Apostila GE - Psicologia Perinatal

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G s

Psicologia Perinatal

APOSTILA DIDÁTICA
SUMÁRIO

Módulo 1 - Introdução à psicologia perinatal: o ciclo gravídico-puerperal.

Módulo 2 - Psicopatologias na gestação: aspectos relevantes.

Módulo 3 - O Pré-Natal psicológico: particularidades e possibilidades de


atuação.

Módulo 4 - Assistência ao luto perinatal: de um luto não reconhecido a


um novo olhar para os enlutados.

Módulo 5 - Desenvolvimento profissional e preparação para inserção no


mercado de trabalho: como se tornar um Psicologia perinatal.

 Sigam: @institutofratelli_ / @nomundopsi / @seperceber.psi


Módulo 1
6

A IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA NO ATENDIMENTO A


MÃES E PAIS NA MATERNIDADE

Ana Paula Santos; Camile Haslinger


Cássia Ferrazza Alves
Elenara Farias Lazzarotto Da Costa
Ligia Andrea Rivas Ramirez
Cristina Saling Kruel
UNIFRA – Centro universitário Franciscano

Resumo
Este trabalho é fruto de uma experiência do Estágio Específico I do Curso de Graduação em
Psicologia. O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão teórica sobre a gestação e parto
e a importância do trabalho do psicólogo no hospital, em especial na maternidade. Tal
estágio visa contemplar o atendimento a mães e pais atendidos na maternidade de um
hospital municipal da cidade de Santa Maria, RS. Neste contexto, cabe ressaltar que a
gestação gera nos pais sentimentos ambivalentes, pois ao mesmo tempo que sentem-se
férteis, sentem-se angustiados pelas alterações na suas vidas, já que é uma nova fase na vida
de ambos. Dentre as possíveis intervenções dos profissionais da saúde, destaca-se a
importância de fazer com que os pais percebam que essa ambivalência é natural, fazendo
com que a angústia e a ansiedade não aumentem.

Palavras-Chave: Hospital. Psicologia. Mães. Pais.

Introdução
A experiência da gravidez sofre influencia de toda a vida da mulher, anterior à
concepção do bebê. As experiências com seus pais, vivências do triângulo edipiano,
adaptação á separação de seus pais e demais experiências infantis irão influenciar na
vivencia da gestação. As necessidades que não foram satisfeitas na infância e na
adolescência também contribuirão para o desejo de ser mãe. Os motivos narcisistas
alimentam o desejo de ser mãe, pois a mulher tem o desejo de conservar uma imagem
idealizada de si mesma, como um ser completo e onipotente. O narcisismo vai se expressar
7

por meio de fantasias, sendo as fantasias de ser completo e onipotente (BRAZELTON &
CRAMER, 1992).
Considerando tais aspectos, o presente trabalho tem como objetivo realizar uma
revisão teórica sobre a gestação e parto e a importância do trabalho do psicólogo no
hospital, em especial na maternidade.

Metodologia
Este Estágio Específico I está sendo desenvolvido com as mães e seus familiares que
chegam até a Maternidade de um Hospital Municipal da cidade de Santa Maria, RS. As
estagiárias da psicologia proporcionam momentos de acolhimento e escuta psicológica,
entendendo as fragilidades psíquicas dos pais e mães na gestação, parto e puerpério.

Discussão dos resultados


A gestação
A gravidez é um acontecimento único na vida da mulher, no qual ocorrem alterações
metabólicas e hormonais, que vão influenciar no comportamento e nos sentimentos da
mulher. Qualquer pessoa percebe quando uma mulher está grávida pela sua barriga
desproporcionalmente grande, Mas observadores mais atentos percebem também
alterações no seu pensar e agir (EIZIRIK, 2001).
Conforme o mesmo autor, no início da gravidez pode surgir, para algumas mulheres, o
sentimento de finalmente ter se tornado “mulher”, e não é mais uma menina. Poder gerar
um filho é muito valorizado pela nossa cultura, portanto, a fertilidade tende a aumentar a
auto-estima, o respeito e a atenção da família e da sociedade em relação à mulher.
A função parental precisa de apoio e esta não é apenas uma questão de família, mas
envolve parceiros e até instituições. O grau de aceitação da gravidez pelo o ambiente social,
influencia significativamente na experiência da mulher (GUTFREIND, 2010). Além disso, a
gestação gera nos pais sentimentos ambivalentes, ao mesmo tempo que sentem-se férteis,
sentem-se angustiados pelas alterações na suas vidas, já que é uma nova fase na vida de
ambos. A importância do profissional de saúde é fazer com que os pais percebam que essa
ambivalência é natural, fazendo com que a angústia e a ansiedade não aumentem (EIZIRIK,
2001).
8

O parto
O parto é caracterizado por ser um momento crítico, pois é dado o sentido de
passagem de um estado a outro, do bebe na barriga para o bebe nos braços, que deve ser
enfrentado de qualquer maneira. Outra situação que aumenta a ansiedade e a insegurança é
a incapacidade de saber como e quando vai ocorrer o trabalho de parto, isto é, a
impossibilidade de controlar o processo. O parto é como um “salto no escuro”, é
imprevisível e desconhecido (MALDONADO, 2002).
Um dos temores que surgem para a mulher é o receio de não reconhecer os sinais do
parto. Essa insegurança ocorre, pois há mulheres que não percebem o desprendimento do
tampão mucoso, da bolsa d’água que não rompe, das contrações, e muitas vezes o trabalho
de parto transcorre sem ser “percebido”. Há também os alarmes falsos como: uma pequena
perda de líquido, desprendimento gradativo do tampão, contrações regulares, ida para o
hospital, retorno a casa, porque o trabalho de parto está no início (MALDONADO, 2002).
Para Eizirik (2001), a aproximação ao parto aumenta os medos devido às fantasias de
morte, por isso a importância de que o médico obstetra explique os procedimentos que
serão realizados durante o parto e informe sobre as eventuais complicações. É importante
que o médico esteja atento para detectar a ansiedade da paciente e assim poder tranquilizá-
la. As dificuldades físicas também aumentam, e psicologicamente a mulher se encontra num
turbilhão de emoções. A mãe precisa ser tranquilizada antes e durante o parto, por seu
companheiro, por sua mãe, pela parteira, enfermeira ou pelo médico. É preciso que a
paciente confie na equipe que a está atendendo. O parto ideal é aquele que a equipe médica
é a mesma que atendeu a gestante no pré-natal, mas é difícil nos atendimentos nos
hospitais públicos.
De acordo com o mesmo autor, na sala de parto é provocada outra crise de ansiedade.
Algumas pacientes se tornam agressivas com a equipe, sendo o reflexo de temores e
fantasias em relação ao parto. A fantasia da castração manifesta-se através do temor à
episiotomia. “Antes, os sentimentos de predominantes são de alívio por terem obtido êxito,
gratidão pelo fato de o filho ter nascido, êxtase por ele ser normal e uma sensação gloriosa
de querer criar e abraçar aquela criatura pequenina e dependente”. (EIZIRIK, pág. 35, 2001).
9

A importância da psicologia no atendimento a mães e pais na maternidade


Conforme Campos (1995), o psicólogo não só deve diagnosticar e classificar, como tem
que entender, compreender o que está envolvido na queixa e no sintoma, isto é, o que não
está manifesto. Tanto o paciente quanto sua família necessitam ser preparados para a
internação hospitalar, pois precisa-se um tempo para a elaboração do processo,
esclarecendo ao paciente e sua família sobre os aspectos da hospitalização, a rotina do
hospital, o tempo de internação, etc. As explicações iniciais devem ser dadas pelo médico,
sendo reforçadas pela equipe, incluindo o psicólogo, que contribuirá para diminuir a
ansiedade do paciente.
A partir de como o profissional enxerga o cliente, vai estruturar o relacionamento de
dois modos: o modo assimétrico, onde o profissional se vê superior ao cliente que é
indefeso, fraco e submisso, ou o modo simétrico, onde coloca o profissional e o cliente numa
posição de igualdade, respeito e confiança, essa relação simétrica possibilita um
desenvolvimento emocional para ambos. Simbolicamente o trabalho clínico do obstetra e do
psicólogo são semelhantes. No momento do parto, o obstetra tem a função de ajudar a mãe
a dar a luz, mas ele não pode ter o filho no lugar da mãe. No atendimento psicológico, a
função do psicólogo é estar presente, facilitando o processo do renascimento do cliente,
mas não é o psicólogo que cria o novo ser (MALDONADO, 2002). A assistência realizada pelo
psicólogo no hospital objetiva o alívio emocional do paciente e de sua família, onde a ajuda
implica a mobilização de forças, em que a angústia e ansiedade estão presentes (CAMPOS,
1995).

Conclusão
É de extrema importância o atendimento a mães e pais na maternidade, já que estes
chegam psiquicamente fragilizados pelo momento que os envolve. Esse momento é o que
irá gerar na vida deles uma mudança total em suas vidas. Sabe-se que desde a gestação
essas mudanças já vão ocorrendo, mas no nascimento é o fantasioso que se torna real, e a
mistura de expectativas com o medo vão gerando nas mães e pais, angústia e ansiedade.
Tudo isso os envolve de uma forma, em que o suporte psicológico é de total importância,
10

para que a ansiedade e angústia sejam de alguma forma amenizadas, através do


acolhimento e da escuta psicológica.

Referências

CAMPOS, T. C. P. Psicologia hospitalar: a atuação do psicólogo em hospitais. São Paulo: EPU,


1995.
EIZIRIK, C. L. (Org.). O ciclo da vida humana: uma perspectiva psicodinâmica. Porto Alegre:
Artmed Editora, 2001.
GUTFREIND, C. Narrar, ser mãe, ser pai & outros ensaios sobre a parentalidade. 2. ed. Rio
de Janeiro: DIFEL, 2010.
MALDONADO, M. T. Psicologia da gravidez: parto e puerpério. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2002.
ASPECTOS PSICOLÓGICOS NO PERÍODO GRÁVIDA PUERPERAL 261

ABORDAGEM PSICOLÓGICA EM OBSTETRÍCIA: ASPECTOS


EMOCIONAIS DA GRAVIDEZ, PARTO E PUERPÉRIO

PSYCOLOGICAL APPROACH IN OBSTETRICS: EMOTIONAL ASPECTS


OF PREGNANCY, CHILDBIRTH AND PUERPERIUM

Regina SARMENTO 1
Maria Silvia Vellutini SETÚBAL2

RESUMO

A necessidade de compreender os aspectos psicológicos que permeiam o período


grávido-puerperal torna-se cada vez mais reconhecida no âmbito do atendimento
à saúde reprodutiva da mulher, tendo-se em vista, principalmente, os esforços
no Brasil relacionados à humanização do parto. Ao se pensar nesses termos
psicológicos e contextualizá-los a uma prática de atendimento clínico, contrói-
-se uma referência que permite a reflexão e a reconstrução do conhecimento
para os profissionais da área. O objetivo deste artigo é apresentar uma revisão
sucinta dos aspectos emocionais mais observados no pré-natal, parto e puerpéro,
e em situações de intercorrências gestacionais. São sugeridas formas possíveis
de abordagem dessas situações que favoreçam a elaboracão dos problemas
mais emergentes dessa fase de vida da gestante e de seu companheiro,

1
Departamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Caixa Postal 6030,
13081-970, Campinas, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: R. SARMENTO. E-mail: [email protected]
2
Serviço de Psicologia, Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM), Universidade Estadual de Campinas.

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oferecendo à equipe de saúde a possibilidade de uma abordagem mais ampla,


integrada e gratificante.

Termos de indexação: psicologia, gravidez, humanização do parto, puerpério.

ABSTRACT

The need to understand the psychological aspects of pregnancy, labor, delivery


and post-partum is increasingly recognized as being an important component
of reproductive health, especially at a time when efforts are being made in
Brazil to humanize delivery. When one can integrate these psychological terms
with their clinical practice, a reference for the expansion of health workers’
knowledge is created. This article aims to present a brief review of the
emotional characteristics associated with pregnancy, labor, delivery and post-
partum, as well as the main complications that might occur during gestation.
Some possible approaches to these situations are suggested in order to
contemplate the most pressing emotional needs of the pregnant woman and
her partner, offering to the health care team the opportunity for a more
encompassing, integrated and rewarding approach.

Index terms: psychology, pregnancy, humanizing delivery, puerperium.

INTRODUÇÃO Portanto, o objetivo desta revisão é enumerar


alguns desses aspectos emocionais: ansiedades,
O avanço do conhecimento científico dos medos e mudanças nos vínculos afetivos – e sugerir
fenômenos físicos em Obstetrícia tem proporcionado formas possíveis de abordá-los no espaço de interação
habilidades fundamentais ao médico, permitindo-lhe do profissional com a gestante, visando-se, princi-
a prática de um atendimento que gera, realmente, palmente, a prevenção, o alívio e a elaboração
um estado de confiança maior na paciente. No psíquica dos problemas mais emergentes. Dessa
entanto, as condutas médicas baseadas somente nas maneira, espera-se que o texto possa trazer elemen-
habilidades técnicas não são suficientes, pois elas tos que favoreçam o contacto do médico com esses
necessitam ser potencializadas, especialmente, por conceitos, ampliando-se assim o seu potencial de
uma compreensão dos processos psicológicos que prática clínica, podendo tornar-se mais atento e apto
permeiam o período grávido-puerperal. O médico a lidar com ansiedades específicas desse período e,
deve, portanto, acrescentar à sua habilidade conseqüentemente, intensificando-se a humanização
essencial, alguma avaliação de sua paciente como na relação com seus pacientes.
pessoa, com sua história de vida, seus sentimentos O texto está organizado de acordo com os
e suas ansiedades. vários períodos do ciclo grávido-puerperal, reunin-
Hoje, os aspectos emocionais da gravidez, do-se materiais que compreendem as demandas mais
parto e puerpério são amplamente reconhecidos; freqüentemente observadas na evolução da gesta-
sendo que a maioria dos estudos converge para a ção, parto e puerpério, destacando-se algumas
idéia de ser esse período um tempo de grandes recomendações advindas e elaboradas a partir de
transformações psíquicas, de onde decorre uma um referencial teórico e da prática profissional dos
importante transição existencial. autores. Reservou-se também um espaço para

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ASPECTOS PSICOLÓGICOS NO PERÍODO GRÁVIDA PUERPERAL 263

reflexões sobre o impacto das intercorrências que muito idealizado e, por isso, passa a ser constante-
podem ameaçar ou interferir no desenvolvimento mente procurado e às vezes por dúvidas que possam
normal e esperado desse ciclo. ser insignificantes para ele, mas terrivelmente
ameaçadoras para ela;
- Estabelecer uma relação de confiança e
PRIMEIRA CONSULTA DO
respeito mútuos para que a empatia necessária ocorra
P R É-N A T A L
e favoreça, por si só, a elaboração de muitas das
Ao procurar o médico para a primeira consulta fantasias da gestante;
de pré-natal, pressupõe-se que a mulher já pôde - Permitir um espaço para a participação do
realizar uma série de elaborações diante do impacto parceiro na consulta, para que ele possa também
do diagnóstico da gravidez. Nesse momento, de envolver-se no processo gravídico-puerperal
certa maneira, já ocorreram decisões mais ativamente, favorecendo um equilíbrio adequado nas
conscientes quanto a dar continuidade à gestação. novas relações estabelecidas com a vinda de um
No entanto, existem inseguranças e no primeiro novo membro da família.
contato com o médico a gestante busca: confirmar
sua gravidez; amparo nas suas dúvidas e ansiedades;
certificar-se de que tem um bom corpo para gestar; CONSULTAS SUBSEQÜENTES
certificar-se de que o bebê está bem; e apoio para
seguir nessa “aventura”1. Dando continuidade ao pré-natal, obser-
Sendo importante nessa fase: vam-se ao longo da gestação, algumas ansiedades
típicas, ordenadas segundo uma divisão de trimestres.
- Reconhecer o estado normal de ambiva-
Ressalta-se, no entanto, que essa divisão é para
lência frente à gravidez. Toda gestante quer estar
efeito didático, pois o aparecimento dessas
grávida e não quer estar grávida. É um momento
ansiedades - embora mais freqüentes em determi-
em que muitas ansiedades e medos primitivos
nados momentos -, não estão necessariamente
afloram, daí a necessidade de compreender essa
restritos a eles1,2.
ambivalência sem julgamentos;
Assim, no primeiro trimestre são freqüentes
- Acolher as dúvidas que surjam na gestante
a ambivalência (querer e não querer a gravidez), o
quanto à sua capacidade de gerar um bebê saudável,
medo de abortar, as oscilações do humor (aumento
de vir a ser mãe e desempenhar esse novo papel de
da irritabilidade), as primeiras modificações corporais
forma adequada;
e alguns desconfortos: náuseas, sonolência, alte-
- Reconhecer as condições emocionais dessa rações na mama e cansaço e os desejos e aversões
gestação: se a gestante tem um companheiro ou por determinados alimentos. No segundo trimestre
está sozinha, se tem outros filhos, se conta com o a ansiedade é de caráter quanto a introversão e
apoio da família, se teve perdas gestacionais, se passividade, a alteração do desejo e do desempenho
desejou conscientemente engravidar e se planejou sexual e a alteração do esquema corporal, e a
a gravidez. Enfim, o contexto em que essa gravidez percepção dos movimentos fetais e seu impacto
ocorreu, e as repercussões dela na gestante; (presença do filho é concretamente sentida). E o
- Perceber esse estado de maior vulnerabili- terceiro trimestre é caracterizado pelas ansiedades
dade psíquica da gestante e acolhê-la, sem banalizar que se intensificam com a proximidade do parto, os
suas queixas com o famoso “isso é normal”; Perceber temores do parto (medo da dor e da morte) e
que a gestante encontra-se psiquicamente regredida, conseqüentemente há um aumento das queixas
buscando uma figura de apoio; assim, o médico fica físicas.

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Assim, neste momento é importante evitar o além do medo do ambiente hospitalar que lhe é
excesso de tecnicismo, estando atento também para desconhecido e assustador, fora do seu contexto
essas características comuns das diferentes etapas habitual. Existem expectativas quanto ao seu
da gravidez, criando condições para uma escuta desempenho e à saúde do bebê, no contexto de
acolhedora, continente, onde os sentimentos bons e uma experiência emocionalmente intensa em que
ruins possam aparecer. Deve-se observar e respeitar permeia um misto de ansiedade e alegria1,2,4.
a diferença de significado da ecografia para a mãe
É importante:
e para o médico. Os médicos relacionam a ecografia
com a embriologia do feto e os pais com as - Ter claro que o desempenho da mulher no
características e personalidade do filho. Eles parto está fortemente ligado ao preparo dessa
necessitam ser guiados e esclarecidos durante o gestante ao longo do pré-natal, bem como a sua
exame pelo especialista e pelo obstetra. É de extrema própria história de vida;
importância fornecer orientações antecipatórias sobre - Saber que o medo do parto sempre vai existir
a evolução da gestação e do parto: contrações, devido à tensão ligada à imprevisibilidade de todo o
dilatação, perda do tampão mucoso, rompimento processo e que isso repercute, necessariamente,
da bolsa. Deve, no entanto, evitar informações sobre a paciente e a equipe;
excessivas, procurando transmitir orientações simples
- Evitar recorrer ao excesso de tecnicismo na
e claras e observar o seu impacto em cada paciente,
tentativa de obter o máximo de controle da situação;
na sua individualidade. E por último deve preparar a
paciente para os procedimentos médicos do pré-parto - Orientar a gestante sobre as técnicas de
para aliviar as vivências negativas que causam mais controle da dor – respiração e relaxamento;
impacto. - Fortalecer a gestante, ao longo do pré-natal,
quanto às suas capacidades de dar à luz, preparando-
-a para o “parto possível”, sem valorizar excessiva-
PARTO mente um tipo de parto, pois a frustração da mãe
por não ter tido um parto “ideal” pode interferir no
É um período curto em tempo, mas longo
vínculo mãe-bebê;
em vivências e expectativas. Algumas das fantasias
da gestante em relação ao parto incluem o receio - Esclarecer à mulher a respeito de recursos
de não reconhecer o trabalho de parto e de não ser médicos disponíveis para que se previnam e se
capaz de saber quando procurar o médico. A mulher evitem situações de dor, desconforto, riscos para a
teme a dor; teme não suportá-la, sucumbir a ela, mãe e o bebê (Ex: analgesia, monitoramento fetal,
perder o controle. Além do medo da morte, existe o etc.);
medo de ser dilacerada, de que o bebê ao nascer a - Escutar as fantasias da gestante quanto aos
rasgue e a destrua na sua feminilidade e genitali- diversos tipos de parto, e numa linguagem apro-
dade3. A sensação de não ser capaz de fazer o bebê priada, orientá-la sobre todos os processos, princi-
nascer, ligada à auto-estima da mulher e às suas palmente quando existem distorções a respeito da
experiências pessoais ao longo de sua vida e da realidade (Ex: uso de fórceps);
gestação é uma angústia muito freqüente no
- Deixar claro os limites quanto às decisões a
momento do parto, pois a paciente encontra-se
muito vulnerável. Aparecem desejos e fantasias em respeito da indicação de um tipo de parto ou outro;
relação aos vários tipos de parto, decorrentes da sua - Descrever a sala de parto, encorajando a
história pessoal e dos fatores culturais. Teme gestante a visitar o Centro Obstétrico e, assim, o
procedimentos médicos que possam lhe causar que era desconhecido e assustador passa a ser
vivências negativas (como tricotomia, lavagem), conhecido e manejável;

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- Acolher o desejo do casal de que o marido do apetite, do sono, decréscimo de energia, senti-
possa participar do parto avaliando e orientando essa mento de desvalia ou culpa excessiva, pensamentos
participação; recorrentes de morte e ideação suicida, sentimento
- Acolher a criança que nasce: o médico de inadequação e rejeição ao bebê - é um fenômemo
obstetra é o primeiro a receber o bebê, e que essa muito mais raro e, em geral, em mulheres com algu-
acolhida seja revestida de significado afetivo e ma história pessoal de fragilidade psíquica e pode
existencial. persistir por várias semanas, necessitando acom-
panhamento especializado
Com relação à amamentação pode aparecer
PUERPÉRIO
o medo de ficar eternamente ligada ao bebê; a
preocupação com a estética das mamas; “E se não
Corresponde a um estado de alteração
conseguir atender as suas necessidades?” “O meu
emocional essencial, provisória, no qual existe uma
leite será bom e suficiente?” e dificuldades iniciais
maior fragilidade psíquica, tal como no bebê, e que
sentidas como incapacitação1,3,6.
por certo grau de identificação, permite às mães
ligarem-se intensamente ao recém-nascido, Deve ser conhecido ainda o chamado
adaptando-se ao contacto com ele e atendendo “Puerpério do companheiro”: ele pode se sentir
às suas necessidades básicas. A relação inicial participante ativo ou completamente excluído. A
mãe/bebê é ainda pouco estruturada, com o ajuda mútua e a compreensão desses estados pode
predomínio de uma comunicação não verbal e por ser fonte de reintegração e reorganização para o
isso intensamente emocional e mobilizadora5. casal. Se o casal já tem outros filhos, é bem possível
Outra característica do período é que a que apareça o ciúme, a sensação de traição, medo
chegada do bebê desperta muitas ansiedades e os do abandono que se traduz em comportamentos
sintomas depressivos são comuns. A mulher continua agressivos por parte das outras crianças. Há uma
a precisar de amparo e proteção, assim como ao necessidade de rearranjos na relação familiar.
longo da gravidez, e muitas vezes essa necessidade Também no campo da sexualidade, as alterações
é confundida com depressão patológica. Porém, são significativas, pois há uma necessidade de
70% a 90% das puérperas apresentam um estado reorganização e redirecionamento do desejo sexual,
depressivo mais brando, transitório, que aparece em levando-se em conta as exigências do bebê, as
geral no terceiro dia do pós-parto e tem duração mudanças físicas decorrentes do parto e da
aproximada de duas semanas, chamado na literatura amamentação1.
americana de Baby blues. Este está associado às É importante estar atento a sintomas que se
adaptações e perdas vivenciados pela puérpera após configurem como mais desestruturantes e que fogem
o nascimento do bebê 1. Os “lutos” vividos na da adaptação “normal” característica do puerpério,
transição gravidez-maternidade podem incluir a e levar em conta a importância do acompanhamento
perda do corpo gravídico; o não retorno imediato do no pós-parto imediato, na revisão de parto, quando
corpo original; a separação mãe/bebê; o bebê deixa ocorre uma mudança de foco: o bebê passa a ser o
de ser idealizado e passa a ser vivenciado como um centro das atenções e a mulher necessita ainda ser
ser real e diferente da mãe; e as necessidades próprias cuidada. A participação do obstetra nesse momento,
são postergadas em função das necessidades do tratando das questões da retomada do planejamento
bebê1,2,4. familiar, pode ser de muito auxílio para a reorgani-
A depressão pós-parto propriamente dita - que zação psíquica dessa mulher, favorecendo inclusive
se manisfesta por sintomas tais como: perturbação sua vinculação com o bebê.

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INTERCORRÊNCIAS tanto por parte da gestante como do médico, e a


permissão jurídica para a interrupção não necessa-
riamente minimiza o sentimento de culpa. Ocorre
Perda fetal idealização do aborto como solução para todos os
conflitos e medo de não ser capaz de engravidar
Aborto espontâneo: corresponde a um
novamente.
acontecimento significativo que não deve ser
menosprezado, pois já existe a ligação afetiva da Neste momento é importante esclarecer sobre
mulher com o embrião, considerado um filho a os riscos maternos, respeitando a decisão da mulher
caminho. Ocorre a interrupção de um processo de interromper ou não a gestação; ter cuidado para
criativo que tem repercussões importantes a curto, a não reforçar apenas um dos aspectos da ambiva-
médio e a longo prazo no organismo feminino e no lência; respeitar suas limitações pessoais quanto a
psiquismo da mulher e do homem. Pode existir o ser aquele que executa os procedimentos técnicos.
sentimento de incapacidade, esvaziamento e a Interrupção legal (em casos de fetos com
necessidade de lidar com esses aspectos depressivos. malformações graves incompatíveis com a vida
A despeito dos possíveis fatores etiológicos que extra-uterina): é freqüente que exista uma sensação
causaram a perda, observa-se a presença de de incredulidade diante do diagnóstico. Freqüen-
sentimentos de culpa na mulher e, eventualmente, temente ainda ocorre uma busca intensa de
também no homem. O casal fica ansioso por saber possibilidades terapêuticas, mágicas ou religiosas para
a causa da perda. a reversão do quadro. Existem dificuldades de
Nesta fase o profissional deve compreender compreensão das características da malformação e
a dor existente na perda e não menosprezar esse de como ela afeta o bebê e a sensação de estar
sentimento, acolhendo-o; não consolar com a sendo castigada, de ressentimento, raiva e revolta,
possibilidade do sucesso de uma nova gravidez; ficar enfim, uma sensação de fracasso por ter gerado um
atento para sinais de descompensação psíquica mais bebê imperfeito8.
grave; orientar quanto a possíveis exames É importante formular um diagnóstico preciso
diagnósticos. que evidencie essa condição e que este seja
apresentado com objetividade, tanto à gestante
Aborto provocado: é resultante de uma
quanto a sua família; poder refletir sobre as duas
ambivalência que, embora comum a todas as
possibilidades, igualmente difíceis – interrupção ou
gestações, torna-se muito perturbadora, revestindo
levar adiante a gestação; não induzir os pais do
a gravidez de um caráter tão persecutório (por fatores
concepto a qualquer uma das possibilidades. O casal,
internos e/ou externos), que fica impossibilitada de
diante da inevitabilidade da morte e impossibilidade
ser levada adiante7. Ocorre o uso de mecanismos de
de qualquer recurso terapêutico é que deve concluir
defesa intensos para se proteger da dor psíquica
sobre interromper ou não a gestação; orientar e
(ironia, indiferença). Sempre corresponde a uma
esclarecer sobre todos os aspectos legais e sobre o
decisão difícil e dolorosa e o sentimento de culpa
processo de autorização judicial, orientando a
está sempre presente e em alguns casos fica oculto
paciente quanto ao processo de indução de parto:
pelo mecanismo de negação. Por isso, o profissional
internação, parto, ver ou não o bebê, procedimentos
deve atender a paciente sem juízo moral; reconhecer pós-morte. O profissional deve falar abertamente
as angústias e dúvidas existentes nessa decisão; sobre o ocorrido no pós-parto imediato, avaliando a
orientar a paciente quanto aos métodos seguros de condição em que a paciente se encontra e quais
anticoncepção para evitar novos sofrimentos. foram as repercussões de toda essa experiência em
Aborto terapêutico (em casos de estupro ou sua vida; encaminhar para uma avaliação de
risco materno): Sempre existe conflito nessa decisão, Genética Perinatal para o fechamento do diagnóstico

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ASPECTOS PSICOLÓGICOS NO PERÍODO GRÁVIDA PUERPERAL 267

e aconselhamento genético e antecipar o retorno ter que postergar os cuidados com seu bebê. A
da gestante na Revisão de Parto, visando ter uma interação com ele nas formas possíveis é que permite
noção mais clara de como está sendo elaborado o a elaboração da sua dor e frustração.
luto. A instabilidade do bebê prematuro desperta
na mãe maior insegurança e acentua-se o medo de
perdê-lo e de possíveis seqüelas. É uma realidade
Condições patológicas maternas
muito difícil. A fragilidade do recém-nascido mobiliza
(diabetes, hipertensão, ICC, HIV,
nos pais sofrimento, angústia e dor, levando-os a
cardiopatias entre outras doenças)
entrar em contato com sua própria fragilidade e
Ocorre uma sensação genérica de se estar impotência diante das adversidades. Além disso, a
fazendo mal ao bebê: personificação da mãe má, aparelhagem é vista como causadora de sofrimento
com vivências de incapacidade de não ter um corpo e dor e não como possibilidade de facilitar a
adequado para gestar. Corresponderia à confirmação adaptação do bebê ao mundo externo, ao meio
de fantasias destrutivas – fazer mal ao bebê e aéreo. Os sentimentos depressivos se acentuam,
também ser alvo dos ataques dele. A mulher teme dadas as dificuldades reais, os ajustes necessários e
por si e pelo bebê3. É importante poder orientar a a mobilização psíquica intensa.
paciente sistematicamente a respeito da doença; Isto posto, o profissional deverá estar atento
ressaltar o papel do auto-cuidado da gestante ao para perceber os mecanismos psíquicos pelos quais
longo da gravidez, no sentido do controle da doença; a puérpera está passando, acentuados pela
contribuir para que a gestante se torne participante
internação do filho e que causam muita angústia
ativa no controle da sua saúde e da saúde de seu
para a família como um todo; para orientar
bebê; compreender os sentimentos ambivalentes da
claramente o casal, estimulando-os a ver o bebê,
mãe em relação a essa gestação difícil para que ela
interagir com ele, tocá-lo, falar com ele, reconhe-
possa lidar com a realidade diferente daquela
cendo-o como filho e para acolher as oscilações
desejada.
emocionais do casal, propiciando melhores condições
para formação do vínculo afetivo com o bebê, que
Prematuridade – internação do ficou ameaçada pela separação precoce e a
recém-nascido internação.
Malformação fetal. Representa um golpe
Todos são pegos de surpresa pelo nascimento
antecipado do bebê (paciente, familiares e equipe esmagador para os pais, que atinge frontalmente
médica). Para os pais, o bebê é muito diferente do seus ideais narcísicos, pois o bebê, que representava
sonhado – feio, fraco, “inacabado”. Conseqüen- a culminação de todos os seus esforços, concre-
temente, surgem sentimentos de culpa por estarem tizando as suas esperanças para o futuro, vem muito
assustados, distantes, com medo e com dificuldades diferente do esperado. Inicialmente a dor é intensa,
em se aproximar do bebê, culpa por não ter podido e o momento é de tristeza e descrença. Instala-se
levar a gestação adiante, de não ser uma mãe capaz. uma crise psíquica, daí a importância do acom-
Esse novo papel fica ameaçado. Ocorre desorgani- panhamento psicológico, como um espaço para
zação emocional em função da separação precoce elaboração psíquica de uma realidade muito difícil,
e de um processo de gravidez incompleta, que teve pois permite-lhes externar suas angústias, medos,
como resultado muito sofrimento para a mãe e o fantasias8. É importante - tornar o casal participante
bebê6. A mãe percebe-se incapaz de cuidar de seu ativo do processo diagnóstico, com suas etapas
bebê, sofre frustrações ao delegar aos outros esse necessárias para a compreensão plena do problema.
papel e sente-se ameaçada na sua maternagem ao “Conhecer ao máximo o bebê enquanto ele estiver

Rev. Ciênc. Méd., Campinas, 12(3):261-268, jul./set., 2003


268 R. SARMENTO & M.S.V. SETÚBAL

na barriga para saber o que ele vai precisar ao esclarecer o processo de internação, de indução, a
nascer”. técnica utilizada, o tempo necessário; incentivar a
- Não minimizar a seriedade da condição do participação ativa da mãe no parto, para que ela se
sinta capaz de fazer nascer a criança mesmo nessas
feto, permitindo que os pais possam decidir a respeito
circunstâncias difíceis, favorecendo que essa
das questões éticas e jurídicas junto à equipe.
experiência seja o menos dolorida possível; saber se
- Encaminhar o casal para interconsulta com a mulher deseja ver o bebê, encorajando-a a ver,
a cirurgia pediátrica, neurologia e outras. Acolher pegá-lo, poder se despedir da criança, para que se
suas angústias, medos, fragilidades e orientá-los a possa iniciar o processo de luto pela morte de alguém
compartilhar com a família e os outros filhos a sua muito querido; sugerir um possível acompanhamento
dor. psicológico ao longo do processo de diagnóstico,
- Fornecer orientações claras quanto ao parto: indução, nascimento e pós-parto.
Via de parto: existe a fantasia de que sempre a
cesárea seria a indicação, dado que faria menos mal
REFERÊNCIAS
ao bebê. Poder desmistificar essa idéia, objetiva-
mente; Visita à Neonatologia: colocar o casal de
1. Szejer M, Stewart R. Nove meses na vida da
forma mais concreta frente ao futuro imediato do
mulher: uma abordagem psicanalítica da gravidez
bebê, aliviando muitas das suas ansiedades; De um
e do nascimento. São Paulo: Casa do Psicólogo;
modo geral, a idéia de um bebê malformado é
1997.
sempre pior do que a realidade. Dessa forma, ver o
bebê real logo após o nascimento é sempre um alívio 2. Maldonado MTP. Psicologia da gravidez, parto e
para os pais que passam a poder lidar com a puerpério. 4.ed. Petrópolis: Vozes; 1981.
realidade e não com aquilo que imaginavam, e ficam 3. Maldonado MT, Canella P. A relação médi-
em condições de valorizar os aspectos saudáveis do co-cliente em ginecologia obstetrícia. Rio de
seu bebê. A fragilidade do bebê e suas necessidades Janeiro: Atheneu; 1981.
de cuidados despertam nos pais sentimentos de 4. Soifer R. Psicologia da gravidez, parto e puerpério.
proteção que estavam adormecidos pelo receio de Porto Alegre: Artes médicas; 1977.
que o bebê não sobrevivesse.
5. Winnicott DW. Os bebês e suas mães. São Paulo:
Morte Fetal: Normalmente representa uma Martins Fontes; 1988.
dor terrível para a mãe a e a família, com sensação
6. Klaus M, Kennell J. A formação do apego. Porto
de incredulidade. Freqüentemente ocorre a tentativa
Alegre: Artes Médicas; 1992.
de buscar culpados: o médico, um problema familiar,
suas próprias ansiedades e possíveis sentimentos de 7. Chatel MM. Mal-estar na procriação: as mulheres
rejeição conscientes e/ou inconscientes. Aparece e a medicina da reprodução. Campo Matêmico;
também o sentimento de medo por estar carregando 1995.
a morte dentro de si e a sensação de persecuto- 8. Setubal MS, Barini R, Zaccaria R, Pinto e Silva JL.
riedade, pelos riscos possíveis e imaginados9. De Reações psicológicas diante da gravidez
imediato, aparece o desejo de livrar-se logo da morte complicada por uma malformação fetal. Rev Soc
dentro de si, abreviando o parto. Por outro lado, a Bras Med Fetal 2001; 7:9-11.
angústia de separação definitiva do bebê pode 9. Defey D. Duelo por niño que muere antes de
dificultar a indução do trabalho de parto, prolon- nacer. Montevideo: Roca Viva Editorial; 1985.
gando-o. Pode ocorrer revolta por ter que passar pelas (Publicação Científica CLAP, 1173).
dores do parto, quando já sofreu tanto. É importante
poder acolher a dor, o choro, a incredulidade, Recebido para publicação em 29 de setembro e aceito 5 em
deixando a paciente chorar e externalizar a dor; de outubro de 2003.

Rev. Ciênc. Méd., Campinas, 12(3):261-268, jul./set., 2003


Módulo 2
Revista Saúde em Foco – Edição nº 10 – Ano: 2018

RECONHECENDO E INTERVINDO NA DEPRESSÃO PÓS-PARTO


Recognizing and intervening in Postpartum Depression

Ana Paula Alexandre Augusto Gonçalves¹; Paloma de Souza Pereira¹; Vivian de Cássia
Oliveira¹; Roberta Gasparino ²

Resumo: Trata-se de um artigo de atualização sobre depressão pós-parto e atuação do


enfermeiro no reconhecimento e intervenções aos primeiros sinais e sintomas como, por exemplo:
ansiedade, sentimento de culpa e diminuição do humor. A interação da família e principalmente do
cônjuge desde o inicio da gestação, se estendendo inclusive depois do parto. Relata a importância do
acompanhamento pré-natal intermediando nas alterações que podem acarretar à depressão pós-parto.
Descritores: Depressão pós-parto, atuação do enfermeiro e puerpério.

Summary: This is a review article on postpartum depression and nurses' performance without
recognition and interventions for signs and symptoms such as anxiety, guilt and decreased mood. The
interaction of the family and mainly of the beginning of the gestation, extending even after the
childbirth. It reports on the importance of prenatal care by mediating the words that can lead to
postpartum depression. Keywords: Postpartum depression, nurses and puerperium performance.

Introdução

Na gravidez a mulher passa por mudanças vitais, havendo alterações corporais e hormonais
devido ao crescimento do feto, acarretando efeitos físicos e psíquicos, sentimentos diferenciados são
vividos por cada mãe de forma intensa e marcante podendo trazer possibilidade de amadurecimento,
ampliando e modificando sua consciência e personalidade, mas isso não ocorre de um momento para o
outro, é um processo gradual e demorado necessitando de adaptações conforme as mudanças gravídicas,
não terminando com o nascimento, mas se estendendo para o período pós-parto (DUQUE; FREITAS;
SCARABEL, 2011).

Estudos apontam a possível relação entre o risco de depressão pós-parto com fatores
relacionados anteriormente à tensão pré-menstrual. Essa relação é devido às semelhanças apresentadas
em ambos os casos. Apresentando situações de alternância na esfera hormonal, tanto na queda dos

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Revista Saúde em Foco – Edição nº 10 – Ano: 2018

níveis de progesterona como na função tireoidiana reduzida, as quais tem ligação direta com a qualidade
de vida da mãe e do bebê (CABRAL; MARINI; MORAIS 2013).

Faz-se de extrema importância o acompanhamento pré-natal, pois segundo o Ministério da Saúde


(MS) o foco desse acompanhamento é assegurar o desenvolvimento de uma gestação saudável com
benefícios para a mãe e o bebê permitindo o nascimento de um bebê saudável e sem transtornos para a
mãe em todos os seus aspectos, inclusive psicossocial (BOSKA; LENTSCK; WISNIEWSKI 2016).
Esse olhar cuidadoso do enfermeiro voltado à todas as gestantes, com medidas e ações de cuidado
integral durante essa fase de mudanças e transições, poderá prevenir diversas complicações que podem
ser provenientes da depressão pós-parto (ALFAIA; MAGALHÃES; RODRIGUES 2016).
Objetivou-se através deste estudo maior esclarecimento sobre a Depressão pós-parto e o papel do
enfermeiro frente aos desafios apresentados durante a gestação e o período pós-parto.
Materiais e Métodos

Trata-se de uma pesquisa de atualização realizada a partir de artigos científicos publicados nos
últimos dez anos, em português. Utilizou-se como palavras-chave depressão pós-parto, atuação do
enfermeiro e puerpério na base de dados Scielo, LILACS e Google acadêmico.

Resultados

A Depressão pós-parto (DPP), não afeta apenas a puérpera, mas todos os à sua volta, pode ser
caracterizada como um transtorno no desempenho físico, comportamental, cognitivo e emocional,
atingindo aproximadamente 15% das mulheres em geral, podendo ter inicio até 12 meses após o parto
(ARRAIS; FRAGALLE; MOURÃO, 2014) tendo diversos fatores de risco associados, dentre os quais
alguns se destacam, tais como: histórico de algum transtorno psíquico, ter menos de 16 anos, baixa
autoestima, solidão, gravidez não planejada, menor escolaridade, não estar casada em regime legal
(solteira ou divorciada), abortamento espontâneo ou de repetição, desemprego da puérpera ou do
companheiro, situações estressantes nos últimos 12 meses, ausência ou pouco amparo social, bebê do
sexo oposto ao esperado, relacionamento insatisfatório (ALFAIA; MAGALHÃES; RODRIGUES
2016), a gravidez, parto (parto traumático, prematuro e histórico de aborto) e estresse (desemprego ou
mortes), e por ultimo a vida socioeconômica. Podendo observar se há histórico de depressão na família,
e se mesma já apresentou algum episódio (ARRAIS; FRAGALLE; MOURÃO, 2014).

Os sintomas usualmente observados são: ansiedade, ideias de morte e suicídio, sentimento de


culpa, diminuição do humor, diminuição ou perda do prazer, menor desempenho, distúrbio do sono,

[email protected] Página 265


Revista Saúde em Foco – Edição nº 10 – Ano: 2018

(ALFAIA; MAGALHÃES; RODRIGUES 2016) descontrole emocional por estresse do parto,


apresentando assim algumas disfunções como tristeza pós-parto, abatimento, choro repentino e
incapacidade (DUQUE; FREITAS; SCARABEL, 2011). Modificações do humor nas primeiras quatro
semanas do puerpério, podendo ser leve e passageira ou piorar para uma neurose psicótica, sentimento
de incapacidade, sono prejudicado, pensamento obsessivo, rejeição do bebê, riscos de suicídio ou
infanticídio são características da doença (ARBOIT; DAANDELS; SAND, 2013). Mostra-se que mães
que passam por isso iniciam a lactação tardia, e tendem a não alimentar o bebê com o leite exclusivo
dela (IBIAPINA et al., 2010).

Estudos apontam a possível relação entre o risco de depressão pós-parto com fatores
relacionados anteriormente à tensão pré-menstrual. Essa relação é devido às semelhanças apresentadas
em ambos os casos. Identificadas como tristeza, irritabilidade, ansiedade, insônia, alteração do humor,
choro fácil, ou seja, situações de alternância na esfera hormonal, tanto na queda dos níveis de
progesterona como na função tireoidiana reduzida (CABRAL; MARINI; MORAIS, 2013).

Existem ainda fatores que podem sim ser predisponentes para o desenvolvimento de
complicações e até mesmo uma depressão pós-parto. Podemos citar, por exemplo, o parto cesáreo, que
tem sido realizado cada vez mais frequentemente e pode acarretar consigo transtornos de adaptação no
pós-parto. A episiotomia, que segundo a OMS a indica em apenas 10% a 15% dos partos normais, no
Brasil ela é realizada em aproximadamente 90% dos partos normais, o que ressalta seus agravos pois,
pode trazer consequências não apenas físicas mas também psicológicas à mulher no pós-parto (BOSKA;
LENTSCK; WISNIEWSKI 2016). A ausência (ou não permissão) de um acompanhante durante o
trabalho de parto e o momento do parto. A mulher, segundo a Lei do Acompanhante pode escolher
alguém para acompanha-la durante esse momento tão marcante em sua vida. Tendo consigo um
acompanhante durante o trabalho de parto e o parto, segundo o Ministério da Saúde, a mulher se sentirá
mais confiante e segura, o que possibilita a diminuição no uso de medicamentos analgésicos, a duração
do trabalho de parto e até mesmo o número de partos cesáreas realizadas (BOSKA; LENTSCK;
WISNIEWSKI 2016).
Durante toda a gestação é importante a presença da família, do apoio prestado para tranquilizar a
gestante. Quando o pai do bebê é presente passa proteção, envolve cuidados, oferecendo apoio físico e
emocional, a mulher precisa dessa base no seu emocional, assim sendo essencial nas consultas. Os
profissionais de saúde tem que passar segurança e confiança através de um atendimento qualificado,
escutando e prestando atenção nos relatos da gestante (GERMANO; VALENÇA 2010).

[email protected] Página 266


Revista Saúde em Foco – Edição nº 10 – Ano: 2018

O programa de pré-natal psicológico é uma forma diferenciada dando assistência integral,


trabalhando o processo gravídico-puerperal, complementando o pré-natal, onde trabalham vários
aspectos importantes como modificações, confiança, vínculo com o bebê, cuidados na amamentação,
tornando um local para expressar medos e ansiedades (ARRAIS; FRAGALLE; MOURÃO, 2014). A
visita domiciliar das agentes comunitárias de saúde é fundamental para entender melhor como é a vida
daquela gestante observando algum tipo de alteração e comunicando a equipe. Quando se conhece uma
determinada área/comunidade, temos base para ações adequadas para cada mãe, promovendo proteção,
prevenção, recuperação e reabilitação (GERMANO; VALENÇA 2010).

Conclusão

O olhar integral e o conhecimento técnico e cientifico do enfermeiro durante toda a gestação


serão fatores determinantes para reconhecer e intervir logo na fase inicial da depressão pós-parto,
desenvolvendo programas e métodos para interagir com a gestante e familiares assim criando vínculos
de confiança onde ela se sentirá mais segura, tendo um local para expressar seus medos e tirar suas
duvidas estando melhor preparada para o momento do parto e pós-parto. Faz-se necessária a atuação do
enfermeiro baseada em conhecimento especifico para sua área profissional, buscando sempre
atualização, aprimorando suas técnicas e a executando com proficiência.

