J. Direitos Humanos em Conflito Armado: Direito Internacional Humanitário: Até As Guerras Têm Limites

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J.

DIREITOS HUMANOS
EM CONFLITO ARMADO

DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO:


ATÉ AS GUERRAS TÊM LIMITES

“[…]são e manter-se-ão proibidas, em qualquer ocasião e lugar […]


As ofensas contra a vida e a integridade física, especialmente o homicídio sob todas as
formas, mutilações, tratamentos cruéis, torturas e suplícios;
A tomada de reféns;
As ofensas à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos humilhantes e degra-
dantes;
As condenações proferidas e as execuções efetuadas sem prévio julgamento, realizado por
um tribunal regularmente constituído, que ofereça todas as garantias judiciais reconheci-
das como indispensáveis pelos povos civilizados.
Os feridos e doentes serão recolhidos e tratados.”
Artigo 3º, nos1 e 2, comum às quatro Convenções de Genebra. 1949
330 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

HISTÓRIA ILUSTRATIVA
Outrora um Rei Guerreiro: Memórias de Veio-me à memória o treino, a programação
um Militar no Vietname para matar, e comecei a matar.
Varnado Simpson, veterano americano da
Eu tinha 19 anos quando fui para o Vie- guerra do Vietname, relatando eventos
tname. Era atirador especial de 4ª cate- que ocorreram em 1968.
goria. Fui treinado para matar, mas a (Fonte: adaptado de: Donovan, David.
realidade de matar alguém é diferente de 2001. Once a warrior king: memories of an
treinar e puxar o gatilho. Não sabia que ia Officer in Viet Nam.)
fazer isso. Eu sabia que as mulheres e as
crianças estavam lá, mas para mim, dizer Questões para debate
que as ia matar, não sabia que o ia fazer 1. Por que é que este soldado decidiu dis-
até o ter feito. Eu não sabia que ia matar parar, apesar de saber que mulheres e
alguém. Eu não queria matar ninguém. crianças não são alvos legítimos?
Não fui educado para matar. 2. Por que é que as mulheres e as crianças
Ela estava a correr de costas na direção de são pessoas protegidas durante um con-
uma linha de árvores mas carregava algo. Eu flito armado?
não sabia se seria uma arma ou outra coisa. 3. Acha que a obediência é importante
Eu sabia que era uma mulher e não queria quando se trava uma guerra? Os solda-
disparar sobre uma mulher, mas recebi or- dos devem sempre obedecer às ordens?
dem para disparar. Na altura, pensei que ela 4. Quem acha que determina o que é uma
estava a correr com uma arma e, então, dis- conduta legal e ilegal, numa guerra?
parei. Quando a virei, era um bebé. Disparei 5. Quão importante é para os soldados
sobre ela cerca de 4 vezes, as balas atravessa- aprender o que é ilegal? Qual o propósi-
ram-na e mataram também o bebé. Quando to de ter regras?
a virei, vi que metade do rosto do bebé tinha 6. Como é que se pode evitar tragédias
desaparecido. Nesse momento, apaguei-me. como a descrita supra?

A SABER
do indivíduo. Os direitos humanos nunca
1. ATÉ AS GUERRAS TÊM LIMITES cessam de ser relevantes mas o surto de
violência sistemática e organizada, que
Poucas são as situações que ameaçam são as verdadeiras caraterísticas de um
tão drasticamente a segurança humana, conflito armado, constitui uma afronta
como a guerra. Nas circunstâncias extre- precisamente aos princípios constituti-
mas de conflito armado, os governos dão vos daqueles direitos. Como tal, as situa-
por si a ter de tomar decisões difíceis, ções de conflito armado requerem um
entre as necessidades da sociedade e as conjunto complementar, mas separado,
J. DIREITOS HUMANOS EM CONFLITO ARMADO 331

de normas com base numa ideia muito mais, limitar o sofrimento que a guerra
simples, a de que até as guerras têm pode causar. No esforço de preservação
limites. Estas regras são comummente da dignidade humana, poder-se-á dizer
designadas por Direito Internacional que o DIH contribui para uma paz even-
Humanitário (DIH) ou Direito dos Con- tual através do aumento das possibilida-
flitos Armados. O DIH pode ser sinte- des de reconciliação.
tizado como o conjunto de princípios e
regras que estabelecem limites ao uso de
violência durante os conflitos armados, “A guerra deve ser sempre travada com vis-
de modo a: ta à paz.”
x Salvar aquelas pessoas (“civis”) não Hugo de Groot (Grócio).
diretamente envolvidas nas hostilida-
des; As Origens do DIH
x Limitar os efeitos da violência (até para Embora os académicos estejam de acordo,
os “combatentes”) ao nível necessário de um modo geral, que o nascimento do
para os propósitos da guerra. DIH moderno foi em 1864, com a adoção
da Primeira Convenção de Genebra, tam-
DIH e Segurança Humana bém é claro que as regras contidas nessa
Convenção não eram inteiramente novas.
Muitos já questionaram e muitos negam Na verdade, uma grande parte da Primei-
que a lei possa regular o comportamen- ra Convenção de Genebra teve a sua fonte
to na realidade excecional, anárquica e em direito consuetudinário já existente. De
violenta dos conflitos armados. Como se facto, já existiam regras que protegiam de-
pode esperar que, onde a sobrevivência terminadas categorias de vítimas de confli-
do indivíduo ou da sociedade estão em tos armados e costumes relacionados com
jogo, considerações legais restringirão o os meios e métodos de combate, autoriza-
comportamento humano? Embora possa dos e proibidos, durante as hostilidades,
parecer surpreendente à primeira vista, que remontam a 1000 a.C.
existem várias razões preponderantes Até meados do século XIX, os códigos e
para que, tanto agressores, como defen- os costumes que constituíam o DIH eram
sores sigam as regras de conduta estabe- limitados geograficamente e não expres-
lecidas pelo DIH. Enquanto a explosão savam um consenso universal. O ímpeto
da violência nega a própria ideia de se- para o primeiro Tratado de Direito Huma-
gurança, é, todavia, importante perceber nitário resultou, em grande parte, de um
que o DIH contribui para a segurança empresário suíço chamado Henry Dunant.
humana ao defender a ideia de que até Tendo testemunhado a carnificina que
as guerras têm limites. O DIH reconhece ocorreu em Solferino, em 1859, durante a
a realidade dos conflitos armados e res- batalha em que as forças francesas e aus-
ponde a esta, de forma pragmática, com tríacas se debateram, no norte de Itália,
regras práticas e detalhadas dirigidas aos Dunant decidiu escrever um livro no qual
indivíduos. Este ramo de direito não ten- relatou os horrores da batalha e tentou su-
ta estabelecer se um Estado ou um grupo gerir e publicitar medidas possíveis para
rebelde têm, ou não, o direito a recorrer melhorar o destino das vítimas da guerra.
ao conflito armado. Pretende, antes de A adoção da Convenção de Genebra, de
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1864, para Melhorar a Situação dos Fe- mais abrangente: as regras e os princípios
ridos e Doentes das Forças Armadas em que regulam a coordenação e a coopera-
Campanha resultou num tratado interna- ção entre os membros da comunidade in-
cional, aberto a ratificação universal, pelo ternacional, isto é, o Direito Internacional
qual os Estados concordaram, voluntaria- Público.
mente, limitar o seu próprio poder em prol
do indivíduo. Pela primeira vez, os confli- DIH e Direitos Humanos
tos armados foram regulados por uma lei Pode dizer-se que o DIH protege o “núcleo
escrita e geral. duro” dos direitos humanos em tempo de
conflito armado, uma vez que se esforça
“Quando o sol nasceu a vinte e cinco de por limitar o sofrimento e os danos causa-
junho de 1859, desvendou os mais terríveis dos por este. Aquele núcleo duro inclui o
cenários imagináveis. Corpos de homens e direito à vida, a proibição de escravidão,
cavalos cobriam o campo de batalha: cadá- a proibição de tortura e tratamento desu-
veres estavam espalhados pelas estradas, mano e a proibição de qualquer aplicação
valetas, ravinas, matagais e campos […]. retroativa da lei. Ao contrário de outros di-
Os pobres homens feridos que foram reco- reitos (tais como a liberdade de expressão,
lhidos, durante todo o dia, encontravam-se de circulação e de associação) que podem
extremamente pálidos e exaustos. Alguns, ser circunscritos em tempos de emergên-
os feridos mais graves, tinham um ar estu- cias nacionais, a proteção essencial con-
pidificado como se não percebessem o que cedida pelo DIH nunca pode ser suspensa.
lhes era dito […]. Outros estavam ansiosos Uma vez que o DIH se aplica precisamente
e excitados pela tensão nervosa e abalados às situações excecionais que constituem
por tremores espasmódicos. Alguns, que ti- os conflitos armados, o conteúdo desse
nham feridas abertas já mostrando sinais “núcleo duro” de direitos humanos tende
de infeção, quase endoideciam com a dor. a convergir com as garantias jurídicas fun-
Imploravam para lhes acabarem com o seu damentais fornecidas pelo Direito Huma-
sofrimento e retorciam-se, com as faces dis- nitário. Enquanto o DIH, como lex specia-
torcidas, na sua luta contra a morte.” lis, regula as situações de conflito armado,
Henry Dunant. A Memory of Solferino. e os direitos humanos visam os tempos de
paz, o direito internacional dos direitos
DIH enquanto Direito Internacional humanos continua a ser aplicável durante
As regras e princípios do DIH são dispo- os conflitos armados. O DIH e o direito dos
sições jurídicas universalmente reconhe- direitos humanos complementam-se na
cidas, não sendo apenas preceitos morais proteção da vida e da dignidade daqueles
ou filosóficos ou costumes sociais. O co- que são apanhados em conflitos armados.
rolário da natureza jurídica destas regras
é a existência de um regime detalhado de Infra, surgem algumas das formas, se-
direitos e obrigações impostas às diversas gundo as quais o DIH protege os direitos
partes de um conflito armado. Os indiví- humanos em conflitos armados:
duos que não respeitam as regras do DIH
serão levados à justiça. x a proteção concedida a vítimas de
O DIH tem de ser entendido e analisado guerra tem de ser conferida sem qual-
como uma parte distinta de um quadro quer discriminação;
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Os conflitos armados internacionais são


