Tentação (Bianca 055)
Tentação (Bianca 055)
Tentação (Bianca 055)
Charlotte Lamb -
Tentação
"Temptation" - Bianca 55
O forte calor do verão se espalhava pelo coberto de grama e de florzinhas campestres, que
impregnavam com seu perfume os braços nus de Linden. Deitada, quase cochilando, ela ouvia o canto
de um passarinho que voava nas proximidades. Se abrisse os olhos, poderia ver sua frágil figura, tal qual
um papagaio de papel preso por um fio invisível, seguindo tão alto em direção ao sol, como se fosse um
harmonioso Ícaro, demonstrando sua alegria de viver.
De repente, Bandit, que descansava aos seus pés, levantou-se bruscamente e pôs-se a latir, furioso.
Linden sorriu, preguiçosa. Na certa, seria um coelho, ou quem sabe uma raposa, que se aventurava por
ali, escondida pelo capim alto.
Mas depois ela ouviu o ruído de um carro, quebrando a magia do silêncio. Franziu a testa. Era a
última coisa que esperava naquele momento. A montanha Goatswood não era própria para o tráfego de
veículos. Os caminhos pela encosta eram perigosos e um aviso alertava os motoristas sobre isso.
Levantou-se de um salto. O carro aproximava-se depressa demais. Bandit continuava a latir. Linden
correu para a porteira, assustada, com o coração palpitando. Assim que a abriu, o veículo passou na
disparada. Sua visão pôde distinguir apenas de relance um carro verde, com as rodas amarelas bem
polidas. Seguiu-se o estrondo de uma batida, acompanhado do ruído de metais, vidros e madeira se
chocando.
Atravessando a porteira, Linden correu, sem sentir que seus pés nus se feriam nas pedras do
caminho.
Graças a Deus o carro não tinha capotado, pensou ela, aproximando-se do veículo agora imóvel e
silencioso. Viu, então, que a cabeça do motorista pendia para a frente, inclinada sobre o volante. Linden
subiu no carro e cuidadosamente ergueu o rosto dele. Sua testa estava contraída e, numa das faces, havia
um corte que sangrava. Mas, assim que ela o tocou, ele conseguiu sorrir e recostou-se no banco.
- Um anjo de Rafael! - murmurou. - Eu devia saber...
Refeita da surpresa, Linden também riu, divertida.
- Poderá andar, se eu o ajudar? Acho que devemos sair daqui o mais depressa possível.
Os olhos verdes dele lentamente se tomavam mais vivos e brilhavam à luz do sol.
- Estou vivo! - afirmou depois, sem muita convicção.
- Claro que está! - confirmou ela. - Mas estou sentindo um cheiro muito forte de gasolina. Será
melhor sairmos daqui imediatamente. - E, abaixando-se, passou o braço pela cintura dele, tentando
ergue-lo.
- Espere - pediu ele, com a voz entrecortada. - Fique quietinha, enquanto eu procuro sair sozinho.
Conseguiu ficar de pé. Linden afastou-se um pouco, continuando pronta a intervir, caso ele não fosse
capaz. Era um homem alto e vestia uma camisa preta e calça verde-clara. Parecia estar bem, mas quando
deu o primeiro passo fez uma careta de dor. Rapidamente, ela o segurou pela cintura.
- Apóie-se em mim! - ordenou Linden, num tom suave, mas firme.
Ele obedeceu, enquanto se deixava conduzir lentamente pelo caminho de volta. Bandit parara de
latir, olhando a cena desconfiado e curioso. Ao chegarem à porteira, o homem parou e, apoiado no
ombro de Linden, procurava manter-se em pé com dificuldade.
- Preciso sentar-me um pouco - afirmou com voz fraca.
Ela o ajudou a acomodar-se na relva, de encontro ao tronco de uma árvore. Com os olhos cerrados,
ele arfava um pouco e estava muito pálido. Linden percebeu, então, que havia outros cortes em seu
rosto. Olhando-o com curiosidade, perguntava-se o que ele estaria fazendo por aquelas bandas. Era-lhe
completamente estranho. Com toda a certeza se lembraria se alguma vez tivesse visto aquele rosto tão
atraente. Não era um homem que se pudesse esquecer, um rosto que se perdesse na multidão. Tinha as
feições bem definidas e sua figura irradiava energia, poder e força de vontade. Linhas mais pronunciadas
marcavam sua testa e nariz. Um toque de masculinidade revelava-se na estrutura de seu queixo e em sua
boca bem desenhada. Seu pai acharia interessante estudá-lo.
Linden herdara de seu pai essa atração pela expressão do rosto das pessoas. Suas investigações e
estudo giravam sempre em torno desse tema, o que era surpreendente, pois a fixação dele por lugares
isolados, como este em que se encontravam agora, parecia desmentir seu interesse pela raça humana. No
Livros Florzinha -3-
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
entanto, esse fascínio sempre estava presente em seus quadros. Costumava retratar rostos cheios de vida,
mas sempre com feições feias, amargas e infelizes, nunca bonitas ou alegres. Lin Howard não procurava
destacar características como suavidade, ternura ou delicadeza. Seus cadernos de desenho mostravam
rostos antigos, com os quais se impressionara há muito tempo, quando viajara pela Europa com sua mãe.
Feições latinas ou gregas, com profundas marcas de sofrimento e experiência, miséria e resignação,
tinham sido captadas em seus estranhos esboços.
Um instante depois, as pálpebras do rapaz se abriram. Seus olhos verdes atentos mostraram que ele
voltava à realidade.
- Como se sente agora? - perguntou delicadamente.
- Moído - respondeu ele. Mas a expressão alegre de seu rosto dava uma certa tranqüilidade à
situação. - Mas que coisa estranha! Onde estou eu? Devo ter me desviado da estrada principal em algum
ponto. Pensei estar d dirigindo a Malby. De repente, os freios falharam e eu nada pude fazer para
impedir que o veículo se desgovernasse e batesse.
- Não deve ter visto o aviso na estrada. Goatswood não é um lugar que possa ser alcançado por
automóveis.
- Agora já sei disso! Suponho que seja muita pretensão esperar que haja uma oficina aqui por perto!
- Há uma na vilazinha.
- E é longe?
- Uns doze quilômetros.
- E há algum telefone?
Linden sorriu, sacudindo a cabeça negativamente, enquanto ele a observava, intrigado.
- Mas o que faz você por aqui? Mora neste lugar perdido do mundo?
Ela concordou.
- Posso levá-lo até lá, quando estiver mais descansado. O que precisa agora é ficar quieto por uns
minutos.
O rapaz continuava a examiná-la.
- Não devia estar na escola?
- Terminei minhas aulas na semana passada. Pare de falar, por enquanto. Ainda está em estado de
choque.
- Para um anjo, até que você é bem autoritária - afirmou, brincando.
- Essa é uma característica dos anjos - respondeu ela, muito séria. - Eles têm sempre razão. Afinal de
contas, não se espera que cometam erros, não é?
Um sorriso divertido surgiu em seus lábios.
- Você é mesmo uma criança!
- Estive num convento da Itália durante os últimos seis anos - contou el.a. - Anjos são o assunto
preferido por lá.
- Num convento italiano? Eu sabia! Esse seu ar sobrenatural só poderia ser explicado dessa maneira.
- O olhar dele continuava investigando a figurinha delicada de Linden. Notou então que ela usava uma
blusa leve, jeans e que estava descalça. Reparou no seu cabelo macio, na sua pele fresca, sem vestígios
de cosméticos, na sua boca rosada e, finalmente, nos seus olhos castanhos e vivos. - Que idade tem
você?
- Dezessete. Farei dezoito daqui a um mês e meio.
- Parece muito mais nova! - observou ele com curiosidade.
Ela simplesmente sorriu, sem se mostrar ressentida.
- Lin gostaria que eu tivesse doze anos a vida toda. Cada vez que me atraso ao chegar em casa ele
resmunga.
- Lin? Quem é Lin?
- Meu pai. El.e prefere que eu o chame assim. Mas fique quieto. Ainda está muito pálido e não se
esqueça de que acabou de sofrer um acidente.
Fechando os olhos, ele confessou: -
- Tem razão, minha cabeça está doendo.
Linden foi para a cozinha, pensando no estranho. Ele a confundia. Sua expressão era dura. Parecia-
lhe um homem acostumado a ver sempre as coisas resolvidas a seu modo. Contudo, seu senso de humor
compensava essa certa frieza, embora não fosse possível saber como aquela sua faceta se revelava de
vez em quando. Assemelhava-se às pedras da coleção do pai: os componentes de sua personalidade
estavam ocultos sob uma superfície rígida. Apesar dos anos em que vivera entre as gentis freiras, Linden
possuía senso crítico. Além disso, através do interesse de seu pai pela natureza humana, ela havia
descoberto as mais variadas formas de personalidades e comportamentos. Quando Lin se ressentia pelo
fato de ela ser uma mulher, demonstrava-o com voz amarga, revelando o seu próprio ego. Recebera,
desde pequena, uma estranha manifestação de afeição, que se alternara entre o carinho das irmãs e o
desencanto de seu pai pela raça humana.
De alguma forma, ela intuía que Lin, fazendo uma rara exceção, gostaria do inesperado visitante.
Ao pegar a bandeja com o chá, ouviu a voz do pai, na sala. Ao entrar, reparou, aliviada, que ele não
demonstrava estar irritado.
- Depois que Linden nos servir o chá, poderei ir até a fazenda e telefonar para a oficina para você.
Lin era um homem de aproximadamente cinqüenta anos, grisalho e de semblante austero. A beleza
de seu rosto se transmitira à sua filha. Revelando-se perspicazes, seus olhos eram de um azul profundo.
Pareciam enxergar tudo com extrema clareza em alguns momentos, enquanto em outros eram
completamente cegos. Seu mundo solitário era povoado por figuras sofredoras. No início de sua carreira,
permaneceu por muitos anos ignorado. Mais tarde, porém, seu trabalho passou a ser reconhecido e
altamente valorizado. Lin mostrara-se indiferente em ambas as ocasiões. Pintava por prazer e a atitude
dos outros não lhe importava.
Linden serviu o chá e ofereceu pão feito em casa e manteiga. Depois voltou-se para sair.
- Como se chama? - perguntou Lin polidamente ao visitante.
- Joss. Joss White.
Linden encarou-o firmemente.
- Parece um nome local - observou.
- Tem razão - concordou ele. - Nasci num lugar que fica a cento e cinqüenta quilômetros daqui. Na
verdade, esse é o motivo pelo qual eu me encontro por estes lados. Estou de férias e resolvi rever os
locais dos quais guardo lembranças da infância.
- Que idade tinha quando partiu? - perguntou Lin.
- Dez.
Lin sorriu amargamente.
- Na infância vemos tudo de um ângulo diferente. As coisas parecem maiores e mais bonitas. Talvez
fosse melhor não voltar para revê-Ias, sr. White.
- Joss - corrigiu ele. - Talvez esteja certo.
Linden saiu, assobiando para Bandit, que a seguiu imediatamente. A sombra de uma árvore formava
estranhos desenhos na parede de pedra da casa. Pela porteira aberta, Linden via ao longe as casas da
fazenda brilhando ao sol.
Helots sempre fora uma fazenda de muita atividade. O celeiro e um estábulo haviam sido construídos
há trinta anos e a data estava inscrita na parede. O fazendeiro vivera ali por muito tempo, sozinho e
inteiramente dedicado ao seu gado leiteiro. Por ocasião de sua morte, Bill, o pai de Geoff, comprara as
terras e criara seus próprios animais, deixando a casa para Lin, seu amigo de infância. A amizade
continuara, embora atualmente eles pouco se falassem e se encontrassem. Bill sempre ajudara Lin,
quando necessário.
Linden atravessou o campo, dirigindo-se para a fazenda. Bandit ficou para trás, atraído por outras
coisas.
Livros Florzinha - 10 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Sei apenas que ele é uma pessoa extremamente egoísta! - Linden notou que ele estava bastante
irritado.
- Lin é um gênio! - continuou. - Na sua idade, não mudará. Nem eu desejaria que isso acontecesse.
Quando sentir que tenho condições de tomar-me independente, partirei.
- E para onde irá? Tem algum plano?
- Ele quer que eu faça um curso de artes. Ainda vou resolver.
- Tem alguma vocação artística? Por acaso herdou seu talento?
- Sei desenhar, mas não com a mesma habilidade de Lin. Contudo, espero poder dedicar-me ao
desenho industrial. Não tenho certeza de que me interessa ingressar no mundo da arte. Quando souberem
que sou filha de Lin, exigirão muito de mim, e não suportarei empanar o brilho de seu nome. Preferia
trabalhar num lugar onde nunca tivessem ouvido falar dele. - Levantou-se e sorriu. - Venha ver os
quartos. Escolherá o que mais lhe agradar. Tem malas no carro? Disse que estava saindo de férias.
- Tenho. Vou buscá-las.
- Pode ficar sossegado. Deixe-as lá, por enquanto. Ninguém passa a aquele lugar. Agora, venha
escolher os seus aposentos e descansar.
Seguiu-a pela escada acima, com Bandit atrás deles, pulando de um lado para outro. Num dos
degraus, Linden tropeçou e foi amparada por Joss.
- Você é muito descuidada com estranhos - lembrou ele, um tanto irritado. - Nem mesmo quis saber
quem sou, de onde venho ou no que trabalho.
- De onde veio? No que trabalha? - repetiu, rapidamente e em tom de brincadeira.
- Moro em Londres, negocio com produtos de importação e exportação.
Ela abriu duas portas, mostrando-lhe os quartos austeramente mobiliados, no mesmo estilo espartano
da sala de estar.
- Este é mais bonito - comentou ela, observando-o. - Tem vista para o campo. Nas manhãs claras
poderá vê-lo em todo o seu esplendor.
- Então fico com este - concordou Joss, entrando.
Ela abriu a janela. O aroma do campo penetrou no ambiente com a brisa. Apoiada no batente, Linden
contemplava o panorama. Ele se aproximou dela.
- Maravilhosa, não? Na Itália, eu costumava me lembrar dessa paisagem na hora de me deitar. O
convento também tinha uma vista bonita, mas eu prefiro esta.
- Eu poderia ser um assassino fugindo da polícia e isso não preocupou você nem seu pai - comentou
ele, estranhando a falta de curiosidade de ambos.
Linden examinou com vagar aquele rosto atraente.
- Não, com esses olhos - afirmou, segura de sua impressão.
- Como assim?
- Você pode ser até cruel - continuou, pensativa. - Ou mesmo rude. Um homem difícil de ser
desafiado num tabuleiro de xadrez e talvez mesmo numa sala de estar. Por outro lado, não é um
criminoso, mas...
- Mas não muito honesto? É isto que quer dizer?
- Não mencionei isso.
- Você tem um modo diferente de encarar o mundo.
Tinha mesmo? Ela duvidava. Lin e as freiras a tinham educado de maneira a defender-se, quando
necessário.
- É uma jovem muito inocente. Seu pai não a ensinou a se defender.
- Do quê?
- De mim, por exemplo... Posso ser perigoso para você, mas isto nunca lhe ocorreu. Simplesmente
me deixou entrar em sua casa sem me perguntar nada. Não espero que uma menina de- sua idade pense
nisto. Mas um homem com a experiência dele deveria saber resguardá-la melhor.
- Está querendo dizer que poderia ser um assaltante? O que haveria aqui para roubar?
- Você.
- Eu? Quer dizer me raptar? - perguntou, rindo.
- Meu Deus, menina! Será que tenho que lhe explicar tudo? Seu pai me deixou sozinho na casa com
você. Não há mais ninguém por perto. Poderia me aproveitar da situação e você não poderia se defender.
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Para onde me levaria? Não tem nem mesmo um carro.
Ele fechou os olhos. Depois riu e ela o acompanhou.
- Você não é tão tola. Sabe exatamente a que me refiro.
Linden fugiu de urna resposta direta.
- Papai confia no seu próprio julgamento, pois tem muita perspicácia para analisar as pessoas. E eu
confio em mim também. O que poderemos saber de você senão o que nos conta? Poderá estar mentindo.
Por isso, acreditamos na nossa capacidade de observação. Ele gostou de você. Como isso é muito raro,
significa que poderei fazer o mesmo. - Sorriu abertamente para ele. - Eu gosto de você, Joss. Está feliz
agora?
Com as mãos nos bolsos, ele se afastou, virando-lhe as costas.
- Você é meio maluca... mas obrigado. Sinto-me lisonjeado.
CAPÍTULO II
Sempre de olho no relógio, Linden terminou de preparar a salada e ouviu o pai entrar em casa ao
bater das sete horas. A noite caía, espalhando sombras azuis sobre tudo, e um vento fresco amainava o
calor do dia. Ouvia as vacas mugindo e, de longe, chegavam os ruídos da fazenda. Lin entrou na sala e
olhou a mesa.
- Joss janta conosco?
- Deixei-o dormindo. Vou ver se já acordou.
- O que acha dele? - perguntou, tentando disfarçar a curiosidade.
- Acho que é um temível parceiro no xadrez - comentou, provocando em seu pai um largo e divertido
sorriso. Dirigiu-se, então, para o quarto de Joss.
Ele estava deitado, com uma das mãos cobrindo os olhos, num sono relaxado. Indecisa; mordeu os
lábios e ficou observando-o. Deveria acordá-lo? Talvez fosse melhor que continuasse dormindo. Pela
janela aberta, desviou o olhar para o panorama da montanha, quando Joss começou a se espreguiçar.
Voltando-se, viu-o bocejar sem se dar conta de sua presença e isso a afetou estranhamente. Era
realmente um homem muito atraente. E o que era mais espantoso: tinha o dobro de sua idade!
Geralmente, Linden achava os rapazes aborrecidos. Os anos que passara na companhia do pai
deviam ser a causa desse desinteresse. Lin destruíra o prazer que poderia sentir na convivência com
pessoas da sua idade. Tratava-a de uma maneira muito peculiar, considerando-a, às vezes, um ser igual,
ao mesmo tempo em que acentuava a sua inferioridade. Em muitas ocasiões dispensava a sua presença e
em outras conversava com ela abertamente. Nunca sabia qual seria a sua atitude; sabia apenas que era
muito difícil contentá-lo. Não fizera amizades duradouras no convento. A maioria das moças eram
italianas e os contatos mantidos, apenas superficiais. Aprendera a viver sem amor desde criança, a dizer
francamente o que pensava, sem rodeios, e a viver o momento presente. As regras rígidas de Lin sobre
alimentação impunham que comessem pouco e frugalmente. Era freqüente Lin abandonar seu trabalho e
passear pelos campos, ao sol, observando os pássaros e a paisagem. Viviam em contato com a natureza e
com bastante simplicidade.
Joss a fitava e ela sorriu carinhosamente.
- Dormiu bem? - quis saber ao vê-Lo acordado.
- Muito bem. Creio que sonhei com você, um anjo de Rafael, com cabelos dourados e olhos de leoa.
- As vezes penso que deveria cortar meu cabelo.
- Não ouse! - disse rispidamente.
- Seria muito mais prático e melhor no verão. Teria menos trabalho para cuidar dele.
Levantando-se, Joss aproximou-se.
- Eles parecem absorver a luz do sol! - Os dedos dele percorreram a cabeleira macia. - A textura é
magnífica, como a da seda...
Linden sentiu-se corar e deu um passo para trás. Jamais alguém lhe dissera coisas assim antes. E ela
não sabia como reagir. Sentia-se embaraçada.
- O jantar está pronto, se quiser comer agora. Saladas, receio...
Livros Florzinha - 12 -
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- Comeria qualquer coisa - brincou alegremente. Linden saiu do quarto e ele a seguiu. Ao entrarem
na cozinha, viu que Lin estava contente com a chegada dele, o que a surpreendeu.
- Ah, aí está você, Joss! Sente-se. Sua aparência está bem melhor agora.
- Eu me sinto melhor - afirmou Joss, acomodando-se.
Linden também tomou seu lugar e iniciaram a refeição simples. Disfarçadamente, Lin observava os
movimentos de Joss e começaram a discutir sobre arte. Conhecendo de antemão a intenção do artista,
Joss rebatia com habilidade seus argumentos. Concentrada em sua refeição, Linden ouvia vagamente a
conversa. Divertia-se com o fato de ser a primeira vez que o pai encontrava um oponente à altura, sem
conseguir tornar-se o vencedor na contenda.
Ao término da refeição, Lin se levantou, dizendo:
- Com licença, Joss. Tenho umas coisas a fazer agora. - Linden começou a tirar a mesa. Admirado,
Joss perguntou:
- Ele sempre a deixa sozinha à noite?
- Geralmente - ela respondeu, começando a lavar a louça. Depois, pegou um pano de prato para
enxugá-la.
- E o que você faz?
- Leio, ouço música ou dou um passeio.
- Que espécie de música? Pop?
- Pop? Claro que não!
- Já sei. Lin não gostaria.
- Isso mesmo. Ele me dá muitos discos. Eu os escolho, mas ele é quem paga. Por isso, compro o que
ele gosta.
- Como por exemplo?
- Clássicos. Mozart, Bach, Beethoven... Não gosta de música romântica. Beethoven lhe traz
recordações.
- Quando finalmente for enfrentar o mundo lá fora, levará consigo uma enorme bagagem cultural. -
Joss riu.
- Oh, não sei. Cada um de nós tem o seu próprio mundo. - Enxugou as mãos e começou a guardar os
utensílios, terminando o seu trabalho. Apoiado na pia, ele observava os movimentos graciosos dela.
Sentindo seu olhar, ela o encarou, preocupada.
- Algo errado?
- Não usa nada além de jeans e camisas? Nunca usa sapatos? Não a compreendo, Linden. Apesar de
ser uma menina inteligente, anda por aí de olhos fechados.
- Eu tenho um biquíni! - exclamou, triunfante.
- Não acredito!
- Uma moça no convento me deu quando saí de lá. Era uma americana, filha de um milionário.
Apesar de muito bonita, não sabia manter uma conversa. A gente podia ficar um dia inteiro com ela, sem
saber o que se passava em sua cabeça... se é que havia alguma coisa. Mas eu gostava dela. Era muito
tranqüila. Não era preciso dirigir-se a ela, pois estava sempre alheia, distraída. Suas roupas eram lindas,
mas as freiras não a deixavam usar na escola. Tinha um armário cheio de roupas e não lhe davam chance
de vesti-las. Isso a deixava magoada.
- Posso imaginar. Então ela lhe deu o biquíni?
- Foi uma brincadeira. Ela pensou que eu jamais tivesse oportunidade de usá-lo. Acontece que eu
nunca uso coisa alguma quando nado no lago de Helots.
A expressão dele não podia ser mais assustada.
- Você o que?
- Não é preciso. Papai nunca vai lá e ninguém passa por ali. Não se vê viva alma durante semanas.
- Exceto Geoff.
- Geoff também não aparece nas proximidades do lago. Se o fizesse, eu o ouviria a quilômetros.
- Ele tem a respiração pesada?
- Não. Um trator. Geoff nunca anda a pé, se pode ir com o trator.
- Camarada inteligente! Por falar nisso, seria muito agradável nadar hoje à noite.
Ela o olhou, surpresa.
Livros Florzinha - 13 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Está mesmo disposto? A água é muito gelada, mesmo no verão.
- Numa noite como essa, seria maravilhoso. Tenho um calção de banho na minha bagagem -
acrescentou de propósito. - Não estava sugerindo que nadássemos nus.
Linden reparou na inflexão irônica de sua voz e encarou-o, muito, séria. Por alguma razão que não
entendia, Joss começara a fazer tudo para que ela notasse sua presença. Percebera isso há algumas horas,
desde que chegara da fazenda, embora ignorasse os motivos. Linden não tinha experiência em
relacionamentos amorosos, mas o instinto lhe dizia que Joss estava tentando namorá-la. Sua amiga
americana conversara com ela a respeito de flertes com rapazes. Mas devido à total indiferença que
demonstrava sobre o assunto, geralmente o diálogo terminava logo. Sabia apenas o suficiente para se
colocar de sobreaviso em relação a Joss agora.
- Vou apanhar meu biquíni - disse tranqüilamente. - Depois o encontro debaixo daquela árvore onde
nos sentamos hoje. O lago fica a dez minutos dali.
Algum tempo depois foi encontrá-lo. Numa atitude contemplativa, ele olhava as verdes colinas,
sobre as quais as sombras da noite desciam rapidamente. Joss viu que ela se aproximava com toalhas nas
mãos, ainda usando jeans e camisa.
- Por acaso mudou de idéia? - perguntou com ar de gozação.
- Estou com o biquíni por baixo da roupa - explicou rapidamente. -Trouxe uma toalha para você.
- Lin não fez objeção?
- E por que faria? - O tom frio de sua voz não admitia outros comentários. Caminhou pelo capim
alto, que em alguns pontos chegava até a cintura. Ao se aproximarem de um bosque, uma coruja piou
alto, voou e sumiu na ramagem.
A água parecia uma correnteza de prata, cercada por margens verdes. Sem voltar-se para Joss,
Linden tirou o jeans e a blusa, deixando-os cuidadosamente arrumados, e entrou na água. Sabia que Joss
a olhava curioso e que apreciava o biquíni que Nikki lhe dera. Quando o experimentara pela primeira
vez, Linden ficara fascinada ao ver suas pernas longas e bem-feitas expostas. Mas, agora, sentia-se
muito devassada ante aquele olhar especulativo. Por isso mergulhou depressa, tentando esconder o
corpo.
Prendera o cabelo no alto da cabeça, deixando à mostra a suave curva de seu pescoço. Joss
permanecia imóvel na margem, vendo-a nadar. Linden percebeu que ele tirava a roupa e evitou olhar
para aquele lado. Logo depois, ouviu-o entrando na água e reclamando que estava fria.
- Por que não me avisou? - queixou-se ele.
- É realmente revigorante, não? - brincou ela. Joss nadou para junto dela.
- Merece um castigo por isso! - disse ele. E, segurando-a pelos ombros, afundou-a na água. Retendo
o fôlego, ela afundou como uma pedra até o fundo do lago. Semi-inconsciente, viu apenas que estava de
pernas para o ar. Então, ouviu-o chamar seu nome. Em seguida, ele mergulhou. Agarrando-a com
firmeza, levou-a para a superfície.
Linden deixou-se ficar imóvel entre aqueles braços fortes, a cabeça de encontro ao peito nu, ouvindo
as batidas do coração de Joss.
Arrastando-a com cuidado, ele conseguiu trazê-la até a margem, sentindo um peso morto nos braços.
Disfarçadamente, Linden observava sua expressão e viu que ele estava em pânico.
- Meu Deus... - Deitou-a na relva e ajoelhou-se ao seu lado. - Linden... - Colocou as mãos sobre seu
peito imóvel, e então viu que ela abria os olhos, rindo do medo dele.
Seguiu-se um longo e pesado silêncio.
- Sua... - interrompeu a exclamação, contendo a raiva que sentia.
- Consigo reter o fôlego por muito tempo - comentou ela, ainda rindo.
- Você me deixou apavorado! - Ouviu-o dizer aquilo ainda muito nervoso e arrependeu-se, ao notar a
palidez de seu rosto.
- Perdoe-me, Joss! - apressou-se em dizer.
- Perdoe! - repetiu ele. Linden ainda ia dizer mais alguma coisa, quando, de repente, Joss inclinou-se
para ela e seus lábios se encontraram, silenciando-a.
Ela nunca tinha sido beijada antes em sua vida. Mantinha os olhos arregalados e suas faces pareciam
arder. As mãos de Joss a seguravam firmemente pelos ombros, atraindo-a para junto de si.
Livros Florzinha - 14 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Abra os lábios! - ordenou, ríspido. Sem se mover, ela continuou a fitá-lo. - Abra os lábios, Linden!
- mandou novamente, procurando forçá-la. Tomada de um súbito medo, ela empurrou com força o corpo
dele, apoiando as mãos em seus ombros molhados.
- Solte-me... - murmurou num soluço.
Joss a soltou rapidamente e só então ela percebeu o quão juntos estavam um do outro. Ele respirava
ofegante e tremia como se estivesse com frio.
- Você pode apanhar um resfriado, Joss. A água estava muito fria e você não está acostumado. f:.
melhor voltarmos para casa.
- Isto é tudo que tem a dizer? - perguntou ele, estranhando a reação dela.
- Sinto muito tê-lo assustado.
Pensou por um momento que a causa de seu comportamento era decorrente do susto que lhe causara.
Ainda podia sentir as batidas rápidas do coração dele, como se o pânico persistisse.
Sua expressão estampava a ira, mas logo seu semblante se desanuviou e abriu-se num largo sorriso.
- Está bem, Linden. Crianças nos pregam peças como esta de vez em quando.
Ela se levantou, apanhou a toalha e dirigiu-se para o bosque.
- Trocarei de roupa ali - disse ela, desaparecendo.
Quando voltou com o biquíni enrolado na toalha, Joss já esperava por ela, vestido e impassível. A
lua surgira, iluminando tudo. Joss a observava sem nada dizer.
- Linda noite, não acha? - comentou ela, sorrindo.
- Sim, maravilhosa - concordou ele, desviando o olhar, como se estivesse pensando em outra coisa.
- Tudo tão calmo e distante! A noite passa como um fantasma prateado. Impossível imaginar que o
homem já esteve na lua, pois nada parece perturbar esta paz que dela emana...
- É uma tentação - afirmou Joss, olhando o céu. - Este frescor envolvendo a gente silenciosamente.
Que homem pode resistir a tomar posse de tudo?
- Nunca poderá possuir alua - garantiu ela. - Olhe para ela. Simplesmente nos ignora, continuando
seu passeio pelo espaço. Pode-se sentir a harmonia dos astros como uma suave melodia inacessível a
ouvidos humanos.
- No entanto, o homem já domina o espaço.
- Os homens vão e voltam - respondeu Linden. - Isso não faz diferença para ela, que continua
ignorando a humanidade e seus pequeninos anseios.
- Você é humana, Linden. Não se esqueça disso. Seu pai está errado. Tornou-se indiferente por não
ser suficientemente forte para suportar a dor. Não permita que ele deforme seu humanismo também.
Admirada, ela o encarou fixamente.
- Pareço desumana? Não creio que seja. A lua é bonita e distante... por que os homens tentam possuí-
la? Desejam escalar o Everest apenas para desafiá-lo? Deviam somente admirá-lo e deixá-lo em paz.
Joss começou a andar.
- Provavelmente você tem razão -assentou ele friamente, enquanto se dirigia para a casa.
Linden alcançou-o e caminharam em silêncio. Ao chegarem, ela se ofereceu para fazer um
chocolate. Depois de alguma hesitação, ele aceitou, seguindo-a até a cozinha.
Sentaram-se à mesa, sorvendo a bebida quente em pequenos goles, enquanto o relógio da parede
batia como um coração. Olhando sua xícara vazia, Joss comentou:
- Sou muito grato pelo que você e seu pai fizeram por mim... Amanhã, procurarei um hotel.
