Orgulho e Paixão - Anne Hampson
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Anne Hampson
Sim, talvez fosse mesmo uma questão de orgulho, como todos diziam. Mas
Luana não ia se curvar agora, só porque Kon Wyndham, aquele estranho, revelava
sua verdadeira identidade: ele, e não a avó de Luana, era o proprietário da bela
mansão onde elas viviam, e queria a casa de volta. Era um profundo arranhão na
atitude superior que Luana sempre tivera com os homens, mas ela não ia desistir.
Por mais seguro de si que aquele demônio fosse! "Hei de reduzir a pó essa sua
maldita arrogância!", ele tinha prometido. Mas Luana preferia morrer escrava de
seu orgulho a ceder a Kon, a confessar sua imensa paixão por ele...
Projeto Revisoras 2
Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
CAPÍTULO I
— Luana é tão orgulhosa! Olhe só para ela... tratando o pobre do Henry como se
fosse um trapo! Ele a adora, coitado. Como pode ser tão má?
— Algum dia vai acabar se metendo em encrencas.
— Se nasceu para odiar os homens, por que a natureza foi tão boa com ela? Os
homens a rodeiam como abelhas num favo de mel.
— Se eu fosse bonita como ela, arrumaria um marido milionário!
— Reparou como ela tratou Oliver a semana passada no Iate Clube? Nem ligou
para ele... e na semana anterior ele a tinha pedido em casamento...
— Ela deve ter virado para ele e dito "me esquece" ou qualquer coisa do estilo.
— Não... deve ter sido mais educada. Mas nunca gentil, é claro.
— Se eu fosse homem, eu a evitaria, pois quem casar com ela vai se meter num
inferno!
— Por mim... gostaria de vê-la casada com um homem que a tivesse a seus pés
— disse agora uma voz masculina, rude.
— Ela... aos pés de alguém? Que esperança!
— Mas a verdade é que o orgulho sempre antecede a queda — a voz masculina
outra vez.
— Ela nunca se casará; já disse isso milhares de vezes.
— Dizem que é assim porque sempre foi muito presa e todos os homens com
quem saiu queriam "avançar o sinal", sem esperar pelo casamento.
— E o que há de errado em divertir-se um pouco? Acho que ela está vivendo na
época errada.
— Não podemos mudar a educação que tivemos — disse uma voz delicada. —
Ela deve ter tido alguma desilusão, e não podemos julgá-la.
— Desilusão não é desculpa para tratar os homens assim. É como eu disse...
orgulhosa demais.
Esses eram os tipos de comentários de qualquer grupo social quando Luana
Bryce estava por perto. Tinha um corpo lindo, cabelos castanhos, e olhos de uma cor
incrível, como uma água-marinha. Era uma das garotas mais bonitas que alguém podia
imaginar.
Um rosto lindo, mas que dependia do humor de sua dona, especialmente quando
estava na companhia do sexo oposto. Ela considerava os homens pouco melhores que os
animais, como ela mesma havia dito a um rapaz que a convidara para uma volta em seu
iate, e achado que, porque ela tinha aceitado, também estava pronta a consentir em
outras coisas.
Coitado, acabou o dia no mar!
— A cadela me empurrou — ele disse a um amigo mais tarde. — E, quando voltei,
estava rindo de mim e disse que esperava que eu tivesse me refrescado!
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— A coisa mais prática a fazer seria procurar um marido que desse a você tudo a
que está acostumada. Tem empregados, vive a vida de uma dama! Nunca se acostumaria
a ser subordinada a um homem num escritório qualquer... ou em qualquer outro emprego
que arranje... Aceitar ordens nunca foi o seu fraco, Luana — disse, sorrindo. — Não com
o seu amor-próprio.
Isso era verdade. Ela não tinha considerado esse aspecto. Estar sob o comando
de um homem! Ela se rebelaria à primeira ordem que viesse da boca do indivíduo e o
mandaria para o inferno!
— É... emprego está fora de questão — ela admitiu, não aceitando a idéia de ter
que obedecer a alguém daquele sexo odiado. — Mas preciso ganhar a vida de algum
jeito!
— Casamento — enfatizou a avó — é a única saída.
Os pensamentos de Luana se voltaram para o bonito Geoffrey Seymour, que,
após um ou outro encontro, a tinha convidado, sem mais nem menos, para um fim de
semana na casa de campo do pai, na Suíça.
Suspirou ao notar que a avó a olhava ansiosa e preocupada. Ela passou as mãos
delgadas pelos cabelos da neta. Os olhos estavam menores e lacrimejavam. O rosto,
coberto de rugas. Luana notou, pela primeira vez, a idade avançada da avó. Era uma
mulher a quem amava muito; alguém que tinha sido mãe e pai para ela, e que tinha feito
tudo para que tivesse a melhor educação possível, mandando-a até Paris, para terminar
os estudos.
— Não consigo imaginar você como a esposa de um trabalhador de fazenda.
Moro aqui há mais de cinqüenta anos e sei que este tipo de vida afeta qualquer um. As
tradições desta casa, Luana, demonstraram a importância que o ambiente tem no caráter
de uma pessoa. Você, por exemplo, não conhece nenhum outro tipo de vida. Tem uma
vida impecável, graças ao luxo que a fazenda pode nos proporcionar. Você sempre achou
que tudo isto era seu, e, em conseqüência disso, adquiriu esse amor-próprio... coisa que
nasceu com você, é claro, mas que foi solidificada pelo seu ambiente!
Fez uma pequena pausa e depois, olhando profundamente nos olhos azul-claros
da neta, disse:
— Às vezes esse seu orgulho me preocupa, Luana. Não estou querendo dizer
que você não deva ter amor-próprio; ao contrário. Eu também tenho. Mas quando ele
atinge um nível em que começa a se tornar arrogância, vai afastando de você todos os
amigos, e trazendo, em troca, inimigos.
Luana olhava impaciente para a avó; tinha adquirido aquele amor-próprio através
dos anos de vida aristocrata que levara. Seria muito difícil mudar agora. Quanto à
arrogância que a avó mencionava, ela só a usava com o sexo oposto. Era como uma
defesa contra a audácia dos homens, e também uma manifestação profunda de sua
opinião quanto a eles. Mas, se respondesse o que pensava, preocuparia ainda mais a
avó. Mudou de assunto, perguntando sobre os donos da casa.
— Como já disse, eram nobres; mas os descendentes deles não herdarão isso.
São diferentes daqueles que nos deram a casa por salvarmos a vida do único herdeiro.
São uma nova ramificação da família, Digo "são", mas na verdade somente um homem
herdou tudo: terras, dinheiro, propriedades.
— O menino?
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— Não, ele foi morto na guerra. E, como não era casado e não tinha irmãos, não
deixou herdeiros diretos. A fazenda ficou para um primo distante que, por acaso, é meio
grego.
— Meio grego?
— A mãe dele é grega.
— Ela mora com o filho... aqui, na Inglaterra?
— Pelo que sei, a mãe mora na Grécia. Voltou para lá quando o marido morreu.
— E o filho? Onde vive?
— Acho que parte na Grécia, parte no sul da Inglaterra. Tem uma casa lá.
— No sul...
É distante desta parte do país, pensou Luana, especulando a respeito do
estranho, o homem que, um dia, tomaria a casa dela. Sim, ele morava longe de
Derbyshire, e da linda e antiga casa, Ardale Hall, no maravilhoso vale Dove.
— Como sabe de tudo isso, vovó?
— Estou sempre em contato com os advogados através de Edward, embora me
corresponda com eles de vez em quando.
— Edward... nosso administrador... ele sabe que esta casa não é sua?
— Sim, tinha que saber, porque toda a contabilidade da fazenda, que é feita por
ele, tem que ser mandada aos advogados. Isto faz parte do acordo feito cinqüenta anos
atrás.
— A contabilidade... isto significa que o dinheiro da fazenda também não é seu?
— Eu tiro o que preciso... as despesas de empregados, manutenção e tudo o
mais. Tenho direito a uma quantia para mim também. O resto vai para o patrimônio da
família.
— Ah, sim...
— Economizei um pouco... — disse a avó, lendo os pensamentos da neta, de que
ficaria sem nada.
Luana ficou vermelha e disse, envergonhada:
— Vamos mudar de assunto, vovó querida. Estou detestando esta conversa.
— Mas temos que encarar o fato de que não viverei com você por muito tempo
mais...
— Viverá, sim! E não fale assim... não posso imaginar a vida sem você. É tudo o
que eu tenho!
Sabia, ao dizer aquilo, que a avó ia falar outra vez a respeito do casamento, mas
não deu oportunidade para isso.
— Vai viver até os cem... e por que não? Você mesma disse isso muitas vezes!
— Posso ter dito, mas isso foi antes...
Luana sentiu medo do que aquelas palavras poderiam significar.
— Antes do quê? Diga!
— Meu bem... por que acha que resolvi falar sobre um assunto tão delicado, justo
hoje, e não antes?
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Sabia que eles tinham mordido os dentes pelas sucessivas vitórias dela, e por Luana ter
demonstrado arrogância, contando somente com sua perícia, nunca com a sorte.
— Ela acredita que suas vitórias são devidas apenas à sua habilidade! —
comentou um dos membros. — Não costumo ser vingativo, mas gostaria de vê-la
fracassar.
