Cesário Verde
Cesário Verde
Cesário Verde
SINESTESIA MT PRESENTE
NUM BAIRRO MODERNO
DE TARDE
O poema ‘De tarde’ de Cesário Verde é uma obra realista e impressionista: é à impressão
visual que é atribuída a maior importância, assim como às condições de observação e ao
quotidiano.
Este texto tem como tema o retrato de um pic-nic no campo. O sujeito poético desloca-se
até ao campo onde começa a avistar as burguesas, que de imediato o fazem lembrar uma
pintura de aguarela- tal facto remete-nos para uma sensação de cor, ou seja, uma sensação
visual.
Logo a seguir o sujeito poético vê um “tu” que vai descendo do burrico e que entretanto
colhe “um ramalhete rubro de papoulas”. Nesta quadra ele traduz bem a sua ideia de
campo, apresentando-nos a natureza como fonte de alegria e paz.
Cesário ao usar o gerúndio (“descendo”) faz transmitir a ideia de movimento da figura
feminina naquele momento.
Nesta estrofe (2ª) este usa a aliteração em “granzoal azul grão de bico” e em “ramalhete
rubro” para valorizar a ideia de campo.
De seguida o eu poético faz uma pequena descrição dos elementos que compõem a
merenda, através de alguns substantivos e de enumerações (“talhadas de melão,
damascos”, “pão de ló molhado em malvasia”) onde frisa o erotismo dos frutos e do resto
da comida, através de sensações visuais e gustativas.
Na última quadra, Cesário Verde inicia a frase com uma conjunção coordenativa
adversativa que confere a ideia de que o poeta esqueceu o pic-nin por um bocado e se
concentra na mulher que lhe provoca vários sentimentos e que é portadora de uma grande
sensualidade «Mas, todo púrpura, a sair da renda, dos teus seios como duas rolas», usando
aqui a comparação.
O poema termina com uma frase exclamativa que pretende transpor-nos aquilo que o
sujeito poético reteve do pic-nic, ou seja, essencialmente a beleza erótica daquela figura
feminina; é esta mulher que vai provocando um turbilhão de ideias na cabeça do sujeito
poetico.
Nesta os dois seios remetem para a sensualidade da mulher, destaca-se muito a cor
vermelha «rubro» que nos remete para a vida sanguínea mas também para para o calor
dos seios da figura feminina, metonimicamente deslocados para as papoulas.
Através da observação do sujeito poético e do que se vai passando ao longo do poema é
como se este fosse pintando o quadro e nos fosse mostrando toda esta historia, através do
poema e do quadro ao mesmo tempo, assim a subjectividade do discurso lírico aproximado
da aguarela justifica a sugestão inicial do paralelismo entra o literário e o pictórico.
Assim durante toda a composição poética, o sujeito poético utiliza palavras e frases que
nos transportam para a ideia de cor, como por exemplo:”granzoal azul”, “ramalhete rubro
de papoulas”, “indo o sol se via”, “todo purpura” entra outros.
O que podemos concluir, sumária e resumidamente, neste texto é o facto de Cesário Verde
apreciar a Natureza de forma única, descrevendo-a minunciosamente e embelezando-a
ainda mais com as suas palavras.
A DEBIL
Este poema põe em relevo uma figura feminina que escapa à típica mulher citadina, mas também
à mulher que surge no espaço rural.
O sujeito serve-se de um conjunto de signos que contribuem para caracterizar a mulher: "bela,
frágil, assustada, recatada, honesta, fraca, natural, dócil, recolhida", remetendo para o seu
retrato moral. Já os vocábulos "loura, de corpo alegre e brando, cintura estreita, adorável, com
elegância e sem ostentação, esbelta e fina, ténue" remetem para o seu aspecto físico.
Por outro lado, o sujeito lírico considera-se "feio, sólido, leal; sente-se prestável, bom e saudável
quando a vê, ao ponto de desejar beijá-la. Afirma ainda ser "hábil, prático e viril", ou seja, com
força suficiente para a socorrer quando ela precisar.
Para além da figura feminina, o sujeito poético refere ainda os espaços citadinos como o café, o
largo, as ruas, caracterizando-os de forma negativa, chamando ao café "devasso"; do largo destaca
o pedestal e das ruas a agitação que nelas se verifica. Nestes espaços movimentam-se figuras
sórdidas, que ele caracteriza por " turba ruidosa, negra" e por " uma chusma de padres de batina".
Isto significa que o local urbano em que se encontra se presta à movimentação mesquinha destes
seres escuros que permitem destacar a fragilidade da jovem como a única capaz de clarear estes
locais, torná-los mais brilhantes e mais atractivos ao sujeito lírico.
Com o intuito de evidenciar o contraste entre o espaço e a jovem senhora, o sujeito poético faz
referência ao ajuntamento, característico dos espaços urbanos, onde a agitação e a confusão
imperam. Sobressaem as diferentes classes sociais que se podiam encontrar no espaço citadino, o
que permite afirmar que a cidade era palco de vários seres que nele se movimentam, uns por
ociosidade, outros por obrigação, tal como seria normal numa cidade onde está a chegar a
industrialização e para onde acorrem os mais pobres, na expectativa de aí encontrarem melhores
condições de vida.
A luminosidade deste dia só é posta em evidência quando a figura feminina surge nos locais onde
anteriormente se moviam figuras conotadas com os aspectos negativos da cidade. Só a visão desta
mulher frágil e pura lhe possibilita uma visão mais positiva da realidade, estando aqui realçados o
tempo e o espaço psicológicos, ou seja, aqueles que se resultam do estado de espírito do sujeito
poético e da sua construção.
O sujeito lírico revela o receio de perder a mulher admirada, porque, "os corvos" a poderiam
arrancar daquele local, a ela que não passava de uma "pombinha tímida e quieta". Por isso, o
sujeito poético mostra-se capaz de a salvar, mesmo que seja a custo da sua própria vida,
mostrando-se protector da fragilidade e capaz de tudo para poder conservar aquela figura que o
fazia recordar a simplicidade do campo e das mulheres que o povoam.
Apesar da oposição que Cesário Verde costuma estabelecer entre a mulher do campo e a mulher
da cidade, a figura feminina que aqui é retratada é uma espécie de mistura, uma vez que o
retrato que dela traça está associado à mulher campesina, mas o espaço em que se movimenta é-
lhe estranho e, por, isso, esta sente-se perdida, a necessitar da protecção masculina. Trata-se de
uma mulher do campo que se sente desnorteada num espaço que não está adequado à sua
fragilidade.
Cesário Verde serve-se de um conjunto de processos que, também neste poema, podem ser
percepcionados. É o caso do vocabulário preciso e exacto e as imagens carregadas de visualismo
que dão uma visão perfeita das realidades visionadas. Além disso, percebe-se a objectividade que
imprime ao conteúdo, afastando-se, deste modo, do lirismo romântico. Para retratar fielmente a
realidade ou as figuras com que depara, o autor emprega a adjectivação e as frases preposicionais
de valor adverbial. Acresce ainda referir o uso das quadras e dos versos decassilábicos que
permitem uma maior aproximação à prosa.
Concluindo, este é um texto cheio de referências à realidade social, onde se percepciona a crítica
e a ironia de que Cesário Verde se serve e que reflectem o seu carácter subjectivo.
CRISTALIZAÇÕES