- Não será necessário. Lin gostou de você. Não imagina como ele é desagradável quando não suporta
alguma pessoa. Sei que ele saiu hoje. Mas é o que geralmente faz quando está trabalhando. Se deseja ir
embora, Joss, vá. Porém, se quiser ficar, sei que Lin apreciaria.
- E quanto a você, Linden? - quis saber o visitante.
Ela o encarou, surpresa. Já havia dito que gostava dele.
- Eu? Aprecio a sua companhia. É bom ter alguém com quem conversar.
- Compreendo. Nesse caso, obrigado. Gostaria de ficar. - Então, levantou-se. - Boa noite, Linden.
Espero que não guarde ressentimentos de nossa ida ao lago hoje e que não fique doente.
Linden riu.
- Não se preocupe comigo. Sou forte e nunca apanho um resfriado. A última vez que tive um foi aos
dezesseis anos! Lin garante que nossa alimentação é muito saudável!
Livros Florzinha - 15 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Meu Deus, Linden! Você é incrível! - Seus olhos verdes brilharam de maneira curiosa. Virou-se e
saiu a passos largos e ágeis, enquanto ela o via desaparecer. Ele a perturbava e a confundia. Parecera
zangado quando se referira à sua saúde. Era um homem estranho. Por que não se casara? Certamente não
era por nunca ter encontrado uma mulher que o amasse. Era fisicamente atraente.
Imaginava se o pai achara as feições dele interessantes, dignas de estudos, ou se seu rosto bem
modelado não traduzia sofrimento bastante que despertasse seu tema favorito nas telas. Por vezes notava
em Joss uma expressão que denunciava ter ele passado por momentos difíceis e de sofrimento. Linden
lavou as xícaras, guardou-as e depois se sentou, pensativa.
- Em que está pensando? - perguntou Lin, entrando.
- Em Joss - afirmou francamente.
- O que há com ele?
- O rosto dele lhe interessa? -Encarava o pai com frieza, sem piscar. - Achei que talvez resolvesse
retratá-lo.
- Já pensei nisso.
- Pensou! - Ela sorriu, radiante. Sentia-se feliz por ter acertado. Desde o primeiro momento em que
vira Joss, achara que Lin acabaria pintando seu rosto.
- Fiquei imaginando mesmo que estranhas emoções teriam esculpido aquela face - comentou Lin,
que era fascinado por esses enigmas. - Ele lhe contou alguma coisa?
- Não perguntei - respondeu Linden espantada, pois seu pai sempre lhe ensinara a agir
reservadamente.
- Mas há alguma coisa - ponderou Lin, pensativo. - Não deve ter tido uma vida fácil. Há cicatrizes
em sua alma.
Linden lembrou-se de que Joss lhe falara em preservar seu humanismo. Teria a vida deformado sua
alma? Lentamente saiu da cozinha dizendo:
- Boa noite, papai.
- Boa noite! - murmurou ele, ignorando-a em seguida.
Na manhã seguinte, sentada na porteira e se balançando como um garoto enquanto Joss falava com o
mecânico, ouvia fragmentos da conversa.
- É uma beleza de carro, mas eu não sei...
Geoff chegou no trator, com o cabelo curto brilhando ao sol. Desligou o motor barulhento do veículo
e desceu, aproximando-se do carro com visível admiração.
- Creio que posso consertá-lo - afirmou, examinando os danos. - O estrago não foi grande. Precisa de
um novo pára-brisa e alguns retoques de funilaria. Quanto aos freios, podem ser restaurados facilmente.
O mecânico parecia ofendido.
- Não diria que é tão fácil assim - protestou, dirigindo-se para Joss. - Geoff é um amador! Vou
rebocar o carro para a oficina.
Relutante, Geoff deixou o carro e foi para junto de Linden, na porteira.
- Como vai seu pai? Sempre ocupado? Mamãe me disse que tinham um visitante. Veio para conhecer
o trabalho de Lin?
- Três perguntas de uma só vez! - gracejou ela. - Gostou do carro, não foi, Geoff? Sabia que isso ia
acontecer! - Ficava feliz quando o via assim, absorto em seu passatempo favorito.
- Vai haver um baile no próximo sábado, na vila - disse ele, depois de algum tempo. - Para angariar
fundos para a compra de uma mesa de bilhar. Quer ir?
Linden sacudiu a cabeça.
- Não sei dançar e, além disso, não tenho um vestido.
- Pois compre um! Eu a ensino a dançar, Linden. Teria muito prazer em fazer isso.
Ela continuava a sacudir a cabeça.
- Sabe que meu pai não aprovaria.
Geoff conhecia bem Lin e sacudiu os ombros.
- É uma pena! Gostaria que você fosse comigo. Já tem idade suficiente, Linden.
- Pode tirar seu trator dali, por favor? - perguntou Joss, aproximando-se deles. - O mecânico quer sair
agora.
Livros Florzinha - 16 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Geoff olhou-o longamente e, sem dizer uma palavra, dirigiu-se para o trator. Ligou o ,motor
barulhento e sumiu colina abaixo. O carro, agora rebocado, começou a se mover lentamente. Linden
fechou os olhos e ergueu o rosto para que o sol batesse em cheio nele, sentindo seus raios como uma
carícia.
Joss a observava em silêncio e ela sentia seu olhar.
- Gostou de Geoff? - perguntou. Geoff era seu único amigo e ela queria que todos o apreciassem.
- Você gosta? - quis saber Joss, surpreendendo-a.
- É claro! - afirmou, abrindo os olhos. - Eu o conheço desde pequena.
- Ele já a beijou?
Contraindo a testa, ela saltou da porteira.
- Você tem idéias esquisitas - disse, enquanto caminhava. Ele a seguiu, com as mãos nos bolsos.
- É um belo rapaz - continuou secamente. - Homens e mulheres fazem isso há séculos. É o que faz a
vida continuar. Não sabe disso, Linden? Mesmo no convento, deve ter ouvido falar sobre o amor.
- Eu já lhe disse que ainda não sou uma mulher feita.
- E um dia vai reconhecer a linha divisória?
- Suponho que sim... como saberei?
Joss deu uma gargalhada.
- Quer que lhe diga? - E depois de uma pausa: - Ou que lhe mostre?
Alguma coisa em seu tom de voz a perturbava.
- Você não é mulher. Como pode saber?
- Tenho uma vaga idéia.. Ou prefere continuar ignorando, Linden?
- Acho que o encanto da vida está em descobrir as coisas por si mesmo.
- Uma típica resposta feminina.
- O que gostaria de fazer hoje? - indagou.
- Meu Deus, como gostaria que soubesse - murmurou ele.
Linden sentiu-se corar. Seu coração disparou ante o olhar insistente dele. Ela própria se surpreendia.
Joss exercia um estranho fascínio sobre ela, diferente de tudo o que já sentira antes.
- Que tal andarmos a cavalo? - sugeriu. - Alugam cavalos na fazenda e poderíamos ir até o outeiro
Blueboy. Podemos fazer um piquenique.
- Blueboy! - repetiu ele, sonhador. - Estive lá na minha infância. Gostaria muito, Linden.
- Sabe por que tem esse nome? - perguntou mais tarde, quando caminhavam carregando uma cesta
com sanduíches e uma garrafa de chá.
- Não - disse ele. - Por quê?
- Não tenho a menor idéia! - Achou graça na expressão irritada dele.
- Você é uma gozadora, sabe disso?
Linden continuava a rir e simplesmente conseguiu desculpar-se.
- Mas é encantadora! - continuou com voz séria, enquanto ela permanecia em profundo silêncio.
Caminharam lado a lado por um túnel de árvores e chegaram em frente à casa da fazenda. Helen
estava curiosa a respeito de Joss, observando-o disfarçadamente, enquanto escolhia os cavalos.
Separadas as montarias, Helen achou Joss muito habilidoso para tratar com o imponente Ludo, que
arreganhou os dentes amarelos para mordê-lo. Joss revidou, batendo-lhe no focinho aveludado.
Escavando o ar com a pata, o animal parecia reconhecer que encontrara um adversário à altura. A égua
de Linden, Lady, tinha um olhar meigo e doce, quando se voltou para cheirar a sacola de Joss.
- Ela fareja as maçãs - explicou Linden, divertida. - Adora mastigá-las com seus dentes brancos e
fortes.
Cavalgaram pelos campos e ravinas, debaixo de um sol brilhante e quente. O céu era de um azul
claro e límpido. Cotovias voavam, tornando o cenário mais alegre. Inclinando-se para a frente, Linden
procurava aliviar os cavalos do ataque das moscas pousadas em seus focinhos.
Diminuíram o passo ao chegarem à charneca. Moitas de urzes quebravam-se sob as patas dos
cavalos. Montes de cinzas revelavam que alguém fizera uma fogueira ali.
- Antigamente as pessoas costumavam usar urzes para alimentar o fogo - explicou ela. - Havia
praticamente uma indústria de exploração aqui.
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Como carvão vegetal - completou ele e, imediatamente, ela percebeu que Joss tinha conhecimento
do fato.
Parando, Linden contemplou o horizonte azul. A charneca se estendia, deserta e bela, por
quilômetros e quilômetros, coberta de samambaias, tojos e urzes. Carneiros pastavam, procurando algum
capim no terreno seco.
- Habitantes da charneca... - disse ela, seguindo a. direção do olhar de Joss.
- Eu sei.
-Tinha a impressão de que já sabia. - E, franzindo o nariz, rindo, com malícia, continuou: - Você
conhece tudo!
Os olhos verdes dele brilharam, revelando todo o seu charme.
- Sua sereiazinha... - falou suavemente. E, inclinando-se, beijou a pontinha de seu nariz.
Desta vez, ela não sentiu pânico, nem medo. Simplesmente sorriu, enquanto ele se afastava. Gostara
do gesto de carinho. Lin nunca fora expansivo e nunca a acariciara quando criança. Sentira-se
maravilhada com aquela atitude de ternura e, num impulso, quis retribuir o beijo, pretendendo acertar o
nariz dele. Mas Joss virou o rosto rapidamente e Linden acabou beijando seus lábios.
- Uma corrida até o outeiro Blueboy! - E Joss partiu na disparada.
Quando chegaram ao topo, Linden estava sem fôlego e Lady bufava de cansaço. Joss já estava de pé
e Ludo pastava pela grama verde. Joss ajudou-a a descer e ela se viu em seus braços.
- Lady não pode competir com Ludo! Isto não é justo! - brincou ela.
Abraçando-a com força, ele examinava as feições delicadas como se quisesse memorizá-las. Seus
lábios encontraram os dela. Desta vez, Linden cerrou os olhos, sentindo a pressão daquela boca máscula
na sua. Ouvia ainda as batidas do coração dele, como se tivesse acabado de participar de uma corrida, e
as do seu próprio, saltando no peito. Sufocada, procurou afastar-se dele, empurrando-o com os punhos
fechados. Joss deixou-a em paz, mas olhava-a de modo estranho, como se estivesse esperando uma
resposta a alguma pergunta não arriscada.
- Preferia que não fizesse mais isso - afirmou ela francamente. - Não consigo pensar e me sinto tonta.
- Eu também me sinto meio tonto. Mas por razões diferentes. Então, não gosta quando eu a beijo?
- Não é bem isso - quis explicar, tentando ser justa. - Gostei do beijo no nariz. Foi muito bom!
- Por que seu coração está batendo tão depressa? - perguntou, colocando a mão em seu peito.
Linden ficou perplexa. Sentia o intenso calor daquela mão de dedos longos e morenos apoiada ,em
seu peito, por cima da blusa de algodão.
- Talvez seja por você quase ter me sufocado - comentou ela.
Joss riu gostosamente.
- Talvez - repetiu.
- Vamos comer nosso lanche?
Retirando a mão de seu peito, sem mais comentários, ele concordou. Linden sentou-se na relva e
olhou para o horizonte. As montanhas, os campos muito verdes e as urzes vermelhas, tudo formava um
cenário encantador. Os cavalos pastavam calmamente ali perto. Joss acomodou-se ao seu lado e abriu a
cesta. Imediatamente, Lady se aproximou, metendo o focinho na cesta e farejando.
- Dê-lhe uma maçã, pelo amor de Deus! - pediu Linden.
Joss tirou duas e deu uma para cada animal. Ambos se afastaram, felizes da vida. Depois serviram-se
dos sanduíches, saboreando e sentindo o aroma do pepino e da alface.
- Descobri que estou faminta! - afirmou Linden, mordendo o sanduíche.
Depois de terem comido e bebido tudo o que haviam levado, recolheram os restos do piquenique na
cesta e deitaram-se na relva, sob o sol. Linden começou a sentir-se sonolenta, debaixo daquela atmosfera
quente e calma. Parecia ter acabado de adormecer quando a mão forte de Joss enlaçou seu pescoço e
ergueu sua cabeça. Abrindo os olhos, viu que ele se inclinava para ela e apressou-se em dizer, como se
não o visse há muito tempo:
- Oi!
- Oi! - respondeu ele. - Estava sonhando? Quando cochilava, emitia alguns ruídos... como se fosse
um bebê sonhando com coelhinhos.
- Não me lembro de meus sonhos, se é que os tive... - Ela riu. - Pelo menos, creio que foram
agradáveis.
Livros Florzinha - 18 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Talvez estivesse acontecendo isto... - continuou suavemente, enquanto seus lábios desciam para
encontrar os dela.
- Não! - protestou Linden, sentindo o coração bater descompassado. - Tenho certeza de que não era
isso!
- Pois era com o que eu sonhava - afirmou ele, tranqüilo.
- Joss, por favor, pare!
Os olhos verdes dele não se desgrudavam do rosto ruborizado de Linden.
- Parar com o quê?
- Não quero que fique tentando me namorar!
- Então sabe o que estou fazendo? Eu devia imaginar.
- Como você mesmo disse, não sou burra. Compreendo que esteja gostando do jogo, mas eu não.
- Por quê?
Linden desviou o olhar, muito corada e sem responder. Joss segurou seu queixo, obrigando-a a
encará-lo novamente. Baixando as pálpebras, ela procurava não o fitar.
- Por que não, Linden? - insistiu.
Lentamente, ela ergueu o olhar. Seu coração batia apressado. Os lábios firmes de Joss se
aproximavam dos dela e, quase sem perceber, ela levantou a cabeça. O contato de suas bocas fez com
que um estranho arrepio lhe percorresse o corpo. Não sabia até aquele momento o quanto desejava que
ele a beijasse. Somente sentia aquela curiosa sensação crescendo dentro dela. Correspondeu ao beijo,
passando os braços pelos ombros dele e apertando, com seus dedos, aquele corpo másculo. Era uma
emoção nova, totalmente desconhecida. Uma certa debilidade tomava conta dela.
Agora, Joss beijava sua face, seu pescoço e mergulhava o rosto em seus cabelos. Os dedos de Linden
percorriam o contorno de seu peito forte e viril. Nunca lhe ocorrera que o contato físico pudesse
provocar tamanha sensação. Estava completamente trêmula e desejava que ele a beijasse outra vez.
As mãos de Joss pressionavam os ombros dela de encontro à relva, sentindo uma certa infantilidade
naquele corpo jovem. Lentamente, suas mãos começaram a ousar mais e mais e ela o impediu de
prosseguir, com um gesto brusco. Então, ele parou, querendo ler em seus olhos qual fora a reação que
provocara. Mas, com as pálpebras baixadas, Linden impedia que ele tirasse qualquer conclusão.
- Linden... - sussurrou, ofegante. - Linden... - Parecia faltar-lhe o ar. Os lábios dele continuavam
percorrendo seu pescoço e face, buscando carícias ainda mais íntimas. Sem saber como agir, Linden
debatia-se inutilmente, sentindo porém o êxtase daquele momento.
De repente, ele se sentou e afastou-se dela.
- Como isso pôde acontecer? - murmurou em voz baixa. Abrindo os olhos, Linden notou que o brilho
de sensualidade ainda persistia em seu olhar.
- Precisamos ir embora! - disse ele bruscamente, levantando-se.
Linden permaneceu deitada, tonta por algum tempo. Depois arrumou a blusa e ergueu-se lentamente,
sentindo as pernas fracas. Como tudo acontecera? Ela também se fazia a mesma pergunta, enquanto o
seguia até o lugar onde Lady continuava a pastar. Montaram os animais e dirigiram-se para casa. O rosto
de Linden ainda estava afogueado e seus olhos transmitiam o brilho da paixão, que ela desconhecia até
aquele momento. Sentia-se como uma criança que, depois de dormir muito tempo ao sol, se levanta com
o corpo quente e a mente desorientada.
Enquanto seguia Joss pela campina, ela observava cuidadosamente sua figura atraente e máscula.
Pensou, então, que ele não a considerava uma mulher sensual. Com seus quase quarenta anos, já passara
inúmeras vezes por aquela situação desconhecida e nova para ela. Já lera vários romances que falavam
sobre o amor, mas estes jamais poderiam tê-la preparado para a emoção que sentira com Joss. Para ele, o
que se passara em Blueboy era apenas uma brincadeira. Para si própria, não sabia ao certo o que aquilo
significava. Tinha somente a noção de que algo se modificara radicalmente em sua vida, desde o
momento em que ele a tomara em seus braços.
CAPÍTULO III
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Naquela noite, Lin não saiu logo após o jantar. Em vez disso, sugeriu a Joss que jogassem outra
partida de xadrez. Seus olhos brilhavam maliciosamente.
- Desta vez vou ganhar! - insinuou.
- Está bem - concordou Joss, imperturbável. Observou Lin arrumar o tabuleiro, recostado no sofá,
relaxado e calmo.
Linden acomodo? - se ,uma cadeira, parecendo mais uma criança, sentada sobre os pés nus, com a
cabeça entre as mãos, pronta para assistir à partida. Seu olhar cruzou com o de Joss e ambos sorriram
carinhosamente. Naquele momento, ela estava confusa, sem saber por quem torceria. Tinha o
pressentimento de que o resultado daquela disputa seria algo mais do que uma simples vitória no jogo. A
superioridade intelectual de Joss a perturbava. A fria e calculada segurança dele se apresentava como
uma armadura de aço. Ela se sentia como David diante de Golias, desarmada e indefesa. No entanto,
tinha certeza de que também não desejava a vitória do pai. Por outro lado, não queria que Joss fosse
derrotado e isso era o mais importante. Não admitia ver Joss perder coisa alguma.
Linden passara anos treinando a autodisciplina. Joss podia desejar intensamente que ela conversasse
com ele durante a longa batalha a ser travada. Mas ela permanecia impassivelmente muda e quieta como
uma estátua, somente observando, analisando e assistindo.
Em dado momento, ela se moveu, pois seu corpo tinha menos controle do que sua mente, procurando
uma posição mais confortável. Joss reparou que ela coçava tranqüilamente os dedos do pé. Lin
observava atentamente a expressão do parceiro. Depois de uns momentos, Joss voltou-se para o
tabuleiro.
- Sua vez de jogar - manifestou-se Lin delicadamente e Joss segurou uma peça.
Linden olhou para ambos, ouviu a voz do pai e julgou que se Joss a movimentasse, ficaria em
posição desvantajosa. Conteve-se para não o avisar, cerrando os lábios com força. Joss hesitava,
segurando a peça. Linden viu um sinal de preocupação estampado em seu rosto. A seguir, Joss soltou-a e
contemplou o tabuleiro, pensativo. Alguns momentos depois, completou a jogada. Lin deu uma
risadinha divertida.
Ambos se olharam e sorriram amistosamente. O coração de Linden se sentiu aliviado. A tensão
passara.
- Linden, faça um café, por favor - ordenou Lin, sem olhar para ela.
Levantou-se e espreguiçou-se, devido ao longo tempo em que permanecera imóvel. Joss
acompanhou seus movimentos. Caminhando na ponta dos pés, dirigiu-se para a cozinha e fez o café.
Quando entrou na sala com a bandeja, Lin disse energicamente:
- Agora, Linden, vá para a cama.
- Oh, mas... - Começou a protestar, mas deteve-se ante o olhar silencioso do pai. Jamais resistira a
uma ordem dele e não seria agora o momento para fazê-lo. Joss a observava, com o rosto inexpressivo.
Suspirando, resignou-se e despediu-se com um tom de mágoa na voz:
- Boa noite, pai. Boa noite, Joss.
Em seu quarto, trocou de roupa, vestindo uma camisola de algodão. Foi até a janela e ficou olhando
a lua que prateava a charneca distante, relembrando os momentos que passara no outeiro de Blueboy,
quando Joss despertara uma sensação nova em seu ser. Apesar de calma, notava alguma diferença em
seu modo de pensar. Sua vida se modificara naquele dia. Não sabia ainda ao certo por quê, mas não seria
nada fácil pegar no sono.
Mais tarde, ouviu os dois homens subindo as escadas cuidadosamente, entrarem em seus quartos e
ajeitarem-se para dormir. Conhecia os passos do pai, mas não prestava atenção senão nos ruídos dos
movimentos de Joss. Ouviu o barulho do interruptor de luz e imaginou-o deitando-se na cama qual um
cachorrinho em sua cesta de dormir. Suas pálpebras começaram a tornar-se pesadas e, finalmente,
adormeceu.
Na manhã seguinte, encontrou Joss na cozinha, comendo uma torrada.
- Dormiu bem? - perguntou ele.
- Sim - afirmou. - Para sua surpresa, estava mentindo. Nunca sentira necessidade de agir assim antes.
Tivera um sono agitado: sonhara e acordara multas vezes durante a norte.
Joss examinava se? rosto, enquanto ela se servia de uma xícara de chá e passava manteiga numa fatia
de torrada.
Livros Florzinha - 20 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Isso é tudo o que vai tomar e comer agora? - quis saber irritado.
- É assim que me alimento sempre - explicou.
- Você é muito magra!
- Não, não sou!
- É o que você pensa - continuou, ríspido. - O pior é que acha que está sempre certa!
- O que há de errado? Está zangado comigo por alguma coisa? - Como agir diante daquele homem
estranho que, de repente, se tornara tão importante para ela? Virou-se para disfarçar a perturbação que
sentia com seus pensamentos confusos e desencontrados. Depois de algum tempo perguntou: - O que
faremos hoje?
- Não estou disposto a divertir crianças! - afirmou cruelmente, trincando a torrada com os dentes. -
Pretendo ir a pé até a vila, tomarei uma condução até York. Lin me informou que há um ônibus logo
mais e vou sair daqui a dez minutos.
O que acontecera com ele? Por que lhe falava daquela maneira? Entretanto, sua vida com Lin a
preparara para as rápidas mudanças de humor dos homens. Baixou a cabeça resignada, sem ousar
perguntar se poderia ir junto. Estava claro que ele não desejava a sua companhia.
Joss terminou o café e levantou-se.
- Ficará bem sozinha?
- Naturalmente! - garantiu, sem encará-lo.
Ele vacilou por alguns segundos, mas depois virou as costas e saiu da cozinha. Trêmula, Linden
sentou-se. Acostumara-se a não fazer parte da vida do pai, mas não se conformava em receber o mesmo
tratamento por parte de Joss. Começou a limpar a casa e, durante uma hora, entreteve-se nessa tarefa.
Quando estava na escola, Lin fazia isso uma ou duas vezes por semana. Agora estava satisfeito por
deixar esse trabalho a cargo dela. Recusava-se a admitir uma faxineira. Por julgar que seus hábitos eram
simples, não via muita necessidade disso.
Terminado o trabalho, Linden chamou Bandit e saiu para um passeio pelo campo. Num canto calmo
da campina, ajoelhou-se, admirando as campânulas azuis, cujas pétalas balançavam ao sabor da brisa.
Havia poucas flores naquele lugar e sentia-se alegre por tê-las encontrado. Isso melhorou o seu humor.
Sentou-se na relva e aproveitou para tomar sol, com Bandit ao seu lado, latindo feliz, de vez em quando.
De pernas cruzadas, como uma menininha, Linden apanhou algumas flores e fez um colar, que colocou
ao redor do pescoço. Esqueceu-se de Joss. Sentia-se livre, amava o sol, o ar puro e o aroma do campo.
Lembrava-se de sua infância, quando passeava com Lin e aprendia com ele os nomes das plantas.
Deitou-se de costas, brincando com um ramo de capim entre os dedos, e cerrou os olhos. O som
emitido pelas cigarras a envolvia. Voltou-se para contemplar uma libélula que, leve como o vento, voava
ao seu redor. Apoiando-se num dos cotovelos, ergueu-se e abriu as mãos. A libélula pousou e,
imediatamente, foi aprisionada. Linden sentia o fremir de suas asas de encontro às palmas das mãos,
buscando uma liberdade difícil. Com pena do inseto, soltou-o e viu-o voar para longe, desaparecendo na
paisagem.
Deitou-se novamente e entregou-se a um cochilo agradável. A manhã passou rapidamente. Ela
adormecera placidamente, depois daquela noite de insônia.
Ao acordar, voltou para casa e preparou o almoço de Lin. Seu pai comeu em silêncio e, somente
quando ia deixando a sala, foi que perguntou:
- Onde está Joss?
- Foi até York.
Lin saiu sem fazer nenhum comentário. Linden terminou sua tarefa doméstica e seguindo um
impulso, foi até a fazenda. Helen, Bill e Geoff estavam na cozinha, rindo e conversando, depois do
almoço. Ficaram agradavelmente surpresos com sua chegada. Helen ofereceu-lhe uma xícara de café.
Ela agradeceu, sentando-se à mesa com os homens. Gostava de sua companhia e se sentia à vontade
com eles, pois os conhecia desde pequena.
- Você está queimada. Andou tomando banho de sol? - perguntou Geoff, que conhecia sua paixão
pelo sol.
- Durante toda a manhã estive no campo.
- Lin continua trabalhando? - quis saber Bill, interessado. Apesar de não ser muito dado às artes,
orgulhava-se de Lin, por tê-lo conhecido a vida toda e por tê-lo morando ali. Muitos jornalistas e críticos
Livros Florzinha - 21 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
de arte tinham vindo até Goatswood para tentar conhecê-lo e entrevistá-lo, mas simplesmente foram
rechaçados com a maior indiferença por Lin. Na parede de sua casa, Bill tinha uma tela dele em branco e
preto, pela qual recusara uma grande soma. Bill não exprimia em palavras, mas gostava muito do amigo.
Linden sabia disso e agora sorria para ele, reconhecendo sua honesta amabilidade. Geoff herdara do
pai suas qualidades. Era forte e imutável, como os carvalhos que cresciam junto à casa. Estavam lá há
anos e continuariam assim ainda por muito tempo, costumava dizer Bill orgulhosamente. Linden se
comovia ao vê-los.
- Ele nunca me fala a respeito de seu trabalho - comentou ela, pensativa.
- Ah! - disse Bill, confortando-a carinhosamente. - Ele é um artista, sabe? E não gosta de falar.
- Isso é verdade.
- O que houve com o moço de Londres? - perguntou Geoff, com uma ponta de ironia na voz.
Linden olhou-o francamente, chocada com sua maneira de falar.
- Foi a York esta manhã. Não gosta dele, Geoff? - Mostrava-se desapontada, pois desejava que os
dois se dessem bem. Ela possuía poucos amigos. Era uma pena que não se entendessem.
Helen observava-os e Bill concentrava-se em acender o cachimbo.
- Ele não combina conosco. As pessoas deviam ficar no meio a que pertencem.
- Ele nasceu perto daqui - protestou ela, rindo. - O que quer dizer o meio a que pertencem?
- Londrinos... São tipos esquisitos, sofisticados. Repare nele, Linden. Tem idade para ser seu pai!
Linden sentiu-se surpresa, vendo que Geoff se preocupava com seu comportamento. Era bobagem,
pensou ela, pois confiava em Joss e Lin também era da mesma opinião. Mas por que Geoff duvidava?
Não era muito próprio dele desconfiar das pessoas.
- Lin gosta dele - ponderou ela, certa de que seu pai tinha olhos de lince para descobrir a falsidade no
ser humano.
- Oh, Lin! Seu pai não é uma garota!
Linden encarou-o, admirada. Helen observou-a por um instante e depois voltou-se para o filho:
- Agora basta, Geoff! Você só o viu uma vez! Conceda-lhe ao menos o benefício da dúvida.
- Dúvida? - repetiu Linden. - Do que estão falando?
- Nada, nada! - arrematou Helen, apressada, antes que Geoff dissesse o que estava na ponta de sua
língua. - Vocês dois não têm o que fazer?
- É claro que temos! - confirmou Bill, levantando-se. - Vamos seu preguiçoso! De volta aos silos!
Geoff o seguiu, lançando um último olhar para Linden.
- Tem certeza de que não quer ir ao baile? - insistiu, da porta.
- Já lhe disse que não tenho roupa adequada.
Helen olhou seus pés descalços.
- E, pelo jeito, nem sapatos. O que Lin está pensando?
Depois que saíram, Linden explicou:
- Eu tenho um par de sapatos pretos que usava na escola. Mas aqui estou acostumada e gosto de
andar descalça.
- Parece uma ciganinha! - afirmou Helen, reparando naquele corpo de moça, nos jeans que vestia, na
pele queimada de sol e nos pés descalços.
- É isso mesmo o que sou! - concordou alegremente. - Uma definição perfeita para o meu jeito de
ser!
Helen riu.
Enquanto caminhava pelo bosque em direção à sua casa, Linden meditava sobre a felicidade de levar
a vida tal qual uma cigana. Isso significava liberdade e nada era melhor do que isso. Os intermináveis
períodos de disciplina no convento faziam com que desejasse estar em casa. Na isolada região em que
vivia, o silêncio só era quebrado pelo ruído dos animais. Por vezes, Lin se esquecia da hora da refeição e
ela não o chamava. Podia fazer o que quisesse e ir aonde desejasse. Tudo isso lhe parecia fazer parte de
uma existência ideal.
Deu a volta por trás de um monte de feno, a tempo de ver Bandit correndo atrás de um rato. Latia
raivosamente, obrigando o pequeno animal a fugir da perseguição. Ao lado do portão do jardim havia
uma árvore velha, onde Bill fixara um balanço. A pintura vermelha da tábua do assento estava
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
desbotada, mas as cordas eram ainda suficientemente fortes para agüentarem seu peso, e ela se sentou
sob aquela sombra acolhedora. O vento, passando por seu rosto bronzeado pelo calor, proporcionava-lhe
uma sensação agradável. Fechando os olhos, Linden ficou se balançando suavemente.
De repente, ouviu passos atrás de si e abriu os olhos. Sua expressão se modificou para a de um
prazer incontido, ao deparar com Joss perto dela. Sorriu ao vê-lo segurar as cordas, interromper o seu
balanço e inclinar-se em sua direção. Seus lábios se tocaram e ela sentiu uma suavidade sensual invadir
o corpo todo.
- Linden! - sussurrou ele, tocando de leve seus ombros.
Não havia como nem por que seu mau humor desaparecera, nem se preocupou em perguntar-lhe.
