Cidade Mais Verde

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Revista

LABVERDE
Junho 2013 | Nº 6 | ISSN 2179-2275

cidade
mais verde
REVISTA LABVERDE
V. I – Nº 6

LABVERDE – Laboratório VERDE


FAUUSP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Junho 2013
ISSN: 2179-2275
Ficha Catalográica

Serviço de Biblioteca e Informação da


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

REVISTA LABVERDE/Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e


Urbanismo. Departamento de Projeto. LABVERDE – Laboratório Verde – v.1,
n.6 (2013) –. São Paulo: FAUUSP, 2013 –

Semestral
v.: cm.

v.1, n.6, jun. 2013

ISSN: 2179-2275

1. Arquitetura – Periódicos 2. Planejamento Ambiental 3. Desenho Ambiental 4.


Sustentabilidade
I. Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Departamento de Projeto. LABVERDE. II. Título
CDD 712

Revista LABVERDE, V.I, N° 6

LABVERDE – Laboratório Verde


Rua do Lago, 876 – Cidade Universitária, Bairro do Butantã
CEP: 05508-900 São Paulo-SP
Tel: (11) 3091-4535

Capa: Rizia Sales Carneiro


Ilustração: Projeto da nova Praça Roosevelt da Borelli & Merigo Arquitetura e Urbanismo

e-mail: [email protected]

Home page: www.usp.br/fau/depprojeto/revistalabverde


Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6

Revista LABVERDE
Junho – 2013
ISSN: 2179-2275

Universidade de São Paulo Maria Ângela Faggin Pereira Leite (FAUUSP)


João Grandino Rodas (Reitor) Maria Cecília França Lourenço (FAUUSP)
Hélio Nogueira da Cruz (Vice-Reitor) Maria Cecília Loschiavo dos Santos (FAUUSP)
Maria de Assunção Ribeiro Franco (FAUUSP)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Maria de Lourdes Pereira Fonseca (UFABC)
Marcelo de Andrade Romero (Diretor) Marly Namur (FAUUSP)
Maria Cristina da Silva Leme (Vice-Diretora) Miranda M. E. Martinelli Magnoli (FAUUSP)
Paulo Renato Mesquita Pellegrino (FAUUSP)
Editor Responsável Pérola Felipette Brocaneli (UPM)
Maria de Assunção Ribeiro Franco Saide Kahtouni (FAUUFRJ)
Silvio Soares Macedo (FAUUSP)
Comissão Editorial Vladimir Bartalini (FAUUSP)
Cecília Polacow Herzog
Maria de Assunção Ribeiro Franco Apoio Técnico
Paulo Renato Mesquita Pellegrino José Tadeu de Azevedo Maia
Lina Rosa
Conselho Editorial Marcia Choueri
Catharina Pinheiro C. S. Lima (FAUUSP) Francisca Batista de Souza
Cecília Polacow Herzog (FAUUFRJ) Eliane Alves Katibian
Denise Duarte (FAUUSP) Lilian Aparecida Ducci
Demóstenes Ferreira da Silva Filho (ESALQ) Rizia Sales Carneiro
Eduardo de Jesus Rodrigues (FAUUUSP)
Eugenio Fernandes Queiroga (FAUUSP) Colaboradores
Euler Sandeville Júnior (FAUUSP) Antonio Franco
Fábio Mariz Gonçalves (FAUUSP) Lilian Dazzi Braga
Giovanna Teixeira Damis Vital (UFU) Oscar Utescher
Helena Aparecida Ayoub Silva (FAUUSP) Ramón Stock Bonzi
José Carlos Ferreira (UNL–Portugal)
José Guilherme Schutzer (FFLCH–USP) Diagramação
João Reis Machado (UNL–Portugal) Rizia Sales Carneiro
João Sette Whitaker (FAUUSP)
Larissa Leite Tosetti (ESALQ) Desenvolvimento de Web
Lourdes Zunino Rosa (FAUUFRJ) Edson Moura (Web FAU)
Marcelo de Andrade Romero (FAUUSP) Rizia Sales Carneiro
Márcia Peinado Alucci (FAUUSP)

3
Revista LABVERDE n°6 – Sumário Junho de 2013

SUMÁRIO

1. EDITORIAL
008 Maria de Assunção Ribeiro Franco

2. ARTIGOS
014 Artigo 1
PAISAGEM COMO INFRAESTRUTURA DE TRATAMENTO DAS ÁGUAS URBANAS
LANDSCAPE AS INFRASTRUCTURE FOR URBAN WATER TREATMENT
BONZI, Ramón Stock

039 Artigo 2
ARQUITETURA E ENERGIA SOLAR: HÁ ALGO DE NOVO?
ARCHITECTURE AND SOLAR ENERGY: IS THERE SOMETHING NEW?
FRETIN, Dominique

058 Artigo 3
FORMA E FLUXO: A NATUREZA NA CIDADE EM DUAS TENDÊNCIAS
SHAPE AND FLOW : NATURE IN THE CITY ON TWO TRENDS
LOTUFO, José Otávio

084 Artigo 4
ESPAÇOS CEMITERIAIS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PAISAGEM E MEIO
AMBIENTE URBANOS
CEMETERIAL SPACES AND THEIR CONTRIBUTIONS TO THE LANDSCAPE AND
URBAN ENVIRONMENT
SANTOS, Aline Silva

106 Artigo 5
REFLEXÃO SOBRE A NATUREZA DO PROJETO
REFLECTION ON THE PROJECT NATURE
LIMA, Patrícia Helen

123 Artigo 6
VEGETAÇÃO EM ÁREAS URBANAS: BENEFÍCIOS E CUSTOS ASSOCIADOS
VEGETATION IN URBAN AREAS: BENEFITS AND ASSOCIATED COSTS
FERREIRA, Luciana Schwandner

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Sumário

144 Artigo 7
AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO DE FUTUROS LABORA-
TÓRIOS EXPERIMENTAIS COMO CÉLULAS DE CO-MANEJO NOS PONTOS DE
CULTURA DO MUNCÍPIO DE SANTOS -SP.
EVALUATION OF POTENTIAL FUTURE DEVELOPMENT OF EXPERIMENTAL LA-
BORATORY HOW CELLS CO-MANAGEMENT IN POINTS OF CULTURE MUNICI-
PIO SANTOS-SP
BEGALLI, Maira; RAMIRES, Milena; CLAUZET, Mariana.

159 Artigo 8
REPENSANDO AS ANISTIAS DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO EM SÃO PAULO
RETHINkING AMNESTIES OF USE AND OCCUPATION OF LAND IN SãO PAULO
KEPPKE, Rosane Segantin

172 Artigo 9
PARQUES URBANOS NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – SP (BRASIL): ESPACIA-
LIZAÇÃO E DEMANDA SOCIAL.
URBAN PARkS IN THE CITY OF SãO PAULO-SP (BRAZIL): SPATIALIZATION AND
SOCIAL DEMAND
LIMNIOS, Giorgia; FURLAN, Sueli Ângelo

190 Artigo 10
DIRETRIZES DE INFRAESTRUTURA VERDE PARA O DESENHO URBANO: UM
EXERCÍCIO DE PLANEJAMENTO PAISAGÍSTICO NA ÁREA DA LUZ, SÃO PAULO
GUIDELINES OF GREEN INFRASTRUCTURE FOR URBAN DESIGN: AN EXER-
CISE OF LANDSCAPE PLANNING AT LUZ DISTRICT,SãO PAULO
FERREIRA, Luciana Schwandner; SANCHES, Patricia Mara; SHINZATO, Paula;
GONÇALVES, Joana Carla S.

219 Artigo 11
INFRAESTRUTURA VERDE PARA AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO C40
GREEN INFRASTRUCTURE FOR CLIMATE CHANGES IN THE C40
FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro; OSSE, Vera Cristina; MINKS, Volker

3. ENTREVISTAS
“A NOVA PRAÇA ROOSEVELT”

237 3.1 RUBENS REIS

248 3.2 BORELLI & MERIGO Arquitetura e Urbanismo

254 3.3 FABRÍCIO SBRUZZI

5
Revista LABVERDE n°6 – Sumário Junho de 2013

4. DEPOIMENTO
261 PLANO DIRETOR DO PARQUE ESTADUAL TIZO:
UM TRABALHO MULTIDISCIPLINAR E COLABORATIVO
Ana Lúcia P. de Faria Burjato e Patrícia Akinaga

5. EVENTOS
266 Lançamento do Livro: CIDADES PARA TODOS: (RE)APRENDENDO A CONVIVER
COM A NATUREZA
Cecília Polacow Herzog

6. COMUNICADOS
268 Normas da Revista LABVERDE

6
1. EDITORIAL
Revista LABVERDE n°6 – Editorial Junho de 2013

EDITORIAL

CIDADE MAIS VERDE

Neste número, dedicado à “CIDADE MAIS VERDE” foram selecionados 11 artigos que
mais se aproximaram do tema, tanto do ponto de vista teórico e ilosóico quanto nos
aspectos práticos e aplicativos.

Sob o ponto de vista teórico destacam-se os artigos 3, 5 e 8. O primeiro, de LOTUFO,


tratando sobre a discussão do futuro das cidades tentando superar a dicotomia entre
desenvolvimento e preservação da natureza e tentando integrar esses dois aspectos
no urbanismo. O segundo, de LIMA, propondo um inventário territorial, usando como
iltro a leitura da paisagem, possibilitando a criação de uma infraestrutura verde que
oriente um desenvolvimento urbano sustentável. O terceiro, de KEPPKE, relata histo-
ricamente as anistias de uso e ocupação do solo na cidade de São Paulo e propondo
princípios de compensação urbanístico-ambiental nas novas anistias, na direção de
uma cidade mais verde e sustentável.

Dentro do prisma prático e aplicativo, alinham-se a seguir os artigos 1, 6, 9, 10, e 11


que tratam da vegetação urbana enquanto elemento transformador da paisagem e
formador de infraestrutura verde na trama urbana.

O artigo 1, de BONZI, fala da utilização da vegetação no tratamento das águas e es-


gotos urbanos, propiciando serviços ambientais e criando paisagens multifuncionais,
abrigando funções de lazer, educação ambiental e geração de renda. Já FERREIRA,
no artigo 6, preocupa-se com a vegetação no cotidiano urbano, trazendo ora benefí-
cios, ora problemas e custos associados.

LIMNIOS e FURLAN, no artigo 9, fazem um relato histórico dos parques urbanos em


geral, a partir do século XIX, e apresentam uma análise tipológica dos parques ur-
banos municipais e estaduais existentes no Município de São Paulo, classiicando-os
segundo categorias de espaços livres, conforme o dimensionamento das unidades e
raio de atendimento à população.

No artigo 10, de FERREIRA et al., estabelecem-se diretrizes de infraestrutura verde para


o desenho urbano com a criação de novas áreas verdes, públicas e semi-públicas na

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Editorial

área da Luz em São Paulo, analisando o potencial populacional construtivo sob a pers-
pectiva do desempenho ambiental (pesquisa desenvolvida no LABAUT da FAUUSP).

FRANCO et al., no artigo 11, trata de uma relexão sobre o evento C40 em São Paulo,
que reuniu cerca de 40 cidades do mundo todo, em meados de 2011, para discutir
ações de sustentabilidade e resiliência urbana diante do fenômeno das mudanças
climáticas, destacando a sessão que tratou do papel da arborização urbana e loresta
urbana para o resfriamento das “ilhas de calor” nas cidades. O artigo também apre-
senta recomendações de ações ligadas à criação de uma infraestrutura verde, mais
eicaz no enfrentamento desses fenômenos, para a metrópole paulistana.

Por im, apresentam-se alguns trabalhos que se ligam ao tema desta Revista de forma
mais indireta, mas que tratam de aspectos polêmicos de sustentabilidade, tornando a lei-
tura do periódico mais instigante, como são os casos dos artigos 2, 4 e 7, conforme segue.

FRETIN, no artigo 2, discute a energia solar incorporada a edifícios por meio de novas
tecnologias, com a inalidade de geração de energia elétrica, trazendo conseqüências
na forma dos mesmos e na forma urbana, possibilitando o surgimento de paisagens
tecnológicas inusitadas para o futuro das cidades.

Já o artigo 4, de SANTOS, traz a discussão dos espaços cemiteriais nas áreas urbanas
e suas possibilidades de uso pela população, mas também mostrando problemas sérios
provocados por seus impactos de contaminação ambiental, levando a autora a propor
novas tecnologias que tornem aqueles espaços mais sustentáveis no meio urbano.

O artigo 7 destaca-se dos demais por sua abordagem em cultura e cidadania, aplicada
aos “pontos de cultura” na cidade de Santos, e que se prende à temática da Revista
LABVERDE por seu empenho em pesquisa de ecologia humana, trazendo resultados
interessantes em resiliência cultural.

Na seção Entrevistas, a Revista LABVERDE traz a discussão sobre a “Nova Praça


Roosevelt”, aplicando dez questões aos entrevistados. Destacam-se aí as entrevis-
tas ao arquiteto RUBENS REIS, à empresa BORELLI & MERIGO e ao paisagista
FABRÍCIO SBRUZZI.

No Depoimento, as arquitetas ANA LÚCIA BURJATO e PATRÍCIA AKINAGA apresen-


tam o Projeto para o Parque Estadual Tizo, elaborado por diversas equipes de prois-
sionais de diversas áreas do conhecimento, alinhadas às questões de sustentabilidade.

9
Revista LABVERDE n°6 – Editorial Junho de 2013

Em Eventos, apresenta-se o lançamento do livro “Cidade para Todos: (re)aprenden-


do a conviver com a Natureza” de autoria da paisagista urbana CECÍLIA POLACOW
HERZOG, presidente do INVERDE, em noite de autógrafos na Livraria da Vila da Ala-
meda Lorena, São Paulo, no dia 10 de junho de 2013.

Espera-se que este número proporcione uma boa leitura a todos.

Junho de 2013.

Maria de Assunção Ribeiro Franco


Editora da Revista LABVERDE

EDITORIAL

GREENER CITY

For this edition, dedicated to the theme “GREENER CITY”, it was selected 11 articles
that came closer to the subject, both from the theoretical and philosophical point of
view, as well as practical aspects and applications.

From the theoretical point of view are highlighted the articles 3, 5 and 8. The irst,
by LOTUFO, focuses the discussion of the future of cities, trying to overcome the di-
chotomy between development and preservation of nature and to integrate these two
aspects in urban planning. The second, by LIMA, proposes a territorial inventory using
as ilter the landscape reading, which enables the creation of a green infrastructure
that guides a sustainable urban development. The third, by kEPPkE, reports histori-
cally the amnesties of land use and occupation in the city of São Paulo. It also pro-
poses principles of urban-environmental compensation for the new amnesties, aiming
to achieve a greener and more sustainable city.

Within the practical and applicative point of view, it is aligned subsequently the articles
1, 6, 9, 10 and 11. All of them focus urban greenery as landscape transforming element
and green infrastructure former in urban fabric.

10
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Editorial

Article 1, by BONZI, focuses the use of vegetation for treatment of waste water and
urban sewage, providing environmental services and creating multifunctional land-
scapes, sheltering leisure functions, environmental education and income generation.
FERREIRA, in article 6, focuses the vegetation in urban daily life, bringing sometimes
beneits, sometimes problems and associated costs.

LIMNIOS and FURLAN, in article 9, write a report of the urban parks history in gen-
eral, starting in the 19th century, and present a typological analysis of municipal
and state urban parks existing in the city of São Paulo, classifying them as catego-
ries of open spaces, according to the dimensions of the units and radius of service
to the population.

In article 10, FERREIRA et al., set up guidelines for green infrastructure for urban de-
sign with the creation of new green public and semi-public areas in the district area of
Luz in São Paulo, analyzing the population constructive potential under the perspec-
tive of environmental performance (research developed in LABAUT of FAUUSP).

FRANCO et al., in article 11, make an analysis on the event C40 in São Paulo, which
brought together about 40 cities around the world in mid-2011, to discuss actions on
urban sustainability and resilience before the phenomenon of climate change, high-
lighting the session that focused the role of urban afforestation and urban forest for
the cooling of the “urban heat islands”. The article also presents recommendations for
actions related to the creation of a green infrastructure, more effective to face these
phenomena, for the metropolis of São Paulo.

It is presented some works which are linked to the theme of this magazine in an indi-
rect way, but dealing with controversial aspects of sustainability, making the reading of
this magazine more exciting, as the cases of articles 2, 4 and 7.

FRETIN, in article 2, discusses solar energy incorporated into buildings through new
technologies, with the purpose of generating electricity, bringing consequences in the
buildings and urban forms, and causing the appearance of unusual technologic land-
scapes for the future of cities.

In article 4, SANTOS brings the discussion of cemeterial spaces in urban areas and
possibilities of their use by the population, but showing also serious problems caused
by the impacts of environmental contamination, leading the author to propose new
technologies to make those areas more sustainable in the urban environment.

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Revista LABVERDE n°6 – Editorial Junho de 2013

Article 7 stands out from the rest due to its approach to culture and citizenship, ap-
plied to the “culture points” in the city of Santos. This subject is linked to the theme
of LABVERDE Magazine due to its commitment to research human ecology, bringing
interesting results in cultural resilience.

In the section “Interviews”, LABVERDE Magazine brings the discussion on the “New
Roosevelt Square”, applying ten questions to the interviewed people. Stand out there
the interviews with the architect RUBENS REIS, with representatives of company
BORELLI & MERIGO and with the landscape architect FABRÍCIO SBRUZZI.

In the section “Testimony”, the architects ANA LUCIA BURJATO and PATRICIA AkINAGA
present the Project to the “State Park Tizo” developed by various teams of professionals
from different ields of knowledge, which are aligned with sustainability issues.

The section “Events” presents the launch of the book “City for All: (re)learning to live
with Nature” wrote by the urban landscape architect CECÍLIA POLACOW HERZOG,
president of INVERDE, during the night of book signing in “Livraria da Vila” at Alameda
Lorena, São Paulo, on June 10, 2013.

It is wished this edition provide a pleasant reading.

June 2013

Maria de Assunção Ribeiro Franco


Publisher LABVERDE Magazine

12
2. ARTIGOS
ARTIGO Nº1

PAISAGEM COMO INFRAESTRUTURA DE TRATAMENTO DAS ÁGUAS URBANAS


LANDSCAPE AS INFRASTRUCTURE FOR URBAN WATER TREATMENT
Ramón Stock Bonzi
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01

PAISAGEM COMO INFRAESTRUTURA DE TRATAMENTO DAS ÁGUAS URBANAS

Ramón Stock Bonzi*


* Professor de jardinagem, especialista em meio ambiente e sociedade pela Fundação Escola de Sociologia
e Política de São Paulo, aluno do curso de pós-graduação “Arquitetura da Paisagem” (Senac) e mestrando
na FAUUSP na área de concentração Paisagem e Ambiente.
e-mail: [email protected]

RESUMO

Este trabalho investiga o uso da vegetação no tratamento de esgotos, eluentes e águas


residuais. Apresenta-se a situação de nossos corpos d’água e revela-se como ecossis-
temas naturais de áreas úmidas colaboram com a manutenção de sua qualidade. São
observados os mecanismos principais que possibilitam que os sistemas de tratamento
e polimento da água por meio do uso de vegetação proporcionem serviços ambientais
importantes para os assentamentos humanos. E por im, é apontado como o uso da
vegetação no tratamento de água é capaz de criar paisagens multifuncionais que de-
sempenham funções ligadas ao lazer, à educação ambiental e à geração de renda.

Palavras-chave: Alagado Construído – Infraestrutura Verde – Metabolismo Urbano -


Tratamento de Eluentes – Biomimética – Infraestrutura paisagística.

LANDSCAPE AS INFRASTRUCTURE FOR URBAN WATER TREATMENT

ABSTRACT

This paper investigates the vegetation use for treatment of sewage, efluents and wa-
stewater. It shows the status of our water bodies and reveals how the natural ecosys-
tems of wetlands collaborate with maintaining its quality. It is observed the main me-
chanisms that enable systems of treatment and polishing of water, through the use of
vegetation, provide important ecosystem services for human settlements. Finally, it is
pointed out how the use of vegetation in water treatment is capable to create multifunc-
tional landscapes that perform functions related to recreation, environmental educa-
tion and income generation.

Keywords: Built Wetland - Green Infrastructure - Urban Metabolism - Wastewater


Treatment - Biomimicry - Infrastructure landscape.

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01 Junho de 2013

INTRODUÇÃO

Consumo e serviços ambientais na cidade

Segundo dados do Governo do Estado de São Paulo, no Brasil, 80% da população


já vive em áreas urbanas (SVMA, 2010, p.14). No entanto, apesar da consolidação
do hábitat urbano, o adensamento populacional não foi acompanhado da necessária
expansão das redes de infraestrutura e serviços. Isso ampliica os efeitos negativos
que decorrem do fato de que as nossas cidades, sob o ponto de vista ecológico, são
ecossistemas incompletos, conforme explica FRANCO:

A cidade, bem como seu sentido ampliado para a área


metropolitana, pode ser classiicado, na visão ecológica,
com um sistema incompleto ou heterotróico, dependen-
te de grandes áreas externas a ele para a obtenção de
energia, alimentos, ibras, água e outros materiais. No
entanto a mesma difere de um ecossistema heterotrói-
co natural, tal como um recife de ostras, por apresentar
um metabolismo muito mais intenso por unidade de área.
(2001, p.64).

Em outras palavras, a cidade é um ecossistema incompleto porque não consegue


prover serviços em quantidade e qualidade suiciente para os seres vivos – incluin-
do os humanos – que nela vivem. Alguns desses serviços podem ser obtidos da
própria natureza. São os serviços ambientais ou serviços ecossistêmicos, ou seja,
os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas. Segundo o CONSELHO
DE AVALIAÇÃO ECOSSISTÊMICA DO MILÊNIO (Figura 1) os serviços ecossistê-
micos incluem:

serviços de abastecimento, como alimentos e água;


serviços de regulação, como inundações e controle de
enfermidades; serviços culturais, como benefícios es-
pirituais, recreativos e culturais; e serviços de apoio,
como ciclo de nutrientes, que mantém a vida na Terra.
(2005, p. 95)

16
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01

Figura 1 – Quadro de serviços ecossistêmicos desempenhados pela natureza. (Aqui produção é si-
nônimo de abastecimento e suporte de apoio.) Fonte: Millennium Ecosystem Assessment – Avaliação
Portuguesa. Disponível em: <http://ecossistemas.org/icheiros/Folheto-Port.pdf>. Acessado em 04 de
abril de 2013.

Embora essa deinição dê margem ao argumento de que a cidade é extremamente


bem sucedida no provimento de serviços culturais – ainda que nunca se questione a
qualidade deles1 – ela é geralmente deicitária no provimento dos demais serviços,
principalmente quando se apresenta em sua forma hiperbólica, a metrópole.

O CONSELHO DE AVALIAÇÃO ECOSSISTÊMICA DO MILÊNIO esclarece que isso


ocorre porque “as intervenções humanas podem aumentar alguns serviços, embora
muitas vezes isso ocorra à custa de outros serviços”. (2005, p. 110)

1
Comumente negligencia-se o fato de que nem tudo que é cultura ”só pode fazer o bem além de fazer bem”,
como explica COELHO (2008, p. 11)

17
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01 Junho de 2013

O recente relatório “A Pegada Ecológica de São Paulo Estado e Capital” 2, da WWF,


relata o custo desta hiperespecialização urbana. O estudo apresenta dados impres-
sionantes acerca das áreas que São Paulo (cidade e estado) precisaria ter para pro-
duzir todos os bens e serviços oriundos de recursos naturais renováveis, bem como
as áreas necessárias para absorver suas respectivas emissões de CO2. São eles:

O estado de São Paulo necessitaria de uma área de 1.658.571 km², quase


sete vezes a área oicial do estado. A cidade de São Paulo precisaria, neste
caso, de uma área de 595.939 Km² para ser autossuiciente, considerando que
seu consumo atual é mais de 390 vezes a área total do município. (Idem, p. 64)

Segundo o estudo,

A Pegada Ecológica média do estado de São Paulo é de 3,52 hectares globais per
capita e de sua capital, a cidade de São Paulo, 4,38 gha/cap. Isso signiica que,
se todas as pessoas do planeta consumissem de forma semelhante aos paulistas,
seriam necessários quase dois planetas para sustentar esse estilo de vida. Se
vivessem como os paulistanos, quase dois planetas e meio. (2012, p. 18)

Para se ter uma ideia da pressão que a cidade de São Paulo3 exerce sobre os ecos-
sistemas é necessário contextualizar que a “média mundial da Pegada Ecológica é de
2,7 hectares globais por pessoa, enquanto que a biocapacidade disponível para cada
ser humano é de apenas 1,8 hectare global”. (Idem, p. 50)

A velocidade desse gigantesco metabolismo urbano relete-se na produção de resí-


duos, incluindo-se aí o tratamento de esgoto. O resultado é um quadro preocupante,
caracterizado por precarização das condições de vida da população, mortalidade in-
fantil e degradação ambiental das cidades e dos ecossistemas, o que evidentemente
autoriza considerar a maioria das urbes brasileiras, notadamente a região metropoli-
tana de São Paulo, como não sustentável.

2
“A Pegada Ecológica mede a quantidade de terra biologicamente produtiva e de área aquática necessárias
para produzir os recursos que um indivíduo, população ou atividade consome para absorver os resíduos que
gera, considerando a tecnologia e o gerenciamento de recursos prevalecentes”. (WWF, 2012, p. 100)
3
São Paulo, a maior cidade da América Latina, possui uma população de 10,8 milhões de habitantes (p.
11) e sua região metropolitana, embora ocupe um milésimo do território brasileiro, abriga 10% da população
(p.13). (WWF, 2012)

18
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01

A reversão do quadro descrito acima passa necessariamente pela análise de ques-


tões relativas ao saneamento básico e pelo enfrentamento da degradação das reser-
vas de água doce.

Sendo assim, urge a identiicação, a compreensão e o fomento de propostas não con-


vencionais de se lidar com as questões relativas ao tratamento de águas das cidades.

Neste sentido, destacam-se os sistemas construídos que usam vegetação no trata-


mento de água. Estes, além de terem sua eiciência técnica e viabilidade econômica
conirmada na literatura aqui referenciada, podem contribuir signiicativamente para
a conscientização de que os assentamentos humanos acarretam impactos sobre os
ecossistemas em geral, e sobre a qualidade da água, em particular. E sinalizam que
sistemas biomiméticos, isto é, sistemas sintéticos inspirado na natureza, podem co-
laborar signiicativamente na constituição de uma infraestrutura verde4 urbana que
tornará as nossas cidades mais verdes e sustentáveis.

O CICLO DA ÁGUA NOS ASSENTAMENTOS HUMANOS

As reservas de água doce

Segundo REBOUÇAS (2006, p. 7), embora mais de ¾ da superfície da Terra seja coberta
por água, apenas 2,5% do volume total da água do planeta é doce. Deste volume, cerca
de 68,9 % da água doce encontra-se congelada, 29,9% está sob o solo e 0.9% sob a for-
ma de umidade do solo. Rios e lagos representam apenas 0,3% da água doce do planeta.
Esse pequeníssimo percentual torna fácil acatar sem maiores questionamentos o
“mito” de que “40% da população mundial sofre com escassez aguda de água” (dado
mal interpretado de um estudo do Banco Mundial de 1995)5 ou a profecia de que “se
as guerras deste século se deram em torno do petróleo, as do próximo século serão
lutas pela água”, proferida pelo vice-presidente do BIRD (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), Ismail Serageldin, em 1995.

4
A Infraestrutura Verde pode ser entendida com uma “rede de áreas naturais e áreas abertas (open spaces)
fundamentais para o funcionamento ecológico do território, contribuindo para a preservação dos ecossiste-
mas naturais, da vida selvagem, para a qualidade do ar e da água e para a qualidade de vida dos cidadãos.”
(FERREIRA; MACHADO, 2010, p. 69).
5
Tal problema, na verdade, acometeria 4% da população mundial. Para mais detalhes ver Lomborg (2002,
p. 25, 186,187).

19
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01 Junho de 2013

No entanto, tal como acontece com a iminente (e jamais concretizada) falta mundial
de alimentos anunciada há 200 anos por Thomas Malthus, confunde-se distribuição
com escassez. A distribuição de água doce, de fato, parece ter aumentado: Rebouças
avalia que no ano 2000, cada habitante da Terra teria disponível de seis a setes vezes
a quantidade mínima estimada como razoável pela ONU (Idem, p. 14)6.

Ainda assim, é preciso cuidado. Para a ONU, se não melhorarmos o manuseio das
águas a proporção de pessoas em países com tensão hídrica aumentará de 3,7%, em
2000, para 8,6%, em 2025, e 17,8%, em 2050.

A boa notícia é que ao contrário de muitos problemas ambientais que parecem inso-
lúveis, a reversão da tendência acima pode ser bastante simples, com medidas de
combate ao desperdício.

Os sistemas de irrigação da agricultura, de longe a maior consumidora de água doce


do planeta, apresentam de 60 a 80% de perda. Enquanto no Brasil esse número é
de 70%, países tão díspares como Índia, Israel, EUA ou Espanha têm reduzido essas
perdas a baixíssimos níveis.

Também podemos racionalizar o consumo se nos atentarmos ao fato de que algo


como 90% das atividades que utilizam água potável poderia ser feita com água de
reuso ou com água da chuva. Portanto pode-se obter considerável economia de água
com medidas simples e tecnologia já desenvolvida.

O abastecimento de água

O Brasil é um país privilegiado no que diz respeito à quantidade de água potável que pos-
sui à sua disposição. Ainda que ocupe 5,7% das terras do planeta, tem em seu território
nada menos do que 12% de toda a água potável do mundo (VAN KAICK, 2002, p. 35). E
53% da produção de água doce do continente sul-americano (REBOUÇAS, 2006, p. 27).

6
Tentou-se confrontar esses dados com o conceito de pegada hídrica, desenvolvido pela WWF, mas o documen-
to aqui referenciado não apresenta dados concretos sobre a pegada hídrica de São Paulo. No entanto, o estudo
conirma a diiculdade de se trabalhar com a questão da disponibilidade de água doce: “A Pegada Hídrica acom-
panha somente a demanda humana por água doce e não a demanda de ecossistemas como um todo. Depende
de dados locais frequentemente indisponíveis ou de difícil coleta. Sofre de possíveis erros de truncamento. Não
existem estudos sobre incertezas de dados, embora as incertezas sejam signiicantes”. (WWF, 2012, p. 43,44)

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01

No entanto, se há motivos para alegria, há também motivos para lamentação: no


Brasil, perde-se algo entre 37 e 42% da água potável no processo de distribuição,
segundo dado divulgado em setembro de 2011 pelo Sistema Nacional de Informações
sobre o Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades. O Japão, referência mundial
no assunto, atingiu a marca de píios 3%.

Segundo o levantamento “Indicadores do Desenvolvimento Sustentável – Brasil 2012”,


do IBGE,

Em todo o País tem crescido continuamente, ao longo do período analisado, o


percentual da população com abastecimento de água considerado adequado,
tendo alcançado 93,1% na zona urbana em 2009. Os percentuais são menores
na zona rural (32,8%), que é mais atendida por outras formas de abastecimen-
to de água, como poço ou nascente e outros tipos. Os percentuais de popula-
ção abastecida por rede geral de água nas áreas urbanas são mais elevados
na Região Sudeste (97,1%) e na Região Sul (95,3%) do que nas Regiões Nor-
deste (92,0%), Centro-Oeste (91,6%) e Norte (93,1%). (p. 108,109)

O estudo aponta que o estado de São Paulo destaca-se com 99,3% da população
atendida por rede de abastecimento de água, o que se reverte em melhoria das con-
dições de saúde e higiene, e, portanto, melhor qualidade de vida, um dos principais
indicadores para se aferir o desenvolvimento sustentável.

O esgotamento sanitário

O esgotamento sanitário é um serviço de importância crucial para a qualidade de vida


das pessoas já que controla e reduz doenças, ajudando a minimizar o impacto dos as-
sentamentos humanos sobre os ecossistemas. Em nítido contraste com os elevados
níveis de abastecimento de água do país, o estudo do IBGE apresenta dados bem
mais modestos relativos ao esgotamento sanitário:

aproximadamente 80% dos moradores em áreas urbanas e 25% daqueles em


áreas rurais eram providos de rede geral de esgotamento sanitário ou de fos-
sa séptica. Enquanto o percentual de domicílios urbanos atendidos por rede
coletora tem aumentado continuamente, o percentual dos atendidos por fossa
séptica tem se mantido estável, com tendência de queda a partir de 2008. (...)
Nas áreas urbanas, as Unidades da Federação com os maiores percentuais
de atendimento por rede coletora nos domicílios, em 2009, eram: São Paulo

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01 Junho de 2013

(91,1%), Distrito Federal (89,4%) e Minas Gerais (89,1%). Os menores percentu-


ais foram veriicados no Amapá (1,1%), no Pará (2,7%), e em Rondônia (5,2%).
Nas áreas rurais, os maiores percentuais ocorreram em São Paulo (44,3%), no
Distrito Federal (22,6%) e no Rio de Janeiro (17,9%), e os menores no Rio Gran-
de do Sul, no Tocantins e na Paraíba (0,5%, cada). (Idem, p. 114, 115)

Pode-se observar, portanto, que o nosso país possui um grande degrau entre os ser-
viços de abastecimento e de tratamento de esgoto.

O tratamento de esgoto

Ainda que o abastecimento de água e o esgotamento sanitário sejam fundamentais para


a qualidade de vida, e consequentemente para a medição do desenvolvimento susten-
tável, o ponto fulcral do ciclo da água nos assentamentos humanos, principalmente no
que diz respeito à preservação da qualidade das águas doces e da não contaminação
dos ecossistemas é o tratamento do esgoto coletado antes de sua disposição nos cor-
pos d’águas e sumidouros.

A ausência de tratamento compromete todas as atividades que dependem dos corpos


d’água, desde a pesca até a recreação, passando pela irrigação de áreas cultivadas para
a produção de alimentos e o fornecimento de água para animais na pecuária. Em determi-
nados níveis, a presença de esgoto nos corpos d’água contribui ainda para a proliferação
de doenças. Neste sentido, os dados apresentados pelo levantamento do IBGE, embora
retratem uma evolução na prestação desse serviço, são bastante preocupantes:

No ano de 1995, no conjunto dos municípios com mais de 100 000 habitantes,apenas
8,7% do total do esgoto coletado foi tratado. No ano de 2005, esta razão passou a
ser de 61,6%. Nos anos de 2006 a 2008, a partir da mudança na metodologia da
coleta dos dados, os percentuais foram, respectivamente, 60,7%, 62,9% e 66,2%.
Em relação às Grandes Regiões, no ano de 1995, a Região Sudeste apresentava
somente 1,5% do esgoto coletado tratado, abaixo do percentual no Brasil (8,7%).
Por outro lado, as Regiões Nordeste e Centro-Oeste possuíam os maiores per-
centuais tratados (44,8% e 33,4%, respectivamente), superiores à média do País
como um todo. Já em 2005, o percentual no Brasil é de 61,6% e as Regiões Norte
e Sudeste apresentam percentuais inferiores (50,7% e 51,8%, respectivamente).
As Regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sul apresentam os maiores percentuais
(90,1%, 79,6% e 77,8%, respectivamente). No ano de 2008, as Regiões Centro-
Oeste (88,9%), Nordeste (86,4%) e Sul (78,8%) apresentam os maiores percentu-
ais de tratamento do esgoto coletado. (Idem, p. 126)

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O estudo Panorama da Qualidade das Águas Supericiais – 2012, da ANA (Agência


Nacional de Águas) apresenta dados em que ica claro como o quadro descrito se
materializa em um acentuado grau de degradação da qualidade das águas urbanas
do país quando comparado com o panorama geral das águas supericiais do Brasil
(Figura 2). O estudo informa que enquanto apenas 7% dos 1.988 pontos monitorados
apresentaram índice de qualidade das águas péssimo ou ruim, o número salta para
47% quando considerados somente os corpos d’água em áreas urbanas.

Figura 2 – Índice de Qualidade das Águas – Valor Médio em 2010. Fonte: Agência Nacional de Águas,
2012.

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01 Junho de 2013

Segundo o estudo, esse quadro de degradação das águas urbanas pode ser explica-
do como relexo de uma combinação entre alta taxa de urbanização e baixos níveis de
coleta e tratamento de esgotos domésticos.

REPENSANDO O CICLO DA ÁGUA NOS ASSENTAMENTOS HUMANOS

A diiculdade de prover saneamento básico para todos talvez se explique em parte


pela inviabilidade econômica de se instalar Estações de Tratamento de Esgoto con-
vencionais em pequenas cidades e comunidades rurais. Conforme explica ZANELLA,

esses sistemas mecanizados são a melhor opção para grandes metrópoles


onde o espaço livre para a construção de ETEs é cada vez mais raro, mas em
municípios menores ou comunidades isoladas a complexidade e a dependên-
cia geradas por esse tipo de estação torna-se uma barreira, se não para sua
implantação, ao menos para a sua operação que envolve elevados custos de
manutenção e exigência de operação especializada, nem sempre disponível.
(2008, p. 22)

Por outro lado, a falta do saneamento básico universal também pode ser explicada
como fruto de um embate entre duas visões de mundo bastante diferentes sobre o
mesmo assunto: a do conservadorismo tecnicista da engenharia civil, que calcada no
sanitarismo7 do século XX, vê com desconiança tudo o que é relacionado à água,
e a do romantismo ecológico daqueles que propõe sistemas de tratamento de água
baseados no uso de vegetação, geralmente orientados por uma romântica visão de
natureza como a morada de todas as virtudes em declarada oposição ao que é tocado
pela mão do homem - notadamente a ciência, a economia e a cidade.

Quem perde com tal embate, evidentemente são as pessoas e os ecossistemas, que
permanecem sem tratamento de esgoto por uma suposta inexistência de alternativas
viáveis. (E de vontade política, pode-se acrescentar).

7
Franco (1997, p. 78) explica que “o movimento higienista desde suas origens (ins do séc. XVIII), valeu-se
da ‘teoria dos meios’. Esta insistia em que os males eram advindos da estagnação de todo o tipo – água, lixo
e homens. Dessa forma a circulação transformou-se na palavra de ordem da engenharia sanitária”. Isso per-
mite entender porque, aparentemente, todo o sistema de drenagem de São Paulo parece ter sido pensado
de modo a fazer a água ‘sumir’ o mais rapidamente possível de nossa vista.

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01

É neste contexto delicado e complexo que se propõe aqui a identiicação, a compre-


ensão e a análise de sistemas de tratamentos de águas que mimetizam ecossistemas
naturais alagáveis.

AS LIÇÕES DO PÂNTANO OU PORQUE OS SISTEMAS DE TRATAMENTO DE


ÁGUA COM USO DE VEGETAÇÃO MIMETIZAM ECOSSISTEMAS ÚMIDOS E NÃO
OUTROS ECOSSISTEMAS

De oceanos a desertos, dos Alpes suíços à loresta amazônica, todos os ecossistemas


obedecem aos princípios da termodinâmica. Sua primeira lei determina que um tipo de
energia pode ser transformado em outro. As plantas, por meio da fotossíntese, fazem isso
durante o dia, transformando a energia solar em energia química. E é este “pequeno mi-
lagre”, que compartilhado via cadeia alimentar, possibilita a vida em nosso planeta e con-
segue amenizar os efeitos da implacável segunda lei da termodinâmica: a de que a cada
transformação de energia, parte da energia inicial se dispersa em formas irrecuperáveis.

Embora geralmente sejam expressas em termos de energia, as leis da entropia tam-


bém se aplicam à matéria. No entanto, é importante observar que, enquanto a energia
entra e sai dos ecossistemas o tempo todo (chegando como luz e saindo como calor,
por exemplo), a matéria tende a ser retida dentro do ecossistema, conservando-se em
níveis constantes através dos processos de ciclagem de nutrientes e de decomposi-
ção da matéria orgânica.

As plantas também são capazes de realizar um segundo “milagre”, este bem menos
reverenciado: o de transformar matéria orgânica em inorgânica. E vice-versa.

Embora todos os ecossistemas sejam capazes de realizar os processos descritos aci-


ma, ODUM (1988) explica que os “ecossistemas de terras alagadas” são mais eicien-
tes no que diz respeito à capacidade de ciclar nutrientes e matéria orgânica porque o
luxo de água “age como subsídio energético” (p. 169).

RICKLEFS descreve os alagados como

áreas de terra consistindo em solo saturado com água e que sustentam uma
vegetação especiicamente adaptada a estas condições. Os alagados incluem
pântanos, brejos e lamaçal quando derivam de água doce, e brejos salgados e
manguezais quando associados a ambientes marinhos. (2011, p. 95)

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01 Junho de 2013

ODUM explica que os alagados podem estar saturados de água continuamente ou


apenas durante parte do ano e que também são caracterizados por serem sistemas
muito abertos. O autor explica que a produtividade dos alagados é determinada pela
lutuação do nível da água, e ilustra essa capacidade com um dado impressionante:
“embora os alagados ocupem apenas cerca de 2% da área do mundo, estima-se que
contêm de 10 a 14% do carbono. (...) Alguns solos de áreas alagadas podem conter
até 20% de carbono por peso” (1988, p. 370).

Fica fácil perceber, portanto, como é problemática a supressão de tais ecossistemas


pelas atividades humanas. Além de comprometer um importante serviço ambiental já
que “os sedimentos dos alagados imobilizam substâncias poluentes potencialmente
tóxicas dissolvidas na água” (RICKLEFS, 2011, p. 95), adicionalmente, a conversão
de um mangue em um resort turístico, por exemplo, ou a drenagem de um brejo para
a o desenvolvimento de atividades agrícolas, liberam grandes quantidades de CO2 na
atmosfera, contribuindo com a ampliicação das mudanças climáticas.

O relatório Ecossistemas e bem-estar humano: estrutura para uma avaliação, das Nações
Unidas, ressalta os benefícios obtidos com a regulação dos processos dos ecossistemas,
entre eles, a puriicação da água e o tratamento de refugos: “Os ecossistemas podem ser
uma fonte de impurezas na água doce, mas também podem ajudar a iltrar e decompor re-
fugos orgânicos introduzidos em águas interiores e ecossistemas litorâneos e marinhos”.
(CONSELHO DE AVALIAÇÃO ECOSSISTÊMICA DO MILÊNIO, 2005, p. 107).

A recente proposta do “novo” Código Florestal de se retirar a proteção aos mangues e


aos apicuns, deixa claro que as lições quanto à importância de se preservar os ecos-
sistemas alagados ainda não foram plenamente compreendidas. Paradoxalmente, o
entendimento acerca do funcionamento desses ecossistemas tem evoluído a passos
largos, consolidando-se na arquitetura paisagística, nas engenharias civil e ambiental
e na permacultura, por meio de tipologias construtivas que mimetizam zonas úmidas e
que são versáteis o suiciente para serem aplicadas tanto na escala do lote residencial
quanto na escala do planejamento urbano.

A VEGETAÇÃO COMO TECNOLOGIA PARA A PURIFICAÇÃO DA ÁGUA

“Tratamento de água por zona de raízes”, “wetlands construídos”, “círculo de bananei-


ras”, “bacia de evapotranspiração”, “ilhas lutuantes”, “iltros plantados”, “jardins iltran-
tes” e “leitos de macróitas” são os nomes de alguns desses métodos de tratamento e
polimento da água por meio do uso de vegetação.

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Figura 3 – Representação esquemática em corte de um wetland construído. Fonte: Zanella, 2008.

Figura 4 – Esquema de Zona de Raízes. Fonte: Van Kaick, 2002.

Figura 5 – Corte de Ilha Flutuante. A bacia de sedimentação à esquerda é opcional.


Fonte: www.sahajowater.com

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Cada uma dessas tipologias construtivas possuem particularidades (ver Figuras 3, 4 e 5).
Em comum, valem-se de propriedades, ciclos e mecanismos naturais para efetuar a lim-
peza da água que estão, resumidamente, elencados a seguir. Van Kaick (2002), Izembart;
Le Boudec (2003), France (2003), Zanella (2008) e Horn (2011) e explicam que:

• As raízes de muitas plantas abrigam colônias de microrganismos que decom-


põem a matéria orgânica (bioilme). Dessa decomposição surgem nutrientes
que são utilizados pelas plantas.

• Os vegetais possuem estruturas chamadas aerênquimas, pequenos canais


capazes de transportar oxigênio e nitrogênio das folhas para as raízes. Esse
luxo é importante porque as bactérias precisam desses elementos químicos
para realizar a decomposição de matéria orgânica.

• O luxo de oxigênio da folha para a raiz tem a capacidade de oxigenar am-


bientes aquáticos, possibilitando os processos de decomposição aeróbicos
mesmo em eluentes com grande carga de matéria orgânica.

• A introdução de oxigênio no solo é necessária para que ocorram os proces-


sos de oxidação de metais pesados e gases a base de enxofre.

• O oxigênio causa a morte de germes e bactérias causadoras de doenças.

• As raízes têm a capacidade de iltrar os gases gerados pelos processos ae-


róbicos e anaeróbicos de decomposição de matéria orgânica, evitando a exa-
lação de odores.

• As raízes retém material particulado.

• A evapotranspiração das plantas providencia o retorno da água à atmosfera


em forma de vapor exalado pelas folhas, o que pode levar à concentração
do eluente.

• Raízes de plantas com os juncos da família Phragmites produzem substân-


cias que atuam na eliminação de coliformes fecais e outras bactérias patogê-
nicas podendo-se atingir índices de 99,99% de eiciência.

Entre as tipologias construídas que imitam processos naturais presentes em ecossiste-


mas de áreas úmidas, as chamadas Ilhas Flutuantes, vêm ganhando enorme destaque.
Segundo Charman (2003), a reunião de três sistemas aquáticos diferentes – pântano,
rio e lago – está possibilitando que peixes, bactérias e o sistema radicular de vegetação
aquática trabalhem em conjunto para limpar águas extremamente poluídas.

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O caso mais emblemático é, provavelmente, o Baima Canal, na cidade chinesa de


Fuzhou. Em 2002, o canal de 600 metros de extensão recebia 2840m3 de esgoto
bruto por dia. Em apenas um ano, com a instalação das ilhas lutuantes, o canal icou
irreconhecível: de um local extremamente degradado, converteu-se em uma paisa-
gem desfrutada pela população, abrigando 10 mil carpas e 100 mil plantas (Figura 5).
E o esgotamento de 12 mil pessoas continua sendo feito no local, com tratamento
realizado a um custo estimado U$10 dólares/pessoa/ano, ao invés dos 80 dólares do
tratamento convencional.

Figura 6 – Baima Canal. Antes e depois. Fonte: John Todd Ecological Design.

A vegetação a ser usada no tratamento de água por vegetação devem ter algumas
características:

• tolerar áreas permanentemente saturadas ou submersas;


• ter aerênquimas bem desenvolvidas;
• possuir raízes em forma de cabeleira;
• serem, preferencialmente, nativas da região.

O uso de exóticas deve ser criterioso, já que muitas delas podem se tornar uma praga.

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OUTRAS TECNOLOGIAS DA NATUREZA PARA O TRATAMENTO DE ÁGUA

Além do uso de plantas, outros elementos naturais, geralmente associados a elas,


ajudam na puriicação da água. O solo dá suporte para a vegetação e funciona como
“uma camada iltrante que possibilita ações de sorção e a atividade microbiológica
que mineraliza a matéria orgânica ainda contida no eluente, disponibilizando os mi-
nerais e nutrientes para a vegetação” (ZANELLA, 2008, p. 24).

A variação no nível da água contribui com a ciclagem de nutrientes. Por isso, as tipo-
logias valem-se, em maior ou em menor grau, de diferentes arranjos quanto ao nível
da água em relação ao leito, o grau de submersão das plantas e a existência de zonas
de transição entre as duas situações anteriores, conforme ilustrado na igura 7.

Figura 7 –
Representação
esquemática
de um wetland
natural. Fonte:
Zanella, 2008.

Uma determinada combinação entre os componentes solo, planta e água pode ser
mais eiciente no que diz respeito à decomposição de matéria orgânica, enquanto
outra pode priorizar a erradicação de patógenos. Para esta inalidade, exige-se menor
quantidade de vegetação a im de possibilitar maior exposição à radiação solar, que
tem a capacidade de controlar a população de organismos patogênicos.

A profundidade da água e o seu luxo também determinam outros serviços dos siste-
mas naturais de tratamento de água. Em lâminas de água de até 0,50m de profundi-
dade há a tendência a predominar os processos aeróbicos de decomposição de ma-
téria orgânica. Para profundidades maiores, predominarão os processos anaeróbicos
e anóxicos de decomposição de matéria orgânica.

O sentido do luxo (de baixo para cima ou vice-versa) inluencia na capacidade de sedimen-
tação dos sistemas construídos, bem como na aeração da água que está sendo tratada.

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Percebe-se que a tendência hoje é de que os sistemas de tratamento que utilizam


vegetação tenham duas ou mais áreas construídas com diferentes tipologias de esco-
amentos entre si, isto é, diferentes combinações entre meio suporte, planta, nível da
lâmina de água e sentido de luxo de eluentes8.

EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS

Embora sejam relativamente comuns na Europa e nos Estados Unidos, ainda são
raros no Brasil os sistemas de tratamento de água com uso de vegetação fora de
ambientes de pesquisa.

Na Praça Victor Civita, em São Paulo, a água da chuva e o esgoto do prédio do Mu-
seu são transportados por canaletas para o sistema de alagados, passando por uma
camada iltrante de cascalho e plantas aquáticas. (Figuras 8, 9,10 e 11)

Figuras 8, 9, 10 e 11 – Wetland Construído da Praça Victor Civita, em São Paulo.

8
Os wetlands construídos costumam ser classiicados em sistemas de escoamento supericial ou subsuperi-
cial e subdivididos quanto ao luxo de eluentes, que pode ser horizontal ou vertical. Neste, o luxo pode ser as-
cendente ou descendente. A vegetação pode ser submersa, lutuante, emergente ou ixa de folhas lutuantes.

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Esses sistemas não convencionais de tratamento de água também apresentam a van-


tagem de não terem rejeição por parte da população, ao contrário do que se veriica
com as estações de tratamento de esgoto convencionais.

De fato, pode-se veriicar que quando essas tipologias construtivas recebem trata-
mento paisagístico adequado, a função de tratamento de eluentes muitas vezes pas-
sa despercebida pela população do entorno e pelos usuários desses espaços. Esse
fenômeno foi observado em visita técnica ao Parque da Juventude (Luis Latorre) loca-
lizado em Itatiba, município que faz parte da região metropolitana de Campinas.

Figura 12 – Planta de Paisagismo da gleba Águas do Mundo, no Parque da Juventude (Pq. Municipal
Luis Latorre), em Itatiba, SP. Fonte: Eng. André Bailone, da Itubanaiá (empresa responsável pelo projeto).

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Uma de suas áreas, a gleba Águas do Mundo (Figura 12), faz o tratamento da água
poluída que chega de uma encosta vizinha9, como pode ser visto nas iguras 13, 14 e
15. O sistema de wetlands recebeu um tratamento paisagístico (iguras 16 e 17) que
compatibilizou o tratamento de águas com o lazer dos usuários do parque (iguras
18, 19 e 20), oferecendo ainda um estimulante ambiente para a educação ambiental
(igura 21) e refúgio para biodiversidade (iguras 22, 23 e 24).

Figuras 13 e 14 – Qualidade da água ao entrar no Parque da Juventude (Luis Latorre).

Figura 15 –
A encosta, fonte da
água suja que é tra-
tada no sistema.

9
A proposta inicial era tratar a água do poluído reibeirão Jacaré, vizinho ao parque. No entanto a morosidade
do licenciamento ambiental e pressões para a inauguração do parque em ano eleitoral forçaram a mudança
do projeto.

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01 Junho de 2013

Figura 16 e 17 – Tratamento paisagístico do Parque. Fonte da igura 17: Eng. André Bailone, da Ituba-
naiá (empresa responsável pelo projeto).’

Figuras 18 e 19 – Alguns equipamentos de lazer e paisagens que não se espera encontrar em uma
estação de tratamento.

Figura 20 – A inusitada possibilidade de contem- Figura 21 – Painel junto à passarela na área bre-
plar um sistema de tratamento de águas sujas. josa serve de apoio para a educação ambiental.
Fonte: Eng. André Bailone, da Itubanaiá (empresa
responsável pelo projeto).

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Figuras 22, 23 e 24 – Wetlands construídos são ambientes de refúgio da biodiversidade, como ocorre
no Parque da Juventude (Luis Latorre).

Conversas informais com usuários do parque revelaram que nenhum deles sabia da
função de tratamento de água desempenhada pelo parque. Nenhum dos entrevista-
dos relatou já ter sentido odores desagradáveis no local. Questionados sobre a beleza
do lugar, a avaliação foi positiva. Cerca de metade era frequentadora assídua, utilizan-
do o parque para atividades de caminhada e cooper.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

São bastante conhecidos os efeitos deletérios que o despejo de eluentes sanitários


no meio ambiente pode causar, mas pouco conhecidas são as alternativas existentes
às estações de tratamento convencionais.

A literatura consultada aponta para viabilidade técnica dos sistemas de tratamento e


polimento de água baseados no uso da vegetação. De baixo custo e simples operação,
esses sistemas inspirados pela natureza podem colaborar para que os cerca de 45%
de municípios brasileiros que não são atendidos por redes coletoras de esgoto possam
tratar os seus eluentes, inclusive de maneira descentralizada e na escala do lote.

Ainda que seja crescente a produção acadêmica sobre sistemas de tratamento de


água com uso de vegetação, pouquíssimos são os estudos acerca de sua dimensão
paisagística. Raras também são as pesquisas acerca de como tais espaços consen-
tem outros usos.