Referências

IBIAPINA, F.L.P. et al. Depressão pós-parto: tratamento baseado em evidências. Femina:


vol. 38, n. 3, p. 161-65, 2010. Disponível em < http://files.bvs.br/upload/S/0100-
7254/2010/v38n3/a008.pdf
ARRAIS, A.R., MOURÃO, M.A., FRAGALLE, B. O pré-natal psicológico como programa
de prevenção à depressão pós-parto. Saúde Soc.: vol. 23, n. 1, p. 251- 264, 2014. Disponível em <
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v23n1/0104-1290-sausoc-23-01-00251.pdf
DAANDELS, N., ARBOIT, E.L., SAND I.C.P. Produção de enfermagem sobre a depressão
pós parto. Cogitare Enfermagem: vol. 18, n. 4, p. 782-8, 2013. Disponível em: <
http://revistas.ufpr.br/cogitare/article/view/34937 >

FREITAS, V.F., SCARABEL, C.A., DUQUE,B.H. As implicações da depressão pós-parto na


psique do bebê: Considerações da Psicologia Analítica. Psicol. Argum: vol.30, n. 69, p.253-63, 2012.
Disponível em: < http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/pa?dd1=5972&dd99=view&dd98=pb>

ALFAIA, J.R.M., RODRIGUES, L.R., MAGALHÃES, M.M. Uso da escala de Edinburgh


pelo enfermeiro na identificação da depressão Pós Parto: Revisão Integrativa da Literatura.
Revista Ciência e Sociedade : vol. 1, n. 1, 2016. Disponível em <
http://revistaadmmade.estacio.br/index.php/cienciaesociedade/article/view/2091 >

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Revista Saúde em Foco – Edição nº 10 – Ano: 2018

MORAIS, E.A., MARINI, F.C., CABRAL, A.C.Associação entre sintomas emocionais da


tensão pré-menstrual e o risco de desenvolvimento de sintomas depressivos no pós-parto. Rev Med
Minas Gerais: vol. 23, n. 3, pag. 281- 283,2013. Disponível em < http://rmmg.org/artigo/detalhes/208

BOSKA, G.A., WISNIEWSKI, D., LENTSCK, M.H. Sintomas depressivos no período


puerperal: identificação pela escala de depressão pós-parto de Edinburgh. J Nurs Health: vol. 1, n. 1,
pag. 38-50, 2016. Disponível <
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/5525

VALENÇA, C.N., GERMANO, R.M. Prevenindo a depressão puerperal na estratégia saúde


da família: ações do enfermeiro no pré-natal. Rev. Rene. Fortaleza: vol. 11, n.2, pag. 129-139, 2010.
Disponível em < http://www.revistarene.ufc.br/vol11n2_pdf/a15v11n2.pdf

[email protected] Página 268


Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues1
Rafaela de Almeida Schiavo2 Stress na gestação e no puerpério: uma
correlação com a depressão pós-parto
Stressinpregnancyandpuerperium:acorrelationwithpostpartum
depression

Artigo original
Resumo
Palavras-chave OBJETIVO: Descrever e comparar as fases do stress de primigestas no terceiro trimestre de gestação e no pós-parto e
Gravidez correlacioná-las à ocorrência de depressão pós-parto (DPP). MÉTODOS: A pesquisa foi constituída de duas etapas,
Período pós-parto caracterizando-se como pesquisa longitudinal. Na Etapa 1, participaram 98 primigestas e na Etapa 2, 64 delas. Na
Estresse psicológico Etapa 1, a coleta de dados aconteceu no terceiro trimestre de gestação e, na Etapa 2, no mínimo 45 dias após o parto.
Depressão pós-parto
Na Etapa 1 aplicou-se o Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL) e uma Entrevista Inicial para caracterização
Saúde mental
da amostra. Na Etapa 2, aplicou-se novamente o ISSL e também a EPDS (Escala de Edimburgo). Os dados foram
Keywords analisados usando o programa estatístico SPSS for Windows®, versão 17.0. As análises estatísticas efetuadas foram
Pregnancy o Teste t de Student e p de Spearman. RESULTADOS: No terceiro trimestre, 78% das participantes apresentaram
Postpartum period sinais significativos para stress e, no puerpério, 63% manifestaram, apresentando diferença significativa entre o stress
Stress, psycological manifestado no terceiro trimestre e no puerpério (t=2,20; p=0,03). Observou-se, também, correlação entre o stress
Postpartum, depression
apresentado tanto na gestação como no puerpério e a manifestação de DPP (p<0,001). CONCLUSÃO: Tanto na
Mental health
gestação como no puerpério mais da metade das mulheres apresentam sinais significativos para stress. Entretanto, a
frequência da manifestação dos sintomas significativos de stress na gestação foi superior à frequência apresentada
no puerpério. Tais resultados parecem guardar uma estreita relação com a manifestação de DPP, indicando relação
entre stress e DPP.

Abstract
PURPOSE: To describe and compare the phases of stress of primiparae in the third trimester of pregnancy and
postpartum, associating them with the occurrence of postpartum depression. METHODS: The study consisted of two
stages (Stage 1 and Stage 2), characterized as longitudinal research. Ninety-eight primiparae participated in Stage
1, and 64 of them participated in Stage 2. In Stage 1, data were collected in the third trimester of pregnancy, and
in Stage 2, at least 45 days after delivery. The  Stress Symptoms Inventory Lipp (ISSL) was applied in Stage 1 and an
interview was held to characterize the sample. In Stage 2, we applied again the ISSL and also the EPDS (Edinburgh
Postnatal Depression Scale). Data were analyzed using SPSS for Windows®, version 17.0. The statistical analyses
were performed using the Student’s t-test and  the Spearman p. RESULTS: Seventy-eight percent of the participants
showed significant signs of stress in the third quarter and 63% of them during the postpartum period, with a significant
difference in the stress occurring in the third trimester and postpartum (t=2.20, p=0.03). There was also a correlation
between the stress occurring during pregnancy and in the puerperium and the manifestation of postpartum depression
(p<0.001). CONCLUSION: More than half of the women experience significant stress signs during both pregnancy and
the postpartum period. However, the frequency of onset of significant symptoms of stress was higher during pregnancy 
than during the  puerperium. These results seem to be closely related to the manifestation of postpartum depression,
indicating the relationship between stress and postpartum depression.

Correspondência: Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem. Faculdade de Ciências da Universidade Estadual
Olga Maria Piazentin Rolim Rodrigues Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP – Bauru (SP), Brasil.
Av. Eng. Edmundo Carrijo Coube, 14-01, B –
1
Professora Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP – Bauru (SP),
Vargem Limpa – CEP: 13033-360 Brasil.
Bauru (SP), Brasil
2
Aluna do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Universidade Estadual Paulista “Julio
de Mesquita Filho” – UNESP – Bauru (SP), Brasil.
Recebido
04/08/2011

Aceito com modificações


20/10/2011
Stress na gestação e no puerpério: uma correlação com a depressão pós-parto

Introdução manifestações involutivas ou de recuperação da genitália


materna, que coincide com o período em que a mulher
O stress é um conjunto de respostas que o organismo terá de reorganizar seu cotidiano, incluindo o bebê em sua
emite para reagir frente a algo que o despertou. Quando dinâmica de vida. Consiste num período cronologicamente
o organismo é exposto frequentemente a situações que variável, de âmbito impreciso e, dependendo de como a
desencadeiam as reações de stress – os estressores – o mulher lida com ele, pode apresentar ou não sintomas
corpo passa a trabalhar com gasto superior de energia. significativos de stress.
Pode ser entendido como uma resposta fisiológica, A literatura a respeito do stress no puerpério é escas-
psicológica e comportamental de um indivíduo que sa, indicando a forte necessidade de que pesquisas sejam
procura se adaptar e se ajustar às solicitações internas realizadas nessa área para melhor compreensão a respeito
e/ou externas ao organismo1. Em geral, a resposta ao de seus indicadores, sua relação com o stress gestacional
stress é projetada para ter uma duração limitada e as e possíveis influências do stress puerperal sobre o desen-
mudanças resultantes desta atividade hormonal e de volvimento infantil e sobre o comportamento materno18.
neurotransmissores são rapidamente restauradas aos O que se sabe, no momento, de forma ainda inconclusi-
níveis pré-stress. No entanto, quando o stress é de na- va é que eventos estressores tanto na gestação como no
tureza crônica e o indivíduo não consegue se adaptar a puerpério podem ser indicativos para manifestação de
ele, pode resultar em outros distúrbios, como ansiedade sintomas de DPP16,17.
e depressão. Mudanças importantes na vida podem gerar Os principais fatores de risco de DPP são: história
respostas de stress nos sujeitos2. anterior de depressão, dificuldades financeiras, baixa
O ciclo gravídico puerperal é marcado por alterações escolaridade, desemprego, ausência de suporte social,
emocionais, frutos de fatores sociais e psicológicos, que dependência de substâncias, violência doméstica e não
podem influenciar o desenvolvimento da gestação, assim aceitação da gravidez19-23. Pesquisas apontam que 10 a
como o bem-estar e saúde materno-infantil. Entre os fatores 20% das mulheres manifestam DPP24,25 e no Brasil, esta
psicológicos que, geralmente, implicam em complicação porcentagem é ainda mais elevada22-27.
durante gestação, parto e pós-parto, estão os estressores Até o momento, pesquisas nacionais e internacionais
vivenciados na gravidez e no puerpério3. associando o stress apresentado tanto na gestação como
O stress na gestação, em geral, está associado a eventos no puerpério à manifestação de sintomas de DPP ain-
específicos como enjoos, gravidez não planejada, medo de da são escassas. Entretanto, há pesquisas que indicam
ganho excessivo de peso no início da gravidez e medo do que eventos estressores vivenciados na gestação ou no
parto, em meados da gestação. A média de eventos estres- puerpério são associados a manifestação de sintomas
sores durante a gestação é de cinco eventos por gestante4 depressivos após o parto. Entre os eventos estressores
e o quadro pode se agravar no contexto familiar se houver estão: número de gestação, de partos, de filhos vivos,
situação econômica difícil, violência doméstica, uso de menor tempo de relacionamento com o parceiro, falta
drogas, depressão, pânico e complicações pré-natais5,6. de rede de apoio, dificuldades financeiras, não aceitação
Pesquisas apontam que mais de 75% das gestantes da gravidez16,17,22-27.
apresentam sinais significativos de stress em algum nível5,6. O objetivo deste trabalho é o de preencher essa lacuna
Gestantes expostas por longo prazo a eventos estressores existente a respeito do stress no puerpério, a comparação
são fortes candidatas a apresentar riscos à sua saúde e a de entre os indicadores de stress na gestação e no puerpério e a
seus descendentes7. Entre as consequências, o feto pode correlação entre a manifestação de stress no ciclo gravídico
responder ao stress materno com predisposição a doenças puerperal e a manifestação de sintomas de DPP.
mentais8, alergias e asma9. Estudos têm também associado a O objetivo do presente trabalho foi descrever e comparar
presença de stress na gestação a prejuízos ao desenvolvimento o stress de primigestas no terceiro trimestre de gestação e
infantil10,11. Quanto mais elevado o stress na gestação, a no pós-parto, descrevendo as fases e o tipo dos sintomas,
probabilidade de a criança apresentar problemas tempe- se físicos ou psicológicos. Pretendeu, também, averiguar a
ramentais e comportamentais12,13 aumenta, e problemas ocorrência de DPP, associando-os à manifestação de stress
temperamentais na criança podem levar a mãe a sintomas na gestação e no puerpério.
depressivos14. O stress também pode resultar em sequelas
danosas para a saúde do neonato, como a prematuridade Métodos
abaixo do peso. O stress pode, também, causar complicações
obstétricas na gestante15, além de ser um indicativo para Participaram da primeira etapa desta pesquisa 98
manifestação de depressão pós-parto (DPP)16,17. primigestas usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS).
O puerpério, por si só, é um período estressante, A idade das participantes variou de 15 a 39 anos, sen-
de adaptação, durante o qual se desenrolam todas as do a idade média das participantes 21 anos. Quanto à

Rev Bras Ginecol Obstet. 2011; 33(9):252-7 253


Rodrigues OMPR, Schiavo RA

escolaridade, 12% tinham ensino fundamental incompleto, dos dados em eventos e publicações da área, a ausência
24% ensino fundamental completo, 54% ensino médio de qualquer ônus para a participação na pesquisa, assim
completo e 10% ensino superior completo. Em relação ao como da manutenção dos demais serviços por ela usu-
estado civil, 68% moravam com o parceiro (união estável fruídos no SUS, em caso de desistência do projeto, o que
ou civil), 15% estavam solteiras e 17% namorando. Sobre poderia ocorrer em qualquer fase. Redimidas todas as
a ocorrência de aborto, 11% tiveram abortamento anterior dúvidas e confirmado o aceite, assinaram um termo de
à gestação atual e 10% relataram ameaça de aborto no consentimento livre e esclarecido.
início da gestação. Em relação à saúde durante a gesta- Tal atividade ocorreu durante a espera para a consulta
ção, 86% informaram ter apresentado boa saúde nesse médica ou a realização da ultrassonografia. Ao fim da
período. Na segunda etapa da pesquisa, participaram 64 aplicação, estas foram informadas do resultado do ISSL e,
das 98 participantes da primeira etapa da pesquisa, o que ainda, encaminhadas, se necessário. Para todas explicou-se
caracteriza um estudo longitudinal. que haveria uma próxima etapa do presente projeto que
Os dados da Etapa 1 foram coletados no Núcleo de ocorreria 45 dias após o nascimento do neonato e que a
Saúde Central de uma cidade do interior paulista e da pesquisadora, de posse de telefones e endereços, entraria
Etapa 2, na residência das participantes, durante o período em contato com as que concordaram em participar dessa
de junho de 2009 a janeiro de 2011. próxima etapa no puerpério.
Para avaliação de sintomas de stress utilizou-se o Das 98 gestantes que participaram da primeira etapa
Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (ISSL)28, para da pesquisa, 64 (65%) participaram também da segunda.
adultos com mais de 15 anos. O inventário é composto As demais (35%) não participaram desta segunda etapa
por três quadros, cada um deles se referindo à presença por diversos motivos, tais como: falecimento do bebê após
dos sintomas relacionados à distância temporal (quadro o nascimento; não aceitaram participar da segunda fase da
1: 24 horas; quadro 2: 1 semana e quadro 3: 1 mês). Este pesquisa; detenção; mudança de cidade e/ou telefone.
instrumento pode ser aplicado em grupos de até 20 pessoas No ISSL a tabulação dos dados foi realizada a par-
ou individualmente. tir das respostas das participantes que foram somadas
O ISSL contém 15 itens para o quadro 1, sendo 12 por quadro: as respostas P (Psicológicos) e F (Físicos)
itens relacionados a sintomas físicos e 3 relacionados a separadamente, de modo que se tenham seis escores:
sintomas psicológicos; outros 15 itens para o quadro 2, três físicos e três psicológicos. Em seguida, somaram-
sendo 10 itens relacionados a sintomas físicos e 5 relacio- se os escores P+F por quadro, de modo que se tiveram
nados a sintomas psicológicos; e 23 itens para o quadro três escores, um para cada quadro do inventário. Se
3, sendo 12 relacionados a sintomas físicos e 11 a sin- qualquer dos subescores de P+F atingir o critério para
tomas psicológicos. As respostas foram assinaladas pelas o quadro pertinente, pode-se concluir que a pessoa
participantes em cada quadro, com F1 que corresponde tem stress e em que fase ela se encontra, se na de aler-
aos sintomas físicos ou P1 que corresponde aos sintomas ta, resistência, quase exaustão ou exaustão, conforme
psicológicos. A aplicação obedeceu às instruções do ma- descrito no manual28.
nual de aplicação. A tabulação dos dados obtidos na EPDS foi feita
Para avaliação de sintomas de DPP, utilizou-se a somando-se os valores atribuídos pelas participantes para
Escala de Edimburgo, adaptada da Edinburgh Postnatal cada item. O critério utilizado baseou-se nos resultados da
Depression Scale29. A escala contém 10 afirmações que escala adaptada, cuja pontuação de 12 ou mais aponta para
requerem que a participante descreva como se sente distúrbio depressivo de intensidade variável, indicando
diante de situações do cotidiano, circulando o número que a puérpera deve ser encaminhada ao profissional de
apropriado à sua condição, de 0 a 3, colocados à direita saúde mental.
de cada afirmação na folha de respostas. A pontuação para Os dados foram analisados usando o programa es-
Escala de Edimburgo adaptada varia de 1 mínimo de 0 tatístico SPSS for Windows®, versão 17.0, realizando-se
a um máximo de 30 pontos. análises estatística e descritiva. Para a comparação do stress
Para a coleta dos dados, o setor de agendamento da nos dois momentos da pesquisa, durante a gestação e no
UBS do centro possibilitou a identificação das primiges- puerpério, utilizou-se o Teste t de Student para amostras
tas cuja gestação estava no início do terceiro trimestre pareadas (comparação dentre-grupos), adotando-se p<0,05
e os dias em que estas tinham consulta marcada com o como nível crítico. Para a correlação entre stress na gestação
obstetra ou ecografista. Nessa oportunidade eram convi- e no puerpério e manifestação de sintomas significativos
dadas a participar do projeto, recebendo as informações de DPP utilizou-se a estatística p Spearman, adotando-se
pertinentes, sobre as atividades que seriam realizadas em p<0,05 como nível crítico.
cada uma das etapas. Era esclarecido sobre o sigilo das O presente projeto foi submetido ao comitê de ética da
informações por elas fornecidas quando da apresentação Faculdade de Ciências da UNESP, campus de Bauru (Processo

254 Rev Bras Ginecol Obstet. 2011; 33(9):252-7


Stress na gestação e no puerpério: uma correlação com a depressão pós-parto

nº614/46/01/09) e da Secretaria de Saúde de Bauru (Processo Tabela 1. Indicadores de stress na gestação e no puerpério
nº16522/09), cuja aprovação significou a permissão para a Gestação Puerpério
coleta dos dados no referido núcleo de saúde. n % n %
Sem stress 16 25 24 37
Resultados Com stress 48 75 40 63
Resistência 35 73 32 80
Os resultados indicaram que das 98 participantes, Quase exaustão 12 25 8 20
gestantes no terceiro trimestre de gestação, 76% (n=78) Exaustão 1 2 0 0
manifestaram sintomas de stress. Delas, 72% (n=55) es-
tavam na fase de resistência, 25% (n=19) na fase de quase Tabela 2. Relacionamento entre stress no terceiro trimestre de gestação e no puerpério
exaustão e 3% (n=2) na fase de exaustão. Em relação aos e a manifestação de sintomas de depressão pós-parto
sintomas de stress, 10% (n=8) apresentaram sintomas de Gestação Puerpério
stress físico, 87% (n=66), sintomas de stress psicológico e Sem DPP Com DPP Sem DPP Com DPP
3% (n=2) apresentaram tanto stress físico como psicológico, n % n % n % n %
concomitantemente. Sem stress 15 94 1 6 22 92 2 8
Das 98 participantes, 64 participaram da segunda fase Resistência 21 60 14 40 19 59 13 41
da pesquisa, no puerpério. Foram, então, computados os Quase exaustão 7 58 5 42 2 25 6 75
resultados obtidos no ISSL, no último trimestre da gestação Exaustão 0 0 1 100 0 0 0 0
e no puerpério dessas 64 participantes (Tabela 1). Total 43 21 43 21
Quando no terceiro trimestre da gestação, 75% (n=48) DPP: depressão pós-parto
manifestaram stress, sendo que delas, 73% (n=35) esta-
vam na fase de resistência, 25% (n=12) na fase de quase 6 (75%) das que estavam na fase de quase exaustão foram
exaustão e 2% (n=1) na fase de exaustão. Em relação aos classificadas com DPP. O teste p de Spearman indicou
sintomas de stress, 13% (n=6) apresentaram sintomas de que existe correlação positiva (p=0,6; p<0,001) entre os
stress físico, 85% (n=41) sintomas de stress psicológico e sintomas de stress apresentados no puerpério e os sinto-
2% (n=1) apresentaram tanto stress físico como psicológico, mas de DPP e que quanto mais elevada a fase de stress no
concomitantemente. puerpério, mais elevada foi a pontuação na EPDS.
No puerpério, os resultados indicaram que 63%
(n=40) manifestaram sintomas de stress. Dessas partici- Discussão
pantes, 80% (n=32) estavam na fase de resistência e 20%
(n=8) na fase de quase exaustão. Em relação aos sintomas No Brasil, há poucas pesquisas com gestantes
de stress, 10% (n=4) apresentaram sintomas de stress que identifiquem o stress psicológico tanto no período
físico, 83% (n=33) sintomas de stress psicológico e 7% pré-natal como no período pós-natal, sendo esta a pri-
(n=3) apresentaram tanto stress físico como psicológico meira a comparar esses dois momentos e associá-los à
concomitantemente. A análise estatística conduzida (teste presença da DPP. A depressão é uma doença que pode
t pareado) indicou que existe diferença significativa entre ser derivada do stress quando duradouro e em níveis
o stress manifestado pelas participantes na gestação e no elevados no organismo1.
puerpério (t=2,2; p<0,05), cujo número de participantes Os resultados deste trabalho em relação ao stress
com stress diminuiu após o nascimento do bebê, bem como indicaram que mais da metade das gestantes, no terceiro
nas fases mais críticas. trimestre, apresentaram sintomas significativos, sendo que
A Tabela 2 apresenta a relação entre stress na gesta- a fase mais frequente foi a de resistência, com prevalência
ção e no puerpério e sintomas de DPP. Das 43 gestantes de sintomas psicológicos. O índice de stress encontrado
avaliadas no terceiro trimestre, uma (6%) das sem stress, nesta pesquisa confirma os dados de outro trabalho5 bra-
14 (40%) das que estavam na fase de resistência, 5 (42%) sileiro, que apresentou porcentagens também elevadas de
das que estavam na fase de quase exaustão e a única que mulheres com stress na gestação, sugerindo cuidados para
estava na fase de exaustão foram classificadas com DPP. O que não evolua para níveis mais críticos.
teste p de Spearman indicou que existe correlação positiva O stress pode estar associado a eventos estressores
(p=0,45; p<0,001) entre os sintomas de stress apresen- próprios desta fase como os temores em relação ao par-
tados na gestação e os sintomas de DPP e, quanto mais to, o medo de que ela ou o feto morra, preocupações
elevada a fase de stress no fim da gestação, mais elevada financeiras, conjugais, falta de rede de apoio, dúvidas
foi a pontuação na EPDS. em relação ao corpo, entre vários outros motivos di-
Em relação ao puerpério, 2 (8%) das participantes sem ferentes para cada gestante, principalmente se for a
stress, 13 (41%) das que estavam na fase de resistência e primeira gravidez.

Rev Bras Ginecol Obstet. 2011; 33(9):252-7 255


Rodrigues OMPR, Schiavo RA

Em relação ao stress manifestado no puerpério, diversos, predispondo ao aparecimento de depressão e


observou-se que mais da metade das participantes outros problemas de saúde mental2.
também foram classificadas com sintomas de stress, na Mais pesquisas em relação ao stress no ciclo gravídico
fase de resistência, com prevalência de sintomas psico- puerperal devem ser realizadas utilizando o ISSL, pois é
lógicos. Pesquisas em relação ao stress no puerpério são recente o uso desse instrumento para avaliar o stress nesta
escassas. Há grande número de trabalhos referentes ao fase do ciclo vital. Os métodos de avaliação do stress nesta
stress na gestação, mas apenas um artigo foi encontrado fase ainda são diversificados; alguns pesquisadores utilizam
referente ao stress no puerpério18. A saúde mental da escalas, outros inventários, outros questionários e ainda
mulher, nessa fase do ciclo vital, ainda é pouco explorada outros medem o cortisol presente na saliva da mulher,
pelos pesquisadores que dão preferência aos estudos correlacionando-os com variáveis diversas. Desta forma, a
referentes à saúde mental da mulher no período gra- compreensão dos efeitos do stress na gestação e no puerpério
vídico. Dessa forma, é importante que pesquisadores sobre a saúde mental materna ainda é inconclusiva e limitada,
deem atenção, também, aos aspectos da saúde mental já que as pesquisas apontaram diversas formas de medir o
da mulher no puerpério30. Um estudo recente indica stress no ciclo gravídico-puerperal. Estudos associando o nível
taxas alarmantes de transtornos mentais em mulheres de cortisol e a aplicação do ISSL com gestantes e puérperas
nessa fase pós-parto31. podem validar as duas medidas, correlacionando-as a variáveis
Quando comparados à presença de stress antes e após sociodemográficas, por exemplo.
o parto, os resultados revelaram que o stress é significati- É importante ressaltar que há poucos estudos nacio-
vamente mais frequente no terceiro trimestre de gestação nais investigando o stress gestacional4,5, como na literatura
do que no puerpério. Mesmo que no puerpério a frequên- estrangeira6, sendo que essa última tem apontado para os
cia de mulheres que manifestam stress seja inferior à da prejuízos que o stress pode causar no feto8-15 e, provavel-
gestação, ainda assim, tem-se que mais da metade delas mente, ao longo do ciclo vital do sujeito7,9-13 exposto na
encontram-se estressadas. Desta forma, faz se importante vida uterina ao stress materno. Quanto ao stress puerperal,
que pesquisas sejam realizadas para identificar os possíveis trabalhos nacionais são escassos e há poucos trabalhos
fatores estressores potenciais no puerpério. estrangeiros a respeito deste assunto16-18, indicando a
Os dados deste trabalho indicaram que a manifestação forte necessidade de que mais pesquisas sejam realizadas
de stress tanto na gestação como no puerpério está rela- a esse respeito.
cionada à manifestação de DPP, sendo que quanto mais A presente pesquisa apresentou resultados baseados
avançada a fase de stress em que a gestante ou a puérpera em uma pequena população, limitando o estudo. Dessa
se encontrar, maior a probabilidade de esta apresentar forma, sugere-se que pesquisas sejam realizadas com
DPP. Tal fato pode ser explicado, pois, quando a resposta uma amostra superior de mulheres, no fim da gestação
do stress gera ativação fisiológica frequente e duradoura, e, depois, no puerpério, verificando a prevalência do stress
pode provocar um esgotamento dos recursos do indivíduo, nos dois momentos, relacionando as fases à manifestação
expondo-o a surgimento de transtornos psicofisiológicos de sintoma de DPP.

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Rev Bras Ginecol Obstet. 2011; 33(9):252-7 257


Revisão de Literatura

Transtornos psiquiátricos na gestação


e no puerpério: classificação,
diagnóstico e tratamento
Psychiatry disorders in pregnancy and puerperium: classification, diagnosis and treatment

RENATA SCIORILLI CAMACHO1 Resumo


FÁBIO SCARAMBONI CANTINELLI1
Diversas questões ainda estão em aberto no que se refere a um tema tão amplo quanto a
CARMEN SYLVIA RIBEIRO1 saúde mental das mulheres em período de gestação e puerpério. Por mais contraditório
AMAUR Y CANTILINO2 que possa parecer, muitas pacientes apresentam tristeza ou ansiedade em vez de alegria
nessas fases de suas vidas. Os limites entre o fisiológico e o patológico podem ser estreitos,
BÁRBARA KARINA GONSALES3 o que pode gerar dúvidas em obstetras, clínicos ou psiquiatras. Muitas pacientes também
ÉRIKA BRAGUITTONI3 sentem-se culpadas, prejudicando a aderência ao tratamento e a aceitação de uma patologia
em uma fase que, em tese, deveria ser de alegria.
JOEL RENNÓ JR.4 Nas últimas décadas, estudos têm investigado um pouco mais sobre o tema, mas algumas
questões ainda estão em debate: os transtornos puerperais poderiam ser uma manifestação
de um transtorno prévio não adequadamente tratado? Seriam a gestação ou o puerpério
fatores protetores ou de risco para o desencadeamento de transtornos psiquiátricos? As
alterações hormonais que ocorrem nesse período poderiam estar envolvidas na sua etiolo-
gia? Quais seriam os principais fatores de risco? Em quais situações seria adequado usar
psicofármacos como medida de tratamento?
Neste artigo, serão abordadas algumas dessas questões, sobre um tema que ainda precisa
ser muito investigado para que tenhamos conclusões mais precisas.

Palavras-chave: Gestação, puerpério, transtornos psiquiátricos, fatores de risco, tratamento

Abstract
Several questions regarding mental health during the period of pregnancy and puerperium
are still open. Even this seems contradictory, many patient present sadness or anxiety instead

Recebido: 20/03/2006 - Aceito: 27/03/2006


1 Médico psiquiatra. Colaborador do Projeto de Atenção à Saúde Mental da Mulher (Pró-Mulher) do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (IPq-HC-FMUSP).
2 Médico psiquiatra. Coordenador do Programa de Depressão na Mulher do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE).
3 Psicóloga clínica. Colaboradora do Pró-Mulher do IPq-HC-FMUSP.
4 Médico psiquiatra. Coordenador do Pró-Mulher do do IPq-HC-FMUSP.
Endereço para correspondência: Renata Sciorilli Camacho. Rua Atlântica, 400, Jardim do Mar – 09750-
480 – São Bernardo do Campo (SP). Fone: (11) 4330-4487. E-mail: [email protected]

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
93

of joy in these phases of life. The limits between physiological and diseases development? Could be involved in the etiology the
the pathological one can be narrow, what it may generate doubts in hormonal alterations that occur in this period? Which would be
obstetricians, physicians or psychiatrists. Many patients also feel the main factors of risk? In which situations it would be adjusted
guilty, harming the treatment and the acceptance of her pathology to use medications as treatment?
in a phase that theoretically would have to be of joy. This article has the proposal to discuss some of these questions
Few decades ago till today, there are studies that investigate that are immersed on a topic that is still opening to investigation
deeper on this topic, but some questions still are in discussion: to let us with more accuracy conclusions.
the puerperal diseases could be a manifestation of a previous
disease not adequately treated? Would be the pregnancy or the Key-words: Psychiatric pregnancy, puerperium, diseases, risk
puerperium protective factors or risk factors for the psychiatric factors, treatment.

Introdução vida da mulher, o período perinatal não a protege dos


transtornos do humor.
A gestação e o puerpério são períodos da vida da mulher Estima-se uma prevalência de depressão na gravi-
que precisam ser avaliados com especial atenção, pois dez da ordem de 7,4% no primeiro, 12,8% no segundo e
envolvem inúmeras alterações físicas, hormonais, psíqui- 12% no terceiro trimestre (Bennett et al., 2004).
cas e de inserção social, que podem refletir diretamente Nas adolescentes, foi verificada prevalência entre
na saúde mental dessas pacientes. 16% e 44%, quase duas vezes mais elevada que nas
Tem-se dado importância cada vez maior ao tema, gestantes adultas, o que pode estar relacionado à falta
e estudos atuais têm visado delinear os fatores de risco de maturidade afetiva e de relacionamentos dessas pa-
para os transtornos psiquiátricos nessas fases da vida, cientes, bem como ao fato de grande parte delas terem
a fim de se realizarem diagnóstico e tratamento o mais que abandonar seus estudos em razão da maternidade
precocemente possível. (Szigethy e Ruiz, 2001).
Estudos recentes revelaram que transtornos psi- A disforia no pós-parto (maternity blues) inclui
quiátricos subdiagnosticados e não tratados em gestan- sintomas depressivos leves e pode ser identificada em
tes podem levar a graves conseqüências maternofetais, 50% a 85% das puérperas, dependendo dos critérios
até mesmo durante o trabalho de parto (Jablensky et al., diagnósticos utilizados (Cantilino, 2003).
2005; Seng et al., 2001). Um estudo com 1.558 mulheres detectou 17% das
Sabe-se ainda que a presença de ansiedade ou gestantes com sintomas significativos para depressão
depressão na gestação está associada a sintomas de- na gestação tardia, 18% no puerpério imediato e 13%
pressivos no puerpério (Bloch et al., 2003). entre a sexta e a oitava semanas do puerpério. O mesmo
Esses temas têm sido mais pesquisados nas últi- valor (13%) foi encontrado no sexto mês do puerpério
mas décadas e ainda não há especificação para essas (Josefsson et al., 2001).
patologias na Classificação Internacional de Doenças Um outro estudo constatou valores oscilando entre
(CID-10), a não ser como diagnóstico de exclusão, no 8,6% e 10,1% para o diagnóstico de depressão entre a 6a e
caso dos transtornos relacionados ao puerpério. a 24a semanas do puerpério (Boyce e Hickey, 2005).
O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos Uma metanálise de 59 estudos mostrou uma esti-
mentais, na sua quarta edição e com texto revisado mativa de prevalência de depressão pós-parto da ordem
(DSM-IV-TR), não distingue os transtornos do humor de 13% (O’Hara e Swain, 1996).
do pós-parto dos que acontecem em outros períodos, ex- A psicose puerperal é um quadro mais raro, e a
ceto como especificador “com início no pós-parto”, que é incidência encontrada foi entre 1,1 e 4 para cada 1.000
utilizado quando o início dos sintomas ocorre no período nascimentos (Bloch et al., 2003).
de quatro semanas após o parto (Cantilino, 2003).
Este artigo tem como objetivo uma revisão da Fatores de risco
literatura, apresentando os principais aspectos epide-
miológicos, de classificação, diagnóstico e tratamento Os principais fatores de risco psicossociais relacionados
dos transtornos psiquiátricos relacionados à gestação à depressão maior no puerpério são: idade inferior a 16
e ao puerpério. anos, história de transtorno psiquiátrico prévio, eventos
estressantes experimentados nos últimos 12 meses,
Epidemiologia conflitos conjugais, ser solteira ou divorciada, estar de-
sempregada (a paciente ou o seu cônjuge) e apresentar
Apesar de a gestação ser tipicamente considerada um pouco suporte social.
período de bem-estar emocional e de se esperar que a Outros fatores de risco apontados foram: perso-
chegada da maternidade seja um momento jubiloso na nalidade vulnerável (mulheres pouco responsáveis ou

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
94

organizadas), esperar um bebê do sexo oposto ao dese- Tabela 1. Principais fatores de risco para o
jado, apresentar poucas relações afetivas satisfatórias e desenvolvimento de depressão na gestação.
suporte emocional deficiente (Boyce e Hickey, 2005). Biológicos Psicossociais
Abortamentos espontâneos ou de repetição também
História de transtorno do
foram indicados como fatores de risco (Botega, 2006). Abuso sexual na infância
humor ou ansiedade
Mulheres mais suscetíveis aos transtornos do
humor no puerpério também teriam diagnóstico de História de depressão
Gravidez precoce
transtorno disfórico pré-menstrual ou apresentaram pós-parto
sintomas depressivos no segundo ou quarto dia do pós- História de transtorno
parto. Pacientes que tiverem história de sensibilidade Gravidez não planejada
disfórico pré-menstrual
aumentada ao uso de anticoncepcionais orais também
seriam mais vulneráveis (Bloch et al., 2005). Doença psiquiátrica na Gravidez não desejada ou
família não aceita
Um outro estudo tentou encontrar uma relação
entre a gravidez indesejada e o risco para depressão, Mães solteiras
mas os resultados foram pouco conclusivos. Verificou-se Ter muitos filhos
apenas que mulheres com escolaridade mais alta e me- Reduzido suporte social
lhor rendimento financeiro apresentavam menor risco,
Violência doméstica ou
enquanto mulheres provenientes de famílias populosas
conflitos no lar
apresentavam elevado risco para depressão. Levantou-
se também a hipótese de que a existência prévia de Baixo nível de escolaridade
transtorno mental pode ser o mais importante fator Abuso de substâncias/
associado ao risco de se apresentarem novos episódios tabagismo
no puerpério (Schmiege e Russo, 2005). Adaptado de Ryan et al., 2005.
Mulheres portadoras de transtorno afetivo bipo-
lar apresentaram risco elevado de psicose puerperal
(260/1.000) quando comparadas a mulheres saudáveis, melhora dos sintomas ansiosos na gestação, 33%, piora
que apresentavam 1 a 2 casos a cada 1.000 puérperas e 24% não apresentaram nenhuma alteração. Já no sexto
(Chaudron e Pies, 2003). mês do puerpério, 63% tiveram piora dos sintomas de
pânico (Northcott e Stein, 1994).
Etiologia Um outro estudo constatou que o puerpério seria
um período de maior vulnerabilidade para o desenca-
A etiologia da depressão puerperal ainda não é completa- deamento do primeiro episódio de pânico. Entre as
mente conhecida, mas acredita-se que, além dos fatores mulheres estudadas, 10,9% apresentaram início dos
de risco anteriormente mencionados, fatores hormonais sintomas no puerpério (neste caso, até 12 semanas do
e hereditários também estejam envolvidos. puerpério), um número maior do que o esperado, que
Na gestação, os níveis de estrógeno e progestero- é de 0,92% (Sholomskas et al., 1993).
na são superiores àqueles vistos nas mulheres fora do
período gestacional e esse fator pode estar envolvido Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)
nas alterações do humor que ocorrem nessa fase. A
queda brusca desses hormônios no pós-parto estaria Das gestantes portadoras de TOC, 46% apresentaram
envolvida na etiologia da depressão puerperal. Bloch et piora da sintomatologia na primeira gestação e 50%, na
al. (2003) realizaram uma revisão da literatura a fim de segunda gestação. Sintomas de TOC são freqüentes no
correlacionarem os fatores endócrinos e hereditários pós-parto e incluem pensamentos e obsessões relaciona-
com a etiologia desse transtorno. Não se constatou dos a possíveis contaminações da criança e pensamentos
relação genética diferente daquela já esperada em obsessivos negativos em relação ao trabalho de parto
quadros não puerperais. Levantou-se a hipótese de que (Labad et al., 2005).
algumas mulheres seriam mais sensíveis a variações A gestação também está associada ao aparecimen-
hormonais em qualquer momento de suas vidas, in- to do TOC em 13% das mulheres e constatou-se piora da
cluindo-se período pré-menstrual, menarca, gestação, sintomatologia em 29% das puérperas. Mulheres porta-
puerpério, menopausa e até mesmo durante o uso de doras de TOC também apresentam elevado risco para
anticoncepcionais. o desenvolvimento de depressão pós-parto (Williams e
Koran, 1997).
Transtorno do pânico
Transtornos puerperais
Um estudo comparou a sintomatologia em mulheres
com transtorno do pânico diagnosticado previamente Os transtornos psiquiátricos puerperais são caracte-
e constatou que 43% dessas pacientes apresentaram risticamente classificados como: disforia do pós-parto

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(puerperal blues), depressão pós-parto e psicose puer- à farmacoterapia e tende a necessitar de mais agentes an-
peral (Chaudron e Pies, 2003). tidepressivos para se obter remissão dos sintomas. Além
A puerperal blues costuma acometer as mulheres disso, é freqüente o relato de sentimentos ambivalentes
nos primeiros dias após o nascimento do bebê, atingindo acerca do bebê e de opressão pela responsabilidade de
um pico no quarto ou quinto dia após o parto e remitindo cuidar dos filhos (Beck, 1996; Nonacs e Cohen, 2000).
de maneira espontânea, no máximo, em duas semanas. Esses dados apresentam-se em favor da especificidade
Inclui choro fácil, labilidade do humor, irritabilidade e do conceito de depressão pós-parto.
comportamento hostil para com familiares e acompa- A psicose puerperal costuma ter início mais abrup-
nhantes. Esses quadros normalmente não necessitam to. Estudos verificaram que 2/3 das mulheres que apre-
de intervenção farmacológica, e a abordagem é feita no sentaram psicose puerperal iniciaram sintomatologia
sentido de manter suporte emocional, compreensão e nas duas primeiras semanas após o nascimento de seus
auxílio nos cuidados com o bebê (Cantilino, 2003). Evi- filhos. Descreve-se um quadro com presença de delírios,
dências sugerem que a depressão pós-parto pode ser alucinações e estado confusional que parece ser peculiar
parte ou continuação da depressão iniciada na gestação aos quadros de psicose puerperal. Pode haver sintomas
(Ryan et al., 2005). depressivos, maníacos ou mistos associados. Não foi
Os sinais e sintomas de depressão perinatal são estabelecida nenhuma apresentação típica. No entanto,
pouco diferentes daqueles característicos do transtorno essas mulheres costumam apresentar comportamento
depressivo maior não psicótico que se desenvolvem em desorganizado e delírios que envolvem seus filhos,
mulheres em outras épocas da vida. As pacientes apre- com pensamentos de lhes provocar algum tipo de dano.
sentam-se com humor deprimido, choro fácil, labilidade Apesar de o suicídio ser raro no período puerperal em
afetiva, irritabilidade, perda de interesse pelas ativida- geral, a incidência deste nas pacientes com transtornos
des habituais, sentimentos de culpa e capacidade de psicóticos nesse período é alta, necessitando muitas
concentração prejudicada. Sintomas neurovegetativos, vezes de intervenção hospitalar por esse motivo, bem
incluindo insônia e perda do apetite, são descritos com como pelo risco de infanticídio. Sintomas depressivos,
freqüência (Nonacs e Cohen, 1998; Gold, 2002). Contu- mais do que maníacos, em geral estão associados aos
do, alguns sintomas somáticos podem ser confundidos quadros em que ocorrem infanticídio ou suicídio (Chau-
com situações normais desse período. Assim, sintomas dron e Pies, 2003).
como hipersonia, aumento de apetite, fadigabilidade Estudos neurocientíficos recentes sustentam a hi-
fácil, diminuição do desejo sexual e queixas de dor e des- pótese de que a mulher portadora de psicose puerperal
confortos em diferentes sistemas são de pouca utilidade que comete infanticídio necessita mais de tratamento e
para o diagnóstico de depressão nessa fase. reabilitação do que de punição legal, a fim de se evitarem
É importante frisar que muitas mulheres com de- outras fatalidades decorrentes da gravidade do quadro;
pressão perinatal não revelam seus sintomas de depres- atualmente, alguns países já defendem essa hipótese. A
são com receio de possível estigmatização (Epperson, educação familiar também estaria presente nesse tipo
1999). As mulheres sentem que as expectativas sociais de intervenção (Spinelli, 2004).
são de que elas estejam satisfeitas e acabam sentindo-se
culpadas por estarem experimentando sintomas depres- Sobre escalas de depressão para uso na gravidez
sivos num momento que deveria ser de alegria.
Algumas particularidades clínicas são descritas na Até onde sabemos, não existem escalas desenhadas
depressão pós-parto. Há sugestão de haver um compo- especificamente para a detecção de depressão durante
nente ansioso mais proeminente (Ross et al., 2003), além a gravidez. Autores têm utilizado a Edinburgh Postnatal
de pensamentos recorrentes de causar danos ao bebê Depression Scale (EPDS) com essa finalidade (Clark,
(Jennings et al., 1999). Wisner et al. (1999) analisaram 2000; Areias et al., 1996). Um estudo americano testou
pensamentos obsessivos em mulheres deprimidas e o Inventário de Depressão de Beck (BDI) – uma escala
observaram que mulheres com depressão pós-parto para depressão geral – durante a gravidez e obteve o
tinham mais pensamentos de agressividade contra seguinte resultado com o ponto de corte em 16: sensi-
seus filhos do que mulheres deprimidas fora do período bilidade de 83%, especificidade de 89%, valor preditivo
pós-parto, independentemente da gravidade do quadro. positivo de 50% e valor preditivo negativo de 98% (Hol-
Godfroid et al. (1997), em estudo polissonográfico em comb et al., 1996). Provavelmente, o autor obteve um
mulheres com depressão, mostraram que mulheres baixo valor preditivo positivo pelo fato de o BDI conter
com depressão pós-parto tinham aumento significativo itens de sintomas físicos que se confundem com um
na fase IV do sono e menor tempo de estágio I quando quadro normal da gravidez.
comparadas a mulheres com depressão de gravidade Também têm sido utilizadas na gravidez escalas
semelhante fora do período pós-parto. Hendrick et al. que abordam preditores de depressão pós-parto. O
(2000), também numa comparação entre mulheres com Pregnancy Risk Questionnaire é uma escala de 18 itens
depressão no pós-parto e fora dele, observaram que a que lista fatores de risco psicossociais para depressão
depressão pós-parto requer mais tempo para responder pós-parto. Em estudo de validação original, obteve

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sensibilidade de 44% e valor preditivo positivo de 23% Realizando um estudo fenomenológico de de-
(Austin et al., 2005). Esses valores parecem bem ra- pressão pós-parto, Beck (1992) percebeu temas que
zoáveis para um instrumento de predição. Um outro descreviam mais sobre a essência dessa experiência.
instrumento com a mesma finalidade é o Postpartum Esses temas tinham relação com solidão insuportável,
Depression Predictors Inventory, uma checklist que pensamentos obsessivos, sensação de estar fora de si,
idealmente deve ser preenchida em cada um dos três culpa sufocante, dificuldades cognitivas, perda de inte-
trimestres de gravidez e que também acessa fatores de resses prévios, ansiedade incontrolável, insegurança,
risco psicossociais (Beck, 1998). perda de controle das emoções e idéias relacionadas
à morte. Um outro estudo fenomenológico conduzido
Detecção das mulheres com depressão pós-parto por Beck (1996) investigou especificamente o significa-
do de experiências de mães com depressão pós-parto
Mulheres no puerpério com freqüência são examina- que tinham interagido com seus bebês e crianças mais
das por seus obstetras ou clínicos gerais em consultas velhas. Num estudo de avaliação de instrumentos para
focadas na recuperação física após o parto. Além disso, depressão em mulheres no pós-parto, Ugariza (2000)
são vistas por pediatras dos seus filhos de quatro a seis assinalou a necessidade de uma escala de avaliação que
vezes durante o ano seguinte ao nascimento de seu bebê. pudesse mensurar sintomas específicos de depressão
Quando apresentam depressão, embora busquem ajuda pós-parto. Considerando as observações feitas nos estu-
mais comumente com esses médicos do que com profis- dos e procurando maior acurácia na triagem de pacientes
sionais de saúde mental (Gold, 2002), muitas vezes não com depressão pós-parto, idealizou-se a criação de uma
são diagnosticadas ou reconhecidas como deprimidas de nova escala que abrangesse esses conceitos.
forma adequada. Trabalhos recentes vêm mostrando a A PDSS, desenvolvida por Beck e Gable (2000),
utilidade do uso de escalas de auto-avaliação para triagem nos Estados Unidos, é uma escala de auto-avaliação do
de mulheres com depressão pós-parto em serviços de tipo Likert. O instrumento tem 35 itens que avaliam
atendimento primário (Buist et al., 2002). A possibilidade sete dimensões: distúrbios do sono/apetite, ansiedade/
de detecção de depressão pós-parto com essas escalas insegurança, labilidade emocional, prejuízo cognitivo,
tem-se mostrado significativamente maior que a detecção perda do eu, culpa/vergonha e intenção de causar dano
espontânea durante avaliações clínicas de rotina por mé- a si. Cada dimensão é composta de cinco itens que des-
dicos nesses serviços (Fergerson et al., 2002). As escalas crevem como uma mãe pode estar se sentindo após o
serviriam para alertar clínicos, obstetras e pediatras para nascimento de seu bebê (Beck e Gable, 2000).
aquelas mulheres que possivelmente precisariam de Um estudo foi conduzido fazendo-se uma análise
avaliação mais profunda e tratamento. comparativa da performance da PDSS com a EPDS
No Brasil, onde os médicos cada vez mais se (Beck e Gable, 2001). Um total de 150 mães no pós-parto
vêem obrigados a fazer atendimentos de um grande preencheu os dois instrumentos e, logo em seguida, foi
número de pacientes com uma disponibilidade de tempo submetido à entrevista para diagnóstico no DSM-IV.
pequena, instrumentos desse tipo acabam tendo valia Dezoito dessas mulheres (12%) foram diagnosticadas
considerável. Ademais, essas escalas são auto-aplicáveis como tendo depressão maior, 28 (19%) tinham depressão
e de fácil utilização por profissionais não médicos e sem menor e 104 (69%) não tinham depressão. Utilizando
especialização em saúde mental. Essas características os escores de pontos de corte para depressão maior
fazem que o procedimento de aplicação destas seja, recomendados nas publicações dos dois instrumentos,
além de prático, considerado de baixo custo, o que torna a PDSS conseguiu a melhor combinação de sensibilida-
viável a sua utilização em serviços de atenção primária de, 94%, e especificidade, 91%, entre as três escalas. A
à saúde. PDSS identificou 17 das mulheres (94%) diagnosticadas
Pensando nessa praticidade, foram criadas duas es- com depressão pós-parto e a EPDS, 14 dessas mulheres
calas desenhadas especificamente para rastreamento de (78%). O diferencial da sensibilidade observado pode se
depressão pós-parto: a EPDS, em 1987, e a Postpartum dever ao fato de a PDSS abordar outros componentes
Depression Screening Scale (PDSS), em 2000. Ambas desse transtorno do humor.
já possuem tradução para o português e validação no No Brasil, a EPDS foi traduzida para o português
Brasil, sendo o estudo da PDSS realizado por um dos e validada por Santos et al. (2000). Sessenta e nove
autores deste artigo (Cantilino, 2003). puérperas foram selecionadas de uma amostra maior
A EPDS (Cox et al., 1987) foi o primeiro instru- para preencherem o instrumento e serem entrevistadas.
mento encontrado na literatura desenvolvido para triar Usando o ponto de corte recomendado de 11/12, obteve-
especificamente a depressão pós-parto. A EPDS é um se sensibilidade de 72%, especificidade de 88% e valor
instrumento de auto-registro que contém 10 questões preditivo positivo de 78%. O instrumento foi validado
de sintomas comuns de depressão e que utiliza formato em Brasília – que, segundo o Programa das Nações
de respostas do tipo Likert. A mãe escolhe as respostas Unidas para o Desenvolvimento (2003), é uma cidade
que melhor descrevem o modo como tem se sentido na que apresenta um dos maiores índices de desenvolvi-
última semana. mento humano do Brasil – e a maior parte da amostra