Sentia apenas que ele voltara a ser novamente o mesmo e dava-se por feliz com isso, correspondendo ao
beijo com toda a sua emoção.
Joss ergueu-se e ela saltou do balanço.
- Divertiu-se em York?
Por alguns segundos, ele a fitou de modo estranho, mas logo voltou a sorrir.
- Eu lhe trouxe um presente.
- Um presente? - Estava fascinada. Ninguém costumava dar-lhe presentes sem que se tratasse de uma
data especial, como Natal ou aniversário. Assim mesmo, só os recebera de Helen, Bill ou Geoff. Sempre
ganhava coisas úteis, que eles achavam que ela precisava. - O que é? - perguntou, curiosa como uma
criança.
- Venha e veja você mesma! - sugeriu ele, divertindo-se com a ansiedade dela.
Linden seguiu-o até a casa e ele apontou para as escadas.
- Deixei no seu quarto... experimente-os.
Ela correu escada acima, imaginando o que seria, mas não conseguia adivinhar. Sobre sua cama
encontrou uma porção de caixas. Começou a abri-las e seu espanto ia crescendo. Ele lhe trouxera todo
um guarda-roupa! Um vestido elegante e jovial, peças de lingerie como ela nunca vira e um par de
delicados sapatos brancos. Estava tão admirada que não lhe passou pela cabeça experimentar qualquer
uma das peças. Simplesmente ficou parada aos pés da cama, contemplando-as.
Passado algum tempo, ouviu passos na escada. Como não fechara a porta, logo percebeu que Joss
estava parado, observando-a, apreensivo.
- Não gostou deles?
- São... maravilhosos -confessou.
- Mas?
- Não posso aceitar um presente tão valioso, Joss.
- Eu disse a Lin que os compraria e ele pareceu concordar com a idéia.
- Verdade? - Os olhos de Linden brilharam. Isso modificava sua maneira de encarar aquilo. Se Lin
aceitara, então poderia receber aquele presente!
- Experimente-os - pediu Joss, deixando o quarto e fechando a porta atrás de si.
Por alguns instantes, ela ainda permaneceu sentada, indecisa. Em seguida, levantou-se e pegou o
vestido, acariciando-o com a mão. Quinze minutos depois estava em frente ao espelho de seu quarto,
sem acreditar na imagem que via refletida. Nunca se imaginara vestindo uma roupa daquelas e analisava
sua própria emoção. Sentia-se embaraçada, inquieta e ansiosa.
Ouviu, então, uma batida na porta.
- Já está vestida? - perguntou Joss, impaciente. - Não vai me deixar ver como ficou?
- Espere um minuto! - respondeu, confusa. A porta abriu-se e ela se voltou, um pouco envergonhada
e protestando: - Não, Joss, por favor!
Joss entrou no quarto devagar, admirando-a de alto a baixo. O vestido branco dava-lhe uma
aparência ingênua. Era uma delicada confecção em seda fina, cujo decote salientava a beleza das linhas
do pescoço e dos ombros. A cintura era justa e a saia ampla caía em pregas sobre suas pernas bem
torneadas. Os sapatos brancos davam-lhe uma certa instabilidade, pois nunca usara saltinhos.
Joss deu um suspiro e foi até a janela, continuando a contemplá-la.
- Agora, Cinderela, você já pode ir ao baile.
- Não quero dançar. Disse a Geoff que não iria.
- Eu vou levá-la.
Livros Florzinha - 23 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Ela ficou atônita. Não podia imaginá-lo no baile da vila. Embora nunca tivesse ido a um, tinha noção
de como eram e ele devia estar acostumado a freqüentar lugares finos e a manter contatos com pessoas
mais sofisticadas. Pela primeira vez, compreendeu o que Geoff queria dizer. Joss não pertencia àquele
meio. Não era somente um homem muito inteligente, mas também muito experiente. Devia estar se
divertindo durante suas férias, flertando com ela, roubando-lhe a calma e a tranqüilidade a que estava
acostumada e modificando por completo sua vida.
Joss observa-a fixamente, tentando adivinhar o que se passava em sua cabecinha.
- Não quer ir comigo?
- Creio que não poderá gostar de um baile do interior. Por que deseja levar-me?
- Você disse que queria reconhecer a linha divisória entre a infância e a maturidade. Talvez esta seja
uma boa ocasião.
Linden cravou as unhas nas palmas das mãos. Forçou um sorriso.
- Oh, outra lição, Joss?
- Outra? - repetiu, erguendo as sobrancelhas.
Linden enfrentou o desafio de encará-lo sem pestanejar.
- Já me fez passar por algumas experiências novas - afirmou friamente.
- Para uma menininha, você tem a língua muito afiada! Está mudando rapidamente! - murmurou
baixinho.
Ela também reconhecia o fato e sentia que seu relacionamento com Joss era a causa de tudo.
- Você vai ou não? - insistiu de modo brusco.
Linden readquiria o controle. Sorriu e respondeu, muito calma:
- Por que não? Geoff gostará.
- Você irá comigo e não com Geoff! - Deu as costas e saiu do quarto rapidamente, batendo a porta e
fazendo com que o entusiasmo de Linden desmoronasse como um castelo de cartas.
Depois do jantar, Lin desapareceu novamente. Linden e Joss jogaram cartas durante horas. Ela
suspeitou de que ele trapaceava e acusou-o disso. Joss riu e desafiou:
- Prove!
- É tão importante, para você, vencer?
- É! - afirmou francamente, reparando em seu narizinho erguido de modo petulante.
Para disfarçar seu embaraço, Linden levantou-se, dizendo:
- Vou preparar um chocolate. - E dirigiu-se para a cozinha.
Durante os dois dias. que se seguiram, ela e Joss se distraíram ouvindo música, dividindo as tarefas
domésticas, jogando ou passeando com Bandit pelos campos. O tempo continuava firme e as urzes
brilhavam sob o sol, à distância. Joss mostrava-se amável, divertido e novamente acessível. Linden
conseguira afastar as emoções que a proximidade dele lhe causavam e desfrutava de sua companhia com
bastante prazer. Tinha plena consciência das mudanças que se operavam nela. Depois do vazio de sua
infância, do constante alheamento de seu pai, da solidão no convento, ela desabrochava agora como uma
flor, sob a influência daquele homem. Quando estavam juntos, gozava a vida em sua plenitude.
Conversava com ele sem precisar pensar no que dizer, abrindo seu coração e sua mente. Sabia que ele
também gostava de sua companhia. Apesar da diferença de idade, sentia que ele a compreendia como até
então ninguém o havia conseguido.
Calor e amizade marcavam o relacionamento de ambos. Caminhavam de mãos dadas,
preguiçosamente, pelos campos, conversando. Joss lhe falava de lugares distantes e estranhos e ela o
ouvia fascinada e atenta. Ele viajara por toda parte: Nova York, Havaí, Tóquio, Atenas, Sídnei... e
divertia-a ao contar-lhe incidentes e histórias dos povos que conhecera. Descrevia os lugares com
definições precisas e, frequentemente, a fazia rir. Os olhos brilhantes de Linden, sempre fixos nele,
pareciam estar vendo ao vivo o Parthenon, de encontro ao céu azul da Grécia, ou o mercado de Paris,
cheio de pessoas apressadas. Seu senso estético era tão apurado quanto o de Lin, mas muito mais
humanizado.
- Você deveria ser marinheiro - comentou Linden uma ocasião.
- Já fui, em certa época de minha vida.
Livros Florzinha - 24 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Estou surpresa por você ter abandonado a carreira... devia servir-lhe como uma luva. Uma esposa
em cada porto e uma paisagem diferente em cada vigia!
- Menina, está procurando encrenca! - avisou Joss.
- Não consigo imaginá-lo atrás de uma escrivaninha! - disse, franzindo o nariz com ar de pouco caso.
- Todo pomposo e autoritário!
- Sabe que seu narizinho está cheio de sardas?
- Sempre fico assim no verão.
O olhar de Joss percorreu seu corpo, pés descalços e cabelo solto. E continuou:
- Sabe que se não fossem um ou dois indícios de feminilidade, você poderia passar por Huckleberry
Finn? - brincou ele.
Linden deu uma gargalhada.
- Gosta de Mark Twain? Eu o adoro! Quando eu tinha dez anos, Geoff construiu uma jangada para
que eu velejasse no lago. Eu só a abandonei quando chegaram as neves do inverno.
Naquele instante, o sorriso morreu em seus lábios e ele lhe lançou um olhar frio e cruel, fazendo-a
estremecer. Linden não compreendia suas rápidas mudanças de humor, que também caracterizavam o
comportamento de Lin. Mas Joss a magoava muito mais do que s.eu pai, quando reagia assim.
Ansiosa por quebrar o silêncio, perguntou depressa:
- Falou com Lin sobre o baile? Ele permitiu que eu fosse?
- Você não lhe pediu?
Linden sacudiu a cabeça. Não tivera coragem.
- Conversei com ele ontem sobre isso - disse Joss.
- E o que ele resolveu? - quis saber ela, retendo o fôlego.
- Mostrou-se indiferente. Tivemos um longo papo depois que você foi para a cama.
- Não ficou zangado?
- Não. - Sua voz era rigidamente fria.
O sábado amanheceu ensolarado como os dias anteriores, com o céu límpido. Os insetos rodeavam
as árvores, como de costume, e as vacas pastavam preguiçosamente, sentindo as reações provocadas
pelo intenso verão. Joss estava pescando na parte mais funda do riacho, com um velho chapéu de palha
de Lin na cabeça encobrindo parte de seu rosto, e fingindo prestar atenção à linhada. Linden, com o
jeans enrolado acima dos joelhos, mergulhava os pés na água. O ar descontraído dele a divertia e, de
repente, sentiu uma profunda emoção, que fez desaparecer o sorriso de seu belo rosto. Pela primeira vez,
pensou que um dia ele iria embora e mergulhou na amargura da dor da separação. Quando ele se fosse,
significaria para ela uma perda irreparável. Antes de ele entrar em sua vida, permanecera praticamente
uma criança, feliz e sem problemas. Agora, sabia apenas que a infância já ficara de lado e que, depois
daquelas experiências, encontrava-se confusa, sem ter ao certo noção do que lhe acontecera. Após uma
vida marcada pela solidão, fora invadida por sensações fortes demais para que aprendesse a controlá-las,
em tão pouco tempo, embora fosse bastante inteligente para reconhecê-las. A idade de Joss não
representava problema, mas sua própria experiência formava a enorme distância que os separava.
Afastou aqueles pensamentos que a perturbavam e sorriu para ele, levantando-se.
- Vou para casa preparar o jantar. Antes de vestir-me para o baile, preciso terminar minhas tarefas
domésticas.
- Eu a ajudarei -propôs Joss, erguendo-se também.
- Não, obrigada. Eu me arranjo sozinha - afirmou, enquanto caminhava depressa, deixando Joss para
trás, recolhendo suas coisas. Reconhecia que, durante todo o tempo, fora muito sincera com ele, e, por
isso, Joss não tinha dificuldades em descobrir suas idéias e suas emoções. Precisava aprender a
resguardar-se um pouco mais, a adquirir a faculdade de esconder dele algumas facetas de sua
personalidade.
Quando ele chegou mais tarde para jantar, quase não o olhou. Com o rosto contraído, Lin a
observava atentamente. Ao perceber isso, ela sentiu um sobressalto.
Raramente Lin a olhava daquela maneira, expressando toda a força de sua mente no semblante. Já o
vira agir assim com outras pessoas e, naquele instante, sentiu-se estremecer ante a dureza e o frio
magnetismo que ele irradiava. Seguindo um instinto de defesa, baixou os olhos para o prato de comida.
Livros Florzinha - 25 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Depois de lavar a louça, subiu para se arrumar. Levou muito mais tempo do que o necessário em seu
quarto, com medo de descer.
Finalmente decidiu-se. por uns segundos, ainda hesitou, parada no vão da porta, e tremeu, ao sentir-
se vulnerável ao olhar daqueles dois homens. Procurou o apoio de Joss e ficou admirada com sua
elegância. Ele vestia um terno escuro e camisa branca. Estava completamente diferente com aquelas
roupas e seu coração deu um salto. Rapidamente, desviou-se para Lin, que a fitava com os lábios
cerrados, sinal evidente de que estava zangado. Nervosa e alarmada, viu que Joss se aproximava dela.
- Está encantadora! - exclamou ele, contemplando-a de alto a baixo e detendo-se nos sapatos
brancos. - Boa noite, Lin. - Despediu-se, conduzindo-a para a porta.
- Boa noite - respondeu Lin secamente, vendo-os partir.
Ao saírem, Linden comentou, aliviada:
- Temos uma longa caminhada pela frente. Espero que eu agüente andar com estes sapatos.
- Chamei um carro para levar-nos até lá.
Linden mostrou-se surpresa. Tal extravagância jamais lhe passaria pela cabeça e sentia-se meio
estranha, entrando no táxi estacionado na frente da casa, à espera deles.
O salão de baile da vila já estava lotado e a chegada deles chamou a atenção dos presentes. Todos
conheciam Linden de vista, embora poucos tivessem contato com ela, pois vivia isolada. Ao vê-la, Geoff
não escondeu seu espanto e dirigiu um olhar estranho e hostil a Joss. Acanhadamente, ela lhe sorriu.
Achava-se esquisita em seu vestido novo e não conseguia manter sua naturalidade. Geoff encaminhou-se
para onde estavam. Mas, antes que pudesse alcançá-los, a música recomeçou e Joss, enlaçando sua
cintura, saiu dançando com ela.
- Eu não sei dançar! - protestou Linden.
- Siga meus passos! É tudo o que tem afazer. Deixe-me conduzi-la!
Linden olhou para seus pés e tropeçou, mas os braços dele a seguraram firmemente.
- Levante a cabeça! Você é muito graciosa ao andar, e, portanto, não lhe será difícil aprender a
dançar. - Começou a explicar-lhe os passos e ela, finalmente, conseguiu acompanhá-lo, mantendo-se
muito concentrada para não errar.
Joss falou qualquer coisa e ela pediu silêncio.
- Estou contando os passos - explicou.
Ele riu.
- Parece uma criança aprendendo a ler. - Tocou o nariz dela com o seu. - Não enrugue tanto esse
narizinho. Fica parecendo o coelhinho branco.
Aos poucos, ela foi se relaxando em seus braços, deixando o corpo junto ao dele. Suas cabeças
permaneciam juntas. A música terminou e Joss lhe trouxe um copo de limonada fresca. Ele tomou uma
cerveja, enquanto prestava atenção a tudo o que ocorria no salão.
Foram dançar novamente e ela achava cada vez mais fácil acompanhá-lo. Então, Geoff apareceu,
hostil e agressivo, convidando-a para dançar. Lançou um olhar grave a Joss, como se estivesse pronto
para brigar. Rapidamente, ela o seguiu.
- Sabe o que está fazendo, Linden? - perguntou, irritado, encarando-a. - Esse vestido, esse
camarada... Tem noção do que está acontecendo com você?
- Não fale agora, Geoff, por favor. Estou contando os passos. Se parar, não saberei como segui-lo.
Ele relaxou um pouco. Era mais difícil dançar com Geoff do que com Joss. Ao final da música,
viram-se cercados de rapazes que, em tom alto de voz, convidavam Linden para a próxima dança.
Assustada, ela os olhava, sem saber o que fazer ou dizer, quando Joss se aproximou. Abraçando-a pela
cintura, num gesto possessivo, silenciou a todos.
- Ela é minha parceira, cavalheiros! - afirmou polidamente. A orquestra recomeçou. - Está
aprendendo! No final da festa, estará bailando como um anjo!
- Anjos não bailam - brincou ela. - Eles voam!
- Não tão rápido... - murmurou ele, sorrindo. - Ou serei obrigado a cortar-lhe as asas.
Fingiu não ter ouvido, para esconder a emoção que sentia. E foi com certo alívio que saiu dançando
com Geoff novamente. A tensão nervosa de estar envolvida com Joss estava se tornando insuportável.
Livros Florzinha - 26 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Cada vez que seus olhares se cruzavam, o coração de Linden disparava. A expressão e o jeito de ser dele
tinham o poder de fazer sua cabeça girar no espaço.
- Cuidado, menina! - avisou Geoff. - Não confio nesse camarada! Não pertence ao nosso meio e está
somente se divertindo às suas custas.
- Se continuar falando desse jeito, como poderei me concentrar?
Mas, naquele instante, as palavras de Geoff penetraram em sua mente. Teve uma intuição de que ele
tinha razão no que dizia. Ela deveria representar, para Joss, apenas uma distração de férias e nada mais.
- Sinto-me na obrigação de preveni-Ia - repetiu Geoff, quando a música terminou. - Linden, escute...
- Já lhe ocorreu que eu também posso estar apenas me divertindo? - perguntou de modo arrogante,
erguendo a cabeça.
Apanhado de surpresa, Geoff simplesmente voltou as costas e foi embora. Joss a observava
friamente.
- Não acha que basta por hoje? - indagou, revoltado, olhando o relógio. - Prometi a Lin que a levaria
de volta às dez horas e já estamos em cima do horário.
Admirada por sentir como o tempo passara rápido, concordou imediatamente em ir embora. Seus
tornozelos doíam e seus pés ardiam por estarem desacostumados a usar sapatos durante tanto tempo.
Geoff viu-os sair, com a mesma expressão rancorosa.
O táxi estava esperando, com o rádio no último volume. Joss lançou um olhar furioso ao motorista.
Finalmente chegaram em casa e Linden sentiu-se feliz por tudo ter terminado.
- Gostou da festa? - quis saber Joss, ao entrarem em casa.
- Não estou bem certa - afirmou francamente. - Havia barulho no ambiente. - Fez uma careta. - Além
disso, meus pés estão doendo. Detesto usar sapatos.
- Então seu primeiro baile não foi um sucesso, Cinderela!
- Sinto muito - desculpou-se ela. - Depois de todo o trabalho que teve... Sou-lhe muito grata, Joss...
Digo isso com sinceridade.
- O que Geoff dizia tão seriamente, quando viemos embora?
- Estava me prevenindo contra você - explicou.
- E o que você respondeu?
-Disse apenas que estava me divertindo e quis saber por que isso o aborrecia.
Já em seu quarto, Linden tirou a roupa, mas não tinha sono. Sentou-se na beira da cama. Agitada,
sentia dor de cabeça por causa do barulho da música e do brilho das luzes. Seu coração se magoava,
quando se sentia invadida pela lembrança de Joss. Ficou a ouvir os ruídos vindos do quarto dele e,
finalmente, instalou-se o silêncio. Lin também já fora para a cama e, num instante, toda a casa estava
muda. Fazendo esforço para não ser ouvida, Linden levantou-se, vestiu seu jeans e sua blusa, pegou uma
toalha e desceu as escadas, sem nenhum barulho. Aprendera a usar os degraus de forma que os estalos da
madeira não denunciassem as suas escapadelas. Saiu de casa e dirigiu-se depressa para o lago.
Na margem, despiu-se e mergulhou. A sensação da água fria envolvendo seu corpo era realmente
deliciosa. Nadou para o fundo, encantada com o luar que prateava a superfície. O ar estava leve e o calor
parecia o de uma paisagem tropical.
Um ruído assustou-a. Viu, nesse momento, o rosto de Joss iluminado pela lua. Por um instante, ficou
imóvel, incapaz de falar ou de se mover. Lembrou-se, assustada, de que estava completamente nua.
Instintivamente, imergiu seu corpo na água, cruzando os braços sobre o busto e pedindo:
- Vá embora, Joss... Por favor!
Sem responder ao seu apelo, ele começou a se aproximar dela, entrando também no lago. Ela quis
fugir, mas era muito tarde. Joss prendeu-a em seus braços. Seus corpos se tocaram. As mãos dele
percorriam suas costas, puxando-a para junto de si. De repente, ela se deu conta de que ele também
estava nu.
- Não, Joss - pediu mais uma vez, empurrando seu peito musculoso com os punhos cerrados.
- Você é maravilhosa... - disse ele, beijando seus ombros e pescoço. - Linden, meu Deus, Linden, eu
a desejo tanto que sou capaz de perder a cabeça... - O hálito quente dele perturbava o seu corpo, sua
mente e seus nervos. Com o coração batendo descompassadamente, sentiu o despertar do desejo como
jamais lhe ocorrera antes.
Num supremo esforço, conseguiu protestar:
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Você... você não devia ter me seguido.
- Eu não a segui. Só soube que estava aqui quando vi suas roupas jogadas no chão. Deveria ter ido
embora, mas não pude resistir. - Cerrou os olhos por um momento. - Não consegui - explicou.
Devorava-a com os olhos, enquanto acariciava seu corpo perfeito debaixo da água. - Eu precisava vê-Ia!
- Oh, Joss! - sussurrou, encostando o rosto em seu peito.
- Não pretendia ir tão longe, acredite! Estou perdido, Linden. Não sei o que vou fazer. Você me
enlouquece! - exclamou com tal violência que a deixou amedrontada. Então seus lábios procuraram os
dela, mais possessivos do que nunca. Linden não raciocinava mais, cravou fortemente as unhas no peito
dele sem perceber que o estava ferindo.
Aquele beijo a fazia sentir toda a plenitude da vida. Abraçou-o, passando a mão pelo pescoço forte e
acariciando seus cabelos negros. Uma chama ardente nascia dentro dela e, envolta pelo luar, só desejava
deixar-se consumir pela paixão que Joss lhe despertava.
Num gesto brusco, ele a empurrou, tremendo e ofegante, como um ser prestes a se afogar. E,
agarrando as mãos dela, retirou-as de seu pescoço.
- Não posso! - afirmou, angustiado. - Linden, querida, temos que sair daqui!
Completamente transtornada, Linden perdeu a noção do que estava acontecendo.
- Eu amo você! - afirmou ela, voltando a enlaçar-lhe o pescoço. Apesar de ser a primeira vez que
dizia isso, era capaz de reconhecer a realidade de seus sentimentos.
Joss emitiu um som gutural, quase selvagem, e carregou-a em seus braços. Enquanto saíam do lago,
Linden ergueu a cabeça para encontrar novamente aqueles lábios sensuais que tanto a fascinavam.
Então, ele a conduziu através do túnel verde formado pelos salgueiros...
CAPÍTULO IV
Na manhã seguinte, quando abriu os olhos, encontrou um céu nublado e constatou a presença de
pesadas nuvens de chuva, ameaçando o vale verde. Por um momento permaneceu imóvel, contemplando
o céu. Em seguida, a lembrança da noite anterior lançou-se sobre ela como um raio, tornando-a agitada,
corando suas faces. O que fizera? Virou-se na cama, escondendo o rosto afogueado sob o travesseiro,
como querendo esconder-se de si mesma. O que fizera? Se não tivesse ido nadar no lago, não teria
encontrado Joss... O que estaria ele pensando ou sentindo agora? Como poderia encará-lo novamente?
Durante um tempo que lhe pareceu interminável, continuou ali, lutando entre o desejo de permanecer
no quarto para sempre e a vontade de correr escadas abaixo para encontrar-se com Joss.
Por fim levantou-se, vestiu-se lentamente, fez sua toalete matinal, para depois descer, em completo
estado de apreensão. Encontrou Lin na cozinha, pálido como se estivesse doente. Sentado em sua
cadeira, olhava fixamente a porta. Trêmula, ela parou.
- Entre, Linden - convidou ele, num tom tão gentil que a surpreendeu. Aproximou-se devagar, sem
encará-lo.
- Não está trabalhando? - perguntou, esforçando-se para dar à sua voz uma aparência natural.
- Não. Sente-se, minha filha.
Ela o olhou por um instante e obedeceu-o. Era um hábito mais forte do que sua vontade.
- Joss se foi - informou ele calmamente.
Por um momento, pensou não ter ouvido bem e buscou uma confirmação no rosto austero do pai.
Seus lábios tremiam quando perguntou:
- O que foi que disse?
Lin a observava com atenção e curiosidade.
- Linden, quero que me ouça: eu falhei miseravelmente com você como pai. Agora preciso de sua
compreensão para que entenda o que vou lhe falar.
Completamente atônita pela notícia que acabara de receber, ela não conseguia concentrar-se em
outra coisa.
- Você disse que Joss foi embora?
- Ele tinha que partir, Linden. Eu o teria matado, se ele não fosse embora daqui.
Linden levantou-se de um salto.
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Ele não pode ir agora! - exclamou com voz trêmula. - Ele não pode me deixar... você não entende...
- Entendo sim - confirmou Lin, com os lábios sem cor. - Ele me contou tudo ontem à noite, quando a
trouxe para casa. - Seu olhar fixou-se no dela. - Pela segunda vez... - acrescentou, como se ela pudesse
não ter entendido.
Seu rosto delicado tornou-se tão pálido quanto o do pai e, então, seus olhos se fecharam.
- Eu... - gaguejou. - Por que o obrigou a ir embora? - De repente, um brilho de ódio surgiu em sua
expressão. - Eu o amava e...
- Ele é casado - completou Lin.
Aquele golpe parecia ter rompido todas as suas artérias, fazendo-as sangrar lentamente até a morte.
Era essa a sensação que provocavam as palavras de Lin em seus ouvidos quase surdos.
- Por isso, achou melhor que eu soubesse de tudo. - Continuava falando, como se sua voz viesse de
um ponto muito distante. - Ele teve pelo menos a decência de pedir-me para protegê-la mais daqui por
diante. Temia que você fizesse alguma coisa insensata quando soubesse que ele partira. Mas você é
inteligente demais para...
Linden já estava fora da casa, correndo, ao ar livre, sentindo necessidade de fugir, desejando
somente acabar com tudo. Não queria mais pensar, sentir. Necessitava apenas desvencilhar-se de
qualquer dor ou sentimento de culpa. Instintivamente, dirigiu-se para o ponto mais alto da montanha,
onde havia uma escarpa que descia vertiginosamente até as profundas águas geladas, formando um
abismo. Quando criança, sempre a haviam alertado para nunca se aproximar dali. As pedras eram
perigosamente escorregadias. Muitas pessoas tinham morrido ao cair dali. Seus pés descalços sentiam a
umidade do chão. Uma chuva fina começava a cair, encharcando sua roupa e grudando seus cabelos no
seu rosto decomposto.
Não estava muito longe do abismo quando Lin surgiu gritando seu nome, demonstrando na própria
voz o terror que sentia. A cada chamado dele, ela se sentia ainda mais culpada.
Linden continuava correndo, sem perceber que os jeans molhados retardavam seus passos. Subia
sempre, vertendo lágrimas desesperadas, sem perceber.
O pai seguia em seu encalço montanha acima, com aquela terrível expressão que ela jamais
conhecera.
- Linden, minha filha pelo amor de Deus! - gritou ele, arfando.
- Querida, não faça isso!
Quando avançou sobre ele, empurrando-o, o corpo magro cambaleou e caiu, permanecendo imóvel
entre as pedras. Um filete de sangue escorreu do rosto pálido dele, indo misturar-se com a água.
Linden contemplava a cena como se não fosse real. Em sua mente, outras imagens se desenrolavam.
Eram as da noite anterior, quando estava ao luar, com Joss beijando-a furiosamente. Os dois
acontecimentos se apresentavam sucessivamente, deixando-a sem ação.
Então recobrou a consciência e foi até onde o pai estava, tomando-lhe o pulso. Notou que batia
fracamente. Hesitou. Não podia deixá-lo assim, com o corpo trêmulo meio mergulhado na
água. .Reunindo todas as suas forças, arrastou-o, segurando-o pelos braços até uma parte seca e
acomodou-o de encontro a uma rocha, delicadamente. Recomeçou a correr, tremendo de frio sob suas
roupas molhadas. No meio do caminho, encontrou Geoff com seu trator. Ele desligou o motor para
poder ouvir suas palavras entrecortadas a respeito do acidente que Lin sofrera nas pedras. Quando pôs o
trator em movimento, Linden estava ao seu lado, com o olhar mortiço e a face descorada.
Lin permaneceu hospitalizado em estado grave durante semanas. Quando obteve alta, levou Linden
para uma viagem à Europa, visitando todo o continente, fazendo-a conhecer os museus e galerias mais
famosos.
Nunca mais mencionaram o nome de Joss. Ele se tomara uma sombra nefasta, tendo deixado marcas
profundas e amargas em suas vidas. Pela primeira vez Linden descobriu que tinha um pai de verdade,
que se esforçava para demonstrar-lhe sua dedicação.
Os meses passaram lentamente e ela parecia ter esquecido de tudo. Sua pele continuava dourada pelo
sol e saudável devido ao ar puro. Usava agora roupas mais sofisticadas, tendo abandonado seus jeans
para sempre. Cortara os longos cabelos num sofisticado salão e sua nova aparência realçava ainda mais
seu rosto delicado e bonito.
Livros Florzinha - 29 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Voltaram à Inglaterra no verão seguinte. Rever Helots foi quase um golpe para sua memória, quando
chegaram. Mas, logo depois, era capaz de passear como antes, por todos aqueles lugares conhecidos,
sem que as lembranças a atormentassem.. Lin sentou-se para trabalhar novamente e, pela primeira vez,
resolveu retratá-la. Quando viu o quadro, entrou num pranto angustiado. Lin não lhe contara que estava
pintando seu rosto e, portanto, o choque da surpresa foi maior. Força e violência revelavam-se no céu
tempestuoso e nas rochas que serviam de fundo para sua figura agitada pelo vento, com as feições
desfeitas e toda molhada. De repente, tudo o que acontecera se renovava em sua mente.
- Desculpe, Linden, mas eu tinha que retratá-la assim.
Linden concordou. Ele era feliz, pois o máximo que podia fazer se resumia em pintar aquela
dolorosa imagem. Olhando o quadro, ela sentia novamente toda a angústia do momento passado. Forçou
um sorriso. Nos meses que se seguiram ao acidente, tinham conseguido um bom resultado: tornaram-se
bons amigos. Pelo menos isso ela devia a Joss. Ele lhe dera um pai como nunca tivera. Só agora,
observando o quadro, podia imaginar seu desespero naquele trágico instante. Lin abandonara sua concha
de isolamento para vir em socorro da filha querida.
- Estive pensando... - comentou ela devagar. - Creio que gostaria de freqüentar aquele colégio.
Lin olhou-a surpreso.
- Tem certeza? Nada a obriga, Linden. Sentirei sua falta, se você for. - Essas palavras a
sensibilizaram e ela sorriu, feliz.
- Eu também. Mas preciso encontrar um caminho em minha vida,
Joss estava com a razão quando dissera que mais cedo ou mais tarde ela teria que sair de seu estreito
mundo. Precisava iniciar essa tarefa imediatamente. Se esperasse, talvez fosse tarde demais.
Lin fitou o cavalete. Quando voltou a falar, sua voz mostrava insegurança.
- Eu gostava dele, sabe? Imaginava que havia algo entre vocês dois, mas confiava nele e em meu
próprio julgamento. Nunca me passou pela cabeça que tivesse mentido quanto a ser casado.
