Propedauton

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 17

PROPOSTA PEDAGÓGICA E

AUTONOMIA DA ESCOLA

Novos Paradigmas Curriculares


e
Alternativas de Organização
Pedagógica
na
Educação Básica Brasileira

Guiomar Namo de Mello - Coordenadora


Maura Chezzi Dallan - Colaboradora
Vera Grellet - Colaboradora

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO PARANÁ


SETEMBRO DE 2000

1
“O projeto pedagógico da escola é apenas uma
oportunidade para que algumas coisas
aconteçam e dentre elas o seguinte: tomada de
consciência dos principais problemas da escola,
das possibilidades de solução e definição das
responsabilidades coletivas e pessoais para
eliminar ou atenuar falhas detectadas. Nada
mais, porém isso é muito difícil.”
José Mario Azanha

I. INTRODUÇÃO
Todos os setores e todas as profissões do mundo inteiro passam por um
período de grandes transformações. Vivenciamos globalmente um novo
momento: a mudança de paradigma.

Um conjunto de inovações determinou o advento de um novo


paradigma, ao qual o italiano Domenico de Masi1 dá o nome de
digitalidade. Segundo ele, “um número crescente de pessoas
aderentes a este paradigma apresenta um modo de viver
completamente novo em relação àquele que por dois séculos
caracterizou a sociedade industrial. Estas pessoas formam uma massa
volumosa e homogênea, separada em relação a todos aqueles que não
são digitais.”

Um novo perfil de sociedade e de profissionais está se delineando como


conseqüência desse impacto da tecnologia da informação que atinge a
todos nós. Isso acontece em tal velocidade, que nos deixa perplexos e
ao mesmo tempo nos obriga a rever nossos valores e a nos
reposicionarmos como pessoas, como profissionais e como cidadãos do
mundo. Sabemos que se não entrarmos na era do conhecimento e da
digitalidade perderemos o compasso do mundo moderno. Mas como
vamos educar nossos jovens para que se constituam indivíduos
competentes, criativos, com personalidade própria, com ética, que
saibam se posicionar frente às dificuldades, decidir o que é melhor para
si e para outros e viver em coletividade? Que conteúdo e que
metodologias darão conta dessa tarefa? Sabe-se mundialmente que há
um descompasso entre o conteúdo ensinado e o conteúdo aprendido.
1
Ver artigo “Se a vida sofre mudanças, também a escola deve mudar” na íntegra em anexo.
Revista Telèma nº 12, Primavera 1998, traduzido e publicado pela Revista Digital Polo, RS.

2
Que a forma como ensinamos privilegia a memorização, o acúmulo da
informação pela informação, sem dar a ela um sentido e uma
aplicabilidade real. Que ao sair da escola o conteúdo aprendido já está
ultrapassado. Que a escola não dá e não dará conta de prever um
conhecimento que esteja em permanente sintonia com as constantes
transformações tecnológicas.

A resposta da comissão internacional de educação da UNESCO aponta


um caminho:
• Desenvolver competências para que o aluno possa continuar
aprendendo ao longo da vida.
• Competências e habilidades para ser um indivíduo com
personalidade própria e ao mesmo tempo coletivo, solidário,
tolerante e que seja flexível frente às mudanças.

Para isso sugeriu quatro pilares da educação como princípios


norteadores das políticas educacionais do mundo todo:

 Aprender a conhecer
 Aprender a fazer
 Aprender a ser
 Aprender a conviver

Esta é, pois, a grande tarefa de todos nós educadores: 1º) desenvolver


em nós mesmos estas qualidades; 2º) olhar para nossa prática
educacional, rever e ressignificar os conteúdos, as estratégias, a
organização da sala de aula, da escola, a relevância dos temas
abordados, os recursos didáticos adotados; 3º) refletir e decidir como
vamos diminuir o vazio que se estabelece entre o conteúdo ensinado e
as exigências da vida moderna para o desenvolvimento de nossos
jovens.

A proposta pedagógica é tudo isso: a escola em busca do saber,


transformando-o em matéria-prima e adequando-o às condições reais
de seus alunos. Transformando o conhecimento em competências e
formando o cidadão para o próximo milênio.

