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AVALIAÇÃO DO USO DE ANTIDEPRESSIVOS E SUA RELAÇÃO COM A


INCIDÊNCIA DE SUICÍDIO
EVALUATION OF ANTIDEPRESSANT USE AND ITS RELATIONSHIP WITH THE
INCIDENCE OF SUICIDE

RAMELO, Bruna Cristina1; CECCATTO, Gabriela Franco1; PIRES, Karen Cristina1,


PARISE, Michelle Carneiro Polli2;
1
Graduanda do Curso de Farmácia – Universidade São Francisco; 2Docente do Curso de
Farmácia – Universidade São Francisco;
[email protected]

RESUMO. A depressão é conhecida como a quinta maior questão de saúde pública,


caracterizada como uma síndrome que não incluí somente alteração de humor, mas também
vários outros aspectos como alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas, e na sua forma
mais grave o suicídio. Representa, portanto, uma das patologias psiquiátricas mais comuns da
atualidade. A depressão deriva da relação entre os fatores psicológicos, ambientais, sociais e
biológicos. A prescrição de antidepressivos representa o tratamento de 1ª linha em casos de
depressão moderada a grave, sendo que, nas últimas décadas, o consumo de antidepressivos
aumentou significativamente em todo o mundo. Observa-se diversas publicações questionando
o uso dessa classe de fármacos, principalmente em relação ao risco de aumentarem o
comportamento suicida do paciente ou se essa ideação é causada pela própria doença. Diante
do exposto, o trabalho objetiva avaliar o potencial risco dos fármacos antidepressivos no
aumento da ideação suicida nos pacientes em tratamento. Observou-se que todas as classes de
antidepressivos podem estar associados, mesmo que em intensidades diferentes ao risco de
ideação suicida. Esse risco aumentado relaciona-se a um "efeito ativador precoce", como
resultado da ação terapêutica dos antidepressivos, que pode proporcionar ao paciente deprimido
a energia necessária para concretizar as ideações suicidas pré-existentes. A prescrição de
antidepressivos em pacientes com depressão moderada e grave deve ser considerada uma boa
prática na prevenção do suicídio, desde que assegurada uma cuidadosa monitorização do
paciente, principalmente nas primeiras 3 a 4 semanas.

Palavras-chave: Depressão; Suicídio; Antidepressivos; Neurotransmissores.

ABSTRACT. Depression is known as the fifth biggest issue of public health, characterized as
a syndrome that does not include only mood swings, but also several other aspects like
cognitive, psychomotor and vegetative, changes and in its most severe form, the suicide.
Therefore, it represents one of the most psychiatric pathologies common today. Depression
stems from the relationship between factors psychological, environmental, social and
biological. The prescription of antidepressants represents the first line treatment in cases of
moderate to severe depression, and in the last decades, consumption of antidepressants has
increased significantly worldwide. There are several publications questioning the use of this
class of drugs, especially in relation to the risk of increasing the suicidal behavior of the patient
or whether this ideation is caused by disease itself or the medicine. Given the above, study aims
to assess the potential risk of antidepressant drugs in increasing suicidal ideation in patients on
treatment. It was observed that all classes of antidepressants may be associated, even at different
intensities, to the risk of suicidal ideation. This Increased risk is related to an "early activating
effect" as a result of the therapeutic action of antidepressants, which can provide the depressed

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patient with the energy necessary to materialize the pre-existing suicidal ideations. The
prescription of antidepressants in patients with moderate and severe depression should be
considered a good practice in preventing suicide, provided by a careful monitoring of the patient
and is ensured, especially in the first 3 to 4 weeks.

Keywords: Depression; Suicide; Antidepressants; Neurotransmitters.