- Não fale mais sobre isso, - pediu ela - está terminado. Vamos esquecer tudo.
- Joss a amava. Pediu-me que lhe contasse isso. Pediu-me para dizer...
- Não quero ouvir! - gritou, tampando os ouvidos, num gesto infantil. - Não pronuncie mais esse
nome!
Se Joss não a tivesse seduzido naquela noite, a dor não seria tão insuportável. Depois, partira como
se nada tivesse acontecido. Agora o odiava tão intensamente que se ele estivesse à sua frente seria capaz
até de matá-lo. Tinha a certeza de que ele planejara tudo, deliberadamente, desde o início. Lembrava-se
de quando conversaram ao luar, e que ele lhe falara pela primeira vez da tentação e do desejo. Concluía,
então, que não fora coisa de momento, mas que fazia parte do que tinha em mente.
Ele destruíra sua confiança na natureza humana, em seu próprio julgamento e no de seu pai. Ambos
haviam gostado dele e, desde o começo, só pensara em traí-los.
Recordando-se do passado, sentia então quão feliz fora até a chegada daquele homem. Vivera numa
redoma de sol e de luz que fora destruída por ele. Outras moças cresciam lentamente, descobrindo as
coisas da vida no seu devido momento. Com ela, fora diferente. Tinha passado repentinamente da
infância à idade adulta, em poucos dias, pela influência de um homem amoral, que somente visava a
satisfação de seu próprio ego. Sem dúvida, aquela fora uma viagem de sucesso para ele: simplesmente
chegou, conheceu uma moça simples e conquistou-a com seu charme. Devia ter voltado para Londres
muito satisfeito com suas férias.
E sua esposa?, pensou Linden... Como seria ela, essa mulher que de nada suspeitava e a quem Joss
traía sem a menor hesitação? Sentia pena dela. Olhou para Lin e sorriu.
- Quero ir para o liceu de artes no outono. Acha que poderá arrumar isso?
- Claro que sim.
Ela achou graça. Afinal, quem recusaria uma vaga para a filha de Lin Howard? Antigamente não
gostava de pensar nisso, mas agora isso não importava.
Deixou-o no estúdio e pegou um volume de poemas de Blake. Então caminhou em direção ao campo
e começou a lê-los.
Parou, depois de ler um deles, com a dor estampada em sua expressão.
"Ó Rosa, tua beleza envolvente,
O invisível calor,
Livros Florzinha - 30 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Espalham-se pela noite,
Entre os uivos da tempestade,
Desabrochando essa alegria rubra,
Esse teu secreto e profundo amor
Que destroem tua vida."
Escondendo o rosto entre as páginas do livro, deixou as lágrimas correrem livremente e chorou.
No outono, Linden começou a freqüentar o liceu em Londres. Seus primeiros passos, a princípio
inseguros devido à reputação de Lin, foram depois se firmando naturalmente, pelo seu próprio talento e
trabalho. Tinha sido reconhecida como uma artista promissora, apenas pelo fato de seu pai ser um
renomado pintor. De início, não gostaram dela. Em seguida, compreenderam-na e, finalmente,
começaram a apreciá-la, ao ver que Linden tinha suas próprias qualidades e que não estava interessada
em imitar o pai.
Fez mais amizades do que no convento. Era sociável, pois se encontrava agora num estabelecimento
misto. Contudo, interpunha uma barreira em relação aos rapazes. Estabelecera para si própria que sairia
sempre em grupos. Encontros a dois, rejeitava sem exceção. Não desejava envolvimentos sentimentais.
- Você é uma moça muito fria - comentavam os jovens, ressentidos. - De que tem medo?
Costumava franzir o nariz, como sempre, para aqueles que faziam tal observação, caçoando deles.
- Não com você, Colin. Não hoje. Tenho trabalho a fazer. - Seu tom firme os desencorajava de
qualquer protesto ou nova tentativa.
As semanas no liceu passaram rapidamente. Meses depois, Linden voltou para casa, no período de
férias. Lin, examinando seus cadernos de desenho, mostrava uma expressão resignada.
- Nunca serei nada mais do que competente... - observou ela, com uma ponta de tristeza pelo
desapontamento que ele revelava. - Sinto muito, Lin.
- Pois eu não - mentiu ele. - Você é você mesma e não eu. Não queria que fosse diferente. - Seu
cuidado em não magoá-la, depois de tantos anos sem demonstrar o mínimo interesse por sua existência,
era ao mesmo tempo doloroso e reconfortante. Passavam agora a maior parte do tempo juntos. Lin nunca
mais se trancara no estúdio, dias seguidos. Quando estava trabalhando, Linden se sentia com liberdade
para entrar e observar, sabendo que ele jamais lhe lançaria aquele olhar irritado de antigamente.
- Você é notável! -exclamava ela alegremente. - Sempre foi. Não sou capaz nem de vencê-lo no
xadrez. - Nesse instante, seu sorriso morreu nos lábios, pois lembrou-se de que Joss ganhara dele no
jogo, sempre demonstrando infinita confiança em seus olhos verdes. Ela deveria ter ouvido quando ele
lhe dissera que teria tudo o que quisesse. Afinal, tinha toda a habilidade de um conquistador. Por que
não se dera conta disso, antes que fosse tão tarde?
Foi no início do segundo ano de aulas que ela viu a Lanbury amarela e verde estacionada em frente a
um pequeno restaurante perto da escola. Linden parou de repente, como se alguém a tivesse golpeado no
estômago. Não conseguia respirar. Lentamente, olhou ao redor, procurando-o. Não podia ser o carro de
Joss! Apesar de ser um modelo exclusivo e raro, não era o único no mundo. Mas o terror a fez correr
como uma criança assustada, com o coração aos pulos.
A simples possibilidade de tornar a encontrá-lo a manteve insone por várias noites. Nunca imaginara
que seu ódio pudesse ser tão intenso. O desejo de vingança pulsava em suas veias, percorrendo todo o
seu corpo. Isso afazia debater-se, confusa, pois se o visse seria capaz de matá-lo, estragando assim sua
própria vida.
Na semana seguinte, o carro estava novamente no mesmo lugar. Desta vez, Linden parou ao seu
lado, examinando-o, tentando descobrir se era realmente o de Joss. Não se lembrava do número da placa,
mas nos detalhes parecia idêntico. Podia lembrar-se claramente do rosto moreno dele, tombado ao
volante, sangrando. Sem saber o que estava fazendo, colocou a mão trêmula na direção.
- Fabuloso, não é? - perguntou uma voz atrás dela, fazendo-a voltar-se, com os olhos arregalados e
quase sem fôlego.
Não era ele, mas sim um rapaz de sua idade, magro, moreno. Vestia um terno elegante, camisa com
o colarinho aberto e tinha olhos azuis profundos, que demonstravam preocupação quando a encararam.
Livros Florzinha - 31 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Linden encostou-se no carro, apoiando-se para não cair. Sua vista escureceu e um estranho zumbido
soava em seus ouvidos.
- Ei, você está bem? - O rapaz abriu a porta do carro e a fez sentar-se. Depois, deu a volta e, ao
acomodar-se ao seu lado, olhou-a, apreensivo. - O que tem? Vai desmaiar? Quer um pouco de água?
- Saiu do carro rapidamente e sumiu, voltando logo depois com um copo nas mãos, que levou aos
lábios descorados dela.
Ela bebeu obedientemente, erguendo a cabeça. Abriu os olhos e olhou-o, tentando sorrir.
- Desculpe, mas esqueci de tomar meu café. - Não era uma mentira deslavada, pois ela se alimentava
parcamente, desde que vira o carro na semana anterior.
- Posso imaginar - afirmou ele, reparando em seus jeans, em seu suéter marrom, nos livros que
carregava e nos sapatos que usava.
- Economia de estudante?
- É - respondeu, pois em parte era verdade, apesar de sua tontura não ser devida à total falta de
recursos, como ele supunha.
- Não devia fazer isso - ponderou ele, revelando bondade em sua expressão. - Não se pode trabalhar
com fome. Venha! - Ajudou-a a sair do carro. Ela ainda hesitava. - Vou pagar-lhe uma refeição - disse,
observando a reação dela.
- Não - protestou delicadamente. - Obrigada, eu me arranjo.
- Esse é um dos pecados bíblicos - brincou ele.
- O quê?
- Orgulho - continuou, falando com um charme que a surpreendeu.
Linden riu.
- Não é isso - explicou ela. - Eu não o conheço.
- Isso é fácil de remediar. - Segurando firmemente seu braço, entrou com ela no restaurante. Acenou
então para o gerente, que veio encontrá-lo sorrindo, de maneira a deixar claro que a presença dele ali era
comum e bem-vinda.
- Quer fazer o favor de apresentar-me a esta senhorita, Philippe?
O gerente sorriu divertidamente.
- Senhorita, permita-me apresentar-lhe o senhor Daniel Wyatt.
- Certo. Agora arranje-nos uma mesa e o cardápio. Philippe.
O gerente lançou-lhe um olhar típico dessas ocasiões. E, sem fazer qualquer comentário, estendeu-
lhes dois cardápios com capas de couro.
- Não vou comer novamente - avisou o rapaz, rindo. – Muito delicado de sua parte, Philippe, mas
desta vez vou limitar-me a fazer companhia. - E, dirigindo-se a Linden: - Se eu fosse você, comeria algo
bem reforçado... carne, por exemplo.
Ela sacudiu a cabeça, negativamente.
- Sou vegetariana. Um abacate para começar e, depois, uma salada, por favor.
- Não me admiro que esteja tão fraca!
- Sempre fui vegetariana e raramente tive problemas de saúde.
Os olhos azuis do rapaz percorreram seu corpo esbelto.
- É o que parece. Será que ouvi seu nome?
- Linden. Linden Howard. Obrigada por me oferecer uma refeição. O que você faz na vida?
Certamente não é estudante - concluiu ela.
- Trabalho numa empresa de transporte marítimo.
- Um bom emprego! - comentou segura, pois sua elegância demonstrava que era um rapaz rico. Isso
sem mencionar a extrema consideração com que fora recebido num restaurante fino como aquele.
- É meio monótono, se quer saber.
- Mas permite que almoce num lugar desses, não é?
Ele riu.
- De vez em quando. E você? Gosta do que está fazendo?
Quando ela lhe falou sobre o curso de artes, ele se mostrou fascinado e passou a observar
atentamente todos os seus gestos, sempre lhe sorrindo. Enquanto tomavam café, Linden constatou
admirada que de repente nascera uma forte amizade entre eles. Parecia que se conheciam há muito
Livros Florzinha - 32 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
tempo. Aquele jovem, sem dúvida, era a pessoa mais simpática que encontrara em Londres e se sentiam
bem na companhia um do outro.
- Para onde vai agora? De volta à escola?
- Para o meu apartamento. Eu o divido com outra moça que faz o mesmo curso. Hoje estou livre.
Passei a manhã toda desenhando no parque.
- Vou levá-la para casa. Não posso deixar que desmaie na rua.
Linden não teve outra alternativa senão aceitar. Gostara dele e achava sua companhia agradável. Ao
chegarem, ele quis saber:
- É aqui que mora?
- No último andar. - Viu que ele reparava nas janelas azuis. - Temos que subir três lances de escadas
e não temos banheiro individual. Apesar disso, estamos no que é nosso e nos divertimos muito.
Ele balançou a cabeça num gesto que lhe pareceu vagamente familiar.
- Não a espécie de diversão que você está pensando – explicou ela, corando ao notar sua expressão.
- Confesso que estou aliviado! Que idade tem, Linden?
- Dezenove.
- Eu tenho vinte. Levo um ano de vantagem sobre você. Tem namorado?
- Não. E não quero ter um, obrigada.
- Ótimo! Que tal um amigo... sem falar em sexo?
Ela riu despreocupadamente.
- Tenho mente aberta - explicou.
- Você esquia? - perguntou, surpreendendo-a.
- Esquiar? Não.
- Quer fazer isso amanhã à noite? Esquiar no gelo?
- Não tenho esquis.
- Podemos alugá-los. Você vai gostar. Apesar dos tombos...
- Está bem. Mas se eu quebrar meu pescoço, terá que enfrentar meu pai, que arrebentará o seu
depois!
- Você tem um pai tão zeloso? Formam uma família unida? - indagou, curioso.
- Somos somente eu e Lin. Meu pai... sim, creio que somos muito ligados um ao outro. - Um ano
atrás, talvez ela tivesse dito que não. Eram como verdadeiros icebergs flutuando separadamente. Mas
agora as coisas eram diferentes e a certeza disso a confortava.
Depois de uma pausa ele continuou:
- Virei buscá-la amanhã às seis e meia, então. Agasalhe-se bem.
Linden usava novamente jeans, com uma camisa e um suéter, que poderia tirar se sentisse calor
devido aos exercícios. Aprendeu logo a equilibrar o corpo e divertia-se ao caminhar cada vez mais
rápido, com Daniel segurando-a pela cintura e rindo de sua expressão assustada, cada vez que alguém se
aproximava.
Saindo dali, foram comer hambúrguer e tomar café numa lanchonete e, dessa vez, Linden insistiu em
pagar.
- Amigos dividem as despesas - ponderou ela. O rapaz simplesmente fez um breve gesto com os
ombros.
- Está bem - concordou, satisfazendo-a, enquanto Linden limpava uma mancha de suco de tomate do
nariz. - Pensei que você fosse vegetariana.
- Às vezes não posso ser rígida como gostaria. - Desde que chegara a Londres, em muitas ocasiões
comera hambúrgueres com os colegas, pois eram refeições mais baratas e, por vezes, não lhe restava
outra alternativa. Não detestava carne. Era mais uma questão de hábito. Lin preferira assim e; a
acostumara aos vegetais e cereais a vida toda.
- Quer ir ao cinema amanhã? - convidou Daniel, e ela lhe lançou um demorado olhar. Sentia que
aquele relacionamento estava se tornando cada vez mais íntimo e que já era tempo de pensar melhor na
situação. Temia que depois fosse tarde demais.
Mordeu os lábios.
Livros Florzinha - 33 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
-Tenho outra idéia. Amanhã será exibido um filme de variedades no colégio. Se você quiser ir... A
entrada é franca e, provavelmente, será um programa aborrecido, mas...
- Você por acaso é uma feminista? - sugeriu ele.
- Não queira avançar o sinal! - advertiu-o. - Amigos, lembra-se? É pegar ou largar...
- Aceito. Poderá ser divertido, afinal de contas.
E foi. Riram muito, junto com o resto da pequena platéia, porque o projetista do filme não tinha
prática em seu trabalho e confundia-se, provocando apupos e vaias.
A cada minuto que passavam juntos, mais os dois se tornavam amigos. Andaram pelas ruas de
Londres, olhando vitrinas, brincando e comprando amendoins torrados que, às vezes, queimavam os
dedos de tão quentes.
- É somente isso que pretende jantar? - perguntou Daniel. - Da próxima vez que uma garota me
convidar para sair, terá que me oferecer... caviar e champanhe, pois estou habituado a essas coisas.
- Bem, amendoim é tudo o que merece por hoje. Mas não sou tão mesquinha assim! Poderemos ir até
meu apartamento e lhe prepararei café e sanduíches.
- Então, o que estamos esperando? -brincou ele, conduzindo-a rapidamente até o carro. No fundo, ela
sabia que ele esperava mais do que simplesmente café e sanduíches.
Já no interior do pequeno apartamento, o rapaz reparava na mobília simples e riu, ao ver um poster
de um grupo de pandas no zôo de Pequim.
- Quem escolheu isto?
- Penny - respondeu, enquanto arrumava as xícaras e pratos sobre a mesa.
Parado, ele continuava a observar tudo atentamente.
- Onde estão suas coisas? -quis saber, demonstrando achar que ali nada combinava com a
personalidade da garota.
- Em meu quarto. Prefiro restringir-me à minha privacidade.
- Nunca pensei que estudantes pudessem pagar o aluguel de um lugar como este.
Apesar de cinzento e acanhado, era um apartamento e, em Londres, morar nessas condições era
dispendioso.
- É meu pai quem paga a minha parte - explicou ela. Lin insistira nisso. Sabia como era importante
que ela tivesse seu próprio cantinho. O pai de Penny era um médico da Harley Street, que se sentira tão
aliviado ao ver sua filha bem instalada que pagaria até muito mais por um aluguel.
Como ela prometera, comeram sanduíches e tomaram café, enquanto conversavam sobre livros e
filmes. Daniel fazia péssimas imitações do Pato Donald e de Humphrey Bogart.
- Seu Humphrey Bogart parece mais com o Pato Donald e vice-versa - comentou Linden, divertindo-
se.
- Bem, da próxima vez vou levá-la à ópera! Tenho certeza de que gostará disso!
- Não! Ópera, não! - protestou.
- Assistiremos Aída!
- Pelo amor de Deus! - pediu ela, caindo de joelhos e unindo as mãos em prece, num gesto cômico.
- Tenho entradas para A Flauta Mágica - disse Daniel, mais sério.
Linden sentou-se.
- Isso sim! - Sorria, ao fazer o comentário, mas sua atitude mudou subitamente ao notar uma
expressão dolorosamente familiar no semblante dele. Alguma coisa que ela conhecera de forma
perturbadora. Olhou o relógio. - Meu Deus! São onze horas... por onde andará Penny?
- É uma maneira delicada de me dispensar? - perguntou solenemente, levantando-se. Linden fez um
gesto negativo com a cabeça, mas, sorrindo, acompanhou-o até a porta. Penny estava chegando naquele
momento e, por alguns instantes, ficou parada olhando-o, atônita. Daniel reunia todas as qualidades que
ela sonhava num homem. Atraente, elegante e seguro de si.
Daniel sorriu para ela, enquanto analisava sua figura de cabelos pretos, olhos negros e lábios
rosados. Era uma moça sofisticada e sabia lançar seu charme sobre os homens. Muitas vezes durante a
semana, Linden era obrigada a ficar fora até meia-noite. Se chegasse antes, ficaria seriamente
embaraçada com as cenas que poderia encontrar no apartamento. Apesar disso, gostava de Penny e a
constante.mudança de parceiros nada significava no seu relacionamento com a moça. Brincava com o
amor como quem se encanta momentaneamente com uma flor e depois a atira fora.
Livros Florzinha - 34 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
O que ela estaria procurando? Linden gostaria de saber a resposta. O que encontraria, afinal? Agir
assim não seria pior para ela? Por outro lado, pensava: quem pode adivinhar o que se passa na mente de
outra pessoa?
Assim que Daniel se foi, Penny a encarou, com um certo brilho no olhar.
- Você é uma boba! Não me admiro de que não se interesse por qualquer outro rapaz do colégio. Mas
esse... é realmente um encanto! Chega a exalar o cheiro de dinheiro da cabeça aos pés! Você tem um
caso com ele?
Primeiro Linden ficou corada e, depois, empalideceu.
- Não! - respondeu, irritada, e, em seguida, virou as costas.
- Você ainda é virgem? - quis saber Penny de um jeito intempestivo. Linden bateu a porta com tal
agressividade que as janelas tremeram.
Na manhã seguinte, depois do café, Penny, arrependida, comentou:
- Desculpe-me sobre o episódio de ontem à noite. Fui muito grosseira. - Avaliava o que representava
para ela uma companheira como Linden. Tranqüila, colaboradora, paciente, nunca se queixava quando a
outra deixava tudo em desordem. Silenciosamente, sem reclamar, colocava tudo no lugar.
- Esqueça. - Linden conseguiu sorrir amavelmente. Mas sabia que não seria tão fácil assim. Não
dormira a noite toda. A imagem de Joss perturbara seu sono até a madrugada.
Naquela noite, a audição musical fora tão agradável, o cenário tão perfeito, que ela se assustou,
quando tudo terminou e deixou o teatro ao lado de Daniel. Notando um raro brilho nos olhos dela, o
rapaz comentou:
- Depois disso, quem consegue comer?
- Eu consigo! - respondeu, sentindo-se realmente faminta.
Daniel começou a rir.
- Então, vou levá-la a um lugar perfeito para você. - E foram a um pequeno restaurante grego, onde
comeram queijo e salada.
Ao conduzi-la para casa, Daniel comentou:
- Amizade é um nome adequado para isso. - Ela sentiu-se corar, como se o vinho a tivesse afetado.
O primeiro ano do colégio fora calmo e tranqüilo. Agora, porém, sua memória já registrava
lembranças de noites agradáveis. Linden sentia-se alegre e excitada, como se estivesse prestes a
participar de acontecimentos importantes. Ao lado de Daniel, passava muitos momentos inesquecíveis
em Londres, sempre descobrindo coisas novas para ver e explorar, conhecendo aspectos diferentes da
vida na cidade. Ele nunca a tocara com um só dedo. Apesar disso, sabia que Penny e seus amigos jiIl1ais
acreditariam. Esquiavam, patinavam, nadavam, iam ao cinema, a conferências sobre arte e,
seguidamente, ao teatro e a concertos.
Algumas vezes Daniel deixava-a pagar os ingressos, mas, quando a convidava, nunca fingia ter
pouco dinheiro. Iam sempre aos melhores lugares, comiam nos restaurantes mais finos e bebiam o vinho
mais caro. Quando ficavam no apartamento, as noites também eram agradáveis. Linden sentia-se feliz e
reconhecia isso. De vez em quando, porém, as lembranças do passado voltavam como um pesadelo.
Daniel não se parecia com ele. Em certas ocasiões, contudo, a imagem de Joss se impunha em sua
mente, perturbando-a.
Ouvia-o falar de seu pai, um autocrata, que dirigia os negócios e a família com mão de ferro.
- Ele é um homem difícil de se lidar. Sempre jogamos o jogo de acordo com suas regras, pois, se não
o fizermos, a vida se torna um inferno. Não há lugar para mais ninguém no comando e ele faz questão de
que saibamos disso.
- Você vai trabalhar com ele?
- Não tenho idéia do que quero. Ele diz que sim e eu concordo. É a melhor maneira de se agir com
ele.
- E sua mãe?
- Já morreu - explicou, mudando de expressão.
- A minha também. - Isso representava mais um elo entre eles: seus pais eram dominadores e suas
mães estavam mortas. Como ela sabia, Daniel não tinha irmãos, mas amava muito sua avó. Seu
semblante até se suavizava ao mencioná-la.
Livros Florzinha - 35 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Já lhe falou a nosso respeito?
Silenciosamente, ele a olhou, com expressão atenta e inquisidora.
- O que poderia contar-lhe? Que tenho uma amiga?
Linden enrubesceu, pois traíra, naquele momento, seu sentimento íntimo, do qual até então não se
dera conta. Com delicadeza, Daniel pegou seu queixo. Ela ergueu a cabeça, revelando seu olhar
extremamente límpido, quando ele se inclinou em sua direção.
O beijo foi como devem ser os primeiros: suave, gentil e carinhoso. Ao se separarem, ele sorria feliz
e ela tremia ligeiramente. Tinham percorrido um longo caminho e ambos tinham consciência disso.
A partir daí, tudo se tornaria diferente. Era como se estivessem descendo uma montanha de neve,
cada vez mais rapidamente, de forma excitante. Quando ele a beijava, seu coração batia mais depressa e
seus olhos brilhavam. Sempre a tratava com gentileza e carinho. Sabiam que algo muito sério nascia
entre eles. O outono chegava ao fim e, em breve, ela teria que ir para casa. Sentiria falta de Daniel e já
não imaginava mais a vida sem a sua companhia.
- Gostaria de visitar meu pai? - perguntou um dia, nervosa.
- É claro que sim. Mas não poderei sair antes do Natal. Meu amo e senhor nunca tira férias e não
compreende que outras pessoas o façam.
- No Natal, então? - Vibrava com a maravilhosa idéia de receber a visita dele em Goatswood naquele
período.
- Terei que passar o Natal em Wildmere. - Já lhe falara sobre a casa de campo. Contara também
sobre a sofisticação e luxo que seu pai fazia questão de manter, mesmo quando não estavam em
Londres. O lugar mencionado ficava em Essex.
- Está bem. Então nos encontraremos quando voltar.
Daniel mordeu os lábios.
- Você... você não iria até Wildmere? - Parecia nervoso, ao fazer o convite. - Gostaria que os
conhecesse. Você terá que encontrar meu terrível pai algum dia, mas tenho certeza de que você e Dolly
vão se dar muito bem. Já lhe falei sobre nós e ela está louca para conhecê-la. - Dolly era a avó dele.
Preferia ser chamada pelo próprio nome, pois isso afazia sentir-se mais moça.
Linden hesitou, pois queria saber primeiro a opinião de Lin.
- Verei o que meu pai acha da idéia - prometeu ela. Não queria deixar Lin sozinho no Natal.
Lin estava preocupado, quando ela chegou em casa. Ficara furioso com o que acontecera em sua
última exposição. O quadro em que retratara Linden fora vendido por engano. Lin fizera questão de
frisar que não o venderia. Mas o dono da galeria estava ausente na vernissage e seu assistente, meio
eufórico com o champanhe, não resistiu à incrível soma oferecida e aceitou o cheque exibido diante de
seus olhos atônitos. O que acontecera depois era uma incógnita. O quadro fora levado naquela mesma
noite pelo comprador e o banco se recusava a revelar o nome dele para tentar uma recuperação. Lin
estava fora de si e sua filha fez o melhor que pôde para acalmá-lo. Encontrava-se no estúdio, trabalhando
nervosamente, quando Linden lhe falou sobre passar o Natal com Daniel.
- Por que não? - Foi o único comentário de Lin e voltou a pintar, sem mesmo olhar para ela.
Daniel foi encontrá-la na estação local, abraçando-a, feliz quando ela desceu do trem.
- Estava apavorado pensando que não viesse - confessou ele. - O que disse seu pai?
- Nem reparou que eu saí. - O fato não a magoava, pois Lin já provara que, quando ela necessitasse,
sairia de seu isolamento para auxiliá-la.
- Que incrível! - comentou Daniel, de modo enfático. - Sabia que seria assim. Meu pai é igualzinho!
Que Deus nos proteja!
Linden estava um pouco nervosa por ter que se encontrar com o pai de Daniel. O rabugento senhor
Joshua, como Daniel o chamava por vezes.
- Ou senhor Sloshua, como fala, de vez em quando, ao beber além da cota, tornando-se muito
desagradável. Creio que o prefiro nos momentos em que está somente um pouco depressivo, curtindo
uma dor-de-cotovelo...
Aquilo a surpreendia.
- Então, ele é um conquistador? - Não esperava isso de um homem que Daniel descrevia sempre
como um ser temível e durão.
Livros Florzinha - 36 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Deve ter levado um fora este ano. Mas acho que agora está curado.
- Falou com seu pai a meu respeito?
- Bem... não. Só disse que você viria... É comum recebermos convidados no Natal e, na verdade,
virão muitos este ano. Portanto, ele nem se interessou pelo fato de que haveria mais um.
Linden não era capaz de concluir se aquilo seria um bom sinal. Daniel estaria com medo de que o pai
não gostasse dela? De que achasse que ela não fosse digna de seu filho? Contraiu atesta.
- Ele não aprecia artistas ou suas filhas?
- Não lhe falei sobre seu pai. Pensei que seria melhor que papai a visse primeiro. Ele se interessa
muito por arte. Temos uma grande coleção de quadros, você vai gostar. Ele sempre compra o melhor.
Quando pararam em frente ao imenso casarão, Linden ficou boquiaberta com a beleza e o tamanho
da mansão. Não esperava encontrar algo tão grandioso. E, recostando-se no assento do carro,
compreendeu por que Daniel não falara sobre ela ao pai. Ela jamais seria a espécie de noiva que sir
Joshua pretendia para o filho. Teria que ser aristocrata, com nome nobre e saber receber visitas ilustres.
Daniel estacionou o carro no exato momento em que começou a chover.
- Desça - ordenou ele. - Vou guardar o carro na garagem, senão sir J. me corta a cabeça. Ele detesta
este veículo e fica possesso de raiva cada vez que o vê.
Linden enfrentou a chuva e chegou à porta, um pouco trêmula. Uma jovem de uniforme preto e
branco veio recebê-la e sorriu amavelmente.
- Alô! Parece estar gelada! Também, viajar num carro aberto com um tempo destes! É melhor entrar
e se aquecer, senhorita. - Tirou o casaco molhado das costas de Linden e o sacudiu. - Entre... há fogo na
lareira. Farei imediatamente uma xícara de chá.
Caminhando sobre o chão muito polido do saguão, Linden foi observando os quadros pendurados em
todas as paredes, flores colocadas em belos arranjos nos vasos e o velho e simpático relógio. Na sala que
lhe foi indicada, havia um homem, de costas para ela. Estava se servindo de uísque.
Usava um temo formal e, pelo corte, deveria ser um modelo exclusivo e muito caro. A súbita
tempestade escurecera o ambiente. Linden via-o de costas e, por um momento, pensou que seus olhos
mentissem. Depois, seu coração deu um salto e ela sentiu uma dor pungente no peito.
Ele se voltou, levando o copo aos lábios, tomando um gole do uísque e então notou a presença dela.
O copo caiu de sua mão, espatifando-se no mármore do chão e esparramando o líquido cor de âmbar.
- Linden! - murmurou ele, com lábios trêmulos.
CAPÍTULO V
Linden nunca fora capaz de prever este momento. Sempre que pensava nele, imaginava que
assassinaria aquele homem. Agora, forçada pelas circunstâncias, nada podia fazer. Assim que o espanto
e a dor diminuíram de intensidade, ela retomou o fôlego, encarando-o. Ambos estavam tensos e pálidos.
Sir Joshua... pensou. Como não lhe ocorrera antes? Wyatt... quase White. Não mentira somente quanto
ao fato de ser casado, mas também quanto ao nome. Era realmente um cafajeste, um homem
desqualificado.
Antes que qualquer um dos dois pudesse dizer qualquer coisa, Daniel entrou correndo na sala, atrás
dela, com o rosto afogueado, o cabelo molhado e gotas de chuva caindo-lhe pela testa. Olhou para o pai,
procurando recompor-se, e Linden percebeu naquele instante que Joss o dominava inteiramente.
- Pai, quero que conheça Linden - disse nervosamente. - Uma moça muito especial. - Corou ainda
mais. Daniel ficou intrigado, querendo saber o que teria desgostado o pai. Muito sem jeito, abraçou a
jovem e puxou-a para junto de si. Linden sabia que fazia isso mais para sua própria segurança do que
pela dela. - Linden significa muito para mim - acrescentou, com um tom rebelde na voz.
Joss olhou lentamente para ela. Seu rosto estava sem cor e suas feições descompostas. Sentia-se
incapaz de falar ou se mover. Linden respirou fundo e deu um passo em sua direção, estendendo-lhe a
mão.
- Como vai, sr. Joshua?
Hipnotizado pelo contato daquela mão, Joss a tocou de leve e ela a retirou tão logo a educação
permitia, dizendo alegremente para Daniel:
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Creio que seu pai sofreu um acidente com seu copo. - E indicou os cacos de vidro e o uísque
derramado no chão.