— Não só você, como muitos outros, inclusive eu.
— Já está ficando monótono; ela nunca perde!
Até que apareceu o misterioso sr. Wyndham. Sua voz era bem atraente, ela
lembrou. Tinha falado com voz grossa mas macia. Embora seu inglês fosse perfeito, ela
sabia que, apesar do nome, ele era estrangeiro. Ou, ao menos, parcialmente. Talvez
espanhol. Tinha pele bronzeada e traços nobres. Seu rosto era bem masculino, mas
-bem-feito. Tinha olhos escuros, mas tão penetrantes que ela quase não tinha conseguido
evitar seu olhar hipnotizante.
Tinha ficado furiosa, pelo seu jeito e por suas palavras. Ficou pensando se ele
teria ouvido a respeito da reputação dela, pois seria a única maneira de explicar sua
atitude. Sim, ele "tinha ouvido". Alguém devia ter dito a ele.
— Meus parabéns! Já é hora de alguém vencê-la. Estivemos esperando ansiosos
por este dia.
Lembrava-se de que estava pronta para cumprimentá-lo, se ele não tivesse sido
tão insolente, antes que ela pudesse abrir a boca.
— Está se sentindo bem, vovó? — finalmente disse.
— Estou ótima! O passeio é lindo!
— E você, Bertha... — deu uma olhada à mulher corpulenta sentada atrás —
gostaria de parar para beber alguma coisa?
A empregada sempre as acompanhava até o bangalô e gostava de parar várias
vezes para uma xícara de chá, o que não acontecia com Luana e a avó.
— Se vir algum barzinho bonito no caminho, srta. Luana. Estou ficando com um
pouco de sede.
— Está bem, Bertha. Paro logo que vir um.
— Agora não falta muito — comentou a avó, que não era tão maleável quando se
tratava de criados. — Não vejo necessidade para pararmos outra vez.
E assim foram até o bangalô, onde Bertha preparou, mais tarde, o jantar.
Já estava escurecendo quando, por alguma razão, Luana resolveu dar uma volta
de barco. A avó tinha ido para a cama logo após o jantar e a intenção de Luana tinha sido
de ir até o clube, mas resolveu pegar o barco, que estava brilhante e em ótimas
condições. Tinha contratado um homem para cuidar dele quando estivesse ausente. Já
estava tudo pronto. Só uma brisa soprava do oeste. Saiu.
Luana sentia-se diferente. Na verdade, nada tinha sido igual desde o dia em que
soube do estado da avó e de tudo que envolvia a mansão Tudor, que ela tanto adorava.
Mas logo afastou aqueles pensamentos, vendo que não passava de uma depressão
momentânea, que a tinha feito embarcar e velejar pela solidão do mar. Viu algumas luzes
na praia, vindas de um outro barco, ancorado, do qual podia ouvir vozes de garotas e
rapazes. Parecia uma festa.
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Estava bastante escuro quando ela percebeu que a brisa tinha desaparecido, e
que agora o vento soprava, mais forte do que ela precisava.
— É melhor recolher as velas...
Mas agora era tarde demais; tinha encalhado num banco de areia.
— Oh! — exclamou. — Como consegui fazer uma bobagem destas?
Estava a alguns quilômetros da praia, mas não tinha bote, e a única saída era ir
ao convés e pular. A água, contudo, àquela hora da noite, não era nada convidativa.
Algumas nuvens tinham coberto o céu, tornando-o ainda mais escuro.
— Se pudesse virar...
Mas não tinha jeito. Resignada, abaixou as velas e se preparou para uma noite a
bordo. Acendeu a luz e preparou uma xícara de chá. Sentia frio e se maldizia por ter tido a
infeliz idéia de sair de barco àquela hora da noite, quando não havia possibilidade de
auxílio para qualquer emergência. Tudo parecia um outro mundo, solitário e silencioso.
Começou a sentir medo, embora não quisesse admitir, até que ouviu uma voz.
— O que está acontecendo aqui?
— Estou encalhada — respondeu, furiosa por ter que dizer aquilo, especialmente
a "ele".
— Sua maluca! E eu teria encalhado ao seu lado em um minuto. Que idéia é essa
de acender essa luzinha? Não tem bom senso?
Ficou furiosa, embora tivesse que admitir estar errada em acender aquela luz.
Mas não podia admitir a idéia de ficar ali no escuro, sozinha.
— Então é o Nausicaa outra vez! Bem, bem, quem imaginaria?
Ele estava abaixando a âncora e ela não sabia se ficava aliviada ou não. Mas era
humilhante demais.
— Não se preocupe comigo. Estarei bem aqui até amanhã cedo.
— Ah, sim? Então está bem. Boa noite.
Ele pegou a âncora de volta, e num minuto o Odysseus estava indo embora.
Ela observou, incrédula; depois sentou-se, cobrindo a luz com um pedaço de
pano. Ele tinha ido embora e ela sabia que era tudo sua culpa, culpa de seu orgulho. Mas,
no fundo, imaginou que ele voltaria e insistiria em ajudá-la.
Mas ele levou as palavras dela a sério e se foi.
Imagine um homem deixando uma mulher sozinha em condições tão precárias.
Mais uma evidência de como eles todos eram maus-caracteres!
O Odysseus era agora apenas uma luz distante, e Luana ficou novamente
sozinha, isolada de tudo.
Estava tremendo. Estaria congelada pela manhã. Deu um pulo de susto ao ver
aquele relâmpago. Ao longe ouviu o barulho dos trovões.
Ia cair uma tempestade.
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CAPÍTULO II
Sentada num canto do barco, Luana ficou ali, abraçando a si mesma, tentando se
esquentar. Poderia ter entrado na cabine para se abrigar, mas, por alguma razão
inexplicável, ficou ali, a descoberto. Estava completamente molhada.
Depois do que parecia uma eternidade, viu uma luz. Instintivamente, sabia que
era o Odysseus que se aproximava. A âncora estava sendo baixada. Em meio às ondas
furiosas ouviu a voz aristocrática de seu dono chamá-la.
— Muito bem, srta. independente, está pronta para aceitar ajuda? — disse
ironicamente.
A arrogância e a pomposidade daquele homem deixaram Luana furiosa. Preferia
morrer a aceitar ajuda dele!
— Vá embora! — ela ordenou. — Por que resolveu voltar aqui e me amolar?
Sabia que o que estava dizendo era uma estupidez, e se preparou para a
resposta.
— Amolar? Você é louca?
— Já disse para ir embora!
Não ouviu resposta. Viu só a figura dele se movendo no deck de seu barco.
— Vou até aí no bote — ele gritou. — Prepare-se para vir comigo. Não estou a fim
de perder tempo... não em um mar como este!
Mas nem assim ela cedeu.
— Não ouse me desafiar! Será que ainda não entendeu? Vá embora!
Luana mal conseguia gritar; seus dentes batiam de frio. Mas estava determinada
a não sofrer a humilhação de ser resgatada por aquele homem. Quando o dia
amanhecesse, disse a si mesma, poderia tirar o barco dali sem nenhuma ajuda. Poderia,
então, voltar ao bangalô antes que a avó se levantasse. Era verdade que tinha sonhado
em ser resgatada, mas isso antes que aquela criatura a chamasse de srta. Independente.
— Está perdendo seu tempo. Não vou com você.
Ignorando as palavras dela, ele remou até o banco de areia.
— Entre — ele ordenou, sem se mover. — Eu disse: entre!
Ela não se moveu. Ficou ali parada, desafiando-o. Ele mordeu os dentes e, sem
palavras, desceu do bote. Antes que pudesse reagir, ele a pegou nos braços e
praticamente a jogou no bote.
— Agora — disse, raivoso —, tente se mover e levará uma palmada na orelha da
qual não vai se esquecer por uma semana!
— Oh! Como ousa me ameaçar? Quem pensa que é para me dizer o que devo
fazer?
— Segure essa língua...
— Não! Sua pirralha rabugenta! Pegue aquele balde e comece a tirar água do
bote... a menos que queira nos ver afundar.
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O bote parecia uma rolha no meio da água, com aquelas ondas batendo,
movendo-o para todos os lados. O mar estava mais selvagem que nunca. Com medo,
Luana começou a fazer o que ele tinha dito, até que, com dificuldade, conseguiram
chegar ao barco dele. Apesar da aversão que sentia, Luana admirou a força e poder do
homem que tinha conseguido traze-los até ali naquela caixinha de fósforo.
— Obrigada — ela disse pouco depois, baixando a cabeça para esconder a
humilhação que sentia. Não podia encará-lo. Seu orgulho não permitia.
— Se seu agradecimento vem com tanta má vontade, então pode ficar com ele.
Ela corou. Sabia que um agradecimento eloqüente seria a última coisa que faria,
mas era natural que ele esperasse um comportamento mais gentil por parte dela.
— Poderia ter me arranjado até de manhã.
— Seu barco não estará lá de manhã.
— Claro que estará!
Perder o barco? Nem podia pensar nisso. Tinha sido presente da avó, tinha ganho
várias competições com ele, gostava demais do barco.
Ele não falou mais nada a respeito, impaciente demais para discutir.
— Vai encontrar roupas secas na cabine — ele disse, medindo-a de cima a baixo.