x uma grande parte do direito huma-
aqueles em que dois ou mais Estados
nitário dedica-se à proteção da vida,
entraram em confronto e aqueles em
especialmente, a vida de civis e de
que as pessoas se sublevaram em opo-
pessoas não envolvidas no conflito; o
sição a um poder colonial, a uma ocu-
DIH também restringe a aplicação da
pação estrangeira ou a crimes raciais,
pena de morte;
comummente referidos como guerras de
x o DIH vai para lá do tradicional direi- libertação nacional. Para além do regi-
to civil à vida ao proteger os meios me aplicável do direito dos direitos hu-
necessários para a vida, categoriza- manos, estas situações estão sujeitas a
do como direito ‘económico e social’ um espectro alargado de regras do DIH,
de acordo com o direito dos direitos incluindo as estabelecidas nas quatro
humanos; Convenções de Genebra e respetivo Pro-
x o DIH proíbe, em absoluto, a tortura tocolo I.
e o tratamento desumano;
x o DIH proíbe, especificamente, a es- DIH DH

cravidão: os prisioneiros de guerra


não podem ser considerados como - proibição de tomada
-direito à vida -proibição da escravidão
de reféns
propriedade de quem os capturou; - respeito pelas garantias
- proibição da - proibição da aplicação
retroactiva das dispo-
tortura e trata-
judiciais sições penais
x as garantias judiciais estão codifica-
mentos cruéis,
- cuidar dos doentes - direito ao reconhe-
humilhantes e
e feridos; tratamento cimento como pessoa
degradantes
das nas Convenções de Genebra e res- humano de pessoas não
- proibição da perante a lei
(ou já não) participantes - direito à liberdade de
petivos Protocolos Adicionais; nas hostilidades
discriminação
(com base na consciência e de religião
- regras que regulam a - proibição de prisão por
raça, cor, sexo
x a proteção das crianças e da vida conduta das hostilidaddes
ou religião) falta de cumprimento de
obrigação contratual
familiar é claramente enfatizada no
DIH: os exemplos incluem as regras
sobre as condições de internamento EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS...
de crianças e as regras contra a sepa-
ração de elementos da mesma família;
x o respeito pela religião é tido em Um conjunto mais limitado de regras é
consideração nas regras relativas aos aplicável nos conflitos armados internos.
prisioneiros de guerra, bem como nos Estas estão previstas, particularmente, no
rituais fúnebres. artº 3º, comum às quatro Convenções de
Genebra e ao Protocolo Adicional II. O
Quando é que o DIH artº 3º representa o padrão mínimo de hu-
é aplicável? manidade e é, portanto, aplicável em qual-
O DIH aplica-se em situações de conflitos quer situação de conflito armado. Mais,
armados internacionais e em situações um número de regras originariamente
de conflitos armados não internacionais, desenhadas para serem aplicadas em con-
bem como em situações de ocupação. flitos internacionais, também se aplicam
O conceito de “conflito armado”, desde como regras costumeiras durante conflitos
1949, substituiu o conceito tradicional de não internacionais.
“guerra”.
334 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

médico, estabelecimentos, transportes


Distinção e equipamento. Os emblemas da Cruz
“As vítimas dos conflitos atuais não são Vermelha, do Crescente Vermelho e
apenas anónimas mas, literalmente, inu- do Cristal Vermelho são o sinal para
meráveis […]. A terrível verdade é que, tal proteção e devem ser respeitados.
hoje, os civis não são só “apanhados em
4. Os combatentes capturados e os civis
fogo cruzado”. Não são vítimas acidentais
sob a autoridade de uma parte contrária
ou um “dano colateral”, como, de forma
têm direito ao respeito pelas suas vidas,
eufemística, são tratados. Demasiadas ve-
dignidade, direitos e convicções pesso-
zes, eles são um alvo deliberado.”
ais. Devem ser protegidos contra todos
Kofi Annan, Secretário Geral da ONU. 1999.
os atos de violência e de represália. De-
vem ter o direito a se corresponder com
O DIH não se aplica em situações de vio- as suas famílias e a receber ajuda.
lência que, em termos de intensidade,
5. Todos têm o direito a beneficiar das
não chegam a ser consideradas conflitos
garantias judiciais fundamentais. Nin-
armados. Nestes casos, as disposições do
guém deve ser responsabilizado por
direito dos direitos humanos e a legislação
um ato que não tenha cometido. Nin-
nacional relevante regulam o destino dos
guém deve ser sujeito a tortura física
que se envolvem em atos de violência.
ou mental, a castigos corporais ou a
tratamentos cruéis ou degradantes.
2. DEFINIÇÃO E DESENVOLVIMENTO 6. As partes do conflito e os membros
DOS DIREITOS PROTEGIDOS das suas forças armadas não têm uma
possibilidade de escolha ilimitada de
Quais são as Regras Básicas métodos e meios de guerra. É proibi-
do Direito Internacional do utilizar armas ou métodos de guer-
Humanitário nos Conflitos Armados? ra que possam causar perdas desne-
cessárias ou sofrimento excessivo.
1. As pessoas fora do combate e aqueles 7. As partes do conflito devem sempre
que não participam diretamente nas distinguir entre a população civil e os
hostilidades têm o direito ao respeito combatentes, de forma a poupar a po-
pelas suas vidas e pela sua integrida- pulação e a propriedade civis. Nem a
de moral e física. Devem, em todas as população civil, enquanto tal, nem os
circunstâncias, ser protegidos e trata- civis podem ser alvos de ataque. Os
dos humanamente sem qualquer dis- ataques devem ser dirigidos só contra
tinção adversa. alvos militares.
2. É proibido matar ou ferir um inimigo (Nota: Estas regras, delineadas pelo
que se renda ou que se encontre fora CICV, resumem a essência do DIH. Não
do combate. possuem a autoridade de um instrumen-
3. Os feridos e os doentes devem ser to legal e de forma alguma procuram
recolhidos e tratados pela parte do substituir os tratados em vigor. Foram
conflito que os tiver em seu poder. redigidas com o intuito de facilitar a pro-
A proteção também engloba pessoal moção do DIH.)
J. DIREITOS HUMANOS EM CONFLITO ARMADO 335

