica e hierarquiza os grupos
humanos, resultando através dessa dinâmica, na inferiorização naturalizada da
população negra.
Essa inferiorização naturalizada de pessoas negras na escola, por
exemplo, pode ser verificada através da análise que Senna (2018) faz em duas
coleções de livros didáticos de História para os três anos do ensino médio,
onde ao tomar com problemática a presença da mulher negras nessas coleções,
investiga com que frequência negras aparecem nos LDH’s e a maneira como
esse enquadramento de representação acontece.
99
Entremeios da Educação Contemporânea

Ao analisar minuciosamente cada página de ambas as coleções, Senna,


afirma que maior parte das imagens relacionadas a mulher negra encontradas
fazem alusão a escravidão. Em toda a primeira coleção, das 24 vezes em que
a mulher negra aparece 14 imagens são sobre a mulher negra na condição de
escrava, 04 são sobre imagens negativas e apenas 5 são contemplando uma
representação mais positiva.
A autora ainda nos mostra que homens negros aparecem 50 vezes,
mulheres brancas – 94 vezes - e homens brancos, 258 vezes. Analisando
a outra coleção, a autora afirma que em ambas, 62,5% das representações
remetem a mulher em condição de escrava. Tendo essas análises como
parâmetro, a autora concluiu que os livros didáticos ainda se configuram como
ferramentas ideológicas, que apresentam saberes e representações selecionadas,
demonstrando a continuidade de “colonialidades” que persistem.
Outro exemplo dessa inferiorização negra naturalizada nas escolas pode
ser observada através do trabalho de Guedes (2018), que através da sua prática
docente em uma escola pública localizada em contexto rural do município
de Ipixuna do Pará, percebeu que a querela, causada pelo racismo estrutural,
que faz com que pessoas negras não se reconheçam partir de suas próprias
identidades, era cabal dentro da comunidade escolar em que atuava.
Ao passar questionários e avaliar a auto percepção dos alunos da
educação básica, constatou que todos se identificavam como “pardos” e não
enquanto negros. Por intermédio da problematização dessa realidade particular
e de uma análise histórica, a autora chega a conclusão de que tanto o esforço
da colonização portuguesa e do estado brasileiro ao invisibilizar a identidade
do povo negro através de uma “maquiagem” que resultou em categorias
“branqueadas” ou não-negras- como a figura do “pardo”, mas também na
falta de efetivação dos currículos e na não representação negra nos materiais
didáticos, culminou na realidade vivenciada na escola objeto de sua análise.
O terceiro e último exemplo dessa naturalização está presente no
trabalho de Nascimento (2019), em seu artigo de conclusão de especialização,
intitulado “Desafios de Educação Ambiental – Uma abordagem cultural
no Ensino Fundamental Menor - Ananindeua/ Pa”, em que buscar debater
práticas alternativas em Educação Ambiental a partir de uma intervenção
pedagógica, em uma escola pública do município, tentando contemplar uma
discussão étnico racial, no dia da Consciência Negra, abordando a preservação
ambiental tendo como parâmetro a mitologia Iorubá, na figura dos Orixás.
Através de uma contação de história que relacionava os Orixás com os
elementos da natureza representados por fotografias das espacialidades em que
a escola está localizada, a autora tentando deixar materializado o sentimento
de preservação do meio ambiente, confeccionou amuletos com os símbolos
100
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

dos Orixás abordados nas histórias e através de uma votação espontânea alguns
alunos os receberam, com a promessa simbólica e alusiva de que a partir de
então seriam “guardiães” da natureza.
Contudo, tanto a escola, como os pais de alguns discentes reagiram
negativamente em relação à atividade desenvolvida e os amuletos tiveram
que ser recolhidos dias depois. A partir desse episódio, Nascimento (2019)
concluiu que a escola analisada, como representação da educação pública
brasileira, está limitada a enfrentar as desigualdades raciais, uma vez que as
reproduz como reproduziu ao negligenciar um caso de racismo.
Em todos esses três exemplos citados, a criação da Lei 10.639/2003
não foi impedimento para que casos de racismos pudessem acontecer dentro
das escolas públicas de educação básica do país. A lei, portanto, está em um
campo legal que nem sempre ou na maioria das vezes pode ser materializada
na realidade da educação pública brasileira. A persistência do racismo, nem
sempre velado, que aparece nos trabalhos de Senna (2018), Guedes (2018)
e Nascimento (2019) comprovam os desencontros entre os marcos legais e
o corpo negro como marca identitária invisibilizada na educação. Isso não
significa dizer que a existência e a criação da lei citada não sejam importantes,
mas pressupõe reconhecer que a sua aplicabilidade necessita ser mais eficaz e
que o estado brasileiro, como instância responsável e que reconhece o racismo
em sua agenda, precisa criar mecanismos que fomentem a operacionalização
das ações afirmativas, principalmente dentro das instituições de ensino básico
e públicas do país.
Todavia, essa posição estatal não é e nem pode ser efetivada, haja
vista os próprios moldes de configuração atual do estado, centrado em uma
configuração neoliberal, onde a escola, segundo a ótica de Menezes e Lavergne
(2018), através dessa conjuntura esbarra no que as autoras chamam de o
“paradoxo do imperativo da inclusão”, que reflete a uma maneira de “incluir”
“excluindo” as diferenças, como as raciais, por exemplo. De acordo com a
argumentação das autoras, abraçar as diferentes diferenças somente através
da criação de ações afirmativas legais, se constitui na “[...] forma política e
economicamente mais barata de prestar contas com um povo que até os fins
do século XX permanecia sem os direitos sociais mais básicos.” (MENEZES e
LAVERGNE, 2018, p. 110).
Dentro dessa perspectiva, a hipótese aqui defendida para pensar
a persistência das violências racistas nas instituições públicas de ensino
básico remonta as tramas do próprio estado neoliberal, que no ato de se
desresponsabilizar das políticas públicas, enfraquece a materialização efetiva
das próprias leis que cria, como a Lei 10.639/2003, como se apenas criar
marcos regulatórios pudesse ser capaz de aniquilar com problemas estruturais
101
Entremeios da Educação Contemporânea

na sociedade, tal qual o racismo. Sendo assim, é pertinente reconhecer a


seguinte compreensão-movimento importante para pensar esse contexto:
ações afirmativas são reflexos de lutas históricas da população negra, como
nos lembra Amador de Deus (2008).
Contudo, a população negra e os movimentos sociais que lidam com
pautas raciais não podem se contentar apenas com a criação de marcos legais,
pois como vimos através dos exemplos contextualizados, só as leis não são
capazes de desestruturar um problema estruturado socialmente, quiçá são
formas de fazer com que o estado reconheça que tais problemas existem.
O fenômeno do racismo, como pressupõe Moore (2007), está longe de ser
superado, mas a luta pela pluralidade racial, o embate em prol da afirmação
da diferença e a combate contra o racismo deve ser um fator permanente na
sociedade.
Diante dessa perspectiva, quais estratégias de intervenção podemos
pensar para combater esses desencontros entre os marcos legais e o corpo
negro como marca identitária invisibilizada na educação, reconhecendo
que culpa pela não operacionalização da Lei 10.639/2003 não está somente
na comunidade escolar si, nem somente nas práticas docentes, mas em um
“desleixo” estatal travestido de política de inclusão? É desafiador pensar em
uma única resposta que possa contemplar assertivamente tal questionamento,
uma vez que as realidades escolares são finitas e, portanto, diversas, mas
tendo como parâmetro especificamente o ensino de História, é possível
mapear algumas estratégias elementares para confrontar tal desencontro e
tornar visível o corpo negro, de fato, enquanto uma marca identitária que
deve estar presente na educação. Sendo assim, a partir do ensino de História
precisa(mos):
- Retirar a população negra do passado estático e congelado da
escravidão perpetuado nos materiais didáticos e temas definidos através de
currículos com posturas coloniais;
- Realizar uma prática docente capaz de fomentar a curiosidade
problematizadora dos alunos em questionar os livros didáticos, os fazendo
entrar em contato com a realidade negra invisibilizada;
- Promover um ensino de História que abandone, de fato, o imaginário
raciológico ancorado em uma pseudodemocracia racial;
- Facilitar a compreensão, a partir de temas transversais ao ensino de
História, de que o racismo é um fenômeno estrutural, que nega recursos vitais
para a população negra;
- Criar propostas pedagógicas que retirem a historicidade, a cultura, e
as práticas religiosas afro-brasileiras do pantanal “exótico”, que só é retirado da
gaveta em dias alusivos à consciência negra;
102
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Considerações finais
Como vimos, no decorrer deste ensaio, o fenômeno do racismo é
estrutural e seu combate, portanto, também deve ser multifacetado, como nos
sugere Moore (2007), no entanto, essas são algumas estratégias de intervenção
a partir do Ensino de História. À vista disso, pressupomos que a Educação
através do ensino de História e direcionada para essas estratégias possa
produzir reflexos nas relações escolares e sociais futuras, que serão vividas
por sujeitos que terão novos olhares ou olhares mais atentos para as questões
raciais, entendendo minimamente como as dinâmicas do racismo afetam suas
vivências e partir disso, lutando para transformar não o mundo, mas os locais
em que vivem.
Vimos inicialmente como os vestígios africanistas, como a narrativa de
Ananse, foram primordiais para a população negra pudesse se reconstruir pós
diáspora, pós escravidão, tendo na memória, um mecanismo para continuar
lutando para recontar histórias. As estratégias acima citadas, nessa relação
com a linguagem mitológica, podem ser ações vitais para que através do
ensino de História os “herdeiros de Ananse” possam em contato com práticas
anticoloniais, possam continuar contando suas narrativas, mas, de fato,
não mais sob a perspectiva dos dominadores. Assim, é possível sanar os não
encontros entre as leis as identidades negras na educação.

Referências

AMADOR DE DEUS, Zélia. Os herdeiros de Ananse: Movimento negro,


ações afirmativas, cotas para negros nas universidades / Zélia Amador de
Deus. Tese de Doutorado – Universidade Federal do Pará, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós Graduação em Ciências
Sociais – Belém, 2008.

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para a transformação social. Pro-Posições, Campinas, v. 28, n. 1, p. 55-80,
Abr. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
73072017000100055&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em 19 de
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entender o Racismo. Belo Horizonte Mazza Edições, 2007, p. 279-293.

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e invisibilidade na Escola Bom Pastor, Ipixuna do Pará. TCC (Especialização
e Ensino de História) – Faculdade de História/ Campus d Ananindeua,
103
Entremeios da Educação Contemporânea

Ananindeua-PA, 2018.

GOMES, J. B. B. Ação Afirmativa e princípio constitucional da


igualdade: o direito como instrumento de transformação social. Rio de
Jeneiro, RJ: Renovar, 2001.

MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual da noções de


raça, racismo, identidade e etnia. Programa d educação sobre o negro na
sociedade brasileira, Niterói, [S.l s.n.], 2004, p. 117.

MENESES, Bernadete de L. R.; LAVERGNE, Rémi Fernand. Racismo e


Educação no Brasil. Recife: Ed. UFPE, 2018, p. 109-136.

NASCIMENTO, Vanessa Santos do. Desafios de educação ambiental:


uma abordagem cultural no Ensino Fundamental Menor – Ananindeua/
PA. TCC (Especialização em Geografia e Meio Ambiente) – Faculdade de
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SOUSA, Neusa Santos. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do


negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1993.

SENNA, Daniela de Oliveira. Onde está Tereza? A “presença” da mulher


negra no livro didático. TCC (Especialização e Ensino de História) –
Faculdade de História/ Campus d Ananindeua, Ananindeua-PA, 2018.
FORMAÇÃO DOCENTE PARA A INCLUSÃO:
PERCEPÇÃO DE PROFESSORES CAPACITADOS
DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL

Amanda Muller Tornich 1


Jacqueline Lidiane de Souza Prais2

Introdução

N o Brasil, a inclusão de alunos público-alvo da Educação Especial


em classes comuns do ensino regular tem sido a realidade de
muitas famílias, escolas e professores. Denominada como um novo paradigma
educacional a inclusão escolar tem como base para a sua consolidação
Declaração Mundial de Educação para Todos (UNESCO, 1990) e a
Declaração de Salamanca – Princípios, Políticas e Práticas em Educação
(UNESCO, 1994).
Desde a década de 1990 aos dias atuais, a inclusão consiste na educação
escolar e desenvolvimento de todos alunos no ensino regular, identificando as
singularidades e valorizando a diversidade no processo educativo. A inclusão
difere da perspectiva da integração, que predominou antes da década de
1990, que visava apenas adaptações dos procedimentos pedagógicos diante
das dificuldades causadas pelas deficiências dos alunos.
Assim, surgem terminologias para especificar os grupos pertencentes
no contexto da inclusão escolar. Por um lado, a Declaração de Salamanca
(UNESCO, 1994) indica a abrangência dos alunos com Necessidades
Educacionais Especiais (NEE) que se refere aos alunos com necessidades
educativas originárias de sua deficiência e/ou de sua dificuldade de
aprendizagem, sejam elas de origem biológica/congênita ou pelo contexto
social.
Do outro lado, a legislação brasileira referente a Educação Especial
na perspectiva inclusiva, fixa como público-alvo da Educação Especial: os
alunos com deficiência, Transtornos Globais do Desenvolvimento e altas

1 Pedagoga. Licenciada em Geografia. Especialista em Educação Especial e Inclusiva com ênfase


nos transtornos do neurodesenvolvimento. E-mail: [email protected]
2 Doutoranda em educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: jacqueline_
[email protected]
106
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

habilidades/superdotação, foco da inclusão devido à exclusão dos mesmos do


processo de escolarização no ensino regular (BRASIL, 1996). E, neste caso, os
alunos público-alvo da Educação Especial passam a ter assegurado o direito ao
Atendimento Educacional Especializado (AEE), dentre eles a Sala de Recursos
Multifuncionais (SRM).
A inclusão escolar tem como público-alvo todos os alunos, no entanto,
a pesquisa tem como foco os alunos com deficiência, Transtornos Globais
do Desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, que antes excluídos,
passam a ser incluídos no contexto regular de ensino, contando com os
serviços e apoios pedagógicos da Educação Especial (BRASIL, 2001).
Pela complexidade existente no processo pedagógico para as necessidades
de aprendizagem destes alunos, a inclusão escolar incide em romper com as
práticas pedagógicas da escola tradicional, em que os alunos são responsáveis por
se adaptarem aos padrões da sociedade, e levados, muitas vezes, a disfarçarem
as suas limitações para conseguirem vaga na escola. Assim, o movimento de
educação inclusiva exige profundas mudanças e transformações dos sistemas
de ensino, defendendo o direito de todos à educação, em que a sociedade
passa a ser responsável por se adaptar as necessidades de aprendizagem, e as
limitações não precisam ser disfarçadas para garantir vaga na escola.
A inclusão escolar não é caracterizada apenas na matrícula e presença
dos alunos público-alvo da Educação Especial em classes comuns, o objetivo
“[...] é tornar reconhecida e valorizada a diversidade como condição humana
favorecedora da aprendizagem [...]” (PRIETO, 2006, p. 40).
A efetivação da inclusão no contexto da sociedade brasileira não
constitui tarefa fácil. São necessárias muitas mudanças como: reestruturar as
escolas, propiciar procedimentos metodológicos que contemplem todos os
alunos, reorganizar pedagogicamente as escolas, respeitar o tempo dos alunos
no processo de aprendizagem e preparar o professor para a inclusão de alunos
público-alvo da Educação Especial, para não haver a exclusão.
Nessa perspectiva, o professor é a chave fundamental da inclusão escolar.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)
-nº 9.394/96, a formação passou a requisitar: “professores com especialização
adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem
como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos
nas classes comuns” (BRASIL, 1996, Art. 59, inciso III, grifo nosso).
A inclusão escolar de alunos público-alvo da Educação Especial em
classes comuns divide a opinião de professores. Mantoan (2015, p. 78) afirma
que “alguns professores sentem-se abalados profissionalmente pela inclusão;
outros; atraídos por sua coerência e arquitetura educacional”.
Nesse contexto, este capítulo tem por finalidade abordar uma
107
Entremeios da Educação Contemporânea

discussão sobre a formação docente para a inclusão, voltada para o professor


capacitado em classe comum do ensino regular. Entende-se que para uma
educação inclusiva, o professor não precisa ser conscientizado apenas sobre
as políticas de inclusão escolar, é necessário que a sua formação continuada
propicie análises e reflexões sobre as condições de trabalho, instigando novas
propostas pedagógicas que culminem para a efetivação da inclusão. Pois, em
sua formação inicial na graduação, é possível que os professores não tiveram
disciplinas voltadas para a educação inclusiva.
O objetivo desta investigação foi a de compreender as percepções
de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental com relação à sua
formação inicial e continuada para a inclusão escolar. Tem como objetivos
específicos: identificar os entendimentos de professores sobre a formação
e capacitação para atuar no contexto da inclusão educacional. Na busca
de respostas a esses questionamentos, realizou-se uma pesquisa de campo
qualitativa com professores de classes comuns do ensino regular, em uma
escola pública do interior do Estado de São Paulo.

Encaminhamento metodológico
Como encaminhamento metodológico, recorreu-se, então, a pesquisa
do tipo documental e de campo na modalidade descritiva. A pesquisa foi
realizada no ano de 2017, em uma escola pública do interior do Estado de
São Paulo.
A pesquisa documental teve como base a legislação de formação
docente para a inclusão escolar, sendo as Diretrizes Curriculares para a
Educação Especial, tendo como foco as atribuições do professor capacitado; e
a Resolução nº 02/2015, que apregoa as Diretrizes para a formação docente.
Para Fonseca (2002, apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 37) “[...] a
pesquisa documental recorre a fontes mais diversificadas e dispersas, sem
tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios,
documentos oficiais, cartas, filmes [...]”.
A pesquisa de campo na modalidade descritiva “[...] pretende descrever
fatos e fenômenos de determinada realidade” (TRIVIÑOS, 1987 apud
GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 35).
Como instrumento de coleta de dados, foi utilizado para este tipo de
pesquisa à entrevista e o questionário.
A entrevista foi realizada a partir de questões estruturadas com relação
à organização do município para a inclusão escolar, o trabalho desenvolvido
pelo professor especialista do AEE com os alunos público-alvo da Educação
Especial na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) e o trabalho do professor
108
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

especialista do AEE em conjunto com os professores capacitados das classes


comuns. Esta, por sua vez, foi realizada com o professor responsável pelo AEE
nas escolas do município contemplado nesta pesquisa, que será reportado pela
sigla PAEE para se referir à fala deste participante entrevistado.
No caso do questionário, este foi composto por seis questões dissertativas
contendo: i) sobre disciplinas referentes à inclusão educacional na formação
inicial, ii) buscou averiguar a formação continuada para a intervenção com
alunos com NEE e público-alvo da Educação Especial, iii) dizia respeito a
formação especializada em Educação Especial, iv) consistia em opinar sobre
a importância de disciplinas de educação inclusiva nos cursos de formação
docente, v) o participante deveria elencar as dificuldades dos professores com
a inclusão de alunos com NEE/público-alvo da Educação Especial em classes
comuns, e a vi) questão voltada para a opinião dos professores sobre a inclusão
de alunos com NEE/ alunos público-alvo da Educação Especial em classes
comuns.
O instrumento de coleta de dados (questionário) foi aplicado em uma
escola pública do interior do Estado de São Paulo, com 7 (sete) professores
de classes comuns do ensino regular. O critério para a escolha da escola foi
com base no percentual de alunos de público-alvo da educação especial em
uma perspectiva inclusiva. No que diz respeito à seleção dos professores foi
realizada uma verificação prévia com o professor do AEE, que elencou os
docentes que trabalham com alunos público-alvo da Educação Especial nas
classes comuns do ensino regular. Todos os professores foram codificados
nesta pesquisa pela letra P, seguido de um numeral de (1 a 7) para assegurar o
sigilo dos participantes.
As questões foram analisadas com base na análise de conteúdo. Para
Bardin (2011, p. 47) este tipo de interpretação dos dados designa:
um conjunto de técnicas de análise da comunicações visando a obter,
por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a interferência
de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens.
Nessa análise, Câmara (2013, p. 182) indica que “[...] o pesquisador
busca compreender as características, estruturas ou modelos que estão por trás
dos fragmentos de mensagens tornados em consideração [...]”.
A partir da análise de conteúdo, trabalhou-se com as seguintes
categorias: i) caracterização do campo de estudo e o perfil dos participantes; ii)
percepção dos docentes sobre a formação inicial e continuada para a inclusão;
e iii) percepção dos docentes quanto à inclusão educacional e os desafios na
prática pedagógica.
109
Entremeios da Educação Contemporânea

Resultados e discussão

Caracterização do campo de estudo e o perfil dos participantes


O município possui quatro escolas de anos iniciais do Ensino
Fundamental. Atualmente, apenas 1 (um) professor é responsável pelo AEE
das escolas, se deslocando de uma escola para outra (Escola 1, 2 e 3) para a
realização dos atendimentos na SRM dos alunos público-alvo da Educação
Especial, e os discentes da Escola 4 se deslocam para Escola 1 para o AEE.
O professor entrevistado (PAEE) possui formação em Pedagogia e curso
de Especialização em Educação Especial Inclusiva com ênfase na dificuldade
intelectual, atua há doze anos na docência, sendo que cinco anos no AEE
deste município.
O AEE de acordo com o Decreto nº 7.611/2011, caracteriza-se por
um “serviço da educação especial que identifica, elabora, e organiza recursos
pedagógicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena
participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas” (BRASIL,
2011). Ele pode ser oferecido de várias formas dentre elas, destaca-se a SRM
que realiza o “desenvolvimento de estratégias de aprendizagem, centradas em
um novo fazer pedagógico que favoreça a construção de conhecimentos pelos
alunos, subsidiando-os para que desenvolvam o currículo e participem da vida
escolar” (ALVES et al., 2006, p.13). Assim, exige-se que este atendimento
seja feito por um professor especialista na área de educação especial, para que
desenvolva atividades específicas e apoie o professor com os alunos na classe
comum.
Em entrevista com o professor do AEE, o mesmo destacou que apenas
uma escola possui SRM equipada com os materiais didáticos adequados,
enquanto que nas outras instituições o atendimento é realizado em salas
improvisadas e sem estrutura adequada (exemplo: sala do vice-diretor, sala dos
professores). O professor elencou que até um ano atrás, os alunos público-alvo
da Educação Especial eram matriculados apenas em uma escola, devido a sua
“estrutura”, e na visão do professor:
PAEE: “não é o aluno que tem que se adaptar a escola, pelo contrário, é a
escola que tem que se adaptar para o atendimento das NEEs dos alunos. No
município, a briga atualmente é pela descentralização dos alunos, pois cada
escola tem que se responsabilizar por seu aluno, e não transferi-lo devido à falta
de “estrutura”, isso não é inclusão educacional”.
O relato do professor do AEE deixa evidente a necessidade do
município em reestruturar as escolas. O fato de uma escola do município
possuir “estrutura” suficiente para atender as necessidades dos alunos público-
110
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

alvo da Educação Especial, não justifica que todos devem ser matriculados
na mesma escola, sendo que cada escola deve ser responsável por seu aluno
e lhe oferecer as condições necessárias as suas necessidades aprendizagem. A
inclusão na visão de Mantoan (2015, p. 62) é uma:
[...] inovação que implica um esforço de modernizar e reestruturar a natureza
atual da maioria de nossas escolas. Isso acontece à medida que as instituições
de ensino assumem que as dificuldades de alguns alunos não são apenas deles,
mas resultam, em grande, do modo como o ensino é ministrado e de como
aprendizagem é concebida e avaliada.
A partir da entrevista, o PAEE apresentou o percentual de alunos público-
alvo da Educação Especial presente em cada instituição de anos iniciais do
Ensino Fundamental do município. Isto representa a descentralização de
matrículas que era realizada anteriormente em apenas uma escola por aqueles
alunos público-alvo da Educação Especial. Para visualização desses dados, a
seguir apresenta-se uma tabela com o percentual de alunos público-alvo da
Educação Especial nessas escolas:

Tabela 1: Percentual de alunos público-alvo da Educação Especial presente em cada


instituição de anos iniciais do Ensino Fundamental do município

Alunos público-alvo da Percentual de


Escola Municipal Total de Alunos
Educação Especial Inclusão

Escola 1 433 28 6,5%

Escola 2 435 7 1,6%

Escola 3 287 7 2,5%

Escola 4 257 2 0,8%

Rede Municipal 1.412 44 3,12%

Fonte: Autoria própria, 2017.

O PAEE, especialista em Educação Especial, trabalha em conjunto com


os professores de classes comuns, com a adequação do currículo do professor,
adequação de procedimentos pedagógicos e materiais que atendam às
necessidades dos alunos público-alvo da Educação Especial, acompanhamento
do aluno com a família e orientações para os professores que atualmente
possuem estes alunos.
O PAEE destacou que “alguns professores rejeita a inclusão educacional,
111
Entremeios da Educação Contemporânea

enquanto que outros buscam seu aperfeiçoamento para trabalhar com os alunos”,
ou seja, aceitam o desafio da inclusão educacional no contexto do ensino
regular. A dificuldade para os professores, de acordo com o PAEE, é a quantidade
de alunos considerados por ele de “inclusão” em cada sala de aula, e somado a
isso, esta a estrutura do município em ter apenas um docente que atende estes
alunos na SRM e oferece (“tenta”) apoio pedagógico aos professores.
Com base na entrevista e nos dados apresentados pelo PAEE, o
questionário foi aplicado com 7 (sete) professores da Escola 1 que, por sua vez,
apresenta atualmente o maior percentual de alunos público-alvo da Educação
Especial em uma perspectiva inclusiva (6,5%).
Dentre os 7 (sete) professores participantes desta pesquisa têm se como
experiência profissional no exercício do magistério em média 10 anos, sendo 7
(sete) anos o menor tempo e 19 (dezenove) anos o maior tempo na docência.
No que diz respeito à formação inicial, 6 (seis) docentes são licenciados em
Pedagogia e um (1) professor licenciado em Educação Física.

Percepção dos docentes sobre a formação inicial e continuada para a inclusão


Em relação à preparação dos professores nos cursos de formação inicial
para a inclusão de alunos público-alvo da Educação Especial, 4 (quatro)
professores avaliaram que não foram preparados para incluir alunos com
NEE em suas classes. Em relação as disciplinas ofertadas por seus cursos de
formação, 3 (três) professores citaram as disciplinas de: Atividades Adaptadas,
Educação Inclusiva e Libras, indicadas como não suficientes para a sua atuação
pedagógica na inclusão escolar. Nesse aspecto, cabe ressaltar que a disciplina
de Libras é obrigatória em todos os cursos de formação de professores, fixada
pelo Decreto nº 5.626 (BRASIL, 2005).
Observa-se que os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental
“[...] carecem de uma formação em educação inclusiva, que deveria vir de todas
as disciplinas que compõem o currículo de formação inicial” (MANTOAN,
2015, p. 81). Os cursos de formação inicial de professores necessitam abordar
em suas grades curriculares, conteúdos de educação inclusiva que subsidiem
o trabalho dos professores com alunos público-alvo da Educação Especial.
Nessa perspectiva, a formação inicial de professores:
[...] funciona como uma lente que auxilia o professor a enxergar com maior
nitidez aspectos que constituem a subjetividade de seus alunos, ajudando-os a
desmistificar preconceitos e formular conceitos, colaborando ou não com sua
consciência crítica e seu compromisso com a construção de uma sociedade
mais justa e democrática (FERNANDES, 2013, p. 214).
No que se refere à formação continuada referente à inclusão escolar,
todos os professores realizaram cursos de formação continuada, devido aos seus
112
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

novos desafios, e todos possuem alunos público-alvo da Educação Especial em


suas classes. De tal modo, os professores indicaram a participação em cursos
de extensão, palestras e pós-graduação.
P1: “Sim”.

P2: “Sim, pós-graduação e encontros relacionados à educação especial ”.

P3: “Cursos de extensão em virtude de possuir alguns alunos com necessidades


educacionais especiais, na qual fui buscar para me capacitar frente aos desafios”.

P4: “Sim, após o término da minha graduação já iniciei o curso de pós-


graduação em psicopedagogia”.

P5: “Sim, participei de palestras e atualmente estou fazendo pós-graduação em


Educação Inclusiva”.

P6: “Sim, fiz pós-graduação em psicopedagogia”.

P7: “Sim”.
Nos relatos indicados acima, evidencia-se a preocupação dos professores
em buscar cursos de formação continuada para os desafios da inclusão escolar.
A partir das questões sobre os cursos de capacitação e de formação especialista
na área de Educação Especial, é perceptível que os professores optam por
realizar cursos de formação continuada, pois atuam em classes comuns com
alunos com NEE, dentre eles alunos público-alvo da Educação Especial.
A formação continuada é um dos pré-requisitos para a transformação
do professor, que de acordo com Fernandes (2013, p. 215), deve possibilitar
“[...] situações de análise e reflexão sobre suas próprias condições de trabalho e
suscite novas possibilidades de mediação no que se refere à prática pedagógica
com diferenças e deficiências, em movimento que não dissocie teorias e
práticas”.
Ao perguntar aos professores sobre formação especializada em
Educação Especial, 3 (três) professores relataram ter especialização nessa
área. O P2 possui curso de Especialização em Educação Especial Inclusiva
com ênfase na Dificuldade Intelectual e, P4 e o P6 curso de Especialização
em Psicopedagogia. Nessa questão cabe ressaltar que o fato de possuírem
especialização na área de educação inclusiva, não quer dizer que não possuem
dificuldades no trabalho com alunos com NEE em suas classes comuns.
Em relação à importância de os cursos de formação docente ofertarem
disciplinas de educação inclusiva, todos os professores avaliaram como
relevante, mediante a demanda de alunos público-alvo da Educação Especial,
bem como com NEE, nas classes comuns do ensino regular. O quadro a
seguir, apresenta as avaliações dos professores quanto à inserção de disciplinas
nos cursos de formação docente.
113
Entremeios da Educação Contemporânea

Quadro 1: Avaliações dos professores quanto à inserção de disciplinas nos cursos de


formação docente

Sim. Podem contribuir significativamente para a formação no trabalho com


P1 os alunos com NEE, além de repensar as práticas pedagógicas no contexto
de ensino e aprendizagem.
Sim. acredito que dá uma perspectiva muito boa do que está por vir, porém
P2
só trabalhando com alunos com NEE que se pode ter a dimensão exata.
A oferta é muito importante, porém deveria ser mais abrangente e específica,
P3
fortalecendo mais a prática docente frente aos inúmeros desafios.
Sim, devido a demanda de crianças que estamos recebendo se faz necessário,
P4
o professor se capacitar.
Sim, pois capacita o profissional para atuar nas diferentes situações com os
P5 alunos com NEE para melhorar o entendimento individual e progressão do
mesmo, assim como a autonomia.
Sim. Porque encontramos muitos alunos de inclusão na sala regular e nos
P6
sentimos despreparados para ajudá-los.
Sim, visto que atualmente a inclusão nas escolas regulares é uma realidade
P7
amparada por lei, é fundamental que os docentes saibam como proceder.

Fonte: Autoria própria, 2017.

Estes relatos apresentam a carência dos cursos de formação docente


para a educação inclusiva na percepção destes participantes. A inclusão
de alunos público-alvo da Educação Especial em classes comuns emerge a
necessidade de repensar nos cursos de formação docente, haja vista um novo
modelo de professor para a inclusão. Para Mantoan (2015, p. 79) o “professor
inclusivo não procura eliminar a diferença em favor de uma suposta igualdade
do alunado – tão almejada pelos que apregoam a homogeneidade das salas de
aula [...]”.
Ressalta-se que a Resolução nº 02/2015 exige dos cursos de formação
docente, disciplinas que contemplem à educação inclusiva, o que “[...]
garantirá a qualificação profissional e o preparo para lidar com a diversidade
de situações envolvidas no processo de ensino-aprendizagem da educação
escolar [...]” (FERNANDES, 2013, p. 210).
Por fim, identifica-se que a Resolução nº 02/2015 significa um avanço
aos professores. Os cursos de formação docente são convocados a se adaptarem
as exigências da inclusão escolar, preparando professores para o trabalho com
os alunos público-alvo da Educação Especial.
114
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Percepção dos docentes quanto à inclusão educacional e os desafios na prática


pedagógica
Os professores ao serem questionados sobre as dificuldades que
apresentam no exercício de sua atividade docente para a inclusão de alunos
público-alvo da Educação Especial, avaliaram algumas dificuldades que
acabam interferindo no trabalho docente.
Para o P1: “adaptações nas atividades em decorrência do número de
inclusões por turma. Conhecimento específicos das deficiências”. Nesse sentido,
a dificuldade indicada pelo P1 é a de adaptar as atividades curriculares para
o público-alvo da Educação Especial, com NEE e todos os demais alunos,
devido a quantidade de alunos por sala. Na entrevista com o professor do
AEE, o mesmo destacou que nessa escola têm classes com 3 (três) alunos
considerados de “inclusão”, o que acaba dificultando o trabalho do professor
no desenvolvimento das atividades.
No caso do P2 “muita das vezes à falta de interesse familiar e a aceitação
dos mesmos”. Este, por sua vez, elenca como dificuldade a falta de interesse
familiar como uma das maiores dificuldades do trabalho docente, porque
muitas das famílias não aceitam as NEE dos filhos, o que acaba dificultando o
trabalho do professor da classe comum e também do professor do AEE com o
desenvolvimento das atividades.
De acordo com o P3: “falta de adequação curricular, amparo frente a
orientações pedagógicas, estruturação de materiais didáticos, acompanhamento em
sala de aula, enfim são diversas e diferentes dificuldades enfrentadas no exercício
da atividade docente”. Este professor aponta que suas maiores dificuldades
estão associadas à estrutura pedagógica da escola, na falta de orientações
para o trabalho com os alunos público-alvo da Educação Especial, a falta e
estrutura de materiais didáticos para a realização das atividades e o pouco
acompanhamento do professor do AEE em sala, devido ao município ter
apenas 1 (um) professor de AEE para atender as quatro escolas.
O P4 indicou que “as dificuldades são frequentes, pois as necessidades são
diversas, porém penso que a maior dificuldade é o tempo para poder estudar as
necessidades desses alunos”. Desse modo, o P4 relata a falta de tempo para o
estudo das diferentes NEE dos alunos, pois necessitam desenvolver atividades
que atendam às necessidades de aprendizagem de todos os alunos, garantindo
ensino de qualidade a todos.
O participante P5 indicou que sua dificuldade consiste “nas aulas de
educação física a dificuldade é o local adequado para a prática, mas procuro sempre
socializar o aluno e incentiva-lo a fazer à sua maneira”. A dificuldade elencada
pelo P5 corresponde a falta de estrutura arquitetônica da escola, pois dificulta
115
Entremeios da Educação Contemporânea

o desenvolvimento das atividades de educação física com os alunos público-


alvo da Educação Especial, ou seja, acabam não participando das atividades.
Já o professor, identificado como P6 afirma que “falta de capacitação
em cada necessidade especial que há, porque encontramos alunos com todas as
necessidades e em diferentes níveis” é a sua dificuldade no que diz respeito à
inclusão educacional. Portanto, para o P6 a falta de capacitação para cada
uma das necessidades e singularidades apresentadas pelos alunos público-
alvo da Educação Especial é a principal dificuldade enfrentada, haja vista que
nenhuma necessidade é igual à outra.
Nessa questão finaliza-se com a indicação feita pelo P7: “estrutura física
e emocional, para lidar com a rotina”. A dificuldade do P7 é em relação a
estrutura física e emocional do professor, que tem que lidar diariamente com
a rotina e os novos desafios propostos atualmente no contexto escolar.
Nos relatos acima, percebe-se que os professores sentem dificuldades
na formulação de procedimentos pedagógicos e metodologias que atendam
os alunos público-alvo da Educação Especial. A dificuldade para 3 (três)
professores é de não conhecer os aspectos biológicos, fisiológicos, psicológicos
das deficiências para desenvolver suas práticas pedagógicas.
De acordo Bueno (2010 apud Fernandes, 2013, p. 214), a formação do
professor deve possibilitar a “[...] compreensão global do processo educativo
em escola regular que responda à heterogeneidade dos alunos, contemplando
suas diferenças, entre elas a das crianças com necessidades educacionais
especiais”.
Um professor elencou que a dificuldade no exercício da sua atividade
docente, acaba sendo: “estrutura física e emocional para lidar com a rotina”
(P7). Neste relato o professor acaba colocando que a inclusão acaba sendo
um desgaste profissional, que para Prieto (2006, p. 57) a formação de um
profissional vai “[...] além do domínio de habilidades exigidas para o exercício
profissional do ensino comum, deverá ter qualificação para concretizar o
“especial” da educação”.
No que tange a avaliação dos professores sobre a inclusão de alunos
público-alvo da Educação Especial em classes comuns, os professores opinaram
de forma diferente. Para os professores P1, P2 e P4, a inclusão educacional é
a oportunidade de todos os alunos conviverem juntos, independentemente de
suas diferenças.
P1: “importante para a inserção social do aluno, construção de saberes
relacionados a cidadania e o convívio social”.

P2: “acho ótimo pois assim os demais alunos podem conviver com os alunos e
trazer isso a sua realidade”.
116
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

P4: “[...] que se inclua as crianças, mas que se tenha profissionais capacitado
para trabalhar com elas. Enfim minha opinião é que as crianças com NEEs,
continue sendo incluídas e tratadas como elas merecem”.

O P5 relata que os alunos com NEE e público-alvo da Educação Especial


devem ser acompanhados por um profissional especializado na classe comum
para ter um ensino de qualidade.

P5: “acredito que o aluno deva ter um profissional da área especial para
acompanhar o seu desenvolvimento durante as aulas, incentivando a
autonomia e de participar de todas as atividades possíveis juntamente com os
demais alunos, dependendo da necessidade especial que ela possua”.
Já para os professores/participantes P3 e P7 relatam incertezas com
a proposta de inclusão devido à falta de estrutura das escolas públicas,
acreditando ser uma proposta “utópica”.
P3: “algo difícil de opinar devido aos inúmeros casos de inclusão, acredito
que para a inclusão, alguns casos precisam de maiores cuidados adaptativos,
diferentes do que temos hoje”.

P7: “acho utópico, contraditório e fantasioso a forma como se estruturou nos


ambientes públicos”
Nos relatos dos professores P3 e P7, ficam evidentes que a inclusão
não se caracteriza como uma proposta pertinente, e acaba evidenciando o que
apregoa Mantoan (2015, p. 79) “o argumento mais frequente dos professores,
quando resistem à inclusão, é não estarem (ou não terem sido) preparados para
esse trabalho”. Esses professores, muitas vezes, atrelam a responsabilidade dos
alunos com NEE e alunos público-alvo da Educação Especial aos professores
especialistas, pois estudaram sobre as “diferenças dos alunos”.
Na opinião dos professores (P1, P2, P4, P5 e P6) a inclusão é uma boa
proposta, mas 4 (quatro) professores acabam avaliando que a inclusão é um
desafio principalmente pela falta de formação dos professores para desenvolver
o trabalho com alunos público-alvo da Educação Especial. É necessário
repensar todo o curso de formação docente, mas também se torna necessário
a atenção aos professores que já atuam nas classes comuns. Para Prieto (2006,
p. 57) “a formação continuada do professor deve ser um compromisso dos
sistemas de ensino comprometidos com a qualidade do ensino [...]”.
A partir desse questionário evidenciou-se que o caminho a percorrer
para o êxito da inclusão é longo, e não está atrelada apenas a formação docente
e sim a outras dimensões: recriar o modelo educativo e reorganizar as escolas
em aspectos pedagógicos e administrativos.
117
Entremeios da Educação Contemporânea

Considerações finais
Este capítulo teve por objetivo apresentar a percepção dos professores
dos anos iniciais do Ensino Fundamental sobre a formação inicial e continuada
para a inclusão de alunos público-alvo da Educação Especial em classes
comuns do ensino regular.
No que tange ao professor capacitado, é importante que esteja
preparado para atender as necessidades de aprendizagem dos alunos,
respeitando o processo de ensino-aprendizagem independentemente de suas
diferenças e que o ensino seja sem exclusões. A formação inicial do professor
capacitado ao abranger os conteúdos gerais da educação especial não deve ser
algo superficial, é fundamental proporcionar conteúdos em que os professores
consigam desenvolver metodologias e procedimentos pedagógicos para
trabalhar como todos os alunos.
Com base nas respostas dos professores questionários, evidenciou-
se a carência dos cursos de formação de professores para a inclusão escolar,
em que apontam dificuldades em desenvolver procedimentos pedagógicos
e metodológicos para as necessidades dos alunos público-alvo da Educação
Especial.
Assim, identificou-se o quão é necessário repensar a grade curricular
dos cursos de formação inicial de docentes, como também os cursos de
formação continuada para os que já atuam com alunos público-alvo da
Educação Especial em classes comuns do ensino regular. A formação inicias
e continuada necessita ser reformulada com conteúdos referente à educação
inclusiva, porque compreende um dos principais pilares para a efetivação e
êxito da inclusão escolar dos alunos, independentemente das suas dificuldades
e diferenças.

Referências

ALVES, Denise de Oliveira et al. Sala de recursos multifuncionais: espaços


para atendimento educacional especializado. Brasília: MEC, 2006. 36 p.
Disponível em: http://www.oneesp.ufscar.br/orientacoes_srm_2006.pdf.
Acesso em: 07 nov. 2020.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a


Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira
de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
Brasília: Presidência da República/Casa Civil/ Subchefia para Assuntos
Jurídicos, 2005. Disponível: ttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
118
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 07 nov. 2020.

BRASIL. Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre


a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras
providências. Brasília: Presidência da República/Casa Civil/ Subchefia para
Assuntos Jurídicos, 2011. Disponível:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Ato2011-2014/2011/Decreto/D7611.htm#art11. Acesso em: 07 nov. 2020.

BRASIL. Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece


as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Presidência da
República/Casa Civil/ Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1996. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 07
nov. 2020.

BRASIL. Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001, que institui as


Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília:
MEC/CNE/CEB, 2001b. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/
arquivos/pdf/CEB0201.pdf. Acesso em: 07 nov. 2020.

CÂMARA, Rosana Hoffman. Análise de conteúdo: da teoria à prática em


pesquisas sociais aplicadas às organizações. Revista Interinstitucional de
Psicologia. Belo Horizonte, v. 6, n. 2, p. 179-191, jul, 2013. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/gerais/v6n2/v6n2a03.pdf. Acesso em: 7 nov. 2020.

FERNANDES, Sueli. Fundamentos para a Educação Especial. Curitiba:


Intersaberes, 2013.

GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (Org.). Métodos de


pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. 120 p. Disponível em:
http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 7
nov. 2020.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como
Fazer?. São Paulo: Summus, 2015.

PRIETO, Rosângela Gavioli. Atendimento escolar de alunos com


necessidades educacionais especiais: um olhar sobre as políticas públicas
de educação no Brasil. In: ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Inclusão
Escolar. 7. ed. São Paulo: Summus, 2006. p. 31-73.

UNESCO. Declaração de Salamanca e Linha de Ação. Salamanca:


UNESCO, 1994.

UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação


das necessidades básicas de aprendizagem. Tailândia: UNESCO, 1990.
A ALFABETIZAÇÃO NO LIMIAR DE PAULO
FREIRE

Jessé Pinto Campos1


Maria José Borges da Silva2

Introdução

E ste trabalho tem como fundamento mostrar a importância dos


métodos educacionais considerando a visão de Freire. Uma vez que
é por maneiras diversificadas que conseguimos uma educação melhor para as
nossas crianças e jovens.
Como é sabido a alfabetização freireana é pautada em saberes que
partem daqueles que passarão pela experiência de um novo aprendizado.
Assim, se busca com este artigo demonstrar a importância e a eficácia de
uma alfabetização nos moldes de Freire, bem como, o compartilhamento de
conhecimentos presentes em nosso dia a dia.
Compartilhar saberes diversificados respeitando a bagagem que o aluno
traz em seu histórico é sem dúvida compreender a importância do diálogo em
sala de aula e é um grande aliado no processo de ensino aprendizagem, aqui
nos referimos a aprendizagem significativa.
Compreender que num processo de alfabetização não é somente
o professor ou quem apresenta formação que possui conhecimentos, tal
compreensão desconstrói paradigmas e abre um leque de possibilidades para
uma vivencia harmoniosa no cenário educacional.
Mais especificamente se pretende descrever como acontece tal processo
outrora citado. É importante pautar que o educador deve estar embasado
teoricamente para apontar métodos que despertem no aluno a conscientização,
a criatividade e o interesse em querer saber sempre mais. Para isso, é necessário
que o material didático utilizado pelo educador seja construído a partir de
debates entre ele e os alunos com o objetivo de fazer um levantamento dos
conhecimentos gerais que ambos possuem, até mesmo do vocabulário que faz
parte do universo de comunicação destes alunos.

1 Doutorando em Educação na Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor


substituto da Faculdade de Letras – Língua Inglesa, Campus de Cametá. E-mail: jessecampos@
ufpa.br
2 Graduada em Letras com habilitação em Língua Portuguesa; Graduada em Ciências Naturais
com habilitação em Química. E-mail:[email protected]
120
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Alfabetização: um olhar pelo conceito


Nos estudos de Freire observamos que a grande preocupação estava
voltada para a criação de redes de diálogos com os saberes já existentes em
palavras formadas, se acreditava que todos podiam criá-las a partir de sua
cultura, suas experiências do dia a dia, sendo que o professor deverá estar
disposto a ouvir e interagir junto aos seus alunos, estando preparado para
aprender e ensinar tanto para os jovens como para as crianças, compartilhando
assim uma infinidade de conhecimentos.
As metodologias usada por Freire no processo de alfabetização deixam
de lado a repetição de palavras, mas reforçam o processo de desenvolver a
capacidade de pensá-las com base nas palavras retiradas do próprio cotidiano
dos alunos, formando assim as palavras geradoras que é quando por meio de
uma palavra conseguimos formar muitas outras diferentes, esse método vem
facilitar o entendimento dos alunos. Se pode dizer que é por meio da palavra
que o homem se constitui como tal, e é por meio da oralidade que ele assume
sua condição humana.
Freire considerava que o ato de educar devia contemplar o pensar
e o concluir, rebatendo a simples reprodução de ideias impostas, para ele
alfabetização deveria ser sinônimo de reflexão, argumentação e criticidade. Sua
contribuição para a educação foi praticando e teorizando a educação popular.
As práticas educacionais deveriam envolver alfabetização em diferentes níveis
de escolaridades. Ao professor cabe não somente compartilhar conhecimentos,
mas buscar mecanismos de ensino que despertem o interesse do educando.
Cabe lembrar, de acordo com leituras feitas que Freire não era favorável
ao uso de cartilhas, aquelas elaboradas para todo o País, visto que não
contemplava a realidade dos estudantes. Para ele, as cartilhas não contribuíam
com o processo de criação e ficavam aquém num processo de alfabetização,
fazendo com que muitas vezes o aluno não tivesse condições de progredir.
Para tanto, o autor afirma que as palavras devem ser criadas e não “doadas”. O
estudante deve ser o sujeito e não o objeto da alfabetização. As cartilhas feitas
querendo abarcar o País como um todo, acabava falhando e não contemplava
o aluno na sua condição de sujeito que participa da ação.
O professor precisa e deve saber ouvir o aluno em suas experiências e
através delas elaborar seu roteiro de ação, apresentando materiais que tenham
algum sentido para a vida daqueles que passam pelo processo de alfabetização,
proporcionando a eles ricos momentos de reflexão. Não é papel do professor
transformar o aluno num reprodutor de ideias e conhecimentos, mas sim fazer
com que desperte no aluno a curiosidade de refletir sobre o mundo em sua
volta, expor seus anseios e compartilhar suas vivencias e memorias.
121
Entremeios da Educação Contemporânea

Os métodos de Freire buscam ainda hoje desconstruir a ideia do


professor sabedor de todas as coisas e do aluno depositário de saberes. Em
relação a tal conceito o autor vem criticar o modelo de educação bancária
onde o aluno é um mero figurante no processo de ensino e aprendizagem.
O professor sempre possui certo poder sobre seu aluno e como
consequência à possibilidade de formar sujeitos ativos e críticos e não e não
meros reprodutores de discursos. Se sabe que a educação bancária se estrutura
nos princípios de dominação, de domesticação e alienação transferidas do
educador para o aluno através do conhecimento dado, imposto, cedido. Neste
sentido, o conhecimento é algo que por ser imposto, passa a ser absorvido
passivamente.
O modelo de educação proposto por Freire se distingue da educação
habitual que trata o aluno como objeto, um modelo a ser seguido tendo como
objetivo estabelecer o processo de transmissão do saber do professor para o
aluno, neste sentido, o autor vem criticar tais maneiras de ensinar, visto que,
seus métodos são voltados para a elevação da condição do aluno como autor
de sua própria história.
Com base em leituras feitas sobre o método Freire de ensinar
observamos que a educação bancária pouco ou nada contribui no processo
educativo do aluno enquanto ser capaz de refletir as ações a sua volta, a partir
de então se busca um plano, uma ação libertadora, onde haja uma relação
de troca entre professor e aluno, e que nessa troca ocorra a desconstrução da
ideia de o professor ser dono de todo o conhecimento, transformando assim
a realidade que os cerca.
Neste sentido, quanto mais se articula o conhecimento do mundo
que nos rodeia, mais os estudantes se sentirão desafiados a buscar respostas, e
consequentemente quanto mais instigados, mais serão levados a um estado de
consciência crítica e transformadora frente à sua realidade.
Vemos uma grande crítica a educação bancária que consiste em
considerar o aluno como uma “tabula rasa”, o autor propunha uma educação
que fosse instrumento de transformações sociais, que levasse o educando à
conscientização.
Dentro da perspectiva de Freire é comum encontrar uma análise acerca
da problemática dos processos de ensino aprendizagem através do jogo de
interesses políticos, econômicos, sociais e culturais, isto é, através da nossa
realidade.
As críticas que observamos em nosso estudo também estão voltadas
para o significado, como por exemplo a questão da memorização, ainda hoje
é comum observamos tais práticas pelas salas de aulas a fora, em algumas
situações o importante é a resposta certa, quando na verdade o importante é a
122
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

participação do aluno, seu ponto de vista, sua inquietação e anseios.


Os postulados de Freire trazem para nós enquanto professores a
oportunidade de transformar o ensino e modificar nossas práticas educativas,
para que tenhamos ciência de que o ensino é uma via de mão dupla, e de que
é pouco válido encher o aluno de conteúdos sem que este tenha ciência da
importância de tais assuntos.
É observado que a prática de depositar assuntos na cabeça do aluno
vem se modificando, a passos lentos, é bem verdade, porém de grande valia.
O aluno por sua vez já encontra seu espaço dentro da sala de aula, onde
pode debater, questionar, interagir, tanto com o professor, quanto com seus
colegas, então observamos um convívio harmonioso no processo de ensino
aprendizagem.
O professor é autoridade dentro da sala de aula, mas precisa dá
autonomia para que o aluno saiba se desenvolver dentro e fora do sistema
educacional, para que o aluno possa vê-lo como um incentivador, alguém
que acredita na sua capacidade de aprendizagem, como um sujeito capaz de
transformar sua realidade.
Freire (1978) enfatiza que “os educadores, atentando para a necessidade
da otimização da qualidade do ensino-aprendizagem, tem buscado alicerces
teóricos para concretização de um letramento direcionado ao fator crítico e
reflexivo da realidade social dos educandos.”
Desta feita, o ensino precisa focar na realidade social de cada aluno,
fazendo uma verificação no letramento, partindo do ponto de vista da
multidisciplinaridade, considerando desta forma a necessidade de uma
reforma de pensamento.
O sistema educacional precisa fomentar no aluno a capacidade
cognitiva, psíquica, física e reflexiva dentro do processo de desenvolvimento
das competências e habilidades, sem deixar de considerar o meio social na
qual o aluno está inserido
O papel da alfabetização é de suma importância, porquanto é por meio
dela que o aluno será capaz de interagir, criticar, refletir e compreender o
mundo, fazendo uso da leitura e dos saberes que já possui em suas bagagens.
Precisamos compreender que no processo de alfabetização existe troca,
compartilhamento de saberes entre professor e aluno, ainda que não seja com
a mesma proporção. Entendemos que o ensino vem se modificando, porém
muito ainda precisa ser desconstruído, para que possamos então chegar numa
partilha/vivência harmoniosa entre escola e aluno.
No processo de alfabetização alguns fatores são presença constante
desde a participação da família, ambiente escolar, corpo técnico e professores,
123
Entremeios da Educação Contemporânea

de forma direta ou indireta essas elementos possuem participação na formação


do aluno, como já fora outrora mencionado, o aluno precisa ter seu espaço
de interação respeitado para que assim ele consiga ampliar e compartilhar os
conhecimentos já adquiridos dentro ou fora da sala de aula.
Na atual conjuntura o professor não é mais aquele que ensina, mas
sim aquele que aprende enquanto ensina, em contrapartida o aluno não é
mais um mero aprendiz, mas aquele que ensina enquanto aprende, assim,
professor e aluno são sujeitos dentro do processo de ensino aprendizagem,
hoje o velho discurso autoritário já não cabe mais. Hoje é sabido que ninguém
educa ninguém, também não se auto educa, a educação se dá por meio de
compartilhamento e comunhão de conhecimentos.
As críticas de Freire em relação a educação bancária foram de grande
relevância, levando em consideração que foi a partir de tais críticas que se
passou a pensar em novas maneiras de alfabetizar, colocando o homem/aluno
em posição de destaque, como um desbravador de novos conhecimentos que
até então estavam limitados somente aos professores.
A proposta de um novo modelo para alfabetizar desconstruiu ideologias
e criou oportunidades para que educandos e educadores criassem laços de
aproximação, de interação entre si e seus conhecimentos, quebrando laços
preexistente que distanciavam esses autores sociais na maioria das vezes.
Considerar o modo Paulo Freire de ensino significa dizer que estamos
considerando a autonomia de cada aluno de acordo com sua realidade social,
que estamos abrindo oportunidade para uma educação significativa onde
todos os saberes precisam serem levados em consideração, sem desrespeitar
suas particularidades, pelo contrário, incentivar a pluralidade educacional.
O educador precisa se colocar no lugar do aluno e ter um olhar de
sensibilidade para sua realidade, considerando sua trajetória até o sistema
educacional. Como aqui estamos tratando de alfabetização, cabe enfatizar
que uma das críticas em relação a educação bancária estava voltada para o
fato de ser uma maneira opressora de ensinar. A esse respeito Freire expunha
que “educador e educandos, se arquivam na medida em que, nesta distorcida
visão de educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber”
(FREIRE, 1987, p.58).
Particularmente a educação precisa ser vista como pratica de liberdade,
onde o educando é livre para conquistar o novo, o autor defendia que
o conhecimento é encontrado por meio do diálogo, para que em meio ao
processo de transformação aquele que outrora estava em situação desfavorável
possa ter uma nova consciência, podendo a partir de então, pensar, refletir e
questionar por si só, deixando assim de reproduzir conhecimentos que lhe
eram impostos.
124
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Na sociedade capitalista que impõe valores, oprime, explora,


hierarquiza, incentiva estereótipos, separa, entre tantas outras ações, a classe
social ao qual você é pertencente vai dizer muito sobre seu futuro. E por
incrível que possa parecer as escolas não são diferentes, pois vivem diretrizes
capitalistas, e acabam muitas vezes fazendo diagnósticos de cunho hostil, já
delimitando quem terá sucesso e quem será fracassado, muitos infelizmente
usam o discurso da meritocracia, pois o mérito é exclusivamente individual.
Para tanto Freire defende que:
A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da
ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens, são os
produtos desta realidade e se esta, na “inversão da práxis”, se volta sobre eles e
os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos
homens. (FREIRE, 1987, p.57).
Mulheres e homens por meio da educação possuem o poder para
transformar suas realidades, isto é, sair da redoma opressora do sistema
capitalista, estando inseridos em escolas reflexivas capazes de fazer críticas
construtivas é sem dúvidas um caminho para as mudanças. Só é preciso
ter a compreensão de que a escola precisa ter uma relação harmoniosa
com o professor para que assim os alunos venham a ter uma aprendizagem
significativa, sobre a relação do professor com a escola e consequentemente
com o ensino, Freire vem dizer que:
A práxis, porém, é reflexão a ação dos homens sobre o mundo para transformá-
lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos.
Desta forma, esta superação exige a inserção crítica dos oprimidos na realidade
opressora, com que, objetivando-a simultaneamente atuam sobre ela. Nenhuma
pedagogia realmente libertadora pode ficar distante dos oprimidos, quer dizer,
pode fazer deles seres desditados, objetos de um “tratamento” humanitarista,
para tentar, através de exemplos retirados de entre os opressores, modelos para
a sua “promoção”. Os oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmos, na luta
por sua redenção. (FREIRE 1987, p. 38, 41).
A escola por sua vez exerce múltiplas funções, funções estas impostas
pelo momento da contemporaneidade, tendo as múltiplas funções fica
impossibilitada de ser uma escola autônoma o que por sua vez acaba
comprometendo o desenvolvimento do professor em relação as atividades
desenvolvidas na sala de aula, principalmente naquilo que se refere a
alfabetização.
Não podemos jamais esquecer de evidenciar a leitura de mundo que os
educandos já possuem, sendo compreensivos e solidários, procurando sempre
os incentivar a buscarem a luz do saber cultural e cientifico. Pois é por meio
do conhecimento que suscitamos o diálogo, compartilhando saberes formais e
informais, a fim de construir com o outro um conhecimento libertador.
A pedagogia do oprimido, que busca a restauração da intersubjetividade,
125
Entremeios da Educação Contemporânea

se apresenta como pedagogia do Homem. Somente ela, que se anima de


generosidade autêntica, humanista e não “humanitarista”, pode alcançar este
objetivo. Pelo contrário, a pedagogia que, partindo dos interesses egoístas dos
opressores, egoísmo camuflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos
de seu humanitarismo, mantém e encarna a própria opressão. É instrumento
de desumanização. (FREIRE 1987, p.41).
A escola precisa abarcar a maneira como cada educando interpreta
sua realidade, se apropriando de uma educação pautada no diálogo,
principalmente na hora de organizar os conteúdos, sendo que tais conteúdos
precisam caminhar de acordo com a realidade dos alunos.
Carecemos nos conscientizar de que somos sujeitos inacabados e que
estamos num longo processo de aprendizagem, e para tanto não deveríamos
ser reprodutores de pensamentos, mas sim pensadores da realidade, pautando
sempre o respeito mútuo e a coerência entre teoria e prática, e que cada sujeito
busque sempre sua identidade. Ao educando não deve ser negado o direito de
reflexão em relação a sua realidade.
De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada, que
não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude
de tudo isto, terminam por se convencer de sua “incapacidade”. Falam de
si como os que não sabem e do “doutor” como o que sabe e a quem devem
escutar. Os critérios de saber que lhe são impostos são os convencionais.
(FREIRE, 1987, p.50).
É necessário que o educando tenha autonomia no processo de
construção de conhecimento, e assim, consiga desenvolver a perspectiva
crítico-reflexiva que é de direito de todos. Os opressores geralmente negam
aos oprimidos o direito de pensar na construção da sua própria identidade,
fazendo com que não haja noção de que é necessário entrar num processo
de construção da identidade e do conhecimento para que barreiras sejam
rompidas.