3
“Na verdade, a proposta pedagógica é a forma pela qual a autonomia da
escola se exerce. E a proposta pedagógica não é uma “norma” nem um
documento ou formulário a ser preenchido. Não obedece a prazos formais
nem deve seguir especificações padronizadas. Sua eficácia depende de
conseguir pôr em prática um processo permanente de mobilização de
“corações e mentes” para alcançar objetivos compartilhados.” 2

II. A AUTONOMIA DA ESCOLA: COMO TUDO COMEÇOU?

Pela gestão democrática que caracterizou a primeira etapa das reformas


no início dos anos de 1980 com a descentralização3 e a
desconcentração4. Estabelecendo o regime de colaboração de Estados e
municípios, a participação dos professores, alunos e comunidade na vida
da escola e uma certa autonomia pedagógica das escolas. Mas o
paradigma curricular continuava fragmentado: por disciplinas e entre
núcleo comum e parte diversificada.

Com a segunda etapa das reformas, no início dos anos de 1990 e com a
promulgação da nova LDB, se resgatam as preocupações pedagógicas
num novo contexto, dando às escolas uma autonomia mais concreta:
financeira, administrativa e pedagógica.

Art.15
Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica
que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de
gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.

Esta fase se caracteriza pela gestão da aprendizagem. A LDB dá às


escolas: liberdade e responsabilidade para elaborar a proposta
pedagógica, incluindo currículo e organização escolar, e aos docentes a
incumbência de: zelar pela aprendizagem de seus alunos.
Entendendo-se aprendizagem como a aquisição de competências básicas
e essenciais necessárias ao indivíduo para a sua inserção na sociedade
de forma justa e igualitária.
2
PARECER CNE/CEB No 15/98
3
Descentralização é a política de transferência dos encargos e recursos educacionais de um nível de governo
para outro, por exemplo: do estado aos municípios, ou do município a um local se for o caso.
4
Desconcentração é a política de transferência dos encargos e recursos educacionais de um nível central ao
nível de prestação de serviços, por exemplo da Secretaria da Sáude aos seu Postos de Saúde, ou da Secretaria
da Educação às suas escolas.

4
Art.13
Os docentes incumbir-se-ão de:
I. Participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
II. Elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do
estabelecimento de ensino;
III. Zelar pela aprendizagem5 dos alunos;
IV. Estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;
V. Ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar
integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao
desenvolvimento profissional;
VI. Colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a
comunidade.

Estas são as bases da autonomia da escola: gestão democrática e


gestão da aprendizagem.

A LDB, em sintonia com as demandas educacionais contemporâneas e


com as orientações da UNESCO para políticas educacionais para o
próximo milênio, definiu um projeto educacional que busca conciliar
humanismo e tecnologia, conhecimento e exercício de cidadania,
formação ética e autonomia intelectual.
Princípios estéticos, éticos e políticos inspiraram a LDB no
estabelecimento das diretrizes e normas gerais para a educação.

Há uma mudança de paradigma. Muda a ênfase do ensino para a


aprendizagem. A LDB incorporou esse novo paradigma quando, em
comparação com a legislação anterior, desloca o eixo da liberdade de
ensino para o direito de aprender.

Art.3
O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II. Liberdade de aprender6, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III. Pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV. Respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V. Coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI. Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII. Valorização do profissional da educação escolar;
VIII. Gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos
sistemas de ensino;
IX. Garantia de padrão de qualidade; valorização da experiência extra-escolar;
X. Vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

5
Grifo nosso
6
Grifo nosso

5
O direito de aprender se concretiza quando conseguimos desenvolver no
aluno um conjunto de competências definidas pela própria LDB como
aquelas necessárias à inserção no mundo da prática social e do
trabalho. Essa ênfase nas competências, por sua vez, desloca o trabalho
pedagógico do ensino para a aprendizagem que resulta em
desenvolvimento de competências.
Como produto final, um cidadão que sabe fazer, agir, ser e conviver em
seu entorno social.

Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes,


capacidades, informações etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de
situações.
Exemplos:
Saber orientar-se numa cidade desconhecida mobiliza as capacidades de ler um mapa,
localizar-se, pedir informações ou conselhos; e os seguintes saberes: ter noção de
escala, elementos da topografia ou referências geográficas.
Saber curar uma criança doente mobiliza as capacidades de observar sinais
fisiológicos, medir temperatura, administrar um medicamento; e os seguintes saberes:
identificar patologias e sintomas, primeiros socorros, terapias, os riscos, os remédios,
os serviços médicos e farmacêuticos.
Saber votar de acordo com seus interesses mobiliza as capacidades de saber se
informar, preencher a cédula; e os seguintes saberes: instituições políticas, processo
de eleição, candidatos, partidos, programas políticos, políticas democráticas etc.
Outras competências estão ligadas a contextos culturais, profissionais e condições
sociais. Os seres humanos não vivem todos as mesmas situações. Eles desenvolvem
competências adaptadas ao seu mundo.
Philippe Perrenoud em entrevista à Revista Nova Escola, edição setembro 2000.

O conteúdo, portanto, não é mais um fim em si mesmo, mas um meio


para desenvolver competências.

Quando digo digo, digo digo não digo diogo.

Quando o novo paradigma curricular afirma que o conteúdo não é um fim em si


mesmo, está significando exatamente isso: o conteúdo é meio, e como todo meio é
indispensável para promover a aprendizagem. Afirmar que o novo paradigma diminui a
importância do conteúdo curricular revela um mal-entendido sobre o modo como a
competência se constitui: sem nunca prescindir do conhecimento que a alimenta e
ancora. Por não existir competência sem conhecimento, o paradigma curricular
referido às competências a constituir nos alunos, tem que estar colado no
conhecimento e na cultura acumulados do país, da região, da comunidade.

6
Art.1o
§2o A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.

Cidadania e trabalho caminham juntos, não há ruptura.

A ênfase no Ensino Fundamental7 está no desenvolvimento da


capacidade de aprender, na aquisição de conhecimentos e habilidades,
na formação de atitudes e valores e na compreensão do ambiente
natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos
valores em que se fundamenta a sociedade.

No Ensino Médio8, na compreensão dos fundamentos científicos e


tecnológicos dos processos produtivos; do significado da ciência, das
letras e das artes; do processo histórico de transformação da sociedade
e da cultura.

Descarta-se, assim, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino


Médio, a aquisição de conhecimentos enciclopédicos que só levam à
erudição e não preparam para a vida. Educar para a vida significa
contextualizar9 , relacionar a teoria com a prática, mostrando ao aluno o
que aquele conteúdo tem a ver com a vida dele, porque é importante e
como aplicá-lo numa situação real.

Ensina-se para constituir sentidos, produzir significados,


construir competências.

Contextualização10 e Interdisciplinaridade11 são as palavras-chave


para a mudança de paradigma.

7
Art.32
8
Art.35 e 36.
9
“A necessária contextualização do conteúdo (princípio dos PCNs do Ensino Médio), assim como o
tratamento dos temas transversais ( previstos no PCNs do Ensino Fundamental) – questões sociais atuais que
permeiam a prática educativa, como ética, meio ambiente saúde, pluralidade cultural, sexualidade, trabalho,
consumo e outras – seguem o mesmo princípio: o compromisso da educação básica com a formação para a
cidadania e buscam a mesma finalidade: possibilitar aos alunos a construção de significados e a necessária
aprendizagem de participação social.” In Proposta de Diretrizes para Formação Inicial de Professores da
Educação Básica, em Cursos de Nível Superior.
10
Para saber mais ver ANEXO 1 – Texto sobre Transposição didática, contextualização e
interdisciplinaridade.
11
Para saber mais ver ANEXO 1 – Texto sobre Transposição didática, contextualização e
interdisciplinaridade.