- Com licença - disse Joss de repente, e saiu da sala caminhando como um velho.
Daniel soltou a língua.
- Só Deus sabe há quanto tempo ele está bebendo. Desculpe se ele foi indelicado com você, querida.
Quando bebe, ele se torna intragável.
Ele é assim o tempo todo, pensou ela. Mas, em voz alta, falou:
- Que bom ver um fogo novamente! - E estendeu as mãos em direção à lareira, tremendo. Estava
com tanto frio que poderia ficar enregelada de um momento para outro. Não era somente por causa do
tempo que sentia aqueles tremores.
A empregada apareceu e, vendo os cacos no chão, trocou um olhar significativo com Daniel.
Trouxera o chá. Sentados no sofá de brocado, serviram-se também de torradas com manteiga e biscoitos
cobertos de geléia e creme.
Linden tentava lembrar-se de tudo o que Daniel lhe contara a respeito do pai, detalhes aos quais ela
não prestara muita atenção. Tinha em mente uma imagem diferente dele, a de um homem de quase
cinqüenta anos, careca e com uma expressão obstinada.
- Você disse que sua avó estaria aqui - comentou, forçando um sorriso. - Não está?
- Dolly fica lá em cima até a noite. Diz que é para conservar suas energias. - Sua voz tornava-se
suave, ao referir-se à avó. Devia gostar muito dela.
- Ela é mãe de seu pai?
- Não, de minha mãe. Veio tomar conta de Wildmere quando minha mãe foi para o hospital. Creio
que nunca lhe falei dela. Sofreu um acidente de automóvel e passou a ter uma vida vegetativa... Depois
disso, ficou hospitalizada. Nunca mais reconheceu nenhum de nós. Nada mais pôde ser feito.
Linden estava chocada. Ouvia-o com tamanha atenção que ele jamais entenderia o motivo de seu
interesse.
- Como era ela? - perguntou, ansiosa por saber.
- Eu mal a conheci. Não devia ter grande instinto materno, penso eu. Passava a maior parte do tempo
em Londres, enquanto eu ficava aqui, freqüentando a escola. Há um retrato a óleo dela na sala de jantar.
Era muito bonita.
Linden olhou-o com ternura.
- Você nunca teve um profundo convívio familiar, não é, Daniel? - Fora exatamente isso que os
unira. Lin dava-lhe segurança, mas nunca carinho ou amor. Passara também toda a infância na maior
solidão.
- Dolly fez muito por mim. Vai gostar dela, Linden. Com seus oitenta anos, ela é muito divertida.
Não vai acreditar quando a vir. Tem a pele suave como pétalas de rosas e é bonita, mesmo agora, sem
uma das vistas. Era linda quando moça e adora falar sobre isso. Ama a vida e é muito agradável estar em
sua companhia.
Linden molhou os lábios ressequidos.
- Quando morreu sua mãe?
Daniel suspirou.
- Foi uma ironia do destino. Viveu tanto tempo inutilizada e, justamente antes do Natal, quando
tínhamos decidido trazê-la de volta para casa, no ano passado, apanhou uma pneumonia e, em dois dias,
faleceu. Foi tão rápido que Dolly nem teve tempo de ir vê-Ia. Isso a abalou muito.
Linden contemplava suas mãos. Desde então, Joss começara a beber desbragadamente e não se
interessava por outra mulher. Devia amar muito a esposa, imaginou. Ainda o odiava e gostava de vê-lo
sofrer. Mas não podia deixar de sentir certa simpatia ao pensar na esposa. Lembrava-se de Lin. Ele
simplesmente perdera a fé na humanidade quando sua mulher morrera. Uma emoção profunda pode
marcar um homem tão seriamente quanto um ferimento físico.
- Venha ver seu quarto - convidou Daniel, levantando-se e reparando na palidez da jovem. - Parece
cansada. Estou tão feliz por você estar aqui! Obrigado, Linden.
Carregou a mala até um luxuoso mas discreto aposento e sorriu para ela.
- Estarei lá embaixo, se precisar de mim. Vou jogar bilhar. Pode descansar um pouco; porém, se
quiser ser minha parceira, eu a desafio para uma disputa.
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Não sou uma campeã, mas quem sabe...
Quando Daniel se retirou, ela foi vistoriar o quarto, tocando as flores do vaso, as cortinas de um
azul-pálido e os livros arrumados numa estante, procurando controlar seus pensamentos, até se sentir
capaz de analisá-los devidamente. Sentou-se na cama. O que fazer? Como poderia ficar na mesma casa
que Joss, durante o Natal, sem que ninguém adivinhasse o que houvera entre eles? Como agüentaria
permanecer sob o mesmo teto que Joss em qualquer circunstância?
Ouviu uma leve batida na porta e recompôs as feições.
- Entre, Daniel. - Mas, quando a porta se abriu, deparou com Joss, que entrou sem pedir licença.
- Saia já daqui!
Tranqüilamente, ele fechou a porta.
- Que diabo está você fazendo em minha casa com Daniel?
- Pergunte a ele. Agora quero que se retire! - Sentia os lábios tão rígidos que mal conseguia
pronunciar as palavras. Seu ódio era tanto que, se tivesse uma arma, certamente o teria assassinado sem
pestanejar.
- Preciso falar com você. Preciso dizer-lhe que...
- Não quero ouvir! Desapareça da minha frente enquanto eu estiver aqui, ou então juro que o
matarei!
- Apesar de casado oficialmente, eu não tinha uma esposa - continuou, com voz cansada. - Essa
situação durou anos e eu não queria de forma alguma magoar Dolly ou Daniel, mais do que já estavam
sofrendo. Não podia me divorciar dela.
- Então, deve ter contornado a situação muito bem, a seu favor - respondeu agressivamente. Não fora
o que lhe dissera Daniel? Mulheres e mais mulheres? Sim, podia imaginar isso.
Por um momento, ele permaneceu em silêncio.
- Tive muitas mulheres, não nego. Mas elas nada significavam para mim, ate que a conheci.
- Não fale sobre mim! - protestou nervosamente, com os punhos cerrados, como se estivesse pronta a
agredi-lo. - Não suporto ouvi-lo mencionar a minha pessoa.
- Eu me apaixonei por você!
- Meu Deus, estou me sentindo mal. - Foi até a penteadeira e apoiou-se nela, olhando a bacia de
porcelana. Estava tão enjoada que pensou que fosse vomitar. Seu estômago se revolvia em convulsões
violentas. Pálida, transpirando excessivamente, viu que ele se aproximava e lançou-lhe um olhar glacial.
- Por favor, vá embora! Nada temos a nos dizer.
- Eu tenho. Quer se casar comigo, Linden?
Ela o esbofeteou com tanta força que seus dedos deixaram marcas brancas, e depois vermelhas, em
seu rosto aflito.
- Suma da minha frente! - ordenou com os dentes cerrados.
- Pelo menos pense no assunto - pediu ele. - Eu teria me casado com você, Linden, se pudesse... Meu
Deus, será que não sabe o quanto eu desejava isso? Estava apaixonado por você, mas impedido de unir-
me. Naquela noite só queria me despedir e ir embora. Se era necessário magoar alguém, que fosse eu...
- Não sou mais a pequena idiota e ingênua que você conheceu - explicou grosseiramente. - Você
contribuiu para essa transformação. É um mentiroso e um cafajeste. Quando chegou, planejou tudo...
Queria se divertir nas férias e eu fui a vítima...
- Linden, eu...
- De qualquer modo, agora não adianta mais falar sobre isso... Estou amando Daniel.
Viu a dor e a agonia estamparem-se no rosto dele e um brilho trágico nos olhos verdes. Sentiu um
aperto na garganta, mas decidiu continuar falando:
- Daniel e eu somos amantes há meses.
Era mentira, mas ela queria aumentar o sofrimento dele. Ele lhe deu as costas e abandonou o quarto,
pisando duro. Ao sair, deixou no aposento parte da estranha vibração que o havia destruído. Linden
estava feliz. Precisou sentar-se imediatamente, pois não parava de tremer. Joss fora apanhado em sua
própria armadilha e o espetáculo a agradava. Não precisava mais sonhar em acabar com ele, pois ele
mesmo estava fazendo isso. A bebida, a culpa e o remorso o consumiam. Parecia um caçador que
espalha armadilhas e que é descuidadamente preso por uma delas, sem poder sair. Ia sangrar até a morte.
Vira o ciúme, o ódio e o desejo revelarem-se em seu olhar quando dissera ser amante de Daniel.
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Deitou-se na cama porque não conseguia manter-se de pé. Só precisava ter calma, pensou. Joss
estava agora em suas mãos e ela podia vingar-se dele, como sempre imaginara. Ele merecia cada
segundo de sofrimento que pudesse impingir-lhe. Quantas outras vidas teria arruinado por um momento
de prazer?
Ao levantar-se, olhou-se no espelho e assustou-se com sua imagem. Estava tão pálida que seus olhos
pareciam negros e seus lábios estavam completamente sem cor.
Joss não fora procurá-la quando sua esposa morrera. Esquecera-se dela, deixando-a lutar sozinha
para sair do caos em que a deixara... Estremeceu ao lembrar-se da expressão trágica de seu semblante.
Não, não a esquecera, concluiu. Talvez tentasse, mas não o conseguira. Por que não a procurara quando
ficou livre? Devia estar muito envergonhado e assustado com o que fizera. Faltara-lhe coragem. Sem
dúvida, Lin o teria expulsado, se ela mesma não o fizesse. Não fora capaz de reunir forças para enfrentar
nenhum dos dois. Queria controlar-se para pensar com frieza e calma.
Após tomar banho, vestiu uma roupa de veludo dourado, cuja cor ressaltava o tom de seus olhos.
Usava um cinto também dourado, que prendia a saia ampla que se agitava em graciosas ondas quando
andava. Olhando-se no espelho, ajeitou seu colar de ouro em torno do pescoço. Era formado de
pequenas folhas que se uniam e reproduziam um intenso brilho. Fora um presente que Lin lhe trouxera
de Atenas. Escovando o cabelo, traçava seus planos, trêmula.
De repente, seu coração foi atingido duramente por um sobressalto, Tudo o que acontecera desviara
seu pensamento de Daniel. Se Joss não existisse, seria capaz de amá-lo com todas as forças. Desde o
primeiro encontro, sua companhia lhe agradara. E essa intimidade crescera muito. Cada vez mais se
gostavam e precisavam um do outro. Mas Joss era pai de Daniel. Agora, isso tomava tudo impossível.
Via isso tão claramente que desejava gritar e começar a quebrar coisas. Pela segunda vez em sua vida,
ele aparecia como um destruidor, bloqueando o seu caminho.
Depois de algum tempo, dirigiu-se para a sala de jogos e encontrou Daniel jogando bilhar. Ele a
olhou rapidamente e completou mais uma tacada. Em seguida, parou e virou-se para ela:
- Você está fantástica! Nunca a vi tão bonita antes. Está divina! Essa cor lhe assenta muito bem.
- Enquanto continua fazendo esses tolos galanteios, vou mostrar-lhe como não se joga bilhar - disse
alegremente, admirada com sua própria calma. Ele jamais suspeitaria do que se passava em seu íntimo.
Agora estava prevenida, com sua máscara de defesa firmemente ajustada. Isso era outra coisa que devia
a Joss: a habilidade de iludir, enganar. Aprendera com ele, de uma maneira muito cruel.
Jogaram por mais uma hora, rindo e brincando. Então, Daniel olhou o relógio.
-Vamos parar agora. É uma pena, pois queria conservá-la assim, junto a mim, para sempre. -
Aproximou-se e tomou-a nos braços. Instintivamente, ela se retesou. - O que há? Algo errado?
Envergonhada, querida? Garanto que estamos sós.
Nunca mais estariam sozinhos. Joss seria sempre uma sombra em suas vidas, embora ela não
pudesse contar-lhe o motivo. O que diria? Que poderia amá-lo, apesar de ter sido seduzida pelo pai dele,
quando era muito criança para saber o que estava fazendo? Daniel já era bastante agressivo com o pai e
poderia reagir como Lin: ter ímpetos de matá-lo. Aliás, esse parecia ser um desejo comum a todos.
Especialmente o dela. Mas agora ela queria algo mais impiedoso: vê-lo sangrar até a morte. Esse anseio
ardia em suas entranhas, consumindo-a.
Quando entraram na sala de estar, encontraram Joss e sua sogra sentados, cada um com seu copo na
mão. Daniel encaminhou Linden diretamente para a amável figura vestida de seda preta que sorria, feliz.
- Dolly, esta é Linden - apresentou-a, com visível orgulho.
Linden estendeu-lhe a mão, sorrindo. Deparou, então, com seus olhos azuis muito vivos, que
lembravam os de Daniel. Em sua pele macia não havia rugas.
- Daniel escreveu-me páginas e mais páginas falando sobre você. Não exagerou. Você é realmente
linda!
- Obrigada - disse Linden, sem jeito, recriminando-se intimamente por estar gostando tanto de Dolly
à primeira vista. Tudo seria mais fácil se ela lhe fosse indiferente, mas era muito charmosa para isso.
- Ofereça um drinque a Linden, Joss - ordenou Dolly. Logo depois, ele lhe estendia um copo, com as
mãos trêmulas. Linden não o olhou, conservando sua atenção sobre Dolly.
- Fale-me sobre seu pai - pediu a senhora. - Li muito sobre ele. Parece ser uma criatura fascinante!
Passou, então, a contar-lhe tudo sobre Lin. Era um assunto adequado.
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- Daniel vai conhecê-lo em breve, quando passar uns tempos conosco - acrescentou, sorrindo para
ele.
Daniel inclinou-se e beijou-a de leve no rosto.
- Sei que vou adorar. Mas você precisa ensinar-me como fazer para que ele goste de mim e me aceite
como o futuro genro de um artista famoso.
Ouviram a garrafa ser novamente aberta e o ruído da bebida sendo despejada num copo, enquanto
Dolly fitava Joss, ansiosa.
- Nós já vamos jantar, Joss. - Em seu olhar havia um apelo silencioso.
Mas, de um só gole, ele esvaziou o copo, como se precisasse desesperadamente da bebida.
- Está bem. - Foi seu único comentário. Colocou o copo na mesa, olhando-o avidamente, como se
achasse que precisava muito mais da bebida do que de comida, naquele momento.
Linden falava a Dolly sobre Penny.
- Nós nos damos muito bem. Quando ela recebe seus amigos durante a noite eu saio e vice-versa. -
Mas seu olhar franco desmentia o que estava dizendo.
Passando o braço pela sua cintura, Daniel afirmou:
- Não acreditem numa só palavra! Eu sou o único homem de sua vida e assim pretendo continuar
sempre. - Olhava-a com carinho e ela sorria, encostada nele, sabendo que Joss os observava. Não
precisava fitá-lo para ter noção do que ele estava sentindo.
- Vamos! - ordenou Joss, dirigindo-se para a porta. Dolly levantou-se com a ajuda de Daniel e todos
o seguiram.
A sala de jantar estava iluminada por velas dispostas em candelabros de cristal, cujo brilho se refletia
sobre a toalha adamascada da mesa. De uma das paredes pendia um retrato que Linden examinou
detidamente. Era uma linda mulher. Daniel tinha razão: sua mãe fora uma bela criatura, de olhos azuis,
pele macia, muito parecida com Dolly, embora mais de meio século separasse a dama do quadro da que
estava sentada agora ao seu lado. Contudo, notava-se um estranho vazio naquele semblante que a
surpreendia. Faltava-lhe a vitalidade de Dolly e a inteligência de Daniel. Talvez o artista não tivesse
captado bem sua expressão. Não conseguira revelar a personalidade dela.
O olhar de Linden cruzou com o de Joss por um segundo. Era duro como aço e ela desviou os olhos.
Dolly conversou amavelmente com a convidada durante a refeição. Daniel conservava-se em silêncio,
tornando-se cada vez mais taciturno, ao ver que o pai somente bebia, mal tocando na comida. Sem fazer
comentários, contemplava o copo.
Ao café, Daniel passou a contar como passavam as noites em Londres. Apesar de rir muito, Dolly
parecia estar preocupada com Joss.
- Mais café? - ofereceu Daniel.
- Não, obrigada, querido. - Ele retribuiu o sorriso dela, acariciando-lhe o rosto e beijando aponta de
seu nariz.
- Não pode manter suas mãos longe dela? - explodiu Joss violentamente, fazendo com que os
candelabros tremessem.
Houve um silêncio agressivo e em seguida Joss saiu da sala, batendo a porta.
- Meu Deus, como ele está intratável hoje! - comentou Daniel, vermelho de raiva e vergonha.
- Estou muito preocupada com ele - afirmou Dolly com tristeza. - Nunca o vi deprimido como hoje.
- Por minha culpa - sugeriu Linden, baixando os olhos. Tinha certeza de que os dois protestariam,
pois não sabiam o que se passara.
- Não! - Daniel falava rapidamente. - Não diga isso! Não tem nada a ver com você, querida. Se
soubesse como ele tem se comportado neste último ano! É apenas mais uma indelicadeza do sr. Joshua
Wyatt! Consegue ainda manter-se um pouco sóbrio apenas para trabalhar. Quando não está na empresa,
bebe o tempo todo.
Dolly foi para a cama meia hora depois, beijando Linden e segurando seu rosto entre as mãos.
- Você é uma moça encantadora e estou feliz por conhecê-la. Desculpe-me por me retirar tão cedo.
Fico de p6 apenas algumas horas por dia, para conservar minhas forças. Já não tenho muita vitalidade,
mas cuido do que me resta.
- Espero que continue ainda muitos anos conosco. Nunca tive uma avó, mas, se pudesse escolher
uma, certamente seria a senhora.
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Os olhos de Dolly brilharam.
- Que delicadeza de sua parte, querida! Também gostaria de ser sua avó um dia, Linden. Espero
mesmo.
Daniel irradiava felicidade; e Linden apressou-se em completar:
- Ainda temos muito tempo pela frente. Acabei de fazer dezenove anos e prometi a Lin que me
formaria antes de me casar. - Era uma desculpa que ambos aceitariam. Dezenove anos era realmente
pouca idade para um passo muito sério como o casamento. Geralmente todos pensavam assim e, afinal
de contas, não conheciam Lin profundamente.
Dolly riu.
- Ah, seu pai! Tenho certeza de que pode comandá-lo com um dedinho!
- Não diria isso se conhecesse Lin! Seria como tentar mover uma rocha de granito com as mãos!
Quando Dolly se foi, Linden e Daniel sentaram-se no sofá, ouvindo música, abraçados.
- Também estou cansada, Daniel - disse depois de algum tempo. - Você se importa se eu for me
deitar?
- Claro que não. Mas com uma condição...
Sorrindo, ela ergueu a cabeça para receber seu beijo apaixonado. Daniel era um homem formidável.
Nunca conhecera alguém como ele. Sabia que poderia amá-lo. Sempre seria um amante perfeito e um
amigo ideal. Agora, infelizmente, tudo estava acabado e ela nem poderia contar-lhe o motivo.
Em seu quarto, sentou-se na cama. Tinha que continuar mentindo até ir embora dali. Conservaria seu
relacionamento amistoso com Daniel e Dolly, conservando sua máscara. Tentava imaginar um modo de
não ser obrigada a passar o Natal com eles, mas tudo o que dissesse não os convenceria.
Pegou uma toalha e dirigiu-se para o banheiro, que ficava no corredor. Ao voltar, alguns minutos
depois, com a pele brilhando após o banho, encontrou Joss. Baixando a cabeça, ele voltou para o quarto
de onde saíra, murmurando qualquer coisa inaudível, e ela lhe lançou um olhar de desprezo.
Mas, de relance, viu refletido no espelho um retrato que a fez parar, atônita, deixando sua mente
confusa.
Deu um empurrão em Joss e, num segundo, estava dentro do seu quarto. Seus olhos não se
desprendiam do quadro pendurado sobre a cama. Por momentos, a impossibilidade de falar foi mais
forte que sua raiva.
Rapidamente, Joss fechou a porta, percebendo o que ela vira. Linden se virou para ele, pálida, com o
olhar irado, e disse em voz alta, quase de modo histérico:
- Seu demônio! Então foi você! Como ousou? E ainda teve a coragem de pendurá-lo sobre sua cama!
- Em sua fúria, esquecia-se de onde estava, esquecia-se de tudo, sentindo apenas o ódio que a possuía.
Ele avançou, segurando-a pelos ombros, ansioso.
- Cuidado, querida... podem ouvi-la!
- Isso é tudo o que lhe importa? - Estava tão fora de si que não ligava para o fato de que pudessem
ouvi-la. - Tem medo de sua reputação, é isso? Seu mentiroso!
Ele colocou a mão sobre sua boca, silenciando-a. Quando ela começou a soluçar e a balbuciar
palavras incoerentes sob a pressão daqueles dedos, ele a sentou no chão e, segurando sua cabeça de
encontro ao peito, olhava-a com aflição estampada no rosto.
- Não, querida, não ligo a mínima para mim... É com você que me preocupo. Linden, fique quieta,
por favor... É a si mesma que está magoando, e não a mim.
Sentiu-se sufocada pelas mãos dele. Seus ouvidos zumbiam, sua vista escureceu. O quarto girava ao
seu redor e ela fechou os olhos, sem conseguir impedir que as lágrimas rolassem pelo rosto.
- Oh, Deus! - ouviu-o murmurar ao longe. - Linden, Linden... - Segurava sua cabeça e, livrando sua
boca, acariciava sua face.
Como se estivesse transpondo um enorme obstáculo, conseguiu abrir os olhos e o encarou. Com voz
muito fraca, murmurou:
- Como pôde fazer isso?
- Eu tinha que fazê-lo - afirmou, fitando o quadro de Lin que retratava a moça desesperada no alto de
um penhasco.
- E pode dormir com isso pendurado aí? - quis saber, incrédula. Aquela imagem trágica a perseguia
desde que Lin a pintara e, no entanto, ali estava, noite após noite, na cabeceira dele.
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Eu não durmo. Eu bebo olhando para o seu retrato.
- Regozijando-se, naturalmente! - Sentia a raiva dominá-la outra vez. - Não seria menos dispendioso
pendurar um poster aí? Que outros troféus conserva, Joss? Eu adoraria vê-los.
- Eu amo você, Linden!
Por um momento ficaram em silêncio.
- Eu sei - confirmou ela. Sabia desde o momento em que o encontrara naquela casa. Repetira um
milhão de vezes para si mesma que ele somente se divertira com ela e depois a esquecera. De certa
forma, seria mais fácil perdoá-lo antes do que agora, ao saber a verdade. Ele a amara o tempo todo. Por
amá-la, acabara destruindo-a por uma noite de satisfação. Era um amor egoísta e não era isso o que ela
desejava.
- Linden... - murmurou apaixonadamente.
Num ímpeto, seus lábios tocaram os dela.
- Eu o odeio - disse suavemente. - Eu o desprezo. Se você estivesse morrendo, eu não moveria um
dedo para ajudá-lo. Apenas ficaria olhando a cena, sorrindo!
Ele permanecia impassível, como se fosse feito de pedra.
- No dia seguinte ao que você me seduziu, tentei o suicídio. Subi aquele penhasco para me atirar de
lá de cima e fui impedida por Lin. Ele quase morreu na tentativa de me deter e ficou muito ferido. Lin
pintou esse quadro para que ambos nos lembrássemos para sempre do que você nos fez.
- Linden...
- E você teve a ousadia de pendurá-lo sobre sua cama!
- Essa imagem me persegue todas as noites. Por isso comprei o quadro, como uma espécie de
punição. Tenho consciência do que fiz. Eu a amava e a magoei. Não pode me odiar mais do que eu me
odeio.
Linden tentou se afastar, mas os braços dele se apertaram ao seu redor, segurando-a fortemente.
- Case-se comigo, Linden! - implorou ele. - Peça. Peça qualquer coisa. Qualquer coisa. Farei o que
quiser. Deixe-me tentar. Não posso mais viver assim.
- Você se esqueceu de Daniel - ponderou ela, suavemente, sem deixar de observá-lo.
A flecha atingiu o alvo fulminantemente. Sua expressão mudou por completo.
- Você não pode se casar com meu filho! - gritou, violento.
- Sou boa o suficiente para fazer amor com você, mas não para casar com seu filho, não é mesmo? -
perguntou ela com delicadeza.
- Sabe que não se trata disso!
- Se você me amasse realmente, gostaria que eu me casasse com Daniel e fosse feliz. - Estava certa.
O verdadeiro amor é o que dá, não o que apenas recebe. E o dele era egoísta, destruidor e cruel.
- Eu a amo. Prefiro morrer, antes que ele a possua!
- E você chama isso de amor? Não conhece nem mesmo o significado da palavra! Por que não me
procurou depois que sua esposa morreu?
- Pensei muito nisso. Planejei mil vezes ir ao seu encontro, mas não tive coragem. Não sabia como
você me receberia e não podia suportar a idéia de ver o ódio estampado em seu olhar.
- Mentiroso, covarde! E agora me pede que me case com você? Que troca eu faria, não, Joss? Graças
a Deus eu não fiquei grávida naquela ocasião. Durante algum tempo temi, mas felizmente não
aconteceu. Pelo menos me poupei disso.
- Não desejava isso para você. Abandonei-a porque senti estar perdendo todo o meu controle quando
estava junto de você. Você era tão inocente e a última coisa que eu queria era destruir sua pureza,
Linden. Era isso o que eu mais amava em você. Cortaria minha mão direita pelo meu ato. Tenho vivido
como um louco desde então. Faria qualquer coisa para voltar atrás.
- Então me faça ser como antes - falou com amargura na voz.
- Pensa que eu não daria toda a minha fortuna para conseguir isso? Mas só me resta uma coisa,
Linden. É me casar com você.
Ela o olhava friamente, vendo o tumulto de emoções retratado em sua face.
- Jamais eu me casaria com você!
- Também não pode se casar com meu filho, Linden! E sabe por quê!
- Daniel me ama.
Livros Florzinha - 43 -
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- Será que continuará amando-a, quando souber a verdade?
- Não - concordou tristemente. - Você conseguiu arruinar também isso em minha vida. Amo Daniel,
mas sei que ele nunca se casará comigo, quando souber o que seu próprio pai fez. Terei que lhe contar,
um dia.
- Não, querida, por favor.
- Não me chame de querida! Agradeça sua boa estrela por eu não ser vingativa. Se o fosse, diria
agora mesmo a Daniel toda a verdade!
- Por mim, pode fazê-lo quando quiser. Só estou preocupado com você!
- Um pouco tarde para isso, não acha?
Ele baixou a cabeça, admitindo a justiça de sua afirmação.
- Se se casar com Daniel sem lhe contar o que aconteceu, ele descobrirá, Linden. E sabe que isso
significará o fim de seu casamento. Daniel não será capaz de esquecer e perdoar uma coisa dessas.
Linden ergueu a cabeça orgulhosamente.
- Eu mesma não me perdoaria, se o enganasse. Não tenho intenção de me unir a Daniel. Portanto,
pode ficar descansado.
Joss suspirou profundamente.
- Imponha as condições para se casar comigo, Linden. Estabeleça as regras. Juro que obedecerei a
todas elas.
- Não estamos na Idade Média. Não vou me casar com você só para apaziguar sua consciência.
Esperarei até encontrar um homem suficientemente humano que, mesmo conhecendo a verdade, seja
capaz de me amar.
- E você? Tem certeza de que vai amá-lo também, Linden? Diga que não me ama mais e eu
acreditarei.
Ela riu, irônica.
- Oh, eu o amo, Joss! Sim, eu o amo e nunca serei sua. Espero vê-lo mergulhado num inferno de
sofrimento, pois foi você, com seu amor egoísta, que colocou seus desejos, suas necessidades, acima de
mim, destruindo tudo. Quase morri por sua causa, mas era uma idiota na ocasião. Simplesmente deveria
ter ido atrás de você e o matado!
Seguiu-se um pesado silêncio. Então, ela se levantou e dirigiu-se para a porta. Sentado na cama, de
cabeça baixa, as mãos pendentes, ele não conseguiu encará-la. Linden olhou primeiro para ele, depois
para o quadro, e um sorriso amargo aflorou-lhe aos lábios.
- Doces sonhos... - desejou ela, ao sair.
CAPÍTULO VI
Ao fechar a porta, parou de repente. À sua frente, estava Daniel. Parado ali, atônito, como se não
pudesse acreditar no que seus olhos viam. Permaneceram em silêncio, enquanto os olhos dele percorriam
o esplêndido corpo de Linden, envolto apenas pela diminuta toalha, que mal escondia suas pernas ainda
úmidas do banho, deixando entrever que ela nada usava por baixo. Linden tremeu, procurando palavras
para dizer, pensando em alguma coisa que pudesse explicar o que fazia no quarto de Joss àquela hora.
Finalmente, Daniel encarou-a, mostrando um semblante lívido. Apesar da impossibilidade de
entender aquela situação, uma raiva crescente o dominava.
- Mas o que está acontecendo aqui? O que... - Moveu-se primeiro na direção dela, mas, mudando de
idéia, em vez de tocá-la, caminhou rapidamente e entrou no quarto do pai. Apavorada, ela o seguiu, com
a mente confusa, incapaz de raciocinar.
Joss levantou-se de um salto. Daniel o encarou rudemente, com os punhos cerrados junto ao corpo.
- O que ela estava fazendo aqui? Quase nua? O que está acontecendo? Quero saber.
Com a fisionomia contraída, Joss falou severamente:
- Não tire conclusões precipitadas, Daniel. É tudo perfeitamente... - Sua voz morreu de repente e ele
só conseguia olhar para os dois alternadamente. - Diga-lhe, Linden. Estávamos somente conversando, só
isso...
- Conversando? A esta hora e ela vestida como está? Aqui?
Livros Florzinha - 44 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Não confia em sua garota, Daniel?
- Não confio em você! - explodiu Daniel. - Já o vi em ação outras vezes! Isso sem contar que está
bêbado novamente.
- Estou perfeitamente sóbrio - afirmou Joss, sorrindo. - Acredite-me, estou sóbrio agora.
- Seu pai e eu estávamos falando de nós dois, Daniel - explicou Linden, depois de recuperar o
controle. - Ele não quer que nos casemos. Eu não sou suficientemente digna do seu filho.
Daniel virou-se para ela, um pouco menos pálido.
- Não devia ter vindo aqui nesse estado e a esta hora da noite, Linden. - Sua expressão suavizou-se. -
Querida, você é tão inocente! Seu pai pode ser totalmente digno de confiança, mas o meu não é! Não,
quando uma garota como você está em jogo.
- Não farei mais isso - prometeu, virando-se para sair. – Boa noite, Daniel.