Considerações finais
O educador é responsável por enriquecer a vida do aluno através das
obras lidas e ações educativas intencionais. Ele precisa observar e proporcionar
aos educandos a leitura de diversos textos com assuntos diferentes e então
descobrir quais são os temas que mais atraem esses leitores. A descoberta do
assunto que mais aproxima os leitores vai depender da realidade em que estão
inseridos, do seu contexto social e faixa etária. O professor deve estar sempre
preparado para interagir sempre com os alunos de uma forma onde todos
participem e possam expressar.
Para Freire, (1987) “ninguém ensina nada a ninguém e ninguém
aprende nada sozinho”, ele diz que só se aprende consociando uns com os
126
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

outros, inspirados pelo mundo que nos cerca, isto é, somos capazes de ensinar
para os adultos e para as crianças se formos capazes de aprender, sendo um
professor disposto a buscar o novo, aprender todos os dias, e não aquele que
acha que sabe. Segundo Freire o bom professor é aquele que se coloca junto
com o educando e procura superar com o aluno o seu não saber e as suas
dificuldades, com uma relação de trocas onde ambos aprendem.
Para ocorrer à aprendizagem é necessário o enfrentamento de situações
desafiadoras propiciando aos alunos elaborados conhecimentos. Educar
é um ato político, um ato de criação e recriação. O diálogo é fundamental
na construção da educação do sujeito, para compreensão da estrutura social
de conscientização e de transformação. O alfabetizar não é aprender a ler e
escrever através de repetição de palavras, mas sim dizer sua palavra criadora de
sua própria cultura.

Referências

DREYER, Loiva. Paulo Freire, alfabetização. Disponível em http://


educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/5217_2780.pdf. Acesso em 31
Out.2017.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro. Paz e


Terra, 1987.

FREIRE. Paulo. Cartas à Guiné – Bissau: registro de uma experiência em


processo. 4.ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1978.
LEVANTAMENTO DE PRODUÇÕES EM INGLÊS
QUE CONTEMPLAM A PRÁTICA PEDAGÓGICA
INCLUSIVA SUBSIDIADA PELO DESENHO
UNIVERSAL PARA A APRENDIZAGEM

Jacqueline Lidiane de Souza Prais1


Célia Regina Vitaliano2

Introdução

E m face às demandas emergentes para assegurar o direito de todos


à educação, a partir da Constituição Federal (BRASIL, 1988),
o Brasil passou a repensar o sistema educacional. Com base nos preceitos
constitucionais e nos acordos firmados internacionalmente, – como a
Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), a qual o país é signatário, os
órgãos responsáveis pela educação passaram a regulamentar e a estabelecer os
encaminhamentos a serem adotadas nas escolas regulares.
Partindo desse pressuposto, a educação inclusiva é a perspectiva que
subsidia e luta pela universalização do ensino prevendo a necessidade de
adequação na estrutura física das escolas, na formação dos recursos humanos,
na elaboração e no uso de recursos didáticos e na efetivação da prática
pedagógica coerente aos princípios inclusivos (OMOTE, 2003).
Em análise a esses aspectos, percebemos que um dos desafios tem sido
a carência na formação docente para a prática pedagógica inclusiva (PRAIS,
2017). De tal modo, Nunes e Madureira (2015), Zerbato (2018) apontam
que as dificuldades dos professores em efetivar a inclusão educacional tem
se concentrado principalmente no que diz respeito a lidar com classes
heterogêneas e atender estudantes de diferentes níveis de desenvolvimento
e de aprendizagem, bem como, organizar as atividades pedagógicas coletivas
que contemplem as singularidades de cada aprendiz.
Tais desafios e inquietações frente às demandas para a consolidação de
uma educação inclusiva, nos mobilizaram para buscar evidências científicas
quanto a formação docente para a prática pedagógica inclusiva. Nesse

1 Doutoranda em educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: jacqueline_


[email protected]
2 Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Docente e
orientadora no Programa de Pós-Graduação em Educação da UEL. Contato: reginavitaliano@
gmail.com
128
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

processo, identificamos a proposta do Desenho Universal para a Aprendizagem


(DUA) que apresenta subsídios teóricos e práticos para aprimoramento
do planejamento docente com vistas à promoção da inclusão educacional.
Percebemos que as contribuições do DUA estão direcionadas a promoção de
práticas pedagógicas inclusivas por meio de princípios orientadores para o
planejamento de ensino, a fim de satisfazer as necessidades de aprendizagem
dos alunos (NUNES; MADUREIRA, 2015; PRAIS, 2017; ZERBATO,
2018).
A abordagem didática do DUA tem como ponto de partida o conceito
de acessibilidade calcado pela Arquitetura que se expande para o âmbito
educacional, e especificamente, ao processo de aprendizagem. Ou seja, além
de ser pensada a acessibilidade da escola para que um maior número de aluno
tenha acesso a seus espaços, objetos e produtos, que o estudante tenha acesso
ao currículo, a aprendizagem dos conteúdos (CAST, 2011; PRAIS, 2017;
ZERBATO, 2018).
Dessa maneira, a proposta do DUA tem como suporte as contribuições
da neurociência ao indicar que aprendizagem é necessário ativar três áreas no
cérebro, a saber: a área de reconhecimento, a área de estratégia e a área de afetiva
(MEYER; ROSE; GORDON, 2002). Esta proposta estabelece três princípios
norteadores para a elaboração do planejamento de ensino de modo inclusivo:
1) área de reconhecimento: possibilitar múltiplas formas de apresentação do
conteúdo, de ação e expressão do conteúdo pelo aluno, 2) área de estratégia:
proporcionar vários modos de aprendizagem e desenvolvimento organizados
pelo professor para os alunos, 3) área afetiva: promover a participação, interesse
e engajamento na realização das atividades pedagógicas. Cabe ressaltar que
estes princípios devem ser considerados pelo professor como objetivos no
momento de planejar e de avaliar suas aulas (MEYER; ROSE; GORDON,
2014; PRAIS, 2017; NUNES; MADUREIRA, 2015).
Conforme os estudos desenvolvidos por Prais (2016) e Zerbato
(2018) o DUA pode consistir em um conteúdo formativo dos docentes
minimizando as dificuldades enfrentadas no processo de inclusão de alunos
com NEE. Prais (2017), Zerbato e Mendes (2018) destacam que o DUA
não engessa uma proposta didática, com orientações imediatamente aplicadas
ou predeterminadas ao professor. Essa abordagem valoriza a autonomia
pedagógica dos docentes e busca leva-lo a pensar na “[...] necessidade de
renovar as práticas devido às transformações da nossa realidade educativa atual
[...]” (ZERBATO; MENDES, 2018, p. 150).
Nessa perspectiva, a prática pedagógica inclusiva com base nos
princípios do DUA incide na flexibilidade na organização das atividades por
meio de forma que envolvam o aluno nas situações de aprendizagem, em
129
Entremeios da Educação Contemporânea

modos diferentes de aprendizagem do conteúdo e em maneiras diferentes


de avaliar os alunos (MEYER; ROSE; GORDON, 2002). Assim, o docente
deve permitir em suas aulas que os alunos expressem suas competências e seus
conhecimentos adquiridos antes, durante e após a aula a partir de instrumentos
diversos que atendem as suas necessidades de comunicação (MADUREIRA,
2018).
O DUA passou a ser difundido após a década de 1990 por um
grupo de professores norte-americanos nos Estados Unidos e as pesquisas
relacionadas a essa perspectiva são recentes (PRAIS, 2016). Com base nisso,
surgiu nosso interesse em identificar, em pesquisas no idioma inglês, por
ser o idioma utilizado no país em que se originou esta perspectiva, a fim de
localizar a publicação de resultados quanto à implementação dos princípios
desta proposta na promoção da prática pedagógica inclusiva.
Nesse sentido, partimos da seguinte questão de investigação: quais
os resultados apresentados em pesquisas científicas inglesas que evidenciam
a prática pedagógica inclusiva subsidiada pelo Desenho Universal para a
Aprendizagem visando a inclusão dos alunos que apresentam necessidades
educacionais especiais (NEE)? Desse modo, este artigo teve como objetivo
caracterizar a aplicação do DUA na prática pedagógica inclusiva com vistas a
favorecer o processo de inclusão dos alunos com NEE, a partir de uma revisão
sistemática em produções de língua inglesa.

Desenvolvimento da pesquisa
Para o desenvolvimento deste estudo, adotamos os encaminhamentos
preconizados pela metodologia de pesquisa da revisão sistemática com bases
em Sampaio e Mancini (2007), Senra e Lourenço (2016). De tal modo,
evidenciamos que este tipo de pesquisa possibilita caracterizar evidências
científicas frente a um tema, possibilita sistematizar os resultados obtidos e
identificar o que já foi desenvolvido e as lacunas a serem preenchidas referentes
ao objeto de estudo (SENRA; LOURENÇO, 2016).
Conforme Senra e Lourenço (2016), organizamos os encaminhamentos
das quatro primeiras etapas, apresentadas no quadro 1.
130
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Quadro 1: Descrição das primeiras etapas desenvolvidas para a realização da revisão


sistemática

Procedimentos propostos por Procedimentos desenvolvidos no presente


Senra e Lourenço (2016) estudo
1 Delimitação do tema da pesquisa Selecionou o tema: “Desenho Universal para a
Aprendizagem aplicado na prática pedagógica”.
2 Definição do intervalo temporal Últimos dez anos (de 2009 a 2019)
de busca
3 Delimitação da(s) base(s) para Portal de Periódicos da Capes, ERIC e SciELO.
coleta de dados
4 Determinação dos termos de “Universal Design for Learning” (UDL) e
busca “inclusion”,
Fonte: Material criado pelos autores

Partindo destas etapas supracitadas, os resultados obtidos nessa busca


são apresentados no quadro 2 abaixo:

Quadro 2: Levantamento preliminar das produções científicas nas bases de dados

Bases de dados Termos de busca

“universal design for learn-


ing” + “inclusion”
Portal de Periódicos da Capes 41
Educational Resources Information 21
Center (ERIC)
Scientific Electronic Library Online 7
(SciELO)
Fonte: Dados de nossa pesquisa

Na quinta etapa na análise dos 37 estudos encontrados na base de dados,


durante a catalogação dos textos estabelecemos como critérios de inclusão e
de exclusão de textos relevantes e irrelevantes à temática da pesquisa. Desse
modo, priorizamos nesta primeira etapa de seleção das produções científicas:
pesquisas publicadas em idioma inglês, busca por frase exata do termo de
busca; pesquisas concluídas, bem como, texto completo disponível on-line.
Considerando estes critérios seis trabalhos foram excluídos desta análise e 31
estudos foram incluídos por atenderem aos critérios estabelecidos.
Na sexta etapa, realizamos um novo filtro para seleção dos textos por
meio de uma leitura analítica evidenciando estudos diretamente relacionados
com a aplicação do DUA na prática pedagógica inclusiva, temática central de
131
Entremeios da Educação Contemporânea

interesse nesta revisão sistemática. De tal modo, esta etapa possibilitou fixar os
12 estudos que atenderam os critérios de inclusão para esta revisão sistemática.
Posteriormente, na sétima etapa, montamos uma pasta com as
produções científicas encontradas e elaboramos um quadro contendo dados
das pesquisas: referência, referencial teórico, tipo de pesquisa, participantes
(amostra), procedimentos/instrumentos de coleta e análise dos dados e
resultados principais.
Em seguida, na oitava etapa, avaliamos e sintetizamos de maneira
quantitativa os resultados atingidos buscando compreender o número de
pesquisas relevantes sobre o assunto e ano de maior publicação. A distribuição
do número de publicações das produções encontradas foram lineares,
apontando duas em 2013, 2014, 2017 e 2018, e uma para os anos de 2010,
2011, 2015, 2016, sendo que em 2009 e 2019 não foram localizadas pesquisas
relacionadas a implementação do DUA na prática pedagógica.
Após isso, na nona etapa, realizamos uma avaliação e síntese qualitativa
para integração dos resultados e possíveis intervenções do fenômeno de
interesse, e assim classificamos as pesquisas em duas categorias pela forma de
abordagem do tema. No quadro a seguir detalhamos as pesquisas que foram
contempladas em cada categoria.

Quadro 3: Organização das produções científicas selecionadas

Quantidade Quantidade
Categoria Autor(es) e ano
(nº) (%)

a) na inclusão de alunos Katz e Sokal (2016);


2 15%
com deficiências Sherlock-Shangraw (2013)

Johnson-Harris e
b) na inclusão de alunos
Mundschenk (2014);
com Transtornos Globais
Micghie–Richmond e Sung 3 20%
do Desenvolvimento
(2011); Morningstar et al
(TGD)
(2015)
c) na inclusão de alunos
Katz (2013); Fuelberth e
com dificuldades de 2 15%
Todd (2017)
aprendizagem
Messinger-Willian e Marino
d) na inclusão de alunos (2010); Tomas, Cross e
com deficiência física e Campbell (2018); Miller e 4 40%
com deficiência intelectual Satsangi (2018); Taunton,
Brian e True (2017);
Fonte: Dados de nossa pesquisa
132
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Por fim, na décima e última etapa, retomamos a pergunta que


desencadeou a revisão sistemática visando à apreciação de evidências nos
estudos agrupados na revisão sistemática, bem como, verificando a necessidade
de novos estudos relacionados à prática pedagógica na educação inclusiva.

Resultados e discussões
Nesta seção explicamos que ao analisar as 12 produções científicas
selecionadas para esta revisão sistemática, foram identificadas dez tipos de
pesquisas adotados pelos autores. Das 12 produções científicas três adotaram
o estudo de caso e três estudos descritivos e para os demais tipos localizados
foram uma produção científica em cada um.
Com base nos conteúdos abordados nas pesquisas selecionadas,
organizamos os dados em quatro categorias que serão a seguir apresentadas e
analisadas.

Implementação do DUA na prática pedagógica inclusiva


Identificamos 12 pesquisas que contemplaram uma análise quanto
à implementação do DUA na classe comum do ensino regular visando a
promoção da inclusão de alunos com NEE.
Optamos por dividir estas pesquisas em quatro categorias que são
apresentadas a seguir com base no público-alvo de alunos com NEE incluídos
no contexto regular de ensino: a) na inclusão de alunos com deficiências; b)
na inclusão de alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD);
c) na inclusão de alunos com dificuldades de aprendizagem; e d) na inclusão
de alunos com deficiência física e com deficiência intelectual.

Implementação do DUA na inclusão de alunos com deficiências


Nesta categoria foram contemplados dois estudos (KATZ; SOKAL,
2016; SHERLOCK-SHANGRAW, 2013) que apontaram a implementação
do DUA na prática pedagógica visando a inclusão de alunos com deficiência.
A seguir no quadro 5, é apresentada uma síntese dessas produções científicas.
133
Entremeios da Educação Contemporânea

Quadro 5: Síntese das produções científicas da categoria 1.1

Autor(es) Objetivo Método Principais resultados

- Os resultados abrangem a
Avaliar os efeitos do modelo de participação de 650 alunos, 50
três blocos (KATZ, 2013) na professores e 15 administradores
Katz e compreensão de aprendizagem, de escolas de Manitoba (Canadá)
Análise de
Sokal processo de aprendizagem indicaram ganhos significativos na
método
(2016) e engajamento escolar em atividade dos alunos e engajamento,
alunos com deficiência e com positivo crescimento na percepção
dificuldade de aprendizagem. do clima da turma e em suas
interações sociais.
Apresentar alguns casos de
- o DUA promove aprendizagem
Sherlock- atletas com deficiência em que
Análise do entre os atletas através da oferta
Shangraw foram empregados os princípios
discurso flexibilizada de instruções e de
(2013) do DUA para a qualificação da
métodos de treinamento.
aprendizagem.
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

Em ambas as pesquisas, a implementação do DUA se deu em um


ambiente educativo em que havia alunos com e sem deficiência em uma mesma
turma escolar. Tais pesquisas priorizam apontar os impactos qualitativos das
intervenções pedagógicas em uma escola que adotou a perspectiva inclusiva e
o DUA.
Comumente, observamos que nestas pesquisas são apresentados os
impactos qualitativos da utilização do DUA em todo ambiente escolar a fim
de consolidar práticas pedagógicas inclusivas. Tanto no que diz respeito ao
atendimento das necessidades de aprendizagem ao ensino específico na área
de Educação Física, os autores demonstram em suas pesquisas o potencial do
DUA como conteúdo formativo dos professores para que ele possa aprimorar
sua prática pedagógica e, assim, promover a aprendizagem dos alunos. De
tal modo, evidenciam que a ação didática dos professores foi aprimorada e
resultou no maior engajamento de todos da escola com a promoção da inclusão
de alunos com deficiência e atendeu as necessidades e as singularidades dos
estudantes com NEE.

Implementação do DUA na inclusão de alunos Transtornos Globais do


Desenvolvimento (TGD)
Nesta categoria foram contemplados três estudos (JOHNSON-
HARRIS; MUNDSCHENK, 2014; MICGHIE–RICHMOND; SUNG,
2011; MORNINGSTAR et al., 2015) que apontaram a implementação do
DUA na prática pedagógica visando a inclusão de alunos TGD. Apresentamos
134
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

no quadro 5 sistematizando com os principais aspectos dessas produções


científicas.

Quadro 6: Síntese das produções científicas da categoria 1.2

Autor(es) Objetivo Método Principais resultados


Analisar a aplicação - o DUA possibilitou que
de um plano de os professores oferecessem
Johnson- aula, subsidiado instruções que fizeram
Harris e pelo DUA, em uma Estudo de com que todos os alunos se
Mundschenk turma contendo caso engajassem e criassem suporte
(2014) dois estudantes de comportamento para aqueles
com problemas que dele necessitem;
comportamentais.
Analisar o emprego
do DUA em uma aula - destacam que, a partir da
de matemática para o implementação dos princípios
sétimo ano, contendo do DUA, os alunos foram
Micghie– dois alunos com encorajados a desenvolverem
Estudo
Richmond e deficiência intelectual suas próprias estratégias para
descritivo
Sung (2011) e um aluno com a solução de problemas e a
TEA, a partir de uma construir o que de fato era
tarefa virtual que significativo para eles;
envolvia o preparo de
uma receita.
- perceberam que a
implementação dos princípios
Analisar a
do DUA favoreceram o
implementação dos
desenvolvimento de apoios à
princípios do DUA
participação foram em vários
em sala de aula
Morningstar Estudo domínios: (a) arranjos e funções
contendo alunos
et al (2015) descritivo de pessoal instrucional, (b)
com dificuldade
métodos de agrupamentos
de aprendizagem e
instrucionais, c) aprendizagem
deficiência intelectual
apoiada por pares e (d) acesso
e TDAH.
ao currículo acadêmico central.

Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

Dentre as dificuldades enfrentadas pelos professores na inclusão de alunos


com TGD é a desistência na realização das atividades. De tal modo, identificamos
nas três pesquisas que o uso do DUA na organização da prática pedagógica inclusiva
favoreceu aos docentes identificar essas dificuldades, reconhecer as singularidades
135
Entremeios da Educação Contemporânea

de seus alunos, atender as NEE dos alunos com TDG.


Em síntese, interpretamos nesta categoria que, dentre os resultados, os
autores sublinharam que o uso do DUA pelos docentes possibilitou selecionar
e utilizar estratégias adequadas que promovessem, por meio do encorajamento,
a participação e o engajamento destes estudantes na realização das atividades,
conforme o terceiro princípio da proposta.

Implementação do DUA na inclusão de alunos com dificuldades de


aprendizagem
Nesta categoria foram contemplados três estudos (KATZ; 2013;
FUELBERTH; TODD, 2017; RAO; OK; BRYANT, 2014) que apresentam
os resultados da implementação do DUA na prática pedagógica a fim de
promover a inclusão de alunos com dificuldades de aprendizagem. No quadro
7 visualizamos os aspectos centrais das pesquisas selecionadas neste categoria.

Quadro 7: Síntese das produções científicas da categoria 1.3

Autor(es) Objetivo Método Principais resultados


Analisar o processo de
intervenção a partir da - percebeu o aprimoramento
análise das necessidades de significativamente do comportamento
aprendizagem, intervenção engajado dos alunos com dificuldades
Katz pedagógica e avaliação Pesquisa de de aprendizagem nas tarefas, além de
(2013) envolvendo alunos intervenção proporcionar engajamento social e
integrantes de dez escolas acadêmico, autonomia e inclusão, pois
localizadas em duas regiões implementou na abordagem de suas
rurais e três regiões urbanas aulas os princípios do DUA.
de Manitoba, no Canadá.
Explorar como os
- sinalizam que shows de
educadores de música coral
Fuelberth demonstração, baseados nos
podem facilitar o acesso Discussão
e Todd princípios do DUA, oferecem uma
a experiências musicais teórica
(2017) oportunidade de se concentrar no
significativas para todos os
crescimento do aluno.
alunos de suas escolas.
- notaram ganhos acadêmicos
Apresentar as contribuições específicos relacionados à
da aplicação do DUA alfabetização, matemática e ciência e
Rao, Ok e em sala de aula visando os atribuíram à intervenção do DUA,
Discussão
Bryant à promoção da educação tendo em vista o desenvolvimento
teórica
(2014) inclusiva de alunos de estratégias de aprendizagens pelos
com dificuldades de alunos reconhecendo suas limitações
aprendizagem em leitura. e potencialidades no processo de
aprendizagem.
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).
136
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Conforme visualizamos no quadro anterior, as pesquisas desta categoria


salientam as contribuições do DUA para promover a aprendizagem de todos
os alunos, bem como, favorecer um ensino adequado às necessidades dos
estudantes que apresentam dificuldades de aprendizagem.
Em suma, as pesquisas selecionadas nesta categoria evidenciaram em
seus estudos que os docentes ao propiciar múltiplas formas de apresentação
do conteúdo, possibilitar múltiplas formas de ação e de representação da
aprendizagem pelos alunos e promover estratégias de engajamento durante
a realização das atividades organizaram suas aulas de modo mais acessível a
todos os alunos da turma. As singularidades foram atendidas por meio de
níveis diferenciados nos objetivos e isso favoreceu aos professores perceber as
limitações e as potencialidades de cada um dos alunos.

Implementação do DUA na inclusão de alunos com deficiência física e com


deficiência intelectual
Nesta categoria, com maior número de produções científicas
selecionadas, foram contemplados quatro estudos (MESSINGER-WILLIAN;
MARINO, 2010; TOMAS; CROSS; CAMPBELL, 2018; MILLER;
SATSANGI, 2018; TAUNTON; BRIAN; TRUE, 2017). Estas produções
científicas evidenciaram a utilização do DUA por professor que tinham por
objetivo incluir alunos com deficiência física e com deficiência intelectual em
turmas de classe comum.
Organizamos no quadro 8 uma síntese contendo autores, objetivo da
pesquisa, tipo de pesquisa adotado e os principais resultados indicados em
cada estudo.
Quadro 8: Síntese das produções científicas da categoria 1.4
Autor(es) Objetivo Método Principais resultados
Messinger- Apresentar os resultados Relato de - os alunos com deficiência
Willian e obtidos da aplicação experiência apresentaram progressos em seus
Marino de tecnologia assistiva objetivos educacionais e os professores
(2010) e o DUA em sala de ao usar TA e DUA obtiveram
aula envolvendo alunos crescimento em termos acadêmicos,
com deficiência física e sociais e de comportamento com os
deficiência intelectual. alunos com deficiência.
137
Entremeios da Educação Contemporânea

Tomas, Apresentar um estudo Estudo de - Cabe ressaltar que o docente


Cross e de caso envolvendo a caso implementou em suas orientações
Campbell aprendizagem de um pedagógicas a esse aluno os princípios
(2018) aluno de oito anos com do DUA o que possibilitou uma
limitações motoras e de solução potencial para provimento do
atenção suporte do ambiente e intervenções
adequadas, pois está relacionado à
criação de estratégias inclusivas.
Miller e Apresentam um estudo Estudo de - a professora sentiu-se confiante com
Satsangi de caso envolvendo caso o emprego do DUA para identificar
(2018) uma professora com necessidades físicas e escolares;
uma classe de interior identificar barreiras de aprendizagem e
em que havia dois providenciar modificações necessárias
alunos com deficiência no decorrer do ano.
física
Taunton, Avaliar a Pesquisa - O programa SKIP-DUA atendeu às
Brian implementação dos experimental necessidades individuais das crianças
e True princípios do Programa inscritas no programa, projetando
(2017) Bem Sucedido de universalmente cada lição referente a: a)
Instrução Cinestésica regras, b) instrução e, c) equipamentos
para Crianças em Idade em um contexto global ao longo da
Pré-escolar – Desenho lição.
Universal para a
Aprendizagem (SKIP-
DUA) para seguir
as melhores práticas
baseadas em evidências
do desenvolvimento
motor
Fonte: Elaborado pelos autores (2020).

Partindo das apresentações e discussão destas pesquisas, identificamos


que, nos quatro estudos selecionados nesta categoria, o uso do DUA na
prática pedagógica favoreceu a elaboração e a utilização de recursos didáticos
adequados as necessidades de aprendizagem dos alunos com deficiência física,
e por serem materiais de fácil utilização e adequação ao perfil dos estudantes
favoreceu também a utilização por alunos com deficiência intelectual que se
beneficiaram das adequações estruturais favorecendo sua acomodação em sala
de aula e na realização das atividades.

Considerações finais
Evidenciamos que, por meio desta revisão sistemática, 12 produções
científicas em língua inglesa sobre a implementação do DUA associada à
inclusão dos alunos que apresentam NEE apresentam impactos qualitativos
para o aprimoramento da prática pedagógicas dos docentes e favorecimento
138
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

da organização da escola frente à promoção da aprendizagem dos estudantes.


Com base nos critérios estabelecidos, identificamos as utilizações do
DUA foram correlatas as necessidades de organizar a prática pedagógica e
promover a inclusão de alunos com deficiências; alunos com TGD, alunos
com dificuldades de aprendizagem e alunos com deficiência física e com
deficiência intelectual. Todavia, percebemos que ao usar os princípios do
DUA para a organização do trabalho pedagógico visando a inclusão de alunos
com NEE perpassou também pelas adequações pensadas na estrutura física,
na formação dos professores e na elaboração dos recursos didáticos.
No que tange as contribuições teóricas e metodológicas do DUA para
o ensino inclusivo, identificamos que os estudos oferecem o entendimento
de que os princípios didáticos do DUA propiciam (re) organizar a prática
pedagógica condizente com as necessidades de aprendizagem.
No que diz respeito ao processo de inclusão de alunos com NEE
encontramos nas produções contribuições do DUA demonstrando que a sua
aplicação no contexto escolar favorece a identificação das necessidades e as
potencialidades de aprendizagem de cada aluno promovendo a estruturação e
a consolidação de uma educação inclusiva.
Percebemos que a implementação do DUA na organização da prática
pedagógica ofereceu aos professores suporte para reconhecer e atender as
necessidades de aprendizagem de todos os alunos por meio de aulas inclusivas.
Somado a isso, os princípios do DUA favoreceram reconhecer as limitações e as
potencialidades dos alunos em cada habilidade específica exigida e possibilitou
que as atividades fossem coerentes aos diferentes níveis de aprendizagem em
sala de aula. De tal modo, a aplicação do DUA na educação está relacionada
à introdução curricular e aos métodos de ensino que aprimoram ensino e
aprendizagem para aqueles com limitações, sem a necessidade de adotar
intervenções individualistas e adaptações de especialistas.
Em suma, as 12 produções científicas possibilitaram caracterizar um
conjunto de estudos vinculados à consolidação da educação inclusiva a partir
do DUA que fornece suporte teórico e metodológico para efetivar uma prática
pedagógica coerente, recursos didáticos adequados e uma formação consistente.
Todavia, avaliamos que as produções científicas analisadas apresentam uma
carência no aspecto de apresentação das atividades aplicadas em sala de
aula, subsidiadas pelo DUA. Para a discussão destas pesquisas pretendida
neste artigo sentimos a dificuldade em realizar uma análise aprofundada dos
encaminhamentos adotados nas intervenções pedagógicas devido ao foco dos
estudos em trazer os resultados.
Desse modo, entendemos que as pesquisas selecionadas direcionam
para os encaminhamentos possíveis de efetivação do DUA desde a formação
139
Entremeios da Educação Contemporânea

docente à pratica pedagógica inclusiva e, assim, suscita detalhar as possibilidades


desenvolvidas para consolidar propostas didáticas que investem na educação
inclusiva e promover o acesso à aprendizagem pelos alunos.

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PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES DO ENSINO
MÉDIO SOBRE AGROTÓXICOS: UMA TEMÁTICA
NECESSÁRIA PARA A EDUCAÇÃO

Diuliana Nadalon Pereira1


Keiciane Canabarro Drehmer Marques2

Introdução

O Ensino de Ciências apresenta diversas limitações, sendo muitos


reflexos de currículos lineares, fragmentados, descontextualizados
e antidialógicos (AULER, 2007a). Por isso, algumas propostas defendem
a utilização de temas como possibilidade de superação dos currículos
predominantes (HALMENSCHLAGER, 2014; MAGOGA, 2017). A
abordagem de temas no contexto escolar busca atribuir sentido ao que se é
ensinado, bem como gerar problematizações acerca da realidade, para que
ela possa ser transformada. Conforme Lindemann (2010) às temáticas têm o
potencial de ampliar a visão dos estudantes acerca da sua realidade.
Dentre as temáticas que podem ser utilizadas tem-se os agrotóxicos.
A exemplo disso, Lindemann (2010), Ferraz e Bremm (2003) desenvolvem
propostas a partir desta temática, a qual conforme eles, representa uma situação-
limite vivenciada pelos educandos e educandas. Porém, ainda é incipiente
dentro do contexto escolar intervenções pautadas nesta temática, a qual pode
ser consequência da pouca ênfase dada no ensino superior, no estudo realizado
por Mezalira et al. (2020) “A inserção da temática agrotóxicos nas pesquisas
em Ensino de Ciências no Brasil” os pesquisadores destacam que tanto na
Educação Básica como no Ensino Superior há lacunas sobre a temática em
questão nos currículos das escolas e universidades. Neste sentido, Pereira,
Moro e Flores (2019) sinalizam que a abordagem de temas de Educação
Ambiental durante a formação inicial de professores e professoras de biologia
é muito contributivo, pois pode favorecer que esses sujeitos utilizam em suas
futuras práticas docentes.
Além disso, a abordagem da temática agrotóxicos vem favorecendo
um trabalho mais contextualizado dos conteúdos específicos da biologia,

1 Mestranda em Educação em Ciências pela Universidade Federal de Santa Maria.


Email:[email protected]
2 Doutora em Educação em Ciências pela Universidade Federal de Santa Maria. Email: keicibio@
gmail.com
144
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

auxiliando os estudantes na compreensão dos conhecimentos (PEREIRA;


COUTINHO; IDALGO, 2019). Os agrotóxicos podem ser abordados por
meio de diversas dimensões, tais como: ambiental, política, social, econômica;
e representam uma problemática bastante presente no mundo, principalmente,
no Brasil.
Alguns agrotóxicos usados na produção agrícola, são classificados como
altamente tóxicos. Em relação à utilização desses, nas últimas décadas no Brasil
houve um aumento significativo, destacando-se, mundialmente, como o país
que mais consome agrotóxicos. Nos últimos 40 anos houve um aumento de,
aproximadamente, 700% no uso desses produtos (SPADOTTO; GOMES,
2017). As regiões brasileiras que mais utilizam é o Sudeste (38 %) e o Sul (31
%), especialmente devido ao cultivo de soja (SPADOTTO; GOMES, 2017),
que vem se estendendo ao longo dos campos sulinos e consequentemente
afetando drasticamente a biodiversidade dessas regiões.
A maior parte dos agrotóxicos utilizados na agricultura apresentam
efeitos graves aos seres vivos, alguns possuem potencial mutagênico,
teratogênico e carcinogênico (PERES; MOREIRA; DUBOIS, 2003). Podem
causar a poluição do solo e dos recursos hídricos, o que consequentemente
leva ao desequilíbrio dos ecossistemas (ANDREOLI et al., 2007).
Estes produtos podem também ameaçar a sobrevivência de espécies,
colocando-as em risco de extinção. A mortalidade de determinados organismos
que são importantes no controle populacional de outros seres vivos, podem
contribuir para o rompimento de interações bióticas entre espécies, levando
a um aumento ou declínio populacional indesejado. Alguns agrotóxicos
podem ainda se acumular na cadeia trófica, afetando seres vivos de níveis
tróficos diferentes ou até mesmo acabar selecionando linhagens resistentes de
organismos, o que possivelmente potencializará a necessidade do uso de mais
agrotóxicos (SOARES; PORTO, 2007).
Assim, considerando as implicações dos agrotóxicos à saúde,
biodiversidade e aos recursos naturais, considera-se importante conhecer as
compreensões dos estudantes sobre o assunto. Por isso, o presente estudo
tem como objetivo identificar a percepção dos estudantes de uma turma
de segundo ano do Ensino Médio sobre os agrotóxicos, visto que isso pode
contribuir na elaboração e implementação de intervenções escolares acerca da
temática.

Metodologia
Este estudo caracteriza-se por ser de cunho qualitativo, neste “o
pesquisador busca descrever a reação de cada aluno ou do grupo de alunos
segundo sua percepção ou segundo as palavras dos alunos, descrevendo o
145
Entremeios da Educação Contemporânea

comportamento frente à nova abordagem” (MALHEIROS, 2011, p. 189).


Além disso, é de natureza exploratória (GIL, 2002), pois busca identificar a
percepção de 26 estudantes de uma turma do segundo ano do Ensino Médio
do município de Nova Esperança do Sul. A cidade localiza-se na região central
do estado do Rio Grande do Sul.
A coleta de dados ocorreu através da implementação de um questionário
com a turma. O instrumento possuía nove questões, sendo estas abertas e
fechadas, conforme pode ser observado abaixo.

Quadro 1: Questionário implementado com a turma

Idade: ____________
Gênero: ____________
Residente: ( ) Rural ( ) Urbano

1) Você conhece alguém que faz o uso de agrotóxicos? Se sim, quem?


2) Descreva com suas palavras o que você entende sobre agrotóxicos:
3) Você acha que o uso de agrotóxicos é indispensável para uma boa produção
de alimentos? Por quê?
4) Os agrotóxicos podem causar contaminações aos seres vivos e ao ambiente?
Se sim, cite exemplos:
5) Em sua opinião, porque os agrotóxicos são amplamente utilizados na
agricultura?
6) Você conhece alguma alternativa sustentável de produção que não faz o uso
de agrotóxicos? Se sim, cite exemplos:
7) Em sua opinião, os agrotóxicos devem continuar a ser utilizados, por quê?
8) Algum professor já trabalhou ou discutiu o tema agrotóxico? Caso a resposta
seja “sim”, em quais disciplinas ou momento foi trabalhado este tema?
9) Você considera importante discutir sobre agrotóxicos na escola, por quê?
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Os questionários foram analisados primeiramente para identificar


as concepções dos educandos e as suas noções sobre o tema. A partir da
obtenção dos resultados, os mesmos foram categorizados de acordo com
padrões observados nas respostas feitas pelos estudantes. Para manter o sigilo
das identidades, os estudantes receberam números sequenciais (Exemplo:
estudante 1, estudante 2, etc.). Neste texto, o foco é mostrar e discutir alguns
dos resultados obtidos por meio das percepções dos estudantes acerca dos
agrotóxicos.
146
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Resultados e discussão
Esta investigação é parte de um estudo mais amplo (PEREIRA;
COUTINHO; IDALGO, 2019), o qual parte da necessidade de identificar as
compreensões prévias dos estudantes e a pertinência da temática (MORENO,
2019). Posteriormente a essa análise, foi desenvolvida uma sequência didática,
que buscava discutir as implicações dos agrotóxicos sobre o meio ambiente
e saúde, bem como demonstrar a viabilidade dos métodos alternativos
de produção (PEREIRA; COUTINHO; IDALGO, 2019). Por isso, essa
investigação foi utilizada para estruturar as problematizações e conhecimentos
que seriam abordados (MORENO, 2019). Esta etapa, não substituiu,
obviamente, as provocações e problematizações desenvolvidas na intervenção.
Da análise dos resultados, identificou-se que do total de estudantes, 19
residem na área urbana e sete na área rural. Já na pergunta que visava verificar
se os estudantes conheciam alguém que fazia o uso de agrotóxicos, obteve os
seguintes resultados:

Gráfico 1: Resultados obtidos a partir da pergunta: “Você conhece alguém que faz o uso
de agrotóxicos?”

Fonte: elaborado pelas autoras.

O gráfico 1 acima, demonstra que todos os estudantes conhecem


alguém que faz uso destes produtos, assim, a temática apresenta relevância para
ser abordada no contexto escolar. Do total de estudantes, 4 deles mencionaram
que já fizeram o uso de agrotóxicos, por isso, compreender os prejuízos
causados à saúde e ao meio ambiente pelo seu uso excessivo e inadequado
pode favorecer na compreensão da necessidade de cumprir adequadamente
147
Entremeios da Educação Contemporânea

as regras de segurança, no que tange a sua aplicação, armazenamento e


transporte. Além disso, pode favorecer com que esses sujeitos considerem o
uso e conheçam a importância dos métodos alternativos de produção, tendo
em vista que são mais sustentáveis.
As próximas questões que serão discutidas tinham como objetivo
verificar as percepções dos estudantes referentes à temática agrotóxicos.
A primeira questão, perguntava: “Você sabe o que são agrotóxicos?”. Nesta
pergunta, fica evidente que, embora, os estudantes compreendam o que são os
agrotóxicos, ainda apresentam percepções equivocadas, demonstrando assim
um conhecimento superficial sobre o assunto (Tabela 1).

Tabela 1: Resultados obtidos a partir da questão de número um do primeiro


questionário

Categorização das respostas Nº de respostas

Venenos 12
Substâncias protetoras 10
Produtos para conservação da planta 4

Conforme os resultados da Tabela 1, a maioria dos estudantes


compreendem equivocadamente que os agrotóxicos atuam na proteção e
conservação das plantas, não sendo mencionado em nenhuma das respostas
que estes produtos podem também causar danos a morfologia e fisiologia
vegetal da planta receptora. Abaixo seguem alguns exemplos de respostas
citadas pelos estudantes que corroboram ao que foi mencionado:
São venenos utilizados para a proteção de plantas contra insetos e gramas,
ajudam ainda a melhorar a qualidade da planta (Estudante 20).

É um tipo de veneno colocado na lavoura para eliminar coisas ruins presentes


nas plantas em geral, eles são muito importantes para a produção de alimentos
(Estudante 4).

Agrotóxicos são produtos utilizados para a conservação de alimentos


(Estudante 8).
Estas respostas demonstram que há uma percepção de que os
agrotóxicos auxiliam na conservação de alimentos, contribuindo para o seu
desenvolvimento. Todavia, estas substâncias agrícolas, embora, contribuam
no controle populacional de insetos que causam prejuízos às plantações, não
agem no melhoramento, tampouco, na qualidade da produção. Pelo contrário,
contaminam as plantas, causando efeitos, como: clorose, mutações e má
formação (BRISOTTO; PEREIRA; FLORES, 2019; PEREIRA; MORO;
FLORES, 2019), que podem prejudicar no desenvolvimento vegetal e, por
148
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

conseguinte, afetar a reprodução da planta. Isso, pode ocorrer devido aos


desequilíbrios nutricionais ocasionados pela aplicação de agrotóxicos. Neste
sentido, a deficiência de macro e micronutrientes pode levar ao surgimento
de alguns sintomas vegetais, tais como os mencionados acima (TOKESHI,
2018).
Na segunda questão, a qual questionava: “Você acha que o uso de
agrotóxicos é indispensável para uma boa produção de alimentos? Por quê?”. Nesta
questão 25 estudantes destacaram que sim; apenas um estudante destacou que
existiam outras possibilidades de produções que não necessitavam do uso de
pesticidas. Conforme as exemplificações abaixo:
Sim, pois são os agrotóxicos que eliminam as coisas ruins do alimento e assim
ajuda aumentar a produção de alimentos, para a gente poder comer (Estudante
4).

Acho que sim, pois os agrotóxicos eliminam os vestígios não comestíveis das
verduras e alimentos, ajudam matar os insetos e outras impurezas. (Estudante
5).
Como pode ser visto acima, a maioria dos estudantes compreendem
que os agrotóxicos são indispensáveis na produção de alimentos. Interpreta-se
que os animais que causam prejuízos às plantações são vistos como inimigos,
e, por isso, devem ser mortos. Percebe-se também, em muitos momentos, que
não é atribuído valor ambiental a estes organismos. Isto pode ser visualizado
quando os estudantes utilizam os termos “coisas ruins”, “vestígios não
comestíveis”, “impurezas” ao se referir a estes seres. Os resultados desta pesquisa
assemelham-se aos obtidos pelos pesquisadores Cruz, Messias e Ribeiro
(2020) em que os estudantes do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola
do Mato Grosso, consideraram os agrotóxicos como produtos necessários
para defender as plantações de pragas ou insetos. É notável, infelizmente,
que a percepção dos estudantes dos diferentes estados é semelhante quanto
a necessidade do agrotóxico para eliminação de insetos e sem considerar a
importância ecológica desses organismos.
Entretanto, se analisar do ponto de vista que muitos pais e mães dos
estudantes sobrevivem da agricultura familiar, é compreensível que haja essa
percepção, porque quando há um alto índice de insetos nas plantas, estes
acabam prejudicando a colheita e por consequência a renda do agricultor.
Contudo, é necessário, ao mesmo tempo discutir que as espécies possuem um
papel ecológico essencial na natureza e que os agrotóxicos podem afetar a sua
sobrevivência. A exemplo disso, muitas espécies de abelhas, estão ameaçadas
de extinção em função do uso excessivo e inadequado de agrotóxicos. Esses
animais são responsáveis por grande parte da polinização, contribuindo
significativamente na preservação da vida vegetal, na variabilidade genética
149
Entremeios da Educação Contemporânea

e na manutenção da biodiversidade como um todo (ROCHA; ALENCAR,


2012). Portanto, o seu declínio populacional ou a sua extinção coloca em risco
a permanência de outros organismos (animais e vegetais), que despenham
relações ecológicas interdependentes.
Na questão de número três que perguntava: “Existem riscos a partir
do uso de agrotóxicos, se sim, o que pode causar ao meio ambiente? Justifique sua
resposta”, os estudantes reconheceram que os agrotóxicos podem causar riscos
ambientais. Mencionaram que esses produtos podem causar contaminações
aos recursos naturais e aos seres vivos (Tabela 2).

Tabela 2: Resultados obtidos a partir da questão de número três do questionário

Categorização das respostas Nº de respostas


Contaminação do solo 13
Contaminação do ar 22
Contaminação da água 18
Contaminação da vegetação 20
Contaminação dos animais 20

Conforme observado na tabela 2, diversos estudantes apontaram


contaminação em mais de uma possibilidade, como por exemplo, ao solo e
a água. Todavia, quando foram questionados sobre o porquê dos agrotóxicos
causarem tantos impactos ambientais, a maioria não soube responder. Uma
parcela da turma justificou que os alimentos contaminados poderiam causar
problemas à saúde dos seres humanos, além disso, outros argumentaram
que, embora, ajudasse as plantas no combate aos animais que se alimentam
dela, poderiam ser prejudiciais aos outros animais que vivem ao entorno.
Contudo, ao observar as respostas, não há maior detalhamento sobre demais
consequências ao ambiente.
Essas respostas demonstram uma contradição no discurso, pois, hora
os estudantes mencionam que os agrotóxicos afetam a sobrevivência dos
animais e em outros momentos comentam que mesmo assim é importante
combater aqueles que causam prejuízos. Isso, pode representar uma situação-
limite que está naturalizada por esses sujeitos, como se fosse algo necessário
e indispensável - seja a qualquer custo. Freire (2018) ao discutir os Temas
Geradores, salienta que “o fato de que indivíduos [...] não captem um tema
gerador, só aparentemente oculto ou o fato de captá-la de forma distorcida,
pode significar, já, a existência de uma situação-limite de opressão em que os
homens se encontram mais imersos que emersos” (FREIRE, 2018, p. 132).
Embora, neste caso, esse tema, não seja um Tema Gerador, é possível sinalizar
150
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

que as situações-limites nem sempre são perceptíveis ou compreendidas pelos


sujeitos, pelo contrário, normalmente, são implícitas visto que há um processo
de naturalização imposta pelos interesses dominantes.
Assim, a percepção de que os agrotóxicos são essenciais para a produção
agrícola é fruto de um discurso capitalista, o qual apresenta interesses
particulares - a favor de poucos e contra muitos. Em relação a essa situação,
Moreno (2019) classifica essa temática como uma controversa sociocientífica.
Conforme a mesma autora a presente perspectiva busca problematizar temas
polêmicos que são de interesse da população, os quais envolvem elementos de
natureza científica, social, política e que exigem uma tomada de decisão. Por
isso, considera-se como importante alfabetizar científico-tecnologicamente
os sujeitos para que compreendam que nem todos os avanços científicos são
contributivos e salvacionistas dos problemas da humanidade, pelo contrário,
muitos podem apresentar prejuízos à população (AULER; DELIZOICOV,
2001; AULER, 2011), a exemplo dos agrotóxicos.
Sobre a alfabetização científica alçada na perspectiva freireana, Auler
e Delizoicov (2001) a compreendem como um processo que deve ocorrer
de maneira problematizadora e dialógica, buscando gerar nos estudantes a
reflexão acerca das interações e implicações da Ciência, Tecnologia e Sociedade.
Além disso, os autores, discutem que as provocações devem ter como objetivo
superar a concepção fatalista, neutra e ingênua normalmente atribuída a
Ciência e a Tecnologia. Deste modo, percebe-se que ainda existem muitas
limitações atreladas a compreensão desta temática, justificando a necessidade
de abordagens pautadas na criticidade e articulada ao universo existencial
desses sujeitos.
Na questão de número quatro, a qual perguntava: “Em sua opinião,
porque os agrotóxicos são amplamente utilizados na agricultura?”, a maioria da
turma respondeu que era devido à melhoria na produção de alimentos (Tabela
3).

Tabela 3: Resultados obtidos a partir da questão de número quatro

Categorização das respostas Número de respostas


Porque melhora a produção agrícola 18
Porque evita/mata bactérias, fungos e animais 6

Porque melhora a qualidade do alimento 8

Conforme é possível observar na tabela acima, a percepção sobre o


uso dos agrotóxicos está justificada pelos estudantes em relação a melhoria
dos alimentos, esta visão pode ser oriunda da convivência de pessoas próximas
151
Entremeios da Educação Contemporânea

e até mesmo ser a fonte da renda familiar. Fernandes e Stuani (2015, p. 758)
indicam:
A possível compreensão que o uso de agrotóxico para combater pragas é um
dos responsáveis pelo aumento da produção de alimentos e consequentemente
do aumento da renda familiar do agricultor pode gerar dificuldades na
aceitação dos estudantes acerca dos efeitos negativos oriundos da utilização
desses defensivos agrícolas. No entanto, mesmo frente a novas dificuldades, a
abordagem de tal temática é de fundamental importância.
Partindo da afirmação acima, as pesquisadoras supracitadas destacam
que a dificuldade de aceitação e relação com os malefícios dos agrotóxicos
é devido o contexto de alguns estudantes, vinculados a base financeira das
famílias, mas mesmo diante da realidade dos educandos a temática é iminente
no ensino.
Na quinta pergunta era questionado “Você conhece alguma alternativa
sustentável de produção que não faz o uso de agrotóxicos? Se sim, cite exemplos:”,
apenas sete estudantes responderam que sim, isto é, que existem formas
alternativas de produzir sem utilizar agrotóxico. No entanto, 19 estudantes
destacaram que não conheciam ou não existiam alternativas para a produção
agrícola. Os sete estudantes que afirmaram que conheciam métodos
alternativos de produção, citaram os produtos transgênicos, a agricultura
orgânica, e a produção hidropônica, contudo, nesta última também há o
uso, em muitos casos, de produtos químicos. Por isso, salienta-se para o fato
de que somente um dos estudantes mencionou a produção orgânica como
possibilidade, porém, sem fazer menção às técnicas utilizadas na produção.
Desta maneira, é possível constatar que há conhecimentos equivocados,
embora, não estejam totalmente incorretos. Pois, há também uso de agrotóxicos
nas plantas geneticamente modificadas (transgênicas). Um exemplo disso, é
o caso de um tipo de soja transgênica, que foi alterada geneticamente para
ser resistente ao glifosato. Reflexo dessa situação, é um aumento no uso
desses produtos, sem afetar a germinação e desenvolvimento inicial da planta,
seguindo assim a mesma lógica da agricultura convencional (LONDRES,
2011). Atualmente, no Rio Grande do Sul, áreas nativas estão sendo convertidas
para cultivo de soja, devido a expansão massiva na sua produção. Reflexo
disso, é o aumento do uso de glifosato e, concomitantemente, resultando no
aumento de plantas resistentes a esse produto. Por isso, estão sendo utilizada
uma mistura produzida a partir do glifosato e do 2,4- diclorofenoxiacético -
um herbicida sistêmico, classificado como altamente tóxico (TAKANO, et
al., 2013). Por este motivo, essas discussões representam um problema local
vivenciado pelos sujeitos da turma, demonstrando novamente a importância
de discutir a temática no contexto escolar.
Na questão de número seis “Em sua opinião, os agrotóxicos devem
152
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

continuar a ser utilizados, por quê?”, 21 estudantes responderam que sim,


quatro afirmaram que não deveriam ser utilizados e apenas um mostrou-se
indiferente (Tabela 4).