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(72%) foi composta por mulheres com renda familiar relacionamento com seus filhos e, por conseqüencia, no
média-alta ou alta. Como os baixos índices de desenvol- desenvolvimento deles (Riguetti-Veltema et al., 2002).
vimento de algumas regiões brasileiras implicam baixa Deve-se, portanto, avaliar cada caso com especial
escolaridade, um fato também comum na periferia das atenção, a fim de estabelecer-se a melhor estratégia de
grandes metrópoles, a própria autora do estudo sugere tratamento para cada situação em particular, da maneira
a validação da EPDS em outras regiões e com amostras mais precoce possível.
de classes média e média-baixa para completar a análise
do instrumento no Brasil. Opções de tratamento
Assim, foi realizado estudo de validação da EPDS,
em Recife, com 120 puérperas, 60 delas de um serviço Pesquisas têm utilizado técnicas de tratamento psico-
público e 60 de um serviço privado. A sensibilidade foi farmacológico, psicossocial, psicoterápico e tratamen-
de 94%, a especificidade, de 85%, o valor preditivo nega- tos hormonais, além da eletroconvulsoterapia (ECT),
tivo, de 99%, mas o valor preditivo positivo foi baixo, 48% indicada para casos mais graves ou refratários a outras
(Cantilino et al., 2003). formas de tratamento. A maioria das inter venções
A PDSS também teve uma tradução sistematizada psicossociais e hormonais tem-se mostrado pouco
e foi submetida a estudo de validação no Brasil. Nesse eficiente. Entretanto, resultados de estudos focados
estudo, 120 puérperas foram avaliadas (60 num serviço sobre psicoterapia interpessoal, estratégias cognitivo-
público e 60 num serviço privado). A PDSS apresentou comportamentais e intervenções farmacológicas têm-se
sensibilidade de 94%, especificidade de 95%, valor predi- evidenciado eficientes.
tivo positivo de 75% e valor preditivo negativo de 99%. Os
resultados presentes confirmam sua validade da PDSS
Uso de psicofármacos durante gestação
na população brasileira para rastreamento de depressão
pós-parto (Cantilino, 2003; Cantilino et al., no prelo). e lactação
A decisão de oferecer tratamentos biológicos às ges-
Importância do diagnóstico e tantes é um processo decisório complexo que envolve
tratamento precoces uma interação constante entre paciente, família, obste-
tra e psiquiatra. Estabelecer uma aliança terapêutica é
O infanticídio e o suicídio estão entre as complicações fundamental. A confiança que a gestante deposita em
mais graves decorrentes de transtornos puerperais sem seus médicos certamente minimizarará qualquer per-
intervenção adequada. No entanto, a existência de trans- calço, principalmente os efeitos colaterais que podem
tornos psiquiátricos não só no puerpério, mas também na ocorrer durante o tratamento. Essa decisão sempre
gestação, pode levar a outras graves conseqüências. deve levar em conta, como sua mola mestra, a relação
Mulheres com diagnóstico de esquizofrenia ou risco-benefício.
depressão maior apresentaram elevado risco para Wisner et al. (2000) publicaram uma importante
complicações na gravidez, trabalho de parto e período revisão ressaltando o tema. Entre os vários conceitos
neonatal. Entre essas complicações, há anormalidades levantados por essa equipe estavam a essencialidade
placentárias, hemorragias e sofrimento fetal. Mulheres do consentimento informado e o respeito pelos valores
com esquizofrenia apresentam risco elevado para desco- e pelas preferências da paciente por parte do médico,
lamento prematuro de placenta e, mais freqüentemente, que sempre colocará com clareza sua experiência na
tiveram filhos com baixo peso ao nascer. Essas crianças discussão, ou seja, o médico oferece suporte e soluções
também apresentaram malformações cardiovasculares aos problemas levantados, já que a paciente é convocada
e menor circunferência encefálica do que os filhos de a participar da melhor forma possível da decisão, que,
mães saudáveis (Jablensky et al., 2005). em geral, deixa inteiramente a cargo do médico.
Seng et al. (2001) constataram que mulheres porta- Diante de uma história clínica a mais completa pos-
doras de transtorno de estresse pós-traumático apresen- sível, as opções de tratamento são oferecidas, incluindo-
tavam risco elevado para gravidez ectópica, abortamento se a de não tratar. Entre as opções estão os tratamentos
espontâneo, hiperemese gravídica, contrações uterinas biológicos (os medicamentos são descritos levando-se
prematuras e crescimento fetal excessivo. em consideração a sua eficácia e os riscos particula-
O relacionamento mãe-filho também demonstrou res para mãe e feto). Os possíveis riscos envolvem
estar prejudicado quando foram avaliadas 507 mães e toxicidade fetal, considerando-se a morte intra-uterina,
seus filhos, aos 3 meses de idade. Os filhos de mães malformações físicas, prejuízo de crescimento, teratoge-
que apresentaram diagnóstico de depressão pós-parto nicidade comportamental e toxicidade neonatal.
tinham dificuldades para dormir e se alimentar. Apre- Algo que deve ser mencionado com veemência à
sentavam também prejuízos de interação corporal com gestante é que o fato de não tratar poderá trazer muito
o ambiente e sorriso social diminuído. Essas pacientes mais danos ao feto, pelo que haverá, devido ao estresse,
queixavam-se com muita freqüência de cansaço exces- efeito sobre o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, com au-
sivo, o que acabava refletindo de forma negativa no mento de cortisóides e danos ao produto conceptual.

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
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Situações extremas, como tentativa ou risco hipotensivos sobre a mãe, o que indicaria preferên-
elevado de suicídio ou um estado psicótico no qual a cia pela desipramina (risco C), já que a nortriptilina
paciente não responde, até mesmo do ponto de vista tem risco D. Os inibidores seletivos da recaptura da
legal, pelos seus atos, tenderão à decisão de medicação serotonina (IRSS), em geral, também têm tido sua se-
compulsória. gurança bem estabelecida ao longo do tempo, embora
Como o risco de teratogenicidade é a principal preo- tenham, obviamente, menos tempo de mercado que
cupação da gestante, a Food and Drug Administration os tricíclicos. A “irmã mais velha”, fluoxetina, é larga-
(FDA), órgão norte-americano que controla alimentos e mente usada e tem risco B; alguma restrição ficaria
fármacos, estabeleceu uma classificação, segundo esse por conta de sua meia-vida bastante longa, ou seja,
risco, para cada psicofármaco: numa eventual necessidade de retirada, a droga ainda
• Risco A: estudos controlados não demonstram permaneceria algum tempo no organismo. A paroxe-
risco. Estudos adequados e bem controlados em tina, que até recentemente era bastante utilizada em
gestantes não têm demonstrado ou evidenciado gestantes, teve a sua segurança contestada em artigo
nenhum risco ao feto. de Williams e Wooltorton (2005), que apontaram risco
• Risco B: sem evidência de risco em humanos. Ou teratogênico bastante importante para essa droga, que
os achados em animais demonstram risco, mas os está sendo reclassificada como risco D, devendo ser,
achados em humanos não, ou se estudos adequa- portanto, utilizada em último caso. Particularmente
dos em humanos não têm sido realizados, achados seguros e cada vez mais utilizados são a sertralina e o
em animais são negativos. citalopram, com o estabelecimento de sua segurança
• Risco C: risco não pode ser excluído. Faltam cada vez maior (risco B). A fluvoxamina tem risco C,
estudos em humanos, e os estudos em animais assim como o escitalopram, embora não haja relato de
são positivos para o risco fetal ou estão ausentes teratogenicidade para essa droga.
também. Contudo, potenciais benefícios podem Os inibidores da monoaminooxidase (IMAOs)
justificar o risco potencial. também têm risco B atribuído, seus efeitos hipotensores,
• Risco D: evidência positiva de risco. Dados em particular da tranilcipromina, além da própria ques-
de investigação ou relatados, posteriormente, tão dietética, seriam restritivos. Venlafaxina, mirtazapina
mostram risco ao feto. Ainda assim, potenciais e reboxetina têm classificação C, e seu uso em gestação
benefícios podem ter mais valor que o risco em também tem aumentado. Duloxetina é uma droga muito
potencial. recente e não encontraria uma classificação ainda apro-
• Risco X: contra-indicação absoluta em gravidez. priada. A opção antidepressiva de risco A seria o uso do
Estudos em animais ou humanos de investigação, triptofano, de eficácia discutível.
ou relatados posteriormente, mostram um risco
fetal que claramente suplanta qualquer possível Estabilizadores do humor e anticonvulsivantes
benefício à paciente. O carbonato de lítio (risco D) é bem associado a mal-
formações, em particular cardiovasculares – especial-
Dessa maneira, é fácil concluir que o tempo que mente a anomalia de Ebstein –, e o seu uso é proibido
uma determinada medicação possui no mercado, ou no primeiro trimestre. Pode ser utilizado nos segundo
seja, a experiência a ela associada, é fundamental nessa e terceiro trimestres com muita indicação, esgotadas
classificação, e a segurança oferecida pelas medicações outras possibilidades. Carbamazepina e oxcarbazepina
mais novas muitas vezes ainda não pode ser traduzida têm risco C associado, mas parecem ser a melhor op-
em relação ao seu uso em gravidez. ção, particularmente para o primeiro trimestre, já que o
valproato/divalproato atravessa facilmente a placenta e
Particularidades de cada classe de tem sido ligado a algumas malformações, em particular
psicofármacos a espinha bífida (risco D). Fenitoína também tem risco
D, pois também atravessa a membrana fetal e é asso-
Descrever o risco inerente a cada droga de cada grupo ciada a síndrome fetal hidantoínica, caracterizada por
psicofarmacêutico seria longo e fugiria em parte do retardo do crescimento, retardo mental, defeitos faciais,
contexto deste artigo. Concentra-se atenção nas mais hirsurtismo, anomalias cardiovasculares, geniturinárias
conhecidas e usadas. Os dados usados a seguir são do e gastrointestinais. Fenobarbital tem clara implicação
Commitee on Drugs of American Academy of Pediatrics teratogênica (risco D). Lamotrigina e vigabatrina têm
(2000) e de Bazire (2002). relativamente pouco tempo de uso, e a classificação é
C. Topiramato também é C, embora demonstre alguma
Antidepressivos teratogenicidade em ratos.
Os antidepressivos tricíclicos estão há muito tempo em
uso e, portanto, a sua segurança tem sido estabeleci- Antipsicóticos
da ao longo dos anos, particularmente a amitriptilina Os antipsicóticos de gerações mais recentes têm, em
(risco B). A questão pode ficar por conta dos efeitos geral, a preferência no tratamento, em especial por sua

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eficácia em sintomas negativos. Destes, a risperidona Tratamento hormonal


usufrui de mais tempo no mercado, e riscos não lhe
têm sido atribuídos, embora ainda apresente risco C. O tratamento hormonal nos transtornos do humor é
Quetiapina e olanzapina também têm alguma segurança muito antigo, e atualmente o uso de estrógenos sublin-
associada (risco C), pois não se fez ainda nenhuma asso- guais e transdérmicos, como o 17-B estradiol tem sido
ciação de teratogenicidade. A quetiapina é a menos estu- testado no tratamento da depressão pós-parto (Murray,
dada até o momento, mas pode ser interessante por sua 1996). Embora esses relatos proponham que o uso de
falta de ação sobre a prolactina, assim como a clozapina estrógenos tenha bons resultados, apenas números
(risco B), particularmente segura, mas com a limitação modestos de melhora sintomática foram apresentados.
da farmacovigilância relacionada à agranulocitose, além Acredita-se que os estrógenos atuem pela interação
de efeitos hipotensores e grande sedação. O haloperidol com receptores do núcleo e de membranas celulares
e as fenotiazinas (levomepromazina, clorpromazina) (McEwen, 1999). A ação desses hormônios sobre
apresentam segurança relativamente bem estabeleci- receptores de membrana representaria um papel im-
da, pelo tempo de mercado que possuem (risco B). O portante na síntese, na liberação e no metabolismo de
haloperidol chegou a ser usado, em doses baixas, como neurotransmissores, como a noradrenalina, a dopamina,
alternativa para hiperemese gravídica. Possíveis limita- a serotonina e a acetilcolina (Stahl, 2001). Os estrógenos
ções podem residir nos efeitos colaterais. também agiriam sobre neuropeptídeos (por exemplo,
fator de liberação de corticotrofinas [CRF], neuropep-
Benzodiazepínicos tídeo Y [NPY]), influenciando também a modulação de
Têm tido alguma teratogenicidade associada, embora os outras atividades, como a termorregulação em centros
dados sejam controversos pela sua freqüente associação hipotalâmicos, e o controle da saciedade, do apetite e
com álcool e drogas ilícitas. Alprazolam não traz relatos da pressão arterial sangüínea. Assim, em períodos de
formais de teratogenicidade (risco C). Clordiazepóxido variações abruptas dos níveis de estrógenos circulantes,
(risco D) atravessa a placenta e tem sido relacionado à ocorreria maior vulnerabilidade para o desenvolvimento
teratogenicidade, em particular se usado nos primeiros de transtornos psíquicos na mulher, particularmente de
42 dias da gestação. Diazepam e lorazepam são asso- cognição e do humor.
ciados de forma costumeira, quando usados no último Em relação à utilização de doses suprafisioló-
trimestre, a recém-nascidos hipotônicos ou com lenti- gicas de estrogênios, são necessários mais estudos
ficação de respostas, incluindo o reflexo para mamar; que comprovem sua eficácia em mulheres que estão
por isso, seriam classificados como risco D. Clonazepam amamentando. Essa modalidade de tratamento não é
apresenta relativa segurança e recebe a classificação a primeira escolha ao se considerarem riscos e benefí-
C. Dos demais benzodiazepínicos, não se têm muitas cios do tratamento estrogênico para mulheres em fase
informações estabelecidas. reprodutiva.

Uso de psicofármacos durante a lactação Psicoterapia


Atualmente, muitos antidepressivos estão sendo estu- Muitas mulheres abandonam ou não aceitam o trata-
dados em relação à lactação, e os ISRS foram os menos mento farmacológico quando descobrem estar grávidas,
presentes no leite materno. Entre eles, a sertralina e a pa- e conforme a história de evolução e menor gravidade
roxetina parecem ser as melhores alternativas (Haberg e da doença, a psicoterapia pode ser uma boa opção de
Matheson, 1997). Também foram consideradas seguras tratamento.
(de baixo risco) as seguintes drogas: sulpirida, a maioria A psicoterapia também pode ser uma aliada no que
dos tricíclicos, triptofano, moclobemida, benzodiazepí- diz respeito a medidas de descontinuação ou redução de
nicos em dose baixa e única, zolpidem, carbamazepina, dose no tratamento farmacológico, diminuindo o risco
valproato em doses baixas e fenitoína. de recaídas ou os sintomas depressivos na gestação.
Drogas como haloperidol, fenotiazinas em baixas No entanto, é importante ressaltar que não é adequado
doses, IMAOS, mirtazapina, ISRS, trazodona, benzo- descontinuar a farmacoterapia em casos mais graves ou
diazepínicos e betabloqueadores foram consideradas recorrentes. Episódios depressivos leves ou depressão
de risco moderado. menor podem ter boa resposta ao tratamento psicoterá-
A clozapina é contra-indicada pelo risco de agra- pico, sendo benéfico às pacientes e ao feto tentar inicial-
nulocitose, e estudos realizados em animais detecta- mente o tratamento não farmacológico nesses casos.
ram-na no leite. Antipsicóticos de última geração ainda Newport et al. (2002) realizaram um estudo com
têm poucos estudos, devendo-se então não utilizá-los. 576 mulheres no pós-parto. Foram estudadas as abor-
Deve-se evitar também o uso do carbonato de lítio pelo dagens psicoterápicas mais significativas na redução
risco de toxicidade no bebê. Ainda há poucos estudos da sintomatologia nesses casos e verificaram-se duas
relacionados aos novos antidepressivos para que possam modalidades mais efetivas: a psicoterapia interpessoal,
ser utilizados com segurança (Botega et al., 2006). que foca o seu trabalho nos sintomas depressivos da

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
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paciente e no seu relacionamento com o mundo, assim Eletroconvulsoterapia (ECT)


como o rompimento da barreira interpessoal; e a terapia
cognitivo-comportamental (TCC), que tem como objeti- Gestantes severamente deprimidas, com idéias suicidas,
vo ajudar o paciente a solucionar seus comportamentos quadros de mania, catatonia ou psicose podem neces-
e cognições disfuncionais por meio da aprendizagem e sitar de internação e, com freqüência, o tratamento de
escolha nesses casos é a ECT. Duas revisões recentes
da reestruturação cognitiva.
constataram que seu uso é seguro e eficaz durante a
A TCC tem como base avaliar quais são as idéias, os
gestação. Em uma revisão com 300 casos tratados com
pensamentos e as emoções que a pessoa possui sobre si ECT durante a gestação, publicados nos últimos 50 anos,
mesma e que se encontram distorcidos, provocando uma houve relato de quatro trabalhos de parto prematuros
cadeia de reações comportamentais disfuncionais. apenas. Não houve nenhum caso de ruptura prematura
Em pacientes deprimidos, é comum aparecerem re- de placenta (Nonacs e Cohen, 2002).
latos de idéias, pensamentos e sentimentos que acabam Pesquisas recentes sugerem que o risco é mínimo
deixando o paciente com humor alterado, refletindo-se durante a gravidez, tanto em relação à própria ECT
assim diretamente na vida dele e dos que o rodeiam. Es- quanto aos medicamentos utilizados durante o procedi-
ses pensamentos denominados automáticos são o cerne mento, fazendo da ECT um recurso útil no tratamento
da teoria cognitivo-comportamental. A mudança desses de transtornos psiquiátricos em gestantes. Maletzky
pensamentos, muitas vezes distorcidos da realidade, faz (2004) realizou um estudo de revisão de 27 casos, des-
com que o paciente com depressão passe a reavaliar sua crevendo que, em 4 destes, a condição de gestante foi a
condição e reestruturar seu cotidiano. principal indicação para a escolha de ECT como medida
No caso das mulheres que apresentam depressão terapêutica, escolha esta realizada em função da segu-
pós-parto, é extremamente comum apresentarem pensa- rança do método em relação aos riscos que podem haver
mentos e sentimentos relacionados a questões referen- quando ocorrem transtornos depressivos nessa fase. A
tes aos cuidados do bebê e à sua situação atual. Dessa ECT seria um procedimento adequado também como
maneira, a atuação da TCC visa avaliar e reestruturar tais alternativa à farmacoterapia convencional às mulheres
que não poderiam ser expostas a determinados tipos
cognições que refletem em seu comportamento.
de medicações durante a gravidez, ou àquelas que não
Meager (1996) detectou melhora significativa em
responderam ao tratamento farmacológico.
gestantes e puérperas que foram submetidas à TCC em
grupos de terapia, baseando-se nas escalas de Edinbur-
gh, no Inventário de Beck para Depressão e no Profile
Conclusão
of Mood States. Os transtornos psiquiátricos na gestação e no puer-
Spinelli e Endicott (2003) realizaram um estudo pério são mais comuns do que se imagina, e muitos
com gestantes, comparando dois grupos diferentes: o casos ainda são subdiagnosticados. Tem-se dado
primeiro foi submetido a técnicas de educação familiar e importância crescente ao tema, e pesquisas recentes
o segundo, à psicoterapia interpessoal. As mulheres do têm focado também o prejuízo que essas patologias
segundo grupo foram submetidas a sessões semanais podem ocasionar não só à saúde da mãe, mas também
de 45 minutos, durante 16 semanas. Obtiveram-se os se- ao desenvolvimento do feto, ao trabalho de parto e à
guintes resultados: baseando-se na escala de Edinburgh, saúde do bebê. Múltiplos fatores de risco estão envol-
notou-se melhora em 11,8% das pacientes submetidas a vidos, mas a etiologia exata ainda não foi estabelecida.
técnicas de educação familiar e em 33,3% das mulheres Esses transtornos costumam acometer pacientes que
submetidas à psicoterapia interpessoal. Em relação já tenham história de patologia psiquiátrica prévia,
à escala de Hamilton, notou-se melhora em 29,4% no portanto, uma boa medida de prevenção é o tratamento
primeiro e 52,4% no segundo grupo, respectivamente. adequado desses episódios. As medidas de tratamento
Tendo-se como base o Inventário de Depressão de Beck, ainda são amplamente discutidas, devendo-se levar em
houve melhora em 23,5% das pacientes do primeiro consideração a relação risco–benefício, sendo, assim,
grupo, enquanto 52,4% das pacientes submetidas à o bom senso do médico um aliado importante quanto
psicoterapia interpessoal melhoraram. à escolha do tratamento nesses casos.

Camacho, R.S.; Cantinelli, F.S.; Ribeiro, C.S.; Cantilino, A.; Gonsales, B.K.; Braguittoni, E.; Rennó Jr., R. Rev. Psiq. Clín. 33 (2); 92-102, 2006
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Módulo 3
Psicologia: Teoria e Pesquisa
2008, Vol. 24 n. 2, pp. 133-141

Gravidez do Primeiro Filho: Papéis Sexuais, Ajustamento Conjugal e Emocional1


José Augusto Evangelho Hernandez2
Instituição Educacional São Judas Tadeu
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Cláudio Simon Hutz
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO – Esta investigação examinou as relações entre papéis sexuais, ajustamento conjugal e emocional de mulheres no
período de gravidez da transição para a parentalidade. Participaram 135 mulheres recrutadas na rede pública de saúde (SUS).
As gestantes estavam esperando os seus primeiros filhos e coabitavam com seus parceiros, independentemente de serem
formalmente casadas. Os instrumentos utilizados foram o Bem Sex-Role Inventory (Bem, 1974), a Dyadic Adjustment Scale
(Spanier, 1976) e a Escala Fatorial de Neuroticismo (Hutz & Nunes, 2001). A coleta foi individual e, em geral, os instrumentos
foram preenchidos na presença do entrevistador. Um número pequeno de questionários foi respondido no domicílio dos
sujeitos e, posteriormente, devolvido aos pesquisadores. Os resultados mostraram relações significativas entre Papéis Sexuais
e Ajustamento Conjugal. Os dados são discutidos à luz da Teoria de Esquema de Gênero e do conhecimento produzido na
linha de pesquisa da transição para a parentalidade.

Palavras-chave: gravidez; papéis sexuais; transição para a parentalidade; ajustamento conjugal; ajustamento emocional/
neuroticismo.

First Child Pregnancy: Sex Roles, Marital and Emotional Adjustment

ABSTRACT – The present investigation examined the relationship between sexual roles and pregnant women marital and
emotional adjustment on the transition to parenthood. A hundred thirty three women participants were recruited from the public
health care network in southern Brazil. The participants lived together with their partners and they were waiting for their first
son or daughter. The tests used were the Bem Sex-Role Inventory (Bem, 1974), the Dyadic Adjustment Scale (Spanier, 1976)
and the Neuroticism Factor Scale (Hutz & Nunes, 2001). The data collection was individual and, in several cases, they fill the
instruments in an interviewer presence. In a small amount of cases, participants responded to the instruments at home and later
they returned them to the researcher. The results showed significant relationships between sex roles and marital adjustment.
The results are discussed based on gender theories and on the international research on the transition to parenthood results.

Key words: pregnancy; sex roles; transition to parenthood; marital adjustment; emotional adjustment/neuroticism.

Esta pesquisa verificou as relações de papéis sexuais com tamentos e nos relacionamentos interpessoais das mulheres.
o ajustamento conjugal e emocional em mães envolvidas com O primeiro trimestre da gravidez é um período de fusão no
a gestação dos seus primeiros filhos. Este estágio da transição qual a mãe percebe o feto como uma parte fisicamente inte-
para a parentalidade é um período do ciclo vital humano carac- grada de si mesma. No período seguinte, caracterizado pela
terizado pelo início de mudanças fortemente impactantes sobre diferenciação, o feto cresce como um indivíduo separado.
a vida das mulheres que o experimentam (Carter & McGoldrick, A terceira fase é caracterizada pela separação psicológica e
2001; Goldberg, Michaels & Lamb, 1985; Knauth, 2001) e, pelo crescimento da curiosidade das mulheres acerca do encon-
portanto, se constitui num contexto estimulante para testar tro com o bebê. Além da adaptação ao feto e ao bebê recém-
o modelo proposto pela psicóloga norte-americana Sandra nascido, geralmente, a primeira gravidez traz implicações no
Bem (1974, 1975, 1977, 1981) em sua Teoria do Esquema relacionamento das mulheres com seus parceiros.
de Gênero. A literatura especializada, há décadas, vem divulgando
Öhman, Grunewald e Waldenström (2003) apresentaram pesquisas que mostram nos seus resultados relações entre
a gravidez como um período caracterizado por mudanças papéis sexuais e relacionamento conjugal em geral (Belsky,
biológicas, psicológicas e sociais. A primeira gravidez é Lang & Huston, 1986; Deutsch & Gilbert, 1976; Isaac &
uma transição semelhante à menarca e à menopausa, uma Shah, 2004; Juni & Grimm, 1993, 1994, 1994; MacDermid,
passagem de um estágio de desenvolvimento para outro, Huston & McHale, 1990; McGovern & Meyers, 2002;
com implicações na auto-imagem, nos valores, nos compor- Zammichieli, Gilroy & Sherman, 1988). Também inúmeros
dados que apóiam a idéia da associação entre papéis sexuais
1 Esta pesquisa foi parcialmente financiada pelo Hospital de Clínicas e saúde mental em geral têm sido apresentados (Bassoff,
de Porto Alegre/GPPG/Comissão Científica e Comissão de Pesquisa e
Ética em Saúde com recursos financeiros do FIPE.
1984; Bassoff & Glass, 1982; Berthiaume, David, Saucier
2 Endereço: Rua Dr. Ernesto Di Primio Beck 240, Bairro Partenon. Porto & Borgeat, 1996; Cook, 1987; Harris & Schwab, 1990;
Alegre, RS. Brasil 91510-490. E-mail: [email protected] Williams & D’Alessandro, 1994). No entanto, são escassas

133
J. A. E. Hernandez & C. S. Hutz

as pesquisas publicadas com sujeitos brasileiros que tenham e se refletem na categorização de estereótipos e valores sobre
verificado essas relações. Além disso, registra-se a publicação o sexo. Na Teoria de Processamento de Informação foram
de alguns ensaios críticos, tais como Brasileiro, Jablonski e elaborados alguns modelos que explicam o desenvolvimento
Féres-Carneiro (2002). e funcionamento dos estereótipos de gênero com base em esque-
mas cognitivos integráveis no autoconceito. Partindo da idéia de
Papéis Sexuais que os sujeitos integram a informação recebida sobre uma base
de esquemas previamente estabelecida, é lógico pensar que a
A revisão de Constantinople (1973), um marco na área, designação social de gênero atuará prontamente, possibilitando
buscou definições teóricas e concluiu que masculinidade e o desenvolvimento de uma extensa rede de associações internas
feminilidade parecem estar entre os conceitos mais turvos do que, quando ativadas, serão decisivas para interpretar a realidade
vocabulário dos psicólogos. A mais generalizada definição dos e, especialmente, o autoconceito (Barberá, 1998).
termos é que estes seriam traços relativamente duradouros que Para Sternberg (2000), conceito é a unidade essencial
estariam mais ou menos enraizados na anatomia, fisiologia e do conhecimento simbólico, a idéia que se tem sobre algum
experiências iniciais e, geralmente, serviriam para distinguir objeto. Na maioria dos casos, a idéia toda pode ser captada
homens e mulheres na aparência, atitudes e comportamento. com um único termo, por exemplo, mulher. O conceito pode
Lenney (1991) observou que algumas abordagens teóricas estar relacionado com muitos outros, no caso citado, mulher
definem papéis sexuais como as características, atitudes, pode se relacionar com delicadeza, suavidade, afetividade,
valores e comportamentos que a sociedade especifica como etc. Ou seja, os conceitos, em geral, se organizam nos esque-
apropriados para homens e mulheres. Gilbert (1985) susten- mas. Os esquemas são estruturas mentais que representam o
tou que papéis sexuais se referem às expectativas normativas conhecimento e são constituídos por uma série de conceitos
sobre a divisão de trabalho entre os sexos e as regras sobre inter-relacionados organizados de forma significativa.
interações sociais relativas ao gênero que existem numa Na Gender Schema Theory (Bem, 1974, 1981), o esquema
cultura ou contexto histórico particular. de gênero foi concebido como um contínuo simples, com dois
Stewart e McDermott (2004) comentaram que gênero é um pólos, em um dos quais estariam situados os sujeitos esque-
fator ou variável empírica amplamente reconhecida na compre- máticos (fortemente masculinos ou femininos), enquanto, no
ensão de vários aspectos do comportamento. Na psicologia, extremo oposto, estariam os sujeitos com orientações fracas
gênero é usado empiricamente, com freqüência, sem muita de papéis sexuais e os que apresentam tendências de sexo cru-
consciência de seu significado social ou conceitual. Dessa zado, não esquemáticos segundo o gênero ou não tipificados
forma, os psicólogos usam-no de três maneiras completamen- sexualmente. A classificação desses dois tipos (esquemáti-
te diferentes: para significar diferenças sexuais, variabilidade cos/tipificados e não esquemáticos/não tipificado) se baseou
no sexo e gênero vinculado às relações de poder que estru- nas divergências quanto à disponibilidade cognitiva, que se
turam muitas interações e instituições sociais. manifestaria tanto em nível de discriminação perceptiva,
Oliveira (1983) questionou por que mulheres e homens associativa e de memória, quanto no referente às expectativas
tendem a comportar-se de maneiras diversas. Até os anos e crenças sobre a polaridade de gêneros. Os esquemáticos
1960, os pesquisadores sempre procuraram avaliar as carac- teriam maior predisposição para classificar as informações
terísticas masculinas e femininas de personalidade baseados em categorias de masculino e feminino e para decidir que
num modelo bipolar e unidimensional. Nessa perspectiva, o atributos incluiriam ou não em seu autoconceito.
paradigma central é o pressuposto de que homens e mulheres O esquema cognitivo de gênero (Bem, 1981) estaria estrei-
diferem em muitas de suas características, nos estereótipos tamente ligado aos padrões sócioculturais de comportamentos
sociais, nos padrões de desempenho de papéis sexuais ou nas esperados para cada um dos sexos. Uma vez aprendido, esse
prescrições culturalmente aprovadas para indivíduos do sexo esquema predisporia a criança a perceber o mundo, também,
masculino e para indivíduos do sexo feminino: homens são em termos sexuais. Os esquemas de gênero serviriam para
mais independentes e agressivos e mulheres, mais dependen- a criança avaliar a si própria e aos que a rodeiam em termos
tes e amáveis. Para o pesquisador, o sistema social parece de adequação aos padrões definidos pela sociedade para os
guiar as crianças do sexo masculino a caminharem por um sexos, sentindo-se motivada a ajustar-se a essas definições.
lado e as do sexo feminino por outro, na direção de como A auto-estima e o autoconceito seriam desenvolvidos, tam-
ser homem e como ser mulher, respectivamente. Oliveira bém, sob a regência do esquema de gênero.
(1983) comentou que nas últimas décadas muito tem sido As pessoas esquemáticas/tipificadas são aquelas que,
escrito sobre as mudanças desses papéis sexuais, com homens em função de um “fator motivacional internalizado”, orga-
apresentando emoções e mulheres sendo encorajadas a serem nizam as informações em termos das definições culturais
assertivas e negociadoras. de masculinidade e feminilidade e cujo autoconceito e
Na psicologia cognitiva convivem, principalmente, duas comportamento resultam desse processamento. Por outro
teorias cognitivas tradicionais que abordam o desenvolvimen- lado, tais conotações não são marcantes para pessoas não
to do gênero: Kohlberg (1972) sustentou que o processo de esquemáticas ou não tipificadas. As diferenças individuais
tipificação se apóia no marco evolutivo geral da compreensão ficariam por conta do quanto, na história pessoal do indivíduo,
da realidade, afetando a organização cognitiva dos sexos foi enfatizada a importância das dicotomias de gênero (Bem,
sobre a qual se conformará gradativamente, a constância do 1981). A androginia representaria uma forma particular de
gênero. Da interação entre os estereótipos de papéis sexuais processar informação. Os andróginos, diferentes dos esque-
e a suas identidades surgirão os seus atributos. Dessa forma, máticos/tipificados, não contam com conotações sexuais para
as mudanças na maturação cognitiva afetam a autopercepção orientar o seu processamento de informação. Estes podem

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Gravidez do Primeiro Filho

até estar inconscientes das diferenças quanto à propriedade proeminente na pesquisa sobre o casamento e o relacionamento
ou impropriedade sexual de uma dada situação. familiar até a metade dos anos 1970. Apesar disso, reconheceu a
A noção de flexibilidade de papel sexual como uma validade das críticas que classificavam o conceito de ajustamento
característica dos andróginos tem sido proposta há mais de conjugal como vago e ambíguo. Em decorrência, construiu
três décadas (Bem, 1974). Flexibilidade de papel sexual tem um novo instrumento numa tentativa de melhorar a medida
sido conceitualizada como uma qualidade adaptativa relativa de ajustamento conjugal integrando definições nominais,
à apresentação de comportamentos flexíveis às situações. operacionais e mensuração.
Cheng (2005) chegou à conclusão de que os andróginos De acordo com Spanier (1976), o ajustamento conjugal
podem não ter um conhecimento mais amplo de estratégias pode ser visto em duas perspectivas distintas – como um
de coping do que os outros tipos de papéis sexuais, porém são processo ou uma avaliação qualitativa de um estado. Para o
mais flexíveis na distribuição de estratégias de coping conforme autor, definir ajustamento conjugal como um processo tem
a necessidade de controle de diferentes estressores. A autora diversas implicações, sendo a mais importante delas a de
também verificou que andróginos experimentam níveis de de- que um processo pode ser melhor estudado ao longo do
pressão mais baixos em períodos estressantes do ciclo vital. tempo. Sem dúvida, os estudos transversais na investigação
Diversas escalas têm sido desenvolvidas para medir pa- do ajustamento têm algum valor, contudo, é evidente que um
péis sexuais, sendo que as mais usadas são o Bem Sex Role processo pode ser observado melhor mediante delineamentos
Inventory (BSRI) de Bem (1974) e o Personal Attributes longitudinais. Uma definição de processo é estabelecida não
Questionnaire (PAQ) de Spence, Helmreich e Stapp (1975). apenas pela existência de um continuum, mas também na
Os resultados da pesquisa de Bem (1974) levaram às seguintes crença de que há movimento junto com o continuum. Assim,
conclusões: 1) as dimensões da masculinidade e da feminilidade o processo de ajustamento conjugal consiste nos eventos,
são empírica e logicamente independentes; 2) o conceito de circunstâncias e interações que movem o casal para frente e
androginia psicológica é fidedigno e está definido operacional- para trás junto com esse continuum.
mente pela obtenção de índices altos ou baixos em ambas as A DAS teve sua primeira análise fatorial confirmatória
escalas de masculinidade e feminilidade; 3) escores fortemente realizada por Spanier e Thompson (1982), que encontraram
tipificados sexualmente não refletem uma tendência geral uma solução para quatro fatores, explicando 94% da covariân-
do indivíduo para responder em uma direção socialmente cia entre os itens, confirmando a proposta original. Além
desejável, mas sim uma tendência específica para a autodes- disso, o coeficiente Alpha de Cronbach para a escala toda
crição, em concordância com os padrões de comportamento foi de 0, 91. Recentemente, Ahlborg, Persson e Hallberg
desejáveis para homens e mulheres. (2005) avaliaram a DAS e fizeram modificações para uso
O BSRI foi revisado por Bem (1977) após as contribuições com novos pais. Porém, esse novo instrumento foi publicado
de Spence e cols. (1975). Estes argumentaram que as pessoas após o início da coleta de dados da investigação atual, o que
andróginas deveriam apresentar apenas índices elevados nas impossibilitou o seu uso.
escalas de masculinidade e feminilidade. Pessoas com índices
baixos deveriam ser classificadas como “indiferenciados”. Papéis sexuais e ajustamento conjugal
A primeira adaptação do BSRI à cultura brasileira foi re-
alizada por Oliveira (1983), uma reavaliação feita por Koller, Waldron e Routh (1981) estudaram casais esperando seus
Hutz, Vargas e Conti (1990) revelou diversos problemas com primeiros filhos. No pré-natal, não foi encontrada relação
o instrumento que o levaram, em seguida, a uma readapta- entre os papéis sexuais e o ajustamento conjugal. Destarte, nas
ção (Hutz & Koller, 1992). Hernandez (no prelo) verificou últimas décadas, diversos estudos, em contextos variados (Antill,
a estrutura desta readaptação e os resultados mostraram 1983; Baucom & Aiken, 1984; Davidson & Sollie, 1987; Juni
evidências de que a atual versão brasileira do instrumento & Grimm, 1993, 1994; Lamke, 1989; Langis, Sabourin, Lussier
continua sendo válida e fidedigna. & Mathieu, 1994; Murstein & Williams, 1983; Zammichieli &
As duas maiores áreas ligadas à pesquisa em papéis cols., 1988), têm descoberto que o ajustamento conjugal está
sexuais são: ajustamento psicológico e relacionamento associado com papéis sexuais.
interpessoal. Coincidentemente, as duas grandes áreas de Os resultados de Antill (1983) indicaram que maridos e
interesse na pesquisa em transição para a parentalidade têm esposas com altos escores em feminilidade estavam mais sa-
sido a do ajustamento conjugal e emocional (Wilkinson, tisfeitos com seus relacionamentos. Além disso, as mulheres
1995). Os impulsos iniciais do trabalho de Bem (1975) estavam mais satisfeitas com homens tipificados femininos.
apontaram para a idéia de que a maioria das pessoas bem Juni e Grimm (1993) encontraram escores de feminilidade
ajustadas é andrógina. Isso contrasta com o modelo anterior correlacionados com satisfação conjugal mais do que os de
de congruência, homens e mulheres típicos comporiam a masculinidade. Masculinidade foi mais correlacionada com
maioria da população bem ajustada. satisfação conjugal para homens do que para mulheres. Juni e
Grimm (1994), novamente, buscaram relação entre as catego-
Ajustamento Conjugal rias do BSRI e a satisfação conjugal. No entanto, em vez de
abordar os sujeitos como indivíduos, examinaram os papéis
No presente trabalho, para mensurar o ajustamento sexuais do casal como um construto unitário. Os casais foram
conjugal, foi adotado o modelo (Spanier & Cole, 1975) e o classificados como andróginos, congruentes, incongruentes e
instrumento desenvolvido por Spanier (1976), que, em seu indiferenciados. Análises mostraram que casais andróginos
estudo de criação da Dyadic Adjustment Scale (DAS), consi- retrataram um número maior de esposas que estavam insa-
derou que o conceito de ajustamento conjugal tinha um lugar tisfeitas com respeito às questões envolvendo filhos.

Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2008, Vol. 24 n. 2, pp. 133-141 135


J. A. E. Hernandez & C. S. Hutz

Para as mulheres, no estudo de Langis e cols. (1994), a Além disso, foram verificadas as relações destas com outras
satisfação conjugal foi associada com as qualidades femini- variáveis coletadas, tais como sexo, idade, escolaridade,
nas autopercebidas e com o nível ótimo de masculinidade e tempo de gestação, tempo de relação e tipo de gravidez
feminilidade percebidos em seus maridos. Além disso, pe- (planejada ou não).
quenas discrepâncias medidas entre os níveis reais e ideais de
masculinidade e feminilidade atribuídos aos parceiros cons- Método
tituíram-se em preditores confiáveis de satisfação conjugal.
Isaac e Shah (2004) não encontraram relação entre papéis Participantes
sexuais e ajustamento conjugal para indivíduos indianos.
Porém, análises para tipos de díades (diversas combinações Foi constituída uma amostra de conveniência, de 135
de papéis sexuais dos casais) e ajustamento conjugal reve- mulheres primigestas. As participantes foram recrutadas
laram diferenças estatísticas significativas entre os grupos. entre os clientes dos setores de acompanhamento pré-natal
As díades de casais andróginos estavam melhor ajustadas do (Ginecologia e Obstetrícia) dos seguintes locais: Hospital de
que quaisquer outros tipos. As semitradicionais (quando um Clínicas de Porto Alegre/UFRGS, Hospital de Gravataí/RS,
parceiro tinha papel sexual tradicional e o outro era andrógino Hospital Presidente Vargas, Hospital Fêmina e Posto de
ou indiferenciado, ou quando ambos eram indiferenciados) Saúde Santa Marta do município de Porto Alegre/RS, clien-
mostraram ajustamento conjugal mais pobre. tes do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, alguns
sujeitos foram abordados em grupos de gestantes no Centro
Papéis sexuais e ajustamento emocional/neuroticismo Espírita Bezerra de Menezes (POA/RS). As participantes
deviam coabitar com seus parceiros, caracterizando a vida
Segundo Rodrigues, Pérez-López e Brito de la Nuez (2004), conjugal, mas não precisavam ser formalmente casadas.
há escassa pesquisa que investigue casais durante a gravidez A Idade média das mulheres foi de 23,9 anos (DP=6,83),
e relacione variáveis, tais como satisfação conjugal e outros o tempo de relação médio foi de 45,2 meses (DP=41,90) e o
aspectos da emocionalidade. Em geral, os trabalhos têm se tempo de gestação médio foi cinco meses (DP=0,50). A escola-
concentrado em estudar os efeitos da chegada do bebê no ridade ficou distribuída da seguinte maneira: ensino fundamental
período pós-parto. Contudo, para a maioria dos casais, essa incompleto 28 (20,7%); ensino fundamental completo nove
transição começa na gravidez. Em torno de sete a 12% da (6,7%); ensino médio incompleto 15 (11,1%); ensino médio
população geral de mulheres grávidas têm apresentado taxas completo 31 (23%); ensino superior incompleto 17 (12,6%);
de depressão (Durkin, Morse & Buist, 2001). Considerando ensino superior completo 15 (11,1%); e não forneceram esse
que a depressão do pós-natal tem oscilado entre 10 a 15% dado 20 (14,8%). Quanto ao tipo de gravidez, as participantes
da população de novas mães, não parece justo que o foco declararam 57 ocorrências de gravidez planejada (42,2%) e 58
dos estudiosos no assunto esteja tão desequilibradamente de gravidez acidental (43%), 20 omitiram esse dado (14,8%).
alocado nesse período.
Na pesquisa de Bassoff (1984), os relatos indicaram que Instrumentos
mulheres andróginas e tipificadas masculinas apresentaram
escores menores em estresse psicológico do que as femininas 1) O Bem Sex Role Inventory (BSRI), de Bem (1974),
ou indiferenciadas. Uma interação quase significativa entre adaptado por Oliveira (1983), readaptado por Hutz e Koller
masculinidade e feminilidade – com efeitos principais não sig- (1992) e reavaliado por Hernandez (no prelo).
nificativos – na dimensão hostilidade de ajustamento deu apoio Esse instrumento de avaliação de Papéis Sexuais é um
à noção de que novas mães andróginas são menos hostis do que conjunto de 60 itens de adjetivos que compõem três escalas:
as tipificadas masculinas, femininas ou indiferenciadas. masculina, feminina e neutra. Os respondentes utilizaram
Os resultados de Hock, Schirtzinger, Lutz e Widaman uma escala tipo Likert de sete pontos (1, que significa que
(1995) indicaram que mães que relataram mais atitudes de a característica nunca é verdadeira, até 7, que significa que
papéis sexuais tradicionais expressaram mais sintomas de- a característica é sempre verdadeira) para avaliar a autoper-
pressivos durante a gravidez. Berthiaume e cols. (1996) não cepção das participantes.
mostraram associação entre sintomatologia depressiva pré- Para determinar o ponto de corte e classificar os indiví-
natal com papéis sexuais. Contudo, as medidas de bem-estar duos nos papéis sexuais, foi utilizado o cálculo da mediana
psicológico apresentaram relação com a androginia. A adoção das médias dos escores dos sujeitos em cada uma das escalas
de papel sexual andrógino, comparado com papel sexual (Bem, 1977). Os pontos de corte calculados foram: 5,55 na
indiferenciado, foi relacionada com maior satisfação diante escala feminina e 4,25 na escala masculina. As participantes
do apoio recebido da rede social. Isso sugeriu que androginia que apresentaram escores acima do ponto de corte na escala
está relacionada com características que promovem o desen- masculina e abaixo do ponto de corte na escala feminina
volvimento e manutenção de trocas interpessoais satisfatórias. foram classificadas na categoria tipificadas masculina; es-
A elevada auto-estima e o baixo nível de apreensão pré-natal cores acima do ponto de corte na escala feminina e abaixo
foram, também, associados com mulheres andróginas. do ponto de corte na escala masculina foram classificados
A meta principal deste trabalho foi a verificação da na categoria tipificada feminina; acima do ponto de corte em
relação entre os papéis sexuais e o ajustamento conjugal e ambas as escalas, masculina e feminina, foram classificadas
emocional de mulheres grávidas de seus primeiros filhos e, na categoria andrógino; escores situados abaixo do ponto
nessa perspectiva, a associação da androginia com a quali- de corte em ambas as escalas, masculina e feminina, foram
dade do relacionamento interpessoal e com a saúde mental. classificadas na categoria indiferenciado.