O Que é Que o DIH Protege ridas impossíveis de tratar. Os princípios


e Como o Faz? de humanidade, necessidade militar e
O DIH protege os indivíduos que não proporcionalidade são essenciais para as-
são, ou já não, participam nos combates, segurar o objetivo de proteger os civis de
tais como os civis, os feridos, os doentes, incidentes ou efeitos colaterais e os com-
os prisioneiros de guerra, os náufragos e batentes de um sofrimento desnecessário.
pessoal do serviço de saúde e religioso. A
proteção é garantida ao obrigar as partes Humanidade
do conflito a assegurar-lhes assistência “Ao preservar uma área de humanidade
material e a tratá-los humanamente, em bem no centro do conflito armado, o direito
qualquer circunstância e sem distinções internacional humanitário deixa aberta a
desfavoráveis. porta para a reconciliação e contribui não
Alguns locais e objetos, tais como hospi- só para restaurar a paz entre os beligeran-
tais e ambulâncias, também são protegidos tes mas também para promover a harmo-
e não podem ser atacados. O DIH define nia entre os povos.”
um número de emblemas e símbolos cla- União Interparlamentar. 1993.
ramente reconhecidos - em particular, os
emblemas da Cruz Vermelha, do Crescen- A necessidade militar refere-se às ações
te Vermelho e do Cristal Vermelho – que que são necessárias para dominar o adver-
podem ser utilizados para identificar pes- sário, sendo que a lei foi redigida conside-
soas e locais protegidos. Os monumentos rando esta referência. Assim, parte do di-
históricos, peças de arte ou locais de cul- reito humanitário acaba por não ser muito
to também são protegidos. O uso de tais ‘humanitário’ aos olhos de um jurista de
objetos no apoio dos esforços de guerra é direitos humanos, mas tem a vantagem de
estritamente proibido. Mais, o ambiente é ser preciso e realista.
igualmente uma preocupação do DIH que
proíbe métodos e meios de guerra que, in- Quem Tem de Respeitar
tencional ou expectavelmente, causem da- o Direito Internacional
nos generalizados, duradouros e graves ao Humanitário?
meio ambiente. Apenas os Estados podem ser partes dos
Tem de ser feita a distinção entre com- tratados internacionais e, consequente-
batentes e civis na conduta das hostili- mente, das Convenções de Genebra de
dades, mas também entre objetos civis e 1949, dos seus dois Protocolos Adicionais
objetivos militares. Isto significa que não de 1977. Porém, todas as partes envolvi-
apenas os civis, enquanto tais, estão pro- das num conflito armado – quer forças
tegidos, mas também os bens necessários armadas estatais ou forças dissidentes –
para a sua sobrevivência ou subsistência estão obrigadas pelo direito internacional
(alimentos, gado, reservas de água potá- humanitário. Atualmente, todos os Esta-
vel, etc.). dos do mundo são partes das 4 Conven-
O DIH protege contra o sofrimento desne- ções de Genebra de 1949, o que demonstra
cessário, ao proibir o uso de armas cujos a sua universalidade. Atualmente, 170 Es-
efeitos seriam excessivos relativamente às tados são partes do Protocolo Adicional I
vantagens militares previstas, tais como, relativo à proteção de vítimas de conflitos
balas explosivas cujo objetivo é causar fe- armados internacionais, ao passo que o
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Protocolo Adicional II relativo à proteção Tal até acontece quando outro Estado está
de vítimas de conflitos não internacionais, indiretamente envolvido nos incidentes.
tem 165 Estados-parte. Aceitar que está a suceder uma situação
de conflito armado significa aceitar que
3. PERSPETIVAS os responsáveis pela execução da violên-
INTERCULTURAIS E cia podem ser dignos de proteção à luz do
QUESTÕES CONTROVERSAS DIH, para além da proteção básica conce-
dida pelo direito dos direitos humanos. De
A Importância da Sensibilização Cul- forma não surpreendente, as autoridades
tural governamentais têm mais tendência para
Os esforços da humanidade no sentido de qualificar estes perpetradores como cri-
limitar a brutalidade da guerra são univer- minosos, bandidos ou terroristas do que
sais. Muitas culturas, ao longo da História, como combatentes evitando, assim, as re-
tentaram restringir o uso da violência de gras do DIH.
modo a reduzir o sofrimento desnecessá- Uma das formas de tornar o DIH aceitável
rio e a limitar a destruição. Ainda que as para os Estados, em tais situações, é ga-
Convenções iniciais de Genebra e de Haia rantir que a aplicabilidade das regras não
não fossem universais na sua conceção, confere nenhuma legitimação aos grupos
uma vez que foram redigidas e adotadas envolvidos nas hostilidades. A abordagem
por juristas e diplomatas pertencentes à realista e pragmática do DIH é utilizada
cultura Cristã Europeia, os princípios que para proteger as vítimas dos conflitos, in-
lhe são subjacentes são universais. Esta di- dependentemente dos lados envolvidos.
mensão universal do DIH não deve ser ja- É importante sublinhar que o DIH é um
mais subestimada ou esquecida: frequen- equilíbrio entre conceitos conflituantes:
temente, o respeito e a implementação das por um lado, a necessidade militar e, por
regras dependerá, de facto, do estabeleci- outro lado, preocupações humanitárias.
mento de uma correspondência clara en-
tre os tratados aplicáveis e as tradições ou
“Sabemos como uma pessoa, independen-
costumes locais.
temente da nacionalidade, pode, facilmen-
te, ser apanhada pela psicologia da bru-
Perspetivas Conflituantes quanto à Apli-
talidade quando esteja envolvida numa
cação do DIH
guerra. Tal brutalidade é, muitas vezes,
Apesar dos princípios do DIH terem obti-
causada pelo ódio de outros, como clara-
do uma aprovação quasi-universal, podem
mente ilustrado pelos atos de racismo. O
ocorrer dificuldades na sua implementa-
problema fundamental que deve ser abor-
ção devido a ideias concorrentes no mo-
dado ao lidar com qualquer crime de guer-
mento em que manifestações de violência
ra, é o profundo medo da morte que expe-
se tornam num conflito armado. A quali-
rimentam os soldados. Para ultrapassar o
ficação de um conflito como armado é de
medo durante a guerra, as pessoas tendem
importância primordial já que é o requisito
a apoiar-se na violência que, por sua vez,
básico para o DIH se aplicar. Quando os
esbate a sua ética e se manifesta como um
Estados se confrontam com atos de vio-
surto de brutalidade.”
lência no seu território, costumam preferir
Yuki Tanaka, académico japonês.
lidar internamente com estas ocorrências.
J. DIREITOS HUMANOS EM CONFLITO ARMADO 337

4. IMPLEMENTAÇÃO humanos, o DIH confere uma contribuição


E MONITORIZAÇÃO única na educação para a cidadania aos
níveis local, nacional e internacional. A
Considerando a dificuldade em fazer cum- educação e a formação têm de ter início
prir o direito num conflito armado, os re- em tempos de paz, de modo a incutir uma
presentantes estatais que redigiram os trata- perceção verdadeiramente humanitária.
dos de DIH tiveram de prever mecanismos
específicos de implementação e adaptar os Medidas de Monitorização do Cumpri-
mecanismos gerais do direito internacional mento
às necessidades específicas das vítimas de O Comité Internacional da Cruz Verme-
conflitos armados. Infelizmente, os meca- lha (CICV) desempenha um papel funda-
nismos gerais e específicos, em conjunto, mental ao recordar os Estados de que estes
não conseguem garantir nem mesmo um assumiram tornar conhecidas as disposi-
mínimo de respeito pelos indivíduos, num ções humanitárias e que têm de efetuar
conflito armado. Tal só pode ser alcançado todas as diligências necessárias para asse-
se a formação e a educação levarem o co- gurar que a lei é efetivamente aplicada e
nhecimento a todos de que, nos conflitos plenamente respeitada.
armados, o inimigo continua a ser um ser
humano que merece respeito. Medidas Repressivas
De um modo geral, há três tipos de estra- O DIH obriga os Estados a reprimir todas
tégias aplicadas pelo DIH que visam asse- as suas violações. Algumas violações gra-
gurar a sua implementação: ves de direitos humanos, designadas por
x Medidas preventivas; crimes de guerra, são criminalizadas pelo
x Medidas que assegurem o seu cumpri- DIH. Na verdade, existe um requisito que
mento durante o conflito armado; obriga os Estados a adotar legislação na-
x Medidas repressivas. cional que puna crimes de guerra, que
procure os que alegadamente cometeram
Medidas Preventivas tais crimes e que os leve à justiça dos seus
Os Estados-parte das Convenções de Ge- próprios tribunais ou que os extradite para
nebra – o que significa quase todos os outro Estado, para serem sujeitos a um
Estados no mundo – têm a obrigação de procedimento judicial penal. Estas me-
disseminar, tanto quanto possível, o co- didas repressivas também são utilizadas
nhecimento sobre o direito internacional como dissuasoras e evitam a reincidência
humanitário. Não é suficiente que as for- de violações de direitos humanos.
ças armadas de um Estado aprendam so- O Tribunal Penal Internacional (TPI) é
bre o DIH: a sociedade civil e a juventude competente para julgar crimes de guerra,
também precisam de estar familiarizadas crimes contra a humanidade e genocídio. Ao
com a perspetiva humanitária no confli- contrário dos Tribunais ad hoc criados para
to armado. O âmago imediato do DIH é os conflitos na Antiga Jugoslávia e no Ru-
proteger a vida e a dignidade humana, em anda, o TPI tem jurisdição universal. Atual-
tempos de guerra; contudo, extensivamen- mente, estão pendentes no tribunal casos
te, também se dedica a proteger tais valo- sobre o Uganda, a República Democrática
res em todas as nossas experiências. Como do Congo, a República Central Africana,
tal, ao lado da educação para os direitos Quénia, Darfur/Sudão e a Líbia.
338 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