- Espere! - gritou ele, pegando sua mão e fazendo-a voltar. - Meu pai vai pedir-lhe desculpas pelo
que lhe fez, querida. - Encarou Joss. - Não vai? Não admitirei que insulte minha pequena, sem que se
retrate depois. A verdade é que ela é melhor do que eu. Se a conhecesse melhor, saberia que é uma moça
meiga, gentil, ingênua e... - Interrompeu-se, ao ver o quadro pendurado sobre a cama de seu pai. No
silêncio que se seguiu, Linden podia ouvir as batidas de seu próprio coração.
Daniel largou sua mão como se tivesse levado um choque. Andou lentamente em direção ao retrato e
ficou observando-o atentamente durante algum tempo. Depois virou-se para Joss e, então, para Linden.
- O que... - começou ele. - Linden, é você?! - Suas feições tomaram-se rudes, revelando um certo
desespero. Em apenas alguns segundos, parecia ter envelhecido muitos anos. - O que é isso na parede?
Nunca o tinha visto antes. Querem me explicar tudo? Quando Linden chegou, você não deu mostras de
já tê-la conhecido antes. No entanto, tem seu retrato pendurado em seu quarto, de onde vi Linden saindo
no meio da noite... Não quero mais ouvir mentiras de nenhum de vocês. Exijo a verdade!
- Eu conheço o pai dela - disse Joss rapidamente. – Comprei este quadro em sua última exposição.
Por acaso é algum pecado?
- Nunca nos mostrou antes. Por que fez disso um segredo? Por quê?
- Você não estava aqui quando o quadro chegou. Depois, creio que me esqueci.
- Esqueceu também de mencionar quando viu Linden e a reconheceu? Meu Deus... agora eu me
lembro! Quando entrei na sala, ambos pareciam estranhos... e havia cacos de vidro espalhados por todo o
lado... Não me diga que também não se lembrou de dizer que a havia reconhecido! Já haviam se
encontrado antes, não é?
- Sim - confessou Linden.
Joss moveu-se em sua direção, como se fosse agredi-la, mas ela o encarou friamente.
- Que diferença faz isso, agora? Sim, Daniel, seu pai e eu já nos encontramos antes.
- Creio que posso imaginar por que não me contou isso. Você me usou apenas para se aproximar
dele novamente, Linden? É incrível! Parecia tão inocente!
Começando a sentir-se mal, Linden queria sair dali a todo custo e deu meia-volta. Mas Joss correu
em sua direção, puxando-a para si e afagando sua cabeça enquanto dizia:
- Não, minha querida, não...
- Minha querida! - Daniel repetia as palavras ironicamente. - Minha querida!
Com força, Linden empurrou Joss para longe e falou em voz alta:
- Vou me deitar.
- Você é diabólica! Não pense que vai fugir assim, Linden! Quero saber de tudo! Você era amante
dele, não é?
- Não! - berrou Joss. - Quer que eu lhe quebre a cara? Não ouse falar assim com ela!
- Era - confirmou Linden em tom alto e claro. Um pesado silêncio se seguiu. Daniel não podia
mostrar-se mais chocado. Joss rapidamente pegou as mãos dela e levou-as aos lábios.
- Não, minha querida. Sabe que não foi assim e não posso deixar que ele a julgue erradamente. -
Virou-se para o filho, encarando-o de uma maneira diferente, autoritária e firme: - Eu a amo e pedi-lhe
que se case comigo.
Daniel sentou-se. Sentia-se fraquejar e suas pernas pareciam não agüentar o peso do corpo.
- Não entendo mais nada - concluiu, triste e abatido.
Livros Florzinha - 45 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Só posso garantir-lhe que não há nada contra você. Nada foi planejado e não temos obrigação de
dar-lhe outras explicações.
- Ela me enganou, guardando segredo de tudo, e ainda tem coragem de dizer que não há nada contra
mim? Ela mentiu para mim, me fez acreditar que me amava...
- Apenas não sabia quem eu era. Nunca lhe disse meu nome verdadeiro.
- Continue. Há mais detalhes nessa história, não sou tolo. Há muito mais e não pretendo sair daqui
até que me contem tudo.
- Não temos mais nada a dizer!
- Claro que têm. Ela me deu o direito de participar de sua vida há meses!
- Meu Deus, você é louco por ela, filho!
Depois de uma pausa, Linden pediu:
- Por que não vai embora, Daniel? Por favor. Tudo terminou entre nós, você tem consciência disso.
Por que não esquece tudo e simplesmente vai embora?
- Por que deveria? - perguntou em tom grosseiro. - A menos que esteja planejando continuar aqui
quando eu sair.
Ela estremeceu. Joss avançou furioso para o filho, com os punhos cerrados.
- Não, Joss! - gritou ela, empurrando-o para trás. Ele arfava, como se estivesse correndo.
- Não vou agradecer-lhe por isso, Linden - afirmou Daniel, de modo insolente. - Gostaria de
esmurrar a cara dele, mas talvez você não gostasse de vê-lo machucado! Conseguiu o que queria vindo
até aqui... Pena que não me tivesse dito antes. Eu teria facilitado as coisas para você, trazendo-a
diretamente para cá, meses atrás.
Linden suportou os insultos, pois era natural que ele extravasasse a dor daquela forma.
Inconscientemente, ela magoara Daniel. A partir de agora, ele jamais acreditaria nela.
- Repito, Daniel: ela não tinha a menor idéia de quem eu fosse e, portanto, não poderia saber que era
meu filho. Não nos vemos há dezoito meses.
- Dezoito meses? Tudo aconteceu quando você foi passar as férias em Yorkshire! Vocês se
encontraram lá. Mas ela não podia ter mais de. ..
- Dezessete anos. Sim, ela só tinha dezessete anos - confirmou.
- Meu Deus, você é realmente um ordinário... uma garota de escola!
- Sim - concordou Joss.
- Foi quando você me trouxe a Lanbury. Pediu-me para testá-la. - Voltou-se para Linden. - Ah, por
isso você estava lá aquele dia, parada, olhando o carro - concluiu. - Não me admiro que tivesse
desmaiado! Pensou que fosse encontrá-lo, quando eu apareci e me dirigi a você!
Linden não respondeu. Era absolutamente desnecessário. Com a fisionomia sombria, ela se levantou.
- Devia ter me contado, Linden - disse, olhando para o quadro.
- Por que não o fez? Agora é muito tarde.
- Sempre foi tarde demais - sussurrou, cabisbaixa.
Ele fitava o vazio, desconsolado.
- Não esperem que eu vá ao casamento. Nem que a receba bem como madrasta! Nunca mais porei os
pés nesta casa e, a partir deste momento, desisto de tudo, PAI. - A última palavra foi dita com tanta
amargura na voz, que Linden estremeceu. Em seguida, ele saiu e fechou a porta, encerrando a cena com
um toque trágico.
Linden também se encaminhou para a porta, mas Joss a alcançou e pegou sua mão.
- Não vá, Linden. Por favor, me escute.
- Não há absolutamente nada a dizer, Joss.
- Eu a amo. Você também admitiu que me ama. Podíamos apagar tudo o que passou e começar uma
vida nova. Não jogue tudo fora pelo que aconteceu, pelos meus atos impensados. Tente, querida, por
favor!
- Está pedindo que eu esqueça o passado?
- Que perdoe. Já fomos felizes uma vez e poderemos ser de novo. Farei tudo o que estiver ao meu
alcance para torná-la feliz. Prometo.
Seus olhos o estudavam atentamente, vendo a sua expressão de agonia e súplica.
Livros Florzinha - 46 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Se nos casássemos, eu não suportaria a idéia de tocá-lo e muito menos a de que você pusesse suas
mãos em mim.
Ele hesitou, mas depois prometeu:
- Juro que não o farei, se você quiser assim... mas deixe que eu tome conta de você, Linden. Quero
protegê-la.
- A única pessoa de quem devo defender-me é de você próprio. Jura que me protegerá de você
mesmo?
Joss engoliu em seco.
- Sim - garantiu ele, deparando com seu olhar gelado. - Eu juro, Linden.
- E se eu encontrar um outro homem mais tarde? Alguém que eu venha a amar?
- Não porei obstáculos em seu caminho.
Ela vacilou durante um longo tempo.
- Está bem, Joss.
- Então aceita? - perguntou, ansioso.
- Aceito - concluiu, enquanto se dirigia para a porta.
- Quando? Daqui a quanto tempo? - quis saber, com insistência.
- Quero ver meu pai antes. Tenho que conversar com ele.
- E não vai deixar que ele a convença do contrário? Ele será contra, Linden.
- Não - prometeu friamente. - Irei vê-lo amanhã. – Seus olhos revelaram uma súbita tristeza. - Pobre
Dolly... sentirá muito tudo isso. O que vai dizer a ela?
- A verdade. Dolly suporta a verdade. Pode parecer frágil, mas tem um temperamento muito forte.
- Ela vai culpá-lo, pois adora Daniel.
- Assim mesmo terei que contar o que se passou. Só sei que ela não culpará você. Farei com que seja
assim. Toda a responsabilidade cabe a mim.
Seria isso mesmo? , perguntava-se Linden, enquanto caminhava para o seu quarto. Naquela noite
longínqua, ela também tivera sua parcela de culpa, provocando-o, quando ele tentava afastar-se dela.
Permaneceu na cama, rolando de um lado para outro, sem conseguir dormir, relembrando os
momentos de desilusão, de dor e de angústia que Daniel tinha passado. Como poderia ter adivinhado o
que ia acontecer? Oh, Deus! Por que não soubera antes quem era o pai do seu namorado? Daniel não era
propriamente parecido com o pai, mas havia um certo ar familiar em suas feições e maneiras. Não se
sentira atraída por Daniel justamente porque ele lhe lembrava Joss? Quantas vezes ele a beijara e ela vira
o rosto de Joss à sua frente?
Ficou acordada até o amanhecer. Então, levantou-se, vestiu-se e fez suas malas. Por uns momentos,
ficou olhando o céu de Essex. Estivera ao lado de Daniel durante meses e, em apenas algumas horas,
Joss transformara radicalmente sua vida pela segunda vez.
Desceu e encontrou Joss esperando por ela.
- Vou levá-la para casa.
- Para Yorkshire? Não seja louco! Esqueceu-se de que é Natal? Seus convidados estão chegando e
Dolly ficará intranqüila, sem saber o que aconteceu.
- Vou levá-la para casa - repetiu, obstinado. - Meus convidados que vão para o inferno! Dolly e eu
conversaremos quando eu voltar. Daniel foi embora ontem à noite.
Linden baixou a cabeça. Isso não a surpreendia.
- Não quero que veja Lin antes que eu fale com ele.
- Como quiser. Quer comer alguma coisa antes de irmos? Os empregados ainda estão na cama, mas
posso arranjar qualquer coisa.
- Não. Quero ir embora. - Não podia permanecer mais um minuto naquela casa. Precisava ver Lin e
conversar com ele.
Joss suspirou.
- Pararemos na estrada, então. - Conduziu-a para fora da casa. Colocou sua bagagem no porta-malas
do carro prateado e ajudou-a a acomodar-se. Lenta e silenciosamente, o veículo se pôs em marcha como
um imponente felino. Ela observava as mãos firmes dele ao volante. Ele dirigia vidas com aquelas mãos.
Ódio era uma palavra muito insignificante para definir o que sentia por ele.
Livros Florzinha - 47 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Corriam pela estrada, sem encontrar carros trafegando na direção contrária à que seguiam. O céu se
iluminava suavemente. Os campos adquiriam vida.
- Que idade tinha quando se casou? - perguntou ela.
- Dezoito anos. Foi um casamento arranjado... Meu pai se apaixonara por Dolly quando ela era moça
e ela não quis casar-se com ele. Anos depois, ele resolveu tê-la na família, de alguma forma. Não o
culpo por isso. Ela é uma pessoa encantadora e eu gosto muito dela.
- Você amava sua esposa? - Sabia que se sentiria triste se ele respondesse afirmativamente, mas,
depois de um breve silêncio, ele confessou:
- Não.
- Não minta para mim, Joss. Nunca mais faça isso. Se quer realmente se casar comigo, f'terá que me
dizer a verdade até o fim de nossas vidas.
- Estou dizendo a verdade. Lorna era adorável. Era linda. Eu a conheci durante toda a minha vida. e
posso garantir que não havia emoção alguma por trás daqueles olhos azuis. O seu único dom era a
irresistível beleza. Nosso casamento terminou após o nascimento de Daniel. Nunca mais me permitiu
que a tocasse. Daniel foi o resultado de uma festa e muita bebida. Foi tão excitante quanto possuir uma
boneca.
- E ela o amava? - quis saber.
- Lorna não amava ninguém, nem a si mesma. Não sentia nada além de aborrecimento. E, nas raras
noites que passamos juntos, ela somente concordava em desempenhar o papel de esposa. Teve outros
homens depois, mas também nada significaram para ela.
- Quer dizer que Lorna tinha amantes?
- O mundo é cruel, Linden. Muitos homens se apaixonavam por ela, que apenas os tolerava. Só Deus
sabe o que ela pensava de sua própria vida... Nunca leu um livro ou assistiu a uma peça. Em reuniões,
ficava o tempo todo sentada, sem dizer uma palavra, olhando para o nada.
Linden ficou pensativa por uns momentos. Ele se casara com dezoito anos, com uma mulher que o
aborrecia e que não gostava dele. Sentia pena de ambos.
- Então começou a procurar outras mulheres?
- Isso mesmo.
- E amou alguma delas?
- Não. Somente as desejava por serem bonitas. Sou um homem normal, Linden. Mas... nunca amei a
nenhuma delas. Só a você.
- Ignore o meu caso!
- Desculpe. - Joss dirigia habilmente. O carro prateado deslizava pela estrada tão suavemente, que
não se percebia a que velocidade estavam.
Linden bocejou, mostrando-se cansada.
- Tente dormir. Está tão pálida! Não está com fome agora?
- Estou. - Sentia realmente fome, mas era um estranho desejo de comer, como nunca sentira antes.
- Vamos parar logo em algum lugar, então - sugeriu ele, voltando a concentrar-se na estrada, com as
mãos firmes no volante. Linden recostou-se, examinando-lhe as feições: o nariz aquilino, o queixo
voluntarioso, a sensualidade de seus lábios. Era um homem egoísta, mentiroso, rude e ganancioso,
quando a situação assim exigia. Conseguia o que queria, sem se importar com quem saísse magoado.
Daniel lhe contara sobre seu comportamento nos negócios. Em reuniões públicas ou particulares, Joss
fazia todos cederem à sua vontade. Conseguia à força o que não podia comprar. Imaginava quantas
mulheres não teriam se apaixonado por ele, sonhando em atrair a sua atenção, e recebendo em troca
apenas desprezo.
De alguma maneira, ela também o havia desprezado. Ele a amava. Por uma vez em sua vida de
triunfos, ele fora humilhado, obrigado a deixar de lado o seu orgulho e ela deveria gozar o prazer dessa
vitória. Mas não era o que sentia. Estava dominada pelo senso da resignação. Ia casar-se com ele,
embora não fosse o que realmente quisesse. Amava-o e era correspondida. Mas não era apenas o amor
dele que queria e precisava. Sentia pena e desprezo por Joss.
Deixaram a estrada e pararam em um hotelzinho rural, onde tomaram um delicioso café. Quando
voltaram para a estrada, o tráfego havia aumentado e ele teve que diminuir a marcha. Joss dirigiu um
longo tempo, sem conversar. De repente, indagou:
Livros Florzinha - 48 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Você e Daniel eram amantes?
Seus olhares se encontraram.
- Faria diferença se fôssemos?
Ele sorriu amargamente.
- Sabe que sim.
- Quantas mulheres passaram por sua vida, Joss? - revidou.
- Não queira fazer comparações. Exijo a verdade, embora isso possa me magoar.
- Não deveria ter-me perguntado isso, Joss. Uma das maiores ambições da minha vida é vê-lo sofrer.
- Por isso me disse que Daniel dormira com você?
- Era mentira. Foi apenas um desabafo - confessou ela, vendo a tensão diminuir, com o suspiro que
ele deu. - Esteja certo de uma coisa, Joss, - continuou ela - nunca mentirei para você. Se eu fizer amor
com outra pessoa, eu lhe contarei.
- E certamente ficará se divertindo com a minha mágoa, não é? - comentou com amargura.
- Com grande prazer!
- Não faça isso, minha querida. Não percebe que assim estará se machucando mais do que a mim?
Não entende isso?
Sim, ela sabia, mas não podia ser diferente. Estava possuída por uma paixão e um desejo de vingança
incontroláveis e Joss oferecia-lhe agora a oportunidade.
Não conversaram mai' durante o resto da viagem. Linden cochilou ou fingiu dormir, sentindo, por
vezes, sua cabeça repousada nos ombros fortes dele. Abandonaram a estrada principal e enveredaram
por uma pequena via. O carro seguia mais devagar e ela tornou a se apoiar nele. Desta vez ele a abraçou
suavemente, segurando-a bem junto de si. Ela se espreguiçou e quase acordou. Mas deixou-se ficar
relaxada, sentindo calor e segurança emanarem de seu corpo. Em seus sonhos, Joss pousava os lábios em
seus cabelos e dizia: "Minha querida, meu amor..." E ela sorria.
Acordou quando já percorriam o último quilômetro. Sentou-se direito, afastando-se dele e ajeitando
seus cabelos dourados, surpresa por já estarem quase em casa.
Subiram devagar a montanha Goatswood. Quando o carro parou, ela saltou rapidamente, abriu o
porta-malas e tirou a sua bagagem, avisando-o:
- Eu levo isso. Não quero que Lin o veja. Adeus, Joss.
- Deixe-me dar-lhe um beijo.
- Não! - Na verdade, precisou reunir toda a sua força de vontade para negar.
- Quando a verei novamente?
- Depois do Natal. Telefonarei para seu escritório, posso?
- Não quer me dar seu endereço em Londres?
- Não há necessidade. Eu ligo para você.
- Não vai mudar de idéia e não se casar mais comigo? - O medo transparecia em seu olhar e na linha
branca formada ao redor de seus lábios.
- Não tema - tranqüilizou-o, virando-se para ir embora. Ele conseguiu ainda pegar sua mão e beijou-
a. Seus lábios ardentes queimavam sua pele. Rapidamente, ela retirou a mão e correu em direção à casa .
Ao abrir a porta da cozinha, ouviu o motor ligado e o ruído do carro se afastando. Entrou em casa e
pôs as malas no chão. Tudo estava limpo e vazio. Foi até o estúdio e abriu a porta. Lin trabalhava,
distraído. Mostrou-se espantado, ao vê-la.
- Pensei que fosse viajar no Natal. Com um rapaz... como é mesmo o nome dele?
Linden entrou e fechou a porta, sentindo-se muito cansada.
- Preciso falar com você, papai.
- O que é? - Levantou-se, veio até ela e, segurando-a pelos ombros, perguntou: - O que há de errado?
Parece muito abatida.
- Vamos lá para dentro. Preciso de um café e creio que você também.
Em silêncio, ele a seguiu até a cozinha e sentou-se, vendo-a preparar o café. Com sua paciência
infinita, Lin esperaria até que ela lhe dissesse qual era o problema. Mas era quase possível sentir sua
imaginação trabalhando, tentando adivinhar o que se passava.
- Pena que não tome bebida alcoólica - comentou, sorrindo tristemente.
- Por quê? Vou precisar de um trago?
Livros Florzinha - 49 -
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- Você, não. Eu talvez.
Lin tomou um gole do café, pensativo.
- É sobre Joss - afirmou ele imediatamente.
Linden deu uma risada.
- Você é rápido!
- Descobri assim que você entrou. Estava escrito em seu rosto.
- Ele é o pai de Daniel.
Lin suspirou, espantado.
- Daniel é o rapaz com quem vinha saindo e que queria apresentá-la à família? Destino irônico! Mas
você não sabia? Como não pôde perceber antes?
- Joss mentiu seu nome. Chama-se sir Joshua Wyatt.
A expressão de Lin tornou-se rígida.
- Compreendo. - Durante todo o tempo, Joss os enganara. - Continue. Conte-me o resto.
- Na noite passada, Daniel encontrou-nos, eu e Joss, em seu quarto - confessou ela. Lin deu um grito
de espanto, encarando-a, surpreso.
Linden sacudiu a cabeça.
- Não, Lin, não se precipite. Não foi pelo motivo que você imagina. Acontece que eu vi o meu
retrato, pintado por você, pendurado em cima da cama de Joss e entrei para ver. Não podia acreditar em
meus olhos.
- Eu sabia que ele era o comprador.
- E por que nunca disse nada?
- Nunca mais falamos sobre ele, não é mesmo? Mas tive esse pressentimento, quando soube que o
quadro tinha sido vendido daquela maneira.
- E ele o mantém na cabeceira da cama. Olha para ele dia após dia... Como pode agüentar? - Revia
nitidamente sua própria imagem, pálida e angustiada, na tempestade, reacendendo seu ímpeto de matar
Joss. Queria vê-lo morto a seus pés.
- Joss quer dividir sua vida com você - comentou suavemente. - Não compreende isso? Foi embora
porque precisava. Mesmo naquela ocasião, eu sabia que ele se importava muito em ser obrigado a deixar
parte de si mesmo para trás.
- Bebe como um louco desde então.
- Tem motivo. As justificativas para o meu comportamento são diferentes. Meu casamento com sua
mãe foi perfeito. Quando ela morreu, eu queria deixar este mundo também. Mas, em vez de beber, eu me
dediquei ao trabalho como um insano.
- E Joss se entregou à bebida... e está se destruindo.
- E sua esposa? O que ele lhe contou sobre ela, na ocasião?
- Pouca coisa. Disse que ela sofria de um mal incurável, que estava doente há anos... Ou será que nos
mentiu também sobre...
- É verdade. Ela sofreu um acidente de automóvel, que resultou num irreparável dano no cérebro.
Viveu vegetativamente durante muito tempo. Morreu no ano passado, pouco antes do Natal.
- Que tragédia! Pobre Joss!
Linden estava admirada, encarando Lin. Seus olhares se cruzaram e ele sacudiu a cabeça
compreensivamente.
- Joss teria se casado com você, se pudesse. Ele me disse. Garantiu também que isso era o que mais
queria no mundo, mas que seu filho e sua família também estavam em jogo. Divorciar-se dela, naquelas
condições, magoaria a todos.
- Então, deveria ter pensado nisso antes de... - interrompeu-se, com o coração aflito. - Não tinha o
direito de vir aqui, parecendo um homem livre, não podia fazer com que eu o amasse... Sabia que não
poderia casar-se comigo!
- Tem razão... Tem razão. E Joss também sabe disso.
Linden fitou o vazio. Agora, teria que contar a parte mais difícil da história. Mas, antes que pudesse
falar, Lin perguntou:
- E o filho dele? Daniel, não é?
- Tudo terminado entre nós! Tinha que ser assim.
Livros Florzinha - 50 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- O que aconteceu?
Linden contou tudo. Falou sobre a reação do rapaz, que deixara a casa.
- Ele nunca perdoará a mim ou a Joss - concluiu.
Lin acariciou sua mão.
- Querida. "Nunca" é uma palavra muito insignificante para o tempo que dura uma vida humana -
disse sorrindo carinhosamente. - Ficará surpreendida. É muito esperta e muito madura para sua idade,
mas tem apenas dezenove anos. Sei que sofreu muito durante os últimos meses. Acredite em mim: a vida
está apenas começando para você e tem muito que aprender. A natureza humana é como uma raiz em
desenvolvimento. Ela se revolve sob o solo escuro e nunca podemos saber onde o broto surgirá... Em
seguida, vemos apenas o resultado: as flores e os frutos.
- Vou me casar com Joss - declarou finalmente.
Sentiu que sua afirmação fora um choque para Lin, mas ele somente quis saber:
- Por quê?
- Para puni-lo! Quero tornar a vida dele um inferno!
Lin sorriu ironicamente.
- Pensei que já tivesse feito o suficiente para isso.
- Ele vai conhecer na carne o significado dessa palavra!
- Magoando Joss, você somente vai ferir a si mesma, sabe disso, não é?
- Se ele pode suportar, eu também posso - completou, fazendo um gesto de indiferença com os
ombros.
- Não estou ligando a mínima para os sentimentos que Joss não conseguirá suportar! É com você que
me preocupo! Se levar adiante esse plano, vai se destruir. Ódio é como ácido. Corrói a carne. Já sofreu o
bastante, Linden. Não sabe como mudou. Eu mal a reconheço. Era uma criança meiga e boa, até que
Joss modificou a sua personalidade.
- Agora, não sirvo para mais ninguém. Senti isso claramente na noite passada. Enganei Daniel, como
Joss fez comigo. Deixei que ele acreditasse que eu era uma moça normal, de dezenove anos,
inexperiente e inocente... E, quando ele descobriu a verdade, simplesmente deixei que me odiasse. Só há
um homem no mundo para mim, e ele é Joss.
- Se casar com ele, compartilhará do inferno que pretende preparar-lhe. Linden, eu nunca interferi
em sua vida antes. Talvez devesse ter agido assim outras vezes, não sei. ..Mas agora lhe peço que não
faça isso. É um erro, acredite-me!
- Sabia que essa seria sua opinião. Por isso, não permiti que ele viesse comigo. Não quero que ele
saiba que você é contra.
- Ele não sabe o que você está planejando?
- Sabe. Tem até certeza de que, uma vez casados, ele poderá me conquistar de algum modo.
- Meu Deus!
- Sempre admirei uma coisa em você, Lin. É sua capacidade de enfrentar a realidade. Eu a estou
encarando finalmente agora. Quando conhecemos Joss, ele se apresentou como um conquistador,
intocável, invencível, cheio de confiança em si. Não sabe como ele está mudado agora. Decaiu muito,
mas tem que chegar ao fundo do poço. E eu vou apreciar o espetáculo de sua queda vertiginosa a cada
centímetro!
Lin cobriu o rosto com as mãos.
- O que mais posso dizer? Só me resta esperar que não cumpra esse diabólico plano! Para seu próprio
bem, minha filha.
- Já me decidi.
Ele deixou cair as mãos e olhou para ela.
- Filha, você o ama.
Linden sorriu.
- Apaixonadamente. É uma situação irônica, não é?
Lin levantou-se e saiu da sala, sem fazer mais nenhum comentário...
CAPÍTULO VII
Livros Florzinha - 51 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Livros Florzinha - 52 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
discreto por uma mulher de cabelos negros com reflexos prateados, que usava um elegante e caro
vestido.
Linden reconheceu sua voz, quando ela informou:
- Sir Joshua está numa reunião e pediu-me que a recebesse, srta. Howard. Por favor, sente-se. - E
indicou um enorme sofá de couro no elegante escritório decorado com plantas. Uma pintura moderna
retratando Londres estava pendurada numa das paredes e Linden a observou atentamente, antes de se
sentar. - Assim que ele terminar, eu o avisarei que está aqui. - E dirigiu para Linden um sorriso forçado.
- Aceita um café?
- Sim, obrigada. - Linden sentia o olhar inquiridor da moça sobre ela. Os telefones tocavam
constantemente e ela atendia a todos com uma fria eficiência.
Veio o café, que Linden sorveu em pequenos goles, sempre sob a observação da secretária. Usava
um vestido que comprara na véspera. Era o mais caro que já tivera e tinha consciência de que lhe caía
muito bem. As linhas clássicas do modelo ressaltavam sua figura esbelta. O marrom-escuro fazia
sobressair o dourado de seus cabelos e a suavidade de sua pele lhe dava um toque de sofisticação todo
especial, fazendo com que aparentasse mais de dezenove anos.
Uma porta se abriu e por ela saíram vários homens conversando. Linden ouviu a voz de Joss antes
que pudesse vê-lo. Falava em tom alto e exaltadamente:
- Não ligo a mínima se eles gostam ou não! Os termos do contrato estão perfeitamente claros. Eles
que ajam como bem entenderem, mas vou exigir cada centavo!
- Como quiser, Joss - respondeu unia voz resignada. Joss voltou a insistir.
- Cumpra o contrato, Randolph. E não me venha com choradeiras!
Neste momento ela o viu. Caminhava como se fosse um conquistador vitorioso, elegantemente
vestido com um terno escuro. Notou o brilho de uma corrente de ouro do relógio sobre o colete e a
camisa branca. Deveria parecer mais abatido, com as extravagâncias que fazia, mas a bebida ainda não
afetara as linhas de seu corpo.
A conversa ainda continuava, quando ele reparou que ela estava ali. Percebeu a alegria em seu olhar.
Seu coração começou a bater mais apressado.
- Linden! - exclamou, dirigindo-se para ela, com as mãos estendidas. - Esperou muito? Se soubesse
que estava aqui... - Virou-se para a secretária: - Por que não me avisou que a srta. Howard havia
chegado?
- O senhor estava em reunião e eu...
- Daqui por diante, quando ela chegar, me informe imediatamente. Pensei ter deixado isso muito
claro para você.
- Desculpe, senhor - murmurou a moça, baixando o olhar.
Os outros homens se aproximaram. Linden levantou-se. Joss, que segurava suas mãos, colocou o
braço sobre seus ombros possessivamente e apresentou-a a eles:
- Quero que conheçam minha noiva, a srta. Howard, filha de Lin Howard, o artista.
A frente daqueles executivos bem trajados, que a fitavam, ouviu desfilar uma porção de nomes, que
nada significavam para ela. Alguns fizeram comentários do tipo:
- Seu pai é um pintor excelente! - Ou então: - Tenho um quadro de Lin Howard, senhorita.
Um deles despertou seu interesse. Era um pouco mais moço que Joss, alto, loiro e de olhos muito
azuis. Não prestara atenção ao seu nome, mas ele segurou longamente sua mão, sob o olhar agressivo de
Joss.
- Que quadro possui, senhor... desculpe, mas não guardei seu nome - acrescentou, sorrindo.
- Marquês de Chern - completou Joss friamente. - Um de nossos diretores. Não sabia que
colecionava pintura, Mark.
- Não coleciono - respondeu, enfrentando a hostilidade de Joss. - Mas esse é muito especial. - Tomou
a encará-la. – Retrata uma cena de deserto e tem apenas afigura de um homem. Seu título é O Deserto,
creio eu. Não poderia ter outro nome. É o lugar mais torturante e solitário que já vi reproduzido em toda
a minha vida.
Linden conseguiu manter sua emoção sob controle.
Livros Florzinha - 53 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Eu o conheço bem. - Na verdade, ela o detestava. Fora pintado logo após a morte de sua mãe e
sabia o que representava. Lin se alegrara ao vendê-lo. Pendurado na parede do estúdio, era uma
constante e triste lembrança.
Joss dava mostras de impaciência.
- Bem, se nos desculparem, senhores. .. concluiu, empurrando-a para fora da sala.
Linden dirigiu um sorriso para o círculo ao seu redor e acompanhou Joss. Quando já estavam
sozinhos na outra sala, Joss não se conteve:
- O que seu pai disse?
- Pediu-me que não o visse mais.
- Não vai ouvi-lo, não é mesmo?
- Estou aqui, não é verdade?
O antigo charme voltou a iluminar o seu rosto.