Nossos estudos de caso, no entanto, evidenciam que tais sistemas são capazes
de oferecer outros usos e serviços relacionados ao lazer, ao fomento da biodiver-
sidade e à educação ambiental. No que tange ao planejamento urbano e regional,
esses espaços podem ser vistos como zonas de amortecimento entre unidades de

35
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01 Junho de 2013

conservação (tais como parques nacionais, reservas biológicas e estações ecoló-


gicas) e áreas urbanas ou agrícolas. Em outras palavras, são peças-chave da in-
fraestrutura verde – existente ou sonhada – de cidades e assentamentos de todos
os tamanhos.

Apesar dos muitos estudos e sistemas construídos em todo o mundo, parece haver
uma dimensão inexplorada, que é a desses espaços serem desenhados como uni-
dades produtivas já que é possível utilizar espécies vegetais que produzem materiais
com valor econômico, tais como lores de corte (‘copo de leite’ – Zantedeschia aethio-
pica e helicônias-Heliconia spp, por exemplo), ibras para confecção de cestos e arte-
sanato (taboa – Typha spp e junco – Juncus spp), papel (papiro – Cyperus papyrus)
e até mesmo material de construção (bambu – Guadua augustifolia, Guadua chaco-
ensis e Dendrocalamus giganteus, entre outros). Mediante certo cuidado, a biomassa
produzida nesses sistemas pode, provavelmente, ser utilizada como ração para ani-
mais e também como material para compostagem.

Sistemas de tratamento de água dotados de tratamento paisagístico são espaços


multifuncionais híbridos entre paisagem e infraestrutura. Essas infraestruturas pai-
sagísticas também são espaços inerentemente educativos já que ao explicitarem os
benefícios proporcionados por mangues, alagados, brejos e demais áreas úmidas
naturais colaboram com a conscientização acerca da importância da conservação
desses ecossistemas.

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°01

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38
ARTIGO Nº2

ARQUITETURA E ENERGIA SOLAR: HÁ ALGO DE NOVO?


ARCHITECTURE AND SOLAR ENERGY: IS THERE ANYTHING NEW?
Dominique Fretin
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02 Junho de 2013

ARQUITETURA E ENERGIA SOLAR: HÁ ALGO DE NOVO ?

Dominique Fretin*
*Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1974), mestrado(2002) e
doutorado (2009) em Arquitetura e Urbanismo, ambos pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atu-
almente é pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professor assistente na faculdade de
Arquitetura e Urbanismo desta mesma Universidade. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo,
com ênfase em Tecnologia de Arquitetura e Urbanismo, atuando e lecionando principalmente nos seguin-
tes temas: arquitetura, energia solar, sustentabilidade, projeto de arquitetura, qualidade de vida, eiciência
energética e conforto ambiental (Térmica, acústica, insolação, ventilação, iluminação natural).
Endereço para acessar CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/6612511393884906
e-mail: [email protected]

RESUMO

Não há dúvidas quanto à evolução do aproveitamento da energia solar e ao progresso


acelerado das técnicas capazes de explorar esta forma de energia. A novidade está
na transformação da radiação solar em eletricidade da qual a humanidade não pres-
cinde mais, mas outras formas de se utilizar esta energia, luz e calor, e notadamente
na arquitetura e nas construções são tão antigas quanto a história registrada. Mesmo
assim, a assimilação de tais possibilidades na arte de construir ainda parece caminhar
lentamente. A pergunta que orienta este artigo busca indagar se a adoção desta for-
ma de energia trará modiicações na forma dos edifícios e no desenho urbano, vindo
a transformar a paisagem das cidades? Um breve levantamento do “estado da arte”
tenta elucidar estas questões.

Palavras-chave: Energia solar, arquitetura, cidades, eiciência energética, edifícios e


cidades sustentáveis.

ARCHITECTURE AND SOLAR ENERGY: IS THERE ANYTHING NEW?

ABSTRACT

There is no doubt as to the evolution of the solar energy yield and the accelerated
progress of techniques able to exploit this type of energy. The novelty lies in the trans-
formation of solar radiation into electricity, which mankind cannot disregard anymore,
but other ways to use such energy, light and heat, which are as old as the recorded

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02

in the architecture history and constructions. Even so, the assimilation of such possi-
bilities in the constructing art still looks going on slowly. The question that guides this
article seeks to ask if the adoption of this form of energy will bring changes in the form
of buildings and urban design, transforming the landscape of the cities. A brief survey
of the “state of the art” attempts to clarify these issues.

Keywords: Solar energy, architecture, cities, energy eficiency, sustainable buildings


and cities.

Em épocas de crise, carência de energia ou preocupações com o abastecimento futuro


é natural que os espíritos se voltem para a busca de fontes alternativas viáveis e urgen-
tes. A energia solar, a principio inesgotável, pelo menos na escala de tempo humana,
fonte primária e base de quase todas as fontes usadas hoje (com exceção da nuclear
e da geotérmica) retorna sempre à pauta. O processo não é novo e, desde os antigos
helênicos técnicas do seu aproveitamento vêm evoluindo aos sobressaltos, sempre de-
monstrando um ápice de desenvolvimento em períodos de escassez ou insuiciência em
energia por fontes não renováveis ou em extinção. Inúmeros são os exemplos ao longo
da história. Xenofonte, em seu Memorabilia (Livro III, cap. VIII, 431 – 355 a.C.) atribui à
Sócrates a “receita” de uma casa solar capaz de explorar a luz e o calor do sol, aque-
cendo no inverno e protegendo no verão. Vitruvius1 (Ca. 100 aC) ressalta a importância
do conhecimento das trajetórias do sol para a concepção e orientação dos edifícios
assim como para a implantação de novas cidades. O aproveitamento desta forma de
energia na construção graças ao conhecimento de sistemas que hoje são classiicados
como “passivos” é, portanto, bastante conhecido por ter se perpetuado nas construções
vernaculares e evoluído acompanhando o progresso da tecnologia. Tornou-se possível,
hoje, construir aproveitando a energia solar com requintes de qualidade, salubridade,

1
VITRUVIUS, Marcus P. – The ten Books on Architecture. Translated by Morris H. Morgan. Dover Publica-
tions, re-edição (original de 1914), New York. ISBN: 486-20645-9.

A orientação em relação ao sol é mencionada com ênfase em dois livros, ou capítulos, da obra de Vitruvius.
No Livro I (cap. IV, p.17), aparecem as diretrizes gerais para a escolha do sítio de uma cidade e como as
trajetórias do sol devem ser levadas em conta. No Livro IV (cap. V, p.116), discorre sobre a orientação dos
templos. No livro VI (cap. I, p.170) deine as diretrizes para o projeto de ediicações com mais detalhes,
trazendo conselhos para os mais diversos tipos de cômodos. Há inclusive a descrição detalhada da casa
grega. O livro IX (cap. VII, p.270-272). trata de astronomia em geral e geometria solar, demonstrando alto
grau de conhecimento técnico.

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02 Junho de 2013

conforto ambiental, eiciência energética e ainda produzir a energia necessária para o


desempenho das atividades cotidianas contemporâneas. Os recentes estudos sobre o
efeito fotovoltaico e os assombrosos avanços na produção de células, módulos e pai-
néis fotovoltaicos, cada vez mais eicientes, permitem repensar o uso da energia solar
como fonte para a produção de energia elétrica, assim como abrem portas para que ar-
quitetos, urbanistas e projetistas reformulem seus projetos de maneira a captar a maior
quantidade de radiação possível. Sim, porque a priori, toda construção na superfície da
Terra é solar. Esta declaração bombástica não é exagero, mas uma simples constata-
ção, pois, de fato, as ediicações recebem radiação direta, indireta, reletida ou difusa
em sua envoltória durante o período diurno, com intensidade variável de acordo com a
latitude e com as condições meteorológicas locais. A quantidade de radiação recebida
pela ediicação depende principalmente das orientações e inclinações dos planos que
formam a envoltória da ediicação.

Portanto, uma pergunta fundamental emerge desta consideração, a saber se a ado-


ção desta forma de energia trará modiicações na forma dos edifícios e no desenho
urbano, vindo a transformar a paisagem das cidades?

Para responder a estas questões que envolvem a adoção da energia solar como fonte
de energia e o aproveitamento da energia solar na arquitetura, ou pela arquitetura, o
assunto deve ser abordado num contexto mais amplo, tentando identiicar e englobar
um grande número de aspectos que a envolvem. Ao lado das questões técnicas e
construtivas que remetem a exeqüibilidade de uma ediicação, arquitetos e urbanistas
devem lidar com outras realidades, outras circunstâncias que estabelecem um rol de
aspectos, variáveis e parâmetros em contextos diferentes, porém inter-relacionados.

1. ASPECTOS GEOGRÁFICOS E POTENCIAL SOLAR

O primeiro aspecto, talvez o mais imediato é aquele que expõe o potencial energé-
tico solar disponível num determinado local e diz respeito à posição geográica e às
características físicas do entorno. A latitude do local deine o ângulo de inclinação
da eclíptica solar em relação ao plano horizontal e os ângulos dos raios solares em
relação á vertical do lugar em cada momento do dia e do ano. Junto com as con-
dições macro e micro climáticas locais, como a nebulosidade, o número de horas
de insolação direta, o estado e composição da atmosfera, determina-se o potencial
de energia solar disponível. Nota-se que as condições climáticas são afetadas pela

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02

altitude, pela proximidade de vastas extensões de água, lorestas ou de áreas urba-


nas densamente construídas. É uma constatação – e também uma veriicação por
meio de medições - que as regiões mais ensolaradas do planeta, desertos próximos
à linha do equador, apresentam o maior potencial para captação da energia solar.
Obviamente, toda esta energia não pode ser utilizada diretamente: seria preciso
cobrir toda a superfície do país com painéis fotovoltaicos e, mesmo assim, a eiciên-
cia destes captadores está longe dos 100%. A observação, no entanto, é pertinente
e dá margem à relexão. As formas de energia utilizadas hoje apresentam todas
altos índices de eiciência, excelente rendimento e, sobretudo, são centralizadas,
permitindo controle quase absoluto da produção e da distribuição. E conferem altos
lucros... A energia solar não pode, sozinha e por ora, substituir as fontes de energia
que cobrem as necessidades da humanidade, garante os níveis de produtividade e
precisam alimentar um sistema baseado no crescimento ad aeternum, hoje. Mas,
combustíveis fósseis não são renováveis, são esgotáveis e poluem o ambiente. A
energia hidrelétrica também traz impactos negativos no entorno com a instalação
de grandes usinas e reservatórios. Usinas nucleares também demonstram alto ren-
dimento e eiciência para produção de energia, no entanto, A implantação de no-
vas usinas nucleares, após os recentes acidentes (Three Miles Island, Chernobyl e
Fukushima) icou comprometida a curto e médio prazo, até que a tecnologia visando
a segurança de uso seja totalmente dominada.

Em escala nacional, as ações para a inclusão da energia solar na matriz energética,


que derivam da avaliação do potencial de energia solar local, baseado em considera-
ções geográicas, têm implicações nas esferas políticas, econômicas e culturais.

Numa escala menor, ou seja, de referência ao local das ediicações, o micro clima
inluenciado pela topograia e pela existência de obstáculos naturais ou construí-
dos, pela proximidade de vegetação de grande porte, que possam sombrear em
determinados horários do dia, ajudam a reinar as estimativas do potencial solar no
lugar especíico estudado. Nestes casos, ações dependem das decisões no âmbito
do projeto de arquitetura. Os conhecimentos dos contextos regionais e locais são
essenciais no início de qualquer projeto de arquitetura, pois irão auxiliar o estabe-
lecimento das diretrizes gerais e fornecer algumas respostas preliminares sobre o
aproveitamento da energia solar e de que maneira, passiva ou ativa. A decisão air-
mativa permite estabelecer estratégias quanto à implantação de uma ediicação no
terreno, a orientação das fachadas e o dimensionamento das aberturas, a necessi-
dade de proteções ou sombreamentos, a produção de energia elétrica a partir do sol

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02 Junho de 2013

e, inalmente, o impacto, no caso o sombreamento, que a ediicação irá projetar no


entorno. Ao longo da história da arquitetura, conirma-se a solidez do conhecimento
da geometria solar e de sua importância para o planejamento das construções.

2. ASPECTOS TECNOLÓGICOS: SISTEMAS ATIVOS E PASSIVOS

Embora não tenha se desenvolvido de maneira linear e constante, ao longo do tem-


po, mas ressurgido em intervalos de tempo irregulares, dependendo geralmente dos
momentos de penúria energética, as técnicas de construção visando o aproveita-
mento da radiação solar têm demonstrado saltos qualitativos signiicantes quanto ao
desempenho das soluções, notadamente durante o último século. As performances
técnicas são bem mais visíveis no campo das engenharias, onde as ferramentas
modernas têm se mostrado úteis no desenvolvimento de soluções objetivando ei-
ciências máximas. Os exemplos das casas piloto construídas e monitoradas nos
centros de pesquisa, como do MIT (Massachussets Institute of Technology) nos EUA
ou na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil), atestam esta atitude
de busca pelo rigor técnico. No campo da arquitetura, que não pode ser confundido
com construção, a abordagem é bastante diversa, porque a arquitetura não lida ape-
nas com os aspectos técnicos, mas utiliza a técnica para determinados ins e busca
harmonizá-los com aspectos formais e plásticos intrínsecos.

Os avanços nas pesquisas sobre o efeito fotovoltaico têm acenado com possibilida-
des novas para a produção de energia e provocado arquitetos e construtores quanto
à sua incorporação na arquitetura. Um problema técnico, evidentemente, mas, sobre-
tudo epistemológico.

Durante a segunda metade do século XX, multiplicaram-se as pesquisas, trabalhos


publicados, debates e congressos sobre a questão, em parte devido às pressões
exercidas pelos problemas energéticos planetários, em parte movidos pelas inquietu-
des e angústias de arquitetos comprometidos com os caminhos futuros da arquitetura
(CALDANA, 2005)2.

2
CALDANA JR, Valter Luis – Projeto de arquitetura: caminhos. Tese de doutoramento apresentada na Fa-
culdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Documento digitalizado em Pdf, São
Paulo, 2005.

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Energia e eiciência energética das construções, com o objetivo de prover saúde e


conforto nas ediicações, tem sido o cerne das preocupações dos proissionais enga-
jados com a sustentabilidade e tem envolvido principalmente arquitetos herdeiros da
linha de pensamento orgânica.

Acelerados avanços tecnológicos na indústria ligada à construção e novidades em


materiais com as mais diversas características e em componentes para a constru-
ção tem aquecido os mercados e proporcionado novas possibilidades para projetos.
Paralelamente, ferramentas computadorizadas soisticadas permitem simulações,
cálculos e estimativas rápidas, eicazes e coniáveis para avaliar previamente o de-
sempenho de soluções (ou soluções possíveis), trabalhando com um número cada
vez maior de variáveis.

A tecnologia não constitui, portanto, um entrave à adoção de sistemas de energia


solar na arquitetura. Há uma discussão mais delicada no âmbito da arquitetura em
si onde se nota, com razão, uma inquietude inerente sobre os destinos e o papel da
arquitetura vindoura3.

Há uma diferença importante a ser notada entre as técnicas desenvolvidas para os


equipamentos solares com o objetivo primordial de alcançar o rendimento ou a eici-
ência máxima e a sua aplicação em projetos de arquitetura, lembrando que estes úl-
timos não se destinam a máquinas, mas à espaços destinados ao exercício das mais
diversas atividades que, portanto, buscam satisfazer outras funções que a mecânica,
térmica, de iluminação ou energética e que dizem respeito às necessidades sociais,
culturais e psicológicas humanas.

3. PARADIGMAS DA ARQUITETURA

No mundo contemporâneo (e isso não será privilégio do mundo ocidental) observam-


se os equívocos provocados pelo uso impensado e sem critério de tecnologias da
construção ou a seu serviço. Tomemos o exemplo do ar condicionado, cujo uso se

3
Cf. MONEO, Rafael – Inquietud teórica y estratégia proyectual en la obra de ocho arquitectos contemporá-
neos. Actar, EU, 2004. ISBN: 84-39551-68-1.

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espalhou a uma velocidade crescente nas últimas décadas do século XX. Inicialmen-
te louvado por Le Corbusier, em seu livro “Quand les cathédrales étaient blanches”
(1937) após sua visita a Nova Iorque, em 1928, porque este invento prometia liberar
arquitetos e projetistas das limitações até então impostas pelas condições climáticas
locais. De fato, as regiões de climas extremos obrigavam a adotar soluções cons-
trutivas que, por si só, mitigassem os efeitos negativos das condições ambientais
extremas. Mas, os progressos da tecnologia paralela à arquitetura permitiram o desa-
brochar de um molde internacional, que pode ser encontrado em profusão em todos
os rincões do planeta e que são totalmente independentes dos contextos ambientais
locais. Torres de vidro, autênticos coletores solares, absorvem e armazenam quanti-
dades, as vezes absurdas de calor, e demandam o aporte de grandes quantidades
de energia elétrica, para retirar este calor excessivo. Em regiões de clima tropical
estas soluções se mostram incoerentes e, em muitos casos, absurdas. É certo que
a tecnologia dos equipamentos de ar condicionado conheceu uma evolução ímpar
nestas últimas décadas e demonstram a capacidade em desenvolver equipamentos
eicientes e econômicos em termos de consumo de energia. O mesmo é verdade para
indústria ligada à iluminação artiicial, assim com àquela dos materiais e componentes
da construção civil. As recentes certiicações e selos “verdes” aceleram a busca de so-
luções técnicas que busquem a eiciência energética das ediicações, principalmente
as comerciais, consumidoras vorazes de energia.

Timidamente, no inal do século XIX, experimentos com energia solar acabaram sobre-
pujados pela existência e exploração de energias altamente eicientes – e rentáveis –
provenientes de fontes de alto rendimento, baratas e abundantes que se acreditavam
mais do que suicientes para as necessidades da época. Este pensar, alimentado por
um espírito de otimismo herdado do positivismo, fez acreditar no domínio total da natu-
reza e no controle absoluto do homem sobre o seu meio, originando uma situação para
a arquitetura do século XX que se tornaria um problema no inal do período quando as
energias convencionais começaram a ser questionadas quanto à sua sustentabilidade.
De qualquer maneira, enquanto as energias foram baratas e abundantes, os arquite-
tos souberam tirar partido destas fontes poderosas. A eletricidade foi incorporada com
sucesso na produção e no uso dos espaços ediicados transformando-os em micro
climas absolutamente controláveis, independentes do clima externo e da hora do dia,
pois a iluminação, doravante podia ser constante. O “Estilo Internacional” tornava-se
uma realidade global e podia se construir qualquer coisa em qualquer lugar desde que
houvesse energia elétrica que pudesse acionar os condicionadores de ar (aquecimento
e/ou refrigeração) e restabelecer o conforto.

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02

Do mesmo modo que a eletricidade causou um impacto perceptível nos projetos e na


arquitetura do século XX, é presumível acreditar que o aproveitamento da energia so-
lar, quando prioritário nos programas de arquitetura, irá afetar não só o produto inal,
mas principalmente as posturas e, portanto, os processos de projeto.

A própria incorporação de técnicas solares passivas ostenta diferenças formais e,


sobretudo, revela as atitudes dos arquitetos implícitas nas decisões adotadas du-
rante o projeto.

Um olhar sobre a arquitetura do século XX evidencia a presença do sol em todos os


projetos e particularmente nas obras de Le Corbusier onde a sua relação com este
astro é expressa em todos os seus projetos, sejam eles de edifícios ou urbanos, ao
longo sua carreira e explicitada quando declara, durante o Congresso Internacional
de Arquitetura Moderna – CIAM –, em Atenas, que “ os materiais do urbanismo são o
sol, as árvores, o céu, o aço, o concreto, nesta ordem hierárquica e indissoluvelmente”
(LE CORBUSIER, 1933)4.

Uma atitude de Le Corbusier, no projeto da Unidade de Habitação de Marselha surpre-


ende: a de orientar o eixo principal do edifício no sentido Norte-Sul, expondo, assim,
as fachadas maiores para o leste e para o oeste. Contradiz, ou pelo menos, subverte
o senso comum, os princípios da casa grega de orientar a maior fachada para o equa-
dor (sul no hemisfério norte) de modo a beneiciar-se do calor do sol durante os meses
mais frios do ano. A coniguração dos apartamentos e sua disposição no edifício, no
entanto, permitem maior insolação durante o dia todo. O calor é controlado graças a
aposição de varandas5. Tal decisão conirma a hipótese de que posturas conscientes
em relação ao aproveitamento do sol transformam a coniguração inal de um edifício
e, mais importante, revisam os conceitos até então estabelecidos.

Do outro lado do Atlântico, os projetos das casas solares de George Fred Keck coin-
cidem exatamente com períodos de diiculdades energéticas: depressão dos anos
1930 e guerra mundial. O maior mérito dos projetos de Keck é o de acomodar princí-
pios solares antigos as técnicas construtivas de seu tempo e adaptá-las à linguagem
da arquitetura moderna. Profundo conhecedor dos princípios construtivos gregos e

4
LE CORBUSIER – La Carte d’Athènes – Paris : Points, 1957 . s/ ISBN .P. 82
5
Cf, FRETIN, Dominique – De Helii Architecturis - Capítulo III – Le Corbusier e o sol.

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romanos, que ele mesmo cita, e dos movimentos aparentes do sol, Keck consegue
demonstrar a compatibilidade entre o uso de técnicas passivas para aproveitamento
da energia solar e a aparência moderna de suas casas. Poderia se dizer que suas es-
tufas características são para a arquitetura moderna das regiões frias o que o quebra-
sol representa para a arquitetura moderna tropical.

A arquitetura de Frank Lloyd Wright tem um caráter distinto no sentido que o sol, com
sua luz e calor, por assim dizer, são elementos integrantes da sua arquitetura, obede-
cendo à deinição mesmo da arquitetura orgânica “na qual as formas devem ter o rigor
necessário de um organismo natural e apresentar a mesma unidade” (HATJE, 1964)6.
Dois exemplos marcantes, analisados no capítulo III, são: a casa da Cascata (1936) e a
segunda casa Jacob (1944) e, cujas plantas, em última análise, são uma transposição
iel de um gráico das trajetórias aparentes do sol para suas latitudes. Conigurações,
formas e implantações obedecem rigorosamente à geometria solar, enquanto materiais
e elementos construtivos buscam graças a suas características térmicas (judiciosamen-
te escolhidas) o melhor aproveitamento da energia solar. São exemplos primorosos do
que hoje é classiicado como arquitetura bioclimática. A prioridade dada ao sol é eviden-
te nos dois casos e inluencia e justiica toda a composição formal.

No Brasil, o exemplo de Rino Levi revela uma postura airmada do arquiteto no que
diz respeito aos seus projetos e à sua obra em relação ao sol. A questão energética
emerge nem tanto como fruto de preocupações em economia de energia7, mas em
decorrência de um racionalismo extremo na sua forma de projetar, com elegância e
uso correto dos materiais. Rino Levi se serve das soluções da arquitetura para provi-
denciar conforto interno da maneira mais natural possível. Esta atitude se nota na im-
plantação do edifício do Banco Sul Americano, na Avenida Paulista, que não obedece
a uma lógica esperada de mercado: o fato de virar o prédio para a Rua Frei Caneca,
(rua secundária), pode ser explicada por uma questão de ângulos (uma reminiscên-
cias do antigo código Sabóia que determinava a altura máxima de um edifício em

6
HATJE, Gerd (org.) – Dictionaire de l’architecture moderne. Fernand Hazan, Dijon 1964. Pp, 220-221.

7
A cidade de São Paulo, onde se encontra a maioria da produção de Rino Levi, enfrentou (e ainda enfrenta)
crises cíclicas de energia, em parte porque os investimentos em energia elétrica, sempre estiveram aquém
do crescimento industrial e urbano acelerado e, portanto de uma demanda insaciável. O fornecimento de
energia elétrica da cidade depende dos reservatórios das cercanias e, portanto, das chuvas,situação pericli-
tante nas épocas de secas prolongadas.

48
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02

função da largura da rua), ou por uma razão acústica para evitar o ruído da avenida
Paulista (carros e bondes) ou ainda, por uma lógica associada à geometria solar: o
prédio virado para a rua Frei Caneca teria uma orientação mais adequada para prote-
ções (mais eicientes e mais econômicas), evitando o sobreaquecimento dos ambien-
tes e das estruturas.

A escolha do alumínio para os quebrassóis pode ser questionada: muito caro para
a época e o alumínio consome muita energia para sua produção. Foram usados por
motivos de durabilidade e facilidade de manutenção, mesmo porque, na época, estas
questões não eram prioritárias, e não havia escassez de energia.

4. O EXEMPLO DE FREIBURG

Figura 1 – SOLARSIEDLUNG, Freiburg, Alemanha – Arquiteto Rolf Dish


Eiciência energética, conforto e atransformação da energia solar incidente em eletricidade para abasteci-
mento das unidades habitacionais e comerciais são evidenciados neste projeto: a distância entre os edifí-
cios e a sua implantação, a inclinação dos telhados constituídos de painéis fotovoltaicos, a orientação dsa
fachadas, a dimensão das aberturas e a escolha dos materiais em cada face, obedecem rigorosamente a
critérios geométricos baseados nas trajetórias aparentes do sol e a condicionantes térmicas.
Croqui do autor – Fonte: http://greenlineblog.com/solarsiedlung-by-rolf-disch/

Na Alemanha, desde as últimas décadas do século XX, os projetos do arquiteto Rolf


Dish, eminentemente solares, revelam transformações que ultrapassam os limites da
arquitetura. Incentivados e apoiados por legislações que contemplam a energia solar
na matriz energética nacional, apresentam soluções explicitamente concebidas para o

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aproveitamento total desta energia, por meio de soluções passivas e ativas, completa-
mente integradas (e não disfarçadas) no desenho dos edifícios. Nos prédios do Solasie-
dlung (Bairro solar), por exemplo, os painéis fotovoltaicos são a cobertura das unidades
habitacionais e não sobrepostos sobre um telhado convencional (Figura 1). O desenho
dos edifícios acompanha os princípios fundamentais de uma arquitetura bioclimática
com soluções solares passivas, criando edifícios sui generis. Mas, além do desenho de
cada unidade, há um desenho urbano que rege a disposição dos edifícios, derivado da
decisão de aproveitamento máximo da energia solar, obediente à geometria das traje-
tórias do sol para a latitude local. A exposição ao sol é garantida a todas as unidades,
tanto para o correto funcionamento das soluções arquitetônicas passivas, como para
a produção de eletricidade pelos painéis fotovoltaicos. A realização deste projeto evi-
dencia também a importância do apoio de legislação especíica sobre o uso da energia
solar como resultado de uma vontade político-econômica clara neste aspecto.

5. MASDAR CITY E RAS AL-KHAIMAH

Figura 2 – Masdar City projeto


de Foster&Partners. Uma cida-
de compacta lembrando assen-
tamentos urbanos mais antigos
de regiões desérticas.

Desenho do autor. Fonte: http://


www.fosterandpartners.com/
projects/masdar-development/

Os projetos audaciosos de Masdar City (Figura 2) e do conjunto de edifícios sede


da companhia Masdar (Masdar Headquarter – igura 3), no emirado de Abu-Dabi,
neste início de milênio, são, por outro lado, um resultado de apostas para um futuro
que se quer sustentável, ao menos em termos de uso e conservação da energia.
Masdar City quer ser um centro de pesquisas tecnológicas em energias alternativas.
Assim, os projetos da cidade e do edifício sede (Masdar Headquarters) constituem
exemplos formidáveis e extraordinários por terem sido encomendados em regiões

50
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produtoras de petróleo, porém que revelam, com esta atitude, a conscientização de


um próximo esgotamento de seus recursos energéticos e econômicos, preocupa-
ções com um porvir durável e estável a médio e longo prazo assim como tomadas
de decisões assertivas sobre ações a serem empreendidas em curto prazo. A cidade
foi concebida para ser compacta e não possui vias para veículos automotores indivi-
duais, mas apenas para pedestres ou bicicletas. Distâncias maiores serão alcança-
das por sistemas de transporte coletivo. Parte da energia necessária será fornecida
graças a captação de energia solar.

Figura 3 – Masdar Headquarters projeto de Adrian Smith + Gordon Gill Architecture.


Um conjunto de edifícios que produzirá mais energia do que irá consumir
Foto trabalhada pelo autor. Veja vídeo em: http://www.youtube.com/watch?v=TA_Hkv42B4o

Em relação à arquitetura dos edifícios sede da companhia Masdar (Masdar Head-


quarters – Figura 3) que esperam produzir mais energia do que irão consumir graças
a exploração de diversas formas de energia, incluindo a solar, persiste a indagação
se as propostas formais apresentam transformações, mudanças ou uma ruptura com
os conceitos de um urbanismo e de uma arquitetura tradicionais. Em realidade, não.
Muitos conceitos de uma arquitetura e de um desenho urbano vernacular de regi-
ões desérticas podem ser reconhecidos nestes projetos contemporâneos. Basta uma
olhada na cidade de Shibbam Hadramaut, no Iêmen, datada do século XVI, Patrimó-
nio Mundial da Humanidade pela UNESCO desde 1982 e que recebeu la alcunha de

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02 Junho de 2013

“Manhattan do deserto” (Figuras 4 e 5), para constatar as semelhanças formais das


cidades e de seus edifícios, densamente agrupados, uns sombreando os outros.

Figura 4 – Cidade de Shibam Hadhramaut, Iemen.


Desenho do autor. Fonte: http://www.geolocation.ws/v/P/61589247/shibam-hadramaut-yemen-/en

Figura 5 – Cidade de Shibam Hadhramaut, Iemen. Alta densidade e edifícios agrupados para som-
breamento durante o dia. Material de base pesado para amortecer a amplitude térmica.
Desenho do autor. Fonte: http://www.boston.com/bigpicture/2008/10/stormbattered_yemen.html

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O próprio desenho de Masdar City (Figura 2) proposto pelo escritório Foster & Partners,
como da cidade ecológica de Ras Al-khaimah (Figura 6), projetada por Rem Koolhaas,
ambas nos Emirados Árabes Unidos (EAU), de planta quadrada, com edifícios aglutina-
dos formando de longe uma massa compacta, para se proteger do sol e das tempesta-
des de areia, se assemelha às cidades mais antigas implantadas em desertos.

Figura 6 – Maquete da cidade de Ras Al-Khaimah, Rem Koolhaas, 2008.


Cidade compacta para proteção do calor e das tempestades de areia.
Desenho do autor. Fonte: http://www.greatbuildings.com/architects/Rem_Koolhaas.html. Acessado em
30/03/2009.

Nota-se uma diferença brutal, por exemplo,l com o desenho da cidade de Dubai, cal-
cado em modelos à americana, com eixos de circulação monumentais (para carros)
ladeados de edifícios isolados, também monumentais, esculturais, porém com suas
fachadas envidraçadas totalmente expostas ao sol, portanto inabitáveis sem o uso de ar
condicionado (o que implica no consumo enorme de energia para seu funcionamento).

Segundo Adam Smidt, um dos arquitetos responsáveis pelo projeto vencedor de con-
curso para a sede da companhia Masdar (Masdar Headquarters), “não é a forma que

53
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02 Junho de 2013

muda, mas os processos”. O aspecto formal do conjunto de edifícios remete ao aspec-


to das cidades islâmicas, com os volumes bem marcados em prismas retos, e os es-
paços intermediários estreitos, sombreados e próprios para a circulação e/ou convívio
de pedestre. A vasta cobertura do conjunto, com painéis fotovoltaicos assemelha-se
a um grande pergolado que lembra as ruas cobertas dos “souks” árabes, criando um
micro clima propício ao desenvolvimento de atividades em todo conforto.

Os projetos da cidade de Masdar, assim como do Masdar Headquarter abrem uma nova
visão sobre o papel e o signiicado da forma na arquitetura. Principalmente sobre como
o ambiente construído reage e interage com o clima, neste caso, em pleno deserto, com
o sol. O aspecto plástico, formal dos edifícios e da cidade, mesmo se abordados sob
um ponto de vista funcionalista, energético, ostenta uma aparência agradável. Seus
espaços internos convidam ao usufruto. Ao identiicar o potencial formal de projetos am-
bientalmente sustentáveis, HAGAN (2001) argumenta que “o prazer estético se tornou
tão necessário quanto ético na formação de uma sociedade que busca o bem estar do
maior número de pessoas” 8 . Tal airmação em reiterar a idéia de que o aproveitamento
da energia solar na arquitetura não signiica apenas a justaposição de equipamentos
que provêm energia ou a substituem, mas que integrados ao processo de projeto tra-
zem um signiicado novo aos espaços e, inalmente, à arquitetura.

6. CONCLUSÃO: MITOS E VERDADES SOBRE A ENERGIA SOLAR

O aproveitamento da energia solar na arquitetura tem sido alvo de polêmicas. À


frente das controvérsias, há a questão do custo considerado elevado. De fato, mes-
mos os sistemas apoiados em técnicas passivas, para aproveitar o calor, a luz ou
para proteger de uma insolação intensa numa ediicação sempre representam um
investimento inicial adicional. Resta veriicar, a médio e longo prazo, qual o retorno
inanceiro em função dos benefícios alcançados que deveriam ser considerados em
estimativas de custo/beneicio.

Quanto aos sistemas fotovoltaicos, seus altos custos eram justiicados até pouco tem-
po atrás, pois os processos de produção do silício utilizado nas células fotovoltaicas

8
HAGAN, Susanah. Taking Shape, a new contract between architecture and nature. Architectural Press,
Oxford, 2001.

54
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02

só tornavam possível o seu uso em casos excepcionais como na indústria aeroes-


pacial, para satélites, por exemplo, onde o abastecimento em energia solar é a úni-
ca solução possível. O rendimento das primeiras células fotovoltaicas de silício era
baixo e seus altos custos relativos descartavam qualquer perspectiva de uso para
outras inalidades na superfície terrestre, salvo com a justiicativa da impossibilidade
de abastecimento com outras formas de energia, em lugares afastados e sem infra-
estrutura energética. Já não é mais o caso. A evolução das pesquisas e da indústria
demonstra o contrário com novos materiais, processos de produção e aperfeiçoamen-
to da eiciência das células. As apostas e os investimentos nesta forma de energia na
arquitetura realizados na última década comprovam este fato: os painéis fotovoltaicos
instalados nas ediicações da cidade de na Alemanha, a cobertura do Stade de Suisse
em Berna, Suíça, a recente instalação de painéis fotovoltaicos sobre a cobertura do
auditório Paulo VI ( projetado e construído pelo arquiteto Pier Luigi Nervi) ou ainda
o projeto do Masdar Headquarter pelos arquitetos Adam Smidt e Gordon Gill. Estes
poucos exemplos anunciam novas perspectivas de aproveitamento de energia solar
e, principalmente, a inclusão de novos parâmetros para projetos futuros. O que antes
era uma solução alternativa para locais afastados, agora está se generalizando e sen-
do incorporado na arquitetura.

Outro argumento desfavorável aponta a inconstância e a irregularidade da radiação


solar sobre a superfície da terra, pois é cíclica (devido à rotação da terra – dia e noi-
te) e está sujeita ás variações das condições do tempo. Uma sucessão de dias nu-
blados, por exemplo, compromete a eiciência dos sistemas. Porém parte da energia
não utilizada de imediato pode ser estocada sob forma de calor (água ou materiais
de alta capacidade térmica) ou eletricidade em baterias. Há ainda a possibilidade de
acoplar os sistemas solares em sistemas híbridos9 ou interligá-los à rede de energia
elétrica local10.

Os defensores da energia solar argumentam que ela é ininita e inesgotável. Na ver-


dade, apenas uma pequena parcela da energia emitida pelo sol atinge o planeta e,
desta, uma quantidade menor chega à superfície da terra, dependendo ainda das
condições meteorológicas locais. Quanto ser inesgotável, é verdade, para a escala de
tempo da humanidade.

9
Cf, FRETIN, Dominique – De Helii Architecturis. Tese de doutorado, Universidade Mackenzie, 2009. Capítulo I.
10
Idem.

55
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02 Junho de 2013

É também apontada como uma energia “limpa”, verde, o que é sensato em termos de
energia. Porém, a produção de materiais e componentes para equipamentos solares
depende de processos de extração e transformação de matérias primas, assim como
de processos industriais que, estes, causam impactos negativos no meio ambiente.
Extensas superfícies de coletores solares podem ocasionar o aquecimento local, cau-
sando efeito “ilha de calor”. Basta imaginar uma cidade inteira captando energia solar
por meio de coletores de aquecimento e painéis fotovoltaicos.

No entanto, o maior atrativo da energia solar é sua “gratuidade”, um estímulo para


os pesquisadores, um revigoramento para os consumidores e um pesadelo para as
concessionárias de energia. A energia que vem do sol é gratuita, mas os equipa-
mentos para captação, transformação e armazenamento, assim como sua manu-
tenção, não o são. Isto sem mencionar os investimentos inanceiros aplicados em
pesquisas e produção.

56
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°02

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AYRES NETTO, Gabriel – Código de obras “Arthur Saboya”. Edições Lep, São Paulo,
1947. S/ ISBN.

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apresentada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Pau-
lo. Documento digitalizado em Pdf, São Paulo, 2005.

FRETIN, Dominique – De Helii Architecturis – Capítulo III – Le Corbusier e o sol. Tese


de doutorado. Universidade Presbiteriana Mackenzie. Arquitetura e Urbanismo, São
Paulo, 2009.

HAGAN, Susanah. Taking Shape, a new contract between architecture and nature.
Architectural Press, Oxford, 2001.

HATJE, Gerd (org.) – Dictionaire de l’architecture moderne. Fernad Hazan, Dijon 1964.

LE CORBUSIER – La charte d’Athènes – Paris : Points, 1957. s/ ISBN

ONEO, Rafael – Inquietud teórica y estratégia proyectual en la obra de ocho arquitec-


tos contemporáneos. Actar, EU, 2004. ISBN: 84-39551-68-1.

RODRIGUES & MATAJS – Um banho de sol para o Brasil, o que os aquecedores


solares podem fazer pelo meio ambiente e sociedade. São Lourenço da Serra: Vitae
Civilis, 2004.

VITRUVIUS, Marcus P. – The ten Books on Architecture. Translated by Morris H. Morgan.


Dover Publications, re-edição (original de 1914), New York. ISBN: 486-20645-9.

57
ARTIGO Nº3

FORMA E FLUXO
A NATUREZA NA CIDADE EM DUAS TENDÊNCIAS
SHAPE AND FLOW: NATURE IN THE CITY ON TWO TRENDS
José Otávio Lotufo
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03

FORMA E FLUXO
A NATUREZA NA CIDADE EM DUAS TENDÊNCIAS

José Otávio Lotufo*


*Arquiteto e urbanista pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo (1996); Mestre na área de Projeto
Arquitetônico pela FAU-USP (2011); Doutorando na área de Projeto Arquitetônico pela FAU-USP.
e-mail:[email protected]

RESUMO

Na discussão sobre o futuro das cidades duas tendências contemporâneas se pro-


põem como caminhos de desenvolvimento. Uma lança o olhar ao passado e a outra
ao futuro. O modo como relacionam construção e natureza tem grande importância
na integração entre cidades e ecossistemas. O presente trabalho propõe assimilar as
qualidades e superar as contradições da cada uma, introduzindo uma dimensão sen-
sível capaz de integrá-las.

Palavras-chave: ecologia urbana, ecossistemas, arquitetura, urbanismo, Infraestru-


turas verdes.

SHAPE AND FLOW


NATURE IN THE CITY ON TWO TRENDS

ABSTRACT

Discussions about the future of cities propose two contemporary trends as develop-
ment paths. One focuses the past and the other the future. The way how construction
and nature are related has great importance in the integration of cities and ecosyste-
ms. This paper proposes to assimilate the qualities and overcome the contradictions
of each, introducing a sensible dimension able to integrate them.

Keywords: urban ecology, ecosystems, architecture, urbanism, green Infrastructures.

59
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03 Junho de 2013

“Torna-se fundamental uma transição gradativa das formas


vegetais para as arquitetônicas, assim como em alguns tipos
de música os diversos acordes destoantes se combinam em
transições de extrema harmonia.”
(Camillo Sitte. O verde na metrópole)

INTRODUÇÂO

Este estudo toma como referência duas tendências contemporâneas do pensamento


urbanístico. Ambas se propõem como caminhos para o desenvolvimento de projetos
mais sustentáveis frente às incertezas de um mundo em crise. Recentemente um ca-
loroso debate1 se travou entre elas sugerindo, num primeiro momento, uma oposição
que se estende desde questões técnicas até ideológicas. Uma análise imparcial, no
entanto, pode confrontar seus pontos positivos e negativos, já apontados por teóricos
de ambos os lados.

Estas tendências estão bem representadas pelo New Urbanism e pelo Landscape
Urbanism. Apesar de não se encerrarem nelas ambas servirão para nós como refe-
rências. Ainda que formulados originalmente em um contexto norte-americano, estes
modelos já evoluíram para além daquelas fronteiras através de aplicações teóricas,
práticas, contribuições mútuas e um debate produtivo.

Este trabalho propõe integrá-los como dois braços que cooperam numa ação conjun-
ta, partindo da hipótese de que qualquer opção unilateral entre tradição e inovação
deixará de fora algo importante. Um destes, na retaguarda, busca na cidade tradicio-
nal o resgate de características apagadas pelas grandes transformações urbanas do
último século. O outro, na vanguarda, busca integrar o espaço natural e o construído
em cenários futuros inéditos.

Enquanto resgate da cidade tradicional, o New Urbanism parece contradizer-se em um


ponto: ele é muito cartesiano. Isto terá implicações tanto ecológicas como fenomenoló-
gicas. Camillo Sitte, ainda no século XIX, se opôs ao formalismo cartesiano enquanto

1
Revista Labverde n.o 4, Natureza e Sociedade: Novos Urbanismos e um Velho Dilema, J. O. Lotufo

60
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03

defendia características pitorescas da cidade tradicional. Ainda antes, esta defesa já


ocorrera no século XVIII no movimento em defesa do Pitoresco no desenho dos jardins.

Apresentaremos os conceitos do Pitoresco através dos estudos de Nikolaus Pevsner,


contestando a deinição comum que o associa a aspectos supericiais e meramente
estéticos da paisagem e demonstrando sua importância ecológica e sensível.

O Landscape Urbanism, por sua vez, será apresentado como um paradigma novo, com
seus prós e contras. O ponto de inlexão será a questão levantada frente à forma e o
luxo. Sua principal oposição ao New Urbanism se dá em relação a um “formalismo”
excessivo que estaria engessando processos sociais e ecológicos. O Landscape Urba-
nism propõe que o luxo ou processo, substitua a forma na concepção do desenho. Este
preceito, já presente no Pitoresco, assumiu com o Landscape Urbanism dimensões me-
nos empíricas, e sua desmaterialização será alvo de importante crítica. A maior contri-
buição do Landscape Urbanism foi trazer informações que escapam do tradicionalismo,
fazendo referência a um mundo que difere daquele do passado: um mundo de mudan-
ças climáticas, escassez de recursos, novas tecnologias, incertezas e complexidades.

O PITORESCO ONTEM E HOJE

Existe uma ordenação complexa na natureza que extrapola o entendimento mais con-
sensual sobre “ordem”. No contexto de uma crise ambiental sem precedentes deverí-
amos reletir o quanto a falta de uma consideração mais cuidadosa desta complexida-
de poderia estar na raiz da crise.

Não obstante ao fato de nos parecer caótica, esta ordenação rege o universo que nos
cerca. Na prática, nossa visão mecanicista do universo ainda se traduz numa técnica
rudimentar, uma simpliicação artiiciosa e pouco eiciente quando comparada ao fun-
cionamento dos sistemas e organismos naturais.

Nosso modelo de produção e consumo não está em simbiose com o meio ambiente
como estão as espécies que constituem um ecossistema. Em nosso atual estágio
tecnológico agimos mais como parasitas. Em nossa arrogância, nos impomos como a
espécie que reina sobre todo o resto, nos supondo ordenadores de um suposto caos.
Tentamos imitar a natureza ediicando nossa técnica sobre suas leis, mas ao fazer isso,
a usurpamos de forma grosseira. Nós que sempre estivemos sob o domínio de suas leis,

61
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03 Junho de 2013

no entanto, insistimos em inverter o jogo na tentativa de subjugá-la. Persistimos numa


atitude extrativista, irresponsável, esgotando os recursos e poluindo. Não deveríamos
nos espantar com o fato de que mais cedo ou mais tarde esta “conta” será cobrada.

Hoje sabemos que ao insistir nesta postura estamos destruindo a base de nossa pró-
pria existência. A situação de nossas cidades, enquanto artefatos, relete este modelo
insustentável de pensamento e atuação. Se as cidades não assimilarem uma lógica de
funcionamento mais atrelada àquele dos ecossistemas estaremos rumo a um desastre.

É hora de superar conlitos e nos reconhecer como parte inseparável da natureza,


nos inserindo em sua rede sistêmica de forma harmônica. Se isto parece óbvio frente
ao amplo debate sobre ecologia e sustentabilidade é notável como ainda persiste um
condicionamento cultural, tão enraizado no pensamento humano, que até nas propo-
sições mais avançadas reconhecemos sua permanência.

O movimento do Pitoresco foi uma importante contribuição conceitual sobre a dicoto-


mia entre natureza e civilização e um importante esforço de conciliação. Etimologica-
mente ligado à pintura, portanto à contemplação de uma paisagem, não é raro que o
Pitoresco seja usado para deinir uma relação meramente estética com a cidade e os
jardins. Propomos, no entanto, considera-lo de forma mais profunda. A referência que
faz a impressões subjetivas da experiência do Belo e Sublime, como deiniu Uvedale
Price2, lhe confere um caráter fenomenológico pelo qual se torna possível perceber
qualidades inerentes ao lugar. Sua importância é reairmar a relevância da experiên-
cia empírica capaz de extrair dados que escapem ao distanciamento teórico. A estéti-
ca naturalista, muito além da simbologia e da mimese, decorre de uma sensibilização
sobre as funções ecológicas e culturais do lugar.

Os estudos de Nikolaus Pevsner foram responsáveis por uma mudança na percepção


da paisagem dentro do contexto urbano e uma importante referência para o desen-
volvimento do conceito de paisagem urbana (Townscape) apresentado posteriormen-
te por Gordon Cullen3. Mas enquanto Cullen enfatizou o espaço urbano construído,
Pevsner enfatizou a ligação entre o Pitoresco e a necessidade de restabelecermos
nossa ligação com a natureza.

2
Ver tese de Luciana Schenk, Arquitetura da paisagem, entre o pinturesco, Olmsted e o Moderno.
3
CULLEN, G. Paisagem Urbana. SãoPaulo: Martins Fontes, 1983.

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03

Pevsner produziu uma série de textos nos anos 40 e 50, no contexto da crítica à produ-
ção urbanística da primeira metade do século XX. Mais tarde estes textos seriam reu-
nidos e publicados por Mathew Aitchison no livro Visual Planning and the Picturesque.

Situado na gênese do pensamento organicista da arquitetura e urbanismo, que fez


importante contraponto ao pensamento racionalista, foi também fundamental pela re-
levância que dá ao modo como o espaço é percebido por quem nele habita e circula.
Muito além dos aspectos práticos e funcionais da escala humana, estes abordados
pelo New Urbanism, traz uma dimensão fenomenológica que lhe escapa.

No século XVIII a dialética entre natureza e civilização se expressou na defesa do


Pitoresco na paisagem dos jardins. Não mais a simetria, a regularidade, os desenhos
geométricos, a previsibilidade e a poda artiiciosa, mas uma ordem complexa e assi-
métrica do acaso, do inesperado e da surpresa, enim, dos fenômenos da natureza,
passou a ser a referência estética.4

Esta visão mais sensível à natureza se opunha à de caráter mais racional. Cada um
destes partidos estéticos se alinhava ao viés intelectual de dois importantes países pro-
tagonistas do pensamento urbanístico. Na Inglaterra, terra de Francis Bacon, a estética
é empírica, ligada ao corpo, à natureza e às idéias liberais. Na França, terra de Des-
cartes, a estética é racional, ligada à mente, à técnica e ao controle sobre a natureza e
sociedade. Estas duas vertentes deram forma, inicialmente, ao jardim inglês e francês,
mais tarde estariam no âmago do organicismo e do racionalismo na arquitetura e urba-
nismo modernos. Como nunca foram estanques, estas correntes se alimentaram reci-
procamente, porém uma predominância tecnicista veio a gerar um afastamento gradual
do Pitoresco, mesmo nas propostas que deram continuidade à corrente orgânica.

O caminho do Pitoresco à Inglaterra passa pela visita de seus teóricos aos jardins re-
nascentistas da Itália que, já envelhecidos pela ação do tempo, apresentavam trans-
formações, algumas ruinosas, onde heras e musgos cobriam parcialmente as constru-
ções. Esta permissão à espontaneidade da vegetação e da ação do tempo sobre as
construções suscitaria questões que inspiraram a idealização do Pitoresco. 5

4
PEVSNER, Nikolaus. Visual Planning and the Picturesque. Los Angeles, Getty Publications 2010.
5
SCHENK, Luciana B. M.. Arquitetura da paisagem, entre o pinturesco, Olmsted e o Moderno. Tese de dou-
torado. Escola de Eng. de São Carlos, USP, 2008.

63
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03 Junho de 2013

A defesa do Pitoresco é a daquela ordem natural, tão próxima de nós, que se expres-
sa numa ainidade perceptiva, emocional e estética que sentimos no contato com a
natureza. O Pitoresco é a expressão desta ainidade como necessidade vivida num
mundo que tem sofrido há tempos as consequências deste afastamento. Inerente a
esta estética há uma lógica orgânica capaz de integrar os processos ecossistêmicos,
diminuindo ou eliminando os conlitos que a lógica tecnicista tem gerado.

O DECLÍNIO DO SUBÚRBIO JARDIM

O movimento New Urbanism se inicia no im dos anos 70 e início dos 80 nos EUA,
com a falência dos subúrbios jardins como ideal espelhado no “sonho americano”, e
na esteira de importantes abordagens críticas do debate pós-moderno, como o livro
de Janes Jacobs, The Death and Life of Great American Cities, e nas propostas urba-
nísticas de Leon Krier.

Até meados do século XX o modelo de subúrbios jardins se estabelecera nos EUA


como um ideal associado ao american way of life. Morar próximo à natureza com ele-
vada qualidade de vida em casa unifamiliar, com privacidade, segurança, ruas arbori-
zadas e tranquilas eram as qualidades inerentes a este modelo.

Embora desenvolvido como continuidade às ideias da cidade jardim, o subúrbio jardim


norte americano nunca assumiu a função social do modelo proposto por Ebenezer
Howard em seu livro Cidades Jardins de Amanhã, nem teve as qualidades das cida-
des jardins inglesas.

Na Inglaterra o movimento das cidades jardins surgira como continuidade a uma linha
de pensamento cujas origens podem ser traçadas ao jardim inglês. Recebera também
a inluência de Camillo Sitte que alertara para o apagamento das características posi-
tivas da cidade tradicional pela modernização das cidades industriais.

Diferente das cidades jardins inglesas o subúrbio jardim norte americano parece não
ter assimilado estas características. Estruturado pela construção de autoestradas, o
automóvel foi um fator determinante deste ideal. Se no início do século XX o automó-
vel promovera a dispersão e o desenvolvimento dos subúrbios como resposta aos
problemas da aglomeração nos centros urbanos, se tornaria mais tarde um dos princi-
pais fatores da decadência, tanto dos subúrbios quanto dos centros urbanos.

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Nas décadas que se seguiram ao pós-guerra, regidas pela especulação imobiliária,


a demanda por habitação estimulara o crescimento desordenado dos subúrbios exis-
tentes e a criação de outros novos. A expansão sobre áreas naturais e agrícolas cria-
ram conurbações de alto impacto social e ambiental. Na medida em que ruíam as
qualidades do “sonho americano”, este modelo de ocupação do território se mostrava
insustentável. O meio ambiente sofria forte degradação enquanto um sentimento cres-
cente de isolamento e alienação reletia-se na desestruturação familiar, na segrega-
ção étnica e social, no aumento da criminalidade e na perda dos laços afetivos entre a
população e o lugar. Como resposta a esta crise surge o movimento New Urbanism. 6

A NATUREZA E O NEW URBANISM

O New Urbanism ganhou importância na discussão sobre cidades sustentáveis através


de seu preceito mais fundamental: resgatar características da cidade tradicional através
da criação de comunidades compactas vibrantes, tanto em cidades novas como no inte-
rior de cidades já existentes. Para isto, busca estimular a vida nas ruas adotando a esca-
la humana e valorizando o pedestre com a boa qualidade das calçadas, ruas arborizadas
e segregadas do tráfego e com a mescla de usos em distâncias passíveis de serem per-
corridas a pé entre moradia e trabalho, serviços, comércio e lazer; investe no transporte
limpo e na mobilidade eiciente, em construções ecológicas, e na presença do verde. 7

Figura 1 – Playa Vista


(fonte: The New Urbanism.
Toward an architecture of
community)

6
KATZ, P. (org). The New Urbanism. Toward an architecture of community. Nova Iorque, Mc Graw-Jill,
Inc.,1994
7
KATZ, P. (org). The New Urbanism. Toward an architecture of community. Nova Iorque, Mc Graw-Jill,
Inc.,1994

65
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03 Junho de 2013

A princípio, a concepção tradicional de cidade se baseia numa distinção clara com o


meio natural. O próprio conceito de civilização pressupõe esta separação baseando-
se, em parte, na associação da natureza com a selvageria, hostilidade, corrupção, e
imoralidade. A retomada da cidade tradicional, como propõe o New Urbanism, pressu-
põe a superação desta visão que, frente ao paradigma ecológico, sabemos ultrapas-
sada. Assim o verde aparece através de uma intensiva arborização, canteiros, jardins,
praças e parques. No entanto notamos que aquela distinção persiste no modo como
se compõe a relação entre construção e espaços livres. Vincent Scully, um importante
expoente do New Urbanism izera a seguinte airmação: “Toda cultura humana deseja
proteger os seres humanos da natureza (...) e mitigar os efeitos de suas leis imutá-
veis sobre eles. A arquitetura é umas das melhores estratégias neste esforço” 8. Essa
airmação tradicionalista transmite mais uma noção de conlito do que cooperação e
estabelece limites bem deinidos entre o que é e o que não é cidade.