CONVÉM SABER
O Movimento Internacional da Cruz Ver- “A desintegração das famílias, em tempos de
melha e do Crescente Vermelho é compos- guerra, deixa mulheres e meninas especial-
to pelo Comité Internacional da Cruz Ver- mente vulneráveis à violência. Atualmen-
melha (CICV), pelas Sociedades Nacionais te, quase 80% dos 53 milhões de pessoas
da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho deslocadas devido a guerras, são mulheres
de 186 países e pela Federação Internacio- e crianças. Quando pais, maridos, irmãos e
nal de Sociedades da Cruz Vermelha e do filhos são levados para o combate, deixam
Crescente Vermelho. As Sociedades Nacio- mulheres, os mais novos e os mais velhos à
nais agem na qualidade de auxiliares das sua própria defesa. As famílias refugiadas
autoridades públicas dos seus próprios pa- apontam a violação ou o medo da violação
íses na esfera humanitária e fornecem uma como um fator preponderante nas suas de-
variedade de serviços, incluindo assistência cisões de procura de refúgio.”
a desastres e programas de saúde e sociais. UNICEF. The State of the World’s Children. 1996.
A Federação é a organização que promove
a cooperação entre as Sociedades Nacionais É conferida uma atenção especial às mu-
e promove a sua capacidade. lheres e às crianças, uma vez que o DIH
Enquanto guardião e promotor do DIH, lhes confere uma proteção específica.
o CICV desempenha o papel principal na As mulheres vivem os conflitos armados
busca da preservação de uma dimensão de múltiplas formas – desde participarem
humanitária em pleno conflito armado. ativamente enquanto combatentes, até
serem consideradas alvos enquanto mem-
1. BOAS PRÁTICAS bros da população civil ou porque são mu-
lheres. A experiência de guerra das mulhe-
Proteção de Civis res é multifacetada – significa separação,
O direito humanitário funda-se no princí- a perda de membros da sua família e do
pio da imunidade da população civil. As sustento, e um risco acrescido de violência
pessoas que não participam nas hostilida- sexual, ferimentos, privações e morte. A
des não podem ser atacadas, em qualquer resposta a esta realidade implica:
circunstância; têm de ser poupadas e pro- x Ensinar os direitos das mulheres aos de-
tegidas. Nos conflitos de hoje, porém, os tentores de armas.
civis, frequentemente, têm de enfrentar x Fornecer assistência a saúde ginecológi-
uma violência horrível, sendo, por vezes, ca e reprodutiva nas instalações médi-
alvos diretos. Massacres, tomada de re- cas e nos centros de saúde que auxiliam
féns, violência sexual, assédio, expulsão, as vítimas das hostilidades.
deslocações forçadas e pilhagens, bem x Recordar às autoridades dos centros de
como o impedimento deliberado no aces- detenção que as detidas devem estar
so à água, alimentos e cuidados de saúde, sob a supervisão imediata de mulheres
são algumas das práticas que espalham o e que as suas instalações para dormir e
terror e o sofrimento, na população civil. sanitárias têm de estar adequadamente
O CICV mantém uma presença constante separadas das dos homens.
em áreas onde os civis enfrentam riscos x Trabalhar sobre o reatamento de conta-
acrescidos. tos entre membros de famílias que fo-
J. DIREITOS HUMANOS EM CONFLITO ARMADO 339

ram separadas na sequência do conflito mília – e trabalhar no sentido da liber-


armado. tação das crianças.
x Fornecer apoio às famílias dos desapa-
recidos. Direitos Humanos das Crianças

Direitos Humanos das Mulheres


“Há crianças que se alistam por supostas ra-
zões voluntárias. Porém, penso que se deve
As crianças são, demasiadas vezes, testemu-
ter cuidado e reconhecer que não existe qual-
nhas em primeira mão das atrocidades come-
quer alistamento voluntário, na medida em
tidas contra os seus pais ou outros membros
que a grande maioria das crianças que se
da família. São mortas, mutiladas, feitas pri-
alistam voluntariamente, fazem-no por ne-
sioneiras ou, ainda, separadas das suas famí-
cessidade ou porque são vítimas, por medo
lias. Cortados os laços com o ambiente que
ou para segurança. Crianças não acompa-
lhes é familiar, mesmo as que conseguem
nhadas que não têm pais que as protejam,
escapar não têm qualquer certeza quanto ao
pessoas que temem morrer à fome ou que
seu próprio futuro e o dos seus entes queri-
não têm cuidados de saúde adequados, po-
dos. São, frequentemente, forçadas a fugir,
dem procurar uma atividade militar.”
abandonadas à sua própria sorte e rejeita-
Dr. Mike Wessells. 2006.
das por não terem uma identidade. Mais, as
crianças que vivem com as suas famílias ou
entregues a si mesmas, em zonas de confli- Proteger os Prisioneiros
to, são potenciais candidatas ao recrutamen- Uma das consequências dos conflitos arma-
to como crianças-soldado. Privadas de uma dos é a tomada e manutenção de prisioneiros.
família, estas crianças recrutas consideram A privação da sua liberdade coloca as pessoas
quase impossível imaginar a vida sem guerra. numa situação vulnerável face às autorida-
Associar-se a um grupo armado é uma forma des prisionais e no seio do ambiente prisio-
de garantir a sua própria sobrevivência. Dar nal. Esta vulnerabilidade é particularmente
resposta a esta realidade envolve: premente em tempos de conflito e violência
x Promover o respeito pelos direitos da interna, quando o uso excessivo e ilegal da
criança no seio dos detentores de ar- força ocorre e as deficiências estruturais são
mas. exacerbadas. O DIH inclui medidas especial-
x Erradicar o recrutamento e a participa- mente destinadas a proteger os prisioneiros.
ção das crianças em conflitos armados. As formas de assegurar o respeito pela vida e
x Fornecer às crianças vítimas de conflito, dignidade dos prisioneiros incluem:
assistência médica, psicológica e social x Assegurar que os responsáveis pelas
adequada. prisões recebem formação sobre as re-
x Trabalhar no sentido de restabelecer os gras e que são penalizados se não atua-
laços familiares, proporcionando prote- rem em consonância com estas.
ção a crianças não acompanhadas e lo- x Assegurar que as autoridades fornecem
calizando pessoas desaparecidas. fundos e meios adequados para as prisões.
x Monitorizar as condições de detenção x Permitir que organizações humanitárias
para as crianças – certificar-se de que neutras, como é o caso do CICV, visitem
são mantidas em separado dos adultos, prisioneiros e monitorizem o tratamen-
exceto se forem membros da mesma fa- to que lhes é concedido.
340 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