Tabela 4: Resultados obtidos a partir da questão de número seis do primeiro


questionário

Categorização das respostas Nº de respostas


SIM Sim, para o controle de pragas. 9
Sim, para aumentar a produção de 7
alimentos.
Sim, para melhorar a qualidade dos 6
alimentos.
Sim, porém com cautela. 1
NÃO Porque prejudica a saúde dos seres 2
humanos
Contamina os alimentos 1
Como pode ser visualizado na tabela 4, poucos discentes discordam
que os agrotóxicos devem continuar sendo utilizados. Mas, percebe-se,
como já apresentado neste trabalho, que os argumentos apresentados estão
apenas referindo-se a saúde humana, sem que haja menção à outras formas
de vidas prejudicadas por esses produtos. Isto decorre, provavelmente, pelo
desconhecimento do assunto e considerando o contexto e fonte de renda de
uma parcela expressiva dos estudantes.
As duas últimas questões tinham como objetivo identificar algumas
informações que poderiam contribuir para o melhor desenvolvimento
da proposta de ensino que seria realizada posteriormente (PEREIRA;
COUTINHO; IDALGO, 2019). Na questão sete era questionado “Algum
professor já trabalhou ou discutiu o tema agrotóxico? Caso a resposta seja “sim”, em
quais disciplinas ou momento foi trabalhado este tema?”, apenas um estudante
respondeu que já havia sido trabalhado este tema, entretanto, na outra
escola que ele estudava, e a atividade ocorreu em forma de palestra durante a
realização da semana do meio ambiente.
Na última questão: “Você considera importante discutir sobre agrotóxicos
na escola, por quê?”, todos os estudantes responderam a importância em discutir
a temática em sala de aula, sob a justificativa de que os agrotóxicos causam
prejuízos aos seres humanos. Contudo, pelo que consta nas respostas, não há
uma compreensão acerca de quais são esses impactos, como fica explícito pelas
respostas abaixo:
Sim, pois sempre se pensa no benefício em relação à renda, mas não é pensado
153
Entremeios da Educação Contemporânea

em seus riscos e como poderia ser prejudicial, tanto para a saúde como para o
meio ambiente como um todo (Estudante 3).

Sim, porque sempre dizem que são importantes, mas eu gostaria de saber se é
realmente necessário o uso deles (Estudante 17).
Por fim, a partir da análise identifica-se que há uma percepção de que
os agrotóxicos são necessários para a produção de alimentos. Além disso,
percebeu-se que aparentemente não há preocupação com as espécies animais
e vegetais que são afetadas pelos agrotóxicos. Portanto, tendo em vista a
importância ecológica de diversas espécies, torna-se importante a abordagem
dessa temática na escola. Isso, pode gerar reflexões sobre o uso destes produtos,
bem como contribuir na compreensão de conteúdos de biologia e de outras
áreas, quando se trabalhado numa lógica interdisciplinar.
Estudos demonstram a potencialidade da temática em se trabalhar
diversos conhecimentos científicos. Exemplo disso, é favorecer a compreensão
das relações ecológicos, cadeia/teia alimentar, mutação, fotossíntese, dentre
outros (PEREIRA; COUTINHO; IDALGO, 2019). Ademais, Moreno
(2019) seleciona conteúdos que podem ser trabalhados interdisciplinarmente
a partir da temática, demonstrando possibilidades a partir da área das Ciências
da Natureza (ex: ciclos biogeoquímicos, trocas de cátions, energia, reações
químicas, etc.) e da Ciências Humanas (ex: Revolução Verde, Distribuição de
Alimentos, Produção Orgânica, etc.). Fernandes e Stuani (2015) enfatizam
em suas pesquisas com licenciandos da Educação do Campo a compreensão
dos professores em formação em abordar a temática de agrotóxicos sob olhar
interdisciplinar, rompendo apenas aspectos conceituais.
A importância da abordagem interdisciplinar é defendida por Auler
(2007b) quando explicita que os temas devem ser trabalhados a partir de diversos
olhares disciplinares para que possam ser efetivamente compreendidos, visto
que, apresentam conhecimentos que perpassam mais de uma disciplina. Em
corroboração a isso, os autores Marques, Drehmer-Marques e Brancher (2020)
apontam que as temáticas ambientais devem ser abordadas nos diferentes
componentes curriculares e nos diversos níveis e modalidades de ensino, uma
vez que os temas aparecem com maior frequência nas disciplinas de ciências
e biologia, sendo necessário um debate amplo das questões ambientais e
sociais nas diferentes áreas do conhecimento. É preciso refletir sobre o ensino
de ciências e a importância de temáticas ambientais como a discutida neste
trabalho, além do campo conceitual da área das ciências da natureza, mas
repensar de uma forma holística e interdisciplinar com as demais áreas do
conhecimento quanto a questões sociais, econômicas e políticas. Desta forma
busca-se um ensino significativo contextualizado com abordagem de temas
atuais e pertinentes, contribuindo além dos conteúdos conceituais e sim
contribuindo com a formação de estudantes críticos, reflexivos e cidadãos
154
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

ativos na tomada de decisões.

Considerações finais
A análise das percepções dos estudantes acerca da temática agrotóxicos
demonstra que esses sujeitos ainda compreendem ingenuamente que esses
produtos são indispensáveis para a produção agrícola, embora, percebam
que causam prejuízos ao meio ambiente e a saúde. Além disso, um outro
resultado observado é a ausência dessas discussões na Educação Básica, o
que também pode ocorrer em outras escolas. Embora as discussões sejam
tímidas neste contexto, os estudantes demonstram interesse em aprofundar os
conhecimentos acerca da temática.
Por tudo isso, salienta-se a importância de se utilizar a temática
agrotóxicos dentro dos espaços educativos, no intuito de desenvolver nos
educandos uma sensibilização sobre a preservação ambiental. Além disso,
considera-se importante a utilização desta temática, considerando que para
além de favorecer uma sensibilização, pode contribuir na compreensão de
conteúdos de biologia, pois aproxima o conhecimento escolar sistematizado
aos conhecimentos da realidade dos estudantes.
Espera-se através deste estudo contribuir para a abordagem da temática
agrotóxicos no contexto escolar, além de servir como indicativo da existência
de compreensões equivocadas acerca de suas finalidades, implicações e uso.
Sugere-se ainda o uso de propostas interdisciplinares, pois a temática de
agrotóxicos deve ir além da abordagem em somente um componente curricular
como o caso da biologia, a temática deve extrapolar fronteiras disciplinares
e ser debatida amplamente sobre diferentes perspectivas e contribuições de
diversas áreas do conhecimento.

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JOGO “A TRILHA CEM POR CENTO” NO ENSINO
DE MATEMÁTICA: UMA PROPOSTA PRÁTICA

Eduardo dos Santos de Oliveira Braga1


Valéria da Silva Lima2
Luiz Felipe Santoro Dantas3
Thiago Rodrigues de Sá Alves4

Introdução

A partir de leituras, observações e ações na docência do ensino


fundamental, percebemos a grande dificuldade no exercício do
magistério para o ensino de matemática, bem como a compreensão discente
sobre os conceitos, operações e resolução de problemas. Tendo em vista a
importância do ensino de matemática na segunda fase do ensino fundamental,
tecemos reflexões e apresentamos, por meio de uma atividade prática, um
caminho possível para que o objeto de conhecimento porcentagem seja
acessível e construtor de conhecimentos de maneira compreensível e dinâmica.
Percebemos nos anos de docência que muitos estudantes chegam ao
sexto ano do ensino fundamental com muitas lacunas em conhecimentos
matemáticos, faltando, muitas vezes, os pré-requisitos básicos para a
continuidade de aprendizagens e abstrações posteriores, causando, em muitos
casos, um mal estar educativo em sala de aula. Seja em um silenciamento e
distanciamento discente e ou desânimo docente, as dificuldades no ensino de
matemática ainda são um caminho que merece atenção e estudos.
A Base Nacional Comum Curricular afirma que:
No Ensino Fundamental, essa área, por meio da articulação de seus diversos
campos – Aritmética, Álgebra, Geometria, Estatística e Probabilidade, precisa

1 Mestre em Matemática – UFRJ; Doutorando em Ensino de Ciências do IFRJ – PROPEC;


Docente de Matemática IFRJ e Mediador presencial do curso de Licenciatura em Matemática –
UFF oferecido pelo Consórcio CEDERJ; [email protected]
2 Mestre e doutoranda em Ensino de Ciências do IFRJ – PROPEC; Docente e Pedagoga da
Prefeitura Municipal de Barra Mansa e Mediadora presencial do curso de Pedagogia – UNIRIO
oferecido pelo Consórcio CEDERJ; [email protected]
3 Mestre em Ensino de Ciências da Natureza da UFF – PPECN; Doutorando em Ensino de
Ciências do IFRJ – PROPEC; Mediador presencial do curso de Licenciatura em Química –
UFRJ oferecido pelo Consórcio CEDERJ; [email protected]
4 Mestre em Ensino de Ciências da Natureza da UFF – PPECN; Doutorando em Ensino de
Ciências do IFRJ – PROPEC; Mediador presencial do curso de Licenciatura em Química –
UFRJ oferecido pelo Consórcio CEDERJ; [email protected]
160
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

garantir que os alunos relacionem observações empíricas do mundo real a


representações (tabelas, figuras e esquemas) e associem essas representações
a uma atividade matemática (conceitos e propriedades), fazendo induções e
conjecturas. Assim, espera-se que eles desenvolvam a capacidade de identificar
oportunidades de utilização da matemática para resolver problemas, aplicando
conceitos, procedimentos e resultados para obter soluções e interpretá-las
segundo os contextos das situações. (BRASIL, 2017. p. 263)
Denota-se, assim, a importância de tornar a matemática ensinada em
sala de aula mais próxima da realidade dos estudantes e, por meio de elementos
lúdicos, familiarizá-los com a disciplina, formando cidadãos capazes de utilizá-
la para resolver problemas reais envolvendo porcentagem. Sendo assim:
compete ao professor funções que extrapolam ao de mero expositor. Cabe
a ele, além de organizar todo o processo ensino-aprendizagem, incentivar a
participação dos alunos, mediar esse processo, enfim, permitir e prover os meios
para que o aluno possa atuar em sala de aula. O papel do professor muda de
comunicador de conhecimento para o de observador, organizador, consultor,
interventor, controlador e incentivador da aprendizagem (CARDOSO;
OLIVEIRA, 2019, p. 73-74)
“O direito à educação é um direito social de cidadania genuína, porque
o objetivo da educação, durante a infância, é moldar o adulto em perspectiva”
(FERREIRA, 1993, p.14). Com isso, corroboramos com o pensamento de
Kramer (2006) de que:
As crianças têm o direito de estar numa escola estruturada de acordo com
uma das muitas possibilidades de organização curricular que favoreçam a sua
inserção crítica na cultura. Elas têm direito a condições oferecidas pelo Estado
e pela sociedade que garantam o atendimento de suas necessidades básicas em
outras esferas da vida econômica e social, favorecendo, mais que uma escola
digna, uma vida digna (KRAMER, 2006, p. 811-812).
Diante dos desafios no ensino da matemática, objetivamos apresentar
uma possibilidade de trabalho por meio de um jogo didático matemático para o
ensino de porcentagem – “A Trilha Cem por Cento”. Para isso, fundamentamos
em alguns autores em uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa.
Abordaremos a importância do uso de elementos lúdicos, como os jogos, na
relação teoria e prática docente. Em seguida, descreveremos o jogo “A Trilha
Cem por Cento”, suas regras e o relato de experiência proposto a vinte alunos
do sexto ano, de uma escola pública municipal do Estado do Rio de Janeiro.

Fundamentação teórica
A consciência de que a matemática é tomada como uma disciplina com
alto índice de dificuldade não é novidade. Porém, precisamos nos posicionar
frente a esta questão na busca de explicações e ações que tentem responder
por que os alunos sentem tamanha dificuldade em aprender matemática e os
161
Entremeios da Educação Contemporânea

docentes dificuldades para o ensino.


A grande causa do fracasso no ensino e aprendizagem de matemática está no
aproveitamento de propostas pedagógicas defasadas que não conseguem
atrair o interesse do aluno pelos conteúdos propostos, justamente por não
haver nenhum vínculo com atividades que correspondam às necessidades
dos mesmos. Com todo avanço tecnológico, no mundo da informação
e comunicação, percebe-se visivelmente as dificuldades de minimizar as
defasagens entre os conceitos abstratos com práticas contextualizadas e
inovadoras (PONTES, 2019, p. 18).
Sabemos, como profissionais da área, que a matemática é uma
construção humana, está inserida em nossa vida e lidamos com seus
conhecimentos nas medidas, na contagem do tempo, nos valores monetários,
nas compras e vendas. Dessa forma, percebemos que a matemática não se
reduz a números e contas, mas conceitos de álgebra, geometria, grandezas e
medidas, probabilidade e estatística. (BRASIL, 2017). Uma das características
que faz da disciplina um pesadelo para alguns alunos é que não conseguem
encontrar uma utilidade prática para o cotidiano. Com o intuito de minimizar
esta aversão e aumentar o desejo pela aprendizagem, vários autores propõem
relacionar a teoria com a realidade prática do aluno. O escritor e pesquisador
da educação matemática D`Ambrósio (1986, p. 43) é um exemplo disso ao
dizer que:
O valor da teoria se revela no momento em que ela é transformada em prática.
No caso da educação, as teorias se justificam na medida em que seu efeito se
faça sentir na condução do dia-a-dia na sala de aula. De outra maneira, a teoria
não passará de tal, pois não poderá ser legitimada na prática educativa.
Um dos cuidados que devemos nos ater quando refletimos sobre teoria
e prática é o de não transpassar a ideia de que a teoria por si só não é válida. Pelo
contrário, é chegarmos à conclusão de que o real valor da teoria se identifica
no momento em que a mesma é transformada em prática, podendo ser vista
e utilizada de forma contributiva. Na educação, a teoria recebe seu verdadeiro
e real prestígio quando o aluno consegue transportá-la para o seu cotidiano.
Cunha (2000, p. 8) nos revela que: “saber teorias é importante, mas é preciso
saber aplicá-las a nossa realidade e ainda criar coisas novas de acordo com
nossos interesses e recursos”. D`Ambrósio (1986) ressalta ainda a pesquisa
como ferramenta de elo entre a teoria e a prática. Deixando claro que para
melhor entendimento e aplicação deste paradigma é necessário tornar-se não
apenas um professor, mas sim um professor-pesquisador, que está enraizado
em um olhar crítico não só sobre a educação em geral, mas que se preocupa
com a sua própria prática pedagógica, buscando, com isso, melhorias para o
todo.
Sendo a pesquisa o elo entre teoria e prática, parte-se para a prática e, portanto,
se fará pesquisa, fundamentando-se em uma teoria que, naturalmente, inclui
162
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

princípios metodológicos que contemplam uma prática. Mas um princípio


básico das teorias são resultados das práticas. Portanto, a prática resultante da
pesquisa modificará ou aprimorará a teoria de partida. E assim modificada ou
aprimorada essa teoria criará necessidade e dará condições de mais pesquisa,
com maiores detalhes e profundidade. O que influenciará a teoria e a prática.
Nenhuma teoria é final, assim como nenhuma prática é definitiva, e não
há teoria e prática desvinculadas. A aceitação desses pressupostos conduz à
dinâmica que caracteriza a geração e a organização do conhecimento:...teoria-
prática-teoria-prática-teoria... (D`AMBRÓSIO, 1996, p.81).
Sendo assim, os professores de matemática de qualquer nível, em
especial do ensino fundamental, têm como eixo orientador a dedicação
e o planejamento de aulas voltadas para a realidade do aluno, objetivando
melhorias na educação e despertando, assim, o interesse e a participação
dos discentes durante as aulas de matemática. D`Ambrósio (1996) deixa
explícito que não há teoria e prática separadas, desvinculadas e que cabe a
nós professores fazer essa ligação, esse vínculo, pois teoria e prática precisam
caminhar juntas, uma complementando a outra. Diante disso, conseguiremos
avançar na conscientização de que a matemática ocupa grande valor na vida
de todo ser humano, mostrando-lhes principalmente o quanto a mesma é útil
e necessária.
Neste sentido, diversos autores apontam o trabalho com os jogos
como meio de tentar realizar essa interligação entre teoria e prática. Lorenzato
(2006) ressalta a relevância do material concreto para a aprendizagem ao citar
que as palavras apenas auxiliam, mas não são suficientes para a relação de
ensino e aprendizagem. Piaget (1998, p. 158) destaca o poder do jogo para
a aprendizagem da criança dizendo que “em todo lugar onde se consegue
transformar em jogo a iniciação à leitura, ao cálculo, ou à ortografia, observa-
se que as crianças se apaixonam por essas ocupações comumente tidas
como maçantes”. Borin (1996, p. 9) traz a inserção dos jogos nas aulas de
matemática como uma “possibilidade de diminuir bloqueios apresentados por
muitos de nossos alunos que temem a matemática e sentem-se incapacitados
para aprendê-la”.
Trabalhar o lúdico no ensino de matemática é essencial para atender
à necessidade de elaborar aulas com maior aproveitamento e aprendizagens,
ajudando o indivíduo a analisar e compreender situações problema que
possam ser propostas em aula, transportando tais conhecimentos para o seu
dia a dia. Com isso, há possibilidade do aluno se conhecer e se desenvolver
por meio do seu conhecimento prévio e da realidade na qual ele está inserido.
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (2017) os recursos
didáticos e materiais, como malhas quadriculadas, ábacos, jogos, calculadoras,
planilhas eletrônicas e softwares de geometria dinâmica podem despertar
interesses e representar um contexto significativo para a aprendizagem e o
163
Entremeios da Educação Contemporânea

ensino de matemática. Entretanto, esses recursos e materiais precisam estar


contextualizados a situações que propiciem a ação reflexiva, a fim de contribuir
para a concretização dos conceitos matemáticos.
O ensino de matemática lúdica tem a sua importância apontada para
todos os níveis de escolarização, sendo o nosso olhar, nessa pesquisa, voltado
para o ensino fundamental a fim de intervir com aprendizagens diversas. É
nele que nos debruçamos no intuito de desenvolver uma intervenção prática
para análise, sendo uma importante fase em que a criança e o adolescente
afloram seu desenvolvimento e amadurecimento mental, pois
os processos matemáticos de resolução de problemas, de investigação, de
desenvolvimento de projetos e da modelagem podem ser citados como formas
privilegiadas da atividade matemática, motivo pelo qual são, ao mesmo
tempo, objeto e estratégia para a aprendizagem ao longo de todo o Ensino
Fundamental. (BRASIL, 2017, p. 264).
É importante destacarmos o desenvolvimento de interações
proporcionadas por atividades lúdicas. Não é só a relação professor e
aluno que se afina, mas também a interação da criança com seus colegas,
promovendo assim diálogos e trocas fundamentais para um significativo
avanço da aprendizagem. Sem contar que os alunos, por intermédio do
professor, tornam-se agentes ativos de seu próprio desenvolvimento.

Aspectos metodológicos
A metodologia se ancora na pesquisa bibliográfica a partir de autores
citados no referencial teórico. Nesse tipo de pesquisa, a principal vantagem é
que ela permite
ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla
do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Esta vantagem se torna
particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados
muito dispersos pelo espaço. (GIL, 2008. p. 50)
A abordagem tem caráter qualitativo onde há uma relação dinâmica
entre o mundo real e o sujeito, estabelecendo uma indissociabilidade entre o
mundo objetivo e a subjetividade do sujeito (CHIZZOTTI, 2006).
O jogo “Trilhas cem por cento” foi aplicado em uma Escola Municipal
do Rio de Janeiro com uma turma de 20 alunos do 6º ano. As ações e práticas
com a atividade do jogo foram descritas na forma como se deve jogar ” A Trilha
Cem por Cento” e no relato de experiência, onde, por meio de observações
e ações participantes, percorremos, em coletividade, os caminhos para que
os alunos desse segmento apreendessem conceitos e conhecimentos sobre o
objeto de conhecimento porcentagem.
164
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Resultados e discussão
Apresentaremos, nas linhas que se seguem, informações sobre o jogo,
a forma de confeccioná-lo, a sua dinamização e o relato da experiência no
campo, tendo no eixo temático os números e no objeto de conhecimento a
porcentagem, itens inscritos na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL,
2017) para a o sexto ano do ensino fundamental.

Descrição do jogo “A Trilha Cem por Cento” – uma possibilidade de


dinamização prática em sala de aula
O jogo “A Trilha Cem por Cento” é uma atividade didática que pode ser
trabalhada com alunos do ensino fundamental. Por meio do jogo e mediação
docente, intenciona-se que haja incentivo e motivação para que os alunos
realizem cálculos de porcentagem tanto no papel, quanto mentalmente. Isto
se dá pelo fato de ser esta uma atividade que induz o estudante a fazer as
contas para saber qual vai ser a sua próxima jogada, bem como para averiguar
se seus concorrentes estão realmente fazendo as operações de forma adequada.
É um jogo que permite ao aluno exercitar o objeto de conhecimento
porcentagem de modo mais atrativo, a partir de uma situação problema que o
motive a querer aprender sem que ele esteja engessado em repetitivos exercícios
que, normalmente, alguns livros didáticos ainda persistem em apresentar.
Com essa atividade, objetivou-se auxiliar os alunos na construção do
conhecimento, observando os percursos, por meio do olhar atento do docente
nos momentos de exercício e cálculo de porcentagem. Com isso, as unidades
temáticas deste jogo são os números e a álgebra. Já os objetos do conhecimento
para a exploração do jogo são as multiplicações e divisões.

Regras do jogo: um caminho possível para o ensino de matemática


O jogo é composto por um tabuleiro com cento e vinte casas, numeradas
de um a cento e vinte. Além disso, é preciso papéis coloridos que representarão
os marcadores de cada jogador em suas casas e um dado para que cada jogador
encontre o número de casas que caminhará numa determinada jogada. Ou
seja, joga-se o dado e o marcador anda tantas casas quantas o resultado da
jogada indicar. Vale ressaltar que este é um jogo fácil de ser construído e de
baixo custo, uma vez que o tabuleiro pode ser confeccionado com apenas uma
cartolina e uma caneta, conforme mostra a figura 1.
165
Entremeios da Educação Contemporânea

Figura 1 – Tabuleiro do jogo

Fonte: Arquivo de dados dos pesquisadores.

O jogo deve ter no mínimo dois jogadores. Todos os jogadores,


antes de iniciar a atividade, jogam o dado de seis lados e aquele que obtiver
o maior número inicia o jogo. O interessante da atividade é que existem
algumas casas especiais, ou seja, algumas casas que apresentam surpresas para
o jogador, conforme indicado na figura 2. Quando o jogador cai em uma das
casas especiais, sua função é realizar os cálculos (no papel ou mentalmente)
indicados na casa em questão. Com isso, o aluno poderá avançar diversas
casas ou mesmo retroceder no jogo, tornando, assim, a atividade ainda mais
interessante e estimulante para o aluno.

Figura 2 – Tabuleiro das casas especiais do jogo

Fonte: Arquivo de dados dos pesquisadores.

Para vencer o jogo é necessário que o aluno obtenha no dado o número


exato de pontos que faltam para a casa cento e vinte, que é a última casa (a casa
166
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

da chegada). Se o número sorteado for superior ao necessário, o participante


deverá retornar tantas casas quantos forem os pontos excedentes. Ganha o
jogador que terminar exatamente na casa de número cento e vinte.
Importante destacarmos a necessidade da presença da mediação docente
durante todo o percurso da atividade, analisando as dúvidas, as dificuldades
encontradas pelos alunos, os avanços alcançados e as interações coletivas que
são elementos de relevância para a prática do jogo e aprendizagens.

Relato da experiência - atividade de porcentagem dinamizada por


meio de um jogo
O encontro desta atividade foi de apenas dois tempos de aula, o
que equivale a uma hora e quarenta minutos. A turma selecionada foi,
segundo a coordenação da escola, a que apresentava os menores índices
de desenvolvimento escolar, além de indisciplina. Foi neste momento que
nos vimos frente a um enorme desafio de, em apenas dois tempos de aula,
conseguirmos fazer com que os estudantes se interessassem na proposta que
estávamos apresentando. Dessa forma, corroboramos com Freire (1996) no
sentido de investir na rigorosidade metódica para aproximar os alunos do
objeto do conhecimento. Essa proposta exige dos educadores criatividade,
instigação, inquietação, curiosidade, humildade e persistência.
No primeiro momento, fizemos uma rápida apresentação da proposta
da aula. Logo após, indagamos aos alunos se eles sabiam alguma coisa sobre
porcentagem ou se já haviam vivenciado no dia a dia aspectos relacionados a
esse objeto de conhecimento. Alguns responderam que sim, enquanto outros
ficaram em silêncio. Então, com o intuito de considerar o conhecimento prévio
do aluno, pedimos para que eles falassem, com as suas próprias palavras, o que
sabiam sobre o assunto. Neste momento um silêncio predominou na sala,
denotando o medo de se pronunciarem em público e dizerem alguma coisa
que o professor condenasse. Foi então que, incumbidos do papel de mediador
e não de detentor do saber, estimulamos as suas falas de modo que eles
pudessem se pronunciar sem medo e/ou vergonha. A partir daí conseguimos
ouvi-los e verificar as definições que estavam claras para os alunos, pois o bom
professor é aquele que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade
do movimento de seu pensamento. Sua aula é um desafio constante de buscas
e construções epistemológicas (FREIRE, 1996).
Em um segundo momento, colocamos alguns simples exemplos
de porcentagem no quadro e pedimos para que os alunos respondessem.
Solicitamos que alguns deles se deslocassem até o quadro para que tentassem
resolver os exemplos e, com isso, observamos como estava a turma, no modo
geral, em relação ao assunto em questão. Neste momento, alguns foram até
167
Entremeios da Educação Contemporânea

o quadro e fizeram o mesmo exemplo de, principalmente, duas maneiras


distintas: uns utilizavam a estrutura de regra de três simples para a resolução,
enquanto outros faziam uso apenas da multiplicação e da divisão de maneira
solta para responder à pergunta. Além disso, outros foram ao quadro e
colocaram somente a resposta, retirando dela sua construção.
De posse deste maior entrosamento e desta verificação de como os
estudantes se comportam diante da porcentagem, propomos a eles aprender
brincando. Foi então que apresentamos o Jogo da “Trilha Cem por Cento”
e explicamos todas as suas regras. Alguns mostraram entusiasmo desde que
mencionamos a palavra jogo, enquanto outros se mostraram indiferentes com
a proposta. Apresentamos o tabuleiro a eles e pedimos para que retirassem
todas as cadeiras do centro da sala e as amontoassem nos cantos da mesma,
para, assim, ganharmos espaço para jogarmos. Foi grande a movimentação
na sala, uns arrastando cadeira para lá, outros para cá, para no fim um dos
alunos perguntar: “e nós vamos sentar aonde?”. Foi aí que propomos: “Que
tal sentarmos no chão?”. Sentamos todos no chão e contamos quantos alunos
havia na sala. Vinte alunos estavam presentes. Pedimos para que os mesmos
se dividissem em quatro grupos de cinco pessoas. Foi outro alvoroço. Com os
grupos divididos, era a hora de distribuir os tabuleiros, os dados e os papéis
coloridos. Neste momento, foram surgindo algumas dúvidas por parte dos
alunos e nós juntos íamos conversando no intuito de solucioná-las.
É preciso saber provocar os alunos no sentido de que se refine a
curiosidade para a aprendizagem não somente dos conteúdos propostos, mas
também para que se estabeleça, com a mediação docente, compreensão sobre o
objeto do conhecimento de maneira ativa e, não passiva, para contextualização
na vida (FREIRE, 1996).
Depois que todas as dúvidas aparentemente foram solucionadas,
pedimos para que os alunos estivessem em mãos papel e caneta para
solucionarem os cálculos que fossem surgindo no decorrer de cada jogada.
No intuito das contas não serem realizadas por apenas um dos participantes
de cada grupo, solicitamos que todos se apoderassem de papel e caneta, pois,
com isso, não dariam margem para que outro jogador fizesse um cálculo que
o favorecesse. Além disso, informamos a eles que se precisassem de alguma
ajuda ou se surgissem alguma outra dúvida poderiam nos chamar para ajudá-
los na mediação do ensino. De posse de todas estas observações, iniciamos o
jogo.
Durante todo o jogo, fomos passando em todos os grupos com o objetivo
de observar as interações que estavam ocorrendo através desta aula lúdica.
Algumas dúvidas foram surgindo no decorrer de cada jogada e os estudantes
solicitavam a presença do professor para verificar se aquela determinada
168
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

operação estava ou não correta. Com isso, sentávamos no chão junto com
eles e discutíamos a dúvida em questão. Percebemos, neste momento, que
houve grande entrosamento da turma. Os alunos ficaram entusiasmados
com as atividades desenvolvidas. Percebemos também que quanto mais nos
afastamos de uma visão puramente tradicional de ensino e atribuímos ênfase
a metodologias lúdicas como o jogo e a brincadeira, mais induzimos a criança
a pensar e a refletir sobre suas próprias ações, possibilitando, assim, um
imensurável aprendizado (KRAMER, 2006).
Durante a dinâmica apresentada, era perceptível o interesse da turma
na aula. Vale ressaltar que escolhemos o jogo “Trilha Cem por Cento” por ser
de fácil acesso e nos permitir observar os alunos mais de perto, além de aguçar
o raciocínio lógico e a imaginação deles. Esta aula foi bastante proveitosa,
pois não somente desenvolvemos a atividade que havíamos planejado, como
também conseguimos o interesse e a participação ativa dos alunos envolvidos
na dinâmica da atividade proposta. Depois que obtivemos um ganhador de
cada grupo, recolhemos todos os rascunhos usados por eles ao decorrer da
atividade.
Neste último momento de nosso encontro, pedimos para que os
discentes, ainda sentados em grupo, respondessem quatro questões que
seriam expostas no quadro. Informamos que não mais poderiam contar com a
ajuda do professor; cada grupo deveria responder o seu próprio questionário.
Pedimos que eles analisassem as perguntas e as solucionassem em uma única
folha, por grupo, com o nome de todos os participantes. As questões foram:
1) Se seu marcador está na casa 100, que número deverá sair no dado,
na próxima jogada para você ganhar o jogo? 2) Invente uma regra para a
casa 60, que garanta a vitória de quem alcançá-la. 3) Quem “andaria” mais
casas: quem estivesse na casa 20 e a ordem fosse avançar 25% do caminho
percorrido ou quem estivesse na casa 25 e a ordem fosse avançar 20% do
caminho percorrido? Justifique sua resposta. 4) Em que casa você preferiria
“cair”: 16 ou 48. Por quê?
Estas perguntas foram o registro final da atividade. A resposta dada a
cada pergunta, por cada grupo, foi o que guiou a análise final sobre o jogo
proposto. Por fim, antes de liberar os alunos, abrimos uma roda, todos nós
sentados no chão, para que os mesmos pudessem se pronunciar com relação ao
jogo e também para que houvesse uma socialização e discussão dos resultados
encontrados através do questionário respondido ao final da atividade.

Análise da atividade proposta


Com a dinamização do Jogo “A Trilha Cem por Cento”, observamos
que o ensino de matemática, quando mediado por práticas pedagógicas
169
Entremeios da Educação Contemporânea

inovadoras, lúdicas, torna-se mais significativo e eficaz, como preconiza


alguns autores (LORENZATO, 2006; BORIN, 2007; RIBEIRO, 2009;
BRAGA e LIMA, 2020). Ratificamos isto pela observação de grande interesse,
participação e aprendizagem dos alunos durante a atividade em questão.
Durante a execução do jogo percebemos que a aceitação foi positiva,
pois os alunos participaram ativamente em todas as suas fases, demonstrando
alegria, motivação, saudável competitividade e trabalho em equipe, fazendo
com que as relações entre os participantes fossem potencialmente valorizadas.
À medida que as atividades se desenrolavam, os alunos construíam estratégias,
interpretavam e adaptavam as questões de acordo com os seus próprios
conhecimentos prévios adquiridos ao decorrer dos anos não só pela Instituição
Escolar, mas também com o seu cotidiano, visto que
A identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de
classe dos educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática
educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado. Tem que ver
com a assunção de nós por nós mesmos. (FREIRE, 1996, p.41).
Sendo assim, ao término do jogo, na conversa em roda e na análise
dada às quatro perguntas propostas, identificamos o quão proveitoso
e enriquecedor foi o nosso encontro. As respostas dadas pelos alunos
demonstraram que o conceito e as aplicações da porcentagem estavam bem
construídas e estruturadas por eles. Cabe destacar que isto se deu de maneira
não desgastante, repetitiva e desmotivadora, mas, pelo contrário, acreditamos
que tal atividade ajudou os alunos a diminuírem a aversão com relação às aulas
de matemática, em especial sobre porcentagem.
Após o findar do jogo, identificamos também alguns fatores que foram
essenciais para o sucesso das atividades. São eles: o planejamento da aula, a
identificação do tipo de jogo, a definição do objeto do conhecimento, o uso
do conhecimento prévio do aluno, o afastamento de métodos tradicionais
no ensino de matemática, o uso da resolução de problemas, interação,
dialogicidade entre outros fatores que interligados nos propiciaram um
enriquecedor encontro.
Essa prática lúdica mostrou-se importante não só na formação do
aluno, mas também do professor, pois permitiu a aplicação de teorias em
contextos práticos de sala de aula real, contribuindo, assim, para uma formação
diferenciada, inovadora e mais próxima da realidade dos alunos, visto que
“na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da
reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou
de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996. p. 39).
Amparados por todos estes fatos e as reflexões sobre a prática docente,
podemos concluir que o jogo atendeu nossas expectativas, contribuindo
170
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

expressivamente para a revisão e o aprendizado de porcentagem. Sendo


assim, o nosso objetivo foi alcançado ao se trabalhar na perspectiva de um
ensino baseado numa proposta dinamizada por um jogo, em que o aluno
participasse da aula e que fosse um agente ativo na construção do seu próprio
conhecimento e o professor um agente mediador do processo de ensino e
aprendizagem (CARDOSO; OLIVEIRA, 2019).

Considerações finais
Após o estudo teórico realizado junto a intervenção prática da
dinamização do jogo “A Trilha Cem por Cento”, percebemos que a
utilização de atividades lúdicas podem favorecer o aprendizado de conceitos
matemáticos, podendo ser utilizados dentro e até mesmo fora de sala de aula.
Recomendamos a utilização de atividades lúdicas nos mais variados objetos
de conhecimentos para o ensino de matemática que compõem o currículo
escolar, pois tal fato corrobora para o progresso no ensino e no aprendizado
de tal ciência.
Comprovamos os aspectos positivos da utilização do lúdico para as
aulas de matemática. É perceptível, quando se trabalha com esta perspectiva,
que há aceitação por parte dos alunos, transformando, assim, a matemática
mais acessível, prazerosa e estimulante. Os alunos se envolvem pelo aspecto do
brincar, do lúdico da atividade, em contrapartida nós professores conseguimos
abstrair de um simples jogo uma finalidade educativa, cujo objetivo é ampliar
os conhecimentos e desenvolver e aprimorar habilidades e competências no
aluno.
A Instituição Escolar, com a finalidade de se desenvolver junto com os
seus estudantes, pode incentivar o uso dos jogos, incorporando-os aos projetos
pedagógicos, de modo que seus professores possam valorizá-los como ponto
de partida para o desenvolvimento e aprendizagens de posteriores conceitos
ou mesmo como um meio de revisão de objetos de conhecimentos.
Cabe ressaltar que não existe um método infalível para ensinar
matemática, nem podemos engessá-la, mas promover caminhos para
aprendizagens significativas e próximas da realidade do aluno. Com a
atividade do jogo “Trilha cem por cento” conseguimos aproximar alunos do
objeto cognoscível.
Concluímos, deixando caminhos abertos para discussões, estudos
e atividades práticas referentes ao objeto de conhecimento porcentagem
desenvolvida no sexto ano do ensino fundamental. Estamos cientes de que
é necessário analisar os alunos, suas competências, suas habilidades, medos
e dificuldades para então procurarmos a melhor forma de compartilhar
conhecimentos que culminam em aprendizagens.
171
Entremeios da Educação Contemporânea

Esperamos que caminhos sejam abertos para novos olhares, reflexões,


inclusões e práticas emancipatórias, dinâmicas e coletivas, tendo em vista
um ensino de matemática menos tradicional, mais humano, interativo e
contextualizado com o real.

Referências

BORIN, J. Jogos e Resolução de Problemas: Uma estratégia para as aulas


de matemática. 2. ed. São Paulo: IME-SP, 1996.

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Interdisciplinar. Mossoró, v. 6, n. 16, 2020.

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Nacional Comum Curricular: Educação é a base. Brasília, 2017.

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o ensino de matemática nos anos iniciais. FUCAMP Cadernos, v. 18, p.
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Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

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A EDUCAÇÃO NO BRASIL COLONIAL COMO
HIPÓTESE PARA UM CONCEITO DE EDUCAÇÃO
BRASILEIRA: POLÍTICA, PRÁTICA PEDAGÓGICA,
REPRODUÇÃO SOCIAL E CONDIÇÃO
COTIDIANA

André Luiz Batista da Silva1


Marco Antonio Ribeiro Merlin2

Introdução

A ideia Educação no Brasil e Educação Brasileira, nesse artigo está


circunscrita pela categoria da política, da prática pedagógica,
da reprodução social (BOURDIEU, 2007) e condição social cotidiana. A
categoria de condição cotidiana não pretende traçar os modos de vida em
geral no Brasil Colonial, mas apenas seu efeito conflitante como no que
tange a reprodução social, política hegemônica e prática pedagógica realizada
pela Igreja Católica e pela Companhia de Jesus. Com essa análise objetiva-se
provocar o debate sobre a emergência, embora incipiente, de uma Educação
Brasileira no período colonial.
A estrutura do artigo toma: primeiro a determinação das raízes da
educação no Brasil Colonial, com isso, procura-se enfatizar o papel da Igreja
Católica nas relações de poder e na organização social desde o Édito de
Milão. A segunda parte do texto, apresenta-se as raízes da educação no Brasil
Colonial a partir dos escritos de João Adolfo Hansen (2000). A terceira parte
dedica-se a discutir a realização da educação no Brasil Colonial e as condições
sociais cotidianas com a contribuição dos escritos de João Maria Paiva (2000).
Finaliza-se o texto com as considerações sobre a hipótese de uma Educação
Brasileira.

1 Docente da Educação Básica da Rede Municipal de Educação de Araucária e Professor do curso


de Pedagogia da Faculdade Nacional de Educação e Ensino Superior do Paraná – FANEESP.
Doutor em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Tuiuti do
Paraná – UTP. E-mail: [email protected]
2 Especialista em Educação Inclusiva (Campos Uniandrade) e Ensino de Artes (UNIFaesp),
Graduado em História e Pedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná-UTP. E-mail:
[email protected].
174
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Algumas determinações das raízes de uma educação no Brasil


Desde o Édito de Milão, no século IV, o catolicismo passou a exercer
um papel de destaque nas relações de poder na Europa (AZEVEDO, 1997,
p.156). Cada vez mais a Igreja exercia um papel fundamental na organização
social daquilo que antes fora conhecido como Roma. Destaca-se, seu papel
junto ao poder na coroação de Pepino, o Breve no século VIII. O rompimento
da relação partilhada de poder se dará apenas no fim do século XVIII, com
o ato de coroar-se de Napoleão Bonaparte na França pós-revolucionária. A
estrutura eclesiástica nunca sofrera grandes abalos, nem com o Cisma do
Oriente. No século XII, seu poder se estendeu até a Terra Santa ao convocar
milhares de homens a combater, morrer e conquistar, os chamados cruzados.
Tudo, graças ao seu poder junto às Monarquias, o poder de constituí-las
(AZEVEDO, 1997, p. 83; 95; 125).
Na estrutura social, sob o modo de produção feudal, o clero constituía-
se como um estamento equivalente a nobreza, pois diante do servo, estes eram
as elites. Tinha a Igreja o direito de recolha do dízimo, obrigatório a todo
servo, recolhia impostos das terras nas quais era senhora. A vida eclesiástica
era, muitas vezes, destino dos deserdados da nobreza. Era um mundo com
dois poderes de igual valia: o poder temporal da Igreja e o poder secular, dos
reis. Dentro da própria Igreja havia uma estruturação social, próxima a da
organização social medieval e de poder. Havia o clero regular, os que viviam
nos mosteiros e o clero secular, os que viviam e organizavam a vida religiosa
da população nas igrejas, paróquias. Primeiro vinha o Papa, representante
de Deus na Terra, depois os Cardeais, Arcebispos, Bispos, Abades, Padres e
Monges. Se o poder na estrutura interna da Igreja estava figurado no Papa,
as ordens religiosas disputavam esse espaço. A vida social de qualquer um
no período medieval era organizada religiosamente, o tempo e as atividades
controladas pelo dia dos santos. Não só o acesso a Deus, mas, também, ao
saber, às letras, passava pela Igreja (AZEVEDO, 1997, p. 97).
Nem a rebeldia de Francisco, nem os movimentos contestatórios e
descobertas abalaram o poder da Igreja e seus dogmas no período medieval.
Porém, algo mudava: o ressurgimento das cidades, do comércio, de um novo
grupo social e de novas ideias, de uma arte que, embora tematize a religião,
pintura e literatura anunciavam um novo homem. Um retorno aos textos
clássicos da antiga Grécia e Roma. A própria Igreja, signatária do saber, tratou
de cristianizar esses textos, grandes homens da Igreja, como Agostinho de
Hipona e Tomás de Aquino, desenvolveram sistemas de pensamento a partir
desses clássicos, justificando a fé cristã e a essência humana em Deus.
Desde o século XIII, o retorno aos clássicos, gregos e romanos, e as
descobertas até o fim do século XV – entre elas as novas terras -, permitem
175
Entremeios da Educação Contemporânea

pensar o homem e o mundo de modo diferente, de um sistema teocêntrico ao


um sistema antropocêntrico, desencadeando o surgimento de um humanismo
no trecento. Entretanto, todo pecado do desvio de pensamento teocêntrico
poderia ser expiado com a morte (AZEVEDO, 1997, p. 234).
As condições políticas, sociais e econômicas permitiram, ainda, na
primeira metade do século XVI, a Reforma Protestante de Martinho Lutero
com a fixação das 95 teses nas portas da Igreja de Wittenberg. As reformas
e seu conteúdo, suscitaram a Contra-reforma católica (AZEVEDO, 1997,
p. 353). Situa-se, até aqui, algumas das determinações das raízes de uma
Educação no Brasil Colonial.
O quadro apresentado acima, de início, pode ser analisado a partir das
categorias de reprodução social no que diz respeito à política do clericalismo
da Igreja, que impunha ao conjunto social uma vida regulada pela fé cristã, ao
mesmo tempo em que afirmava a ordem social em seus estamentos. Porém,
ao contrapor as condições cotidianas e as suas mudanças ao longo do tempo,
mesmo que em uma longa duração, a reprodução social do clericalismo
sofre, também, modificações. Esses elementos obrigam a Igreja e mesmo as
monarquias vinculadas a ela a rever suas ações e tomar posicionamentos.

As raízes políticas e pedagógicas da educação no Brasil


A Educação que se promoveu no Brasil no Período Colonial tem suas
raízes na Reforma Protestante e nos processos de Contra-reforma promovidos
pela Igreja Católica, a Companhia de Jesus, a atuação dos jesuítas no Brasil
Colonial e, nesse processo, a relação que a Igreja havia estabelecido com a
coroa portuguesa.
Nas querelas reformistas e contra-reformista, o Concílio de Trento,
havia em jogo não só a “condução das almas”, mas manutenção do próprio
poder da Igreja junto aos monarcas. Sobre a “condução das almas” e o poder
da Igreja Católica Hansen (2000, p. 19), escreve que
Em 8 de abril de 1546, os padres reunidos na IV sessão do Concílio de Trento
declararam herética a tese “sola fide el sola scriptura” (só com a fé e só com a
escritura) da teologia reformada. Com ela, Martinho Lutero tinha determinado
que o fiel devia pôr-se em contato com Deus por meio da leitura solitária da
Bíblia, dispensando a mediação do clero e dos ritos e cerimônias visíveis da
Igreja (HANSEN, 2000, p. 19).
A questão é: que significado teria a relação direta do fiel com as escrituras
e a dispensa dos ritos e cerimônias? Em primeiro lugar, a não mediação entre
o fiel e as escrituras dispensava a necessidade da Igreja, derrubava o sentido de
sua estrutura hieráquica e sua tradição. Quanto a dispensa das cerimônias e
ritos, a sola scriptura, atacava diretamente a ação política e pedagógica da Igreja
176
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

e o conceito de mundo defendido por ela. A resposta dada pelo Concílio de


Trento acerca das implicações da tese de Martinho Lutero, segundo Hansen
(2000), é a seguinte
Contra a tese, a declaração conciliar confirmou a traditio como fonte autorizada
vinda diretamente da “boca de Cristo”. Conforme o Concílio, a tradição que
fora conservada por sucessão contínua e passada adiante “quase que de mão
em mão”, é uma das duas fontes autorizadas dos “ritos”, palavras e orações,
das “cerimônias”, gestos e ações, do “magistério”, poder de instruir as almas,
do “ministério”, poder de santificá-las, e do “governo”, poder de dirigi-las, da
Igreja Católica (HANSEN, 2000, p. 19).
Observa-se, nas afirmações da Hansen (2000, p. 19), que não é
simplesmente um mercado fiéis que está em jogo, mas o próprio significado
que a Igreja, durante séculos, produziu e reproduziu sobre si e o mundo e para
o mundo. Além dos significados da própria instituição Igreja, a tese de Lutero,
trazia outras implicações.
Desde o século XVI, os decretos e as medidas que combatiam a tese da sola
scriptura conformaram a origem divina e a infalibilidade da persona mystica
do papa (ao dispensar o clero, os ritos e as cerimônias visíveis, a tese luterana
dispensava a mediação da autoridade espiritual do papa) [...] a tese luterana
negava as duas pessoas do papa, transferindo o poder espiritual para os reis
(HANSEN, 2000, p. 24).
Compreende-se, pela análise de Hansen (2000, p. 24), que a tese
luterana destituía o poder espiritual do papa como um escolhido por Deus
para representá-lo na terra e, com isso, reforçando o poder dos reis. Com
todas as implicações trazidas pelas teses de Lutero e principalmente a da sola
scriptura, a Igreja, viu-se obrigada a reforçar suas ações.
Até agora, apresentou-se um quadro de ações da Igreja em relação a
questões colocadas pelas teses de Lutero. Por certas ações políticas que, mais
tarde, se observará que estas se traduzem, também, em questões pedagógicas.
Resta saber de que modo se deu a relação política entre a Igreja Católica e o
império português? Boris Fausto (1998), em sua obra “História do Brasil”,
escreve que no caso português a relação entre o Estado e a Igreja ocorreu uma
subordinação da Igreja ao Estado, o padroado real.
O padroado consistiu em uma ampla concessão da Igreja de Roma ao Estado
Português, em troca da garantia de que a Coroa promoveria e asseguraria
os direitos e a organização da Igreja em todas as terras descobertas. O rei de
Portugal ficava com o direito de recolher o tributo devido pelos súditos da
Igreja conhecido como dízimo [...]. Cabia também a Coroa criar dioceses e
nomear bispos. [...] O controle da Coroa sobre a Igreja foi em parte limitado
pelo fato de que a Companhia de Jesus até a época do Marquês de Pombal
(1750-1777) teve forte influência na corte (FAUSTO, 1998, p. 60).
Entretanto, cabia, a Igreja a educação dos povos nativos e dos colonos.
177
Entremeios da Educação Contemporânea

Pela educação deveria fazer com que nativos e colonos reconheçam e se


subordinem ao poder do Estado e sua ordem hierarquizada (FAUSTO, 1998,
p. 60). Nesse mesmo sentido, Hansen (2000), esclarece o papel da Igreja no
reino português e em suas colônias no regime do padroado.
A conceituação do reino português como “corpo místico” de estamentos e
ordens sociais cuja vontade unificada se aliena do poder como submissão à
pessoa mística do rei que deve ser posta como fundamento da ação educacional
e catequética da pregação da “política católica” (HANSEN, 2000, p. 24 e 25).
Observamos, então, das questões iniciais, as implicações políticas para
uma política educacional no Brasil em seu contexto colonial, que resulta na
nova relação entre a Igreja e o Estado, no caso o reino português, suscitada
pelas teses reformistas de Lutero. Retomar as “almas”, instruí-las e manter
a tradição foram as ações advindas do Concílio de Trento. Quem deveria
realizar essas ações em nome da Igreja? As ordens religiosas, entre elas a nova
ordem: a Companhia de Jesus fundada por Inácio de Loyola e reconhecida
pelo papa. Do ponto de vista pedagógico, de que forma se deu essa política?
Em que ela implicava?
A redefinição da Igreja católica como comunidade de fé e autoridade levada
a cabo pelo Concílio prescreveu que a communitas fidelium, a comunidade
dos fiéis, inclua necessariamente todas as populações gentias das novas terras
conquistadas por espanhóis e portugueses, onde as novas ordens fundadas para
combater as heresias, como a Companhia de Jesus, deviam exercer o magistério
e o ministério da Igreja (HANSEN, 2000, p. 20).
Observa-se que de implicações políticas, a Igreja se viu obrigada a
desenvolver ações para a manutenção de seu poder. Destaca-se, no excerto
acima, a criação de novas ordens para o exercício do magistério, a “instrução
das almas”, e o ministério, sua “santificação”. Importante, ainda, é destacar
o sentido de santificação como aproximação da essência divina. Magistério
e ministério são ações interdependentes, conforme destaca Hansen (2000)
quando analisa a pregação jesuítica no Brasil Colonial.
Nos séculos XVI e XVII, nas missões jesuíticas do Brasil e do Maranhão e
Grão-Pará, a iniciativa de fazer a pregação oral como instrumento privilegiado
de divulgação da Palavra divina pressupunha que a luz natural da Graça inata
ilumina a mente dos gentios objeto de catequese, tornando-os predispostos à
pregação (HANSEN, 2000, P. 21).
Do ponto de vista pedagógico, as ações da Companhia de Jesus foram
realizadas objetivando um processo civilizatório aos moldes da fé cristã
católica, tendo como premissa a tradição oral (HANSEN, 2000, p. 19). Desse
modo a educação fora organizada no Brasil Colonial a partir da Retórica e do
Ratio Studiorum. Hansen (2000) destaca que
A Retórica [...] tornou-se uma das principais disciplinas do ensino jesuítico,
178
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

sendo generalizada em Portugal como modelo para todas as práticas de


representação, pelo menos até o final do século XVIII e, no caso do Brasil, até
bem mais tarde. [...] O Ratio studiorum, publicado pela Companhia de Jesus
em janeiro de 1599, especifica que a Retórica deve dar conta de três coisas
essenciais que então resumem e normalizam toda a educação, “os preceitos”, o
“estilo” e a “erudição” (HANSEN, 2000, p. 26).
Desse modo, a organização da educação jesuítica no Brasil Colonial por
meio da Ratio Studiorum, como uma pedagogia jesuítica, que formalizava um
conjunto de regras, correspondeu na divulgação da Retórica, tendo o ensino
das técnicas, artes e letras, tendo como modelo a Retórica aristotélica, tanto
no ensino formalizado nos colégios jesuítas quanto no exercício sacerdotal
da pregação (HANSEN, 2000, p. 31). Assim, procurava-se realizar a política
católica e a política do império português. A pregação, a oratória consistia
em um recurso para isso, conforme afirma Hansen (2000), quando escreve
que “a oratória sacra foi um dos principais meios de exposição e debate de
questões de interesse coletivo relacionadas às verdades canônicas da Igreja e do
Império” onde “a pregação era “fundante”, como ocasião em que se reencenava
publicamente a doutrina do poder político” (HANSEN, 2000, p. 34 e 36).
Até aqui, pode-se confirmar que a educação no Brasil Colonial foi uma
iniciativa do império português e da Igreja Católica por meio da Companhia
de Jesus como reação às implicações políticas e religiosas da Reforma luterana,
pode-se dizer, uma reação contra-reformista. Afirma-se que o contexto político
social, a reforma e Contra-reforma suscitaram uma prática pedagógica, o Ratio
Studiorum, sua aplicação, intentando reproduzir a visão social portuguesa e
católica.

Das raízes políticas e pedagógicas da educação no Brasil a sua realização


Observou-se que questões políticas europeias suscitaram ações
pedagógicas no Brasil Colonial, a organização de uma educação na colônia
que intentavam reproduzir uma visão social portuguesa e católica. Paiva
(2000) apresenta a visão social portuguesa escrevendo que
os portugueses colonizadores só tinham uma visão de sociedade, visão esta que
se realizava em sua sociedade e, portanto, tendo-a como modelo, agiam segundo
ela em seu relacionamento com as demais culturas. O único comportamento
possível, no caso, era a imposição. A sociedade portuguesa tinha uma estrutura
rígida, centrada na hierarquia, fundada na religião. Hierarquia e religião eram
princípios inadiáveis, em qualquer situação. O serviço de Deus e o serviço d’El
Rei eram os parâmetros das ações sociais e obrigavam a manutenção das letras,
como eram entendidas na época. [...] o colégio jesuíta em terras brasílicas [...]
cumpria com a missão de preservar a cultura portuguesa (PAIVA, 2000, p.
44-45).
Uma questão que se coloca é o quanto esse modelo de educação
179
Entremeios da Educação Contemporânea

permaneceu tal qual foi formulado e o quanto foi alterado e, se o foi, por
quais razões? Outra questão é, se o modelo sofreu alterações pode-se dizer
que o modelo de educação realizado e seus objetivos constituem já em outro
modelo, em outra educação, uma Educação Brasileira? Para responder a essas
questões, passa-se a analisar o cotidiano colonial e a educação jesuítica a partir
do trabalho de pesquisa de José Maria de Paiva (2000) acerca da educação
jesuítica no Brasil Colonial.
Paiva (2000) apresenta inicialmente as condições de vida dos colonos
portugueses e indígenas escravizados ou não como uma luta pela vida que
abrange as necessidades de cada grupo.
Havia floretas virgens, os bichos, vazio. Havia as distâncias, a rarefação de
população, a falta de recursos de toda ordem. E nessa situação, a premência
de produzir riqueza. [...] Por precisarem de terras e por precisarem de braço
indígena, puseram-se em guerra contra os nativos. Sujeitados ou amigos, os
nativos estavam ali para trabalhar como escravos.[...] A vida cotidiana se fazia
de ataque e defesa. Tinham de sair a campo e lutar contra os índios e sabiam que
isso era por a vida em risco [...] era uma ameaça permanente, fosse do ponto
de vista da segurança, fosse do ponto de vista da cultura. [...] Os brasileiros
se ressentiam da mudança geral que a nova situação lhes causava. A primeira,
ao menos para os portugueses e índios, dizia respeito à posse tranquila da
terra. Para os primeiros isso significava a expulsão dos índios e consequente
escravização (PAIVA, 2000, p. 45-46).
Ao analisar as condições cotidianas e a educação realizada nos colégios
jesuítas, Paiva (2000), escreve que essas condições não abalaram o currículo, o
Ratio Studiorum permaneceu intocável, onde afirma que
Os jesuítas achavam natural nessas condições, acompanhando as expedições,
ainda que para tentar, com boas palavras, trazer os índios para o serviço dos
portugueses. [...] a guerra penetrava o colégio jesuítico. Mas não abalava o
currículo nem a disciplina. A vida no colégio parecia continuar, impávida,
como se não estivesse envolvida pelo mesmo ambiente colonial. [...] A educação
e o ensino se pautavam por princípios que, ipsis litteris, não prevaleciam extra
muros. [...] Eles, no entanto, viviam a naturalidade dos comportamentos e
das justificações. Intra ou extra muros, a linguagem e a interpretação eram as
mesmas. [...] Extra muros a vida era feita de pecados” (PAIVA, 2000, p. 47).
A esse fato, Paiva (2000, p. 48), categoriza como “formalismo
pedagógico”, contratante e contraditório, “resultado do contraste entre prática
e princípios” que, segundo o autor não “deve ser atribuído ao estilo jesuítico”,
mas pela sociedade colonial como “formalismo cultural”. Do excerto e das
categorias colocadas por Paiva (2000), pode-se afirmar que, pelo menos, os
objetivos iniciais de uma educação jesuítica no Brasil Colonial, não se realizou
conforme se propunha inicialmente, pois no conjunto da vida social, e o
modelo educacional a ser realizado pelos jesuítas a partir da Retórica deveria
ser realizado, também, além dos muros colégio.
180
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Os colonizadores, sempre que houvesse pressão social, buscavam apoio em


pareceres de letrados e canonistas. A presença dos padres jesuítas e do bispo
justificava as decisões tomadas em conselho e, na ausência destes, prevalecia
como válida a opinião de capitães, de terra ou de guerra, lugares-tenentes
de El Rei. As melhores expressões me parecem ser os argumentos a favor
da guerra aos índios e sua escravização. [...] Nesse contexto, princípios, de
um lado, e práticas divergentes, de outro, podiam conviver numa paralela
infinita. O Formalismo decorria dos próprios princípios da cultura, o colégio
sendo mais um instrumento refinado. [...] Em consequência, a justificação
de um comportamento fundada nessa explicação bastaria para garantir a sua
validade social e, portanto, sua manutenção. Daí a importância dos letrados
e canonistas: eles jogavam com os argumentos e recompunham a ação em
termos de validade, segundo os princípios (PAIVA, 2000, p. 48 e 49).
Entretanto, a vida cotidiana e suas dificuldades urgiam. Paiva (2000)
afirma que dessas injunções o português tinha de responder imediatamente e,
as justificações de suas ações não se davam na mesma constância, fluidez. Esse
fato provocava um “modus vivendi”, fundando uma nova cultura sobre as bases
do formalismo (PAIVA, 2000, p. 52 e 53).
As relações sociais estavam sendo novamente modeladas e uma nova constelação
de valores, hábitos, comportamentos, instituições vão se impondo, claramente
calcados no processo de colonização exploradora. O modelo colonial, nesses
termos, vai invadindo e conformando todas as áreas da vida social, aumentando,
assim, cada vez mais, a distância entre as letras e a vida vivida. O eixo social vai
deixando de ser a Corte, ainda que reine o rei, as letras vão assumindo nova
semântica. O eixo se torna a classe dos senhores de engenhos e dos capitães da
terra, isto é, [...], aqueles que produzem para a exportação. As letras se tornam
mercantis. [...] Trata-se, com efeito, de uma substituição, em termos reais, em
termos de valorização social, da ideologia do orbis christianus pela ideologia da
mercadoria (PAIVA, 2000, p. 55).
Paiva (2000, p. 55) conclui sua análise que “a medida que a realidade
social vai mudando estruturalmente, o significado das formas também o vai,
ainda que a aparência permaneça” e que foram “dois séculos para se afirmar
um novo tipo, agora, brasileira.