7
CONTEXTUALIZAÇÃO
A construção de competências na escola implica recorrer a contextos que tenham
significado para o aluno, envolvendo-o não só intelectual mas também afetivamente.
Contextuar é uma estratégia fundamental para a construção de significados.
Contextualizar o ensino significa vincular os conhecimentos aos lugares onde foram
criados e onde são aplicados, isto é, a vida real. Significa também incorporar vivências
concretas ao que se vai aprender e incorporar o aprendizado a novas vivências. Os
exercícios de aplicação de fórmulas e conceitos abstratos são um bom exemplo de um
ensino não contextualizado; os alunos resolvem as questões mecanicamente sem
saber em que situações tais fórmulas são necessárias nem porque foram criadas.

INTERDISCIPLINARIDADE
“A interdisciplinaridade é atualmente uma palavra-chave para a organização
escolar. O que se busca com isso é, de modo geral, o estabelecimento de uma
intercomunicação efetiva entre as disciplinas, por meio do enriquecimento
das relações entre elas. Almeja-se, no limite, a composição de um objeto
comum, por meio dos objetos particulares de cada uma das disciplinas
componentes... as unidades disciplinares são, portanto, mantidas, tanto no
que se refere aos métodos quanto aos objetos, sendo a horizontalidade a
característica básica das relações estabelecidas.” (Nilson José Machado)

O conhecimento no mundo não é fragmentado. Para entender e explicar os fenômenos


científicos e tecnológicos é preciso compreender o conhecimento como um todo,
integrado e interrelacionado.

O tratamento do conhecimento no âmbito fragmentado de cada disciplina não dá conta


de explicar os fenômenos. É preciso ir além, trazer convergências da contribuição das
outras disciplinas para explicá-los.

III. A NOVA PROPOSTA PEDAGÓGICA

Desta forma, a construção da proposta pedagógica pressupõe três


grandes momentos de reflexão coletiva:

1. É preciso refletir e compreender os princípios e os conceitos do novo


paradigma curricular expressos na LDB, nas Diretrizes e nos
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e Médio.
Sem essa compreensão, corre-se o risco de perpetuar o ensino
enciclopédico e sem sentido. QUADRO I e II

8
2. Analisar e refletir sobre a própria prática pedagógica sob o novo olhar
– o que se faz e com quais objetivos se faz. Torna-se muito
importante ter um parâmetro de como estamos para saber o que
precisamos mudar. Ninguém muda se não tem consciência do que
precisa mudar.

3. Planejar nossas ações e nossas melhores intenções.


QUADRO I

Princípios Nas Diretrizes Na Escola


Estética da • Criatividade • Aprender a fazer
Sensibilidade • Curiosidade • Atitude frente todas as formas de expressão
• Afetividade • Acolher a diversidade dos alunos
• Reconhecimento da Diversidade • Oportunizar a troca de significados
• Valorização da Qualidade • Crítica às formas estereotipadas e reducionistas de e
• Busca de aprimoramento • Crítica às manifestações que banalizam os afetos e b
interpessoais
Política da • Reconhecimento dos direitos humanos • Aprender a conhecer e a conviver
igualdade • Exercício dos direitos e deveres da • Ensino através de conteúdos e temas como: direitos d
cidadania solidariedade, relações pessoais e práticas sociais
• Eqüidade no acesso à educação, ao • Responsabilidade da liderança dos adultos responsáv
emprego, à saúde, ao meio ambiente • Igualdade de oportunidades e de diversidade de trata
saudável • Garantia de padrões mínimos de qualidade de ensino
• Combate a todas as formas de preconceito • Toda decisão administrativa e pedagógica deve se co
e discriminação aprendizagem dos alunos
• Respeito pelo Estado de Direito - a
igualdade é um valor público por ser do
interesse de todos e não exclusivamente
do governo
Ética da identidade • Busca reconciliar no coração humano o • Aprender a ser
mundo da moral e o mundo da matéria, o • Educação é um processo de construção de identidade
privado e o público • As identidades se constituem pelo desenvolvimento
• Humanismo reconhecimento do direito à igualdade
• Responsabilidade e solidariedade • Escola é lugar de conviver e de educar para a constru
• Reconhecimento da identidade própria e • O fim mais importante da educação para a identidade
do outro
• Autonomia
• Convivência e mediação de todas as
linguagens