— Se fosse você trocaria de roupa. Você vai ficar doente nessas roupas molhadas.
— Mas vou ficar com elas — respondeu asperamente, não querendo dever mais
nada a ele.
Os olhos dele a percorreram outra vez. Depois ele começou a rir. Virou-se de
costas para ela e começou a puxar a âncora. Pela primeira vez Luana se sentiu
pequenina... e odiou isso.
Uma hora depois a tempestade continuava, e Wyndham usava toda sua
habilidade para comandar o barco, que sacudia para todos os lados.
Luana estava agarrada às grades, congelada. Começou a achar que passariam a
noite toda ali e ficou com medo de que o combustível acabasse. Mas, no fundo, sabia que
o prevenido sr. Wyndham nunca seria pego numa emergência dessas.
Começou a olhá-lo. Alto, ombros largos, era sem dúvida um homem de força e
personalidade. Todos os outros que tinha conhecido não se comparavam a ele. Apesar do
perigo, confiava nele, e sabia que voltariam a salvo.
Ele se virou, como se tivesse notado seu interesse. Olhou-a de cima a baixo
novamente, meio sorrindo, depois virou-se outra vez, voltando ao trabalho.
Ela sabia que tinha sido rude e ingrata, mas não conseguia se desculpar por isso.
De vez em quando ele exclamava algo, com raiva. E olhava na direção dela.
Estava na ponta da língua dizer a ele que tinha vindo até ali quase à força, mas sabia que
aquela não era hora para isso. Estavam em perigo e resolveu ficar calada, já que não
podia ajudar.
— Disse a você que há roupas secas na cabine — falou, como se a imagem dela
tivesse voltado à sua mente.
As roupas dela estavam encharcadas, grudadas à pele. Sentia-se tão mal que
tinha a impressão de que, quando estivessem a salvo, dormiria por uma semana.
— Desça! — ele ordenou. — Agora! E não volte até que eu a chame... depois que
estivermos a salvo no porto.
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— Outra vez com isso? Eu não pedi que voltasse para me ajudar. Deveria ter
ficado onde estava, a salvo e confortável.
— E minha consciência, se algo acontecesse a você? Como me sentiria se
aparecessem com um cadáver mais tarde?
— Ah, então foi sua consciência, não foi? Típico machão! Eu bem que imaginava
que a camaradagem não entrasse nisso!
— Deveria ter deixado você onde estava! — respondeu, com os olhos fuzilando
de raiva.
— Se tivesse, eu não estaria neste estado! Estou molhada e... e... — Ela parou,
com uma dor terrível na cabeça. Conseguiu se levantar, mas via tudo girar à sua volta.
— O que aconteceu?
Ela ouviu as palavras vagamente, mas percebeu que ele tinha notado seu rosto
pálido, sua tremedeira.
— Eu... me... me sinto... péssima...
Ela não esperava simpatia por parte dele, mas tampouco estava preparada para
sua fúria.
— Sua garota boba e obstinada! Não sei por que não peguei você pelos cabelos e
a fiz descer aqui antes... Deveria ter ficado aqui, esperando que tirasse essas roupas
encharcadas! Tire-as agora e depois deite-se! E se falar mais alguma de suas besteiras,
vai ter o que eu daria a você se fosse minha irmã...
Mas ele não prosseguiu. Correu para segurá-la antes que ela caísse,
inconsciente, no chão. Luana abriu os olhos e mordeu o lábio pela dor de cabeça. Parecia
que uma dúzia de martelos batiam sobre ela... Onde estava? Nenhum ruído... a não ser o
barulho em sua cabeça, é claro. Ao se mexer, todos os ossos do corpo doíam. Começou a
olhar para os lados. Ah... agora se lembrava... O barco já estava ancorado... Mas que
noite!
Começou a ouvir. O tal... sr. K. Wyndham vinha entrando. Ele estava lá quando
tudo escureceu... Ela se sentiu corar e se encolheu dentro das cobertas macias. Não!,
pensou, sentindo o corpo ferver. Ele não me tirou a roupa... não ousaria!
Levantou a cabeça devagar e viu que estava vestindo um dos pijamas... dele! A
frente estava aberta; ele nem tinha se dado ao trabalho de abotoá-lo... Sim, tinha que
aceitar o fato de que aquele detestável sr. Wyndham a tinha trocado, simplesmente
porque não havia ninguém que pudesse ter feito isso. O pijama era tão grande que ele
devia ter achado melhor amarrá-lo na frente. Mas agora estava aberto, e ela viu que
estava nua por baixo.
Ele podia ter deixado "alguma coisa" por baixo!
Mas sabia que isso não teria sido razoável, pois estava encharcada até a pele. A
idéia de que ele a tinha desnudado era horrível e ela tentou não pensar nisso, mas ele,
sem fazer barulho, estava, agora, parado na porta, inclinado no batente, com cara de
quem estava chateado.
— Então acordou! Até que enfim! — disse, descendo os degraus até o salão. —
Como se sente?
Ela corou. O tom irônico dele deixou-a ainda mais sem graça. Baixou os olhos,
envergonhada.
— Eu... estou bem. Se você sair, eu me levanto e vou para casa.
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Ela sabia que a avó, logo que soubesse do acontecido, viria imediatamente
encontrá-la. E várias horas já tinham se passado.
— Algo deve estar errado... preciso ir para casa imediatamente.
Mas, ao falar, a dor aumentou e Luana teve que morder o lábio para segurar as
lágrimas.
— Por favor, alcance-me minhas roupas... Oh... meu Deus... o que está
acontecendo comigo?
— Não vou alcançar roupa nenhuma por enquanto — disse ele, impaciente e ao
mesmo tempo preocupado. — Não sei por que diabos não obriguei você a tirar aquelas
roupas antes. Não devia ter deixado você ficar no deck!
Ela sentiu a mão gelada dele em sua testa. Era um alívio. Queria que ele a
deixasse ali por algum tempo. A ansiedade de ver a avó estava diminuindo. Sentia-se
outra vez anestesiada...
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CAPÍTULO III
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Odiava ouvir os homens falarem daquela maneira. Quando eles o faziam, ela os
olhava de tal maneira que os calava imediatamente. Mas com Wyndham tinha sido
diferente. E, ainda por cima, estava consciente do poder, da força dele.
— Fale-me mais a respeito dessa casa maravilhosa onde mora — mudou de
assunto. — Eu sou apaixonado pelo estilo Tudor de arquitetura!
— Nossa casa está construída em volta de um grande pátio redondo... — ela
começou, sendo levada totalmente por seu entusiasmo, enquanto ele se sentava. — É
parcialmente revestido de madeira, e todo arborizado. Num canto há um lindo exemplar
de painel quatrefoile de Cheshire e Lancashire, um dos primeiros da época Tudor.
— Mas vocês moram em Derbyshire, não?
Luana percebeu que ele soube daquilo através da avó.
— Sim, no vale Dove.
— Um lugar realmente bonito — ele disse, como se já o conhecesse.
Luana ia perguntar se ele já tinha estado ali, mas preferiu continuar com a
descrição da casa que tanto adorava.
— O portão de entrada da casa dá para uma ponte de pedras. Temos uma
varanda em três níveis. Em cima fica a galeria. — Ela sorria agora. — Não está num lugar
muito apropriado, porque foi construída sobre uma estrutura antiga. Mas sabe como eram
as coisas na época da Renascença. Eles queriam o que estava na moda e, na época,
todo mundo tinha uma grande galeria adicional, sem pensar se combinava ou não com o
resto da construção.
Ele também sorria agora.
— Os ocupantes de Ardale Hall sempre tiveram um pouco de orgulho em excesso
— ele comentou, sem se preocupar com o fato de mencionar aquele nome, o que a
surpreendeu. — Sua avó comentou comigo a respeito de Ardale Hall — ele disse, antes
que ela pudesse falar. — Conte-me mais!
Ela continuou a descrição:
— Muitos dos tetos são decorados com reboco e com alguns fios de ouro. Temos
também algumas tapeçarias originais nas paredes da sala de desenho e do hall.
— Seu quarto — ele murmurou, encarando-a. — Fale-me sobre ele.
— Que interesse você pode ter nele? — Ela o olhou, curiosa e um tanto sem jeito.
Ele hesitou, depois riu.
— Acho que queria imaginar você na cama.
Luana sabia que ele dizia a verdade. Queria dizer alguma coisa áspera, mas
acabou brincando:
— Você já me viu na cama!
— Não; só a vi deitada num beliche, o que não é mesma coisa. Você tem uma
daquelas camas grandes, com enormes tules dependurados?
Luana ficou quieta, olhando para ele, confusa pela maneira como ele a olhava e
por aquele interesse tão estranho... Teria sido á última coisa que imaginaria.
— Bem... como é, de repente ficou com vergonha?
— Acontece que eu tenho mesmo uma cama dessas... Há alguma coisa mais que
queira saber, sr. Wyndham?
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Nesse momento Luana percebeu que, apesar daquele suspiro, a avó não parecia
muito preocupada com o fato de deixar a casa. Foi então que disse, em tom de
curiosidade:
— Você parece muito calma com tudo isso, vovó.
Ao ouvir aquilo, a avó mudou a expressão.
— Calma? Longe disso. Mas, como você sabe, tenho que evitar qualquer emoção
mais forte... isso agora, para mim, poderia ser fatal!