INTRODUÇÃO

Atualmente, a depressão é considerada o mal do século, definida pela Organização Pan-


Americana de Saúde (OPAS – Brasil, 2017) como um transtorno mental caracterizado por
tristeza persistente e pela perda de interesse em atividades que normalmente são prazerosas,
acompanhadas da incapacidade de realizar atividades diárias. A doença inclui não só a alteração
de humor, como também vários outros aspectos, como alterações cognitivas, psicomotoras e
vegetativas (CARLSON, 2002).
A depressão pode ser de longa duração ou recorrente e na sua forma mais grave, pode
levar ao suicídio. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a doença afeta cerca de
340 milhões de pessoas e causa 800 mil suicídios por ano em todo o mundo. É apontada como
a quinta maior questão de saúde pública pela OMS, e em 2020 foi para o segundo lugar (OPAS
– BRASIL, 2018). A taxa de mortalidade por suicídio no Brasil, quando comparada com as
taxas de suicídio de outros países, é relativamente menor (BOTEGA, 2009). Segundo a OMS,
em 2018, cerca de 300 milhões de pessoas do mundo, têm ou já tiveram depressão (CARLSON,
2002).
A depressão é consequência de uma relação entre os fatores psicológicos, ambientais,
sociais e biológicos. Como o estresse é uma das principais causas ambientais, o indivíduo pode
apresentar uma maior tendência a adquirir a depressão, com isso, sabe-se que cerca de 60% dos
casos possuem episódios depressivos pela ocorrência de fatores estressantes, principalmente de
origem psicossocial (JOCA, 2003).
A genética, faixa etária e sexo são vistos como fatores de risco decisivos, sendo que a
hereditariedade é o fator mais determinante (SOARES, 2011). As mulheres experimentam a
depressão cerca de duas vezes mais frequentemente que os homens, especialmente a depressão
bipolar (CARLSON, 2002). Estima-se que 9% das mulheres e 5% dos homens adultos
apresentem este tipo de transtorno ao passar dos anos (CANALE, 2006).
A primeira teoria envolvida com as bases biológicas da depressão envolve a hipótese
das monoaminas, que associa a doença com a deficiência de neurotransmissores, especialmente
noradrenalina e serotonina (GUYTON, 2017). Uma outra teoria importante, refere-se a uma
anormalidade no funcionamento dos receptores (teoria dos receptores) e que tal problema está
diretamente relacionado com a diminuição das monoaminas. Essa teoria dos receptores
estabelece que a redução dos neurotransmissores ocasiona um up-regulation compensatório nos
receptores pós-sinápticos (STAHL, 2002).
Tal hipótese justifica a razão pela qual os antidepressivos apresentam resposta
terapêutica de aproximadamente 15 dias após o início do tratamento. O uso do antidepressivo,
independente do seu mecanismo de ação, ocasiona um aumento de um ou mais
neurotransmissores. Esse aumento faz com que aquela expressão maior de receptores pós-
sinápticos volte a sua normalidade, fenômeno esse conhecido como down-regulation
compensatório nos receptores pós-sinápticos (STAHL, 2002).
O desenvolvimento de fármacos antidepressivos fez com que a depressão se tornasse
uma doença susceptível de tratamento, sendo considerados eficazes na terapêutica, em todos os