Considerações sobre a hipótese de uma educação brasileira


Se inicialmente analisaram-se as determinações acerca das raízes de
uma educação no Brasil Colonial, depois suas próprias raízes e o modelo de
educação organizado e implantado, onde a análise perpassou as categorias de
política, prática pedagógica e reprodução social, observou-se que o modelo
educacional recebeu influências do cotidiano colonial, onde as práticas
realizadas divergiam dos princípios prescritos, dado que o modelo educacional
não fora formulado tendo em consideração apenas a educação dentro dos
colégios jesuítas e que o objetivo do próprio colégio em suas ações formativas
interna e externa era a de preservar a fé católica e o modelo societal português.
181
Entremeios da Educação Contemporânea

A fé se manteve, mas a condução das almas e sua instrução conforme o


prescrito não.
Então, pode-se dizer que a educação formalizada pelos jesuítas
inicialmente sofreu alterações. As razões podem ser tomadas pelas condições
sociais cotidianas da colônia, necessidades práticas e materiais dos indivíduos
no processo de colonização. Quanto a ultima questão, se as alterações podem
ser confirmadas como uma Educação Brasileira. A resposta a essa última
questão só pode ser colocada na qualidade de uma hipótese. Essa hipótese se
justifica somente por um percurso histórico e de realização efetiva de alterações
no modelo inicial de educação e se explica pelas condições sociais cotidianas,
das mudanças históricas e da vida prática. Entretanto, ao se afirmar, mesmo
hipoteticamente, que há uma Educação Brasileira, não se pode desconsiderar
a sua gênese, o modelo jesuíta e português como fundantes dessa educação.

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Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive. 500
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APRENDIZAGEM EM TEMPOS DE AULAS
REMOTAS: LEITURA E PRODUÇÃO A PARTIR DO
GÊNERO TEXTUAL MEMES

Maria Valdinete de Pontes Matias1


Andréa da Silva Oliveira2
Helenildo Arruda de Macedo Júnior3

Introdução
O mundo contemporâneo está marcado por diversas mudanças,
sobretudo com os avanços na comunicação e informatização. Com isso, vemos
a quebra de paradigmas, o surgimento de novos e tantas outras transformações
nas esferas tecnológicas, científicas e humanas. E enquanto professores nos
deparamos, dia após dia, com desafios que nos fazem repensar a nossa prática
docente. Neste sentido, observamos que o formato da sala de aula tradicional
e toda a dinâmica que permeia esse espaço, já não suprem as necessidades
educacionais dos nossos alunos, que estão inseridos num contexto tecnológico
e dinâmico da vida social, todavia, entender seu papel ativo na sociedade e
construir saberes compreendendo que “a escola é disputada na correlação de
forças sociais, políticas e culturais”. (ARROYO, 3013, p.13).
Ao pensarmos na Língua Portuguesa, mais especificamente, no ensino
de leitura e produção textual, percebemos a necessidade do uso de novas
metodologias e ferramentas para favorecer a aprendizagem dos alunos. Para

1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA; Especialista em


Educação Básica-UFPB; Supervisão Educacional pela Faculdade Integrada de Patos-FIP e Gestão
Escolar pela Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte; Mestranda em Formação de Professores,
pelo Programa de Pós-Graduação da UEPB; Professora Aposentada da Rede Municipal de
Guarabira-Paraíba. Email: [email protected]
2 Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual
da Paraíba-UEPB. Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Paraíba-UEPB.
Graduada em Letras com Habilitação em Libras pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB.
Especialista em Psicopedagogia pela Faculdade da Aldeia de Carapicuíba- FALC. Especialista em
Educação Especial pela Faculdade da Aldeia de Carapicuíba- FALC. Mestranda pelo Programa
de Pós-Graduação Em Formação de Professores da UEPB. Professora da Rede Municipal de
Pocinhos-PB e Pedagoga do Atendimento Educacional Especializado na Rede Municipal de Boa
Vista-PB. Email: [email protected]
3 Graduado em Letras Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Campina Grande; Graduado
em Letras Língua Espanhola pela Universidade Estadual da Paraíba; Especialista em Ensino
de Língua Espanhola, pela Faculdade Internacional Signorelli-RJ; Mestrando em Formação de
Professores, pelo Programa de Pós-Graduação da UEPB; Email: [email protected]
184
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

tanto, se faz necessário a ampliação de conhecimento de mundo a partir


de elementos que estão difundidos em seu próprio contexto social, “dentre
eles, um nos chama atenção, pela sua dinamicidade, multimodalidade e
os elementos que vão além de sua animação: o meme4.” (GUERREIRO;
SOARES, 2016. p, 189).
O presente trabalho, fruto de experiência didático-pedagógica, foi
desenvolvido durante a aplicação das aulas remotas, momento singular e
atípico que o sistema de ensino vive por conta da Pandemia do COVID-19,
com os alunos do 1° ano Nível Médio, nas aulas de Língua Portuguesa, na
Escola Cidadã Integral - ECI5 -Joana Emília da Silva , localizada no centro da
cidade de Fagundes- PB, sob a orientação do professor de português Helenildo
Arruda de Macedo Junior. Durante o 1° e 2° bimestres do ano letivo de 2020.
A proposta de trabalho utilizando Memes foi pensada pelo seu caráter
inclusivo, comunicacional, multimodal e, ter como veículo de utilização
as redes sociais, trazendo temas comuns em situações corriqueiras na vida
dos jovens possibilitando o acesso a saberes contidos no mundo virtual e as
práticas da cultura digital com os multiletramentos, os novos letramentos, nas
novas práticas sociais imbuídas pela linguagem contida na perspectiva para
uso das metodologias ativas.
Ademais, visa a melhoria no ensino de língua portuguesa, leitura e
escrita, envolvendo as demais disciplinas a partir do gênero textual memes,
confirmando um trabalho criativo e dinâmico, tornando o aluno protagonista
neste processo de conhecimento em um período de aulas remotas. Desse
modo, viabilizar um ensino e aprendizagem condizente com o que preconiza
em seu artigo 35 a Lei de Diretrizes e Bases da educação:
O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima
de três anos, terá como finalidades: ... IV - a compreensão dos fundamentos
científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a
prática, no ensino de cada disciplina. ( Art. 35,1996, LDB)
Acerca das produções, os textos postos nos memes e suas características,

4 “O meme é uma expressão cultural típica da cibercultura. Sua criação se dá de forma colaborativa
e seu crescimento é espontâneo. Por isso mesmo, eles costumam surgir em redes sociais.”
CANDIDO; GOMES,( 2015, p. 129).
5 As Escolas Cidadãs foram implantadas em 2016, a princípio com 8 unidades, diante do bom
desempenho e aceitação por parte da comunidade escolar, em 2017 o número foi ampliado para
33 Escolas Cidadãs Integrais. Estas escolas trazem em seu modelo inovações e propostas que
buscam fazer um divisor de águas na história da educação do estado e tem como objetivo formar
cidadãos 4-autônomos, solidários e competentes, indivíduos protagonistas, agentes sociais e
produtivos, que possam contribuir com o mundo atual e suas necessidades. Com o objetivo de
cumprir o PNE (plano Nacional de Educação) e o PEE (Plano Estadual de Educação), em 2018
o governo do estado está ampliando de 33 para 102 Escolas Cidadãs Integrais, contemplando
assim todas as Regionais de Ensino.
185
Entremeios da Educação Contemporânea

buscam sempre essa relação entre pesquisa ampliando o universo da leitura


e escrita, inferindo no protagonismo do discente de forma positiva. Nesta
perspectiva, Furtado tem discutido o uso dos memes dizendo “que este
fenômeno fez parte da vida das pessoas usuárias das redes sociais como uma
forma de dizer que se apresenta plurilinguísmo [...]”. (2019, p. 102)

Uma experiência para o ensino da linguagem utilizando o gênero


Meme
O estudo em questão busca inserir o gênero textual Meme, como
forma de ampliar e fortalecer o ensino e a aprendizagem a partir do uso
da tecnologia, vivenciando novas possibilidades para ensinar e aprender no
âmbito educativo, sobretudo, de forma interdisciplinar, inovador e criativo.
Marcuschi Aborda que “o tema em si – gêneros textuais - não é novo e vem
sendo tratado desde os anos 60 quando surgiram a Linguística de Texto, a
Análise Conversacional e a Análise do Discurso [...]”, porém o enfoque neste
estudo é o gênero textual memes. (2002, p.3). É preciso estimular a prática da
leitura, para que se tornem enfim, objeto de conhecimento.
Nesta perspectiva, percebe-se que para a sistematização das ações em
relação ao trabalho pedagógico, exige-se alternativas emergências atemporal e
urgente, devido a situação vivida no nosso país, a pandemia CONVID-19.
Portanto, adotamos para superação das dificuldades atuais, a inserção do
ensino remoto, visando trabalhar práticas de leitura e escrita a partir do gênero
textual meme, reconhecendo uma necessidade atual em processos de ensino
e aprendizagem que tem como premissa, a aprendizagem significativa dos
alunos envolvidos no campo educativo.
Os autores Souza, Costa e Lins (2018), trazem elementos significativos
para essa discussão e diz que, “[...] trabalhar com gêneros textuais/discursivos,
na atualidade, significa trabalhar também com textos multimodais que fazem
parte do cotidiano dos estudantes. “(SOUZA; COSTA; LINS, 2018, p.152).
Nesta perspectiva, compreende-se a necessidade de apresentar um estudo
com gêneros digitais utilizando temáticas relevantes para discussão entre os
envolvidos numa relação sociopolítica e cultural no contexto da atualidade.
Neste sentido:
A educação sempre tem a ver com a vida que está mais além de nossa própria
vida, com um tempo que está mais além de nosso próprio tempo, com um
mundo que está mais além de nosso próprio mundo, queríamos que os novos,
os que vêm à vida, ao tempo e ao mundo, os que recebem de nós a vida, o
tempo e o mundo, os que viverão uma vida que não será a nossa e em um
tempo que não será o nosso e em um mundo que não será o nosso, porém
uma vida, um tempo e um mundo que, de alguma maneira, nós lhe damos...
queríamos que os novos pudessem viver uma vida digna, um tempo digno, um
186
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

mundo em que não dê vergonha de viver. (LARROSA, 2015, p. 36-37)


Sendo assim, o ensino atual busca alternativas para continuar o
processo de escolarização dos educandos. Desse modo, entende-se que as
tecnologias formam “[...] um conjunto de oportunidades e desafios para o
sistema educacional propiciando processos de ensino-aprendizagem mais
interativos e dinâmicos. ( SOUZA; SANTOS, 2019,p. 38).
Em meio a discussão, urge, portanto, a necessidade de inserir um
trabalho que tem como pressuposto, tornar mais dinâmicas e criativas as práticas
de leitura e escrita, utilizando o gênero textual meme, numa apropriação ao
ensino remoto, de forma a desenvolver um trabalho pedagógico que atenda
às reais necessidades do estudante. Bacich e Moran evidenciam a necessidade
de trabalhar inserindo o uso da tecnologia e acrescentam que “[...] é absurdo
educar de costas para um mundo conectado [...]” (2018, p.11).
O trabalho docente deve estar aberto aos novos processos de assimilação
do conhecimento, relacionados ao desenvolvimento das competências ao
ensino significativo, mesmo que seja de forma remota. A prioridade aqui é
envolver os alunos nas práticas de leitura e escrita e torná-los protagonistas
neste processo de ensino, utilizando o gênero meme, fomentando o
desenvolvimento de novas aprendizagens usando a criatividade, sensibilidade
e objetividade.
Na visão de Furtado (2019), trabalhar com o gênero textual meme
é promover processos produtivos na esfera cotidiana, e acrescenta: “esta me
parece ser a proposta da linguagem online cotidiana: brincar com a língua e,
assim, brincar com a vida cotidiana.” (FURTADO, 2019, p. 108). Para tanto,
busca-se para o diálogo nas interações mediadas pela intervenção nas práticas
on-line, temáticas relevantes e atuais, investindo no ensino com recursos
inovadores para o desempenho dos educandos de forma individual e coletiva,
inserindo-os em práticas de letramento, como também a prática de sala de
aula invertida, e assim trazer para o campo educativo as metodologias ativas,
considerando sua importância no cenário da educação atual. Estes saberes
formam um conjunto de representações a partir das quais os professores
interpretam, compreendem e orientam sua profissão em todas as suas dimensões
que convergem para um mesmo ponto: a aprendizagem interativa, instrutiva,
cooperativa, colaborativa e significativa. Marcuchi (2002), considera relevante
pensar a tecnologia digital na sociedade contemporânea como também essas
novas formas comunicativas introduzidas no campo virtual, de forma a buscar
uma inserção mais sócio-histórica e menos tecnicista.
Para tanto, se faz necessário uma prática educativa acessível às
novas demandas educacionais, tendo como fundamentalidade, o estudo da
linguagem de forma criativa e interativa. Logo, esse trabalho a partir do estudo
187
Entremeios da Educação Contemporânea

remoto com o gênero meme, tem desafios quando motivam os alunos de forma
individual e coletiva a construir significados e compreenderem sua realidade,
levando em consideração que para ler fluentemente e de forma compreensiva o
aluno necessita de um contato intenso com o texto. “As práticas do letramento
ultrapassam os muros da escola, assim estas estão relacionadas com os diversos
usos da linguagem em diferentes espaços e culturas”. (SOUZA;SANTOS,
2019, p. 40).
Para o trabalho da formação aos estudos do gênero meme precisam ser
também adotados pelos educadores, uma vez que é a escola a responsável pela
transformação do ser humano, usando mecanismos suficientes à superação
dos desafios propostos pela estrutura educacional atual. O grande desafio é
aprimorar as aulas de linguagem e envolver todos os alunos na dinâmica do
ler e escrever com significado.

Proposta didática
Nessa proposta de trabalho, utilizamos aulas virtuais em caráter remoto,
com o uso de uma plataforma digital oferecida pelo governo do estado da
Paraíba, em uma das turmas do primeiro ano do ensino médio, utilizando
a plataforma Classroom do Google, que está atuando a serviço da Secretaria
da Educação de Estado da Paraíba. Nessa perspectiva, focamos nas aulas de
leitura, análises de vídeos e produções textuais, para criação de memes, com o
propósito de divulgação em redes sociais utilizadas pelos alunos. Foi sugerido
o uso de temáticas sociais discutidas na atualidade. Freire (1996) reforça a
necessidade da reinvenção, sobretudo na relação entre educando e educador
para busca de autonomia. Destacamos que em todo o processo foi usado
apoio da rede social Whatsapp, meio de comunicação presente no cotidiano
atual das sociedades, consequentemente dos nossos alunos.
Nesse caminhar, as pesquisas na Internet contribuíram para que os
alunos se tornassem protagonistas de suas aprendizagens, num processo
ativo-metodológico, dinâmico e criativo. Através da realização das pesquisas
bibliográficas, o aluno se apropriou de conhecimentos necessários ao
embasamento das suas produções, neste caso, ”os textos tornam-se fontes
dos temas a serem pesquisados”. ( SEVERINO, 2015, p. 122 ), dando
prosseguimento às novas produções de textos multimodais - memes foi
realizado, objetivando sua divulgação nos canais on-line, ou seja, os espaços
virtuais, focando nos gêneros textuais memes.
Para tanto, utilizamos os seguinte recursos: computadores próprios,
telefones móveis, a Internet, dentre outros materiais que se fizerem necessários
para esta construção. Os temas abordados foram variados e atuais. Portanto:
188
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

É preciso inventar formas de desescolarizar os alunos, de desalunizá-los, e de


desescolarizarmos a nos mesmos, nos desprofessorizarmos, para podermos por
em jogo, eles e nós, outra relação com a linguagem, com o mundo e como
nós mesmos. Como diz Racière, inventar as formas para “uma subjetivação
malograda constituída a partir de lugares de palavra”. Talvez outra maniera de
nomear o que estou chamando de pensamento. (LARROSA, 2015, p. 135).
Desta feita, iniciou-se às atividades a partir de um primeiro contato
com os alunos, através dos processos virtuais de ensino, momentos de
interação e diálogo, neste caso, apresentando a proposta de trabalho abordado
neste trabalho.
Sistematizamos a metodologia em cinco etapas:

Tabela 1: Quadro das etapas para desenvolvimento das atividades

ETAPAS PROCEDIMENTOS

Primeira Foi proposta uma pesquisa na Internet, de forma a conhecer e se apropriar do


etapa gênero memes, sua estrutura, sua organização, como surgiu, e sua principal
característica;

Segunda etapa Através do espaço “comentários”, na plataforma Classroom, foi sugerido um


forma de conversa/diálogos sobre as informações e aprendizados a partir do
proposto pela pesquisa;
Desafiar os alunos participantes a buscar em redes sociais, memes, e que esses
possam representar alguma situação vivida por eles, seja referente à escola,
Terceira etapa seus grupos de amigos, algum acontecimento familiar. Pretende-se deixar
os participantes livres à escolha de seus memes. Logo após, solicitamos aos
alunos uma representação dos textos memes em forma escrita. Nessa proposta
pedimos a compreensão dos alunos acerca dos memes escolhidos por eles em
caráter descritivo, relatando seus olhares e compreensões dos temas implícitos
e explícitos nos ditos memes;

Realização de uma análise reflexiva a partir dos memes construídos pelo


colegas - discussão coletiva. Após, escrever um breve relato sobre a possível
Quarta etapa situação representada pelo meme, vivida pelo colega. Será proposto também
um debate através do grupo de whatsapp da turma, a fim de sanar dúvidas e
pequenos equívocos sobre a compreensão do gênero pesquisado;
Nesta atividade, desafiar os alunos a produzir seu próprio meme, em seguida,
faremos um debate, via grupo de whatsapp da turma, de forma a socializar
Quinta etapa suas produções, reforçando práticas metodológicas ativas, sobretudo, numa
proposta de “sala de aula invertida”.
Fonte: Elaboração dos autores/2020

Por fim, propomos aos alunos a divulgação de suas produções, os


textos multimodais - memes, em suas redes sociais, tornando suas práticas
produtivas públicas e não mais apenas restrita à sala de aula.
189
Entremeios da Educação Contemporânea

Revisão interpretativa dos dados sobre a aprendizagem dos alunos


Com a elaboração e a execução da proposta solicitada, buscou-se
proporcionar no espaço virtual, promovido pela escola, ações educativas que
envolvessem os alunos em atividades de cunho reflexivo e construtivo no
cotidiano da sala de aula on-line. Essa atividade tinha o propósito de envolver
os alunos entendendo que:
No espaço digital, é recorrente o uso de imagens com textos, textos em
movimento, áudios agrupados com imagens e textos. Esta talvez seja a principal
mudança recente na forma de comunicações, presente especialmente nas
redes sociais e bastante perceptíveis na contemporaneidade. (GUERREIRO.
SOARES, 2016. p.188)
Essa imersão do aluno com o mundo real não podia acontecer de forma
presencial, o que se tornou um grande desafio, mas foi possível contextualizar
a realidade vivida usando os mecanismos tecnológicos e promover a interação,
compartilhamentos, destrezas e muitas aprendizagens. Delizoicov, Stuani e
Cunha (2018) enfatizam a importância de trabalhar os conteúdos a partir
da realidade, de forma que possam problematizar os temas trabalhados e
acrescenta que era na realização das pesquisas com educando e comunidade
que se entendia suas vivências e dificuldades atreladas a sua cultura e visões do
mundo que se efetivaram no meio empírico. Por esta perspectiva, os discentes
se relacionaram de forma virtual e com muita criatividade. Freire enfatiza em
discutir a autonomia do aluno na escola que “[...] o bom professor, é o que
consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu
pensamento”. (1996, p.33).
Desta feita, as estratégias utilizadas tinham como parâmetro a
construção coletiva e individual tornando os alunos participe, neste processo
de construção da leitura e escrita utilizando os memes, todavia, e atuando de
forma ativa, demonstrando espírito participativo, respeitando as diferenças e
sobretudo, tornando-os protagonistas de suas aprendizagens, reflexivos sobre
sua vida estudantil e sua realidade social atual, que no pensamento de Freire,
“[...] a transformação social é percebida como processo histórico em que a
subjetividade e objetividade se prendem dialeticamente.” (1989, p. 19). Ou
seja:
Como toda linguagem os memes apresentam uma certa regularidade em sua
formação ainda que o seu intuito seja o de recriar, reproduzir, expandindo suas
ideologias. Essas regularidades estão no aspecto de sua construção propriamente
dita, onde a repetição é o fator chave. Neste breve estudo, observamos que os
memes são produzidos a partir de fatos ou situações do cotidiano, em alguns
casos são específicos de um certo grupo, como o de estudantes, esporte,
cinema, enfim, dos mais variados meios. Assim, a intertextualidade, ou seja,
outros textos ou acontecimentos vão contribuir fortemente na produção de
190
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

sentido. (CANDIDO; GOMES, 2015, p.1301).


Assim, ao utilizarmos o ambiente digital para trabalhar o gênero textual
meme em um contexto de aulas remotas, percebemos quão pertinente se torna
essa ação, já que permite o interagir e conviver sócio-virtualmente.
Logo e de acordo com as etapas de nossa pesquisa-ação, inicialmente
na primeira etapa os alunos fizeram uma pesquisa em rede virtual sobre o
Gênero Meme, buscaram conhecer essa construção textual através dos
seguintes questionamentos: O que são, onde surgiram, onde circulam e o que
representam os memes? Nessa etapa, os alunos foram motivados a pesquisar
e conhecer melhor este gênero textual que circula socialmente. Percebe-se na
realização da atividade proposta que, conforme apresentam as imagens a seguir
enviadas por alunos, que os mesmos pesquisaram as informações relacionadas
aos memes, que não o conheciam previamente. Os alunos expressam sua
relevância para o conhecimento deste gênero por não terem familiaridade.

Figura 1: Print do aplicativo whatsapp

Fonte: Helenildo Arruda de Macedo Júnior (2020).

Na segunda etapa, foi proposto um debate via Whatsapp sobre suas


pesquisas, comparando e cruzando informações, a fim de conhecer um pouco
mais sobre os gênero estudo - memes. Nesta atividade, percebe-se que os
alunos adquirem novas competências e constroem significados em relação aos
memes estudados quando diz:
Foi uma boa experiência me aprofundar no gênero textual meme, pois
normalmente vejo eles em redes sociais de uma forma de lazer ou passa tempo,
foi uma boa experiência para adquirir mais conhecimento sobre os memes.
Aprendi que os memes não são só humor que apenas nos fazem rir, mas através
191
Entremeios da Educação Contemporânea

deles as pessoas podem expressar suas opiniões de forma crítica e irônica,


procurando denunciar determinados assuntos. [...] o gênero textual meme[...]
faz com que a língua portuguesa apareça para seus interlocutores por meio de
junção de textos e imagem. (aluno participante)

Figura 2: Print de atividade realizada no Aplicativo Google Classroom

Fonte: Helenildo Arruda de Macedo Júnior (2020).

Mediante os comentários dos alunos nas figuras 1 e 2, usados como


representação para essa etapa, percebe-se que quando discutimos um
determinado assunto em grupos os alunos demonstram ampliar suas significação
de conhecimento ao que é apresentado, configurando novas aprendizagens em
relação ao objeto estudado. Pesavento diz que “toda a experiência sensível
do mundo, partilhada ou não, que exprima uma subjetividade ou uma
sensibilidade coletiva, deve se oferecer à leitura enquanto fonte, precisando
ser objetivada em um registro que permita a apreensão dos seus significados”
(.2007, p.19).
Para construção das atividades relacionadas à terceira etapa, os alunos
foram motivados a pesquisarem em redes sociais sobre os memes, de modo que
os representassem de alguma forma, que cada aluno participante, representasse
um momento de suas vidas nessa quarentena.
192
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Figuras 3 e 4: Memes pesquisados pelos alunos

Fonte: Helenildo Arruda de Macedo Júnior (2020).

Esta construção favoreceu descontração e apropriação de conhecimento,


sendo possível o reconhecimento e a principal função dos memes e de como
podemos utilizá-los para referenciar um momento vivido com humor, e ou
uma pitada de ironia. Os alunos já se mostravam eufóricos com a proposta de
trabalho, sendo, portanto, significativo e enriquecedor para o desenvolvimento
das atividades nas próximas etapas com o gênero textual meme. Neste sentido,
Lucena e Pontes acrescenta:
A partir da apresentação do meme, da exposição que a imagem figura e o
sentido nele ressignificado, o professor pode incentivar o debate, questionando
os alunos sobre o que eles compreendem a respeito do tema política, que
reflexo - ou quais reflexos, positivos e negativos - o assunto representa para o
país. ( LUCENA; PONTES, 2018, p.104).
Diante do exposto, podemos identificar o quanto os alunos estão
motivados, sendo motivo de grande relevância para o processo de ensino e
aprendizagem no que tange a leitura e a escrita com significados.
Na quarta etapa, propomos uma análise cruzada dos memes, a atividade
se propunha a escolha de um meme , dos já trabalhados entre seus colegas,
contudo, realizar uma breve análise de forma escrita ou oral, via Whatsapp.
Assim, “[...] dedica-se às análises dos textos multimodais. A partir de então,
apresentaremos os aspectos relacionados ao funcionamento interno dos
memes, que podem nos auxiliar a observar as ideologias e as críticas por trás
destes.” (GUERREIRO; SOARES, 2016.P.202)
Neste processo o uso da ferramenta Whatsapp foi de grande valia, pois
possibilitou a efetivação da atividade através do grupo pré-selecionado, de
forma que, por este aplicativo os alunos puderam analisar os trabalhos dos
seus colegas e suas experiências mediante a utilização dos memes, sendo estes
193
Entremeios da Educação Contemporânea

parâmetros de mediação entre os envolvidos, contribuindo significativamente


para o processo de aprendizagem da leitura e escrita em contextos de aulas
remotas. Os exemplos das figuras 1 e 2 revelam o avanço construído e de
como os alunos estão ampliando sua visão de mundo utilizada por gêneros
textuais criativos e dinâmicos, permitindo instituir novos saberes, tornando-se
protagonista da ação observada. Nesta abordagem Freire (1996) destaca que
o professor progressista deve estar atento em relação a ideologia dominante
e sua intenção em neutralizar os processos da educação. Surge, portanto a
necessidade de envolver os alunos em contextos sociopolíticos e econômicos
instigando sua visão crítica sobre a realidade que o cerca.

Figura 5: Print do aplicativo whatsapp

Fonte: Helenildo Arruda de Macedo Júnior (2020).

Na última e quinta etapa, foi sugerido aos alunos um desafio: eles


iriam nesse momento, criar seus próprios memes, escolheriam as imagens, os
fundos, as cores, os sons (livre escolha). Durante a criação de seus memes, logo,
foi posto no grupo dos participantes do projeto o aplicativo “Gerar Memes”,
disponibilizado em: https://www.gerarmemes.com.br/ que possibilita/auxilia
a criação de memes, esse aplicativo gera imagens e os alunos as escolhem e
ali criam, colocam seus pensamentos em forma de texto, os fazendo pensar,
refletir suas vivências, e assim compor seus próprios textos multimodais.
Alves ( 1980) aborda que ao produzir uma pesquisa, não estamos apenas
nos tornando mais sábios. Produz, portanto, poder o que vai contribuir para
outra pessoa. A atividade instiga os alunos a refletirem sobre suas vivências
194
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

relacionando ao seu modo de vida, construindo relação com o mundo atual.


É possível perceber o quanto os alunos avançaram. As atividades foram
essenciais para reflexão crítica, promovendo a discussão no ambiente virtual
de aprendizagem.

Figuras 6, 7, 8 e 9: Prints dos Memes elaborados pelos alunos

Fonte: Helenildo Arruda de Macedo Júnior (2020).

O resultado das atividades propostas para esta etapa levou a reflexão


sobre a necessidade de envolver os alunos em temáticas relacionadas ao
contexto social de forma crítica e criativa. Freire, nos motiva a impulsionar
os alunos a ter visão do mundo de forma a transformar realidades, usando
sua liberdade de expressão e de forma autônoma construir novos significados,
entendendo que “é importante ter sempre claro que faz parte do poder
ideológico dominante a inculcação nos dominados da responsabilidade por
195
Entremeios da Educação Contemporânea

sua situação.” (1996, p. 32).

Considerações finais
Essa proposta de trabalho com o gênero meme se configura de grande
valor, inovador e estimulante para esses alunos, jovens dessa era digital,
fomento para busca constante de inúmeras possibilidades e caminhos no que
faz menção à docência e seus usos e métodos. Portanto, a presente proposta
objetivou contribuir com as práticas de leitura e escrita, uma vez que os alunos
participantes da turma de 1º ano do ensino médio, estão iniciando seus trajetos
neste nível de ensino e sua participação nas atividades sugeridas tornou-se
essenciais para o desenvolvimento de suas capacidades cognitivas, reflexivas e
interacionais, refletindo com relevância nesta etapa de ensino e também para
os anos seguintes, levando assim ao melhoramento das destrezas, necessária
para aprendizagem significativa, evidenciando práticas bem sucedidas de
leitura e produção relevante para o protagonismo do aluno na escola atual.

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Pedro & João, 2018. p. 147-166.
PANDEMIA, ENSINO REMOTO E TRABALHO
DOCENTE: COMO ESTÃO AS PROFESSORAS?

Mariana Corradi Bruno1

Introdução

E stamos vivendo em uma época de caos. Tudo está oscilando, tudo


está desorganizado e as pessoas estão inseguras com o presente e com
o futuro. Sabemos que a contemporaneidade já tem por si só uma recorrente
fixação temporal, pois como afirma Harvey (2012) quando o tempo se acelera
e as distancias se encurtam, o passado e o futuro suprimem e o mundo passa
a ter outras significações e representações que muitas vezes estão pautadas em
uma única temporalidade.
Nas sociedades atuais é o presente que se torna protagonista, é o
agora e o hoje que tem se tornado objeto de fixação pelos sujeitos, o agora
é o trabalho, o hoje é acelerado e este instante é pensado a partir do futuro.
Mas, o mundo precisou parar, porque no dia 19 de março de 2020 as pessoas
receberam a notícia de que uma doença denominada por Coronavírus
(COVID-19) poderia exterminar uma grande parcela da população. Ficamos
e ainda estamos em isolamento social desde então.
O isolamento social transformou o cenário a nível econômico, social,
cultural e educacional. Várias medidas foram adotadas para minimizar os
efeitos socioeconômicos e educacionais que o Brasil enfrentava. A educação
especificamente, passou por uma transformação gigantesca, pois com o
distanciamento social as aulas não poderiam ocorrer presencialmente. Diante
disso, o governo brasileiro buscou novas alternativas para a educação pública: a
implantação temporária das aulas remotas. Neste contexto, vários professores
e professoras começaram a trabalhar e a ministrar suas aulas de forma virtual,
as aulas poderiam acontecer por meio de plataformas on-line, por chamadas
de vídeo, através de computadores, notebooks, celulares e/ ou tabletes.
Sabemos que a maioria dos professores da educação pública são
mulheres2 e sabemos também que a maioria das mulheres passam por situações

1 Bacharel em Psicologia. Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto


(UFOP). Pós- Graduanda em Informática na Educação no Instituto Federal Minas Gerais
(IFMG). Contato: [email protected]
2 De acordo com Censo Escolar da Educação Básica de 2007, o universo docente é
predominantemente feminino, sendo 81,6% de mulheres compondo a educação básica.
198
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

desiguais em vários âmbitos, como a disparidade entre os salários, a dificuldade


em ocupar cargos de alto hierarquia social3 e a conciliação entre trabalho e
cuidados com a casa e com a família. Essa última afirmação se confirma pelos
dados divulgados em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). O instituto se propôs a analisar as desigualdades de gênero em vários
campos como: educação, saúde e economia e proveu indicadores sociais das
mulheres no Brasil. Os dados evidenciaram que as mulheres são as que mais
se dedicam aos cuidados ou tarefas domésticas se comparado aos homens, ou
seja, 70% a mais.
Outra pesquisa que demonstra como as mulheres protagonizam o
trabalho doméstico pode ser visto pela pesquisa: Retrato das Desigualdades de
Gênero e Raça. A maior parte dos dados disponíveis desse trabalho apresentam
séries históricas de 1995 a 2015 e tem como objetivo disponibilizar dados
sobre diferentes temáticas da vida social, com os recortes simultâneos de sexo
e cor/raça, usando indicadores da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios), do IBGE.
O Instituto de Pesquisa Econômica Divulgada (Ipea) publicou os dados
referentes a este estudo em 2017. Dentre os resultados podemos destacar que
no ano de 2015 (especificamente), as mulheres trabalharam 7,5 horas a mais
que os homens. Além disso, o estudo demonstrou que de 90% das mulheres
entrevistadas declararam realizar tarefas domésticas, enquanto os homens
apenas 50%.
Diante estes dados em relação: 1) ao trabalho doméstico, 2)a profissão
docente e 3) a questão da demarcação da mulher na sociedade, pensemos: se
a maioria dos professores são mulheres e essas mulheres estão em suas casas
ministrando as aulas de forma remota, então como está sendo essa mobilização
entre trabalho docente, ensino remoto e a vida familiar? como estas professoras
estão se sentindo? elas estão cansadas? se sentem mais afetadas por serem
mulheres e professoras ao mesmo tempo? este artigo se propõe a refletir sobre
essas questões e para isso reunimos alguns depoimentos e entrevistas prestadas
por professoras para o site Nova Escola no quadro “retratos da quarentena”.
Farei uma análise das ‘’entrelinhas” dos depoimentos bem como do conteúdo
da reportagem, para ler essas linhas usarei autores como (BUTLER, 2008;

3 Com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) o
estudo demonstra que mulheres brasileiras com idade entre 25 a 49 anos ganham em média
20,5% menos que os homens no país. Os dados, relativos ao quarto trimestre de 2018
demonstram avanço significativo no número de mulheres ocupadas entre 2012 e 2018,
entretanto, continuam ganhando menos em relação aos homens. Nas ocupações selecionadas
para o estudo realizado, as mulheres ganham menos em todos os segmentos de trabalho. Além
disso, a nível nacional, apenas 4,5% das mulheres estão e cargos altos em comparação com 6,1%
dos homens.
199
Entremeios da Educação Contemporânea

SAMPAIO, SANTOS, SILVA, 2008; AMÂNCIO, OLIVEIRA, 2002;


RUTTER, 1999; BORUCHOVITCH, 1999).

A dupla jornada das professoras


O dia da professora não deveria ter apenas 24 horas. Isso sugere que
ele deveria ou ter mais ou menos horas. Sugiro que ele precisaria ter mais (72
horas, talvez?) não podemos dizer com exatidão, mas conseguimos afirmar:
24 horas para uma mulher-professora está sendo pouco. Talvez, seja o caso da
professora Midiã Ruama, professora na rede estadual em Santo André (SP), a
docente afirma que tem dias que não consegue fazer almoço e necessita pedir
marmitex, além disso, a professora relata que “acaba sempre ficando alguma
coisa a desejar. Queria dar conta de tudo, mas não consigo”. A profissional
trabalha em duas escolas a nível do ensino fundamental, ministra aulas de
português e inglês em uma instituição de tempo integral. A docente conta
que além de professora -é mãe- de duas crianças, (dois meninos para ser mais
exata) as idades são nove e seis anos, respectivamente e isso impacta no cansaço
físico, mental e na cobrança pessoal em relação a profissão.
Assim como a professora Midiã, outra docente que também aponta
desafios semelhantes, é a Bruna Batista, professora da rede privada (GO), a
docente também é mãe e diferente da primeira professora, tem um recém-
nascido de 1 ano e uma filha de 5 anos. Bruna relata que o início da quarentena
foi bastante desafiador, pois a sua filha mais velha estava iniciando a vida
estudantil e entendia que pelo fato de todos estarem em casa, a escola estava
de férias. Nas palavras da professora sua filha “chorava, não queria fazer as
atividades”.
Podemos perceber que as duas professoras são mães e maternidade
é uma questão polêmica. Seja pelo fato de que mulheres e mães são quase
representadas como sinônimos, seja pelo próprio conceito conturbado do que
é ser mãe e seja pela representação social da maternidade.
No Brasil, pesquisadoras como Novelino (1989), Santos (1995) e
Trindade e Enumo (2001) apresentam a tese que, principalmente no Nordeste
em meados do século do século XX, a representação social da maternidade
manteve (e mantém) uma forte ligação determinista com a reprodução. Ou
seja, ser mulher e ser mãe se dava quase que naturalmente e se caso isso não
ocorresse ou se a mulher não desejasse ser mãe, essa seria julgada e identificada
como um sujeito estranho, ruim, duvidoso e não amoroso. Citando (Santos,
1998) e (Trindade e Enumo, 2001), as autoras Sampaio, Santos, Silva (2008)
demarcam uma questão importante sobre a naturalização da mulher e mãe.
Assim as estudiosas se expressam:
200
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Ancorada na noção de naturalidade e de atributos biológicos, a representação


social da maternidade assume um caráter determinista. O fato de a mulher
não desejar ser mãe e desempenhar o papel maternal é justificado por algum
“problema”, como, por exemplo, mecanismo de defesa (uma falsa vontade
de não ser mãe), fruto de um impedimento orgânico para gerar filhos,
consequência de algum “trauma” na infância que a impossibilita ter tal desejo
ou ainda por uma deficiência de caráter (SAMPAIO, SANTOS, SILVA 2008,
p.10).
Podemos ver pelos relatos das professoras como elas se preocupam
com seus filhos e como se ocupam em ser boas mães. Essa preocupação fica
bem caracterizada na fala de outra profissional: Kátia Regia, ela é orientadora
educacional em uma escola na rede municipal de Itatiaia (RJ) e professora
de ensino na rede estadual a nível de magistério. Além das demandas diárias
que recebe por ser orientadora educacional, ainda ministra aulas online,
grava videoaulas e acompanha os alunos e alunas. Nesse entremeio de
tarefas, a professora declara uma importante frase que merece atenção sobre
a maternidade: [...] “Mãe sempre dá conta. Cansa, mas dá conta das coisas do
nosso jeito. Tem que dar, porque temos que fazer”[...].
A afirmação da docente nos faz pensar o quão é introjetado socialmente
a representação da supermulher. A supermulher se desdobra em mil partes,
pode e deve dar conta de tudo e de todos. De acordo com Amâncio e Oliveira
(2002) essa visão foi sendo construída a partir da emancipação das mulheres
ao longo da história. Assim, a emancipação poderia ser vista a partir de
dois polos (o negativo e o positivo), o positivo está de fato no lugar que as
mulheres vem ganhando na sociedade (por mais que seja lento) elas estão
ganhando, entretanto o polo negativo é que quanto mais elas ganham espaços
-principalmente espaços profissionais-, elas continuam sobrecarregadas, pois
continuam sendo estigmatizadas pelos discursos de gênero que demarcam
seus papeis ou seja, o que deveriam ou não fazer, qual roupa vestir, qual
tarefa doméstica realizar. Butler (2018) entende que os discursos de gênero
influenciam os sentidos e sentimentos que os sujeitos vão apropriar das
situações e assim, vão performando e elaborando atos esperados que são
comuns a determinadas atitudes em relação ao masculino ou o feminino.
No caso das mulheres os discursos de gênero são encaminhados para a
representação da mulher afetuosa, carinhosa, que gosta de rosa, inclinada para
a maternidade, para as tarefas domésticas. Enquanto os homens, gostam de
azul, são dotados de força física, lógica, racionalidade, não choram e não são
carinhosos.
Assim, a mulher professora que trabalha, que é diretora, professora de
português, inglês etc., também realiza tarefas domésticas, cuida dos filhos,
prepara os alimentos e cuida da casa e isto sobrecarrega as mulheres, o corpo
e a mente.
201
Entremeios da Educação Contemporânea

É válido destacar que a ajuda dos companheiros é importante na


divisão das tarefas, principalmente neste contexto em que as aulas estão sendo
ministradas de forma remota. Katia por exemplo, declara que seu companheiro
a ajuda de 15 em 15 dias, pois trabalha em sistema de rodízio e quando ele
está em casa é um alívio porque ocorre uma divisão de tarefas que possibilita
um descanso maior para a professora. Assim, a professora diz: “Na quinzena
que ele está em casa ajuda nas refeições, na limpeza e cuidado com o cachorro.
Quando ele não está, é uma loucura. Eu sento e choro mesmo”.
Outro fator de mobilização em relação à docência e o ensino remoto
foi a divisão de turnos que as professoras realizam com seus companheiros.
A professora Lidiane por exemplo indica que no período da manhã, ela
fica responsável pela sua filha e de tarde, quando se companheiro chega do
trabalho é a vez dele em ficar com a criança. A docente também afirma que
seu companheiro também a ajuda com algumas tarefas básicas como cuidar
do pátio ou fazer compras na rua. Entretanto, confessa que embora receba
ajuda de seu companheiro, a maior parte das tarefas domésticas é de sua
responsabilidade. Semelhante a esse relato, a professora Patrícia também
indica que seu marida a ajuda, entretanto enfatiza: “mas não tem como, o
mais pesado sou eu mesma”
Em geral, as professoras relataram receber certa ajuda dos companheiros,
mas ainda são responsáveis pela maioria das atividades domésticas. As docentes
dizem também que a partir do contexto em que nos encontramos, ou seja, a
pandemia, a dupla jornada tem aumentado. A professora Midiã comenta que:
“agora é um dia de cada vez é não se cobrar muito. Se não deu para fazer, faz
depois”.

Sobre a saúde mental/ física das professoras


Como forma de mapear pontos comuns na fala das professoras sobre
a saúde mental e física, elaborei um quadro composto por palavras-chave que
pude perceber no relato das docentes. Essas palavras estão relacionadas ao
modo como elas estão se sentindo tanto fisicamente quanto mentalmente. O
quadro é composto por três partes: palavras-chave, relato e docente.
202
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Palavras-chave Relato Docente


Surto, corpo, [...] “É bem puxado, eu achei que ia surtar no começo” Patrícia
sentimentos [...].
[...] “O corpo e cabeça reclamam ... um misto de Kátia
sentimentos” [...]

Dificuldade para [...] “Agora está estabilizado, mas foi bem difícil. Nunca Bruna
dormir tive insônia antes” [...].

Ansiedade [...] “Se eu começo a pensar no todo, eu fico ansiosa e as Kátia


coisas não saem” [...].
[...] “Culpa de não brincar tanto quanto ela gostaria por Lidiane
toda essa demanda de trabalho” [...]
Falta de tempo [...] “Eu sempre estou fazendo algo para alguém. Não Patrícia
para si tenho um tempo que fique sozinha ou faça algo para mim”
[...].
[...] “Final de semana saíamos em família, a casa estava Kátia
arrumada, a minha unha feita e o cabelo escovado. Hoje,
não tenho tempo nem de me pentear” [...]
Renovação, [...] “A casa é o melhor lugar para estar. O mundo é tão Midiã
mundo corrido corrido que a família acaba ficando de lado. Agora eu tento
pensar que minha família é meu porto seguro, a gente
sente o cuidado e o amor” [...]
Quadro elaborada pela pesquisadora. Os relatos bem como a identificação
das professoras foram retirados do site Nova escola por meio das entrevistas
concedidas pelas mesmas a jornalista Paula Salas. A matéria foi publicada em
20 de julho de 2020 e é intitulada por “O malabarismo de ser mãe e professora
na quarentena”. Fonte: https://novaescola.org.br/conteudo/19529/dupla-
jornada-os-desafios-das-professoras-que-sao-maes-durante-a-quarentena.
Acesso em: 12 de novembro de 2020.
Podemos visualizar que as professoras estão abaladas tanto fisicamente
quanto emocionalmente, além disso se encontram sobrecarregadas com a
carga excessiva de trabalho. Relatam que não possuem tempo para si, que estão
cansadas, ansiosas e com dificuldades para dormir. Apenas uma professora
inseriu pensamentos positivos, relatando que sua casa é o melhor para estar e
que tem focado em sua família, relatando que seu núcleo familiar é como um
porto seguro.
Em particular, a fala da última professora carrega em si sentimentos
esperançosos e uma certa resiliência. Embora o conceito de resiliência seja
203
Entremeios da Educação Contemporânea

polissêmico e estudado por vários autores, podemos usar neste artigo a


percepção de Rutter (1999) que entende a resiliência como uma espécie de
“resistência” que determinados sujeitos possuem diante de certas situações
conflituosas e/ou consideradas capaz de gerar riscos psicossociais.
Quando a professora se apoia na família e começa a ter pensamentos
positivos e esperançosos em meio a um contexto tão conturbado -que é este
em que estamos vivendo, podemos perceber a construção que a docente
tem feito em relação a suas experiências e como tem aprendido com elas.
Sabemos que não é fácil viver com uma doença “lá fora”, sabemos que não é
fácil o ensino remoto e sabemos que não é fácil estar em casa 24 horas e ainda
trabalhando na área da educação com um país tão desigual, onde a internet
não é acessada por todos, os computadores e notebooks não estão em todas as
casas. Mas, entendo que a esperança (mesmo mínima) é importante. Não só
a resiliência, mas a cooperação, o trabalho unido, a empatia e o respeito que
ajudam neste período.
Por meio desta perspectiva, algumas professoras entendem ser
necessário elaborar e executar algumas estratégias para compensar o efeito
devastador da pandemia, tanto para a saúde mental quanto para a saúde
física. Estas estratégias usadas pelas professoras serão discutidas na próxima
seção deste artigo e para isso formulei um panorama com a mesma estrutura
do primeiro quadro elaborado neste trabalho, isto é: palavras-chave, relato e
docente.
As estratégias que as professoras elaboraram nesse contexto conturbado
Palavras-chave Relato Docente

anota, tarefa, [...] “Eu comecei a fazer o que falava para meus alunos Patrícia
data, lista fazerem” [...].
[...] “Ela diz que toda semana anota em uma folha Jornalista dizendo
das datas da semana e o que precisa fazer naquele dia sobre Patrícia
em cada período. Ela deixa essa lista acessível e vai
riscando as tarefas que for finalizando” [...].

papel, planeja, [...] “Recorrer ao papel foi também a solução que


anota, tarefa ajudou Lidiane. Para organizar as demandas entre as Jornalista dizendo
aulas na rede privada e a direção na rede estadual, a sobre Lidiane
educadora planeja à noite o que fará no dia seguinte
e anota na agenda, mas apenas as tarefas de trabalho”
[...]. Lidiane
[...] “O resto a gente vai fazendo (durante o dia)” [...]
204
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

organizar, [...] “Para organizar a rotina, o que ajudou Bruna Jornalista dizendo
horário, foi estabelecer horários para tudo: para trabalhar, sobre Bruna
tarefa, tempo, tarefas da casa, acompanhar a filha nas aulas remotas
imprevisto e reservar um tempo para passar com a família. Se
manter nesses horários é um desafio (é preciso também
estar aberto aos imprevistos), mas tentar respeitá-los
pode ajudar a fechar a equação horas disponíveis e
tarefas por fazer” [...].
Panorama elaborado pela pesquisadora. Os relatos bem como a
identificação das professoras foram retirados do site Nova escola por meio
das entrevistas concedidas pelas mesmas a jornalista Paula Salas. A matéria
foi publicada em 20 de julho de 2020 e é intitulada por “O malabarismo
de ser mãe e professora na quarentena”. Fonte: https://novaescola.org.br/
conteudo/19529/dupla-jornada-os-desafios-das-professoras-que-sao-maes-
durante-a-quarentena. Acesso em: 12 de novembro de 2020.
A partir do panorama exposto, podemos identificar uma série de
estratégias utilizadas pelas professoras como forma de minimizar os efeitos
negativos que a pandemia tem trazido. Em geral, as docentes utilizaram
recursos diversos com um mesmo fim: organizar os dias e horários para que
pudessem sentir que não estavam perdidas em relação as tarefas demandadas
pelo ensino remoto. Além disso, se organizaram para se localizarem melhor
em qual dia da semana estavam (já que a pandemia faz com que nós fiquemos
sem noção do espaço-tempo).
Essas estratégias que as professoras fizeram uso, são dotadas de aspectos
cognitivos, pois como aponta Boruchovitch (1999), as estratégias cognitivas
são ensaios, elaborações e organizações que os sujeitos elaboram para se
ajustar ao ambiente. Assim, tendem a utilizar diversos métodos e recursos
como: repetir, organizar, sublinhar textos e palavras, anotar, resumir, criar,
estabelecer metas etc. E foi justamente isso que as professoras têm feito, criam,
renovam e organizam métodos e formas para se ajustarem ao meio conflituoso
que estão inseridas.
Materiais usados pelas docentes foram destacados também, como a
folha de papel, agendas e cadernos, estes por sua vez, serviram para que elas
pudessem anotar suas questões, suas dúvidas, as datas importantes e horários
a serem lembrados e cumpridos.

Considerações finais
Diante das questões suscitadas pelas considerações acima, à guisa de
conclusão, percebemos que as professoras têm sido resilientes em relação ao
205
Entremeios da Educação Contemporânea

período da pandemia e tem sentido sobrecarga física e mental devido a carga


excessiva de trabalho por conta do ensino remoto adicionado as nuances da vida
familiar. Entretanto, essas mulheres merecem ser vistas não como guerreiras,
pois tendemos a partir disso, romantizar suas batalhas pois a tendência é que
foquemos na figura da supermulher. precisamos então, manter o foco na
profissão docente e no gênero.
Assim temos duas questões em uma só: a docência e a mulher, são duas
questões amplamente sociais, pois de um lado existe a profissão do professor
que em contexto brasileiro, possui uma imensa desvalorização e do outro lado
existe outra questão, esse professor é mulher. A mulher também se encontra
em uma sociedade desvalorizada que se pauta muitas vezes no gênero para
legitimar a desigualdade. Portanto, são duas facetas de desigualdade dentro
de uma esfera social e é neste caminho que devemos analisar a condição da
mulher-professora.
É necessário continuar lutando pelo espaço das mulheres, pela equidade
de gênero, pelos salários equiparados, pela docência vista como uma profissão
importante. A pandemia nos revelou bastantes elementos e vão nos relevar
ainda mais, se tratando da educação, as famílias se aproximaram do contexto
educacional, pois o fato de estarem acompanhado de perto suas crianças, tem
percebido (mesmo que de forma inconsciente) o quão complexo é a docência,
o ensino e a educação.
Não sabemos como será o amanhã, como será o fim desta pandemia,
como será a docência e nem mesmo como estará a humanidade daqui um
tempo. Mas hoje, somente hoje, neste contexto da pandemia, do ensino
remoto, das roupas nas máquinas, da criança chorando, da panela no fogo e das
aulas online, precisamos admitir que as professoras não estão bem (fisicamente
e psicologicamente) E isso responde o título deste artigo. Lembrando, o título
do artigo é: Pandemia, ensino remoto e trabalho docente: como estão as
professoras?

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Psicologia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

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infertilidade feminina entre mulheres casadas e solteiras. Psicologia, Saúde e
Doenças, Lisboa, 2(2), 5-26.
ADOÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A
AUTOEDUCAÇÃO COMO CAMINHO POSSÍVEL

Marta Soares da Silva1


Stefano Rocha da Cruz2

Introdução

E ducar passa por educar-se, este encontro ocorre em uma via de


mão dupla, na qual seria um ledo engano crer que os afetos da
relação educador-educando constroem no discente o aprendizado sem que
sejam, enquanto professores, tirados de zona de conforto, confrontados em
convicções que podem descontruir-se para construir o novo. Neste sentido,
educar o outro passa primeiro por educar a si, abandonar, sempre que
necessário, conceitos previamente concebidos para a luz do conhecimento
reconstruir-nos de maneira respeitosa e respeitar no outro o ser humano
que aí habita, nos mais diversos contextos e configurações histórico-sociais e
culturais.
A escola como recorte da sociedade se encontra dentro destes contextos
históricos-sociais e culturais, sendo uma instituição que recebe toda diversidade
social. Por esta razão o presente texto se presta a reflexão da formação de
professores com relação a adoção numa perspectiva da autoeducação.
Para construir caminhos que possibilite refletir sobre o assunto
proposto, o texto passa por quatro momentos. O primeiro que apresenta a
história do abandono, ofertando a compreensão dos caminhos causais pelos
quais abandono, adoção e educação iniciam na história do homem e no Brasil
de maneira imbricada.
A formação familiar, mito e adoção constituem o segundo momento;
um terceiro que apresenta a formação de professor e ausência do conhecimento
acerca da adoção nos cursos de formação; e a conclusão que convida ao
exercício do educar-se para educar para além do mito.