— Vovó! — Tudo parecia insignificante comparado com o amor que sentia pela
avó. — Não fale assim, por favor. Magoa-me... e você sabe disso.
— Sinto muito... a última coisa que eu quero no mundo é ver você triste, Luana,
mas temos que encarar os fatos. Não podemos ficar aqui. Já pedi aos advogados que
procurem algo para nós, e talvez você também possa fazer o mesmo. Oh, querida, ainda
há tanto para se fazer! Mudar tudo; deixar... deixar todo este luxo... Oh! — ela murmurou,
respirando fundo. — Minhas pílulas, Luana... rápido...
Cinco minutos mais tarde a calma tinha voltado ao lar. Mas Luana estava pálida e
totalmente fora de controle por dentro. A avó não poderia deixar a casa!
— Vou ver o sr. Wyndham. Onde ele mora?
Ela começou a se lembrar de como descreveu a casa para ele, como se fosse
delas. Ele a tinha deixado falar todo o tempo... no fundo deve ter rido muito dela.
— Ele me deixou falar e não teve nem a decência de me dizer que Ardale Hall era
dele. Deve ter achado que eu estava me gabando... gabando de algo que não é meu.
Ela sentia ódio dele, mas continuava decidida a vê-lo. Seria a pior coisa do
mundo, mas tinha que fazê-lo.
A avó falava, dizendo que o sr. Konon Wyndham pretendia fazer uma visita a elas
na manhã seguinte. Tinha pedido para visitar a casa e a sra. Mortimer suplicava para que
a neta escondesse seu antagonismo e fosse bem-educada.
— Mas não adianta pedir para ficarmos. Ele está decidido a se mudar para cá o
mais rápido possível.
Decidido? Sim, ela podia imaginar a expressão no rosto dele, principalmente
sabendo que ela, Luana, também sofreria ao deixar a casa.
— Ele me fez perguntas sobre a casa — ela disse —, e eu, tonta, me entusiasmei
e fiz disto um paraíso tal, que ele decidiu que a queria para si.
A avó não comentou nada. Então Luana perguntou, curiosa:
— O sr. Wyndham disse que estava encantado com você... seria capaz de ser tão
desumano e deixá-la partir?
— É verdade que... nós gostamos um do outro. Mas ainda somos estranhos,
apesar de tudo. E, quando se trata de negócios, não existe sentimento. Ele já permitiu
que ficássemos um mês, e isso foi generoso demais, já que ocupamos a casa por
cinqüenta anos.
— Talvez ele nos tivesse deixado ficar para sempre, se não tivesse me conhecido
e ouvido tudo aquilo de mim. Que estúpida eu fui!
— Mas como ia saber que estava falando com o dono?
— Eu estava tão orgulhosa! Queria falar sobre tudo... Se ao menos eu soubesse
com quem estava falando... Você não acha que ele deveria ter dito que a casa era dele?
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Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
— Talvez suas atitudes para com ele o tenham feito agir assim.
— Ele comentou isso com você também?
— Sim, comentou. Ele parecia confuso.
O jeito da avó deixou Luana pensando no que, exatamente, aquele detestável sr.
Wyndham teria dito... Konon Wyndham. Achou que, mesmo sabendo seu nome, não teria
feito nenhuma relação entre o dono de Ardale Hall e o sr. Wyndham, mesmo se tivesse
conseguido identificar o nome como grego.
— Eu mesma não consigo entender sua atitude, Luana, não depois que ele
salvou sua vida. Você deveria se sentir muito grata, não acha?
— Ele me aborreceu logo que nos conhecemos — respondeu Luana, comentando
com a avó o fato de que ele a tinha vencido na competição.
— Seu orgulho deve ter se estremecido, meu bem — ela disse, rindo.
— Eu o odiei! E depois ele veio me chamando de srta. independente!
— Acho que ele não é totalmente culpado. Pelo que me contou, você já tinha
recusado a ajuda antes.
— Vocês parecem ter conversado bastante a meu respeito no hospital...
Mais uma vez a sra. Mortimer percebeu que estava se descuidando, e logo
complementou:
— Não, meu bem, de maneira alguma... Foi só o caso do resgate, você sabe!
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CAPÍTULO IV
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Luana se levantou. Percebeu que ele não tinha o costume de beijar as mãos das
mulheres. Pela expressão, ela não tinha dúvidas. Estava caçoando do orgulho de Luana,
e o fazia através da avó. Mas a avó, é claro, ficou encantada com o gesto.
— Que bom vê-la outra vez — ele prosseguiu. — Como se sente? Muito melhor,
espero!
— Graças a Deus, sr. Wyndham. — Deu um suspiro. — Bem, é claro que estou
chateada pela idéia de me mudar... embora o entenda perfeitamente. Eu também gostaria
de tomar posse de uma casa tão maravilhosa! Mas, como tive o privilégio de usufruir dela
por tanto tempo, não me sinto desapontada, mas privilegiada. A única coisa que me
preocupa é o futuro de minha querida Luana... Para ela, pobre criança, será muito difícil.
— Sua querida Luana... — Wyndham repetiu, e nesta hora ela olhou para ele. —
Então nos encontramos de novo, srta. Bryce.
Ele a encarou dos pés à cabeça, reparando em cada detalhe de sua roupa. Ela se
lembrou que ele era parte grego, e pensou se ele aprovaria ou não suas roupas, já que
usava calças bem justas.
— E você... também está se sentindo bem?
— Estou completamente recuperada, obrigada.
— Sente-se — disse a sra. Mortimer. — Luana, gostaria de mandar servir um
café?
Luana tocou a sineta.
— Preto, sr. Wyndham?
— E forte, se não se importa.
— Minha neta o acompanhará pela casa, assim que o senhor quiser— disse a
senhora depois do café. — Gostaria de ir também, mas os degraus são demais para mim.
Agora eu durmo aqui embaixo... acho que já disse isso ao senhor, não?
— Disse, sim. — Ele sorriu. — Já estou pronto, srta. Bryce.
— Por aqui, sr. Wyndham... Começamos pela biblioteca?
— Como queira.
Ela se virou para ele.
— Por que não me disse que era o dono desta casa? — ela perguntou, com olhos
cheios de raiva, assim que se afastaram. — Deixou que eu falasse como se... como se
fosse nossa.
— Se tivesse dito, não teria tido o prazer de ouvir uma descrição tão maravilhosa
a respeito da casa.
Ele olhava ao redor da grande sala. A lareira era de puro mármore branco.
— Esta parte foi acrescentada depois, é claro — ele comentou. — É de
Westmacott, e foi feita no século XIX. Você verá outros tipos de escultura como esta no
Hyde Park.
— Você parece bem informado — foi a resposta sarcástica.
— Tenho o hábito de manter os olhos bem abertos, srta. Bryce, só isso. Onde é a
biblioteca que queria me mostrar?
Seus modos! Ela os odiava! Mas tentou ser ao menos civilizada.
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Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
— É por aqui.
Abriu uma grande porta de carvalho e ficou de um lado, esperando que ele
entrasse primeiro. Mas ele também parou, dando passagem a ela.
— Vai encontrar motivos semelhantes a este em estantes do Palácio de
Westminster — ela disse.
— Sim. São desenhos de Pugin. Qualquer um notaria isto.
Ele ficou ali, examinando alguns livros. Depois foram até a sala de jantar e ele fez
alguns comentários sobre os vários pintores expostos. Foi então até a janela.
— O que é aquela grande área de floresta? — perguntou, virando-se para ela.
— Bowers Moor Wood.
— Onde está o rio?
— Daquele lado. Pode vê-lo de outras salas.
— E o outro rio... o Derwent? É aqui, a oeste, não?
— Você parece conhecer bem o distrito.
— Possuo muitas terras por aqui. Greatmoor Hall e todos os arredores são
minhas propriedades, você deve saber.
— Não fez muita coisa com o Hall, sr. Wyndham.
— E o que poderia ter feito, srta. Bryce?
— Poderia ser bem arrumado — ela sugeriu, olhando-o bem para sentir o efeito
que tinha causado.
— Está sugerindo que eu more lá?
Luana hesitou um pouco mas depois falou, decidida:
— Sr. Wyndham... como sabe, minha avó está doente. Sua esperança de vida,
segundo os médicos, é de no máximo seis meses. Ela vive aqui há cinqüenta anos;
acreditava que a casa seria dela por toda a vida, mas soube recentemente que não era
assim. E que, agora, o senhor pode nos dar o aviso para sairmos...
— Eu já dei esse aviso.
— Não teria que esperar muito, sr. Wyndham, não de acordo com o médico.
— De acordo com o médico? É a segunda vez que diz isso. Poderia se explicar
melhor, srta. Bryce?
Ela engoliu em seco.
— Ele disse seis meses... mas eu espero que seja muito mais. Espero que ela
fique comigo por... por anos...
Ela engoliu em seco outra vez, depois abaixou a cabeça. Mas, para sua surpresa,
o homem a seu lado teve a audácia de levantá-la outra vez. Ela tirou a mão dele com
raiva.
— Como ousa me tocar? — disse, limpando o queixo.
Por um momento, os olhos negros dele arderam em chamas e ela viu nele sua
parte grega... seu olhar selvagem e penetrante. Mas ele logo depois mudou e disse, em
tom de gozação:
— Não está sendo um tanto ridícula? Já a toquei além do queixo, lembra?