Esta noção tomada como ponto de partida para o projeto o condiciona por um viés
ecologicamente ineicaz. Ao reairmar a cisão entre natureza e civilização, reproduz
um distanciamento teórico e sensível. Ainda que a intenção seja a preservação das
terras agrícolas e naturais através da contenção da expansão urbana, a eiciência
desta técnica tem sido contestada. Alex Krieger em sua crítica ao New Urbanism9
airma que a mera reposição de edifícios tradicionais na paisagem é insuiciente para
impedir a expansão.

Há algo de essencial no que Camillo Sitte propôs em seu clássico, A Construção das
Cidades Segundo seus Princípios Artísticos, que difere fundamentalmente do New
Urbanism. A espontaneidade, a irregularidade das ruas, a assimetria das praças e
de suas relações com edifícios é uma crítica direta ao plano de Haussmann para a
reforma de Paris, que apagara grande porção da cidade medieval. O New Urbanism
adapta à escala humana os preceitos da tradição francesa ,da qual Haussmann é
um grande expoente. Esta tradição encontrou continuidade nos EUA através do
movimento City Beaultiful, e ressurge no New Urbanism através do traçado retilíneo
das ruas, da regularidade das construções e da padronização paisagística e arquite-
tônica. Através deste raciocínio o desenho da paisagem submete o verde ao espaço

8
KATZ, P. (org). The New Urbanism. Toward an architecture of community. Nova Iorque, Mc Graw-Jill,
Inc.,1994
9
Citado em, The Landscape Urbanism: Sprawl in a Pretty Green Dress?, por Michael Mehaffy

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03

construído e ao traçado viário, de forma contida, repetitiva e uniforme (ig.1). A forma


como o New Urbanism considera a natureza na cidade expressa um duplo enqua-
dramento, emoldura espaços verdes dentro da cidade e emoldura a cidade dentro
da região natural. O New Urbanism insere a natureza na cidade condicionando-a a
um desenho preestabelecido, não por critérios naturais, mas técnicos, não por uma
estética orgânica, mas racionalista.

Para o ideário Pitoresco, trazer a natureza para o desenho requer que antes olhemos
para a própria natureza como um jardim. Horace Walpole comentou sobre Bridgman
and Kent: “Ele saltou a cerca e viu que toda a natureza era um jardim”. Stephen Swit-
zer Por sua vez airmou: “O jardineiro natural fará seu desenho se submeter à nature-
za e não a natureza ao seu desenho10.

Comparemos o esquema de arborização para South Brentwood com esta fotograia


de Oxford College Park (ig.4 e 5), veremos dois modos bem distintos de assimilação
do verde na cidade.

Figura 4 – Esquema de plantio regular de árvo- Figura 5 – Vegetação em Oxford College Park
res para South Brentwood, Calthorpe Associates (fonte: Google Earth)
(fonte: The New Urbanism. Toward an architec-
ture of community)

Se observarmos a forma como a natureza se reapropria dos espaços nos edifícios


em ruína, telhados e terrenos baldios teremos uma demonstração de sua força e
resiliência. Ser resilinte é uma questão chave para garantir os serviços ecossistêmi-

10
PEVSNER, Nikolaus. Visual Planning and the Picturesque. Los Angeles, Getty Publications 2010.

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cos, sistemas frágeis não são coniáveis em termo do oferecimento constante des-
tes serviços, sistemas resilientes, sim. Michael Hough apontou em seu livro Cities
and Natural Process como nestes espaços a natureza retoma seu lugar sem a ajuda
do homem. A esta natureza subversiva deveríamos dedicar maior atenção, pois ela
nos oferece lições valiosas. Se para nosso olhar doutrinado esta expressão natural
é “erva daninha” e “mato”, é notável como supera as diiculdades e sua capacidade
de adaptação. E mais importante, sua biodiversidade é bem maior e o seu grau de
entropia bem menor que nos jardins cultivados. Os jardins naturalistas são mais
sustentáveis e abrem caminho para uma revolução estética mais alinhada às neces-
sidades ecológicas.

A ESCALA HUMANA

No New Urbanism a escala humana se foca na eiciência da mobilidade urbana base-


ada no acesso do pedestre às diversas atividades cotidianas, como moradia, escola,
comércio, serviços, emprego e lazer. Visa substituir a escala baseada no deslocamen-
to por automóvel, propondo uma cidade mais humana com ruas amigáveis e dimen-
sões do espaço público que transmitam segurança e aconchego.

O Pitoresco oferece um contraponto sensível que parece escapar ao New Urbanism:


o modo como, a partir da escala humana o espaço é percebido por quem nele vive
e circula. Ao invés de grandes planos e esquemas teóricos, propõe que a escala hu-
mana seja percebida a partir da perspectiva do pedestre, numa abordagem menos
racionalista e mais empírica, emocional e afetiva. Elementos como praça, construções
ao redor, caminhos por becos e passagens, ruas sinuosas com larguras variáveis,
ausência de unidade na aparência, surpresas a cada esquina ou portal deinem uma
experiência urbana única 11.

Aqui entram os preceitos da diversidade e irregularidade. A escala humana, quando


desprovida destes, não é suiciente, pois não inclui toda a necessidade da experiência
humana, que ica fenomenologicamente empobrecida, enquanto o ambiente urbano
ica ecologicamente fragilizado. Estes preceitos, por possuírem uma lógica inerente
aos processos naturais, capacitam a integração da natureza de forma orgânica, pos-
sibilitando o usufruto de seus serviços ecossistêmicos.

11
PEVSNER, Nikolaus. Visual Planning and the Picturesque. Los Angeles, Getty Publications 2010.

68
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03

DIVERSIDADE E IRREGULARIDADE

O New Urbanism não nega o preceito de diversidade, mas o reduz ao uso do solo
e ao social. Mesmo este último, defendido na teoria, foi objeto de crítica por David
Harvey 12 que apontou seus perigos de segregação social e gentriicação13. Quais os
meios para garantir a diversidade sociocultural frente à tendência contemporânea, e
ao fechamento em comunidades autocentradas por sentimentos étnicos e nacionalis-
tas, torna-se uma questão importante. Aprender com a natureza pode ser, talvez, uma
forma de reletir sobre como a diversidade é positiva também em outras instâncias,
como uma metáfora para a coexistência harmônica e pacíica entre as diferenças.
Mas vamos nos ater, no entanto, naquilo que diz respeito ao desenho urbano e ques-
tões ecossistêmicas.

A diversidade se contrapõe à monotonia, previsibilidade, repetição e simetria; estimula


os sentidos com diferentes contrastes de cores, formas, texturas, sons e aromas; inspira
o espírito humano por sua beleza e surpresas. É uma riqueza que se expressa no corpo,
emoção e imaginação, extrapolando o sentido meramente estético. Ian MacHarg já de-
inira a diversidade como ecologicamente necessária, e Michael Hough a estendera ao
social e energético. Quanto maior a diversidade menor a entropia, maior a resistência a
tensões e menor a vulnerabilidade14, e assim, mais alta é sua resiliência.

O New Urbanism, por sua vez, determina uma uniformidade excessiva na arquite-
tura, traçado viário, arborização e desenho da paisagem. Mais do que a deinição
de recuos e densidade construtiva, determina através de manuais detalhados o es-
tilo arquitetônico, elementos de fachada, mobiliário urbano, largura e materiais das
calçadas e até quais espécies de árvores devem ser plantadas em espaçamentos
regulares nas calçadas.

Até certo ponto a regularização pode ser positiva, porém em excesso torna artiiciosos
os lugares da cidade. O estilo tradicional temperado com a estética industrial, como
propõe o New Urbanism, recai com frequência no artiicioso, nos remetendo ao par-
que temático e a cenograia. Mas o habitante da cidade contemporânea se tornou tão

12
HARVEY, David. The New Urbanism and the Communitarian Trap
13
Expulsão de população de menor renda pela valorização do solo urbano
14
Hough, Michael. The Cities and the Natural Process

69
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03 Junho de 2013

familiar com esta artiicialidade, associada ao consumismo, que só o contraste com a


experiência de possibilidades mais sensíveis poderia lhe despertar para aquelas qua-
lidades essenciais que o Pitoresco propõe.

Castle Combe, uma cidade pitoresca inglesa, parece brotar do sítio, enquanto Seasi-
de, um ícone do New Urbanism, parece ter sido montada com peças produzidas em
alguma indústria distante. Algo essencial as diferencia, tanto pelas construções como
no modo como a natureza se integra. (ig.2).

Figura 2 – Esquerda: Castle Combe, Inglaterra (fonte: http://www.vacationhomes.net jan.2013). Direita:


Seaside (fonte: The New Urbanism. Toward an architecture of community)

No século XVII, Sir Willian Temple em Gardens of Epicurus airmara a superioridade


da beleza na irregularidade devido a uma “extraordinária disposição da natureza”. Ele
foi um dos primeiros a trazer o conceito chinês de Sharawaggi, a “desordem gracio-
sa”. No século XVIII este conceito será retomado por Joseph Addison em The Spec-
tator. Para ele o incomum e novo despertam prazer na imaginação ao “preencher a
alma com agradáveis surpresas” 15.

Para uma compreensão do espaço a partir de quem nele vive e circula, o Pitoresco
sugere que se foque a pequena escala ao invés de grandes planos. Sugere uma com-
preensão menos técnica e mais sensível da cidade. O que está em jogo não é tanto
a função utilitária, que por si parece fria e torna o homem mecânico. O Pitoresco não
sugere máquinas, mas organismos, não a repetição industrial seriada, mas a diver-
sidade e irregularidade inerentes aos organismos vivos e ecossistemas. As pessoas

11
PEVSNER, Nikolaus. Visual Planning and the Picturesque. Los Angeles, Getty Publications 2010.

70
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reconhecem e se identiicam com a diversidade dos lugares, distinguindo-os, criando


referências, laços afetivos. O uso de materiais diversiicados na construção acentua
esta experiência sensória, principalmente quando são naturais e rústicos, ou quando
se associam a coberturas vegetais.

O New Urbanism parece querer impor um censo comum a criar regras excessivas e
restrições formais à cidade e construções. Neste ponto deveria existir um maior equi-
líbrio entre o planejamento global e a liberdade criativa do arquiteto. Ao impor referên-
cias culturais e regionais o faz de modo artiicioso, nada que se assemelhe às vilas e
cidades tradicionais. Falta-lhe certa espontaneidade que possa trazer à vida aquele
caráter que torna cada lugar único e irreproduzível. Aqui que entra outro conceito im-
portante ao Pitoresco, o que os romanos identiicavam como genius loci.

O “ESPÍRITO” DO LUGAR

O poeta inglês Alexander Pope recuperou o conceito de genius loci como um princípio
para a paisagem. Ele disse: “Ao esboçar um jardim a primeira coisa a ser considerada
é o genius do lugar”. Este conceito na Roma antiga tinha um caráter mítico, em cada
lugar reinaria um espírito que lhe conferiria características próprias. Hoje, como noção
para uma abordagem sensível do lugar, esse conceito airma que nenhum terreno se
iguala a outro, guardando cada um suas características peculiares, sejam materiais,
energéticas, biológicas, culturais, psicológicas ou históricas.

Por sua subjetividade o genius loci não é só observado, mas interpretado. Thomas
Whately, escritor e jardineiro, usava a expressão “caráter do lugar” airmando que de-
veríamos observar pacientemente a natureza antes de tentar imitá-la, considerando a
importância da água e da variedade de espécies de árvores e arbustos como caracte-
rísticas únicas de cada lugar 16. Willian Gilpin trouxe sua dimensão cultural ao enfatizar
as associações sentimentais com ruínas e construções antigas. Ao despertar asso-
ciações psicológicas e sentimentais somos conectados com a história do lugar, o que
fortalece os laços afetivos. Este “espírito” do lugar consiste do elemento psicológico,
ou conjunto de informações subjetivas que liga o ser humano à história cultural e na-
tural do lugar. A negação do passado, a tabula rasa sobre elementos de valor histórico

16
PEVSNER, Nikolaus. Visual Planning and the Picturesque. Los Angeles, Getty Publications 2010.

71
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ou naturais, como relevo, hidrograia e vegetação, destrói laços afetivos distanciando,


física e espiritualmente, população e lugar.

No Landscape Urbanism este distanciamento também vai existir em algumas aborda-


gens, não com a natureza preexistente à qual dá importância maior, mas frequente-
mente como os aspectos culturais. No entanto, alguns autores se sensibilizaram a esta
necessidade. Para Kelly Shannon17 a origem do interesse do Landscape Urbanism na
relação entre cultura local e civilização universal está no “regionalismo crítico” de Framp-
ton, Tzonis e Lefaivre. Para tanto valoriza a topograia, o clima, a região, a ecologia, as
habilidades artesanais e matérias locais. A paisagem é considerada como instrumento
de resistência às tendências globalizantes e homogeneizantes do ambiente construído.

Segundo Tzoni e Lefaivre18 esta deinição de lugar deve ir além de questões étnicas e
se opor ao “germe da insularidade nacionalista”. Para isto o regionalismo é obtido atra-
vés do recurso da “desfamiliarização”, quando os “elementos deinidores do lugar” são
incorporados por “estranhamento”, através da recomposição num contexto contemporâ-
neo dos elementos regionais ligados historicamente à formação do genius loci. O efeito
deve ser o contrário da narcotização causada pela rotina, pelo familiar, pelo que é obvio
e repetitivo. Este “estranhamento” deve levar o “observador a um estado metacognitivo,
uma democracia da experiência”. Não destrói o genius loci, nem força sua permanência,
e sim reconhece que ele evolui, participando na reconstituição do lugar.

CIDADES PARA PESSOAS, UMA VERSÃO EUROPÉIA PARA O NEW URBANISM

Livre das padronizações estilísticas do New Urbanism norte americano, o discurso de


Jan Gehl 19 parece adotar uma perspectiva menos focada no desenho, em seu sentido
tradicional, e mais focada na vida humana.

Segundo ele, dois fatores a partir dos anos 60 tiveram grande impacto sobre a quali-
dade de vida nas cidades: a necessidade de se construir rapidamente para atender à
demanda do crescimento e a invasão do automóvel.

17
From Theory to Resistence: Landscape Urbanism in Europe , em Landscape Urbanism Reader
18
Alexander Tzonis e Liane Lefaivre, em Porque regionalismo Crítico?, em Uma Nova Agenda Para a Arquitetura.
19
GEHL, Jan. Cities for people.

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Gehl compartilha com o Landscape Urbanism a ideia de que a representação através


de plantas, elevações e fotograias é insuiciente para reunir todas as informações
importantes que o desenho urbano requer. Segundo ele, este modo tradicional de
representação tem criado uma obsessão pela forma, tanto por parte dos arquitetos e
seus clientes como no ensino de arquitetura. Quando a forma passa a ser a principal
preocupação a vida é esquecida, diz. Mas enquanto o Landscape Urbanism se pre-
ocupa com ambientes naturais, espaços residuais e infraestruturas de grande porte,
Gehl se foca na razão de ser das cidades: as pessoas.

Gehl compartilha com o Pitoresco o conceito de que a percepção direta do espaço


urbano é imprescindível para revelar as necessidades humanas, e para ele o nível da
rua, o espaço público e suas articulações devem ter uma atenção especial. Airma que
não se pode projetar como quem sobrevoa de avião uma cidade, inserindo edifícios
num cenário para ser visto de longe. É necessário perceber o que ocorre entre os edi-
fícios, entre as pessoas, conhecer seus desejos, sonhos e necessidades.

Jan Gehl aborda a vida enquanto vida humana. Se ampliarmos esta visão para onde
a própria vida humana se apoia, acrescentaremos à visão antropocêntrica, a biocên-
trica. Ellis20 propôs que atualmente, quase todo “bioma” é na verdade, um “antroma”
porque já sofreu algum grau de modiicação pelo ser humano. Assim, as cidades em
todas as suas relações, desde as escalas setoriais até as regionais e planetárias,
passam a ser encaradas como constituintes de uma grande rede de antromas e áreas
naturais. Esta visão é mais bem abordada pelo Landscape Urbanism.

O LANDSCAPE URBANISM

O projeto da paisagem foi tradicionalmente deinido como o desenho dos espaços


remanescentes das construções. Na escala urbana esteve restrito ao desenho de jar-
dins, praças e parques como espaços saudáveis para mitigar os efeitos negativos da
urbanização. Para o movimento Landscape Urbanism este conceito limita o potencial
transformador da paisagem, portanto deve ser superado.

A proposta do Landscape Urbanism é que a paisagem seja uma prática híbrida e


multidisciplinar e que conteste sua separação da arquitetura e do urbanismo. O movi-

20
Anthropogenic transformation of the biomes, 1700 to 2000

73
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mento surge na trilha de teóricos como Patrick Geddes, Lewis Munford e Ian McHarg,
que compreenderam a cidade em seu contexto regional, em suas relações com a
geograia, geologia, hidrograia, ecologia, agricultura e todo o conjunto de atividades
humanas. Mas o Landscape Urbanism reconhece neles a persistência da dicotomia
entre natureza e civilização: para seus teóricos as concepções tradicional e a moder-
na teriam falhado neste ponto.

James Corner teoriza a prática do Lanscape Urbanism em quatro temas: o processo


no tempo, a preparação de superfícies, o método operacional e o imaginário. A subs-
tituição da forma pelo processo é um preceito que transpassa cada um destes temas
e, como veremos, será também o seu ponto frágil, quando desconectado de sua di-
mensão empírica.

TEMPO E PROCESSO

O paradigma industrial dera origem ao conceito de “máquina de morar”. Aplicada ao


complexo urbano este conceito gerou a ideia de “cidade como máquina” 21. O dogma
modernista “forma segue função” atendia a um conjunto especíico de funções, limi-
tado pelo iltro conceitual mecanicista. A totalidade das funções essenciais dentro do
sistema não era contemplada, prejudicando a dinâmica dos processos naturais e urba-
nos. Com o passar do tempo, os modelos mecanicistas se comprovaram inadequados
e o paradigma ecológico demandou um avanço na conceituação de funcionalidade.

A partir da crítica ao urbanismo moderno o Landscape Urbanism desenvolve um


olhar sobre a cidade que contesta a “tentativa de conter a multiplicidade dos pro-
cessos urbanos dentro de um formalismo espacial rígido”, defendendo que o pro-
cesso no tempo deva ser mais importante que a forma no espaço (James Corner).
O espaço é então pensado como um sistema adaptável onde a função é modiicada
pelos usuários através do tempo. Este “indeterminismo programático” remete aos
conceitos teóricos de Rem Koolhaas que – “apesar de suas fracas credenciais eco-
lógicas 22” - se tornou uma referência marcante para algumas formulações teóricas
do Landscape Urbanism.

21
The emergence of landscape urbanism, Grahame Shane, em Landcape Urbanism Reader.
22
Richard Weller, em Landscape Urbanism Readers.

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Koolhaas propusera a “irrigação dos territórios com potencial”. Seu projeto para o
concurso do Parc de La Vilette, em Paris, assim como o do vencedor, Bernard Tschu-
mi, constituem um marco conceitual para o Landscape Urbanism ao representarem
estratégias de ordenar as mudanças programáticas e sociais no decorrer do tempo 23.
Ao mesmo tempo em que abriram caminho para uma lógica inerente aos processos
ecossistêmicos criaram bases de uma planiicação que corresponde a condições eco-
nômicas e culturais determinadas pela não localidade, descentralização, mobilidade
de capital, bens e pessoas. Em vez de ser lida em termos espaciais formais a cidade
deveria ser lida como um sistema de luxos espaço temporais.

Estariam estas “condições econômicas” de acordo como uma funcionalidade ecos-


sistêmica, como deseja seus defensores? Douglas Spencer discorda e propõe uma
renovação crítica do movimento, para além das condições urbanísticas das quais sur-
giu, mais especiicamente as norte americanas 24.

Segundo ele, esta apologia ao “processo” atende a imperativos econômicos em cir-


cunstâncias históricas especíicas. A supressão do ambiente construído, assim como
dos mecanismos regulatórios que sustentaram modos anteriores de produção, seria
uma demanda do empreendedorismo neoliberal. O objetivo é tornar a cidade acessível
à especulação inanceiro-imobiliária, inserindo-a na economia global, principalmente
através de empreendimentos de renovação urbana. Diferente dos EUA e Europa Oci-
dental, que experimentaram essas renovações no contexto pós-industrial, os países
expostos mais recentemente aos mecanismos do mercado sentiram seus efeitos de
forma dramática.

Julgar que, do ponto de vista ecológico, qualquer processo é melhor que uma for-
ma ixa, é uma falácia. A ecologia não consiste somente de processos, mas também
de estruturas relativamente ixas, como as geológicas e topográicas; na natureza,
forma e processo coexistem. Por outro lado pragas e epidemias, por exemplo, são
processos patológicos, assim como podem ser certos processos econômicos. Se-
gundo Spencer, na China, nos 20 anos que se seguiram às reformas econômicas, a
transformação territorial produziu cerca de quatrocentas novas cidades. Uma cres-
cente disparidade de renda entre população urbana e rural gerou setenta milhões de

23
Carles Waldhein, em Landscape Urbanism Readers
24
The Obdurate Form of Lanscape Urbanism: Neoliberalism, Designs and Critical Agency

75
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migrantes permanentes, problemas ambientais como a exaustão do solo e poluição,


perda de extensas áreas produtivas, assentamentos precários e sérios problemas de
segurança alimentar.

Descomprometida com estes problemas, uma forma obstinada de Landscape Urba-


nism se satisfaz em reproduzir argumentos para mobilidade, conectividade e lexibi-
lidade, quando este tipo de superfície, ininitamente reprogramável, funciona como o
campo ideal para os imperativos neoliberais. Dentro de certas condições esta obsti-
nação torna-se um obstáculo signiicante para o desenvolvimento de “práticas critica-
mente engajadas com a integração entre ecologia e justiça social”.

O processo no desenho urbano não é necessariamente aquelas abstrações teóricas


ideologicamente engajadas. Através da experiência direta do espaço o processo se
dá tanto nele como naquele que o experimenta; trata de nossa conexão com o solo,
com a vida cotidiana, com associações de pertencimento, com o que ocorre na escala
humana, ao alcance dos sentidos e ao nível do chão. Para Pevsner a forma orgâni-
ca responde a outros imperativos, não necessariamente econômicos, ideológicos, ou
tecnicistas. A coexistência e cooperação entre forma e luxo estão presentes no rele-
vo, hidrograia e biota, e na cidade através das relações entre diversos tipos de infra-
estruturas, naturais e tecnológicas. Estão também no modo como nos apropriamos do
espaço, nas diversas atividades cotidianas, nas relações humanas, físicas e afetivas.

Douglas Spencer também parece propor uma integração entre forma e luxo quando
deseja ir além dos interesses neoliberais. Sua vertente do Landscape Urbanism se
dirige às especiicidades concretas de cada território. Sem renunciar à forma, ele a
toma como veículo através do qual contempla cenários urbanos possíveis, evitando
tanto as armadilhas do determinismo inlexível quanto as de uma soltura radical. Atra-
vés da criação de topograias artiiciais, o solo se torna um instrumento estruturador
de relações entre fatores ambientais, sociais, econômicos e culturais.

A PAISAGEM COMO INFRAESTRUTURA

A integração entre as infraestruturas naturais e tecnológicas é um tema importante


ao Landscape Urbanism. A noção da natureza como infraestrutura a deine como um
conjunto de serviços ecossistêmicos que, integrado ao espaço construído, traz bene-
fícios econômicos, sociais e ambientais.

76
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Esta integração consiste em criar continuidades em diversas escalas, rompendo fron-


teiras e formando uma rede que abrange todo o tecido urbano e o conecta à natureza
além da cidade. Ao incluirmos as coberturas e fachadas verdes, toda a superfície
urbana se torna um meio através do qual se integram paisagem e construção. Neste
sentido Corner deine o tema infraestrutura como a “preparação de superfícies”.

Grande porção dos problemas ambientais urbanos se dera pelo impacto de grandes
infraestruturas tecnológicas. Para que estas possam superar o seu protagonismo num
cenário de devastação, torna-se necessário ir além de seu monofuncionalismo e in-
cluir todo o potencial social, cultural e ecológico dos espaços que ocupam.

A dedicação do Landscape Urbanism à infraestrutura viária é frequentemente inter-


pretada como apologia ao uso do automóvel. Até certo ponto esta acusação tem fun-
damento uma vez que Charles Waldheim airmou que “se você tem uma cultura que é
fundamentalmente baseada no automóvel, então um modelo urbano que seja antiau-
tomóvel é contraprodutivo”. A criação de novos valores na cultura é fundamental para
que se estabeleçam modelos mais sustentáveis de produção do espaço, e, portanto
um fator de alto impacto, ainda que cultural, não pode ser justiicativa para a conti-
nuidade de modelos ultrapassados. Não estaria este posicionamento, mais uma vez,
ocultando imperativos ideológicos?

Por outro lado, se as vias e autoestradas urbanas continuarão desempenhando suas


funções ainda por muito tempo, a qualidade ambiental das áreas por onde passarão
dependerá de preceitos sociais e ecológicos avançados. Neste sentido Jacqueline
Tatom, em seu ensaio Urban Highways and the Reluctant Public Realm trata exclusi-
vamente da infraestrutura de corredores viários 25.

A investigação do desenho de vias requer compreende-lo tanto em relação à seção


longitudinal quanto à transversal. Aquela a relaciona com o luxo de veículos enquanto
esta com a paisagem na qual se inserem, respondendo assim a múltiplas funções do
espaço público, como a mobilidade através de calçadas e ciclovias, gerenciamento
das águas, provisão de áreas verdes e demais instalações públicas. Este preceito
transfere prara escalas maiores aquilo que o NewUrbanism propõe no interior de co-
munidades: desenhar ruas como espaço compartilhado com um conjunto de outras
funções, além da locomoção dos veículos.

25
Landscape Urbanism Reader

77
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Além de considerarmos o potencial paisagístico das diversas infraestruturas urbanas


devemos considerar a própria natureza na cidade como infraestrutura. A “infraestrutu-
ra verde” 26 se deine como uma rede de áreas naturais e espaços abertos que inclui
fragmentos de natureza, áreas de preservação, terras cultiváveis e outros espaços
abertos. Basicamente esta rede se compõe de três elementos, os núcleos (hubs) que
consistem das reservas lorestais e grandes parques; os sítios (sites) que consistem
de pequenos parques, praças, jardins, pomares e hortas urbanas; e as conexões
(links) que unem o sistema através de caminhos e corredores verdes como vias arbo-
rizadas e parques lineares luviais. Podemos incluir neste sistema os bairros jardins,
que funcionam como pulmões verdes e amortecedores da temperatura, as constru-
ções ecológicas, que integram a superfície vegetal à arquitetura através de fachadas
e coberturas verdes, e as diversas tipologias ecológicas de “drenagem”, como os
jardins de chuva, biovaletas, lagos pluviais e wetlands 27.

A questão das infraestruturas, como tratada pelo Landscape Urbanism, abrange uma
área normalmente tratada como meramente técnica, desconsiderando seu impacto no
contexto urbano e dos ambientes naturais sob sua inluência. Neste sentido a paisa-
gem adquire novo signiicado.

PERCEPÇÃO, IMAGINAÇÃO E REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO URBANO.

As “geograias urbanas” previstas pelo Landscape Urbanism, em suas diversas es-


calas e como fruto de um trabalho coletivo, requerem novos conceitos, formas de
representação e modos de operação muito além das formas tradicionais de desenho.
Como airmou James Corner “A imaginação coletiva, informada e estimulada pela ex-
periência do mundo material, deve continuar a ser a motivação primeira de qualquer
esforço criativo (...) não há uma carência de utopias críticas, mas poucas delas supe-
raram a prancheta.”

A imagem da cidade que desejamos está, até certo ponto, condicionado por nossa
experiência prévia. Se pretendemos avançar na idealização de uma cidade mais sau-
dável torna-se necessário quebrar condicionamentos perceptíveis e conceituais. Para

26
Mark A. Benedict e Edward T. McMahon. Green Infrastructure, Linking Landscapes and Communities.
27
Infra-estrutura Verde: uma estratégia paisagística para a água urbana.

78
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isso a experiência direta da cidade, tanto de seus aspectos positivos como negativos
pode ser de grande ajuda, e isto deve ser experimentado coletivamente.

A participação da população no planejamento urbano não é questão meramente po-


lítica. A construção da cidade é, antes de tudo, uma construção cultural e se não for
devidamente imaginada em sua excelência não poderá se realizar como fato. A imagi-
nação coletiva da cidade deve surgir de uma alimentação mútua entre uma multidisci-
plinaridade técnica e toda comunidade envolvida.

Um modo de estimular a imaginação coletiva é a criação de situações que a libertem


dos modelos estéticos condicionados culturalmente por valores que não condizem
com nossas necessidades ecológicas. Estas situações podem acontecer de diversas
formas. A mais direta é a realização de um número crescente de projetos de referência
para espaços públicos. Um projeto de qualidade informa, educa e transforma o modo
como percebemos e concebemos o espaço, tanto trazendo informações novas como
resgatando memórias antigas, criando laços afetivos entre população e lugar.

As instituições educacionais e as iniciativas culturais têm um papel fundamental neste


processo e podem enriquecer esta experiência através de diversas atividades, como
palestras, exposições, excursões, criação de hortas e pomares comunitários, aulas ao
ar livre e passeio culturais e eventos educativos,além podem trazer também informa-
ções e referências de projetos de sucesso de outras cidades e países. Vale citar algu-
mas iniciativas criativas que já têm colaborado bastante neste sentido. Seus efeitos
estão se evidenciando em mobilizações e participações coletivas a favor de melhorias
ambientais na cidade de São Paulo. Um bom exemplo é a iniciativa Rios e Ruas 28,
que promove expedições a pé e de bicicleta, conscientizando a população dos rios
urbanos canalizados sob o asfalto e o concreto. A conscientização é o primeiro passo
de um processo de longo prazo, e aos poucos a criação de parques lineares e rena-
turalização de trechos de rios já começa a ser pauta em reuniões de comunidades de
bairro e nas discussões sobre planos diretores.

A iniciativa Árvores Vivas 29 é outra que surgiu e cresceu em associação com o mo-
vimento Rios e Ruas, devido à ainidade de seus criadores e à estreita relação entre

28
http://rioseruas.wordpress.com/
29
http://www.arvoresvivas.com.br/

79
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árvores e cursos d’água. Promovendo visitas a parques e praças, informa e sensibiliza


as pessoas sobre a natureza na cidade e suas árvores. Poderíamos citar diversas ou-
tras iniciativas que, por exemplo, promovem a criação de hortas urbanas, zelam pela
conservação de praças ou promovem o plantio de mudas através de passeios ciclís-
ticos. Impulsionado pelas novas tecnologias de informação e organização em redes,
o acúmulo destas experiências pode tornar uma cidade grande como São Paulo uma
referência em movimentos ambientais urbanos.

Por contraste, duas imagens vão se informando mutuamente, a da cidade que temos
e a da cidade que desejamos, realimentando nossa ideia de “cidade boa”. Esse desejo
pode funcionar como a mola propulsora de um movimento participativo, cultural e eco-
lógico por uma cidade mais verde e acolhedora para todos.

Ainda que Cristophe Girot aponte o Pitoresco como antecipação de uma compreen-
são estática da paisagem, o estudo de Pevsner parece sugerir justamente o contrário.
Sua visão antecipa o uso do movimento na representação da paisagem. Através da
fotograia sequencial ele antecipa o uso do vídeo e da animação digital. A insuiciência
dos métodos tradicionais de representação já havia sido apontada por ele nos meados
do século XX. Consideradas as limitações tecnológicas da época, Pevsner introduziu
a fotograia em série, que associada com um texto, descreve um percurso, uma di-
mensão além do espaço estático. Posteriormente, suas ideias serão incorporadas por
Gordon Cullen no movimento Townscape, através da representação de sequências de
perspectivas, nos remetendo ao recurso do storyboard cinematográico.

Cristophe Girot propõe a integração de diferentes leituras num método que: reconhe-
ça as qualidades do passado, clariique as opacidades do presente e compreen-
da os potenciais futuros. O lugar e o ponto de vista são dois conceitos que surgem
como elementos a serem compreendidos. O lugar dentro de uma “moldura auto-re-
ferenciada que qualiique e fortaleça o potencial natural de uma cidade no tempo”; e
o ponto de vista como um parâmetro subjetivo que deve se tornar parte integral do
processo de desenho. Como na mecânica quântica, o fenômeno observado depende
da posição do observador.

Para unir sensibilidade e tecnologia, poderíamos recuperar o conceito situacionista


de “deriva”, frente aos novos paradigmas tecnológico e ecológico. Aquilo que foi dei-
nido como “psicogeograia” seria estendido à percepção e mapeamento do ambiente
natural urbano, seja na sua presença ou ausência e representados lançando mão

80
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03

de recursos tecnológicos avançados. Estaríamos promovendo a sensibilização am-


biental da cidade, redeinindo a “arte da observação” e a criação de novas formas de
representação através da integração de técnicas tradicionais e avançadas.

Superar a prancheta, como sugere Corner, signiica avançar nos métodos de repre-
sentação e operacional do projeto. Novas formas como vídeo e computação gráica,
superposição de camadas, colagem e outras, visam introduzir outros dados sensíveis
e temporais. Mas devemos ir além, é necessário reairmar o equilíbrio entre o teórico
e o empírico na investigação da paisagem urbana 30.

A tendência atual à virtualização das relações, sociais ou espaciais, é uma tendência


real. Mais uma vez, o Pitoresco vem em nosso auxílio. É necessária uma dose grande
de sensibilização para despertar o corpo e os sentidos para a vida que pulsa lá fora,
além do dilúvio de informação eletrônica que lui através das redes sociais e culturais.
Isto é urgente para equilibrar o sistema como um todo. Atualmente, e mais uma vez, a
experiência sensória se reairma como necessidade humana essencial.

CONCLUSÃO

O New Urbanism e o Landscape Urbanism têm contribuído bastante no debate sobre


o futuro das cidades e para o restabelecimento da harmonia entre o meio construído
e a natureza. No entanto é necessário reconhecer que persistem condicionamentos
conceituais que os amarram ainda a paradigmas ultrapassados. É necessário que
cada tendência abra espaço para novos feixes de informação capazes de responder
às necessidades apontadas pela visão ecológica e permitir as mudanças necessárias
em nosso modo de produzir artefatos e consumir recursos.

Se atendermos ao preceito do Pitoresco de que a primeira coisa a se conhecer antes


de iniciar um projeto é o caráter do lugar, não somente outras disciplinas deverão ser
incorporadas no processo do projeto, como será importante sensibilizar tanto os técni-
cos como a população sobre aspectos variados do lugar de forma técnica e empírica.
Os dados das condições preexistentes serão fornecidos por algumas destas discipli-
nas como geograia, biologia, antropologia, sociologia, história, ecologia, engenharia,

30
Cristopher Girot; em Landscape Urbanism Reader.

81
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arquitetura, design e também por um trabalho cultural e educativo que informe e esti-
mule a população a expressar seus sonhos e necessidades.

O Landscape Urbanism, como apontou Grahame Shane 31, ainda se concentra no


apagamento de padrões insustentáveis de ocupação urbana, não reletindo de for-
ma suiciente sobre a escala humana e sobre formas urbanas mais densas. O New
Urbanism por sua vez, ao focar a escala humana, deixa lacunas nas escalas e áreas
tratadas pelo Landscape Urbanism.

A forma como a habitação se insere no cenário de infraestruturas naturais – e aqui


queremos deinir habitação não só como projeto de edifício, mas do espaço público e
semipúblico com os quais se articula – é um ponto para conluência das preocupações
do New Urbanism e Landscape Urbanism. Uma cidade ecológica e sustentável deve
ser uma cidade voltada para a qualidade de vida das pessoas e ao mesmo tempo
deve estar atenta às questões climáticas, ambientais e ecológicas. Por este critério,
natureza e habitat humano se integram de forma harmonizada, orgânica e funcional,
o que pode tornar as cidades mais pitorescas, humanas, ecológicas e sustentáveis.

31
Grahame Shane

82
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°03

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83
ARTIGO Nº4

ESPAÇOS CEMITERIAIS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PAISAGEM E


MEIO AMBIENTE URBANOS
CEMETERIAL SPACES AND THEIR CONTRIBUTIONS TO THE LANDSCAPE
AND URBAN ENVIRONMENT
Aline Silva Santos
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04

ESPAÇOS CEMITERIAIS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PAISAGEM E MEIO


AMBIENTE URBANOS

Aline Silva Santos*


*Arquiteta paisagista, graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual Pau-
lista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP, Bauru) e mestranda em Paisagem e Ambiente na pós-graduação da
FAUUSP. E-mail: [email protected]

RESUMO

Como elemento componente do sistema de espaços livres da cidade, os cemitérios


justiicam-se como tema de investigação. Nota-se atualmente que, apesar de ocupa-
rem extensas áreas do tecido urbano, acabam não dialogando com este, constituindo
espaços sem apropriação e desconexos. A preocupação ambiental também é urgen-
te, pois são locais passíveis de sérias contaminações. Este artigo pretende discutir
as principais composições dos espaços cemiteriais brasileiros, possíveis formas de
destinação dos corpos e novas tecnologias disponíveis nesta área; mostrando assim
que os cemitérios podem ter colaboração signiicativa na construção de cidades mais
sustentáveis e paisagens urbanas positivas.

Palavras-chave: cemitérios; cremação; morte; impacto ambiental; sustentabilidade.

CEMETERIAL SPACES AND THEIR CONTRIBUTIONS TO THE LANDSCAPE


AND URBAN ENVIRONMENT

ABSTRACT

As an element of the open space system of cities, the cemeteries are justiied as a
research topic. It is currently noted that although they occupy large areas of the ur-
ban fabric, there is no relationship between them, composing spaces disconnected
and without appropriation. Environmental concern is also urgent because those sites
are subject to serious contamination. This article intends to analyze the major com-
positions of Brazilian cemetery spaces, possible methods for disposal of bodies and
new technologies available, showing, in this way, that cemeteries may have signiicant
collaboration in building more sustainable cities and positive urban landscapes.

Keywords: cemeteries; cremation; death; environmental impact; sustainability.

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04 Junho de 2013

INTRODUÇÃO

Os cemitérios são equipamentos públicos da infraestrutura urbana indispensáveis para


qualquer cidade. Espaços livres que ocupam extensões signiicativas, impactam na pai-
sagem tanto em seus aspectos ambientais como formais e estéticos. Se conigurarem-
se de forma excessivamente construída, atuam como verdadeiras lajes e podem contri-
buir negativamente não só na drenagem como também para o microclima, criando um
ambiente desconfortável para os visitantes e funcionários do local. Se não dialogarem
com o entorno, podem se tornar locais sem apropriação. Entornos murados, por exem-
plo, criam situações de espaços públicos de baixa qualidade para o pedestre com uma
sensação de exclusão da paisagem, repetindo-se a coniguração de “muralhas” dos
condomínios fechados. Além destes fatores, são áreas de potencial poluidor, ou seja, se
não instalados de maneira correta, podem incidir em impactos ambientais sérios.

Entretanto, se pensados dentro de um conceito de Planejamento Ambiental, os cemi-


térios podem impactar a paisagem de maneira agregadora.

De acordo com Michael Hough(1998), os cemitérios estão entre os espaços livres mais va-
liosos das cidades. Sendo locais de silêncio e tranquilidade, podem se prestar a atividades
como caminhadas, meditação e estudo da natureza. Têm também potencial de desem-
penhar um papel signiicativo na conservação da fauna, pois se encontram apartados da
intensa atividade urbana, oferecendo meio ambientes que favorecem animais e pássaros.

Anne Spirn (1995) cita a cidade de Boston onde, na década de 1970, os cemitérios
representavam 35% dos espaços livres da cidade e constituíam-se como redutos de
vida selvagem no meio urbano. Destes, se destaca o cemitério de Mount Auburn, local
muito procurado por observadores de pássaros.

Assim, este artigo, pretende discutir alguns espaços cemiteriais e suas formas de des-
tinação dos corpos, num recorte mais especiicamente brasileiro, apontando algumas
iniciativas que possam ensejar uma integração positiva com o meio urbano e criar
situações sustentáveis colaborando para cidades mais verdes.

OS ESPAÇOS CEMITERIAIS E COMO SE APRESENTAM NO MEIO URBANO

Pode-se dizer que as formas como os mortos são tratados e seus locais e formas de
disposição inal são relexos de concepções culturais. De maneira geral, no Brasil, de
acordo com o que acontecia na Europa desde a Idade Média, os cemitérios inicial-

86
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04

mente se encontravam dentro das igrejas1. O rompimento acontece no século XVIII


com o advento das reformas e medicina urbana e movimento de laicização do Estado
(ARIÈS, 1977). Assim, surgem os primeiros cemitérios laicos. Estes se caracteriza-
vam por túmulos ediicados para o enterro, onde através das construções e símbolos
empregados poderia se airmar riqueza e poder (CYMBALISTA, 2002). Acabaram
então por se constituir como verdadeiros relexos das cidades: tanto em sua organiza-
ção espacial – vias principais eram reservadas aos mais abastados – quanto nas suas
ediicações. Um exemplo é o cemitério da Consolação, o primeiro fundado na cidade
de São Paulo: aberto em 1858, possui um vasto acervo escultórico de artistas reno-
mados, resultado do investimento da elite paulistana na construção de seus túmulos.

Estes tipos de cemitérios “tradi-


cionais”, com construções tumula-
res acima do nível do solo, são os
mais comumente encontrados no
Brasil, principalmente entre os de
caráter público. Contudo, depen-
dendo da forma como se dispõe,
acabam por gerar espaços de bai-
xa qualidade. Sem um projeto de
arborização e com predominância
de túmulos podem criar espaços
áridos para os visitantes e funcio- Imagem 01 – Cemitérios com túmulos construídos e vias
nários (imagem 01), sendo que excessivamente pavimentadas, podem gerar ambientes
áridos e consequentemente com baixa qualidade. Cemi-
o excesso de pavimentação das
tério do Brás (Quarta Parada), São Paulo-SP. Foto: Aline
vias diminui as áreas permeáveis
Silva Santos, 2011.
de uma extensão signiicativa de
solo urbano.

1
Igreja católica, devido à hegemonia da religião à época.
2
No Brasil, não há grandes separações tipológicas entre os tipos de cemitérios, sendo também utilizada a
nomenclatura “cemitério parque” como sinônimo de “cemitério jardim”.
3
Lucio Costa não se utiliza da nomenclatura “cemitério jardim” ou “cemitério parque”, contudo, pode-se dizer
que se refere a este tipo, devido à descrição: “Os cemitérios localizados nos extremos do eixo rodiviário-residen-
cial, evitam aos cortejos a travessia do centro urbano. Terão chão e grama e serão convenientemente arboriza-
dos, com sepulturas rasas e lápides singelas, à maneira inglesa, tudo desprovido de qualquer ostentação.” In:
COSTA, Lúcio. Relatório do Plano Piloto de Brasília. GDF, Brasília: ArPDF/ CODEPLAN/ DePHA, 1991, item 19.

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04 Junho de 2013

Na década de 1960 é trazido um novo modelo de disposição cemiterial para o país: o


“cemitério jardim” (ou cemitério parque, como também é chamado 2). O “Cemitério da
Paz” (imagem 02), de caráter particular e aberto em 1965, se autointitula como sendo
o pioneiro deste tipo no Brasil. Entretanto, é difícil precisar tal informação, sendo en-
contrado, por exemplo, indicativo deste modelo de cemitério no memorial descritivo
de Lucio Costa para o “Plano Piloto da Cidade de Brasília”, da década de 1960 3. A
despeito destas informações, é interessante mostrar que este novo tipo cemiterial
traz um conceito que rompe em alguns aspectos com o que existia até então, pois se
constituem por espaços primordialmente arborizados, onde os túmulos não possuem
construções acima do solo, são gramados e identiicados por lápides padronizadas,
criando uma relação de maior igualdade entre os mortos.

Imagem 02 – Cemitério da
Paz em São Paulo,SP: au-
tointitulado primeiro cemi-
tério jardim do Brasil. Foto:
Aline Silva Santos, 2011.

Pode-se dizer que a origem deste tipo se encontra nos lawn green cemetery britâni-
cos, que se caracterizavam pelo predomínio de grandes campos relvados onde se
dispunham as pedras sepulcrais (PACHECO, 2012), e também, principalmente, nos
“cemitérios rurais” dos EUA, datados do século XIX. Estes últimos surgem dentro das
primeiras experiências de cemitérios fora das cidades, inluenciados pelos dogmas
do Romantismo, onde se acreditava que o cenário natural teria impacto positivo na
mente do homem. Neles, procurava-se trabalhar a paisagem de forma a se manter
um aspecto de “natureza” e apresentava alguns túmulos de personagens ilustres na
forma de monumentos. Como possuíam paisagens aprazíveis, se tornavam locais

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04

efervescentes para passeio e descanso. Por seus usos e características também se


pode dizer que precederam os parques públicos (SCHUYLER, 1986).

O considerado primeiro cemitério rural é o de Mount Auburn, em Boston, cuja organi-


zação paisagística inluencia-se muito pela tradição do jardim inglês, dentro da ideia
do Romantismo. Existente até hoje, atualmente comporta também um crematório, e
se constitui como um reduto de variadas espécies de vida silvestre no meio urbano
(SPIRN,1995). Seus jardins são tão apreciados que possui alguns locais que são uti-
lizados até mesmo para a realização de cerimônias de casamento 4.

Retornando o foco para os cemitérios jardins, pode-se dizer também que estes ame-
nizam as características marcantes de poluição visual dos cemitérios tradicionais que
possuem túmulos cujos tamanhos competem entre si e onde há um emaranhado de
ornamentos de simbolismos fúnebres.

Se projetados com um ideal paisagístico criterioso, é possível uma abordagem delica-


da dos elementos fúnebres de maneira a manter o respeito que o local demanda em
consonância com um cenário verde. Assim, tornam-se potenciais redutos de tranquili-
dade e fruição em meio ao caótico urbano, com aspectos microclimáticos agradáveis
proporcionados pela vegetação. Ainda podem se prestar à conservação de biomas da
região em que se encontram, criando ambientes propícios para o desenvolvimento de
espécies variadas da fauna.

Deste modo, é salutar que haja o interesse de um Planejamento Ambiental para a


instalação de cemitérios parque, no sentido de um planejamento que leve em consi-
deração as relações ecossistêmicas (FRANCO, 2000).

Em 1966, após um estudo encomendado pelo Serviço Funerário do Município de São


Paulo, foram apontadas diretrizes que culminaram na recomendação de que a partir de
então as necrópoles públicas implantadas seguissem a coniguração de cemitério jar-
dim 5. Entretanto, nos cemitérios fundados posteriormente a esta indicação, não se nota
um projeto paisagístico consistente, mantendo apenas a característica de não possuir

4
Cemetery Mount Auburn. Wedding Ceremonies. Disponível em: <http://www.mountauburn.org/privat e-
events/wedding -ceremonies/> Acesso em: 02.abril.2013.
5
SERVIÇO FUNERÁRIO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. 100 anos de Serviço Funerário. Imprensa Oicial;
São Paulo, 1977.

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túmulos construídos acima do nível do solo, como é o exemplo do Cemitério São Pedro,
localizado na zona leste de São Paulo. Ainda assim, neste caso, ele se mostra mais
agradável ao estar do que cemitérios densamente ediicados (imagem 03). Quando há
manutenção insuiciente, as áreas tumulares gramadas se tornam extensões de terra
batida, oferecendo um ambiente de baixa qualidade paisagística.

Imagem 03 – Apesar de não se


notar um projeto paisagístico con-
sistente, a organização livre do
excesso de construções tumula-
res, o gramado que se estende
e a vegetação mostram-se como
elementos agradáveis. Cemitério
São Pedro, São Paulo-SP. Foto:
Aline Silva Santos, 2011.

Outro tipo de disposição cemiterial é de maneira vertical. Cemitérios verticais consis-


tem em edifícios que abrigam os jazigos na forma de gavetas – lóculos – de maneira
padronizada e verticalizada (imagem 04). Contudo, o potencial destes espaços, no
tocante à integração com a paisagem urbana em que se inserem, é praticamente o
mesmo que de prédios comerciais ou de apartamentos. Sua vantagem principal está
na eiciência espacial para o im que se presta, frente ao encarecimento e à escassez
de terras urbanas, servindo também como alternativa viável em regiões com caracte-
rísticas geológicas que impossibilitem a prática do enterro.

O “Memorial Necrópole Ecumênica”, na cidade litorânea de Santos (imagem 05), por


exemplo, segue esta tipologia. De caráter particular, é considerado o maior cemitério
vertical do mundo. Hoje, comporta também um crematório, onde existe a opção da
aquisição de nichos para disposição das urnas cinerárias. Possui ainda espaço dedi-
cado a eventos gratuitos à população, como apresentações musicais. Diante destes
fatores, comporta-se também como ponto de visita turística na cidade 6.

6
A opção de visita a este local encontra-se indicada em roteiros sugeridos pela Secretaria Municipal de
Turismo de Santos. Fonte: Turismo Santos. Disponível em: <http://www.turismosantos.com.br /categoria/
categorias-do-guia/roteiros> Acesso em 02 Abril 2013.

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Imagem 04 – Organização típica


interna dos jazigos em um cemi-
tério vertical. “Cemitério Memo-
rial Bauru”, Bauru-SP. Foto: Aline
Silva Santos, 2007.

Imagem 05 – Cemitério vertical


“Memorial Necrópole Ecumê-
nica”, Santos-SP. Este tipo de
cemitério acaba impactando na
paisagem à maneira dos edifícios
residenciais. Fonte: Divulgação
Site Memorial Necrópole Ecumê-
nica. Disponível em:
< http://www.memorialsantos.com.
br/álbum_ memorialcemiterio/
1207_06/Fachada02.jpg>
Acesso em: 02 Abril 2013

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04 Junho de 2013

Nos cemitérios, independente de suas disposições espaciais, a forma comum de trata-


mento dos cadáveres é o encerramento em urnas funerárias e alocação das mesmas
em túmulos ou jazigos onde ocorrerá o processo natural de decomposição do corpo.
No entanto, atualmente é crescente o uso do método da cremação, que consiste na
aceleração deste processo natural por meio da queima dos corpos (juntamente com
sua urna funerária), ocorrendo uma redução rápida dos mesmos a cinzas 7.

Prática que remonta à Antiguidade, icou por muito tempo fora dos costumes ociden-
tais por conta principalmente da rejeição religiosa cristã, que a associava a costumes
pagãos (PROTHERO, 2001). O seu retorno ao meio urbano se dá primeiramente na
Inglaterra em ins do século XIX onde surge a Sociedade de Cremação da Inglaterra8,
formada por literatos, artistas e médicos que investem na difusão deste método e
batalham para que seja instalado o primeiro forno crematório no país. O discurso dos
mesmos se apoiava não só no avanço sanitário – como método de prevenção à pro-
pagação de doenças –, mas também em argumentos como redução de despesas com
funerais, segurança contra vandalismo pela possibilidade de manutenção das cinzas
em urnas, e até mesmo a utilização das cinzas como adubo. Apesar de ter sofrido
certa resistência no início, hoje é o método preferencial de destinação dos mortos na
Inglaterra, tendo um índice de escolha de 70% entre a população.

No Brasil, os primeiros passos para a legislação acontecem em ins da década de


1960, sendo o primeiro crematório aberto somente em 1974, na cidade de São Paulo:
o Crematório Municipal “Dr. Jayme Augusto Lopes”, que se manteve como único no
país por aproximadamente 20 anos. De acordo com o Serviço Funerário Municipal
de São Paulo, já em 1920, Manequinho Lopes, conhecido botânico, liderou um mo-
vimento para a instalação de crematório na cidade e, posteriormente em 1950, Jânio
Quadros chega a cogitar comprar um forno crematório para ser instalado no cemitério
do Brás, enxergando como uma possível solução a falta de verbas para a aquisição
de novos terrenos para cemitérios que seriam necessários futuramente devido ao
crescimento populacional. Contudo, esses tipos de propostas geraram repulsa em
expressiva parte da população, cujo catolicismo predominante se opunha à queima

7
Na verdade esta é uma expressão igurada, pois o material resultante dos processos atuais de cremação é
o pó formado pelos ossos processados em micropedaços.
8
No original: “The Cremation Society of England”.Esta sociedade existe até hoje, agora sob o nome de “The
Cremation Society of Great Britain”

92
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04

dos corpos. Para se ter ideia, a igreja Católica Apostólica Romana passou a permitir o
procedimento aos seus iéis apenas em 1963 9.