Abandono e adoção: a educação no caminho dos (des)encontros


O costume de delegar a educação dos filhos a outros é narrado por Ariès

1 Mestre em Educação - UFTM; servidora pública na Secretária de Educação do Estado de MG,


professora anos iniciais. [email protected]
2 Mestre em Análise e Políticas Públicas – UNESP. [email protected]
208
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

(1978), por meio da análise de Duby sobre o testamento de um cavalheiro


ocidental do século XII, descrevendo que este delegou os cuidados e educação
de dois filhos mais novos ao filho mais velho. Após este fato registrou-se uma
série de contratos de aprendizagem em que as crianças eram enviadas por suas
famílias a mestres-tutores (p.226).
A prática de delegar o educar e cuidar dos filhos se alastra e registra
na história o início de um processo que escancara o abandono de crianças,
Camargo (2005) esclarece que o fenômeno de crianças serem desligadas das
famílias biológicas na finalidade de receberem educação em outras, resulta na
prática do abandono.
Com o precedente da não conservação das crianças nas famílias, a prática do
abandono não tarda a cristalizar-se como uma alternativa para as famílias,
sobretudo as pobres. Os pais ricos e os artesãos (o equivalente à classe média-
alta atual) enviavam seus filhos para outras famílias ou mestres tutores afim de
que por estes fossem educados e instruídos para o exercício profissional (ofício)
e/ou casamento: um abandono maquiado cujo objetivo fora elevado ao nível
de privilégio para poucos. Os pais pobres, que não tinham recursos para o
próprio sustento, simplesmente abandonavam seus filhos: um abandono sem
maquiagem, explícito. (CAMARGO, 2005, p. 26).
Desta forma, observa-se que nos séculos XVII e XVIII, na Europa,
ocorre a institucionalização do abandono, para além da educação para
os afazeres domésticos surgem os hospícios de menores abandonados e da
criação dos filhos por nutrizes (amas-de-leite). Camargo (2005) aponta
que os menores abandonados não institucionalizados, elevou os índices de
mortandade infantil em razão de situação de rua ligado a falta de condição
de sobrevivência. Donzelot (1986), explica que mulheres em condições de
amamentar ficavam por nutrizes dos filhos de famílias ricas, quer quando estas
optavam pelo trabalho ou para evitarem a amamentação.
As instituições que se prestavam a recolher a população que se
encontrava a margem se fortificaram sob viés de filantropia e intervenção
corretiva, inaugura no século XVIII a roda dos rejeitados, conforme.
A preocupação em unir respeito à vida e respeito à honra familiar provocou,
na metade do século XVIII, a invenção de um dispositivo técnico engenhoso:
a roda. Trata-se de um cilindro cuja superfície lateral é aberta em um dos lados
e que gira em torno do eixo da altura. O lado fechado fica voltado para a rua.
Uma campainha exterior é colocada nas proximidades. Se uma mulher deseja
expor um recém-nascido, ela avisa a pessoa de plantão acionando a campainha.
Imediatamente, o cilindro, girando em torno de si mesmo, apresenta para fora
o seu lado aberto, recebe o recém-nascido e, continuando o movimento, leva-o
para o interior do hospício. Dessa forma o doador não é visto por nenhum
servente da casa. E esse é o objetivo: romper, sem alarde e sem escândalo,
o vínculo de origem desses produtos de alianças não desejáveis, depurar as
relações sociais das progenitoras não conformes à lei familiar, às suas ambições,
à sua reputação (DONZELOT, 1986, p. 30).
209
Entremeios da Educação Contemporânea

O Brasil é herdeiro das mazelas da colonização europeia, vivência os


modelos de institucionalização da criança abandonada, desde os hospícios até
as rodas, momento em que muitas mães deixavam um bilhete expondo que a
pobreza era a razão pela qual entregará o filho, conforme apontam Camargo
(2005) e Marcílio (1998).
O abandono de crianças existiu no Brasil desde o período Colonial. Crianças
deixadas nas portas das casas ou igrejas ficavam expostas ao frio, vento e chuva
e também aos animais, causando grande comoção. “Enjeitados”, “deserdados
da sorte ou fortuna”, “criança infeliz” foram denominações comuns, referindo-
se a estas crianças. Para elas destinaram-se as Casas da Roda ou Casa dos
Expostos. Criadas em 1726 (a da Bahia), em 1738 (a do Rio de Janeiro), em
1825 (a de São Paulo), em 1831 (a de Minas Gerais), só foram desativadas,
como mecanismo de recolhimento de recém-nascidos articulado à antiga
caridade, no início do nosso século (ARANTES, 2004, p.162).
Retomando Camargo (2005) e Marcílio (1998), os quais descrevem que
a passagem pelas Rodas, no Brasil e na Europa era um estigma do abandono
nas crianças nelas deixadas, e não lhes salvaguardavam da marginalização,
do transito entre instituições, famílias, condições precárias de sobrevivência,
escravidão, situação de rua e morte precoce. Nas palavras de Marcílio (1998,
p. 267), “a Roda era um estigma indelével”.
Marques (2011) vem a este encontro expondo esta ferida brasileira ao
dissertar que a adoção em terras tupiniquins foi marcada pelo viés da caridade,
assistencialismo e repressão até chegar a discussões sobre acolhimento e
escolhas responsáveis.
No que tange a legislação Weber (2001), afirma que a primeira Lei
brasileira sobre adoção foi em 1828. A legislação de 1927 a 1990, o Código de
Menores, rezava que ao Juiz de Menor cabia destituir do pátrio poder, retirar
dos pais seus filhos par encaminhá-los às instituições de recolhimento, por
sentença de “situação irregular”, sendo uma delas a carência, conforme relata
Arantes (2004), que considera isto problemático, uma vez que o país declarava
em 36 milhões o número de crianças pobres.
Com a promulgação da Constituição Federativa do Brasil de 1998 e
do Estatuto da Crianças e do Adolescente (ECA) em 1990, filho natural e
filho adotivo são equiparados, a adoção passa a ser irrevogável, tratando com
prioridade as necessidades e direitos da criança e adolescente, viabilizando o
processo para os aspirantes à adoção.
Esta breve narrativa dialógica cadenciada principalmente por Ariès
(1978), Camargo (2005) e Donzelot (1986) está longe de ter a pretensão
de ser um estudo aprofundado da história do abandono, contudo, oferta
possibilidade para compreender os caminhos causais pelos quais abandono,
adoção e educação iniciam na Europa e se arrasta como processo de
210
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

colonização no Brasil de maneira imbricada. Desta história herda-se os mitos


e preconceitos com relação à adoção.

Família, mito e preconceito


A família nuclear formada por pai, mãe e filhos recebem novas
configurações e provocam estranhamento, são conforme aponta Ceccarelli
(2007) “novos arranjos familiares”, se pautam na ligação afetiva existindo ou
não o exercício da parentalidade e saem dos padrões tradicionais, são famílias
“monoparentais, omoparentais, adotivas, recompostas, concubinárias,
temporárias, de produções independentes dentre outros” (p.91).
O autor explica que a partir do momento que estas famílias passam a
exigir seus direitos de cidadãos, recebem visibilidade e trazem à tona questões
que provocam toda a ordem do tecido social, sendo que muitos destes modos
de filiação sempre existiram, porém sempre a margem do que era considerado
oficial, a família nuclear. Ceccarelli (2007) esclarece ainda que no tocante a
filiação adotiva do ponto de vista psíquico “as famílias são sempre construídas
e os filhos sempre adotivos, pois são os laços afetivos que, como todo
investimento que vão organizar a significante família” (p. 18).
Ao fugir do que era tido por oficial como formação familiar o
preconceito em sociedade acontece, passando pelo que aponta Marcílio
(1998), no que tange ao estigma gerado pela situação de abandono, e indo ao
encontro de Weber (1999) quando afirma que “a sociedade cria preconceitos
sobre aqueles que são estigmatizados, exclui os diferentes como uma maneira
de tentar garantir a sua própria normalidade” (p. 19), e que os mitos descrevem
ideias que são universalizadas. E, no caso da adoção, traduzem um modo
estereotipado de compreendê-la, podendo desenvolver o preconceito.
Os mitos são transmitidos pelas gerações e constituem parte da herança
cultural humana. Desde os primórdios os mitos serviram para significar, dar
sentido e finalidade a existência humana, conforme disserta Motta (2001).
O mito fundou o sentido de que a adoção fugindo a filiação
consanguínea não seria algo normal. Instituiu o preconceito de que se herda
pelo sangue o que é tido por ruim, nas palavras de (ANDREI, 2001, p.46)
“vícios de comportamento ou de caráter dos seus pais biológicos”.
Weber (2000) ressalta que a associação a mitos e a valorização dos laços
de sangue fazem com que a adoção tenha o significado de um problema para
a população em geral, psicólogos, psiquiatras, professores e, também, pais
adotivos.
211
Entremeios da Educação Contemporânea

Formação docente e adoção


Eiterer, Silva e Marques (2011) dissertam que, sendo a educação um
direito fundamental e a escola um espaço pedagógico, o ensino formal deve
ser ministrado em igualdade de condições para todos, sem distinção. Assim,
pensar a escola na perspectiva da inclusão implica “investir na formação de
cidadãos socialmente solidários, críticos e engajados na defesa dos direitos
sociais” (p. 9).
É importante observar que embora tenhamos dado passos enquanto
legislação no que tange a educação e sua trajetória histórica, conforme descrevem
Saviani (2009), Aquino, Borges e Puentes (2011), é no fazer pedagógico que
buscamos materializar as conquistas. Por esta razão a observação da prática é
fundamental, pois nela é impressa a relação professor-educando, requerendo
do educador constante estudo e atualização.
Eiterer (2011), afirma que há uma visão predominante e idealizada
de família, composta de pai, mãe e filhos. É um equívoco educadores
tomarem esta idealização como modelo na escola, porque é uma visão para
além de equivocada, esvaziada de conhecimentos básicos das famílias e suas
configurações, corrobora para rótulos estigmatizantes.
Souza (2008), pontua que muitos professores não recebem
conhecimentos sobre a adoção em sua formação acadêmica e não sabem
como lidar com ela. Alloero, Pavone, e Rosati, (2001) alertam que a falta de
uma formação pode levar o professor a ter atitudes equivocadas como, por
exemplo, “a manifestar uma proteção especial ao aluno, criar mitos sobre sua
origem, ou ainda, atribuir aos pais biológicos tudo aquilo que ele considera
inaceitável na criança” (p. 224).
Coutinho, Velozo e Zamora (2008), apontam por meio de pesquisa
de natureza qualitativa, com o objetivo de analisar como crianças e
adolescentes adotivos são percebidos pela escola. Foram realizadas entrevistas
semiestruturadas com sete profissionais que atuam na área de educação, no
ensino fundamental e médio, em escolas da rede particular da cidade de
Niterói-RJ.
Dentre os resultados encontrados pode-se observar que professores
possuem falas repletas de ideias preconceituosas sobre o tema, reforçam os
preconceitos sócio-histórico de critérios consanguíneos. Embora haja quem
busque conhecer mais por conta própria, apontam que não se receberam
formação para trabalhar com estudantes que sejam filhos adotivos, ao que se
referem por “adotados e os normais”.
Souza e Casanova (2011) ressaltam que é papel da escola evitar que a
criança adotada sofra preconceito, trabalhando as diferenças entre os alunos
212
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

e a existência de diferentes tipos de famílias. Para Alloero, Pavone, e Rosati,


(2001), ao trabalhar a adoção na sala de aula, vários cuidados precisam ser
tomados, já que “a família real é extremamente diferenciada e diversificada”
(p. 233). Souza (2008), esclarece que os livros didáticos praticamente não
abordam a adoção, mas “os professores podem abordar o tema ao estudar a
família, a reprodução humana, a cidadania, a vinculação afetiva” (p. 170).
Assegurar que o estudante não sofra preconceitos vai ao encontro do
direito declarado pela UNESCO (2007), quando diz que garantir direitos
humanos passa pelo garantir a educação como direito humano e bem público.
(GATTI, 2011, p.27) observa que por esta razão ninguém deve ser excluído
da educação. “Isso implica garantir acesso à escolarização, uma escolarização
que revele boa qualidade formativa [...]”. Logo, é direito do educando uma
educação que o respeite em sua singularidade e especificidade, requerendo
uma qualidade formativa para ele e para os que estão mediando este processo.
O presente texto não tem a pretensão de impor um peso ou solução
única ao professor, mas apresentar a necessidade de reflexões acerca da adoção na
formação docente, pensando a prática pedagógica e o autoconhecimento, um
processo que rompe com o cartesianismo e se propõe a olhar o homem em seu
todo, no qual reconhece que desenvolvimento pessoal gera desenvolvimento
profissional.

Autoformação e o desafio do docente frente a adoção


Imbernón (2011), aponta que “o desenvolvimento profissional é um
conjunto de fatores que permite ou impede o corpo docente avançar em sua
vida profissional” (p. 76, tradução nossa).
Lane (2002), contribui para esta reflexão ao trazer o humano/
profissional, um convite a pensar a construção da subjetividade que é fundada
e funda o profissional. Enquanto professores construímos a prática e somos
também construídos por ela. Para a autora as emoções estão intimamente
ligadas a constituição do ser humano, de maneira que é totalmente relevante
a subjetividade na constituição do nosso modo de ser social.
É possível observar os apontamentos de Lane (2002) na prática
docente, pois embora chega-se com uma identidade construída temporal,
cultural, historicamente e dentro daquilo que o afeta, ela é fatalmente
reconstruída pelos encontros/desencontros que aí ocorrem, resignificando não
só o profissional, mas a própria subjetividade. Dentro desta ótica é possível
observar que o docente é o humano/profissional em constante construção,
seres inacabados.
Ciampa (1998) contribuí para esta reflexão ao descortinar o conceito
213
Entremeios da Educação Contemporânea

de construção da identidade pela “metamorfose”, o que elucida como “o


processo permanente de formação e transformação do sujeito humano, que se
dá dentro de condições materiais e históricas dadas” (p.88), e vai ao encontro
de Dubar (2005), pois elucida a necessidade do outro para perceber a si. Ou
seja, não haveria transformação, construção da identidade sem o olhar do
outro.
A identidade humana não é dada, de uma vez por todas, no nascimento, ela é
construída na infância e, a partir de então, deve ser reconstruída no decorrer
da vida, O indivíduo jamais a constrói sozinho: ele depende tanto do juízo
dos outros quanto de suas próprias orientações. A identidade é produto de
sucessivas socializações (p. 24).
Deste modo, a identidade como metamorfose está relacionada às
condições e contradições na qual o indivíduo está sujeito em suas relações
interpessoais. Ou seja, é uma resposta a cada momento, portanto a identidade
não está posta como imutável, mas sim como um processo mutante, uma
metamorfose que dá ao ser pensante um movimento um desenvolvimento
concreto em suas atitudes.
Retomando Lane (2002), é a partir de sua vivência que o indivíduo
adquire a subjetividade e a objetividade que possibilitou o acesso aos valores
éticos, estéticos e morais, construindo assim o psiquismo humano. Nesse
sentido, o indivíduo é fruto de suas relações em sociedade no contexto
histórico, geográfico e social, pois todas essas vivencias é resultado da dialética
entre o particular e o universal no qual cada pessoa está inserida.
Desta forma, o tema adoção em sala de aula constituí um desafio que
merece ser encarado como um caminho de complexidade para um começar
de si. A organização familiar do educando quando suscita estranheza no
educador é o momento de sair da zona de conforto, se despir conceitos pré-
concebidos, reconhecer-se como seres em constante formação, profissional e
pessoal, e olhar para as possibilidades de autoeducação, permitir que ocorra a
metamorfose no âmbito indentitário e profissional.

Um caminho possível
Berber e Samaras (2004) explanam a acerca do Self Study (S.S) ser o
autoestudo, capazes de possibilitar aos educadores, por meio da reconstrução
dos eventos significativos de vivencias, que agregue à sua relação teórico-
prática. Esta abordagem de pesquisa convida a fazer o autoestudo das
práticas pedagógicas, na consciência de que aquilo que se é como pessoa tem
consequências no processo de aprendizagem dos alunos, conforme iluminam
as autoras.
Unindo-se a esta discussão Lima (1998), esclarece que quando
214
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

professores tem o conhecimento pedagógico desafiado por contexto cultural


diferente, a S.S é uma boa proposta de investigação, uma vez que possibilita a
compreensão da diversidade cultural e das relações em sala de aula.
A relação do professor com a sala de aula passa por pensar também a
pesquisa, uma vez que o educador não concluí sua formação quando finda
a graduação, mas dá início as novas etapas deste processo, haja vista que os
desafios da escola e da educação não são estáticos. Pelos mesmos interesses
apontados por Pereira (2013) no que diz respeito ao campo de pesquisa
sobre formação de professores, o qual “é atravessado por um campo de lutas
e interesses em que se estabelecem relações de força e de poder e, por isso
mesmo, dinâmico, movediço e inconstante” (p. 146).
Neste campo de forças estão contidas as velhas concepções de formação
familiar e as novas famílias, que já avançaram no campo jurídico e faz –se
necessário que educadores transponham o senso comum, materializem estes
avanços no chão da sala de aula. Conforme descrevem Saviani (2009), Aquino,
Borges e Puentes (2011), é no fazer pedagógico que buscamos materializar as
conquistas.
Embora a modalidade mais utilizada no autoestudo seja a realizada
pelo próprio indivíduo, como aponta Marcondes (2014), a característica
básica é o “desenvolvimento da conexão do self com o seu tempo espaço” (p.
299). Portanto, oferta ao profissional se utilizar do que aponta Morrin (2007),
um novo papel do professor rumo à inteligência coletiva, que transponha
a complexidade das partes e do todo para promover uma ação interventiva
de cunho educacional. Convida a pensar ações que promovam reflexão para
a autoorganização, partindo do caos/desordem a possibilidade do novo, um
exercício para começar consigo.
Para tanto, Marcondes (2014), esclarece que a pesquisa S.S, requer
do investigador equilíbrio e sensibilidade entre biografia e história, para que
as experiências individuais possam gerar insights, as quais gerem soluções às
inquietações públicas.
Com relação ao autoestudo e as abordagens narrativo-biográficas:
constituem estratégias importantes para a formação de professores,
nomeadamente para o desenvolvimento da pedagogia da formação de
professores e para a construção da identidade profissional dos professores em
formação (MARCONDES, 2014 p. 303).
Para tanto, Marcondes (2014), traz a compreensão da observação
da autobiografia como uma potência possível na prática docente afim de
contribuir na formação profissional. Para além de outros contextos, que dizem
respeito a metamorfose da própria subjetividade, educadores contribuem para
uma sociedade plural e de respeito aos direitos humanos, aos direitos dos
215
Entremeios da Educação Contemporânea

discentes que passam ou passaram por processo de adoção ao se permitirem a


autoeducação.

Considerações finais
O presente texto não teve a pretensão de fazer uma panaceia do
autoestudo na relação docente e discente com filiação adotiva. Mas crê que
este possa um caminho possível junto aos teóricos e pesquisa apresentados.
Por esta razão, prestou a reflexão da formação docente pensando a adoção
numa perspectiva da autoeducação.
Esta perspectiva se põe como via para pensar a formação de professores
que contemple educandos com filiação por meio da adoção, pois ela une
possíveis potências do mediador em sala de aula aos educandos, num passo no
qual professor parte do autoestudo e crê na plena capacidade dos envolvidos
sem julgamentos ou conceitos pré-concebidos. Nas palavras de (BACH, 2010,
p. 1) “Essa ênfase na participação ativa do ser humano pode ser resumida em:
conhecer o mundo para mudá-lo e com a mudança realizada, ser transformado
por ele”
Acredita-se junto aos autores que o autoestudo oferta aos profissionais
da educação o autoconhecimento, capaz de possibilitar uma autogestão no seu
espaço-tempo, conhecer o seu educando e se conectar ao seu universo, afim
de que a educação se paute no encontro respeitoso de mundos que possuem
inúmeros encontros e desencontros possíveis de serem potências se mapeados
pelo autoconhecimento e aplicado na prática docente.

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2001.
LITERATURA NA PANDEMIA: A FORMAÇÃO
DO LEITOR E OS DESAFIOS DA LEITURA
DIALÓGICA NO ENSINO REMOTO

Naiana Leme Camoleze1

Introdução

E sta reflexão tem o condão de contribuir com os estudos relacionados


aos desafios de promover o ensino da literatura e o incentivo à
leitura dialógica na modalidade remota, em especial no período de pandemia
global da COVID 19, debruçando esforços em demonstrar a importância do
ensino presencial para a formação do leitor.
O foco não é o uso das tecnologias no ensino, tampouco quais são as
inovações tecnológicas atuais, embora seja necessário seu conhecimento.
A proposta é sistematizar o que há de interesse à área de Letras,
abordando a mediação do educador, com a premissa de pensar esta área de
conhecimento de forma crítica, discorrendo sobre os desafios postos aos
professores, no referido período, e como estes influenciam na prática da leitura
na contemporaneidade.
Interessa-nos refletir quais são as dificuldades e os percursos percorridos
pelos professores, para fomentar e estimular a leitura em um período
complicado de isolamento social, quando as aulas foram suspensas por tempo
indeterminado, e muitos alunos não têm acesso à internet, ou se tiveram,
como os docentes estão mantendo o interesse pelo estudo da literatura.
A intenção estimular a investigação de como está sendo a mediação e o
processo de ensino-aprendizagem também pelo viés sociológico, em diferentes
camadas sócio-econômicas, entre as redes pública e privada de ensino, que
foram afetadas pelo provisório, muitas vezes decadente, método ensino a
distância.
O enfoque deter-se-á, sobretudo, em tentar discorrer sobre o impacto
da pandemia no ensino da literatura para crianças e jovens, em especial em

1 Graduada em Letras pela FCL - Faculdade de Ciências e Letras de Assis/UNESP - Universidade


Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho -. Graduada em Jornalismo pela FEMA - Fundação
Educacional do Município de Assis, e concluindo pós-graduação em Tecnologias Digitais e
Inovação na Educação. Atuação profissional: VOLARE A.M. E-mail: atendimentovolare@
gmail.com.br
220
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

situação de vulnerabilidade social, observando de que forma se estabeleceu


esse ensino, assunto relevante neste período pandêmico, em que são escassas
as alternativas de incentivo à leitura no período de ensino remoto, e muitos
são os desafios, como já dito, mas que certamente resultarão em contribuições
ao ensino futuro, bem como à ampliação da prática docente pós-pandemia e,
principalmente, à formação do leitor.

Desenvolvimento
Contemplando os estudos em Leitura dialógica, este artigo tem como
premissa maior discutir a recepção literária do público juvenil no período de
isolamento social da COVID 19.
Estudar Literatura, sobretudo em um período de quarentena imposta
pela crise sanitária global, quando não há livre acesso aos lugares, incluindo
a livrarias e bibliotecas, pode ser um trabalho prazeroso, ação que permite ao
leitor privado de circular, que transite pelo mundo literário, em contato direto
com a narrativa e as personagens, por vezes inusitadas, criadas pelo autor.
Para Walty (1996, p.47), no livro O que é ficção, o estudo da ficção
pode ser revolucionário: “A ficção pode ser a saída, a libertação, a absoluta
denúncia ou a reduplicação do real a que está submetida”.
Por vezes, o aprofundamento nos estudos literários, assume uma função
crítica, como por exemplo, conduzir o leitor a explorar as entrelinhas inseridas
pelo autor em sua obra, que figura sobre o tema não somente narrando, mas
sugerindo ao leitor acreditar que algumas das situações apresentadas por ele
são reais, abrindo espaço para debates sobre a realidade social atual.
Desta forma, a Literatura pode ser vista como fonte de inspiração para
introdução à reflexão sobre a importância do ensino presencial, do contato
social e da leitura dialógica.
Sobre o tema, - e que pode-se encaixar a Literatura como base para
estudos sobre a formação do leitor -, sobretudo neste momento, Costa defende
na obra Ficção, Comunicação e Mídias, que:
Estudar a ficção é mais do que pesquisar os produtos que, inspirados por ela, se
consagraram como suas formas de expressão. Trata-se de perscrutar as relações
que, através das narrativas ficcionais, sob diferentes veículos e linguagens,
se estabelecem entre os agentes envolvidos e entre eles e a realidade que os
circunda e contextualiza. (COSTA, 2002, p. 30).
Walty (1986, p. 50), sugere que: “O texto não diz apenas o que seu
autor quis dizer, diz muito mais e, lendo-o criticamente, podemos até virá-lo
pelo avesso, quando passará a dizer o contrário do que pretendia”.
De acordo com Aristóteles (2005, p.43), em sua constatação na obra
221
Entremeios da Educação Contemporânea

A arte poética: “É evidente que não compete ao autor narrar exatamente o


que aconteceu; mas sim o que poderia ter acontecido, o possível, segundo a
verossimilhança ou a necessidade”.
Observando as entrelinhas do pensamento do autor, como forma de
suscitar críticas sociais, Aristóteles propõe que o escritor, através da ficção,
realiza uma imitação do real. O que de certa forma pode causar identificação
no leitor.
É poeta (autor) pela imitação e porque imita as ações. Embora lhe aconteça
apresentar fatos passados, nem por isso deixa de ser poeta, pois nada impede
que a existência de alguns dos acontecimentos ocorridos seja verossímil ou
possível, e por isso o poeta seja criador dele. (ARISTÓTELES, 2005, p.43).
Em um outro trecho de sua obra, Aristóteles aponta ainda que, na obra
literária, - e que pode transpor-se também à formação do leitor infantojuvenil
-, não se trata apenas de imitar um fato ou um acontecimento real, mas
provocar as emoções do leitor:
Como se trata não só de imitar uma ação em seu conjunto, mas também
fatos capazes de exercitarem o terror e a compaixão, e essas emoções nascem
principalmente, ... (e mais ainda) quando os fatos se encadeiam contra a nossa
expectativa, pois desse modo provocam maior admiração. (ARISTÓTELES,
2005, p. 45).
Em consonância com a ligação entre o real e o imaginário, o que pode
conferir à Literatura função de tornar-se ainda mais lugar de refúgio, diante
do isolamento social, e reforçando o que Aristóteles já havia apontado, Walty
acresce que:
Não se pode, pois, falar de um real estático, pronto, pré-construído. O real é
fruto de um processo de relações do homem com os outros homens e com a
natureza [...] O indivíduo capta o mundo de acordo com seus referenciais [...]
Acontecimentos tão engraçados, mas tão corriqueiros podem nos deslocar no
tempo e no espaço. (WALTY, 1986, p. 19 e p. 24).
Walty (1986) indica ainda que examinando obras literárias, é possível
encontrar acepções da palavra ficção: uma, mais geral, ligada à fantasia, à
simulação, a fingimento. O que poderia, de certa forma, auxiliar o leitor em
seus momentos de angústia diante do futuro, da obscuridade causada pelo
momento de reclusão e ensino remoto. Seria como poder rodar o mundo sem
sair de casa, aliviando o stress, reconhecendo na limitação uma oportunidade
de buscar a felicidade, mesmo que inventada. Contar histórias, ouvir histórias,
em uma tentativa e organizar o caos interno, pode curar a alma enferma de
solidão.
O homem sempre contou estórias\histórias, [...] sempre com personagens que
atuam num tempo e num espaço diferenciados, marcados por uma narração
feita por alguém - o narrador. Quando você lê um romance, um conto, ou
222
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

assiste a um filme, vê personagens verossímeis ou não, de uma estória também


plausível ou absurda, num tempo e num espaço, organizados ou caóticos. A
esse tipo de narrativa chama-se ficção, em oposição aos filmes documentários,
aos livros autobiográficos, cujas personagens efetivamente viveram, e que os
fatos, aí narrados, podem ser atestados pelos manuais de história, pelos jornais,
pelos testemunhos pessoais, e o tempo e o espaço são mensuráveis e concretos.
[...] 15 - Ficção seria, pois, criação da imaginação, da fantasia, coisa sem
existência real, apenas imaginária. (WALTY, 1986, p. 12-15).
E este talvez seja um desafio deste tempo, promover essa leitura dialógica,
afetiva, envolvente, diante de um cenário devastador, que para alguns jovens
pode ter sido inclusive desastroso, com desestruturação política e da situação
econômica, inserção em um contexto de abalo emocional pelo isolamento, e
ainda, precisar conviver entre extremos, de luta contra as dúvidas, a fome e o
medo da morte.
É importante observar como a Literatura pode amenizar essa situação.
Como a promoção de conversas que questionem profundamente a realidade
podem auxiliar o leitor a superar as dificuldades.
De acordo com Bosi (1996, p.25), na obra Cultura de Massa e Cultura
Popular: “As coisas que a gente lê sempre parecem com a vida da gente” e diante
de um conjunto altamente diferenciado de processos de informação, pode -se
dizer, que “Esse conjunto afeta de modo poderoso a percepção da realidade
que a nossa cultura está sempre reelaborando e que interessa diretamente o
comportamento do indivíduo em face dessa mesma realidade”.
Ao leitor, é permitido ler e reler o trecho ou a obra a ser analisada,
na tentativa de desvendar o que é, ou pode ser real e o que é, ou pode ser
imaginário.
Conforme Aristóteles (2005, p. 86), sobre como se deve apresentar o
que é falso, na obra A arte poética: “O autor deve falar o menos possível por
conta própria, pois não é procedendo assim que ele é imitador”, e ainda:
Eis como os homens pensam: quando uma coisa é, e outra coisa também é
, ou, produzindo-se tal fato, tal outro igualmente se produz, se o segundo é
real, o primeiro também o é ou se torna real. Ora, isso é falso. Pelo que, se o
antecedente é falso, mas se tal coisa deve existir ou produzir-se, no caso em
que o antecedente fosse verdadeiro, estabelece-se uma ligação entre ambos.
(ARISTÓTELES, 2005, p. 87).
Já Eco (1971) sugere em sua obra A estrutura ausente: introdução à
pesquisa semiológica, que: “Um estímulo é um complexo de acontecimentos
sensórios que provocam determinada resposta. A resposta pode ser imediata
ou pode ser mediata - de compreensão ou interpretação com base em um
código de experiências passadas, como signo comunicante”. Sendo assim, o
leitor poderá entrelaçar um diálogo entre o real, por meio de suas vivências ou
experiências cotidianas.
223
Entremeios da Educação Contemporânea

Na obra Linguagem total: uma pedagogia dos meios de comunicação,


Gutierrez (1978) trata sobre teoria da aprendizagem relacionada ao processo
de comunicação, tanto nas teorias da aprendizagem que se baseiam na relação
estímulo-resposta, como as que têm uma formação estrutural, pressupondo
que exista:
A necessidade da resposta do sujeito perceptor para verificar a eficiência da
informação [...] é imprescindível que o perceptor, além de perceber, interprete
o estímulo. Isto é, em termos de comunicação, o perceptor deve decodificar o
estímulo. O sujeito não somente apreende a informação mas quando consegue
se estruturar essa informação na bagagem de conhecimentos anteriores aos
efeitos de usá-las quando apresentem novas situações [...] esta nova estruturação
do receptor somente é comprovada na prática. (GUTIERREZ, 1978, p.37 e
p. 38).
Incentivar os leitores isolados a ultrapassarem barreiras da leitura, não
apenas lendo, mas vivendo a Literatura em sua forma mais profunda, pode ser
um ato desafiador.
Mediar os conhecimentos empregados no universo literário pode
fomentar o campo literário, servindo também de ação multiplicadora de
informação, por meio da Literatura e da representação dessas linguagens. Esse
pensamento é complementado pelos estudos de Walty (1996), quando o autor
observa, e por vez até questiona, qual seria o papel da ficção na sociedade e sua
função social:
Não seria, pois, a existência da ficção que nos permitiria pôr em causa a
realidade tal como nós a percebemos? Uma boa forma de pensar sobre isso é
verificando o espaço concedido à ficção em nossa sociedade, seja sob forma de
arte ou de qualquer outra manifestação. Onde está a ficção? Como convivemos
com ela? (WALTY, 1986, p. 28)
Explorar a função da leitura dialógica em um momento de silenciamento
social e seus efeitos sobre compreensão da realidade atual para o público leitor
infantojuvenil pode auxiliar na transformação e na construção de uma nova
realidade pós-pandemia.
Além de sugerir que é necessário ampliar a discussão sobre o espaço
cedido à ficção na sociedade, Walty acredita ainda que:
A arte (no caso, a literatura) apontaria para o espírito lúdico do homem, sua
necessidade de jogar, de brincar, desvinculada de uma função utilitária. [...] A
imaginação visaria a reconciliação do indivíduo com o todo, do desejo com
a realização, da felicidade com a razão. A arte (literatura) seria o veículo de
libertação. Não há como negar que, em nossa sociedade a arte tem tal função”.
[...] Logo, a ficção pode ser mais real que o que se quer realidade, e o real pode
ser mais ficcional que o que se quer ficcional. (WALTY, 1986, p. 43)
Através desse contexto de entrelaçamento, entre os mundos literário
o real, observando a situação, que se apresenta atualmente cheia de restrições
224
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

e com expectativas nebulosas, por conta da pandemia, é importante que o


assunto seja também investigado pelo viés da representação.
Sobre a questão de explorar com o leitor os parâmetros entre o real e
o ficcional, Freire trabalha em sua obra, Pedagogia da Autonomia, a esfera do
que considera uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica,
que é:
Propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os
outros e todos com o professor (a) ensaiam a experiência profunda de assumir-
se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador realizador de sonhos. (FREIRE, 1996, p. 41).
A leitura dialógica pode servir como um método diferenciado de
motivar os leitores infantis e juvenis a enfrentar o presente, contado histórias
escolhidas por eles, trazendo à tona suas impressões, e até mesmo suas histórias
reais.
Para Costa, na obra Ficção, Comunicação e Mídias: “O compartilhar
de histórias ficcionais fornece o substrato da identidade individual e coletiva”,
acrescentando ainda que:
Não só parecem mais reais que a vida, como dão a impressão de uma
completude e integridade jamais alcançadas pela experiência imediata [...]
por esse distanciamento ao mesmo tempo possível e necessário em relação
à realidade concreta, a ficção é revolucionária - o espelho pelo qual se torna
visível essa realidade, assim como a utopia que permite superá-la. (COSTA,
2002, p. 31).
Segundo Cândido (1963, p.43), em A personagem de ficção, a
personagem, na obra de ficção: “Representa a possibilidade de adesão
afetiva e intelectual do leitor, pelos mecanismos de identificação, projeção
e transferência”. E sendo assim, o aluno poderá identificar-se com a obra, e
tomar gosto por produzir suas próprias narrativas.
Portanto, justifica-se propor um debate sobre o tema em questão, uma
vez que o incentivo e a promoção da leitura na pandemia podem significar
uma abertura para um rico diálogo sobre as dificuldades de cada participante,
seus anseios e expectativas futuras.
A comunicação é uma ponte que integra subjetividades através de ferramentas
de linguagem; os discursos construídos pela linguagem referem-se ao mundo
real traduzido pelas individualidades que o experimentam, mas transformam-
se uma vez expressos, em modelos que orientam futuras percepções do real;
a comunicação transforma-se, assim, em um veículo que liga interioridade e
exterioridade; a ficção não se opõe à realidade dos fatos nem a sua objetividade,
apenas a apresenta a partir da subjetividade que a vivencia. (COSTA, 2002,
p. 12).
225
Entremeios da Educação Contemporânea

Considerações finais
Este artigo intitulado “Literatura na pandemia: a formação do leitor e
os desafios da leitura dialógica no ensino remoto” visa contribuir com os estudos
voltados à Literatura e à vida social,
A modalidade remota será investigada nos mais diversos âmbitos da
Educação, no período de pandemia global da COVID 19, buscando indicar
as lacunas geradas pela interrupção do ensino presencial.
Tratar sobre o ensino da Literatura na pandemia faz-se necessário
para poder abordar sua transição ao ensino remoto, para que assim, seja
possível apontar os desafios enfrentados no período de isolamento social, e
as superações alcançadas, bem como valorizar o papel do professor no ensino
presencial após a experiência remota, sobretudo como mediador da leitura
dialógica, incluindo as projeções futuras, para a fase pós-pandemia, que
certamente trará subsídios para novos debates sobre transformação da visão
de mundo do aluno, os prejuízos e as possibilidades positivas no processo
de ensino-aprendizagem diante do isolamento social na pandemia, e qual a
repercussão a função social da Literatura na formação do leitor.
Portanto, a Literatura pode ser uma ponte, através da comunicação
expressiva que a leitura dialógica pode proporcionar aos leitores. De acordo
com Bosi (1996, p.49): “A chave dos significados não está, pois, nos meios de
comunicação, mas na estrutura da sociedade que criou esses meios e que os
tornou significantes. É a sociedade que significa”. E cabe ao professor auxiliar
o leitor na busca pela ressignificação da sociedade.

Referências

ARISTÓTELES. Arte Poética. Título original Art Poétique. Tradução de


Pietro Nassetti. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005.

BOSI, Ecléa. Cultura de Massa e Cultura Popular. 9ª ed. Petrópolis:


Editora Vozes, 1996. - (Coleção Meios de Comunicação Social nº 6).

CANDIDO, Antonio. A personagem de ficção. Boletim nº284. Teoria


Literária e Literatura Comparada, nº 2. São Paulo: Composto e Impresso na
Secção Gráfica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
de São Paulo, 1963.

COSTA, Maria Cristin Castilho. Ficção, Comunicação e Mídias. São


Paulo: Editora SENAC, 2002. - (Série Ponto Futuro; 12).

ECO, Umberto. A estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica.


226
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Tradução de Pérola de Carvalho. São Paulo: Editora da Universidade de São


Paulo, Editora Perspectiva, 1971.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessário à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GUTIERREZ, Francisco. Linguagem total: uma pedagogia dos meios de


comunicação. São Paulo: Summus, 1978.

WALTY, Ivete Lara Camargos. O que é ficção. São Paulo: Editora


Brasiliense, 1986.
OS JORNAIS COMO OBJETOS DE ESTUDO NO
ENSINO DE HISTÓRIA

Pâmela Pongan1

Introdução

O ato de ensinar vem se mostrando um desafio cada vez maior nos


dias atuas, independentemente da área do conhecimento, devido
a alguns obstáculos que causam prejuízos as relações de ensino-aprendizagem,
como: a carência de recursos, desvalorização dos docentes, precariedade da
estrutura escolar, desmotivação discente, entre outros. Entretanto, quando se
trata do ensino de História, os desafios tendem a ser maiores, considerando as
poucas horas dedicadas no currículo escolar para as ciências humanas e a pouca
importância destinada a esta área do saber, apresentada como “irrelevante”
e colocada entre as “disciplinas menores”, sendo menosprezada diante das
consideradas prioritárias.
Além disso, as metodologias tradicionais no ensino da História
trazem consequências indeléveis na promoção do aprendizado. Dentre
tantas possibilidades de transformar o ensino da História em algo prazeroso
e interessante, está a renovação constante de fontes utilizadas em sala para
ensinar/pesquisar tal ciência.
Segundo essa visão, nos últimos anos, expandiu-se o ensino de história
por meio da inclusão de novas temáticas bem como do aumento das fontes
utilizadas através da incorporação de uma grande quantidade de materiais e
problemas diversificados, evitando desse modo a exclusão de vários sujeitos
e ações históricas que eram tradicionalmente operadas pelos manuais e
programas de ensino (FONSECA, 2011, p.116).
Tratando-se de uma procura no anseio de trazer para as escolas o
desenvolvimento de estudos históricos promovidos pelas universidades
(PINSKY, 2009 p.7) numa efetiva transposição didática de saberes, até
então apenas da academia, para aqueles promovidos juntamente com
ensino fundamental e médio (MONTEIRO, 2007, p.85), superando as
resistências que de forma inevitável podem surgir como também estimulando
as concordâncias na procura de um processo de renovação (ABUD, 2007,
p.107).

1 Doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de


Passo Fundo/RS – PPGH/UPF. Bolsista CAPES.
228
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Esta incorporação de novas fontes permite a utilização de documentos


históricos em sala de aula, o que pode ser encarado como um ponto de
partida para a prática do ensino da História, bem como a oportunidade de
que o professor possa ensinar o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho
necessárias ao “saber-fazer” História (SCHMIDT, 2009, p.117).
Nesse sentido, é fundamental que estes objetos de estudo apresentem
suas mediações e contradições, deixando transparecer toda a trama de
relações sociais que os compõem (BORGES, 1986, p.33-34). Entre os tantos
documentos que podem ser utilizados em sala de aula, há a imprensa periódica.
A utilização dos jornais como fonte para o ensino da História vem
encontrando cada vez mais espaço, considerando o fato de que a imprensa
escrita, como fonte e objeto de estudo histórico, traz em si múltiplas
possibilidades de análise (BITTENCOURT, 2011, p.335). Essa prática de
ensino-aprendizagem deve trazer em si a necessária superação das dificuldades
advindas do trabalho com os periódicos, uma vez que, ao levar o pluralismo
para a sala de aula, o jornal também leva para a escola uma história truncada,
num quadro pelo qual surge o papel do professor que, com as opções de que
dispõe ou escolhas que faz, é capaz de ensinar o aluno a ordenar e compreender
o caos aparente (ABUD; SILVA; ALVES, 2010, p.29-30).
Dessa forma, nos embasaremos na busca por alternativas que aliem o
ensino de História ao uso de periódicos impressos quanto fontes históricas,
para que seja instigado no aluno o interesse da pesquisa histórica, o que
permitirá aos alunos a construção de reflexões acerca da sociedade em que
vivemos.

A imprensa como fonte histórica


O reconhecimento da imprensa como fonte e objeto de pesquisa
histórica tem como marco inicial a década de 1970. Segundo Luca (2005),
embora houvesse um reconhecimento da importância dos impressos, devido
a sua introdução e difusão no país desde o século XIX, houve resistência por
grande parte dos historiadores em escrever a História por meio da imprensa, o
que resultou a este período uma pequena quantidade de pesquisas que tinham
como fonte jornais e revistas com o objetivo de conhecer a história do Brasil.
Não se pode desprezar o peso de certa tradição, dominante durante o século XIX
e as décadas iniciais do século XX, associada ao ideal de busca da verdade dos
fatos, que se julgava atingível por intermédio dos documentos, cuja natureza
estava longe de ser irrelevante. Para trazer à luz o acontecido, o historiador,
livre de qualquer envolvimento com seu objeto de estudo e senhor de métodos
de crítica textual, precisa, deveria valer-se de fontes marcadas pela objetividade,
neutralidade, fidedignidade, credibilidade, além de suficientemente
distanciadas de seu próprio tempo. Estabeleceu-se uma hierarquia qualitativa
229
Entremeios da Educação Contemporânea

dos documentos para a qual o especialista deveria estar atento. Nesse contexto,
os jornais pareciam pouco adequados para a recuperação do passado, uma vez
que essas “enciclopédias do cotidiano” continham registros fragmentários do
presente, realizados sob o influxo de interesses, compromissos e paixões. Em
vez permitirem captar o ocorrido, dele forneciam imagens parciais, distorcidas
e subjetivas. (LUCA, 2005, p. 112).
No Brasil, na primeira metade do século XX, os historiadores adotaram
duas posturas diante do jornal quando fonte/documento histórico: “Com
desprezo, ao considerar os periódicos como fontes suspeitas, portanto sem
validade; ou com enaltecimento, ao encarar o jornal como repositório da
verdade, considerando as notícias como relatos fidedignos dos acontecimentos
registrados” (CAPELATO, 1988, p. 18). Estas posições passaram a ser
criticadas ainda na segunda metade do século XX, entrando em decadência
junto com a “noção de documento como espelho da realidade, da verdade e
da objetividade” (CAPELATO, 1988, p.19).
Nos anos 70 a fonte jornalística recebeu novas perspectivas por meio
dos olhares advindos das novas concepções e métodos consequentes da
Nova História, que direcionaram os novos conhecimentos da historiografia
modificando não só a forma de fazer história, mas também transformando
os métodos de análise crítica sobre os documentos, ampliando desse modo os
horizontes documentais.
A partir da terceira geração dos Annales, do pensamento marxista e
fundamentalmente as contribuições de Michel Foucault, a historiografia
abriu-se a uma nova gama de propostas e objetivos. problemas e abordagens.
De acordo com Luca (2005), essa interação juntamente com outras
ciências humanas e a expansão do campo de possibilidades de pesquisa dos
historiadores, tornou-se fruto dessa transformação temática trazendo assim
contribuições metodológicas de fundamental importância para história, além
de fazer com que os historiadores repensem sem as fronteiras de sua disciplina
bem como a própria concepção e análise crítica dos documentos.
Conforme Burke (2008), se os historiadores estão mais preocupados
do que seus antecessores com uma maior variedade de atividades humanas,
devem examinar uma variedade maior de evidências. Esta ampliação das
temáticas e abordagens contribuiu para a expansão do universo das fontes, e
a imprensa que antes era tida como fonte suspeita e sem credibilidade, passou
a ser considerada como um material de pesquisa valioso e uma das principais
fontes de informação e pesquisa histórica. O estudo da fonte jornalística
permitiu ampliar os horizontes para novas reflexões e problemáticas nos
conhecimentos sobre as sociedades do passado.
A imprensa oferece amplas possibilidades para isso. A vida cotidiana nela
registrada em seus múltiplos aspectos, permite compreender como viveram
230
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

nossos antepassados – não só os “ilustres”, mas também os sujeitos anônimos. O


Jornal, como afirma Wilhelm Bauer, é uma verdadeira mina de conhecimento:
fonte de sua própria história e das situações mais diversas; meio de expressão de
ideias e depósito de cultura. Nele encontramos dados sobre a sociedade, seus
usos e costumes, informes sobre questões econômicas e políticas (CAPELATO,
1988, p.21).
Dada a importância e a ampliação do uso da imprensa e suas
possibilidades como objeto e/ou fonte de pesquisa histórica, novos
posicionamentos e metodologias frente a ela tornaram-se necessárias
reconhecendo sua historicidade e problemáticas.
O jornal é uma verdadeira mina de conhecimento: fonte de sua própria história
e das situações mais diversas; meio de expressão de ideias e depósito de cultura.
Nele encontramos dados sobre as sociedades, seus usos e costumes, informes
sobre questões econômicas (CAPELATO, 1988, p. 21).
Nesse sentido, a pesquisa com jornais em sala de aula traz muitas
possibilidades de aprendizagem, tendo em vista que são fontes propícias a
um leque de indagações e reflexões, pois apresentam questões que vão desde
às elites brasileiras às classes com menos visibilidade no cenário nacional; os
grandes fatos que marcaram a historiografia às particularidades dos sujeitos
históricos. Pois, a impressa acompanha o caminhar da História nacional e
regional, presenciando e registrando os grandes momentos políticos e sociais
que passaram tal região ou o país todo, estando intimamente ligada ao
cotidiano da sociedade, estabelecendo representações de um passado.
A nação brasileira nasce e cresce com a imprensa. Uma explica a outra.
Amadurecem juntas. Os primeiros periódicos iriam assistir à transformação
da colônia em Império e participar intensivamente do processo. A imprensa
é a um só tempo, objeto e sujeito da história brasileira. Tem certidão de
nascimento lavrada em 1808, mas também é veículo para a construção do
passado. (LUCA, 2008, p. 8).
Desta forma, a pesquisa em jornais no processo de ensino-aprendizagem
permite ainda, instigar os alunos à crítica das fontes, a partir da concepção de
que os periódicos apresentam versões de um dado contexto histórico, não
implicando necessariamente em sua verdade, com bem nos enfatiza Silva:
Entretanto, tomar o jornal como fonte não significa pensá-lo como
receptáculo de verdades; ao contrário, o que se propõe é pensá-lo a partir
de suas parcialidades, a começar pela observação do grupo que o edita, das
sociabilidades que este grupo exercita nas diferentes conjunturas políticas, das
intenções explícitas ou sutis em exaltar ou execrar atores políticos. (SILVA;
FRANCO. 2010, p. 5).
Segundo Renée Zicman, existem dois campos que unem a história
e a imprensa: O primeiro é a “imprensa através da história”, que engloba
os trabalhos históricos que utilizam a imprensa como fonte primária para a
231
Entremeios da Educação Contemporânea

pesquisa histórica; o segundo é a “História da Imprensa”, que busca reconstruir


a evolução histórica dos órgãos de imprensa e levantar suas principais
características para um determinado período histórico (ZICMAN, 1985, p.
89). De acordo com a autora, a imprensa é importante para o historiador,
pois “é rica em dados e elementos, e para alguns períodos é a única fonte de
reconstituição histórica, permitindo um melhor conhecimento das sociedades
ao nível de suas condições de vida, manifestações culturais e políticas, etc.”
(ZICMAN, 1985, p. 90). Estas características apontam para o campo de
ação da imprensa e sua intervenção na vida social, política e cultural de uma
sociedade. A imprensa registra, comenta e participa da história, possibilitando
ao historiador acompanhar o percurso dos homens no tempo (CAPELATO,
1988).
Assim, a importância da imprensa periódica na historiografia
contemporânea torna-se cada vez mais evidente, a relação estreita entre História
e Imprensa nas últimas décadas, tem contribuído de forma significativa para o
conhecimento histórico das sociedades do passado, o que levou os historiadores
a renovar seus olhares e readaptarem seus posicionamentos e métodos frente
a fonte jornalística. Dessa forma, é possível perceber a dimensão e relevância
de se trabalhar em sala de aula com fontes históricas como o jornal, muitas
vezes desconhecidas pelo aluno, permitindo-o múltiplas possibilidades de
conhecimento e análises histórica.