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Ele queria deixá-la sem graça e conseguiu. Ela ficou roxa. Virou-se de costas.
— Vamos continuar, sr. Wyndham? Há uma saleta de desenho... do outro lado da
casa.
Nos quinze minutos seguintes, falaram muito pouco. Luana queria manter sua
dignidade e, se dizia algo, o fazia num tom que deixaria qualquer outro homem se sentir
um verme. Mas não o sr. Wyndham. Sua atitude era de superioridade. O pouco que dizia
revelava seus conhecimentos de história, arquitetura ou antigüidades, o que a fazia
lembrar constantemente que ele, não ela, era o dono da casa. Quanto mais o ouvia, mais
certa ficava de que o objetivo dele era quebrar seu orgulho. Pois ele não teve a audácia
de mencionar que a havia despido, no iate?
Em cima, ele ficou muito tempo apreciando as galerias. Nos vários quartos,.olhou
ao redor, fazendo poucos comentários. Estavam agora novamente no hall, onde, acima
dos arcos medievais, estavam os brasões da família. Ele os observava.
— Sabe o que significam? — Wyndham perguntou.
Luana ficou satisfeita ao ver que ele ignorava ao menos alguma coisa.
— Sei, sim... gostaria que eu explicasse?
— Por favor — disse, sorrindo.
— Veja, primeiro há a descrição da Campina, que no caso é vermelha...
Ela prosseguiu, ele a ouvia atentamente. Quando terminou, Wyndham comentou
em voz alta, num tom que sugeria que tinha achado a narrativa monótona:
— Sim, vermelhos; na posição mais alta as cabeças de dois tigres e, na base de
vestimentas azuis, três andorinhas.
Ela corou, furiosa por ter sido alvo de sua sátira.
— Por que fez isso? Disse que não entendia!
Ele, imperturbável, balançou a cabeça.
— Não entendia meu próprio brasão? Nunca! Eu apenas perguntei se você
entendia.
Ela o olhou dos pés à cabeça.
— Sem dúvida gosta de usar frases dúbias, não, sr. Wyndham?
— E você de dizer monossílabos. Não pedi que me tratasse como um idiota, srta.
Bryce.
— Você perguntou se eu sabia o que significava. Deu-me a impressão de que não
entendia nada a respeito.
— Acontece, srta. Bryce, que eu usei os brasões da família por vários anos. Se
observar bem vai ver o mesmo brasão na frente do meu carro.
— Acho melhor voltarmos até minha avó. Já estamos aqui há bastante tempo.
— Está se retratando outra vez, srta. Bryce?
— Não estou disposta a ficar jogando com suas palavras, sr. Wyndham!
Ele olhou seu rosto, a faísca em seus olhos azuis.
— Orgulhosa, arrogante e temperamental... Que qualidades pouco femininas... e
detestáveis você tem.
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CAPÍTULO V
— Casar! — foi a única palavra que ela conseguiu dizer, tão surpresa estava.
Ficou ali parada, olhando para ele de olhos arregalados. Como poderia ficar
assim tão calmo?
— Não é uma proposta muito romântica, eu acho... tendo vindo através de sua
avó... — ele disse, meio se desculpando.
— Sinto muito, sr. Wyndham — disse a sra. Mortimer. — Falei sem pensar.
— Não importa. — Sorriu. — Como ia dizendo, srta. Bryce, não é uma proposta
romântica, mas, como deve ter percebido, seria um acordo comercial... nada mais.
Luana olhou para a avó, notando sua calma. Agora sabia por que ela não tinha se
preocupado com o fato de deixar Ardale Hall.
— Vocês já tinham discutido a possibilidade de casamento antes?
Ela estava confusa, pois, por um lado, achava que era uma solução absurda,
mas, por outro, pensava na avó, e no efeito que uma mudança teria nela. O médico tinha
dito que qualquer aborrecimento poderia ser fatal. E, calma, ela ainda poderia viver uns
seis meses. Isso a fazia pensar que o prolongamento ou não da vida da avó poderia
depender dela.
— É claro que não! — respondeu a avó. — Onde foi arrumar uma idéia dessas,
Luana querida?
Luana olhou o homem que tinha feito o pedido.
— Fiz a pergunta a você — ela o lembrou gentilmente.
— E sua avó respondeu por mim. Você... não duvidaria de sua palavra, não é?
Luana disse delicadamente, sem deixar de encará-lo:
— Sabe se esquivar tão bem quanto jogar com as palavras, sr. Wyndham.
Ele riu e depois explicou à avó que os olhava, confusa:
— Ela se refere a um incidente sem importância que houve entre nós ainda há
pouco. — Olhou para Luana. — Bem? Vai se casar comigo?
Como ele parecia seguro! Era como se tivesse certeza de que ela colocaria a avó
antes de tudo, até mesmo de seu próprio futuro. E fazia isso porque sabia do amor que
ela tinha pela senhora. Ficou louca de raiva. Ele teria uma decepção!
— Não — respondeu, arrogante. — Não vou me casar com você. Foi um absurdo
pensar que... — Ela parou ao ver a avó ficar pálida e colocar a mão no peito.
— Não é nada, querida...
— Posso fazer alguma coisa? — perguntou Konon Wyndham, ao seu lado.
— Obrigada... Luana me alcançará as pílulas. Oh, querida, é tão doloroso quando
meu coração se porta assim...
Luana saiu da sala, confusa. Estaria a avó fingindo? Mas um segundo depois se
censurava por ter duvidado. Era natural que a sra. Mortimer se sentisse assim, com a
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brusca recusa de Luana, que nem ao menos quis pensar no assunto. Ela devia estar certa
de que Luana aceitaria.
— Aqui está, querida. — Luana trouxe os remédios. — Tome um gole d'água.
Luana se esqueceu completamente do homem ali parado, preocupada apenas
com a saúde daquela mulher, a única pessoa no mundo a quem realmente amava, a
única pessoa que ela tinha no mundo.
Absorta, não percebeu a expressão de Konon, ao observar a maneira gentil com
que tratava a avó.
— Agora já estou bem, meu amor... Não fique tão alarmada. Ainda não vou deixar
você!
— Vovó... por que fala assim? — disse com lágrimas nos olhos. Nesse momento,
todo o seu orgulho tinha desaparecido. E, esquecendo-se dele, ela olhou para Konon, que
estava em pé ao lado dela.
Ao ver a expressão dele, começou a limpar as lágrimas presas em seus longos
cílios, levantou a cabeça e assumiu aquele ar arrogante novamente. Ele se virou e foi até
o centro da sala.
— Agora já vou indo. Espero, sra. Mortimer, que logo se sinta melhor.
— Já estou melhor — respondeu, sorrindo. — Já não disse que estou bem?
Acompanhe o sr. Wyndham, meu bem — disse, olhando agora para a neta. — Sinto
muito, sr. Wyndham, mas parece que não vamos ser parentes. Foi uma ótima idéia, mas é
claro que a resposta final é a de Luana. Sairemos em um mês. Eu prometo.
Ele pareceu hesitar, mas, vendo o olhar da sra. Mortimer, concordou.
— Obrigado. Fico contente em saber que não há mágoa nenhuma a este respeito.
Até logo.
Estavam na porta de saída quando Luana disse:
— Sr. Wyndham... não poderia esperar um pouco mais? Vovó e você se dão tão
bem que... que não posso acreditar que a faria sair.
— Preciso de uma casa, srta. Bryce. Já permiti que ficassem mais que o tempo
preestabelecido. Você disse que espera que ela viva por anos, e eu também. Mas não
poderia esperar anos!
— O médico diz que vovó não viverá mais que seis meses.
— Mas você espera que isto não aconteça.
— Mas, infelizmente, não acho que minhas esperanças se tornem realidade.
— Tenho uma aversão terrível por ficar sentado, esperando que alguém morra
para que eu possa ter o que quero, srta. Bryce. A vida é muito preciosa para que
possamos recusar o que é nosso. Espero realmente que sua avó viva anos. E falo sério!
Portanto, preciso da casa agora. Espero que entenda.
Luana concordou, com o olhar perdido no lago e na fonte em seu centro. A água
que caía, com o reflexo do sol, parecia um arco-íris brilhando contra o céu azul. Havia um
grande silêncio. Era um mundo maravilhoso, longe dos ruídos da cidade; terras do século
XVIII, com chalés e igrejas antigas.
— Pense em minha proposta — ele sugeriu ao ouvi-la suspirar profundamente. —
Não devo ser assim tão repulsivo.
Ela virou-se para ele.
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Ao perceber o que dizia, mudou sua expressão, assumindo aquele orgulho outra
vez. Wyndham riu da súbita mudança e ela percebeu que ele começava a entender tudo
nela.
— Não seria cem por cento feliz — admitiu. — Mas ficaria contente.
— Ficaria? — ponderou, pensando outra vez naquela noite no barco, toda aquela
força, aquela masculinidade, que significavam virilidade...
— Já está considerando minha proposta? — perguntou gentilmente.
— Não — respondeu, decidida. — Não estou. Não temos mais nada a dizer, sr.
Wyndham. Até logo.
Ele desceu um degrau, depois virou-se. Seu rosto estava, agora, na mesma altura
que o dela; e estava tão perto que ela sentia sua respiração.