9
QUADRO II
COMPREENSÃO DO NOVO PARADIGMA

VELHOS PARADIGMAS NOVO PARADIGMA

♦ Direito de Ensinar ♦ Direito de Aprender


♦ A Estética da Sensibilidade, a Política da Igualdade e a Ética
PRINCÍPIOS da Identidade estarão presentes em todos os trabalhos.
FILOSÓFICOS

CONTEÚDO ♦ Um fim em si mesmo ♦ Um meio para desenvolver competências

♦ Fragmentado ♦ Integrado pelo trabalho interdisciplinar e pela


♦ Compartimentado nas disciplinas contextualização.
♦ Ensino de regras, fatos, definições, acúmulo de ♦ Privilegia a construção de conceitos e o entendimento.
CONHECIMENTO informações desvinculadas da vida dos alunos. ♦ Teoria e prática aplicadas ao cotidiano do aluno.
♦ Caráter mais enciclopédico. ♦ Ênfase está na produção e sistematização do sentido.
♦ Privilegia a memória e a padronização.
♦ Integrado, vivo e em rede, proporcionando a oportunidade
de conhecer, fazer, relacionar, aplicar e transformar.
CURRÍCULO ♦ Fracionado, estático e linear
♦ Por áreas do conhecimento
♦ Por eixo organizador
ORGANIZAÇÃO ♦ Por disciplinas ♦ Por tema gerador
CURRIULAR ♦ Por conjunto de competências
♦ Espaço de transmissão e recepção do conhecimento. ♦ Espaço privilegiado de reflexão, de situações de
aprendizagem vivas e enriquecedoras.
SALA DE AULA
♦ Rotineiras que favorecem a padronização da resolução ♦ Centradas em projetos de trabalho e na resolução de
♦ Pesquisa = cópia problemas para desenvolver competências.
ATIVIDADES ♦ Pesquisa = buscar informações em várias fontes para a
resolução de uma determinada situação-problema com
espontaneidade e criatividade.

♦ Mero transmissor do conhecimento ♦ Facilitador da aprendizagem do aluno.


♦ Determina o conteúdo a ser trabalhado sem levar em ♦ Facilitador da construção de sentidos.
conta as necessidades que surgem em sala de aula. ♦ Gerenciador da informação.
PROFESSOR ♦ Reflexivo
♦ Avalia e ressignifica sua prática pedagógica.
♦ Incentivador da estética da sensibilidade, zela pela política
da igualdade e pela ética da identidade.

♦ Passivo, receptáculo do conhecimento


descontextualizado. ♦ Ativo e participativo na construção do seu conhecimento.
ALUNO ♦ Não sabe porque e para que estuda determinados
conteúdos.

♦ Formativa e diagnóstica do ensino e aprendizagem.


AVALIAÇÃO ♦ Classificatória e excludente ♦ Aponta dificuldades e possibilita a intervenção pedagógica.
♦ Gera dados que possibilitam apenas avaliar a ♦ Gera dados que possibilitam avaliar o desenvolvimento das
capacidade do aluno em reter informações. competências.

LIVRO DIDÁTICO ♦ Um fim em si mesmo. ♦ Um entre vários recursos didáticos (jornais, revistas,
♦ Atividades previsíveis e padronizadas. vídeos, computador, CD-ROMs)

10
IV. A PROPOSTA PEDAGÓGICA COMO PROCESSO DE
ARTICULAÇÃO

Mais do que um documento formal, a proposta pedagógica é um


processo permanente de articular:
 intenções, conteúdos curriculares e competências;
 meios e recursos físicos, financeiros e didáticos;
 processo de educação continuada da equipe escolar.

A- Articulação de intenções: cidadania e trabalho trocados em


miúdos

O processo de reflexão para a elaboração da proposta pedagógica se


constitui um espaço privilegiado de discussão e de criação de consensos.
Oferece-se a todos os segmentos da escola a oportunidade de: falar,
ouvir, dialogar, sonhar e planejar. Criar, nesse momento, a sua
identidade como fruto da identidade coletiva expressa no desejo de
todos e na forma como a escola vai traduzir para sua própria identidade
os preceitos legais e normativos nacionais.