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níveis de depressão (MORENO, 2000). Na década de 1980 havia somente duas classes de
fármacos antidepressivos, os tricíclicos (ADTs) e os inibidores de monoaminoxidase (IMAOs).
Atualmente, encontram-se, além das já citadas, outras classes, como: inibidores seletivos de
recaptação de serotonina (ISRS), inibidores seletivos da recaptação de serotonina e
noradrenalina (ISRSN), inibidores da recaptação de serotonina e antagonistas alfa-2 (IRSA),
inibidores seletivos da recaptação de noradrenalina (ISRN), inibidores seletivos de recaptura de
dopamina (ISRD) e antagonistas alfa-2 adrenérgicos (MORENO, 2000).
Os antidepressivos proporcionam o aumento na concentração de neurotransmissores
situados na fenda sináptica. Esse efeito pode acorrer por diferentes mecanismos como, inibição
do metabolismo do neurotransmissor; bloqueio da recaptação do neurotransmissor ou ainda
pela ação em auto-receptores pré-sinápticos. A classificação farmacológica, ocorre de acordo
com o mecanismo de ação desses fármacos (STAHL, 2002).
Os inibidores da monoaminoxidase (IMAO), como tranilcipromina e moclobemida,
representam uma classe de fármacos que atuam inibindo a enzima monoaminoxidase. Essa
enzima é responsável pelo metabolismo de neurotransmissores como noradrenalina, serotonina
e dopamina. Ao inibirem a enzima, os fármacos impedem a degradação dos neurotransmissores,
com consequente aumento deles nos locais de armazenamento no sistema nervoso central
(SNC) e no sistema nervoso simpático (SNS) (STAHL, 2002).
Os antidepressivos tricíclicos (ADT) como imipramina e amitriptilina são fármacos que
atuam em nível pré-sináptico através do bloqueio da recaptação de monoaminas,
principalmente norepinefrina (NE) e serotonina (5-HT), em menor proporção dopamina (DA).
Eles bloqueiam receptores muscarínicos (colinérgicos), histaminérgicos (H1), receptores alfa-
adrenérgicos e receptores serotoninérgicos. O bloqueio de tais receptores ocasiona várias
reações adversas que são derivadas desses fármacos (MORENO, 2000).
Os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), como fluoxetina,
paroxetina, citalopram e escitalopram, inibem de forma potente e seletiva a recaptação de
serotonina, resultando em potencialização da neurotransmissão serotonérgica. A potência dessa
inibição é variada, assim como a seletividade por noradrenalina e dopamina (MORENO, 2000).
Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN), como a
venlafaxina e a duloxetina, atuam bloqueando seletivamente a recaptação de serotonina e
noradrenalina, porém não ocasionam o bloqueio de receptores muscarínicos, histaminérgicos e
alfa-adrenérgicos e por isso são classificados como seletivos. O fato de não bloquearem tais
receptores justifica uma menor incidência de efeitos colaterais em relação aos antidepressivos
tricíclicos (STAHL, 2002).
Inibidores de recaptação de serotonina e antagonistas alfa-2 (IRSA) como nefazodona
e trazodona, possuem ação farmacológica relacionadas com a inibição da captação neuronal de
serotonina, noradrenalina e ao antagonismo de receptores serotonérgicos e de receptores alfa-1
adrenérgicos (STAHL, 2002).
Os inibidores seletivos da recaptação de noradrenalina (ISRN) como reboxetina,
apresentam atividade seletiva sobre a recaptação de noradrenalina, com atividade antagonista
alfa-2. Não possui efeitos significativos sobre receptores colinérgicos, histamínicos, alfa-1-
adrenérgicos, ou na inibição da monoaminoxidase (MORENO, 2000).
Os inibidores seletivos da recaptação de dopamina (IRSD), que representado
unicamente pela bupropiona, apresentam atividade noradrenérgica e dopaminérgica. Esse
fármaco atua inibindo a recaptação da dopamina, com menor intensidade de ação na
noradrenalina e serotonina (MORENO, 2000).

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Os antagonistas alfa-2 como por exemplo, a mirtazapina e a maprotilina, atuam como


antagonistas dos receptores alfa-2 pré-sinápticos centrais e agem aumentando a transmissão
noradrenérgica e serotoninérgica (STAHL, 2002).
Em 3 de novembro de 2020, Escetamina nasal spray (Spravato) foi licenciado, e sua
bula foi registrada pela ANVISA. Ela possui um novo mecanismo de ação, atua como um
modulador do receptor de glutamato, via que está implicada na depressão. Por meio da atuação
neste receptor, ocorre a produção do aumento na sinalização entre as células do cérebro,
restaurando a função normal nessas regiões cerebrais (BULA SPRAVATO – ANVISA, 2008).
Apesar dos benefícios trazidos pelos antidepressivos, é muito frequente a não adesão ao
tratamento. Aproximadamente 1/3 dos pacientes interrompem a terapêutica no primeiro mês e
45% não ultrapassam o terceiro mês de tratamento (MORENO, 2000).
Indivíduos que possuem depressão podem apresentar oscilações dos estados de humor
com períodos intercalados entre episódios de mania e depressão, sendo assim, classificada
como depressão bipolar. A depressão, quando se observa apenas o sentimento de tristeza,
desanimo e falta de motivação e energia, sem a fase maníaca, é denominada de depressão
unipolar (CARLSON, 2002).
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, estimou-se que em 2020, cerca de
1,53 milhões de habitantes no mundo morreriam por conta do suicídio. As tentativas de suicídio
são de 10 a 20 vezes maiores do que as mortes, representando, assim, um caso de morte por
suicídio a cada 20 segundos e uma tentativa de suicídio a cada 1 a 2 segundos (BERTOLOTE,
2005).
Suicídio é uma das maiores causas de mortalidade ao redor do mundo, especialmente
entre indivíduos jovens e é considerado decorrente da interação de diversos fatores. Dentre os
diagnósticos psiquiátricos associados a suicídio, depressão maior é a principal causa. A
associação entre o quadro clínico de depressão maior e comportamento suicida tem sido
largamente descrita na literatura (BOTEGA, 2009).
Existem relatos e alertas de órgãos regulatórios, como a FDA (Food and Drug
Administration), de que fármacos usados no tratamento da depressão podem ocasionar o
aumento da ideação suicida. Dentro dessa temática, torna-se importante analisar se os
antidepressivos aumentam o risco do comportamento suicidário além do que é causado pela
própria doença ou se a depressão representa, ela própria, a principal causa. Por outro lado,
alguns estudos demonstram que o diagnóstico antecipado e o tratamento adequado tornam-se
importantes, visto que, o não tratamento da depressão gera mais gravidade do que o tratamento
medicamentoso. Portanto, a prescrição de antidepressivos a um paciente com depressão
moderada ou grave deve ser considerada uma excelente abordagem na prevenção do suicídio.
Porém, deve ser realizada juntamente com a monitorização do paciente em relação ao
comportamento suicidário, principalmente no primeiro mês (MADUREIRA, 2019). Nesse
sentido, torna-se importante avaliar a relação dos antidepressivos disponíveis na terapêutica e
seu potencial em aumentar a incidência de suicídio, portanto presente trabalho objetiva avaliar
e identificar a relação do uso dos medicamentos antidepressivos com a ideação suicida e/ou
suicídio.