- Claro que sim! E não se arrependerá, eu prometo!
Linden andou pela sala, olhando os detalhes.
- Então, é aqui que trabalha? Não podia imaginá-lo num escritório.
- Eu me lembro quando disse isso. Algumas vezes me canso de ficar aqui.
Reparou na escrivaninha forrada de couro e repleta de papéis e telefones.
- Muito imponente - comentou. Virou-se, então, e examinou-o dos pés à cabeça. - Você também é
majestoso!
Agora ele se encontrava em seu meio... duro, ostensivo e autoritário. O terno escuro, a camisa
branca, a barba bem-feita, o cabelo bem penteado, todos esses aspectos cuidados para conferir-lhe um ar
superior. A consciência de sua força e poder estampavam-se até nas linhas de seu rosto. Queria vê-lo em
ação para conseguir aquilatar a estrutura de seu oponente, do homem contra o qual teria que lutar a partir
de agora. Percebera, naquele instante, que não seria fácil. Lembrou-se de quando o vira jogar xadrez
com Lin. No entanto, naquela partida, contava apenas com o trunfo de seus sentimentos, que se
armariam contra ele.
- Quando quer se casar comigo?
Apoiada na mesa, com as pernas cruzadas preguiçosamente à sua frente, sustentou sua expressão de
cobiça.
- Para quando você me deseja? - perguntou, provocando-o deliberadamente.
- Já! - O intenso brilho de seu olhar denunciava que ele se preparara para a batalha, certo de sua
vitória final. Ainda a amava apaixonadamente e tinha certeza de poder apagar o passado com facilidade.
- Não estou brincando, Joss.
- Também estou falando sério! - disse ele, indo em sua direção, como arrastado por uma corrente
invisível sob o controle dela.
- Há certos arranjos a serem feitos.
- Três dias - considerou ele. - Posso esperar três dias, se for preciso.
Pode esperar toda uma eternidade, pensou ela, mas sorriu e comentou simplesmente:
- Acho que devemos dar a Lin tempo suficiente para acertar tudo.
- Devemos? - repetiu ele, com os olhos fixos em seus lábios. - Oh, Linden! - Inclinou-se e, dessa vez,
ela permitiu que seus lábios se encontrassem, sentindo seu corpo tremer junto ao dela. - Eu esperei tanto
tempo por isto! Mal posso acreditar que está aqui e que vai se casar comigo!
Decididamente, ela o afastou, impedindo que ele a beijasse novamente.
- E quanto à lua-de-mel?
- Aonde gostaria de ir? - quis saber, ávido por agradá-la.
- Paris seria uma ótima opção. Sempre gostei de Paris.
- Gostaria que conhecesse algo diferente, onde nunca tivesse estado antes.
Para o inferno então, pensou ela. Estou levando-o para o inferno, onde já estivemos juntos antes.
- Quero voltar a Paris - insistiu. - É um lugar tradicional para lua-de-mel, não é?
Joss riu, parecendo menos tenso e mais calmo.
- Se é isso o que deseja, querida, vamos para lá. Peça o que quiser, Linden. Se for a lua, vou buscá-la
para você ou morrerei tentando.
Livros Florzinha - 54 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Ela se encolheu, lembrando-se daquela noite fatídica, em que ele também falara em buscar a lua para
ela. Eram esses os termos nos quais ele estava acostumado a pensar: possessão! Como se ela fosse um
objeto que ele desejava tão intensamente e que obteria a qualquer custo, mesmo que para isso tivesse que
morrer!
- Você é um homem muito rico, não é, Joss?
- O bastante para satisfazer todos os seus caprichos. Fico feliz com isso, querida. Poderei dar-lhe
tudo o que quiser! - Acariciava seu rosto. - E tudo o que peço em troca é você...
Ele falava sério. Para ele, tudo tinha um preço. Achava que podia comprar o seu amor daquela
forma.
Almoçaram num restaurante pequeno, mas muito fino. De repente, Linden perguntou:
- Tem notícias de Daniel?
Sua expressão endureceu.
- Não. Sei apenas que foi para Nova York. Dolly recebeu carta dele.
Pobre Daniel, pensou ela. Magoava-se ao lembrar-se de como o havia ferido. Joss a observava,
ciumento. Notou que ele sorveu todo o vinho de seu copo de uma só vez.
- Você está bebendo demais. Tem que parar com isto. Dê-me a sua palavra.
- Prometo - concordou, feliz, achando que ela se preocupava com ele. - Não preciso mais disso.
Vai precisar, pensou ela. Mas ainda não sabe.
Depois do almoço, ele a levou a uma joalheria, para escolher um anel de noivado. Linden
permaneceu indiferente, mas Joss e o joalheiro levaram a coisa a sério.
- A srta. Howard tem o tom de pele perfeito para usar pedras preciosas - comentou o joalheiro. Joss
sorriu, compreensivo.
- É mesmo - confirmou ele, acariciando seu rosto. - Sua pele é tão suave quanto a seda. - Linden
percebia que o contato o excitava. Joss olhou para seu pescoço, na linha do decote do vestido e passou a
mão ali. - Não gostaria de ter um colar, querida? Ou prefere uma pulseira?
Ele se aproveitava para acariciá-la daquele modo porque estavam em público e ela não podia
protestar.
- Fica para uma outra ocasião - respondeu, desinteressada.
Rapidamente, o joalheiro mostrou-lhes um bracelete de diamantes.
- Este ficaria divino na srta. Howard - murmurou, obsequioso.
Joss colocou a jóia caríssima em seu pulso e ficou observando seu rosto.
- Gosta? - perguntou, ansioso por agradá-la.
- Se você quiser que eu fique com ele...
Ele esperava que ela desejasse a jóia. Queria deslumbrá-la com as coisas caras que poderia comprar-
lhe e, dessa forma, fazer com que ela suavizasse sua maneira de tratá-lo.
Calmamente, ela esperou que ele retirasse aquela peça, que considerava absurda, de seu pulso.
Depois de alguma hesitação, Joss disse ao joalheiro:
- Vamos levá-lo. Quero também um colar e brincos que combinem. Quando voltarmos de nossa lua-
de-mel, leve-os até minha casa, para que minha esposa experimente. Acerte tudo com minha secretária. -
Jogou o bracelete num estojo de veludo. - Mande outras peças para a minha casa hoje. O anel levaremos
agora.
No carro, ele pegou a mão de Linden e colocou o anel em seu dedo. Por alguns segundos, ambos
contemplaram o lindo rubi que sobressaía em sua pele clara. Joss beijou sua mão.
- Agora você é minha!
Ainda a considerava como uma propriedade sua, pensou ela. Tinha muito o que aprender, concluiu, e
passou a observá-lo, dirigindo no trânsito pesado. A expressão deprimida já estava desaparecendo de seu
rosto. Certamente, ele estava reunindo forças para a batalha que iriam travar e já sentia o sabor da
vitória.
- Janta comigo esta noite, querida?
- Vou pegar o trem para Yorkshire à tarde.
- Por quê?
- Tenho que providenciar os arranjos para o nosso casamento - lembrou ela. - Escreverei informando
como vão as coisas. Sabe que Lin jamais poderia dar conta de tudo sozinho. Será uma cerimônia
Livros Florzinha - 55 -
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simples, mas preciso fazer muitas coisas. Meu vestido, por exemplo. Quer que eu use um vestido de
casamento, não é?
- Quero você de qualquer jeito!
Linden sustentou seu olhar e sorriu.
- Vou até o meu apartamento, depois de deixá-lo em seu escritório.
- Vou com você até lá.
- Eu não quero. Estou deixando o apartamento hoje e vou para casa, onde ficarei até o dia do
casamento.
- E não vou vê-la mais até lá?
- Não.
Joss ficou no escritório. Deu ordem ao motorista para que a conduzisse aonde ela quisesse.
Despediu-se, beijando-a suavemente nos lábios.
Mais tarde, no trem, Linden tocou os lábios com os dedos trêmulos. Ainda sentia aquele beijo, e isso
a perturbava.
A cerimônia de casamento foi simples e breve. Dolly insistiu em ajudar Linden a trocar de roupa
para iniciar a viagem a Paris.
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- Linden, por favor, seja uma boa esposa para Joss - pediu novamente, enquanto a moça vestia um
traje cor de âmbar.
- Não se preocupe, Dolly - tranqüilizou-a Linden gentilmente, sorrindo-lhe. - Joss e eu nos
entendemos muito bem.
- Mais do que tudo neste mundo, desejo que Joss seja feliz finalmente - insistiu ela. - Ele merece.
Suportou tantos dissabores, sem se queixar jamais! Poderia ter se divorciado de minha pobre Lorna há
anos, mas não o fez em consideração a mim. Eu daria tudo para vê-lo feliz.
Linden deu-lhe um beijo.
- Sei como se sente - concluiu, mas lhe custou muito ter que desviar-se do assunto. Desejava poder
prometer a Dolly cumprir o que ela lhe pedia. Porém, as palavras morriam em sua garganta.
Entraram no carro sob uma chuva de arroz. Linden olhou para Dolly e Lin lado a lado, ambos com a
expressão abatida pela ansiedade que sentiam. Ao recostar-se no banco, Joss tomou sua mão e levou-a
aos lábios, beijando um a um todos os anéis que enfeitavam seus dedos.
- Está tão linda, minha querida, que meu coração dispara cada vez que a contemplo - falou
carinhosamente.
- Obrigada, Joss - agradeceu, consciente da presença do motorista. Mas retirou a mão e virou a
cabeça para olhar pela janela.
Joss ficou admirado. Não fez mais nenhum comentário e o resto do trajeto seguiu quase em silêncio.
Durante a viagem de avião, Joss se portou de maneira gentil e atenciosa, sem contudo mostrar-se
insistente. Linden sabia, no fundo, que ele estava intrigado, imaginando coisas, e procurando adivinhar o
que poderia acontecer dali por diante. Quando concordara em se casar com ele, impusera suas condições,
mas Joss certamente imaginara que poderia fazê-la mudar de idéia. Sabia o quanto ele a queria e não
escondia isso. Cada vez que o observava, encontrava seu olhar de desejo, devorando-a. A guerra
estabelecida entre eles ainda estava para começar.
A suíte do hotel em Paris era magnífica. Linden admirava aquele cenário incrível, ostentando luxo e
riqueza, a partir do chão muito polido e dos tapetes brancos. Ela havia trocado de roupa, depois que
chegaram do jantar, e esperava por Joss.
Ele saiu do banheiro vestindo um pijama de seda, barbeado e sorridente. Ela ignorou sua presença,
tocando de leve as pétalas das rosas de um vaso e inclinando-se para aspirar o seu aroma.
Parado, Joss contemplava sua figura bonita e graciosa, vestindo um conjunto de camisola e penhoar
de renda branca.
Lentamente, aproximou-se dela, fazendo-a voltar-se.
- Você está maravilhosa - exclamou, encantado.
Linden sentiu-se lisonjeada e seu coração começou a bater acelerado, como se algum perigo a
ameaçasse. Um sorriso irônico aflorou aos seus lábios, quando o encarou.
- E então, Joss?
- Eu prometi que seria paciente - confessou ele. - Que esperaria quanto você quisesse, mas...
- Você vai esperar para sempre - afirmou friamente. - Já fui sua uma vez, Joss, mas nunca mais o
serei.
O sangue fugiu inteiramente das faces dele. Seus olhos perturbadoramente assustados a fitavam sem
entender o que se passava. Segurou-a pelos ombros, com mãos que pareciam garras.
- Continue! -ordenou.
- Nada mais há para dizer. Estamos casados, mas é apenas isso!
Os lábios cerrados davam a seu rosto uma expressão cruel.
- O quê vai me impedir? - perguntou, encarando-a. - É minha esposa agora! Realmente pensa que vai
ficar assim?
- Então me force! - sugeriu, irônica. - Vamos, Joss! Força-me!
- Por Deus, Linden! - parou, estremecendo ante sua afirmação.
- Sabe perfeitamente que não farei isso! Serei paciente. Só desejo que você seja feliz. Mas não pode
ser feliz assim... nenhum de nós pode! Não está raciocinando direito. Temos que construir uma vida
juntos. Já passei por um casamento fracassado; outra experiência dessas acabaria comigo!
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- Devia ter pensado nisso antes de me pedir em casamento. Arruinou minha vida e partiu, destruindo
o que havia de bom em mim. Quando eu disse que o odiava, estava sendo sincera. - Soltou-se de suas
garras e dirigiu-se para o quarto. - Vou para a cama... sozinha. Boa noite, Joss.
Parado onde estava, viu-a desaparecer. Linden deitou-se e apagou a luz. Depois de algum tempo, ele
a seguiu e deitou-se ao seu lado. Ela permaneceu imóvel, com os olhos fechados. Inquieto, revirando-se
de um lado para outro, ele passou horas insone. Linden fingia dormir e, aos poucos, pegou no sono
realmente.
Quando acordou, viu Joss apoiado nos travesseiros, observando-a, muito pálido.
- Dormiu bem, Linden? - quis saber, com voz carregada de amargura. - Não teve pesadelos?
- Por quê? Você teve, Joss? - perguntou suavemente.
- Dormi muito pouco - confessou sinceramente. - Não faça isso, Linden. Eu posso merecer, mas não
faça isso comigo, pelo amor de Deus!
Ela sentou-se, sentindo-se observada a cada gesto.
- O que faremos hoje?
A expressão de Joss tornou-se mais sombria. Depois de uns momentos, cedeu.
- Muito bem, Linden. Sou obrigado a aceitar suas condições, mas peço que isso fique apenas entre
nós dois. Não quero que Dolly se preocupe comigo ou que outras pessoas descubram.
- Serei uma esposa perfeita. - Novamente se mostrava irônica. - Em todos os sentidos, menos em um.
- Obrigado - agradeceu amargamente, e ela sentiu uma estranha perturbação, ao ver sua expressão
dura e zangada. Ele desistira de lutar, mas ela não sentia o prazer da vitória. Ao contrário, tudo ao seu
redor se tomara de repente miserável e triste.
CAPÍTULO VIII
Rapidamente, os dias passados em Paris se tornaram rotina. Passeavam de carro pelas ruas da cidade,
suportando o inverno rigoroso, distraíam-se fazendo compras, visitando lugares famosos e sempre
conversando de forma que seu relacionamento parecesse apenas uma amizade despreocupada e informal.
Linden lembrava-se com freqüência de como fora fácil dialogar com ele na primeira vez que o
encontrara. Na ocasião, os pensamentos pareciam fluir com facilidade de uma mente para outra. Muitas
vezes, depois de um breve silêncio, quando um deles ia falar, o outro já sabia do que se tratava, como se
uma corrente elétrica ligasse suas mentes telepaticamente e isso sempre a surpreendia. Mas, pensava ela
com amarga ironia, aquilo era absolutamente natural. A comunicação sem palavras era uma das formas
de amor, e ela sabia que, apesar daquele estranho ódio, esses laços não se dissolveriam jamais.
Sob a aparência de compatibilidade e compreensão, outros fenômenos estavam acontecendo e ambos
tinham consciência disso. Quando, num casual contato, seus corpos se tocavam, nas noites quase insones
em que permaneciam deitados lado a lado, fingindo dormir, estabelecia-se entre eles uma tensão que
impedia que se encarassem.
Joss levou-a aos melhores costureiros de Paris e escolhia suas roupas com a mesma dedicação que
escolhera o anel de noivado. Linden permitia tudo, sem comentários. Ele queria apenas comprar tudo o
que via para ela, satisfazendo seu senso de posse, já que ela lhe recusava qualquer outro prazer.
Um dia ele a presenteou com um colar de pérolas de três voltas. Levemente rosadas, formavam uma
peça maravilhosa. Na intimidade do quarto, Joss o colocou em seu pescoço, olhando para a imagem dela
refletida no espelho. Linden percebeu a chama da paixão em seu olhar e, antes de tirar as mãos do colar,
ele beijou rapidamente sua nuca.
- Gosta dele?
Acariciando as pérolas, ela sorriu.
- São maravilhosas. Obrigada. - Através do espelho, continuava observando-o. Será que ele se
lembrava de quando a vira pela primeira vez? Uma menina magrinha, vestindo jeans e uma camisa para
fora da calça, pés descalços e cabelos longos e soltos? Agora era uma mulher diferente, Usava roupas
sofisticadas, um corte de cabelo moderno, maquilagem, e seus olhos já não tinham mais a mesma
expressão ingênua.
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Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Joss encontrara uma flor silvestre, arrancara-a de seu meio e a colocara numa estufa, mas seu aroma
se perdera. Fora isso o que acontecera.
Por vezes, enquanto jantavam, percebia os olhares de outros homens sobre si. Mas teriam eles
reparado nela da mesma forma, se a vissem como Joss a conhecera?
Joss sempre dizia que se apaixonara por sua inocência. Agora, que ela se dissolvera como poeira das
asas de uma borboleta aprisionada por mãos rudes, qual seria a intensidade de seus sentimentos por ela?
Quando percebia que outros homens a admiravam, Joss os encarava de modo hostil, fazendo-os
desviar sua atenção sobre Linden. Quando zangado, ele sabia ser ameaçador. A elegância e a
sofisticação de suas roupas escondiam uma natureza violenta.
Uma vez, ao passearem pelos jardins de Luxemburgo, um rapaz loiro e sorridente, de olhos azuis
muito límpidos, reparou nela e ficou parado contemplando-a com insistência. Instintivamente, ela
retribuiu o sorriso dele, simpatizando-se com o jovem. Joss a olhou furioso, mas ela sustentou a ameaça
friamente.
Sem comentar nada, ele conservou a cara fechada, enquanto seguiam até a Conciergerie. Passearam
por ali, falando sobre as estranhas mudanças da História, sobre os dias em que aquele edifício era usado
pelo governo revolucionário como prisão, onde os condenados aguardavam a execução na guilhotina.
Recordaram-se das cenas que todos contavam sobre os nobres que haviam dançado naqueles salões,
vestidos de seda pura, em tempos felizes e que, em seguida, no mesmo local, esperaram a hora da morte.
Agora o prédio era apenas museu empoeirado, onde estavam guardadas relíquias dos nobres e dos
revolucionários.
No caminho de volta ao hotel, o motorista habilmente conseguiu evitar uma colisão com outro carro.
Durante a freada, Linden foi atirada de encontro a Joss. Sentiu, então, seus músculos tensos, quando ele
a segurou com o braço. Involuntariamente, ergueu o olhar e encontrou o dele. Seu coração bateu tão
depressa que se sentiu mal. Afastou-se dele tremendo, como se tivesse medo.
Tudo estava se tornando mais difícil do que esperara. Na realidade, as coisas ficavam piores dia a
dia. Ao fazer seus planos, não contara com suas próprias emoções, e agora se sentia quase tão frustrada
quanto ele.
Na última noite em Paris, colocou um vestido cuja elegância residia na sua própria simplicidade. A
seda branca caía em leve franzido até seus pés e o corpete cobria apenas o busto, deixando desnudos os
ombros e os braços. Colocou o colar de diamantes que Joss lhe dera pela primeira vez. As pedras
brilhavam como a ardência do fogo, quando ela se movia.
Joss saiu do banheiro, parecendo uma pantera, em seu traje escuro, e parou subitamente, admirado.
Linden virou-se devagar e perguntou, provocante:
- Que tal estou?
- Maravilhosa! - Os olhos dele expressaram muito mais, enquanto a percorriam de alto abaixo.
Desejando desesperadamente que ele não percebesse o efeito que causava nela, Linden o observava.
Leves gotinhas de suor brilhavam em suas têmporas, enquanto o acompanhava até o elevador.
Durante o jantar, ela bebeu mais do que de hábito, saboreando o vinho dourado do Reno. Quando se
dirigiram para a pista de dança, sentia-se flutuando e segurou firme no braço de Joss.
Ele a tomou nos braços friamente e, ao começarem a dançar, ela riu, comentando:
- Lembra-se do baile da vila? Agora já sei dançar sem contar os passos.
- Estou vendo. Mas ainda franze o nariz. Deve ser algum reflexo condicionado, um tique.
Ela sorriu e ele beijou a ponta de seu nariz. Linden apertou-o de encontro ao seu corpo, sentindo que
aquele contato a estava deixando excitada.
Joss a abraçava firmemente e, mais uma vez, ela viu o desejo expresso no brilho do olhar dele.
Inclinando a cabeça, beijou seus cabelos. Mantivera-se frio e afastado, controlando-se, mas agora ela
ouvia cada batida do coração de Joss e isso repercutia em todo o seu ser.
Permaneceram na pista durante horas. Linden não queria parar. Ficaram todo o tempo em silêncio,
dançando abraçados, num estado de transe, sentindo os rostos ardentes. Moviam-se lentamente. Joss
acariciava suas costas, seus ombros e sua nuca, beijando de leve seus cabelos, sua orelha e seus lábios.
Por fim, subiram para a suíte num silêncio dolente. Joss abriu a porta e ela entrou, sonolenta. Não
acenderam a luz. Ele a tomou nos braços, procurando avidamente seus lábios e ela se rendeu,
correspondendo ao beijo, com os braços ao redor de seu pescoço. Sininhos de alarme começaram a
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bimbalhar em sua mente, mas ela estava certa de que poderia colocar um ponto final em tudo no
momento que quisesse. Tinha consciência de que estava apenas se divertindo um pouco.
Joss desceu o zíper do vestido, que escorregou de mansinho até o chão junto com a combinação.
Suas mãos tremiam e ela apoiou a cabeça em seu peito, ouvindo seu coração palpitar.
Quase sentia pena dele e, por outro lado, comiseração de si mesma. Todo o seu ser a incitava para
que o deixasse continuar, mas sabia que teria que detê-lo.
Na penumbra do quarto, ele a contemplava, distinguindo o tom nacarado de sua pele, em contraste
com o escuro de seu terno.
- Meu amor... - Os lábios dele beijavam suavemente seus ombros e seu pescoço. Uma chama de
paixão irrompeu dentro dela que, soltando um gemido, começou a acariciar seus cabelos negros.
Joss emitiu um som de triunfo e ergueu-a nos braços, levando-a para o quarto de dormir, respirando
ofegante. Parou junto à cama, beijando seu pequeno seio e murmurando palavras de amor, com a voz
embargada, antes de procurar seus lábios.
Num ímpeto, eles se entreabriram, famintos de amor, e suas mãos delicadas abraçavam o pescoço
musculoso e forte dele. Linden deixou-se levar pelo delírio do momento, desejando-o tanto que sentia
quase dor física.
Após deitá-la na cama, ele começou a se despir com as mãos trêmulas. Ela via suas roupas caírem no
chão uma a uma. Teria que terminar com aquilo agora! Por alguns segundos olhou aquele corpo tão
querido. Depois, com a boca seca e reunindo toda a sua coragem, cobriu-se com o lençol e virou-se de
lado, escondendo o rosto no travesseiro.
Depois de uma longa pausa ouviu-o dizer:
- Oh, não! Não, sua pequena... Não pode fazer isso comigo!
Agarrou-a pelos ombros e a obrigou a se virar para ele, com um gesto violento. Ao ver a expressão
de raiva e paixão se alternando em seu rosto, teve medo.
- Tire as mãos de mim! Não suporto que me toque!
Imóvel, ele a contemplava, incrédulo.
- Compreendo. Foi tudo uma farsa, não foi? Meu Deus, Linden, como pôde ter se modificado assim?
- Você foi o responsável por isso - acusou-o com amargura. - Você me modificou, Joss! Tenha
consciência disso... Eu o odeio! Você me enoja!
- Então foi tudo uma mentira? Deixou que a beijasse, correspondeu ao meu beijo, só para me deixar
excitado, fora de mim?
- Isso mesmo! - mentiu ela, esperando que ele acreditasse. - Eu o avisei antes de nos casarmos.
Gostaria, de matá-lo, Joss. Eu o detesto! É tempo que saiba â diferença entre desejo e amor. Na charneca
há campânulas e ninguém é chamado de criminoso por colhê-las, só porque depois elas morrem. Por
vezes temos que nos afastar de coisas que desejamos desesperadamente para não magoá-las. Você tem
que aprender isso, Joss, ou terei que ensiná-lo até morrer.
Calado, ele a ouvia. Depois levantou-se, vestiu-se e saiu sem dizer uma palavra, batendo a porta.
Não voltou naquela noite e Linden permaneceu insone, imaginando onde e o que estaria fazendo. Apesar
do intenso ciúme, do amor e da tristeza que sentia, estava determinada a não ceder.
Quando voltou, na hora do café, trazia sobre o rosto uma máscara cinzenta e dura. Ao voarem para
Londres, um estranho sol de primavera brilhava no céu, aquecendo aquele dia de inverno.
Joss voltou a trabalhar, absorvendo-se no mundo dos negócios e tratando Linden de maneira distante
e fria. Ela começou a posicionar-se em sua nova vida, aprendendo a tornar-se uma dona-de-casa, a dar
ordens aos criados, adquirindo a experiência necessária.
Recebiam convidados com freqüência e logo se habituou ao papel de anfitriã, escondendo, sob o
brilho da sofisticação, o seu grande nervosismo. Joss providenciava para que se apresentasse bem
vestida. Sabia que ele não podia encontrar defeitos em sua aparência ou sua maneira de agir. Em
público, mostravam-se encantadores um com o outro. Joss sorria, fazendo freqüentes gracejos sobre sua
vida de casados, aos quais ela respondia alegremente.
Dormiam em quartos separados. À mesa, encaravam-se polidamente, calmos, como estranhos. Mas,
nas raras noites em que ficavam sozinhos, ele a encarava de forma a deixá-la tensa.
Por uma ou duas vezes foram até Wildmere visitar Dolly. Na primeira ocasião, Joss pediu:
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- Por favor, faça com que Dolly pense que está tudo bem entre nós, sim? Pelo bem dela.
- Não se preocupe, ela não saberá de nada.
Foi muito mais difícil do que imaginara. Dolly estava tão esperançosa! Observava-os com olhos tão
inquisidores que Linden se via forçada a sorrir com freqüência para Joss, quando falavam de Paris ou da
casa em Londres.
A situação piorou, entretanto, quando tiveram que partilhar da mesma cama.
- Sinto muito, mas o que poderemos fazer? - ponderou ele.
- Não faz mal. Isso não me importa - afirmou, olhando pela janela.
- Não, claro que não...
Foi deitar-se cedo, deixando-o sozinho lá embaixo. As luzes do quarto já estavam apagadas quando
ele chegou. Silenciosamente, Joss se despiu e deitou-se, dando as costas para ela. Linden achou que seria
difícil pegar no sono, mas por fim conseguiu e dormiu pesadamente. Quando acordou, pela manhã,
estava juntinho dele, sentindo seu calor, com a face apoiada em seu ombro. Afastou-se rapidamente,
acordando-o também. Muito sem jeito, ela sorriu e perguntou:
- O que faremos hoje? Prometi que ficaria com Dolly e veria seus álbuns de fotografias. - Era o
passatempo favorito da velha senhora: relembrar o seu passado de menina bonita.
- Andarei a cavalo ou talvez jogue golfe. Obrigado por fazer Dolly feliz. Detestaria vê-Ia
preocupada.
- Eu sei. Eu também não gostaria. Não vou desapontá-lo, Joss.
Ele concordou, com uma expressão impenetrável.
Dolly portou-se como uma criança, revendo velhas fotos, falando sobre programas passados e
recordações, rindo e fazendo exclamações alegres a todo instante. Linden divertiu-se ao vê-Ia tão
contente.
Em dado momento, Dolly disse gentilmente:
- Você e Joss não são muito de demonstrações de carinho, querida. Não se acanhem, pensando que
vão me chocar. Não ficarei horrorizada se beijar seu marido de vez em quando.
Linden deu uma risada.
- Oh, querida... Conhece Joss. Ele não é de demonstrar afeto em público.
Naquela noite, quando estavam sentados, conversando, ela procurou sua mão e entrelaçou os dedos
nos dele, permanecendo assim por muito tempo. Joss olhou-a rapidamente, mas Linden continuou
impassível, falando com Dolly. Pouco mais tarde, Linden disse alguma coisa, brincando com ele, que
aproveitou para levar sua mão aos lábios, beijando seus dedos um a um.
- Eu devia castigá-la por isso! - disse, fingindo-se zangado. - Cuidado, querida, eu o farei a qualquer
momento.
- Seu bruto! - reclamou, rindo.
Ele se aproximou mais dela, fitando seus lábios, e o coração de Linden disparou, pois sabia que iria
beijá-la. Como não a tocava há semanas, não sabia se suportaria o contato.
Segurando seu queixo com uma das mãos, deu-lhe um beijo suave. Quando se afastou, ela reuniu
forças para comentar:
- Não estamos mais em lua-de-mel, querido! Somos agora um casal respeitável, lembre-se!
Dolly os observava radiante e foi se deitar, cansada, mas .feliz. Beijou Linden, afagando sua face.
- Passei um dia maravilhoso, querida. Você é muito paciente com uma velha!
- Para mim, cada segundo que passamos juntas foi maravilhoso. Adoro ouvir suas histórias sobre os
namorados que teve.
Joss ergueu as sobrancelhas e, abraçando-a pela cintura, puxou Linden para perto de si.
- Dolly, lembre-se da idade de Linden e não comece a pôr idéias diferentes em sua cabeça!
- Talvez eu já as tenha! - brincou Linden, sorrindo para ele.
Dolly ,riu, descontraída, e se retirou. Assim que a porta se fechou, Linden procurou afastar-se, mas
ele a segurou com firmeza.
- O que quis dizer com essa sua afirmação? - perguntou, ríspido.
- Foi somente uma brincadeira. - Temia a expressão dele.
- Uma brincadeira? Tomara que assim seja, Linden. Do contrário, eu mato você! Em todo o caso,
obrigado novamente por fazer Dolly feliz. - E soltou-a, de repente.
Livros Florzinha - 62 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
Voltaram a Londres e retomaram a vida social. Joss tornou-se irritadiço. Seus amigos comentavam
que ele estava ficando insuportável, transformando-se cada vez mais num homem frio, que controlava
seu império sem escrúpulos.
Ao se vestir para uma festa, ela colocou um vestido preto muito sexy e o colar de pérolas. Joss olhou-
a, meio irritado. Ao chegarem, ela perguntou:
- Não está gostando?
- É muito decotado!
Durante toda a noite, seu olhar a seguia, fiscalizando suas atitudes. Fizera um círculo de amigos que
constantemente requisitavam a sua companhia. A festa era dada pelo marquês de Chern, que
contemplava Linden onde ela estivesse sem esconder sua admiração.
- Estou feliz que tenha vindo. Queria vê-la novamente. Gostaria de mostrar-lhe o quadro de seu pai,
que mencionei naquela ocasião. Não quer revê-lo?
- Não é um quadro agradável de se apreciar - considerou francamente.
- Ao contrário de você - murmurou, sorrindo.
Linden corou. Alguma coisa em seu tom de voz a assustou.
- Que delícia! Você fica corada! Isso é muito raro!