Com o passar do tempo, com a lexibilização por parte das religiões e ainda a laiciza-
ção crescente, é uma prática que vem ganhando adeptos. Atualmente, existem mais
de 34 crematórios registrados no país 10 e em Porto Alegre o índice de escolha pelo
serviço é de mais de 8%; na cidade de São Paulo, a procura dobrou no crematório
municipal entre 1998 e 2008 e já existe promulgada uma lei que institui programa per-
manente de esclarecimentos e incentivos (lei no 15.452/setembro de 2011), que con-
siste na produção de campanhas e distribuição de cartilhas explicativas. De acordo
com o vereador autor do projeto de lei, a prática seria uma alternativa econômica aos
túmulos, pois estes possuem manutenção dispendiosa e podem sofrer vandalismo 11.

A cremação possibilita a disposição dos corpos em espaços cemiteriais tanto na forma


de edifícios, como parques ou até mesmo os dispensa, pois há a possibilidade da manu-
tenção da urna cinerária na própria residência da família ou o esparzimento das cinzas
– onde geralmente são escolhidos locais em que o falecido mantinha afeição quando
em vida, como mares, rios, jardins, entre outros. Existem também situações espaciais
mistas, com locais que comportam a opção de enterro/entumulação e cremação.

No Brasil, o mais comum é encontrar fornos crematórios junto a cemitérios parque,


dentro da ideia de simplicidade de representações simbólicas da morte. Entretanto
existem espaços inteiramente dedicados à cremação, como ocorre com o Cremató-
rio Municipal de São Paulo. Este consiste em um extenso parque ajardinado com a
presença de estacionamento e apenas um edifício onde ocorrem as cerimônias de
despedida dos mortos e se encontram a administração, manutenção e equipamentos
de cremação. Lá há a possibilidade de esparzimento das cinzas nos próprios jardins,
e muitos que realizam esta ação, acabam por tomá-los como ponto de retorno em

9
A disciplina da Igreja Católica Apostólica Romana quanto à cremação foi modiicada pela Congregação do
Santo Ofício (Instrução Piam et constantem, de 5 de julho de 1963 – AAS 56, 1964, p.822-823)
10
No site da Associação Cemitérios e Crematórios do Brasil (ACEMBRA) e Sindicato dos Cemitérios Particu-
lares do Brasil (SINCEP) encontra-se lista com 34 crematórios cadastrados no Brasil. SINCEP-ACEMBRA.
Disponível em: <http://www.sincep.com.br/?Crematorios> Acesso em: 01 Abril 2013.
11
PORTAL DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Projeto quer incentivar a cremação no município. Dis-
ponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/servicos/servico_ funerario/noticias/index.
php?p=3913> Acesso em: 25.julho.2012.

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04 Junho de 2013

memória do morto, em semelhança aos tradicionais túmulos. Observa-se até mesmo


a identiicação de pontos de cinzas com placas, esculturas de jardins e pequenos
arbustos (imagens 06 e 7). Estas formas de disposição evocam ambientes com carac-
terísticas menos fúnebres no local e acabam por suscitar usos diversos dos espaços
livres. Durante os inais de semana e férias escolares, a área gramada ica repleta
de jovens empinando pipas (imagem 08). Também se encontram pessoas fazendo
cooper, andando de bicicleta, adestrando cães, enim, uma profusão de atividades
(imagens 09, 10, 11 e 12).

Estes usos podem ser uma clara evidência de falta de espaços livres públicos ade-
quados às variadas atividades de lazer da população. No entanto, é um exemplo que
mostra como estes locais têm potencialidade de ser mais “amigáveis” com o seu en-
torno, com a cidade e com as pessoas, sem suscitar medos ou angústias.

Imagens 06 e 07 – Crematório Municipal “Dr. Jayme Augusto Lopes”: cinzas esparzidas no jardim e
marcos de identiicação. O esparzimento das cinzas é permitido no local e as demarcações são proibi-
das, o que, no entanto, não impede este tipo de ação. Foto: Aline Silva Santos, 2012.

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04

Imagem 08 – Início da tarde


de um sábado com os pri-
meiro empinadores de pipa
chegando ao jardim grama-
do do crematório. Foto: Aline
Silva Santos, 2012.

Imagens 09, 10, 11 e 12 – Atividades diversas que ocorrem nos espaços livres do Crematório Municipal
“Dr. Jayme Augusto Lopes”. Foto: Aline Silva Santos, 2012.

Assim, a utilização da cremação permite a criação de espaços passíveis de dialogar


com a região em que se inserem e, como os cemitérios jardins, têm a possibilidade
de incorporar projetos que colaborem para a manutenção de áreas permeáveis e tre-
chos de conservação ambiental em meio ao ambiente urbano. Quanto ao custo em
longo prazo, conigura-se também como econômica, já que não há a necessidade de
compra e manutenção de túmulos ou posterior aluguel de ossuários após exumação.
Essas novas formas de tratamento dos corpos e disposições espaciais tumulares com
“características fúnebres atenuadas” serão criticadas por muitos estudiosos como
Phillipe Ariès (1981), que colocam tais comportamentos como uma negação contem-

95
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04 Junho de 2013

porânea da morte. Também se discute em que medida as mudanças rituais em rela-


ção ao luto impactam na lógica social cotidiana.

Apesar de fundamentais, estas discussões culturais apontadas não são desenvolvi-


das no presente trabalho, que procura mostrar principalmente como estes espaços
podem se comportar de forma a criar paisagens agradáveis ao ser humano e ao mes-
mo tempo colaborar para a sustentabilidade urbana, no sentido de que a dinâmica da
morte colabore com espaços que estejam articulados de forma positiva ao sistema
ecológico urbano.

IMPACTOS AMBIENTAIS E REGULAMENTAÇÕES

Os cemitérios, em sua disposição horizontal, são espaços passíveis de contamina-


ção. Se não forem planejados e executados de forma eiciente podem incorrer em
prejuízos de diversas ordens para a região em que se inserem.

Após a cessão das atividades vitais, os corpos passam por um processo de putrefa-
ção onde há a decomposição da matéria orgânica, e possui uma série de etapas das
quais se destaca a coliquativa, onde incorrem maiores perigos ao meio ambiente
pela liberação do necrochorume que pode chegar a contaminar os aquíferos freáti-
cos (PACHECO, 2012). O necrochorume consiste em uma “solução aquosa rica em
sais minerais e substâncias orgânicas degradáveis, de cor castanho-acinzentada,
mais viscosa que a água, polimerizável, de odor forte e pronunciado, com grau va-
riado de toxicidade e patogenicidade” (CETESB, 1999). Dentre suas substâncias
componentes estão a putrescina e a cadaverina, que são altamente tóxicas e podem
transmitir doenças como hepatite e poliomielite (ROMANÓ; MESSIAS, 2007). Se-
gundo o geólogo Leziro Marques Silva (LEZIRO apud ROMANÓ; MESSIAS, 2007),
foi observada também a presença de radiotividade em um raio de 200 metros das
sepulturas de cadáveres que em vida foram submetidos à radioterapia ou tinham
marca-passos cardiológicos.

O solo tem papel fundamental na retenção do necrochorume, para que seja eliminada a
carga contaminante através da retenção de vírus e bactérias e se evite a contaminação
das águas subterrâneas (PACHECO, 2012). Há registros históricos deste tipo contami-
nação de águas que, ao acabar sendo destinadas ao consumo humano, provocaram
doenças, como ocorreu em Berlin, com um surto de febre tifoide ainda no século XIX

96
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04

(PACHECO, 2012). Segundo a engenheira agrônoma Elma Romanó (2007), a toxidade


química desse eluente diluído na água freática relaciona-se aos teores anômalos de
compostos das cadeias do fósforo e do nitrogênio, metais pesados e aminas.

Os tipos de solo também inluenciam nos fenômenos da putrefação e transporte de


eluentes decorrentes da mesma. Solos muito argilosos, impermeáveis e saturados
em água provocam a saponiicação, um fenômeno conservador em que a putrefação
natural é retardada e o corpo adquire um aspecto rançoso. Já os muito arenosos
promovem o dessecamento excessivo do cadáver, a mumiicação. Assim sendo, é
salutar um rigoroso estudo dos solos e da profundidade do aquífero no local em que
se pretende a instalação de um cemitério.

O tipo de sepultamento também colabora para maior ou menor poluição. Podemos dizer
que há dois tipos de sepultamento: por inumação e por entumulação. O primeiro consis-
te no enterro diretamente no solo, e o segundo no enterro em construção tumular.

Muitas vezes a inumação em solos inadequados favorece a contaminação. No entanto,


se houver entumulação em jazigos com construções mal executadas, pode ocorrer o ex-
travasamento do necrochorume. Um exemplo também muitas vezes observado em cemi-
térios horizontais são jazigos mal vedados, que durante a ocorrência de chuvas permitem
a entrada de água e sua “lavagem”, levando o necrochorume para fora dos mesmos12.

É interessante frisar que ainda existem outros elementos poluentes emitidos pelos tú-
mulos além dos decorrentes da putrefação. Vernizes e adornos que compõe as urnas
funerárias podem conter metais pesados.

Entretanto, a contaminação dos solos e aquíferos subterrâneos não consistem nos


únicos impactos possíveis pelos cemitérios. Existem os impactos físicos secundários,
que ocorrem quando há a presença de maus odores em suas áreas internas, prove-
nientes dos gases da decomposição dos cadáveres. Estes podem vazar diretamente
para a atmosfera de forma intensa devido à má confecção e manutenção das sepultu-
ras e dos jazigos (PACHECO, 2012).

12
Depoimento dado por Elma Nery Romanó, durante o “Curso para engenharia de cemitérios”, ministrado
pela mesma e promovido pela associação de Engenheiros e Arquitetos de Ponta Grossa, em Ponta Grossa,
entre 31 de maio e 01 de junho de 2007.

97
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04 Junho de 2013

Já os cemitérios do tipo vertical, se projetados e executados corretamente, encerram


apenas o impacto inerente à construção de qualquer ediicação. Pelo motivo de não
possuírem túmulos construídos no nível do solo, não têm potencial para contaminação
do mesmo nem dos aquíferos subterrâneos. No entanto, é preciso que os lóculos sejam
confeccionados de materiais impermeáveis de maneira a impedir o vazamento de ne-
crochorume e gases decorrentes da decomposição cadavérica, onde estes últimos de-
vem passar por tratamento antes de sua liberação para a atmosfera (CONAMA, 2003).

Não obstante os riscos apresentados, medidas investigativas nas áreas de implantação


dos cemitérios são muitas vezes deixadas de lado. Geralmente aos de caráter públi-
co são reservadas áreas desvalorizadas da cidade, sem qualquer cuidado ou estudo
prévio. No Brasil não há uma iscalização rigorosa a cemitérios e as leis especíicas
atuais são muito recentes, sendo a primeira em nível nacional a resolução N. 335, de
3 de abril de 2003 do CONAMA, Conselho Nacional do Meio Ambiente, requerendo
licença ambiental para o funcionamento dos cemitérios. Ou seja, existem muitos ce-
mitérios construídos pelo país em desacordo com a legislação vigente. Depois desta,
ainda vieram a resolução No. 368, de 28 de março de 2006 e a resolução No. 402, de
18 de novembro de 2008. No estado de São Paulo é exigido seguir-se também a norma
técnica L. 1040/98 da CETESB, Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental.
Existem leis municipais especíicas em cada cidade que devem ser seguidas, mas na
maioria das vezes, consistem em um resumo das disposições do CONAMA e legisla-
ções ambientais estaduais. Contudo, na cidade de São Paulo, por exemplo, em 2010,
ainda nenhum cemitério possuía documento de adequação ambiental, equivalente ao
licenciamento para os cemitérios já construídos antes das legislações.

Há alguns produtos que neutralizam ou retêm o necrochorume, podendo ser métodos au-
xiliares na minimização de impactos ambientais causados por antigos cemitérios instala-
dos incorretamente: existem pastilhas que contém bactérias consumidoras dos materiais
orgânicos presentes no líquido da putrefação, e mantas absorventes que, colocadas no
caixão embaixo do cadáver, seguram o material liberado e se transformam em embala-
gens para o acondicionamento dos ossos quando na exumação. Entretanto esses são
artigos pouco difundidos e de alto custo para que sejam adotados de maneira expressiva.

Cremação: uma opção verde com ressalvas

Por acelerar o processo de decomposição humana pela queima e resultar em restos


mortais neutros e livres de micro-organismos, a cremação acaba sendo tida como
uma solução verde frente à disposição dos corpos em túmulos e lóculos, já que não

98
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04

há a liberação de eluentes que decorrem da putrefação e também não há a necessi-


dade de construção de jazigos. Contudo, por ser um processo que se utiliza de calor,
necessita de equipamentos industriais para sua execução, os quais incidem no uso
de combustíveis fósseis e tem consequente emissão de gases advindos da queima.
De acordo com pesquisa realizada nos EUA, o procedimento pode gerar até 160kg de
gases por cadáver em conjunto com o caixão13, liberando quantidades signiicativas
de óxidos de carbono, dioxinas e até mesmo mercúrio volatizado que é encontrado
nas obturações dentárias (PACHECO, 2012).

Outra observação, é que em países onde a cremação é escolhida pela grande maio-
ria populacional, o excesso da disposição de cinzas em locais comuns pode causar
incômodo, como é o caso da cidade de Paris, onde agora é proibido o lançamento de
cinzas no rio Sena (PACHECO, 2012).

Sendo assim, tais fatores devem ser levados em consideração na escolha pela insta-
lação deste método.

NOVAS TECNOLOGIAS E FORMAS DE APROVEITAMENTO

Alguns processos de destinação de cadáveres podem promover sistemas de aprovei-


tamento energético e reciclagem.

Tais iniciativas contribuem para cidades de “metabolismo circular”, que se caracterizam


pela redução de consumo e maximização da reutilização de recursos. (ROGERS, 2008)

A seguir são apontados alguns exemplos contemporâneos:

Reaproveitamento energético do processo de cremação

Uma forma de diminuir o impacto ambiental da cremação é o aproveitamento do calor


dos gases – resultantes do processo de combustão – em sistemas de aquecimento.
Um caso de destaque é o da cidade de Redditch, em 2011, na Grã Bretanha.

13
KAMENEV, Marina. Aquamation: A Greener Alternative to Cremation? TIME, Sydney, 28 Sep. 2010. Dis-
ponível em: <http://www.time.com/time/health/article/0,8599,2022206,00.html>. Acesso em: 02 Abril 2013.

99
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04 Junho de 2013

No Reino Unido, há uma legislação vigente que restringe as emissões de mercúrio


residuais do processo de cremação. Assim, todos os crematórios necessitam da
instalação de equipamentos para este im. Considerando que o processo em geral
exige um resfriamento dos gases de mais de 800°C para menos de 160°C, existe a
necessidade de signiicativa rejeição de calor. Este, por sua vez, pode ser usado em
diversos processos de aquecimento. Tal procedimento, já é utilizado em várias ci-
dades inglesas como Hastings e Calderdale, onde há o aproveitamento em proces-
sos secundários de aquecimento no próprio edifício do crematório. A inovação em
Redditch reside na utilização desta energia térmica no aquecimento da água para
as áreas de lazer de um centro esportivo vizinho ao crematório. Tal iniciativa trouxe
expressiva economia inanceira e energética.

Esta proposta não teve recepção unânime: sofreu resistência por parte de um sindi-
cato da cidade, que alegava ser “doentia” e “insultante” esta atitude de se utilizar de
um processo relacionado à morte para uma atividade de lazer. No entanto, a iniciativa
teve o apoio da maioria da população e seguiu-se o projeto14.

Desta forma, ressalta-se que tais iniciativas demandam certa sensibilidade e esforço
no esclarecimento de informações para a comunidade em que serão instaladas.

Resomation / Bio-cremação

Diferentemente da forma tradicional de cremação, que utiliza a queima para a acele-


ração do processo de decomposição natural dos corpos, o Resomation é um sistema
que consiste na utilização da hidrólise alcalina para este im.

Tal processo já se encontra viável por meio de equipamentos produzidos em escala


industrial e já é utilizado nos Estados Unidos. No entanto, é um procedimento novo de
destinação dos corpos, que precisa ser incluído nas legislações da localidade onde
será colocado em prática. Nos Estados Unidos, por exemplo, foram necessários dois
anos de aprovações para que houvesse alteração da legislação, que agora passou a

14
EDITORIAL DEPARTMENT BBC NEWS. Reddict crematorium pool-heating wins green award. BBC News
Hereford & Worcester, Inglaterra. 07 Feb. 2011. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/news/uk-england-he-
reford-worcester-13372702>. Acesso em: 02 Abril 2013.

100
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04

considerar a cremação um processo de decomposição de corpos pelo calor ou pela


água, possibilitando que o resomation se enquadrasse nas leis existentes e fossem
instalados os primeiros equipamentos no país. Assim, ganhou a alcunha de Bio-Cre-
mation (Bio-Cremação)15.

A hidrólise alcalina consiste em um processo onde o corpo é colocado em uma câma-


ra onde é adicionada solução formada por 95% de água e 5% de hidróxido de potássio
(KOH, um alcalóide composto inorgânico). Esta solução é então aquecida e circulada
por todo corpo, reduzindo os restos mortais aos elementos básicos de fragmentos
ósseos que são secados, processados, embalados e retornados à família.

Neste processo, apenas o corpo sofre a reação química, não havendo destruição da
urna funerária. Assim, deve ser utilizada urna especíica que comporte em seu interior
uma cesta de aço inoxidável que manterá o corpo na câmara durante o ciclo. O faleci-
do também deve vestir apenas um macacão de seda biodegradável que é dissolvido
na reação. Os eluentes resultantes são estéreis e, após o ciclo têm o pH balanceado
e são descartados livremente sem problemas para o ecossistema; há ainda a possibi-
lidade de reciclagem ou reaproveitamento de eventuais próteses pois as mesmas não
se destroem no processo.

Entre os benefícios apontados pelos desenvolvedores do método, destacam-se:

• Nenhuma emissão nem redução de mercúrio


• Emissões mínimas de carbono (retendo 20 a 30% mais resíduos ósseos que
o processo térmico)
• Consumo baixo de energia
• Descarte dos eluentes isentos de contaminantes químicos ou microbianas

No Brasil ainda não há legislação especíica para este tipo de método e os equipa-
mentos para este procedimento ainda possuem custos muito elevados frente aos da

15
Todas essas informações sobre a biocremação foram fornecidas por Fernando Schilling, representante
no Brasil e América Latina da empresa Matthews Cremation (atual detentora da licença para produção em
escala industrial da tecnologia Resomation), através de entrevista feita pela pesquisadora em abril de 2013.
A empresa também mantém o site BIOCREMATION (http://www.biocremationinfo.com) que disponibiliza in-
formações sobre o procedimento e equipamentos necessários para o mesmo.

101
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04 Junho de 2013

cremação comum16, o que pode se tornar uma barreira para o interesse nesta técnica.
A necessidade de algumas especiicidades como vestimentas padronizadas para os
mortos e urnas funerárias adaptadas para o processo podem incorrer em estranha-
mento e barreira cultural, já que incidiria em uma mudança nos ritos funerários: não
haveria a escolha da “última veste” do falecido e nem escolha de tipos diferentes de
urnas funerárias, nem lores que acompanhariam os corpos, entre outros.

Reciclagem de metais provenientes de corpos cremados

No processo de cremação, os metais utilizados em próteses e ornamentos de urnas


funerárias são dispostos à parte e descartados. Uma solução eiciente é a reciclagem
destes elementos.

Desde o inal da década de 1990 já existem empresas que realizam este serviço, sendo a
primeira surgida na Holanda, país cujo índice de cremação é de 57% entre a população17.

Há a possibilidade de reciclagem de todo o tipo de implantes cirúrgicos, como pinos


de aço e quadris de titânio. O sistema consiste em separação dos metais das cinzas
por meio um aparelho que faz este trabalho automaticamente. Estes metais então
passam por uma identiicação e são destinados de acordo com seu tipo, podendo
ser empregados, por exemplo, na fabricação de automóveis, peças de motores de
aeronaves e até mesmo turbinas eólicas. Entretanto, não há a reutilização direta de
qualquer tipo de implante.

É interessante frisar que, antes de haver este processo, deve existir o consentimento
dos parentes da pessoa falecida, que assinam um termo autorizando o procedimento.

16
Para se ter um grau comparativo, o custo de dois novos fornos para o crematório municipal de São Paulo,
comprado por meio de licitação em 2010, foi de US$ 720.000,00. Já o custo de apenas um equipamento
de Bio-Cremação é por volta de 600.000,00. Fontes: Fernando Schilling a SÃO PAULO. Processo nº 2009-
0.275.948-1 – Concorrência internacional nº 01/SFMSP/09. Diário Oicial da Cidade de São Paulo. São
Paulo, 30 Nov. 2010. Disponível em: <http://www.docidadesp. imprensaoicial.com.br/NavegaEdicao.aspx?
ClipId=B5JIHJQ3KRD1Ne8QO2Q59LB0LG0> Acesso em : 12 Abril 2013.
17
BOYD, Clark; HUGH-JONES, Rob. Empresa holandesa retira implantes de metal retirados de corpos cre-
mados. BBC. 22 Feb. 2012. Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/ 2012/02/120221_im-
plantes_cremacao_mv_rs.shtml>. Acesso em: 02 Abril 2013.

102
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04

Existem casos em que os lucros gerados por este tipo de iniciativa ainda retornam em
prol de instituições sociais. A empresa holandesa OrthoMetals, por exemplo, retorna
parte do lucro que obtém para o crematório com a inalidade que o mesmo invista em
projetos beneicentes.18

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os espaços cemiteriais carregam em si potenciais de contribuição negativa e positiva


na paisagem urbana. Tudo depende da forma como serão abordados e planejados.

Se não houver preocupação nos estudos de viabilidade ambiental para implantação


e projetos que sejam integradores com a cidade, acabam por se tornar equipamentos
desconexos no meio urbano, potenciais focos de poluição e criadores de paisagens
com baixa qualidade. Este é o caso de inúmeros cemitérios existentes no Brasil, prin-
cipalmente de caráter público: muitos foram construídos em terrenos preteridos pelo
poder público, de caráter inadequado para o sepultamento, sem preocupação paisa-
gística e ainda sofrem com baixa manutenção.

No entanto, se houver uma preocupação de planejamento ambiental e estes espaços


forem pensados como verdadeiros integrantes de um sistema ecológico urbano den-
tro de uma lógica de preservação e conservação, podem se tornar elementos signii-
cativos nas cidades.

Além disso, por serem equipamentos produtores de expressiva quantidade de resíduos,


o interesse na busca e aplicação de novas tecnologias são bem-vindas no sentido de
colaborar para que possa haver redução residual e reciclagem dos elementos possíveis.

Enim, para muitos a morte pode soar como algo incômodo, um tabu, mas, no entanto,
as atitudes perante a mesma e seus respectivos lugares impactam diretamente na
paisagem e meio ambiente urbanos, sendo, portanto, um tema que deve ser colocado
em pauta quando da discussão para a construção de cidades mais sustentáveis.

18
ORTHOMETALS. Disponível em: <http://www.orthometals.com > Acesso em: 17 Abril 2013.

103
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04 Junho de 2013

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________. Resolução n. 368, de 28 de março de 2006.

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104
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°04

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105
ARTIGO Nº5

REFLEXÃO SOBRE A NATUREZA DO PROJETO


REFLECTION ON THE NATURE PROJECT
Patrícia Helen Lima
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05

REFLEXÃO SOBRE A NATUREZA DO PROJETO

Patrícia Helen Lima*


*Arquiteto Urbanista, Mestre em Projeto Sustentável pela FAUUSP,
Doutoranda em Arquitetura e Cidade pela FAUUSP
Coordenadora da Seção de Informação da Qualidade Ambiental da PMSBC
E-mail: [email protected]

RESUMO

Conhecer, Compreender e Proteger a natureza que nos dá a vida, entendendo seus


limites e inter-relacionamentos e admitir que projetos manifestam a intenção humana
e interferem na natureza modiicando o ambiente é o primeiro passo para pensar na
construção de projetos com responsabilidades acima da visão pontual de uma ação
e possibilitará trazer em si identidade com o local, partilhando as qualidades e a con-
dição da natureza inluenciando na forma urbana e dando-lhe melhores condições
estéticas, funcionais e de qualidade ambiental.

Diante da complexidade das relações homem-natureza, propomos a leitura da pai-


sagem, deinindo diferentes tipos de Unidades de Paisagem em função das relações
estabelecidas nas formas do uso do solo que deinem o espaço e a partir do inven-
tário do território propor uma infraestrutura verde que oriente o desenvolvimento e a
proteção da natureza. O uso do solo vem diminuindo áreas verdes protetoras e au-
mentando áreas impermeáveis e asfaltadas, elevando a temperatura e acarretando o
processo de ilhas de calor.

As infraestruturas devem funcionar sem causar danos e em comunhão com a na-


tureza para garantir a qualidade da vida. Temos o desaio de enfrentar transforma-
ções pela resiliência às mudanças climáticas induzidas pelo uso do solo e demonstrar
como a arquitetura desempenha papel de liderança para lidar com grandes questões
ambientais e de sobrevivência.

Palavras-chave: Paisagem, Forma urbana, Infraestrutura verde, Ilhas de calor, Resi-


liência às mudanças climáticas.

107
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05 Junho de 2013

REFLECTION ON THE NATURE PROJECT

ABSTRACT

knowing, Understanding and Protecting nature that gives us life, understanding its
limits and interrelationships as well as recognizing that projects manifest the human
intention, interfering, consequently, with nature by modifying the environment, is the
irst step to think about the construction projects with responsibility above the punc-
tual vision of an action and will allow itself to bring identity with the place, sharing the
qualities and condition of nature inluencing urban form and giving better conditions
aesthetic, functional and environmental quality.

Having in mind the complexity of human-nature relationships, we propose a reading


of the landscape, deining different types of Landscape Units vis-à-vis the relations
established with the ways of land usage, deining the environment and starting from
the territorial inventory propose a green infrastructure that guides the development
and environmental protection. The land usage is reducing the protective green areas
and increasing impermeable areas and paved grounds, raising the temperature and
causing formation of urban heat islands.

The infrastructure must work without causing damage and in communion with nature
to ensure quality of life. We have the challenge of facing the transformations by the re-
silience to the climate change induced by the land usage as well as demonstrate how
architecture plays a leadership role to deal with great environmental issues and survival.

Keywords: Landscape; Urban Shape; Green Infrastructure; heat islands; resilience to


climate change.

108
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05

INTRODUÇÃO

A natureza envolve vários sistemas inter-relacionados, que implica na adoção de um


processo sistêmico para que se possa compreender e tratar das relações entre Ho-
mem e o meio físico e das interações existentes entre eles, entendendo que Homem
e natureza têm uma conexão em suas relações, não sendo possível reduzir um ao
outro, ao mesmo tempo em que se distinguem se ligam (TRES, 2010).

Nesta perspectiva integradora, busca-se a qualidade ambiental conciliando a es-


fera ambiental, social e econômica na organização do espaço e a concepção de
paisagem ajuda no entendimento de suas conectividades, percebendo que a pai-
sagem relete as características do todo que a compõe. Isto leva a implicações
sobre as intervenções que modiicam a paisagem moldada de acordo com as ne-
cessidades e desejos do homem e da sua adaptação nesta paisagem, gerando
uma complexa dependência entre o homem e o meio físico.

O inventário da paisagem relacionado às ações de uso do solo possibilita criar dire-


trizes para intervenções no ambiente e projetos que deinam com equilíbrio o uso e a
natureza, partindo do princípio de que a natureza foi e está sendo modiicada, e muito
diicilmente poderá ser restaurada à sua condição original em função das exigências
do modelo econômico de ocupação do espaço, sendo necessário reletir como cons-
truir com capacidade de perceber a paisagem acima das visões particulares.

É necessário lembrar a inluência do uso do solo nas mudanças climáticas, que acarretam
importantes modiicações nas variáveis meteorológicas como a temperatura que se eleva
resultando em um fenômeno chamado Ilhas de calor, reletindo em má qualidade para a vida.

UNIDADE DE PAISAGEM

A Unidade da Paisagem é deinida como um recorte territorial que apresenta homo-


geneidade de coniguração, caracterizada pela disposição e dimensão similares dos
elementos deinidores da paisagem: o suporte físico, a estrutura e a função, conside-
rando o padrão de drenagem, a cobertura vegetal e a forma de ocupação.

A estrutura é entendida como a relação espacial entre elementos da paisagem: fragmen-


tos, corredores e matriz que compõem os componentes bioecológicos e os geoecológi-
cos, composto pela hidrologia, geomorfologia, pedologia. A função é a interação entre os
elementos espaciais, responsável por moldar a estrutura da paisagem (FORMAN, 1995).

109
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05 Junho de 2013

A estrutura observada a partir dos três elementos básicos é deinida por:

• Matriz – Elemento que tem o domínio ou que controla a dinâmica da paisagem;


• Fragmento – Manchas não lineares que interrompem a matriz;
• Corredor – Elementos lineares e distinguíveis na matriz;
• Mosaico - Presença de dois ou mais elementos. Forman (1986) analisa man-
cha, corredor e matriz conjuntamente para formar mosaicos, o qual é evidente
em todas as escalas.

Grande parte das cidades passou pelo processo de grande adensamento urbano que
acarretou consequências, como a perda de ventilação natural, aumento da tempera-
tura, concentração de poluição, menos sombreamento, menos habitat para a fauna
e poucos vazios que representam oportunidades de preservação e lazer. As áreas
construídas são extensas e os projetos cada vez menos compatíveis com a natureza
dos sítios em que se instalam, acarretando perda de qualidade de vida.

Os espaços livres, tanto urbanos quanto rurais, na grande maioria estão isolados,
diicultando a criação de redes que permita maior biodiversidade nas cidades, que
componham um sistema interligado e que permeie a matriz urbana desempenhando
papel ecológico, integrando diferentes espaços. O enfoque estético perde a propor-
ção na medida da destruição do equilíbrio de cheios e vazios para a harmonia das
intervenções de projeto.

A malha viária é tida como alicerce do crescimento e espraiamento da cidade, am-


pliando o uso e escoamento de veículos, fragmentando o espaço, interrompendo áre-
as vegetadas e muitas vezes representando barreira física à conexão das áreas cons-
truídas com os espaços livres.

Os corredores naturais, que possibilitam a integração dos espaços por sua função
legítima, deixam nas áreas urbanas de cumprir este papel em função das mudanças
de sua drenagem natural.

Nesta concepção, a deinição de unidades espaciais, a partir da compreensão das


áreas que contenham intervenções e pressões sobre os sistemas naturais ou criados
pelo homem, pode ser agrupada de acordo com suas características. FORMAN (1986)

110
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05

observou uma porção da paisagem modiicada em uma matriz natural sem impacto
humano signiicativo e uma paisagem urbana consolidada e deiniu diferentes padrões
de desenvolvimento para agrupar áreas com mesma característica:

PAISAGEM NATURAL – Matriz altamente conectada, baixa densidade de manchas


e corredores. Pouca inluência humana;

PAISAGEM MANEJADA – Matriz permanece ampla, embora seja dominada por uma
ou poucas espécies que são manejadas para produção. A matriz é afetada primor-
dialmente pela colheita de produtos. Pequenos conjuntos de casas são presentes,
corredores de comunicação e colheitas em abundância, cortando abundantemente a
conectividade da matriz. Espécies de animais desaparecem;

PAISAGEM CULTIVADA – Sistema social que diretamente controla a terra e a prática


de uso. Extensivas planícies são cultivadas e tipicamente dividido o solo para a troca
do tipo de plantio de acordo com a estação. A população é moderadamente densa.

PAISAGEM URBANA – Geralmente variada porque cidades assumem várias fun-


ções. A relativa homogênea desorganização transforma a paisagem numa estrutura
organizada. Sugere que a ordem física das comunidades urbanas é comparada fun-
damentalmente a ordem orgânica dos organismos. A paisagem urbana é composta de
dois tipos de elementos da paisagem: ruas e quadras com uma dispersão de parques
e outras paisagens incomuns. Normalmente é o resultado das características culturais
e do sistema político. Poucos animais e espécie de plantas reproduzem na cidade. O
acúmulo do lixo e esgoto é uma das consequências da urbanização que afeta direta-
mente a paisagem. Todas as áreas abertas são de excepcional importância para a bio-
diversidade. De toda forma, a cidade é também um sistema ecológico, espacialmente
sobreposto e com pouca conexão. A grama da cidade, as árvores e outras plantas
oferecem suporte a uma estrutura ambiental bastante simpliicada.

Outra inluência humana sobre a paisagem que deve ser considerada é a desertiica-
ção, desmatamento e erosão, para entender como as pessoas afetam a paisagem,
através de políticas, economia e decisões sociais. Assim, na composição das diretri-
zes são relacionados junto às Unidades de Paisagem as formas do relevo (geomorfo-
logia) e as bacias hidrográicas, o que deinirão as ações do homem determinadas nas
Unidades da Paisagem e a condição natural, para que seja possível a transformação
da paisagem com critérios e argumentos que lhe dão suporte.

111
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05 Junho de 2013

Neste entendimento, agrupamos as unidades da paisagem em diferentes escalas (Fig.1 ).


Praticamente qualquer porção de terra é homogênea numa escala mais abrangente e
heterogênea quando vista numa escala mais detalhada. Deinir diferentes escalas per-
mite que possa ser avaliada sua estrutura em níveis de detalhamento de acordo com a
escala e desta forma, ter a compreensão do lugar em que se queira intervir com análises
que transitam nas diferentes escalas, buscando o entendimento desejado do contexto.

Figura 1 – Unidades de Paisagem em diferentes escalas. Fonte: Atlas de Uso e Ocupação do Solo da RMSP,
2003/ Modiicado por Patricia Helen Lima (2013)

As unidades de paisagem são divididas em subunidades que possibilitam a compre-


ensão em diferentes dimensões. Foram deinidas três escalas de Unidade de Paisa-
gem: Compartimento da Paisagem que contém a Macro Unidade; Escala de Unidades
da Paisagem, que diferenciam as relações de ocupação no território como Espaço
Livre e Espaço construído, Espaço de integração e Espaço de ruptura; Escala de In-
tervenção local, que deine Usos da Terra agrupados em cada Unidade da Paisagem.

ESPAÇO LIVRE – Todas as áreas não ocupadas ou não construídas permeáveis,


com ou sem vegetação. Desempenham basicamente papel ecológico, possibilitando
integrar diferentes espaços;

ESPAÇO CONSTRUÍDO – Todas as áreas predominantemente construídas, verticali-


zadas ou não, onde a impermeabilização do solo ocorre de forma extensiva.

ESPAÇO DE INTEGRAÇÃO – Compreendidos por logradouros, cuja função é integrar


os espaços construídos.

ESPAÇO DE FRAGMENTAÇÃO – Compreende basicamente Rodovias e demais lo-


gradouros que interrompem a conexão das áreas vegetadas.

A análise formulada neste contexto objetiva deinir diretrizes ambientais que permi-
tam ações concretas sobre o território e desta forma, interferir na paisagem por meio

112
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05

de elementos identiicados como matriz, corredor e fragmento, buscando conexões


ambientais que acolham o projeto. Os corredores que recortam a paisagem foram
entendidos na direção que Forman (1995) formula em sua concepção onde a estrada
é vista como um elemento de ruptura (Fig. 2) e as vias como corredores de conexão,
buscando diretrizes que favoreçam a ecologia da paisagem.

Figura 2 – Elementos de ruptura, eixos indutores. Fonte ISA, 2003.

Ainda, na composição das diretrizes são relacionados junto às Unidades de Paisa-


gem as formas do relevo (geomorfologia) e as bacias hidrográicas, o que deinirão as
ações do homem determinadas nas Unidades da Paisagem e a condição natural, para
que seja possível a transformação da paisagem com critérios e argumentos que lhe
dão suporte. Procurou-se com estes corelacionamentos qualiicar Unidades Geoam-
bientais com atributos geoecológicos da paisagem e da ocupação do território.

As diretrizes ambientais reletirão onde os parâmetros físicos (Fig. 3), sem alteração
signiicativa das características originais e as restrições legais indicarão áreas de pro-
teção para preservação (prioritárias para controle por iscalização, licenciamento e
avaliação ambiental), áreas de proteção para conservação (onde pode ser exercido
uso em harmonia com a natureza) e áreas que necessitam de recuperação (áreas
prioritárias para intervenção por projetos ambientais).

113
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05 Junho de 2013

Figura 3 – Restrições legais. Fonte Atlas de Uso e Ocupação do Solo da RMSP, Emplasa, 2003.

A inalidade de classiicar usos da terra e corelacionar com elementos Geoambientais


é identiicar um sistema de espaços livres1 (Fig. 4) capaz de criar uma infraestrutura
verde como uma rede interconectada de áreas naturais e outros espaços abertos
que conservam valores e funções de ecossistemas naturais, que mantenham limpos
a água e o ar e que promovam uma grande variedade de benefícios às pessoas e à
fauna. Neste contexto, infraestrutura verde é a base ecológica estrutural para a saúde
ambiental, social e econômica, ou seja, um sistema de suporte para a vida natural
(BENEDDICT, MCMAHON, 2006).

Figura 4 – Espaços livres. Fonte: Atlas de Uso e Ocupação do Solo da RMSP, Emplasa,2003

Entender a rede de infraestrutura verde ajuda a compreender quais princípios devem estar
por trás de projetos e da implantação destes e permite trabalhar em direção a estratégias

1
Sistema de espaços livres: Conjunto de espaços ao ar livre, destinados às pessoas, para o descanso, o pas-
seio, a prática de esportes e em geral, ao recreio e entretenimento de suas horas de ócio LLARDENT (1982);

114
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05

de intervenção territorial. Entendemos a proposta da infraestrutura verde como condutora


de intervenções no território, proporcionando possibilidades para a recuperação de áreas
degradadas (Fig. 4) com projetos que alimentem a rede da infraestrutura verde, áreas
passíveis de proteção a partir do diagnóstico ambiental e áreas para desenvolvimento.

Em paralelo a esta abordagem, caminha a análise da Qualidade Ambiental que emer-


ge na medida da infraestrutura verde estabelecida e de tantos outros projetos de inter-
venções territoriais e sociais e que através de indicadores ambientais podem apontar
diretrizes ou respostas às questões avaliadas e modiicadas.

ILHAS DE CALOR

Especial atenção deve ser dada à ilhas de calor (Fig. 5). A urbanização impacta nega-
tivamente o ambiente principalmente pela produção da poluição, pela modiicação das
propriedades físicas e químicas da atmosfera, e pela impermeabilização do solo. Con-
siderando o efeito cumulativo de todos estes impactos é o que se denomina de “ilhas
de calor”, deinido como o aumento da temperatura de áreas urbanizadas, em relação
à temperatura mais baixa da paisagem natural. Embora o aumento do calor pode se
dar em área rural ou urbana, e em toda a escala espacial, as cidades são mais propí-
cias em função de suas superfícies liberarem quantidades grandes de calor. De toda
forma, as ilhas de calor impactam negativamente não somente os residentes do am-
biente relacionado, mas também a outros ambientes e seus ecossistemas associados
(http://www.urbanheatislands.com/).

Figura 5 – Temperatura aparente da superfície. Fonte: Atlas Ambiental do Município de São Paulo.

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05 Junho de 2013

É conhecido que a substituição progressiva de superfícies naturais por impermea-


bilizações (Fig. 6), através da urbanização, constitui a principal causa da formação
de ilha de calor. Superfícies naturais são frequentemente compostas por vegetação
e solos que retêm a umidade. Portanto, eles utilizam uma proporção relativamente
elevada da radiação absorvida no processo evapotranspiração e liberação de vapor
de água, que contribui para esfriar o ar na sua vizinhança. Ao contrário, as superfícies
construídas são compostas de uma elevada percentagem de materiais de construção
não reletores e resistentes à água. Como consequência, eles tendem a absorver uma
parte signiicativa da radiação incidente, que é liberada na forma de calor.

Figura 6 – Áreas desmata-


das no período 1991-2000.
Fonte: Atlas Ambiental do
Município de São Paulo.

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05

A Vegetação intercepta a radiação e produz sombra que também contribui para re-
duzir a liberação de calor urbano. A redução e fragmentação de grandes áreas de
vegetação, não só reduz os benefícios para a qualidade de vida, mas também inibe o
resfriamento atmosférico devido à circulação de ar gerado pela temperatura entre as
áreas vegetadas e urbanizadas. Outros fatores, tais como a produção de calor a partir
de ar condicionado, assim como, a partir de processos industriais e de tráfego de ve-
ículos motorizados e a obstrução do luxo do ar por razão das superfícies ediicadas,
têm sido reconhecidos como causas adicionais do efeito de ilhas de calor (http://www.
urbanheatislands.com/).

A promoção de estratégias para mitigar o efeito de ilha de calor é uma grande preocu-
pação. Existem estratégias de redução de ilhas de calor: em primeiro lugar aumentar
a reletividade de superfície, a im de reduzir a absorção de radiação de superfícies
urbanas e segundo, aumentar a cobertura de vegetação, a im de maximizar os bene-
fícios da vegetação em controlar o aumento da temperatura.

A criação de redes que conectam paisagens é de extrema importância, tornan-


do a criação da Infraestrutura verde resposta ao novo paradigma de urbanização
sustentável, cuja base é a permeabilidade dos serviços ecológicos e da paisagem
natural em ambientes construídos, de modo que seja possível o desenvolvimento
urbano e as intervenções de projetos em consonância com as questões ambien-
tais e socioculturais.

O PROJETO E A INTENÇÃO

Nos dias de hoje, todo espaço vazio é alvo fácil para um frenesi
de preencher, tapar. Mas, a meu ver, dois motivos concorrem
para fazer dos espaços urbanos vazios, no mínimo, uma linha
importante de combate, se não a única, para as pessoas que
se preocupam com a cidade.
Rem Koolhaas, 1989

Hoje, para projetar é preciso descobrir elementos com os quais se possam criar no-
vas formas para a condição urbana, preocupando-se com a análise da situação do
local, para determinar a condição ambiental do território em receber uma intervenção.
Controlar o sistema de espaços vazios, entendendo a paisagem surgirá uma nova

117
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05 Junho de 2013

concepção de cidade, deinida por seus espaços vazios ou espaços verdes, trazendo
ao projeto a essência do contexto ambiental.

“Se compreendermos que o projeto manifesta a intenção humana, e se o


que fazemos com nossas mãos deve ser sagrado e honrar a terra que nos
dá vida, então as coisas que fazemos não devem apenas erguer-se do chão,
mas retornar a ele, o solo voltar ao solo, a água voltar à água, de modo que
todas as coisas recebidas da terra possam ser livremente restituídas sem
causar dano a qualquer sistema vivo. Isso é ecologia. Isso é um bom projeto”
William Mcdonough, 1993

Tadao Ando (1991) reconhece que a arquitetura cria uma nova paisagem e por isso
tem a responsabilidade de ressaltar as características particulares de um determinado
lugar e airma que a inalidade da arquitetura é basicamente a construção do lugar.
Essa leitura entre a paisagem e a construção leva a uma relexão sobre a possibilida-
de de trabalhar diferentes escalas enquanto deinição de projeto.

A criação arquitetônica supõe a contemplação das origens, compreende a importância


vital de conceber uma arquitetura que não desigure a grandeza da paisagem local e
crie uma nova paisagem com o mínimo de dano. Ainda segundo Ando (1991) “O ponto
de partida de um problema arquitetônico – seja o lugar, a natureza, o estilo de vida ou
a história – se expressa na evolução para o abstrato”.

Perceber a natureza em uma arquitetura construída com lógica deriva da relexão dos
elementos naturais – água, vento, luz sem se opor à sua geograia, buscando uma
associação íntima entre a construção e a natureza num contexto de inter-relação do
homem com a natureza. Não há uma demarcação clara entre interior e exterior, mas
uma permeabilidade recíproca.

“(...) A arquitetura contemporânea tem um papel a cumprir no sentido de pro-


porcionar às pessoas lugares arquitetônicos que as façam sentir a presença
da natureza. Quando isso acontece, a arquitetura transforma a natureza por
meio da abstração e modiica seu signiicado. Quando a água, o vento, a luz,
a chuva e outros elementos naturais são abstraídos na arquitetura, esta se
transforma em um lugar no qual as pessoas e a natureza se defrontam em
permanente estado de tensão. Creio ser esse sentimento de tensão que pode-
rá despertar as sensibilidades espirituais latentes no homem contemporâneo.
(TADAO ANDO, 1991).”

118
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Museu da Criança, Himeji, 1987 - Tadao Ando.

A presença da arquitetura cria inevitavelmente uma nova paisagem, implicando a ne-


cessidade de descobrir a arquitetura que o próprio sítio está pedindo, num esforço
para criar uma paisagem jogando com as características do lugar, procurando a lógica
essencial este lugar, ao lado de suas tradições culturais, com a estrutura da cidade
constituindo seu pano de fundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arquitetura contemporânea tem um papel a cumprir. Norberg-Sculz (1976) diz


que nosso mundo da vida cotidiana consiste em fenômenos concretos, mas tam-
bém compreendem fenômenos menos tangíveis, como os sentimentos. Que as
coisas concretas se inter-relacionam de modo complexo e talvez contraditório e
que de maneira geral alguns fenômenos formam um ambiente para outros e jun-
tas, essas coisas determinam uma “qualidade ambiental” que é a essência do lu-
gar. “Portanto, um lugar é um fenômeno qualitativo “total”, que não pode se reduzir
a nenhuma de suas propriedades, como as relações espaciais, sem que se perca
de vista sua natureza concreta”.

“O propósito existencial do construir (arquitetura) é fazer um sítio tornar-se um lu-


gar, isto é, revelar os signiicados presentes de modo latente no ambiente dado”
(NORBERG-SCHULZ, 1976).

119
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05 Junho de 2013

Kongjian Yu (2006) argumenta que a era atual é marcada pela globalização e a pro-
pagação do materialismo e que isso traz grandes desaios e oportunidades para a
arquitetura e faz uma série de questionamentos: Podemos sobreviver a rápida dete-
rioração do ambiente e da ecologia? O que isso pode signiicar para a proissão de
arquitetura, como posicionar-se para enfrentar estes desaios sem precedentes, como
a arquitetura pode assumir o papel de proteger e reconstruir conexões espirituais
através do projeto do nosso ambiente físico? Esta talvez seja a mais desaiadora de
todas as perguntas.

A Arquitetura é possivelmente a mais legítima proissão entre aquelas que lidam com
nosso ambiente físico, possibilitando recuperar a nossa identidade cultural e recons-
truir a ligação espiritual entre pessoas e suas terras. A força da arquitetura reside na
sua intrínseca associação com os sistemas naturais através da evolução.

Novas estratégias devem liderar o caminho do desenvolvimento urbano, identiicando


e planejando antes de executar. A infraestrutura da paisagem é fundamental na pro-
teção dos processos ecológicos e nas heranças culturais que dão a nossa identidade
cultural e alimentam nossas necessidades espirituais.

O crescimento urbano convencional é frequentemente visto como um processo hori-


zontal, enquanto que a análise de aptidão ecológica é visto como um processo ver-
tical. O desenvolvimento da ecologia que se concentra em padrões de paisagem,
nos processos horizontais e na mudança no tempo, nos fornece fundamentos para
o desenvolvimento da infraestrutura verde integrando os processos horizontais de
desenvolvimento urbano com a proteção ecológica. Este é um novo modelo de plane-
jamento ecológico em que na grande escala deine o padrão de crescimento urbano e
a forma da cidade; na escala intermediária deine o sistema de espaço verde urbano
que integra várias funções através dos espaços livres e dos meios de deslocamentos
e na pequena escala deine a estrutura para possibilitar o desenvolvimento da terra
urbana orientando o desenho especíico de cada local.

Esta infraestrutura verde torna-se um sistema integrado de vários processos, trazen-


do a natureza, o homem e o espírito juntos, com padrão de proteção eiciente para
promover a integridade ecológica e ambiental, cultural e das pessoas.

120
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°05

BIBLIOGRAFIA

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Hidrográica da Billings. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2003.

122
ARTIGO Nº6

VEGETAÇÃO EM ÁREAS URBANAS: BENEFÍCIOS E CUSTOS ASSOCIADOS


VEGETATION IN URBAN AREAS: BENEFITS AND ASSOCIATED COSTS
Luciana Schwandner Ferreira
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06 Junho de 2013

VEGETAÇÃO EM ÁREAS URBANAS: BENEFÍCIOS E CUSTOS ASSOCIADOS.

Luciana Schwandner Ferreira*


*Arquiteta, Urbanista e Mestra na área de Tecnologia da Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urba-
nismo da Universidade de São Paulo. Email: [email protected]

RESUMO

A necessidade de cidades mais verdes parece consensual, porém faz-se necessário


compreender com maior profundidade os papéis da vegetação nas cidades e o impac-
to de sua presença no cotidiano de seus habitantes.

Ao levantar os principais benefícios e custos associados à presença da vegetação nas


cidades este artigo objetiva contribuir com o planejamento das áreas verdes urbanas
e com a valorização do verde nas cidades.

Palavras-chave: Vegetação Urbana; Floresta Urbana; Microclima Urbano; Conforto


Ambiental; Impactos Ambientais.

VEGETATION IN URBAN AREAS: BENEFITS AND ASSOCIATED COSTS

ABSTRACT

The need of greener cities seems to be consensual but it is necessary a deeper unders-
tanding of the role vegetation in the cities and the impact of its presence in everyday
life of the inhabitants.

By raising the main beneits and associated costs with the presence of vegetation
in the cities this article aims to contribute to the urban green areas planning and the
enhancement of green in the cities.

Keywords: Urban Vegetation; Urban Forest; Urban Microclimate; Environmental


Comfort; Environmental Impacts.

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06

INTRODUÇÃO

A importância geral da vegetação na ecologia urbana parece inquestionável, porém


seus benefícios e os papéis que a vegetação desempenha nas cidades ainda care-
cem de maiores detalhamentos (SPANGENBERG, 2009).

A vegetação interage sobre o conjunto de elementos climáticos, contribuindo com di-


versos aspectos tais como controle da radiação solar, temperatura, umidade, poluição
atmosférica, entre outros. Tipo, porte e idade da vegetação, bem como o período do
ano são parâmetros importantes para determinar o grau de inluência da vegetação no
clima (MASCARÓ, 1996). Aparecem ainda como fatores determinantes dessa inluência
a relação área vegetada/área construída e a forma e arranjo do plantio (GIVONI, 1998).

Comumente classiicados em ambientais ou sociais, os benefícios da vegetação


urbana não receberão tal distinção no presente artigo por entendermos que em
muitos aspectos os benefícios ambientais e sociais estão relacionados, sendo por
vezes indissociáveis.

Distinção necessária é aquela a ser feita entre os efeitos ambientais de áreas verdes
em geral e plantas em particular. Grandes áreas verdes, como parques, geralmente
desempenham importante papel no estabelecimento da imagem da cidade e na pro-
visão de área para atividades sociais. Porém, sua inluência nos aspectos climáticos
não vai muito além dos limites da área vegetada (GIVONI, 1998). Outra distinção
necessária é aquela entre os efeitos das plantas no clima global da área urbana e os
efeitos das áreas verdes nas condições microclimáticas do entorno dos edifícios e no
desempenho térmico das construções (GIVONI, 1998).

A seguir serão apresentados alguns dos mais citados aspectos inluenciados pela
vegetação em áreas urbanas e os custos diretos e indiretos associados à sua pre-
sença nas cidades.

125
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06 Junho de 2013

POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA

Figura 1 – Poluição atmosfé-


rica na cidade de São Paulo.
Fonte: Agência Brasil, 2010.

A poluição atmosférica nas cidades compromete a saúde humana e já é considera-


da uma das principais causas de mortalidade por enfarto agudo do miocárdio e do-
enças respiratórias. Cardoso (2011) realizou um estudo na Zona Norte da cidade
de São Paulo correlacionando os óbitos registrados pelas duas doenças citadas
com a localização das vias de tráfego intenso, concluindo que há relação entre a
concentração de poluentes e a mortalidade por enfarto e doenças respiratórias
(informação verbal)1.

De acordo com Falcón (2007), em países desenvolvidos uma cidade de dimensões


médias produz entre três e oito toneladas de dióxido de carbono (CO2) /habitante/
ano, sendo o tráfego de veículos responsável por aproximadamente 40% do total de
emissões. Além do CO2, a poluição atmosférica é formada ainda por óxidos de enxofre
e de nitrogênio, monóxido de carbono, compostos orgânicos voláteis e partículas em
suspensão.

Por reter temporariamente as partículas suspensas no ar e absorver alguns gases


nocivos aos seres humanos, a vegetação é capaz de amenizar os efeitos indesejáveis
da poluição nas cidades. (NOWAK, 1994; LLARDENT, 1982).

1
Estudo apresentado pela Profa. Dra. Maria Regina Alves Cardoso no Seminário Metrópoles: Políticas, Pla-
nejamento e Gestão em Saúde e Ambiente, realizado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de
São Paulo em 31/05/2011.

126
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06

A taxa de remoção de poluentes depende da quantidade destes na atmosfera, do


vigor e porte da vegetação, do tipo e densidade de galhos e folhas e de condições
climáticas (SPIRN, 1995; NOWAK, 1994; FALCÓN, 2007), sendo variável entre espé-
cies e entre indivíduos da mesma espécie (MASCARÓ, 2010). Estudos conduzidos
na cidade de Chicago (EUA) veriicaram que árvores de grande porte são capazes de
remover 60 a 70 vezes mais poluentes que as árvores menores (NOWAK, 1994). É
importante ressaltar que quando os contaminantes atmosféricos são excessivos eles
também podem prejudicar a vegetação.