Ao final da Educação Básica, o perfil do educando não será o de um


especialista. Em princípio, deverá sair com as competências necessárias
para se inserir na vida cidadã e com condições de iniciar a formação
profissional por meio de estudos posteriores ou educação em serviço. É
importante ter clareza do “para quê” um aluno aprende conceitos de
energia, de elementos químicos, de tempo histórico, de relações sociais,
de meios e/ou de estilos literários: acima de tudo, para ser cidadão e,
como parte do exercício da cidadania, ingressar no curso superior ou no
trabalho.

11
Passo por passo, esse processo de articular intenções construindo
consensos, precisa considerar as seguintes questões:

• o que significa preparar para a cidadania e o trabalho aqueles


alunos naquela comunidade;
• quais as competências que traduzem essa preparação para a
cidadania e o trabalho;
• quais os conteúdos curriculares que deverão contribuir para a
constituição dessas competências.

É no currículo ensinado e aprendido que se concretizam as


intencionalidades. Há um desencontro entre o que o professor formaliza
no seu planejamento - ou diz que faz e ensina -, e aquilo que de fato
acontece em sala de aula. Desejos e projetos transformam-se em
discurso para visitantes e autoridades, mas não refletem a realidade. É
preciso tomar alguns cuidados especiais para que as melhores intenções
não caiam no vazio ou induzam a prejuízos irreparáveis na formação dos
alunos.

É preciso estudar, discutir e construir compreensão sólida dos princípios


da Interdisciplinaridade e da Contextualização. Aplicá-los, criticar a
aplicação, rever, ajustar, enfim ir construindo na prática o conhecimento
sobre o novo paradigma curricular. Compreender o que significa ensinar
conceitos, construir competências e qual é o papel do conteúdo nessa
combinação, para que as intenções se incorporem à prática.

AS COMPETÊNCIAS

Para desenvolver competências é preciso, antes de tudo, trabalhar por problemas e


por projetos12, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar
seus conhecimentos e, em certa medida, completá-los. Isso pressupõe uma pedagogia
ativa, cooperativa, aberta para a cidade ou para o bairro, seja na zona urbana ou
rural. Os professores devem parar de pensar que dar o curso é o cerne da profissão.
Ensinar, hoje, deveria consistir em conceber, encaixar e regular situações de
aprendizagem, seguindo princípios pedagógicos ativos construtivistas. 13

12
Ver ANEXO 2
13
Phillipe Perrenoud, entrevista à Revista Nova Escola, setembro 2000.

12
Dois exemplos, que valem tanto para o Ensino Fundamental quanto
para o Ensino Médio, podem ajudar nessa reflexão.

No primeiro, o educador colombiano Bernardo Toro, chamou de Códigos


da Modernidade um conjunto de competências imprescindíveis a
qualquer cidadão para a participação produtiva no século 21, que são
descritas no quadro a seguir. Para cada uma delas vale a pena fazer o
exercício de identificar quais os conteúdos curriculares que estariam
contribuindo na sua constituição.

1. Domínio da leitura e da escrita


2. Capacidade de fazer cálculos e de resolver problemas
3. Capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações
4. Capacidade de compreender e atuar em seu entorno social
5. Receber criticamente os meios de comunicação
6. Capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada
7. Capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo.

O segundo exemplo é encontrado no Exame Nacional do Ensino


Médio – ENEM. Para elaborar a prova foi eleito um conjunto de cinco
competências e 21 habilidades para avaliar os educandos ao final da
Educação Básica. Um exame da própria prova do ENEM utilizada em
1999 ou 2000 pode indicar quais os conteúdos curriculares que
fundamentam a constituição das competências e habilidades avaliadas.

1. Dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens


matemática, artística e científica.
2. Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a
compreensão de fenômenos naturais, de processos histórico-geográficos,
da produção tecnológica das manifestações artísticas.
3. Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações
representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar
situações-problema.
4. Relacionar informações, representadas em diferentes formas, e
conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir
argumentação consistente.
5. Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de
propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando valores
humanos e considerando a diversidade sociocultural.