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Gravidez do Primeiro Filho

Os Alphas de Cronbach, calculados por Hernandez (no prelo) e depressão, que avalia os padrões usados pelas pessoas para
para a versão brasileira do BSRI, foram 0,90 para a escala femi- interpretar os eventos que ocorrem em suas vidas.
nina, 0,81 para a escala masculina e 0,61 para a escala neutra. Todos os itens são medidos por uma escala tipo Likert de
2) A Dyadic Adjustment Scale (DAS), criada por Spanier sete pontos (1 significando afirmação completamente inade-
(1976) e, recentemente, verificada por Hernandez (no prelo), quada e 7 significando afirmação perfeitamente adequada).
é uma escala de 32 itens que buscam medir as seguintes Os autores (Hutz & Nunes, 2001) advertem que alguns itens
dimensões: precisam ter seus escores invertidos para obtenção dos escores
Consenso diádico: avalia a percepção do nível de concor- totais. Além disso, comentam que a maior parte da população
dância do casal sobre uma variedade de questões básicas da deve obter entre 80 e 120 escores padronizados na EFN e que
relação, tais como: financeiras, lazer, religiosas, amizades, ainda não foi possível determinar um ponto de corte que discri-
convencionalidade, filosofia de vida, negócios com parentes, mine normalidade e patologia. Contudo, escores padronizados
metas, tempo gasto junto, tomadas de decisão, tarefas domés- muito elevados ou muito baixos, possivelmente devem indicar
ticas, tempo com lazer e decisões profissionais. algum tipo de transtorno de personalidade.
Satisfação diádica: mede a percepção das questões rela- Os Alphas de Cronbach encontrados por Hutz e Nunes
tivas à discussão do divórcio, à saída de casa após briga, ao (2001) para a EFN total foram: 0,94 para a escala de vulne-
arrependimento com o casamento, às querelas, à implicância rabilidade, 0,89 para a escala desajustamento psicossocial,
mútua, ao estar bem, à confiança no cônjuge, ao beijo no 0,82 para a escala ansiedade, 0,87 para a escala depressão.
cônjuge, ao grau de felicidade e ao compromisso com o
futuro do relacionamento. Procedimentos
Coesão diádica: examina o senso de compartilhamento
emocional do casal. Esses itens medem a percepção relativa Os participantes foram abordados individualmente no
ao engajamento mútuo em interesses externos, à estimulação momento da consulta pré-natal nas instituições de saúde
de idéias, à diversão conjunta, à discussão tranqüila e ao anteriormente citadas e convidados a participar da pesquisa.
trabalho conjunto em projetos. Sempre, no início da abordagem, era feito um breve rapport,
Expressão diádica de afeto: mede a percepção da concor- informando sobre a pesquisa e solicitando o preenchimento e
dância dos membros do casal sobre as demonstrações de afeto, assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Informado.
as relações sexuais, a falta de amor e as recusas ao sexo. Geralmente, os questionários eram preenchidos nas salas de
A DAS é um instrumento que utiliza escalas tipo Likert espera dos hospitais e postos de saúde. Além dos instrumen-
para aferir ajustamento diádico ou conjugal. Em alguns itens tos, eram fornecidas aos participantes uma prancheta e uma
são usadas escalas de cinco pontos, em outros, seis pontos caneta. Algumas vezes, as respostas foram dadas em etapas,
e até sete pontos, em geral, os pontos extremos das escalas antes e depois da consulta e, até, em dias subseqüentes. Houve
significando “nunca” e “todo o tempo”, respectivamente. também a ocorrência de serem respondidos durante curso
Além disso, os itens 29 e 30 apresentam apenas duas opções, de preparação de grávidas, nesse caso, diversas gestantes
“sim” ou “não”. Para aumentar a fidedignidade da escala, preencheram simultaneamente os instrumentos. No Centro
alguns itens são afirmações positivas, outros são afirmações Espírita, os membros dos casais, isolados, responderam aos
negativas. Portanto, algumas respostas requerem reversão de questionários em uma sala cedida para esse fim. Em alguns
escores antes da apuração da pontuação. casos, os dados foram coletados nas residências dos sujeitos
O escore total da escala pode variar de 0 a 151, e é obtido mediante anuência e acerto prévio com os mesmos.
pela soma total dos escores nas quatro subescalas. De acordo
com Spanier (1976), os indivíduos que obtiverem 101 pontos Delineamento e análise dos dados
ou menos devem ser classificados como na vivência de um
relacionamento de sofrimento ou desajustado e os sujeitos Foi realizada uma pesquisa transversal do tipo correlacio-
que alcançarem 102 pontos ou mais estariam vivenciando um nal. Foram verificadas as relações entre os papéis sexuais e os
relacionamento sem sofrimento ou bem ajustado. ajustamentos conjugal e emocional. Os escores de cada sujeito
Os Alphas de Cronbach, calculados por Hernandez (no foram digitados e processados pelo SPSS, versão 11.5, utilizando
prelo) para a versão brasileira da DAS, foram: 0,86 para a estatística descritiva, análise de variância e regressão múltipla.
subescala consenso diádico, 0,86 para a subescala satisfação
diádica, 0,76 para a subescala coesão diádica e 0,62 para a Resultados
subescala expressão de afeto.
3) A Escala Fatorial de Neuroticismo, de Hutz e Nunes Do total de 135 participantes, 34 não responderam ao
(2001): Esse instrumento avalia uma dimensão de persona- BSRI e, portanto, não puderam ser classificadas quanto
lidade chamada de ajustamento emocional ou neuroticismo aos papéis sexuais. Foi executada a classificação de papéis
inspirado no modelo dos Cinco Grandes Fatores. A escala sexuais de 101 mulheres: 19 tipificadas femininas (18,8%),
possui 82 itens (frases afirmativas) que atendem a quatro fato- 18 tipificadas masculinas (17,8%), 29 andróginas (28,7%) e
res: vulnerabilidade, que avalia a intensidade com que as pessoas 35 indiferenciadas (34,7%).
experimentam sofrimento como conseqüência da aceitação dos Conforme pode ser observado na Tabela 1, ANOVA para
outros; desajustamento psicossocial, que identifica pessoas que o fator papéis sexuais e ajustamento conjugal revelou diferen-
tendem a ser muito agressivas e hostis com os outros, mentindo ças estatísticas significativas para as médias da DAS total e
e manipulando a situação em proveito próprio; ansiedade, que da subescala consenso diádico entre os grupos. O teste de post
identifica pessoas que tendem a ser emocionalmente instáveis; hoc de Scheffé identificou, em ambos os casos, que a média dos

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J. A. E. Hernandez & C. S. Hutz

Tabela 1. Médias, desvios padrão e ANOVA de papéis sexuais por ajustamento conjugal.

Subescalas Papéis Sexuais n M DP Erro Padrão F p<


Consenso Típico Feminino 17* 3,4 ,47 ,11 3.570 0,01
Típico Masculino 18 3,5 ,86 ,19
Andrógino 29 3,8 ,65 ,11
Indiferenciado 34 3,2 ,92 ,15
Satisfação Típico Feminino 17 3,8 ,41 ,09 1.397 ns
Típico Masculino 18 3,6 ,79 ,17
Andrógino 29 3,9 ,52 ,09
Indiferenciado 34 3,6 ,68 ,11
Coesão Típico Feminino 17 3,2 ,81 ,18 1.592 ns
Típico Masculino 18 3,4 ,80 ,18
Andrógino 29 3,7 ,77 ,13
Indiferenciado 34 3,3 ,72 ,12
Expressão de Afeto Típico Feminino 17 2,4 ,52 ,11 253 ns
Típico Masculino 18 2,4 ,43 ,09
Andrógino 29 2,4 ,47 ,08
Indiferenciado 34 2,3 ,62 ,10
DAS Total Típico Feminino 17 3,4 ,30 ,07 2.837 0,04
Típico Masculino 18 3,4 ,67 ,15
Andrógino 29 3,7 ,50 ,09
Indiferenciado 34a 3,2 ,65 ,10
*
Dois indivíduos classificados como típicos femininos e um indiferenciado não responderam a DAS.

escores do grupo dos andróginos foi significativamente maior Para a variável dependente expressão de afeto foi ajustado
do que a dos indiferenciados. Não foi identificada diferença um único modelo que explicou 6% da variância. A única va-
estatística significativa entre as médias dos outros tipos de riável independente preditora foi a escala depressão medida
papéis sexuais. Para as outras subescalas da DAS (satisfação pela EFN.
diádica, coesão diádica e expressão de afeto), também não Para a variável dependente DAS total foram ajustados
foram apuradas diferenças estatísticas significativas. quatro modelos que explicaram 30% da variância. A melhor
ANOVA para o fator papéis sexuais e ajustamento emo- preditora foi a variável independente EFN total, com 18% da
cional não apresentou diferenças estatísticas significativas variância explicada. As variáveis independentes vulnerabili-
(p<0,05) entre as médias dos grupos. dade, sexo e feminilidade tiveram uma participação menor.
Foi executada uma série de análises de regressão, método
Stepwise, para as variáveis dependentes DAS total e suas Discussão
subescalas (consenso diádico, satisfação diádica, coesão
diádica e expressão de afeto), tendo como variáveis inde- Na comparação dos grupos de papéis sexuais, os resul-
pendentes sexo, idade, tempo de relação, tipo de gravidez, tados revelaram diferenças estatísticas significativas entre
tempo de gestação, escalas feminina e masculina do BSRI e as médias dos andróginos e indiferenciados obtidas na DAS
a EFN total e suas escalas (vulnerabilidade, desajustamento total e na subescala consenso. Nos dois casos, os andróginos
psicossocial, ansiedade e depressão). obtiveram escores médios superiores aos dos indiferenciados
Para a variável dependente consenso foram ajustados cinco em ajustamento conjugal durante a gravidez do primeiro
modelos que explicaram 28% da variância. A melhor preditora filho. Esse resultado já está razoavelmente validado nessa
de consenso foi a variável independente ansiedade medida pela linha de pesquisa. Pesquisadores (Antill, 1983; Baucom &
EFN, responsável por 14% da variância explicada. As variáveis Aiken, 1984; Davidson & Sollie, 1987; Isaac & Shah, 2004;
independentes tempo de gestação, masculinidade, feminilidade Juni & Grimm,1994; Kurdek & Schmitt, 1986; Lamke, 1989;
e sexo tiveram uma participação menor. Murstein & Williams, 1983; Zammichieli & cols., 1988), em
Para a variável dependente satisfação foram ajustados quatro variados contextos, têm encontrado escores mais elevados em
modelos que explicaram 31% da variância. A melhor preditora ajustamento conjugal para os andróginos do que para outros
foi a variável independente ajustamento emocional medida tipos de papéis. Ao mesmo tempo, estudos, tais como Davidson
pela EFN total, com 21% da variância explicada. As variáveis e Sollie (1987), mostraram que indivíduos classificados como
independentes vulnerabilidade, sexo e feminilidade tiveram indiferenciados são mais dispostos ao desajustamento.
uma participação menor. Para grande parte das mulheres, a etapa da gravidez na
Para a variável dependente coesão foram ajustados três transição para a parentalidade é um período de dramáticas
modelos que explicaram 9% da variância. A melhor preditora mudanças biológicas, psicológicas e sociais. Como uma
foi a variável independente depressão medida pela EFN, com conseqüência dessas mudanças e processos de adaptação, esse
5% da variância explicada. As variáveis independentes idade período é, com freqüência, associado com aumento da sensi-
e masculinidade tiveram uma participação menor. bilidade, labilidade e ansiedade (Öhman & cols., 2003).

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Gravidez do Primeiro Filho

Durkin e cols. (2001) mostraram que o estresse, vinculado conjugalidade no contexto de mudanças, como, por exemplo,
ao papel de gênero, teve uma forte associação com as emoções com a demanda de ansiedade identificada neste caso.
durante a gravidez média. Tornar-se pais produz um aumento
das diferenças biológicas entre homens e mulheres e aumenta a Conclusão
consciência dos papéis de gênero tradicionais associados com a
parentalidade. Os “casais grávidos” podem sentir pressão para Houve uma confirmação parcial das expectativas neste
se conformar às convenções devido às auto-expectativas, às estudo. A tese de que os andróginos apresentariam melhor
expectativas dos parentes, dos pares e das normas sociais. Isso desempenho no relacionamento interpessoal foi totalmente
pode envolver uma ampla modificação na autopercepção, capaz apoiada. No entanto, no aspecto saúde mental, a esperada su-
de resultar em estresse e baixa do humor em certos indivíduos premacia desses andróginos não foi confirmada pelos dados.
mais vulneráveis e refletir no ajustamento conjugal. Sugere-se que novas investidas de pesquisa possam ser
Por meio da análise de regressão, pode-se constatar que realizadas, incluindo a participação do sexo masculino. Mais
a ansiedade medida pela EFN foi responsável pela maior do que isso, que novas pesquisas escolham o casal como
parte da variância do consenso. Ainda, reforçando a relação a unidade investigada, considerando as possibilidades de
dos papéis sexuais com o consenso, os escores das escalas combinações de papéis sexuais dos cônjuges e suas relações
masculinas e femininas do BSRI também explicaram uma com o ajustamento conjugal e emocional.
parte menor da variância. Esses dados revelam que a interação Os dados aqui produzidos poderão, posteriormente, con-
ansiedade medida pela EFN e as características vinculadas tribuir no trabalho de promoção da saúde de mulheres primi-
aos sexos (escalas do BSRI) estiveram consideravelmente gestas/primíparas na atividade psicoprofilática em programas
associadas ao consenso e, conseqüentemente, sugerindo que pré-natais com casais e, também, na clínica psicológica da
as grávidas experimentavam um ambiente, pelo menos em saúde da família. Muitos pesquisadores imbuídos da educação
parte, semelhante ao descrito antes (Durkin & cols., 2001; de casais têm se dedicado a fazer essa ponte entre a pesquisa e a
Öhman & cols., 2003). intervenção psicológica (Brotherson, 2004; Halford, Markman,
Berthiaume e cols. (1996) relataram que os andróginos, Kline & Stanley, 2003).
comparados com os indiferenciados, mostraram-se signifi- Cowan e Cowan (1995) mostraram a importância dos
cativamente mais satisfeitos com o apoio fornecido pela rede programas para facilitar a transição de casais para a parenta-
social durante a gravidez. Os autores explicaram que a an- lidade. Eles realizaram um estudo controlado de intervenção
droginia está relacionada com características disposicionais conjugal preventiva e demonstraram o efeito da terapia grupal
que promovem o desenvolvimento e manutenção de trocas de apoio durante a gravidez, reduzindo a queda da satisfação
interpessoais mais satisfatórias. matrimonial e, dessa forma, prevenindo o divórcio e melho-
As pessoas andróginas têm sido relatadas como sendo rando a qualidade da parentalidade.
mais adaptativas (Bem, 1975; Bem, Martyna & Watson, Fica a sugestão ao psicólogo da saúde na execução dos
1976) e mais flexíveis (Spence & cols., 1975; Cheng, 2005). programas de prevenção para valorizar os papéis sexuais
O ajustamento conjugal durante a gravidez do primeiro filho como um aspecto significativo na conceitualização do ajus-
requer um grau significativo de adaptação e flexibilidade. Para tamento de casais durante a gravidez.
ser uma pessoa bem ajustada à conjugalidade, pode ser necessá-
rio possuir características instrumentais tais como assertividade Referências
e disposição para o risco e, também, características expressivas
tais como sensibilidade e compreensão. Os andróginos têm Ahlborg, T., Persson, L-O. & Hallberg, L. R-M. (2005). Assessing the
atributos instrumentais e expressivos e, por isso, é compreen- quality of the dyadic relationship in first-time parents: Development
sível que tenham um ajustamento conjugal significativamente of a new instrument. Journal of Family Nursing, 11, 19-37.
melhor do que os indiferenciados. Antill, J. K. (1983). Sex role complementarity versus similarity in
A noção de flexibilidade de papel sexual, como uma married couples. Journal of Personality and Social Psychology,
característica dos andróginos, tem sido proposta há mais de 45, 145-155.
três décadas (Bem, 1974). A flexibilidade de papel sexual Barberá, E. (1998). Psicología del Género. Barcelona: Ariel.
tem sido definida como uma qualidade adaptativa relativa Bassoff, E. S. (1984). Relationships of sex-role characteristics and
à apresentação de comportamentos flexíveis às situações. psychological adjustment in new mothers. Journal of Marriage
Cheng (2005) examinou a flexibilidade dos papéis sexuais and the Family, 46, 449-454.
durante uma variedade de eventos estressantes semelhantes Bassoff, E. S. & Glass, G. V. (1982). The relationship between sex
à gravidez. Os andróginos demonstraram mais sensibilidade roles and mental health: a meta-analysis of twenty-six studies.
para discriminar sutis diferenças entre os diversos eventos, The Counseling Psychologist, 10, 105-112.
como pode ser notado nas habilidades para distribuir diferen- Baucom, D. H. & Aiken, P. A. (1984). Sex role identity, marital
tes estratégias situacionais efetivas de coping. O papel chave satisfaction, and response to behavioral marital therapy. Journal
da flexibilidade – “pensamento prático hábil” – é estimular of Consulting and Clinical Psychology, 52, 155-162.
uma integração estável da personalidade e das características Belsky, J., Lang, M. & Huston, T. L. (1986). Sex typing and division
do ambiente de forma adaptativa. of labor as determinants of marital change across the transition
Os níveis mais baixos de ajustamento conjugal dos indife- to parenthood. Journal of Personality and Social Psychology, 50,
renciados sugerem que essas mulheres têm um número limitado 517-522.
de papéis e habilidades de adaptação, apresentando mais difi- Bem, S. L. (1974). The measurement of psychological androgyny.
culdades para lidar com as inúmeras demandas situacionais da Journal of Consulting and Clinical Psychology, 42, 155-162.

Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2008, Vol. 24 n. 2, pp. 133-141 139


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Psicologia Ciência e Profissão
ISSN: 1414-9893
[email protected]
Conselho Federal de Psicologia
Brasil

de Castro Almeida, Natália Maria; da Rocha Arrais, Alessandra


O Pré-Natal Psicológico como Programa de Prevenção à Depressão Pós-Parto
Psicologia Ciência e Profissão, vol. 36, núm. 4, octubre-diciembre, 2016, pp. 847-863
Conselho Federal de Psicologia
Brasília, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=282048758006

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Psicologia: Ciência e Profissão Out/Dez. 2016 v. 36 n°4, 847-863.
DOI: 10.1590/1982-3703001382014

O Pré-Natal Psicológico como Programa de Prevenção à Depressão Pós-Parto

Natália Maria de Castro Almeida  Alessandra da Rocha Arrais 


Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Universidade de Brasília,
SP, Brasil. Brasília, DF, Brasil.

Resumo: O pré-natal psicológico (PNP) é uma prática complementar ao pré-natal tradicional,


voltado para maior humanização do processo gestacional, e se propõe a prevenir situações
adversas potencialmente decorrentes desse processo. O objetivo da pesquisa foi avaliar a eficácia
do PNP na prevenção à depressão pós-parto (DPP) em gestantes de alto risco internadas em
um hospital público, em Brasília. Optou-se pelo delineamento metodológico da pesquisa-ação.
A pesquisa foi realizada com 10 gestantes de alto risco, sendo que cinco delas participaram do
PNP (grupo A) e cinco não participaram do PNP (grupo B). Os instrumentos utilizados foram:
perfil gestacional, perfil puerperal, questionário avaliativo, sessões e materiais produzidos no
grupo de PNP, Inventário Beck de Depressão e Ansiedade (BDI, BAI) e Escala COX. Foi utilizado
como procedimento deste trabalho a análise mista dos resultados. Os resultados foram
comparados entre os dois grupos e verificou-se que ambas colaboradoras encontravam-se
vulneráveis, apresentando vários fatores de risco, portanto com tendência a desenvolver a DPP,
entretanto, somente as colaboradoras do grupo B apresentaram DPP. Esses achados sugerem
que o pré-natal psicológico associado a fatores de proteção presentes na história das grávidas
pode ajudar a prevenir a DPP. Defende-se que a assistência psicológica na gestação, por meio da
utilização do PNP, é importante instrumento psicoprofilático que deve ser implementado como
uma política pública em contextos da saúde.
Palavras-chave: Atenção Pré-Natal, DPP, Psicoprofilaxia, Gestação de Alto Risco.

The Psychological Prenatal Program as a Prevention


Tool For Postpartum Depression

Abstract: The Psychological prenatal program (PNP) is a complementary practice to traditional


prenatal toward greater humanization of the gestational process, and aims to prevent
potentially adverse situations during pregnancy and postpartum. The objective of the research
was to investigate the effectiveness of the PNP in preventing postpartum depression (PPD) in
high risk pregnant women in a public hospital in Brasilia. Action research methodology was
chosen. The survey was conducted with 10 high-risk pregnant women: 05 of them participated
in the PNP held in that maternity (group A) and 05 did not (group B). The instruments used
were: gestational profile, puerperal profile, evaluative questionnaire, sessions and materials
produced in the PNP group, Beck Depression and Anxiety Inventory (BDI, BAI) and COX Scale.
This was a multi-methodological approach. The results were compared between the two groups
and it was found that both groups of participants were vulnerable to develop PPD; however,
only those in the control group (group B)  showed PPD. These findings suggest that prenatal
psychological factors associated with protection present in the history of pregnant women may
help to prevent PPD. It is argued that psychological assistance during pregnancy, through the
use of PNP, is a psycoprophylactic important tool that should be implemented as a public policy
at health services and prenatal care.
Keywords: Psychological Prenatal, Postpartum Depression, Psychoprophylaxys, High-risk Pregnancy.

Disponível em www.scielo.br/pcp
Psicologia: Ciência e Profissão Out/Dez. 2016 v. 36 n°4, 847-863.

El Programa Prenatal Psicológico como Prevención de la Depresión Posparto

Resumen: El prenatal psicológico (PNP) es una práctica complementaria a la asistencia


prenatal tradicional, volcado a una mayor humanización del proceso de gestación, y tiene
como objetivo prevenir situaciones potencialmente adversas durante el embarazo y después
del parto. El objetivo del estudio fue investigar la efectividad de la PNP en la prevención de
la depresión posparto (PPD) en mujeres que tuvieron embarazo de alto riesgo en un hospital
público de Brasilia. Fue elegida la metodología de investigación-acción. La encuesta se llevó a
cabo con 10 mujeres que tenían embarazos de alto riesgo; 05 de ellas participaron en el PNP
durante su maternidad (grupo A) y 05 no hicieron uso o participaron en el PNP (grupo B). Los
instrumentos utilizados fueron: perfil gestacional, perfil puerperal, cuestionario de evaluación,
sesiones y materiales producidos en el grupo del PNP, Inventario Beck de Depresión y Ansiedad
(BDI, la BAI) y Escala de COX. Fue utilizado como procedimiento de este trabajo el análisis mixto
de los resultados. Los resultados de los dos grupos se compararon y se encontró que todos los
participantes eran vulnerables a desarrollar PPD; sin embargo, solo aquellos en el grupo control
(grupo B) mostraron PPD. Estos hallazgos sugieren que los factores psicológicos prenatales
asociados con la protección presente en la historia de las mujeres embarazadas pueden ayudar
a prevenir el PPD. Se argumenta que la asistencia psicológica durante el embarazo, a través del
uso del PNP, es una herramienta  importante  que debería implementarse como una política
pública en los servicios de salud y atención prenatal. 
Palabras clave: Psicología Prenatal, La Depresión Posparto, Psicoprofilaxia, Embarazo de
Alto Riesgo.

Introdução De acordo com Chiattone (2007), 10 a 16% das


Para algumas mulheres a gravidez é um evento pacientes preenchem critérios para o diagnóstico de
desejado e planejado, para outras, esse processo é rara- DPP, que merece maior atenção. Há relatos de que 50
mente planejado, nem sempre marcado por alegrias a 90% dos casos de DPP no mundo não são sequer
e realizações (Rosenberg, 2007), sendo comum nessa detectados (Brasil, 2006). Diante da gravidade deste
fase o surgimento de sentimentos conflitantes tanto transtorno psíquico e, observada a necessidade de
em relação ao bebê quanto à própria vida da gestante adaptação que uma puérpera precisa enfrentar, faz-se
(Chiattone, 2007). válida a utilização de recursos que tentem prevenir
Entre os transtornos psíquicos da puerpera- este distúrbio. O pré-natal psicológico (PNP) é um
lidade, destaca-se a depressão pós-parto (DPP). desses recursos, cuja abordagem diferencia-se dos
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatís- cursos para gestantes. Trata-se de um novo conceito
tico de Transtornos Mentais (American Psichyatric em atendimento perinatal, voltado para uma maior
Association, 2002), a depressão pós-parto (DPP) humanização do processo gestacional, do parto e
caracteriza-se pela presença de humor deprimido de construção da parentalidade (Arrais, Cabral, &
ou perda de interesse e prazer por quase todas as Martins, 2012; Bortoletti, 2007a).
atividades (Episódio Depressivo Maior), que se Este estudo teve por objetivo avaliar a eficácia
manifesta duas semanas após o parto. A ocorrência do PNP na prevenção à DPP em gestantes de alto
de transtornos depressivos no puerpério é alta. De risco internadas em um hospital público de refe-
acordo com dados do Ministério da Saúde (Brasil, rência em Brasília. As pacientes foram distribuídas
2006), 70% das pacientes apresentam sintomas em dois grupos: grupo A (gestantes participantes do
depressivos que caracterizam o blues puerperal, PNP) e grupo B (gestantes não participantes do PNP)
estado depressivo mais brando e transitório e avaliadas quanto à presença ou ausência do diag-
marcado por fragilidade, hiperemotividade e senti- nóstico, quatro semanas após o parto. Foi utilizada
mentos de incapacidade. a Psicologia Positiva como referencial teórico que

848
Almeida, N.M. de C.; Arrais, A. da R. (2016). Programa de Prevenção à Depressão Pós-Parto.

propõe um olhar voltado ao potencial de cada indi- tura, má-formação fetal, óbito fetal, entre outras
víduo, ajudando a identificar e fortalecer os fatores complicações (Baptista, & Furquim, 2009).
que permitem a redução da incidência e a prevenção
de patologias secundárias a condições adversas de
vida (Oliveira, & Nakano, 2011). Transtornos psíquicos no puerpério
O puerpério é um período marcado pela saída da
placenta no momento do parto, prolongando-se até a
Pré-natal psicológico (PNP) retomada do organismo materno às condições antes
Durante a gestação, observam-se várias altera- do parto, o que envolve processos anatômicos, fisio-
ções no comportamento feminino e na vida do casal, lógicos e bioquímicos (Baptista, & Furquim, 2009). De
as quais envolvem aspectos sociais, familiares, conju- acordo com o Ministério da Saúde, esse período pode
gais, profissionais e, principalmente, pessoais. Nessa ser compreendido em três fases: o puerpério imediato
fase, é comum que o humor tenha uma característica que inicia no primeiro e vai até o décimo dia após o
instável podendo resultar no surgimento de senti- parto; em seguida, o puerpério tardio, que abrange
mentos conflitantes tanto em relação ao bebê quanto desde o décimo até o quadragésimo quinto dia, e, por
à vida da gestante (Chiattone, 2007). último, o puerpério remoto, aquele que vai além do
É de grande importância a realização do pré-natal, quadragésimo quinto dia, ou seja, termina quando a
conforme destacam Baptista e Furquim (2009) e Borto- mulher retorna a sua função reprodutiva (Brasil, 2001).
letti (2007b), visando a prevenção dos problemas gesta- Conforme complementa Higuti e Capocci (2003),
cionais e o controle de agravantes psicológicos. Durante o puerpério é marcado por um período rico e intenso
esse período ocorre ainda o preparo físico e psicoló- de vivências emocionais para a puérpera, de grande
gico para o parto e a maternidade, proporcionando risco psíquico na vida de uma mulher, nas quais trans-
um ambiente adequado a uma vivência positiva pela formações sofridas tanto no aspecto biológico quanto
gestante (Rios, & Vieira, 2007). Nesse contexto, o psicó- relacionado à adaptação das exigências características
logo com formação específica é o mais indicado para do período pós-parto acabam tornando a mulher mais
atuar em programas de psicoprofilaxia, na medida em vulnerável a desencadear um transtorno mental.
que aborda questões relativas a alterações emocionais Os transtornos mentais no pós-parto incluem:
capazes de atenuar as angustias próprias deste período transtornos de ansiedade – devido à existência de senti-
(Bortoletti, 2007a), além de considerar aspectos que mentos ambivalentes intensos na maternidade; trans-
não apenas os biológicos. torno afetivo bipolar – doença crônica e recorrente que
apresenta características do episódio depressivo maior;
transtornos psicóticos – incidindo em cerca de 1 a 2%
Gestação de alto risco das puérperas, sendo caracterizado por intensa labili-
De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, dade do humor, agitação psicomotora e ideação para-
2012), a gestação é considerada um fenômeno fisioló- nóide de base alucinatória e os transtornos depressivos
gico, devendo ser vista tanto para as gestantes quanto (Yamaguchi, Pita, & Martins, 2007).
para a equipe médica como parte de uma experiência De acordo com o Manual Técnico de Saúde da
de vida saudável que envolve mudanças físicas, sociais Mulher (Brasil, 2006), outro transtorno mental comum
e emocionais. Segundo o Manual Técnico de Gestação no período puerperal é o baby blues, que acomete de
de Alto Risco (Brasil, 2012), apesar da maioria das gesta- 50 a 70% das puérperas, sendo definido como estado
ções evoluir sem nenhuma intercorrência, há gestantes depressivo mais brando, com surgimento geralmente
que, por serem portadoras de alguma doença, apre- no terceiro dia do pós-parto. Esse período caracteriza-se
sentam maior probabilidade de evolução desfavorável, por fragilidade, hiperemotividade, alterações do humor,
as chamadas “gestantes de alto risco”. falta de confiança em si e sentimentos de incapacidade,
A gestação é considerada de alto risco quando e tem remissão espontânea em duas semanas.
há a existência de fatores que impliquem riscos tanto O presente trabalho enfatizará a DPP que, de
para a mãe quanto para o feto, a saber: trabalho acordo com Santos (2001) e Rosenberg (2007), apre-
de parto prematuro, síndromes hipertensivas da senta uma incidência de até 20% dos casos após o parto
gestação, diabetes gestacional, amniorrexe prema- no Brasil, podendo este índice sofrer um aumento

849
Psicologia: Ciência e Profissão Out/Dez. 2016 v. 36 n°4, 847-863.

até 30 a 40%, se considerarmos mulheres com perfil precisa enfrentar, nada mais válido do que a utilização
socioeconômico baixo e atendidas no Sistema Único de um instrumento que tente prevenir este distúrbio,
de Saúde (Lobato, Moraes, & Reichenheim, 2011). Por como o PNP. A DPP pode dificultar o estabelecimento
ser o alvo de estudo da presente pesquisa, será apre- do vínculo afetivo seguro entre mãe e bebê, podendo
sentada mais detalhadamente a seguir. interferir nas futuras relações interpessoais estabele-
cidas pela criança, quando não adequadamente diag-
nosticada e tratada (Arrais, 2012; Bortoletti, 2007b;
Depressão pós-parto Klein, & Guedes, 2008). Desse modo, considerando
O nascimento de uma criança representa o rompi- que as consultas de pré-natal auxiliam a equipe
mento do vínculo relacional entre a mãe e o bebê multidisciplinar a identificar os fatores de risco e de
intraútero. Este processo de separação pode desenca- proteção para a DPP, proporcionando às gestantes
dear vivências depressivas e psicóticas pela mãe, reati- melhores condições de enfrentamento, esse tema
vadas por conflitos e lutos mal-elaborados durante a assume grande importância clínica.
infância (Alt, & Benetti, 2008), entre outros motivos.
Segundo o DSM-IV (American Psichyatric Asso-
ciation, 2002), a DPP é um episódio de depressão Fatores de risco da depressão pós-parto
maior, que ocorre dentro das quatro primeiras Diversos fatores de risco contribuem para o
semanas após o parto, durante as quais há a presença desencadeamento da DPP: gestante solteira, conflitos
de um humor deprimido ou perda de interesse ou conjugais, histórico familiar de depressão, ante-
prazer por quase todas as atividades (anedonia). O cedente de transtornos depressivos, gravidez não
indivíduo também deve experimentar pelo menos programada, frágil suporte social e eventos de vida
quatro sintomas adicionais, extraídos de uma lista negativos na gravidez (Arrais, Mourão, & Fragalle,
que inclui alterações no apetite ou peso, do sono e da 2014; Bortoletti, 2007b Pereira, & Lovisi, 2008; Yama-
atividade psicomotora, diminuição da energia, senti- guchi, Pita, & Martins, 2007). Outros fatores de risco
mentos de desvalia ou culpa. precisam ser considerados: gestante com menos de 17
De acordo com Arrais (2005), a puérpera pode anos ou mais de 40 anos, dificuldade com crises evolu-
apresentar um profundo retraimento e isolamento tivas ou acidentais, ser usuária de drogas ou álcool,
social, principalmente se ocorrer uma quebra muito tratamento ou hospitalização psiquiátrica anterior,
grande entre aquilo que a gestante imaginava ser, histórico obstétrico de risco (aborto, prematuridade,
tanto em relação ao bebê idealizado quanto a sua placenta prévia, natimorto, más-formações), histórico
própria figura materna. Ainda podem surgir senti- familiar de doença mental e mudanças recentes no
mentos ambivalentes relacionados às dúvidas e ambiente familiar ou previstas para breve (Rosenberg,
medos inerentes a esse momento (Bortoletti, 2007b), 2007), assim como a idealização do bebê e da mater-
devido ao não suprimento das expectativas do mito nidade, em função de decepção e frustração que esta
da mãe perfeita (Azevedo, & Arrais, 2006). idealização pode acarretar (Arrais, 2005). Dessa forma,
A DPP tem importantes consequências sociais o aconselhamento e o esclarecimento adequados
e familiares, sobretudo para a tríade mãe-pai-bebê, podem ser de ajuda imediata e servir como prevenção
a saber: problemas conjugais, atraso no desenvolvi- ao aparecimento de transtornos psicológicos.
mento do bebê e grande sofrimento psíquico para a
mãe, inclusive com risco aumentado para o suicídio,
entre outros (Ramos, & Furtado, 2007). A falta de infor- Fatores de proteção da depressão
mação pode gerar expectativas e crenças sobre a sua pós-parto
nova condição, desencadeando sintomas de ansie- Os fatores de proteção, definidos por Moraes,
dade e depressão (Baptista, & Furquim, 2009), sendo Pinheiro, Silva, Horta, Sousa e Faria (2006), são condi-
que o impacto na vida dos envolvidos, requer um ções do próprio indivíduo que podem contribuir
trabalho não só remediativo, mas também preventivo, para uma melhor resposta a determinados eventos
a fim de evitar este grave transtorno. de riscos: expectativa de sucesso no futuro, senso de
Ciente dos fatores que envolvem a DPP e obser- humor, otimismo, autonomia, tolerância ao sofri-
vada a necessidade de adaptação que uma puérpera mento, assertividade, estabilidade emocional, enga-

850
Almeida, N.M. de C.; Arrais, A. da R. (2016). Programa de Prevenção à Depressão Pós-Parto.

jamento nas atividades, comportamento direcionado no qual pesquisadores e participantes estão envolvidos
para metas, habilidade para resolver problemas e boa (Thiollent, 1992). A pesquisa-ação é uma estratégia de
autoestima. Constituem fatores de proteção para a investigação que visa compreender e intervir proposi-
DPP: o apoio de outra mulher, detecção precoce da talmente ou intencionalmente na situação, com vista
depressão (Ruschi, Sun, Mattar, Chambô Filho, Zando- à modificá-la: “a pesquisa-ação propõe ao conjunto de
nade, Lima, 2007), suporte social, boa relação conjugal sujeitos envolvidos mudanças que levem a um apri-
e suporte emocional do companheiro (Arrais, 2005; moramento das práticas analisadas” (Severino, 2007,
Frizzo, & Piccinini, 2005), estabilidade socioeconô- p.120). O método foi dividido em três fases:
mica, sistema de apoio familiar (Rosenberg, 2007) e um Fase I: elaboração do diagnóstico da situação
trabalho de prevenção, como o PNP (Bortoletti, 2007a). (levantamento dos fatores de risco e de proteção para
O conhecimento dos fatores de risco e de a DPP);
proteção da DPP é importante para o planejamento Fase II: proposta de intervenção e implantação
e execução de ações preventivas, uma vez que, (grupo PNP);
conforme mencionam Zinga, Phillips e Born (2012), Fase III: avaliação (rastreamento da DPP e
a intervenção precoce, utilizando uma estratégia avaliação do PNP).
psicoterapêutica específica entre as gestantes, pode Esta pesquisa contemplou as três fases da
resultar em uma redução significativa na sintoma- pesquisa-ação referidas, na qual foram identificados
tologia depressiva. Dessa forma, sabendo-se que a os fatores de risco e de proteção para a DPP e avaliado
promoção da integridade biopsicossocial da gestante o material qualitativo e quantitativo colhido nas fases
pode ser assegurada por meio de um acompanha- II e III. Este recorte diz respeito à avaliação do PNP
mento cuidadoso das mães, o trabalho de equipe especificamente direcionada as gestantes de alto risco
torna-se essencial (Rosenberg, 2007). usuárias da rede pública de saúde do Distrito Federal.
O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia do
PNP na prevenção à DPP em gestantes de alto risco
internadas em um hospital público de referência, em Participantes
Brasília. De forma específica, buscou-se: a) descrever A pesquisa contou com a participação de 10
os fatores de risco e de proteção para a DPP em mulheres captadas em um serviço de alto risco de
gestantes de alto risco de um hospital público, em um Hospital Público em Brasília entre os meses
Brasília; b) identificar níveis de DPP destas mulheres de agosto de 2012 e maio de 2013. Todas estavam
encontrados no puerpério; c) conhecer a avaliação do gestantes e encontravam-se entre a 21ª e 35ª
PNP na perspectiva das gestantes que participaram semanas de gestação, residiam no Distrito Federal ou
do grupo do PNP; d) identificar a eficácia do pré-natal entorno e possuíam o nível de escolaridade primário
psicológico na redução dos fatores de risco ou na pelo menos (vide seção Resultados e discussão). As
proteção para o desenvolvimento da DPP. participantes foram divididas em dois grupos: Grupo
A (mulheres que participaram do PNP) e Grupo B
(mulheres que não participaram do PNP), caracteri-
Método zando a amostra por conveniência.
O presente trabalho é um recorte de um projeto Dentre os diagnósticos médicos que as levaram
de pesquisa maior intitulado “O Pré-natal psicológico para o setor de alto risco encontram-se: rotura prema-
como programa de prevenção a depressão pós-parto”. tura de membranas ovulares, diabetes gestacional,
Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da hipertensão gestacional, trabalho de parto prema-
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal – turo, infecção urinária, hepatite, pneumonia, gestação
Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências e Saúde gemelar e oligodramnia (redução do líquido amniótico).
(FEPECS), em abril de 2012, sob o Parecer n° 085/2012
e o Projeto n° 025/12.
Para que os objetivos pudessem ser atingidos, o Instrumentos
método utilizado foi a pesquisa-ação, voltada para a Foram utilizados para a coleta de dados todos
descrição de situações concretas e intervenção ou a os instrumentos específicos para as fases I, II e II da
ação orientada para resolução de problemas coletivos, pesquisa, a saber:

851
Psicologia: Ciência e Profissão Out/Dez. 2016 v. 36 n°4, 847-863.

Perfil gestacional: ficha elaborada pela equipe de Escala COX: A Escala de Depressão Pós-Parto de
pesquisa contendo dados sociodemográficos, histó- Edimburgo (EPDS) (Cox, & Holden, 2003), consiste em
rico da gestação atual e/ou anterior e rede social de um instrumento bastante utilizado em estudos sobre
apoio, procurando identificar nestes dados os fatores DPP (Lobato et al., 2011) de autorregistro composto
de risco e de proteção para DPP. Aplicada nos dois por dez enunciados, cujas opções são pontuadas
grupos da pesquisa – Fase I. (0 a 3) de acordo com a presença ou a intensidade do
Inventário Beck de Depressão-BDI (Beck, & Steer, sintoma. Seus itens incluem sintomas como humor
1993): trata-se de uma escala composta por 21 itens depressivo (sensação de tristeza, autodesvalorização
com diferentes alternativas a respeito de como o e sentimento de culpa, ideias de morte ou suicídio),
sujeito tem se sentido recentemente, correspondendo perda do prazer em atividades anteriormente consi-
a diferentes níveis de gravidade da depressão: mínimo, deradas agradáveis, fadiga, diminuição da capacidade
leve, moderado ou grave (Cunha, 2001). Aplicada nos de pensar, concentrar-se ou tomar decisões, sintomas
dois grupos da pesquisa da Fase I. fisiológicos (insônia ou hipersonia) e alterações do
Inventário Beck de Ansiedade-BAI (Beck, & Steer, comportamento (crises de choro). A Escala conside-
1993): escala de autorrelato que mede a intensidade de rada de sintomatologia depressiva apresenta valor
sintomas de ansiedade. O inventário é constituído por igual ou superior a 12 (Ruschi et al, 2007). Aplicada
21 itens, que são afirmações descritivas de sintomas nos dois grupos de pesquisa entre a quarta e oitava
de ansiedade, e que devem ser avaliados pelo sujeito semana do pós-parto – Fase III.
com referência a si mesmo, numa escala Likert de
quatro pontos de “absolutamente não” a “gravemente:
dificilmente pude suportar” (Cunha, 2001). Aplicada Procedimento de coleta de dados
nos dois grupos da pesquisa da Fase I. Após a aprovação no CEP/Fepesc, iniciou-se a
Sessões do PNP: Foram realizados quatro coleta de dados. O projeto de pesquisa foi divulgado
encontros de PNP e trabalhados temas como: para as gestantes internadas no setor de alto risco
as mudanças proporcionadas pela maternidade da rede pública de saúde do Distrito Federal, bem
e paternidade; desmistificação da maternidade; como para os seus respectivos familiares presentes no
o bebê imaginário x bebê real; gestação/puerpério horário de visita e para a equipe de saúde.
x sexualidade; planos de parto; estados emocionais As gestantes foram convidadas a colaborar com
do pós-parto; cobranças sociais; vínculos mãe-bebê. a pesquisa de forma voluntária. Aquelas que acei-
Foi disponibilizado o espaço de escuta e utilizadas taram participar foram esclarecidas sobre os objetivos
técnicas como recorte e colagem, leitura de textos e metodologia do estudo por meio da assinatura do
sobre os temas abordados, vídeos, elaboração de Termo de Consentimento Livre (TCLE) e responderam
desenhos por parte das participantes, dentre outras ao perfil gestacional e à Escala Beck para a realização
técnicas projetivas. As sessões foram gravadas para da primeira fase da pesquisa-ação: o diagnóstico dos
análise posterior das falas, percepções e vivências fatores de risco e proteção para DPP.
das colaboradoras – Fase II. Após esta primeira fase, as 10 gestantes que concor-
Perfil puerperal: ficha elaborada pela equipe de daram em participar foram divididas em dois grupos:
pesquisa contendo registros sobre o parto, o bebê e o grupo A, composto pelas cinco gestantes que partici-
a amamentação, mudanças decorrentes do nasci- param das sessões do PNP, e o grupo B, formado pelas
mento do bebê, estados emocionais nesse período, cinco gestantes que não participaram das sessões de PNP.
rede social de apoio e representação de ser mãe após Posteriormente, iniciou-se a 2ª fase da pesquisa-ação:
o nascimento, a fim de identificar a percepção das a implantação do PNP, no qual foram proferidas quatro
puérperas sobre a qualidade do pós-parto. Aplicada sessões de aproximadamente 2 horas de duração cada,
nos dois grupos da pesquisa – Fase III. no período de quatro meses, sendo abordados temas
Questionário avaliativo: composto por dez ques- sobre os aspectos psicológicos do ciclo gravídico-puer-
tões abertas e uma fechada, elaborado pela equipe de peral. Todas as sessões foram gravadas.
pesquisa para verificar a percepção das participantes Por fim, foi realizada a 3ª fase da pesquisa-ação
do grupo PNP sobre os efeitos da sua participação nas (avaliativa): à medida que os bebês foram nascendo,
sessões do PNP. Aplicado apenas ao grupo A – Fase III. o perfil puerperal e a Escala COX foram aplicados

852
Almeida, N.M. de C.; Arrais, A. da R. (2016). Programa de Prevenção à Depressão Pós-Parto.

para as participantes de ambos os grupos. O questio- gestantes na 1ª e 2ª fase da pesquisa, e depois


nário avaliativo foi aplicado apenas às integrantes do passaram a ser puérperas na 3ª fase do estudo.
primeiro grupo (A). A idade das colaboradoras variou entre 19 e 38 anos
A aplicação desses instrumentos ocorreu por meio (média = 27,5 anos). São apresentados, inicialmente,
de visitas domiciliares agendadas com antecedência por os dados das participantes do PNP (Grupo A). Neste
contato telefônico ou no setor de alto risco do hospital. grupo, as idades gestacionais variaram de 21 a 33
semanas (na data em que preencheram o perfil
gestacional) e a idade das gestantes incluídas variou
Procedimento para análise de dados entre 19 e 35 anos (média = 27,6 anos). Dentre essas,
Foi adotado como princípio a análise mista dos apenas duas eram casadas (40%), enquanto três eram
resultados. Primeiramente, foi realizada uma análise solteiras (60%). Somente duas puérperas possuíam
quantitativa, baseada em estatística simples dos perfis ensino superior (40%); a maioria apresentava esco-
gestacional e puerperal. Posteriormente, uma análise laridade média (60%).
quantitativa das Escalas Beck e COX, conforme seus No grupo B, as idades gestacionais variaram
respectivos manuais. Todas as sessões do grupo de PNP de 20 a 34 semanas, e a idade das gestantes variou
foram transcritas, organizadas e analisadas em seu entre 20 e 38 anos (média = 27,8 anos). Nenhuma
conteúdo, em busca de fatores que não apareceram no colaboradora era casada, duas afirmaram estar em
primeiro instrumento aplicado (Bardin, 1977), sendo união estável (40%) e três eram solteiras (60%).
também realizada uma análise qualitativa dos questio- Entre essas, duas possuíam ensino médio (40%),
nários avaliativos do PNP e dos instrumentos aplicados enquanto a maioria tinha cursado apenas o ensino
nas visitas pós-parto (perfil puerperal, questionário fundamental (60%). Esses dados estão sintetizados
avaliativo e Escala COX). Foram utilizados nomes fictí- na Figura 1.
cios para a análise e discussão de dados. A Figura 1 mostra que três mulheres do grupo A,
Depois da análise dos diversos materiais produ- que exerciam ocupação fora do lar, a maioria afirmou
zidos no desenvolvimento das fases da pesquisa possuir um trabalho estressante (40%), enquanto que,
(trechos de falas, comentários para as perguntas no grupo B, apenas uma colaboradora enquadrou-se
abertas nos perfis gestacional e puerperal e respostas nessa categoria (20%). Quanto aos indicadores sociais,
do questionário avaliativo), foram identificados os em ambos os grupos três gestantes afirmaram possuir
fatores de risco e de proteção para DPP para cada renda familiar de até R$ 1.000,00 (60%), uma possui
colaboradora. Foi feita uma análise dos aspectos renda de até R$ 540,00 (20%), e uma gestante afirmou
emocionais e psicológicos no período gestacional possuir renda de até R$ 2.000,00 (20%).
e comparados aos níveis de DPP presentes no puer- O número de gestações das puérperas do grupo A
pério, identificados pela escala COX e, a partir das variou de uma à quatro (60% eram multíparas); uma
características positivas e negativas, identificadas no afirmou a presença de depressão na gestação anterior
pós-parto. Os dados foram sistematizados e apresen- (20%) e duas na gestação atual (40%); duas afirmaram
tados em forma de tabelas e gráficos. terem tido um parto traumático/insatisfatório (40%),
Por fim, foi realizado um comparativo entre uma teve história de aborto em gestação anterior
os grupos A e B, com relação aos fatores de risco e (30%) e apenas uma afirmou ter sofrido intercorrência
de proteção durante a gestação e a incidência de hospitalar com o bebê (30%). Quanto ao grupo B, 80%
DPP, com objetivo de avaliar o caráter preventivo do das colaboradoras eram multíparas; duas afirmaram a
PNP, bem como verificar a satisfação das expecta- presença de depressão na gestação anterior e durante
tivas em relação ao atendimento realizado durante o a gestação atual (80%); duas tiveram um parto trau-
pré-natal. Analisou-se ainda a percepção da vivência mático/insatisfatório (40%) e outras duas tiveram
do pós-parto pelas colaboradoras da pesquisa. história de aborto em gestação anterior e sofreram
intercorrência hospitalar com o bebê (80%). Esses
dados podem ser confirmados na Figura 1, que apre-
Resultados e discussão senta as características sociodemográficas das cola-
Caracterização das participantes: Foram inclu- boradoras e os fatores de risco e de proteção identifi-
ídas no estudo 10 mulheres que se encontravam cados na gestação (Figura 2).