O uso de jornais como objetos de estudo no ensino da disciplina de


História
Por fazerem parte do cotidiano social, os jornais impressos se apresentam
como uma notável fonte de pesquisa, pois estão tradicionalmente presentes
em todos os estratos sociais, se constituindo a partir de diversos aspectos de
informação e entretenimento, construindo uma narrativa da realidade pautada
em seus valores, ideias e acontecimentos.
Nosso atual contexto abriu no campo educacional espaços para
estudos em diversas áreas do conhecimento através do uso de diversificados
materiais e meios. Neste contexto, os meios de comunicação, como os jornais
impressos, se tornam importantes aliados no ambiente escolar, considerando
que fazem parte da vida do aluno, o que facilita a exploração e oportuniza
uma compreensão e formação sobre a realidade que se encontram.
Trabalhar o jornal na sala de aula se transformou numa ação relativamente
comum e, em certo grau, bem desenvolvida. Professores e educadores têm à sua
disposição uma série de instrumentos para viabilizar esta prática. Programas
desenvolvidos por empresas jornalísticas e secretarias de educação (nas esferas
municipal e estadual), ações individuais de professores que se encantaram pela
técnica, e exemplos de atividades semelhantes, que podem ser encontradas na
232
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

web, fazem do jornal um instrumento desconstruído e de fácil manuseio para


os professores dos ensinos fundamentais e médio. (RODRIGUES, 2007, p.07)
As metodologias e possibilidades no processo de ensino-aprendizagem
com o uso de jornais é enorme, pois esse já se apresenta como um objeto de
estudo consolidado, pois faz parte do cotidiano brasileiro desde o século XVII,
sendo de fácil acesso a todos os sujeitos. Além de que, não há necessidade de
muitas ferramentas para pesquisá-lo, o que o torna um objeto pedagógico
acessível, prático e próximo dos professores e alunos. Pois, o discente consegue
apresentar e orientar o educando quanto ao impresso, manuseando-o e
analisando-o, visualizando-o e abordando-o em seus diversos acontecimentos
históricos, indo além do livro didático quanto único recurso em sala de aula,
promovendo uma aprendizagem com o desenvolvimento crítico e cognitivo
dos alunos, a partir da formação de questionamentos diante das matérias
presentes nos jornais, em suas variadas temáticas e abordagens.
Os jornais também ajudam a formar o cidadão, contribuindo para que os
leitores entendam seu papel na sociedade, e na formação geral do estudante,
pois amplia o nível cultural dele, além de desenvolver suas capacidades
intelectuais. A leitura das publicações se relaciona à necessidade dos alunos
de comentar, debater e discutir assuntos tratados pela população em geral,
fornecendo informações necessárias para orientar a vida política e social dos
leitores (LUTZ, 2013, p. 3).
Somando a estas contribuições apresentadas por Lutz, a utilização de
jornais impressos em sala de aula quanto recurso pedagógico, auxilia aos alunos
no conhecimento e a aplicação da norma culta da língua, além de proporcionar
o contato com textos autênticos, que trazem consigo a responsabilidade de
ser registro histórico. Entretanto, para um resultado positivo no processo de
ensino-aprendizagem com esta ferramenta, é necessário que os professores
estão preparados para usá-lo como tal, explorando-o da maneira que permita
uma experiência do aluno com o saber histórico.
Pois, para alguns alunos, a aproximação e exploração do jornal
impresso será seu único contato com a língua culta e com textos redigidos com
ela, o que poderá se tornar referência para construções textuais de diferentes
gêneros de texto. Mas para essa identificação acontecer, é importante que
o docente apresente e diferencie cada uma das formas textuais presentes na
composição do periódico, como o título, a coluna, a notícia, o cabeçalho,
o artigo, o editorial, as charges, a chamada, o cartum, além das imagens e
gráficos.
Como sabemos, dentro de uma edição do jornal coexistem diferentes
linguagem e formas de expressão. Sendo assim, o docente deve estar
devidamente amparado por uma metodologia de análise de periódicos, para
que a partir desta, oriente aos discentes uma correta seleção, organização,
233
Entremeios da Educação Contemporânea

análise e reflexão das informações contidas no impresso, pois assim este se


mostrará um importante e válido recurso pedagógico e, consequentemente,
uma fonte histórica. Além de “[...] também ser necessário mostrar aos discentes
os diferentes sistemas e suportes do texto jornalístico, explicando o processo
de construção da notícia, bem como questionar o mito da objetividade
jornalística, através da distinção entre fato e versão” (LUTZ, 2013, p.4).
Desta forma, a integração do jornal impresso quanto recurso
pedagógico em sala de aula, possibilita a reflexão, expressão, compreensão e
atuação política do aluno. Pois, os meios de comunicação, no contexto social
apresentam ideologias e políticas próprias, o que exprime quanto recurso
pedagógico, a função de facilitar o processo de percepção da realidade, assim
como da construção de um conhecimento crítico, o que é essencial no ensino
da História.
Evitar o uso dos jornais é desvincular o aluno de seu contexto histórico cultural,
retardando o desenvolvimento de habilidades que favorecem a apropriação
crítica do conhecimento social e historicamente produzido. Para que isso
ocorra é necessário que as escolas facilitem o acesso aos jornais impressos e
digitais. Assim, acreditamos ser necessário ampliarmos as discussões sobre os
usos dos jornais impressos e digitais em sala de aula como prática docente de
leitura e escrita, contribuindo para um ensino de melhor qualidade e para a
construção de um leitor crítico sobre o uso das mídias (ANHUSSI, 2009, p.
40).
Os jornais não se limitam a um veículo de informação somente,
mas se apresentam como uma boa alternativa pedagógica, considerando que
também propiciam o desenvolvimento de habilidades de leitura e produção
textual. Entretanto, mesmo diante de tantas possibilidades, ainda existem
resistências quanto ao seu uso em sala de aula. Dentre as quais podemos
destacar: a ausência cultural do contato e de práticas de leitura com jornais; a
falta de interesse por parte de alguns docentes em diversificar as metodologias
e os recursos em sala de aula; a falta de critérios na utilização de jornais no
processo educacional; a defasagem educacional que assola o país; e a falta de
formação discente quanto a novos métodos e práticas. Assim, é necessário
um aprimoramento teórico também dos docentes, uma verdadeira articulação
entre teoria e prática.
Por isso, a teoria não deve estar distante da ação prática presente em
sala de aula.
No máximo, a formação teórica permitirá ser aprovado nos exames e obter
diploma, enquanto a formação prática daria bases para a sobrevivência na
profissão. É preciso combater essa dicotomia e afirmar que a formação é uma
só, teórica e prática ao mesmo tempo, assim como reflexiva, crítica e criadora
de identidade. (PERRENOUD, 2002, p. 23).
Nesta perspectiva, o uso de jornais quanto objetos de ensino na
234
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

disciplina de História, é muito positivo, pois o exercício historiográfico


exige articular fonte, teoria e prática. Pois, em História, há a possibilidade de
transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira, a
partir do gesto de separar e de reunir.
O ato de definir um documento específico como fonte para uma pesquisa,
através de ações concatenadas, mediante um delineamento temporal e temático,
exige por parte do historiador uma operação de caráter técnico. Nos dias de
hoje, isso requer um cuidado ainda maior, tendo em vista que, nos tempos
passados e atualmente, o estabelecimento de um arquivo enquanto fonte é
reflexo de uma combinação de lugar (biblioteca, arquivo e etc), aparelho e
técnica (DE CERTEAU, 2002, p. 81).
As técnicas de impressão, o status social-político da imprensa, a pessoa
do editor, o material do jornal são, para o pesquisador, aspectos importantes
na pesquisa do periódico, que aliados a metodologia, irão delinear a análise
a partir das temáticas, orientações teóricas e recortes temporais. Tendo
esses elementos, o pesquisador/historiador pode examinar os discursos,
os conteúdos, localizar e situar historicamente os indivíduos presentes na
editoração do jornal, definir temas de análise em determinado tempo e local,
entre outras possibilidades.
Um jornal, ao selecionar determinado tema, ordená-lo, estruturá-lo e narrá-lo,
deixa exposto ao pesquisador o seu conteúdo, ideologia e público alvo. Assim,
ao se trabalhar com uma notícia, o historiador tem como meta identificar
as razões pelas quais o periódico optou por publicizar determinado assunto
(LUCA, 2008, p.140).
Desta forma, para uma metodologia de pesquisa em História, tendo
como objeto jornais, com resultados positivos, é imprescindível localizar
e situar em que arquivos estão presentes essas fontes, seja em bibliotecas
públicas, sedes de jornais ou arquivos privados, para averiguar quais as
condições de conservação, bem como as liberações de consulta e manuseio.
Também é importante verificar qual a periodicidade do impresso, identificar
a publicidade presente, os colaboradores e equipe de editoração, o público
alvo e as fontes mantedoras financeiramente, para por fim, iniciar a análise do
material dentro da problemática delimitada.
Neste contexto é válido lembrar que o uso do jornal em sala de aula é
ainda uma novidade, mas também é cabível enfatizar que vem para acrescentar
muitos conceitos e reduzir pré-conceitos a respeito das “verdades” que são
vinculadas constantemente nos meios de comunicação, além de permitir ao
aluno uma análise historiográfica sobre variados temas e enredos, permitindo
o desenvolvimento da criticidade e da análise social do mesmo.
235
Entremeios da Educação Contemporânea

Considerações finais
No atual contexto escolar, a utilização de mídias como recurso
pedagógico, principalmente o periódico impresso, desenvolve no aluno sua
capacidade crítica, considerando que os veículos de comunicação apresentam
diversas informações, que devem ser analisadas, questionadas, debatidas e
refletidas pelos sujeitos sociais.
Como não há imparcialidade por parte do jornalismo, além de
interesses financeiros ter voto de peso na escolha do que será e como será
noticiado em várias redações por aí, é de suma importância apresentar ao
aluno a possibilidade de desenvolver seu olhar crítico mediante atividades
práticas em sala de aula, que lhe permitam analisar a técnica, os discursos e a
organização dos jornais.
Neste sentido, o docente tem em seu alcance uma excelente ferramenta
para revigorar suas aulas através da ampliação de horizontes e apropriação
de conhecimento histórico-crítico. Através da utilização do jornal em sala de
aula, o professor pode, juntamente com o aluno, identificar as vertentes que
compõem o discurso jornalístico e analisadas, sendo a linguagem (forma de
escrita) e a notícia (o que está sendo informado).
Em sala de aula, o processo de ensino-aprendizagem permite que
professor e aluno, através de metodologias específicas, estipulem como lidar
com a notícia, pois o texto escrito propicia ao leitor uma melhor compreensão
da sua realidade social contribuindo para que o mesmo aja dentro dela.
Assim, podemos concluir que é possível utilizar o jornal como
meio auxiliar na educação em sala de aula. Sabemos que existem algumas
dificuldades para esse tipo de atividade, porém também podemos salientar
que este método desde que tomado os devidos cuidados é perfeitamente
possível de ser trabalhado.
O professor é a peça chave nessa forma de atividade devido ao fato de
partir do mesmo a iniciativa de implantação dessa atividade e em seu dia a dia
na sua prática pedagógica dentro de sala de aula que se definirá os objetivos
que se almejam
Segundo Lemos (2009), é possível perceber a partir das tecnologias
o novo caminho e os novos aliados no processo de ensino-aprendizagem se
compreendemos que os mesmos produzem e disseminam conhecimento
diversas vezes de modo até mais atrativo que o modelo até então utilizado
tradicionalmente. Não devido ao fato de serem fontes múltiplas de
saberes que trabalham na mesma sintonia do perfil do aluno que temos
contemporaneamente na sociedade pós-moderna, mas buscando um ponto
de equilíbrio entre essa sistematização dos alunos e recursos tecnológicos se
236
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

mostra atualmente como um grande desafio do professor nesses novos tempos.


Porém as vantagens decorrentes dessa nova realidade podem desencadear em
novos saberes até mais plurais dos que já pregavam os pensadores da educação
do século anterior

Referências

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Entremeios da Educação Contemporânea

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Graduados em História do Departamento de História da PUCSP. São
Paulo: PUCSP, n. 4, 1985.
A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE
DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
(TEA): UM OLHAR A PARTIR DA INFLUÊNCIA
NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
ENVOLVENDO CRIANÇAS DO ENSINO REGULAR

José Orlando Rodrigues de Barros1


Rômulo José do Couto2
Rafael Gonçalves Campolino3
Magali Francisca de Oliveira Silva4

Introdução

“[...] A aprendizagem humana é um processo contínuo de transformação, e o


educador colabora para o desenvolvimento dos seres humanos que vivem num
mundo de mudanças intensas e rápidas. (FAGALI, 2011, p. 07).

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma realidade que está


presente na educação brasileira em geral e existem muitos desafios
que são enfrentados na escola para acolher esse modelo de estudante.
Sabe-se que um diagnóstico preciso acerca desse transtorno é
fundamental para a elaboração e execução de práticas educativas eficazes de
enfrentamento das dificuldades de aprendizagem do estudante. Com isso, a

1 Pedagogo, graduado pela Universidade de Brasília – UnB. Especialista em Psicopedagogia


Clínica e Institucional Universidade Anhanguera (Uniderp). Docente na Secretaria de Educação
do Distrito Federal – Brasil (SEDF). E-mail: [email protected]
2 Tecnólogo em Gestão Pública e Graduando em Pedagogia, ambos pela Faculdade Anhanguera
de Valparaíso de Goiás. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional Universidade
Anhanguera (Uniderp). E-mail: [email protected]
3 Mestre em Educação pela Universidad Nacional del Centro de la Província de Buenos Aires
(UNICEN)/ UNICAMP. Doutorando em Educação pela UNICEN – Argentina. Licenciado
em Pedagogia. Docente da Faculdade Anhanguera de Valparaíso de Goiás e do Programa de
Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Anhanguera (Uniderp). Membro do Observatório
de Gestão Escolar Democrática (Observe) da Universidade Federal do Pará – Brasil (UFPA) e
do International Observatory for School Climate and Violence Prevention (IOSVCP) da Flinders
University – Austrália. E-mail: [email protected]
4 Mestranda em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB). Pós-graduada em
Fisioterapia em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e Gestão Pública, Especialista profissional
em UTI com área de atuação no adulto pela ASSOBRAFIR, Fisioterapeuta e Licenciada em
Pedagogia. Atualmente é fisioterapeuta da EBSERH/HUB-DF e da SES-DF. E-mail: oliveira.
[email protected]
240
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

ausência desse pressuposto poderá acarretar possíveis atrasos neste processo.


O presente ensaio apresenta um breve histórico acerca de como deve
se dar o diagnóstico do TEA e os demais documentos legais que tratam sobre
o tema, ou seja, as políticas públicas direcionadas ao auxílio desse modelo de
estudante e sua possível inclusão nas classes de ensino comum.
Com base em análise bibliográfica, busca-se mostrar a importância
do diagnóstico para o desenvolvimento do processo de aprendizagem do
estudante com TEA em sala de aula. Pretende-se ainda ressaltar a necessidade
da intervenção psicopedagógica para a elaboração de práticas de ensino
possíveis.
Entende-se que existem muitos obstáculos no processo de inclusão
desse público na classe comum, e se faz necessária uma atuação conjunta
dos profissionais de educação, para que esse processo não seja traumático e
estigmatizante ao estudante. Sendo assim, o investimento na educação bem
como na formação continuada de profissionais é essencial.
Nessa seara, o diagnóstico precoce do TEA mostra-se fundamental
para uma melhor experiência de aprendizagem do estudante, minimizando
assim as dificuldades, garantindo uma formação de melhor qualidade,
evitando a evasão e ampliando as possibilidades de adaptação dele na escola
e futuramente garantindo melhores condições de vida, independência e
autonomia em sociedade.

Desenvolvimento
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) caracteriza-se por indivíduos
que apresentam sinais peculiares com prejuízos em três importantes áreas
“habilidades socioemocionais, atenção compartilhada e linguagem. Atualmente
a ciência fala não só de um tipo de autismo, mas de muitos tipos diferentes,
que se manifestam de uma maneira única em cada pessoa” (TISMOO, 2020).
Ester Orrú, em artigo publicado sobre as contribuições que a
abordagem histórico-cultural de Vygotsky, nos ideários marxistas, pode trazer
para estudantes com autismo, tema decorrente de sua tese, traz interessante
conceituação acerca da etiologia do termo, a saber:
[...] Autismo é uma palavra de origem grega que significa por si mesmo. É
um termo usado, dentro da psiquiatria, para denominar comportamentos
humanos que se centralizam em si mesmos, voltados para o próprio indivíduo.
É comum, também, a utilização de adjetivos para se denominar o autismo,
tais como, autismo puro, núcleo autístico, autismo (primário no caso de
não-associação com outras patologias), autismo secundário, autismo de alto
funcionamento, autismo de baixo funcionamento, entre outros. (ESTER
ORRÚ, 2010, p. 4).
241
Entremeios da Educação Contemporânea

Buscando compreender melhor o TEA, podemos levar em consideração


a definição do transtorno segundo o Doutor Guilherme Teixeira, o qual nos traz
a seguinte definição: “Conjunto de condições comportamentais caracterizadas
por prejuízos no desenvolvimento de habilidades sociais, da comunicação e da
cognição da criança” (TEIXEIRA, 2016, p.24).
O TEA é um transtorno que pode variar bastante de paciente para
paciente, possuindo uma variedade enorme de sintomas relacionadas ao
espectro, caracterizando assim uma perturbação do aprendizado com grandes
chances de ser diagnosticado de forma tardia, tendo em vista a sua variedade
quanto aos sintomas.
Por existirem várias formas de abrangência do autismo, muitas vezes
até associadas a outras doenças, o termo autismo ganhou a corruptela de
“espectro”. Sabe-se da fundamental importância de um diagnóstico preciso
para o autismo, uma vez que “até pessoas que têm uma vida comum,
independente, porém, algumas nem sabem que são autistas, pois jamais
tiveram esse diagnóstico” (TISMOO, 2020).
O conceito de autismo e os critérios utilizados para o diagnóstico
sofreram mudanças ao longo dos anos e a definição atual mais utilizada é
a presente na nova versão do Manual de Diagnóstico e Estatística dos
Transtornos Mentais (DSM-5), que reuniu todos os transtornos que estavam
dentro do espectro do autismo num só diagnóstico: TEA (CID-11) 6A02 –
Transtorno do Espectro do Autismo (TISMOO, 2020).
O diagnóstico do TEA segundo o DSM-5 prevê critérios diagnósticos
os quais devem ser considerados na análise de possíveis casos, sendo eles:
[...] Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em
múltiplos contextos; Padrões restritos e repetitivos de comportamento,
interesses ou atividades. Os sintomas devem estar presentes precocemente no
período do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente manifestos
até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser
mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida). Os sintomas causam
prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou
em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente. Para fazer o
diagnóstico da comorbidade de transtorno do espectro autista e deficiência
intelectual, a comunicação social deve estar abaixo do esperado para o nível
geral do desenvolvimento. (APA, 2014 p. 50).
O TEA possui classificações, podendo variar de leve a muito severa,
que de acordo com o DSM-5 “se baseiam em prejuízos na comunicação social
e em padrões de comportamento restritos e repetitivos” (APA, 2014, p.50).
A legislação Brasileira assim como em outros países, defende a inclusão
de estudantes com transtornos do aprendizado nas classes de ensino regular.
Podemos citar como exemplo a Constituição Federativa do Brasil de 1988,
242
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

que prevê “a educação é direito de todos, e o ensino deverá ser ministrado


com igualdade de condições para acesso e permanência na escola”. Sendo
assim, deve abranger o “atendimento educacional especializado aos portadores
de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”, assegurando
currículo, métodos, técnicas, recursos educativos específicos e tecnologias
necessárias para suprir às necessidades das crianças. (BRASIL, 1988).
Além da Constituição, podemos citar a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) - Lei Nr. 9.394/96 (BRASIL, 1996); a Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL,
2008); dentre outros documentos que amparam a educação inclusiva no
Brasil. A LDB, por exemplo, reafirmou a obrigatoriedade do atendimento
educacional especializado e gratuito aos estudantes com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino, e foi a partir daí que as práticas
educacionais inclusivas ganharam notoriedade no Brasil (BRASIL, 1996).
Entre os estudantes considerados, na definição oficial, pessoas com
“necessidades educacionais especiais”, encontram-se pessoas com autismo
(BRASIL, 2008).
Segundo Teixeira (2016) o autismo poderá ser diagnosticado de
forma mais precoce quando o médico pediatra responsável pelo diagnóstico
possuir maior conhecimento no que diz respeito ao desenvolvimento infantil,
tendo em vista que muitas vezes as mães de possíveis crianças com TEA, ao
perceberem certos sinais sugestivos de autismo, as levam ao médico pediatra
e acabam por perder a oportunidade de um diagnóstico precoce, pois acabam
recebendo a informação de que a criança possui o “tempo dela”, e que não há
nada de errado com a criança (TEIXEIRA, 2016, p.40).
Uma pesquisa publicada no Jornal Brasileiro de Psiquiatria expôs que:
[...] O diagnóstico de autismo é muitas vezes atrasado devido ao despreparo
dos médicos. A conscientização do diagnóstico de seu filho exerce um impacto
emocional negativo sobre os pais, que pode ser amenizado usando estratégias
de enfrentamento e comunicação de diagnóstico que ofereçam informações
técnicas, ofereçam apoio emocional e ofereçam esperança em relação ao
desenvolvimento da criança. Os pais precisam ser cuidados para atender às
necessidades de seus filhos no momento do diagnóstico e durante todo o
processo de cuidar de indivíduos com TEA. (AGUIAR; PONDE, 2020, p.1)
Tendo em vista o atual cenário da educação brasileira, a inclusão de
estudantes com transtornos do aprendizado acaba por se tornar um grande
desafio a ser enfrentado, uma vez que existem diversos fatores impeditivos da
efetivação da verdadeira inclusão dos estudantes em questão.
Estudantes com TEA necessitam de uma atenção maior, tornando-se
necessário a capacitação de profissionais da educação, para que possam ter
sucesso na inclusão dos estudantes em questão. Uma pesquisa publicada na
243
Entremeios da Educação Contemporânea

Revista Brasileira de Educação especial concluiu que:


[...] Apesar das garantias expressadas em leis, documentos e diretrizes, a
participação de alunos com autismo no ambiente escolar ainda é problemática
e se encontra distante das metas inclusivas. Os alunos têm acesso a serviços de
educação, mas a sua permanência no sistema de ensino é incerta, como atestam
as trajetórias traçadas no município, o atendimento educacional especializado
é pouco abrangente e, a sua progressão para níveis e etapas superiores ainda é
muito diferente daquela apresentada pelos demais alunos. (LIMA; LAPLANE,
2016, p. 281).
Sendo assim, todos os estudantes, independentemente de suas
especificidades, possuem o direito de acesso e permanência nas classes de ensino
regular, porém, a inclusão desses estudantes vai muito além de apenas inseri-
los nas classes de ensino comum, pois é preciso que sejam feitas adaptações no
processo de ensino, para que o estudante possa estar incluído nesse ambiente,
e não apenas inserido.
Oliveira (2006 Apud FAVORETO & LAMONICA, 2014) afirma
que o princípio fundamental da escola inclusiva é que todas as crianças devem
aprender juntas e as escolas têm que atender as necessidades e peculiaridades
de todos os estudantes, respeitando diferenças, “maturação e desenvolvimento,
que nem sempre é demandado pela idade cronológica, um dos critérios de
formação de uma classe de estudantes nas escolas públicas brasileiras”.
Apesar da lei amparar a educação inclusiva, é preciso que haja uma
conscientização, tanto dos pais, responsáveis e sociedade em geral, como
também dos professores, pois é preciso que os profissionais da educação estejam
preparados para receber os estudantes, público alvo da educação inclusiva,
afim de proporcionar uma melhor experiência de ensino, buscando sempre
a capacitação através de pesquisas, e se possível, cursos voltados à educação
desses estudantes. Segundo uma pesquisa publicada na revista Research, Society
and Development;
[...] O professor também deve estar bem preparado para atender os alunos
com deficiência, especialmente o aluno autista e suas peculiaridades, buscando
obter uma formação continuada, cursos na área da educação especial e refletir
sobre o tema. (TEODORO; GODINO; HACHIMINE 2016 p.140)
A inclusão e permanência de estudantes diagnosticados com TEA nas
classes de ensino regular podem trazer ótimos resultados no que se refere aos
estímulos sociais, e não apenas do estudante Autista, mas também das outras
crianças, pois elas aprenderão a conviver com a diferença do próximo.
Quanto a atuação dos profissionais de educação, é de fundamental
importância que estes sejam capacitados a atender as demandas de seus
estudantes no que se refere aos processos de ensino e aprendizagem, uma
vez que são os responsáveis pela construção de conhecimentos acadêmicos,
244
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

acompanhamento infantil e integração de seus estudantes, fazendo com


que o ambiente de sala de aula seja prazeroso para o desenvolvimento de
aprendizagens acadêmicas e sociais.
Outro profissional que se pode destacar na elaboração e
acompanhamento do processo de aprendizagem do estudante com TEA, é o
psicopedagogo.
A psicopedagogia vem da união dos saberes de duas áreas principais,
a psicologia e a pedagogia. A psicopedagogia estuda os processos e as
dificuldades de aprendizagem (assimilar e construir conhecimento), tanto de
crianças e adolescentes como dos adultos, juntamente com outras áreas de
estudo, onde destacamos a pedagogia, psicanálise, psicologia, antropologia,
filosofia, fisioterapia, neurologia, psicolinguística: trata-se, portanto, de
um campo multidisciplinar. Ou seja, “a psicopedagogia possui um enfoque
interdisciplinar abrangendo a Pedagogia, a Psicanálise, a Psicologia, a
Epistemologia, a Linguística e a Neuropsicologia, dentre outras áreas do
conhecimento.” (BOSSA, 2011, p.40).
A psicopedagogia surgiu com o intuito de ajudar as pessoas com
problemas de aprendizagem, e seus ramos de atuação situam-se, sobretudo
nas ações preventivas em instituições e na clínica com atendimentos
individualizados (BOSSA, 2011, p.48).
A atuação do psicopedagogo tenta buscar uma forma de ajudar
a solucionar os conflitos na aprendizagem com técnicas que podem ser
desenvolvidas de maneira individual ou em grupo, para assim resgatar a
vontade de aprender, de modo a observar quais fatores, possivelmente, podem
contribuir ou não para o processo de ensino-aprendizagem. Todavia, torna-se
importante compreender que as diversas áreas do conhecimento citadas e que
balizam as práticas psicopedagógicas não devem ser utilizadas isoladamente.
Pois, o indivíduo deve ser compreendido como um ser plural.
Na escola, esse profissional exerce um trabalho preventivo, onde tem a
possibilidade de diminuir a “frequência dos problemas de aprendizagem”. Seu
trabalho envolve um diagnóstico para a identificação do problema para depois
desenvolver um plano de intervenção. Na escola os processos são avaliados
e procura-se entender como o funcionamento da instituição interfere no
processo de ensino e aprendizagem.
O trabalho psicopedagógico nas escolas inclui a orientação de
professores e de outros profissionais para a melhoria nas maneiras como se dá
o processo de ensino aprendizagem, assim como para a prevenção de eventuais
problemas. O Psicopedagogo também pode agir diretamente com os pais,
orientando a como oferecer apoio ao estudante. Com a criança, o trabalho
é feito buscando ferramentas e estratégias eficazes a fim de desenvolver
245
Entremeios da Educação Contemporânea

competências e habilidades capazes de auxiliar nas suas dificuldades de


aprendizagem.
Dessa forma, temos que entender que o psicopedagogo não deve
ser visto como um professor de reforço, pois trabalha questões deveras
mais complexas que envolvem os problemas de aprendizagem, ajudando a
desenvolver habilidades no aprender, criando estratégias para que esse processo
ocorra da melhor forma possível.
Esse profissional deve ser procurado quando o educando apresentar
limitações que envolvam: problemas de articulação da fala; aquisição lenta de
vocabulário; falta de interesse em ouvir histórias; dificuldade de seguir rotinas;
hiperatividade; inversão de letras, sílabas ou palavras; adição ou emissão de
sons; leitura e escrita lenta para a idade; letra ilegível; desorganização geral
devido a desorientação espacial; falta de concentração; problemas com atenção
e memória, entre outros.
Quanto ao papel do professor, diante do estudante autista, Ester
Orrú (2010) explicita a importância sobre o trabalho “na perspectiva do
desenvolvimento da linguagem”, sendo de fundamental para o progresso de sua
“vivência emocional”, transcendendo assim as “reações afetivas imediatas para
outras mais duradouras”, fator este que é de fundamental importância para
o desenvolvimento das habilidades de aprendizagem, estando este estudante
inserido na classe comum. Afirma ainda que “uma metodologia de ensino,
fundamentada na perspectiva do desenvolvimento da linguagem, o estudante
com autismo passa a ser compreendido de outra forma, e isso implica ações
diferenciadas por parte dos professores que também se transformam (ESTER
ORRU, 2010, p. 14).
Ainda nessa perspectiva, pode-se destacar as seguintes considerações:
[...] O aluno com autismo é um ser humano que deve ser respeitado em seus
limites. Assim sendo, a linguagem adentra todas as áreas de seu desenvolvimento,
orientando sua percepção sobre todas as coisas e o mundo no qual está inserido.
É pela linguagem que o aluno com autismo, em seu processo de aprendizagem,
sofrerá transformações em seu campo de atenção, aprendendo a diferenciar um
determinado objeto de outros existentes, assim como a construir ferramentas
internas para integrar estas informações. [...]A linguagem proporcionará ao
aluno com autismo maior qualidade em seu processo de desenvolvimento
da imaginação, ação essa, em geral, tão comprometida em pessoas com a
síndrome. Igualmente, serão constituídas de maneira concreta e contextual
as formas de pensamento que terão maior generalização em seu cotidiano, a
partir das experiências vivenciadas nas relações sociais de onde os conceitos são
formulados. (ESTER ORRÚ, 2010, p. 13).
O apoio da família quanto ao tratamento do estudante com TEA é
de suma importância, pois os estudantes estão passando por uma importante
fase na formação de suas personalidades, o que torna o apoio da família ainda
246
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

mais importante, porém, o diagnóstico de um estudante com TEA é muitas


vezes recepcionado pelos pais com a “não aceitação” da condição do filho, o
que pode trazer certo atrasos na intervenção do caso. Uma pesquisa publicada
no Jornal Brasileiro de Psiquiatria concluiu que:
[...] A aprendizagem do diagnóstico do filho exerce um impacto emocional
negativo sobre os pais, que pode ser amenizado pelas estratégias de
enfrentamento e pela comunicação do diagnóstico que, além de fornecer
informações técnicas, oferece conforto, apoio emocional e esperança em
relação ao desenvolvimento da criança. (AGUIAR; PONDE, 2020, p. 6).
A conscientização dos pais quanto a importância da intervenção
nos casos de autismo se faz muito importante para que o estudante possa
iniciar o tratamento de forma mais precoce possível, visando uma melhora
no desempenho acadêmico e um menor prejuízo quanto às habilidades de
socialização e independência do estudante.
Segundo Hudson (2019) os estudantes com TEA podem achar cansativo
passar o dia todo em uma sala de aula e, ao chegarem à casa, deparam-se
com mais deveres de casa, por isso é importante que esses estudantes tenham
um “tempo para descontração”. É preciso compreender o estudante autista e
estar atento às suas preferências, pois “é muito mais fácil para os estudantes
com TEA se relacionarem com os outros se eles compartilharem dos mesmos
interesses” (HUDSON, 2019, p.140).
O estudante com TEA deve ser encarado como um ser humano
de características singulares. Sendo assim, o trabalho integrado de pais,
professores e demais profissionais imbuídos da educação desse público,
deve ser minucioso, garantindo assim um pleno desenvolvimento das suas
competências e habilidades, e ainda vencendo as barreiras do preconceito que
acabam por estigmatizar as pessoas com necessidades especiais incluídos na
rede comum de ensino.

Possíveis considerações finais


Este estudo objetivou debater a importância do diagnóstico precoce do
TEA e sua influência no processo de aprendizagem em crianças matriculadas
em classe comum do ensino regular.
Buscamos analisar como se dá o processo de diagnóstico de estudantes
TEA inseridos nas classes comuns, pois o processo diagnóstico desses
estudantes mostra-se uma peça essencial no desenvolvimento acadêmico do
estudante autista, utilizando de pesquisa bibliográfica para ilustrar o quanto
estudantes mal diagnosticados apresentam maiores dificuldades no processo de
aprendizagem, e como um diagnóstico eficaz pode minimizar tais dificuldades.
Por fim, buscamos examinar os principais desafios enfrentados pelos
247
Entremeios da Educação Contemporânea

professores e estudantes, com vistas a minimizar preconceitos e ampliar o


acesso a uma educação de qualidade.
Dado o exposto, podemos observar que o estudante autista pode
encontrar diversas barreiras no decorrer de sua vida acadêmica, pois, além das
suas dificuldades particulares, existem problemas relacionados à inclusão e
adaptação desses estudantes no ensino regular. Afim de transpor tais barreiras,
é necessário que haja uma quebra de paradigmas, preconceitos que se fazem
presente em meio ao ambiente educacional, que podem, a longo prazo,
prejudicar o estudante autista quanto aos seus estímulos sociais.
Conclui-se ainda que é de fundamental importância para pais,
familiares, professores, escolas e pessoas imbuídas do processo educativo
estarem atentos aos marcos do desenvolvimento infantil, para que assim
possam identificar se existem desvios dessas normas padrões. Caso identifiquem
alguma anormalidade, é necessário buscar ajuda médica e psicológica, uma
equipe multidisciplinar que ofereça atendimentos especializados. Com esse
auxílio, é possível minimizar danos e garantir uma educação de qualidade com
desenvolvimento comportamentais, motores, nas interações e na capacidade
de se comunicar, de forma a diminuir os danos e prejuízos significativos
acarretados pelo TEA ao longo da vida do indivíduo.

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Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

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AS NTIC’s COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO
PARA FAVORECER A APRENDIZAGEM DOS
ALUNOS PERANTE O ENSINO REMOTO

Rawena De Almeida Araújo Dantas1


Wiliana De Araújo Borges2
Yeman Omar Zapata Barbosa3

Introdução

A s Novas Tecnologias da Comunicação e da Informação” (NTIC’s)


contituem-se em elemento comum da sociedade atual, na qual o
conhecimento distribui-se entre os seus usuários e já não está mais centralizado
em uma pessoa ou em um lugar específico. Nesse contexto, a aprendizagem
deixou de ser uma construção individual do conhecimento, para ser um
processo social no qual o professor já não é a única fonte de informações
e o aluno não aprende de forma isolada, mas por meio de uma interação
social, através da qual o desenvolvimento de novas formas de linguagem e a
comunicação são condições essenciais.
Essas mudanças no âmbito educacional encontram-se enraizadas nas
teorias construtivistas, nas quais o conhecimento é construído pelo indivíduo
a partir de suas experiências pessoais, bem como nas contribuições de Vygotsky

1 Graduada em Letras-Língua Portuguesa pela Universidade Estadual da Paraíba-UEPB;


Especialista em Aspectos Morfossintáticos da Língua Portuguesa, pela UEPB, e em Gestão,
Orientação e Supervisão, pela Faculdade São Luís; Mestranda em Formação de Professores, pelo
Programa de Pós-Graduação da UEPB; Professora de Português no ensino fundamental Anos
Finais, da Rede Estadual da Paraíba; Coordenadora dos Ensinos Fundamental Anos iniciais e
finais da rede Privada de ensino na cidade de Campina Grande-PB. Email: rawena.aad@gmail.
com
2 Graduada em Letras-Língua Portuguesa pela Universidade Estadual da Paraíba-UEPB; Graduada
em Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de Campina Grande-UFCG; Especialista
em ensino de língua Portuguesa para educação básica-UFCG; Especialista em Linguística
Aplicada ao ensino de Português pelas Faculdades Integradas de Patos-FIP; Mestranda pelo
Programa de Pós-Graduação da UEPB; Professora de Português no ensino fundamental, anos
finais, da rede Municipal da cidade de Aroeiras-Paraíba; Professora de Português no ensino
fundamental, anos finais, da rede Privada de ensino na cidade de Campina Grande-PB. Tem
experiência como gestora escolar adjunta. Email: [email protected]
3 Graduado em Letras Espanhol e Especialista em Língua e Literatura Espanhola pela Universidade
Estadual da Paraiba_ UEPB, Mestrando pelo Programa De Pós Graduação em Formação de
Professores da UEPB, Email: [email protected]. Professor de língua espanhola do
Instituto Federal do Sertão Pernambucano - IFSERTAOPE.
250
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

em relação à recuperação da linguagem como instrumento fundamental para


socializar o conhecimento. Além disso, a adoção de pedagogias que apontam
para as metodologias participativas e abertas nas aulas também aparece
como fator determinante nesse “novo” modelo educacional que necessita de
diferentes estratégias para a obtenção de resultados mais efetivos no que diz
respeito aos processos de aprendizagem.
Nessa perspectiva, recorrer ao Ensino Remoto tem sido uma importante
alternativa, a qual considera a diversificação de contextos de produção de aula,
bem como a inserção das novas tecnologias dentro desses contextos. Assim,
desenvolver a aprendizagem dos nossos alunos por meio de metodologias
ativas que desenvolvam as habilidades de produção de textos orais e escritos
de maneira não presencial pode ser uma possibilidade eficaz se partimos
de um planejamento diferenciado, adequando-o às propostas de atividades
desenvolvidas para alcançar os objetivos traçados. Além disso, esse tipo de
ensino pode ser uma alternativa de trabalho no âmbito educacional utilizada
em contextos sociais e históricos específicos, como o que estamos vivendo no
momento, devido à pandemia do COVID-19, o qual dificulta o fazer docente
por meio de encontros presenciais pela impossibilidade total ou parcial de
mantermos um contato social físico.
A partir desta realidade, foi se gerando nossa principal e fundamental
inquietude: como favorecer o desenvolvimento da habilidade de produção
de textos orais e escritos dos nossos alunos através de metodologias ativas,
utilizando a literatura “Meu avô e eu”, de Telma Guimarães, através do Ensino
Remoto?
Acredita-se, portanto, que esse trabalho pode ser favorecido por meio
de uma proposta didática contendo uma sequência de atividades a serem
executadas com a mediação e orientação do professor de português através
da criação de um grupo utilizando o aplicativo de Whatsapp, composto
pelo professor e pelos alunos do 7º ano do Ensino Fundamental da escola
FUNDAMENTO E VIDA, localizada no bairro do Tambor, na cidade
de Campina Grande, PB. Vale ressaltar que os 17 alunos que compõem a
turma possuem aparelho celular com o aplicativo que será utilizado, o que
condicionará todos eles ao direito da aprendizagem proposta.
Sendo assim, tem-se como objetivo geral desenvolver uma proposta
didática com atividades de produção de textos orais e escritos, por meio
de metodologias ativas, utilizando a literatura “Meu avô e eu”, de Telma
Guimarães, através do Ensino Remoto. Como objetivos específicos, tem-
se: analisar se o Ensino Remoto é capaz de desenvolver as habilidades de
produções de textos orais e escritos de nossos alunos por meio da execução de
nossa proposta didática; e verificar a receptividade dos alunos para a resolução
251
Entremeios da Educação Contemporânea

das atividades Remotas, já que eles estão habituados a desenvolver atividades


escolares na modalidade presencial.

A utilização de metodologias ativas numa proposta didática de trabalho


com a obra “Meu avô e eu”
O nosso projeto foi realizado em uma turma de 7º ano, composta
por 17 alunos, estudantes do turno da manhã, do Colégio Fundamento e
Vida, localizada no bairro do Tambor, em Campina Grande. A execução do
plano de ensino ocorreu nos meses de abril e maio do corrente ano, a fim de
desenvolver as habilidades de produção de textos orais e escritos, por meio
do estudo da literatura “Meu avô e eu”. Segue, abaixo, o plano de ensino
sugerido:

Tabela 1: Quadro de planejamento para as ações didáticas


CONTEÚDO Leitura e escrita

OBJETIVOS Propor atividades que desenvolvam a produção de


textos orais e escritos dos alunos do 7º ano;

Utilizar metodologias ativas que viabilizem a prática


da produção de textos orais e escritos dos alunos.
SÉRIE 7º ano do Ensino Fundamental.

TEMPO ESTIMADO 9 Encontros virtuais, sendo dois deles por semana,


totalizando aproximadamente 5 semanas.
MATERIAL Aparelho celular;
NECESSÁRIO
Whatsapp;

Internet;

Literatura (impressa ou em PDF) “Meu avô e eu”, de


Telma Guimarães.
Fonte: Elaborada pelos autores/2020

Descrição da proposta didática


Para o desenvolvimento de nosso projeto, utilizamos como ferramenta
um grupo de wathsapp, no qual foram inclusos os alunos que compõem a
turma de 7º ano da Escola. Em seguida, foi sugerido que os alunos realizassem
a leitura da literatura “Meu avô e eu”, escrito por Telma Guimarães, da editora
FTD.
252
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

A próxima etapa do nosso projeto disse respeito à solicitação para


que cada aluno participante da turma gravasse um vídeo de curta duração
(sugeriremos um tempo estimado entre 1 e 3 minutos) resumindo o enredo
da história lida . Em seguida, para sistematizar esse estudo voltado para o
enredo da narrativa, foi solicitada a resolução da ficha de leitura sugerida
pelo autor da literatura, presente no livro em discussão e, em seguida, com a
mediação do professor, essas questões foram discutidas via grupo Whatsapp,
com os demais colegas da turma. Nesse momento, o professor fez um vídeo
explicativo resumindo as ideias centrais da narrativa, levando em consideração
as contribuições dadas pelos alunos durante a atividade anterior e incluindo
aquelas informações que não foram contempladas.
Após consolidado o estudo do enredo da literatura em estudo, os
alunos, individualmente, produziram um parágrafo apreciativo com suas
impressões acerca do livro lido, justificando sua opinião emitida diante das
impressões obtidas. Essa escrita também foi realizada no grupo do Whatsapp
formado para o desenvolvimento do projeto.
O próximo passo do projeto disse respeito à realização de uma
entrevista via Whatsapp ou telefone com um idoso da família (caso o aluno
não o tenha, poderá realizá-la com um vizinho ou conhecido da família),
com questionamentos elaborados pelos próprios alunos, possibilitando
uma interação entre diferentes gerações e, através dela, a aquisição de mais
conhecimentos acerca da fase da maior idade.
Para ajudar na compreensão de algumas especificidades emocionais e
psicológicas próprias dessa fase da vida, foi realizada uma interação via grupo
de Whatsapp, com dia e hora pré-agendados, com um psicólogo, através da
qual houve um momento expositivo executado pelo psicólogo convidado,
bem como um momento interativo por meio de perguntas e respostas, para
que os alunos da turma tirassem suas dúvidas sobre o assunto.
Como essa fase da vida também tem suas especificidades em relação ao
âmbito biológico, foi exibida uma vídeo aula com um professor de biologia,
a qual trouxe algumas contribuições acerca da estrutura física e do sistema
imunológico do idoso.
Ainda para conhecer um pouco acerca do idoso, os alunos fizeram uma
pesquisa utilizando a internet com possibilidades de interação lúdica as quais
podem utilizar junto a pessoas da terceira idade. O resultado dessa pesquisa
foi partilhado no grupo de Whatsapp da turma.
Em seguida, os alunos foram convidados a realizarem um relato de
memória oral via grupo de Whatsapp a partir da apresentação de uma foto
que eles tinham com algum idoso que faz ou fez parte de sua vida. Nesse
momento, cada aluno apresentou a foto no grupo e gravou um áudio para
253
Entremeios da Educação Contemporânea

relatar a situação vivida.


Por fim, realizamos um momento de partilha por meio de áudios,
no qual os alunos relataram o que acharam do projeto, bem como o que
aprenderam por meio das atividades realizadas.

Análise dos resultados: da aceitação dos alunos à consolidação da


aprendizagem
O nosso projeto desenvolveu-se por meio do Whatsapp: uma
ferramenta digital de fácil acesso, o que possibilitou a participação dos 17
alunos que compunham a turma de 7º ano, alvo de nossa pesquisa. Assim,
o grupo foi intitulado “Projeto: Meu avô e eu”, e tinha como integrantes
os 17 alunos da turma, sendo 8 meninos e 9 meninas, além da professora
de Língua Portuguesa, a qual conduziu as atividades que compunham nossa
proposta didática. Foi sugerido, então, que os alunos realizassem a leitura da
literatura “Meu avô e eu”, escrito por Telma Guimarães, da editora FTD, que
foi solicitada na lista de materiais para a aquisição dos pais antes do início do
ano letivo e, por conseguinte, todos os alunos que compunham a turma já
haviam adquirido um exemplar.
O enredo da literatura escolhida se passa em um asilo chamado
“Mansão Ismael”, nome dado pela extensão do local, bem como pela
satisfatória estruturação física do lugar, o qual era localizado em uma cidade do
interior. Como protagonista da história, tem-se Joaquim, um idoso que vivia
no asilo caracterizado como uma pessoa sempre feliz, de bom humor e com
uma autoestima bem elevada – apesar de sua elevada idade. Porém, isso muda
quando esse personagem perde um de seus melhores amigos: Horácio, o que
mexe muito com seu emocional, fazendo-o vivenciar sentimentos de solidão,
tristeza e raiva de maneira bem constante e efetiva. Essa realidade muda
quando ele recebe a notícia que o seu neto Guilherme passa para faculdade
de Odontologia, o que necessita que ele se mude e vá morar próximo ao
asilo. Essa mudança espacial possibilita Guilherme a levar Sr. Joaquim para
morar junto com ele, viabilizando uma mudança nos sentimentos negativos
que assolavam o idoso desde a perda de seu amigo Horácio.
Como as atividades de produção de texto da proposta didática
foram realizadas nas modalidades oral e escrita, utilizaremos amostras
da modalidade escrita por meio de fotografias e de prints dados da tela do
whatsapp. Quanto às atividades orais, realizadas por meio de gravações de
áudios, utilizaremos a transcrição de alguns deles para fins de análise. Vale
ressaltar que compreendemos texto como “uma unidade linguística, um
exemplar concreto e único, o produto material de uma ação verbal, que se
caracteriza por uma organização de elementos ligados entre si, segundo regras
254
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

coesivas que asseguram a transmissão de uma mensagem de forma coerente.”


(GARCEZ, 1998, p. 66).
Segundo Antunes (2003), a atividade pedagógica de ensino de
português deve acontecer em torno de quatro campos: o da leitura, o da
oralidade, o da escrita e o da gramática. Porém, nesse trabalho, nos deteremos
aos segundo e terceiros campos, já que entendemos que a produção de textos
orais e escritos é uma prática social essencial em uma sociedade letrada e requer
um investimento no que diz respeito a abordagens didático-pedagógicas que
as contemple de maneira eficiente e eficaz.
Durante as transcrições, utilizaremos A1, A2, A3, e assim sucessivamente,
para identificar os alunos sem expor seus nomes, já que se tratam de adolescentes
menores de 18 anos de idade. Nesse caso, foi utilizada a lista de frequência da
turma e cada aluno recebeu um desses códigos de identificação, não seguindo,
necessariamente, a sequência de ordem correspondente à sequência numérica.
Além disso, trataremos todos por “alunos”, sem distinção de sexo, já que essa
diferenciação não influenciará nos resultados de nossa análise; o as reticências
[...] será um sinal utilizado para marcar as pausas mais longas expressas nas
falas dos alunos.
A princípio, foi sugerido pela professora que cada aluno participante
da turma gravasse um vídeo, orientando, inclusive, que ele tivesse uma
duração de 1 e 3 minutos, no qual iriam resumir o enredo da história lida. A
resolução dessa atividade se deu por 12 dos 17 alunos da turma, dos quais 5
deles optaram por fazê-lo de forma escrita, utilizando-se da caixa de texto do
whatsapp, conforme trecho produzido pelo A2 e expresso na imagem abaixo:

Imagem 1: Produção do A2 via grupo de Whatsapp

Fonte: Acervo pessoal.


255
Entremeios da Educação Contemporânea

Acredita-se que a opção por fazer esse registro por escrito se deu por
essa modalidade de uso da língua ser a mais utilizada e, consequentemente,
mais trabalhada pelos professores de língua materna durante as suas aulas,
o que gera um maior grau de segurança ao fazê-lo, já que se trata de uma
produção a qual o autor do texto tem a possibilidade de rever e recompor seu
discurso, sem que as marcas desses processos apareçam no texto. Tanto nos
registros orais quanto nos escritos, observa-se uma manutenção no que se
diz respeito à organização linear dos fatos, conforme aparecem na narrativa.
Durante seus relatos, os alunos destacaram algumas características presentes
na velhice de alguns idosos, como a baixa estima e abandono familiar. Porém,
observa-se que todos os alunos realizaram o reconto de partes específicas da
narrativa, não contemplando todos os fatos relevantes para a constituição
textual da versão original, embora fossem produções que continham início,
meio e fim, como pôde ser visto no texto do A2 expresso acima.
Para sistematizar o trabalho voltado para o enredo da narrativa, foi
solicitada a resolução da ficha de leitura sugerida pelo autor da literatura,
presente no livro em discussão. À medida que iam cumprindo essa atividade,
os 17 alunos foram fotografando suas fichas já respondidas e postando-as no
grupo Whatsapp, conforme imagens abaixo:

Imagem 2: fotos de fichas de leitura

Fonte: Acervo pessoal.

Embora as duas propostas tenham como objetivo verificar a


compreensão do aluno em relação ao enredo da literatura, a ficha passa a
256
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

contemplar todos os aspectos essenciais para o entendimento do texto como


um todo, o que não aconteceu na proposta anterior, já que os alunos focaram
em narrações de episódios específicos, os quais, possivelmente, lhes chamaram
mais atenção, conforme já foi mencionado anteriormente.
Após esse momento de partilha por meio de imagens, a professora da
turma gravou um áudio explicativo, resumindo as ideias centrais da narrativa,
levando em consideração as contribuições dadas pelos alunos durante seus
registros orais e escritos e sistematizando sua fala por meio do roteiro exibido
na ficha de leitura proposta pelo próprio autor do livro.
Após consolidado o estudo do enredo da literatura em estudo, os alunos,
individualmente, produziram um parágrafo apreciativo com suas impressões
acerca de uma parte da narrativa a qual merecia destaque, justificando sua
escolha. Talvez por ser uma produção mais espontânea, por se tratar da opinião
deles acerca da literatura lida, todos os alunos da turma optaram por fazê-la
por meio da oralidade, através da gravação de pequenos áudios, os quais foram
postados no grupo de whatsapp, conforme transcrição abaixo:
A6: A parte que eu achei mais importante... assim, o que eu refleti e tal,
foi a parte que Horácio morreu, por conta da reação de Joaquim. Eu achei
muito importante pensar sobre isso. Porque a reação de Joaquim foi... assim...
muito... bonita. Eu não esperava por aquela reação. Porque ele se sentiu muito
culpado por ter sido o último que viu o Horácio. Tava pensando que era uma
brincadeira, mas... na verdade não era. Então eu achei muito importante
realçar essa parte porque é [pausa] Horácio tava... tinha morrido né? E
Joaquim ficou muito triste depois. Primeiro ele ficou muito zangado, depois
ficou confuso... e depois ficou triste. Não fazia nada, não comia. Então eu
achei muito importante falar dessa parte.
Vê-se que a apreciação do aluno 6 (A6) se deu a partir da morte de um
dos personagens da história. Segundo o aluno, a reação de Joaquim, diante
da morte de Horácio, foi louvável, haja visto que ele consegue sensibilizar
o leitor pela maneira como age após esse momento de perda do amigo. O
aluno apresenta um misto de sentimentos e sensações de Joaquim, como a
raiva, a confusão e, por fim, a tristeza, que logo é levada à falta de apetite
do personagem. Nesse momento, A6 demonstra empatia ao descrevê-los, o
que revela uma ativação de sentimentos necessários para a consolidação de
aprendizagens voltadas para o “saber conviver”, sendo este um dos quatro
pilares fundamentais para a educação do século XXI, conforme declaração da
UNESCO. Zabala ( 2014) acrescenta que “os sistemas educacionais
devem abraçar o desenvolvimento integral das pessoas” (p. 32), entendendo
que o conhecimento não deve ser aprendido somente no âmbito funcional e
acadêmico, mas para a vida cotidiana e para exercer a cidadania, o que inclui,
necessariamente, aptidões voltadas para a convivência social.
O próximo passo da proposta didática disse respeito à realização de
257
Entremeios da Educação Contemporânea

uma entrevista via Whatsapp ou telefone com um idoso da família (caso


o aluno não o tivesse, poderia realizá-la com um vizinho ou conhecido da
família). A princípio, a ideia era realizar uma entrevista estruturada por meio
de questionamentos elencados pelos alunos no whatsapp da turma, sob a
mediação da professora para, posteriormente, podemos comparar as respostas
obtidas em cada entrevista. Porém, no momento de fazer essa organização,
a maioria dos alunos sugeriram que eles pudessem elaborar as perguntas de
maneira individual, a partir da demanda de cada entrevistado, configurando-
se em uma entrevista não-estruturada. Embora fugisse do que havíamos
pensado enquanto estruturação da atividade, por não fugir do nosso objetivo,
que era proporcionar uma interação entre gerações, a professora consentiu que
fosse feito conforme sugeriram, isso porque, centrando-se na aprendizagem,
compreendemos que “as metodologias ativas dão ênfase ao papel protagonista
do aluno, ao seu envolvimento direto, participativo, reflexivo em todas as etapas
do processo” (BACICH & MORAN, 2018, p. 4). Trata-se, portanto, de uma
reconfiguração do planejamento escolar considerando a tomada de decisão
do aluno junto à escolha das estratégias utilizadas para o desenvolvimento da
atividade proposta.
Segundo Sercundes (1997), “[...] as atividades prévias funcionam
como um ponto de partida para desencadear uma proposta de escrita” (p.83).
Partindo dessa compreensão, foi dado um prazo de dois dias após a nossa
conversa a qual foi lançada a proposta para que a entrevista fosse realizada e
os seus resultados fossem partilhados via whatsapp para os demais colegas da
turma. Dos 17 alunos que compunham a turma, 8 deles optaram por, além
de discutirem oralmente esse resultado, compartilharem a foto do registro
escrito contido em seus cadernos, conforme pode ser visto em amostragem
nas imagens abaixo:

Imagem 3: Questionamentos que compõem a entrevista

Fonte: Acervo pessoal.


258
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Trata-se de duas imagens que representam a totalidade de entrevistas


apresentadas por meio de imagens, as quais comungam entre elas e com os
registros orais em relação à temática abordada: todas elas contiveram perguntas
voltadas para os aspectos sócio-históricos, os quais estamos vivenciando, a
partir da inserção do vírus da COVID-19 na rotina presencial ou midiática
de toda a população mundial. Assim, observa-se uma associação imediata em
relação à idade dos idosos relacionada ao grupo de risco caso haja contaminação
com o novo corona vírus, causando uma maior preocupação no que tange
aos aspectos de isolamento social e higienização, assuntos que nortearam
os questionamentos das entrevistas realizadas pelos alunos do 7º ano. Além
disso, os alunos também demonstraram uma preocupação em relação ao
emocional dos idosos perante esse período específico, já que realizaram alguns
questionamentos voltados para suas ocupações, bem como para com os seus
sentimentos.
Para ajudar na compreensão de algumas especificidades emocionais
e psicológicas próprias da terceira idade, preocupação essa já esboçada
pelos alunos em suas entrevistas, foi realizada uma interação via grupo de
Whatsapp, com um psicólogo convidado pela professora da turma. Com dia
e hora pré-agendados, e com a participação de 16 dos 17 alunos que totalizam
a turma, o psicólogo iniciou sua participação com um momento expositivo,
no qual o mesmo apresentou para a turma através da oralidade sentimentos
e sensações bem recorrentes na terceira idade, como a solidão, a tristeza e o
sentimento de impotência. Os alunos interagiram nesse momento por meio
de relatos de experiências, os quais confirmavam a fala do psicólogo, por meio
de ações de idosos da família que revelavam esses sentimentos e sensações. Na
ocasião, os alunos também tiraram suas dúvidas sobre o assunto e o psicólogo
elencou algumas orientações referentes à ações cooperativas que ajudariam os
idosos à superarem esses sentimentos e lhe darem melhor com suas emoções,
principalmente nesse momento de isolamento social o qual estamos vivendo.
Segundo o psicólogo convidado, tratam-se de atitudes simples que fazem toda
a diferença para ativar hormônios do prazer e da felicidade (como a endorfina
e a serotonina) e, consequentemente, para melhorar a saúde física e emocional
dos idosos.
Como o próprio psicólogo trouxe em suas colocações orais, a terceira
idade é uma fase da vida que possui, também, muitas especificidades em
relação ao âmbito biológico. Compreendendo isso, também foi feito um
convite ao professor de ciências da turma para que, de maneira interdisciplinar,
pudessem ser trazidas algumas contribuições acerca da estrutura física e do
sistema imunológico do idoso. Porém, esse convite não foi atendido: segundo
o professor, não seria possível realizar essa atividade diante da demanda a qual
estava tendo para preparar e executar suas atividades na Realidade de Ensino
259
Entremeios da Educação Contemporânea

Remoto a qual estamos vivenciando. Compreendendo a importância da


realização dessa aprendizagem, a professora mediadora das ações da proposta
didática postou no grupo de whatsapp um link (https://www.youtube.com/
watch?v=pS2lmKo-fz4) para que os alunos pudessem assistir uma vídeo aula
do professor de Biologia Fabio Ceschini, o qual, de maneira bem didática,
apresenta o sistema imunológico e caracteriza a imunidade em imunidade
natural e adquirida, diferenciando-as. Em seguida, foi realizada uma reflexão
a partir do vídeo assistido acerca dos fatores responsáveis pela diminuição da
imunidade nos idosos e as consequências que essa diminuição pode trazer para
a qualidade de vida dessas pessoas.
Nesse momento, os alunos relataram experiências pessoais que
revelaram, na prática, aquilo que haviam observado na vídeo aula, conforme
depoimento abaixo:
A13: Meu avô adoece muito. Às vezes se levar um sereno ele já gripa. É só a
gente ficar na calçada a noite que ele já fica resfriado.

Professora: Qual a idade dele?

A13: 87 anos. Já é velhinho.


Esse tipo de depoimento revelador no que diz respeito à baixa
imunidade, também foi dado por outros alunos da turma, reforçando que
a teoria da baixa imunidade proveniente de diversos fatores é perceptível na
prática, quando se tem idosos em convivência direta com jovens e adultos, os
quais se tornam mais vulneráveis à aquisição de doenças pelo contato direto
com seus familiares. As novas informações, colocadas em confronto com as
experiências e vivências dos alunos, permitem que eles possam refletir tanto
sobre suas convicções, quanto sobre si mesmos, possibilitando a construção
do “novo”. Tem-se, portanto, uma produção com finalidade clara para o
educando, desde o seu início, fazendo com que ele sinta-se motivado a
participar do processo de produção, já que compreende que pode agir por
meio das palavras.
Ainda para conhecer um pouco mais acerca do idoso, os alunos fizeram
uma pesquisa, utilizando a internet, a qual buscava possibilidades de interação
lúdica as quais poderiam utilizar junto a pessoas da terceira idade. Para Luckesi
(2006), a atividade lúdica é aquela que propicia uma experiência de plenitude,
em que nos envolvemos por inteiro, estando flexíveis e saudáveis. Além disso,
“o que a ludicidade traz de novo é o fato de que o ser humano, quando age
ludicamente, vivencia uma experiência plena.” (LUCKESI, 2006, p. 2).
Partindo dessa compreensão, obtivemos uma partilha no grupo de Whatsapp
da turma dos resultados registrados, sendo 8 deles no âmbito escrito e no 9
deles no âmbito oral. Para análise, elencamos 2 respostas de alunos distintos,
260
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

embora todas elas expressas na modalidade escrita, já que contemplam todas


as atividades listadas pelos demais alunos da turma como possibilidades de
interação lúdica com idosos:

Imagem 4: produções de texto elaboradas via grupo de Whatsapp

Fonte: Acervo pessoal.