Apesar de a vegetação possuir grande contribuição na remoção de poluentes da at-


mosfera, sua dispersão depende ainda do luxo dos ventos no nível da rua para gerar
a mistura com as camadas de ar menos poluído. Em ruas com vegetação muito den-
sa, a dispersão pode icar comprometida pela diminuição dos ventos, sendo importan-
te considerar este efeito em ruas de tráfego intenso (GIVONI, 1998).

Outra importante inluência da vegetação na composição atmosférica é a capacidade


de ixação e produção de determinados gases, como o sequestro e armazenamento
de CO2 na biomassa vegetal, que ocorre durante o crescimento das plantas.

Apesar de reduzir as quantidades de CO2 e de partículas suspensas no ar, a vegeta-


ção é responsável pela emissão de compostos orgânicos voláteis (COV)2. De acordo
com Aquino (2006 apud SCHIRMER E QUADROS, 2010) a emissão de COV biogê-
nicos (emitidos pela vegetação) é aproximadamente sete vezes maior que a emissão
de COV antropogênicos (em termos globais). Os COV, juntamente com os óxidos
de nitrogênio (NOx) e a radiação solar, são responsáveis pela formação do ozônio
troposférico (i.e. aquele que ocorre na camada mais baixa da atmosfera), importante
poluente responsável por problemas respiratórios e nevoeiros fotoquímicos, também
chamados de smogs (do inglês smoke, fumaça, e fog, neblina).

Por esse motivo, na cidade de São Paulo é comum que as estações de monitoramen-
to do ar localizadas no Parque do Ibirapuera e na Cidade Universitária, locais densa-
mente vegetados, registrem altos níveis de concentração de ozônio.

2
De acordo com Schirmer e Quadros (2010) compostos orgânicos compreendem todos os compostos que,
à exceção do metano, possuam carbono e hidrogênio, sendo os COV aqueles facilmente vaporizados às
condições de temperatura e pressão ambientes.

127
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06 Junho de 2013

A emissão de COV pela vegetação varia de acordo com a espécie e o metabolismo


da planta, a temperatura do ar, a temperatura das folhas, a umidade, a densidade
foliar, a radiação solar, a concentração de CO2 e de poluentes no ar (SCHIRMER e
QUADROS, 2010). Apesar de a vegetação ser a principal responsável, em termos
globais, pelas emissões de compostos orgânicos voláteis, para que a transformação
em ozônio ocorra são necessários os óxidos de nitrogênio, emitidos principalmente
pelos automóveis.

POLUIÇÃO DA ÁGUA E DO SOLO

De acordo com Morinaga (2007), em áreas urbanas o solo é o meio mais afetado pela
contaminação, superando o nível de contaminantes das águas dos rios e córregos.
Sua poluição apresenta baixa mobilidade de contaminantes (ainda que estes possam
passar para as águas subterrâneas) e está relacionada principalmente às regiões in-
dustrializadas e aos locais de disposição de resíduos.

Por meio da absorção dos contaminantes pelas raízes e/ou concentração em sua bio-
massa, a vegetação pode atuar na remoção ou imobilização desses contaminantes.
As plantas são capazes de remover metais pesados, pesticidas e outros contaminan-
tes do ambiente. Trata-se da itorremediação, técnica caracterizada pela utilização de
processos naturais das plantas para a remoção de poluentes do solo, de lodos, de se-
dimentos e das águas. De baixo custo e fácil implementação, esta técnica é indicada
para grandes áreas com pequeno nível de contaminação e que não apresentem riso
iminente à saúde (MORINAGA, 2007).

Morinaga (2007) alerta que o transporte de contaminantes para a superfície, absorvi-


dos pelas raízes e conduzidos às partes aéreas das plantas, pode ocasionar a intro-
dução desses contaminantes na cadeia alimentar da fauna local.

TEMPERATURA E UMIDADE

As temperaturas mais altas veriicadas em áreas densamente construídas quan-


do comparadas a seu entorno rural vegetado coniguram o fenômeno conhecido
como “ilha de calor”.

128
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06

Esse fenômeno é predominantemente noturno, sendo as maiores diferenças de tem-


peratura entre áreas urbanas e não urbanas veriicadas em noites de céu claro e
pouco vento. (GIVONI, 1998).

Figura 2 – Ilha de calor urbana. Fonte: Bearkeley Lab.

Algumas características das estruturas urbanas, como a relação entre a largura das
ruas e a altura dos edifícios, os tipos de materiais construtivos utilizados e a quantidade
e localização das áreas verdes afetam a intensidade da ilha de calor (GIVONI, 1998;
LOMBARDO, 1985).

De acordo com Lombardo (1985), as maiores temperaturas dos centros urbanos


podem provocar uma alteração na distribuição de chuvas, fazendo com que ocor-
ram de maneira mais intensa sobre as áreas mais densamente construídas. Essa
dinâmica, aliada ao alto grau de impermeabilização de algumas cidades provoca o
aumento das inundações.

Em seu estudo sobre a região metropolitana de São Paulo, Lombardo (1985) veriicou
diferenças de até 10°C entre o centro e as áreas rurais, sendo que as temperatu-
ras mais altas foram medidas nas áreas mais densamente construídas e com pouca
quantidade de vegetação e as temperaturas mais amenas nas regiões com maior
concentração de espaços livres vegetados e junto aos reservatórios de água.

No ambiente urbano, a vegetação barra a radiação solar, evitando que ela incida so-
bre o solo e as construções, diminuindo assim o acúmulo e a irradiação de calor por
essas superfícies. A radiação absorvida pela vegetação é utilizada para a fotossíntese

129
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06 Junho de 2013

e para a evapotranspiração; apenas uma porcentagem muito pequena é convertida


em calor sensível (SANTAMOURIS, 2001).

Givoni (1998) ressalta que é durante o processo de evapotranspiração, e não durante


a fotossíntese, que ocorre a maior parte do consumo de energia das plantas. Durante
esse processo as folhas são resfriadas, assim como o ar ao redor delas, ao mesmo
tempo em que ocorre o aumento de umidade do ar. A importância e o desejo de que
esse processo ocorra dependem das condições de temperatura e umidade locais.

De acordo com Magalhães e Crispim (2003), o processo de evapotranspiração é res-


ponsável pelo consumo de 60% a 75% da energia solar incidente na vegetação, sen-
do que uma árvore isolada saudável e com bom suprimento de água pode transpirar
400 litros de água/dia.

Spangenberg (2009) alerta para o fato de que a deinição das frações de absorção,
transmissão e relexão dos dosséis vegetais é mais complexa do que a dos materiais
de construção devido à arquitetura da copa das árvores, à distribuição heterogênea
de folhas, à diferença entre as espécies etc.

Labaki, et al. (2011) observam que a informação existente sobre o comportamento da


transmissão da radiação solar através de árvores, isoladas ou agrupadas, é bastante
reduzida, principalmente no que se refere às espécies da lora brasileira.

O impacto da vegetação no consumo de energia para aquecimento e resfriamento


dos edifícios pode ser bastante signiicativo. Em relação ao resfriamento, a sombra
produzida pela vegetação localizada próxima às paredes e janelas reduz o ganho de
calor solar sem obstruir completamente a circulação de ar. Ademais, áreas gramadas
ao redor dos edifícios reduzem a radiação solar reletida pelo solo e pavimentos, dimi-
nuindo também os ganhos de calor da ediicação. Em relação à diminuição do consu-
mo de energia para aquecimento, dependendo do arranjo de plantio e da localização
da vegetação ela é capaz de diminuir a velocidade do vento ao redor das construções,
minimizando assim as taxas de iniltração de ar (GIVONI, 1998).

Spangenberg (2009) ressalta que os benefícios proporcionados pelo sombrea-


mento durante o verão podem se converter em desvantagens durante o inver-
no em determinados locais. Nessas situações, o plantio de espécies caducifólias
pode maximizar os benefícios.

130
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06

VENTILAÇÃO

De acordo com Llardent (1982), as massas arbóreas conseguem reduções impor-


tantes na velocidade do vento, entre 20% e 50%. Tais reduções ocorrem de maneira
gradual e, ao contrário das barreiras sólidas, não provocam zonas de turbulências,
sendo, portanto, mais eicientes. Segundo Givoni (1998), o impacto da vegetação no
luxo de ar ocorre com maior intensidade próximo ao solo e depende do arranjo de
plantio e das espécies utilizadas.

O deslocamento do ar regula a sensação térmica, pois estimula a evaporação e as


perdas de calor por convecção (MASCARÓ, 1996). Em climas quentes e úmidos, a
redução da velocidade do vento pode gerar desconforto; porém, em climas frios é um
dos fatores mais benéicos da vegetação (GIVONI, 1998).

Além do efeito de obstrução mencionado acima, a barreira vegetal possui outros três
efeitos básicos: iltragem, delexão e condução.

Figura 3 – Efeitos da bar-


reira vegetal. Fonte: Ela-
boração própria baseada
em Mascaró, 1996.

Acima de 1,5m/s e, sobretudo acima de 5m/s, a incidência de vento diminui as diferen-


ças de temperatura e umidade relativa do ar entre as áreas sombreadas e ensolara-
das, sendo mais signiicativa em relação à umidade do que em relação à temperatura
(MASCARÓ, 1996).

131
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06 Junho de 2013

DRENAGEM

O problema das inundações em áreas urbanas está diretamente relacionado à ex-


cessiva impermeabilização do solo, à escassez de áreas vegetadas e à canalização
maciça de rios e córregos, medidas que em conjunto contribuem para o aumento da
quantidade e da velocidade do escoamento supericial.

Figura 4 – Impacto da urba-


nização na vazão e no tem-
po do escoamento superi-
cial. Fonte: Netto (2004).

A vegetação impacta a drenagem urbana por meio da retenção da água de chuva em


sua copa, galhos e tronco, da contribuição para iniltração da água no solo, da prote-
ção do solo ao ravinamento e da diminuição da velocidade do escoamento supericial
(MAGNOLI,1982). A iniltração de água no solo depende diretamente do tipo de solo e
não apenas da presença da vegetação.

[...] a distribuição, estrutura espacial, estrutura de ramiicação


e folhagem, densidade de ‘arquitetura’ foliar e da galharia, bem
como a distribuição, em extensão e profundidade, do raizame
tem inluência direta na rapidez de formação da superfície do
espelho d’água a escoar. Após o encharcamento a inluên-
cia se relaciona somente à proteção do solo ao ravinamento
(MAGNOLI, 1982, p.91).

Segundo a Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA, 2003), a velocidade de


escoamento num quarteirão urbanizado pode ser cinco vezes maior do que em áreas
de mesmo tamanho com vegetação e solo exposto. A alta velocidade do escoamento
aumenta a erosão e a quantidade de sedimentos carreados para os rios e córregos,
diminuindo a vazão destes e provocando inundações (HOUGH, 1998).

132
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06

Llardent (1982) alerta para o fato de que a grama fornece porosidade ao solo apenas
até 10cm de profundidade e com o tempo as raízes podem se entrecruzar de tal ma-
neira que deixam o solo compactado. Assim, uma superfície gramada pode não ser
tão permeável quanto se imagina, evidenciando que a análise do tipo de solo e do tipo
de vegetação a ser implantada é importante para determinar a contribuição da vege-
tação à drenagem urbana.

ESTABILIDADE DO SOLO

Figura 5 – Deslizamento de terra em área urbana. Fonte: R7 Notícias.

As intervenções urbanas, ao promoverem a impermeabilização parcial da superfície,


modiicam o regime hídrico do solo, soerguendo ou rebaixando o lençol freático. Tais
alterações podem provocar a destruição das estruturas do solo e causar abatimentos
em sua superfície (MANFREDINI, FERREIRA e QUEIROZ NETO, 2004).

Em grandes aglomerados urbanos, a estabilidade do solo é de fundamental importân-


cia para a segurança da população e das construções, estando relacionada também
ao assoreamento de rios e córregos, como mencionado no item “drenagem”.

A vegetação contribui para a manutenção da umidade do solo, atenuando o aqueci-


mento e evitando a irradiação (LLARDENT, 1982). Quanto maior a temperatura do
solo, maior é a sua oxidação e maior é a sua decomposição, gerando, assim, maior
erosão em lençol e lixiviação (PENHALBER et al., 2004). Ademais, a presença de
vegetação pode diminuir o carregamento de materiais particulados durante chuvas
intensas, dependendo da granulometria do solo, bem como amortecer a força do im-
pacto da chuva, evitando a formação de sulcos ou ravinamento.

133
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06 Junho de 2013

Segundo Falcón (2007), a vegetação mais indicada para a ixação do solo são as
gramíneas e os arbustos, pois suas raízes são pouco profundas e bastante densas.
Já a vegetação arbórea é indicada para diminuir o impacto da força da chuva no solo.

RUÍDO

A atenuação do ruído pela vegetação é um benefício bastante citado; porém, mesmo


em áreas densamente arborizadas a redução é pequena, especialmente em médias e
baixas frequências, devendo-se principalmente ao aumento da distância entre a fonte
de ruído e as ediicações e à diminuição da intensidade do vento (GIVONI, 1998).

Diversos trabalhos citam diferentes níveis de redução conseguidos com a utilização


de barreira vegetal; porém, tais reduções podem ser consequência do aumento da
distância da fonte, efeitos da topograia, da direção e da intensidade dos ventos etc.
Para Givoni (1998), apesar da pequena capacidade na redução dos níveis de ruído,
a vegetação tem um importante papel psicológico, ao atuar como barreira visual, uma
vez que se o ruído não é visível ele se torna psicologicamente menos perceptível.

SAÚDE E BEM-ESTAR HUMANO

Figura 6 – Trilha da Pedra Grande. Parque Estadual da Cantareira. Imagem da autora, mai. 2011.

Um dos principais aspectos associados às áreas verdes em meio urbano é seu uso
recreacional e esportivo. A promoção de áreas de convívio social e de áreas contem-
plativas está relacionada ao bem-estar e saúde da população, diminuindo o estresse,
a ansiedade e a depressão, e contribuindo no tratamento de pacientes hospitalizados
(GIVONI, 1998; ULRICH, 1984; ULRICH, et al., 1991).

134
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06

Ao analisar pacientes em internação hospitalar após cirurgia Ulrich (1984) veriicou


que aqueles que estavam em quartos com janelas voltadas para áreas verdes tinham
menor período de internação em relação àqueles cujas janelas estavam voltadas para
edifícios. Além do menor tempo de internação, esses pacientes utilizavam menor dose
de medicamentos e tinham avaliação mais favorável por parte das enfermeiras.

Diversas instituições de saúde estão incorporando “jardins de cura” em suas insta-


lações. Esses jardins, que devem incentivar o convívio e o apoio social e oferecer a
possibilidade de atividades físicas e contato com a natureza, podem desempenhar
papel complementar aos tratamentos medicamentosos, diminuindo o stress, a ansie-
dade, a pressão sanguínea e a insônia, aumentando, assim, a qualidade de vida dos
pacientes (TEXAS A&M UNIVERSITY, 2003).

Os benefícios veriicados nos jardins dos hospitais também se estendem às áreas


vegetadas e aos espaços livres da cidade, porém desde que estes recebam manu-
tenção, utilização e segurança adequados, oferecendo condições propícias para o
desenvolvimento de atividades sociais; do contrário, essas áreas podem aumentar a
sensação de insegurança gerando stress.

Para Lima (1996), o desenho da vegetação na cidade também deve considerar as


diversas formas de apropriação dos espaços urbanos. Dependendo da situação, uma
cobertura arbórea densa pode não ser desejável, como no caso de locais de grande
aglomeração de pessoas ou lugares onde o sombreamento é indesejável.

Ao atenuar a poluição da atmosfera, da água e do solo e contribuir com o conforto térmico


dos espaços abertos, a vegetação também contribui com a saúde humana. Os benefícios
associados à estabilidade dos solos e amortecimento de enchentes pela vegetação tam-
bém podem ser considerados como benéicos ao bem-estar dos habitantes da cidade.

BIODIVERSIDADE3

De acordo com Spirn (1995), a transformação dos ambientes silvestres em centros


urbanos inviabilizou a manutenção de habitats para a fauna local, pois os resquícios

3
De acordo com a Lei Federal n° 9.985/2000 biodiversidade, ou diversidade biológica é: “a variabilidade de
organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos
e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a
diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas” (Art. 2° da Lei Federal n° 9.985/2000).

135
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06 Junho de 2013

de vegetação nativa são poucos e dispersos. Assim, as espécies que prosperam no


empobrecido ambiente urbano são espécies oportunistas, que adaptaram o seu com-
portamento à uma paisagem dominada pelos homens.

Porém, o mosaico de ambientes encontrados em São Paulo ainda oferece locais ade-
quados ao abrigo, à alimentação e à reprodução da fauna, sendo signiicativo o núme-
ro de espécies cadastradas na cidade (SÃO PAULO (CIDADE), SVMA, 2004).

A adaptação da lora e da fauna ao hostil ambiente urbano, bem como a preservação


de áreas vegetadas, são fatores que colaboram para a existência de um número signi-
icativo de espécies vegetais e animais em algumas cidades. De acordo com o último
Inventário da Fauna do Município de São Paulo (SÃO PAULO (CIDADE), SVMA, 2010),
a cidade possui 700 espécies catalogadas, das classes: Malacostraca (caranguejo e
lagostim), Arachnida (aranhas), Insecta (borboletas e grilo), Osteichthyes (peixes), Am-
phibia (rãs, sapos e pererecas), Reptilia (cágados, crocodilos, lagartos e cobras), Aves
e Mammalia. Em relação à lora, segundo dados do Herbário Municipal de São Paulo4 a
cidade possui 4.037 espécies vegetais de 231 diferentes famílias.

A urbanização não afeta somente a diversidade biológica pela diminuição das áreas
vegetadas e alteração dos habitat naturais, mas também pela criação de novos habi-
tats que proporcionam o aparecimento de espécies indesejáveis ao convívio humano,
como insetos e ratos (SÃO PAULO (CIDADE), 2008).

Se a manutenção de áreas vegetadas em meio urbano colabora positivamente para a


manutenção da biodiversidade, a falta de conexões entre essas áreas e as diiculda-
des de gestão das áreas que não possuem proteção efetiva tornam-se um impasse a
ser vencido para a proteção de animais e plantas. Nesse sentido, o Instituto Socioam-
biental (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2008) recomenda as seguintes ações para
a ampliação da proteção à biodiversidade: ampliação e manutenção das áreas efeti-
vamente protegidas; iscalização das áreas preservadas; manejo da biodiversidade e
apoio à pesquisa para diminuição de lacunas de conhecimento.

Penhalber et al. (2004) mencionam a dependência entre a fauna e a lora. Segundo


os autores, a fauna silvestre é de suma importância para a sobrevivência das espé-

4
Disponível em: http://biodiversidade.prefeitura.sp.gov.br/FormsPublic/p04Flora.aspx

136
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06

cies vegetais e vice-versa, sendo que a qualidade do verde depende da manutenção


da fauna.

Abordar o papel da vegetação na cidade a partir dos benefícios fornecidos aos seres
humanos pode ser considerado uma visão antropocêntrica caso uma perspectiva mais
abrangente na gestão dos recursos não seja analisada. De acordo com Lima (1996), a
nossa relação com a natureza necessita mudanças. Não apenas o bem-estar humano
é importante, mas igualmente a utilização dos recursos em ritmos e escalas nas quais
se propiciem condições temporais e espaciais para uma regeneração da própria na-
tureza (LIMA, 1996).

CUSTOS, DESVANTAGENS OU INCONVENIENTES ASSOCIADOS À VEGETA-


ÇÃO URBANA

A presença da vegetação em meio urbano proporciona diversos benefícios socioam-


bientais aos habitantes da cidade, como mencionado nos itens anteriores. Contudo,
existem custos diretos e indiretos que devem ser considerados no seu planejamento
e implantação.

Como aponta Spirn (1995), a vegetação urbana tem que conviver com enormes pres-
sões biológicas, físicas e químicas que diicultam sua sobrevivência no ambiente ur-
bano, fazendo com que as árvores na cidade vivam menos. Estudos desenvolvidos
nos Estados Unidos pela American Forest Association concluíram que a sobrevida
média de uma árvore urbana (plantada em regiões centrais) é de apenas 13 anos,
tempo insuiciente para que atinja um porte capaz de desempenhar de forma plena os
benefícios citados nos itens anteriores. (ROTERMUND, MOTTA e ALMEIDA, 2012).

Essa diminuição da sobrevida das árvores em meio urbano deve-se à sua conlituosa
convivência com a massa ediicada da cidade e seus habitantes.

As árvores das ruas [...] levam uma vida marginal, suas raízes presas entre
as fundações das ediicações e das ruas, enroscadas entre as linhas de
telefones, eletricidade, gás e água, e envoltas por um solo tão compacto e
infértil como o concreto. Seus troncos são entalhados pelos pára-choques
dos automóveis, correntes de bicicletas e até pelas grades instaladas para
protegê-las. Seus galhos são podados pelos ônibus. Folhas e cascas são

137
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06 Junho de 2013

tostadas no calor reletido pelo calçamento e pelos muros ou condenadas a


uma sombra perpétua pelos edifícios adjacentes. As raízes são encharca-
das ou ressecadas pelo excesso ou pela falta de água; em qualquer caso,
sua capacidade de fornecer nutrientes essenciais à árvore é drasticamente
reduzida. [...] O fato de a árvore de ruas e calçadas sobreviver de alguma
forma é mais surpreendente do que o de ser tão curta sua média de vida
(SPIRN, 1995, p.193 e 194).

Parte dos custos associados à presença de vegetação nas cidades advém justamente
dos conlitos mencionados por Spirn (1995).

CUSTOS DIRETOS

A implantação e a perpetuação da vegetação em áreas urbanas demandam diversas


ações de planejamento e administração a cargo principalmente do poder público mu-
nicipal. Ações de plantio e manutenção, incluindo podas, irrigação e varrição, deman-
dam pessoal habilitado e equipamentos especíicos.

A integração com a infraestrutura existente na cidade é um dos problemas mais re-


correntes associados à vegetação urbana. A interferência com as redes aéreas, a
proximidade com as ediicações, gerando sombreamento excessivo e insegurança, o
entupimento de bueiros e bocas de lobo pelas folhas das árvores, a interferência com
a iluminação pública e com a sinalização, muitas vezes encoberta por galhos, além de
danos a pisos e pavimentos causados por raízes supericiais são alguns dos proble-
mas veriicados.

A queda de árvores é um dos maiores transtornos que acometem as cidades brasilei-


ras durante o período de chuvas (que, podem ser mais intensas nas áreas urbanas).
De acordo com reportagem veiculada no jornal O Estado de São Paulo, segundo da-
dos da AES Eletropaulo, “mais da metade dos casos de apagões na cidade de São
Paulo acontece por culpa de queda de árvores ou galhos que se enroscam na iação”
(O ESTADO DE SÃO PAULO, 2011).

CUSTOS INDIRETOS

Spangenberg (2009) cita como custos indiretos relacionados à presença de vegeta-


ção nas cidades a possível diminuição da dispersão de poluentes ocasionada pela

138
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06

diminuição da intensidade dos ventos, a diminuição dos níveis de luz natural provo-
cada pelo sombreamento da vegetação, o desconforto térmico no inverno, o possível
aumento da umidade nos edifícios e as questões ligadas à segurança, que, como
mencionado no item Saúde e Bem-Estar Humano, podem estar associadas à falta de
manutenção e uso das áreas vegetadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quantitativamente, os benefícios associados à vegetação citados nos itens anteriores


dependem da densidade das folhas, dos tipos de folhas e galhos (e.g. folhas pilosas
ou lisas, grandes ou pequenas etc.), do porte da vegetação e de sua localização. Es-
sas características, com exceção da localização, variam conforme a idade, a espécie
e a época do ano.

Spangenberg (2009) cita a área de cobertura vegetal e a área foliar como parâme-
tros-chave para a avaliação dos benefícios da loresta urbana. De acordo com No-
wak (1994), a maioria dos benefícios da vegetação urbana cresce com o aumento
da área foliar.

A área foliar varia conforme a espécie, a arquitetura da copa, o microclima, as con-


dições de crescimento da árvore e com as estações do ano, sendo considerada um
parâmetro dinâmico. Consequentemente, cada avaliação da área foliar descreve um
momento especíico (SPANGENBERG, 2009).

De acordo com Givoni (1998) o efeito da vegetação no clima das áreas urbanas de-
pende da relação entre área vegetada (pública ou privada) e área construída, sendo
mais intenso na área vegetada e em seu entorno imediato. Dessa forma, é mais sig-
niicativo para o clima das áreas urbanas um maior número de áreas com dimensões
reduzidas do que poucas áreas verdes de grandes dimensões.

Os custos diretos associados à presença de vegetação são, aparentemente, mais fá-


ceis de serem quantiicados e, como são mais perceptíveis no cotidiano da população
urbana, acabam, muitas vezes, deturpando a imagem da árvore na cidade, que ica
conhecida apenas pelos transtornos que causa. “Custos e benefícios calculados sem
uma avaliação do sistema como um todo e dos processos que o impelem subestimam
invariavelmente o valor da natureza na cidade” (SPIRN, 1995, p. 255).

139
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06 Junho de 2013

Como mencionado por Lima (1996), faz-se necessária uma visão mais abrangente
da questão da vegetação urbana, que contemple aspectos ecológicos, paisagísticos,
culturais e sociais, aliando as necessidades da vegetação para um desenvolvimento
pleno e a diversidade de espaços urbanos e suas diferentes apropriações.

140
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°06

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143
ARTIGO Nº7

AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO DE FUTUROS


LABORATÓRIOS EXPERIMENTAIS COMO CÉLULAS DE CO-MANEJO
NOS PONTOS DE CULTURA DO MUNCÍPIO DE SANTOS – SP
EVALUATION OF POTENTIAL FUTURE DEVELOPMENT OF EXPERIMENTAL
LABORATORY HOW CELLS CO-MANAGEMENT IN POINTS OF CULTURE
MUNICIPIO SANTOS – SP
Maira Begalli | Milena Ramires | Mariana Clauzet
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07

AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE DESENVOLVIMENTO DE FUTUROS LABORA-


TÓRIOS EXPERIMENTAIS COMO CÉLULAS DE CO-MANEJO NOS PONTOS DE
CULTURA DO MUNCÍPIO DE SANTOS – SP

Maira Begalli*
*Pesquisa experimentações tecnológicas e ecológicas colaborativas. Mestranda do programa de
pós-graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas Costeiros e Marinhos da Universidade Santa Cecília
(ECOMAR/ UNISANTA). [email protected] (autora para correspondência)

Milena Ramires**
**Doutora pelo programa Interdisciplinar em Ambiente e Sociedade pela UNICAMP (2008), docente do
programa de pós-graduação ECOMAR/ UNISANTA . [email protected]

Mariana Clauzet***
***Doutora pelo programa Interdisciplinar em Ambiente e Sociedade pela UNICAMP (2008), docente do
programa de pós-graduação ECOMAR/ UNISANTA . [email protected]

RESUMO

O presente trabalho identiica e a avalia os Pontos de Cultura existentes na cidade


de Santos-SP, com o objetivo de detectar possibilidades para futuros desenvolvimen-
tos de laboratórios experimentais como núcleos de co-manejo. A pesquisa, que usou
como base o Catálogo da Rede dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo para
a identiicação dos Pontos (BRASIL, 2012), foi realizada entre os meses de junho e
julho de 2012. Foram identiicados dois Pontos de Cultura: o Projeto Parcel, localizado
na área continental de Santos, e a Estação da Cidadania e Cultura, na área insular de
Santos. Ambos possuem potencial para o desenvolvimento de atividades experimen-
tais relacionadas à temática e poderiam subsidiar atividades de co-manejo.

Palavras-chave: ecologia humana, tecnologias experimentais, co-manejo, Santos,


Pontos de Cultura.

145
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07 Junho de 2013

EVALUATION OF POTENTIAL FUTURE DEVELOPMENT OF EXPERIMENTAL LA-


BORATORY HOW CELLS CO-MANAGEMENT IN POINTS OF CULTURE
MUNICIPIO SANTOS – SP

ABSTRACT

This paper identiies and evaluates the Points of Culture in the city of Santos, São
Paulo State, aiming to detect possibilities for future developments of experimental la-
boratories as nuclei for co-management. The survey, which used as source the Ne-
twork Catalog of Culture Points of São Paulo State to identify points (BRAZIL 2012),
was carried out between June and July 2012. It was identiied two Points of Culture:
the “Project Parcel”, located in the continental area, and the “Station of Citizenship and
Culture”, in the insular area of Santos. Both have potential to develop experimental
activities related to the theme and could subsidize activities of co-management.

Keywords: human ecology; experimental technologies; co-management; Santos;


Culture Points

INTRODUÇÃO

O uso e a apropriação de tecnologias proporcionaram mudanças signiicativas para


as populações humanas. Há cerca de 500 mil anos, o uso do fogo para a preparação
de alimentos tornou possível a utilização de alguns vegetais, que de outra forma não
seriam comestíveis (KORMONDY & BROWN, 2002). As antigas técnicas de irriga-
ção em ambientes áridos possibilitaram a ediicação de sociedades hidráulicas, como
a Mesopotâmia (BEGOSSI, 1993). O desenvolvimento de projetos que agregam a
apropriação crítica de tecnologias às ciências ambientais está proporcionando uma
abordagem mais ampla em relação aos usos e impactos de manipulações biológicas
nos ecossistemas.

Os chamados “fabricantes de biologias pessoais” executam propostas de biotecnologia


em pequena escala, como um processo artesanal que pode ser produzido e compreen-
dido por meio de documentação e trocas compartilhadas em rede (WOHLSEN, 2011).

146
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07

Ao contrário do deslumbramento tecnológico e da cultura do consumo baseada na ob-


solescência das rápidas inovações do mercado, tais práticas estão fomentando proces-
sos experimentais e formas de empoderamento para muitos indivíduos (HAND, 2010).

Buscando atrelar a apropriação crítica de tecnologias aos saberes de populações


humanas foi instituída a proposta dos Pontos de Cultura pelo “autoproclamado” minis-
tro hacker Gilberto Gil (2003-2008), por meio das portarias no 156, de 06 de julho de
2004 (Brasil, 2004), e n° 82, de 18 de maio de 2005 (BRASIL, 2005) do Ministério da
Cultura (MinC), que validou o Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania:
Cultura Viva. O Cultura Viva formalizou-se ao promover editais, prêmios e bolsas para
o repasse de recursos públicos a pessoas físicas e jurídicas (TURINO, 2009). No caso
dos Pontos de Cultura, a seleção ocorre por meio de editais das Redes de Pontos
de Culturas estaduais e municipais que selecionam projetos enviados por entidades
privadas sem ins lucrativos (OrganizaçãoNão Governamental – ONG, Associação,
Cooperativa ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP).

No ínicio da década de 2000, de forma descentralizada e autônoma surgiram alguns


laboratórios experimentais que passaram a trabalhar com elementos eletrôrganicos,
ou seja, orgânicos (biodiversidade local) e eletrônicos (apropriação crítica de tecnolo-
gias, hardware e softwares livres e lixo eletrônico), como soluções criativas colaborati-
vas e do faça-você-mesmo (do it yourself – DIY) aplicáveis no manejo colaborativo de
suas regiões (FONSECA, 2012). É possível citar como exemplos bem sucedidos de
laboratórios experimentais que desenvolvem ações de co-manejo o UbaLab1, localiza-
do em Ubatuba, São Paulo, e a Nuvem - Estação Rural de Arte e Tecnologia2 sediada
no Vale do Pavão, em Visconde de Mauá. Tratam-se de núcleos que agregam em
seus projetos transversais de meio ambiente, sociedade e tecnologias, diferentes ato-
res sociais que negociam para deinir e garantir, entre si, direitos e responsabilidades
para a gestão dos recursos socioambientais das localidades em que se encontram
(GUITIÉRREZ et al., 2011).

O objetivo desse trabalho consiste na identiicação dos Pontos de Cultura sediados


no município de Santos-SP, para avaliar o potencial de desenvolvimento de futuros
laboratórios experimentais como células de co-manejo, em uma cidade que passa

1
Mais informações em http://ubalab.org/sobre
2
Mais informações em http://nuvem.tk/?espa%C3%A7o-conceito

147
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07 Junho de 2013

por processos socioambientais conlitantes, como: a verticalização exacerbada, a es-


peculação acerca do pré-sal, a erosão costeira, os impactos gerados pelo Porto, a
supressão de fauna e lora, entre outros (AFONSO, 1999).

MATERIAIS E MÉTODOS

A metodologia consistiu no levantamento de dados bibliográicos sobre os Pontos


de Cultura existentes na cidade de Santos, por meio da base de dados do Catálogo
da Rede dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo (BRASIL, 2012), e poste-
riormente, na visita aos Pontos listados por meio de observação direta, registros
fotográicos e entrevistas (com questões abertas) entre os dias 10 e 12 de julho de
2012 (VIETLER, 2002). As visitas aos Pontos de Cultura foram agendadas por meio
de contato telefônico com os seus respectivos gestores, entre os dias 18 e 19 de
junho de 2012. Para avaliação dos Pontos foi elaborado um questionário contendo
critérios objetivos, com escala de pontuação de 1 a 3 (sendo 1 a pontuação mínima,
e 3 a máxima). Ressalvas sobre outros fatores percebidos, mas não relatados para
pontuação também foram agregados à coleta de dados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Catálogo da Rede dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo indicou 4 Pontos
de Cultura na cidade de Santos, porém, um deles foi desconsiderado: o Azimuth –
Ponto de Cultura e Sustentabilidade3, classiicado como integrante da cidade de San-
tos porém encontrava-se geograicamente localizado no município de Ilhabela. Deste
modo, restaram o Projeto Parcel4, localizado na área continental de Santos, o Vozes
da Senzala5 e a Estação da Cidadania e Cultura6, ambos localizados na área insular
de Santos (BRASIL, 2012).

3
http://www.azimuth.org.br/
4
http://www.parcel.org.br/
5
http://vozesdesenzalapontod.wix.com/vozesdesenzalapontodecultura#!ecoam-as-vozes
6
http://pontoestacaodacidadania.wordpress.com/

148
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07

A visita inicial à Estação da Cidadania e Cultura foi agendada para o dia 10 de julho
de 2012 (terça-feira), às 19 horas. No Vozes da Senzala foi agendado um encontro na
região central de Santos, no dia 11 de julho (quarta-feira), às 17 horas, pois a gestora
do Ponto, informou que estavam sem uma sede ixa. No Projeto Parcel a data agen-
dada foi o dia 12 de julho de 2012 (quinta-feira), às 14 horas. Contudo, a pesquisa
não foi realizada com o Vozes da Senzala, pois o encontro agendado para o dia 11 de
julho de 2012, no centro de Santos, foi cancelado pela própria gestora. Posteriormen-
te, tentou-se um contato via skype, sem retorno. Deste modo, optou-se por invalidar a
possibilidade de realizar a pesquisa neste Ponto de Cultura.

Ao inal da avaliação, ambos os Pontos apresentaram pontuação 19 (tabela 1). Entre-


tanto, a diferença ocorreu nos itens: 2) Identiicação com a temática e 5) Uso de sof-
tware livre e formatos abertos. Apesar da receptividade do gestor da Estação da Cida-
dania, o mesmo airmou que o desenvolvimento de um laboratório experimental talvez
estivesse um pouco fora do escopo das atividades do Ponto, uma vez que a Estação
da Cultura e Cidadânia possui muitas atividades e um público deinido. Já no Projeto
Parcel, a gestora airmou que não existiam trabalhos e propostas ligadas a tecnologia e
formatos digitais no Ponto de Cultura e que tinha interesse em desenvolver a proposta.

Tabela 1 – Avaliação dos Pontos de Cultura do Município de Santos

Ponto de Cultura Estação da Cidadania


Projeto Parcel
Critérios de Escolha e Cultura

1. Receptividade da proposta 3 3

2. Identiicação com a temática 1 3

3. Disponibilidade para a
3 3
realização da proposta

4. Infraestrutura 3 3
5. Uso de software livre e
3 1
formatos abertos
6. Aderência com os interesses dos
participantes do Ponto 3 3
de Cultura
7. Possibilidade de apropriação/
3 3
continuidade
TOTAL 19 19

149
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07 Junho de 2013

O Ponto de Cultura Estação da Cidadania e Cultura encontra-se na área insular de


Santos (igura 1), em perímetro urbano, a cerca de 200 metros do Canal 3 (um ca-
nal que realiza o escoamento de águas pluviais para o mar) localizado na Avenida
Washington Luís. É constituído juridicamente como Organização Não Governamental
(ONG), fundada em 2002.

Figura 1 – Localização do Ponto Estação da Cidadania e Cultura (OPEN STREET MAP7, 2012).

7
OpenStreetMap é uma iniciativa aberta para criar e fornecer dados e mapas geográicos. Mais informações
em http://blog.osmfoundation.org/faq/

150
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07

O Ponto de Cultura Projeto Parcel localiza-se na área continental de Santos (igura 2),
longe do perímetro urbano, próximo ao canal de Bertioga, e é constituído juridicamen-
te como uma Associação, fundada em 2005.

Figura 2 – Localização do Ponto Projeto Parcel (Open Street Map, 2012).

Segundo dados oiciais da Prefeitura Municipal de Santos, a extensão territorial da


área continental é cerca de seis vezes maior, com 231,6 quilômetros quadrados, em
contraponto aos 39,4 quilômetros quadrados da área insular. Destes, 206 quilômetros
encontram-se sob a Área de Proteção Ambiental (APA), no Parque Estadual da Serra
do Mar (SANTOS, 2012). A APA (tabela 2) foi instituída pela Lei Complementar do
município de Santos de número 359, em 25 de novembro de 1999, que dispôs sobre
o uso e a ocupação da região (SANTOS, 1999).

151
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07 Junho de 2013

Tabela 2 – Caracterização da Área de Proteção Ambiental


da área continental de Santos

Área de Proteção Ambiental / 206 km

Zonas Usos e Características Localidade/Bairro

A ocupação e o aproveitamento em
Zona de Uso Especial Parque Estadual
conformidade com o Plano de Manejo
ZUE da Serra do Mar
elaborado pelo Governo do Estado.

Áreas não descri-


• Taxa de ocupação máxima para os tas por seus limites
Zona de Preservação usos permitidos é de 5%. nas demais zonas
ZP que se encontram
• Respeitar e manter áreas com valor
na Área Continen-
histórico-cultural como vestígios arque-
tal de Santos
ológicos e arquitetônicos.

Zona de Conservação • A área mínima estabelecida para as Rio Quilombo, Rio


glebas é de 40.000 m². Jurubatuba, Monte
ZC
Cabrão, Trindade

Taxa de ocupação máxima para os usos


Zona de Uso Agropecu- Rio Quilombo, Ex-
permitidos é de 40% . Sendo 20.000 m² a
ário ZUA tremo Setentrional
área mínima estabelecida para as glebas.

(Santos, 1999).

Os 25 quilômetros restantes foram classiicados como Área de Expansão Urbana (ta-


bela 3). Atualmente, a área continental agrega nove bairros: Barnabé, Cabuçu-Caetê,
Caruara, Guarapá, Iriri, Monte Cabrão, Nossa Senhora das Neves, Quilombo e Trin-
dade. Antes da Lei 359/99, a área encontrava-se dividida em três bairros: Ilha Diana,
Caruara e Monte Cabrão (SANTOS, 1999). A porção da área continental destinada à
APA encontra-se dividida em 4 zonas: Zona de Uso Especial (ZUE), Zona de Preser-
vação (ZP), Zona de Conservação (ZC) e Zona de Uso Agropecuário (ZUA). Possui
limitações restritivas acerca do uso dos recursos naturais e da ocupação territorial,
e objetiva a preservação e conservação das localidades que envolvem os rios Qui-
lombo e Jurubatuba, o extremo setentrional, os bairros de Trindade e Monte Cabrão,
o Parque Estadual da Serra do Mar, além de áreas que não foram contempladas no
dispositivo legal 359/99 (SANTOS, 1999).

152
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07

Tabela 3 – Caracterização da Área de Expansão Urbana da


área continental de Santos

Área de Expansão Urbana / 25km

Zonas Usos e Características Localidade/Bairro

Desenvolvimento urbano, ocupação Guarapá, Monte Cabrão,


Zona Urbana
ordenada e regularização das áreas Trindade, Cabuçu, Iriri,
ZU
já consolidadas Caruara

Zona de Suporte Áreas degradadas, onde ocorrem ativida-


Bairros não
Urbano I des extrativistas minerais, que possibili-
especiicados
ZSU I tam a disposição inal de resíduos sólidos

Áreas degradadas, onde ocorrem ativida-


Zona de Suporte
des extrativistas minerais e que possibili- Guarapá, Jurubatuba,
Urbano II
tam atividades de interesse para o desen- Trindade
ZSU II
volvimento turístico

Zona Portuária Áreas potenciais para instalações rodovi- Quilombo, Sítio das
e Retroportuária árias, ferroviárias, portuárias, retroportuá- Neves Ilha Barnabé
ZPR rias e ligadas às atividades náuticas. (oeste e leste)

(Santos, 1999).

A Área de Expansão Urbana caracteriza-se por espaços territoriais em que o ecossis-


tema original sofreu grandes modiicações devido à forte inluência antrópica ocorrida
por meio de ocupações desordenadas, extrativismo, disposição de resíduos sólidos,
turismo e atividades náuticas, assim como instalações portuárias e retroportuárias,
ferroviárias e rodoviárias. Encontra-se dividida em 4 zonas: Zona Urbana (ZU), Zona
de Suporte Urbano I (ZSUI) e II (ZSUII), Zona Portuária e Retroportuária (ZPR), en-
tretanto, são parcelas de menores extensões quando comparadas às zonas da APA
(SANTOS, 2012).

A sede do Ponto de Cultura Estação da Cidadania e Cultura pertence ao Grupo Pão de


Açúcar, que concedeu comodato por período indeterminado à ONG. Trata-se de um
ponto histórico relevante, pois no local funcionava a Estação Ferroviária Sorocabana,
que fazia o trajeto Santos-Mairinque (igura 3). Possui fácil acesso aos transportes
públicos, os fundos do Ponto de Cultura levam ao estacionamento do supermercado
Extra, localizado na Avenida Ana Costa.

153
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07 Junho de 2013

Figura 3 – Faixada da Es-


tação da Cidadania e Cul-
tura (Fonte: Maira Begalli
em 10/07/2012).

A construção da sede do Projeto Parcel foi patrocinada pela Petrobras (igura 4), em
2008, quando a área foi concedida pelo prefeito em exercício João Paulo Tavares
Papa (2005 - 2008), quando considerou positiva a proposta da ONG realizar projetos
socioambientais para a área continental. Atualmente aguarda o resultando do pedido
de posse deinitiva da área. Encontra-se fora do perímetro urbano, mas possui fácil
acesso a transporte público (ponto de ônibus intermunicipal na frente da sede). Seu
entorno agrega bairros de comunidades tradicionais, como Quilombo e Ilha Diana.

Figura 4 – Sede do Pro-


jeto Parcel (Fonte: Maira
Begalli em 12/07/2012).

154
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07

O Ponto de Cultura Estação da Cidadania e Cultura possui boa infraestrutura, com


sanitários, água, energia elétrica, internet e duas salas de aulas amplas, além de um
auditório externo, hoje subutilizado (igura 5). Na época da pesquisa, possuía convê-
nio de três anos (2009-2012), estabelecido por meio do Edital de Pontos de Cultura
da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo (SEC), através do qual recebia o
valor de R$ 60 mil anuais.

O Projeto Parcel agrega boa infraestrutura, com internet, sanitários, água e luz.
Como a Estação da Cidadania e Cultura, na época da pesquisa contava com um
convênio semelhante ao da SEC, recebendo o valor de R$ 60 mil aunais, entre os
anos de 2009 e 2012. Também recebe auxílio mensal da Prefeitura Municipal de
Santos, com subsídios para água, energia elétrica e internet. Foi contemplado no
edital “Sala Verde” (igura 6), na gestão da Ministra do Meio Ambiente Marina Sil-
va (2003-2008), recebendo amplo acervo bibliográico sobre temáticas ambientais.
Atualmente trabalha com projetos de artesanato, educação ambiental e gastronomia
regional. Não possui oicinas ou ações direcionadas à apropriação crítica de tecno-
logias, seja para o uso de ferramentas audiovisuais (como edição de áudio, vídeos
e imagens), redes sociais (blogs, plataformas de publicação de conteúdo), assim
como aplicações em hardware e softwares livres.

Figura 5 – Instalações
da Estação da Cidada-
nia (Fonte: Maira Begalli
em 10/07/2012).

155
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07 Junho de 2013

Figura 6 – “Sala Verde” do


Projeto Parcel (Fonte: Maira
Begalli em 12/07/2012).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A apropriação crítica de tecnologias tem possibilitado o desenvolvimento de narrativas


e ações diversiicadas para populações humanas que durante muito tempo perma-
neceram marginalizadas, devido aos riscos e incertezas ecológicas e econômicas
presentes em muitas regiões consideradas como descentralizadas. Assim ao invés
de elaborarem produtos bem deinidos e com ótimo acabamento, esses indivíduos
desenvolvem ações contínuas de documentação e relexão utilizando diferentes for-
matos, canais e mídias, como: áudio, vídeo, fotograia e mapeamento (BRUNET &
FREIRE, 2011). Uma forma de co-manejo dos recursos socioambientais baseado em
processos de aprendizagem experimental e colaborativa, que busca diminuir a situa-
ção de vulnerabilidade socioambiental presente em muitas dessas localidades.

Os dois Pontos de Cultura avaliados, o Projeto Parcel e a Estação da Cultura e Cida-


dania apresentaram potencial para o desenvolvimento de laboratórios experimentais,
como células de co-manejo para o subsídio da relação do ser humano, com a ecologia,
a cultura de suas localidades e as diferentes trocas ecológicas-econômicas de onde
estão inseridos (Santos ilha e Santos continente). Entretanto, para que tal fato ocorra
torna-se necessário a incorporação do co-manejo não apenas como objetivo inal, mas
no processo do desenvolvimento de um ambiente que estimule a relexão sobre o con-
texto sócio-cultural e incorpore a visão da cultura como ecossistema, contemplando:
infraestrutura material, recursos humanos, simbólicos e imateriais, como metodologias
e processos de trabalho, documentação, redes de coniança, alianças e cumplicidades.

156
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°07

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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São Paulo: Uma Análise Ambiental. São Paulo: Annablume: FAPESP. 1 ed, 186 p.

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WOHLSEN, M. 2011. Biopunk: DIY Scientists Hack the Software of Life.


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158
ARTIGO Nº8

REPENSANDO AS ANISTIAS DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO EM SÃO PAULO


RETHINkING AMNESTIES OF USE AND OCCUPATION OF LAND IN SãO PAULO
Rosane Segantin Keppke
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°08 Junho de 2013

REPENSANDO AS ANISTIAS DE USO E OCUPAÇÃO DO


SOLO EM SÃO PAULO

Rosane Segantin Keppke*


*Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo, mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, e especialista em desen-
volvimento urbano da Prefeitura do Município de São Paulo. Contato: [email protected]

RESUMO

A regularização urbanística é um dos fundamentos do Estatuto da Cidade. Em São


Paulo esta é uma prática de gestão centenária, tributária do fenômeno da “urbanização
desordenada”. Este artigo expõe seu histórico de anistias e propõe modelos que incor-
porem o princípio da compensação urbanístico-ambiental, a im de que a cidade possa
regularizar seus passivos sem preterir a sustentabilidade, tornando-se mais verde.

Palavras-chave: Uso e ocupação do solo – regularização fundiária e edilícia – passi-


vos urbanístico-ambientais - sustentabilidade - responsabilidade socioambiental

RETHINKING AMNESTIES OF USE AND OCCUPATION OF


LAND IN SÃO PAULO

ABSTRACT

The urban regularization is one of the main points of the City Statute. In São Paulo this
is a centennial practice of management, derived from the phenomenon of “unplanned
urbanization”. This article exposes the history of amnesties and proposes models that
incorporate the principle of urban-environmental compensation, so that the city is able
to regulate its liabilities without omitting sustainability, becoming greener.

Keywords: Use and land cover; land and ediicial regularization; liabilities urban-envi-
ronment sustainability, socio-environmental responsibility

160
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°08

1. INRODUÇÃO: O Estatuto da Cidade e o fomento à política de regularização

O Estatuto da Cidade (Lei federal n. 10.257, de 10 de julho de 2001) brindou o movimento


da reforma urbana e os municípios brasileiros com instrumentos urbanísticos indutores
de governança local. Nas regiões metropolitanas, as zonas especiais de interesse social
tendem a ser os instrumentos que ocupam as maiores extensões nos planos diretores
locais, seguidos da outorga onerosa do direito de construir, geralmente associada às ope-
rações urbanas consorciadas. As primeiras, de caráter inclusivo, visam à universalização
da urbanidade, fazendo-a chegar aos conins das periferias e bolsões de desigualdades.
As segundas tentam dividir o ônus dos investimentos infraestruturais que convergem com
os interesses do mercado imobiliário. Assim colocada, esta dualidade relete o dilema
multifocal do Planejamento Urbano de agregar urbanização de vanguarda, por este lado
e, pelo outro lado, resgatar o que icou para trás, reurbanizar no sentido de tornar urbano
aquilo que precariamente o era, ao mesmo tempo em que deve ouvir as demandas de
todos os segmentos sociais e orientar-se pelos princípios da sustentabilidade.

O maior desaio das cidades brasileiras, hoje, é construir o futuro a partir dos seus
passivos urbano-ambientais, para além da prática da simples regularização. Neste
sentido, o Estatuto da Cidade ainda é uma resposta insuiciente, cabendo ao Poder
Executivo e ao Parlamento de todas as instâncias de governo prospectar instrumen-
tos de reparação de danos, mitigação e compensação de impactos da “urbanização
desordenada” que as desqualiica.

Neste contexto cabe colocar o emblemático caso da cidade de São Paulo, no que diz
respeito ao seu histórico de anistias às infrações de parcelamento, uso e ocupação do
solo. O tema ganha proeminência com a lei municipal nº 15.499, de 7 de dezembro
de 2011, que institui o Auto de Licença de Funcionamento Condicionado de ativida-
des instaladas em ediicações irregulares, de vigência provisória, que está gerando
pressões por uma nova anistia a im de torná-las regulares sem ônus adicionais ou
sanções pelas infrações cometidas, a exemplo de anistias passadas.

2. “DÉJÀ VU”

São Paulo adotou a regularização como modelo de gestão urbana. Desde as primeiras
leis urbanísticas, criadas na virada dos séculos XIX e XX, o poder público tem recorrido à
prática de “legislar por um lado e anistiar por outro” (GROSTEIN, 1987, p. 121).

161
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°08 Junho de 2013

A primeira lei de arruamentos (lei municipal n. 1666 de 26 de março de 1913) logo foi
sucedida por uma sequência de oicialização (regularização) de vias em massa que
ocorreram nos anos de 1914, 1916, 1934, 1953, 1955, 1962, 1963, 1972, 1973, 1974.

O Código Arthur Saboya (lei municipal n. 3.427 de 19 de novembro de 1929) foi o pri-
meiro a juntar num único instituto legal as posturas, o arruamento, o parcelamento, as
ediicações e até mesmo o instrumento de regularização de infrações passadas bem
como aquelas que porventura viessem a ocorrer. Já em 1931, o urbanista Anhaia Mello
lamentava que a “cidade clandestina era maior do que a oicial” (apud op. cit., p. 154).

O primeiro plano diretor (lei municipal n. 7.688 de 30 de dezembro de 1971) e o primei-


ro zoneamento da cidade como um todo (lei municipal n. 7.805 de 1 de novembro de
1972) constituíram o marco estruturante para o futuro e o marco regularizador para o
passivo instalado, garantindo direito a usos e atividades não conformes que compro-
vassem anterioridade àquela data.

Em 1979 foi criada a SERLA – Supervisão Especial de Regularização de Loteamentos e


Arruamentos, a im de liquidar a demanda de regularização fundiária acumulada até então,
em caráter “ex oficio”, isto é, promovida pelo Poder Público. Enquanto eram procurados
e julgados criminalmente os loteadores, sem o êxito esperado, o ônus dos investimentos
urbanísticos acabou sendo socializado com todos os contribuintes (cf. op. cit., p. 494).

Sobre o esteio do plano diretor de 1971, a cidade expandiu-se até o atual plano di-
retor (lei municipal n. 13.430 de 13 de setembro de 2002), perpetuando, contudo, a
recorrência sistemática de anistias edilícias e fundiárias, a saber, pelas leis munici-
pais n. 10.199 de 3 de dezembro de 1986, lei n. 11.522 de 3 de maio de 1994 (edilí-
cia), lei n. 11.775 de 29 de maio de 1995 (fundiária), lei n. 13.428 de 10 de setembro
de 2002 (fundiária), lei n. 13.558 de 14 de abril de 2003 (edilícia), as duas últimas
acompanhando o plano diretor vigente.

A propósito, para as anistias de 1994 e 2003, o Ministério Público impetrou ação civil
pública contra as irregularidades de parcelamento do solo e aos casos de não confor-
midade às zonas de uso, sinalizando que, dali em diante, as anistias já não poderiam
ser amplas, gerais e irrestritas como as ocorridas no passado.

Até então, a prática de regularização contemplava a propriedade urbana, mas o Es-


tatuto da Cidade, complementado pela Medida Provisória nº 2.220 de 4 de setembro

162
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°08

de 2001, introduziu a desafetação de áreas de uso comum do povo para a concessão


de uso especial para ins de moradia, em outras palavras, para regularizar a posse
e reurbanizar favelas, o que se tornou a política nacional de habitação de interesse
social para as regiões metropolitanas.