METODOLOGIA

Este trabalho foi realizado através de uma revisão bibliográfica e teve como base
pesquisas em artigos científicos, teses de mestrados e doutorados, publicados e disponíveis nas
plataformas do Google Acadêmico, PubMed, ScienceDirect, Web of Science e Scielo, assim
como órgãos regulamentadores internacionais e nacionais.

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Os critérios levados em consideração na escolha dos artigos foram baseados na


relevância da publicação como a capacidade de alcance da revista e número de citações, assim
como a abordagem específica do tema relacionado a hipótese deste trabalho. Foram pesquisados
artigos em português e inglês, através de palavras-chaves como Parkinson e microbiota
intestinal. Foram utilizados trabalhos publicados nos últimos vinte anos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Realizou-se uma consulta nas bulas dos fármacos antidepressivos, objetivando verificar
para quais deles existe a informação de ideia suicida. A Tabela 1 a seguir apresenta os resultados
referentes à pesquisa.

Tabela 1- Classe dos antidepressivos e sua relação à ideia suicida.


APRESENTA IDEIA
CLASSE DOS ANTIDEPRESSIVOS FÁRMACOS SUICIDA?
SIM NÃO
tranilcipromina X
Inibidores da Monoaminoxidase (IMAO)
moclobemida X
imipramina X
Antidepressivos Tricíclicos (ADT)
amitriptilina X
fluoxetina X
citalopram X
Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS)
escitalopram X
paroxetina X
Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina e venlafaxina X
Noradrenalina (ISRSN) duloxetina X
Inibidores da Recaptação de 5-HT e Antagonistas Alfa-2 nefazodona X
(IRSA) trazodona X
Inibidores Seletivos da Recaptação de Noradrenalina
reboxetina X
(ISRN)
Inibidores Seletivos da Recaptação de Dopamina (IRSD) bupropiona X
mirtazapina
Antagonistas Alfa-2 X
maprotilina
Fonte: Bulário online da ANVISA, 2021.

Ao analisar a Tabela 1, verificou-se que para todos os antidepressivos encontram-se


informações de ideação suicida na bula. Para a maioria deles, observou-se a seguinte citação:
“O risco de suicídio é inerente à depressão grave e pode persistir até que ocorra remissão
significativa. Pacientes com distúrbios depressivos, tanto adultos quanto pediátricos, podem
apresentar piora da depressão e/ou comportamento suicida ou outros sintomas psiquiátricos, se
estiverem ou não sob medicação antidepressiva”.
Em outubro de 2003, a FDA publicou um aviso sobre relatos de eventos que
provavelmente estariam relacionados com tentativas de suicídio e/ou suicídio em crianças e
adolescentes sob o tratamento com os Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS)
(MITCHELL et al., 2014).
Em dezembro do mesmo ano, a Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency
(MHPRA), um órgão regulador do Reino Unido, organizou dados de treze ensaios clínicos e
concluiu que a eficácia dos ISRS não estava comprovada. Além disso, constatou através do
estudo um aumento dos pensamentos suicidários nos pacientes que faziam uso desta classe,
com exceção da fluoxetina que apresentou resultados positivos de risco/benefício (MITCHELL
et al., 2014