Podemos observar que, nos relatos acima, foram apresentadas


atividades visuais, orais e manuais, tais quais: conversas, culinária, filmes,
jogos de tabuleiro, passeio e viagens. Essas atividades se repetem nos relatos
orais, com predominância de conversas, culinária e jogos de tabuleiro. Tratam-
se, portanto, de atividades que não requerem dos participantes envolvidos
um alto investimento financeiro, além disso, são atividades intergeracionais,
tornando-se acessível a todos os quais desejam executá-las.
Em seguida, os alunos foram convidados a realizarem um relato de
memória oral via grupo de Whatsapp a partir da apresentação de uma foto
que eles tinham com algum idoso que faz ou fez parte de sua vida. Nesse
momento, 13 dos 17 alunos apresentaram uma foto no grupo e expuseram
comentários orais e escritos para relatar a imagem apresentada, conforme
exemplo abaixo:

Imagem 5: Produção do A12 via grupo de Whatsapp

Fonte: Acervo pessoal.


261
Entremeios da Educação Contemporânea

Tem-se, nesse caso, um relato afetivo do aluno 12, o qual expressa


uma lembrança carregada de sentimentos positivos, aguçados por meio de
uma memória afetiva da sua relação com sua avó, à medida que utiliza-se de
advérbios de intensidade e de adjetivos que caracterizam positivamente essa
relação, conforme pode ser visto na análise morfológica da sentença abaixo:
Carinho (substantivo) muito (advérbio) grande (adjetivo) e especial
(adjetivo)
Essa afetividade também foi expressa pelo aluno 8 (A8), por meio
da exposição de um registro de bilhete que o mesmo escreveu para sua avó,
conforme imagem abaixo:

Imagem 7: produção do A8 expressa via foto grupo de Whatsapp

Fonte: Acervo pessoal.

Nesse caso, além de registrar seus sentimentos de apreço para com a


sua avó, o aluno 8 (A8) expressou sua admiração por aspectos voltados para
o seu caráter, revelados por meio dos adjetivos honesta e guerreira. Observa-
se, portanto, que por ter um caráter de memória que ativa sentimentos
construídos por meio de relações afetivas, essa foi a atividade da proposta
didática que viabilizou uma maior diversidade de registros os quais puderam
ser partilhados entre os colegas da turma no grupo de whatsapp. Também
se observou um maior envolvimento emocional dos alunos ao realizar essa
atividade, expresso por meio dos tons de voz ao descrever os momentos
revelados nas fotos escolhidas, bem como na quantidade de adjetivos positivos
utilizados nos registros escritos durante as descrições.
Por fim, realizamos um momento de partilha por meio de áudios, no qual
os alunos relataram o que acharam do projeto, bem como o que aprenderam
por meio das atividades realizadas. Nesse momento, obtivemos um registro
oral de 13 dos 17 alunos da turma, os quais apreciarem positivamente todas
262
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

as atividades desenvolvidas pela professora por meio do projeto em questão,


conforme transcrição abaixo:
A5: Bom dia profe...é... meu relato do livro foi... tipo assim, a gente poder
aproveitar mais os momentos especiais e conhecer também coisas que a gente
nem conhecia. Tipo... eu nem sabia que... eu sabia que a gente brincava assim,
eu e meu avô. Mas eu não sabia que tinha tantas fotos... tem milhares de foto
da gente. E também poder conhecer o relato de outras pessoas. Poder conhecer
como é a vida dentro de um asilo. Como é triste saber disso.
No relato acima, o aluno 5 (A5) expressa uma aquisição de um
conhecimento que, para ele é muito importante e, talvez, nunca tenha
parado para pensar e/ou buscar essa aquisição. Trata-se de um conhecimento
cultural das relações parentais, que é aprimorado por meio da escuta de
outros depoimentos acerca do assunto que ativa suas emoções. Essas, por
sua vez, ativou uma autoresponsabilidade por parte dos alunos, acerca do
cuidado com os mais velhos. Além disso, através das interações realizadas
na partilha de cada atividade, houve manifestação de ideias, informações,
intenções, crenças e sentimentos, através dos quais houve uma possibilidade
de aumento do repertório dos nossos alunos, aprimorando as competências
de produções textuais orais e escritas. Para Antunes (2003), uma atividade
interativa “é realizada conjuntamente, por duas ou mais pessoas cujas ações se
interdependam na busca dos mesmos fins” (p. 45).

Considerações finais
O presente trabalho é a materialização de um projeto para o Ensino
Remoto, o qual fez uso de aparelho celular, por meio do aplicativo de whatsapp,
como recurso tecnológico capaz de manter a interação professor-aluno e
aluno-aluno, dando continuidade às aulas do ensino regular no período de
pandemia em que nos encontramos e que impossibilita encontros presencias
nas escolas.
De acordo com os resultados, a interação dos alunos com a proposta das
aulas remotas foi positiva e muito enriquecedora, uma vez que quase 100% da
turma realizou as atividades propostas de maneira eficaz, já que demonstraram
uma compreensão coerente da literatura estudada e conseguiram estabelecer
aprendizagens diversas, o que foi perceptível quando observamos as relações
estabelecidas entre a literatura lida e os contextos reais de existência de cada
aluno, aguçando, inclusive, sentimentos pessoais através das experiências
relatadas.
Além disso, percebe-se que o engajamento prazeroso da turma também
se deu pelo fato de os alunos utilizarem uma ferramenta de seu uso cotidiano
para a realização das atividades propostas. Porém, pudemos apresentá-la com
263
Entremeios da Educação Contemporânea

um propósito diferente daquele o qual estavam habituados, já que o whatsapp


é comumente utilizado como um aplicativo de comunicação e, agora, os
alunos perceberam que podem utilizá-lo como um instrumento viabilizador
de um processo de aprendizagem.
A partir dessa proposta didática, o aluno também passou a pensar de
maneira reflexiva e crítica a respeito do processo de envelhecimento, respeito
e valorização do idoso, sendo encorajado a assumir seu papel social de agente
ativo na produção de sentidos, compreendendo e refletindo sobre a leitura
trabalhada.
Portanto, acreditamos ter contribuído com os alunos de modo
que possam desenvolver habilidades de expressão oral e escrita de forma
significativa. Todavia, além de exercitar habilidades linguísticas, também
acreditamos ter contribuído com a formação crítica desses alunos, o que
resultará em mudanças sociais a partir da constituição de cidadãos mais
empáticos e sensíveis às questões sociais.

Referências

ANTUNES, Irande. Aula de português: encontro e interação. São Paulo:


Parábola, 2003.

BACICH, Lilian & MORAN, José (Orgs.). Metodologias ativas para uma
educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso,
2018.

BACICH, L.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. de M. (Orgs.) Ensino


Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação. Porto Alegre: Penso,
2015.

BAKTHIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo Martins Fontes,


2003.

BAKTHIN, M. Os gêneros do discurso. São Paulo, 2016.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O professor pesquisador: introdução


à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base


nacional comum curricular. Brasília, DF, 2017.

FRANCELINO, P. F. A construção da competência leitor em aulas de


Língua Portuguesa. In: PEREIRA, R.C.M. (org) Ações de linguagem:
da formação continuada à sala de aula. Ed 1. João Pessoa , Editora
264
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Universitária da UFPB, 2010.

GARCEZ, L.H.C. A escrita e o outro: os modos de participação na


construção do texto. Brasília: UNB, 1998.

KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e


grandes temas. São Paulo: Contexto, 2015. 173 p.

KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo:


Contexto, 1997.

LUCKESI, Cipriano. Ludicidade e atividades lúdicas: uma abordagem a


partir da experiência interna. Disponível em: www.luckesi.com.br. Acesso:
mai. 2020.

MORAN, J. Educação a Distância: pontos e contrapontos. São Paulo:


Summus Editorial, 2011.

SERCUNDES, Maria M. I. Ensinando a escrever: as práticas em sala de


aula. In: GERALDI, J. W.; CITELLI, B. (Coord.). Aprender e ensinar com
textos de alunos. São Paulo: Cortez, 1997.

ZABALA, Antoni. Como aprender e ensinar competências. Porto Alegre:


Penso, 2014.
A GAMIFICAÇÃO COMO PRÁTICA DE ENSINO-
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA EM
CONTEXTO DIGITAL

Edmundo Lins de Andrade1


Mariana da Silva Tomadon2
Rosa Carolina Silva de Gouveia3
Sirlei de Melo Milani4
Tatiana Petri Lopes5

Introdução

E ste texto compartilha um relato de experiência integradora do


“Projeto de letramento sobre animais domésticos, silvestres e
as tecnologias digitais”. Este, por sua vez, realizado durante o contexto da
formação continuada para professores licenciados em Letras e Unidocentes.

1 Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Mato Grosso - UNEMAT e Graduado


em Química Instituto Federal de Mato Grosso - IFMT em 2019. Especialização em Ensino de
Química pelo Instituto Federal de Mato Grosso UAB – IFMT Polo Sorriso-MT, Brasil. E-mail:
[email protected]
2 Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), especialista
em Alfabetização e Letramento pela Faculdade São Luis - São Paulo. Mestranda em Linguística
Aplicada, Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGLetras-UNEMAT), Faculdade de
Educação e Linguagem (FAEL). Sinop-MT. E-mail: [email protected].
3 Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), especialista
em Docência no Ensino Superior- (PROMINAS), Tradução Interpretação da Língua Brasileira
de Sinais -(UNIP) e Ensino da Língua Brasileira de Sinais-(FAC. SÃO BRAZ), Integrante do
Grupo de Estudos e pesquisas em Linguística Aplicada e Sociolinguística (GEPLIAS), CETA-
EDUTA- Educação em Tecnologia, mestranda em Letras pelo PPG Letras-UNEMAT/Sinop.E-
mail:[email protected].
4 Graduada em Letras pela Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, graduada em
Química pela Instituto Federal de Mato Grosso - IFMT e graduada pelo Programa especial
de formação pedagógica com habilitação em pedagogia pela faculdade de Paraíso do Norte -
FAPAN. Especialização em Ensino de Química pelo Instituto Federal de Mato Grosso UAB,
especialização em Relações Raciais e Educação na Sociedade Brasileira, pela Universidade
Federal de Mato Grosso, UFMT e especialização em Psicopedagogia Institucional e Clínica, pela
faculdade Integrada Mato-Grossense de Ciências Sociais e Humanas, ICE, Cuiabá. Mestranda
em Linguística Aplicada, Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGLetras-UNEMAT),
Faculdade de Educação e Linguagem (FAEL). E-mail: [email protected].
5 Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), e História
pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR -EAD), Especialista em Gestão Escolar pelo
Instituto Cuiabano de Educação (ICE) e Docência do Ensino Superior pela UNEMAT.
Mestranda em Linguística Aplicada, Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGLetras-
UNEMAT), Faculdade de Educação e Linguagem (FAEL). E-mail: [email protected].
266
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Essa atividade foi uma das ações desenvolvidas no âmbito da formação


continuada viabilizada durante o Projeto de Extensão Interface com a Pesquisa
“Cibercultura e Redes Sociais: as potencialidades para tessitura de processos
interativos de criação/autoria colaborativa”, desenvolvido na Universidade
do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Câmpus de Sinop-MT. Essa
formação favoreceu intervenções articuladas à luz da pesquisa-formação, nas
modalidades presencial e a distância intermediadas pelo uso da plataforma
digital PBworks e pelas interfaces do Facebook, Google meet e do aplicativo
WhatsApp.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Documento
de Referência Curricular para Mato Grosso (DRC/MT/2018, p.36-37)
preconizam a importância de trabalhar nas escolas com a aprendizagem ativa
como orientação ao trabalho pedagógico a ser desenvolvido em cada etapa
do ensino e consiste em elevar a educação para fortalecer a manutenção da
dignidade humana, ancorada em ampliar e desenvolver as competências e
habilidades necessárias para que os estudantes tenham uma formação que os
tornem cidadãos responsáveis e capazes de modificar o meio em que vivem.
A aprendizagem ativa possibilita, também, aos estudantes e/ou
professores o papel de protagonista no processo de aprendizagem tirando-o(s)
da posição de meros “recebedores” de informações. Como também, promove
o engajamento dos sujeitos ao assumir uma responsabilidade em relação a sua
aprendizagem, assim como recomenda as diretrizes preconizadas pela BNCC
e DRC-MT.
Frente a essas ponderações, é importante que o professor, em sua
prática, valorize atividades contextualizadas em consonância com um ensino
pautado em metodologias que promovam um engajamento dos estudantes
nos procedimentos de letramentos da leitura e da escrita em sala de aula.
Nessa perspectiva, as ações do “Projeto de letramento sobre animais
domésticos, silvestres e as tecnologias digitais” pautam-se em práticas
de formação desenvolvidas no projeto “Cibercultura e Redes Sociais: as
potencialidades para tessitura de processos de criação/autoria colaborativa”6,
que, inicialmente, contemplava atividades mensais presenciais e ações de
formação na modalidade a distância.
No entanto, dado ao contexto de pandemia da Covid 19, neste ano,
motivado pelo avanço expressivo do número de casos de pessoas infectadas, as

6 Essa formação continuada propôs como objetivo analisar as ações de formação em ambiente
formativo híbrido e mobilizar os participantes a instituir processos interativos de criação/autoria
colaborativa a partir da apropriação e utilização pedagógica das tecnologias digitais próprios da
Cibercultura e das Redes Sociais. Esse projeto teve sua institucionalização, junto à Pró-Reitoria
de Extensão e Cultura (PROEC), mediante a Portaria nº 1710/2019.
267
Entremeios da Educação Contemporânea

atividades foram todas à distância com atividades síncronas no Google Meet e


as atividades assíncronas no WhatsApp, Facebook e PBworks.
As atividades formativas promovidas durante este curso de formação
continuada foram direcionadas a um grupo de professores das áreas
de Unidocência e Letras, com a participação de dezenove professores-
pesquisadores e, o objetivo deste era promover ações formativas que dessem
conta de atender as demandas sociais e a diversidade cultural.
Como estratégia formativa, as professoras-formadoras organizaram
grupos com o objetivo de produzir um projeto de letramento, que apresentasse
atividades com inserção das tecnologias da informação e comunicação (TIC)
para serem desenvolvidas por professores em sala de aula.
Porém, por conceber o professor como um mediador7 da aprendizagem
e como forma de empoderar-se das metodologias ativas, fomos desafiados a
experienciar na prática uma atividade que envolvesse os recursos tecnológicos
na produção colaborativa de atividades de letramentos.
Frente a essa proposta, optamos por desenvolver o Projeto de
Letramentos com a temática Animais Domésticos e Silvestres. Após essa
escolha, definição dos objetivos e das metodologias, fizemos o estudo das
orientações curriculares vigentes no país. É importante esclarecer que essa
proposta, relatada neste artigo, é um recorte do nosso Projeto de letramentos,
que apresentamos como atividade de conclusão do curso de formação
solicitada pelas professoras-formadoras.
Nesse sentido, este estudo é resultado de uma organização reflexiva,
em diálogo com as experiências e pesquisas no contexto de formação docente
em que relatamos as produções e autorias de professores-pesquisadores e a
nossa experiência com o projeto, observando as especificidades e os desafios
da docência em tempos remotos.

Gamificação: uma perspectiva metodológica


Como uma prática cultural, os jogos já se fazem presentes na maioria
dos lares, desde do simples dominó até o mais sofisticado jogo eletrônico.

7 A ideia de professor mediador surgiu com o desenvolvimento, a partir da década de 70, da


“pedagogia progressista”, caracterizada por uma nova relação professor-aluno e pela formação de
cidadãos participativos e preocupados com a transformação e o aperfeiçoamento da sociedade.
Dessa forma, a função do professor deixa de ser o de difundir conhecimento para exercer o
papel de provocar o estudante a aprender a aprender. Esse conceito também está presente na
perspectiva da escola cidadã, idealizada por Paulo Freire, na qual o professor deixa de ter um
caráter estático e passa a ter um caráter significativo para o aluno. Disponível em: MENEZES,
Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete professor mediador. Dicionário
Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em:
https://www.educabrasil.com.br/professor-mediador/. Acesso em: 13 de jul. 2020.
268
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Diante de tal fato, a ideia de trazer elementos constitutivos de jogos para o


ensino-aprendizagem tem propiciado aos professores um trabalho atrativo em
sala de aula que viabiliza uma prática situada de linguagem.
Sendo o conceito de gamificação relativamente recente, a literatura
nos mostra, que mais especificamente no âmbito do ensino-aprendizagem, as
práticas de letramentos, especialmente em games podem favorecer a motivação
para a aprendizagem dos estudantes.
De acordo com Prazeres e Oliveira (2018, p. 13) a prática de letramentos
viabilizadas no ambiente escolar,
Em consonância com as atuais demandas e necessidades no campo
educacional, a utilização de metodologias ativas como a gamificação, com o
emprego dos dispositivos móveis, abrem novas possibilidades para a educação
formal, principalmente quando direcionada as crianças do fundamental I na
educação básica, uma vez que já nasceram imersas nas tecnologias digitais
com um enraizamento profundo no tocante aos jogos, quer sejam digitais ou
não, fazendo assim da aprendizagem um processo familiar e já conhecido das
mesmas, possibilitando uma aprendizagem ativa e participativa na aquisição
dos conhecimentos formais.
Com a criação da BNCC (2017), as metodologias educacionais têm
valorizado o ensino híbrido promovido pela inserção das Tecnologias Digitais
de Informação e Comunicação (TDIC) conforme elucida os autores. Nesse
sentido, as instituições da Educação Básica têm buscado incorporar às práticas
docentes como meio para promover aprendizagens mais significativas.
O DRC/MT (2018, p. 38) recomenda que as TDIC são inerentes ao
processo de formação do estudante:
[...] no sentido de disponibilizar ferramentas que favoreçam a inserção do aluno
enquanto agente corresponsável de seu aprendizado [...]. Uma característica do
“estudante ativo” é a iniciativa para a pesquisa, refinamento de informações,
socialização com os pares e concludente tomada de decisão.
Os materiais didáticos são importantes ferramentas para os processos
de ensino e aprendizagem e, o jogo da memória incorporado às práticas
educativas pode promover uma melhor aprendizagem em sala de aula, que
culminam no desenvolvimento pleno da Aprendizagem Ativa com foco no
aperfeiçoamento do processo educacional e de aprendizagem do estudante.
Fato esse, que requer um olhar para o ensino e aprendizagem que
considere a multiplicidade de linguagem que, como descreve Rojo (2012,
p. 19), os textos multissemióticos agregam som, imagens e textos. Nesse
sentido, o jogo da memória potencializa um trabalho em sala de aula que
possibilita uma atividade contextualizada com as vivências dos estudantes que
ao frequentarem os bancos escolares já têm uma leitura de alguns vocábulos
269
Entremeios da Educação Contemporânea

próprios da linguagem8 dos games.


Diante desses conhecimentos, os games trazem “textos compostos de
muitas linguagens”, pois estes “exigem capacidades e práticas de compreensão
de cada um para fazer significar” (ROJO, 2012, p. 12).
Diante disso, presenciamos os variados comportamentos de nossos
estudantes que nos levam a perceber que os games podem favorecer a
aprendizagem deles se tiverem propósitos educativos.
Sperandio e Andrade (2019, p.169) asseveram que:
Enquanto professores nos deparamos a todo momento, em nossas práticas
pedagógicas, com dificuldades que, muitas das vezes, possuem suas raízes no
ensino tradicional. Assim o docente possui grandes desafios impostos pela
atualidade, sendo um deles despertar o interesse de alunos que se encontrem
conectados, a diferentes ferramentas tecnológicas, a todo momento, que estão
expostos a um número constante de informações. É nesse contexto que o uso
dos games, no processo de ensino-aprendizagem, emerge.
Face ao contexto vivenciado por transformações da atualidade
provocadas por uma multiplicidade de linguagens (imagens, sons e textos),
como salientam as autoras acima, a formação continuada caracteriza-se como
uma atividade aliada dos professores quando viabiliza ações formativas que
colaboram com práticas contextualizadas e que possibilitam o favorecimento
de melhorias no cenário educacional. Isso pelo fato de favorecer os princípios
que orientam novos ambientes de aprendizagem, o que oportuniza dar
significado às práticas pedagógicas.
A prática do letramento tem a função de formar leitores críticos, que
sejam capazes de fazer inferências, a compreenderem o que está implícito,
explícito e leem nas entrelinhas, até que se chegue ao “último estágio, em
que o indivíduo consegue criticar, reelaborar conceitos e trazê-los para sua
realidade social, cultural e intelectual com objetivo de crescer como leitor e
cidadão participativo e autônomo” (BORTONI-RICARDO et al, 2012, p.
81).
Dentro de uma mesma orientação, mais direcionada ao professor-
pesquisador, idealizamos a produção e autoria do jogo da memória numa
perspectiva de multiletramentos que possa ser trabalhado como recurso
pedagógico nos anos iniciais do Ensino Fundamental II. Ressaltamos, ainda,
que o nosso projeto recorre a uma perspectiva multiletrada, por idealizar o
jogo da memória como uma atividade remota no ciberespaço9, pois, neste

8 “[...] essa linguagem atravessa as telas e incorpora-se na própria fala dos jogadores – sem users,
na vida real [...] ao citar”GG”, “noob” ou “rage”. Disponível em: https://e-arena.com.br/
vocabulario-gamer-parte-1/, acesso em: 22 de Jul. de 2020.
9 Como afirma Lévy (1999, p.17), o ciberespaço é “o novo meio de comunicação que surge da
interconexão mundial de computadores”. A partir disso, seria possível identificar a internet como
270
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

contexto, a produção desse jogo pode ser viabilizada por meio de imagens,
sons e textos de forma a possibilitar o interesse natural dos estudantes, uma
vez que favorece as interações entre eles. Além disso, conhecer vocabulários
novos e estimular o raciocínio lógico por meio de conteúdos familiarizados
contribui, significativamente, para iniciação da aprendizagem dos estudantes
de formação científica.
Com essa preocupação, elaboramos uma das etapas do projeto
pensando na autoria do professor na construção desse material pedagógico,
no sentido de provocar um pensamento crítico que esteja em consonância
com os conhecimentos interdisciplinares.
Para essa produção, consideramos o uso Powerpoint que é um editor
de apresentação empregado na criação/edição e exibição de apresentações
gráficas, visto que o processo de autoria de materiais didáticos, com objetivos
bem definidos contribui para o ensino significativo e, no que concerne a práxis
docente, delinear ponderações que garantam resultados ao se pensar a criação
de estratégias de ações interativas propiciadas pelas TDIC.
Isto posto, oportunizar práticas formativas em que esses profissionais
possam empoderar-se de atividades que deem significados a práxis docente,
com vistas à construção de um repertório de conhecimentos aliados à pesquisa,
ocasiona transformações na realidade escolar. Em conformidade com Estrela
e Estrela (2006, p. 75).
O conjunto de atividades institucionalmente enquadradas que, após a
formação inicial, visam o aperfeiçoamento profissional, pessoal do professor,
[...] remetendo para o desenvolvimento profissional o conjunto de processos
de mudança da pessoa em relação com o trabalho, operados ao longo da
carreira e que decorrem de uma pluralidade de fatores.
Nessa perspectiva, para atingirmos o proposto da atividade formativa
projetada pelas professoras-formadoras, a problemática mobilizadora foi a
construção do projeto de letramentos e a experiência relatada neste artigo
como: o processo de gamificação aliado às questões de autoria e uso das TDIC
pode ser viabilizado nas práticas pedagógicas pelos professores-pesquisadores?
Inicialmente apresentamos o game jogo da memória com a temática
os animais domésticos e silvestres em forma de tutorial em pdf e também em
vídeo10, ensinando passo-a-passo como montar o jogo.
Frente a essa indagação solicitamos como uma das atividades, que consta

sendo esse novo meio levando a conclusão de que são as mesmas coisas. Contudo existe uma
diferença fundamental a ser considerada. “As grandes tecnologias digitais surgiram, então, como
a infraestrutura do ciberespaço, novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e
de transição, mas também novo mercado de informação e do conhecimento”.
10 Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1Vnm_esDsUvtYIdEwLXbbne7zP3pISBWr/
view?usp=sharing
271
Entremeios da Educação Contemporânea

no projeto de letramentos, que os docentes-pesquisadores desenvolvessem um


jogo da memória a partir da proposta do projeto desenvolvido por nós durante
a formação continuada propiciada no encontro formativo via modalidade
remota.
O nosso projeto propõe quatro etapas de atividades como sugestões
de trabalhos que o professor possa desenvolver em sala de aula com os
estudantes e uma quinta etapa relacionada a autoria e a produção colaborativa
de professores-pesquisadores que participaram do projeto de formação
continuada.
Com objetivo de interagir com os professores-pesquisadores, criamos
uma sala virtual destinada à produção, distribuição e avaliação dos trabalhos
realizados durante a produção do jogo da memória, o que nos possibilitou
ampliar a colaboração e melhorar a comunicação do grupo. Como podemos
verificar na figura abaixo.

Figura 1: Google sala de aula

Fonte: https://classroom.google.com/c/ODQ3NTE5MzQwNjRa

Para alcance desses objetivos, propusemos aos professores-


pesquisadores o uso do Google Sala de Aula como ferramenta colaborativa
de compartilhamento do jogo e para que eles interagissem com mais uma
ferramenta que possibilitasse melhorar sua práxis docente e também,
para otimizar a comunicação, numa perspectiva de formação centrada na
educação linguística, que, segundo Rojo (2009, p.107) deve-se pensar em
habilidades e competências emancipatórias, éticas e democráticas, em que
“[...] os letramentos multissemióticos exigidos pelos textos contemporâneos,
ampliando a noção de letramento para o campo da imagem da música, das
outras semioses que não somente a escrita”.

O jogo da memória na formação continuada como ação interdisciplinar


O jogo da memória foi pensado como forma de atividade de produção
colaborativa para os professores-pesquisadores, como também, para o
estudante que esteja envolvido com a aprendizagem com objetivo de dar
centralidade no papel deles de forma significativa.
272
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Os caminhos idealizados, nessa etapa, imbricam em uma atividade


colaborativa de criação de um jogo da memória, o qual será construído tendo
como elementos-chave, conteúdos interdisciplinares trabalhados em sala de
aula em diferentes fases/anos escolares.
Como recurso tecnológico para criação desse jogo, utilizamos o
PowerPoint que é o nome de um dos programas criados pela Microsoft. O
programa possibilita a utilização de texto, imagens, música e animação no
prisma dos letramentos multissemióticos11, que as tecnologias possibilitam ao
trabalho docente.
Deste modo, a criatividade do professor é decisiva para que as
apresentações sejam atrativas e consigam manter a atenção dos estudantes
em sala de aula, no nosso caso, quem deu margem à imaginação e uso de
criatividade foram os professores-pesquisadores. Para refletirmos mais
detalhadamente sobre os desafios de formar-se professor-autor de sua práxis,
analisaremos produções e interações no próximo tópico.
De acordo com a BNCC (2017, p.486), “a pesquisa e a produção
colaborativa precisam ser o modo privilegiado de tratar os conhecimentos e
discursos abordados”. Nessa perspectiva, a produção e autoria do professor
promove o seu reconhecimento e o possibilita se reconhecer como professor/
pesquisador de sua práxis, o que acarreta valores e novas formas de construção
do conhecimento. Nesse sentido, o quadro 1 apresenta o título, objetivo e
instruções de cada jogo produzido pelos grupos de professores-pesquisadores:

11 Os letramentos multissemióticos, ou seja, a leitura e a produção de textos em diversas linguagens


e semioses (verbal oral e escrita, musical, imagética [imagens estáticas e em movimento, nas
fotos, no cinema, nos vídeos, na TV], corporal e do movimento [nas danças, performances,
esportes atividades de condicionamento físico], matemática, digital etc.), já que essas múltiplas
linguagens e as capacidades de leitura e produção por eles exigidas são constitutivas dos textos
contemporâneos. (ROJO, 2009, p. 119).
273
Entremeios da Educação Contemporânea

Quadro 1: Componentes do jogo da memória

TÍTULO OBJETIVOS INSTRUÇÕES FAIXA ETÁRIA


O jogo da memória pode ser jogado por
um único jogador ou vários jogadores;
Escolha dois quadradinhos, verifique a
figura e o texto correspondente;
Se encontrar o para correspondente,
mantenha as duas imagens abertas;
Se não formar o par correspondente, alunos do 5º
passe a vez para o outro jogador; ano do ensino
Folclore Não apresenta Se estiver jogando sozinho, vai abrindo fundamental i
brasileiro as figuras até encontrar o texto
correspondente;
Ao finalizar, clicar no ícone siga;

Fábula Não apresenta Não apresenta Não apresenta

Wild Não apresenta Turn each square and find its partner. Não apresenta
Animals Every time you guess the right pictures,
you get a hug.
Are you prepared??
Let’s start!!!
Animais Não apresenta Não apresenta Não apresenta
domésticos
Memorizar O jogo da memória pode ser jogado por
imagens de um único jogador ou vários jogadores.
forma rápida Alunos
desenvolvendo Escolha dois quadradinhos e verifica as 1ºano Ensino
e aperfeiçoando figuras; Fundamental I
Corona o raciocínio,
vírus principalmente
para as crianças, Se não formar a figura escolha outro
que criam relações quadradinho;
entre as imagens
e a sequência no Vai abrindo as figuras até encontrar seu
tabuleiro. par;

Ao finalizar, clicar no ícone siga;


Frutas Não apresenta Não apresenta Não apresenta
Cuidados Não apresenta Não apresenta Não apresenta
de saúde
para
crianças
TEAS
274
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Vegetação Com grande Vamos testar seus conhecimentos sobre Não apresenta
Brasileira extensão territorial a vegetação brasileira?
e variação Para jogar basta você ler o tipo de
climática, o Brasil vegetação no topo da tela e clicar na
abriga vários tipos imagem;
de vegetação, com Se você acertar, automaticamente o jogo
destaque para a avança;
Caatinga, Campos Se você errar, poderá fazer nova
ou pampas, tentativa;
Cerrado,
Floresta
Amazônica,
Mangues, Mata
Atlântica, Floresta
de Araucária,
Floresta de
Cocais e Pantanal.

Fonte: Elaborado pelos pesquisadores

Por meio da proposta apresentada uma das professoras-pesquisadoras,


que participa do projeto Cibercultura e Rede Social, instigou os acadêmicos do
curso de Direito, a produzirem games que evidenciassem suas aprendizagens
sobre termos jurídicos, conforme retrata seu relato abaixo:
Professora 01: “Olá, pessoal! Venho compartilhar com o grupo uma experiência
desenvolvida no Ensino Superior com uma turma de Direito do primeiro
semestre. Este compartilhamento se fundamenta, uma vez que a ideia surgiu
a partir do jogo da memória apresentado pelo grupo da Rosa. Eu tinha na
ementa a proposição de vocabulário jurídico. E com as aulas remotas estava
sem saber como trabalharia. Assim, tive a ideia de propor jogos com termos
jurídicos. Eles tiveram um mês para elaborarem. Ontem, foi a apresentação.
Foi um show: cruzadinha, quiz, jogo das três pistas e adivinha. Muito bacana!
Assim, a pedido da professora Albina compartilho esses resultados. Sou grata
pelas aprendizagens geradas neste grupo, pois possibilita vários avanços no
letramento docente e discente”. (3 de jul. de 2020, [mensagem pessoal no
grupo criado no whatsapp]).
Tão importante como o trabalho com os letramentos multissemióticos
é os letramentos críticos, para Rojo (2009, p. 120) lidar com textos e
produtos que levem os estudantes a priorizar um conteúdo crítico, saindo do
meramente formal ou conteudista dos textos jurídicos, para um “[...] conceito
de letramento múltiplos se operacionalizando pelo conceito de esferas de
circulação dos textos e de gêneros discursivos que nelas vivem”. Assim, quando
o professor considera uma prática letrada, abordando um estudo organizado
progressivamente dos componentes curriculares, numa visão multimodal que
contempla os princípios que orientam a aprendizagem ativa, com viés crítico
e que promove a ética com vistas a uma aprendizagem significativa oportuniza
275
Entremeios da Educação Contemporânea

a qualidade no ensino.
Frente a essas ponderações, as TDIC desencadearam novos rumos
no processo educacional, por isso adaptar jogos físicos como o da memória,
que são conhecidos das crianças, para jogar/brincar ludicamente, através da
interface digital, potencializou o conhecimento cultural e histórico como
foram os desenvolvidos pelos grupos de professores que participaram do
Projeto Cibercultura e Rede Social. E como proposta motivacional avaliativa,
solicitou-se que escolhessem um tema na execução da criação através de tutoria
do jogo da memória, os temas escolhidos foram os do folclore, das fábulas, dos
animais domésticos e selvagens e do coronavírus.
Quanto ao tema do folclore, salienta-se a feliz escolha em enaltecer
e prestigiar a riqueza da cultura evidenciada nos saberes populares, que se
originaram da cultura africana, portuguesa e indígena. O Brasil é um país vasto
territorialmente, e com uma propulsão de estórias místicas, que se manifestam
na oralidade na contação de estórias narradas de geração em geração, e que
povoam o imaginário popular, pois estas manifestações populares, são
permeadas da cultural identitária de cada região do Brasil, sendo manifestada
por elementos que representam o modo de agir , pensar e sentir do nosso
povo.

Fígura 2: História do folclore brasileiro contada de forma diferente por meio da


gamificação do jogo da memória

Fonte: Elaborado por professores-pesquisadores

Para essa produção temos objetivos bem definidos que são a


memorização das imagens de forma rápida que desenvolve e aperfeiçoa
o raciocínio, principalmente para as crianças, que criam relações entre as
imagens e a sequência no tabuleiro como exposto na autoria.
Burke (2015, p.84) assevera que:
A gamificação não gira em torno de atribuir pontos e distintivos a atividades e
transformá-las em algo envolvente, como em um passe de mágica. O conceito
diz respeito a compreender os objetivos e as motivações dos participantes e a
projetar uma experiência capaz de inspirá-los a atingir seus objetivos.
276
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

O jogo da Memória que utilizou as fábulas como tema, contempla uma


prática pedagógica de letramento importante no que tange às capacidades de
aprimorar e enriquecer contexto de leitura e escrita. Ao refletirmos nas palavras
de Freire (1996, p.47), quando frisa que ensinar “não é transmitir, mas criar
as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”, assim,
ressaltamos a importância do jogo na fase investigatória para desenvolver o
espírito investigativo do estudantes em conhecer e/ou renovar sua consciência
quanto a imagem semiótica usada, que remeterá a leitura e posteriormente
a produção de material escrito, sobre o tema fábula. Quiçá nessa construção
possam tornarem-se mais reflexivo, vivendo num ambiente cibercultural “a
dialética entre leitura do mundo e a leitura da palavra” (FREIRE, 1996, p.84).
Os jogos de Memória sobre animais domésticos e selvagens visavam
o conhecimento de mundo que os estudantes já possuíam, buscando montar
o jogo com o que era familiar, com ênfase nos seus animais domésticos de
estimação e quanto aos selvagens trabalhar a fauna mato-grossense, para
conhecer e fomentar questões pertinentes à preservação do meio ambiente
onde vivem e a integridade destes animais, para tal, conhecer para aprender a
preservar é fundamental.
A gamificação, quando pensada para atingir um determinado
objetivo, requer um planejamento cuidadoso tendo em vista as habilidades e
competências que o estudante desenvolverá a partir da ludicidade oportunizada
pelo jogo que promove uma aprendizagem ativa em consonância a BNCC e
a DRC/MT. Nesse sentido, a produção sobre os animais selvagens apresenta
uma prática de letramento que envolve vocábulos direcionados para a
atividade multidisciplinares sobre conhecimentos da Língua Portuguesa e da
Língua Inglesa.

Figura 3: Jogo da memória: animais selvagens

Fonte: Elaborado por professores-pesquisadores


277
Entremeios da Educação Contemporânea

O tema a seguir é extremamente pertinente para o atual momento


referindo-se a pandemia da covid-19, com base em imagens que retratam o
coronavírus. A proposta do jogo foi pensada para os estudantes do primeiro ano
do Ensino Fundamental. Uma atividade criativa de apresentar os perigos e os
cuidados que devemos ter para evitar a contaminação e propagação da doença.
Com essa atividade, o professor promoverá habilidades socioeducativas que
favorecem o ensino-aprendizagem, como também, a conscientização deles.

Figura 4: Combate ao vírus COVID-19

Fonte: Criação dos professores-pesquisadores

O jogo da memória vegetação brasileira enfoca os biomas naturais


que são: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal.
A produção deste, tem uma relevância excepcional no contexto mundial de
preservação do meio ambiente, pois entendemos a importância vital sensibilizar
o estudante para a educação ambiental, pois protagoniza conhecimento ético
e valoriza saberes ecológicos que são vitais na relação do bioma com a saúde
humana, já que nessa interação do ser humano com a natureza subsiste seu
sustento e das próximas gerações.

Figura 5 - Jogo da memória vegetação brasileira

Fonte: Criação de professores-pesquisadores

Embora, o jogo da memória acima traga poucos elementos gráficos,


observamos o gênero textual discursivo de cunho instrucional. A partir desse
278
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

gênero, a professora pode trabalhar as características do jogo e as instruções


dele aprofundando, assim, o gênero.
O próximo jogo foi pensado para educação do primeiro ciclo, as
autoras atentas a esse período em que as aulas estão sendo remotas elaboraram
um vídeo12 explicativo, no qual os estudantes podem conhecer as regras do
jogo. Ou seja, temos abordagem do gênero referenciado acima, mas com
valorização da linguagem audiovisual, uma atividade apropriada para os
estudantes do primeiro ciclo.

Figura 6: Jogo da Memória: animais domésticos

Fonte: Criação de Professores-pesquisadores

O jogo produzido para os cuidados com as crianças com Transtorno


do Espectro Autista- TEAS foi pensado para trabalhar sobre a questão da
pandemia e a importância do uso da máscara viabilizando uma prática
contextualizada. Conforme “O uso de pistas visuais tem sido muito utilizado
na intervenção comportamental e tem resultado importantes. As pistas visuais
nada mais são dicas ilustradas de autocuidado”13.

Figura 7: Jogo da memória “Cuidado com as crianças TEAS”

Fonte: Elaborado por professores-pesquisadores

12 Disponível em:https://drive.google.com/file/d/18DOGQoIRUE9gldcFAguLAPmCkt67nl_N/
view
13 Instituto Lico Kaesemodel oferece pistas visuais para que as crianças com X Frágil e Autismo
não percam a rotina, disponível em: https://www.eudigox.com.br/noticias/cuidado-com-as-
criancas-com-necessidades-especiais-em-epoca-de-pandemia/. Acesso em 23 de Jul. de 2020.
279
Entremeios da Educação Contemporânea

As produções apresentadas acima estabelecem um ensino pautado em


habilidades e competências, pois segundo orientações da DRC/MT (2018)
compreende-se que todo o trabalho pedagógico deve estar em consonância
com o pleno desenvolvimento das competências e habilidades socioemocionais
do estudante, com foco na garantia do direito à aprendizagem, de modo a
integrá-los às atividades escolares, e, sobretudo, alicerçando o fortalecimento
das relações interpessoais, visando a socialização e a promoção da equidade.
Sendo assim, a proposta do jogo da memória apresenta possibilidades
para que o professor, como mediador, potencialize nas crianças/estudantes
o processo de autonomia, tomada de decisão e cooperação, fortalecendo as
competências intrapessoais, onde se trabalha a responsabilidade a autoestima
e a motivação.

Considerações finais
Os dados da pesquisa demonstram, com relação aos recursos
tecnológicos, que os desafios são grandes quando se pensa na viabilidade do
ensino na aplicação da técnica de gamificação como recurso metodológico,
uma vez que exigem um planejamento que possibilite uma aprendizagem
relevante para o estudante.
As análises realizadas dos games14, que foram desenvolvidos pelos
professores-pesquisadores, utilizaram-se de alguns elementos que são
importantes no uso da gamificação em sala de aula, no entanto, nem todos
estavam de acordo com a perspectiva de ensino pautada na gamificação,
pois não apresentaram objetivos, regras instrucionais e faixa etária a qual se
destinaria. A falta destes elementos acarreta a perda da essência no trabalho
pedagógico desenvolvido por essa metodologia.
Compreendemos, portanto, que o estudo promoveu aos professores-
pesquisadores apropriarem-se de práticas pedagógicas híbridas que
potencializam o ensino mais atraente que se utiliza de recursos tecnológicos na
construção de atividades pedagógicas. Além de empoderar-se com autonomia
de sua práxis construindo um repertório de conhecimentos propiciados pela
produção e autoria do jogo da memória.

14 “A grande diferença entre game e gamificação é onde eles acontecem. Enquanto os jogos vão
exigir do jogador o cumprimento de objetivos num mundo virtual (sem motivação direta no
mundo real), a gamificação é criada para aumentar o engajamento de funcionários, clientes e
estudantes em tarefas reais, como bater metas, consumir e estuda.” Disponível em: https://saga.
art.br/diferencas-entre-game-e-gamificacao/ . Acesso em: 24 de Jul. de 2020.
280
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Referências

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para Mato Grosso. Concepções para a Educação Básica. https://
sites.google.com/view/bnccmt/educa%C3%A7%C3%A3o-infantil-e-
ensinofundamental/documento-de-refer%C3%AAncia-curricular-para-
mato-grosso. 2018. Acesso em 06 de abr. 2020.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. et al. Leitura e Mediação


Pedagógica. São Paulo: Parábola, 2012.

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fazerem coisas extraordinárias. 1. ed. São Paulo: DVS editora, 2015.

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professores numa encruzilhada. In: BIZARRO, R.; BRAGA, F. (Orgs.).
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experiências. Porto: Porto Editora, p. 73-79, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática


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Campinas: Papirus, 2005.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo. Editora 34, 1999.

ROJO, Roxane. Letramentos Múltiplos, escola e inclusão social. São


Paulo: Parábola, 2009.

ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. Multiletramentos na escola. São


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SPERANDIOS, Natália Elvira. ANDRADE, Vivian Naiara de.


Gamificação e Ensino: uma experiência de explicação do game lightbot. In:
NEVES. Vander José das, et. al (Orgs.). Campinas: Pontes editores, 2019.
EDUCAÇAO, PATRIMÔNIO CULTURAL
E CIDADANIA: O PAPEL DA EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL

Tadeu Silvestre da Silva 1


Rosana Maria Prado2

Introdução

A educação é um direito social e um bem público fundamental


para o desenvolvimento humano, social e econômico do país. A
Constituição Federal de 1988 define a educação “como direito de todos, dever
do Estado e da família”, com as finalidades precípuas de promover a realização
plena do cidadão brasileiro, seu preparo para o exercício da cidadania
democrática e para o mundo do trabalho (BRASIL, 2019).
De modo geral, a educação deve preparar o ser humano para a vida,
considerando aquelas atividades (sociais, políticas, econômicas, culturais etc.)
que este deva desenvolver durante sua existência. Cabe à educação não apenas
a mera função de transmitir conhecimentos, mas também e principalmente
a de orientar e dar meios ao ser humano de desenvolver capacidades,
habilidades e competências para se constituir um cidadão consciente e crítico
capaz de compreender e se posicionar politicamente no contexto de um
mundo globalizado, cada vez mais complexo, culturalmente diversificado e
em constante transformação (CASCAIS e TERÁN, 2014).
A complexidade desse cenário levanta desafios exige conceber-
se a educação sob uma perspectiva ampliada, em diferentes formatos,
características e finalidades. Nesse sentido, Gohn (2006) distingue três
modalidades de educação, a cada qual correspondendo um campo de atuação
e finalidade específicas. A educação formal é aquela oferecida em espaços
escolares sistematizados, orientada por projetos pedagógicos e regulamentada
por lei federal. Organizada em disciplinas regulares, volta-se à aquisição e à
construção do conhecimento consoante às demandas da contemporaneidade.
Sua finalidade é formar indivíduos com preparo para atuar na vida em

1 Tadeu Silvestre da Silva é graduado em Ciências Econômicas, pós-graduado em Gestão


Empresarial e mestrando do Programa de Políticas Públicas da Universidade de Mogi das
Cruzes/SP. E-mail: [email protected]
2 Rosna Maria Prado é professora da Educação Básica na Rede Pública Estadual de São Paulo e
mestranda do Programa de Políticas Públicas da Universidade de Mogi das Cruzes/SP. E-mail:
[email protected]
282
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

sociedade como cidadãos ativos. A educação informal, por seu turno, é


desenvolvida em espaços diversificados, onde se dá o processo de socialização
(família, amigos, vizinhos, paróquia, meios de comunicação, clubes etc.),
pelo qual se dá a assimilação de valores e o desenvolvimento de hábitos e
costumes, enfim de uma cultura própria de cada localidade ou região que
definem sentimentos de pertença, herança comum e identidade comunitária.
Educação não formal: desenvolve-se “no mundo da vida”, especialmente em
espaços de ações coletivas cotidianas, fora do âmbito escolar, onde se dá a troca
de experiências. São exemplos dessa modalidade museus, centros culturais,
organizações não governamentais etc.
Isto posto, é possível concluir que a formação educacional é plural,
pois consiste em diversos saberes e fazeres, o aprendizado ocorre de forma
variada sob a ação de diferentes agentes em espaços diversificados. Trata-se
de um processo que envolve a influência do meio em que se vive e frequenta,
das relações e interações com as pessoas, com os coletivos e com os agentes
externos midiáticos, que exprimem manifestações políticas, ideológicas e
multiculturais.
Destarte, um conceito que cresce cada vez na orientação escolar são a
complementaridade das disciplinas programáticas integrantes dos currículos
e a relevância das atividades extracurriculares e extraclasse, dois aspectos cuja
relevância deve ser ressaltada como fundamental para a formação cidadã.
Nesse sentido, uma abordagem sobre a importância da inclusão da educação
patrimonial nos currículos escolares deve considerar, por isso, duas grandes
questões: seu lugar dos na formação de cidadãos e seu lugar pedagógico
no conjunto das atividades curriculares e extracurriculares (CERQUEIRA,
2005).
Conhecer as características étnicas e culturais dos diferentes grupos
que compõem a sociedade brasileira é uma forma de valorizar tradições e
costumes que constituem o patrimônio cultural material e imaterial de cada
comunidade. Nesse sentido, esta análise se volta à defesa da importância da
educação patrimonial para a construção da cidadania,
que por um viés crítico estabeleça aproximações do indivíduo com a pluralidade
cultural de seu meio ambiente, que se manifesta em sua comunidade e em sua
vida cotidiana, pelas marcas impressas pelos que o antecederam e que ainda
estão presentes, pulsantes na cidade, nas ruas, vielas etc. de onde moram
(FRANCO, 2019, p. 29).
Por meio de uma abordagem qualitativa de natureza descritiva,
baseado em pesquisa bibliográfica, o presente trabalho se propõe a analisar
a importância da educação patrimonial para a afirmação das identidades
comunitários, desenvolvimento do senso crítico e construção de uma formação
cidadã e democrática que respeite e valorize a diversidade cultural.
283
Entremeios da Educação Contemporânea

Cultura e patrimônio cultural


Apresentar uma definição de “cultura” é uma tarefa nada trivial,
considerando que o termo está presente em diversas áreas do conhecimento
sob uma variedade de enfoques. A própria palavra “cultura” pode ter muitos
significados, podendo designar, por exemplo, “espírito”, “mentalidade”,
“tradição”, “ideologia”. É muito comum também observá-la associada a
outros termos, definindo sentidos muito distintos: “cultura política”, “cultura
agrícola”, “cultura de células” etc. (CANEDO, 2009).
Adotando uma visão abrangente, a UNESCO3 (2009, p.4) define
cultura como “o conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais,
intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social
e que abarca, para além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos
fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças”.
Hall (1997, p. 16) define os seres humanos como “interpretativos e
instituidores de sentido”. Toda ação social é também cultural, à medida que
exprime e comunica significado tanto para quem a exerce quanto para quem a
observa. A relação entre o agente dessa ação e o observador é mediatizada por
sistemas de atribuição de sentido, empregados pelas partes para dar significado
às coisas, assim como codificar, organizar e regular as condutas uns em relação
aos outros.
Na linha antropológica, Franco coloca que “a cultura é considerada
como um campo de estudos que busca identificar as sociedades em suas
formas de viver, sentir, pensar e fazer as coisas de um determinado grupo
social, presentes na diversidade de seus símbolos, práticas, costumes etc.”
(FRANCO, 2019, p. 12).
Tais definições não discriminam formas de cultura, ou seja, colocam
em pé de igualdade as mais diversas expressões culturais, independentemente
de classe, etnia ou qualquer outra divisão social. No entanto, historicamente,
a diversidade cultural nem sempre foi ou é reconhecida. É recorrente o uso
de um conceito de cultura associado à perspectiva de uma classe hegemônica
que reivindica a superioridade de suas expressões culturais sobre as das demais
classes. Os padrões e critérios dessa elite afirmam, assim, a cultura erudita,
entendida como a única e válida expressão cultural. Em oposição, a cultura
popular é caracterizada como o conjunto de tradições, manifestações artísticas,
valores simbólicos ou formas de conduta que, por se afastarem do padrão
considerado erudito, concebida ideologicamente pela elite como “cultura
menor” (FRANCO, 2019).
A cultura popular caracteriza-se por sua manifestação própria e

3 UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).


284
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

autônoma, de improvisação, informalidade e espontaneidade. Chauí


(2009) chama a atenção para o caráter classista dessa divisão cultural.
Independentemente dos termos empregados – seja cultura dominada vs.
cultura dominante, cultura opressora vs. cultura oprimida ou cultura de elite
vs. cultura popular –, “seja qual for o termo empregado, o que se evidencia
é um corte no interior da cultura entre aquilo que se convencionou chamar
de cultura formal, ou seja, a cultura letrada, e a cultura popular, que corre
espontaneamente nos veios da sociedade” (CHAUÍ, 2009, p.31-32).
A cultura de massa é uma expressão cujo berço é a Teoria Crítica, da
chamada Escola de Frankfurt. Na obra Dialética do Esclarecimento, os filósofos
alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer, publicada em 1947, em que
discutem o tema da indústria cultural e seu produto, a cultura de massa.
As reflexões sobre a questão levam a uma crítica de grande impacto sobre a
emergência de uma nova configuração social que ressaltava como caraterística
a deturpação da essência da cultura. Vale esclarecer que, ao contrário do que
pode indicar o termo, a cultura de massas não significa de modo algum a
cultura feita pela massa para seu próprio consumo. Pelo contrário, a cultura
se torna mercadoria padronizada – entretenimento – e reproduzida em série
para abastecer mercados formados por grande número de indivíduos, assim
atendendo os imperativos do lucro e da lógica mercantil (MARANHÃO e
SOUSA, 2017).
O processo de subsunção das expressões culturais autônomas pelo
projeto comum e homogeneizador da cultura de massa representa a opressão
da diversidade cultura que se opõe aos padrões massificados, resultando
fatalmente na perda de sua espontaneidade e originalidade e no esvaziamento
de sentido. Considerando o caráter social das produções culturais, logicamente
o processo de massificação tem importantes desdobramentos para as diversas
instâncias da vida social e política.
Principal vetor da indústria cultural, os meios de comunicação de
massa (jornais, rádio, cinema, televisão, mídias em geral) assumem a condição
instrumental de massificar não apenas a cultura, mas também as ideias,
conceitos e atitudes dos indivíduos. A grande mídia afirma como projeto
comum e único possível o status quo, estruturado na racionalidade do capital.
A supremacia da cultura de massa caminha em sentido contrário às
noções de diversidade cultural, identidade e democracia. Em primeiro lugar,
de forma genérica, a cultura de massa imobiliza o senso crítico e aliena os
indivíduos e os grupos sociais, reduzindo sua espontaneidade e criatividade e
submetendo-os a padrões normalizados de conduta.
Em segundo lugar, na esteira desse processo, em vez de afirmar a
identidade de um povo pelo reconhecimento de sua herança cultural, a
285
Entremeios da Educação Contemporânea

massificação traz consigo um esvaziamento de sentido pela banalização das


expressões culturais.
Em terceiro lugar, a massificação favorece a perpetuação de valores
afirmativos de um sistema de exploração e exclusão, em cuja dinâmica o
cidadão tende a passar de sujeito das expressões culturais a simples consumidor
assujeitado. Em um mundo dominado pela cultura de massa, bens culturais
perdem seu caráter de bens públicos – não excludentes e não rivais – passando
a ser regulados pelo poderio econômico; isto é, seu acesso está vedado àquele
que não possuir recursos para adquiri-los.
Por fim, nas palavras de Chauí, não é dificíl constatar o caráter
antidemocrático da indústria cultural. Fica evidente que
massificar é o contrário de democratizar a cultura, ou melhor, é a negação
da democratização da cultura”. Deste modo, “afirmar a cultura como um
direito é opor-se à política neoliberal, que abandona a garantia dos direitos,
transforman-do-os em serviços vendidos e comprados no mercado e, portanto,
em privilégios de classe (CHAUÍ, 2009, p. 51) .
Segundo Massonetto et al. (2012, p. 78), a palavra patrimônio tem
origem em dois vocábulos greco-latinos, pater e nomos. Pater se referia ao pater
famílias, chefe de família (ou em sentido mais amplo, os antepassados de
um grupo social); nomos, por sua vez, está vinculado às leis, usos e costumes
relacionados a uma família ou cidade. Deste modo, “patrimônio pode ser
compreendido, portanto, como o legado de uma geração ou de um grupo
social para outro”.
Patrimônio cultural é um termo que se refere ao legado vivo como
herança dos antepassados, como memórias, fazeres, saberes e histórias as
quais são vivenciadas no presente e transmitidas às gerações futuras. (IPHAN,
2016).
Por sua vez, a expressão bens culturais surgiu após a II Guerra Mundial.
O primeiro tratado internacional ocorreu na convenção da UNESCO,
visando à proteção dos bens culturais em caso de conflitos armados. Outras
convenções aconteceram na França, ampliando critérios de classificação e
proteção de bens culturais como patrimônio mundial (ALEXANDRINO,
2009).
Os bens patrimoniais são classificados como materiais e imateriais. Os
bens patrimoniais materiais (ou tangíveis) dividem-se em móveis e imóveis.
Bens patrimoniais materiais imóveis são aqueles que possuem localização fixa
e se tornaram referência na paisagem urbana ou rural de uma determinada
localidade, ao passo que os bens materiais imóveis consistem nos documentos
que representam fontes de comprovação de fatos e aspectos culturais, por
exemplo, obras de arte, partituras, assim como objetos da vida cotidiana
286
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

(FRANCO, 2019).
Por bens patrimoniais imateriais compreendem-se as manifestações
intangíveis, relacionadas a tradições orais, artes, saberes tradicionais, práticas
sociais e rituais, expressões orais e o conhecimento cultural transmitido por
meio da oralidade (UNESCO, 2009).
A definição de patrimônio cultural brasileiro está contemplada na
Constituição Federal de 1988: art. 216: “Constituem patrimônio cultural
brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente
ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (BRASIL,
2019, p. 171).
A Carta Magna, na referência do mesmo artigo, define a competência do
Poder Público, com colaboração da comunidade, na promoção e proteção do
parimônio cultural brasileiro, ordenando para tanto que estados, municípios
e o Distrito Federal estabeleçam leis próprias de incentivos à produção e ao
conhecimento de bens e valores culturais; a punição, na forma da lei, aos
danos e ameaças ao patrimônio cultural; e o tombamento de documentos
e sítios que detenham as reminiscências históricas dos antigos quilombos
(BRASIL, 2019).
Por fim, vale destacar ainda a importância dada ao papel da educação
como processo fundamental de consciência e conhecimento da significância e
relevância do patrimônio cultural para o indivíduo e para a coletividade, assim
como a responsabilidade e dever de proteção e preservação do patrimônio.