13
Para constituir competências, os professores do Ensino Fundamental e
do Ensino Médio deverão ressignificar o conhecimento enquanto
herança cultural, discernindo o que é essencial e relevante dessa
herança cultural para concretizar as intenções estabelecidas pelo
consenso, que têm relevância para o mundo moderno e que possibilitem
a inserção do aluno na convivência social e no trabalho. As
características, necessidades, enfim, o contexto no qual o aluno vive
será sempre o ponto de partida, não necessariamente o ponto de
chegada.

Se numa determinada clientela os alunos apresentam dificuldades de


leitura, compreensão de textos, de expressão de seus pontos de vistas,
de argumentação, o conteúdo deverá ser selecionado e mobilizado para
desenvolver essas competências. Diferentemente de outra clientela que
talvez tenha essas mesmas competências razoavelmente desenvolvidas,
mas que apresenta dificuldades de analisar criticamente os meios de
comunicação e aceita passivamente o que a mídia veicula. Neste
segundo caso, o conhecimento deverá ser mobilizado para constituir
nessa clientela competências que levem a receber criticamente os meios
de comunicação tais como: analisar, relacionar, interpretar e julgar
dados, fatos e situações.

Caberá ao professor mediar e transformar o conhecimento cientifico em


conhecimento escolar pela transposição didática14. Olhando para o
conhecimento, analisá-lo, selecioná-lo, dando a ele uma relevância e um
julgamento de valor, adequando-o a uma melhor compreensão pelo
aluno desse conhecimento.

TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
Transposição didática é a transformação pela qual passam os saberes da cultura (os
conhecimentos, as práticas, os valores) para que possam ser ensinados e aprendidos
pelos alunos. Da cultura aos programas das disciplinas ou áreas de conhecimento,
temos um nível de transposição; dos programas aos conteúdos efetivamente
ensinados, um outro nível acontece. A transposição didática é um fenômeno intrínseco
à escolarização e ocorre sempre que os saberes da sociedade entram na escola para
serem ensinados. É uma decisão sobre o que e como ensinar:
• selecionar o que se vai ensinar
• definir quais recortes serão feitos, quais aspectos serão enfocados
• que saberes interrelacionar
• que contextos escolher para propiciar significado e sentido para o aluno
A transposição didática deve ser feita considerando as possibilidades cognitivas dos
alunos e também as competências que se quer que desenvolvam

14
Para saber mais ver ANEXO 1 – Texto sobre Transposição didática, contextualização e
interdisciplinaridade.

14
Deverão também estar claramente definidos os resultados esperados, os
objetivos de aprendizagem, isto é, as competências desenvolvidas e
adquiridas ao final do processo, o que será capaz de fazer.

Neste processo, a avaliação passa a ter um outro sentido. Não se


avalia a capacidade do aluno de reter informações, mas a capacidade de
dar sentido a essas informações, de articular o conhecimento e as
competências, dando respostas adequadas a diferentes problemas.

A elaboração da avaliação assume uma outra perspectiva, formativa e


diagnóstica das dificuldades do ensino e aprendizagem, possibilitando a
intervenção pedagógica a tempo.

Esses deverão ser os princípios norteadores da seleção dos conteúdos e


das competências, para subsidiar a decisão do que ensinar, como
ensinar e para que ensinar.

Finalmente, uma vez estabelecidas e detalhadas as competências que a


escola, considerando sua clientela, comunidade e os aportes das
Diretrizes, se propõe a desenvolver e avaliar, é a hora da equipe pensar
em como deverá se concretizar a organização curricular.

B - A proposta pedagógica como articuladora dos recursos


materiais, humanos e financeiros: o ambiente em que se vive
é mensagem educativa.

A escola define em sua organização e funcionamento uma cultura


própria, que não se declara, mas que indiretamente se manifesta e
interfere ou se potencializa na cultura explicitamente observada no
currículo. Devemos portanto refletir se os meios envolvidos para a
execução do currículo estão em coerência com a cultura expressa no
currículo.