3. POR TRÁS DA “URBANIZAÇÃO DESORDENADA”

Há um mito que restringe a urbanização desordenada à falta de planejamento, toda-


via, em que pese a ausência de um plano fundador a exemplo de Brasília, à cidade de
São Paulo nunca faltaram planos e leis, haja vista a amostra retro mencionada. Dois
fatores superaram a falta de planejamento: a falta de política habitacional e a falta de
iscalização, e ambos estão fortemente correlacionados (KEPPKE, 2007).

Habitação, ou a falta dela foi a lacuna crucial do fenômeno exponencial da urbanização


paulistana nos primeiros três quartos do século XX, que se deu com a industrialização.
A lei do inquilinato, o Sistema Financeiro da Habitação e os conjuntos habitacionais de
massa foram políticas escassas no tempo, na satisfação da demanda, e foram fartos
em efeitos perversos e impotência para dar conta dos segmentos excluídos (BONDUKI,
1998; SAMPAIO, 2002). Segundo Keppke (op. cit.), na impossibilidade de oferecer pro-
visão direta, o poder público tratou de facilitar a aquisição de terrenos e a autoconstru-
ção da casa própria, estabelecendo uma legislação pautada em parâmetros urbanísti-
cos mínimos: lotes mínimos, recuos mínimos, dimensões mínimas de compartimentos.

Ao longo do tempo, na tentativa de promover o acesso à propriedade urbana, estes


mínimos foram se tornando cada vez menores. A título de exemplo, 300 m2 era a área
do lote mínimo instituído pela lei municipal n. 2.611 de 20 de junho de 1923. Com o
advento da lei federal de parcelamento do solo (lei n. 6.766 de 19 de dezembro de
1979), São Paulo adotou como regra o “meio lote” de 125 m2 (lei municipal n. 9.413
de 30 de dezembro de 1981). Lotes ainda menores tornaram-se possíveis, tais como
as residências geminadas com terreno de 68 m2 (lei municipal n. 8.266 de 20 de junho
de 1975) e as vilas residenciais, onde se admite a fração de 62,5 m2 (lei municipal
n. 11.605 de 12 de julho de 1994), portanto equivalente a um quarto do lote mínimo
federal (KEPPKE E SILVA, 2012 ).

Mínimas também eram as contrapartidas de infraestrutura exigidas pelos loteadores,


a im de que não onerassem custos para os adquirentes (lei federal n. 6.766 de 19 de

163
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°08 Junho de 2013

dezembro de 1979). Contudo, o preço do solo urbano não se tornou acessível, nem
mesmo na periferia. Aos excluídos restou ocupar ilegalmente as áreas públicas do sis-
tema de áreas verdes e áreas institucionais dos loteamentos, sob as “vistas grossas”
do poder público.

Certamente os ganhos fundiários propiciados pela legislação minimalista foram captu-


rados nas transações imobiliárias. Abrindo parêntesis, segundo a Economia Clássica,
o comportamento especulativo do “homo economicus” é inerente à lei da oferta e da
demanda, e independe de estrato social, inclusive pode ser observado nas transações
informais realizadas em favelas e loteamentos clandestinos (KEPPKE, 2007, p. 46).

Fiscalização, ou a falta dela foi a questão central da proliferação das irregularidades. Se-
gundo Keppke (op. cit.), Keppke e Silva (2012), a omissão iscal foi um fenômeno cres-
cente no tempo (gráico 1) e no espaço, disseminada em todo território paulistano, porém
tanto maior nos distritos e subprefeituras caracterizadas pela exclusão social (mapa 1).

Gráico 1 – Multas cadastradas. Fonte: PRODAM/ CUBOS/SIMPROC/FISC, 2011

O Gráico 1 é resultante do cadastro de multas por infrações de parcelamento, uso


e ocupação do solo ao longo dos anos, a partir da informatização dos processos is-
calizatórios, em 1983. Nota-se que a produção iscal teve picos, em determinados
momentos, para depois cair numa curva descendente que se mantém há sucessivas

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gestões. Tal apatia é uma evidência de que a Fiscalização não é pauta prioritária na
agenda pública (KINGDON, 1994), pelo contrário, sua impopularidade e vulnerabi-
lidade a distorções e corrupção tornaram-na objeto de ordens de serviço pontuais
ou temáticas vinculadas às demandas do Ministério Público, da Ouvidoria Geral, do
Sistema de Atendimento ao Cidadão e da alta direção, esta última pressionada pela
mídia e pela sociedade organizada (KEPPKE, 2007).

Mapa 1 – Indicador Geral de Controle de Uso e Ocupação do Solo. Fonte: KEPPKE, 2007, p. 194

165
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°08 Junho de 2013

O Mapa 1 resultou de análise multivariada que regionalizou as informações da oferta,


da demanda e das condições de contorno no controle de parcelamento, uso e ocupa-
ção do solo. Formulou-se a partir do Peril Socioambiental do município (São Paulo/
Cidade, 2002), agregando dados do Sistema de Atendimento ao Cidadão – SAC, Ou-
vidoria Geral, Sistema Municipal de Processos – SIMPROC e Secretaria de Coorde-
nação das Subprefeituras, entre outras fontes principais (KEPPKE, 2007, p. 181).

O Mapa 1 aponta que o controle é mais frágil na franja periférica, justamente onde a
presença do poder público é menor e as vulnerabilidades socioambientais são maio-
res. Atualmente, os territórios de exclusão correspondem a 48% da área do município
e as respectivas subprefeituras detêm somente 19% dos técnicos municipais (PEREI-
RA, 2010). Nas entrevistas fechadas aplicadas aos técnicos municipais, 74% concor-
daram que “se faz pouca ação iscal nos territórios de exclusão, apenas nos casos de
denúncia” (KEPPKE, 2007, p. 316).

Portanto, não por acaso, os territórios relegados à política habitacional da autocons-


trução e à omissão da Fiscalização, são atualmente o objeto central da política de
regularização fundiária do Estatuto da Cidade, ora mapeados como Zonas Especiais
de Interesse Social

De outra parte, conirmando a lógica da “teoria da janela quebrada” (WILSON,


KELLING, 1982), as irregularidades edilícias de uso e ocupação do solo acumularam-
se não apenas nos territórios de exclusão, mas se banalizaram também nos territórios
de inclusão social, encorajando uma “estranha aliança” que periodicamente pressiona
por anistia junto ao Poder Executivo e ao Parlamento (CAMPOS F., 2003). No mo-
mento, as expectativas crescem após quase dez anos da última anistia e em face do
precedente legal para o licenciamento condicionado de caráter provisório.

4. POR UMA PRÁTICA DE REGULARIZAÇÃO COM “RESPONSABILIDADE


SOCIOAMBIENTAL”

A falta de Fiscalização permitiu ocorrer a “tragédia dos comuns” (HARDIN, 1968):


cada “puxadinho”, cada abuso construtivo satisfez uma necessidade individual de mo-
radia ou um comportamento “rent seeking” dos “players” do mercado e o resultado
agregado foi a deterioração urbano-ambiental da cidade como um todo, onde cada
cidadão perde qualidade de vida.

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Longos deslocamentos, congestionamentos diários, inundações sazonais, assen-


tamentos precários por vezes somados a riscos geológicos incorporam-se ao estilo
de vida do paulistano e aos prejuízos para a economia e a saúde pública sem que
estado e sociedade reconheçam seu comportamento deletério de parcelamento,
uso e ocupação do solo.

Segundo Kotler e Roberto (1992), a mudança do comportamento coletivo requer in-


centivos positivos e negativos. A possibilidade de regularização pode acenar como
uma prática inevitável em face da proporção tomada pelas irregularidades, mas pode
conduzir estado e sociedade para um novo pacto urbano-ambiental, caso o infrator
pague o ônus pelos impactos causados.

De acordo com a teoria da regulação, o benefício do descumprimento de um contrato


não pode ser maior do que o benefício do cumprimento (VISCUSI ET. AL, 1995, p. 727),
do contrário, não haveria motivação para honrá-lo. A impunidade das infrações foi o an-
tiexemplo das anistias anteriores e a razão da banalização das irregularidades.

Assim sendo, modelos para uma anistia com responsabilidade socioambiental deveriam:

I. Não anistiar as multas por irregularidades.

II. Identiicar, responsabilizar, internalizar e onerar o impacto das infra-


ções de parcelamento, uso e ocupação do solo contra o ambiente
urbano-ambiental. A oneração deveria ter caráter progressivo, consi-
derando as desigualdades sociais.

III. Atrelar o investimento dos recursos inanceiros oriundos da anistia


em obras e serviços públicos de reparação de danos, mitigação ou
compensação de impactos urbano-ambientais.

Um primeiro ato administrativo de responsabilidade iscal, em conformidade à lei com-


plementar n.101 de 4 de maio de 2000, seria não anistiar nem abrandar as multas
devidas pelas irregularidades. Para evitar a inadimplência, os valores poderiam sofrer
descontos, parcelamentos ou agregação ao IPTU1, mas jamais anistiados. Desafortu-

1
Imposto predial e territorial urbano

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nadamente, porém, a lei vigente diminuiu drasticamente o valor das sanções pecuni-
árias em relação à legislação anterior. Além disso, ainda há casos omissos de regula-
mentação iscalizatória, por exemplo, para os usos residenciais e as incomodidades
urbanas (odor, vibração, carga e descarga, emissão de radiação).

Um segundo ato de responsabilidade iscal e social seria cobrar pelo impacto urba-
no-ambiental gerado. Em sendo possível associar os impactos aos seus agentes
causadores, seria cabível tomar emprestado o princípio do poluidor pagador (BEN-
JAMIN, 1993). Infrações relevantes tais como impermeabilização excessiva do solo,
prejuízo à iluminação e ventilação natural própria e dos vizinhos são causados por
excessos construtivos que poderiam ser individualmente mensurados e internaliza-
dos aos seus responsáveis.

Mas, na ausência de simuladores precisos ou, em nome da simpliicação, aos exces-


sos construtivos poderia ser aplicado o instrumento da outorga onerosa do direito de
construir. Esta seria uma nova aplicação para o instrumento urbanístico, no caso, para
ins de regularização edilícia, para efeito de compensação urbanístico-ambiental. Em
caráter ilustrativo, segue abaixo uma sugestão que aplica a mesma fórmula já utiliza-
da pelo Plano Diretor Estratégico (lei municipal 13.430 de 13 de setembro de 2002,
complementada pela lei 13.885 de 25 de agosto de 2004):

Ore = Fs [(Ecc x Vvc) + (Ect x Vvt)]


Onde:
Ore: outorga onerosa para ins de regularização edilícia
Fs: Fator de dedução para ins de equidade social conforme estabelecido por
distrito na lei municipal 13.885 de 25 de agosto de 2004; seu valor varia de
0 a 1; deduções totais (Fs = 0) seriam admissíveis nas Zonas Especiais de
Interesse Social – ZEIS
Ecc: área correspondente aos excessos construtivos computáveis, de acordo
com o coeiciente de aproveitamento básico da zona de uso.
Vvc: valor venal correspondente ao m2 construído, conforme a Planta Genérica
de Valores.
Ect: área correspondente aos excessos de projeção edilícia, em relação à taxa
de ocupação da zona de uso.
Vvc: valor venal correspondente ao m2 do terreno, conforme a Planta Genérica
de Valores.

168
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°08

Finalmente, para efetivar a responsabilidade socioambiental, os recursos extraorça-


mentários captados com a outorga onerosa para ins de regularização edilícia deve-
riam ser atrelados ao Plano Diretor e aos Planos Regionais Estratégicos, priorizando
as ações reparadoras, mitigatórias e compensações urbanístico-ambientais. Especial
atenção teriam a drenagem, a recuperação do sistema de áreas verdes e a recompo-
sição do estoque fundiário público necessário à política urbana e à reorientação da
cidade aos princípios da sustentabilidade.

O expediente da compensação urbanística, sanitária e ambiental já vem sendo aplica-


do para ins de regularização dos assentamentos nas Áreas de Proteção e Recupera-
ção dos Mananciais da Região Metropolitana de São Paulo (SÃO PAULO, ESTADO,
2006, 2009; SILVA, 2002), semeando uma nova cultura legislativa de responsabilida-
de socioambiental que pode ser aproveitada no previsível evento de anistia da cidade
de São Paulo. Neste sentido, a sociedade encontra-se pressionada a ser sensibiliza-
da pelo caos – caos do trânsito, caos das inundações, e pode aderir a pactos urbano-
ambientais mais ousados e “verdes”, de responsabilidade compartilhada entre o ente
público e o ente privado.

169
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°08 Junho de 2013

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171
ARTIGO Nº9

PARQUES URBANOS NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – SP (BRASIL):


ESPACIALIZAÇÃO E DEMANDA SOCIAL.
URBAN PARkS AT SãO PAULO, BRAZIL: SPATIALIZATION
AND SOCIAL DEMAND
Giorgia Limnios | Sueli Ângelo Furlan
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09

PARQUES URBANOS NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – SP (BRASIL):


ESPACIALIZAÇÃO E DEMANDA SOCIAL.

Msc. Giorgia Limnios*


Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Geograia Física da Faculdade de Filosoia,
Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo/USP - Brasil. E-mail: [email protected]

Dra. Sueli Ângelo Furlan**


**Professora do Departamento de Geograia da Faculdade de Filosoia, Letras e Ciências Humanas – Uni-
versidade de São Paulo/USP - Brasil. E-mail: [email protected]

RESUMO

O parque urbano é um produto da cidade da era industrial. Nasceu a partir do século XIX,
da necessidade de dotar as cidades de espaços adequados para atender a uma nova
demanda social: o lazer, o tempo do ócio e para contrapor-se ao ambiente urbano ediica-
do (MACEDO, 2003). O município de São Paulo possui parques em todos os setores da
cidade e para entender se existe proporcionalidade desses espaços com os outros tipos
de uso da terra, deiniu-se o limite municipal como área de estudo. Os parques urbanos
municipais e estaduais existentes foram classiicados segundo as seguintes categorias
de espaços livres: parques de vizinhança, parques de bairro, parques setoriais e parques
regionais, conforme o dimensionamento das unidades e raio de atendimento à população
(CAVALHEIRO, 1992; KLIASS, 1993).

Palavras-chave: parque urbano, demanda social, área de inluência, ordenamento terri-


torial, planejamento ambiental.

URBAN PARKS IN THE CITY OF SÃO PAULO – SP (BRAZIL): SPATIALIZATION


AND SOCIAL DEMAND.

ABSTRACT

The urban park has its origin in the cities during the industrial era. It started in the 19th
century, due to the need to provide cities with adequate spaces to satisfy a new social
demand: leisure, idle time and to counteract the urban built environment (Macedo, 2003).
There are parks in all regions of the city in São Paulo and to understand if there is propor-

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09 Junho de 2013

tionality of these spaces with other types of land use, it was deined the municipal bounda-
ry as the area to be analyzed. The existing urban municipal and state parks were classiied
according to the following categories of open spaces: neighborhood parks, district parks,
sector parks and regional parks, according to the size of the units and the serving radius
to the population (CAVALHEIRO, 1992; kliass, 1993).

Keywords: urban park; social demand; area of inluence; territorial planning; environmen-
tal planning.

O potencial paisagístico da cidade de São Paulo, caracterizado por sua estrutura física,
correspondente às colinas e várzeas, densa rede hidrográica e cobertura vegetal lorestal
e campestre foram elementos pouquíssimos considerados no desenvolvimento urbano
quando a questão se refere à criação de parques. O rápido crescimento da área urbana
de São Paulo, notadamente a partir do início do século XX, não foi acompanhado por um
plano de áreas verdes que atendesse à demanda social por espaços de recreação, lazer
e descanso, além das funções culturais, ambientais e sociais intrínsecas das áreas ver-
des urbanas. “A cidade se expandiu transformando signiicativamente as características
geoecológicas do seu sitio urbano e, vários estudos sobre a expansão urbana demons-
tram o espalhamento da cidade por todos os tipos de terrenos (FURLAN, 2004).

Poucos são os parques urbanos de São Paulo que foram criados a partir das potencialida-
des naturais da cidade. A cobertura vegetal existente nas colinas paulistanas, no divisor de
águas entre os vales dos rios Tietê e Pinheiros, hoje muito bem marcado pelo eixo viário da
avenida Paulista, foi o elemento natural considerado na criação do atual Parque Tenente Si-
queira Campos (1892). Nessa região de São Paulo “Araucárias, isoladas ou em bosquetes,
emergiam acima do dossel das matas tropicais atlânticas de Planalto”.(Ab’ SABER, 2004).

Quando os viajantes naturalistas e botânicos estudaram a cidade de São Paulo, em suas


expedições cientíicas no século XIX, estes encontraram uma paisagem muito diferente da
atual. Na passagem pela cidade e seus arredores observaram que esta estava estruturada
espacialmente nas colinas e várzeas das duas bacias hidrográicas principais: os rios Tietê
e Pinheiros. Usteri (1911) esboçou um dos poucos mapas dessa distribuição (Figura 1). A
cobertura vegetal que circundava a mancha urbana era formada por um mosaico caracteri-
zado pelo encontro de loras da Floresta Tropical Pluvial Atlântica, Cerrados e Campos. Nos
relatos da viagem feita pelos naturalistas Spix & Von Martius à essa cidade, eles assinala-
ram que ... “São lindas as cercanias de São Paulo, embora de aspecto mais terrestre do que
as do Rio de Janeiro. A ausência do espetáculo grandioso do mar e das montanhas maciças

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09

ica compensada pelo panorama do extenso território que oferece toda a variedade possí-
vel de campinas verdejantes e frondosas matas, colinas alternantes com bonitos vales”.
Outro importante naturalista que muito escreveu sobre São Paulo foi o botânico Auguste de
Saint- Hilaire. Em viagem pela província de São Paulo no início do século XIX, por volta de
1816, vindo do Rio de Janeiro ele descreve as formações itogeogáicas dessa região. As-
sim como outros pesquisadores do assunto, Saint-Hilaire observou que a cobertura vegetal
se caracterizava como um mosaico de duas cores verdes bem recortadas onde o tom
mais suave se espalhava pela planície coberta por campos e o tom mais forte das matas
estava distribuído em pontos próximos uns dos outros localizados nas colinas. Havia tantos
fragmentos de matas quanto áreas cobertas por campos e para esse pesquisador era difícil
determinar qual formação predominava nos arredores de São Paulo (LIMNIOS, 2006).

Desconsiderando seus importantes suportes naturais a cidade foi se estruturando a partir


de tecnologias cada vez mais soisticadas para verticalizar, adensar, implantar sistema
viário complexo, aterrando e drenando áreas úmidas, mudando cursos dos rios, canali-
zando e retiicando meandros, drenando e rebaixando lençol freático, removendo a ve-
getação nativa, eliminando o solo, desmontando o relevo, entre outros (FURLAN, 2004).
Diante das grandes mudanças ocorridas no uso da terra, poucas áreas com característi-
cas naturais relevantes para a conservação e uso social.

Figura 1 – Mapa da Flora Paulistana (1911). Autor: Alfred Usteri.


Georreferenciado e organizado por Giorgia Limnios, 2006.
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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09 Junho de 2013

Os rios e suas várzeas e alagadiços eram muitos utilizados como vias de deslocamento,
assim como o lazer da população e prática de esportes. A coniguração morfológica de
São Paulo e seu clima favoreceu a existência desse recurso natural, que era muito abun-
dante, conforme fora mapeado nas antigas plantas da cidade (Figura 2). Foi nesse cenário
que se implantou a Ilha dos Amores, entre a atual rua 25 de março e o Rio Tamanduateí,
em meados na segunda metade do século XIX, na tentativa de sanear e dar uso de parque
urbano a esse setor da cidade. Porém, mesmo antes das obras de retiicação e canaliza-
ção do rio até sua foz, a ilha luvial foi abandonada por volta de 1888. Após essa tentativa
frustrada de destinação da várzea, que já apresentava alguns problemas ambientais, prin-
cipalmente pela poluição das águas e, sociais, como as enchentes, tem-se novos esfor-
ços na gestão de Raimundo Duprat, quando o prefeito convidou o engenheiro-paisagista
francês Joseph Antoine Bouvard a avaliar os planos de melhoramentos urbanos e viários
elaborados para a cidade. Entre as recomendações do engenheiro estava a criação de
um grande parque na Várzea do Carmo e em relatório datado de 15/05/1911 descreve:
“Finalmente no que respeita ao augmento da cidade, ao desenvolvimento inevitável, certo
e rápido, já indiquei o systema que considero o melhor, direi quase o único aceitável no es-
tado actual de coisas. Em todas essas disposições cumpre não esquecer a conservação e
criação de espaços livres, de centros de vegetação, de reservatórios de ar. Mais a popu-
lação augmentará, maior será a densidade de agglomeração, mais crescerá o numero de
construcções, mais alto subirão os edifícios, maior se imporá a urgência de espaços livres,
de praças públicas, de squares, de jardins, de parques, se impõe....”(apud KLIASS, 1993).

Figura 2 e 3 – Da esquerda para a direita: Mapa da Capital da Província de São Paulo, 1877. Planta da
Capital do Estado de São Paulo, 1890.

176
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09

As obras de implantação do parque tiveram início no ano de 1918 e foram con-


cluídas no inal de 1920/início de 1921 sendo a denominação oicial do parque
como Dom Pedro II. Porém, todos os esforços de aproveitamento desse espaço,
de difícil ocupação humana, resultaram na efemeridade da existência do parque,
substituída no período das políticas rodoviaristas por largas avenidas e complexo
sistema viário na década de 1960, conforme estava previsto no Plano de Avenidas
de 1938.

Atualmente, existe no município de São Paulo somente 1 parque urbano, de ad-


ministração do Estado, que conserva essa tipologia de ambiente (várzea). Alguns
parques lineares vem sendo implantados com função estabilizadora das inundações
e também de lazer. Na região sul do município recentemente a prefeitura vem inves-
tindo na criação de Unidades de Conservação para preservação das várzeas com
Mata Paludosa, uma itoisionomia hoje rara no município.

O parque urbano é um produto da cidade da era industrial. Nasceu a partir do sé-


culo XIX, da necessidade de dotar as cidades de espaços adequados para atender
a uma nova demanda social: o lazer, o tempo do ócio e para contrapor-se ao am-
biente urbano ediicado (MACEDO, 2003). O parque urbano brasileiro, ao contrário
do seu congênere europeu, não surge da urgência social de atender às necessida-
des das massas urbanas da metrópole do século XIX. Nesse século, o Brasil não
tinha uma rede urbana expressiva, e nenhuma cidade, inclusive a capital, o Rio de
Janeiro, tinha o porte de qualquer grande cidade europeia da época, sobretudo no
que diz respeito a população e área. O parque urbano é então criado, como uma
igura complementar ao cenário das elites emergentes, que controlavam a nova
nação urbana em formação e que procuravam construir uma iguração urbana
compatível com a de seus interlocutores internacionais, especialmente ingleses e
franceses. Os jardins botânicos, concebidos inicialmente como centros de pesqui-
sa da lora tropical, foram instalados nas principais aglomerações urbanas a partir
do inal do século XIX, à margem do núcleo central. Sua criação foi o resultado de
um aviso régio de 17 de novembro de 1798, que, juntamente com a Carta Regia
de 1796, estabeleceu uma política de criação de uma série de estabelecimentos
botânicos na colônia, a im de proporcionar as bases de um intercâmbio de plantas
úteis à economia portuguesa. Uma parte deles desapareceu no decorrer do século
XIX e, à medida que diminuiu o interesse pela pesquisa, outros assumiram uma
função mista de parque urbano e de pesquisa, enquanto outros se transformaram
totalmente em parques (MACEDO, 2003).

177
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09 Junho de 2013

O Jardim Botânico de São Paulo, por exemplo, transforma-se, não muitos anos após
sua inauguração, em parque público (1825), e no decorrer do século é totalmente
adaptado a essa função, tornando-se ponto de encontro dos barões de café e seus
associados. Posteriormente denominado Jardim da Luz, constituiu um parque urbano
de alta qualidade projetual, estruturado em grandes eixos clássicos e com vegetação
composta por espécies temperadas européias (MACEDO, 2003).

Podemos classiicar o surgimento dos parques urbanos em três movimentos. O pri-


meiro deles, concentrado entre o inal do século XIX e início do século XX, foi marcado
pelo incremento da economia cafeeira e pela transformação do antigo burgo na gran-
de cidade que é São Paulo. Naquele momento, os parques, de inspiração largamente
francesa, eram criados como locais de cultura, pontos de encontro para a sociedade
paulistana. Neste movimento, surgiram parques como Jardim da Luz, Praça Buenos
Aires e Tenente Siqueira Campos (antigo Trianon), sendo o Ibirapuera o último grande
parque criado dentro desta perspectiva (ISA, 2008).

Um segundo movimento, detectado quando a cidade já alterara signiicativamente sua


isionomia e transformara-se, de fato, numa metrópole, coloca a criação de parques a
partir de remanescentes de grandes fazendas, chácaras e propriedades da elite pau-
listana, caso de parques como Carmo e Piqueri (ISA, 2008)..

Por im, o movimento atual traz a real necessidade de proporcionar a criação de novas
áreas, em especial nas periferias da cidade, onde ela continua a crescer a altas taxas
demográicas. É neste ponto que detectamos o surgimento de parques muitas vezes
pequenos em extensão, no entanto profundamente necessários para proporcionar
melhor qualidade de vida aos paulistanos. Esta realidade vem desde a década de
1970 e se estende aos dias de hoje, quando há um grande esforço das políticas pú-
blicas em ampliar o número de parques na cidade. Momento em que o poder público
municipal investe na criação, inclusive, dos chamados Parques Lineares, buscando
ao mesmo tempo ampliar a área verde municipal, melhorar a qualidade de vida da po-
pulação e evitar problemas com o escoamento da água em época de chuvas e conter
o risco socioambiental da ocupação das margens de córregos urbanos (ISA, 2008).

Recuperar fundos de vales dos rios e córregos da cidade por meio da implantação
de áreas de lazer, saneamento e limpeza dos rios. Este é o objetivo primeiro dos
chamados Parques Lineares. Sua implantação, determinada pelo Plano Diretor da
Cidade (2004), propiciará a conservação das Áreas de Proteção Permanente (APPs)

178
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09

instituídas pelo Novo Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012 ) que margeiam
os cursos d’água e minimizará os efeitos negativos das enchentes que assolam São
Paulo (ISA, 2008).

BANDEIRA DA QUALIDADE DE VIDA: O PROGRAMA 100 PARQUES

Não é novidade a airmação de que a expansão da periferia urbana é um indicador


do aluxo de pessoas de mais baixa renda em loteamentos irregulares sem infraestru-
turas, reforçando o ciclo vicioso da pobreza. Essas ocupações estão em locais onde
se localizavam originalmente chácaras e sítios, especialmente nos contrafortes face
sul da Cantareira e na região das represas ao sul da cidade de São Paulo na região
conhecida como Parelheiros , e atingem áreas de mananciais (MELLO-THÉRY, 2011).

O programa 100 parques é uma política que priorizou essencialmente o potencial pai-
sagístico e isto foi uma inovação na visão das funções ecológicas, de lazer e estética
das áreas verdes no município de São Paulo. No entanto, quais são as atribuições e
os atributos de um parque urbano? Os principais elementos para um parque urbano
são a sua geograia física, a sua função urbana e o relacionamento com seu entorno,
segundo Kliass (1993). Atualmente essa visão de contexto deve ter como referencia
estudos urbanísticos, paisagísticos e da ecologia de paisagens. Um tripé novo no pla-
nejamento da criação de parques e unidades de conservação urbanas.

METODOLOGIA DO ESTUDO

Para entender se existe proporcionalidade desses espaços com os outros tipos de


uso da terra, deiniu-se o município de São Paulo como área de estudo e os parques
urbanos municipais e estaduais existentes foram classiicados segundo as seguin-
tes categorias de espaços livres: parques de vizinhança, parques de bairro, parques
setoriais e parques regionais, conforme o dimensionamento das unidades e raio de
atendimento à população (CAVALHEIRO, 1992; KLIASS, 1993). Para os parques de
vizinhança foram sugeridos área mínima de 5000 m2 e raio de inluência correspon-
dente a 1000 metros de distância; os parques de bairro devem possuir área mínima
de 10 ha e raio de inluência de 1000 metros ou 10 minutos a pé, os parques setoriais
devem possuir área mínima de 100 ha e estar distante 1200 metros da residência ou
no máximo 30 minutos/veículo e os parques regionais devem possuir 200 ha e corpos

179
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09 Junho de 2013

d’ água e estar localizados em qualquer parte da cidade. Esses valores devem ser en-
tendidos como indicativos à capacidade de suporte para visitação dos espaços rela-
cionados, o quanto de equipamentos podem conter e a maximização de sua manuten-
ção (CAVALHEIRO, 1992). Com o auxílio de ferramentas de Sistemas de Informações
Geográicas, por meio do software ArcGIS 9.3, foi possível estabelecer as áreas de
inluência dos parques existentes e veriicar a necessidade de implantação de novos
espaços livres destinados ao uso de uma parcela da população não atendida; a partir
de dados demográicos dos 96 distritos existentes no município de São Paulo elabo-
rado pelo Instituto Brasileiro de Geograia e Estatística no ano de 2000. O uso dessa
ferramenta também possibilitou visualizar essas informações em todos os setores da
urbe e planejar os espaços com maior eiciência.

RESULTADOS E CONCLUSÕES

O município de São Paulo (capital do Estado de mesmo nome) apresenta uma área de
1523 km2. Desses, aproximadamente 870 km corresponde à área urbanizada, onde
vivem cerca de 65% da população, estimada atualmente em cerca de 10.659.386
habitantes (IBGE, 2010) .

Muitos dos problemas socioambientais que ocorrem na cidade da atualidade demons-


tram que a cidade cresceu acima de suas condições de absorver impactos decor-
rentes de sua estruturação urbana (FURLAN, 2004). E o processo construtivo sem
reservas de espaços livres como reserva fundiária para a criação de parques urbanos
é relexo disto.

As análises espaciais elaboradas neste estudo demonstram que o uso da cobertura


vegetal como suporte ao planejamento ambiental urbano vem sendo pouco utilizado
e seriam de enorme valia na busca de maior eiciência nas funções previstas para
parques urbanos.

Estudos realizados no início da década de 1990, pela Secretaria Municipal de Plane-


jamento – SEMPLA indicaram um total de 31,3 km de áreas destinadas ao estabele-
cimento de áreas verdes, entretanto cerca de 10,6 km eram efetivamente ocupados
por praças, canteiros, etc. Do restante, 5 Km encontram-se vazios e 15,7 km foram
ocupados por outros usos, sendo 10 km por favelas (Atlas ambiental do município de
São Paulo, 2002).

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09

Para análise a área de inluência dos parques urbanos municipais e sua relação
com os remanescentes da cobertura vegetal foram gerados três produtos carto-
gráicos representando:

1. Área de inluência dos parques urbanos e densidade demográica por


distritos no Município de São Paulo (Mapa 1)

2. Área de inluência dos parques urbanos e cobertura vegetal do municí-


pio de São Paulo (Mapa 2)

3. Mapa de propostas para o planejamento de parques urbanos conside-


rando sua área de inluência. (Mapa 3)

Considerando a setorização da cidade e o Mapa 1 observamos que a área central da


cidade, mais densamente povoada é a que possui a maioria das tipologias de par-
ques em número, mas não em área. Nesta não foram implantados grandes parques
regionais (com 200ha de extensão). De modo geral, a maioria dos parques urba-
nos, em qualquer tipologia analisada, estão concentrados nas regiões central, oeste
e leste, apesar de alguns distritos muito populosos da Zona Leste como Itaquera,
Arthur Alvim, São Miguel Paulista não possuírem nenhuma modalidade dos parques
analisados. Na região central com melhor infraestrutura de acessos por transporte
público predominam parques de vizinhança. Chama a atenção a Zona Sul com total
ausência de parques para qualquer tipologia, com apenas um parque de vizinhança.
É uma área com grandes fragmentos da vegetação original e que apesar de extensa
tem uma ocupação urbana fragmentada e carente de vários serviços públicos, dentre
estes particularmente espaços livres para lazer.

O gráico 1 apresenta o per-


centual das tipologias do par-
ques urbanos existentes e
abertos ao público, sendo 80
de administração municipal e
06 de administração estadual,
assim distribuídos: 54 parques
de vizinhança, 27 parques de
bairro, 3 parques setoriais e 2
parques regionais, totalizando Gráico 1 – Percentual da tipologias de parques urbanos no mu-
86 unidades. nicípio de São Paulo. Fonte: SVMA. Org. Giorgia Limnios, 2013.

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09 Junho de 2013

Mapa 1 – Áreas de inluência dos parques urbanos e densidade demográica por distritos no muni-
cípio de São Paulo

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09

Atualmente tem havido diversos esforços por parte do poder público municipal
para implementação de um sistema signiicativo de parques e jardins. No ano de
2005 a cidade possuía 34 parques municipais totalizando 15 milhões de m² de
áreas protegidas municipais. Em 2009 esses números subiram para um total de 60
parques e uma soma de áreas correspondente a 24 milhões de m², e a meta para
2012 era atingir 100 parques somando uma área corresponde a 50 milhões de m²
(Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, Programa 100 Parques, 2012). Meta
não atingida conforme dados oiciais.

Mas qual a importância da distribuição espacial e da tipologia de parques no ambiente


urbano? Observando os dados da tabela 1 e do gráico 1 é possível perceber que em
muitas regiões apesar do grande número áreas verdes, a área total ainda é baixa se
comparada às zonas Norte e Sul.

Tabela 1 – Número e área (ha) das áreas protegidas públicas do município de São
Paulo, divididos por zonas (fonte: SVMA, org. por Lara C. C. Costa, 2012).

Res.
Zona Pqs. Urbanos APAS UCs Estaduais Área (ha)
Ecológicas

Norte 16 0 0 3 5.893,5

Sul 21 2 6 2 48.502,9

Centro 3 0 0 0 26,4

Leste 25 1 2 1 4.922,8

Oeste 21 1 1 0 134,3

Total 86 4 9 6 63.189,3

Há que se considerar ainda os dados da densidade demográica. No mapa 1 temos


a região sul do município com baixa densidade populacional. Vemos que a maioria
dos parques está situada nas áreas de maior densidade demográica. No entanto a
Zona Leste é uma das maiores da cidade, e possui também uma das maiores concen-
trações populacionais, e o número e tipologia de parques é bem menor do que nos
setores central, oeste e sul.

183
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09 Junho de 2013

Segundo dados da Fundação Seade do ano de 2004, a Zona Leste é a região que apre-
senta mais bairros atingindo a máxima densidade demográica superior a 15.000 hab/km².
A única área da zona leste que apresenta os menores dados de densidade demográica,
de até 4.500 hab/km², corresponde à área de Reserva Ecológica da Fazenda do Carmo,
a maior área de proteção da região.

Já nas regiões norte e sul, além de um número elevado de áreas verdes, apresentam um
total em área superior às demais regiões do município, devido à presença dos grandes
contínuos lorestais da Serra da Cantareira na Zona Norte, e da Serra do Mar na Zona Sul.

A Zona Sul possui seis reservas ecológicas e duas áreas de proteção ambiental, as maio-
res do município, Capivivari-Monos com 25.100 ha e Bororé-Colônia com 9.000 ha. É
também a região que apresenta as menores taxas de densidade demográica, tendo pou-
cos distritos que apresentam densidade demográica superior a 15.000 hab/km², enquan-
to os demais distritos apresentam uma média de 8.000 hab/km². Nesta região a tipologia
e área de inluência dos parques urbanos é menor.

A Zona Norte não apresenta um número alto em relação à quantidade de unidades, porém
em relação á área é uma das maiores do município. Quanto à densidade demográica a
região não apresenta nenhum distrito com população superior a 15 mil hab/km², icando
na media entre 8.000 e 11.000 hab/km².

Em relação à zona oeste, se comparada as demais zonas da cidade, esta apresenta uma bai-
xa concentração tanto em relação a quantidade de unidades quanto em área total, mas apre-
senta também menores dados de densidade demográica, icando na média de 8.000 hab/km².

Já a área central da cidade por apresentar a urbanização mais consolidada, tem uma
carência grande de áreas verdes, apresentando apenas três parques de áreas relativa-
mente pequenas. Em relação a sua densidade demográica apresenta áreas mais densa-
mente povoadas com população superior a 15.000 hab/km², mas também áreas menos
densamente ocupadas icando na média de 11.000 hab/km².

A partir desses dados é possível observar que a maior concentração de parques, APAs, e
Reservas Ecológicas estão concentradas na zona sul do município, apresentando assim
consequentemente a maior cobertura vegetal, enquanto em regiões como o centro e a
zona leste apresentam as menores porcentagens de áreas protegidas e parques urbanos

No mapa 2 procurou-se esboçar a distribuição da tipologia de parques urbanos numa


base com os remanescentes da cobertura vegetal. As itosonomias campestres do muni-
cípio são minimamente representadas nos Parques Urbanos. Há uma mentalidade institu-
cional que parques e jardins devem conter itoisomias arbóreas e ou ainda uma paisagis-

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09

mo baseado em plantas exóticas. Podemos dizer que alguns parques de bairro na zona
oeste, leste e norte do município representam a dimensão ecológica dos parques urbanos
conservando em seu perímetro fragmentos remanescentes da Mata Atlântica

Mapa 2 – Áreas de inluência dos parques urbanos e cobertura vegetal do município de São Paulo

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Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09 Junho de 2013

Há muito que caminhar na visão dos planejadores quanto a deinir as dimensões ecológi-
cas também aos parques urbanos, compatibilizando o uso social com funções ecológicas
dos parques, particularmente nos parques regionais, de bairro e setoriais.

As áreas verdes urbanas se mostram de grande importância para a melhoria da qualidade


de vida nas cidades, na medida em que propiciam diversos benefícios como a melhoria da
qualidade do ar, um aumento da permeabilidade do solo, absorção de partícula de poeira,
melhoria nas condições microclimáticas entre outros.

Entretanto apenas a existência de um alto número de áreas verdes na cidade não


garante a qualidade de vida de seus habitantes, é necessário que haja também ser-
viços de infraestrutura básicos como saneamento, coleta de lixo, variáveis essas que
correspondem não só a qualidade de vida dos habitantes da cidade, mas também a
qualidade ambiental, evitando problemas como a contaminação de solos, ou mesmo a
degradação e poluição dessas áreas. Além disso a acessibilidade aos parques deve-
ria ser critério importante, dai analisarmos o raio de inluencia destes parques.

A cidade de São Paulo é caracterizada pela urbanização intensa e consolidada, restando


poucos espaços para a implementação de novos parques. Atualmente tem havido um
esforço por parte do poder público para contornar essa situação, através de projetos de
novos parques urbanos como é o caso do programa 100 parque que vem sendo executa-
do pela Secretária do Verde e do Meio Ambiente.

No mapa 3 percebe um eixo principal de área de inluência dos parques urbanos existen-
tes no sentido Oeste-Leste. Há ainda um corredor ao norte. Na região sul, no entanto
percebe-se que não há qualquer inluência dos parques urbanos uma vez que pratica-
mente não existem parques em área suiciente em nenhuma das tipologias. Situação
curiosa é a área de inluência dos parques no entorno do reservatório Guarapiranga. Os
dados sugerem que estes parques poderiam cumprir uma função ecológica importante
nesta região de mananciais.

Existem parques que estão em obras e, outros planejados pelo governo municipal, os
quais necessitam de ações para a implantação. Caso sejam concretizados, teremos uma
situação melhor para a cidade de São Paulo, porém com algumas áreas sem inluência
de alguma tipologia de parque. Assim, sugerimos criar parques em todas as regiões da
cidade para equilibrar a demanda social por áreas verdes.

O que pudemos observar através desse estudo é uma distribuição irregular das tipologias
de parques e suas áreas de inluencia no município de São Paulo, tendo uma concentra-
ção de unidades nas zonas oeste, centro e centro-sul do município respectivamente, em
detrimento das demais áreas da cidade. O distrito de Parelheiros com um alto índice de

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09

cobertura vegetal remanescente da Mata Atlântica, distribuídos em diversos fragmentos,


porém conectados entre si, e conectados também ao contínuo lorestal existente em Mar-
silac, diminuindo assim consideravelmente o grau de fragmentação nessa região.

Mapa 3 – Parques urbanos, áreas de inluência e situação pretendida para o município de São Paulo.

187
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09 Junho de 2013

Assim a análise espacial relete uma política territorial caótica onde a funcionalidade
das tipologias de parque vem sendo pouco considerada na criação de parques ur-
banos. Vemos também que as áreas onde ainda o potencial ecológico é importante
como na zona leste, norte e sul as políticas não tem priorizado a criação de parques
urbanos tirando partido dos remanescentes da cobertura vegetal original que ainda é
possível observar nestas regiões.

• Diante destas análises sugerimos como propostas:

• Considerar a tripla função ecológica, lazer e estética na criação de novos


parques urbanos;

• Priorizar parques regionais e setoriais nas regiões com maiores fragmentos


de Mata Atlântica;

• Adequar a política de luxos e transportes públicos considerando a existência


de parques como equipamentos necessários a qualidade de vida urbana;

• Criar em cada distrito pelo menos um parque de bairro com um paisagismo


baseado na vegetação nativa de São Paulo, mesmo que seja necessário
desafetar quarteirões ocupados com ediicações já existentes;

• Criar um mosaico de parques que representem os principais compartimen-


tos de vegetação original do município, a saber, colinas e várzeas;

• Criar parques com infraestrutura adequada para a prática de variadas mo-


dalidades esportivas, além de atividades de educação ambiental e progra-
mações culturais.

Concluindo, é necessário que haja mais estudos sobre a distribuição das áreas verdes
na cidade, para que esses possam servir de subsídios ás políticas publicas, podendo
assim sugerir áreas prioritárias para a conservação e restauração, visando à conexão
dessas áreas e a diminuição da fragmentação da paisagem, para assim garantir a
efetividade e aumentar os benefícios que a vegetação pode trazer em relação à qua-
lidade de vida dos habitantes dos grandes centros urbanos.

O Ideal é planejar um desenvolvimento urbano que concilie a implantação e interli-


gação de áreas verdes, com o sistema de infraestrutura urbana buscando assim a
melhoria da qualidade de vida nos grandes centros urbanos.

188
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°09

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Estudos Avançados, vol.25, no.71. São Paulo Jan./Apr. 2011

SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem à Província de São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia, São
Paulo: EDUSP, 1976.

189
ARTIGO Nº10

DIRETRIZES DE INFRAESTRUTURA VERDE PARA O DESENHO URBANO:


UM EXERCÍCIO DE PLANEJAMENTO PAISAGÍSTICO
NA ÁREA DA LUZ, SÃO PAULO.
GUIDELINES OF GREEN INFRASTRUCTURE FOR URBAN DESIGN: AN
EXERCISE OF LANDSCAPE PLANNING AT LUZ DISTRICT, SãO PAULO
Luciana Schwandner Ferreira | Patricia Mara Sanches
Paula Shinzato | Joana Carla S. Gonçalves
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

DIRETRIZES DE INFRAESTRUTURA VERDE PARA O DESENHO URBANO: UM


EXERCÍCIO DE PLANEJAMENTO PAISAGÍSTICO NA ÁREA DA LUZ, SÃO PAULO.

Luciana Schwandner Ferreira*


*Mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo
e-mail: [email protected]

Patrícia Mara Sanches**


**Mestre em Paisagem e Ambiente, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo
e-mail: [email protected]

Paula Shinzato***
***Doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo
e-mail: [email protected]

Joana Carla S. Goncalves****


****Prof. Dra. da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo do Departamento de Tec-
nologia da Arquitetura e do Urbanismo, Laboratório de Conforto Ambiental e Eiciência Energética, LABAUT.
Professora Orientadora do Programa de Pos Graduação, Environment and Energy, da Architectural Asso-
ciation Graduate School, AA School of Architecture, Londres.
e-mail: [email protected]

RESUMO

A presente pesquisa apresenta diretrizes projetuais para o planejamento e projeto de


novas áreas verdes públicas e semi-públicas, cujas funções e distribuição foram de-
inidas a partir dos conceitos de infraestrutura verde e aplicadas na Área da Luz, na
cidade de São Paulo. Esta pesquisa está inserida em um projeto interdisciplinar de-
senvolvido pelo Laboratório de Conforto Ambiental e Eiciência Energética (Labaut) da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo que propõe uma
intervenção no ambiente construído visando o adensamento populacional e constru-
tivo sob a perspectiva do desempenho ambiental. O método de trabalho consistiu
primeiramente na caracterização das seguintes questões: áreas verdes existentes
dentro da área de estudo e do entorno; luxo de pedestres e ciclistas e dinâmica de
insolação da área. O cruzamento dos resultados permitiu direcionar a vocação das
áreas verdes e deinir objetivos, diretrizes e estratégias. Os quatro principais objetivos
deinidos foram ampliar a oferta de espaços livres, proporcionar qualidade ambiental
para o pedestre, melhorar drenagem e aumentar a biodiversidade local. Como resul-
tado veriicou-se um aumento de 1.200% na quantidade de espaços livres vegetados

191
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

da área de estudo, passando de 5.033m² para 60.450m². A pesquisa insere conceitos


ainda pouco utilizados na prática comum de projetos paisagístico na escala urbana
em cidades brasileiras, partindo-se da premissa que as áreas verdes fazem parte de
um sistema infra-estrutural e que desempenham diversas funções na cidade.

Palavras-chave: Infraestrutura Verde; Vegetação Urbana; Floresta Urbana; Planeja-


mento Ambiental; Revitalização Urbana.

GUIDELINES OF GREEN INFRASTRUCTURE FOR URBAN DESIGN: AN EXER-


CISE OF LANDSCAPE PLANNING AT LUZ DISTRICT, SÃO PAULO

ABSTRACT

This research presents projective guidelines for the planning and design of new public
and semi-public green areas, which functions and distribution were deined based on
the concepts of green infrastructure and applied at the area of Luz District, in São Paulo.
This research is part of a multidisciplinary project developed by Laboratory of Environ-
mental Comfort and Energy Eficiency (LABAUT), of the Faculty of Architecture and
Urbanism, University of São Paulo, and propose an intervention in the built environment
aiming the population and constructive densiication under the perspective of environ-
mental performance. The working method consisted primarily in the characterization of
the following issues: existing green areas within the analyzed area and surroundings;
low of pedestrians; and, cyclists and insolation dynamic of that area. The intersection
of results allowed conducting the vocation of green areas and setting targets, guidelines
and strategies. The four main objectives were deined to increase the offer of open spa-
ces, provide an environmental quality for pedestrians, improve drainage and increase lo-
cal biodiversity. As a result there was an increase of 1,200% in the amount of green open
spaces in the focused area, rising from 5.033sqm to 60.450sqm. The research includes
concepts still little used in common practice of landscape projects in urban scale at Bra-
zilian cities, starting from the premise that the green areas take part of a infrastructural
system that perform various functions in the city.

Keywords: Green Infrastructure; Urban Vegetation; Urban Forest; Environmental


Planning; Urban Revitalization.

192
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

1. INTRODUÇÃO

A ausência de áreas vegetadas é um problema comum na maioria dos aglomerados


urbanos brasileiros principalmente aqueles que foram submetidos a uma urbanização
rápida e sem um planejamento preocupado com as questões ambientais. (Sanches,
2011). A supressão das áreas verdes afeta não apenas a qualidade de vida da popula-
ção pela falta de opções de lazer e recreação, mas também potencializa a ocorrência
de inundações, a concentração de poluentes no ar, a alteração do microclima urbano
e a formação das ilhas de calor1, além de interferir, do ponto de vista ecológico, na
diminuição da biodiversidade urbana e peri-urbana.

Há ampla literatura e pesquisas que evidenciam que a população urbana precisa de


contato com a natureza. Alguns chegam a ser matemáticos em suas argumentações,
como Johnston2 (apud HERBST,2001) que menciona que áreas verdes devem estar
a uma distância entre 5 e 10 minutos a pé das residências. Chaddad (2000) vê uma
clara correlação entre quantidade de áreas vegetadas de uma cidade e a qualidade
de vida que esta oferece aos seus habitantes, como a promoção do bem estar, de
práticas esportivas, maior socialização e estímulo à identidade da comunidade com o
local, exercendo assim um “papel de agente catalisador e motivador de congregação
comunitária” (CHADDAD, 2000). Atualmente dados relacionados à quantidade e à
distribuição das áreas verdes fazem parte da relação de indicadores e parâmetros de
avaliação da qualidade de vida das cidades.

Apesar do progressivo reconhecimento dos benefícios dos espaços vegetados pelas


autoridades públicas, a manutenção ou criação de novas áreas verdes em cidades
com alta densidade construída – na qual a terra é um recurso escasso e caro - é um
grande entrave, tanto do ponto de vista físico, como econômico. Porém, o maior desa-
io é vislumbrar novas áreas verdes sem deixar de pensar no papel multifuncional que
elas podem oferecer à cidade, atentando às suas potencialidades e seus benefícios
de maneira holística, aproveitando as inúmeras funções dos espaços vegetados, en-
tendidos, dessa forma, como sistemas que compõe uma infraestrutura verde.

1
O fenômeno climático conhecido como ilha de calor caracteriza-se pela maior temperatura noturna em
áreas densamente construídas em comparação com seu entorno rural. Algumas características das es-
truturas urbanas, como a relação entre a largura das ruas e a altura dos edifícios, os tipos de materiais
construtivos utilizados e a quantidade e localização das áreas verdes afetam a intensidade da ilha de calor
(GIVONI, 1998; LOMBARDO, 1985).
2
JOHNSTON, J. Nature areas for city people. Ecology Handbook n.14 London Ecology Unit. 1990.

193
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

Assim, não se trata de um sistema convencional de espaços livres e áreas verdes. A


concepção dos espaços vegetados como parte da infraestrutura verde urbana é uma
estratégia de estruturação dos espaços naturais e ambientalmente recuperados no
processo de planejamento e desenho da cidade e já vem sendo aplicada em muitas
cidades, principalmente na Europa e nos Estados Unidos.

A terminologia infraestrutura atrelada à palavra “verde” deve-se à sua contribuição nas


funções de base estrutural da cidade, como por exemplo, o sistema viário, de energia
ou de abastecimento de água (PELLEGRINO, 2006), que contribuem para o bom fun-
cionamento da cidade e atendem aos padrões mínimos de habitabilidade, qualidade
de vida, saneamento básico e saúde pública. Dessa mesma forma, a infraestrutura
verde pode atuar conjuntamente com outros sistemas, no atendimento:

• da mobilidade e acessibilidade, ao direcionar e estruturar eixos de circulação,


e ao propiciar rotas especíicas ou alternativas para pedestres e ciclistas;

• da drenagem das águas pluviais, regulando o ciclo hídrico, atenuando os


picos de cheia e conduzindo as águas com segurança;

• do lazer, da recreação e do convívio social, além de serem espaços de


contemplação e percepção estética;

• da manutenção dos processos ecológicos, da biodiversidade e da susten-


tabilidade dos ecossistemas, colaborando com o aumento da conectivida-
de dos fragmentos naturais.

Cormier (2008) complementa este quadro de funções citando o sistema metabólico da


cidade, que está relacionado aos luxos intra-urbanos de energia e matéria. A agricul-
tura urbana, neste caso, é mencionada como um exemplo deste sistema metabólico,
se utilizando das áreas verdes para um propósito produtivo, de atendimento das ne-
cessidades básicas de saúde do ser humano. Complementarmente, a infraestrutura
verde também tem um papel fundamental para a criação de condições de conforto
térmico nos espaços abertos. O efeito da sombra criada pela vegetação, por exemplo,
proporciona maior conforto aos espaços de lazer e recreação e maior qualidade no
percurso de pedestres e ciclistas.

Os elementos que compõe a infraestrutura verde são os espaços abertos e vege-


tados, como parques, praças, corredores ecológicos, remanescentes lorestais,

194
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

alagados naturais e construídos, jardins, tetos verdes, etc., aliados em alguns


casos a tecnologias ambientais, como tratamento com itorremediação, materiais
e pavimentos iltrantes, sistemas de irrigação mais eiciente, placas fotovoltaicas
promovendo melhoria na qualidade ambiental e ganhos sociais e econômicos.

Além da ausência de uma visão multifuncional das áreas verdes urbanas, outra dii-
culdade para sua implementação pelas atuais administrações municipais brasileiras
é a falta de metodologias, critérios e diretrizes para compor programas e políticas
públicas. A este cenário, soma-se a inexistência ou as fracas articulações e parcerias
entre os diferentes órgãos públicos responsáveis pela gestão da cidade, assim como,
entre o poder público e as instituições de pesquisa, ONG’s, sociedade civil e iniciativa
privadas, desperdiçando oportunidades valiosas de se colocarem em prática novas
teorias urbanísticas e paisagísticas, de trocar experiências e obter maior participação
e envolvimento da comunidade nas decisões políticas e rumos das cidades.

Neste contexto, a presente pesquisa propõe diretrizes de projeto para a implantação


de novas áreas verdes na área da Luz, no bairro de Santa Eigenia, centro da cida-
de de São Paulo. A partir do estabelecimento de quatro objetivos principais a serem
alcançados com a intervenção foram deinidas diretrizes de projeto que seguem as
premissas da infraestrutura verde.

As funções das novas áreas verdes e sua distribuição espacial foram deinidas a partir
dos conceitos de infraestrutura verde e aplicadas aos novos espaços livres resultantes
de uma proposta de adensamento urbano com qualidade ambiental com foco na área
da Luz, no bairro de Santa Eigenia, em São Paulo, da qual esta pesquisa fez parte. –.
Esta proposta insere-se em um projeto de pesquisa piloto desenvolvido pelo Laborató-
rio de Conforto Ambiental e Eiciência Energética (Labaut) da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo, Universidade de São Paulo e apresentado na conferência internacional
Urban Age-São Paulo 20083, ocorrida em dezembro do mesmo ano, na cidade de São
Paulo, com o apoio da Prefeitura e de uma serie de instituições de pesquisa.