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Psicologia: Ciência e Profissão Out/Dez. 2016 v. 36 n°4, 847-863.

80

70

60

50
GA
% 40
GB
30

20

10

0
Estado civil Escolaridade Ocupação Renda familiar Nº de gestações
solteira média emprego RS -1.000,00 multíparas

GA: idade: 19–35 anos (média = 27,6) GB: idade 20–38 anos (média = 27,8)
Idade gestacional: 21–33 semanas (média = 28,6) Idade gestacional: 20–34 semanas (média = 29,4)

Figura 1
Características sócio-demográficas e histórico obstétrico das colaboradoras

A primeira fase da pesquisa foi diagnóstica apoio do pai do bebê; história de depressão anterior;
visando identificar os fatores de risco e de proteção depressão gestacional; parto traumático ou insatis-
presentes na história e vivência das gestantes inter- fatório; história de aborto em gestações anteriores e
nadas no setor de alto risco. Conforme afirma intercorrência hospitalar com a mãe.
Gomes et al. (2010), o conhecimento desses fatores Já os fatores de proteção evidenciados, também
é importante para o planejamento e execução de presentes nas pesquisas de Frizzo e Piccinini (2005),
ações preventivas, como o favorecimento de apoio Arrais (2005) e Ruschi et al. (2007), foram: ser multí-
emocional à família, amigos e companheiro, propor- para; ser casada/relação estável; gravidez planejada;
cionando segurança à puérpera. gravidez desejada; situação socioeconômica favo-
rável; suporte familiar; relacionamento conjugal satis-
fatório; apoio emocional do pai do bebê; parto satisfa-
Fatores de risco e proteção para a DPP tório e detecção precoce da DPP.
Para melhor visualização dos dados, as Figuras 2 Pode-se observar nas Figuras 2 e 3 que a soma
e 3 sintetizam e apresentam a ocorrência dos fatores dos fatores de risco (46 ocorrências no grupo A e 44
de risco (Figura 2) e de proteção (Figura 3) mais no grupo B) e de proteção (18 ocorrências no primeiro
frequentes para cada colaboradora participante dos grupo e 20 no grupo B) do grupo A quando compa-
grupos A e B. rados aos do grupo B apresentam índices seme-
Os fatores de risco encontrados foram: ser lhantes. Analisando-se apenas estes dados, pode-se
primípara; ser mãe solteira; gravidez não planejada; afirmar que as colaboradoras de ambos os grupos
gravidez não desejada; saída da faculdade para o encontravam-se vulneráveis, portanto com tendência
mercado de trabalho; trabalho estressante; desem- a desenvolver a DPP.
prego; situação socioeconômica desfavorável; filhos A fim de investigar os fatores de risco mais frequentes
saindo de casa; mudança de cidade/casa; rede de em ambos os grupos, serão aqui discutidos os seguintes
apoio social e familiar empobrecida; relaciona- aspectos: escolaridade média, trabalho estressante, situ-
mento conjugal insatisfatório; conflitos familiares; ação socioeconômica desfavorável, ser solteira; gravidez
acidente de carro, moto ou ônibus; doença grave em não planejada, relacionamento conjugal insatisfatório e
parente próximo; morte de pessoa querida; falta de falta de apoio emocional do pai do bebê.

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Almeida, N.M. de C.; Arrais, A. da R. (2016). Programa de Prevenção à Depressão Pós-Parto.

A maioria das colaboradoras possui nível Essa amostra reflete a realidade da população
baixo de escolaridade (30% cursaram até o ensino brasileira, que em sua maioria é exposta à escassez
fundamental e 50% até o ensino médio), são multí- de recursos. Um exemplo disso é o relato de P1:
paras (80%), apresentam situação socioeconô- “Houve muita briga porque eu fiquei grávida, ele
mica desfavorável (70%) e, entre as que exercem me culpou porque estamos passando por uma
atividade laboral remunerada (60%), quatro afir- situação, por falta de dinheiro, e quase se sepa-
maram possuir um trabalho estressante (40%). ramos por causa disso”.

100
90 GA
GB
80
70
60
% 50

40
30
20
10
0
Solteira Não Trabalho Situação Relação Falta de
planejado estressante socioeconômica conjugal apoio
desfavorável insatisfatória emocional
GA: 46 ocorrências
GB: 44 ocorrências
* GA/GB: Intercorrência hospitalar
Figura 2
Fatores de risco identificados na gestação das colaboradoras

80

70

60

50
GA
% 40 GB

30 GA: 18 ocorrências
GB: 20 ocorrências
20

10

0
Mutípara Gravidez Suporte
desejada familiar
Figura 3
Fatores de proteção identificados na gestação das colaboradoras

855
Psicologia: Ciência e Profissão Out/Dez. 2016 v. 36 n°4, 847-863.

Em relação aos eventos estressantes, Silva “O descompasso entre as expectativas e as realidades


e Piccinini (2009) afirmam que as mulheres que da maternidade pode ser vivido como uma crise
vivenciam tais situações possuem níveis maiores pessoal, mas, em última instância, é uma tragédia
de sintomas depressivos, o que também foi relatado social” (Maushart 2006, p. 157).
pelas colaboradoras da pesquisa: “Eu trabalhava de Esses resultados sugerem que, além da presença
babá e saí de um emprego para outro pra estudar, e dos fatores de risco apresentados pelas gestantes, o
eu já estava grávida, só que eu não sabia, aí após eu fato de terem vivenciado dificuldades gestacionais
entrar no outro emprego, descobriram que eu tava relacionadas a sua saúde e/ou do bebê, determinando
grávida e eles me mandaram embora” (P2). Dessa a internação no setor de alto risco, contribui signifi-
forma, conforme afirmam Higuti e Capocci (2003), cativamente para a instalação de um possível quadro
Pereira e Lovisi (2008), e Viegas et al. (2008), a dificul- de depressão tanto durante quanto após a gestação.
dade financeira e a vivência de eventos estressantes Assim, os profissionais que trabalham com essas
pelas mulheres durante a gestação e o início do puer- gestantes deverão estar atentos às várias condições
pério poderão desencadear a DPP. de risco que estão associadas a essas mulheres, pois
Outros fatores de risco mencionados por Arrais poderão atuar de forma preventiva na diminuição dos
(2005) e identificados nos instrumentos desta pesquisa riscos gestacionais (Baptista, & Furquim, 2009).
dizem respeito ao fato de a maioria das colaboradoras Em função da relevância como fator de risco para
ser solteira, ao não planejamento da gravidez, ao rela- DPP, destacaremos os resultados referentes aos níveis
cionamento conjugal insatisfatório e à falta de apoio de depressão gestacional e rastreamento de depressão
emocional do pai do bebê. O não planejamento da pós-parto nos dois grupos (Figura 4).
gravidez pode ser visualizado na seguinte fala: É interessante observar que no grupo A apenas
duas colaboradoras (40%) apresentaram nível de
“É, não foi planejada e eu não aceitei muito no ansiedade grave (P3 e P4), sendo que do total da
início, e chorei muito quando fiquei sabendo amostra, somente uma (20%) apresentou nível de
[...] aí, assim, sabe aquele negócio de não querer depressão gestacional grave (P3), de acordo com a
mais? Sei lá se era raiva, aquela sensação ruim./ escala Beck. No grupo B, a maioria apresentou nível
[...] eu fiquei triste por causa da situação da qual de ansiedade gestacional grave (80%), sendo que
eu engravidei, sem um relacionamento concreto, duas (40%) apresentaram nível de depressão gesta-
sem uma estabilidade como falam [...] a gente cional grave (P8 e P10) e uma (20%) apresentou nível
tava só começando, foi um relacionamento que moderado (P7).
não deu certo” (P3). Importante lembrar ainda que, no grupo A, uma
colaboradora (20%) afirmou histórico de depressão
A fala anterior corrobora a afirmação de Moraes anterior (P5) e duas (40%) mencionaram a presença
et al. (2006), que cita fatores como a não aceitação de depressão na gestação (P3 e P5), enquanto que, no
da gravidez, bem como a falta de suporte ofere- grupo B, duas apresentaram histórico de depressão
cido pelo companheiro e a sobrecarga de trabalho anterior (40%) e durante a gestação (P8 e P10). Esses
(ser mãe solteira), associados à ocorrência de DPP. dados confirmam a afirmação de Arrais (2005); Pereira
Conforme menciona Maushart (2006), esses fatores e Lovisi (2008); Rosenberg (2007); Schmidt, Piccoloto e
relacionam-se à DPP, uma vez que as mães da nossa Muller (2005), e Zinga et al. (2012), na qual a presença
sociedade vivem na tentativa de reconciliar as expec- de depressão na gestação representa um dos grandes
tativas com as realidades práticas. fatores de risco para a DPP.
Em decorrência desta situação, o fato do evento De acordo com os dados obtidos, pode-se
não ter sido planejado contribui para que elas afirmar que, apesar de as colaboradoras de ambos os
assumam a total responsabilidade pelas exaustivas grupos serem vulneráveis e com tendência a desen-
tarefas diárias associadas aos cuidados domésticos volver a DPP, nenhuma das gestantes que parti-
e com os seus filhos. Dessa forma, a cobrança e a ciparam do PNP – Grupo A – desenvolveram DPP,
exigência para que a mulher consiga desempenhar enquanto que as cinco puérperas do grupo B, que
perfeitamente todas as suas atividades propiciam o não participaram do PNP, evidenciaram probabili-
surgimento do conflito entre o que é certo e errado: dade para a DPP (Figura 4).

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Almeida, N.M. de C.; Arrais, A. da R. (2016). Programa de Prevenção à Depressão Pós-Parto.

50
45
40
Escores dos instrumentos

35
Resultado BAI
30 Resultado BDI
Resultado COX
25
20 GA: P1 a P5
15 GB: P6 a P10

10
5
0
P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8 P9 P10
* P1 e P7 natimorto/óbito fetal
Figura 4
Níveis de depressão gestacional e depressão pós-parto nos grupos A e B

Outra questão que merece destaque é o fato de Conteúdo semelhante ao da fala de P6 foi mencio-
que os bebês de duas participantes da pesquisa evolu- nado por autores como Cantilino, Zambaldi, Sougey
íram para óbito – uma do grupo A (P1 – natimorto) e e /rennó Junior (2010); Frizzo e Piccinini (2005), e
outra do grupo B (P7 – óbito fetal) – o que representa Konradt et al. (2011), ao afirmarem a importância do
um fator de risco para a DPP. Tendo em vista que ambas suporte social adequado como um fator protetor para
as colaboradoras apresentavam fatores de risco seme- o desenvolvimento de DPP.
lhantes na fase diagnóstica da pesquisa (gravidez não Avaliação do PNP: Na última fase da pesquisa
planejada, situação socioeconômica desfavorável e (avaliativa), os dados provenientes do perfil puerperal,
relacionamento conjugal insatisfatório) e que somente do questionário avaliativo e das sessões iniciais do PNP
a colaboradora do grupo B apresentou probabilidade demonstraram a influência positiva do PNP para cada
para DPP, segundo a escala COX, cabe questionar se a colaboradora do grupo-intervenção, na medida em que
participação de P1 no PNP permitiu que, de alguma elas fizeram a avaliação de todo o trabalho desenvolvido
forma, a depressão fosse tratada ou minimizada. e refletiram sobre o que aprenderam; os mitos desfeitos
Quanto aos fatores de proteção mais frequentes e o apoio recebido, possibilitando a revisão da máscara
em ambos os grupos, destacam-se: ser multípara da maternidade (Maushart, 2006). Essa influência posi-
(80%), gravidez desejada (50%) e suporte familiar tiva pode ser visualizada nas seguintes falas: “Aqui vocês
(60%), conforme as seguintes falas: puderam me ajudar, me aconselhar. Se não fosse vocês
eu acho que não teria dado conta só. Nos momentos
Descobrir a gravidez foi bom, eu não fiquei triste, bem difíceis da minha vida me ajudou sim, bastante
eu fiquei muito feliz, não foi planejada, mas as- mesmo” (P3); “Durante a gestação se eu tivesse passado
sim, a gente não se preveniu e sabia que qualquer aqui sozinha, sem o apoio de vocês, sem alguém pra
hora poderia acontecer. Mesmo assim, nem fica- conversar, me acalmar, me ajudar, eu não tinha conse-
mos chateados com o que aconteceu (P2). guido” (P5). De acordo com as participantes, o grupo
do PNP também proporcionou a reflexão e a discussão
O Caio foi uma surpresa pra todo mundo, mas é sobre o conceito de ser mãe: “É responsabilidade,
muito desejado. Está todo mundo ansioso pra ver compromisso, dedicação e muito amor no coração”
o rostinho dele. [...] a minha família e a dele ajuda (P1); “É maravilhoso, a gente aprende a amar no ventre
bastante, minha mãe, minha avó, minha cunha- da gente, a esquecer dos problemas. É muito bom! É um
da e minha sogra, ela é um amor de pessoa. (P6). sonho. A mais alta dádiva de Deus” (P5).

857
Psicologia: Ciência e Profissão Out/Dez. 2016 v. 36 n°4, 847-863.

Observa-se nas falas acima a idealização da no grupo B, apenas uma participante teve a mesma
maternidade, na qual, de acordo com Azevedo e opinião (P9). Pode-se concluir que, apesar de o tipo de
Arrais (2006), espera-se um ideal, um modelo de mãe parto desejado pelas participantes do grupo A não ter
perfeita, uma imagem romanceada da maternidade, sido realizado, elas se sentiram mais tranquilas porque
que está alicerçada sob um rígido padrão incapaz de receberam informações no grupo PNP pertinentes
admitir qualquer vestígio de sentimentos ambiva- à temática, preparando-as para o parto e pós-parto,
lentes nas mães. Por outro lado, no decorrer dos encon- independente de suas expectativas iniciais. A tran-
tros grupais, observou-se mudanças no conceito e na quilidade sentida pelas colaboradoras em relação
maneira de lidar com a maternidade: “[...] eu como ao tipo de parto realizado foi expressa nas seguintes
mãe vou errar, mas na medida do possível vou tentar falas: “Não tive medo, foi maravilhoso!” (P2); “Eu tive
acertar e fazê-lo feliz, essa felicidade que faz todas nós cesárea por causa da saúde dela, mais eu me senti
mães se emocionar, a amar incondicionalmente, ou preparada com as informações que recebi de vocês”
seja, desabrochar para o falado amor” (P1). (P3); “Foi supertranquilo. Os médicos foram maravi-
Outras mudanças também puderam ser perce- lhosos, me atenderam super bem, e a anestesia, que
bidas em relação à melhoria da qualidade do relacio- eu tinha mais medo, foi bem tranquila, vocês me acal-
namento com o pai do bebê, ao conceito de parto e maram muito no dia anterior” (P5).
amamentação e a melhoria dos possíveis sintomas Outro aspecto que merece destaque é o fato que
da DPP: “O pai do bebê está dando mais atenção de duas puérperas do grupo A (P3 e P5) apresentaram
para ela, carinho, e eu estou tendo dificuldade para dificuldades relacionadas à amamentação, enquanto
administrar dois filhos” (P3); “O parto normal além que o mesmo não ocorreu entre as participantes do
de ser só um corte lá embaixo quando precisa, acre- grupo B. Apesar desses resultados, pode-se afirmar
dito que depois a dor passa” (P1); “A amamentação que as puérperas do grupo A receberam todas as
é importante, é fundamental para o bebê até os seis informações necessárias relacionadas à amamen-
meses de idade, porque quando a criança mama ela tação durante o grupo PNP, o que as ajudou a lidar de
não precisa de água e de nada, é algo suficiente pra maneira positiva com as dificuldades apresentadas.
ela” (P1); “Por mais difícil que a gente ache que seja Por fim, todas as participantes do grupo A que
o problema, vai ser resolvido, tudo passa. É como se apresentaram os mesmos fatores de risco para a DPP
fosse uma ferida, por mais que dói ela é curada, vai que as colaboradoras do grupo B (situação socioeco-
cicatrizar e passar” (P2). nômica desfavorável; rede de apoio social e familiar
Por fim, o grupo de PNP vai além do objetivo geral empobrecida; relacionamento conjugal insatisfatório;
deste trabalho, por ser um instrumento psicoeduca- conflitos familiares) afirmaram possuir, no pós-parto,
tivo e por abordar questões sobre o projeto de mater- o apoio emocional e financeiro, e mencionaram contar
nidade/parentalidade, questões diárias, culturais, com ajuda de seus familiares e amigos nos cuidados
geracionais, relacionadas à internação, aos medos e com o bebê, confirmando a eficácia do grupo PNP na
preocupações, propiciando o empoderamento das melhoria dos relacionamentos/rede de apoio. Dessa
participantes e o fortalecimento da rede social. forma, os resultados discutidos nesta seção sugerem
Vivência puerperal: Em relação ao puerpério, que o PNP atuou como fator de proteção para a
pode-se observar na Figura 5 que todas as puérperas prevenção da DPP nas gestantes que participaram
que preencheram o perfil puerperal (P2, P3, P4, P5, P6, do grupo de PNP, reforçando o caráter psicoprofilá-
P8, P9, P10) desejavam que seu parto fosse normal e tico deste tipo de trabalho conforme apontado por
afirmaram preferir a presença de um acompanhante, Arrais et al. (2012); Bortoletti (2007a,b); Santos (2013)
entretanto, o parto cesáreo foi realizado na maioria e Shields (2006).
das gestantes (60%), exceto em P4 e P6. Isso pode Assim sendo, pode-se concluir que o grupo de
ser explicado pelo fato de as gestantes serem consi- PNP, além da abordagem psicoterapêutica, forneceu
deradas de alto risco e apresentarem maior probabi- informações sobre os estados emocionais do
lidade de evolução desfavorável durante a gestação pós-parto, favorecendo a adaptação das puérperas
(Brasil, 2012). neste período, proporcionando o fortalecimento
Todas as puérperas do grupo A afirmaram que o do vínculo entre mãe-concepto (Falcone, Mäder,
parto ocorreu conforme o esperado, enquanto que, Nascimento, Santos, & Nóbrega, 2005).

858
Almeida, N.M. de C.; Arrais, A. da R. (2016). Programa de Prevenção à Depressão Pós-Parto.

100
90 GA
GB
80
70
60
% 50

40
30
20
10
0
Desejo Parto cesáreo Parto como Apoio Apoio Apoio pai
parto normal realizado esperava emocional financeiro bebê
* P1 e P7 não responderam perfil puerperal (natimorto/óbito fetal)
Figura 5
Características pós-parto (Perfil puerperal)

Considerações finais de proteção a mais na vida das gestantes, na medida


Considerando-se o objetivo geral desta pesquisa: em que proporciona às puérperas um espaço de
investigar a eficácia do PNP na prevenção à DPP em escuta emocional e apoio, onde o tema da DPP pode
gestantes de alto risco de um hospital público de ser adequadamente abordado, permitindo a livre
referência, em Brasília; verifica-se que a realização expressão de seus temores e ansiedades.
do PNP atuou de forma positiva na prevenção da É sob esse aspecto que mais se aprofunda o valor
DPP em gestantes de alto risco, já que as cinco cola- terapêutico do grupo, na medida em que permite o
boradoras do PNP não apresentaram probabilidade manejo de sentimentos básicos em relação à materni-
para a DPP, mesmo com a presença de fatores de dade, tais como níveis de insegurança, sentimentos de
risco durante a gestação. inferioridade e inadequação e expectativas referentes
Alguns fatores de risco citados pelas colabo- ao bebê e a si próprias como mãe. Portanto nossos
radoras da pesquisa e que contribuíram para a DPP resultados corroboram a afirmação de Campos (2000):
incluem: privação de sono, complicações na gravidez, A realização de acompanhamento psicológico
complicações no nascimento para a mãe ou para o durante a gravidez em mulheres de risco, pode
filho, apoio social inadequado, problemas matrimo- contribuir para uma vivência mais saudável desse
niais, histórico de depressão, e a ocorrência recente período maturacional, prevenindo perturbações no
de uma grande mudança de vida (divórcio, morte, um processo de desenvolvimento gravídico e conse-
novo emprego, mudança de cidade). quentes ocorrências patológicas, como complica-
A pesquisa-ação mostrou-se adequada e eficaz ções no parto e distúrbios emocionais no pós-parto,
para o objetivo proposto, tendo em vista que a ou ainda, e de forma mais negativa, o parto prema-
comparação entre os dois grupos – colaboradoras turo (Campos, 2000, p. 31).
participantes do PNP e as não participantes – foi Vale ressaltar que todas as colaboradoras da
fundamental para percebemos a proteção que o PNP pesquisa foram convidadas a ingressar no grupo
oferece durante a gestação. Embora esses achados não de PNP, porém, vários motivos impediram algumas
possam ser interpretados de forma isolada de outros delas de participar: falta de desejo/ motivação, alta
aspectos de vida da gestante, defendemos que o PNP, hospitalar, falta de recursos financeiros para retornar
associado a outros fatores de proteção presentes na ao hospital, choque de horário com outras rotinas
história das grávidas, pode ajudar a prevenir a DPP. hospitalares (exames, visitas, lanche). Desta forma,
Assim, destacamos o grupo de PNP como um fator foi possível constituir o Grupo B citado na pesquisa.

859
Psicologia: Ciência e Profissão Out/Dez. 2016 v. 36 n°4, 847-863.

Entretanto, estas colaboradoras foram contatadas no e bem-estar às gestantes e seus familiares, visando à
período pós-parto e algumas foram acompanhadas promoção, prevenção e assistência integral à saúde da
pelo serviço de psiquiatria, Psicologia e serviço social gestante e do recém-nascido. Dessa forma, o psicó-
do setor, até mesmo receberam enxovais doados pela logo hospitalar assume um papel fundamental nesse
equipe de pesquisa, na ocasião da visita pós-parto. contexto, pois, conforme afirmam Baptista e Furquim
Assim, a assistência psicológica na gestação por meio (2009), Iaconelli (2005), o apoio psicológico em um
da utilização do PNP é importante instrumento psico- momento de tantas mudanças externas e internas
profilático, reafirmando a concepção de Bortoletti pode contribuir com a equipe multidisciplinar na
(2007); Cabral et al. (2012), que cita o PNP como um melhor adaptação da mulher, desde a gestação até a
fator de proteção por si só, minimizando o impacto chegada do bebê.
dos fatores de risco presentes e diminuindo dessa Por fim, sabendo-se da alta incidência de DPP
forma a possibilidade da DPP. e, após as evidências do caráter preventivo do PNP
É preciso destacar também a necessidade de proposto neste trabalho, a continuidade de estudos
uma equipe interdisciplinar para auxiliar a gestante, dessa ordem é de grande importância e se faz neces-
visando à investigação de todos os fatores de risco que sária para o entendimento dos fatores interve-
podem ocasionar transtornos físicos ou psicológicos nientes na depressão puerperal, e para a compre-
ao binômio mãe x bebê, incentivando a criação de um ensão dos efeitos de risco da DPP sobre aspectos da
espaço que possibilite relações humanas mais saudá- vida do bebê.
veis entre os membros da equipe e entre a equipe e Este trabalho possibilitou enorme crescimento
o paciente. Embora a atuação do psicólogo hospitalar pessoal e profissional na área da Psicologia Hospi-
aplicada à obstetrícia possa parecer prescindível, se talar aplicada à obstetrícia, primeiramente por
comparada à equipe médica e de enfermagem, os contribuir com a ampliação do conhecimento sobre
resultados de sua atuação têm demonstrado o seu as diversas facetas que envolvem o tema da mater-
valor, diante da gama de situações vivenciadas pelas nidade e depressão pós-parto, e por realçar a impor-
usuárias em seus contextos individuais e subjetivos, tância do psicólogo no contexto do atendimento
revelando a complexidade do atendimento à gestante, pré-natal, já que a DPP é importante problema de
visando o seu bem-estar e o do bebê. saúde pública, que impacta diretamente sobre a
No centro obstétrico, a Psicologia trabalha com saúde da mãe e do bebê, e ainda subdiagnosticada,
multifatores e o seu campo de atuação não fica restrito atingindo mulheres em todas as idades, classes
à supervisão de partos e ao manejo da dor durante o sociais e níveis de escolaridade.
trabalho de parto, pois abrange aspectos biopsicos- Um estudo futuro, com um número maior de
sociais das usuárias, através de mediações entre a participantes, a aplicação da escala de autoeficácia
equipe multidisciplinar e os familiares, bem como materna no pós-parto (Uchoa, 2012) e a ampliação da
ressaltando a importância do grupo de PNP. assistência pré-natal oferecida nos serviços públicos
Os objetivos deste trabalho foram além dos esta- de saúde, também poderia ajudar a ratificar que o PNP
belecidos incialmente, por toda a estrutura do serviço atua como fator de proteção para DPP, justificando a
de referência, desenvolvidos para oferecer conforto relevância social e científica do presente estudo.

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862
Almeida, N.M. de C.; Arrais, A. da R. (2016). Programa de Prevenção à Depressão Pós-Parto.

a Saúde da Escola Superior de Ciências da Saúde


(ESCS), Psicóloga clínica e hospitalar da Secretaria de
Estado de Saúde do Distrito Federal – SES-DF.
E-mail: [email protected]
Endereço para envio de correspondência: SHIS – QI
16 conj 02 casa 32. Lago Sul – Brasília – DF - CEP
71.640.220.

Recebido 01/10/2014
Aprovado 11/11/2016

Received 10/01/2014
Approved 11/11/2016

Recibido 01/10/2014
Aceptado 11/11/2016

Como citar: Almeida, N. M. C., & Arrais, A. R. (2016). O pré-natal psicológico como programa de prevenção à
depressão pós-parto. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(4): 847-863. doi:10.1590/1982-3703001382014

How to cite: Almeida, N. M. C., & Arrais, A. R. (2016). The psychological prenatal program as a prevention tool for
postpartum depression. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(4): 847-863. doi:10.1590/1982-3703001382014

Cómo citar:Almeida, N. M. C., & Arrais, A. R. (2016). El programa prenatal psicológico como prevención de la
depresión posparto. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(4): 847-863. doi:10.1590/1982-3703001382014

863
Pré-Natal Psicológico: perspectivas para atuação do psicólogo
em saúde materna no Brasil

Prenatal Psychology: perspectives for psychologist practice in


maternal health in Brazil

Alessandra da Rocha Arrais 1


Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, DF, Brasília

Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de Araujo 2


Universidade de Brasília, DF, Brasília

RESUMO
No cenário brasileiro contemporâneo, é crucial propor e avaliar programas
destinados ao acompanhamento pré-natal de gestantes. Sendo assim, o
presente artigo relata uma modalidade de intervenção psicoeducativa realizada
no âmbito hospitalar. Denominada Pré-Natal Psicológico (PNP), trata-se de
uma prática – complementar ao pré-natal biomédico – voltada para o
atendimento psicológico das gestantes, a qual também estimula a integração
de seus familiares nos cuidados desenvolvidos ao longo do ciclo gravídico-
puerperal. Notadamente, as ações envolvem encontros grupais temáticos (por
exemplo: preparação para maternidade e prevenção da depressão pós-parto).
Inicialmente organizado na esfera pública, o PNP é um programa de baixo
custo que tem sido avaliado positivamente por usuários e profissionais.
Experiências no setor privado também vêm sendo conduzidas, as quais
revelam a amplitude desse programa. Em suma, uma descrição detalhada das
sessões do PNP visa oferecer subsídios para a atuação do profissional de
psicologia que integra uma equipe multiprofissional no campo da Saúde
Materna.
Palavras-chave: pré-natal; intervenção; saúde materna; psicologia hospitalar;
psicoeducação.

1
Psicóloga Hospitalar da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF),
Docente do Programa de Mestrado Profissional da Escola Superior de Ciências da Saúde
(ESCS) da FEPECS/SES-DF, Pesquisadora da Fundação de Apoio à
Pesquisa do DF (FAP-
DF), Doutora pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-Doutoranda no Programa de
Psicologia Clínica e Cultura (UnB). E-mail: [email protected].
2
Professora do Departamento de Psicologia Clínica da UnB, Doutora pela Université de Paris
X - Nanterre, Pós-Doutora pela Unesco (França) e Pesquisadora do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico. E-mail:
[email protected] .

103
Rev. SBPH vol.19 no. 1, Rio de Janeiro – Jan./Jul. – 2016
Pré-Natal Psicológico

ABSTRACT
In the Brazilian scenario, it is crucial to propose and assess programmes aimed
at prenatal care of pregnant women. A modality of psycho-educational
intervention called Psychological Prenatal (PNP) is reported in this article. It
concerns a service – complementary to the clinical prenatal – related to the
psychological care of pregnant women, which also encourages integration of
their families into the care given throughout the pregnancy and postpartum
cycle. Actions involve thematic group meetings (e.g.: preparation for maternity
and prevention of postnatal depression). PNP is a low cost programme that has
been positively assessed by users and professionals, which was initially
organised within the public sector. Experiences within the private sector that
reveal the amplitude of the programme have also been carried out. A detailed
description of PNP sessions aims at providing elements for the performance of
the psychologist who is part of a multi-professional team in the field of Maternal
Health.
Keywords: prenatal; intervention; maternal health; health psychology;
psychoeducation.

Introdução
Na atualidade, ainda que conhecimentos biomédicos e tecnológicos
sejam usualmente empregados ao longo da experiência da maternidade, as
vivências desencadeadas – desde a concepção até os meses subsequentes ao
parto – revestem-se de intensos e contraditórios afetos sustentados por
crenças pessoais, familiares, sociais e culturais. De fato, a medicalização tende
a ser progressiva nessa etapa do ciclo vital, particularmente quando se
projetam repercussões tanto para a mulher quanto para o futuro bebê. Cabe
realçar que ameaças suscitadas por variadas causas, incluindo-se aquelas
relacionadas a condições sanitárias básicas, continuam a se perfilar, mesmo
que inúmeros danos e agravos tenham sido superados no campo da Saúde
Materna. No cenário brasileiro contemporâneo, os diferentes níveis de
governança confrontam-se com as possíveis consequências advindas da
contaminação viral na população de gestantes: investiga-se a associação do
vírus Zika com a microcefalia dos fetos e ainda não se analisaram suas
inflexões no setor da Saúde da Criança, durante a próxima década. Então, ao
desafio humano de fecundar, gerar e fazer desenvolver, se sobrepõem outros
conflitos e sofrimentos, uma vez mais naturalizados por limitações

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Arrais, A. da R., & Araujo, T. C. C. F. de

psicossociais. Persiste como meta crucial da área propor e avaliar programas


destinados ao acompanhamento pré-natal de mulheres que engravidaram,
notadamente no que concerne às usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS)
e seus familiares. Assim, este artigo focalizará os programas executados,
dando ênfase às ações propostas pelo “Pré-Natal Psicológico”.

Políticas e programas em Saúde da Mulher no Brasil

No Brasil, em uma revisão sobre políticas e programas desenvolvidos


pelo Ministério da Saúde desde o Estado Novo, Cassiano, Carlucci, Gomes e
Benneman (2014) reconheceram como marco significativo a implementação,
na década de 1980, do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
(PAISM), no qual se destacavam ações voltadas para os períodos do pré-natal,
parto e puerpério. Porém, em função dos seus limites, foi lançado em 2000 o
Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) com o
propósito de oferecer um acompanhamento mais centrado nas necessidades
das gestantes. Para essas autoras, deve ser igualmente citada a Lei no.
11.108, de abril de 2005, que assegura à parturiente a presença de um
acompanhante. Chamam atenção ainda para:

• a criação do Sistema Eletrônico para Coleta de Informações sobre o


Acompanhamento das Gestantes Atendidas no SUS (Sisprenatal),
visando monitorar a assistência em cada município e nortear o
repasse de recursos; e

• o estabelecimento da Rede Cegonha, normatizada pela Portaria


no.1.459 de 24 de junho de 2011, com destaque para os direitos
humanos e reprodutivos de mulheres, homens, jovens e
adolescentes, assim como a qualificação profissional.

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Pré-Natal Psicológico

Acompanhamento pré-natal: intervenções para o cuidado integral da mulher

Programas sistemáticos de acompanhamento durante a gestação e o


puerpério são essenciais para consolidação e aprimoramento das políticas de
saúde no setor. Organizadas na atenção básica ou em centros especializados,
tais intervenções precisam ser difundidas e compartilhadas no território
nacional para análise, avaliação e adaptações às exigências locais e
temporais. No Distrito Federal, oficinas socioeducativas são desenvolvidas com
mulheres residentes em um setor habitacional da Ceilândia (DF), classificado
como aglomerado subnormal em razão das precárias condições sociais e
sanitárias. Esse trabalho de acompanhamento em nível comunitário conta com
a participação de mulheres dos movimentos sociais para sensibilização e
adesão de gestantes com acesso restrito a serviços qualificados. Grupos de
orientação são organizados com o objetivo principal de garantir a participação
ativa e o “empoderamento” das mulheres grávidas (Barbosa, Araujo, &
Escalda, 2015).
Nas unidades de saúde, amplia-se a oferta de serviços em consonância
com as diretrizes atuais. Todavia, muitas ações privilegiam a dimensão
biológica, perpetuando um modelo tradicional de atendimento, em que
aspectos psicossociais não são suficientemente tratados. Diante das limitações
decorrentes dessa modalidade de pré-natal, a equipe de psicologia de uma
maternidade privada de Brasília implantou um programa de cuidado integral em
2006. Desde então, foram realizados 13 grupos de gestantes com número
diferenciado de sessões e de participantes. Progressivamente, essa proposta
foi estendida a comunidades carentes e gestantes de alto risco, sendo
executada em postos de saúde, maternidades públicas e hospitais
universitários da cidade e do entorno (Arrais, Cabral, & Martins, 2012; Arrais,
Mourão, & Fragalle, 2013; Bortoletti, 2007).
Denominado Pré-Natal Psicológico (PNP), esse acompanhamento prevê
grupos psicoeducativos sobre gestação, parto e pós-parto, os quais propiciam
suporte socioemocional, informacional e instrucional. O programa mais longo
contabilizou 21 sessões semanais e o mais breve cinco sessões quinzenais.
Uma média de seis a sete sessões mostrou-se adequada para cumprir seus

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Arrais, A. da R., & Araujo, T. C. C. F. de

propósitos. A duração das sessões variou de duas a cinco horas. A frequência


de participação das gestantes oscilou de uma a 18 sessões, dependendo da
especificidade e disponibilidade de cada grupo. A seguir, serão detalhados
elementos primordiais da estruturação e do funcionamento desse programa.

Pré-Natal Psicológico: possibilidades para atuação com gestantes e seus


familiares
Trata-se de um programa aberto, ou seja, novas adesões podem ser
feitas no decorrer de uma sessão. Não se estabelece número limitado de
sessões: as gestantes podem participar durante o período que desejarem ou
até o nascimento do bebê. Cada sessão semanal dura em torno de duas horas
e focaliza temas e objetivos específicos, indicados pela equipe ou gerados pelo
grupo. No que diz respeito à fase de gestação, os grupos possuem uma
composição heterogênea. Pais e avós são convidados a participar para
conscientização acerca da importância dos familiares. Nessa ocasião,
dificuldades, dúvidas e expectativas são discutidas. Adotam-se técnicas de
dinâmica de grupo, aulas expositivas e debates. Os participantes não arcam
com gastos adicionais, pois esse atendimento está incluído na rotina de
cuidados da equipe. Para realização das sessões, são necessárias cadeiras
adequadas para gestantes. Em local apropriado, costuma-se armazenar:
folders para divulgação do programa, colchonetes, bola fisioterapêutica,
equipamentos audiovisuais, materiais educativos (ex.: cartazes, revistas, jogos,
cartilhas, livros, vídeos e DVDs) e materiais de consumo (ex.: cópias de
material impresso, papéis, lápis, cola, tesoura e lanches adequados para
gestantes). De acordo com as características dos grupos, desenvolvem-se os
temas. Para tanto, incentiva-se a participação ativa das gestantes no processo
grupal. Com base no modelo de Afonso (2003), cada sessão é ordenada a
partir dos seguintes parâmetros: tema gerador, objetivos, recurso instrumental,
procedimentos e tarefa para casa. É importante explicitar que a sequência dos
encontros apresentada neste artigo é ilustrativa, pois os grupos imprimem seu
próprio ritmo de evolução.

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Pré-Natal Psicológico

Sistematização e planejamento do PNP

1º Encontro
Temas geradores: criando laços de identificação, contrato de grupo e
parto.
Objetivos: promover contato inicial entre participantes, gerando integração
e pertencimento grupal. Propiciar acolhimento e conhecer as expectativas em
relação ao grupo. Discussão das expectativas e dos medos em relação ao
parto.
Recursos instrumentais: dinâmica de integração. Reprodução de filme.
Procedimentos:
1. Em uma roda de conversa, cada participante é convidada a se
apresentar, explicitando nome, procedência e falando de si mesma.
2. Em seguida, cada mãe faz um breve relato do desenvolvimento da
história da gravidez e da sua queixa (se houver).
3. Técnica de levantamento de dúvidas e temas: distribui-se uma folha
com a seguinte frase: “Escreva nesta folha as dúvidas que você tem ou
os temas que você gostaria que fossem falados aqui no grupo”. As
participantes devem responder por escrito e relatar oralmente.
4. Leitura e discussão sobre expectativas e temas levantados
individualmente para discussão em grupo.
5. Apresentação do contrato terapêutico (via data show) com entrega de
cópia impressa a cada participante.
6. Esclarecimentos e discussão do referido contrato.
7. O(a) coordenador(a) apresenta a proposta do grupo, enfocando seus
objetivos e a importância do PNP na gestação, parto e pós-parto.
8. Apresentação de filme sobre parto, seguida de discussão.
9. Aplicação do instrumento de identificação do perfil gestacional.
Tarefa para casa: cada participante deve trazer por escrito a história do
seu próprio parto.

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Arrais, A. da R., & Araujo, T. C. C. F. de

2º Encontro
Temas geradores: tipos de parto, dor e plano de parto.
Objetivos: acolhimento de novos participantes. Firmar contrato com o
grupo.
Recursos instrumentais: utilização de textos e vídeos, colchonetes, data
show.
Procedimentos:
1. Avaliar sessão anterior e discutir a tarefa de casa.
2. Conhecer episódios significativos da semana.
3. Atualizar tempo de gestação.
4. Instruir sobre vantagens e desvantagens do parto normal e cesariano.
5. Debater sobre “o parto possível”, visando “empoderamento” das
gestantes.
6. Discussão das expectativas e medos em relação à dor no parto.
7. Apresentação e discussão de um vídeo sobre parto normal/vaginal.
8. Aplicação de técnicas de visualização do parto.
9. “Planejamento” do momento do parto: como escolher e decidir;
ensinar a elaborar o plano de parto (uso de data show).
Tarefa para casa: escrever seu “Plano de Parto”.

3º Encontro
Tema gerador: a construção da maternidade e da paternidade.
Objetivos: levantar e questionar preconceitos, mitos e crenças
relacionados à maternidade e paternidade. Refletir sobre a importância da
qualificação do papel dos pais na maternidade. Fornecer esclarecimentos
adicionais sobre gestação.
Recurso instrumental: técnica de recorte e colagem.
Procedimentos:
1. Os pais são convidados a participar. Num primeiro momento,
reúnem-se pais e mães em uma sala de atendimento grupal durante
um lanche coletivo. A equipe se reapresenta.

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Rev. SBPH vol.19 no. 1, Rio de Janeiro – Jan./Jul. – 2016
Pré-Natal Psicológico

2. Os pais são encaminhados para outro recinto, enquanto as mães


permanecem no local.
3. Utilizando revistas e jornais, cada mãe/pai recortará gravuras e
palavras que representem a ideia de maternidade/paternidade para
si.
4. Solicita-se, então, que cada um/a apresente seu cartaz justificando a
escolha de cada figura selecionada, iniciando-se uma discussão
sobre o material.
5. Pais e mães são reunidos em uma grande sala para mostrarem seus
cartazes. Promovem-se reflexões sobre “O que é ser mãe/pai?”,
destacando-se representações sociais e mitos da maternidade
instintiva e perfeita, modelo patriarcal e características atuais da
maternidade e paternidade.
6. Ênfase no apoio social e familiar para a parturiente: veiculação da
“Lei do Acompanhante”.
7. Mobilização quanto ao compartilhamento dos cuidados com os
filhos, valorizando-se a participação paterna ativa.
8. Fechamento com agradecimentos à presença dos pais.
Tarefa de casa: o casal deve rever o plano de parto e ajustá-lo conforme
discussão do grupo. Convidar as avós para participar do próximo encontro.

4º Encontro
Tema gerador: a participação das avós: a maternagem transgeracional.
Objetivos: refletir sobre as mudanças ocorridas na maternidade de uma
geração para outra. Observar a interação das gestantes com suas
mães/sogras. Esclarecer quanto à participação das avós.
Recursos instrumentais: folhas e canetas.
Procedimentos: apresentação das avós e estabelecimento dos grupos
de avós e de gestantes em ambientes distintos.

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Rev. SBPH vol.19 no. 1, Rio de Janeiro – Jan./Jul. – 2016
Arrais, A. da R., & Araujo, T. C. C. F. de

Grupo das avós


1. As participantes recebem uma folha e canetas para traçar uma linha.
Em cada um dos lados e no alto da folha, devem escrever: A.M.
(Antes da Maternidade) e D.M. (Depois da Maternidade).
2. Em seguida, devem escrever frases ou palavras que representem
suas vidas antes e depois do nascimento do(s) seu(s) filho(s).
3. Estimula-se que falem sobre as mudanças percebidas em suas
vidas, comparando-se o antes e o depois da maternidade.
4. Depois disso, adotam-se as seguintes questões disparadoras para
abordagem das transformações da maternidade ao longo do tempo:
Como era ser mãe antes e como é sê-la hoje?; O que era permitido
fazer na sua época?; Havia Depressão Pós-Parto?; Quais as
facilidades e as dificuldades de ser mãe na época?; Como era a
participação dos pais?

Grupo com gestantes


1. Solicita-se que escrevam no alto de uma folha: “Minha mãe é..”; do
outro lado “Minha sogra é...” e complementem cada espaço indicando
pelo menos cinco características que representem suas mães e
sogras.
2. As gestantes devem comentar sobre as características lançadas no
papel, suas relações com mãe e sogra e sentimentos percebidos ao
falarem a respeito.
3. Breve exercício de completamento de frases sobre o tema.
Ambos os grupos são reunidos no intuito de debater acerca da evolução
da maternagem, os aspectos que resistem às mudanças e que podem ser
fonte de dificuldade para as mães da atualidade. Também são feitos
esclarecimentos sobre a necessidade de atualização das avós e sobre os
cuidados na convivência com suas filhas/noras. Pretende-se, ainda, sensibilizar
as avós no que tange à necessidade de respeito ao estilo de maternagem de
cada mãe.

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Rev. SBPH vol.19 no. 1, Rio de Janeiro – Jan./Jul. – 2016
Pré-Natal Psicológico

Tarefa para casa: preencher ficha “O que nunca me contaram sobre ser
mãe” e ler o texto produzido, discutindo-o com as respectivas avós.

5º Encontro
Tema gerador: depressão Pós-Parto (ou Depressão Periparto).
Objetivos: identificar o grau de conhecimentos das mães e sua
capacidade de reconhecer sintomas. Divulgar mais informações.
Recurso instrumental: técnica de associação de ideias sobre a
maternidade e depressão.
Procedimentos:
1. As gestantes devem escrever as cinco primeiras palavras/frases que
associam com: pós-parto, recém-nascido, tristeza, depressão,
maternidade, ajuda.
2. Após essa etapa, enumeram palavras ou frases, de acordo com o
grau de representatividade crescente.
3. Repasse de informações sobre características da Depressão
Periparto, diagnósticos diferenciais (ex. psicose puerperal e blues
puerperal),
4. Orientações sobre principais orientações terapêuticas e mitos sobre
distúrbios no puerpério. Tarefa para casa: responder à Escala de
Depressão Pós-Parto de Edimburgo - EPDS (Cox & Holden, 2003) e
trazer na próxima sessão.