Educação e patrimônio cultural como fatores de afirmação de


identidades locais e da cidadania
O acesso à cultura é fator fundamental na afirmação da identidade
de um povo ou de uma comunidade local ou regional. O fortalecimento da
cultura local poderia fortalecer os laços e o sentimento de pertencimento
comunitários. Pois, como o mesmo autor enfatiza:
A cidade é o território em que a vida se viabiliza, é o local onde as pessoas
287
Entremeios da Educação Contemporânea

vivem, convivem, criam, sonham, compartilhando um espaço comum


que tem suas próprias dinâmicas em um determinado contexto histórico,
espacial, simbólico, cultural, econômico, etc. [...] A cidade se constitui em
um complexo ecossistema criado pelo homem, que sofre influências internas e
externas, em que as pessoas que ela residem compartilham crenças, narrativas,
etc., que contribuem para a consituição de identidades individuais e coletivas,
que partilham saberes e fazerem em um espaço público comum (FRANCO,
2019, p. 27).
O autor completa que é na relação das pessoas com a geografia da
cidade que elas interagem com a cultura da comunidade local ou da região.
Nesse espaço é que se dá, portanto, o diálogo entre o indivíduo e o espaço
em que vive. Ainda que não pareça tão visível, cada cidade apresenta seu
patrimônio cultural próprio – que se apresenta de forma material ou imaterial
– como produto de sua história. As festas, as danças, a culinária, as lendas,
etc. são expressões do seu patrimônio cultural intangível, ao passo que o
patrimônio cultural tangível é representado pelos museus, teatros, centros
culturais, lugares, etc. O acesso à cultura, seja ela erudita ou popular é algo
fundamental ao fortalecimento do sentimento de pertença comunitário,
regional ou até nacional. Subjacente a isso, o acesso a esse bem público – o
patrimômio cultural de um povo ou comunidade – é mister para a afirmação
das identidades locais e para o enfrentamento das formas alienantes de
dominação cultural.
O exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional,
assim como o apoio e incentivo à valorização e difusão das manifestações
culturais, estejam assegurados na Constituição Federal (Art. 215). A despeito
dessa afirmação da cidadania cultural, o Estado brasileiro possui uma longa
história de negligência e não raro de opressão à cultura popular, seja pelo
preconceito, seja pela ação de governos autoritários que desprezam ou vêem
como indesejável o afloramento de identidades coletivas.
Historicamente, o poder público não tem tratado como prioridaes o
acesso e a valorização da cultura e da diversidade. Normalmente, as ações
em apoio, promoção ou patrocínio de eventos culturais são tratadas como
atividades geradoras de ganhos econômicos ou ganhos eleitorais. Faltam
políticas públicas democráticas e sistemáticas de acesso, promoção e valoriação
do patrimônio cultural. Segundo Chauí (2009, p. 50), falta uma política
cultural
definida pela ideia de cidadania cultural, na qual a cultura não se reduz
ao supérfluo, ao entretenimento, aos padrões do mercado, à oficialidade
doutrinária (que é ideologia), mas se realiza como direito de todos os cidadãos,
direito a partir do qual a divisão social das classes ou a luta de classes pode
manifestar-se e ser trabalhada porque, no exercício do direito à cultura, os
cidadãos, como sujeitos sociais e políticos, diferenciam-se, entram em conflito,
comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam
288
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

outras e movem todo o processo cultural.


Na prática, cultura, educação e democracia são processos
complementares, dependentes um do outro. A interdição do acesso à cultura
erudita e a negação da cultura popular e local, bem como o desconhecimento
do patrimônio cultural, são fatores que empobrecem o poder transformador
da educação. Afirmar a cultura de massa e globalizada é optar por manter
a maioria esmagadora da população na ignorância e na alienação, assim
assegurando uma importante reserva de poder a favor da classe dominante.
O desenvolvimento da democracia requer cidadãos com acesso à cultura
e conhecedores de sua riqueza cultural. Para tanto, é preciso implementar
políticas públicas afirmativas do patrimônio cultural brasileiro, sendo uma das
formas fundamentais e mais eficientes inclusão da educação patrimonial nos
currículos escolares.
Segundo o IPHAN – Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico
Nacionais,
A Educação Patrimonial constitui-se de todos os processos educativos formais e
não formais que têm como foco o patrimônio cultural, apropriado socialmente
como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências culturais em
todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, sua
valorização e preservação. Considera-se, ainda, que os processos educativos
devem primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por
meio da participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das
referências culturais, onde convivem diversas noções de patrimônio cultural
(FLORÊNCIO et. al. apud IPHAN, 2016).
O aprendizado formal, que acontece na unidade escolar, se
complementa com as experiências vividas além dos muros da escola. É
fundamental que o currículo a ser trabalhado seja abrangente nas questões
de formação da cidadania, valores civilizatórios, cultura e patrimônio,
trabalhando a interdisciplinaridade e a contextualização do aluno em seu meio
de conívio social, respeitando e valorizando sua origem e diversidade cultural.
O êxito nesse processo, porém, exige como requisito fundamental a atuação
consciente e bem preparada do educador, para que exerça uma pedagogia
crítica e mediadora entre a cultura local e global, promovendo a autonomia
do aluno e o conduzindo ao aprendizado significativo, fundamentado nos
valores essenciais para a formação de um ser humano comprometido com a
construção de uma sociedade mais justa e solidária. Nas palavras de Franco,
ao aproximar os indivíduos do patrimônio cultural de forma diferenciada de sua
convivência cotidiana, que em muitos momentos se efetiva de maneira superficial,
permeada por questões ideológicas com princípios de uma cultura dominante
e acrítica, possibilitaremos às pessoas tempos e espaços para que reveja, revisite
sua região, seu município, seu bairro, as ruas que circundam sua moradia, que
geralmente não se detêm com maior ênfase (FRANCO, 2019, p. 8).
289
Entremeios da Educação Contemporânea

A valorização e o reconhecimento do patrimônio também ampliam as


bases da educação informal obtida na família, na igreja, na empresa e nos vários
espaços comunitários. Os espaços públicos na cidade podem ser locais onde
se promove a educação cultural nas mais variadas formas, proporcionando
sua manifestação e vivência, além de despertar a consciência crítica de
pertencimento, levando o indivíduo a preservar sua cultura e os patrimônios
culturais que o circundam.

Considerações finais
A educação é um processo amplo. A cada dia, ao mesmo tempo que em
que se afirma a importãncia da escola, também se vê a influência desta última
a se dividir entre outras fontes de aprendizado, todavia permeadas pela cultura
de massa, que aliena e nega a diversidade cultural e identitária em nome de
uma homogeneização de condutas e comportamentos acríticos e afirmadores
da lógica mercantil globalizada. Nesse contexto, aumenta a importância da
escola na construação de uma formação cidadã, assim como isso se torna um
crescente desafio.
A cultura é uma construção social, fundada nos legados sociais
das gerações passadas e que mantêm um legado significativos para uma
comunidade ou povo. Essa herança cultural dá sentido próprio e identidade
individual e coletiva.
A inclusão da educação patrimonial no currículo escolar pode assegurar
o reconhecimento do patrimônio cultural brasileiro, em sua rica diversidade,
promovendo a cidadania democrática, sustentada principalmente por uma
consciência crítica e pelo fortalecimento das identidades locais ou regionais.
Por tudo isso, coloca-se como direito fundamental a participação dos
cidadãos na definição de diretrizes e orçamentos relativos às políticas culturais
pois seu efeito é a garantia de acesso à produção cultural, patrimônio de todos.

Referências

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Jurídico-Políticas. Lisboa, dez. 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Supremo Tribunal Federal - Secretaria de Documentação, 2019. 577 p.
Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoConstituicao/
anexo/CF.pdf. Acesso em: 16 jul. 2020.

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e a atuação dos poderes públicos. V ENECULT - Encontro de Estudos
290
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

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CHAUÍ, M. Cultura e democracia. 2. ed. Salvador: Secretaria de Cultura,


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arttext&pid=S0104-40362006000100003&lng= pt&nrm=iso. Acesso
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291
Entremeios da Educação Contemporânea

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unesco.org/ark:/48223/pf0000184755_por
HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL – HIS:
CONCEITOS E REFLEXÕES A RESPEITO DA
SUSTENTABILIDADE E INCLUSÃO SOCIAL

Cristhian Moreira Brum1


Tarcisio Dorn de Oliveira2
Luana Vanessa Wildner3
Pamela Rossoni Franco4

Introdução

D esde a antiguidade, a função principal da habitação é servir de


abrigo – pois, abrigar-se das intempéries e dos animais é uma
necessidade percebida de longa data, a começar, com o homem das cavernas.
Com a evolução dos materiais, técnicas e habilidades para a criação, os abrigos
foram mudando e ficando mais elaborados, no entanto, mesmo com toda
evolução tecnológica e arquitetônica, o objetivo principal da habitação ainda
é o mesmo – proteger o ser humano do meio natural/construído.
Aliada à vestimenta e alimentação, a habitação é uma necessidade básica
e uma aspiração do ser humano, tornando-se hoje, um investimento para a
constituição do patrimônio material, além de, ligar-se à conquista econômica
e à uma configuração social mais elevada. Fernandes (2003) sinaliza que a
habitação desempenha três funções básicas, a saber:

1 Pós-Doutor em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do


Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. Doutor em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. Mestre em Engenharia Civil e Ambiental
pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Especialista em Gestão Ambiental pelo
Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI. Pesquisador integrante
do Laboratório de Estudos Comportamentais (LabCom) da Universidade Federal de Pelotas –
UFPel. E-mail: [email protected]
2 Pós Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade Meridional – IMED. Doutor
em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul – UNIJUÍ. Mestre em Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Santa Maria –
UFSM. Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ.
Pesquisador integrante do Laboratório de Estudos Comportamentais (LabCom) da Universidade
Federal de Pelotas – UFPel. E-mail: [email protected]
3 Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. E-mail: [email protected]
4 Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. E-mail: [email protected]
294
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

- Função social: abrigar a família – é um dos fatores do seu


desenvolvimento;
- Função ambiental: inserção no ambiente urbano – fundamental
para que estejam assegurados os princípios básicos de infraestrutura, saúde,
educação, transportes, trabalho, lazer etc., além de determinar o impacto
destas estruturas sobre os recursos naturais disponíveis;
Função econômica: oferece novas oportunidades de geração de
emprego e renda – mobiliza vários setores da economia local e influencia os
mercados imobiliários e de bens e serviços.
As condições de vida, de moradia e de trabalho da população estão
estreitamente vinculadas ao processo de desenvolvimento. Para Abiko (1995),
a habitação passa a ser o espaço ocupado antes e após um dia de trabalho,
acomodando as tarefas primárias de alimentação, descanso, atividades
fisiológicas e convívio social. Entende-se que a habitação deve ser habitável,
seguro e limpo – além de ser o cenário das tarefas domésticas, a habitação é o
espaço no qual, muitas vezes, ocorrem também, em determinadas situações,
atividades de trabalho.
O déficit habitacional apresenta-se como uma problemática atual nos
centros urbanos, de forma especial, atingindo as comunidades de baixa renda.
Fica evidente que o referido problema torna-se de difícil solução, ao passo
que, as principais causas dele ainda são renda insuficiente para enfrentar gastos
com habitação e elevados custos do solo urbano. Nesse viés, Larcher (2005),
salienta que no Brasil a preocupação com as necessidades habitacionais começa
desde a década de 1930, quando o Estado passa a assumir a coordenação das
ações pela redução do déficit habitacional junto às camadas populacionais de
baixa renda.
No presente ensaio5 observa-se o estudo exploratório, afim de,
proporcionar uma maior familiaridade com o problema e, com vistas, a torná-
lo mais explícito. Dessa forma, foi realizado um levantamento bibliográfico e
documental com base em materiais já elaborados, mesclando-os de maneira
a conseguir uma maior compreensão e aprofundamento sobre o tema no
intuito de refletir a habitação, em especial, a habitação de interesse social –
HIS no que tange questões de inclusão social e qualidade de vida que a mesma
proporciona aos seus usuários.

5 Desenvolvido no Laboratório de Estudos Comportamentais (LabCom) da Universidade Federal


de Pelotas – UFPel), criado em 2016 no âmbito do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Faurb / UFPel.
295
Entremeios da Educação Contemporânea

HIS: conceitos e entendimentos

Inicialmente, é pertinente observar as diferentes conceituações sobre


habitação. O termo HIS define uma série de soluções de moradia voltada
para a população mais carente. Para Abiko (1995) existem vários termos de
referência, entre eles é relevante destacar:
- Habitação de Baixo Custo (low-cost housing): termo utilizado para
definir habitação barata sem que isto signifique necessariamente habitação
para população de baixa renda;
- Habitação para População de Baixa Renda (housing for low-income
people): termo mais adequado que o anterior, tendo o mesmo significado que
habitação de interesse social. No entanto, estes termos, trazem a necessidade
de se definir a renda máxima das famílias e indivíduos situados nesta faixa de
atendimento;
- Habitação Popular: termo genérico envolvendo todas as soluções
destinadas ao atendimento de necessidades habitacionais. A habitação popular
se manifesta em três tipologias básicas: favelas, casas precárias de periferias e
cortiços.
Ainda, o autor supracitado, observa que além da habitação ser um
lugar confortável, limpo e seguro, é essencial contar com:
- Serviços urbanos: necessidades coletivas de abastecimento de água,
coleta de esgotos, distribuição de energia elétrica, transporte coletivo, etc.;
- Infraestrutura urbana: inclui as redes físicas de distribuição de água
e coleta de esgotos, as redes de drenagem, as redes de distribuição de energia
elétrica, comunicações, sistema viário, etc.;
- Equipamentos sociais: edificações e instalações destinadas às atividades
relacionadas com educação, saúde, lazer, etc.
É relevante atentar para a diferença entre HIS – habitação de interesse
social e HMP – habitação de mercado popular. As HMP é uma oferta de
habitação às populações de baixa renda, através de iniciativas próprias ou
contratadas diretamente pelos usuários da habitação – não vinculam-se a
critérios de planejamento e implementação de programas produzidos pelo
poder público.
O Plano Diretor Participativo de Ijuí (2012) diz que cabe ao poder
público municipal estimular a produção de HIS através do desenvolvimento
de programas e projetos de acesso à moradia. Salientando os seguintes aspectos:
- HIS é aquela habitação destinada à população com renda familiar
mensal limitada a até 3 (três) salários mínimos nacionais, produzida
296
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

diretamente pelo poder público municipal ou com sua expressa anuência;


- As condições de seleção dos contemplados para a concessão da HIS
dar-se-á mediante processo seletivo a ser proposto pelo Conselho do Plano
Diretor Participativo, devendo ser observadas as condições precárias de
habitabilidade em que vive o beneficiado, a impessoalidade, a igualdade e a
comprovação de residência no município no prazo mínimo de 5 (cinco) anos;
- São condições precárias de habitabilidade as habitações em péssimo
estado de conservação e as habitações situadas em áreas de risco ambiental, em
áreas de preservação permanente e em faixas de domínio público no território
municipal.
Ainda, o referido Plano, sinaliza que a política de habitação será
articulada à política de preservação, respeitando as seguintes diretrizes:
- Impedir novas ocupações irregulares nas áreas urbanas e de proteção
e preservação;
- Recuperar ambientalmente as áreas de risco ocupadas;
- Recuperar as áreas de proteção e preservação ambiental ocupadas por
moradias não passíveis de urbanização e regularização fundiária;
- Atender a dotação de sistema de circulação, de equipamentos
urbanos, de áreas verdes de lazer e recreação e de áreas para a implantação de
equipamentos comunitários;
- Prever o remembramento de lotes unicamente para a instalação de
equipamentos comunitários.
Diante das políticas de HIS é possível incentivar parcerias com
instituições de ensino e pesquisa aspirando o desenvolvimento de alternativas
de menor custo, maior qualidade e produtividade na produção de habitações
através de estratégias de informações sobre as condições de habitação e acesso
à terra. A HIS diz respeito àquela obrigatoriamente induzida pelo poder
público, ao passo que, o Estatuto das Cidades também procura categorizar
a HIS quanto à faixas de renda restrita e localizada em zonas especiais –
apontadas por critérios de localização, usos e particularidades ambientais,
entre outros.

HIS: sustentabilidade e inclusão social


A HIS extrapola a simples construção da mesma, pois relaciona-se
a fatores como a estrutura de renda das classes sociais menos favorecidas,
dificuldades de acesso aos financiamentos concedidos pelos programas oficiais
e a deficiências na implantação das políticas habitacionais. A Secretaria
Especial dos Direitos Humanos (2004), resume alguns dados que pode-se
considerar como exemplos de exclusão social:
297
Entremeios da Educação Contemporânea

- 125 milhões de crianças no mundo não frequentam a escola, sendo


dois terços delas mulheres;
- Somente 1% dos deficientes físicos frequentam a escola em países
subdesenvolvidos e emergentes;
- 12 milhões de crianças morrem por problemas relacionados com a
falta de recursos por ano.
Levando em consideração os dados acima listados, fica evidente que
o poder público não oferece condições dignas e, faz com que qualquer uma
dessas características, torne-se impeditivos à liberdade humana – há, portanto,
um caso evidente de exclusão social. Para além de uma simples expressão – a
exclusão social é, de certa forma, uma violência ao ser ou à dignidade humana,
pois impede que um indivíduo exerça a sua cidadania por razões eticamente
não justificáveis.
A HIS assume efetivamente um caráter de direito básico da população,
à medida que, as políticas e estratégias habitacionais para a população de
baixa renda passam a ser legalmente submetidas ao interesse da sociedade,
sobretudo em nível local nos municípios, considerando os impactos de
sua implantação. Abiko (1995) e Larcher (2005) apontam a persistente
desigualdade da distribuição de renda no Brasil como causa principal dos
problemas habitacionais. A insuficiência ou a impossibilidade de comprovação
de renda, juntamente com as dificuldades impostas para a regularização de
áreas ocupadas, indica a necessidade do conhecimento do perfil econômico e
sócio cultural da parcela da população ainda excluída dos sistemas de oferta
de moradia.
As questões relativas ao crescimento e movimento das populações estão
fundamentalmente relacionadas às necessidades habitacionais das cidades –
há uma consonância de que as cidades têm crescido e, com elas, surge uma
parcela da população com muita dificuldade em estabelecer-se em habitações
adequadas. Oktay (1999), entende que a HIS está diretamente relacionada à
sustentabilidade social, para além das sustentabilidades ecológica e econômica.
Projetos habitacionais sustentáveis devem implicarem na melhoria da qualidade
de vida dos usuários mediante o uso adequado dos recursos naturais locais e
uma abordagem de projeto contextual respeitando sítio, clima, características
culturais e as necessidades humanas.
Para o entendimento dos problemas inerentes à HIS é necessário
observar as causas e características que originaram as expansões urbanas e
as fragilidades da gestão pública no tange a organização dos assentamentos
humanos com qualidade. Larcher (2005) sinaliza que a HIS sustentável não
pode ser pensada exclusivamente como a possibilidade do uso adequado dos
recursos naturais, mas sim, deve incluir um projeto habitacional qualificado
298
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

que propicie um comportamento humano adequado e a satisfação dos


residentes, considerando os vários aspectos pertinentes à produção de
projetos habitacionais. Entre os indicadores que podem ser conclusivos para a
abordagem da expansão da HIS, deve-se destacar:
- Renda: apontado como principal entrave ao problema habitacional,
o acesso pela população de baixa renda aos mecanismos de financiamento
é importante solução para parte da população de baixa renda, ao propiciar
recursos para pequenas obras de expansão;
- Aumento da longevidade: o aumento da expectativa de vida cria
novos extratos de população com necessidades diferenciadas em termos de
ambiente construído. Com o aumento da proteção social ao idoso, criam-
se novos requisitos de produtos destinados a esta faixa etária, entre os quais
a habitação. Com a extensão do ciclo de vida familiar, também há que se
considerar um ciclo de vida estendido para a habitação, demandando maior
qualidade e flexibilidade no uso;
- Educação: encarada como motor da promoção social, diretamente
relacionada à renda e ao emprego, ou seja, à possibilidade de recursos para
suprir as demandas da habitação, tanto em relação a sua aquisição quanto em
relação às necessidades de adaptação ou expansão face às modificações que se
apresentem ao longo do ciclo de vida da família;
- Crescimento e distribuição populacional: a grande expansão
e migração observadas em passado recente acarretaram uma demanda
habitacional significativa, tanto em termos de novas moradias quanto em
inadequação das existentes. As necessidades de expansão de habitações se
justificam, sobretudo, pela existência de grande quantidade de habitações
inadequadas por adensamento excessivo e por falta de unidade sanitária.
A sustentabilidade social constitui um dos três pilares fundantes do
desenvolvimento sustentável, a qual, oportuniza uma igualdade para todas as
pessoas em diferentes contextos culturais e sociais nos quais as pessoas vivem
e dos padrões de comportamento relacionados à mobilidade, experiência
habitacional, trabalho e relações sociais. A HIS fomenta a inclusão social pois
implica diretamente na melhoria da qualidade de vida das pessoas trazendo
aos outorgados premissas básicas da dignidade humana e bem-estar social.

Considerações finais
A questão do déficit habitacional é antiga, pois a falta de moradia
apresenta-se como problemática urbana desde os primórdios da humanidade.
Fica evidente que ainda existem muitos desafios e obstáculos no
desenvolvimento da sociedade como um todo, de forma especial, à temática
299
Entremeios da Educação Contemporânea

de HIS para serem superados. A otimização das HIS considerando os aspectos


básicos que constam nos direitos dos cidadãos avança lentamente. Mesmo que
o poder público, através de financiamentos e políticas de habitação, procure
enfatizar suas conquistas de forma quantitativa e não qualitativa, ainda
percebe-se uma ineficiência nesse anseio da população de baixa renda.
Embora o interesse pela HIS manifeste-se sobretudo, em relação
ao aspecto de inclusão das populações de menor renda, há também se de
observar questões como as de situações de risco e de preservação ambiental
ou cultural que envolvem a questão. Um fator ambiental fundante são os
aspectos alusivos à sustentabilidade, com prioridade nas técnicas, materiais
e no projeto arquitetônico, ou seja, toda a HIS deve propiciar possibilidade
de segurança, salubridade, durabilidade e infraestrutura necessária para uma
vida melhor e de qualidade aos seus usuários. Para isso, o desafio centra-se em
construir HIS qualificadas tecnicamente, em curtos espaços de tempo e que
sejam minimamente atendidas pelos serviços públicos urbanos.
É importante reconhecer que a HIS e a inclusão social são faces de
uma mesma moeda, haja visto, que tratam do atendimento das necessidades
de todas as pessoas que, de alguma forma, estão em vulnerabilidade social e
econômica. Para (re) firmar ações de inclusão social é necessário observar e
identificar quais são os excluídos da sociedade, ou seja, que não gozam dos
seus benefícios e direitos básicos. Assim, observar a inclusão social por meio
de HIS é falar de democratizar os diferentes espaços para aqueles que não
possuem acesso direto a eles.

Referências

ABIKO, Alex Kenia. Introdução à Gestão Habitacional, 1995,35f. Texto


técnico (Professor e Doutor no Departamento de Engenharia de Construção
Civil) – Escola Politécnica da USP, Universidade de São Paulo, São Paulo,
1995.

FERNANDES, Marlene. Agenda Habitat para Municípios, 2003, 224 f.


Agenda Habitat para Municípios – Instituto Brasileiro de Administração
Municipal (IBAM), Rio de Janeiro, 2003.

IJUÍ, Prefeitura. Municipal. Plano diretor – Lei Complementar nº 5630, de


24 de maio de 2012. Prefeitura Municipal de Ijuí, 2012.

LARCHER, José Valter Monteiro. Diretrizes visando a melhoria de


projetos e soluções construtivas na expansão de habitações de interesse
social: a habitação de interesse social, 2005, 189 f. Dissertação (Mestrado
de Construção Civil) – Setor de Tecnologia da Universidade Federal do
300
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Paraná, Curitiba, 2005.

OKTAY, D. Conference of the environmental design research association.


In: OKTAY, D. Sustainability of Housing Environments. Orlando:
EDRA, 1999. cap. 30, p. 147-158. v. 1.

SECRETARIA Especial dos Direitos Humanos. Inclusão social: programa


de desenvolvimento profissional continuado. Brasília: Ministério da
Educação, 2004. 56 p.
A RELAÇÃO ENTRE FAMÍLIA x ESCOLA

Jaíne Karal1
Tatiane Maiara Hammes2

Introdução

A relação entre família e escola foi constituída e aprimorada no


decorrer dos anos, visando desenvolver de forma efetiva o ensino
de crianças e adolescentes, afim de envolver estes dois eixos norteadores na
vida dos jovens alunos.
Em grande parte desse período acreditou-se que cada um desses eixos
deveria realizar tarefas distintas, sendo papel da família ensinar sobre educação,
respeito e afins, e por parte das instituições de ensino, apresentar e ensinar
conteúdos e buscar formas de fazer com que os alunos compreendessem e
aprendessem desde aritmética a literatura.
Nos últimos anos, e em especial neste ano, essa relação entre família e
escola passou a ser compreendida e estudada de forma diferente. Assim, o que
antes era rotina, “hora de levantar, tomar café da manhã e arrumar-se para ir
à escola”, precisou ser adaptado, repensado e reformulado.
Este cenário ao qual grande parte dos alunos estava habituado por um
longo período, precisou ser totalmente modificado pelo atual momento que
a sociedade enfrenta, a pandemia da COVID-19, causada pelo coronavírus
(SARS-CoV-2), uma doença invisível, de fácil contaminação, que pode variar
de infecções assintomáticas a quadros graves como a morte.
Esse novo vírus e em consequência a pandemia, chegou sem aviso
prévio, forçando-nos a reinventar nossas maneiras, hábitos, costumes... nossa
vida, em um todo. Sem demoras e sem um rumo certeiro a seguir, a educação
também buscou reformular sua área de atuação, partindo de um ensino
presencial para o ensino remoto, afim de dar continuidade a educação de
crianças e jovens.
O ensino remoto ou educação a distância (EaD) está presente e
é reconhecida no Brasil desde 1966, nos níveis básico, técnico e superior.

1 Pós-graduada em Educação Especial e Psicomotricidade pela Faculdade Educacional da Lapa


– Fael, campus de Iporã do Oeste, Santa Catarina, 2020. Licenciada em Educação Física pela
Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc, campus de São Miguel do Oeste, 2019.
E-mail: [email protected]
2 Licenciada em Educação Física pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC,
campus São Miguel do Oeste, 2019. E-mail: [email protected]
302
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Considerada uma ferramenta de incalculável importância, uma vez que atende


um grande grupo de pessoas de forma efetiva, e sem reduzir a qualidade dos
serviços oferecidos (NUNES, 1998).
Esse formato de ensino, mediado através de plataformas digitais,
visa atender um grande número de educandos, de forma efetiva, de lugares
diferentes e de acordo com o tempo e espaço disponíveis por alunos e
professores.
Vergara (2006) cita, dentre as possibilidades do EaD, o fato de o
aluno poder realizar as atividades de acordo com seu ritmo de aprendizado,
além de desenvolver autodisciplina e independência, pois o mesmo precisará
monitorar a si e saber o momento de solicitar ajuda.
De certo modo, tal método de ensino deve facilitar e auxiliar em
tempos tumultuosos como o atual, onde o ato de “ficar em casa” salva vidas.
No entanto, ao passar para a EaD, muitas famílias tornaram-se mediadores,
entre os conteúdos e o aprendizado dos alunos, de forma mais vigorosa, visto
que o professor também trabalha de forma remota, e assim passaram a surgir
obstáculos e limitações para o que deveria ser solução.
Ao pesquisar tais limitações, podemos pontuar alguns fatores
importantes, como o acesso à internet limitada ou inexistente, falta de
aparelhos eletrônicos adequados para este uso, dificuldades de compreensão
e interpretação, desconhecimento das famílias quanto ao uso das tecnologias,
dificuldade dos pais na compreensão dos conteúdos para conseguir auxiliar
seus filhos nos estudos, uma vez que sabemos que a maioria dos pais somente
frequentou os anos iniciais do ensino fundamental, pois antigamente optava-
se por trabalhar em casa ao invés de prosseguir e finalizar os estudos.
Desse modo, passou-se a observar a relação entre família e escola de
forma mais ativa, visto que o trabalho entre ambas deve estar alinhado, para
que o ensino, de forma remota, ocorra de fato.

Família x educação x escola


Acredita-se que a expressão família deriva do latim “Famulus” que
significa servente ou empregado doméstico. Esta por sua vez, era usada para
definir o conjunto de escravos e criados de um senhor, sendo somente mais
tarde utilizada para determinar um grupo de pessoas que possuíam vínculos
de sangue entre si, que habitavam a mesma casa ou que possuíam algum grau
de parentesco.
Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), família
é “um conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco ou dependência
doméstica, que vivessem no mesmo domicílio”, ou “pessoa que vivesse só, em
303
Entremeios da Educação Contemporânea

domicílio particular” (GOLDANI, 1993).


Já para o Ministério da Saúde, no Manual do Cadastramento Nacional
de Usuários do Sistema Único de Saúde (CadSus) família é “conjunto de
pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas
de convivência, que residem na mesma unidade domiciliar”. “Incluindo
empregado(a) doméstico(a) que resida no domicílio, pensionistas e agregados”.
(NUNES et al., 2011).
Visto isso, assim como o termo família e seu objetivo durante os anos
foi se adaptando, não se pode deixar de citar as perceptíveis mudanças que
a mesma sofreu. A família antes composta por homem (pai), mulher (mãe)
e filhos, sendo o pai o provedor do sustento e a mãe responsável pelo lar,
passou por várias alterações durante os séculos, moldando-se de acordo com
as necessidades vigentes. Atualmente, esta não é mais a realidade de muitos
lares, assim como também o grupo familiar não tem necessariamente que ser
composto por uma mulher (mãe) e um homem (pai).
Com isso, passaram a existir diferentes tipos de família, onde além
da tradicional, vemos na sociedade as famílias homoafetivas, paralelas ou
simultâneas, de união estável, monoparental, parental, entre outras.
Entretanto, mesmo com o conceito de família sendo alterado e
adaptado com o tempo, o dever da educação e primeira socialização com o
mundo continuou a acontecer nesse ambiente, sendo papel do responsável
apresentar e incluir a criança em nosso meio.
Para Oliveira e Marinho-Araújo (2010) “A família é considerada a
primeira agência educacional do ser humano e é responsável, principalmente,
pela forma com que o sujeito se relaciona com o mundo, a partir de sua
localização na estrutura social”.
Desse modo, essa educação recebida no seio familiar acontece
informalmente, através de tarefas do cotidiano, ensinamentos passados de
geração para geração, conversas sobre acontecimentos, sem uma base ou
sistema de orientação. Essa educação é fundamental para que a criança consiga
entender e conceituar-se no ambiente e sociedade a qual vive e pertence.
Assim, passa a ser função das instituições de ensino, ensinar a educação
de forma sistemática, de modo formal no desenvolvimento dos alunos.
Oliveira (2003, p.11), define a educação como “uma das atividades básicas
de todas as sociedades humanas, pois a sobrevivência de qualquer sociedade
depende da transmissão de sua herança cultural aos jovens”.
É trabalho principal tanto dos pais, como também da escola o trabalho
de modificar a criança imatura e ingênua em cidadão amadurecido e
participativo, influente, consciencioso de seus deveres e direitos. E que este ser
em desenvolvimento seja em tempo futuro um homem consciente, crítico e
304
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

autônomo expandindo valores éticos, espírito arrojado capaz de interatuar no


meio em que habita (ASSIS; DE LIMA, 2011, p. 8).
As instituições de ensino então, são importantes para que as crianças
aprendam sobre cidadania e convivência com outras pessoas, sem relações
parentais ou afinidades, integrando-se de forma mais ampla com outros
indivíduos (SILVA, 2014, p. 24,).
Desta forma, acredita-se que a educação juntamente com a escola
deve tornar-se espaço para que o aluno consiga desenvolver seu lado crítico,
responsável e autônomo diante das situações e contextos que poderá vir a
enfrentar em sua realidade. Para Assis e De Lima (2011) quem possui um
papel crucial para que esses processos individuais venham a acontecer, é o
professor. Mas não aquele professor autoritário e fechado a novas ideias, e
sim, um sujeito facilitador, aquele que vem para romper o paradigma de o
professor ser somente o sujeito que ensina, e o aluno apenas o sujeito que
aprende. Ensinar e aprender é uma via de mão única compartilhada entre
professores e alunos, e esta deve centralizar-se no diálogo e entendimentos dos
diferentes pontos de vista.
Corroborando, Schram e Carvalho (2007) acreditam “[...] no professor
capaz de coordenar a ação educativa; no educando como agente sujeito
participante; na escola como currículo de cultura; e na sala de aula como
espaço de diálogo”.
Assim, conseguimos entender que tanto família quanto escola possuem
a função de ensinar sobre educação, seja de modo informal ou sistemático,
criando e conduzindo crianças a tornarem-se adultos ativos, pensantes e
preparados para a vida em sociedade. Percebemos que o eixo família – escola
perpassa situações e relações vividas, e não há a possibilidade de ocorrer
uma separação entre elas, pois ambas precisam andar em consonância, para
formação integral do aluno.

A importância da relação ativa entre família e escola


Ao trabalharmos no ambiente escolar vemos a necessidade de incluir
cada vez mais a família nas atividades realizadas no decorrer do ano letivo, pois
sabemos dos inúmeros benefícios que a participação ativa da família na escola
e nos trabalhos realizados pela mesma, traz aos seus filhos e alunos.
[...] a família que acompanha o processo de aprendizagem do filho poderá
auxiliá-lo no momento que surgem dificuldades escolares. Logo, se a família
acompanhar o rendimento dos filhos em sala de aula, estes dificilmente
enfrentarão situações de defasagem no aprendizado (CASARIN, 2007, p. 19).
Nesse período de pandemia, os pais e/ou responsáveis passaram a
realizar a função de mediadores/professores, e pôde-se constatar a dificuldade
305
Entremeios da Educação Contemporânea

de certas famílias em dialogar e orientar. Muito disso parte do princípio de que


tal trabalho é somente função do professor, ou ainda, da falta de conhecimento
e acompanhamento do que se está a realizar, do grau de escolarização dos pais,
da jornada de trabalho e consequentemente do tempo disponível para dedicar
atenção aos seus filhos.
Para Sukiennik (2000) “O alongamento da jornada de trabalho, devido
tanto à necessidade de trabalhar mais para aumentar o rendimento familiar
quanto ao crescimento das cidades, diminuiu consideravelmente o tempo que
os pais dispunham para compartilhar com os filhos”. O autor ainda coloca
que a criança necessita de afeto, e que a diminuição dessa forma de carinho
influência diretamente no amadurecimento das mesmas.
Visto assim, esse desinteresse/falta de tempo por parte de alguns pais,
acaba tornando-se uma grande barreira no desenvolvimento das capacidades
dos alunos, uma vez que o mesmo não acontece de maneira isolada em um
ou outro espaço.
Desta forma, para que ocorra um maior interesse e consequentemente
envolvimento da família nos acontecimentos da escola, é necessária uma
mudança de comportamento e atitude de ambas as partes. Os pais precisam
entender que sua presença na escola não deve acontecer somente quando é
solicitada ou ocorre algum problema. Já a escola, precisa mostrar-se preparada
e aberta a acolher as famílias quando procurada. O que não pode ocorrer é o
depósito de responsabilidade da família sobre a escola ou vice versa.
Assim, dentro dessa relação,
Uma de suas tarefas mais importantes, embora difícil de ser implementada,
é preparar tanto alunos como professores e pais para viverem e superarem as
dificuldades em um mundo de mudanças rápidas e de conflitos interpessoais,
contribuindo para o processo de desenvolvimento do indivíduo (DESSEN,
POLONIA, 2007, p. 25).
Visto isso, “Escola e família são instituições diferentes e que apresentam
objetivos distintos; todavia, compartilham a importante tarefa de preparar
crianças e adolescentes para a inserção na sociedade, a qual deve ter uma
característica crítica, participativa e produtiva”. (OLIVEIRA; MARINHO-
ARAÚJO, 2010).
Desse modo, para que a família sinta-se parte dos acontecimentos da
escola, algumas estratégias podem ser adotadas, tais como: apresentar o plano
de ensino das atividades previstas para aquele ano letivo, criar programações
escolares que envolvam a família, atualizar os pais sobre a situação dos seus
filhos através de reuniões periódicas, utilizar a tecnologia a seu favor criando
uma comunicação eficaz entre escola e família, promover eventos que
envolvam toda a comunidade, etc.
306
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

Por isso, o vínculo entre família e escola necessita de uma atenção


especial, para que em situações como a atual, onde todas as rotinas sofreram
alterações, pais, professores e direção consigam seguir o mesmo sentido e
priorizar os mesmos valores, sendo o maior deles, ensinar e ofertar ensino de
qualidade aos nossos alunos, suprimindo as carências.

Considerações finais
Ao estudar mais sobre a relação entre família e escola pode-se constatar
variados pontos onde cabem acontecer alterações, sendo questões que na
teoria, deveriam ser de fácil mudança, como o desenvolvimento de novos
hábitos e rotina.
No entanto, sabe-se também que a relação família e escola por muitos
anos foi construída e desenvolvida na ideia de apenas resolver problemas e ser
contatada para esses fins. Porém, tal pensamento atrasa e dificulta o avanço em
desenvolver crianças e adolescentes ativos, pensantes e presentes na sociedade,
sendo isto totalmente o oposto ao que se é esperado.
Dessa forma, ao mudar os eixos dessa relação, fortalecendo o vínculo
entre família e escola, ter-se-á crianças mais proativas, desenvolvidas, com maior
capacidade pensante e ativa, com poder de autocrítica e auto amadurecimento,
crianças mais preparadas para a vida adulta e consequentemente as
responsabilidades que a mesma impõe.
No cenário atual em que estamos vivendo, notou-se que apesar de
todos os obstáculos e incertezas que surgiram em decorrência da pandemia
do Coronavírus, o ser humano possui uma capacidade incrível de se adaptar
as novas situações que acontecem ao seu redor. Acreditamos assim, que esta
mesma capacidade é fundamental para o desenvolvimento de ambos os eixos
(família – escola), para que ocorra uma melhor compreensão sobre as situações
e funções que cada um possui na vida dos educandos.
Conclui-se então, que muitas vezes o que é preciso é parar, fazer uma
pausa, refletir acerca da situação, e consequentemente recapacitar-se diante
dos novos acontecimentos que na maior parte do tempo, não estão inclusos
no planejamento, e isto não é algo negativo, pelo contrário, nos instiga a
buscar alternativas e consequentemente nossa própria evolução.

Referências

ASSIS, Graciano Júnior de; DE LIMA, Edenilson Ernesto. Escola, família e


sociedade: diferentes espaços na construção da cidadania. Curitiba, 2011.

CASARIN, Nelson Elinton Fonseca. Família e aprendizagem escolar.


307
Entremeios da Educação Contemporânea

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UNIDADE DE GERAÇÃO DE RENDA – UGR:
POSSIBILIDADE DE RENDA E INCLUSÃO SOCIAL

Cristhian Moreira Brum1


Tarcisio Dorn de Oliveira2
João Vicente Machado Schmitz3
Rudinei Gomes Rodrigues4

Introdução

A través da economia solidária, passa a existir um movimento social


para além da economia tradicional e mercantil, surgindo um maior
número de culturas, pensamentos e visões, tornando possível um olhar mais
humano, justo e cidadão a todos em vulnerabilidade econômica e social. A
UGR permite que grupos de cidadãos, com interesses comuns e, também,
diferentes experiências, possam ir ao encontro de um bem em prol do coletivo.
Aliando o movimento cooperativo e a economia solidária, Mendes
(2011), vê que através da UGR é possível revelar talentos, garantindo meios
de capacitação e profissionalização que, com uma boa gestão, busca conhecer
cada cidadão participante, como uma forma de solucionar problemas e
desconfortos tanto para o próprio bem de cada um, quanto para a melhoria
da produtividade coletiva.
Frantz (2012), observa que o cooperativismo moderno busca proteger

1 Pós-Doutor em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do


Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. Doutor em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. Mestre em Engenharia Civil e Ambiental
pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Especialista em Gestão Ambiental pelo
Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI. Pesquisador integrante
do Laboratório de Estudos Comportamentais (LabCom) da Universidade Federal de Pelotas –
UFPel. E-mail: [email protected]
2 Pós Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade Meridional – IMED. Doutor
em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul – UNIJUÍ. Mestre em Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Santa Maria –
UFSM. Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ.
Pesquisador integrante do Laboratório de Estudos Comportamentais (LabCom) da Universidade
Federal de Pelotas – UFPel. E-mail: [email protected]
3 Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. E-mail: [email protected]
4 Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. E-mail: [email protected]
310
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

os interesses das pessoas, de seu trabalho, estimulando-as à cooperação. A


cooperação tem um sentido econômico que se expressa pelo esforço de reduzir
custos. A redução de custos busca ampliar a economia dos associados e, assim,
melhorar as condições de vida. Nesse contexto o pressuposto é:
[…] que a formação de empreendimentos com essas pessoas seja uma
alternativa à exclusão do mercado formal de trabalho, considerando que as
chances desse público conseguir emprego são quase nulas (MENDES, 2011,
p. 140).
Partindo desse princípio, tem-se que as causas do desemprego variam
entre o empregador, o empregado e o ambiente no qual estão inseridos. Para
Gondim et al. (2010), muitos cidadãos, motivados pela busca de emprego,
acabam-se frustrando com as exigências do mercado. Nos casos em que não
há o incentivo governamental e a qualificação solicitada da relação empregado
x empregador, a UGR surge como uma solução organizada e desenvolvida por
comunidades que visam o bem-estar do seu meio.
Desde as últimas décadas do século XX mantém-se na sociedade
o desemprego como um problema que cresce em escala mundial na
contemporaneidade, tem-se um excessivo número de trabalhadores para
poucas ofertas de emprego causado pelas novas tecnologias que substituíram a
mão de obra humana (ALENCAR, 2011).
A presente pesquisa5 tem sua sustentação em um referencial teórico,
por meio de uma revisão bibliográfica e documental, pelo qual foi capaz
a formulação de uma análise a respeito da temática. O ensaio objetiva
conceituar a UGR e refletir como a mesma manifesta-se na sociedade atuando
na inclusão social e produtiva de cidadãos e/ou grupos sociais em situação de
vulnerabilidade econômica fortalecendo os laços das comunidades.

(Des)emprego e inclusão social


O investimento de novas tecnologias em empresas é incessante, ao passo
que, a busca por profissionais capacitados para atuarem nesses locais ocorre da
mesma forma e a todo instante. Apesar disso, infelizmente, muitos cidadãos
não conseguem uma vaga, pois não estão aptos. Conforme Silva (2012), com
a inserção de novas tecnologias e a exclusão das habilidades manuais – surge o
desemprego. Essa consequência é responsável pela grande exclusão social e por
problemas psico-econômicos de toda a sociedade. É oportuno observar que:

5 Desenvolvida no Laboratório de Estudos Comportamentais (LabCom) da Universidade Federal


de Pelotas – UFPel), criado em 2016 no âmbito do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Faurb / UFPel.
311
Entremeios da Educação Contemporânea

O cidadão encontra uma grande dificuldade para ingressar ao mercado


de trabalho, visto que as empresas buscam profissionais capacitados e com
experiência na área de emprego. Assim, tornou-se relevante a introdução de
unidades geradoras de renda em comunidades (ISTAN et. al, 2015, p. 90).
A diminuição de pessoas no mercado de trabalho é resultado da
dificuldade de qualificação profissional e também de acesso ao ensino formal.
Assim, a UGR torna-se fundamental para acalentar tais cidadãos. Istan et.al
(2015, p. 80) observam que “o tempo de procura por emprego passou por
mudanças significativas nos últimos anos. O desempregado que possui uma
renda mais baixa perde muito tempo a procura de uma oportunidade”.
A qualidade de vida dessas pessoas decai, tanto na proporção material,
quanto na psicológica, pois quem sofre com o desemprego, acaba afetado
em variados níveis psíquicos. Segundo Salim et al. (2005), uma das maiores
dificuldades envolvendo as taxas de desemprego, é a dificuldade de reverter
o quadro de exclusão social, pois o desemprego é, de acordo com Moretto e
Proni (2011), um problema social que está presente em todos os países. No
Brasil, o emprego é a maior preocupação do povo, já que as consequências da
falta dessa atividade são inúmeras e indesejáveis. Nesse contexto:
A importância do desemprego como um dos determinantes da desigualdade
e da pobreza vai depender de como o estoque de desemprego encontra-se
distribuído na população. O impacto do desemprego será tão maior quanto
maior for a magnitude deste nas categorias de mais baixa renda (BARROS,
CAMARGO, MENDONÇA, 1997, p. 24).
Tendo em vista a desigualdade social e econômica da década de 1980,
século XX, a economia solidária surge por intermédio dos trabalhadores
que buscavam uma inovação nos processos trabalhistas. Ainda, de acordo
com os autores supracitados, a educação elementar, isto é, o 1º grau, eleva a
posição de uma pessoa no momento de concorrer a uma vaga no mercado de
trabalho, enquanto a educação superior tem ainda mais chances de consegui-
la, reduzindo, assim, as taxas de desemprego.
Os empreendimentos de cunho popular foram criados em nome
das dificuldades enfrentadas no âmbito social, não buscando o acúmulo de
riquezas, mas colocando em evidência a prática do trabalho. Nos anos 2000,
o Brasil passou a fortalecer ações em busca de programas sociais beneficentes.
Isso se deve pela falta de acesso das pessoas de regiões carentes ao mercado de
trabalho, pessoas que vivem em regiões conflitosas de criminalidade, uso de
drogas e demais nocividades (BRASIL, 2004).
Estes programas buscaram, além de incentivar o empreendedorismo
autônomo, qualificar os moradores de uma determinada comunidade para
que, futuramente, possam ingressar no competitivo mercado de trabalho.
As ações beneficentes dadas a partir do Ministério das Cidades, buscam um
312
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

desenvolvimento econômico e social. A dificuldade de acesso das pessoas às


vagas ofertadas, as deixam à margem da sociedade (BRASIL, 2004). Dessa
forma, é essencial uma política pública para dar a devida serventia aos jovens
e adultos que buscam capacitação e qualificação. A UGR estabelece novas
frentes de emprego, resultando em retornos econômicos e inserção social,
além de representar uma conquista pessoal para os atores envolvidos.
A pobreza nos municípios gera um movimento entre a população que mais sofre
com a desigualdade e o desemprego. Tal situação cria um ambiente propício
para pessoas com o mesmo perfil socioeconômico se associarem com um
objetivo comum. Esse objetivo comum faz surgir projetos de desenvolvimento
e geração de renda, alimentados pelo desejo de mudança no padrão e situação
atual na vida. (FURQUIM et al., 2006, p. 2).
É visto que um espaço no qual não se é dado importância, incentivo
de nenhuma forma, ele se torna vulnerável. A UGR atende, em sua grande
parcela, a população mais vulnerável socialmente – com escolaridade baixa,
pouca ou nenhuma experiência no mercado de trabalho e, consequentemente,
nenhuma qualificação. Neste contexto, Frantz (2012, p.12) afirma que “o
movimento cooperativo moderno nasceu em função da defesa e da valorização
do trabalho humano”.
Com viés social, surge a UGR, que é de fundamental importância
à capacitação técnica, buscando uma melhoria na vida da população. Ela é
capaz de suprir muitas das necessidades de toda uma comunidade. Assim,
o cooperativismo surge com a centralização do retorno de capital em sua
essência, Frantz (2012), diz que a cooperação ocorre pela união de interesses
das pessoas, através de suas diferentes experiências, e assim, trazendo consigo
uma certa restrição a gastos, gerando uma economia, trazendo melhores
condições de vida à população.
Para que seja despertado o interesse dessas pessoas em uma capacitação,
é fundamental que haja incentivo por parte de ONGs, do Governo e de
instituições capazes de agregar conhecimento, experiência àqueles que se
destinam as atividades, por meio do ensino de técnicas que busquem aprimorar
cada vez mais as determinadas produções de uma unidade de geração de renda.
A UGR é centrada em atividades que envolva seus participantes de
um modo que ela lhes traga satisfação e realização pessoal, sabendo-se que
a alternativa econômica e social que ela é, implica em grandes desafios por
parte dos colaboradores, tanto para instauração, quanto na ampliação do
processo educativo, pois quanto mais ganhos gerados pela unidade, maior
será a quantidade de pessoas em busca do meio profissional.
Estes colaboradores precisam estar cientes de que o diálogo é
fundamental para que eles consigam fazer estudos e apontamentos a respeito
de uma determinada comunidade e seu processo produtivo, norteando, assim,
313
Entremeios da Educação Contemporânea

as pessoas de baixa ou nenhuma renda a obterem seus ganhos tanto técnicos


quanto aos de capital.

Possibilidadses de UGR

Corte, Costura e Artesanato


O perfil mais caraterístico ao público das UGR, corte, costura e
artesanato, são mulheres, haja visto, que muitas apresentam baixa escolaridade
ou nenhum grau de ensino. Elas acabam por levar renda às suas casas, por
meio de habilidades manuais, exercendo suas tarefas de forma que consigam
obter excelência em seus produtos, para que estes sejam comercializados,
gerando renda e, por consequência, levando um incremento para o sustento
de sua família.
Oficinas de corte, costura e artesanato oportunizam renda e realização
pessoal às pessoas em situação de vulnerabilidade, pois têm como objetivo
levar uma capacitação para que seja possível reformar peças de vestuário,
criar novas e até mesmo confeccionar peças de artesanato. A iniciativa em
questão, leva em conta o cooperativismo, tendo em vista o lucro e também o
associativismo, que é a inter-relação destas pessoas no meio do qual se inserem.

Hortas Urbanas – HU ou Hortas na Cidade – HC


As HU ou HC podem ser entendidas como a utilização de espaços
públicos ou privados, de forma individual ou coletiva, para a produção de
alimentos, plantas medicinais, ornamentais ou criação de pequenos animais
para o consumo ou a comercialização local. Um forte incentivo a ela, é a
tendência da concentração da população mundial em grandes cidades e a
utilização de espaços domésticos, coletivos ou públicos para produção de
alimentos.
A importância da HU ou HC, no que diz respeito à segurança alimentar
e nutricional, não pode ser deixada de lado, haja visto, que populações
urbanas à margem do sistema econômico possuem dificuldades de acesso a
determinados itens de uma dieta. Logo, melhorias dessas condições podem
serem alcançadas pelo cultivo de hortaliças, frutas, condimentos e ervas
medicinais em quintais ou áreas públicas.
As hortas dessa natureza são plurais pois podem serem implantadas
em creches, escolas, centros de saúde ou diretamente com moradores de áreas
menos favorecidas, fomentado e valorizando práticas de compostagem, hortas
comunitárias, hortas escolares e demais cultivos domésticos, na perspectiva
314
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

de auxiliar projetos pedagógicos em educação ambiental e fortalecer a renda e


saúde das famílias envolvidas.
Nesta atividade de cultivar o próprio alimento, de maneira saudável,
os envolvidos também resgatam, o envolvimento social e profissional, pois
ali dedicam seu tempo a uma causa na qual estarão ajudando ao próximo
e a si mesmo. As referidas hortas além de serem uma opção de trabalho e
renda também proporcionam aos envolvidos (geradores e consumidores) um
meio de vida mais saudável. Por se tratar de um trabalho no meio urbano e,
em muitos casos, próximo das residências dos próprios envolvidos o cultivo
dar-se-á da forma mais natural possível, ou seja, sem o uso de agrotóxicos ou
sementes geneticamente modificadas.

Considerações finais
Percebe-se que a UGR é uma fonte alternativa e efetiva de renda
contribuindo verdadeiramente para a inclusão social, pois promove a inserção
do público no meio social fomentando a empregabilidade e levando melhores
oportunidades de vida a todos. Torna-se evidente que a UGR fomenta
possibilidades de renda e de inclusão social à diferentes comunidades que
necessitavam de alguma ação para melhorar a qualidade de vida e resgatar
aspectos fundamentais de cidadania.
É imprescindível a criação de políticas públicas para facilitar o diálogo
entre os agentes (incentivadores) e os usuários (população de baixa ou
nenhuma renda), como uma forma de estudo e coleta de dados para que seja
possível fazer apontamentos a respeito das comunidades e, com isso, buscar
uma UGR que seja condizente com as características da população local.
A UGR possui papel fundamental na vida da população, pois fica claro
o benefício dela à toda uma parcela da sociedade que é excluída do mercado de
trabalho pela falta de qualificação. Com as diversas e diferentes possibilidades
de UGR é possível analisar variados métodos de ensino e de aprendizagem
social-cidadã, haja visto, que a UGR é essencial para a formação, concretização
e permanência de grupos sociais em suas comunidades, fomentando o
empreendedorismo social local, promovendo mão de obra qualificada,
aumentando renda dos cidadãos e, propiciando à estes, a possibilidade de
inserção no tão competitivo mercado do trabalho.

Referências

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como elemento da acumulação capitalista e da luta de classes. Disponível
em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/6_OSQ_25_26_Alencar.
315
Entremeios da Educação Contemporânea

pdf. Acesso em: 6 nov. 2020.

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316
Jenerton Arlan Schütz | Leandro Mayer

ENTREMEIOS DA EDUCAÇÃO
CONTEMPORÂNEA
Educar é transmitir marcas simbólicas que possibilitem ao pequeno sujeito
gozar um lugar de enunciação no campo da palavra e da linguagem, a partir do
qual lhe seja possível lançar-se às empresas impossíveis do desejo. O
desdobramento de uma educação, de uma filiação simbólica de humanização e
familiarização pressupõe que o adulto receba a criança como se fosse um
estrangeiro, passível de se tornar mais ou menos familiar, mas nunca totalmente
familiar (Leandro de Lajonquière - Educação e infanticídio).

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