A idealização da maternidade perfeita
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Sobre este e-book
A obra traz apontamentos desde a gestação e nascimento do filho (Capítulo 1), aspectos conceituais das fases do desenvolvimento infantil (Capítulo 2), o conceito e caminho para os pais lidarem com a frustação (Capítulo 3), a birra, seu entendimento para o desenvolvimento infantil e estratégias para os pais lidarem (Capítulo 4), as regras, sua importância e estratégias para seu desenvolvimento com os filhos (Capítulo 5), as habilidades de vida voltadas à tarefa de cuidar de crianças e adolescentes (Capítulo 6), o filho 'perfeito', como ideação dos pais e sua necessária desconstrução para lidar com o filho real (Capítulo 7), o papel da psicologia e do psicólogo frente às demandas associadas aos cuidados com os filhos (Capítulo 8) e apontamentos sobre cuidados às mães (Capítulo 9).
O livro "A idealização da maternidade perfeita" é uma obra que pode contribuir para reflexões e mudanças de comportamento daqueles que buscam educar suas crianças e adolescentes de forma a atender suas necessidades de afeto e cuidados, mas também de estruturação de ambiente familiar propício ao desenvolvimento saudável de todos os envolvidos.
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A idealização da maternidade perfeita - Leide Silva do Carmo
CAPÍTULO 1: NASCE UM FILHO
Da gestação ao nascimento
Por trás de uma gestação existe uma história, seja uma gravidez planejada ou de surpresa. A gravidez desejada pode decorrer do processo natural de engravidar ou ocorrer por meio de tratamentos. Esses fatores influenciam sobre todo o percurso dos longos nove meses, haja vista que, em uma gestação que precisa de tratamentos, consequentemente é normal que se tenham expectativa maior e índice de preocupações elevado, devido a todos os trâmites e situações que enfrentaram para chegar ao ‘positivo’. Já na gravidez de surpresa, como não foi planejada, o contexto vai depender dos recursos internos que esses pais têm para absorver tal notícia.
Na gravidez, a mulher passa por diversas modificações fisiológicas, como alterações hormonais, aumento de peso, surgimento de estrias, alteração de apetite, privação do sono, dores lombares, dificuldade respiratória, frequência urinária, azia, inchaços, entre outras. Pode-se descrever que gravidez não é doença, mas causa mudanças, também em requisitos psicológicos, como incertezas, medos, angústias, além de que, muitas vezes, as relações sociais começam a se tornar restritas, uma vez que tais mudanças podem ocasionar nova rotina.
Ao longo da gestação, os pais precisam começar a se preparar para receber esse novo membro. E obviamente, se a gravidez tiver complicações, iniciam-se as frustrações; caso contrário, é esperado que se tenham expectativas sobre o sexo do bebê. Ao descobrir se é uma menina ou um menino, inicia-se o processo de anseio em relação à sua chegada, principalmente quanto a como vai ser fisicamente e com quem vai ter semelhança.
Vale ressaltar que todas essas colocações vão depender da relação do casal. Se eles estiverem em clima de sintonia, consequentemente conseguirão desfrutar desses momentos; se não, os problemas dominarão, e esses acontecimentos vão se tornar insignificantes.
Quanto à gestante, infelizmente a mulher tem que enfrentar diversas opiniões alheias, que não acrescentam em nada, mas que podem gerar angústia e preocupação, como:
‘Sua barriga está muito pequena’.
‘Sua barriga está enorme, será que não são gêmeos?’
‘Não está perto de nascer? Está muito caída sua barriga’.
‘Aproveite para dormir agora’.
‘Passeie bastante, pois depois vai viver para o bebê’.
‘Vai amamentar? Sabia que dói?’
‘Já decidiu como vai ser o parto? Precisa se programar’.
‘Mas já não era para o bebê ter mexido?’
‘Seu médico sabe que está comendo isso?’
‘Este nome que escolheu é comum’.
Essas frases, para uma gestante em equilíbrio, podem ser insignificantes, apesar de inconvenientes, mas, para alguém que esteja passando por desgaste e fragilidade emocionalmente, podem favorecer para elevar os seus medos. Afinal, está vivenciando uma decisão que será para SEMPRE.
Quando o bebê nasce, os pais em harmonia se encantam e se embelezam com o novo ser. No entanto, quando se deparam com a notícia de que seu filho não está bem de saúde, todo o cenário muda, as preocupações e frustrações dominam e inicia-se o sentimento de impotência e incerteza.
Aquele momento mágico, que todos idealizam, não é tão mágico. O encantamento diminui, pois, na maternidade real, uma mãe se depara com o processo de dores e de assimilação com seu corpo, e ela brutalmente precisa sair do papel de cuidada para cuidadora.
A expectativa de toda mãe é que seu filho nasça, vista os conjuntos de roupas e juntos vão para casa encontrar o restante da família, que os espera com todo o carinho. Mas a situação muda quando se trata de um bebê prematuro, pois muitas vezes ele precisa ficar na UTI por dias ou até meses internado, e todo aquele momento aguardado não acontece. Começa-se, então, a ter uma nova perspectiva de vida e entende-se que questões como com quem o bebê vai parecer fisicamente são insignificantes, e a maior preocupação passa a ser com a VIDA.