6º Encontro
Tema gerador: preparação para o pós-parto.
Objetivos: reforçar competências maternas para cuidados do bebê.
Orientações sobre amamentação. Esclarecer e orientar sobre sexualidade após
o parto.
Recursos instrumentais: bonecos, roupas de bebê, seios de pano e
conchas para amamentação.
Procedimentos:

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Rev. SBPH vol.19 no. 1, Rio de Janeiro – Jan./Jul. – 2016
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1. Dramatização sobre amamentação, banho do bebê, cuidados com o


umbigo, troca de fraldas.
2. Fornecer orientações ao longo da dinâmica.
3. Aula expositiva sobre sexualidade durante a gravidez, após o parto,
momento de trocas de experiências.
4. Orientação sobre planejamento familiar e direitos reprodutivos.
5. Entregar material ilustrativo sobre o período pós-parto.
Tarefa da casa: preencher o questionário de avaliação do grupo e trazer
na próxima sessão.

7º Encontro
Tema gerador: avaliação do trabalho e encerramento.
Objetivos: autoavaliação de cada gestante. Avaliação do programa
vivenciado. Despedida dos participantes do grupo.
Recursos instrumentais: Lanche.
Procedimentos:
1. Realização de um lanche com participação das gestantes na sua
preparação.
2. Avaliação oral do trabalho grupal.
3. Coordenador(a) repassa suas percepções e comenta sobre a
evolução do grupo.
4. Planos futuros são relatados (sobretudo no que concerne aos
cuidados de si, dos filhos e das famílias).
5. Despedidas gerais com troca de endereços e telefones entre
participantes para manutenção de vínculos (quando desejarem).
6. Encaminhamentos em casos de necessidade.
7. Agendamento de um encontro, três meses após, para follow-up e
fortalecimento dos ganhos obtidos.
Evidentemente, essa programação básica pode ser adaptada ao
público-alvo. Aliás, frente ao crescimento da demanda, algumas iniciativas já
foram empreendidas em contextos de atendimento variados, tais como:
hospitais públicos, com uma população de baixa renda e pouca escolaridade;

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Pré-Natal Psicológico

hospitais e/ou consultórios particulares; com gestantes de alto risco (por


exemplo, em casos de Doença Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG),
diabetes, incompetência ístimo cervical e cardiopatias); com vítimas de
violência sexual e incesto; em casos de gestação de risco habitual; e com
mulheres que manifestam depressão e ansiedade gestacional.
Tendo em conta o cenário atual, entende-se que esse acompanhamento
é imprescindível para que as gestantes e os membros da sua rede social
desenvolvam estratégias destinadas ao enfrentamento dos estressores
socioambientais e emocionais. Em síntese, o suporte socioemocional,
informacional e instrucional fomentado pelo PNP pode contribuir para o bem-
estar das usuárias, além de favorecer a avaliação de sintomas de ansiedade e
de depressão. Tal como apontado na literatura especializada, ações grupais –
inclusive aquelas institucionalizadas na área de saúde – revelam-se
“continentes” para vivências paradoxais, permitindo ressignificações e
manifestação de desejos de maternidade diversos (Araujo & Negromonte,
2010; Azevedo & Arrais, 2006; Cruz, Simões, & Faisal-Cury, 2005; Klein &
Guedes, 2008).
Ao se avaliar o PNP, a partir dos relatos feitos pelas participantes dos
grupos já concluídos, verifica-se uma percepção bastante favorável. Seguem-
se alguns trechos ilustrativos (nomes fictícios são aqui empregados para
preservar o sigilo de suas identidades):
“Aqui vocês puderam me ajudar, me aconselhar. Se não fosse vocês, eu
acho que não teria dado conta só. Nos momentos bem difíceis da minha vida
me ajudou sim, bastante mesmo” (Sofia).
“Durante a gestação se eu tivesse passado aqui sozinha, sem o apoio
de vocês, sem alguém pra conversar, me acalmar, me ajudar, eu não tinha
conseguido” (Francisca).
“Sempre depois que eu conversava com vocês, eu me acalmava, eu
conseguia pensar e me centrar, e lembrar que eu estava aqui não por mim,
mas pelo meu filho. Foi ótimo eu ter vocês!” (Maria das Dores).

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Rev. SBPH vol.19 no. 1, Rio de Janeiro – Jan./Jul. – 2016
Arrais, A. da R., & Araujo, T. C. C. F. de

Considerações finais

O PNP é um programa de baixo custo que pode ser desenvolvido nos


setores público e privado. Associando-se às práticas biomédicas de
acompanhamento, possibilita um cuidado integral à mulher e ao seu bebê,
prevenindo doenças e promovendo saúde. Desse ponto de vista, defende-se a
qualificação contínua das equipes especializadas, notadamente em relação às
dificuldades inerentes à maternidade, além daquelas desencadeadas por
transtornos físicos ou psíquicos. Certamente, em razão da sua formação, o
profissional de psicologia tem um papel central no desenvolvimento desse
trabalho.

Referências
Afonso, L. (2003). Oficinas em dinâmica de grupo na área da saúde. Belo
Horizonte: Edições do Campo Social.

Arrais, A. R., Cabral, D. S. R., & Martins, M. H. F. (2012). Grupo de pré-natal


psicológico: Avaliação de programa de intervenção junto a gestantes.
Encontro: Revista de Psicologia, 15(22), 53-76.

Arrais, A. R., Mourão, M. A., & Fragalle, B. (2013). O pré-natal psicológico


como programa de prevenção à depressão pós-parto. Revista Saúde e
Sociedade, 22(3), 251-264.

Araujo, T. C. C. F., & Negromonte, M. R. O. (2010). Equipe de saúde:


vinculação grupal e vinculação terapêutica. In M. H. P. Franco (Ed.),
Formação e rompimento de vínculos: o dilema das perdas na atualidade (pp.
73-100). São Paulo: Summus.

Azevedo, K. R., & Arrais, A. R. (2006). O mito da mãe exclusiva e seu impacto
na depressão pós-parto. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19(2), 269-276.

Barbosa, L. M. M., Araujo, T. C. C. F., & Escalda, P. (2015). Tecnologias


sociais em saúde: contribuições para redução da mortalidade materna e
infantil em Ceilândia, DF. In M. I. Gandolfo, M. I. Tafuri, & D. S. Chatelard
(Eds.). Psicologia Clínica e Cultura Contemporânea 2 (pp. 360-376). Brasília:
Technopolitik.

Bortoletti, F. F. (2007). Psicologia na prática obstétrica: abordagem


interdisciplinar. Barueri, São Paulo: Manole.

Cassiano, A. C. M., Carlucci, E. M. S., Gomes, C. F., & Benneman, R. M.


(2014). Saúde materno infantil no Brasil: evolução e programas

115
Rev. SBPH vol.19 no. 1, Rio de Janeiro – Jan./Jul. – 2016
Pré-Natal Psicológico

desenvolvidos pelo Ministério da Saúde. Revista do Serviço Público, 65(2),


227-244.

Cox, J., & Holden J. (2003). Perinatal mental health: A guide to the Edinburgh
Postnatal Depression Scale (EPDS). London: Royal College of Psychiatrists,
Gaskell.

Cruz, E. B. S., Simões, G. L., & Faisal-Cury, A. (2005). Rastreamento da


depressão pós-parto em mulheres atendidas pelo Programa de Saúde da
Família. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, 27(4), 181-188.

Klein, M. M. S., & Guedes, C. R. (2008). Intervenção psicológica a gestantes:


Contribuições do grupo de suporte para a promoção da saúde. Psicologia:
Ciência e Profissão, 28(4), 862-871.

116
Rev. SBPH vol.19 no. 1, Rio de Janeiro – Jan./Jul. – 2016
Módulo 4
Rev. Latino-Am. Enfermagem Artigo Original
19(6):[08 telas]
nov.-dez. 2011
www.eerp.usp.br/rlae

A experiência da perda perinatal a partir da perspectiva dos


profissionais de saúde1

Sonia María Pastor Montero2


José Manuel Romero Sánchez3
César Hueso Montoro4
Manuel Lillo Crespo5
Ana Gema Vacas Jaén6
María Belén Rodríguez Tirado6

O objetivo deste artigo foi conhecer a experiência dos profissionais de saúde em casos de

morte perinatal e o pesar decorrente e, ainda, descrever as estratégias de ação frente à

perda perinatal. Trata-se de estudo qualitativo com abordagem fenomenológica, por meio

de entrevista com 19 profissionais. Três categorias temáticas foram identificadas: a prática

de cuidados de saúde, os sentimentos despertados pela perda perinatal e o significado e

crenças sobre perda e pesar perinatal. Os resultados mostram que a falta de conhecimento

e recursos para lidar com a perda perinatal torna inadequada as atitudes nessas situações,

gerando sensação de desamparo, ansiedade e frustração que compromete a competência

profissional. Conclui-se que é fundamental promover programas de treinamento para adquirir

conhecimentos, aptidões e habilidades em pesar perinatal e desenvolver uma diretriz de prática


clínica para o cuidado da perda perinatal.

Descritores: Morte Fetal; Pesar; Competência Profissional; Atitude Frente a Morte.

1
Artículo de la investigación “Experiencias y vivencias de los padres y profesionales ante la pérdida perinatal”. Apoyo financiero de la
Consejería de Salud de la Junta de Andalucía, código de expediente PI 0130/CS2006.
2
Enfermera, Estudiante de Doctorado en Enfermería, Universidad de Alicante, España. Hospital de Montilla, Agencia Pública Empresarial
Sanitaria Alto Guadalquivir, Córdoba, España. E-mail: [email protected].
3
Enfermero, Estudiante de Doctorado en Ciencias de la Enfermería, Universidad de Cádiz, España. E-mail: [email protected].
4
Enfermero, Licenciado en Antropología Social y Cultural, Doctor en Enfermería, Profesor, Facultad Ciencias de la Salud, Universidad de
Granada, España. E-mail: [email protected].
5
Enfermero, Licenciado en Antropología Social y Cultural, Doctor en Antropología Biológica y de la Salud, Profesor Asociado, Escuela
Universitária de Enfermería, Universidad de Alicante, Valencia, España. E-mail: [email protected].
6
Enfermeras, Hospital de Montilla, Córdoba, España. E-mail: Ana Gema - [email protected], Maria Belén - [email protected].

Endereço para correspondência:


Sonia María Pastor Montero
A 309, Ctra. Montoro-Puente Genil, km. 63,350
Montilla
14550, Córdoba, España
E-mail: [email protected]
Experiences with perinatal loss from the health professionals’
perspective

The purpose of this paper is to know the experience of health professionals in situations
of perinatal death and grief and to describe their action strategies in the management
of perinatal loss. A qualitative study with a phenomenological approach was carried out
through interviews conducted with 19 professionals. Three thematic categories were
identified: Healthcare practice, feelings aroused by perinatal loss and meaning and beliefs
about perinatal loss and grief. The results revealed that the lack of knowledge and skills to
deal with perinatal loss are identified as the main reason behind unsuitable attitudes that
are usually adopted in these situations. This generates anxiety, helplessness and frustration
that compromise professional competency. The conclusion reached is that the promotion
of training programs to acquire knowledge, skills and abilities in management of perinatal
bereavement and the development of a clinical practice guideline for perinatal loss are
necessary.

Descriptors: Fetal Death; Grief; Professional Competence; Attitude to Death.

La vivencia de la pérdida perinatal desde la perspectiva de los profesionales


de la salud

El objetivo de este artículo es conocer la experiencia vivida por los profesionales de la salud
en situaciones de muerte y duelo perinatal y describir las estrategias de actuación ante
la pérdida perinatal. Se trata de un estudio cualitativo con un enfoque fenomenológico
realizado a 19 profesionales a través de entrevistas. Se identificaron 3 categorías temáticas:
la práctica asistencial, los sentimientos que despierta la pérdida perinatal y significado y
creencias sobre la pérdida y el duelo perinatal. Los resultados ponen de manifiesto que la
falta de conocimientos y de recursos para enfrentar la pérdida perinatal hace que se adopten
actitudes poco adecuadas en estas situaciones, generando una sensación de ansiedad,
impotencia y frustración que compromete la competencia profesional. Se concluye que es
fundamental promover programas de formación para adquirir conocimientos y destrezas
sobre el duelo perinatal y elaborar una guía de práctica clínica para la atención a la pérdida
perinatal.

Descriptores: Muerte Fetal; Pena; Competencia Profesional; Actitud Frente a la Muerte.

Introdução

A imagem da maternidade, culturalmente, é por casal, devido às mudanças sociais, econômicas e


amplamente conhecida como sinônimo de sucesso . O (1)
culturais ocorridas na sociedade espanhola, no final do
nascimento de um filho é considerado um acontecimento século XX(1). Essa modificação no padrão reprodutivo
feliz para as famílias, mas, infelizmente, algumas coloca a Espanha como um dos países com o menor nível
gravidezes terminam em perda. de fecundidade, com taxa de 1,4 filhos por mulher(3).
Os grandes avanços científicos e a qualidade da O conceito de perda perinatal inclui as perdas
assistência de saúde às gestantes e aos recém-nascidos têm ocorridas a qualquer momento da gestação até o primeiro
conseguido diminuir o índice de mortalidade perinatal(2). mês de vida do bebê e a cessão de uma criança para
Na Espanha, o índice corresponde a 4,47 por mil nascidos adoção(4).
vivos . Um dos fenômenos que explica as causas pelas
(3)
A perda perinatal é experiência indescritível para
quais atualmente a perda de um filho desejado tem tanta os pais, difícil de assimilar, considerando que os bebês
repercussão nos pais é a diminuição do número de filhos representam o início da vida e não o fim. Após sofrer

www.eerp.usp.br/rlae
Pastor Montero SM, Romero Sánchez JM, Hueso Montoro C, Lillo Crespo M, Vacas-Jaén AG, Rodríguez-Tirado MB. Tela 3

uma perda, tem início uma série de tarefas, chamada quanto um método de investigação e, concretamente,
processo de elaboração do luto. O luto é a resposta a fenomenologia fundamentada em Husserl permite
normal e saudável a uma perda . Os pais vivenciam
(5)
compreender uma vivência, tratando de desvelar a
as mesmas reações que aquelas observadas em outras essência da experiência.
situações de luto, tais como sentimentos de vazio interior, O estudo foi desenvolvido na Unidade Materno-
culpabilidade, irritabilidade, pesar esmagador, temor Infantil do Hospital de Montilla, de Córdoba, Espanha,
de uma nova gravidez, raiva, incredulidade e apatia(4,6). que oferece assistência de saúde a 63.354 habitantes.
Aproximadamente, 20% das mães sofrem de algum É um centro regional que pertence à rede de hospitais
transtorno psicológico, como depressão ou ansiedade, da Agencia Pública Empresarial Sanitaria Hospital Alto
dentro de um ano após a perda, e podem desenvolver Guadalquivir e faz parte do Sistema Público de Saúde da
distúrbios psiquiátricos com capacidade para influenciar Comunidade Autônoma de Andalucía. A Área Materno-
eventuais gravidezes posteriores e o relacionamento com Infantil conta com 22 camas, distribuídas entre pacientes
o bebê seguinte .(6) de ginecologia, obstetrícia e pediatria; a Unidade Neonatal
Em nível profissional, a morte é um tema tabu e possui três incubadoras e dois berços térmicos e o Bloco
provoca sentimentos negativos como frustração, decepção, Cirúrgico contém cinco salas de cirurgia, duas salas de
derrota e tristeza . Na Espanha, existem poucos centros
(7) parto e uma sala de dilatação.
hospitalares onde foram propostos guias de atuação diante O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê
da perda perinatal. Assim, as intervenções, a assistência e de Pesquisa do Hospital de Montilla e pelo Instituto de
a formação para a prestação de cuidados nessas situações Consulta y Especialización de Bioética. Os aspectos éticos
representam uma questão pendente . (8) foram respeitados, explicando-se o objetivo do estudo

Tratar da perda perinatal é tarefa delicada. Essa e informando sobre a coleta das informações antes de

experiência não deixa indiferentes os profissionais, que não solicitar o consentimento informado, que foi assinado por

sabem como devem se comportar, nem como acompanhar todos os profissionais. A todo momento o anonimato, a

e cuidar da mulher e seu companheiro, após sofrerem confidencialidade dos dados e a participação voluntária

uma perda. Portanto, deve-se saber como interpretar e foram respeitados.

abordar as perdas perinatais e as percepções relacionadas Os critérios de inclusão foram: profissionais da saúde

a esse fenômeno. da Área Materno-Infantil que tivessem assistido a algum

A partir do arcabouço conceitual do holismo, a caso de perda perinatal no Hospital de Montilla, cujo

investigação qualitativa enfoca os fenômenos que contrato profissional não fosse temporário e, ainda, que

acontecem com as pessoas, destacando os processos participasse desta pesquisa voluntariamente. A seleção

e significados da experiência humana ou de fenômenos do grupo de participantes foi intencional. O número de

relacionados a ela; portanto, para entender as experiências profissionais foi determinado de acordo com o princípio de

humanas, é necessário um referencial teórico com saturação teórica(9), de acordo com a representatividade

abordagem sistemática e subjetiva que permita descrever dos conceitos que surgiram durante a análise dos dados.

e significar as experiências de vida(9). A estratégia de coleta de dados foi a entrevista em

O objetivo do estudo foi conhecer a experiência profundidade com roteiro semiestruturado. O roteiro

vivida pelos profissionais de saúde da Unidade Materno- foi elaborado mencionando várias áreas temáticas,

Infantil de um hospital público terciário, na Espanha, em introduzindo cada uma delas com uma pergunta aberta,

situações de morte e luto perinatal, conhecer quais eram baseada na teoria e visando complementar os objetivos do

seus sentimentos, suas emoções, suas preocupações, em estudo(9). O roteiro abrangeu as perguntas orientadoras,
mostradas a seguir.
suma, suas respostas humanas e descrever as estratégias
Você poderia descrever sua experiência com alguma
de atuação diante da perda perinatal, além das dificuldades
situação de perda perinatal na sua prática profissional?
enfrentadas na sua abordagem.
Como você se sente quando tem que enfrentar essas
Métodos situações? O que significa a perda perinatal para você? De
que forma suas crenças sobre a perda perinatal afetam as
Trata-se de estudo qualitativo descritivo com experiências de morte e luto dos pais? Como você acredita
enfoque fenomenológico(10). Dentro do paradigma que os pais vivenciam essa experiência?
construtivista, será utilizada, como estratégia de pesquisa, Todas as entrevistas foram gravadas com a aprovação
a fenomenologia, por se aproximar mais do propósito dos participantes e transcritas literalmente. Tiveram
desta investigação. A fenomenologia é tanto uma filosofia duração de 60 a 90 minutes e foram realizadas no centro

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de trabalho entre os meses de abril de 2007 e fevereiro entre 26 e 48 anos. Os profissionais pertencem a quatro
de 2008. A data e o local exatos foram escolhidos pelos categorias profissionais distintas, com nove enfermeiras,
participantes, determinando-se ambientes tranquilos, três parteiras, cinco auxiliares de enfermagem e dois
livres de interrupções e que garantissem a privacidade. obstetras. O tempo de experiência profissional variou
Durante a entrevista, foram elaboradas notas de campo entre 5 e 20 anos.
que faziam referência não só à entrevista, mas, também, Não foi possível entrevistar nenhum neonatologista
ao que foi observado durante a entrevista, especificamente, durante a realização da pesquisa porque não ocorreu
os aspectos da comunicação não verbal, tais como gestos, nenhuma morte neonatal dentro dos primeiros 28 dias de
expressão facial, posturas, tom de voz e silêncios diante vida no Hospital de Montilla. Isso se deve ao fato de que
de determinados temas . Esses matizes foram indicados
(9) esse centro hospitalar regional não conta com Unidade de
com o uso de colchetes nos discursos dos informantes. Cuidados Intensivos Neonatais (Ucin) e os recém-nascidos
Todas essas observações eram anotadas em um diário de que precisavam desses cuidados eram transferidos ao

pesquisa, junto com notas de análise, metodológicas e hospital de referência, onde posteriormente faleciam.

pessoais dos autores desses diários. Esse aspecto significou uma limitação do estudo.

O conteúdo das entrevistas foi validado pelos Três temas essenciais interligados foram identificados:

entrevistados. Após a transcrição da entrevista, os a prática assistencial, os sentimentos que a perda perinatal

informantes a receberam de volta para revisão e verificação desperta e o significado e crenças sobre a perda e o luto

do conteúdo. perinatal. Também foram detectados vários subtemas, tais

A análise foi elaborada de acordo com a proposta como a formação sobre o luto perinatal, conhecimentos

de Taylor & Bogdan(9). Depois de ler sucessivamente as sobre as perdas e o luto perinatal, estratégias emocionais,
manuais de atuação, sensibilização, assertividade,
entrevistas transcritas e notas de campo, as unidades
humanização e prática baseada em evidência. A prática
de significado foram identificadas e agrupadas em temas
assistencial foi o tema principal.
comuns. Finalmente, as categorias e subcategorias
Na exposição dos resultados e da discussão, menciona-
foram elaboradas na tentativa de captar o significado
se a categoria temática, explicando os achados mais
dos discursos, considerando o contexto em que foram
relevantes e ilustrando tais achados com trechos literais
coletados. A identificação de unidades de significado e seu
das entrevistas, identificando-se o tipo de profissional por
agrupamento em temas foram realizados tendo em conta
um código, para garantir o anonimato e a confidencialidade
o roteiro prévio de dimensões estabelecidas, apesar de
dos dados registrados, e, finalmente, comparando-se os
deixar aberta a possibilidade de incluir novas dimensões,
dados com a literatura científica encontrada a respeito.
além daquelas consideradas previamente. Para essa
análise foi utilizada como ferramenta o software NVivo 9. A prática assistencial
O rigor científico foi garantido através da
confiabilidade, validade e reprodutibilidade do estudo(9). Um fato que se constata em todas as entrevistas é

No presente estudo contribuíram para esse fim a descrição que o episódio assistencial é vivenciado de forma distinta,

minuciosa da metodologia utilizada, a transcrição de de acordo com a categoria profissional. Habitualmente,

todas as entrevistas, a saturação teórica e a triangulação os profissionais do estudo tendem a enfocar os cuidados

de dados e pesquisadores. Para triangular os dados, físicos, evitando o aspecto emocional no intuito de diminuir
sua angústia. Por isso, põem em prática diferentes
estabeleceu-se sua coleta em diferentes momentos
mecanismos, atitudes e comportamentos na vivência
do estudo, em diferentes seções da Unidade Materno-
dessas situações. Assim, em muitas ocasiões, sua atuação
Infantil, tais como a Sala de Parto, a Unidade Neonatal
não é a mais correta, reagindo de maneira distante, quase
e a Ala de Hospitalização, por diferentes entrevistadores,
fria, e negando a gravidade da perda, principalmente em
comparando-se os relatos dos diferentes informantes. A
gestações precoces. Evidencia-se a falta de estratégias, de
triangulação dos investigadores foi baseada no trabalho
destrezas e de recursos dos profissionais entrevistados para
em equipe, consistindo de três membros da equipe
enfrentar essas situações e dar resposta às demandas dos
investigadora que serviram como entrevistadores,
pais. Não têm consciência de que uma atitude profissional
enquanto toda a equipe investigadora analisou os dados,
inadequada pode influenciar a evolução correta do luto
de acordo com a metodologia proposta anteriormente.
dos pais e se sentem pouco preparados para estabelecer

Resultados e discussão relação de empatia.


Não costumo entrar no quarto da mulher exceto quando

Participaram do estudo 19 profissionais da saúde, tenho que verificar os sinais vitais, canalizar uma via ou colocar

dos quais 16 eram mulheres e 3 homens, com idade medicação, daí entro [abaixa mais a voz], mas não lhe pergunto

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nada. Sinto vergonha por não saber o que falar, [silêncio], não contrárias aos modos humanistas, baseados na relação
estou preparada para abordar os aspectos emocionais (EP10, de ajuda.
enfermeira). Os problemas e dificuldades que podem afetar
Entro pouco no quarto porque acho que posso incomodá-la, a qualidade dos cuidados estão relacionados ao
mas [abaixa o olhar] é a desculpa que invento (EP8, auxiliar de desconhecimento das peculiaridades dos pais vítimas de
enfermagem). uma perda. Nesse sentido, expressam que a formação lhes
Na maioria das vezes esqueça do aspecto psicológico e te proporcionaria conhecimentos sobre a melhor evidência
centra nos aspectos físicos, mas é porque te faltam destrezas na disponível para acompanhar os pais nesse processo.
hora de enfrentar a situação e não sabe como agir, o que falar, Durante o curso não te ensinam as estratégias necessárias
nos falta muita empatia com a mulher e seu parceiro (EP03, para apoiar nessas situações e a experiência não é suficiente
parteira). nesses casos, necessitamos de formação (EP15, enfermeira).
Aqui entra muito a capacidade individual da relação médico/ Um manual de atuação seria útil, isso favoreceria o consenso
paciente, eu posso ter mais ou menos humanidade, mas não e o trabalho em equipe (EP03, parteira).
domino o tema. É como quando estou diante de uma paciente Oficinas e cursos onde seriam dadas informação e
terminal e o que você faz? Você pensa em como enfocá-lo, o que formação sobre o que fazer e o que não fazer (EP13, auxiliar de
falar, como falar, mas claro, um mau resultado obstétrico não enfermagem).
é comum e tem aspectos emocionais que não domino (EP12, Não acredito que a formação seja necessária, porque você
obstetra). não sabe como lidar com essa situação (EP05, obstetra).
Você tenta tratar esses pais um pouco diferente, especial; A formação, portanto, aparece como desafio a ser
mas nunca pensei no fato de que o jeito de eu tratá-la vai modificar enfrentado na área da assistência perinatal, sendo uma
seu processo de luto (EP05, obstetra). questão transversal a muitas outras facetas da atuação
O momento de comunicar a má notícia gera ansiedade profissional, com relação à segurança do paciente, por
no profissional responsável por passar a informação, o exemplo(12).
obstetra, que, às vezes, compromete sua competência No que diz respeito à assistência ao parto de um
e seu valor humano ao ignorar até que ponto a forma feto morto, a estratégia seguida é a humanização de
em que a notícia foi comunicada ajudará ou dificultará o todo o processo de parto, diminuindo as intervenções
processo de luto e influenciará futuras relações médico/ desnecessárias e respeitando as decisões da mulher e
paciente. do seu parceiro quanto à intimidade, acompanhamento e
A pessoa que informa sempre é o médico e, dependendo de plano do parto. Para as parteiras entrevistadas, torna-se
sua personalidade, informa com mais ou menos delicadeza (EP17, difícil, na prática diária, ser testemunha de uma morte
enfermeira). fetal, principalmente quando de gestação a termo.
Quando coloca o monitor e não escuta o batimento fetal sua Tem que humanizar o parto e facilitar na medida do
cara muda e as mulheres notam isso. Eu lhes acalmo, dizendo que possível que a mulher se sinta confortável, apoiada e informada
às vezes não dá para notar o batimento devido à posição em que pela parteira e pelo ginecologista e ser o menos intervencionista
se encontra o coração da criança e que vou avisar o médico para possível (EP12, obstetra).
fazer um ultrassom, mas não informo sobre minhas suspeitas, isso Temos que estar abertos às suas necessidades e oferecer-
é para o médico (EP07, parteira). lhes todas as possibilidades como analgesia, posição no parto,
Eles observam o pesar no seu gesto e você fala para eles acompanhamentp etc., e que seja a mulher quem tome as decisões
que o feto não tem batimento, que está morto. Depois disso já (EP18, parteira).
não te escutam porque começam a chorar e sempre o primeiro O parto de um feto morto em gestações avançadas é muito
é a pergunta do porquê e depois buscam um culpado (EP12, duro, não é uma situação agradável (EP05, obstetra).
obstetra). O choro é o que mais sinto falta [olhar triste] acostumada
Você recebe o primeiro impacto, porque você tem que dar a como estou a escutar a criança chorar, assim que nasce, fica difícil,
má notícia, você não se acostuma com isso e, portanto, a maneira me agonia (EP07, parteira).
de dar a notícia depende da individualidade de cada profissional Um estudo(13) revela que quando a mulher e seu
(EP05, obstetra). parceiro têm a opção de decidir questões sobre a indução
Uma pesquisa (11)
destaca essas características, do parto, o controle da dor, ou a posição no parto,
afirmando que, apesar de os profissionais se esforçarem contribuem para o desenvolvimento normal do trabalho
para oferecer atenção integral e holística à mulher e seu de luto e que, portanto, não há uma decisão correta
parceiro, questões emocionais ou de conhecimento fazem nessas questões, exceto a sedação excessiva, que deveria
com que as condutas da prática habitual sejam, às vezes, ser evitada.

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A partir da pesquisa, revela-se um elemento central Tento não olhar nos seus olhos [silêncio], nunca, sinto muita

no âmbito das suas ações, que é o respeito pela decisão coisa, quando a criança já nasceu olhar nos olhos da mãe me faz

dos pais em relação a ver e tocar seu filho. sentir um monte (EF19, auxiliar de enfermagem).

São os pais que têm que decidir, dizem que é melhor mostrá- Nossos sentimentos não transcendem, mas a dor que eles

lo, mas, se ela não quiser, eu respeito isso (EP03, parteira). passam me causa impacto [toca o peito com sua mão direita]

Devem se despedir e a forma de se despedir é vendo e (EP07, parteira).

tocando o bebê (EP04, enfermeira). Muitos pais se queixam da solidão com que vivem estas

A mãe vê a criança muito poucas vezes, o pai mais, apesar situações, o que ocorre é que os profissionais reagem distanciando-

de que respeito sua decisão de vê-lo, sempre espero para ver se (EF05, obstetra).

como nasce (EP07, parteira). Também existe relação significativa entre as atitudes,
Eu sempre ofereço para vê-lo, às vezes os pais não querem reações e sentimentos implicados no processo de perda e
e são os avós ou os tios que o veem e, além disso, prefiro que nas semanas de gestação.
alguém o veja para evitar suspeitas sobre se estava realmente Um aborto não é o mesmo que um feto maior (EP06,

morto ou não (EP12, obstetra). auxiliar).

Foram encontradas diferentes reações no que diz Quando já é uma gestação avançada, o fato em si já causa

respeito a providenciar lembranças do bebê, indicando impacto (EP09, enfermeira).

que desconhecem até que ponto essas opções podem Se é um aborto espontâneo de poucas semanas, costumo

ajudar os pais a aguentar melhor o luto. consolar a mulher dizendo [muda para um tom de voz mais doce]

Não sei como oferecer essas coisas, mas se a mulher tem a “não te preocupe, é melhor assim, poderia ter uma malformação”,

idéia, então sim (EP12, obstetra). mas com fetos maiores [indica agitação, angústia] não sei o que

Esse tema é mais da parteira, de qualquer forma, desconheço fazer nem o que falar (EP03, parteira).

como isso pode beneficiar os pais, eu não faria, mas respeito Os abortos espontâneos acontecem tão rotineiros que às

outras decisões (EP05, obstetra). vezes não lhes damos a importância que têm, nem mostramos

Acredito que as fotografias não são adequadas, mas eu faria isso (EP12, obstetra).

o que os pais me pedissem, aquilo do pacotinho de lembranças A bibliografia consultada mostra que a perda
não me parece ruim, mas é claro que são os pais que têm que perinatal exerce grande impacto emocional, não só nos
decidir sobre estas questões (EP18, parteira). pais e no seu ambiente, mas também nos profissionais
Me parece um pouco macabro e desagradável fazer que os atendem(4). A abordagem dos resultados perinatais
fotografias, vestir-lhes e fazer um velório com toda a família adversos pelos profissionais da saúde é difícil e requer alto
[indica estar incomodada com essas questões], eu não gostaria nível de competência emocional(14).
que toda minha família visse meu bebê macerado e muito menos Os sentimentos manifestados pelos profissionais
que tirassem fotos dele, não me sentiria bem (EP07, parteira). entrevistados são de pena, ansiedade, insegurança,
Tem muitos preconceitos sobre tudo isso, mas porque tem ressentimento, culpa, raiva, sensação de fracasso e
muita falta de conhecimento sobre o tema (EF9, enfermeira). impotência e estão relacionados principalmente ao não
As recomendações encontradas na literatura científica saber enfrentar e manejar essas situações.
evidenciam que ver e segurar o bebê e guardar lembranças Me faz sentir muita impotência não saber o que lhes falar

como fotos, impressões dos pés ou das mãos, ou uma nessa situação (EP02, enfermeira).

mecha de cabelo favorece a superação do luto(13). Me dá muita pena, sinto uma grande tristeza (EP13, auxiliar

de enfermagem).
Sentimentos despertados pela perda perinatal
É uma mescla de tudo um pouco, ansiedade, raiva, angústia,

impotência e, assim, você fica uma semana revivendo o caso,


Os participantes não só mencionaram se sentir
pensando se você o fez bem (EP07, parteira).
transbordados pela pena, pela frustração e pela impotência
sentidas pelos pais que passam por uma situação de Esse achado coincide com a contribuição de outro

perda perinatal, mas isso também foi revelado através trabalho(15) quando, por sua vez, indica que as situações

da leitura dos seus gestos e expressões. Essas situações de perda perinatal obrigam os profissionais a recorrer a

geram grande impacto emocional, já que não só têm que mecanismos de defesa, tais como distanciarem-se dos

enfrentar seus próprios sentimentos, mas também aqueles pais desolados para proteger sua própria vulnerabilidade

dos pais, e, frequentemente, a resposta emocional é evitar emocional, sentindo-se incapazes de acompanhar e cuidar

a situação para controlar o estresse profissional. da mulher e do seu parceiro nesse tipo de perdas.

Significa enfrentar a morte [fica muito pensativa e baixa a


A sensação de fracasso e culpa são sentimentos

voz] e é difícil (EP01, enfermeira).


que os obstetras no estudo enfrentam e estão muito

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vinculados tanto com as semanas de gestação como à A literatura mostra que os pais vão elaborando
relação médico/paciente. O sentimento de culpa aumenta determinadas expectativas, promessas, fantasias, sonhos
com as semanas de gestação, de maneira que, quanto e ilusões com a chegada do bebê e que os avanços
mais adiantada a gravidez, mais aumenta a experiência tecnológicos possibilitam a formação precoce de vínculo
de culpa. entre os pais e seu filho(11).
Os maus resultados perinatais são uma experiência ruim Os discursos dos entrevistados mostraram que o luto
[abaixa o olhar], é um sentimento de raiva, de frustação mais do perinatal é um processo que os pais levam a cabo para
que tudo, você sente muita impotência pelo que você tem passado superar a perda. É um processo natural, necessário, e
e se pergunta se poderia ter feito algo para mudar essa situação e cada mãe e pai irão vivê-lo de forma distinta, de acordo
você fica revivendo o caso, perguntando-se o que pode ter ocorrido. com a idade gestacional, as dificuldades para conceber e
Além disso, quanto mais próximo do parto está a perda, mais a própria personalidade dos pais e da família. A duração e
culpado você pode se sentir, e também exercem influência outros as manifestações do luto estão de acordo com as semanas
fatores como o grau de envolvimento que teve durante a gravidez, de gestação.
porque não é o mesmo uma paciente que você vê pela primeira A vivência é distinta de acordo com as semanas de gestação
vez durante um plantão e quando você a acompanhou durante a (EP08, auxiliar de enfermagem).
gestação, neste último caso você se envolve emocionalmente e É a resposta dos pais e da família em volta dessa criança que
fica sentindo mais frustração e sentimentos de culpa e, durante morre, como responde diante disso (EP10, enfermeira).
alguns dias, você fica agitado [faz gestos com as mãos sobre o Depende de muitas variáveis, não é o mesmo quando é sua
abdômen]. Até que você digira esta coisa ruim sua moral fica mais
primeira gravidez ou quando já tem mais crianças ou quando já
baixa, fica um pouco desanimado, mas o principal é a impotência
teve outros abortos e pensa que não possa ter mais filhos (EP18,
porque fez tudo corretamente e aconteceu (EP12, obstetra).
parteira).
Muito pouco se conhece como as perdas perinatais
A duração depende das semanas de gestação, tem abortos
afetam os obstetras. Em um estudo realizado com
espontâneos que são inconsoláveis, mas, conforme a gravidez
obstetras americanos, constatou-se que, durante um
avança e a perda perinatal ocorra mais próxima ao parto, o luto é
ano, esses profissionais poderiam atender 12 mulheres
muito maior e mais profundo (EP12, obstetra).
com aborto espontâneo e um ou dois casos de morte
O impacto psicossocial da perda perinatal tem sido
antes do parto ou de falecimento de um recém-nascido.
amplamente estudado nos últimos 25 anos. Esses pais
Essa investigação destacou a repercussão emocional das
vivenciam as mesmas reações de aflição observadas
perdas sobre os obstetras, destacando o sentimento de
em outras situações de luto, e inclusive podem chegar
culpa, principalmente em casos de causa de morte não
a ser mais intensas pela falta de visibilidade social do
justificada(16).
luto perinatal(4). O aborto espontâneo e a morte fetal

Significado e crenças sobre a perda e o luto perinatal são experiências devastadoras para os pais e algumas
mulheres têm grandes dificuldades para se recuperarem
Os participantes percebem o aborto espontâneo e o após a perda(6).
parto de um feto morto como perda real para os pais.
O significado da perda perinatal está relacionado à idade Considerações finais
gestacional, motivo pelo qual uma perda na fase inicial
não é considerada como a morte de um bebê, mas como Esta investigação proporcionou a compreensão do
a perda de ilusões e expectativas. Como é uma situação fenômeno das perdas perinatais a partir da experiência
mais comum, não recebe a importância devida. As perdas dos profissionais envolvidos na sua atenção, revelando
tardias, ao contrário, são consideradas experiências muito facetas de sua abordagem.
dolorosas para os pais. Cabe destacar que, quando ocorre uma perda
Tem muito mais impacto quanto mais próximo do parto perinatal, todos os profissionais da Unidade Materno-
chegou (EP05, obstetra). Infantil ficam envolvidos no processo, o que indica o
Às gestações em fase inicial não é dada tanta importância caráter multidisciplinar implícito nesse tipo de fenômeno.
[move os ombros e faz gestos indicando essa nuance], mas custa Nesse sentido, acompanhar e cuidar dos pais que
muito trabalho assimilar como uma criança a ponto de nascer sofreram perda perinatal não é algo que se deva improvisar.
pode morrer (EP03, parteira). Por isso, é necessária formação específica sobre o pesar
É uma perda importante, mas depende do mês de gestação perinatal, habilidades de comunicação e técnicas de
em que está (EP14, auxiliar de enfermagem). relacionamento de ajuda. A formação representa a chave
É uma frustração de algumas expectativas, uma sensação de que permitirá aos profissionais da saúde gerenciar, de
vazio e muito difícil para o casal (EP04, enfermeira). modo construtivo, a perda perinatal.

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Rev. Latino-Am. Enfermagem nov.-dez. 2011;19(6):[08 telas] Tela 8

Este estudo deve ser objeto de reflexão e servir de 10. Driessnack M, Sousa VD, Mendes IAC. Revisión de
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abordagem da perda perinatal que reduza a ansiedade dos enfermería: parte 2: diseños de investigación cualitativa.
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Recebido: 17.11.2010
Aceito: 11.10.2011

Como citar este artigo:


Pastor Montero SM, Romero Sánchez JM, Hueso Montoro C, Lillo Crespo M, Vacas-Jaén AG, Rodríguez-Tirado MB. A
experiência da perda perinatal a partir da perspectiva dos profissionais de saúde. Rev. Latino-Am. Enfermagem [Internet].
nov.-dez. 2011 [acesso em: ___ ___ ___];19(6):[__ telas]. Disponível em: ___________________________
dia ano
mês abreviado com ponto URL

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Concepções Sobre Morte e


Luto: Experiência Feminina
Sobre a Perda Gestacional

Conceptions of Death and Grieving: Feminine


Experience of Miscarriage

Concepciones Sobre la Muerte y el Luto: La Experiencia


Femenina Sobre la Pérdida del Embarazo

Luana Freitas Simões Lemos &


Ana Cristina Barros da Cunha

Universidade Federal
do Rio de Janeiro

http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703001582014
Artigo

PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2015, 35(4), 1120-1138


1121
PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO,
2015, 35(4), 1120-1138 Luana Freitas Simões Lemos & Ana Cristina Barros da Cunha

Resumo: A morte do filho antes do nascimento ou óbito fetal representa, geralmente, grande
perda para pais e familiares constituindo acontecimento traumatizante, lembrado e temido em
uma próxima gestação. A involução da gestação coloca em suspenso os sonhos, as esperanças,
as expectativas e as esperas existenciais que os pais normalmente depositam no nascimento
da criança. Diante disso, nosso objetivo foi estudar como mulheres vivenciam e enfrentam a
situação de perda gestacional, com base na investigação dos aspectos cognitivos (percepções
e significados) e emocionais (sentimentos) relacionados. Participaram 11 mulheres internadas
no alojamento conjunto de uma maternidade pública, localizada na cidade do Rio de Janeiro.
Os relatos verbais coletados foram analisados de acordo com a Metodologia de Análise de
Conteúdo de Bardin. Observou-se que o momento do óbito fetal é marcado por reações de
choque e negação, seguido de um estado de humor deprimido, desmotivação, autoestima
baixa e medo de novas perdas para aquelas mulheres. Discute-se o suporte familiar e da
equipe de saúde como essencial para a elaboração da vivência da perda gestacional.
Palavras-chave: Maternidade. Luto. Natimorto. Psicologia.

Abstract: The death of a child before birth (or fetal death) represents a great loss for parents
and families, constituting a traumatizing, difficult-to-forget, and feared event during the next
pregnancy. The complications of the pregnancy jeopardize the dreams and expectations
of the parents, who have pinned all their hopes on the birth of their child. Therefore, our
objective was to study how women experience and face the situation of pregnancy loss
based on the investigation of its cognitive (perceptions and meanings) and emotional
(feeling) aspects. We took a sample of 11 women being cared for in conjunct housing in
a public maternity ward located in Rio de Janeiro. Verbal reports collected were analyzed
according to Bardin’s methodology of content analysis. It was observed that the moment of
fetal death is marked among the women by reactions of shock and denial, followed by a
state of depressed mood, lack of motivation, low self-esteem, and fear of further losses. We
discuss how the support of the family and a healthcare team are essential to the recovery
from the experience of pregnancy loss.
Keywords: Maternity. Grief. Stillbirth. Psychology.

Resumen: La muerte del niño antes del nacimiento o el óbito fetal representa una gran pérdida
para los padres y las familiares constituyendo un evento traumatizante, recordado y temido
en un próximo embarazo. La involución del embarazo pone en suspenso los sueños, las
esperanzas, las expectativas y las esperas existenciales que los padres generalmente depositan
en el nacimiento del niño. Por lo tanto, nuestro objetivo fue estudiar la experiencia de las
mujeres al enfrentar la situación de pérdida del embarazo, basándose en la investigación de los
aspectos cognitivos (percepciones y significados) y emocionales (sentimientos) relacionados.
Los participantes del estudio fueron 11 mujeres hospitalizadas en el alojamiento de una
maternidad pública de referencia, localizada en la ciudad de Río de Janeiro. Los informes
verbales recogidos fueron analizados de acuerdo a la metodología de análisis de contenido
de Bardin. Se observó que el momento de la muerte fetal se caracteriza por reacciones de
shock y la negación, seguido por un estado de ánimo deprimido, falta de motivación, baja
autoestima y el miedo de las mujeres frente a nuevas pérdidas . Se discute el apoyo de la
familia y del equipo de salud como aspecto esencial para el desarrollo de la experiencia de
la pérdida del embarazo.
Palabras clave: Maternidad. Luto. Mortinato. Psicología.