— Se está com medo de que eu volte atrás no aspecto do relacionamento, fique
sabendo que sou um homem de honra, srta. Bryce. — E continuou a descer os degraus
de mármore branco.
Ela fechou a porta e voltou até a avó.
— Como está, agora? Não está sentindo nada?
— Não, querida. Estou bem, já disse.
Luana sentou-se, mudando a expressão do rosto.
— Sinto muito, vovó, por não ter resolvido nosso problema.
— Não pense mais nisso. Vamos nos ajeitar.
— Sinto-me... culpada.
— Mas não deve. Além do mais, por que deveria se sacrificar por mim? Você não
me deve nada, meu bem.
Luana olhou para a avó. Aquela última frase soava como se a avó, realmente,
esperasse algo em troca de tudo o que tinha feito por ela. De fato, Luana devia algo a ela.
Toda aquela vida, aquele luxo, até o iate de presente, e tanto carinho... sim, devia muito a
ela! Mas casar... com um homem como Konon Wyndham, a quem odiava! Era impossível.
— Sabe — disse Luana, quebrando o silêncio —, eu não acredito que ele leve
adiante suas palavras.
— Suas palavras?
— De que seria só um negócio. Ele poderia... poderia...
— Acha que ele poderia querer que você fosse esposa "de fato"?
Luana fez que sim. Mas a avó assegurou a ela que ele cumpriria a palavra.
— Ele não parece o tipo de homem que... que viveria a vida de um... de um
celibatário para sempre.
Luana estava de cabeça baixa e não olhou a avó quando ela riu, comentando:
— Como você é tímida! Não é por nada que ele...
De repente ela parou e tomou vários goles de água.
— Não é por nada que ele... o quê?
Mas a avó não respondeu. Mudando de assunto, perguntou se o almoço estava
pronto.
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Luana não se convenceu muito, pois a avó não gostava que o almoço fosse
servido antes da uma hora.
Mais tarde o assunto voltou à tona novamente. As duas estavam sentadas no
jardim, sob as sombras das árvores, conversando como se nada tivesse acontecido,
como se o lugar ainda fosse delas. Luana contava como o sr. Wyndham era conhecedor
das artes em geral. A sra. Mortimer ouvia, interessada, aproveitando a oportunidade.
— Não tenho a intenção de influenciar você, Luana, mas aqueles temores que
você tem... o sr. Wyndham honraria qualquer promessa feita.
— Ele disse o mesmo... ou algo que significa o mesmo. Disse que é um homem
de honra.
— Sem dúvida, ele é mesmo.
— Você realmente se deu bem com ele — observou a neta em tom meio seco. —
Ele parece tê-la encantado totalmente.
— É verdade. Você sabe, Luana, depois de viver aqui por tanto tempo, eu me
interesso por quem vai ocupar este lugar quando eu não estiver aqui. E odiaria que fosse
alguém de quem eu não gostasse. O sr. Wyndham é um homem de classe, um verdadeiro
lorde. Sei que você não gosta dele, mas não consigo imaginar por quê. Entretanto, você
tem que admitir que ele tem a nobreza exigida por um lar como este.
Luana riu, pensando na vida que a avó tinha levado antes que seu marido
recebesse a casa para usufruto. Tinha sido uma vida muito simples e humilde.
— No que está pensando, criança? — interrompeu a sra. Mortimer com sua voz
suave.
— Você se tornou uma verdadeira lady! — murmurou com afeição. — Vovó...
como você era antes?
— Quando criança? Uma dor de cabeça para meus pais. Estava sempre
aprontando alguma coisa.
— Aprontando?
— Era a única menina entre sete irmãos. Preciso dizer mais?
Luana riu.
— Não consigo imaginá-la fazendo diabruras.
— Nem eu; não agora. Meus pais deram minha mão em casamento a seu avô
quando eu tinha dezesseis anos. Ainda me lembro das palavras do meu pai: "que Deus o
ajude, meu jovem!", e ainda disse que rezaria por ele todas as noites.
— Oh, que horror! Não acredito que você fosse tão ruim assim!
— Você é muito leal para comigo, Luana — disse, sorrindo. — Tem me feito tão
feliz todos estes anos... Tem que ter paciência comigo se eu lembrar outra vez que temo
tanto pelo seu futuro. Não posso aceitar a idéia de que você não terá um lar.
— Eu... vou arrumar um apartamento... ou seja lá o que for, para morarmos daqui
a um mês.
— Espero que sim... — suspirou — e que isso não me deixe mais doente.
Detestaria ser uma carga para você. As coisas já estão feias demais do jeito que estão...
— Vovó, por favor. Não quero falar sobre essas coisas. Nunca será uma carga
para mim, portanto nunca mais fale isso.
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Mas Luana realmente se preocupava com o efeito de toda aquela situação sobre
a avó.
— O que vou fazer? — Luana chorava, mais tarde, em seu quarto. — Sei que
minha consciência me diz...
Konon Wyndham era um homem de palavra, ele mesmo tinha dito. A avó também
acreditava naquilo. Luana parecia não ter nada a temer, mesmo assim hesitava, embora
soubesse que a decisão era toda sua.
Na tarde seguinte, foi fazer compras em Bakewell e parou num salão de chá ao
qual costumava ir. Pediu o chá de costume à garçonete sorridente, comentando que
estavam mais lotados que de costume naquela tarde.
— Sim, acho que é por causa deste dia lindo. O sol sempre traz mais gente aqui
— disse a garçonete, levando o pedido e voltando minutos mais tarde.
— Sinto muito... mas acho que terá que dividir sua mesa. Espero que não se
importe.
— É claro que não — disse a garota que vinha junto com ela, lançando um olhar
detestável a Luana. — Acontece que já nos conhecemos... podemos até conversar um
pouco, não, Luana?
— Como vai, Clea? — disse Luana com distinção. — Está muito bem de
aparência.
— Obrigada — respondeu Clea, tirando um espelhinho da bolsa. — Sinto não
poder dizer o mesmo. Você está muito mais pálida que de costume... e preocupada...
Espero que não se importe que dê uma ajeitada em meu cabelo, seria muito trabalho ir
até a toalete para tão pouco. — Olhou para ela novamente. — Sim, definitivamente,
Luana, você está preocupada. Algo errado em Ardale Hall?
— O que, exatamente, poderia estar errado? — perguntou alerta, sem esconder
seu orgulho.
— Oh... Há um rumor por aí de que vocês vão ter que deixar o lugar — disse, com
um olhar de satisfação —, que ele não pertence à sua avó. Que vocês só vivem lá por
caridade!
Luana ficou furiosa. Como aqueles rumores poderiam ter chegado até ela?
Pensou em Konon Wyndham, depois afastou a idéia.
— Não sei do que está falando.
— Ah, sabe sim, Luana. Como é orgulhosa! Até agora? Mas daqui a um mês não
terá do que se orgulhar, terá? Imagine só, as pessoas daqui olhando você e a sra.
Mortimer como se fossem riquíssimas, donas da maior propriedade de fazendas dó lugar,
e era tudo uma farsa. Eu disse que um dia você pagaria pelo que fez ao meu irmão e a
mim. Bem, minha amiga, chegou a hora. Terá que trabalhar para viver... e o que fará eu
não sei, porque pelo visto não sabe nem o que é mexer uma palha.
Depois de uma breve pausa, Luana disse:
— Não sei como pode ter recebido esse tipo de informação. Se incomodaria em
me dizer?
— De onde você acha que vem a maioria das informações? Dos criados, é claro.
Sua empregada nova é prima de Grace, que trabalha para nós... Parece que sua criada
tem o péssimo costume de ouvir atrás das portas.
Luana ficou quieta e, embora disfarçasse, no fundo estava furiosa.
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CAPÍTULO VI
Nas primeiras duas semanas após seu casamento, Luana quase não viu o
marido. Ele tinha ido à Grécia tratar de negócios importantes.
— Espero que não se importe que eu vá, tão poucas horas após nosso
casamento — ele disse a Luana, que balançou a cabeça, mas parecia terrivelmente
ansiosa. Tanto, que ele prosseguiu, em tom bem-humorado: — Mas pretendo voltar,
Luana.
Ela corou. Mas seu orgulho estava fortificado, agora, pelo casamento. Tinha
assumido sua posição em Ardale Hall e demonstrar gratidão nem passava pela sua
cabeça.
O pacto foi de uma transação comercial, e nenhum dos dois deveria achar que
devia nada ao outro. Se Konon estava dando algo a ela, Luana também dava algo a ele
em troca. Era esta a maneira dela pensar. Tinha sido um acordo justo e os dois sócios
deveriam ser leais.
— Espero você dentro de quinze dias? Foi isso o que disse? Ele fez que sim.
— Espero terminar os negócios nesse prazo.
Ela não respondeu e, no fundo, não se importava se ele demoraria isso ou duas
vezes mais... ou até dez vezes mais!
Entretanto, ele voltou no dia combinado e, pela primeira vez, jantaram juntos, com
a sra. Mortimer... cujo coração parecia ter melhorado muito desde o casamento da neta,
além de estar encantada com a presença de um homem na casa.
— Não há dúvidas de que um homem na casa faz uma grande diferença. Não
concorda, querida?