x Restabelecer os laços familiares nos ca- ser repatriados ou reinstalados num país
sos em que estes foram quebrados. terceiro.
x Apoiar organizações de direitos huma- x Informar e apoiar as famílias dos desa-
nos, tais como a Amnistia Internacional parecidos.
e a Human Rights Watch ou organiza-
ções de direitos humanos locais que de-
Uma Palavra acerca do Emblema
nunciem o que sabem sobre o abuso de
prisioneiros pelos seus carcereiros. As Convenções de Genebra mencio-
nam três emblemas: a Cruz Vermelha,
Restabelecimento o Crescente Vermelho e o Cristal Verme-
dos Laços Familiares lho (desde 2006). O DIH regula o uso, o
Em quase todas as emergências – conflitos tamanho, o propósito e a colocação do
armados, deslocação em massa da popula- emblema, as pessoas e a propriedade
ção e outras situações de crise – as crianças que protege, quem o pode usar, o que
acabam separadas dos seus pais, famílias e significa respeitar o emblema e quais as
de outros adultos responsáveis. Dado que, sanções em caso do seu uso indevido.
raramente, o seu estatuto é imediatamente Em tempo de conflito armado, o emble-
claro, as crianças são mais frequentemente ma pode ser usado como proteção so-
designadas de ‘crianças separadas ou não mente por:
acompanhadas’ do que de ‘órfãs’. Outros,
1. Serviços médicos de uma força armada;
tais como os idosos ou as pessoas com de-
ficiências, também podem ficar sujeitos a 2. Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha
uma situação difícil durante um conflito. e do Crescente Vermelho devidamente
Podem ficar para trás, isolados e separados reconhecidas e autorizadas pelos seus
dos seus parentes e incapazes de cuidar de governos para prestar assistência aos
si mesmos. Devido à sua particular vulne- serviços médicos das forças armadas;
rabilidade, o CICV toma, quando necessá- 3. Hospitais civis e outras instalações
rio, medidas específicas direcionadas à sua médicas reconhecidas enquanto tal
proteção e reunificação familiar. Algumas pelo governo;
destas medidas envolvem: 4. Outras agências voluntárias de ajuda
x Transmitir notícias da família através de sujeitas às mesmas condições das So-
mensagens da Cruz Vermelha, emissões ciedades Nacionais.
de rádio, telefone e internet, via Movi-
mento Internacional da Cruz Vermelha Três tipos de uso indevido do emblema:
e do Crescente Vermelho. 1. Imitação: uma organização humanitá-
x Organizar repatriações e reunificações ria usa uma cruz vermelha, geradora
familiares. de confusão, para se identificar.
x Facilitar visitas familiares a parentes de- 2. Usurpação: um farmacêutico anuncia
tidos ou que se encontrem para lá das o seu negócio com uma bandeira da
linhas da frente de batalha. Cruz Vermelha.
x Emitir documentos de viagem do CICV
para os que, pertencendo a um conflito, 3. Perfídia: as forças armadas usam uma
não tenham ou já não tenham documen- ambulância com uma cruz vermelha
tos de identificação e estejam prestes a para transportar armas.
J. DIREITOS HUMANOS EM CONFLITO ARMADO 341

Os Estados têm de tomar todas as medi- Unidade – só pode existir uma Socieda-
das para prevenir e reprimir o uso inde- de da Cruz Vermelha ou do Crescente
vido do emblema. Os casos mais sérios Vermelho em cada país.
de uso indevido do emblema são consi- Universalidade – organização mundial.
derados crimes de guerra.
Devido à natureza politicamente sensível
Princípios de Funcionamento da Ação do trabalho desenvolvido pelo CICV, que
Humanitária inclui visitas a prisioneiros ou a interme-
De modo a poder ser qualificada como hu- diação entre as partes em conflito, queren-
manitária, uma organização tem de obe- do estar presente e ser tolerado por todos
decer a certos princípios fundamentais. Os os lados, a confidencialidade ocupa uma
mais importantes destes princípios de fun- posição importante no trabalho da organi-
cionamento são a neutralidade e a imparcia- zação. Este princípio, juntamente com os
lidade. A neutralidade significa não tomar da neutralidade e imparcialidade, levanta
partido. Este princípio permite aos agentes alguns dilemas éticos para os agentes hu-
humanitários obter e manter a confiança de manitários que não podem denunciar abu-
todos os envolvidos no conflito. A imparcia- sos, pois fazê-lo pode colocar em perigo as
lidade significa que será concedida priorida- vidas das vítimas ou impedir a capacidade
de tendo em consideração as necessidades. de acesso aos que necessitam da sua as-
Na verdade, os agentes humanitários não sistência.
fazem distinção em razão da nacionalidade,
etnia, crenças religiosas, estatuto social ou 2. TENDÊNCIAS
opiniões políticas. São orientados, apenas,
pelas necessidades dos indivíduos e têm de
dar prioridade aos casos mais urgentes.

Os Princípios Fundamentais do Movi-


mento da Cruz Vermelha e do Crescente
Vermelho
Humanidade – proteger a vida, a saúde
e assegurar o respeito pelo ser humano.
Imparcialidade – não discriminação
quanto à nacionalidade, raça, crenças
religiosas, classe ou opiniões políticas;
guiar-se só pela necessidade.
Neutralidade – não tomar partido nas Legenda: Eixo vertical: Milhões de vidas
hostilidades. Eixo horizontal: Século XVIII;
Independência – autonomia total em Século XIX; Século XX.
relação a todas as autoridades externas. Fonte: Inter-Parliamentary Union and In-
ternational Committee of the Red Cross.
Serviço voluntário – organização não 1999. Respect for International Humanita-
lucrativa. rian Law.
342 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

Tendências relativas a Conflitos Arma- “conflitos que envolvem o uso de força ar-
dos com base nos Estados, por Tipo: mada entre dois grupos organizados – sen-
1946-2008 do que nenhum dos mesmos é o governo
Os conflitos armados com base nos Estados de um Estado – que resultam em pelo me-
são definidos pelo Projeto de Relatório sobre nos 25 mortes em batalha num ano”. Pode
Segurança Humana (HSRP) como “conflitos ser feita uma distinção entre dois grupos
nos quais pelo menos uma das partes é o go- relativamente aos conflitos armados não
verno de um Estado e que resultam em 25 ou estatais: a primeira categoria inclui os
mais mortes em batalha declaradas num de- conflitos travados entre diferentes grupos
terminado ano do calendário”. Seguindo esta de rebeldes; a segunda categoria inclui os
definição, os conflitos com base no Estado, conflitos entre grupos étnicos, religiosos
incluem, por conseguinte, conflitos interesta- ou outros. Contrariamente aos conflitos
tais, conflitos intraestatais ou civis, conflitos armados com base no Estado, os conflitos
interestatais internacionalizados e conflitos armados não estatais têm uma duração
extraestatais. Durante as últimas décadas, mais curta e também são menos mortais.
têm-se tornado visíveis mudanças nos con- Embora, segundo o Relatório, o número de
flitos com base nos Estados. Atualmente, a conflitos tenha diminuído 52% entre 2002
grande maioria dos conflitos armados ocorre e 2007, o número total de conflitos atin-
no seio dos Estados: enquanto nos finais dos giu um recorde máximo em 2008. A única
anos 40, metade de todos os conflitos decor- região sem nenhum conflito armado não
ria nos seio dos Estados, no início dos anos estatal é a Europa, contrariamente à África
90, o número chegava já aos 90%. As formas Subsaariana que apresenta o número mais
mais mortais de conflitos foram sempre os elevado de conflitos.
conflitos entre Estados, mas estes tornaram- (Fonte: Human Security Report Project.
se muito raros. Em 2007, atingiu-se o mais 2011. Human Security Report 2009/10: The
baixo número de conflitos registado desde Causes of Peace and the Shrinking Costs of
1957. Não só diminuiu o número de guerras War.)
efetivas, como também o número de pessoas
mortas nesses conflitos tem vindo a diminuir. Terrorismo
De acordo com o HSRP, 20.000 pessoas eram Um assunto de relevo que surgiu da dis-
mortas por ano durante as guerras dos anos cussão sobre terrorismo em relação ao
50, comparado com 4.000 no novo milénio. DIH refere-se ao desafio à segurança co-
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a locado pelo terrorismo, assegurando a
guerra tem vindo a tornar-se menos mortal. proteção dos direitos dos suspeitos. Um
(Fonte: Human Security Report Project. exemplo das dificuldades surgidas quan-
2011. Human Security Report 2009/2010: do confrontados com este desafio, é a
The Causes of Peace and the Shrinking situação dos detidos pelos EUA, em con-
Costs of War.) flitos armados e na “Guerra ao Terror”.
De acordo com os princípios do conflito
Tendências em Conflitos Armados Não armado, para que um conflito possa ser
Estatais, por Região: 2002-2008 qualificado como conflito armado, tem de
De acordo com o Relatório de Segurança envolver ou a força entre dois ou mais Es-
Humana de 2009/2010, os conflitos arma- tados ou um certo nível de violência entre
dos não estatais podem ser definidos como um Estado e um grupo armado. A inter-
J. DIREITOS HUMANOS EM CONFLITO ARMADO 343