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Após a concordância destes resultados, o comitê britânico do Reino Unido, em 2003,


informou que a paroxetina era prejudicial para o tratamento da depressão em crianças menores
de 18 anos, pois aumentava o risco de suicídio (SILVA, 2011). A FDA realizou então uma
meta-análise utilizando os seguintes antidepressivos: bupropiona, citalopram, fluoxetina,
fluvoxamina, mirtazapina, nefazodona, paroxetina, sertralina e venlafaxina. Identificou a partir
deste estudo uma taxa de 4% de sintomas suicidas entre aqueles que administram os
antidepressivos em relação a uma taxa de 2% entre aqueles que fazem uso do placebo. Isso
representou um risco duas vezes maior com o uso dos antidepressivos (SILVA, 2011).
O Painel Consultivo Científico dos EUA divulgou três recomendações ao FDA, quanto
ao uso de medicamentos antidepressivos:
(1) introduzir um aviso de caixa preta em rótulos de prescrição de ISRS, com o intuito
de informar a existência do risco de possíveis reações adversas perigosas;
(2) os responsáveis devem assinar um documento indicando que estão cientes ao risco
suicida associado às ISRS;
(3) orientações devem ser entregues aos responsáveis, indicando os benefícios e os
riscos com o uso de ISRS (MITCHELL et al., 2014).
Uma declaração da FDA em setembro de 2004 informou que novos ensaios levaram ao
"Comitê Consultivo Psicofarmacêutica e Pediátrica" concluir que há um risco do aumento de
suicídio em pacientes pediátricos em tratamento não somente com os ISRS, mas também com
a mirtazapina, pertencente a classe dos antagonistas alfa-2. O Comitê então, recomendou que o
aviso deveria ser aplicado a todos os medicamentos antidepressivos (WHITTINGTON, 2004).
A FDA em outubro de 2004 ordenou que fosse inserido um aviso de saúde pública
(black box warning – aviso de caixa preta) nas caixas de todos os antidepressivos informando
a associação com um aumento da ideação suicida em pacientes menores de 18 anos. Em maio
de 2007, o Painel do Conselho Científico dos EUA revisou os estudos realizados pelo FDA,
verificando a possibilidade do aumento da faixa etária para até 24 anos (SILVA, 2011).
Um estudo realizado por Martinez e colaboradores demonstrou não haver diferenças
significativas no risco de suicídio com o uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina
e antidepressivos tricíclicos, porém, observou que pacientes com até 18 anos que
desenvolveram episódios autodestrutivos recebiam com mais frequência ISRS (MARTINEZ,
2005).
Olfson e colaboradores, realizaram um estudo comparativo em pacientes com depressão
grave usuários ou não de medicamentos antidepressivos e observaram uma taxa maior de
tentativa de suicídio nos pacientes em tratamento medicamentoso (OLFSON, 2006).
Estudos realizados em crianças, adolescentes e adultos permitiram concluir que a taxa
de suicídio em doentes de até 25 anos era mais elevada antes do início do tratamento (SIMON,
2006). Este resultado está de acordo com o estudo realizado por Silva e colaboradores que
demonstrou um risco de tentativa de suicídio em adolescentes quatro vezes superior. Os adultos
demonstraram um risco maior de suicídio antes do tratamento e uma redução de 60% após o
seu início. Em adolescentes observou-se uma menor incidência de tentativas de suicídio com
tratamentos superior a seis meses (SILVA, 2011).
Estudo post-mortem foi realizado no Norte de Portugal, com pedido de análise
toxicológica, entre junho de 2013 e maio de 2018. Esse estudo demonstrou que existe uma
associação estatisticamente significativa da presença dos antidepressivos em casos de
homicídio, acidente doméstico e suicídio. De 9213 (número total de casos post-mortem
analisados), 1420 corresponderam a suicídio. Destes, 426 casos reportaram a presença de
antidepressivos, sendo em 70,7% dos casos (N=301) apenas de um antidepressivo, e em 29,3%
(N=125) foi detectada a presença de 2 ou mais antidepressivos (MADUREIRA, 2019).