Concepções Sobre Morte e Luto: Experiência Feminina Sobre a Perda Gestacional


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Introdução suma importância para subsidiar práticas


assistenciais de atenção à saúde física e
emocional dessa mulher e sua família.
A morte de um filho antes do nascimento,
geralmente, representa grande perda
para os pais, especialmente para a mãe Perda e luto
(Nazaré, Fonseca, Pedrosa & Canavarro, 2010),
já que é a mulher que vivencia uma perda A perda de um bebê ainda durante o período
que afeta seu corpo, com a eliminação das gestacional causa reações diversas, comu-
características de grávida como a extensão mente, muito sofridas. Para um número
da barriga, por exemplo, e realização de significativo de mulheres, este tipo de perda é
procedimentos médicos. Dessa forma, o um acontecimento significativo que envolve
psiquismo feminino entra em um processo memórias do passado e expectativas para o
de luto simbólico pelo filho perdido, e os futuro, principalmente quando a gestação
sonhos, esperanças, expectativas e planeja- é planejada (Carvalho & Meyer, 2007;
mentos que o casal normalmente deposita Farias & Villwock, 2010).
no nascimento da criança são colocados em
suspenso (Souza & Muza, 2011). A Organização Mundial de Saúde (OMS)
define a morte fetal como:
Nos casos em que a perda gestacional
ocorre nas primeiras semanas de gestação, A morte do produto da gestação antes da
ao qual pouco se visualiza o crescimento expulsão ou de sua extração completa
do corpo materno, independentemente
da barriga, percebe-se que nem sempre o
da duração da gravidez. Indica o óbito o
luto realizado pela mulher é socialmente fato de, depois da separação, o feto não
aceito. Nesses casos, não se considera o feto respirar nem dar nenhum outro sinal de
como um bebê em si e não se incentiva um vida como batimentos do coração, pulsa-
espaço para elaboração simbólica deste ções do cordão umbilical ou movimen-
momento (Sousa & Muza, 2011). Pelo con- tos efetivos dos músculos de contração
1 É importante destacar trário, é comum as pessoas tentarem silenciar voluntária1 (Brasil, 2009, p. 22).
que a OMS (Brasil, 2009) e conter o sofrimento da mulher, desconsi-
distingue os óbitos fetais
derando o luto materno ou minimizando sua De acordo com Fretts (2005), existem
dos abortos espontâneos
utilizando como marcado- dor através de tentativas de convencimento vários fatores associadas ao óbito fetal, que
res a idade gestacional, como: “logo você vai ter outro”. De acordo incluem doenças maternas, malformações
o peso ao nascer e a com Assunção & Tocci (2003), tais atitudes fetais, infecções adquiridas na gestação e
estatura do feto. Assim, minimizam o suporte social a ser oferecido alterações placentárias ou no desenvol-
consideram-se óbitos à mulher que poderia ajudá-la em seu luto. vimento fetal. Para Nazaré et. al. (2010),
fetais quando ocorrem a as mortes fetais se associam, com mais
partir da 22ª semana com- frequência, às complicações obstétricas ou
pleta de gestação (ou 154
De uma maneira geral, sabe-se que a
gravidez exige da mulher um processo de do parto, além de problemas de saúde da
dias), ou quando o feto
tem peso igual ou superior ajustamento, no qual ela tem que se adaptar mãe. Porém, em uma porcentagem signi-
a 500g ou estatura a partir tanto às mudanças físicas (modificações ficativa dos casos, ainda segunda a autora,
de 25 cm. Os abortos es- corporais, hormonais e/ou metabólicas) o óbito está relacionado a uma causa que
pontâneos são caracteri- quanto psicológicas, tais como a aceitação não chega a ser identificada.
zados como a expulsão ou da realidade da gravidez, a mudança da ima-
extração de um produto gem corporal, a simbolização do bebê e o Duarte e Turato (2009) apontam que o
da concepção com menos
desenvolvimento do vínculo afetivo, dentre processo de gravidez em mulheres que
de 500g e/ou estatura
menor que 25 cm, ou outros aspectos (Farias & Villwock, 2010). já vivenciaram insucessos em gestações
menos de 22 semanas de Tendo em vista todos estes fatores, a perda anteriores significa um duplo esforço para
gestação, que tenha ou gestacional se torna um fenômeno com- a manutenção do equilíbrio físico e psíquico,
não evidência de vida. plexo, sendo importante investigar como já que a situação de uma nova gravidez,
ele afeta a mulher. Tal investigação deve após uma ou mais perdas gestacionais,
ter como base a compreensão dos con- implica, geralmente, em ansiedade. Além
ceitos de perda e luto, os quais serão de disso, é comum, as mulheres apresentarem

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grande insegurança e autoestima abalada e sofrimento para as mulheres e para toda a


frente à nova gestação, comprometendo sua família. Tendo isto em vista, Assunção & Tocci
percepção acerca da sua capacidade repro- (2003) reafirmam o caráter multifacetado que
dutiva e materna (Carvalho & Meyer, 2007; o aborto e, de forma mais abrangente, a perda
Nazaré et al. 2010; Sousa & Muza, 2011). gestacional, possuem:

Considerando que o exercício da mater- O aborto atinge aspectos relaciona-


nidade é visto como uma função natural dos à própria identidade da mulher, os
da mulher em nossa sociedade, tem-se valores sociais, os costumes, os mitos
e as próprias expectativas da socie-
em mente que ser mãe é uma realiza-
dade quanto à competência genera-
ção plena do feminino. Logo, quando a
tiva da mulher, além das expectativas
mulher não consegue exercer esta “fun- do próprio casal quanto à formação
ção natural” de gerar um bebê perfeito de uma família e da família extensa
e saudável, é acometida, muitas vezes, quanto à possibilidade do desenvol-
por um sentimento de incompletude e vimento de novos papéis: como de
inferioridade (Assunção & Tocci, 2003; avós, bisavós, tios… (2003, p. 7).
Carvalho & Meyer, 2007). Para além da
vivência de perdas gestacionais anterio- Com efeito, a gravidez ser desejada ou não
res, gestantes, comumente, têm fantasias, auxilia compreender as reações femininas
expectativas e medos relacionados ao frente às perdas gestacionais, já que a rea-
nascimento e desenvolvimento do seu ção da mulher à perda está relacionada ao
bebê. Grande parte das mulheres teme significado afetivo atribuído, o qual, por
que seus filhos nasçam com síndromes ou sua vez, depende do investimento emo-
malformações congênitas, ou mesmo que cional que ela depositava na sua gravidez
tenham algum problema em decorrência de (Assunção & Tocci, 2003). Além disso, tais
complicações no parto, fazendo com que
autoras frisam a importância de se considerar
este período seja marcado por fantasias e
as características da vida familiar e as expec-
medos relacionados à sua morte e a do bebê
tativas pessoais relativas à maternidade, deste
(Farias & Villwock, 2010). A ansiedade e
modo, nos convidam a lançar luz sobre o
a angústia da perda também podem estar
contexto no qual a perda ocorre, bem como
relacionadas, segundo Farias & Villwock
sobre as relações estabelecidas com as figuras
(2010), às perdas versus ganhos físicos
parentais, especialmente, a mãe.
e psíquicos característicos da gravidez.
Assim, quando a mulher se dá conta da
evolução da gestação é convocada a ocupar Nazaré et al. (2010) apresentam três tipos
um lugar diferente na dinâmica familiar, de variáveis relacionadas à reação diante da
na medida em que é acrescido ao papel perda: a) variáveis associadas ao casal – inclui
de filha a função de mãe. Nesse momento, as características individuais, como a idade,
coloca-se em jogo toda responsabilidade e a personalidade, as crenças religiosas, a
significação subjetiva que a ideia de “ser estrutura psíquica prévia e o histórico
mãe” abarca, agregada a outros aspectos de experiências anteriores, assim como
envolvidos no desejo de ter um filho. a relação do casal e o desejo/motivação
de ter um bebê; b) variáveis associadas ao
Durante a gravidez, a mulher investe em um bebê – ligadas à natureza e gravidade das
processo de construção de representações complicações identificadas, o tipo e duração
sobre seu filho através da idealização do bebê e do tratamento, o prognóstico e período ges-
da sua relação com ele (Sousa & Muza, 2011). tacional; c) variáveis relacionadas à rede de
Logo, quando o diagnóstico de óbito fetal apoio – existência ou não de apoio familiar
é confirmado, toda esta construção repre- e social, o tipo de relação com os familiares
sentacional é interrompida e impedida de e as atitudes dos profissionais de saúde.
se concretizar, resultando, comumente, em A análise destas variáveis é importante,
dificuldade de aceitação, negação do fato segundo as autoras, pois fornece elementos

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sobre a conjuntura no qual a perda ocorre Bowlby (1989) analisa o luto pela perda
e seu impacto sobre o processo de luto. do vínculo e o interpreta como um aspecto
negativo do vínculo e uma resposta à separa-
Com relação à questão de gênero, alguns ção, pautado no pressuposto de que a “pro-
estudos sobre perda gestacional indicam que, pensão para estabelecer laços emocionais
sendo a mulher a pessoa que carrega o bebê em com pessoas especiais é básica da natureza
seu ventre, pode manifestar maior sentimento humana e permanece durante todo o ciclo
de culpa em relação à perda, se comparada vital” (Freitas, 2000, p.31). A partir desta
ao homem. Já o pai apresenta, comumente, perspectiva, Bowlby (1989) considera o “luto
uma resposta mais controlada à perda devido saudável” como aceitação da modificação
à necessidade de mostra-se “forte” e fornecer do mundo externo, ligada à perda definitiva
suporte a mulher (Sousa & Muza, 2011). Além do outro, que implica em modificação do
disso, dificilmente os homens terão reações mundo interno e representacional com a reor-
depressivas tão fortes quanto à mulher devido ganização dos vínculos que permaneceram.
ao significado que ambos atribuem à perda
gestacional. O homem, geralmente, não tem Para Freitas (2000), no luto chamado “nor-
sua identidade definida pela paternidade, mal”, o impacto da perda pode ser amenizado
enquanto, muitas mulheres constroem sua em um curto espaço de tempo, a partir da
identidade pautada na condição de torna-se formação de novos vínculos substitutivos,
mãe (Assunção & Tocci, 2003). de investimentos em novas atividades e de
aceitação do apoio social. Já no luto dito
“patológico”, ainda segundo a autora, a
Como uma resposta multifacetada diante
ligação afetiva permanece intensamente
da perda de algo ou alguém significativo,
voltada para uma pessoa que não poderá
o luto abarca dimensões físicas, cognitivas,
responder e garantir a manutenção saudável
comportamentais e sociais (Kain, 2012) e
deste vínculo. Nestes casos, a pessoa pode
desenvolve-se como um processo dinâmico
apresentar reações de negação, ambivalência,
que envolve várias fases e inclui um conjunto
distorção e permanência nas lembranças do
de sentimentos, emoções e atitudes.
passado, refletindo em desequilíbrio pessoal
e adoecimento.
Concepções sobre luto
Esta concepção de um padrão de reações
O luto é compreendido como todo processo rígido frente à perda, caracterizado como
psíquico provocado pela perda de um objeto, “luto normal” ou “luto patológico” é, hoje,
ou seja, uma reação comum após a des- questionada na literatura devido à com-
continuidade da relação que se mantinha plexidade de se estabelecer um parâmetro
com o objeto ao qual o sujeito atribuía universal a ser considerado, unanimemente,
grande investimento afetivo (Freitas, 2000). como uma resposta normal ou anormal frente
Assim, enlutar-se é um processo doloroso à morte (Carvalho & Meyer, 2007). Assim,
de mudança de representação que todos entende-se que para cada pessoa o luto vai
vivenciam em algum momento da vida e se desenvolver com base em uma dinâmica
que implica em um processo dinâmico que o psíquica particular, pois se relaciona com suas
sujeito abandona esquemas e aprende outros características de personalidade, história de
(Bousso, 2011), para estabelecer um novo vida e de perdas anteriores, além da rede de
tipo de vínculo após a morte (Freitas, 2000). apoio e os mecanismos psíquicos que possui
Semelhantemente, Pires (2010) argumenta para enfrentar as diferentes situações. Logo,
que o luto é um processo cognitivo em que não é possível prever, antecipadamente, como
o indivíduo se confronta com a sua perda o luto será processado, na medida em que se
e com o significado dela, recordando as entende que cada pessoa é única e apresenta
suas memórias acerca da pessoa falecida e recursos subjetivos diferentes para enfrentar
adaptando-se a uma nova realidade. momentos tão doloroso (Santos et al., 2012).

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Nesta direção, Bousso (2011) defende que primeiros meses após a perda e desenvol-
o luto não é passível de ser “superado”, mas vem-se de maneira subjetiva, no que diz
deve ser encarado como um evento mutável respeito à sua diversidade e intensidade.
ao longo da vida e um processo normal de
ressignificação e transformação da relação O silêncio seguido do choro fácil, além das
com o objeto perdido. Deste modo, o luto não pausas que “cortam” a fala do sujeito, são
finda com uma resolução, com um retorno à manifestações da experiência de perda,
“normalidade”, mas resulta na incorporação comumente, percebidas no atendimento
da perda, de tal modo que permita ao indiví- psicológico prestado às mulheres em situação
duo continuar sua vida a partir de uma outra de perda gestacional. Ao explorar a função
relação, reinventada, com a pessoa perdida. do silêncio diante da perda de alguém que-
rido, Poli (2008) afirma que ele ocorre em
O luto em decorrência da morte de um bebê decorrência do encontro com os limites da
que já fazia parte do imaginário da mulher, representação, ou seja, há impossibilidade de
mas não passará verdadeiramente ao real, significar em palavras a realidade da morte.
implicará necessariamente em um processo Sentimentos de perda não elaborados e não
de reajustamento psicológico individual, e representados se expressam inicialmente na
até familiar. Segundo Worden (2008), o pro- falta de palavras, na insuficiência do discurso
cesso de luto serve para ajudar o enlutado e na incongruência entre palavras e senti-
em diferentes fases: 1) aceitar a realidade da mentos (Poli, 2008).
perda, ultrapassando a tendência inicial de
negá-la; 2) reconhecer e lidar com a dor da Nessa discussão, ainda se deve considerar
perda; 3) fazer ajustamentos em diferentes que, em grande parte dos casos, a perda
níveis, sendo eles externos e internos; 4) do bebê por óbito fetal exige que a mulher
reenquadrar emocionalmente aquele que passe por um período de internação, que é
não está mais presente; e 5) integrar emo- um momento muito delicado e doloroso,
cionalmente a perda. já que ela encontra-se em um ambiente
hospitalar, muitas vezes, rodeada por
Nazaré et al. (2010) apresentam e discutem gestantes, puérperas e bebês recém-nas-
um conjunto de reações subsequentes a uma cidos. Mulheres nestas condições ficam
perda, dividindo-os em quatro categorias: fragilizadas física e emocionalmente e, por
1) manifestações emocionais – como isso, precisam do acolhimento, atenção e
sentimentos de tristeza, solidão, culpa, suporte de toda rede de apoio que pos-
raiva, irritabilidade, vazio, ansiedade, suem, incluindo os profissionais de saúde
choque, desespero, desamparo, desilusão, da instituição (Nazaré et al., 2010).
desesperança, inadequação e fracasso;
2) manifestações cognitivas – ligados a pen- Assim, cabe aos profissionais de saúde
samentos de baixa autoestima e confusão; inseridos nesse contexto a oferta de uma
além de dificuldades de concentração, falta assistência adequada, humanizada e holís-
de memória e dificuldade no raciocínio, tica às mulheres com diagnóstico de óbito
que traduzem a preocupação com o bebê fetal. Além da assistência médica, deve-se
e constituem os sintomas mais referidos; oferecer um suporte emocional adequado
3) manifestações comportamentais – que que favoreça o enfrentamento diante desse
refletem em agitação, fadiga, choro, iso- momento tão difícil (Santos et al., 2012).
lamento e a tendência para procurar ou, Tal assistência deve se pautar, preferencial-
opostamente, evitar estímulos associados ao mente, no reconhecimento e compreensão
bebê; e 4) manifestações fisiológicas – como dos aspectos cognitivos e emocionais envol-
aperto no peito, nó na garganta, dificuldade vidos na situação de perda gestacional, os
em respirar, palpitações, tensão muscular, quais são vivenciados de forma singular por
náuseas, dormência, falta de energia, insônia cada mulher e casal. Nessa perspectiva,
e pesadelos. As autoras pontuam que estes nosso objetivo foi estudar como mulheres
diferentes sintomas são mais intensos nos vivenciam e enfrentam a situação de perda

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gestacional, com base na investigação das qual a entrevista se desenvolvia: “O que esta
percepções e significados, além dos senti- perda gestacional significa para você?”. A partir
mentos femininos relacionados ao processo deste questionamento, as participantes falavam
de luto pela morte de um filho. livremente sobre sua vivência, bem como,
sobre as condições pessoais e familiares acerca
da gestação, da notícia da perda gestacional
Método e da internação hospitalar.
Com delineamento descritivo qualitativo
Além desta pergunta disparadora, foram
e amostra de conveniência, participaram
feitas perguntas adicionais para identi-
do estudo 11 mulheres internadas no
alojamento conjunto de uma maternidade ficação de dados gerais e psicossociais
pública, localizada na cidade do Rio de para caracterização das participantes, com
Janeiro, no período de abril a agosto de informações sobre idade, estado civil, reli-
2013. Como critérios de inclusão, ado- gião, localidade de moradia, diagnóstico,
tou-se a vivência da experiência de perda procedimento médico realizado, número
gestacional, quer seja em decorrência de de filhos vivos, número de gestações e
aborto espontâneo ou óbito fetal (natimorto), perdas anteriores.
além da internação na instituição para rea-
lização de procedimento médico durante Os relatos verbais das entrevistadas foram
o período da coleta de dados. Por outro analisados de acordo com a metodologia
lado, como critério de exclusão adotou-se a de Análise do Conteúdo de Bardin (1977),
internação na maternidade em decorrência que se refere a uma técnica de pesquisa
de aborto provocado, além da recusa da que trabalha com a palavra, permitindo de
paciente em participar da pesquisa. forma prática e objetiva produzir inferências
do conteúdo da comunicação (Caregnato
Após consulta aos prontuários para & Mutti, 2006). Nessa metodologia, o texto
verificar os motivos da internação, as é concebido como um meio de expressão
mulheres eram abordadas em seus leitos do sujeito, no qual o pesquisador busca
e convidadas a participar de uma entre- categorizar as unidades de texto (palavras
vista individual. Todas que aceitaram ou frases) que se repetem, inferindo uma
participar da pesquisa assinaram o Termo expressão que as representem. Dessa forma,
de Consentimento Livre e Esclarecido, é possível identificar categorias explícitas
aprovado pelo Comitê de Ética da insti- de análise textual para fins de pesquisa
tuição (CAEE no 10929612.0.0000.5275, (Bardin, 1977), cujo objetivo é traduzir
de 22/02/2013) e foram entrevistadas na o que os participantes buscam expressar
sala do Setor de Psicologia da instituição em palavras, atentando para a investigação
em momento oportuno e escolhido pelas de semelhanças e discordâncias entre os
próprias participantes. Este local foi discursos (Lima, 2003).
escolhido para a realização da entrevista
com o objetivo de garantir que a parti- Dessa forma, após a leitura das entrevistas
cipante tivesse privacidade para falar da foram identificadas categorias para análise
sua vivência. Durante a coleta de dados, do relato verbal das participantes.
apenas uma paciente recusou o convite
para participar da entrevista que teve,
de maneira geral, duração média de 20 Resultados e Discussão
minutos. Todas elas foram gravadas em
áudio e posteriormente transcritas. Com idades entre 16 e 43 anos (média de 30
anos), verificou-se que a maioria das mulheres
O roteiro de entrevista aberta, denominado não tinha concluído o ensino médio, o que
“Experiência da perda gestacional”, foi elabo- reflete um baixo grau de instrução. Com
rado especialmente para a pesquisa e continha relação ao estado civil, seis entrevistadas
uma única pergunta disparadora, a partir da afirmaram ser casadas e cinco se declararam

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solteiras. Seis participantes tinham um ou “Ah... pra mim, é muito triste, porque não
mais filhos vivos, enquanto cinco mulheres estava esperando acontecer isso agora. E
afirmaram não ter filhos ainda. Quanto à aí... teve que acontecer, né? E eu não posso
religião professada, notou-se grande varie- fazer nada... só... aceitar mesmo” (Lia3, 16
dade nas respostas, pois algumas mulheres anos, primigesta/primeira perda gestacional);
se autodeclararam espíritas (N = 2), católicas “[...] Significa a perda de... um filho... de
(N = 3) e evangélicas (N = 2), ao passo que uma vida, que daqui a alguns anos eu possa
2 Curetagem Uterina ou quatro afirmaram não ter religião. imaginar, quando tiver um, posso imaginar
Wintercuretagem é um que poderia ser já o segundo...” (Miriã, 28
procedimento médico obs- Quanto ao procedimento realizado anos, primigesta/ primeira perda gestacional).
tétrico que utiliza curetas durante a internação, verificou-se que 9
metálicas de diferentes
participantes realizaram o procedimento Segundo Duarte e Turato (2009), as mulheres
formas e dimensões para
raspar e esvaziar a cavidade de Curetagem Uterina (Wintercuretagem2), sempre procuram atribuir um sentido para a
uterina, após a dilatação do usado para esvaziar a cavidade uterina após sua perda. Ao analisar as entrevistas realiza-
colo de útero, com dilata- o processo de aborto, o que requer período das percebeu-se que foi comum a tendência
dores de Deniston ou Velas curto de internação. em buscar explicações para compreender
de Hegar. Outros instru- e dar sentido à perda gestacional. Dessa
mentos específicos, como Do total de 11 participantes, constatou-se forma, a mulher intenta tamponar o vazio
a pinça de Winter, podem
que três mulheres eram primigestas e oito deixado pela perda, buscando explicações
ser necessários para auxiliar
a extração do conteúdo já haviam ficado grávidas anteriormente. objetivas quanto a “falha” que causou a
uterino. Por terem diâmetro Destas últimas, verificou-se que seis delas involução da gestação (Santos et al., 2012),
variável e ser de material tinham um ou mais filhos, enquanto duas como evidencia o relato:
rígido, curetas e pinças ainda não tinham filhos. Tais dados são muito
oferecem maior risco de interessantes para esta pesquisa, pois parecem Quem sabe a próxima vez não possa
acidentes cirúrgicos, princi- mostrar que, nesta amostra, a perda gesta- acontecer tudo de uma maneira dife-
palmente de perfuração do cional foi vivenciada indiscriminadamente rente, né? Eu poder até gerar um filho
útero, e maior probabilidade de maneira mais calma, porque talvez
por mulheres que esperavam, ou não, um
de sangramento excessivo tenha sido... por tanta coisa turbulenta
durante o procedimento
primeiro filho. Assim, a questão da perda que eu estava passando em questão
(Barbosa, Reggiani, Drezett é abordada no presente estudo a partir da de trabalho, relacionamento, acho
& Neto, s. d). experiência de mulheres que vivenciavam que também pode ter sido por isso
a primeira perda ou mesmo perdas suces- que... né?... eu não tenha conseguido
sivas, sem necessariamente discriminar os (PAUSA) gerar bem, né? (Ester, 23 anos,
dois grupos uma vez que não foi observado primigesta/ primeira perda gestacional).
diferenças significativas nos relatos de ambos.
Somado a isso, observou-se também certa
Diante da pergunta norteadora da entrevista tendência nas mulheres em buscar expli-
“O que esta perda gestacional significa para cações pautadas na espiritualidade, procu-
você?”, as mulheres participantes evidencia- rando consolo na ideia de que o óbito fetal
ram uma gama de percepções e sentimentos “foi permissão de Deus”, como demostra o
relacionados à sua vivência acerca da perda relato de Lídia:
gestacional, apresentados e discutidos com
base nas seguintes categorias. Por que mais uma vez? Eu me pergunto,
né? Mas ao mesmo tempo, eu me con-
forto porque eu sei que nada acontece
Percepções, significados e sentimentos sem a permissão de Deus, né? [...] Mas
sobre a perda gestacional assim, me sinto triste, vazia... e assim,
mas, ao mesmo tempo, confortada, né?
De maneira geral, em todos os relatos Porque tenho que aceitar, né? (Lídia, 36
3 Para assegurar a privaci- anos, mãe de um filho).
observou-se o sentimento de tristeza, sur-
dade e garantir o sigilo das
participantes, utilizou-se presa e impotência diante da perda, além
nomes fictícios para iden- da concepção de que a lembrança desta Corroborando a necessidade de encontrar
tificar o relato de todas as perda ressurgirá numa futura gestação, um “porquê” para a perda, é inevitável
entrevistadas. como no exemplo dos relatos a seguir: para algumas mulheres não comparar a

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gestação atual com as anteriores. Esta de novo e perder, eu não sei se quero
comparação parece estar ligada à “natu- a terceira gravidez. Eu já pensei, nesses
ralização da maternidade”, ou seja, mulhe- dias, [...] em nem engravidar mais e ado-
res que não sofreram intercorrências em tar (Miriã, 28 anos, primigesta/ primeira
perda gestacional).
gestações anteriores possuem, segundo
Assunção & Tocci (2003), a certeza de que
são capazes de gerar um bebê perfeito e Ter um profissional de saúde atento e
saudável como no exemplo: disponível para ouvir este tipo de relato,
permeado de medo e insegurança quanto à
As outras vezes que eu fiquei grávida, eu possibilidade de conseguir gerar um bebê,
senti alguns sintomas... mas agora não... caracteriza uma assistência humanizada. A
não senti nada... a menstruação veio assistência humanizada no contexto da perda
normal [...]. Eu não sabia por que estava gestacional não deve se preocupar apenas
tendo febre [...]. Eu me pergunto... por com a expressão da dor física decorrente do
que eu não tive sintomas normais? Por
procedimento médico realizado, mas sim
que eu não consegui ter como tive os
dois? A sensação que eu tenho é que não
deve se fazer presente oferecendo escuta
vou conseguir ter mais filhos [...] estou e acolhendo também a dor psicológica, o
me sentindo mal, com jeito de doente que é essencial para a elaboração do luto.
(Eva, 23 anos, mãe de dois filhos).
A perda gestacional, em outros casos, pode
Este relato nos dá indícios acerca das consolidar o número de filhos pretendidos, ou
fantasias que as mulheres criam diante seja, muitas mulheres acabam por desistir do
da involução da gestação. Tais fantasias projeto de ter mais um bebê após a vivência da
podem, muitas vezes, se relacionarem às involução da gestação, como aponta o relato:
ideias de fracasso, culpa e funcionamento
incorreto do corpo. A sensação de doença, Para mim foi horrível, foi um “bac”
relatada por Eva, parece atrelada à sensação muito grande, muito triste [...] mas eu
agora também não tento, não tenta-
imediata de que seu corpo não consegue
ria por eu ter esse medo de perder de
funcionar corretamente, ou seja, de que ela
novo, porque isso agora ficou marcado
não conseguiu gerar em seu ventre uma em mim [...]. E eu não quero passar
criança, como ela própria esperava. por esta mesma sensação... (Rebeca,
30 anos, mãe de três filhos).
A descrição do perfil das participantes
quanto à vivência de perdas gestacionais Ao analisar a forma como a mulher lida com
anteriores parece indicar que este não se a involução da gestação percebe-se que ter
trata de um acontecimento que impeça a outro (s) filho (s) e não vivenciar perdas con-
mulher de lançar-se novamente no projeto de secutivas parecem ser fatores importantes a
ser mãe, contudo, há o receio de vivenciar serem considerados. Sentimentos de menos
a perda novamente. Nazaré et al. (2010) valia que afetam a autoestima e a autoper-
caracterizam a perda como um aconteci- cepção da mulher são mais comuns quando
mento potencialmente traumatizante, que ela é acometida por insucessos gestacionais
permanece vivo na lembrança da mulher. consecutivos (Nazaré et al., 2010, Sousa &
Além disso, Sousa & Muza (2011) argumen- Muza, 2011 e Gaudet, 2010).
tam que a perda é um acontecimento que
afeta a autoestima da mulher e, por isso, a Reações das mulheres diante da perda
gestação subsequente pode ficar atrelada a gestacional
sentimentos de medos e insegurança, como
ilustra o relato de Miriã:
O momento do diagnóstico de perda gesta-
Eu tenho medo de engravidar de novo e cional é sempre delicado, quer a paciente já
não dá certo. Não que eu não queira, eu suspeite, ou não, que algo não está dentro
vou tentar... mas, sinceramente, se, se, da normalidade (Carvalho & Meyer, 2007;
Deus me livre, eu chegar a engravidar Sousa & Muza, 2011). Nesta amostra, para

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grande parte das pacientes, a reação diante Algumas mulheres conseguiram nomear,
do diagnóstico da involução da gestação de alguma maneira, o que sentiam diante
pode ser caracterizada como paralisante. da realidade da perda gestacional naquele
Esta “paralisação” ocorria logo após a notícia momento de entrevista, com a expressão de
da perda, mediante o choque, se traduz nas sentimentos de falta, vazio e/ou dor, como
falas de Lia “fiquei sem reação... eu não falei exemplifica os relatos a seguir: [Faz um estalo
nada, só falei que tá bom. Mas depois foi... com a boca] “Ah, um sentimento de perda
ficando mais claro para mim” (Lia, 16 anos, [EMOCIONA-SE], é uma perda, um vazio
primigesta/ primeira perda gestacional); e de muito grande apesar de pouco tempo...”
Sara: “fiquei sentada num banco um tempão (Ester, 23 anos, primigesta/ primeira perda
gestacional); “Eu me sinto assim, vazia...”
pra me recuperar, para depois consegui ir
(Sara, 40 anos, mãe de um filho).
pra casa” (Sara, 40 anos, mãe de um filho).

Outras reações como aperto no peito


Durante a realização das entrevistas perce-
(angústia); medos ligados à possibilidade
beu-se também longos períodos de silêncio
de vivenciar uma nova gestação pós-perda;
e pausas consecutivas, especialmente no tristeza; sensação de vazio; desmotivação;
início da entrevista diante da pergunta decepção; culpa; frustração; fracasso; impo-
principal: “o que esta perda gestacional tência; e constrangimento foram relatadas
significa para você?”. Estas pausas parecem pelas participantes. É importante ressaltar
ser resultado de um movimento da mulher que a mulher precisa lidar com essa gama
de voltar o olhar para si própria e vê-se de reações emocionais e ainda, passar por
tomada por sentimentos diversos, ambíguos procedimentos médicos e um período de
e conflituosos, como ilustra o relato a seguir: internação. Manifestações emocionais e
“Muito triste... [PAUSA – EMOCIONA-SE]. somáticas semelhantes foram descritos por
Não dá nem pra... pra descrever o que Nazaré et al. (2010), em seu estudo que explo-
estou sentindo agora” (Lia, 16 anos, rou a avaliação e intervenção psicológicas
primigesta/ primeira perda gestacional). na situação de perda gestacional.
Além disso, esta falta de palavras parece
uma resposta do encontro com os limites No presente estudo foi possível identificar
da representação da realidade da morte e como reação a tendência em evitar estímulos
da perda, como discute Poli (2008). associados ao bebê, percebida, por exemplo,
na fala de uma entrevistada que afirmou não
Kubler-Ross (2005) afirma que o choque pode querer ver os itens do quartinho do bebê
ser a primeira resposta à morte; contudo, presenteados por sua patroa:
neste momento inicial o choque se manifesta
Eu deixei no depósito da loja pra
junto com a negação, em que a pessoa sente não levar logo pra casa [...]. A gente
dificuldade para acreditar no que realmente está esperando terminar, ficar pronta,
está acontecendo: eu falei que quando terminasse, eu
levaria e já montaria todo no quarti-
Logo assim no início, quando a gente nho. Ai também, eu... quando perdi,
ficou sabendo, ele [o companheiro] já... que eu fui à loja, eu já nem quis ir lá
[paciente gagueja muito] Eu já tinha embaixo, já pra não ver. Sei lá, eu pedi
esperança dele estar vivo, né? Eu, eu que tirasse tudo, porque se eu tivesse
pensei assim: Ah, eles vão nascer peque- levado para casa seria pior ainda por-
nos, tudo que o médico falou. Só que que eu estaria vendo as coisinhas dele.
assim, para eles não tinha mais espe- Ah, eu teria chorado bastante [...]
rança, eu tinha. Então, foi um “bac” pra (Miriã, 28 anos, primigesta/ primeira
perda gestacional).
mim, duas vezes, né? Porque... eu não
acreditava que ele estava morto, porque
estava normal, eu não senti nada, não Outra tendência encontrada, ainda ligada
senti dor nenhuma, eu não senti nada à reação comportamental foi evitar pensar
(Rute, 19 anos, não possui filhos). e falar sobre a perda com muitas pessoas,

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como no exemplo a seguir: “As únicas pessoas Além disso, a perda do bebê exige que a
que eu contei foi minha mãe, minha sogra e mulher passe por um período de internação,
meu namorado... acho que vou evitar falar que é um momento muito delicado e doloroso,
porque as pessoas perguntam e acham que já que ela encontra-se numa maternidade
é fácil ficar falando sobre isso” (Eva, 23 anos, rodeada por gestantes, puérperas e bebês
mãe de dois filhos). recém-nascidos e para ela resta experimentar
a sensação de sair da maternidade sem seu
filho nos braços.
É comum a escolha de falar somente o
necessário sobre a perda sofrida, visando
sua autopreservação por meio do afasta- Reações das mulheres diante da internação
decorrente da perda gestacional
mento do sofrimento (Poli, 2008). Com a
tentativa de não sofrer ainda mais diante
daquela “ferida aberta”, as pacientes tentam A representação presente no imaginário
se afastar de situações, pensamento e ideias social acerca de uma instituição como a
maternidade está ligada, cultural e social-
ameaçadoras e angustiantes que a morte
mente, à ideia de início da vida. Assim,
gera (Santos et al., 2012).
imagina-se que a mulher será levada para a
maternidade quando chegar o momento de
A interdição da maternidade, nesse momento, “ganhar” seu bebê (Montero et al., 2011).
pode gerar em algumas mulheres a desvaloriza- No entanto, para além desta representação,
ção da sua autoimagem, pela ideia de que seu sabe-se que uma maternidade, como refe-
corpo não foi capaz de funcionar adequada- rência em assistência obstétrica, também
mente para gerar um bebê; ou, simplesmente, assiste mulheres que apresentam algum tipo
pela crença de que não foi capaz de desempe- de intercorrência na gestação.
nhar o papel biológico que toda mulher possui
(Carvalho & Meyer, 2007). Esta concepção está Nas entrevistas realizadas para esta pesquisa
atrelada, dentre outros indícios, a comparação foi comum identificar o incômodo gerado
com outras pacientes da enfermaria ou com pelo desejo de ter um bebê em seus braços
amigas que estão gestantes, como indicam os e se vê impossibilitada para tal. Agrega-se
relatos a seguir: a isso o fato de que, neste momento de fra-
gilidade, essas mulheres ainda necessitam
Eu tô aqui no hospital e tal... ai eu vejo dividir a enfermaria com outras pacientes
a mãe com o bebê, [...] e, o que me e seus bebês. Dividir a enfermaria com as
deixou mais triste é que... assim, mui- puérperas colocava às mulheres que viven-
tas amigas minhas estão grávidas, né? ciaram a perda em contato direto com o
[EMOCIONA-SE/ PAUSA]. Aí, elas vão bebê e tudo que ele representava. Além disso,
ter o bebê delas, né? E eu não vou estar numa enfermaria de uma maternidade
ter o meu [PAUSA/ EMOCIONA-SE] sem um bebê, deixava evidente a falta, o
(Rute, 19 anos, não possui filhos).
não ganhar, que diferenciava as mulheres
enlutadas, daquelas satisfeitas e felizes na
Diante da variedade de reações da mulher enfermaria. A seguir os relatos de Edna e Sara
frente o óbito do seu bebê, estudos como que ilustram essa problemática: “Às vezes, as
o nosso, cujo objetivo foi estudar como pessoas chegam e perguntam: e aquela mãe
mulheres vivenciam e enfrentam a perda ali, cadê o bebê dela? Aí você fica assim...
gestacional, podem fornecer subsídios sobre se sente um pouco isolada” (Edna, 36 anos,
os aspectos comportamentais e emocionais não possui filhos).
relacionados a essa perda que devem ser
considerados na prática assistencial pres- Ah, dá vontade de sair correndo! Todo
mundo com neném no colo e eu sem
tada a essas mulheres que têm que lidar
nada. A primeira coisa quando eu entrei,
com diferentes demandas decorrentes que eu acordei, a moça perguntou, uma
dessa condição de vulnerabilidade que das mães: cadê seu bebê?. Aí que deu
estão expostas. mais vontade de chorar ainda, eu me

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segurei [...]. Eu falei que tinha perdido... voltar logo para casa para encontrar seus filhos
Eu pensei em mentir, mas depois não... e lhes dedicar cuidados e consolo: “Eu vou
ia acabar fazendo mal para mim (Sara, cuidar mais da minha filha, a pequenininha
40 anos, mãe de um filho). [...]. Ela faz a gente se recuperar mais rápido
porque a gente não fica pensando muito”
Isto posto, faz-se necessário que toda (Sara, 40 anos, mãe de um filho); “[...] Eu tô
equipe de saúde esteja atenta e sensível indo para apoiá-los, entendeu? [...] Eu tenho
ao sofrimento e pesar da mulher diante do que colocar pra ele de forma que ele possa
constrangimento de perceber-se isolada, entender sem ficar angustiado” (Isabel, 43
entristecida e diferente das outras mulheres anos, mãe de dois filhos).
hospitalizadas. Relevante também conside-
rar que esta mulher durante a internação Gaudet (2010) discute resultados de estudos
pode, em função do seu estado de humor, que concluíram que mulheres com histó-
adotar atitudes agressivas para com a equipe rico de insucessos gestacionais anteriores
e familiares. Diante disso, geralmente, apresentaram escores mais altos de dor e
nossa primeira atitude como profissional é depressão. Nesse sentido, podemos sugerir
achar que ela não está colaborando com o que para as mulheres que vivenciaram perdas
tratamento e rejeitando nossa assistência, consecutivas, a involução da gestação tem
quando, na verdade, tal reação nada mais é impacto maior na sua autoestima e no seu
do que uma demonstração da dor e dificul- estado de humor, logo, avaliar indicadores
dade vivenciada por ela naquele momento. de depressão relacionando à percepção da
vivência da perda torna-se fundamental e é
A interrupção do projeto de gestar um filho nossa sugestão para futuras pesquisas.
incute um conflito de natureza diferente de
outros enfrentados ao longo do ciclo vital da É válido frisar que as reações diante da
mulher. (Assunção & Tocci, 2003). Para muitas perda gestacional dependem do significado
mulheres, é natural a ideia de que um dia atribuído à perda e do grau de investimento
será mãe e por isso, comumente, já planejam, afetivo atrelado à gravidez (Assunção & Tocci,
antecipadamente, quantos filhos querem ter. 2003). Ambos os aspectos estão intimamente
Dentro desta conjuntura, percebe-se que a relacionados ao sentido fornecido à gestação
realização da maternidade é amplamente e à ideia de ter um bebê, com consequentes
naturalizada, como elucida o relato a seguir: repercussões pessoais, sociais e familiares.
Ontem quando eu cheguei foi bem
doloroso, né? É ruim porque você Concepções e significados acerca do
olha pro lado e vê uma criança, você nascimento de um filho
olha pro outro e vê criança, olha pro
seu bercinho e tá vazio, né? Você que- Ao percebe-se grávida, a mulher passa
ria uma criancinha ali do seu lado, né? por um processo de adaptações físicas e
Que é que você... a tua... a materni-
psíquicas que envolvem inserir a criança
dade, né?, em si, você sabe que é que
vai acontecer, né? Você vai, vai ficar na sua vida, na sua rotina e na família
durante um tempo gerando aquela (Farias & Villwock, 2010). O desejo de gerar
criança, pra depois você ter ela nos um bebê perfeito e saudável pode provocar
seus braços, né? Então, quando não na mulher, por exemplo, uma preocupação
acontece é bem difícil (Débora, com relação à alimentação, propiciando
35 anos, mãe de dois filhos). mudanças na forma de se alimentar, como
se observa na fala de Edna:
Em relação à internação devido a perda
gestacional, nota-se que, de uma maneira Hoje, eu acordei, eu chorei um pouqui-
geral, as mulheres ficavam ansiosas pela nho, porque eu senti falta assim, devido
alta hospitalar. Principalmente, para aquelas eu estar grávida, então ele fazia eu acor-
dar cedo porque eu sentia fome, então
mulheres que já tinham filhos, notou-se ser
eu sempre ficava de preguiça na cama
comum um grande desejo e ansiedade de e agora eu aprendi a acordar cedo, às

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vezes, 5 horas eu já tava acordada, com e a atenção à saúde nestes casos deve, na
fome. Então eu já me preocupava em medida do possível, privilegiar o atendimento
acordar cedo e me alimentar. Porque de ambos, mãe e pai.
tinha uma pessoinha aqui dentro que...
eu acho que era o desejo dela [...] eu já
sabia que tão cedo, ele já me fazia des- Outra concepção atribuída ao nascimento de
pertar. [...] Tava sendo muito especial um bebê foi a ideia de “presentear” a família
para mim. Então, foi difícil, né? (Edna, e proporcionar alegria após o falecimento
36 anos, não possui filhos). de um ente querido:

Esta entrevistada nutria, junto com seu Como eu falei pra você, devido à perda
esposo, grande desejo de ter um bebê, da minha sogra, ter acarretado as duas
contudo, vivenciava sua quarta perda ges- coisas de uma vez só [...]. E aí, quando
tacional. A partir de seu relato percebe-se não ocorre, você se frustra, né? Fica
que antes mesmo de nascer, seu bebê chateada, triste, né? Até porque, seria
já fazia parte da sua vida e os cuidados até uma alegria a mais pra mim e para
com ele já estavam sendo inseridos na a família devido ao que aconteceu
(Débora, 35 anos, mãe de dois filhos).
sua rotina, ou seja, o bebê já ocupava um
lugar simbólico no psiquismo dessa mulher
(Farias & Villwock, 2010). É de fundamental importância investigar
sempre o significado que o casal atribui
Durante a gestação, o casal vivencia trans- à gestação e ao nascimento de seu bebê,
formações no âmbito pessoal e relacional, uma vez que a perda desmantela os pla-
assim, a relação deles também passa a ser nos, os sonhos e as expectativas que eles
encarada de maneira diferente (Nazaré et al., normalmente depositam no nascimento de
2010). O nascimento de um bebê pode estar um filho, sendo importante a presença e o
ligado à expectativa de entrelaçamento da suporte fornecido por toda rede de apoio:
relação do casal, resultando na “formação” companheiro, familiares ou amigos próximos,
de uma família ou ampliação dela, como além dos profissionais de saúde.
ilustram os relatos: “Olha… pra mim foi uma
perca (sic) muito grande porque eu estava… Percepção do apoio familiar e da equipe
é, pretendo ter esta criança, planejei por eu tá de saúde diante da perda gestacional
formando uma outra família com esse rapaz
que eu tô agora [...]” (Rebeca, 30 anos, mãe
De maneira geral, a presença dos familiares
de três filhos);
tem papel fundamental no suporte fornecido à
mulher que perdeu um filho. Ter uma pessoa
É um momento, assim, de muita tristeza
próxima que demostre preocupação e que
porque… eu criei uma expectativa de eu
forneça apoio neste momento de desamparo
aumentar minha família, era mais um bebê
é fundamental para o equilíbrio emocional
que ia chegar pra brincar com meu filho.
da mulher (Carvalho & Meyer, 2007). Ao
[...] Eu me sinto um pouco fracassada, um
realizar as entrevistas, ficou bastante evidente
vazio dentro de mim, né? (Lídia, 36 anos,
mãe de um filho). o quanto as mulheres valorizavam a presença
e o apoio fornecido pelas pessoas próximas
a ela, como demostra a narrativa:
Dessa forma, a perda gestacional, sobretudo
em casos de primeira gestação, pode encerrar
uma representação de fracasso no projeto de Eu acho que na verdade a única coisa que não
formação de uma família, o que precisaria está me fazendo… cair legal, é que, graças
ser melhor investigado com entrevista aos a Deus, assim, meus parentes, minha mãe, o
companheiros por exemplo. Importante con- pessoal, minha família tá me apoiando muito,
siderar que a vivencia da perda gestacional sabe? Quando eu fico pra baixo, sempre tem
implica em consequências não somente alguém que me liga… (Débora, 35 anos, mãe
para a mulher, mas também para o casal de dois filhos).

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Nos casos em que o óbito fetal ocorre Exercitar uma visão mais holística acerca do
num momento mais avançado da gestação paciente, evocando em si uma preocupação
quando deve ser realizado o parto, seguido com a assistência integral pautada em diferentes
do sepultamento do bebê, existem, objetiva- ações que demostrem atenção e estima pode
mente, decisões a serem tomadas, questões contribuir para que a paciente sinta-se segura e
burocráticas a serem resolvidas e recursos bem assistida pela equipe. Logo na assistência,
financeiros a serem dispendidos. Neste é de fundamental importância não se considerar
momento, geralmente, algum membro da somente os cuidados com o corpo que sofreu
família é “eleito” para resolver estas questões, a perda, mas também com a mulher que sofre
o que mais uma vez reafirma a importância da pela perda, o que constatamos no nosso estudo
rede de apoio nestas circunstâncias. O relato com exemplos de relato como o de Isabel, de
de Lia é um exemplo disso: 43 anos e mãe de dois filhos:

Desde lá de baixo [...] no centro obsté-


É porque só tem ela [mãe da entrevis-
trico… eu gostaria de ressaltar um nome
tada] para resolver tudo isso. Minha
Gisele, eu nem sei qual a função dela lá,
família toda trabalha, ai não tem como
mas as palavras dela me ajudou muito:
[...]. [E sobre o sepultamento] Eu acho “se precisar de alguma coisa”, “Tá tudo
que não vou consegui não… acho bem?”, “Como você está agora?” E
melhor não… porque agora eu não depois que [...] eu tava saindo do cen-
quero ver sendo enterrado. Não vou, tro obstétrico [...] ela [falou]: “Olha, fica
[...] é melhor eu só vê eles assim agora bem, deu tudo certo”. Nossa! Aquelas
mesmo e depois deixa que outra pes- palavras me ajudaram muito. O médico
soa faz isso (Lia, 16 anos, primigesta/ que me atendeu lá... Muito atencioso,
primeira perda gestacional). me explicando cada procedimento. [...]
Então, essas coisas todas… me fez, não
Não só no primeiro momento, mas também ficar me sentindo angustiada por causa
da perda, porque teve um cuidado em
após a alta hospitalar, são os familiares e/ou
todos os sentidos [...] Então, me sentia
amigos que estão em contato direto com a muito cuidada por todo mundo [...],
mulher enlutada e que poderão fazer toda não parecia que havia um corpo jogado
diferença no processo de luto pela perda ali, sabe?
(Santos et al., 2012; Nazaré et al., 2010).
No relato abaixo a entrevistada fala sobre Uma assistência mais cuidadosa às pacientes
o momento seguinte a alta hospitalar: “[...] que sofreram perda gestacional pode interferir
Acho que vai ser tranquilo, até porque eu vou na maneira como ela vai lidar com a perda
ficar uns dias com minhas tias, elas vão me durante a internação, com exemplifica o
dar uma força” (Miriã, 28 anos, primigesta/ relato a seguir:
primeira perda gestacional).
Assim, como a gente vê as pessoas
tratando a gente como gente, como
Com a perda gestacional a mulher fica, comu- pessoa que, de certa forma, teve um…
mente, fragilizada física e emocionalmente. algum tipo de sofrimento, embora,
Tendo isso em vista, podemos perceber que a muitas vezes eles não possam calcular,
dor que incide no corpo devido ao processo de medir a proporção desse sofrimento,
perda e/ou procedimentos médicos realizados mas demostram atenção [...] Aqui me
vai além da dor física, como aponta a afirmativa senti um ser humano mesmo. Sabe, é
o que me ajudou muito mesmo, nesse
de Isabel: “Eu chorei bastante porque dói na
momento, porque está muito recente,
alma” (Isabel, 43 anos, mãe de dois filhos). a me sentir bem tranquila, porque faz
Assim, o acolhimento, a atenção e o suporte uma diferença enorme o trato das
fornecido por toda rede de apoio da mulher pessoas com a gente (Isabel, 43 anos,
enlutada, bem como pelos profissionais de mãe de dois filhos).
saúde, durante e após a alta hospitalar, cer-
tamente auxiliam na elaboração da perda e Torna-se indispensável destacar a importância
ajuda na vivência simbólica do luto. deste relato, pois indica a necessidade da

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equipe de saúde estar sensível às demandas Assim, o que fica após a perda gestacional
físicas, emocionais e sociais das pacientes, é o confronto com o vazio deixado por um
proporcionando, assim, uma assistência bebê que não vai mais existir, cujos últimos
integral e de qualidade. vestígios foram eliminados pelos procedimentos
médicos, sobretudo quando a perda ocorre nos
Vivência do luto após a perda gestacional primeiros meses da gestação. Desconsidera-se
o luto materno ou se minimiza sua proporção
Apesar de ser indiscutível a importância do através da tentativa comum de convencer a
acolhimento e suporte à mulher no momento mulher de que “foi melhor assim” e que “logo
de perda, sabe-se que, nem sempre, as você engravida de novo”.
pessoas que cercam a enlutada se sentem à
vontade e “preparadas” para oferecer o apoio Além disso, é comum algumas pessoas
e a escuta que ela necessita para investirem pedirem para a mulher enlutada parar de
em um luto favorável. chorar ou pedirem para ela, simplesmente,
esquecer o que ocorreu e seguir a vida, ou
Freire (2005) argumenta que “o social faz seja, muitas pessoas não conseguem suportar
sua economia de gestos e sentimentos” nenhuma manifestação emocional inerente
(p. 13), ou seja, a sociedade se faz de surda à perda. É ainda mais difícil, para algumas
diante do sofrimento daquele que sofre pessoas, compreender que há um luto que
uma perda. A entrevistada Miriã demostra precisa ser realizado quando ocorre uma
sua insatisfação com a postura adotada perda gestacional. A seguir, o relato de Edna
por algumas pessoas diante da sua perda: que ilustra este incômodo gerado pelo não
“[...] Minhas tias, vão me dar uma força, reconhecimento do luto:
vão dizer que é assim mesmo, aquelas
coisas que todo mundo diz, ‘da próxima Achei muito importante ele [esposo]
vez dá certo’, ‘você não é a primeira e nem ficar ali naquele momento para que ele
vai ser a última’”; e continua, logo após a veja o que eu passei, entendeu? Pra que
pesquisadora perguntar o que ela achava de ele veja um pouco do meu sofrimento e
escutar “estas coisas que todo mundo diz”: pra que ele tente entender o meu lado
também, porque ele como homem,
Chato! [...] quando eu voltei pro tra- pode só pensar assim: “Ah, vamos tentar,
balho depois dos dias que eu fiquei vamos tentar de novo”, pra ele entender
internada, aí todo mundo me abraça também que eu preciso também de um
e fala: “ai, Val, que pena, aí não sei o tempo pra poder me reestruturar e me
que”. Aí cada vez que alguém fala mexe erguer de novo e a gente começa de
mais com aquela ferida sua. Eu falei “tá, novo aquela mesma luta, entendeu? Foi
gente...” […] pra evitar este tipo de bom ele acompanhar meu sofrimento
comentário (Miriã, 28 anos, primigesta/ para ele ver que não é fácil (Edna, 36
primeira perda gestacional). anos, não possui filhos).