pretação desta regra diverge de país para tentes e não combatentes, sendo que ape-
país, especialmente quando confrontados nas aos combatentes pode ser concedido
com os desafios colocados pelo terroris- o estatuto de “prisioneiro de guerra”. Os
mo. Os EUA têm uma opinião vincada combatentes podem lutar pelas forças ar-
sobre o facto de a “Guerra ao Terror” de- madas, enquanto que os não combatentes
ver ser qualificada como conflito armado, podem ser processados por lutarem uma
conflito esse que terminará apenas quan- vez que tal se qualifica como crime de
do o terrorismo for apaziguado. Susten- guerra. O artigo 5º da Convenção III de
tam também que as regras sobre a guerra Genebra declara que em caso de dúvida
se aplicam, uma vez que o terrorismo é sobre o estatuto de pessoas que tenham
um desafio global, em todo o mundo, o praticado um ato de beligerância e tenham
que inclui a ideia de que até um certo caído nas mãos do inimigo, “estas pesso-
ponto o homicídio de suspeitos de terro- as beneficiarão da proteção da presente
rismo é justificado. Convenção, aguardando que o seu estatuto
Para uma análise da situação dos detidos seja fixado por um tribunal competente”. A
na Baía de Guantánamo, deve ser feita aplicação desta regra à situação de Guan-
uma distinção entre os detidos capturados tánamo faz presumir que os detidos cujo
nos campos de batalha e os outros. Por estatuto não fosse claro aquando da cap-
conseguinte, deve também determinar-se tura deveriam ter o mesmo tratamento dos
se havia um conflito armado aquando da prisioneiros de guerra. A decisão de um
captura. Os EUA consideraram, como ato executivo ou de outra entidade militar não
de agressão, os ataques terroristas do 11 é qualificável como decisão por um tribu-
de setembro de 2001, o que lhes conferiria nal competente.
o direito à autodefesa, que aplicaram num (Fontes: CICV. 2012. Persons detained by
contra-ataque no Afeganistão. Os EUA the US in relation to armed conflict and
não consideraram o Afeganistão como o the fight against terrorism – the role of the
responsável pelos ataques de 2001, mas ICRC.; CICV.2011. The relevance of IHL in
o Afeganistão dava abrigo a campos de the context of terrorism.; CICV. 2010. Chal-
treino terrorista. O conflito no Afeganistão lenges for IHL – terrorism: overview.)
é qualificado como um conflito armado
internacional, tal como reconhecido pelo A Abolição de Minas Terrestres Antipes-
tribunal distrital dos EUA. A questão co- soais e de Munições de Fragmentação
loca-se em saber se os detidos capturados No decorrer dos anos 90, o movimen-
nos campos de batalha no Afeganistão são to internacional da Cruz Vermelha e do
prisioneiros de guerra, tal como definido Crescente Vermelho, organizações inter-
pelo DIH. Relativamente às pessoas cap- nacionais e uma coligação significativa
turadas não no campo de batalha de um de ONG trabalharam sem descanso, para
conflito armado mas durante a chamada alcançar a proibição de minas terrestres
“Guerra ao Terror”, o DIH não é aplicá- antipessoais e para prestar assistência às
vel. Para a determinação do estatuto de vítimas de minas e às comunidades afe-
um detido como “prisioneiro de guerra” tadas pelas minas. Este trabalho culmi-
são aplicáveis os princípios da Convenção nou, em 1997, com a adoção do Tratado
de Genebra de 1949. No entanto, o DIH de Otava, a Convenção sobre a Proibição
estabelece uma diferença entre os comba- da Utilização, Armazenagem, Produção
344 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

e Transferência de Minas Terrestres An- mentação. As bombas de fragmentação


tipessoais e sobre a sua Destruição que são armas que contêm até centenas de
entrou em vigor em 1 de março de 1999. É submunições explosivas, lançadas do ar
a primeira Convenção de sempre a proibir, ou disparadas do chão. A sua natureza
sob a égide do direito internacional huma- indiscriminada e o perigo a longo prazo
nitário, uma arma de uso generalizado e em que consistem os resíduos por explo-
que se tornou lei mais rapidamente do que dir, colocam perigos consideráveis para
qualquer anterior acordo multilateral so- os civis e afetam a vida da comunidade
bre armas. Em janeiro de 2012, 156 países durante décadas. A Convenção obriga os
tinham ratificado o Tratado de Proibição Estados a nunca usar, desenvolver, pro-
de Minas Antipessoais, de 1997. duzir, adquirir, armazenar ou transferir
Em 2008, a campanha sobre a proibição tais munições, a destruir munições de
de munições de fragmentação repetiu o fragmentação, a limpar as áreas afetadas
sucesso verificado relativamente às mi- e assegurar ajuda aos afetados. Em janei-
nas terrestres antipessoais, com a adoção ro de 2012, 59 Estados tinham ratificado
da Convenção sobre Munições de Frag- a Convenção.

Alguns números respeitantes à assistência do CICV (dados mundiais relativos a 2010)


Detidos visitados .................................................................................... 500.928
Número de visitas feitas .......................................................................... 5.027
Número de locais de detenção visitados ................................................... 1.783
Detidos registados pela primeira vez em 2010 ........................................... 14.738
Mensagens da Cruz Vermelha recolhidas (para restabelecer os laços familia-
res) ........................................................................................................ 160.338
Mensagens da Cruz Vermelha distribuídas (para restabelecer os laços fami-
liares) ................................................................................................... 145.114
Chamadas telefónicas facilitadas entre membros de família ....................... 12.795
Menores não acompanhados registados pela primeira vez ......................... 2.031
Crianças-soldado desmobilizadas registadas pela primeira vez................... 627
Itens domésticos essenciais distribuídos (ajuda humanitária) .................... 4.735.328
Assistência alimentar prestada ................................................................. 4.937.114
Atividades relacionadas com água e alojamento ....................................... 9.928.247
(Fonte: CICV. 2011. Annual Report 2010. Main Figures and Indicators.)

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918)


3. CRONOLOGIA testemunhou o uso de métodos de guerra
que, se não completamente novos, foram
Alguns conflitos armados tiveram impacto usados numa escala sem precedentes. Es-
imediato no desenvolvimento do direito tes incluíram gás venenoso, os primeiros
humanitário. bombardeamentos aéreos e a captura de
J. DIREITOS HUMANOS EM CONFLITO ARMADO 345