Também é um momento em que as expectativas são quebradas e surgem pensamentos como ‘ninguém me contou sobre isso’, ‘diziam que a maternidade era linda’, ‘que tudo era encantador’, ou outros como ‘é difícil amamentar’, ‘é dolorido’, ‘os pontos na barriga doem’, além da sensação de medo, de que não vai conseguir. Mas a única certeza é a de que o instinto não vai falhar.
Sentimento de SER MÃE
Quando esse novo membro chega à sua casa, ele precisa de atenção, carinho e cuidado. Sendo assim, os pais terão que dividir o tempo das obrigações com o bebê; é quando se inicia uma etapa de desafios e descobertas, em que os pais e a criança aprendem juntos.
Dizem que, quando nasce um bebê, renasce a mãe. Essa frase vai além, pois ser mãe é descobrir que se tem uma potência de força, que nunca se sente cansada para o filho – ou melhor, não pode sentir, pois existe um ser dependente, e começa-se a entender que suas necessidades não são prioridades. Aliás, o corpo continua pedindo e precisando ser cuidado, mas esta mãe não se importa, pois acaba de nascer uma parte dela.
Assim, muitas mães vão ao banheiro com o bebê no colo, ficam semanas sem lavar o cabelo, as unhas ou a maquiagem ficam em quinto plano, têm choros contidos, o almoço quente se transforma em refeições geladas e curtas. Vivem ali para seu bebê, e esse ciclo inicial pode se tornar perigoso, pois como MULHER a mãe também tem suas necessidades.
Mas isso tudo pode ficar para depois, e esse depois vai passando, até que se entra no processo de perda do ‘Eu’. Logicamente que aquele ‘eu’ antigo não existe mais. Agora descobre que o amor supera tudo. Sabe aquele ditado o amor suporta tudo
? Pois é, nesse caso suporta. Esta mãe passa a noite com cochilos e no outro dia tenta estar disposta para a vida, continuar a rotina. Passam-se os meses, e começa-se a entender que é preciso resgatar alguns outros papéis, como o de se cuidar, de ter um momento para si. E esse reencontro consigo mesma pode ser difícil, pois dentro de si há uma cobrança imensa, como a que ser mãe é não poder se sentir cansada nem reclamar (algo que a sociedade impõe, mas que não é verdade).
Ser mãe é amar seu filho de uma forma inexplicável, mas vai se sentir cansada, esgotada, com necessidades e com vontade de estar sozinha. E isso não tem nenhuma relação com o amor. São só os outros papéis ‘gritando’ no interior desta mãe. Então, vão ter dias em que vai sentir que não vai dar conta, que a qualquer momento vai perder o controle e que suas forças vão acabar. Mas continua a luta, fazendo tudo o que precisa ser feito. Vale lembrar que romantizar a maternidade é um fator cultural, mas que na realidade ela é marcada por dores, angústias e sensações de que a qualquer momento tudo vai desmoronar. Também, a maternidade não é igual para todos, afinal cada criança funciona de uma forma e cada família tem sua maneira de criação e tem um funcionamento: algumas famílias pagam babá, outras escolhem não ter uma, ou simplesmente não têm o recurso financeiro para tanto, e outras contam com o suporte dos familiares.
As pesquisas de Campos e Féres-Carneiro (2021) descrevem as falas das mães participantes, e fica nítido o sofrimento associado a esse momento, em que a mulher se vê diante do dilema de precisar desenvolver a função de cuidadora enquanto se sente frágil e deseja ser amparada. Ao mesmo tempo, a sociedade cobra que é preciso estar apta a desenvolver sua função materna, além de que a idealização desse período interliga maiores sofrimentos.
Algumas mães moram perto de familiares que fornecem o apoio, e outras moram longe e não têm essa acessibilidade. Esses aspectos mudam todo o cenário. O papel da mãe é árduo, pois está descobrindo o que é melhor para seu filho, processo que gera cobranças diariamente. Quando o filho dorme, muitas vezes essa mãe não relaxa e começa a gerar pensamentos como ‘se fez o suficiente’, ‘que deveria fazer melhor’, ‘que não é uma boa mãe’. São tantos pensamentos irreais de culpa, ou seja, autossabotadores.
Um filho é aquele único ser que os pais amam tanto, que lhe dá a capacidade de fazer e ir além do impossível, até tentar omitir as dores de um pós-parto e os hormônios explodindo dentro desta mãe. Esse ser não precisa fazer nada. Só de existir, a mãe o ama, o que torna tudo lindo, marcante, intenso e faz florescer o amor a cada dia. E ainda, se perguntarem se ela passaria por tudo novamente, diz que sim. Ou seja, a maternidade é doação, algo que leva ao extremo, entre o lindo e o medo.
Ser mãe é sentir-se numa ‘montanha russa’, entre o mágico e o horrível, e ainda ter medo de se expressar e ser julgada, pois vai haver uma sociedade crítica dizendo