A proposta pedagógica é uma articuladora de tempo, espaço, ritmos,


recursos humanos, recursos materiais. Como cruzamos isso de forma a
atender os princípios da Estética da Sensibilidade, da Política da
Igualdade e da Ética da Identidade, conforme o Quadro I já
apresentado?

15
Como é o ritmo de vida e de aprendizagem de um aluno trabalhador?
Como são os ritmos de nossos alunos? Lentos, acelerados? O universo
escolar encerra em si diferentes mundos, diferentes personalidades,
maneiras de ser, de ver e sentir, diferentes problemas, diferentes
emoções?

Nesse contexto complexo, a proposta pedagógica deverá harmonizar o


tempo, os recursos, os espaços para atender a todos, prevendo os
diferentes ritmos de aprendizagem de nossos alunos. Assim é a vida, no
mundo estamos sempre nos adaptando ao ritmo de cada fase de nossos
filhos, do trabalho, enfim, às próprias circunstâncias da vida. Isto é ser
flexível, conviver na incerteza e se adaptar às mudanças. A escola
deverá estar preparada para isso.

A gestão do tempo, espaço, dinheiro, material didático, assistência


técnica da secretaria, do aporte da comunidade é conduzida da forma
mais democrática, mais sensível, mais ética? As decisões tomadas visam
a melhoria da aprendizagem de todos os alunos? O olhar pedagógico
permeia as decisões administrativas, as decisões de ocupação do
espaço, da organização do tempo, da distribuição dos recursos? Os
recursos financeiros são alocados naquilo que é prioritário para a gestão
da aprendizagem?

A proposta pedagógica deverá prever uma melhor maneira de explorar a


riqueza de materiais e proporcionar outras leituras, experiências,
atividades culturais para desenvolver competências. Deverá incentivar a
criação e a produção de soluções, recursos e materiais para atender às
necessidades de cada momento.

A proposta pedagógica exige também uma alocação democrática dos


professores, priorizando-se a gestão da aprendizagem e não das
carreiras ou necessidades salariais de cada um.

C - A proposta pedagógica como articuladora do processo de


reflexão e formação continuada15 do professor

A proposta pedagógica em ação mobiliza simultaneamente dois


processos: o da constituição de competências no aluno, ao mesmo
tempo que leva o professor a rever sua prática, a constituir e a
desenvolver nele próprio as competências necessárias para que possa
fazer a seleção das competências, dos conteúdos e a transposição
15
Ver ANEXO 5

16
didática do mesmo. Se não desenvolver em si mesmo estas
competências, o trabalho didático estará fatalmente comprometido.
Ninguém ensina o que não conhece, o que não sabe fazer, ser e
conviver.

Para que a proposta pedagógica seja um processo vivo de educação


continuada dos professores, é preciso uma mudança de cultura
profissional que permita um clima cooperativo, mantendo a todos
motivados e envolvidos. O papel profissional e o que se espera de cada
um deve estar claro para todos. Esse é o primeiro passo para construir
essa cultura profissional de responsabilidade e seriedade, sem
julgamento prévio, utilizando o aconselhamento entre pares como um
procedimento de treinamento em serviço, não como favor nem como
processos paralelos e clandestinos.

V. A TÍTULO DE FINALIZAÇÃO

Devemos lembrar que a proposta pedagógica só será eficaz se for fruto


de uma reflexão coletiva, se houver compreensão do significado das
mudanças propostas na reforma educacional e se houver a adesão
coletiva da equipe escolar a essas mudanças e ao plano de trabalho da
escola; se for a fiel expressão de uma vontade coletiva de zelar pela
aprendizagem de seus alunos, e assim formar cidadãos competentes,
sensíveis e éticos.

Autonomia exige responsabilidade e controle, porque não só implica


satisfação de direitos, mas também cumprimento de objetivos. A escola
pode ser autônoma em certos aspectos, mas deve prestar conta das
decisões que toma à sua comunidade e aos órgãos aos quais está
jurisdicionada.

É preciso estabelecer um sistema de avaliação interna para analisar seu


desempenho e assim poder redirecionar metas e ações.

17

Você também pode gostar