centenas de milhares de prisioneiros. O 1906 Revisão e desenvolvimento da


Tratado de 1925 que proibia alguns méto- Convenção de Genebra de 1864
dos de guerra e os tratados de 1929, re-
lativos ao tratamento dos prisioneiros de 1907 Revisão das Convenções de Haia
guerra, foram uma resposta àqueles de- de 1899 e adoção de novas Con-
senvolvimentos. venções
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) 1925 Protocolo de Genebra relativo à
assistiu à morte de civis e militares em proibição de utilizar gazes asfi-
igual número, comparativamente a um rá- xiantes, tóxicos ou similares na
cio de 1:10, na Primeira Guerra Mundial. guerra
Em 1949, a comunidade internacional deu
1929 Duas Convenções de Genebra:
resposta a esses números trágicos e, par-
ticularmente, aos efeitos terríveis que a - Revisão e desenvolvimento
guerra teve sobre os civis, ao rever as Con- da Convenção de Genebra de
venções então em vigor e ao adotar um 1906
novo instrumento: as Quatro Convenções - Convenção de Genebra relativa
de Genebra relativas à proteção de civis. ao tratamento dos prisioneiros
Em 1977, os Protocolos Adicionais foram de guerra (nova)
a resposta aos novos desafios de proteção
1949 Convenções de Genebra:
nas guerras de descolonização, bem como
ao desenvolvimento de nova tecnologia I Convenção de Genebra para
militar. Em particular, o Protocolo Adi- Melhorar a Situação dos Feri-
cional II também inclui forças armadas dos e Doentes das Forças Ar-
dissidentes ou outros grupos armados or- madas em Campanha
ganizados que, sob comando hierárquico, II Convenção para Melhorar a Si-
exercem controlo sobre uma parte do ter- tuação dos Feridos, Doentes e
ritório. Náufragos das Forças Armadas
no Mar
Principais Instrumentos de DIH e Ou- III Convenção Relativa ao Tra-
tros Instrumentos Relacionados tamento dos Prisioneiros de
1864 Convenção de Genebra para me- Guerra
lhorar a situação dos militares fe- IV Convenção Relativa à Proteção
ridos nas forças armadas em cam- das Pessoas Civis em Tempo de
panha Guerra (nova)
1868 Declaração de São Petersburgo 1954 Convenção de Haia para a Prote-
(proibição do uso de certos projéc- ção dos Bens Culturais em caso de
teis em tempo de guerra) Conflito Armado
1899 Convenções de Haia respeitantes 1972 Convenção sobre a Proibição do
às leis e costumes da guerra em Desenvolvimento, da Produção e
terra e a adaptação à guerra marí- do Armazenagem de Armas Bacte-
tima dos princípios da Convenção riológicas (Biológicas) ou Tóxicas
de Genebra de 1864 e sobre a Sua Destruição
346 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

1977 Dois Protocolos Adicionais às qua- 1997 Convenção Sobre a Proibição da


tro Convenções de Genebra de Utilização, Armazenagem, Produ-
1949, que fortalecem a proteção ção e Transferência de Minas An-
das vítimas de conflitos armados tipessoais e Sobre a sua Destruição
internacionais (Protocolo I) e não 1998 Estatuto de Roma do Tribunal Pe-
internacionais (Protocolo II) nal Internacional
1980 Convenção sobre a Proibição ou Limi- 1999 Protocolo à Convenção de 1954 so-
tação do Uso de Certas Armas Conven- bre a Propriedade Cultural
cionais que podem ser Consideradas
2000 Protocolo Facultativo à Convenção
como Produzindo Efeitos Traumáticos
sobre os Direitos da Criança, rela-
Excessivos ou Ferindo Indiscriminada-
tivo à participação de crianças em
mente (CCW), que inclui:
conflitos armados
- Protocolo (I) relativo aos Estilha-
2001 Emenda ao Artigo 1 da CCW, alar-
ços Não Localizáveis
gada aos conflitos não internacio-
- Protocolo (II) sobre a Proibição nais
ou Limitação do Uso de Minas,
2002 Entrada em vigor do Estatuto de
Armadilhas e Outros Dispositivos
Roma, estabelecendo o primeiro
- Protocolo (III) sobre a Proibição tribunal penal internacional per-
ou Limitação do Uso de Armas manente
Incendiárias 2002 Entrada em vigor do Protocolo
1993 Convenção sobre a Proibição do Facultativo à Convenção sobre os
Desenvolvimento, Produção, Ar- Direitos da Criança, relativo à par-
mazenagem e Utilização de Armas ticipação de crianças em conflitos
Químicas e sobre a sua Destruição armados
1995 Protocolo sobre Armas Laser que 2003 Protocolo sobre Explosivos Rema-
Causam a Cegueira (Protocolo IV nescentes de Guerra (Protocolo V
[novo] da Convenção de 1980) da Convenção de 1980)
1996 Protocolo Revisto sobre a Proibição ou 2008 Convenção sobre Munições de
Limitação do Uso de Minas, Armadi- Fragmentação
lhas e Outros Dispositivos (Protocolo (Fonte: CICV: www.icrc.org/ihl)
II [revisto] da Convenção de 1980)

ATIVIDADES SELECIONADAS
ATIVIDADE I: pois acreditam que a própria ideia de
PORQUÊ RESPEITAR O DIH? guerra está em contradição com a noção
de Direito ou de direitos humanos. Mas,
Parte I: Introdução a verdade é que a maioria dos países do
Para muitas pessoas, a ideia de que pode mundo aceita e cumpre as regras do DIH.
haver regras na guerra parece absurda, Porquê? No debate proposto, serão dadas
J. DIREITOS HUMANOS EM CONFLITO ARMADO 347

algumas questões aos participantes que jados a pensar criativa e criticamente e a


os ajudarão a trabalhar com algumas das não desperdiçar tempo à procura da res-
principais razões por que os Estados cum- posta certa. É igualmente importante que
prem as suas obrigações humanitárias, em não sejam ignoradas respostas sarcásticas,
tempos de conflito armado. uma vez que o objetivo da atividade é que
os participantes descubram que os Estados
Parte II: Informação Geral têm incentivos para respeitar o DIH para
Tipo de atividade: debate além de razões morais e jurídicas para o
Objetivos: Compreender algumas das ra- fazer. Os comentários sarcásticos podem
zões pelas quais as regras são necessárias ser utilizados para desocultar estes incen-
nos conflitos armados; ter consciência das tivos e demonstrar a natureza pragmática
questões difíceis que surgem com a ideia do DIH.
do DIH; familiarizar-se com os motivos Processo do debate:
pelos quais os Estados respeitam o DIH; Os participantes são divididos em 4 sub-
compreender a complementaridade entre grupos e a cada grupo é distribuída uma
o direito dos direitos humanos e o DIH; co- das quatro questões de debate. São con-
nhecer algumas das regras básicas do DIH. cedidos trinta minutos para o debate do
Grupo-alvo: Jovens adultos e adultos grupo durante os quais o formador pode
Dimensão do grupo: 12-20 circular e ajudar no debate, ao apresentar
Duração: 90 minutos alguns dos assuntos elencados infra. Cada
Preparação e materiais: Distribuir cópias subgrupo deve nomear um porta-voz que
das regras principais de DIH, assim como relatará ao grupo todo assim que termina-
o gráfico que representa a complementa- rem os 30 minutos. Durante a hora restan-
ridade entre o DIH e os direitos humanos te, o palco está disponível para o grupo
(ver acima); deverá existir um quadro vi- inteiro debater cada questão à luz do que
sível onde se escrevem algumas das ideias os porta-vozes relataram.
principais que são trazidas durante o de- Questão 1: Se estou a ganhar numa guerra,
bate; distribuir as questões de debate cerca por que haverei de obedecer a regras que
de uma semana antes do dia da atividade, limitam o meu comportamento?
de modo a que os participantes tenham x Pense no interesse dos países a longo
tempo de pensar nelas e debatê-las entre prazo.
eles ou com amigos e família. x E se o seu lado começar a perder a guerra?
Competências envolvidas: capacidade de x Qual o papel da opinião pública?
desenvolver um argumento; capacidade Questão 2: Se estas regras forem sempre
de pensar criticamente; capacidade de co- quebradas por que é que precisamos delas?
municar eficazmente; capacidade de lidar x Cumprir as regras faz notícia?
com opiniões conflituantes. x Como sabemos que as regras são viola-
das a toda a hora?
Parte III: Informação Específica sobre a x O respeito imperfeito pelas regras pode
Atividade ainda conceder proteção a algumas pes-
Apresentação do tema: soas?
Este debate aborda algumas questões x E se as sanções fossem aplicadas de um
complexas para as quais não há respostas modo mais consistente em caso de vio-
fáceis. Os participantes devem ser encora- lação das regras?
348 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