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Os cinco antidepressivos mais comuns presentes em casos de suicídio foram a


mirtazapina (N=107), a trazodona (N=98), a sertralina (N=86), a venlafaxina (N=77) e
citalopram (N=60), representando 75% do total de casos positivos em suicídio. Por outro lado,
os menos detectados foram trimipramina, maprotilina, dotiepina e fluvoxamina. Constatou-se
que apenas 11,3% (N=48) do número total de suicídios positivos para antidepressivos foram
contextualizados como suspeita de intoxicação medicamentosa. A maioria dos medicamentos
identificados/quantificados no suicídio encontravam-se em concentrações consideradas
terapêuticas (MADUREIRA, 2019).
Nesse estudo foi possível observar também que à medida que o número de
antidepressivos detectados aumentava, a frequência dos casos de suicídio diminuía. Este fato
está de acordo com o tratamento farmacológico da depressão que consiste, geralmente, na
prescrição inicial de um único fármaco antidepressivo o que explica a maioria dos casos de
suicídio com presença de apenas um antidepressivo. Alguns indivíduos apresentam respostas
incompletas ao tratamento inicial, sendo a associação de antidepressivos de classes diferentes
uma das estratégias utilizadas, o que justifica a minoria dos casos de suicídio com presença de
2 ou mais antidepressivos, onde certamente obteve-se uma melhor resposta terapêutica
(MADUREIRA, 2019).
A opinião de muitos autores ao comparar o risco/benefício dos antidepressivos é de que
os benefícios parecem ser superiores em relação a possíveis ideias ou tentativas de suicídio.
Estes dados devem ser levados em consideração na decisão de medicar um adolescente
deprimido. É possível que o efeito adverso mude entre indivíduos, por isso é necessário maior
investigação para determinar os fatores de risco e os mecanismos que podem aumentar a
ideação suicida com a sua utilização (SILVA, 2011).
O aumento da disponibilidade de monoaminas na fenda sináptica é o mecanismo de
ação biológico dos antidepressivos e apesar deste efeito central ser rápido, ele necessita de até
oito semanas de tratamento diário para se tornar clinicamente eficaz (SILVA, 2011).
No início da terapia ocorre uma diminuição da lentificação psicomotora e um aumento
dos níveis de energia, melhorando, após semanas de tratamento, os sentimentos de culpa, baixa
autoestima, autodesvalorização e a ideação suicida. Por esta razão, no tratamento da depressão
há uma fase precoce crítica durante a qual os pacientes devem ser cuidadosamente
acompanhados em relação à ideação suicida, especialmente porque são tratados com fármacos
que podem, eles mesmos, ser usados como método de suicídio, como por exemplo, utilização
de altas doses (MITCHELL et al., 2014).
Os antidepressivos aumentam a concentração de monoaminas na fenda sináptica, mas
necessitam de um período de administração até mostrarem clinicamente, resultados positivos.
Portanto, nessa fase inicial, ocorre uma elevação dos níveis energéticos e do desenvolvimento
psicomotor, ocasionando sintomas de energia e valorização intrínseca, a qual vai sendo
intensificada nas primeiras semanas de tratamento e se estabilizando nos primeiros dois meses
(LICINIO, 2005).
Este fato justifica que na terapia farmacológica da depressão, há uma possibilidade de
observarem ideações suicidas no começo da administração do antidepressivos, isto está
relacionado a uma melhora inicial dos níveis de mobilidade e energia, antes da melhora do
humor e da regressão do pensamento suicida. Este "efeito ativador precoce" vem como
resultado da ação dos antidepressivos, concedendo ao indivíduo deprimido uma energia
fundamental para concretizar as ideações suicidas já existentes (BRAVO, 2013).
Recentemente, a “Food and Drug Administration” (FDA) e a “European Medicines
Agency” (EMA) aprovaram o uso do enantiômero puro S-cetamina ou S-(2-(2-clorofenil)-2-
(metilamino) (escetamina, Spravato®), com base em resultados de diferentes ensaios clínicos