Este grande projeto interdisciplinar consistiu em uma proposta de intervenção no am-


biente construído visando o adensamento populacional e construtivo sob a perspec-
tiva do desempenho ambiental. Por meio da requaliicação do espaço urbano, do

3
Urban Age: http://lsecities.net/ua/conferences/2008-sao-paulo/

195
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

uso eiciente da infraestrutura, da reabilitação tecnológica de edifícios existentes e


da inserção de novos edifícios, propõe-se atingir a meta de 2.500 pessoas/hectare
(GONCALVES et al, 2011).

2. ESTUDO DE CASO: A ÁREA DA LUZ, SÃO PAULO.

De acordo com os dados do Atlas Ambiental de São Paulo (SMVA, 2000), 48% do
território do município de São Paulo são carentes em arborização e áreas verdes. As
áreas mais deicitárias, segundo SVMA4, situam-se nas Administrações Regionais de
Aricanduva/Vila Formosa, Itaim Paulista e Vila Prudente (Zona Leste); Cidade Ademar
e Jabaquara (Zona Sul); Casa Verde, Vila Maria/Vila Guilherme (Zona Norte); e Sé e
Mooca (Zona Central).

É importante destacar que os distritos que compõem a Zona Central de São Paulo
apresentam as menores quantidades de cobertura vegetal por habitante, na Sé,
distrito onde se localiza a área da Luz, tem-se 0,21 m2/hab, na República 0,24 m2/
hab, na Bela Vista 0,11 m2/hab, sendo que no distrito de Santa Cecília e do Brás tal
índice é de 0m²/hab.

A redução das áreas verdes em São Paulo é causada não apenas pelas ocupações
ilegais e assentamentos irregulares, mas também pelo crescente processo de imper-
meabilização do solo por meio da construção de edifícios e novas vias públicas.

A alta densidade construída na área da Luz contrasta com a baixa densidade demo-
gráica. Apesar da elevada taxa de ocupação do solo (aproximadamente 80%) e do
aglomerado de edifícios que podem ser considerados altos no contexto local (alguns
com mais de vinte pavimentos), atualmente, a densidade média do Distrito da Sé –
ao qual pertence a área de estudo – é de 11.262 hab/km², valor baixo se comparado
com cidades como Paris, com 20.980 hab/km² ou Barcelona, com 17.451hab/km², que
conseguem aliar alta densidade com elevada qualidade de vida.

O potencial de adensamento habitacional da região pela farta infraestrutura de trans-


porte e edifícios existentes serviu de base para as primeiras iniciativas do poder

4
Disponível em: <http://atlasambiental.prefeitura.sp.gov.br/conteudo/socioambiental/socioamb_05_tab.htm >.
Acesso em agosto de 2011.

196
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

público de revitalização dessas áreas, iniciadas na década de 1990. Vale destacar


que a área de estudo vem vivenciando nas últimas três décadas diversos problemas
sociais relacionados à segurança, como o aumento da criminalidade, vandalismo e
tráico de drogas (resultando na região conhecida como “Cracolândia”), intensiican-
do a degradação física e desvalorização econômica da área central.

Nesse contexto de iniciativas de transformação urbana, em 2005 foram anunciados os


planos para o projeto intitulado Nova Luz, considerado um projeto de requaliicação
urbana empreendido pela Prefeitura de São Paulo, abrangendo aproximadamente
uma área de 225 hectares. Este projeto, lançado no domínio público na forma de uma
concorrência de técnica e preço em 2010, prevê a valorização dos prédios históricos,
reforma das áreas livres públicas, criação de espaços verdes e de lazer, e a melhoria
do ambiente urbano da região, dentre outras ações socioeconômicas.

Para viabilizar a realização do projeto Nova Luz, foram aprovadas legislações especí-
icas, estabelecendo incentivos iscais para a instalação de empresas de tecnologia e
outros serviços na região e declarando de utilidade pública algumas áreas passíveis
de desapropriação.

Como forma de participar dessa discussão e estimular a relexão e pensamento critico


e investigativo, a área da Luz foi escolhida como estudo de caso dessa pesquisa, que
discute a requaliicação dos espaços livres e áreas verdes por meio de uma aborda-
gem ambiental de inserção desses espaços na estrutura produtiva da cidade, incor-
porando ao seu conhecido papel recreacional, novos papéis, como o microclimático e
o da biodiversidade.

3. O PROJETO DE REVITALIZAÇÃO NA ÁREA DA LUZ

O projeto piloto desenvolvido pelo Laboratório de Conforto Ambiental e Eiciência


Energética (Labaut) da FAUUSP focou no desempenho ambiental da forma urbana,
com especial atenção para as condições ambientais criadas nos espaços abertos,
para o qual a infraestrutura verde teve um papel central. Tal projeto partiu do pressu-
posto de que a forma urbana afeta o futuro das cidades e a sua sustentabilidade, e
que os centros urbanos ainda podem acomodar milhões de pessoas com qualidade e
dignidade. Assim, o objetivo foi propor, por meio de uma abordagem multidisciplinar,
uma metodologia para projetos urbanos que considerasse ao mesmo tempo o aden-

197
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

samento construído e populacional, e a promoção da qualidade ambiental e demais


benefícios sócio-econômicos.

Como objetivos especíicos, buscou-se:

– o uso eiciente das infraestruturas urbanas existentes, com ênfase para a


questão da mobilidade urbana;

– redução da demanda de energia elétrica dos edifícios (por meio da cap-


tação da energia solar na estrutura dos próprios edifícios);

– o conforto ambiental nas ediicações e espaços livres;

– a dispersão de poluentes facilitada pela eiciente ventilação urbana,

– a criação de novas áreas verdes desempenhando funções sociais, am-


bientais e econômicas.

A área de intervenção abrange 25 quadras, totalizando aproximadamente 27 hecta-


res, dentro do perímetro deinido pelas Avenidas Ipiranga, Rio Branco, Duque de Ca-
xias, Rua Mauá e Avenida Cásper Líbero, na área da Luz, região central de São Paulo.

Figura 1 – Conjunto edi-


icado atualmente exis-
tente na área de estudo,
Bairro da Luz, São Paulo

198
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

A primeira etapa do projeto constituiu em uma proposta de demolição de um conjunto


de edifícios desocupados, degradados isicamente e com menos de cinco andares,
para que fosse possível o aumento da densidade construída. O resultado apresenta-
se nas imagens abaixo, a igura 1 mostra a situação atual de ocupação dos edifícios,
enquanto a igura 2 apresenta a área após a supressão de alguns edifícios, de acordo
com os critérios mencionados acima.

Figura 2 – Mapa com a pro-


posta de supressão da edii-
cação existente, resultando
em novos espaços livres a
serem ocupados por novos
edifícios e áreas verdes.

Baseadas numa densidade pré-determinada de 25.000 hab/Km², foram elaboradas


duas propostas de desenho urbano: a primeira propõe o espaço aberto entre as edi-
icações como continuidade da calçada, criando edifícios em forma de lâminas ou
torres recuadas no interior das quadras, a segunda propõe quadras urbanas fecha-
das por edifícios novos justapostos aos existentes, conigurando uma ocupação no
perímetro das quadras. A avaliação do desempenho ambiental das duas tipologias
foi realizada através da combinação de estudos analíticos apoiados por simulações
computacionais que avaliaram diferentes parâmetros de ventilação urbana, conforto
térmico, acústico e luminoso, além de questões de acessibilidade e segurança.

A avaliação de desempenho ambiental como parte do processo de desenho urbano


mostrou-se uma importante ferramenta na discussão sobre o tema das cidades mais
compactas e com melhor qualidade de vida, observada no início da década de 1990,

199
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

em diferentes contextos urbanos do cenário internacional, fornecendo parâmetros


fundamentais para a tomada de decisão sobre a tipologia e arranjo espacial das novas
ediicações projetadas sobre a cidade existente (MIANA, 2010).

Nas duas opções de adensamento, a repetição do padrão urbanístico permitiu a cria-


ção de diversas áreas verdes na escala da quadra5, mais favoráveis ao microclima
urbano e ao conforto do pedestre, do que uma única área verde de dimensões que
vão além daquelas da quadra urbana. A esse respeito, é importante considerar que o
efeito da vegetação é local e não inluencia signiicativamente áreas muito além dos
limites das áreas verdes (SHINZATO, 2009).

Por decisão metodológica estratégica, a elaboração de objetivos e diretrizes para os


espaços livres e áreas verdes abordada nesta parte do trabalho foi realizada para a
tipologia que propõe a ocupação no perímetro da quadra (ver igura 3), onde os espa-
ços livres concentram-se no interior das quadras.

Figura 3 – Nova proposta


de tipologia de desenho
urbano escolhida para a
presente pesquisa, ca-
racterizada por quadras
urbanas fechadas por edi-
fícios novos, justapostos
aos existentes, conigu-
rando uma ocupação no
perímetro das quadras.

5
Entende-se por “escala da quadra”, trabalhar com o desenho urbano em dimensões mínimas de quadra,
tendo esta como unidade de planejamento.

200
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

Figura 4 – Perspectiva da tipologia


de desenho urbano escolhida para
a pesquisa, conigurando uma ocu-
pação no perímetro das quadras.
Os edifícios em cinza são os exis-
tentes e os brancos são os novos
edifícios propostos.

Figura 5 – Vista da tipologia de implantação desenho urbano escolhido por essa pesquisa.

4. OBJETIVOS DO PROJETO DAS NOVAS ÁREAS LIVRES

(1) Diversiicar e ampliar a oferta de áreas de lazer próximo às áreas de


trabalho e moradia;

Uma das preocupações do adensamento das ediicações de uso misto é a oferta


de espaços de lazer tanto para a população residente como para a população
que trabalha ou frequenta a área. Assim, uma das diretrizes do projeto foi o
aproveitamento das esquinas, das áreas entre os edifícios e das áreas no inte-
rior das quadras. Tal solução só é possível quando a unidade de planejamento e
projeto é a própria quadra. Com a eliminação do lote, as áreas entre os edifícios
puderam ser melhor aproveitadas e as áreas no interior das quadras puderam
ser acessadas com maior facilidade transformando-se em importantes espaços
livres de uso público.

201
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

(2) Melhorar a qualidade do percurso de pedestres e ciclistas considerando


a segurança, a acessibilidade e o conforto ambiental;

O aporte signiicativo do número de unidades habitacionais proposto pelo projeto


de intervenção coordenado pelo Labaut e as características de uso e ocupação do
bairro propiciam um intenso luxo de pedestres e veículos. Somado a isso tem-se a
introdução de uma modalidade de transporte não existente na área hoje, a bicicleta.
Assim, o projeto das novas áreas livres buscou elevar a qualidade ambiental do
percurso de pedestres e ciclistas, por meio do aumento da diversidade de trajetos e
áreas de lazer, e melhorar o microclima local com o uso estratégico da vegetação.

A vegetação pode contribuir com diversos aspectos ambientais nas cidades, inter-
ferindo na temperatura e na umidade, na drenagem, na estabilização do solo, na
ixação de partículas suspensas na atmosfera, etc. Porém, vale ressaltar que não
é qualquer tipo vegetação plantada em qualquer local que contribui com os itens
citados. Além disso, os aspectos ambientais devem ser pensados conjuntamente
com os sociais, para que os benefícios climáticos da vegetação não se convertam
em problemas para a população.

Uma área densamente vegetada pode oferecer problemas de segurança em gran-


des aglomerados urbanos. Dependendo da espécie, as raízes de uma árvore po-
dem daniicar construções e oferecer riscos às pessoas. Áreas que estão sombre-
adas constantemente pelas ediicações devem receber um tratamento paisagístico
diferenciado, com espécies adequadas e pouca cobertura arbórea, inclusive para
o conforto ambiental do pedestre. Assim, a escolha das espécies vegetais e da
densidade de plantio buscou contextualizar a paisagem local, analisando os luxos
de pedestres e veículos e os espaços livres, procurando maximizar os benefícios
socioambientais da vegetação no meio urbano.

(3) Melhorar as condições de drenagem da área;

Os problemas em relação à drenagem urbana são uma constante da cidade de


São Paulo e a área da Luz não é uma exceção. Ocupação de várzeas, retiicação
e canalização de rios e córregos e os altos níveis de supressão de vegetação e im-
permeabilização do solo são alguns dos fatores que contribuem para as constan-
tes enchentes na cidade. Apesar de a área de estudo apresentar poucos pontos
críticos de drenagem e inundação, entende-se que estes problemas nem sempre
são gerados no local onde ocorrem, sendo necessário que todas as intervenções

202
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

urbanas contemplem tais questões para que não contribuam com o agravamento
do problema a jusante.

O aumento de área permeável e o aumento da cobertura arbórea por si só já conigu-


ram estratégias que beneiciam a drenagem urbana, pois aumentam a iniltração de
água no solo e a interceptação pela copa das árvores. Porém, pelo fato do solo da re-
gião ser argiloso, dependendo da intensidade das chuvas, a capacidade de absorção
deste não é suiciente para evitar enchentes, por isso foram previstas estruturas de
armazenamento temporário das águas pluviais. Tais estruturas, jardins de chuva ou
biovaletas, poderão estar localizados nos passeios, quando sua largura permitir, nas
áreas de convivência entre os edifícios ou em jardins no interior das quadras.

(4) Aumentar a diversidade de habitat para a fauna.

Tendo em vista a proximidade com o Parque da Luz, uma das preocupações do


projeto foi a conexão entre as áreas verdes propostas e as existentes no bairro,
estratégia particularmente importante para a fauna. No caso do Parque da Luz, o
último inventário, publicado em 2010 pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente
(SVMA), mostrou que o Parque conta com 73 espécies distintas, sendo 67 somen-
te de aves. Das 73 espécies levantadas, 14 foram consideradas espécies mundial-
mente ameaçadas segundo a Convention on International Trade in Endangeres
Species of Wild Fauna and Flora 2009. Assim, a conexão entre as áreas verdes e
o enriquecimento arbóreo do bairro com espécies nativas que beneiciem a fauna,
tanto em abrigo como em alimento, possibilitam o aumento da diversidade e nú-
mero de indivíduos de tais espécies.

O enriquecimento arbóreo proposto considera o plantio nos passeios, quando estes


apresentarem largura adequada, e nos demais espaços livres da quadra urbana.
Em determinadas áreas propõe-se a criação de maciços de vegetação mais densos
chamados neste estudo de “bolsões de diversidade”, que desempenham o papel de
trampolins ecológicos6, além do adensamento da vegetação existente nos canteiros
centrais das avenidas, formando corredores verdes.

6
Segundo Conselho Nacional Reserva da Biosfera da Mata Atlântica , trampolins ecologicos são “áreas
estratégicas que funcionam como “ilhas” e podem tanto facilitar o luxo gênico de espécies que transitam
por uma matriz não lorestal quanto ajudar no planejamento e implementação de corredores biológicos. Em
alguns casos, ajudam a aumentar a representatividade de algumas unidades de paisagem. Disponivel em :
http://www.rbma.org.br/anuario/mata_06_fap_capitulo_5_pag3.asp. Acesso em : junho/2012.

203
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

O quadro abaixo sintetiza os objetivos do projeto e as diretrizes adotadas pelo projeto


paisagístico.

Tabela 1 – Síntese dos objetivos e das diretrizes de projeto

Objetivos Diretrizes de projeto

Aproveitamento das esquinas, das


Diversiicar e ampliar a oferta de áreas
áreas entre os edifícios e no interior
de lazer
das quadras.

Diversiicar trajetos e utilizar estrategi-


Melhorar a qualidade do percurso de
camente a vegetação visando a segu-
pedestres e ciclistas
rança e o conforto ambiental.

Aumentar a área permeável e criar es-


Melhorar as condições de drenagem truturas de armazenamento temporário
das águas pluviais.

Promover a conexão entre as áreas


Aumentar a diversidade de habitat para verdes existentes e as novas; Prever
a fauna. o enriquecimento arbóreo com espé-
cies nativas.

5. MÉTODO

A deinição das estratégias de infraestrutura verde a serem aplicadas nos espaços li-
vres resultantes da tipologia de ocupação perimetral descrita no item anterior, baseou-
se na caracterização dessas áreas quanto à sua localização,dimensão, uso do solo,
luxo de pedestres e ciclistas; e de sua insolação. O cruzamento dessas informações
permitiu deinir a vocação das áreas livres como áreas verdes de passagem ou per-
manência. Essa avaliação foi dividida em 4 etapas descritas a seguir:

Etapa 1. Identiicação, mapeamento e avaliação qualitativa das áreas verdes existen-


tes no bairro e da possibilidade de conectá-las com as novas áreas verdes propostas
através de corredores verdes.

204
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

Etapa 2: Avaliação qualitativa do luxo de pedestres a partir da nova proposta de de-


senho urbano, considerando-se as possibilidades de percurso e os tipos de usos do
solo propostos aliados aos usos existentes, identiicando assim, as possíveis rotas
para os pontos de concentração de pessoas (eixo de transporte e estações de trem e
metrô, ruas comerciais, parques, museus, feiras, etc.).

Etapa 3: Avaliação da insolação do conjunto, inclusive nos espaços livres, por meio
de simulações computacionais (com o uso do software Ecotect7) nos solstícios de
inverno e de verão, das 8h às 18h. As áreas que apresentaram 5 ou mais horas de
insolação no verão ou no inverno, ou em ambas as épocas do ano, foram classiica-
das como áreas ensolaradas. O resultado do estudo da insolação foi um importante
critério para deinição de diretrizes de especiicação e caracterização da vegetação,
inclusive quanto seu porte e densidade.

Os resultados são obtidos a partir do cruzamento dos dados de uso do solo e luxo de
pedestres com os resultados de insolação, a im de propor novos espaços livres de
acordo com sua vocação como locais de passagem ou de permanência e quanto à
vocação para potencializar o aumento da biodiversidade local.

5.1 ETAPA 1. IDENTIFICAÇÃO, MAPEAMENTO E AVALIAÇÃO QUALITATIVA


DAS ÁREAS VERDES EXISTENTES NO BAIRRO E DA POSSIBILIDADE DE
CONECTÁ-LAS COM AS NOVAS ÁREAS VERDES PROPOSTAS ATRAVÉS DE
CORREDORES VERDES.

Para a implantação dos corredores verdes foram escolhidas avenidas e ruas que
comportassem um adensamento de plantio arbóreo signiicativo, capaz de coni-
gurar o corredor. Assim, pelo fato de a maioria das calçadas da região ser muito
estreita, optou-se por avenidas que apresentassem canteiros centrais, de forma que
o adensamento da vegetação não comprometesse a circulação de pedestres. Os
corredores das avenidas Cásper Líbero e Duque de Caxias – Rua Mauá foram os
escolhidos, ligando importantes áreas verdes, como a Praça Princesa Isabel, Largo
do Arouche e Praça da República ao Parque da Luz, como pode-ser visto na ima-
gem esquemática a seguir.

7
MARSH and RAINES,2004.

205
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

Figura 6 – Conexões ecológicas – corredores verdes.

Figura 7 – Canteiro central Av. Cásper Líbero que pode ser enriquecido com espécies arbóreas nativas,
constituindo um corredor verde. Fonte: Google

206
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

5.2 ETAPA 2. AVALIAÇÃO QUALITATIVA DO FLUXO DE PEDESTRES A PARTIR


DA NOVA PROPOSTA DE DESENHO URBANO

A avaliação das diversas possibilidades de percursos peatonais gerou sua classiica-


ção em dois tipos, o luxo perimetral e o luxo intra-quadra, divididos em três níveis de
intensidade: alto, médio e baixo. A imagem a seguir sintetiza a avaliação do luxo de
pedestres realizada.

Figura 8 – Classiicação dos luxos de pedestres e ciclistas. Coniguração perímetro.

5.3 ETAPA 3: AVALIAÇÃO DA INSOLAÇÃO DO CONJUNTO.

8h 9h 10h 11h

Figura 9 – Exemplo da análise de insolação realizada. Solstício de inverno (21 de junho) das 8 às 11h.

207
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

Figura 10 – Classiicação da insolação da área. Coniguração perímetro.

Todas as áreas livres foram analisadas nos solstícios de inverno e de verão, das 8h
às 18h, sendo classiicadas como ensolaradas no verão, no inverno, ou em ambas as
épocas do ano quando apresentaram 5 ou mais horas de incidência de radiação solar
direta nos dias estudados.

O número de horas de insolação foi um fator importante na deinição do porte e


densidade da vegetação a ser implantada nas áreas de estar, como descrito an-
teriormente. Como diretriz de projeto deiniu-se que as áreas que recebem muitas
horas de sol no verão devem ser sombreadas, proporcionando maior conforto aos
pedestres. Pelo mesmo motivo as áreas que apenas recebem sol no inverno não
devem receber sombreamento e as áreas que recebem insolação nas duas esta-
ções, devem estar protegidas e sombreadas no verão e permitir a incidência de
sol no inverno.

208
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

6. RESULTADOS

6.1 AVALIAÇÃO DA VOCAÇÃO DE USO DOS ESPAÇOS LIVRES COMO LOCAIS


DE PERMANÊNCIA OU PASSAGEM.

Foram consideradas como locais de passagem as áreas demarcadas pelas linhas


pontilhadas na igura 8. Os demais espaços livres foram considerados como locais
potenciais de maior permanência e convívio.

Locais de passagem: sempre que possível deveriam apresentar vegetação arbórea,


tanto nas calçadas como nas áreas internas às quadras. Poderiam também apresentar
uma combinação entre vegetação arbórea, arbustiva e herbácea. Houve um cuidado
e atenção maior na especiicação e localização da vegetação arbustiva, levando-se
em conta a questão da segurança do pedestre e visibilidade do ciclista e a vegetação
herbácea quanto à possibilidade de pisoteio.

Locais de permanência: nas áreas de permanência ensolaradas no inverno foi pro-


posta vegetação herbácea e arbustiva. Como não há abundância desse tipo de área
no bairro, tomou-se o cuidado de garantir a insolação nessas áreas evitando-se vege-
tação de porte arbóreo.

Figura 11 – Ilustração de
um local de permanência
ensolarado no inverno com
predominância de vegeta-
ção arbustiva e herbácea.

209
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

Nas áreas ensolaradas no verão foi proposta uma combinação entre vegetação her-
bácea, arbustiva e arbórea.

Figura 12 – Ilustração de um lo-


cal de permanência ensolarado no
verão com vegetação arbustiva,
herbácea e arbórea.

Nas áreas ensolaradas tanto no inverno quanto no verão foi proposta a mesma com-
binação, porém, com espécies arbóreas caducifólias, permitindo sombreamento no
verão e insolação direta no inverno.

Figura 13 – Ilustração de um local


de permanência ensolarado tanto
no verão quanto no inverno, com
espécies arbóreas caducifólias,
como, por exemplo, o ipê-roxo.

O anexo 1 sugere algumas espécies adequadas a cada situação. Por im, o estudo
aqui apresentado evidencia a possibilidade de aliança entre o aumento de densidade
populacional e o incremento quantitativo e qualitativo das áreas verdes na área da Luz.

210
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

6.2. PROPOSIÇÕES PARA BIOVERSIDADE: BOLSÕES DE VEGETAÇÃO COMO


TRAMPOLINS ECOLÓGICOS

Além dos corredores verdes sugeridos em locais estratégicos em virtude das áreas verdes
existentes, a partir na nova morfologia e desenho urbano de áreas construídas e livres, fo-
ram propostos os bolsões de diversidade, entendidos, sob a ótica da Ecologia da Paisagem,
como trampolins ecológicos, auxiliando no luxo de espécies e genes entre as manchas de
vegetação existentes. Eles foram determinados, a partir das novas áreas verdes propostas,
na qual a intensidade dos luxos foi uma variável mais signiicativa do que a insolação. Con-
siderando-se que esses espaços foram conceituados como áreas de vegetação densa (com
bosque e sub-bosque), por questões de segurança, sua implantação seria mais adequada
em áreas de acesso restrito, conigurando, por exemplo, espaços de lazer condominiais.

Os bolsões de diversidade consistem na restauração ecológica, a partir da combinação de


espécies arbóreas pioneiras, secundárias iniciais, secundárias tardias e climáxicas, aliado ao
enriquecimento futuro de espécies arbustivas e herbáceas para a formação de um sub-bos-
que. As espécies arbóreas mais sensíveis ou de desenvolvimento lento (climáxicas) deverão
estar sempre envoltas das espécies pioneiras (de crescimento rápido) e secundárias iniciais
de forma a proporcionar sombreamento. Estima-se a utilização de 30 espécies distintas8, al-
gumas delas listadas na tabela 2 apresentada no anexo 1.

Figura 14 – Proposta
para a vegetação. Coni-
guração perímetro.

8
De acordo com o previsto na Resolução SMA n°47 que trata sobre o relorestamento heterogeneo para
áreas de até 1 hectare.

211
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

Figura 15 – Ilustração síntese dos espaços verdes propostos nas áreas internas das quadras.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como mencionado anteriormente, a pesquisa insere conceitos, objetivos e diretrizes


ainda pouco abordados nos projetos paisagísticos em escala urbana, sendo sua apli-
cação prática veriicada através do estudo de caso da área da Luz, no Bairro de Santa
Eigenia. Tal região caracteriza-se por ser adensada construtivamente, porém, pouco
densa demograicamente, com baixo aproveitamento da rica infraestrutura em face do
número reduzido de unidades habitacionais existentes. Assim, identiicada a possibili-
dade de adensamento populacional na região, tornam-se fundamentais o aumento da
quantidade de espaços públicos e áreas verdes qualiicadas.

O primeiro passo para a viabilização deste objetivo foi considerar a quadra, e não o
lote, como unidade mínima de planejamento e projeto urbano, oferecendo, assim,
uma gama maior de possibilidades de desenho e interação das áreas livres com os
ambientes construídos.

Os quatro principais objetivos do projeto: oferta de espaços livres, qualidade ambiental


para o pedestre, drenagem e biodiversidade, bem como suas diretrizes, apresentam
uma aplicabilidade que extrapola os limites da área da Luz e podem ser úteis como

212
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

primeiro direcionamento de projeto para outras situações urbanísticas similares, sem-


pre considerando, obviamente, as particularidades e o contexto da paisagem local. O
mapa da distribuição das áreas verdes resultante revela a vocação de cada espaço
livre para o conforto ambiental do pedestre, o tipo de vegetação mais adequada quan-
to ao porte, densidade e perenidade de suas folhas.

Quantitativamente veriicou-se um aumento de 1200% das áreas verdes em compa-


ração à coniguração da morfologia urbana e desenho atual do bairro. A coniguração
atual apresenta 5.033m² de área livre vegetada, considerando-se praças, canteiros
e pátios internos com vegetação. A coniguração proposta apresenta 60.450m² de
área livre vegetada e permeável, representando um aumento de 12 vezes. Se in-
cluirmos neste valor áreas de estar e passeios tem-se 86.360m² de área livre. Qua-
litativamente o incremento deve-se à criteriosa distribuição da vegetação nas áreas
livres e à escolha das espécies, priorizando questões como conectividade ecológi-
ca, mobilidade, drenagem das águas pluviais, conforto ambiental para o pedestre e
oferta de espaços de lazer.

Ressalta-se que o aumento da quantidade de áreas verdes deu-se em um contexto de


aumento da densidade populacional e construtiva proposto pelo projeto multidiscipli-
nar coordenado pelo Labaut, demonstrando a possibilidade de aumento de densidade
com aumento da área vegetada.

Assim, a pesquisa estimula a visão crítica, visando alterar ideias ou conceito precon-
cebidos de que a alta densidade está vinculada a qualidade urbanística ruim, destitu-
ídas de áreas verdes.

Diante da carência de áreas verdes em muitas cidades brasileiras, ao apresentar dire-


trizes de projeto factíveis aos grandes centros urbanos, esta pesquisa pretende servir
como ponto de referência para a implantação de novas áreas vegetadas públicas e
privadas de forma criteriosa, atentando-se para especiicidades climáticas e socioe-
conômicas locais.

213
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COURMIER, N. Green Infrastructure: high performance landscapes for healthy cities.


In: Discussão sobre inserção do verde e drenagem urbana sustentável. SABESP, São
Paulo, 2008.

GONÇALVES, Joana C. S.; MULFARTH, Roberta K.; MONTEIRO, Leonardo M.; MOU-
RA, Norberto C.; PRATA, Alessandra R.; MIANNA, Anna C., CAVALCANTE, Rodrigo.
Adensamento Urbano e Desempenho Ambiental no Centro da Cidade de São Paulo.
XI ENCAC, VII ELACAC. Buzios, Rio de Janeiro: ANTAC, 2011.

JOHNSTON, J. Nature areas for city people. Ecology Handbook n.14 London Ecology
Unit. 1990

LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identiicação e cultivo de plantas arbóre-


as nativas do Brasil vol. 1. Nova Odessa: Plantarum, 2002.

LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identiicação e cultivo de plantas arbóre-


as nativas do Brasil vol. 2. Nova Odessa: Plantarum, 2002.

LORENZI, H; SOUZA, H. Plantas Ornamentais no Brasil – Arbustivas, herbáceas e


trepadeiras. 3 ed. Nova Odessa, São Paulo: Instituto Plantarum, 2001.

MARSH, A.; RAINES, C..Ecotect v.5.20. Square One; Joondalup: Austrália, 2004.

MIANA, Anna Christina. Adensamento e forma urbana : inserção de parâmetros am-


bientais no processo de projeto. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e Urba-
nismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). São Paulo. 2010.

PELLEGRINO, P. R. M.; GUEDES, P.P.; PIRILO. F. C.; FERNANDES, S. A. Paisagem


da borda: uma estratégia para a condução das águas, da biodiversidade e das pesso-
as. In: Costa, Lucia M. S. A. (Org.). Rios e paisagem urbana em cidades brasileiras.
1ed. Rio de Janeiro: Viana & Mosley Editora/Editora PROURB, 2006, v.1, p. 57-76.

SANCHES, P. M. De áreas degradadas a espaços vegetados: potencialidades de áre-


as vazias, abandonadas e subutilizadas como parte da infra-estutura verde urbana.
Dissertação de mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo São Paulo, 2011.

SÃO PAULO (Cidade). SECRETARIA MUNICIPAL DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE.

214
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

Inventário da Fauna do Município de São Paulo, 2010. Disponível em: http://www.


prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/publicacoes_svma/index.
php?p=4162. Acesso em 15/10/2010.

SÃO PAULO (Cidade). SECRETARIA MUNICIPAL DO VERDE E DO MEIO AMBIEN-


TE. Manual técnico de arborização urbana. São Paulo: SVMA, 2005. Disponível em:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/publicacoes_svma/
index.php?p=3351. Acesso em 15/10/2010.

SHINZATO, P. O impacto da vegetação nos microclimas urbanos. Dissertação de


mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São
Paulo, 2009.

9. AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, à Coordena-


ção de Aperfeiçoamento de pessoal de Nível Superior – CAPES pelo apoio durante a
realização da pesquisa.

215
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

ANEXO 1

Tabela 2 – Espécies indicadas de acordo com local de plantio.

Estagio
Local de utilização Nome cientíico Nome popular
sucessional

CA, CV, BD, PV Caesalpinia ferrea Pau Ferro NP


CA, CV, BD, PV, PI Senna multijuga Pau cigarra P
BD, CA, CV, PV Schinus terebenthifolius Aroeira- Mansa P
Peito de Pombo,
BD, CV, CA, PV Tapirira guianensis P
Copiúva
BD,PV Lithraea molleoides Aroeira- brava P
BD, CV,PV, PI Myracrodruon urundeuva Aroeira- preta P
BD, CA, PV,PI Annona cacans Araticum P
BD, CV, PV, PI Gochnatia polymorpha Cambará P
BD, CV, PV, PI Chorisia speciosa Paineira P
Embaúba- Verme-
BD, PV Cecropia glazioui P
lha
BD, CV, PV, PI Terminalia argentea Capitão P
BD,CV, PV, PI Terminalia brasiliensis Amarelinho P
BD,CV, PV, PI Terminalia trifolia Capitãzinho P
BD, CA,CV, PV, PI Erythrina sp Eritrina P
BD,CV, PV Alchorneae glanulosa Boleira, Tapiá P
BD, CA, CV, PV Eugenia brasiliensis Grumixama P
BD, CA, CV, PV Trema micrantha Pau - Polvora P
BD,CV,PV, PI Croton urucurana Capixingui P
BD, CV, PV, PI Peltophorum dubium Canaistula P
BD,CV, PV, PI Senna multijuga Pau - Cigarra P
BD, CA, CV, PV Bauhinia foricata Pata de Vaca P
Angico branco do
BD, CV Parapiptadenia rigida P
mato
BD Albizia hassleri Farinha-Seca P
BD, CA, CV Inga sp. Ingá P
BD Rapanea ssp. Capororoca P
BD, CA, CV, PV Psidium guajava Goiaba P

216
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10

Jacarandá Pau-
BD, CV, PV Machaerium villosum P
lista
BD, CA, CV, PV, PI Eugenia dysenterica Cagaita NP
BD, CA, CV, PV, PI Matayba eleagnoides Camboatã P
BD, CA, CV, PV, PI Qualea multilora Pau Tucano P
BD, PV Qualea jundiahy Pau Terra P
BD Solanum lycocarpum Lobeiro P
BD, CA, CV, PV Solanum paniculatum Jurubeba P
BD, CA, PV Trema micrantha Crindiúva P
BD,CV.PV,PI Vitex montevidensis Tarumã P
BD,PV,PI Ficus glabrata Figueira P
BD, CA, CV, PV Rapanea ferruginea Capororoca P
BD, CA, CV, PV Eugenia leitonni Goiabão NP
BD, CV, PI, PV Schizolobium parahyba Guapuruvu NP
BD, CV, PI, PV Cedrela issilis Cedro NP
BD, CA, CV, PI, PV Tabebuia ssp Ipê roxo NP
BD, CA. CV, PI, PV Tabebuia ssp Ipê amarelo NP
Aspidosperma Cylindrocar-
BD, CA, CV, PI, PV Peroba - Poca NP
pon
BD,PV Aspidosperma polyneuron Peroba - Rosa NP
BD, CV, PV, PI Aspidosperma ramilorum Guatambú NP
BD, CA, CV, PV Albizia polycephala Angico Branco NP
Amendoim-
BD, CV, PV Pterogyne nitens p
- Bravo
BD, CV, PV, PI Andira inermis Angelim NP
BD, CV, PV Andira fraxinifolia Angelim-doce NP
Angelim - amar-
BD, CV, PV Andira anthelmia NP
goso
BD, CV, PV, PI Centrolobium tomentosum Araribá NP
Jacarandá bico-
BD, CV, PV Machaerium nyctitans NP
de pato
BD, CV, PV, PI Machaerium scleroxylon Caviúna NP
BD, CV, PV Ficus guaranitica Figueira branca NP
BD, PV, Gallesia integrifolia Pau d´alho NP
Pessegueiro
BD, PV Prunus myrtifolia NP
Bravo

217
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°10 Junho de 2013

BD, CV, CA, PV Inga edulis Ingá de metro NP


BD, CV, PV Lafoensia glyptocarpa Mirindiba NP
BD, CV, CA, PI, PV Tabebuia avellanedae Ipê rosa NP
BD, CV, PV Caesalpinia peltophoroides Sibipiruna NP
BD, PV Cariniana estrellensis Jequitibá branco NP
BD, CV, CA,PI, PV Citrarexylum myrianthum Pau viola p
BD, PV Cariniana legalis Jequitibá rosa NP
BD, CV, PV Mayna brasiliensis Canudo de pito P
BD, CV, PV Calophyllum brasiliensis Guanandi NP
BD, CV, PV Triplaris brasiliensis Pau formiga P
BD, CV, CA, PI, PV Lafoensia pacari Dedaleiro NP
BD, CV, CA Guazuma ulmifolia Mutambo P
BD, CV, CA, PI, PV Tabebuia roseo-alba Ipê branco NP

Legenda: CA calçadas, CV corredores verdes, BD bolsões de diversidade, PV permanência verão, PI per-


manência inverno, P pioneira, NP não pioneira (secundária ou clímax)

218
ARTIGO Nº11

INFRAESTRUTURA VERDE PARA AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO C40


GREEN INFRASTRUCTURE FOR CLIMATE CHANGE IN THE C40
Maria de Assunção Ribeiro Franco | Vera Cristina Osse | Volker Minks
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11 Junho de 2013

INFRAESTRUTURA VERDE PARA AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO C40

Maria de Assunção Ribeiro Franco*


*É Professora Titular do Departamento de Projeto da FAUUSP. Coordena o Laboratório LABVERDE, e é
editora da REVISTA LABVERDE, na mesma instituição. Atualmente presta consultoria em Planejamento e
Desenho Ambiental e Infraestrutura Verde.
[email protected]

Vera Cristina Osse**


**É Professora Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela FAUUSP e leciona atualmente na FAU–
Mackenzie. Trabalha como autônoma em projetos e consultoria na área de Arquitetura e Desenho Ambiental.
[email protected]

Volker Minks***
***É engenheiro agrônomo e urbanista pela Universidade de Humboldt de Berlim. Tem trabalhado em diver-
sos projetos de design verde, com aplicação de novas tecnologias em paredes e tetos verdes na Alema-
nha, Cuba, Estados Unidos e Brasil.
[email protected]

RESUMO

Atualmente, em todo o mundo, as cidades se preparam para as mudanças climáticas. O


presente artigo trata da experiência do encontro C40, realizado em São Paulo em mea-
dos de 2011 e promovido pela Prefeitura, que reuniu dezenas de cidades do mundo in-
teiro para discutir estratégias para o enfrentamento do problema com várias abordagens
como: o uso de energias renováveis, gestão do lixo, mobilidade urbana e arborização
urbana entre outras. Os autores deste artigo foram convidados a participar do evento
como consultores e relatores da Sessão 3 – Arborização e Floresta Urbana – trabalho
que resultou num texto sobre o assunto, o qual gerou o presente artigo.

Na sessão Arborização e Floresta Urbana foram apresentadas iniciativas de incremen-


to de áreas verdes adotadas por cidades de quatro países diferentes - Rússia, Chile,
Nigéria e Etiópia - os quais se izeram presentes, respectivamente, por meio de repre-
sentantes das cidades de Moscou, Santiago, Lagos e Adis Abeba; todos reunidos com
um mesmo objetivo principal: a adaptação das cidades às mudanças climáticas. No
encontro, icou patente, que o plantio de árvores está entre as principais ações de adap-
tação das cidades, com a inalidade de melhorar a infraestrutura verde e enfrentar o
problema das “ilhas de calor” e do “aquecimento global”. O plantio dá-se principalmente

220
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11

nos parques, praças, nos espaços verdes das vias e na criação e recuperação de lo-
restas. Além dessas, outras treze cidades têm planos semelhantes, referentes à criação
ou expansão de cinturões e áreas verdes. Tendo como exemplo as medidas adotadas
por essas quatro cidades do C40, e após uma discussão e relexão pós-encontro, esta
equipe faz, no inal deste relato, uma conclusão e algumas recomendações, visando a
consolidação de uma infraestrutura verde para a cidade de São Paulo, para promover
sua resiliência urbana às mudanças climáticas.

Palavras-chave: infraestrutura verde; mudanças climáticas; arborização urbana; lo-


resta urbana; resiliência urbana.

GREEN INFRASTRUCTURE FOR CLIMATE CHANGE IN THE C40

ABSTRACT

Currently, worldwide, cities are preparing themselves for climate changes. This article
deals with the experience of the meeting C40, held in São Paulo by mid-2011 and pro-
moted by the City Authorities. The meeting brought together dozens of cities around
the world to discuss strategies to face the problem with several approaches such as
the use of renewable energy, waste management, urban mobility and urban afforesta-
tion among others. The authors of this article have been invited to attend that event as
consultants and reporters of Session 3 - Tree Planting and Urban Forest. This work re-
sulted in a text on the subject, which led to this article. In the session and Urban Forest
and Tree Planting it was proposed initiatives to increase the green areas adopted by
cities in four different countries – Russia, Chile, Nigeria and Ethiopia – which were at-
tended by representatives of the cities Moscow, Santiago, Lagos and Addis Ababa, all
together with the same main target: adapting cities to climate changes. At that meeting,
it became evident that planting trees is among the main adaptation actions at the cities,
with the aim to improve the green infrastructure and face the problem of “urban heat
islands” and “global warming”. Planting takes place mainly in parks, squares, green
areas of pathways and with creation and restoration of forests. Besides these, thirteen
other cities have similar plans concerning the creation or expansion of green belts and
areas. Having as an example the measures adopted by these four cities at C40 and
after discussion and relection after-meeting, this team makes, at the end of this report,

221
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11 Junho de 2013

a conclusion and some recommendations, aiming consolidating a green infrastructure


for the city of São Paulo to promote its urban resilience to climate change.

Keywords: green infrastructure; climate changes, urban afforestation, urban forest,


urban resilience.

ARBORIZAÇÃO E FLORESTA URBANA NO C40

Hoje se reconhece que as mudanças climáticas representam o maior desaio para a


humanidade do século XXI, tanto no âmbito econômico quanto no ecológico e social.
Na Sessão 3 do encontro C 40 - Arborização e Floresta Urbana – tornou-se evidente a
prioridade da arborização e recriação de mais áreas verdes no processo de urbanização
nas megacidades.

Representantes do Chile, da Rússia, da Nigéria e da Etiópia apresentaram iniciativas re-


levantes de seus países, onde vêm adotando medidas produtivas, como oportunidades
de inanciamento, planejamento e parceria, bem como a importância da administração na
manutenção e preservação das áreas verdes. Os representantes apresentaram e discu-
tiram os benefícios do plantio de árvores e dos programas de arborização urbana, assim
como as diiculdades para a elaboração e implementação do projeto com os associados. O
plantio de árvores está entre as principais ações de adaptação das grandes cidades, com
a inalidade de melhorar o desempenho da infraestrutura verde existente nas mesmas.

A sessão foi moderada pelo Sr. Almaz Mekonnen, Diretor de Relações Públicas e Inter-
nacionais de Adis Abeba. Vinte e um dos 40 membros, do Large Cities Climate Summit,
implementaram iniciativas de arborização e programas de Florestas Urbanas como ini-
ciativas de adaptação climática das cidades e investem, particularmente, em parques,
espaços verdes, vias urbanas, e lorestas. Treze cidades têm planos para expandir seus
programas atuais de plantio de árvores.

Programas urbanos lorestais têm importantes benefícios, como o de reduzir a vulne-


rabilidade ao estresse climático. Isso signiica inluenciar o microclima no interior das
cidades, provocando a redução do efeito estufa, a melhoria da condição de moradia das
nossas comunidades e do habitat para a vida selvagem urbana, assim como da qualida-
de do ar. Programas de arborização urbana tomam muitas formas e dependem de todos
os tipos de parceiros para a sua implementação e manutenção contínua.

222
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11

Figura 01 – Medidas de infraestrutura verde adotadas pelas cidades participantes do encontro.


Fonte: C40 Cities Baseline Report -,Tree Planting and Urban Forestry 1

CIDADES MAIS VERDES

Moscou

Moscou é a capital da Federação Russa, que tem cerca de 10.32 milhões de habitan-
tes na cidade; trata-se da maior aglomeração européia e uma das sete maiores do
mundo. É o centro político, econômico e cultural do país. Moscou ocupa 1081 km2, dos
quais 323,3 km2 são áreas verdes, ou cerca de 30% da área total da cidade, a qual
conta com: 120 parques com 2,4 mil ha; 272 vias arborizadas com cerca de 1,3 mil ha;
392 praças, ocupando 700 ha; e 236 reservas naturais (áreas protegidas) de 17.000 ha.3

1
Rishi Desai - Assessor da Presidência do C40, Relatório Base de Cidades C40 – Arborização Urbana e
Floresta Urbana, Junho de 2011.
2
www.c40cities.org/cities, 01/06/ 2011
3
Apresentação do C40 Large Cities Climate Summit, Apresentação da Sessão 3 – Arborização Urbana e
Floresta Urbana pelo Sr. Anton Kulbachevskiy, diretor do Departamento de Recursos Naturais e Proteção
Ambiental de Moscou, Sao Paulo, Junho 2011

223
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11 Junho de 2013

Moscou é mais setentrional de todas as cidades metropolitanas. Esta posição geográ-


ica impõe condições especiais de clima como: estação curta de crescimento das plan-
tas, numerosos ciclos de congelamento e derretimento do solo, uso de agentes de de-
gelo no inal da primavera, e neve e granizo, que pesam nas árvores, fazendo-as cair.
Para resolver os problemas de plantio em Moscou, não só o cuidado de especialistas
em áreas verdes, ou o trabalho sobre a sua expansão e restauração, são suicientes,
mas também o da seleção de espécies adequadas àquela situação, incluindo árvores,
arbustos e lores.

Quase 70 milhões de toneladas de CO2 são lançados anualmente na atmosfera de Mos-


cou. As estações de energia elétrica contribuem com quase a metade desse montante,
e os meios de transporte até um terço desse número, que se acumula permanentemen-
te. Tendo em conta que as áreas verdes da cidade têm o território de mais de 300 Km² ,
deve-se esperar que a quantidade de dióxido de carbono absorvido pela vegetação não
exceda 10.000 toneladas. Durante a temporada de verão em Moscou, as mudanças
climáticas são bastante nítidas. A intensidade de “ondas de calor”, o aumento de perí-
odos de seca, a probabilidade de aparecimento de poluição causados pelos incêndios
lorestais na região é bastante elevado também. Por exemplo, os cidadãos de Moscou,
no verão de 2010, sofreram com temperaturas muito altas, de mais de 30 ºC durante 33
dias, sendo que a temperatura média do verão é de cerca de 23 ºC. Nessas condições
climáticas a importância de áreas verdes é difícil de não ser superestimada, pois vão
servir como abrigos para os cidadãos. Além disso, o tráfego pesado, com o tempo seco
e quente, lança na atmosfera substâncias tóxicas e venenosas provocando o fenômeno
chamado “Los Angeles smog”, bastante comum em Moscou.

Figura 02 – Pessoas ca-


minhando na Praça Ver-
melha, em meio ao “Los
Angeles smog”, fenômeno
comum na cidade de Mos-
cou provocado pela emis-
são de poluentes tóxicos
do tráfego pesado, em
tempo quente e seco.
Fonte: Apresentação do
C40 Large Cities Clima-
te Summit São Paulo:
The Case of Moscou,
May,June,1/ 2011

224
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11

As atividades no plantio compensatório de vegetação em Moscou, para o ano de 2011,


foram adotadas com o propósito de preservação e desenvolvimento de áreas verdes,
e incluem não só o trabalho na plantação de lorestas urbanas, mas também todo o
conjunto de melhorias e obras de manutenção. O papel dos espaços verdes pode ser
considerado signiicativo, tendo em vista a compensação para as emissões; mas a
cidade está se esforçando para estabelecer mais novas áreas verdes e o desenvolvi-
mento das já existentes. O Programa de Proteção Ambiental de Moscou (2012-2016)
mostrou que está trabalhando nesse sentido, especialmente no plantio de lorestas
urbanas como meta prioritária de governo.

Lagos

Lagos é a maior cidade da Nigéria, e foi sua capital até 1991.4 Com 9,7 milhões de
habitantes5 é a mais populosa da África, e o centro inanceiro, bancário, econômico
e cultural do país, além de ser o pólo mais importante de transportes. Apresenta uma
taxa de crescimento notável da população, de 6% ao ano e prevê-se que em 2015,
abrigará cerca de 25 milhões de pessoas. Em Lagos situam-se mais de 10.000 em-
presas industriais e comerciais e uma considerável concentração de veículos. A cida-
de ica na costa do Golfo da Guiné, numa média de cinco metros acima do nível do
mar, e se estende bordejando uma lagoa, onde se pratica aquicultura extensiva, por
entre ilhas e manguezais, cercada por coqueiros e loresta tropical.

A região metropolitana de Lagos tem uma área de 14.144 km2 e se estende por todo
o estado de Lagos, e grande parte do estado de Ogun e vem lutando, como muitas
outras grandes cidades, contra estradas desastrosas, a superlotação e as péssimas
condições de tráfego. Esta situação foi reconhecida pelo estado e pela população,
que iniciou um processo de discussão.

Em 1960, ano da independência da Nigéria, e por alguns anos depois, Lagos – pri-
meiro como território da capital federal e, posteriormente, como Lagos Estado – foi
uma cidade de jardins, hipódromos, parques, campos de lores e fauna. Na verdade,
Lagos icou famosa por sua participação na série de competições de lores locais e

4
Desde 1991, Abuja é a nova capital da Nigéria
5
www.c40cities.org/cities, 01/06/ 2011

225
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11 Junho de 2013

nacionais. Tudo isso foi perdido com o advento do “boom” do petróleo, na década de
1970, que testemunhou um frenesi de construção, dando atenção insuiciente para
a vegetação.

O desenvolvimento urbano em Lagos está intimamente ligado à história, e o “Progra-


ma Lagos Verde”, pretende causar uma reviravolta. Lagos investiu em tecnologia,
propiciando o plantio de árvores de maior porte, que vieram contribuir de forma mais
eicaz na mudança dos efeitos climáticos, adotando novas estratégias de sustentabili-
dade com a implementação de áreas verdes, como vias arborizadas, jardins, parques
e lorestas, que contribuirão no futuro para amenizar o microclima.

Figura 03 – O antes e depois de uma ação de arborização urbana em uma avenida na cidade de La-
gos, Nigéria. Fonte: Apresentação do C40 Large Cities Climate Summit São Paulo: The Case of Lagos,
01/06/ 2011

Figura 04 – Adoção de máquinas e de novas tecnologias adotadas pelo governo para o programa de
plantio de milhares de árvores na cidade de Lagos, Nigéria.
Fonte: Apresentação do C40 Large Cities Climate Summit São Paulo: The Case of Lagos, 01/06/ 2011

226
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11

Santiago do Chile

Santiago do Chile estende sua região Metropolitana numa área de 15.403,2 km2, equi-
valente a 2% da superfície do país. A população regional é de 6 milhões, ou 40% da
população total, com uma densidade de 393hab/km2. Essa região vem sofrendo uma
serie de alterações climáticas, principalmente quanto à aridez e o aumento de tempe-
ratura (1 a 2 graus) em todas as estações. Situa-se geograicamente numa depressão
junto à cordilheira dos Andes, como se observa em foto abaixo (ig.05).

Figura 05 – A Cidade de San-


tiago do Chile, tendo ao fundo
a cordilheira dos Andes. Fonte:
Apresentação do C40 large Ci-
ties Climate Summit São Paulo
Brazil:Cambio Climático –Re-
gião Metropolitana Santiago do
Chile May, 01/06/ 2011

Figura 06 – Região Metropolita-


na de Santiago do Chile.
Fonte: Apresentação do C40
large Cities Climate Summit São
Paulo Brazil:Cambio Climático –
Região Metropolitana Santiago
do Chile May, 01/06/ 2011

227
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11 Junho de 2013

Com o objetivo principal de analisar os impactos da mudança de clima, a prefeitura de


Santiago, entre 2009-2012, irmou um convenio de colaboração e desenvolvimento
do projeto “Clima Adaptación Santiago”, pois existe a perspectiva de que a região so-
frerá uma diminuição nas precipitações totais anuais da ordem de 20%. Portanto, um
manejo adequado das áreas com a vegetação urbana, pode vir a minimizar os efeitos
trazidos pelas mudanças climáticas, e contribuir para um aumento do grau higromé-
trico, propiciando mais umidade e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida
para a população. O governo criou também, uma Política de Áreas Verdes com um
programa denominado “Presidencial”, que incentivou o plantio de uma árvore para
cada chileno. A meta em 2010 era de 6 milhões de novas árvores.

É provável que a Região Metropolitana no futuro ique mais quente e árida, com as pre-
cipitações concentradas no mês de inverno e altas temperaturas no verão, todavia ainda
há muitas incertezas, pois os modelos climáticos ainda podem sofrer inúmeras alterações.

Addis Abeba

Addis Abeba,capital federal da Etiópia, conta com 3 milhões de habitantes, distribuí-


dos numa área de 540km2. Esta área, que teve uma densa cobertura vegetal natural,
hoje se vê ocupada por relorestamentos de eucaliptos e apresenta um índice pluvio-
métrico relativamente baixo de 1200 mm anuais, em decorrência de seu habitat ter
sido seriamente devastado por problemas de ocupação humana.

Figura 07 – Região Metropolitana de Addis Abeba.


Fonte: Apresentação do C40 large Cities Climate Summit São Paulo Brazil: The Case of Addis Ababa

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11

Para minimizar essas condições precárias e recuperar os recursos naturais, o go-


verno criou um Plano Diretor, determinando a transformação de 22.000 ha de terras
em áreas verdes, o que signiica 41% do total da área da cidade. Essas áreas ver-
des incluem: lorestas, parques públicos de recreação, parques lineares ao longo de
rios, e agricultura urbana. Foram criadas várias estufas, incentivando principalmente
a substituição de espécies exóticas por espécies nativas, de crescimento rápido, para
acelerar a arborização. O foco do planejamento da loresta urbana, incluiu um repo-
voamento vegetal, não só com árvores, mas também com arbustos e herbáceas, no
intuito de melhorar a qualidade ambiental. A diversidade das árvores selecionadas em
Addis Abeba chega a quinhentas espécies, superando as trezentas espécies nativas,
existentes no próprio país. A espécie dominante era o eucalipto que está sendo subs-
tituído pela madeira vermelha africana (Haginea abyssinica).

Figura 08 – Viveiros de mudas para a arborização urbana em Addis Abeba.