Questão 3: Precisamos realmente do DIH Outras sugestões:


face a todos os instrumentos de direitos Depois do debate ocorrido nos sub-grupos,
humanos que existem? Por que é que organizar uma dramatização em que cada
os Estados simplesmente não dificultam grupo tem 10 minutos para usar as respos-
mais a suspensão das suas obrigações re- tas a que chegaram, de modo a convencer
lativas aos direitos humanos em tempo o seu governo de que deveria ratificar os
de guerra? tratados de DIH. Pode pedir-se a um par-
x Pense em bons motivos para suspender ticipante que desempenhe o papel de um
alguns direitos em tempo de conflito ar- chefe de Estado com dúvidas, por não ver
mado. o objetivo do DIH.
x O DIH protege os direitos humanos?
x Pode pedir-se aos combatentes que res- Parte IV: Acompanhamento
peitem o direito à vida, estando eles a Fazer uma revisão das notícias mundiais,
travar uma guerra? em jornais recentes e identificar violações
x Os instrumentos de direitos humanos do DIH que tenham sido cometidas em vá-
pronunciam-se sobre os meios e méto- rios conflitos. Os meios de informação, os
dos de combate? governos ou a ONU parecem entendê-las
Questão 4: Como pode o DIH pretender como factos de guerra ou parece-lhe que
uma melhoria nas perspetivas de paz e de condenam tais comportamentos?
segurança humana se aceita a realidade da Outras áreas a explorar:
guerra? Complementaridade entre os direitos hu-
x Quando um conflito cessa, pensa que manos e o DIH.
as partes se esquecem do que ocorreu (Fonte: CICV. 2002. Exploring Humanitar-
durante as hostilidades? ian Law, Education modules for young
x Pode a prevenção de destruição intensa people)
contribuir para a paz?
x Pense nas medidas repressivas que po- ATIVIDADE II:
dem ser utilizadas para garantir a justi- ÉTICA DA AÇÃO HUMANITÁRIA
ça depois de um conflito. Em que medi-
da é que contribuem ou não para a paz? Parte I: Introdução
Reações: Um dilema ético pode ser definido como
Deverão ser dedicados 10 minutos, no final uma situação em que a prossecução de
da sessão, de modo a obter-se a opinião um objetivo válido conflitua com outro
do grupo sobre o que gostaram e o que objetivo válido ou tanto prejudica, como
não gostaram no debate. Se outras ques- beneficia. Os agentes humanitários são
tões surgiram durante o debate, deverão regularmente confrontados com dilemas
ser registadas no quadro e, talvez, serem éticos na execução do seu trabalho. Como
utilizadas em debates futuros. resultado, existe muito criticismo contra
Sugestões metodológicas: a ação humanitária, em termos gerais.
Encorajar os participantes a ultrapassar É importante compreender que tipos de
a ideia do que está errado e do que está dilemas estão envolvidos na prestação
certo e dirigi-los para uma exploração da da assistência humanitária e debater se
razão por que é do interesse dos Estados existem alternativas sustentáveis. Na ati-
respeitar o DIH. vidade proposta, os participantes terão
J. DIREITOS HUMANOS EM CONFLITO ARMADO 349

de analisar situações que apresentam um o informador ou o seu desejo de privaci-


dilema ético e terão de decidir que ações dade. Rever a parte do módulo designada
tomariam. Ao fazê-lo, também deverão “Princípios de Funcionamento da Ação
desenvolver argumentação que repudie Humanitária” e certificar-se de que os par-
as críticas. ticipantes compreendem os princípios de
neutralidade e de imparcialidade. Escrever
Parte II: Informação Geral no quadro os aspetos principais que um
Tipo de atividade: Estudo de caso agente humanitário deve ter ao prestar
Objetivos: Ter consciência dos prin- assistência: auxiliar e proteger os que têm
cípios, tais como os da neutralidade e necessidades.
imparcialidade, que orientam a ação Procedimento quanto aos estudos de caso:
humanitária; compreender alguns dos Os casos são distribuídos e lidos em
dilemas que os agentes humanitários voz alta pelos participantes. O dilema
poderão ter de enfrentar ao desempe- ético tem de ser identificado pelos par-
nhar a sua função; compreender que ticipantes. O debate deverá centrar-se
mesmo em situações de não vitória, os na decisão de continuar, ou não, o es-
agentes humanitários não podem evitar forço humanitário face ao dilema iden-
fazer escolhas: não fazer nada é tanto tificado.
uma escolha, como executar uma ação A. Agências humanitárias foram em au-
específica. xílio de civis desesperados numa zona
Grupo-alvo: Jovens adultos e adultos devastada pela guerra. Uma vez que
Dimensão do grupo: entre 12 e 20 essas agências providenciaram ajuda
Duração: 90 minutos externa para assegurar a sobrevivên-
Preparação e materiais: Distribuir cópias cia dos civis, os grupos envolvidos na
dos 4 casos descritos infra e colocar as guerra puderam ignorar as necessida-
questões que ilustram cada situação num des dos seus próprios civis. Esta ajuda
local onde todos as possam ver. externa ajudou-os no uso de todos os
Competências envolvidas: Capacidade de recursos do país para abastecer os mili-
ver um problema de várias perspetivas; tares. E, tal, ajudou a que a guerra não
capacidade de desenvolver uma opinião terminasse.
própria; capacidade de resolver proble- • Estamos a prolongar a guerra?
mas; capacidade de criar empatia. B. Os civis fugiram para uma Zona Prote-
gida que foi criada como refúgio para as
Parte III: Informação Específica sobre a vítimas de “limpeza étnica” no seu país.
Atividade A partir dessa zona, os agentes humani-
Apresentação do tema: tários auxiliaram a sua evacuação para
Perguntar se alguém conhece códigos de centros de refugiados fora do país. Esta
conduta específicos que regulam o com- ação humanitária, portanto, contribuiu
portamento das pessoas no desempenho para a “limpeza étnica”, ao remover as
da sua profissão. As respostas podem in- vítimas da sua terra natal.
cluir as regras e deveres que os médicos • Estamos a apoiar políticas de separa-
têm de respeitar ou o código de ética dos ção étnica?
jornalistas que os proíbe de revelar as C. Dois países estão em guerra e as baixas
suas fontes, caso tal coloque em perigo entre a população civil são enormes.
350 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

Algumas vozes, noutros países, conde- questões devem ser registadas e poderão
nam o sofrimento das vítimas mas ne- constituir a base para uma tarefa.
nhum país estrangeiro demonstra von- Sugestões metodológicas:
tade em intervir, quer no sentido de Esta atividade pode ser frustrante para os
conseguir que os dois países cessem o participantes porque não trará respostas
conflito, quer fazendo pressão de modo claras. O que é importante é que a análise
a que poupem a população civil. “Qual se foque nas perspetivas dos agentes huma-
o significado de tentar prestar assistên- nitários e que os participantes regressem
cia humanitária quando sabemos per- sempre à ideia de proteger e auxiliar os que
feitamente que será apenas uma ‘gota precisam e aos princípios da neutralidade
no oceano’ e que, sem pressão políti- e da imparcialidade. Se o debate se afastar
ca externa ou uma intervenção mili- destes pontos, o formador poderá assinalar
tar, nós as organizações humanitárias, o facto de que há muitos atores envolvidos
apenas apaziguamos a consciência do num conflito armado cujas ações comple-
mundo?”, lamenta um agente humani- mentam as dos agentes humanitários.
tário. Outras sugestões:
• A ação humanitária torna-se um pre- Depois do debate, pedir a alguns participan-
texto para o ‘não envolvimento’ polí- tes que representem a seguinte situação:
tico? Um agente humanitário está à porta de um
D. Para reforçar o controlo sobre uma al- campo de refugiados. É confrontado com
deia, numa zona de combates que os uma família que pretende entrar mas que
rebeldes utilizavam como abrigo, os receia a presença de inimigos no interior
civis foram forçados a instalar-se num do campo. O pai insiste que tem de manter
campo a 30 kms das suas casas. Foi pe- a sua arma para proteger a sua mulher do-
dido às agências de ajuda humanitária ente e o seu bebé. A família também está
que levassem alimentos e assistência apavorada com a possibilidade de serem
médica a esse campo. Fazê-lo, porém, separados.
legitimaria a deslocação forçada de ci- Depois da dramatização, os participan-
vis. tes debatem os princípios que o agente
• Estaremos a legitimar o deslocamen- humanitário tem de ter em consideração
to forçado de civis? e em que medida alguns desses princí-
De forma a auxiliar os participantes a pen- pios são conflituantes com outros, nesta
sar sobre estas situações, o formador deve- situação.
rá perguntar se nada fazer nestes casos é
uma alternativa válida. Parte IV: Acompanhamento
Reações: Outras áreas a explorar:
Deverá dedicar-se 10 minutos, no final da Os ativistas de direitos humanos enfren-
atividade, a receber a opinião do grupo tam dilemas éticos no decurso do seu tra-
sobre o que gostaram e o que não gosta- balho?
ram nesta atividade. Se surgiram questões (Fonte: CICV. 2002. Exploring Humanitar-
relacionadas com o trabalho de organiza- ian Law, Education modules for young
ções específicas, durante o debate, essas people.)
J. DIREITOS HUMANOS EM CONFLITO ARMADO 351

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