- Nem tanto.
- Os homens adoram! Você é uma mulher muito bonita, sabe disso? Venha ver o quadro, por favor. -
E conduziu-a para a outra sala.
Linden contou-lhe sobre as circunstâncias em que o quadro fora pintado.
- Obrigado - agradeceu ele, quando ela se calou. - Sabendo sua história, eu o aprecio ainda mais.
Quando voltaram para a sala, ele segurou seu braço. Sabia que ele a respeitaria por ser a mulher de
Joss, mas era incapaz de esconder sua admiração por ela.
Joss estava sentado num sofá, com um copo na mão, olhando-os ostensivamente.
- Por favor, me chame de Mark - pediu ele.
Tomando o drinque que ele lhe oferecia, ela sorriu, retribuindo:
- Obrigada, Mark. Meu nome é Linden.
- Seu pai é um gênio. E seu nome combina com você.
Joss terminou sua bebida e serviu-se novamente. Mesmo sem vê-lo diretamente, ela percebia todos
os seus movimentos.
- Joss, querido! - exclamou uma voz meiga atrás dele. - Há quanto tempo!
- Helen... Então voltou dos Estados Unidos! Pensei que tivesse se exilado para sempre.
- E tinha mesmo, querido... até o divórcio.
Linden observou-os rapidamente e encontrou o olhar de Joss que procurava descobrir nela alguma
reação. Mas sua verdadeira expressão se ocultava sob uma máscara, controlando o ciúme que a
consumia, ao ouvir as breves palavras trocadas entre eles. Adivinhou ter havido um caso entre os dois,
pois se tratavam com intimidade.
Helen era uma moça bonita, bem-feita de corpo, e usava um vestido extravagantemente colorido.
Não tirava os olhos de Joss.
- Minha prima Helen Innes - apresentou Mark. - Acaba de enfrentar um divórcio litigioso.
Linden sorriu polidamente e logo mudou de assunto:
- Precisa conhecer meu pai, Mark. Ele gostará de você.
O rapaz parecia divertido.
- Gosto do modo como fala. Percebe-se quando alguém está mentindo.
- Fui rude? Desculpe! Estou tão habituada a julgar antes se Lin vai gostar das pessoas ou não que a
afirmação me escapou, sem querer.
- Então me sinto ainda mais lisonjeado. Admiro a ambos: pai e filha. - Mark tocou a pulseira que ela
usava. - Muito bonita, mas...
- Mas... o quê?
- Não precisa usar jóias. Elas desviam a atenção de sua beleza natural. Posso oferecer-lhe outro
drinque?
Livros Florzinha - 63 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
No caminho de casa, Joss permaneceu em silêncio. Linden preparou-se logo para dormir, sentindo-se
sonolenta e relaxada. Mas essa sensação foi interrompida quando o viu ainda vestido, parado, a encará-la
friamente. Parou de escovar os cabelos e virou-se na direção dele, sentindo-se tensa.
- Diga-me, Linden, o que acontecerá agora? Estarei certo achando que você está interessada em
começar um caso com outro homem?
- Quem, por exemplo? - indagou, sabendo de antemão a resposta.
- Nós dois poderemos fazer esse jogo - comentou, ignorando a pergunta.
- Mas somente um de nós sairá ganhando!
Joss enfiou as mãos nos bolsos, continuando a falar de modo agressivo, parado no vão da porta.
- Sou um homem - disse, cerrando os dentes e devorando-a com os olhos.
- Boa noite, Joss - quis concluir ela, deitando-se e apagando a luz. Na escuridão, ouviu-o dizer:
- Afaste-se de Chern, Linden! Ou então lhe mostrarei como um homem pode agir!
- Eu já sei - respondeu, ouvindo-o em seguida bater a porta.
Continuaram a freqüentar a mesma roda. Linden via Mark freqüentemente, tornando-se amiga dele.
Gostava de sua companhia e apreciava sua inteligência. Joss os vigiava sempre, atentamente. Também
estava constantemente cercado por belas mulheres, que tentavam conquistá-lo. Seu poder e seu dinheiro
as fascinavam.
Linden começava a perceber que a situação se tomava mais insustentável a cada dia, mas não queria
desistir. Procurava lembrar-se, nessas ocasiões, o que sentira quando Joss a abandonara, e isso lhe dava
forças para continuar.
Três meses depois de casados, ele lhe disse que iria para Nova York.
- Vou ficar fora uma semana. Não quer ir para Wildmere, na companhia de Dolly? Eu poderia levá-
la comigo, mas estarei ocupado demais para lhe dar atenção e, naquela cidade, é perigoso uma mulher
andar sozinha.
- Ficarei em Wildmere - concordou ela, sentindo, pelo visível alívio de Joss, que ele assim preferia.
Temia que, se permanecesse em Londres, se encontrasse com Mark.
A seu pedido, foi com ele até o aeroporto. Sorrindo, despediu-se dos três diretores que o
acompanhavam. Um deles disse maliciosamente:
- Não se preocupe conosco, lady Wyatt, fique à vontade! Sabemos como são os recém-casados!
Olharemos para o outro lado, enquanto dá um beijo de despedida em seu marido.
O instinto lhe dizia que fora por esse motivo que Joss insistira para que ela fosse até o aeroporto. Há
semanas que ele não a tinha nos braços. Ergueu o rosto passivamente e recebeu um beijo ligeiro. Mas, a
seguir, seus braços a envolveram fortemente e o beijo que trocaram foi violento, quase selvagem.
Linden se rendeu a ele, correspondendo-lhe totalmente, passando os braços pelo seu pescoço e
unindo seu corpo ao dele.
Quando se separaram, ouviu-o dizer qualquer coisa e os três homens o seguiram, deixando-a
completamente confusa.
Dolly adorou tê-la em sua companhia em Wildmere. As duas se davam muito bem. Linden
acostumara-se aos seus longos períodos de silêncio. Compreendia quando Dolly se deixava levar pelos
devaneios do passado e gostava de ouvir suas histórias.
Uma noite, Dolly mostrava um álbum de fotografias. Fixou-se numa delas, que retratava um bebê
nu, que, ao sorrir, mostrava dois dentinhos brancos.
- Adivinhe quem é? - perguntou carinhosamente, e Linden sentiu o coração saltar dentro do peito.
- É Joss, acertei?
- Sim. Veja que carinha! Quando nasceu, seus olhos eram profundamente azuis e eu invejei muito
sua mãe. Só tive Lorna. Gostaria de ter gerado um filho homem!
Contemplando a foto, Linden sentiu-se invadida por uma onda de ternura e amor. Pensou em tê-lo
nos braços... Mas ela era sua mulher e não sua mãe! De repente, um estranho pensamento surgiu em sua
mente: enquanto não fosse mãe, não saberia o: significado dessa sensação.
Naquela noite, não conseguiu dormir, dominada por emoções novas, que fugiam ao seu controle.
Traçara seus planos tão friamente e agora duvidava de sua habilidade de conseguir levá-los adiante. Seu
Livros Florzinha - 64 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
ímpeto de vingança se voltara contra ela própria. Dolly e Lin tinham razão. Ela não poderia magoar Joss
sem sair magoada também. Tomou consciência de que isto a estava destruindo. Tornara a vida de Joss
um inferno, mas também mergulhara nele. Queria pertencer-lhe, queria o seu amor, desejava criar seus
filhos...
No fim de semana, voltou a Londres. Recebeu um telefonema, no qual ele comunicava que só
voltaria dali a uns dois dias.
- Por que não volta para junto de Dolly? Liguei para lá, mas você já tinha saído.
- Posso muito bem ficar aqui. Obrigada por me avisar. - Joss desligou depois de alguma hesitação e
ela levou algum tempo para se recompor. Sentia falta dele. Precisava dele. A casa parecia vazia sem a
sua presença e, no entanto, quando estavam juntos, pouco se falavam.
Na tarde seguinte, estava fazendo compras na Bond Street quando encontrou-se frente a frente com
Daniel. Por um momento ficaram parados, sem nada dizer. Ironicamente, ele examinava suas roupas
caras, suas jóias e a sofisticação que Joss lhe impusera nesses três meses de convivência.
- Minha querida madrasta! Está na cara que meu pai a mima demais!
- Como vai, Daniel? - perguntou, ignorando o sarcasmo.
- Muito feliz por encontrá-la! Meu hotel fica logo na esquina. Se tiver uma hora disponível,
poderemos ir até lá... Quem sabe até fazer amor!
Empalidecendo, rapidamente ela se virou para ir embora, sendo quase atropelada por um carro.
Daniel agarrou-a e a puxou de volta. Com o choque, lágrimas sentidas rolaram por seu rosto. Daniel
continuava a segurar seu braço, temendo que ela fosse embora novamente. Em seguida, continuou:
- Não faça isso. Não chore, Linden, por Deus! - E deu uma gargalhada sonora. - Estão todos olhando.
Finalmente ela riu, uma risada meio histérica, pois a situação era realmente muito embaraçosa. Ele
insistiu em levá-la para tomar um drinque em seu hotel. No toalete, ela refez a maquilagem e, quando
voltou ao seu encontro, já estava segura de si.
- Você é feliz, Linden? Não parece.
- E você, Daniel, é?
- Não está dando certo, não é? Eu sabia que não daria... Você apenas queria seu dinheiro ou pensava
sinceramente que o amava?
- Não imaginava coisa alguma. Quanto ao seu dinheiro, não me interessa. Sentiria o mesmo por ele,
ainda que fosse um motorista de ônibus.
- Não posso imaginá-lo como tal...
- Não sei... Joss pode fazer o que quiser.
- É o que acho também.
- Nunca pretendi magoá-lo ou feri-lo, Daniel. Não tinha idéia de quem era seu pai. Se soubesse,
nunca teria saído com você.
- Então você gostou de mim realmente e não me usou, procurando uma chance de encontrá-lo
novamente?
- Vamos esquecer tudo, Daniel? De nada adianta discutir isso agora.
Ele parecia confuso.
- Linden... - Interrompeu o que ia dizer. - Não, você tem toda a razão.
- Nosso relacionamento foi um erro desde o início. Talvez eu devesse ter lhe contado sobre Joss.
Juro que o teria feito, antes de nos casarmos. Há uma grande diferença entre discrição e mentira.
Por um longo tempo, ele ficou contemplando-a. Depois estendeu as mãos e ela retribuiu o gesto.
- Bem... agora, posso convidá-la para jantar ou tem que voltar correndo para casa?
- Joss está em Nova York. - Pela expressão de Daniel, notou que ele já sabia.
- Li qualquer coisa nos jornais de lá. Telefonei para o hotel e soube que você não o estava
acompanhando. Então, tomei um avião e vim.
- Isso não é justo, Daniel.
- Queria agredi-Ia. Pretendia vingar-me. Mas você me desarmou logo no começo, mostrando-se tão
feminina e humana...
Conversaram durante muito tempo, e, aos poucos, reencontraram-se no antigo relacionamento de
amizade e companheirismo.
- Por que não vem comigo e janta lá em casa?
Livros Florzinha - 65 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Jamais ultrapassarei a soleira de sua porta.
- Não seja tão melodramático! Ele ainda é seu pai e aquela casa também lhe pertence.
- Acha que ele me quer lá? Sei que prefere me ver morto a me deixar passar algumas horas sozinho
com você.
- Você está desunindo a família, Daniel.
- Ele não liga. !
- Mas importa a Dolly. E também a mim, pois tudo isso aconteceu por minha culpa. Detesto pensar
que separei vocês dois.
- Oh, meu Deus! As mulheres! - resmungou ele.
Linden riu.
- Elas têm um jeitinho todo especial.
- Sei disso, Linden. Não imagina o quanto senti falta de você. Tive três namoradas, mas não
adiantou.
- Daniel, me aceite agora como esposa de Joss. Volte para casa, por favor.
- Pensa realmente que Joss me aceitaria? Ele é louco por você, Linden. Tenho certeza disso. Eu seria
sempre uma ameaça e Joss não tolera sombras a seu redor.
- Está chamando-o de Joss, pela primeira vez. Costumava referir-se a ele como sir Joshua ou "meu
terrível pai".
Daniel surpreendeu-se.
- Creio que você amadureceu longe dele, Daniel. Nestes três meses conseguiu vê-lo sob um ângulo
diferente.
- Talvez tenha razão - concordou, pensativo. - Pode ser que esteja certa, Linden. Eu me sinto mais
velho. Construí minha vida independente em Nova York e gosto dela. Voltar aqui foi a maior
infantilidade que já cometi. Desculpe.
- Mas valeu para esclarecer certas coisas, não acha?
- Sim. Definitivamente. - E sorriu, revelando o mesmo encanto de Joss. - Agora, que tal jantarmos
em algum lugar? Sinto muito, não estou preparado para entrar novamente naquela casa.
Jantaram num restaurante, conversando animadamente e, pela primeira vez em meses, Linden se
sentiu descontraída, sem a obstinação de duelar com Joss. Divertia-se com as histórias que Daniel
contava.
Já passava das onze quando finalmente ele a levou para casa.
- É estranho ficar parado aqui fora. Parece que estive ausente durante anos. Obrigado pela noite,
Linden. Amanhã, regressarei a Nova York. Fui um idiota em voltar aqui. Da próxima vez que vier,
prometo que estarei pronto a representar o filho pródigo para Joss.
- Faça isso! Nesse intervalo, falarei com ele. Ele ama muito Dolly e não quer vê-la magoada. Creio
que ele ama você também, mas...
- Eu sei. Ele é meu pai, mas é um homem e a ama apaixonadamente.
- Tem razão.
Daniel expusera em simples palavras toda uma situação. Joss era um homem, um mortal, e não um
semideus infalível. Desejava que ele estivesse acima de qualquer crítica, porque, de alguma forma, ainda
conservava a mesma necessidade que sentira na infância, sempre à espera de alguém forte e poderoso
em quem pudesse se apoiar. Joss se mostrara capaz de errar quando a tentação fora forte demais para ele.
Contudo, isso não o transformara num monstro, como o vira até então. Simplesmente mostrara que
também era humano.
Daniel observava sua expressão de tristeza.
- Você está bem, Linden?
- Desculpe. Estou sim. Não se demore muito, Daniel. Dolly não é mais moça e sente sua falta.
- Eu também quero vê-la logo. Boa noite, Linden.
Ela beijou suavemente seu rosto.
- Boa noite, Daniel, e boa viagem.
Ao entrar na casa, que estava imersa na escuridão, viu Joss parado na porta de seu escritório.
Somente aquele ambiente estava iluminado.
Livros Florzinha - 66 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Joss! Não o esperava hoje! - exclamou alegremente, sem se dar conta da intensa emoção que a
dominava.
- Claro que não! Onde esteve, Linden? Vai contar ou também faz parte de seu plano deixar-me
eternamente na dúvida?
Atordoada, ela o olhava sem responder. Então imaginou que ele poderia ter olhado pela janela e visto
Daniel.
-Este é o último ato da peça, Linden? Já se entregou a outro homem?
- Não! - gritou. - Não, Joss!
- Mas pretende. Acho que desvendei seus planos agora, Linden. Quando se casou comigo, pensei
poder convencê-la um dia a me perdoar pelo que fiz. Mas, desde o começo, você deixou claro que me
faria pagar meu ato com sangue! Vivi num inferno estes meses e você vai continuar enterrando o punhal
até o fim, não é, Linden?
Ela tremia, horrorizada. A angústia que tomava conta dela impedia-a de falar, deixando seu corpo
quase paralisado.
- Quem é ele? - perguntou Joss, depois de uma pausa. - Chern?
- Não, não - conseguiu dizer por fim. - Eu estava fazendo compras e encontrei Daniel...
- Daniel? Meu Deus, Linden! Não pode me fazer isso! Deseja me matar dessa forma? É cruel
demais!
Linden procurava em vão encontrar as palavras certas para lhe afirmar que tudo terminara: o desejo
de vingança, o ódio, a amargura. Todo o rancor se dissipara durante os meses de casada, como a neve ao
sol, pois seu amor por ele era mais forte. Lin já previra que ela aprenderia a compreender e estava certo.
As coisas que Dolly lhe contara sobre Joss acabaram destruindo sua determinação de vingança. Joss
ficara privado de amor por muitos anos. Chegara a Yorkshire incógnito, pensando apenas em relaxar por
uns dias e lhe dera um nome falso. Eliminara provisoriamente sua esposa de sua mente. Aqueles dias de
verão, sem ter que seguir regras ou assumir responsabilidades, deviam ter lhe parecido irreais. Nada lhe
foi perguntado. Fora simplesmente aceito como um homem comum, não pela sua riqueza, poder ou
fama, e gostara da experiência.
Ele a namorara, pretendendo somente fazê-la corar, beijá-la e fazê-la reparar nele como homem.
Mas, de repente, tudo mudou. Ele se apaixonara pela primeira vez em sua vida, segundo lhe dissera, e só
agora ela acreditava em suas palavras. Devia ter ido embora antes que fosse tarde demais. Mas ficara e
Linden não o culpava mais por isso. Ele fora humano. Encontrara algo que desejara a vida toda, um
amor puro e verdadeiro, para quem ele era apenas Joss e não sir. Joshua Wyatt, um executivo poderoso e
milionário. Naquele momento, ao olhar para Joss, entendeu tudo e o perdoou finalmente.
Joss estava esperando uma explicação, com o rosto atormentado pelo longo silêncio dela, que acabou
por considerar uma resposta. De repente, sem uma palavra, virou-se e saiu, alquebrado como se estivesse
ferido mortalmente.
- Joss - tentou chamá-lo, mas seus lábios não conseguiam emitir nenhum som. Estava cercada pelas
lágrimas retidas há meses. Quando ele subiu as escadas, Linden jogou-se sobre o sofá branco, com a
cabeça enterrada nas mãos, soluçando como se nunca mais fosse possível parar.
Tivera a chance de apagar o passado, de reconstruir seu casamento e, em vez disso, criara um abismo
mais profundo entre eles. Agora era tarde demais. Cega e surda, isolada em sua dor, Linden não ouvia
mais nada, a não ser seus próprios soluços. Não percebeu, então, que Joss se aproximava.
Somente quando ele se ajoelhou e a ergueu nos braços, ninando-a como se fosse um bebê e dizendo-
lhe palavras de consolo, enquanto passava a mão em seus cabelos, foi que conseguiu gritar o nome dele,
apoiando o rosto molhado em seu peito forte.
- Não, minha querida, não! - murmurava, aconchegando-a mais junto a si.
- Eu quero você, eu quero você! - exclamava ela, beijando o pescoço dele.
Joss levou um choque. Segurando-a pelos ombros, afastou-a, encarando-a profundamente.
- Sabe o que está dizendo? Ou trata-se de outro jogo, Linden? Não abuse, pois posso perder
completamente o controle!
- Joss, me ame! - pediu ela. - Não suporto mais! Eu desejo você e isso está me destruindo!
Livros Florzinha - 67 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Meu Deus, Linden, não brinque mais comigo. Já ultrapassei os limites de minha resistência e não
serei responsável pelo que possa fazer, se você me levar ao ponto em que me deixou naquela noite.
Daquela vez quase enlouqueci.
Linden soltou-se e ele ficou observando-a fixamente. Ela tirou o casaco e depois o vestido com mãos
trêmulas. Finalmente nua, atirou-se nos braços dele, beijando seu corpo e sentindo o contato de sua pele
fria em seus lábios.
Abraçados, beijavam-se com ardor, até que ele parou de repente, e erguendo-a nos braços.
- Não aqui - afirmou ele. - Mas, por favor, não mude de idéia até que eu a leve para minha cama,
pois não respondo mais por mim!
Enlaçando seu pescoço com os braços, Linden repetia sem parar:
- Eu amo você, eu amo você. Quando foi para Nova York, quase morri. Não suporto tê-lo longe de
meus olhos. Você me pertence. - Aquelas palavras soavam estranhas, mas eram sinceras. Ele lhe
pertencia. Fora assim desde o início. Estavam unidos pela eternidade.
- Sou todo seu - foi a apaixonada resposta que recebeu. - Perdoe-me, Linden, por favor, perdoe-me.
- Já o perdoei há muito tempo - confessou, quase em prantos outra vez. - Eu somente não queria
admitir isso. Não posso ficar zangada com você, porque o amo demais. Preciso de você.
- Meu Deus, como eu a amo! Como a desejo! - Levou-a para a cama e os dedos de Linden tremiam,
ao ajudá-lo a despir-se.
Na noite em que se amaram sob os salgueiros, ele fora gentil e sedutor. Agora, após meses
reprimidos, ambos estavam possuídos de um ardor difícil de controlar.
Fizeram amor como se estivessem lutando selvagemente. Linden quase podia sentir caírem uma a
uma as barreiras que, durante tanto tempo, tinham sido erguidas por ela mesma. A violência de seu amor
era como uma tempestade que, ao desabar, afastava para longe as nuvens negras que encobriam suas
vidas durante todos aqueles meses.
Estavam ambos muito exaustos, mas continuavam abraçados, com os corpos lânguidos e relaxados.
As cobertas estavam atiradas no chão. Dormiam profundamente.
Quando entrou pela manhã, trazendo o chá, a empregada ficou embaraçada com a cena que via à sua
frente. Largou rapidamente a bandeja sobre a mesa e saiu depressa.
Linden acordou quando a porta se fechou e espreguiçou-se lentamente. Seu corpo roçou o de Joss e
ela abriu os olhos, não acreditando no que via. Depois lembrou-se de tudo e relaxou-se, ficando unida a
ele.
Joss despertou em seguida. Por alguns segundos também ficou espantado com a situação, mas logo
um ar de felicidade se estampou em seu rosto.
- Meu amor... Minha querida.
Linden recostou a cabeça em seu ombro.
- Eu o amo, Joss. - Repetira isso milhões de vezes na noite anterior e agora continuava, como se
quisesse que ele nunca mais duvidasse. Cada vez que dizia, parecia-lhe uma coisa nova e inacreditável. -
Perdoe-me por tê-lo tratado tão mal desde o início do nosso casamento.
- Não me peça desculpas, Linden. Eu mereci. Não posso esquecer o que fiz. Somente quero que
entenda por que me comportei tão mal.
- Eu compreendo agora. Pensei muito sobre isso. Quando aceitei a idéia de que você era apenas um
homem e não um deus, perdoei tudo.
- Um deus? - repetiu ele, diverti dó. - É assim que me julga, Linden?
Ela riu.
- A princípio, sim - explicou. - Você era um visitante de outro mundo, forte, poderoso, seguro de si e
muito atraente... Foi o seu magnetismo que tornou difícil esquecê-lo. Pensei sempre que fizera tudo
propositalmente.
O sorriso morreu em seus lábios.
- Juro que não pretendia seduzi-la, meu amor. Era tudo uma brincadeira, uma deliciosa brincadeira
de verão. Você era tão meiga, tão diferente, e eu estava tão aborrecido com minha vida em Londres...
Queria apenas namorá-la durante algum tempo e nunca esperei me apaixonar daquele modo. A partir
Livros Florzinha - 68 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
daí, perdi completamente o controle. Jamais me envolvi assim com alguém. Você inflamou meu coração
e não pude mais apagar as chamas desse amor.
- Deveria ter ido embora no momento em que percebeu isso.
- Você parecia ignorar o sentimento que provocava em mim e pensei que poderia estar a salvo
ficando ali. Precisava fazer com que reparasse em mim. Não pude me afastar. Sei que deveria, mas não
suportava a idéia de ficar longe de você. Decidi ir embora na noite do baile... Reconheci que o perigo
estava iminente, pois tornava-se difícil estar a seu lado sem tocá-la.
- Eu me lembro.
- Foi por isso que resolvi caminhar até o lago. Então vi suas roupas no chão. Discuti comigo mesmo,
procurando me afastar enquanto era tempo. Quando a vi nadando, percebi o que poderia ver. Sabia
muito bem que estaria completamente nua. Minha força de vontade caiu por terra. Minha imaginação
estava me deixando cada vez mais excitado. Eu tinha que vê-Ia. Jurei que iria somente vê-la. Apenas
estava mentindo, mentia para mim mesmo e sabia disso. Tão logo a vi, tive que tocá-la.
A imagem daquela noite voltou à mente de Linden com a mesma nitidez de tantas outras vezes: o
luar, a atmosfera quente, a expressão apaixonada de Joss e suas mãos acariciando seu corpo.
- Oh, Joss, eu senti a mesma coisa... Acredite-me, eu o desejei com a mesma intensidade. Você não
se apoderou de nada que eu não quisesse dar-lhe.
Joss beijou suas mãos com suavidade.
- Quando disse que me amava, senti que minhas forças me abandonavam. Você estava simplesmente
encantadora, oferecendo-se com tanto carinho que não pude mais resistir...
- Querido, devia ter feito com que eu visse isso há muito tempo. Eu queria me inocentar de tudo o
que aconteceu, mas sou tão culpada quanto você. Se eu tivesse resistido, você não teria continuado.
Tivera a prova disso nos últimos meses, quando uma única palavra dela interrompia todas as suas
investidas, embora estivesse ansioso por tê-la em seus braços e amá-la. A qualquer momento, Joss
poderia tê-la forçado a entregar-se a ele, se fosse como ela o julgava, egoísta e prepotente. Mas ele
suportara tudo, sem rebelar-se.
- Não, Linden. Eu levei você àquele estado e por isso sou o culpado. Você era apenas uma criança e
eu a convenci a fazer amor comigo. Não fazia idéia do que estava acontecendo, mas eu tinha. Cabia a
mim ditar as regras. Eu conhecia as conseqüências daquele ato e você não. Menti-lhe, dizendo que não
era casado. Portanto, toda a responsabilidade é minha. Mereci o castigo e só eu sei o que passei durante
estes meses.
- E depois do casamento, não pensava fazer com que eu desistisse da idéia?
- Eu tinha esperanças...
- Não sou tola, Joss. Tinha certeza de que esperava que eu o perdoasse e isso me mantinha ainda
mais determinada a prosseguir o meu intento.
- E pretendia acabar com minha vida, entregando-se a outro homem? - perguntou bruscamente. -
Estou certo de que isso fazia parte de seus planos.
Ela sacudiu a cabeça, negando veementemente.
- Posso ser cruel, mas não a esse ponto. Para agir dessa maneira, eu precisaria ser muito pior do que
sou... Isso teria violentado a minha natureza humana.
Ele deu um profundo suspiro.
- Repeti isso um milhão de vezes, mas tinha tanto medo de ter destruído completamente o caráter
daquela encantadora e meiga criança que conheci em Helots... Fiquei apavorado, imaginando que
estivesse tão decidida a acabar comigo que não pensasse mais em si mesma.
- Oh, meu querido. Meu pobre amor...
Joss a abraçou, beijando seus cabelos e seus olhos cerrados.
- Eu a amo tanto, Linden. Quando a conheci, percebi que já havia perdido a primavera da vida.
Estava casado com uma mulher que me aborrecia e estava inutilizada. Sentia tanta falta de amor!
Encontrei você, que me ofereceu esse amor de forma tão pura, tão generosa, que me julguei um canalha
pelos meus atos. Às vezes, me sentia tão mal que apenas desejava morrer.
- Não, meu querido, não...
Livros Florzinha - 69 -
Bianca 55 - Tentação (Temptation) - Charlotte Lamb
- Apenas desejava ardentemente uma chance de poder reparar o mal que causara. Se nos casássemos,
eu teria essa oportunidade. Queria cobri-la de presentes, mimá-la, fazer tudo por você. Quando você me
olhava com tanto desprezo e ódio, eu preferia estar morto.
- Mas eu o amo. - Havia lágrimas em seus olhos. - Quero criar nossos filhos e viver minha vida toda
ao seu lado.
- Tenho quase quarenta anos, Linden. Sou muito velho para você. Deveria ter se casado com Daniel
e não comigo. - Ao dizer sinceramente isso, seus olhos demonstraram ciúmes e seu sorriso entristeceu-
se.
- Amo você e não Daniel. Ele está bem agora, Joss. Em breve terá ultrapassado a crise. Passados
mais alguns meses, não tenho dúvidas de que ele esquecerá tudo e me aceitará como sua esposa, Joss.
- E você? Ainda o conservará em seu coração?
- Quando conheci Daniel, via a sua imagem no rosto dele, cada vez que o olhava. Pensei que fosse
imaginação minha, mas depois descobri realmente uma certa semelhança. Era como se você tivesse
voltado para mim na figura de Daniel, Joss. Era por você que eu procurava, era você que eu queria...
Soube disso no momento em que entrei naquela sala e o encontrei em Wildmere. Sempre lhe pertenci.
Desde o momento em que nos conhecemos.
Ele a beijou ternamente.
- Se ao menos eu tivesse esperado mais alguns meses! Poderia ter voltado com dignidade e pedido
você em casamento. Mas tinha medo que Lorna vivesse ainda muito tempo e que nunca mais me fosse
dada a chance de unir-me a você. Por isso me comportei como um colegial e destruí o seu amor.
- Ele é forte demais para morrer, Joss - afirmou Linden, muito séria. - Nada pode modificar o que
sentimos um pelo outro, não é? Há uma sombra em nosso passado, mas a partir de agora aprenderemos a
olhar sempre para a frente, nunca mais para trás. Quero ter filhos e quero lhe dar uma família, um lar
feliz. Prometo nunca mais tocar no assunto.
- Graças a Deus, meu amor! Não mereço tanta felicidade.
- Mas vai tê-la, Joss - falou, compreensiva. Ele se apossaria de toda a felicidade que ela lhe
oferecesse, como o fizera na noite anterior. Não deixara sua forte personalidade de lado. Apesar de ter
sido humilhado, a arrogância e a garra que o caracterizavam estavam apenas momentaneamente ocultas.
- Está zombando de mim? - perguntou, desconfiado.
- Eu seria capaz disso?
- Seria! Seria, sua malvada, com certeza! Você me tem na palma da mão e sabe disso. Basta sorrir e
eu me derreto todo. - A mão dele acariciava sua pele clara e morena. O desejo tomou novamente conta
de ambos com rapidez e Linden se aconchegou a ele.
- Joss... Joss, me ame - pediu ela.
- É o que pretendo. Temos meses de atraso para satisfazer nossos desejos, minha querida. Espero que
não tenha compromissos hoje, pois pretendo passar o dia na cama.
Ela ergueu a cabeça, corando.
- O dia todo? Mas Joss, os criados...
- Que se danem! São pagos para fazer o que mando e não para se intrometerem em minha vida!
- Seu prepotente! - disse, sorrindo. - Pensa que pode dominar o mundo!
- Com você perto de mim, posso! Sabe que é uma garota muito sensual?
Linden baixou o olhar, examinando aquele corpo másculo deitado junto dela, e seu coração bateu
mais rápido.
- Eu desejo você... - murmurou.
- Pois vai me possuir... - afirmou, num gracejo, empurrando-a sobre os travesseiros, e um beijo
possessivo abafou seus gemidos de prazer...
FIM
Livros Florzinha - 70 -