Em seu relato, Miriã deixa claro que procura Este relato de Edna parece respaldar o que
demostrar que não ficou grandemente afetada a literatura discute sobre a diferença entre
pela perda que sofreu, evitando, assim, lem- as reações de homens e mulheres frente à
brar e tomar contato com a sua dor. Contudo, perda gestacional. Ao afirmar que “precisa
sua preocupação em apresentar tal reação de um tempo pra poder me reestruturar e me
parece estar ligada ao desejo de não escutar erguer de novo”, Edna parece estar tentando
mais comentários que minimizam sua dor e reivindicar um espaço para a manifestação de
a fazem “lembrar” do seu sofrimento. seus sentimentos e para elaboração da perda de
seu filho. O reconhecimento do luto materno e
Cabe ressaltar que, do ponto de vista do sistema uma assistência acolhedora podem contribuir
social e legal, não há reconhecimento do con- para que o processo de luto seja efetivamente
cepto abortado como uma criança que morreu vivenciado, e familiares e equipe de saúde
antes de nascer (Assunção & Tocci, 2003). têm papel fundamental nesse processo.

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Considerações finais Considerando o processo de perda como


único e individual, é essencial a compreensão
da dor e do sofrimento sob uma perspectiva
Diante do exposto, podemos afirmar que
singular que exige a expressão de sentimentos
a perda de um filho antes do nascimento
dolorosos. Mulheres nestas condições ficam
tem certamente grande impacto emocional fragilizadas física e emocionalmente e, por
para a mulher e seus familiares. Indepen- isso, precisam do acolhimento, da atenção
dentemente do período gestacional e de e do suporte de toda uma rede de apoio. O
serem primigestas ou não, as participantes reconhecimento do luto materno por parte
demostraram muita tristeza e pesar diante dos familiares e da equipe de saúde é um
da perda, buscando explicações para tentar dos primeiros passos para fornecer o apoio
justificar e explicar tal situação inesperada, necessário e contribuir para elaboração do
o que nem sempre é possível. luto através do oferecimento de um espaço
para a expressão das angústias, receios, frus-
Os dados da presente pesquisa reforçam o trações, tristezas, dentre outros sentimentos,
entendimento do caráter multifacetado da da mulher enlutada.
perda gestacional/aborto descrito na lite-
ratura, no que tange ao impacto da perda Logo, nosso trabalho chama atenção para
em seu caráter subjetivo e relacional na o fato de que a equipe de saúde deve estar
atenta a tais questões para, assim, ser capaz
vida da mulher. Tal impacto afeta o estado
de corresponder adequadamente à demanda
de humor, a autopercepção e a autoestima
emocional de mulheres em situação de perda
da mulher, bem como seus planos futuros
gestacional. Assim, é fundamental não agir
relativos à constituição ou ampliação da no sentido de tentar, em vão, fazer a mulher
família. Além disso, é importante sublinhar “esquecer” a perda e “calar” sua dor, sendo o
que a participação e apoio dos familiares, psicólogo uma figura importante no cumpri-
bem como a atuação, cuidado e apoio mento dessa função no contexto hospitalar.
dos profissionais de saúde que forneceram Além de fornecer suporte psicológico às
assistência desde o momento do diagnóstico pacientes e aos seus familiares, o psicólogo
até durante a internação hospitalar, foram pode atuar no sentido de sensibilizar a
norteadores do significado atribuído a perda equipe de saúde, trabalhando em parceria
por aquelas mulheres. e orientando-os em momentos delicados.

O destaque dado à assistência profissional é Por fim, cabe ressaltar que os dias imediatos
um ponto interessante encontrado no estudo, à perda são importantes para o desenvolvi-
que nos faz refletir sobre a importância de mento do processo de luto e dar atenção à
um atendimento eficaz e acolhedor fornecido forma como a mulher constrói seus signifi-
cados acerca da perda, torna-se essencial
pelo profissional de saúde, com consequ-
para superação deste luto. Logo, conhecer
ências na forma como a mulher enlutada
os aspectos cognitivos (percepções e signifi-
vivencia a internação. Além disso, reafirma cados) e emocionais (sentimentos) relaciona-
a necessidade de se valorizar o preparo e dos ao enfrentamento da perda gestacional
a sensibilização desses profissionais que possibilita aos profissionais prestar melhor
atuam na assistência direta a essa mulher auxílio e acompanhamento assistencial com
que vivenciou a perda, chamando atenção objetivo, inclusive, de prevenir dificuldades
para a escolha, por exemplo, da enfermaria emocionais futuras, principal contribuição
que a mulher será direcionada. do nosso estudo.

Concepções Sobre Morte e Luto: Experiência Feminina Sobre a Perda Gestacional


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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO,
2015, 35(4), 1120-1138 Luana Freitas Simões Lemos & Ana Cristina Barros da Cunha

Luana Freitas Simões Lemos


Psicóloga formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ – Rio
de Janeiro – RJ. Especialista em Psicologia Perinatal pela Maternidade-Escola da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – Rio de Janeiro – RJ.

Ana Cristina Barros da Cunha


Psicóloga, Mestre em Educação Especial – UERJ – Rio de Janeiro – RJ. Doutora em
Psicologia Social e do Desenvolvimento – UFES –Vitória – ES. Docente do Departamento
de Psicologia Clínica desde 1997 no Instituto de Psicologia da UFRJ. Pesquisadora da
Maternidade- Escola da UFRJ desde 2010.
E-mail: [email protected]

Endereço para correspondência:


Rua Coronel Leôncio, n° 204, Engenhoca, Niterói. CEP: 24110-540. Rio de Janeiro – RJ.
Brasil. Telefone: (21) 99609-8336

Recebido 21/11/2014, Aprovado 03/11/2015.

Concepções Sobre Morte e Luto: Experiência Feminina Sobre a Perda Gestacional


Psicologia: Teoria e Prática
ISSN: 1516-3687
[email protected]
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Brasil

Costa Muza, Júlia; Nascimento de Sousa, Erica; da Rocha Arrais, Alessandra; Iaconelli, Vera
Quando a morte visita a maternidade: atenção psicológica durante a perda perinatal
Psicologia: Teoria e Prática, vol. 15, núm. 3, septiembre-diciembre, 2013, pp. 34-48
Universidade Presbiteriana Mackenzie
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=193829739003

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
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Revista Psicologia: Teoria e Prática, 15(3), 34-48. São Paulo, SP, set.-dez. 2013. ISSN 1516-3687 (impresso), ISSN 1980-6906 (on-line).
Sistema de avaliação: às cegas por pares (double blind review). Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Quando a morte visita a maternidade:


atenção psicológica durante a perda
perinatal
Júlia Costa Muza1
Hospital São Mateus, Brasília – DF – Brasil
Erica Nascimento de Sousa
Centro Brasiliense de Nefrologia, Brasília – DF – Brasil
Alessandra da Rocha Arrais
Universidade Católica de Brasília, Brasília – DF – Brasil
Vera Iaconelli
Instituto Sapientiae, São Paulo – SP – Brasil

Resumo: O presente estudo pautou-se no método qualitativo com o objetivo de co-


nhecer o significado da perda perinatal para famílias enlutadas e avaliar a intervenção
psicológica em situações de luto perinatal. Participaram desta pesquisa cinco famílias
que vivenciaram o óbito perinatal numa maternidade de Brasília. Utilizaram-se como
instrumentos o prontuário psicológico do serviço de psicologia da maternidade e a
entrevista de avaliação pós-óbito. A partir da análise de conteúdo de Bardin (1977),
emergiram cinco categorias, a saber: história da gestação, os pais diante da morte do
filho, desejo de reparação, despedida do bebê e avaliação do atendimento da psicologia
na situação do luto. Os resultados demonstraram que o intenso trabalho psíquico de
luto sofrido pelas famílias ainda recebe pouco apoio social das instituições, e a psicologia
hospitalar pode ter um papel fundamental junto a essas famílias no sentido de prevenir
traumas futuros e evitar o luto patológico e gravidezes reparadoras.

Palavras-chave: óbito perinatal; luto; psicologia da saúde; maternidade; estudo


qualitativo.

WHEN THE DEATH VISIT THE MATERNITY: PSYCHOLOGICAL ATTENTION DURING


THE PERINATAL LOSS

Abstract: This study was based on qualitative methodology in order to know the
meaning of perinatal loss to the bereaved families and assess the psychological inter-
vention in situations of perinatal grief. Five families participated in this study who ex-
perienced perinatal deaths, a maternity of Brasilia. The psychological record of the
psychology of maternity and post-assessment interview death were used as instru-
ments. From the analysis of Bardin (1977), which emerged five categories, namely:
history of pregnancy, parents before her son’s death, desire to repair, to bid farewell
to the baby, and evaluation of the psychology service in the situation of mourning. The
results showed that intensive psychological work of mourning suffered by families still
receives little support from social institutions, and health psychology can play a key
role along with these families in order to prevent future trauma, to avoid pathological
mourning and remedial pregnancies.

Keywords: perinatal death; grief; health psychology; motherhood; qualitative study.

1
Endereço para correspondência: Júlia Costa Muza, Hospital São Mateus, Serviço de Psicologia Hospitalar,
SRES, Quadra 02, área especial A, lote 01, Cruzeiro Velho, Brasília – DF – Brasil. CEP: 70648-145. E-mail: juliamuza@
gmail.com.

34
Quando a morte visita a maternidade: atenção psicológica durante a perda perinatal

CUANDO LA MUERTE VISITA LA MATERNIDAD: ATENCIÓN PSICOLÓGICA


DURANTE LA PÉRDIDA PERINATAL

Resumen: Este estudio se basó en una metodología cualitativa con el objetivo de co-
nocer el significado de la pérdida perinatal para familias en luto y evaluar la intervención
psicológica en situaciones de luto perinatal. Participaron del estudio cinco familias que
experimentaron las muertes perinatales en una maternidad Brasília. Se utilizaron como
instrumentos el registro psicológico de la psicología de la maternidad y una entrevista
de evaluación después de ocurrir el óbito. Del análisis de Bardin (1977), surgieron cinco
categorías, a saber: la historia del embarazo, padres antes de la muerte de su hijo, el
deseo de reparar, adiós bebé y la evaluación del servicio de la psicología de la situación
de duelo. Los resultados demostraron que el trabajo psicológico intensivo de luto sufri-
do por las familias todavía recibe poco apoyo de las instituciones sociales y la psicología
de la salud, no obstante es un trabajo que puede desempeñar un papel clave a lo largo
de estas familias con el fin de prevenir el trauma futuro, para evitar el duelo patológico
y los embarazos correctivas.

Palabras clave: muerte perinatal; luto; psicología de la salud; maternidad; estudio


cualitativo.

O presente artigo busca investigar as consequências do óbito perinatal e o signifi-


cado da perda para famílias enlutadas, assim como avaliar a intervenção psicológica
em situações de luto perinatal. A concepção de maternidade, que permeia o imaginá-
rio social, está diretamente relacionada aos termos nascimento, alegria, começo, vi-
da... (Maushart, 2006). Entretanto, existem situações em que ocorrem intercorrências
no ciclo gravídico puerperal, o que se contrapõe a essa imagem social da maternidade
(Maushart, 2006). Paradoxalmente, a morte é um evento que ocorre mais frequente-
mente na maternidade do que gostaríamos de supor (Iaconelli, 2007). Apesar disso,
poucos são os estudos que se debruçam sobre esse tema e orientam como deve ser o
manejo de pais que perdem seus bebês no contexto no qual esperariam ganhá-los.
A dificuldade de elaboração do luto decorrente do óbito fetal ou de recém-nasci-
do, chamado genericamente por Iaconelli (2007) de luto perinatal, expressão que será
assumida neste artigo, é vivenciada pela sociedade como algo que deve ser evitado.
Opta-se pela negação e racionalização, sem o contato com a angústia. Assim, as rea-
ções das pessoas à notícia da perda de um bebê são sentidas e interpretadas pelos pais
como, no mínimo, desconcertantes.
A morte de um filho antes ou logo depois do nascimento rompe com a ordem na-
tural da vida, assim como interrompe os sonhos, as esperanças, as expectativas e as
esperas existenciais que normalmente são depositados na criança que está por vir. Nas
palavras de Torloni (2007, p. 297), “A morte de um feto é a morte de um sonho”.
Além de Freud (1976) e Kübler-Ross (1998), observa-se um crescente número de
estudos (Gesteira, Barbosa, & Endo, 2006; Kovács, 2008) sobre a relação das pessoas
com a morte, enfocando normalmente os processos de luto. Ainda assim, poucos estu-
dos focam o luto perinatal, por este ser constituído por temas interditos e negados.
Ressalta-se que o luto perinatal merece uma atenção especial, visto que é uma perda
não plenamente reconhecida, que não é abertamente apresentada, e muito menos
socialmente validada (Gesteira et al., 2006), pois há algo da perda desse objeto que

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Júlia Costa Muza, Erica Nascimento de Sousa, Alessandra da Rocha Arrais, Vera Iaconelli

não se oferece à percepção, ou melhor, parafraseando Freud (1976), não se vislumbra


o que foi perdido no objeto e com o objeto. Observamos que as reações das pessoas à
notícia da perda de um bebê são sentidas e interpretadas pelos pais como, no mínimo,
desconcertantes. Segundo Iaconelli (2007, p. 5), as mães por vezes ouvem: “Calma,
você é jovem e poderá ter outros filhos”, “Volte para casa e desmanche o quartinho”,
“Foi melhor assim...”, o que pode trazer repercussões consideráveis àqueles que não
tiveram a oportunidade de vivenciar essa perda de forma mais saudável.
A perda de qualquer ordem gera o sentimento de luto. Gesteira et al. (2006) defi-
nem o luto como uma reação normal e esperada quando um vínculo é rompido, e sua
função é proporcionar a reconstrução de recursos e viabilizar um processo de adapta-
ção às mudanças ocorridas em consequência das perdas. Bromberg (1999 como citado
em Gesteira et al., 2006) ressalta a existência de alguns fatores que geram o processo
de luto: fatores internos, estrutura psíquica do enlutado, histórico de perdas anterio-
res, circunstâncias da perda, crenças culturais e religiosas, e apoio recebido.
Elisabeth Kübler-Ross (1998) foi uma pioneira no sentido de sistematizar o processo
de perda em estágios: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação.
Entretanto, outros autores, como Simonetti (2004), entendem que o luto não é apenas
um processo de sucessivas fases, mas também um carrossel de reações e sentimentos
que se alternam de diferentes maneiras em cada situação de perda.
Freud (1976, p. 277-278) aponta que “o luto é trabalho psíquico que não requer
tratamento”. Para que o luto seja realizado, o autor indica algumas condições que o
psiquismo vai concretizando com a ajuda do tempo, como superinvestimento e poste-
rior desinvestimento de cada lembrança que diga respeito ao objeto, teste de realida-
de, reconhecimento social da dor do sujeito e elaboração da ambivalência (Iaconelli,
2007). Vejamos como essas situações se aplicam ao luto perinatal.
Para a mãe, a construção do vínculo com o filho sonhado precisa preceder a che-
gada do bebê, e é desse material que emerge a vinculação com o filho. Quanto ao
teste de realidade, a tendência cultural é de desaparecer com vestígios da existência
do bebê em casos de má-formação grave. Assim, “a mãe busca reconhecimento do
filho perdido, enquanto que, para as pessoas que a acompanham, fica difícil vislum-
brar o que ela perde” (Iaconelli, 2007, p. 6). Portanto, a elaboração do luto pela morte
de uma criança antes de seu nascimento tem uma dinâmica diferente, pois “a constru-
ção de vínculos afetivos fortes e de recordações de convivência mútua fica impossibi-
litada, uma vez que lembranças não podem ser evocadas posteriormente e a ausência
da criança é profundamente sentida, como se fosse retirada parte do corpo” (Duarte
& Turato, 2009, p. 487). Além disso, Duarte e Turato (2009, p. 487) complementam a
ideia afirmando que “essa ausência de lembranças também pode trazer a sensação de
que a criança foi alguém que não existiu”.
O processo de luto parental é parte integrante do processo de luto familiar, afetan-
do todos os outros subsistemas e sendo afetados por eles. O luto parental por si só já
é um fator de risco para o desenvolvimento de um luto complicado (Caselatto, 2002
como citado em Silva, 2009). A ameaça básica que paira sobre a função parental pode

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Quando a morte visita a maternidade: atenção psicológica durante a perda perinatal

gerar consequências drásticas, como inabilidade provisória ou permanente para o


exercício dessa função ou ainda um isolamento social irrestrito e de duração inde-
terminada. Sob a perspectiva parental, não existe uma idade menos traumática para
a morte de um filho, e estudos da área apontam que sentimentos como frustração,
decepção, revolta, tristeza, culpa e choro são comuns aos pais e familiares (Santos,
Rosenburg, & Buralli, 2004).
De acordo com Bartilotti (2007), não é incomum que o luto perinatal desmantele o
entendimento do papel feminino que passa a ser acompanhado pelo desprezo, pela
inadequação e por um profundo sentimento de ineficiência. Normalmente é um “gol-
pe” para a autoestima da mulher, para sua capacidade maternal e para sua femini-
lidade. Entende-se que a “criança morta” também é “mãe morta”, pois a construção
do papel de mãe e a identidade materna que se constrói lentamente com a gesta-
ção são, de forma abrupta, interrompidas. E com isso, pela impossibilidade de gestar
o próprio filho, despontam sentimentos de intenso fracasso, incapacidade e inferiori-
dade (Bartilotti, 2007).
Essa mesma autora analisa uma prática comumente observada que diz respeito a
“poupar” e/ou supervalorizar a fragilidade da mãe em detrimento da expressão dos
sentimentos, igualmente presentes, por parte do pai. Segundo Maldonado (1986),
com frequência o pai é bruscamente comunicado da morte do bebê, com raros mo-
mentos em que lhe é permitido “desabar” e demonstrar a dor de ter perdido o filho.
Ou seja, o pai é colocado em contato com a realidade, normalmente de forma pouco
cuidadosa, mas não costuma encontrar acolhida para expressar de forma honesta a
própria dor.
Observa-se ainda que a dificuldade de elaboração da perda de um filho que nem
“chegou a nascer” é comumente intensificada pela falta de apoio social. Iaconelli
(2007) ressalta que, no luto perinatal, nem sempre é escutado o desejo dos pais de
realizar procedimentos ritualísticos que fazem parte das demais perdas por morte
e, quando são realizados, não deixam de criar certo constrangimento. Essas diferen-
ças no tratamento desses casos revelam uma impossibilidade de atribuir à morte de
um bebê (pré ou pós-termo) o status de morte do filho. Quando os rituais são realiza-
dos – em caso de luto pós-termo, por exemplo –, ainda assim, os pais costumam ouvir
declarações de que seus bebês são substituíveis e sofrem pressão para acelerar o tra-
balho do luto. A questão é que a impossibilidade de enxergar o lugar psíquico de
onde emerge um filho faz com que as mínimas condições para a elaboração desse tipo
de luto tendam a ser desconsideradas.
Ainda segundo Iaconelli (2007), o luto de um bebê recém-nascido carrega em
si um aspecto de inerente incomunicabilidade e atrai, por sua vez, olhares de incom-
preensão. A morte do filho inverte as expectativas das perdas pressupostas na vida –
morte dos pais, dos mais velhos –, deixando os pais sem referências temporais. Há
algo do mais profundo desamparo nessa vivência. Não há como inscrever essa perda
no psiquismo, pois ela é sistematicamente desautorizada pelo outro. Não há como

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compartilhar desse luto no senso comum da modernidade, ficando os pais duplamente


desamparados: pelo bebê e pelos adultos.
Assim, diante de toda repercussão que o luto perinatal pode acarretar para os pais,
familiares e até mesmo equipe de saúde, entende-se como fundamental a presença da
psicologia. Muitas vezes a equipe de saúde evidencia seu despreparo para lidar com a
dor e a angústia do outro, principalmente pelos próprios conflitos que possui na rela-
ção com a morte ou com a eminência desta (Bartilotti, 2007). O psicólogo é o profis-
sional que tem preparação para viabilizar a expressão do luto.
“A psicologia entende que para dissipar a dor psíquica de uma perda, é necessário
que ela seja dita, vivida, sentida, refletida e elaborada, mas nunca negada” (Gesteira,
et al., 2006, p. 465). Contudo, há um tempo para todo esse processo se constituir que
não pode ser apressado nem pela família e nem pela equipe de saúde. Na verdade,
o tempo tem de ser usado para melhorar a capacidade do enlutado de elaborar a
perda do bebê.
Segundo Carvalho e Meyer (2007), um dos papéis da psicologia diante de inter-
corrências como o luto perinatal é desafiar a mentalidade da morte como tema in-
terdito, buscando identificar as vulnerabilidades e o alto risco dos pais que perderam
seus filhos. Cabe à psicologia ajudar os pais e familiares a se apropriar da situação
que estão vivendo, de modo que, posteriormente, eles consigam falar do fato ocorri-
do, assimilá-lo e, algum tempo depois, aceitá-lo. De acordo com Gesteira et al. (2006),
os rituais fúnebres ajudam no processo de luto, pois a recuperação é centrada na
aceitação, e o velório permite que as pessoas se despeçam e que o enlutado seja
considerado como tal.
Abordagens terapêuticas que possibilitam ajudar os pais no processo de perda do
filho, bem como torná-la mais real, consistem em permitir que os pais visitem o re-
cém-nascido, toquem-no, caso queiram, e recolham lembranças possíveis (Bartilotti,
2007). Essas estratégias favorecem a saúde psíquica – que é o objetivo primordial da
psicologia hospitalar – de muitos casais e de seus futuros bebês.

Método
Este trabalho pautou-se pelo método qualitativo, que procura estudar fenômenos
nos termos das significações que as pessoas trazem para estes, como afirmam Lüdke e
André (1986). Segundo Turato (2003), os métodos qualitativos caracterizam-se pela bus-
ca dos significados dos fenômenos humanos, tendo o ambiente natural do sujeito como
campo de observação e o pesquisador como parte do próprio instrumento de pesquisa.

Participantes
Participaram desta pesquisa cinco famílias que vivenciaram o óbito perinatal em
uma maternidade particular de Brasília. Para assegurar a privacidade e garantir o sigi-
lo dos participantes, utilizou-se nome fictício para os bebês e suas famílias. No caso da

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Quando a morte visita a maternidade: atenção psicológica durante a perda perinatal

família Lopes, que constatou o óbito com 32 semanas de gestação, o pai, a mãe, as
avós paterna e materna, os tios e primos do bebê, aqui chamado de Pedro, receberam
atendimento. Na família Silva, que perdeu o bebê com 23 semanas de gestação, foram
atendidos o pai e a irmã da criança, Paulo. Na família Machado, que perdeu o bebê
com 31 semanas de gestação, apenas o pai do bebê Maria foi atendido pela psicolo-
gia. Na família Sinval, óbito com 30 semanas de gestação, receberam atendimento a
mãe, o pai, as avós paterna e materna e as tias do bebê Luzia. No caso da família Pe-
reira, que perdeu o bebê com 34 semanas de gestação, atenderam-se os pais, as avós
materna e paterna e os tios do recém-nascido André.

Instrumentos
A fonte dos dados teve como base dois instrumentos: o prontuário psicológico e
uma entrevista semiestruturada. O prontuário psicológico é um documento no qual
se anotam a queixa principal, a descrição do caso, o parecer e a conduta do psicólogo
em todos os atendimentos sistemáticos realizados pelo serviço de psicologia da ma-
ternidade. A entrevista semiestruturada foi realizada pós-óbito com cinco questões
abertas, com o objetivo de avaliar o processo de luto e o trabalho da psicologia na
ocasião do óbito.

Procedimentos de coleta de dados


O projeto deste estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universi-
dade Católica de Brasília, sob Protocolo nº 268/10. Todas as famílias foram atendidas e
os atendimentos registrados nos respectivos prontuários pela psicóloga da referida
maternidade, que também fez parte da equipe de pesquisa. As demais pesquisadoras
tiveram acesso aos prontuários após o consentimento das famílias. Por meio de liga-
ção telefônica, foi explicada a pesquisa e agendada a entrevista na residência do casal
enlutado. Posteriormente, em um único encontro, foram realizadas as entrevistas pós-
-óbito com o casal e solicitou-se a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Escla-
recido (TCLE). As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra.

Procedimentos de análise dos dados


Os relatos contidos nos prontuários foram submetidos à análise documental, a qual
se assemelha muito à pesquisa bibliográfica, mas é diferente no que concerne à natu-
reza das fontes, conforme Lüdke e André (1986). Segundo Gil (1999), na pesquisa do-
cumental, os materiais não receberam ainda um tratamento analítico, tendo como
primeiro passo a exploração das fontes documentais.
A análise de conteúdo descrita por Bardin (1977) foi outro método utilizado neste
estudo para análise dos relatos dos prontuários e do conteúdo das entrevistas pós-
-óbito. Esse método que se baseia na fragmentação de um texto em unidades permite
identificar e reagrupar as unidades em categorias explícitas de análise textual para

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fins de pesquisa. A partir da leitura exaustiva dos prontuários e do conteúdo das en-
trevistas, identificaram-se cinco categorias, a saber: história da gestação: planejamen-
to e risco da perda, os pais diante da morte do filho, desejo de reparação, despedida
do bebê e avaliação do atendimento da psicologia na situação do luto.

Resultados e discussão
História da gestação: planejamento e risco da perda
Na população estudada, apenas uma das famílias participantes relatou que a ges-
tação não foi planejada. As demais afirmaram que as gestações foram desejadas e
idealizadas em algum momento da vida. Em todos os casos, houve acompanhamento
médico pré-natal.
Todas as mulheres foram submetidas a cesáreas, e a gravidez foi interrompida
quanto estavam entre a 23ª e 32ª semana de gestação. Natimorto é quando a morte
do bebê ocorre dentro do útero e neomorto quando a morte ocorre até o sétimo dia
do nascimento. Portanto, podem-se classificar, nesta amostra, dois natimortos e três
bebês neomortos. Vale salientar que, desde o momento em que o diagnóstico de óbi-
to perinatal é comunicado à família, profundas alterações ocorrem em todos os âm-
bitos das pessoas envolvidas, como mostra o seguinte relato:

Nós já estávamos pensando em ter filhos, mas não esperávamos que fosse tão sofrido e que ela teria
problemas. Se a gente imaginasse, nós teríamos adiado, até ela e eu ter um pouco mais de estrutura
emocional, porque a gente quando casa pensa em ter filhos. São sonhos (pai – família Machado).

Nos relatos apresentados a seguir, percebeu-se que, para a maioria das famílias, o
risco de perda na gestação esteve presente:

[...] eu já sabia que ele teria poucas chances de sobreviver [...] desde o início já estava complicado, era
muito arriscado, eu não imaginava que ela também corria risco [...] (pai – família Silva).

[...] nós já estávamos nos preparando, pois ela vem sofrendo muito, sempre com ameaça de aborto,
fica de repouso o tempo todo e mesmo assim [...] (pai – família Machado).

Apenas uma das famílias não vivenciou intercorrência durante toda a gravidez: “fomos extremamente
felizes nessas 32 semanas. Tudo ia correndo bem, sem dores. Ela nunca teve náuseas, dores [...] nada,
era só felicidade” (pai – família Lopes).

Os pais diante da morte do filho


A morte de um bebê, antes de sua chegada, propicia a frustração de muitos dese-
jos, fantasias e, sobretudo, rompe a possibilidade do exercício da maternidade e da
paternidade. Estudos afirmam que frequentemente, para as mulheres, a interpreta-
ção do papel feminino passa a ser de desprezo, inadequação. Em outras palavras, é um

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golpe para a autoestima da mulher, para a sua capacidade maternal e para sua femi-
nilidade (Soifer, 1992).
A constatação de um óbito perinatal traz consigo significativas repercussões emo-
cionais, que são agravadas por uma sobreposição de perdas: “criança morta” é tam-
bém “mãe morta” (Bartilotti, 2002). A edificação do papel de mãe e a identidade ma-
terna que vinham se desenvolvendo lentamente são interrompidas de forma abrupta
(Maldonado, 1986), e constata-se que, com a frustração materna, há o sentimento de
impotência e falha do pai, como podemos observar nos relatos apresentados a seguir:

Quando a minha filha nasceu viva, eu fiquei cheio de esperança [...] então, estou bobo [após consta-
tação do óbito] [...] procurando entender (pai – família Machado).

Do que adiantou tanta preparação [...] não consegui salvar o meu filho (mãe – família Lopes).

Vários sentimentos podem surgir diante dessa situação, desde culpa, tristeza até
raiva e hostilidade. É importante destacar que o intenso sofrimento psíquico diante da
perda do bebê (real ou imaginário) pode abrir caminhos para estados depressivos,
caracterizados pelo desejo de morrer, como meio de unir-se ao objeto do amor perdi-
do (Bartilotti, 2002).
Já quanto à implicação dessa perda no papel paterno, não foram encontrados rela-
tos sobre o tema na literatura pesquisada, o que não deixa de chamar a atenção, pois
isso evidencia o descaso em relação ao sofrimento do homem perante a perda sofrida:

Eu sempre quis ter um filho, seja homem ou mulher, acho que com ele eu vou saber o trabalho que dei
aos meus pais. Já estava me programando para ficar acordado (pai – família Machado).

Desejei tanto te dar [referindo-se ao bebê] ao meu marido. Ele te desejou ardentemente. Sei que você
seria melhor filho do que eu [...] (mãe – família Pereira).

Durante a gestação, ou seja, ainda na fase pré-natal, os pais podem ter três imagens
do seu filho: o bebê imaginário, o bebê real e o bebê fantasmático. O bebê imaginário
é aquele idealizado, uma combinação de impressões e desejos derivados da própria
experiência da mãe (Irvin, 1978). O bebê real é aquele que nasce (ou que morre). Nas
falas dos pais, pode-se observar a transição do bebê idealizado para o bebê real, que
nasceu morto, e consequentemente surge a imagem do bebê fantasmático.
O luto já começa logo depois que o bebê é expelido. Nesse momento, há o encon-
tro com a dura realidade. Dessa forma, faz-se necessário o desvencilhamento do bebê
ideal para o real, o que, de fato, pode ser potencializado com o encontro do corpo do
bebê e, posteriormente, com o reconhecimento social, ou seja, no caso de algumas
famílias, o enterro, ritual de despedida: “Não posso aceitar isso [morte do bebê], ja-
mais aceitarei [...]” (pai – família Sinval).
Quando se trata da perda perinatal, é muito comum a negação do sofrimento dos
pais, favorecendo o desmentido da perda e obstruindo a possibilidade de representação

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(Iaconelli, 2007). Atualmente, muitas pessoas enlutadas são encorajadas a deixar, de


forma prematura, a experiência do luto, sobretudo quando se trata do luto perinatal.
Dessa conduta, afirma Iaconelli (2007), poderão resultar dois fatores: o enlutado vi-
vencia seu luto isoladamente ou força-se a abandoná-lo antes de tê-lo completado, o
que pode prejudicar o psiquismo do indivíduo.
A raiva e a revolta são outros sentimentos comuns a quem está passando por
um luto:

Não sei o que eu sinto, se é só dor, se é raiva, se é revolta [...] não sei [...] (pai – família Lopes).

Se ele nasceu e estava bem, como isso pode ter acontecido? (pai – família Pereira).

Meu filho você é algo que está difícil digerir! (pai – família Silva).

O momento imediato à perda é repleto de fortes emoções, exigindo dos pais e de


sua família bastante força e coragem. Autores como Carvalho e Meyer (2007) afirmam
que os sentimentos mais presentes nessas famílias são de culpa, tristeza e raiva. De
acordo com Simonetti (2004), os estágios descritos por Kübler-Ross (1998) não são fi-
xos, não seguem uma ordem, pois eles estão inseridos em uma órbita; sendo assim, é
possível encontrar o sujeito enlutado em qualquer momento que não seja predeter-
minado na sequência: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
O impacto do luto de um bebê tem peculiaridades, principalmente quando é negado
e desconsiderado na sociedade em que se encontram os participantes deste estudo.
Definitivamente o luto perinatal não tem um reconhecimento social e muito menos
uma aceitação daqueles que o vivenciam, aspecto que traz preocupação, uma vez que
Freud (1976) reforça a importância do reconhecimento social da dor para que o proces-
so de luto possa ser realizado. Este relato exemplifica a atitude das famílias: “Todos nós
queríamos virar a página como se nada tivesse acontecido” (tia materna – família Lopes).
É importante que as famílias que perderam seus bebês se apropriem da situação
que vivenciaram, oportunizando, em um primeiro momento, o espaço de fala para
que aos poucos possam assimilar e aceitar o fato. Entende-se que, em um primeiro
instante, há um momento de choque, e, mesmo não sendo a hora ideal para tomar
decisões, é a hora de entrar em contato com alguns procedimentos. Novamente é im-
portante que quem esteja vivendo o luto, os pais normalmente, possam se apropriar
da situação, ter consciência do que estão passando (Carvalho & Meyer, 2007, p. 45),
pois assim poderão fazer escolhas de acordo com seus próprios limites. Com essa com-
preensão, reforça-se a necessidade de existirem profissionais capacitados que propor-
cionem esses espaços e os protagonismos dessas pessoas.

Desejo de reparação
Nos depoimentos apresentados anteriormente, contatou-se o desejo de reparação
perante o passado que os pais tiveram, quando estavam no papel de filhos, dando ao

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próprio filho um significado de recuperação de suas histórias. Nos relatos apresenta-


dos a seguir, pode-se observar como é comum pais e familiares criarem expectativas e
planos sobre as crianças antes mesmo de elas nascerem:

Esperei por isso durante tanto tempo, agora que eu ia curtir o meu neto, já havia feito altos planos,
uma vez que, quando tive meus filhos, trabalhava muito [...] (avô – família Lopes).

Maria Luiza era a primeira neta mulher por parte das duas famílias. Só existe menino homem. Imagina
o quanto a minha filha estava sendo esperada [...] (pai – família Sinval).

Todos nós queríamos que ele viesse e fosse um grande homem, ele deveria estudar e ser um grande
homem, servo de Deus. Nossa família tem muita gente certa, mas tem muitos errados, e eu orava todos
os dias para que ele fosse uma pessoa do bem [...] (pai – família Silva).

Nesses trechos, é possível identificar o que Melanie Klein (1996) chama de repara-
ção, uma vez que entende que o sujeito procura reparar os efeitos produzidos no seu
objeto de amor, nesse caso os bebês, por suas fantasias destruidoras que fazem parte
do imaginário materno. laconelli (2007) reforça que o narcisismo materno engloba
o objeto para depois, com a chegada do bebê, fazer o luto da fantasia, ou seja, todo o
investimento, as idealizações e reparações são realizados ou desconstruídos com o nas-
cimento da criança, e, se ela não faz mais parte da realidade dessa família, abre-se uma
lacuna que precisa ser preenchida com o decorrer do processo de luto.

Despedida do bebê
O momento de despedir-se do bebê é muito importante para o reconhecimento
da perda do filho (Bartilotti, 2007). As outras formas de reconhecer esse bebê que
faleceu e valorizar o sofrimento das pessoas que o perderam consistem na nomeação
da criança, na decisão de ter ou não contato com ela, mesmo que morta, no reco-
lhimento de lembranças possíveis, entre outros (laconelli, 2007). No relato dos par-
ticipantes da pesquisa, percebe-se que as famílias que tiveram a oportunidade de
despedir-se do bebê experimentaram uma gratificação e um reconhecimento do que
viveram, o que possivelmente fará muita diferença em seu processo de luto:

Amor, você deveria ver o seu filho [...] o quão lindo era ele [...] estava perfeito, você deveria vê-lo. A
doutora me explicou e me ajudou a vê-lo; se você quiser ela, também te ajuda, mas você é livre [...]
Amor [...] vai ser melhor para nós [...] eu já me sinto aliviado (pai – família Lopes).

Só posso te acariciar, meu filho [...] afinal agradeço a Deus a oportunidade que Ele me deu de ter você,
mesmo que por pouco tempo [...] (pai – família Pereira).

No caso dos pais que não tiveram a mesma oportunidade, percebe-se uma lacuna
que possivelmente irá trazer dificuldade no processo de elaboração da perda:

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Não vi o meu filho; se eu tivesse visto meu filho, ainda que morto, eu ia gostar, ainda que deficiente,
ele era o meu filho. Deus que me deu [...] mas, como não foi possível, só escuto o que o meu marido
fala sobre ele [...]. Mas é que eu sinto muita tristeza e às vezes raiva. Se eu tivesse visto ele ao menos,
acho que teria sido melhor (mãe – família Silva).

Oportunizar o encontro e proporcionar comunicação e contato dos familiares com


esses bebês permite o teste de realidade (Freud, 1976), o que pode incentivar essas
pessoas a lidar com o bebê real e a enxergar o lugar psíquico que essa criança ocupava.
De acordo com a Iaconelli (2007), esses procedimentos, quando em conformidade com
o desejo dos pais, permitem desconstruir todo o investimento subjetivo que foi feito
no bebê (Klein, 1996), proporcionando o momento de reconhecimento do lugar do
bebê falecido e assim comportando condições para a elaboração da perda:

É preciso ver para acreditar no que está acontecendo (pai – família Machado).

Eu queria que ele, o Lucas, fosse enterrado em um caixão bem bonitinho e com aquela roupa que foi
comprada nos Estados Unidos. Meu Deus, leva ele logo daqui, já que não vou poder amamentar [...] o
que adiantou tanta preparação [...] não consegui salvar o meu filho (mãe – família Lopes).

Não tive tempo de conversar com ele, pois eu queria tanto, tanto esse filho, que tudo o que as pessoas
diziam para eu fazer eu fazia, conversava com ele, mesmo sem ter o nome definido, nós já íamos esco-
lher o nome para eu conversar melhor, mas nem isso eu pude fazer [...] (mãe – família Silva).

Como já mencionado anteriormente, para dissipar a dor psíquica de uma perda, é


necessário que ela seja dita, vivida, sentida, refletida e elaborada, mas nunca negada
(Gesteira et al., 2006). Outro aspecto que também ajuda no processo do luto são os ri-
tuais fúnebres, porque a recuperação é centrada na aceitação, e o velório permite que
as pessoas se despeçam e que o enlutado seja considerado como tal. Para a Iaconelli
(2007, p. 616), no luto perinatal, normalmente não há espaço de escuta para o desejo
dos pais quanto à realização de procedimentos ritualísticos que fazem parte das de-
mais perdas por morte e, quando são cumpridos, não deixam de criar certo constrangi-
mento: “Estas diferenças no tratamento destes casos revelam uma impossibilidade de
atribuir à morte de um bebê (pré ou pós-termo) o status de morte de um filho”.

Avaliação do atendimento da psicologia na situação do luto


Em geral, a população que experiencia essa realidade é negligenciada e desconside-
rada socialmente, uma vez que até a própria instituição hospitalar não viabiliza a ex-
pressão do luto, o desamparo social ao óbito perinatal já se inicia nesse espaço, onde
médicos e enfermeiros veem essa perda como um fracasso da medicina, oportunizando
espaço apenas para os sentimentos de frustração e impotência (Santos et al., 2004).
Carvalho e Meyer (2007) afirmam que conhecer os aspectos a serem enfrentados
nessas situações traz a possibilidade de prestar um melhor auxílio e acompanhamento,

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o que se constitui em ação preventiva quanto ao desenvolvimento de dificuldades


emocionais posteriores. No relato dos participantes do estudo, observaram-se o reco-
nhecimento e a oportunidade de falar sobre a perda do bebê e o fato de os pais serem
acolhidos e reconhecidos em sua dor:

Me ajuda, doutota [refere-se à psicóloga], entender tudo isso, me ajuda [...] (mãe – família Lopes).

Obrigado por acolherem a minha raiva [fala direcionada para a psicóloga], estou para ter um infarto
[...] (pai – família Sinval).

Os profissionais da equipe de saúde que se propõem a ajudar essa população pre-


cisam saber manejar os momentos iniciais de um luto, tanto no que se refere aos sen-
timentos dos pacientes diante do fenômeno da morte como aos seus próprios senti-
mentos (Carvalho & Meyer, 2007). Tanto nos relatos do presente estudo quanto na
revisão da literatura, percebe-se que normalmente é atribuída ao psicólogo a função
e a capacidade de facilitar o contato com a difícil realidade e de proporcionar um es-
paço de expressão das emoções e dos sentimentos, favorecendo assim uma maior pos-
sibilidade de elaboração do luto do filho perdido:

Hoje eu posso dizer que, se não fosse vocês [refere-se à psicologia], pegar [o bebê] nos braços e tudo
aquilo seria muito pior (mãe – família Sinval).

Obrigada por oportunizar que eu segure o meu filho nos braços [...] só tenho a agradecer por esta
despedida, mesmo sendo de uma forma que nós nunca imaginávamos [...] a gente fica louca, nem
sabe o que diz, eu queria sair correndo, nem pensava em segurar [...] e Deus manda vocês (mãe – fa-
mília Pereira).

Não sei o que dizer, mas muito obrigado porque pude segurá-lo ainda que morto [...] (pai – famí-
lia Lopes).

Nos relatos referentes aos atendimentos imediatos ao óbito dos bebês, não foi
possível perceber diferenças de gênero no que diz respeito à forma de lidar com o
sofrimento. O que se mostrou mais significativo foi o quanto o atendimento imediato
aos familiares influenciará na forma como vão vivenciar o luto a partir de então. Aju-
dar os pais e familiares a se apropriar da situação que estão vivendo promove um es-
paço de expressão da dor, de modo que eles possam, aos poucos, assimilar a perda e,
enfim, aceitá-la (Carvalho & Meyer, 2007).
Diante dessa realidade, é possível identificar a necessidade de uma rede social de
apoio no sentindo de ajudar essas famílias a superar a experiência vivida com tanto
sofrimento. Iaconelli (2007, p. 622) afirma que grupo de pais pode ser um tratamento
muito eficaz para evitar um luto patológico, pois “compartilhar a dor com outros pais
enlutados tem sido uma forma de encontrar escuta do vivido e construir representações
que deem conta da perda”. Embora se trate de cuidados de longo prazo, precisam ser

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incentivados nos atendimentos imediatos ao óbito fetal. A seguir, apresentam-se al-


guns relatos sobre o reconhecimento da rede social:

[As avós abraçam o casal Sinval, que agradece a presença delas] Vocês são para a nós o nosso grande
alicerce! (pai – família Sinval).

Sei que o meu sobrinho cumpriu a sua missão. Ele veio para nos mostrar o quanto somos uma família
unida, e, mais uma vez, reforça o que nos foi passado por nossos pais que a família é o grande porto
seguro. Por isso que nos estamos aqui (irmã – família Lopes).

O presente estudo, de natureza qualitativa, permitiu uma aproximação da compreen-


são do significado da perda perinatal vivenciada por cinco famílias, alcançando os
objetivos propostos. Por meio dos relatos, entendeu-se como a perda perinatal é avas-
saladora para as famílias enlutadas, principalmente quando não têm um apoio social
e profissional. Este estudo também proporcionou uma avaliação positiva da interven-
ção psicológica em situações de luto perinatal.
No decorrer da pesquisa, foi possível identificar diversas potencialidades que este
trabalho suscitou como: a valorização do sofrimento das famílias enlutadas e o re-
conhecimento do profissional da psicologia nesse processo de perda, oportunizando
assim espaço de escuta. A pesquisa também buscou desmistificar a morte, especifi-
camente de um óbito perinatal, alertando para as repercussões emocionais que um
sujeito pode carregar se não houver o cuidado merecido, ainda que este não tenha
sido o foco da pesquisa. Percebe-se que houve ainda o reconhecimento da psicologia
tanto para as pessoas que receberam o atendimento como para a própria equipe, re-
conhecendo a sua importância e relevância no espaço da maternidade. Outro ponto
do estudo que merece destaque consiste no cuidado com o sofrimento de todos os
envolvidos na perda perinatal, inclusive o pai, normalmente excluído na maioria dos
estudos e do atendimento.
O fato de este estudo ter um número reduzido de casos, que é próprio da pesquisa
qualitativa, possibilita uma análise mais aprofundada da singularidade de cada história
e, com isso, favorece a reflexão e o aprendizado para todos os envolvidos. Sugere-se
que estudos com um número maior de famílias sejam realizados, a fim de identificar
a presença desses achados de maneira mais generalizada e consistente.
Para finalizar, destaca-se o impacto que este estudo pode gerar para a psicologia
hospitalar, pois exige uma importante mudança de paradigma, oferecendo um acolhi-
mento humanizado, independentemente do atendimento oferecido, seja ele em um
contexto público ou privado. Ficou evidente a necessidade do acompanhamento das
famílias que tiveram perda perinatal nos serviços de saúde por uma equipe multipro-
fissional, que inclua o psicólogo hospitalar. Ressalta-se, também, a importância de
uma rede de apoio para famílias que vivenciam esse problema, que pode e deve ser
estimulada pela atuação do psicólogo hospitalar que atua no tripé “paciente, família
e equipe de saúde”, podendo inclusive oferecer grupos de apoio pós-óbito.

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O papel do psicólogo nesse contexto é de “prevenção” de possíveis psicopatologias


relacionadas à vida ou morte do bebê, além de esclarecimento e atenção às fantasias
dos pacientes. Nesse caso, o trabalho deve ser feito não somente com as mulheres
mães, mas também com o pai, a família e a equipe de saúde. A elaboração do luto da
perda de um bebê precisa ocorrer de forma a devolver a saúde mental e a reestrutu-
ração psíquica a todos os que sofreram com essa perda.

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Submissão: 06.03.2012
Aceitação: 09.08.2013

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