Fonte: Apresentação do C40 large Cities Climate Summit São Paulo Brazil: The Case of Addis Abeba

229
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11 Junho de 2013

Estas metas em Addis Abeba foram de suma importância, tanto para a absorção de
carbono e redução de poluição, como para criar uma oportunidade de emprego na
criação de bosques, para consumo da madeira como recurso energético. Mais de
500 famílias dependem desse recurso para sua existência. A Etiópia foi reconhecida
pela UNEP(Programa de Meio Ambiente da Nações meta Unidas) no seu esforço pelo
plantio de árvores, 700 milhões em 2008.

Atualmente, a vegetação que cobre a cidade equivale a 16% desse número, sendo
que a meta do Plano Diretor é 41%.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O encontro C40, ocorrido em São Paulo no inicio do mês de junho, chamou-nos a


atenção para o fato de que as mudanças climáticas estão sendo notadas em vários lo-
cais do mundo, causadas principalmente por atividades humanas como: a destruição
de grandes áreas lorestadas, na queima de combustíveis e na expansão sem limites
das áreas urbanizadas. Os impactos previstos são amplos, portanto tem-se que unir
esforços na criação de políticas inovadoras de mitigação e enfrentamento desses de-
saios, onde as cidades têm um papel de destaque.

Notou-se que as apresentações do C40 apresentaram políticas e ações semelhantes,


centradas em parâmetros fundamentalmente quantitativos, no tocante ao aumento de
áreas verdes e plantio massivo de árvores nas cidades, porém, em todos os casos,
faltou o conceito de planejamento ambiental urbano e regional atrelado a conceitos
ecossistêmicos e de infraestrutura verde, o que poderia ter trazido ao encontro a ên-
fase em parâmetros qualitativos, que pudessem gerar mais discussão, no sentido de
geração de idéias para melhor condução, tanto das políticas quanto das ações de
implementação do verde nas áreas urbanas.

Observe-se o caso do município São Paulo, que concentra 10 milhões de habitantes,


com densidade de 5.500 habitantes por km2, o equivalente a 56% da população da
Região Metropolitana, que teve seu suporte físico exposto a dilapidações irreversíveis,
como: a ocupação inadequada de áreas de potencial paisagístico relevante e áreas de
fundo de vale; a sistemática impermeabilização do solo pela urbanização contínua e
deiciência de áreas verdes. O conjunto desses impactos propiciou enchentes de enor-
mes proporções e o surgimento das “ilhas de calor”. Nos últimos anos a Prefeitura do

230
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11

Município de São Paulo, através da Secretaria do Verde e Meio Ambiente, vem fazendo
inúmeros esforços no sentido de ampliação do verde na Cidade6, haja vista a criação
de novas áreas verdes e a implementação de parques lineares em fundos de vale, em
consonância com o Plano Diretor Estratégico de 2002, que previu uma estruturação
urbana através de rios e córregos7. Porém diante da dimensão de sua área urbana, que
se pode chamar aqui de “infraestrutura cinza”, as ações verdes tornam-se insuicientes.

Para minimizar as quase 16 milhões de toneladas de CO2, que foram lançadas na at-
mosfera de São Paulo em 2003, o poder público, por meio da Secretaria Municipal do
Meio Ambiente, trouxe para São Paulo o conceito de cidade compacta, enfatizando a
ocupação dos vazios urbanos centrais, minimizando a expansão dos assentamentos
em áreas periféricas. A Prefeitura criou em 2005 o Programa de Relorestamento e entre
2006 e 2009 foram plantadas mais de 600.000 novas árvores na cidade. Paralelamente
a esse programa de relorestamento, o Plano Diretor Estratégico introduziu duas “fren-
tes de Ação” o “Programa 100 Parques para São Paulo”, lançado em janeiro de 2008,
o qual levantou e reservou áreas para serem transformadas em parques em diversas
regiões da cidade associado ao Programa de Recuperação Ambiental de cursos d´água
e fundos de vale, com o objetivo de considerar a rede hídrica como elemento estrutura-
dor da urbanização. Os Parques Lineares, que acompanham os fundos de vale, vieram
a constituir o principal eixo de ação desse programa, no intuito de resgatar a lógica am-
biental da bacia hidrográica. Esses Parques Lineares são, portanto, uma nova diretriz
infra-estrutural, que passam a deinir faixas de utilidade pública ao longo dos cursos
d´água com o objetivo de implantação de uma infra-estrutura verde de recuperação am-
biental e lazer, é o inicio de uma estruturação de infraestrutura verde. Temos um exem-
plo concreto e muito bem sucedido desta ação na descanalização de um dos córregos
formadores do ribeirão do Ipiranga, dentro do Jardim Botânico de São Paulo, conforme
mostra a igura abaixo. Neste caso, havia um passeio pavimentado que constituía o eixo
de entrada daquela área verde. Por baixo do enorme piso de mosaico português que co-
bria o antigo eixo de acesso, corria o córrego tubulado, que carregava consigo as águas
das nascentes preservadas do ribeirão histórico, hoje descanalizado e com margens
revegetadas, e contando com um passeio em deck de madeira que atrai os visitantes à
observação do curso d’água, que ora corre a céu aberto, e a lora e fauna locais.

6
Vale lembrar que em 2005 a cidade possuía somente 34 parques municipais – 15 mil metros quadrados de
area protegida; em 2008 esse número aumentou para 48 parques – 24 mil metros quadrados – e o objetivo
atual é de alçancar 50 mil metros quadrados até 2012 – Sao Paulo and the Climate Change. Prefeitura
Municipal de São Paulo, encontro: Climate Summit C40, junho de 2011.
7
“Programa 100 Parques para São Paulo”, lançado em janeiro de 2008.

231
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11 Junho de 2013

Figura 09 – Córrego descanalizado no Jardim Botânico de São Paulo.


Fonte: Arquivo de Maria de Assunção Ribeiro Franco.

Apesar da cidade de São Paulo apresentar diversas áreas verdes, desde lorestas urba-
nas a parques, praças, jardins e outras, a maior parte delas estão desconectadas umas
das outras, e sem interação amigável com a trama urbana. Portanto é recomendável
a adoção de uma nova estratégia de Planejamento Ambiental, na qual o espaço da
cidade deve ser pensado como um ecossistema urbano, articulado ao seu próprio
ecossistema natural, permitindo a sobrevivência da vida selvagem, nas escalas urbana
e regional, com a implementação do conceito de Infraestrutura Verde, que considere o
verde urbano não isoladamente, mas em tipologias de espaços vedes interligados entre
si, e com a malha urbana, num sistema em rede. Somente assim pode-se imaginar a
cidade de São Paulo como uma cidade resiliente às mudanças climáticas.8

Assim, tendo em vista as relexões sobre as contribuições do encontro C40 e as con-


clusões dispostas acima, podem ser feitas as seguintes recomendações:

8
Newman, Beatley and Boyer, Resilient Cities, 2009.

232
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11

1. Criação de uma Infraestrutura Verde para a Cidade de São Paulo, por


meio de um Planejamento Ambiental, em escala urbana e regional, que
possa embasar uma revisão do Plano Diretor.

2. Criação de conectividade entre as áreas verdes urbanas existentes e futu-


ras – a Infraestrutura Verde implica em conectividade entre as partes – en-
tre as áreas núcleo e sítios por meio de corredores biológicos ou corredores
verdes – em sintonia com os contextos culturais de bairro e locais.

3. A infraestrutura verde precisa ser planejada juntamente com as demais


infraestruturas de planejamento urbano, servindo de guia para a conserva-
ção e o desenvolvimento.

4. A infraestrutura verde requer fazer conexões entre as comunidades e seus


entornos – calçadas, travessias, passarelas, que propiciem a continuidade
amigável entre os espaços urbanos. Portanto ela promove o entrelaçamen-
to entre sua “rede verde” e as “redes de transporte limpo” com prevalência
do pedestre, da ciclovia e do transporte público não poluente.

5. A infraestrutura verde deve promover a descanalização e recuperação de


córregos e rios e suas várzeas.

6. A infraestrutura verde requer compromisso de longo prazo e o envolvi-


mento entre os agentes sociais: o governo, a iniciativa privada, as organi-
zações não governamentais e das pessoas em geral.

7. A infraestrutura verde necessita de uma lei especíica que dê embasa-


mento, tanto em sua fase de planejamento, projeto e execução, quanto em
seu monitoramento e gestão continuados, que a valorize e que legitime sua
proteção, conservação e seu usufruto pelos cidadãos.

8. A infraestrutura verde deve ser criada para a cidade de São Paulo ten-
do em vista o balanço hídrico e climático em escala regional levando em
conta: o seqüestro de carbono, a promoção da biodiversidade no âmbito
urbano, a prevenção de enchentes e a mitigação de suas “ilhas de calor”,
na tentativa de colaborar globalmente para a redução do “efeito estufa” e
o “aquecimento global”.

233
Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11 Junho de 2013

9. A criação ou adaptação de órgão governamental que gerencie e monitore a


Infraestrutura Verde da Cidade de São Paulo.

10. A criação da infraestrutura verde para a Cidade de São Paulo deve, aci-
ma de tudo, revelar que está embasada numa conscientização ambiental
crescente, por parte do governo, dos empreendedores, dos especialistas
e de todos os seus cidadãos, cujo foco principal é a proteção e conserva-
ção da vida dos homens e das espécies sob uma ética ecológica.

234
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Artigo n°11

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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tentável. São Paulo, Annablume/EDIFURB, 2ªEd., 2001.

Desenho Ambiental - Introdução à Arquitetura da Paisagem com o Pa-


__________.

radigma Ecológico. 2ª. Edição, São Paulo, Annablume: Fapesp, 2008.

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235
3. ENTREVISTAS
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

ENTREVISTAS SOBRE “A NOVA PRAÇA ROOSEVELT”


INTERVIEWS ON “THE NEW ROOSEVELT SQUARE”

3.1 Rubens Reis


A “nova” nova Praça Roosevelt1

Arquiteto e Urbanista formado pelo Mackenzie. Atuou por aproxi-


madamente 20 anos na EMURB (atual SP URBANISMO) como Ar-
quiteto Assessor e Gerente de Intervenções Urbanas na criação,
desenvolvimento, acompanhamento e coordenação de projetos pú-
blicos. Ele foi o responsável pela concepção geral do novo projeto
da Praça Roosevelt . Rubens Reis também atuou como Assessor
de Gabinete da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo para
o acompanhamento do projeto executivo e obras da nova sede do
Museu de Arte Contemporânea – MAC USP a ser implantado no
Parque do Ibirapuera em São Paulo.

1
Entrevista conduzida por Ramón Stock Bonzi.

237
Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

1. LABVERDE – O sr. já declarou que a Praça Roosevelt é um erro urbanístico.


Por favor, explique isso para a gente.

REIS – O espaço que resultou a antiga Praça Roosevelt (anos 60) foi originado de
um longo e lento processo de desapropriações destinadas à abertura de espaço para
a ampliação do sistema viário da cidade de São Paulo (plano elaborado na época de
Prestes Maia). Essas desapropriações se completaram na década de 60 conforman-
do a antiga praça (grande terreno vazio que servia de estacionamento nos dias da
semana e nos domingos na maior feira-livre da cidade na época, como também, na
época das eleições no grande palco para os tradicionais comícios dos políticos).

A antiga Praça Roosevelt pode ser considerada uma área residual, resultado do longo
processo de desapropriações. Praça sem nunca ter sido uma praça esta área é cortada
no inal dos anos 60 para dar passagem ao sistema viário Leste-Oeste. Esta proposta de
ligação viária foi muito discutida dentro dos órgãos responsáveis da municipalidade. Uma
das propostas (anterior ao projeto implantado no inal dos anos 60) previa a passagem por
sistemas elevados com várias alças de acesso – Na verdade, tratava-se de um mini ce-
bolão que envolvia toda a Igreja da Consolação, criando uma grande quantidade de áreas
repletas de baixos de viadutos. Felizmente este projeto foi descartado e optou-se pela
abertura de uma grande trincheira passando bem abaixo da cota média da antiga praça.

Foi só posteriormente a esta decisão viária que a administração municipal resol-


veu contratar um projeto que izesse um fechamento desta trincheira, procurando
rearticular o antigo espaço da praça e seu entorno. O projeto foi contratado junto
ao paisagista Roberto Coelho Cardozo e aos arquitetos Antônio Augusto Antunes
Neto e Marcos de Souza Dias, todos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.

Mesmo tendo sido implantado parcialmente, o projeto e a obra inal apresentavam um


programa complexo e uma arquitetura de excessos formais que estavam mais próxi-
mos de um “Grande Edifício” do que o de uma Praça.

Construída dentro de um momento marcado pelo chamado “Milagre Brasileiro” e pelo


relexo do processo de metropolização, a Praça Roosevelt foi construída como exem-
plo de “Modernidade e Eiciência”, como airmava um de seus autores na época: “A
Praça Roosevelt não tem comparações no mundo, é mais que uma praça, é um siste-
ma viário, edifício e viaduto”.

238
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

Figura 1 – Proposta original de Cardoso e equipe, 1968. Fonte: Rubens Reis.

2. LABVERDE – Você foi a favor de sua completa demolição.

REIS – Muitos estudos e projetos foram propostos pela municipalidade e por espe-
cialistas sem alcançarem sucesso, principalmente pela questão de falta de recursos.

Em 1995 a Empresa Municipal de Urbanização - EMURB através de estudo desenvolvido


por mim e sob coordenação do arquiteto José Eduardo de Assis Lefèbvre lançou oicial-
mente a proposta de demolição do excesso da massa construída e o desenvolvimento de
uma nova intervenção neste espaço. Esta proposta surge após uma série de intervenções
que acabaram não surtindo efeito. Neste momento entendemos que não tínhamos mais
espaço para soluções paliativas de gestão e/ou melhorias, a proposta era encarar de fren-
te o real problema da Praça, ou seja ela mesma – De uma certa forma, esta proposta de
demolição dos excessos já contava com o senso comum dos técnicos da administração e
dos especialistas da sociedade civil e de grande parte da população.

239
Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

3. LABVERDE – Os problemas surgiram com o passar do tempo (e por isso


imprevisíveis) ou o projeto original já apresentava falhas conceituais desde
o início?

REIS – Inaugurada em 25 de Janeiro de 1970 a Praça Roosevelt já apresentava sé-


rios sinais de declínio em meados dos anos 80, crise que se prolongaria até o início
das obras de recuperação em 2009.

Os problemas foram se acumulando durante todo esse período como atestam as re-
portagens da imprensa local, chegando ao ponto de a Municipalidade propor a pintura
de verde da praça no intuito de tentar amenizar a aridez do espaço.

A anterior fragmentação do tecido urbano promovida pela intervenção viária não foi
recuperada com a implantação da “Nova Praça”, ao contrário, o novo projeto e obra
concluída, com os seus vários níveis (lajes e patamares), excessos formais, excessos
de massas construídas/ bloqueios visuais e de acessibilidade, junto com os proble-
mas posteriores de gestão/administração da prefeitura acabaram decretando a falên-
cia deste espaço em um espaço de 20 anos.

A complexidade e a pretensão inicial do projeto izeram com que este novo espaço
assumisse uma dimensão desproporcional com o entorno, criando a necessidade da
criação de vários planos para o atendimento do programa que juntamente com o exa-
gero formal das massas construídas acabaram criando vários bloqueios visuais e de
acessibilidade diicultando a articulação com as áreas adjacentes.

Sendo assim, podemos considerar que o programa e o partido adotado no projeto não
foi o mais correto, apesar de ter sido uma experiência que tinha como base conceitos
que estavam em vigor na nossa cidade na época – O urbanismo moderno, onde a
planiicação e a racionalização exacerbada do uso e ocupação do solo prevaleciam.
Experiências como as “New Towns” inglesas e francesas e as megaestruturas ainda
eram referências dos nossos proissionais, apesar dos questionamentos que já se
faziam no exterior, (principalmente nos Estados Unidos) a respeito do urbanismo do
“arrasa quarteirão” e das grandes intervenções.

Os problemas relacionados à gestão/administração e manutenção deste espaço só


acabaram agravando a situação.

240
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

4. LABVERDE – A requaliicação da praça teve êxito no enfrentamento


desses problemas?

REIS – Ainda é cedo para fazermos uma avaliação criteriosa da obra que foi implan-
tada. No meu entendimento, a reurbanização teve êxito no enfrentamento dos proble-
mas relacionados ao rompimento dos obstáculos visuais e de acessibilidade, procu-
rando uma maior articulação com o entorno. Foi positiva também ao resolver de uma
vez por todas os problemas relacionados às constantes e necessárias manutenções
de um espaço que se encontrava impossibilitado de uso e de grande diiculdade de
gestão e administração por parte da prefeitura.

Os estudos desenvolvidos por mim (desde 1989 até 2009) e o projeto executivo avan-
çaram dentro do prazo e das condições possíveis dentro da administração – sempre
truncado e sem continuidade. A obra foi executada dentro de outras condições de
limitações que acabaram, no meu entender, comprometendo o resultado inal, mas
de qualquer forma, acredito que estamos ainda em um processo que poderá se com-
pletar se ocorrer um acompanhamento da obra face às novas demandas e aos novos
problemas surgidos ou que possam surgir.

5. LABVERDE – Como se chegou à deinição do programa e dos planos de


massa da nova praça?

REIS – Infelizmente a administração municipal nunca teve uma clareza em termos de


programa para o referido lugar, ao contrário, a praça sempre foi um problema que i-
cava passando de mãos em mãos de vários órgãos da administração, gerando, desta
forma, uma grande diiculdade na formulação de um programa.

Sempre com diiculdades ligados à falta de recursos e à indeinição em relação aos


locatários que se encontravam na praça o projeto da de Reurbanização da Praça Roo-
sevelt sempre era postergado dentro das gestões administrativas.

Finalmente, com a possibilidade de contar com os recursos do Programa de Recupe-


ração da Área Central (Financiamento do BID) a Praça Roosevelt teve pela primeira
vez a oportunidade concreta de reformulação.

O projeto de recuperação da área central foi levado adiante na gestão da prefeita


Marta Suplicy e encaminhado nas gestões dos prefeitos Serra e Kassab na quais a

241
Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

licitação e o início das obras tiveram início, culminando com a inauguração do novo
espaço em 2012.

O programa resultante foi elaborado pelo corpo técnico e de contatos com setores da
comunidade via reuniões, assembleias e encontros. Os planos de massa da nova pra-
ça são decorrentes das condições estruturais do local – três grandes lajes que servem
de apoio ao plano principal da praça e aos dois níveis de estacionamento acima da via
Leste-Oeste. Sendo assim, o plano principal da praça icou deinido pelas condições
estruturais, sendo possível apenas intervir na demolição do antigo pentágono e nos
novos acessos criados na Rua da Consolação (Nova Esplanada Consolação) e Rua
Augusta (Nova Esplanada Augusta).

Neste longo período estudamos várias possibilidades de intervenção – rompimento


de lajes para implantar auditórios, teatros e áreas de reunião, permanência da antiga
Escola de Educação Infantil EMEI Patrícia Galvão com várias possibilidades de lay-
outs e atendimento de algumas atividades tradicionais da praça como as loriculturas.
O Programa inal do projeto e não da obra (discutido e aprovado por setores da comu-
nidade e da administração municipal) contemplou as seguintes atividades:

– Manutenção de espaço para as loriculturas existentes;


– Criação de postos da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana;
– Criação de uma ediicação para o uso de um Telecentro e do Centro de Infor-
mações da Mulher (que já se encontrava na praça por quase 20 anos);
– Espaços isolados para cachorros;
– Espaços para recreação infantil;
– Espaços para descanso, contemplação e circulação.

A malha estrutural da Praça acabou induzindo a criação de um eixo de ligação entre as


duas novas esplanadas de acesso (Consolação e Augusta). Estas duas novas Esplana-
das foram criadas com a demolição do conjunto próximo à Rua da Consolação e o fecha-
mento do vazio junto à Rua Augusta, criando um eixo arborizado para a circulação e o
descanso. Esta mesma malha estrutural com os chamados “caixões perdidos” da estrutu-
ra da laje do piso do plano principal acabou servindo como grandes loreiras para o plantio
de um eixo de árvores entre as novas Esplanadas Augusta e Consolação, tornando-se
importante partido de projeto, visto a predominância das lajes de concreto neste espaço.

242
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

Figura 2 – Croqui do projeto executivo que foi a base para o desenvolvimento da nova praça Roosevelt,
2007. Fonte: Rubens Reis.

6. LABVERDE – E a participação popular?

REIS – Dependeu de cada administração, considerando que esta proposta vem des-
de a época da Prefeita Erundina, ou até mesmo antes dela, pois a primeira grande
remodelação do espaço ocorreu na gestão do prefeito Mário Covas. Os técnicos sem-
pre estiveram disponíveis para o contato com as pessoas envolvidas com a praça.
Em termos de administração tivemos a oportunidade de apresentar todos os estudos
desenvolvidos para a comunidade local – dependendo da administração com maior
ou menor intensidade. O Programa do projeto (não da obra) pode ser considerado de
consenso entre todos.

Participamos de vários encontros, assembleias, reuniões e discussões a respeito da pra-


ça, seja com a comunidade e com especialistas. Entendo que foi o processo possível.

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Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

7. LABVERDE – O senhor se afastou da EMURB em 2009 e depois disso o seu


projeto sofreu alterações. Você foi consultado? O que achou do resultado?

REIS – Não foi o fato da minha saída da EMURB que o projeto sofreu alterações. Mu-
danças de projetos são naturais nos processos de obras – A questão é: Como mudar
e porque mudar.

O projeto teve continuidade até chegar à licitação e início da obra em 2010. Evidente-
mente uma obra acaba tendo que alterar algumas premissas originais do projeto por
questões técnicas, tempo, novas prioridades e demandas e recursos.

No caso da Roosevelt entendo que a eliminação do Telecentro foi uma grande perda,
pois seria um interessante espaço aglutinador de pessoas em especial jovens e que
junto com o Centro de Informação da Mulher seria um espaço referencial.

Outra questão é a não incorporação da área verde no entorno da Igreja da Consolação


à praça, continuando reservada para as atividades da Igreja e não da comunidade.

Outro ponto refere-se aos acabamentos, os quais foram pensados no projeto original
com materiais de maior durabilidade e que infelizmente não foram considerados.

A área de quiosques das lo-


riculturas continua vazia e
ocupada irregularmente por
uma base da Guarda Metro-
politana. Em minha opinião,
o pior das intervenções da
obra foi a opção da cons-
trução de uma nova ediica-
ção para a sede da Polícia
Militar – anteriormente, no
projeto licitado a polícia i-
caria abaixo das escadarias
da “Nova Esplanada Augus-
Figura 3 – Instalação da Guarda Civil Metropolitana em área de
ta” sem interferência com a
quiosques destinados a loriculturas. Foto: Lilian Dazzi Braga.
nova praça. Pressões de
ordem corporativa forçaram a mudança dessa proposta, como também ocorreu com as
instalações da Guarda Metropolitana, que no meu entendimento acabou retomando um
problema antigo da área – o seu fracionamento. Em função de interesses particulares

244
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

da Igreja, Polícia e Guarda Metropolitana o projeto foi fracionado e fragilizado, onde os


interesses particulares acabaram se sobrepondo ao projeto maior que seria a praça
como um espaço único.

8. LABVERDE – O caso da Praça Roosevelt é um dos muitos projetos para


áreas públicas que foram sumariamente alterados durante a execução. Como
vê essa questão?

REIS – Projetos e obras são (infelizmente) diferentes, se não fossem as regras da


licitação a situação poderia ser pior. A questão está ligada ao pouco valor que se dá
ao projeto em detrimento ao valor da obra acabada. Os prazos de execução seguem
uma lógica política e diicilmente será diferente.

Contratamos obras com projetos que na maioria das vezes são deicitários em termos de
maturação e informações, sendo assim é na obra que o projeto acaba se desenvolven-
do, sempre com os riscos de perda de qualidade e aumento de custos.Temos também a
questão relativa ao distanciamento entre o alcance dos ideais de projeto e a realidade de
execução e gestão/administração da prefeitura, que infelizmente é muito limitada e pou-
cos proissionais conseguem desenvolver projetos que se adequem às essas limitações.

A Praça Roosevelt não é exceção. Apesar do grande período de maturação (truncada


e sem comprometimento oicial) dentro da prefeitura, a indeinição da administração
em relação à ação, ao estabelecimento do programa e ao início das obras acabou
gerando os tradicionais problemas em relação às obras na cidade.

9. LABVERDE – A supressão do edifício destinado ao Telecentro e da sede do


Centro de Informação da Mulher e a colocação de um questionável edifício des-
tinado à Guarda Civil Metropolitana parece indicar uma clara vontade da admi-
nistração pública de gentriicar a área. O grupo de teatro Satyros, por exemplo,
chegou a aviusar que iria sair da área por conta dos aumentos no aluguel. Con-
corda com a nossa avaliação?

REIS – Não concordo, a supressão do edifício do Telecentro se deu por uma visão equi-
vocada de setores da administração e de entidades que consideraram que, se estávamos
demolindo uma área (o Pentágono) não deveríamos mais construir outra ediicação.

245
Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

O programa original já contemplava a permanência da polícia militar e da guarda civil (por


solicitação da comunidade). A diferença é que o programa não priorizava estes equipa-
mentos como elementos referenciais, procurando disposição mais discreta na praça.

A questão da gentriicação nunca é uma ação explícita, ela pode ocorrer (pode ser
intencional? – como sabemos pode – mas não foi o caso), infelizmente é uma lógica
do mercado na sociedade da qual vivemos: espaços requaliicados acabam sendo va-
lorizados. O poder público teria que se antecipar a este fenômeno, o que infelizmente
não ocorreu ou não ocorre.

10. LABVERDE – Você icou surpreso com a apropriação do espaço por parte dos
skatistas? Aliás, o skate foi recentemente limitado a um pequeníssimo setor.

REIS – Não iquei surpreso com os skatistas e nem com o sucesso do espaço dentro de
outras comunidades que procuram utilizá-lo neste curto tempo de existência. É natural
que um novo espaço, dentro de uma área carente de áreas abertas, seja um novo ponto
de atração, principalmente na nossa época de comunidades ligadas à internet.

O projeto original não contemplava espaços especíicos para skatistas ou outros grupos,
o projeto tinha como princípio simplesmente a abertura de um novo espaço de convívio
com a menor manutenção possível para a administração. Poderíamos ter desenvolvido
um projeto com apelos estéticos, tecnológicos e até mesmo com as louváveis justiicativas
de sustentabilidade, nos moldes de exemplos estrangeiros, mas conhecendo a fundo as
limitações da administração optamos pela simplicidade, que infelizmente para alguns sig-
niica falta de criatividade. Com relação ao skate ele não foi proibido, mas foi estabelecida
uma forma de gestão do espaço que procure garantir a permanência de outras pessoas
como crianças, velhos entre outros sem que entrem em conlito com a prática do skate e
dos skatistas que acabaram se arvorando como os “donos do espaço”. Temos que lem-
brar que o espaço não foi pensado para um único ou determinado grupo.

11. LABVERDE – O sr. entende que há alguma coisa na atual política da prefei-
tura de São Paulo para Praças que deve mudar ou que pode ser melhorada?

REIS – A fragmentação das ações da prefeitura e dos outros níveis da administração


pública (estado e união) dentro da nossa cidade são problemas concretos a enfrentar,

246
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

principalmente porque a cidade de São Paulo faz parte da maior área metropolitana
do país. As limitações das Subprefeituras (recursos orçamentários, recursos humanos
e conhecimento técnico) são os principais elementos da falta de qualidade do espaço
urbano, que junto com a falta de sintonia das ações acabam gerando essa sensação
negativa em relação aos espaços da nossa cidade.

Acredito que com maiores recursos junto às subprefeituras e ações mais integradas
poderemos melhorar este quadro.

Por im, um aspecto muito importante seria a mudança de foco das subprefeituras. As
subprefeituras precisam mudar a visão de zeladores para gestores das unidades de
sua administração e não icarem a reboque de outras instituições.

247
Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

3.2 Borelli & Merigo


Os projetos e a nova Praça Roosevelt1

Borelli & Merigo é um escritório de arquitetura e urbanismo fundado


em 1978 que tem trabalhos em todo o Brasil e também no Paraguai,
Peru, El Salvador e Angola. Seu portfólio reúne aeroportos, escolas,
edifícios de escritórios e governamentais, indústrias, terminais de ôni-
bus, hospitais e bairros planejados, atuando também na área de pai-
sagismo. É deles o projeto executivo e acompanhamento técnico da
nova Praça Roosevelt.

Nova Praça Roosevelt – Equipe Técnica

Projeto Básico Projeto Executivo de Instalações Elétricas


EMURB/ SP Urbanismo Eng. José Alves

Projeto Executivo de arquitetura e Projeto Executivo de Instalações


acompanhamento técnico da obra Hidráulicas
Borelli & Merigo arquitetura & urbanismo HCM Serviços de Estudos e Planejamento

Projeto Executivo de Paisagismo Projeto de Climatização


Arq. Fabricio Sbruzzi Teknika

Projeto Executivo de Estruturas Fiscalização de Projetos


Ápice Engenharia de Projetos SP Urbanismo/ SP Obras

Projeto Executivo de Luminotécnica Fiscalização da Obra


Franco Associados Lighting Design SP Obras

Projeto Executivo de Impermeabilização Construção


Proassp Consórcio Paulitec/Cil

1
Entrevista conduzida por Ramón Stock Bonzi.

248
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

1. LABVERDE – A antiga Praça Roosevelt era considerada um símbolo da degrada-


ção do centro de São Paulo. Na avaliação de vocês, por que ela estava abandonada?
(falta de gestão, erro de projeto?)

BORELLI & MERIGO – É importante entender a degradação da Praça Roosevelt dentro


do contexto da deterioração do centro de São Paulo. Seus espaços públicos foram gra-
dativamente abandonados pela população que via o centro como local inseguro e com
serviços pouco atrativos.

As demais praças do centro vivenciaram problemas semelhantes aos da Roosevelt. Feliz-


mente este processo começa a ser revertido.

Havia um problema especíico na Roosevelt que potencializou estes problemas: acessibi-


lidade. Toda a praça ocupava cotas de nível que não permitiam uma conexão direta com
o entorno. Com exceção de quatro pontos nas ruas João Guimarães Rosa e Martinho Pra-
do, o piso da praça não se nivelava à calçada lindeira. No caso da rua Augusta a situação
era ainda mais complexa, pois o desnível ultrapassava os seis metros e havia o fosso de
ventilação da ligação Leste-Oeste. O resultado era que a praça não interagia com a rua
Augusta e nem com a vizinhança.

Figura 1 – Corte longitudinal com a avenida Augusta à esquerda e a Rua da Consolação à direita.
Fonte: Borelli & Merigo.

2. LABVERDE – Como vocês deinem o programa da nova praça Roosevelt?

BORELLI & MERIGO – Em termos programáticos não houve grandes alterações em rela-
ção ao projeto original. A praça abriga loriculturas e espaços comerciais, um batalhão da
guarda civil metropolitana e outro da polícia militar.

249
Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

Além disto, existem áreas para um parque infantil e para passeio de cachorros. No come-
ço do ano foi provado pelo Conselho Gestor da Praça Roosevelt - composto por represen-
tantes dos moradores, comerciantes, skatistas e poder público - nosso projeto para uma
área dedicada à prática do skate.

3. LABVERDE – Vocês pegaram o projeto concebido pelo arquiteto Rubens Reis. Pro-
puseram muitas alterações? Como é ‘mexer’ na proposta de outro proissional?

BORELLI & MERIGO – Primeiro é preciso esclarecer esta questão da autoria deste pro-
jeto. De fato havia um projeto inicial concebido dentro da antiga EMURB, que inclusive
chegou a ser detalhado pela Figueiredo Ferraz.

Ocorre que por ocasião da obra, a prefeitura quis modiicar este projeto. As modiica-
ções foram: eliminação do edifício do Telecentro, aumento dos edifícios da guarda civil
metropolitana e da polícia militar, área para o chamado cachorródromo e rotas de fuga
para os dois subsolos. Além disto, havia ajustes e correções necessárias em uma refor-
ma deste porte. Este novo projeto foi concebido pela Borelli & Merigo em acordo com
as exigências da prefeitura.

Figura 2 – Projeto de Implantação. Fonte: Borelli & Merigo.

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

4. LABVERDE – Além de terem feito o projeto executivo, vocês izeram o acompa-


nhamento da obra. Imagino a diiculdade de demolir o pentágono...

BORELLI & MERIGO – Na verdade a demolição do pentágono foi relativamente simples.


As maiores complicações estavam relacionadas a uma série de incompatibilidades entre o
projeto original da praça e a obra que foi executada no início dos anos 70. Foram várias as
surpresas, pois a cada dia descobríamos uma novidade que nos ajudava a compreender
melhor o edifício. Neste ponto contamos com a colaboração da construtora Paulitec, uma
parceira ciosa da responsabilidade deste trabalho. Talvez a diiculdade mais importante te-
nha sido constatar que as imensas cortinas de contenção eram ligeiramente inclinadas. Isto
nos obrigou a revisar dezenas de projetos de modo a adaptá-los a esta situação imprevista.

5. LABVERDE – Vocês icaram surpresos com a apropriação do espaço por parte


dos skatistas? Aliás, o skate foi recentemente limitado a um pequeno setor. Como
veem essa questão?

BORELLI & MERIGO – Não icamos surpresos com os skatistas na Roosevelt. Ainal eles
ocupam este espaço faz bastante tempo. Durante os anos de maior abandono, foram eles os
principais usuários da praça. Em nosso entendimento não seria justo, agora com o espaço
reformado, expulsá-los. Porém o projeto da EMURB não contemplava áreas para skate. Na
verdade esta foi mais uma modiicação que tentamos fazer, porém a prefeitura, atendendo
à solicitação da vizinhança, não aceitou. Em nossa proposta inicial havia também um teatro
ao ar livre, outra atividade muito ligada historicamente à Roosevelt. Esta também não foi
aprovada. Após a eleição a nova administração resolveu atender aos anseios dos skatistas.
No início do ano travamos frutí-
feras conversas com a Confe-
deração Brasileira de Skate e a
subprefeitura da Sé e consegui-
mos aprovar junto ao conselho
gestor, nosso projeto para uma
praça de skate na Roosevelt.
A implementação deste projeto
em conjunto com a pedestriali-
zação da rua João Guimarães
Rosa, resolverá deinitivamente
a questão do skate e da acessi-
bilidade na Roosevelt.
Figura 3 – A praça Roosevelt: apropriações e a delicada rela-
ção com a vizinhança. Foto: Lilian Dazzi Braga.

251
Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

6. LABVERDE – Depois de tanta confusão a Subprefeitura da Sé resolveu dedi-


car 1500m2 da praça para a criação do Skate Plaza da Roosevelt . Podem nos
adiantar alguma coisa?

BORELLI & MERIGO – A praça de skate foi aprovada pelo conselho gestor da praça
e está em fase de implementação pela prefeitura.

7. LABVERDE – Existe um senso-comum de que os espaços públicos estão


sendo cada vez menos usados pela população. Vocês acham que isso procede
ou é uma falsa percepção?

BORELLI & MERIGO – Ao menos em São Paulo isto não é uma realidade. A própria
ocupação da praça desde a sua inauguração é prova disto. Há uma série de eventos
como a Virada Cultural, a Parada Gay, a reocupação do bairro da Consolação nos ar-
redores da rua Augusta, as ciclofaixas, que demonstram claramente que o paulistano
desfruta cada vez mais dos espaços de sua cidade

8. LABVERDE – A nova praça Roosevelt foi criticada por ter pouca vegetação.
Seria “seca” demais. Como encaram a critica?

BORELLI & MERIGO – O que nós chamamos de praça é, segundo o autor do projeto, o
arquiteto paisagista Roberto Coelho Cardozo, um “edifício-praça”. Na verdade a praça é
a laje de cobertura de um edifício composto pelo túnel viário da ligação leste-oeste e dois
subsolos de estacionamento. Ela se insere dentro do conjunto de obras viárias construí-
das ao longo da segunda metade do século XX e que transformaram São Paulo em uma
cidade dependente do automóvel. Ficaram reduzidas as possibilidades paisagísticas,
por conta das limitações impostas pela estrutura existente. É impossível o plantio de
árvores de grande porte na maior parte da praça. Ainda assim foram projetados cerca
de quatro mil metros quadrados de jardins sobre laje, com diversas árvores de médio
e pequeno porte, além de arbustos e forrações. Para o adequado plantio das árvores
foram abertos os caixões perdidos da estrutura, de modo a garantir um volume de terra
que permitisse a formação de raízes. Deve-se aguardar ainda, a maturidade das mudas
o que ampliará signiicativamente o porte de suas copas. Por im, gostaríamos de defen-
der os amplos espaços de piso de concreto que permitem uma variada gama de ocupa-
ções tais como, shows, manifestações e eventos dos mais variados tipos, fatos que já
se tornaram comuns na Roosevelt reformada e que contribuem para a sua qualiicação.

252
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

9. LABVERDE – Como veem a ocupação dos quiosques destinados às loricul-


turas pela guarda civil metropolitana?

BORELLI & MERIGO – Apenas um dos quiosques é ocupado pela GCM, os demais
continuam destinados a áreas comerciais.

10. LABVERDE – O senhores entendem que há alguma coisa na atual política da


prefeitura de São Paulo para praças que deve mudar ou que pode ser melhorada?

BORELLI & MERIGO – Esperamos que seja implementado, com a máxima urgência e
abrangência, um plano de arborização das ruas e espaços públicos em São Paulo. A
cidade é muito carente em relação à qualidade paisagística destes espaços.

253
Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

3.3 Fabricio Sbruzzi


A nova Praça Roosevelt1

Fabricio Chiaradia Sbruzzi é engenheiro agrônomo


(UDESC - Universidade para o Desenvolvimento do
Estado de Santa Catarina / FIC – Faculdade Canta-
reira – São Paulo – SP) e desenvolve projetos comer-
ciais, residenciais e de espaços públicos em escritório
de paisagismo que leva o seu nome.

1
Entrevista conduzida por Ramón Stock Bonzi.

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Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

1. LABVERDE – Como se deu a sua entrada no projeto da nova praça Roosevelt.

SBRUZZI – Através do escritório de arquitetura Borelli e Merigo Arquitetura e Urbanismo.

2. LABVERDE – Quais foram os critérios para a escolha das novas espécies arbóreas?

SBRUZZI – A maior área da praça está sobre uma grande laje com canteiros com pouca
profundidade. Escolher exemplares arbóreos que podem desenvolver adequadamente
nestas condições, com sistema radicular não agressivo a impermeabilização e sem com-
prometer a estrutura da laje foi um deles.

Outro critério importante foi a escolha de árvores nativas, algumas delas pouco empregadas
no paisagismo, como o cambuci (Campomanesia phaea (Berg) Landr.), a cabeludinha (Pli-
nia glomerata), o bacupari (Rheedia gardneriana), a grumixama (Eugenia brasiliensis Lam).
Algumas dessas árvores resgatam a identidade da cidade de São Paulo.

Figura 1 – Projeto de paisagismo – implantação. Crédito: Eng. Fabricio Sbruzzi.

255
Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

3. LABVERDE – Em que medida a vegetação preexistente inluenciou na escolha


das novas?

SBRUZZI – Não houve inluência na escolha. Havia pouca vegetação na praça, as


mais expressivas na maioria árvores exóticas de grande porte locadas nas laterais da
Igreja onde está a única parte da praça em solo permeável. Assim restaram poucas
áreas para locar espécimes arbóreos de grande porte.

4. LABVERDE – Boa parte da praça acontece sobre laje. Como foi lidar com isso?

SBRUZZI – Limitou bastante o emprego de árvores de grande porte. Isto foi um


tanto frustrante.

Também a escolha de espécies vegetais rústicas, adaptadas a deiciência de água foi


fundamental na escolha de muitas espécies.

Nas especiicações técnicas de preparo do solo e preenchimento dos canteiros espe-


ciiquei o uso de “gel para plantio” (polímero super absorvente com alta capacidade de
retenção de água), minimizando a perda de água dos canteiros sobre laje.

Figura 2 – O uso de espécies rústicas como a ruélia azul (ruellia coerulea) foi critério
importante na escolha da vegetação. Foto: Lilian Dazzi Braga.

256
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

5. LABVERDE – A nova praça Roosevelt foi criticada por ter pouca vegetação.
Seria “seca” demais. Muito construída. Como encara a critica?

SBRUZZI – Talvez neste primeiro instante para alguns ela pareça “seca”. Foram
plantados 232 exemplares de árvores e palmeiras, sendo destes apenas 19 exem-
plares exóticos.

Alguns espécimes arbóreos de grande porte como o pau-mulato (Calycophyllum


spruceanum Benth), o jequetibá (Cariniana legalis (Mart.) Kuntze) – considerada
por muitos como a árvore símbolo de São Paulo – a peroba-rosa (Aspidosperma
cylindrocarpon M. Arg.) e a Sapucaia (Lecythis pisonis Camb.) entre outros são ali
encontrados nas poucas áreas de solo permeável.

Acredito que em dois anos quando esses espécimes estiverem mais desenvolvidos a
praça seja vista de forma diferente.

Lembrando que a maior parte da praça está sobre uma laje, sendo um fator limitante
do espaço verde.

6. LABVERDE – Existe um senso-comum de que os espaços públicos estão


sendo cada vez menos usados pela população. Você acha que isso procede ou
é uma falsa percepção?

SBRUZZI – Não vejo isso acontecer na Praça Franklin Roosevelt.

Já em algumas outras áreas públicas isso procede, principalmente pela falta de segu-
rança e má conservação.

7. LABVERDE – Uma das áreas que mais faz sucesso é o cachorródromo. Muitos
paisagistas acham que cães e jardim são inconsorciáveis. Como foi trabalhar
esse espaço?

SBRUZZI – Realmente o convívio desses animais com o jardim é na maioria das


vezes difícil.

Na Praça Roosevelt como os canteiros no entorno do cachorródromo são mais eleva-


dos em relação ao piso, limita o avanço dos cães sobre eles, favorecendo as plantas.

A escolha do melhor piso para o lugar foi muito discutida, pois também está em cima
de laje e receberia uma quantidade grande de excrementos desses animais.

257
Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas Junho de 2013

Optamos no inal pela grama-batatais (Paspalum notatum), grama nativa do Brasil,


muito rústica e resistente em cima de uma camada de solo com sistema de drenagem,
captação e direcionamento de todo o líquido ali despejado direto para o sistema de
esgoto e não de águas pluviais.

Figura 3 – Cachorródro-
mo da Praça Franklin
Roosevelt.
Foto: Lilian Dazzi Braga.

8. LABVERDE – Nós sabemos da diiculdade da manutenção de áreas verde em


São Paulo. Como sua proposta de paisagem lidou com isso?

SBRUZZI – Foi também algo que inluenciou na escolha das espécies vegetais. Como
mencionei em resposta anterior, a escolha de espécies vegetais rústicas, adaptadas a
deiciência de água e o uso do “gel de plantio” foi fundamental.

9. LABVERDE – No nosso entender, tudo o que diz respeito à praça é objeto de


trabalho do paisagista. Como vê essa noção que reduz o paisagismo à escolha
da vegetação?

SBRUZZI – O projeto da Praça Franklin Roosevelt foi concebido, discutido e aprovado


em conjunto com todos os envolvidos no projeto (arquitetos, engenheiros, EMURB,
associação de moradores do bairro entre outros). Participei desde o início de todo o
processo de criação, opinando e discutindo quando necessário.

258
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Entrevistas

Acredito que todo projeto, não só paisagístico, quando envolvem mais proissionais e
área multidisciplinar ains tem seu inal mais bem sucedido.

10. LABVERDE – O Sr. entende que há alguma coisa na atual política da prefeitu-
ra de São Paulo para Praças que deve mudar ou que pode ser melhorada?

SBRUZZI – Sim, por parte da prefeitura uma melhor preservação e conservação des-
sas áreas e das árvores e canteiros das vias públicas.

Creio que parte do cuidado e manutenção, não só das praças, mas de todas as áre-
as públicas em geral, é dever também da população. Ela tem um papel importante
de responsabilidade e participação, não transferindo para o poder público toda a
responsabilidade.

Acredito na melhor educação da população para mudar, ocupar e se apropriar dos


espaços públicos de forma devida, assumindo também a parte que lhe cabe dessa
responsabilidade.

259
4. DEPOIMENTO
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Depoimento

DEPOIMENTOS | TESTIMONY

Plano Diretor do Parque Estadual Tizo


um trabalho multidisciplinar e colaborativo
Tizo State Park Masterplan
a multidisciplinary collaborative work

AUTORAS DO DEPOIMENTO
Ana Lúcia P. de Faria Burjato e Patrícia Akinaga

A elaboração do plano diretor do Parque Urbano de Conservação Ambiental e Lazer


Estadual Tizo foi resultado de uma proveitosa colaboração entre a Secretaria de Esta-
do de Meio Ambiente – SMA e a iniciativa privada através de uma equipe multidiscipli-
nar composta por arquitetos, arquitetos paisagistas e engenheiros.

Graças ao entusiasmo do eng. Fábio Barros, que como um catalisador, reuniu prois-
sionais de diversas formações para trabalhar de forma voluntária junto com proissio-
nais do Departamento de Projetos da Paisagem técnicos e pesquisadores de outras
instituições da SMA e representantes das prefeituras dos municípios de Osasco, Ta-
boão da Serra, Cotia e São Paulo, num grande exemplo de sinergia, o Plano Diretor
foi concluído em seis meses.

Outro diferencial do Plano Diretor é o processo participativo, pois a comunidade do


entorno, esteve sempre presente e ativa na defesa do parque nas reuniões desde a
deinição do programa até a aprovação do produto inal, pelo Conselho de Orientação
do Parque Tizo, que conta com representantes do estado, prefeituras e da sociedade
civil organizada.

O Parque Urbano Estadual Tizo tem cerca de 1,3 milhões de m², localiza-se na zona
oeste da Região Metropolitana de São Paulo e abrange as áreas dos Municípios de
São Paulo, Cotia e Osasco, nas proximidades das divisas de Embu e Taboão da Serra.

O Parque, que faz parte da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo,
servirá como laboratório para a produção de conhecimento técnico e cientíico so-

261
Revista LABVERDE n°6 – Depoimento Junho de 2013

bre manejo de fragmentos lorestais em zonas urbanas e de expansão, objetivando


sua sustentabilidade ecológica. O objetivo do Parque é assegurar a proteção dos
remanescentes de mata atlântica e dos mananciais existentes e proporcionar o uso
público para lazer, recreação e principalmente educação ambiental. Desta forma este
fragmento de mata atlântica será preservado, porém permitindo o uso, pois é preciso
conhecer para admirar.

Os espaços projetados são: Praça do Encontro, Caminhos das Orquídeas e das Bro-
mélias, decks de observação, Centro de Educação Ambiental com aniteatro ao ar
livre, parque infantil, uma lanchonete com área para piquenique, jardim das borboletas
e Viveiro para visitação e produção de mudas a partir de sementes coletadas na área.

Nas instalações do parque as técnicas para baixo impacto ambiental incluem: ven-
tilação cruzada, brises na face mais ensolarada, estrutura em madeira laminada
pré-moldada, para redução das obras no local, racionalização do uso da água, com
equipamentos de baixo consumo e automação; reuso de água de lavatórios para as
descargas sanitárias, tratamento de esgoto sanitário com fossa, iltros e alagados
construídos e o equacionamento da coleta pluvial ora com garantia de permeabilidade
do solo ora com retenção para uso nos vasos sanitários.

A iluminação em locais distantes da rede elétrica será através de placas solares ou


com geração de energia eólica. O aquecimento da água dos vestiários será por placas
solares complementada por energia a gás se necessário

Para acessar o Plano Diretor:


http://www.ambiente.sp.gov.br/wp/parquetizo/plano-diretor/

262
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Depoimento

1. EQUIPE TÉCNICA

Coordenação geral da equipe técnica


PATRÍCIA AKINAGA, arquiteta paisagista e urbanista

Gestão do Parque Tizo


Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA)
DEPARTAMENTO DE PROJETOS DA PAISAGEM – DPP
HELENA CARRASCOSA VON GLEHN – engenheira agrônoma – Diretora
ANA LÚCIA P. DE FARIA BURJATO, arquiteta paisagista e urbanista
ARNALDO RENTES - arquiteto paisagista e urbanista
CETESB
PAULO TAKANORI KATAYAMA – engenheiro civil

Plano e Projeto paisagístico


Patrícia Akinaga Arquitetura Paisagística e Desenho Urbano S/s Ltda
PATRÍCIA AKINAGA, arquiteta paisagista e urbanista

Co-autoria no Plano paisagístico


NK&F ARQUITETOS ASSOCIADOS LTDA.
FRANCINE SAKATA, arquiteta paisagista e urbanista
TOLEDO PIZA ARQUITETURA PAISAGÍSTICA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL LTDA.
PLINIO TOLEDO PIZA, arquiteto paisagista e urbanista

Projeto arquitetônico e de iluminação


ANDREA JUNQUEIRA CAMPOS, arquiteta
Consultoria em conforto térmico e iluminação: Ambiental S/C Ltda.
ELIZABETH KYOTOKU MATSUMOTO, arquiteta
JULIETTE HAASE DE AZEVEDO, arquiteta
Consultoria projeto de estrutura: Cia de projetos Ltda.
HELOISA MARINGONI, engenheira

Supervisão e apoio técnico


EMBU S.A. Engenharia e Comércio
Guapuruvu Participações e Gestão de Negócios Ltda.
Instituto Embu de Sustentabilidade
FÁBIO BARROS, engenheiro civil

263
Revista LABVERDE n°6 – Depoimento Junho de 2013

AMARILDO LIMA, engenheiro civil


RICARDO AUGUSTO, engenheiro civil

Consultoria ambiental
MGA – Mineração e Geologia Aplicada Ltda.
LUÍS ANTONIO TORRES DA SILVA, engenheiro agrônomo
HÉRCIO AKIMOTO, geólogo

Levantamento planialtimétrico, terraplenagem


AGNALDO SÉRGIO BERTOLO, técnico em construção civil

Consultoria em Hidrologia, geotecnia, energia e drenagem


BUREAU DE PROJETOS E CONSULTORIA LTDA
ÉLCIO AUGUSTO CÉSAR, engenheiro civil
BÁRBARA CHIODETO DE PAULA SILVA, engenheira civil

Consultoria jurídica
MANESCO, RAMIRES, PERES, AZEVEDO MARQUES ADVOCACIA

264
5. EVENTOS
Revista LABVERDE n°6 – Eventos Junho de 2013

EVENTOS

LANÇAMENTO DE LIVRO

Cecília Polacow Herzog


Livro CIDADES PARA TODOS (re)aprendendo a conviver com a Natureza

266
6. COMUNICADOS
Revista LABVERDE n°6 – Comunicados Junho de 2013

COMUNICADOS

REVISTA LABVERDE – NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

A Revista LABVERDE, criada em 2010, é um periódico cientíico eletrônico, semestral


(abril e outubro), do Laboratório LABVERDE, multidisciplinar, com foco em Paisagem
e Sustentabilidade, atualmente estruturado em 9 áreas: Planejamento Ambiental, De-
senho Ambiental, Infraestrutura Verde, Arquitetura da Paisagem, Engenharia Ambien-
tal, Certiicação Verde, Ecologia Urbana, Floresta Urbana e Projeto Sustentável.

Normas para Apresentação de Trabalhos

1. O Conselho Editorial da Revista LABVERDE decidirá quais artigos, ensaios, entre-


vistas, conferências, debates, resenhas relatos de experiências e notas técnicas
serão publicadas, levando em conta a consistência teórica e a pertinência do tema
em conformidade com a linha editorial.

2. O Apresentação dos Trabalhos: Em mídia eletrônica (CD, DVD), utilizando o proces-


sador de texto WORD 6.0 ou superior, sem formatação, entrelinhas =1,5 – margens
=2,5. Número de páginas entre 10 e 25, incluindo, imagens, tabelas, gráicos, refe-
rências, etc. Deverá conter entre 21.000 a 45.000 caracteres, incluindo o resumo, o
abstract e a introdução. Deverão ser entregues com o CD/DVD, três cópias impres-
sas do arquivo. O resumo e o abstract não deverão ultrapassar 2.000 caracteres.

3. Os títulos e os subtítulos deverão aparecer em maiúsculas, pois é importante que no


original ique clara a sua natureza. Também deverão ser concisos e explícitos Quanto
ao conteúdo tratado. Deverão ser apresentadas, no mínimo 5 palavras-chave.

4. As contribuições deverão ser acompanhadas da versão em língua inglesa do título,


subtítulo, resumo e palavras-chave.

5. Logo após o título, devem constar o nome do autor, sua qualiicação, procedência
e endereço eletrônico.

6. As notas e referências bibliográicas deverão ser agrupadas no inal do texto e


devidamente referenciadas.

268
Junho de 2013 Revista LABVERDE n°6 – Comunicados

7. Não serão aceitas reproduções de imagens publicadas em livros, revistas ou perió-


dicos, sem a expressa autorização do(s) autor(es) das mesmas.

8. Os textos assinados serão de inteira responsabilidade dos autores e não haverá


alteração de seu conteúdo sem prévia autorização.

9. Os trabalhos deverão ser entregues pelos autores com a autorização expressa,


cedendo o direito de publicação à REVISTA LABVERDE.

10. Os editores se reservam o direito de não publicar artigos que, mesmo selecio-
nados, não estejam rigorosamente de acordo com estas instruções. São Paulo,
junho de 2013.

Profa. Dra. Maria de Assunção Ribeiro Franco


Professora Titular
Coordenadora do LABVERDE
Editora da Revista LABVERDE

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