— Talvez dê maior segurança, principalmente hoje em dia, com tantos assaltos —
Luana respondeu, com um certo sarcasmo, embora, no fundo, admitisse que a avó tinha
razão.
O marido, que tinha insistido para que ela o chamasse de Kon, nome usado pela
família dele, riu e depois murmurou:
— Ah, então tenho alguma utilidade! Espero não decepcionar caso alguma vez
você precise de proteção.
— Tenho certeza de que você se sairia muito bem — interveio a sra. Mortimer.
Kon deu uma olhada para a esposa, sabendo que ela não gostava muito de suas
brincadeiras. Mas, no fundo, Luana até que achou que o jantar tinha sido agradável, e
mais tarde, depois que a avó se retirou para o quarto, gostou de ter companhia, em vez
de ficar sozinha, como de costume, lendo ou ouvindo música. É claro que tinha sua vida
social também, alguma festa ou jantar no qual se juntava com os amigos.
Foi um mês mais tarde, quando disse ao marido que pretendia ir a uma festa, que
tiveram a primeira briga séria. Após o jantar, quando a avó já tinha subido, ela se trocou,
colocou um vestido longo preto e entrou na sala de desenho, informando a Kon que já ia.
— Mas o casamento não significa nada — protestou quando ele disse,
calmamente, que ela não deveria sair sozinha, agora que era casada. — É só um acordo
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de negócios, portanto não pode interferir em nossas vidas sociais particulares. Você pode
ir onde quiser e eu...
— Obrigado, Luana, mas não vou a nenhum lugar que eu queira, nem você vai.
As palavras eram ditas em voz baixa, mas com convicção.
— Eu vou sair — ela disse a ele delicadamente. — Sempre vou a essa festa, que
dão a cada dois meses no Palace Hotel de Buxton.
— Não me interessa onde é. Só quero que minha esposa se comporte
adequadamente.
A voz dele, impetuosa, dizendo a ela o que deveria ou não fazer a incomodava, e
Luana disse que ele devia ter percebido, desde o começo, que ela era dona de si.
— Não concordei em me casar com você com a intenção de me encarcerar —
disse, levantando o vestido com uma mão. — Posso passar? Eu disse... posso passar?
— Ouvi o que disse, não sou surdo. — A voz era baixa, mas vibrava, furiosa. —
Eu não concordo com o que disse também. Nenhum de nós se encarcerou em nada que
não tenha sido vantajoso para ambos.
Os dois se encaravam. Kon, bem mais alto, demonstrava aquela força que o tinha
marcado desde a primeira vez que se viram, força da qual ela estava plenamente
consciente, agora.
— Simplesmente um acordo comercial — ela repetiu — e, portanto, cada um faz o
que bem entender. Por que devo me adaptar, só por que entrei nesse contrato?
— Várias adaptações são inevitáveis quando a vida de alguém se modifica,
especialmente com o casamento.
Ele tentava terminar a discussão sem criar um atrito maior, mas, embora Luana
tivesse notado isso, percebeu que ele queria também demonstrar sua autoridade, o que
feria o orgulho dela, claro.
Ela tinha prendido os cabelos, o que salientava mais a beleza de seu rosto. Era
muito bonita, mas uma beleza fria, que poderia repelir, ao mesmo tempo que atraía. Seria
o centro das atenções na festa. Todos os homens tentariam se aproximar dela, embora
Luana tivesse a fama de tratar mal qualquer um que quisesse se tornar mais chegado.
Mas gostava de adulações e não estava disposta a desistir.
— Não vejo necessidade de maiores adaptações. — Olhou no relógio. — Você
me faria um favor se saísse do caminho.
Ele cerrou os dentes. Em vez de se mexer, arrancou a capa dela e jogou no sofá.
— Você não vai a nenhuma festa em Buxton. Nem hoje nem nunca. Não parou
para pensar em minha posição se minha esposa se comportar como se não fosse
casada? Sou o novo proprietário daqui e espero ter o respeito que um homem na minha
posição merece. Não vou ser objeto de gozações por causa de minha esposa.
Ela arregalou os olhos, incrédula, e apanhou a capa; ele agarrou seu pulso.
— Deixe-me passar! Tire sua mão de meu pulso!
Mas ele apertou ainda mais e disse, com uma calma enfurecedora:
— Machuca, não? Isto é só uma amostra. Uma vez ameacei você com uma
palmada na orelha, mas, se continuar agindo assim, vai acabar sendo machucada de uma
maneira que vai magoar mais seu orgulho que seu corpo!
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Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
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Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
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Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
— Mas espero que seu caráter seja mais para o estilo grego.
Luana ia dizer algo, mas viu David Gilmore se aproximando. Ele sentou-se ao
lado de Clea. As duas amigas se olharam novamente. Rosemary demonstrou sua
frustração, ao se levantar.
— Bem, já vou indo. Até qualquer hora, Luana.
Embora David estivesse sentado ao lado de Clea, seus olhos eram todos para
Luana. E ela, propositalmente, sorriu para ele, só para enfurecer Clea. Eles conversaram
como se ela não estivesse presente.
David convidou-a para dançar, como se tivesse esquecido de Clea, e Luana
levantou-se, satisfeita. Estendeu o braço a ele, mas naquele preciso momento arregalou
os olhos, incrédula, ao ver o marido parado no arco que separava as duas salas.
— Kon! — ela disse, brava a princípio, mas com o coração apertado logo em
seguida. — Vovó... ela... teve alguma coisa?
— Vá apanhar suas coisas — ele ordenou, furioso. — Como ousou me
desobedecer? Eu a proibi de vir aqui!
Deu uma olhada para os outros dois sem deixar que a presença deles afetasse
sua atitude.
— Eu disse: pegue suas coisas! Agora mesmo!
Luana sabia do interesse dos espectadores. Sentiu um braço segurando-a por
trás e logo em seguida o comentário em seu ouvido.
— Então eu estava certa — disse Clea, satisfeita. — Acho melhor você ser uma
esposa humilde e obediente, antes que ele decida surrá-la. Isso iria causar muitas
risadas...
— Luana! — Kon interrompeu. — Faça o que disse imediatamente! Vá para casa
agora!
Embora estivesse furiosa, Luana foi sutil o suficiente para perceber que qualquer
desafio de sua parte resultaria em mais humilhações. Olhou venenosamente para ele e foi
apanhar o casaco.
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Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
CAPÍTULO VII
Kon segurou seu braço para levá-la até o carro. Ela tentou se ver livre, mas ele
apertou mais ainda, fazendo com que doesse.
— Seu carro fica aqui. Mandarei virem buscar de manhã.
Não falaram mais nenhuma palavra. Kon ligou o carro e se dirigiu à estrada. O
silêncio era sufocante e Luana não agüentou mais:
— Como ousa vir aqui me humilhar? Com que direito veio me pôr no ridículo?
— Com que direito? Acontece que sou seu marido. — Sua voz era calma. Não
havia sinal da fúria que o levara a agir daquela maneira.
— Você é meu marido só no nome! Já disse, antes de sair, que não tinha entrado
num tipo de casamento que me aprisionaria a um dono. — Sua voz estava cheia de ira. —
Acho melhor conversarmos quando chegarmos em casa. Temos que chegar a um
entendimento.
— A minha intenção é de conversarmos mesmo.
— Não tenho medo de você, por isso pode guardar essa ameaça em sua voz!
— Não tem medo? Talvez ainda não, mais vai ter se continuar agindo assim.
— Está me ameaçando com seu corpo? — disse, olhando-o no escuro. — Está
esquecendo que minha avó mora conosco?
— A casa é suficientemente grande para que eu lhe dê umas lições sem que ela
ouça seus gritos — foi sua resposta calma e irônica, embora em tom inflexível. — Não se
engane, Luana, sei muito bem como manejar minha esposa.
— Manejar! Não use esse tipo de palavra comigo!
Apesar de respirar fundo, ele não fez comentários. Por alguns quilômetros ficaram
em silêncio. Luana se inclinou e tentou relaxar os nervos, respirando fundo. Sua cabeça
começava a doer e ela se surpreendia pela maneira como ele a afetava... ela que tinha
sido sempre tão fria e calma quando se tratava do sexo oposto...
Sua voz fria e cortante tinha sempre reduzido os homens ao silêncio. Mas agora...
mais uma vez deu uma olhada para ele. Seu perfil parecia ter sido esculpido por alguém
muito sinistro. Sim, seu perfil demonstrava até uma certa maldade e, por um momento,
sentiu um arrepio na espinha. E pensar que um homem podia causar isso!
De repente ele percebeu o olhar de Luana e virou-se para ela. Sua voz era fria
quando comentou:
— Foi uma tolice me desafiar, Luana. Na certa pensou que sou o tipo de homem
que se submeteria.
— Nunca esperei que uma situação dessas acontecesse. Acreditei em você
quando disse que não era nada mais que um acordo comercial.
— Não era e não é! Mas não tenho nenhuma intenção de ser humilhado. Minha
posição exige respeito e quero que isso fique bem claro.
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Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
devagar. Para sua própria surpresa, Luana sentiu-se salva e segura... como naquela noite
no barco quando Kon a tinha salvado. Lembrou-se de como foi boa a sensação de
segurança... sensação que tornava a ter agora.
Kon interrompeu o silêncio.