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randomizados, demonstrando sua eficácia e segurança em transtornos de depressão resistente


(SWAINSON, 2019).
As propriedades antidepressivas da escetamina parecem não ser mediadas por vias
moduladoras do humor conhecidas, como a monoaminérgica, gabaérgica ou eixos opioides. O
mecanismo de ação específico na depressão não foi totalmente elucidado, embora evidências
sugiram que a escetamina, seja um antagonista não seletivo e não competitivo que atua
bloqueando os receptores NMDA (receptor ionotrópico de glutamato excitatório) nos
interneurônios GABA e ativando o receptor do ácido alfa-amino-3-hidroxi-5-metil-4-
isoxazolpropiônico (AMPA) (WILKINSON, 2019).
Atualmente, os principais agentes antidepressivos disponíveis no país são aqueles que
promovem neuroplasticidade e neurogênese pelos mecanismos relacionados à modulação
monoaminérgica, particularmente envolvidos com a transmissão serotoninérgica. Esses
fármacos, associados à segurança, são substâncias que promovem melhora do estado depressivo
em longo prazo. A escetamina, por outro lado, interfere com transmissão glutamatérgica em
canais iônicos, os quais são de rápida modulação e resposta. Assim, os efeitos de curto prazo
ajudam a justificar uma eficácia aumentada, quando utilizada em pacientes refratários e que
necessitam de rápida resposta clínica (ZIMMERMANN, 2020).
Demais estudos conduzidos com a escetamina, mostraram redução dos efeitos
psicomiméticos, diminuindo assim, os efeitos adversos. A escetamina não possui comparadores
diretos e que possuem ação semelhante ou que sejam tratamentos reconhecidos para a mesma
indicação no país. Importante notar que a escetamina (na forma de cloridrato), apresentou
resultados significativos em combinação com outros antidepressivos, para o tratamento de
depressão resistente ao tratamento e depressão com comportamento ou ideação suicida. A
aprovação do produto, por órgãos governamentais mundiais, mostra que estudos clínicos foram
satisfatórios e cumpriram com as exigências daqueles mercados (DALY, 2018).

CONCLUSÃO

Após o levantamento realizado foi possível concluir que todas as classes de


medicamentos antidepressivos podem estar associadas em maior ou menor intensidade ao risco
de ideação suicida. Observou-se também que esse risco é mais comum em crianças e
adolescentes, pois em adultos nota-se que o tratamento medicamentoso reduz o risco de
tentativa de suicídio. Dentre os ISRS, uma classe amplamente utilizada no tratamento da
depressão, a fluoxetina é considerada a mais segura em relação à ideação suicida. Por outro
lado, alguns estudos demonstram que a paroxetina apresenta maior incidência de casos
relacionados com tentativas de suicídio. Acredita-se que esse aumento de ideação suicida no
início do tratamento, esteja relacionado com aumento inicial de energia que antecede a efetiva
melhora do humor e dos sintomas depressivos com consequente redução de ideação suicida.
Ainda assim, o tratamento medicamentoso da depressão é considerado uma abordagem
terapêutica importante na remissão dos sintomas da doença e até mesmo na prevenção do
suicídio, sendo necessária a monitorização do paciente, principalmente no início do tratamento.
A utilização da escetamina é considerada importante para preencher a lacuna de eficácia criada
pelo início retardado da ação dos antidepressivos padrões. Pode ser uma opção de tratamento
em conjunto com terapia antidepressiva oral, para a rápida redução dos sintomas depressivos
em pacientes adultos que possuem Transtorno Depressivo Maior (TDM) com comportamento
ou ideação suicida aguda.

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REFERÊNCIAS

BERTOLOTE, J. M. et al. Suicide attempts, plans, and ideation in culturally diverse sites:
the WHO SUPRE-MISS community survey. Psychol Med. 35(10):1457-1465, 2005.

BOTEGA, J. N. - Comportamento suicida: conhecer para prevenir. São Paulo: Associação


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BRAVO, F. et al. Forensic cases in the north of chile: Determination of antidepressant


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Publicado em 18/08/2021

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