— Está seguindo meu conselho e aproveitando a viagem?
Para seu próprio espanto estava, mas não foi isso que respondeu.
— Como posso aproveitar se sei que vai haver problemas quando chegarmos em
casa?!
— Ah, então já se resignou ao fato de que está em apuros?
— Eu disse... vai haver problemas! Quis dizer "entre" nós.
— Quer dizer uma briga comigo?
— Quero esclarecer tudo esta noite. Você tem que entender minha posição... e a
sua também. Depois que tudo estiver resolvido, poderemos nos dar razoavelmente bem.
— Você faz o que quer e eu também, é isso?
— Exatamente!
— Supondo — ele ameaçou — que eu tivesse chegado ao ponto de trazer uma
de minhas ex-namoradas para casa...
O olhar dele ainda estava na estrada, mas Luana tinha a extraordinária impressão
de que ele sabia exatamente qual era a expressão dos olhos dela, agora.
— Uma delas? — disse, meio tensa.
Podia ver Clea espalhando para todos: "Não é de estranhar... com um orgulho
daqueles! Aposto que é fria como gelo! Não consegui nem me aproximar para beijá-la...
eu; imaginem ele!" E os risos que se seguiriam. E Kon mesmo tinha dito que tinha a
intenção de manter respeito.
— Pelo que você já me disse, não tem a menor intenção de abalar seu prestígio.
— E você acha que isso me faria perder prestígio?
— Tenho certeza que sim. Estamos no campo, não numa cidade grande, onde
você faz qualquer coisa e nem os vizinhos sabem. — Mas eu não a traria para cá. Eu a
instalaria em algum apartamento em Buxton ou Bakewell.
Luana engolia em silêncio. Por que deveria se preocupar se ele tinha uma
namorada? Como não o queria para si, não poderia esperar que ele não tivesse ninguém.
— Vovó se desapontaria muito com você — ela finalmente conseguiu dizer, sem
raiva.
Kon riu muito. Depois virou-se para ela.
— Gostaria de saber — disse, triunfante — se você percebeu como isso foi
revelador, Luana.
Ela franziu a testa.
— Não sei do que está falando.
— Saberá, algum dia.
Quando finalmente chegaram em casa, após terem ficado em silêncio o resto do
caminho, apreciando os lindos campos de Derbyshire, Luana percebeu que tudo o que
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queria agora era encontrar a paz de seu quarto. Mas Kon imediatamente assumiu aquela
autoridade que a deixava louca de raiva, abriu a porta da sala de desenho e disse:
— Para cá, Luana; vamos resolver tudo agora.
Ela entrou, jogando a capa sobre o sofá e se perguntando por que não tinha mais
vontade de discutir com ele.
— Bem... — ela começou — diga o que tem a dizer que eu dou minha
contribuição depois.
Ele era alto demais, ela pensou, e estava perto demais também, muito dominador
ali parado, olhando-a com aqueles olhos enormes, uma mão no bolso, outra na lapela do
casaco.
— O que tenho a dizer é breve — disse calmamente. — É só isto: como minha
esposa, você vai se comportar com a maior dignidade. Vai agir como se fôssemos um
casal normal e feliz. Isto é tudo. E agora — ele terminou, apontando para a porta —, pode
ir para a cama, já que está cansada e que sua contribuição não é necessária, não acha?
Seus olhos azuis fuzilaram. Segurou as mãos apertadas no vestido, tentando se
controlar.
— Não fale dessa maneira autoritária e ditatorial comigo. É claro que minha
contribuição é necessária. Em primeiro lugar, sempre me portei dignamente...
— Empurrar um homem no mar é se portar dignamente?
— Ele mereceu! Essa é uma das informações que obteve no clube, não?
— Sem dúvida o homem em questão mereceu — ele concordou. — Mas sua
atitude não foi a de uma dama, sem contar que isso foi mais uma oportunidade para seu
nome passar de boca em boca... Pelo que sei de você, Luana, parece que, se alguém
tocar esse orgulho absurdo que você tem, já se comporta de maneira que as pessoas
comecem a falar de você. Isso talvez não tivesse tanta importância enquanto você era
solteira. O nome Luana Bryce pode ter sido objeto de fofoca; mas o de Luana Wyndham
será mencionado somente com respeito.
— O que está querendo fazer? Convencer-me de que até agora não me dei ao
respeito? Asseguro-lhe o contrário. Você deve saber por que empurrei aquele tolo do
barco. Não me respeita pela minha atitude?
— Respeito-a apenas pelo que a impulsionou a fazer isso, me entenda bem.
Ele parou e ela viu uma outra expressão em seus olhos, agora carinhosa e
refletiva. Luana se maldizia pela incapacidade de ler o pensamento de Kon, sua mudança
de expressão. Mas ele logo endureceu novamente.
— Entretanto, deploro sua atitude e, mais ainda, sua falta de controle...
Conhecendo você como conheço agora, estou convencido de que saberia como ter
tratado aquele jovem ardoroso.
— Então você admite que sou capaz de manejar um homem que me aborrece.
— A maioria dos homens — respondeu friamente —, mas não se engane quando
se tratar de seu marido, Luana. Não é nenhum tolo amoroso ou apaixonado que você
precise pôr no lugar. É um homem que sempre teve, e sempre terá, o respeito de todos, e
isso inclui sua esposa.
— Acho que não estamos chegando a lugar nenhum — Luana falou depois de um
longo silêncio.
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Kon tinha pegado uma cadeira e estava confortavelmente sentado. Luana tinha
refletido em suas palavras, e era a palavra "amoroso" que a incomodava. Ele era seu
marido, mas até agora não tinha tentado nenhuma aproximação. O casamento era um
acordo, é verdade, mas Luana não teria se surpreendido se Kon tentasse alguns
avanços... só para ganhar alguma vantagem dos sentimentos dela em relação a ele. Mas,
ao contrário, ele tinha mantido a palavra. Era um homem que conseguia controlar seus
sentimentos, seja lá quais fossem seus impulsos. Lembrou-se das palavras dele a
respeito das ex-namoradas, mas agora estava consciente de que Kon não falava sério.
Sentiu algo estranho, algo que a fazia se perguntar: estaria começando a admirar
aquele homem? Tinha que admitir que já tinha admirado sua força e confiança em seu
barco, e que sua aparência era algo para se admirar também. E agora... seu controle. Era
a falta de controle que tinha feito com que ela desprezasse os homens. Eles não se
interessavam pelo que havia dentro; só pelo físico, tinha dito uma vez a avó. Nenhum
tinha atingido seus ideais. Ela não queria saber só de atração física. Queria que alguém a
procurasse por algo mais profundo.
— Não estamos chegando a nada? Acho que quer dizer que você não está
chegando a nada, não?
— Temos que esclarecer nossas posições.
Agora, toda sua raiva tinha passado. A única coisa que queria era que Kon
prometesse deixá-la livre, assim não causaria mais problemas a ele.
— Já disse duas vezes que não me casei com a idéia de ter um dono.
— Você é uma menina obcecada, Luana. Vai ser mais fácil se aceitar de uma vez
as mudanças que vêm com o casamento. Se ficar andando sozinha por aí, as más
línguas vão começar a falar.
— Farei o que eu quiser. Pode brigar comigo, mas vai acabar se cansando antes
que eu.
E com isso levantou-se graciosamente da cadeira e foi até a porta. Estava com a
mão na maçaneta quando ele disse:
— Venha aqui.
— O quê?
Ela olhou-o arrogantemente, percebendo em seus olhos aquela expressão de
fúria que vibrava na sala. Ele se levantou sem ir até ela.
— Eu disse venha aqui!
— Foi o que pensei! Acho que você não me conhece bem, Kon, ou então teria
percebido que está perdendo seu tempo ao tentar me dominar.
Voltou a pegar na maçaneta, mas em um segundo ele já segurava seu pulso. Ela
tentou se soltar e isso serviu para deixá-lo mais furioso. Pegando-a pelos ombros,
sacudiu-a violentamente.
Ela estava quase para perder os sentidos quando ele a soltou.
— Eu odeio você!
— E vai me odiar ainda mais... se não ceder. E se não fizer isso voluntariamente
vai acabar fazendo por força! Enfie isso nessa cabecinha orgulhosa!
Ela tinha conseguido chegar até o sofá e se apoiava nele. O coração batia forte.
Parecia não conseguir respirar bem. Olhou de um ombro a outro. As marcas dos dedos
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Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
dele estavam lá, mostrando que logo estariam roxas. Luana fechou os olhos. Nunca
imaginou sofrer tanta humilhação quanto naquela noite. Primeiro, a cena no hotel,
causada pelo comportamento aristocrático do marido, e agora, por sua violência.
Ela o encarou. Ele a olhava como se estivesse cansado. Luana ia falar, mas algo
segurou seu impulso, temendo começar tudo outra vez.
— Acho melhor ir para a cama — ele aconselhou, olhando os ombros dela.
Luana o observava, tentando encontrar remorso em seus olhos, mas ele
permanecia impassivo. Ela tinha vontade de chorar e falou, sem pensar:
— Não sei o que está tentando fazer comigo, mas tenho certeza de que há
alguma coisa...
Ele a olhou demoradamente antes de responder:
— Estou tentando esmagar essa arrogância, esse orgulho. Não só esmagar... vou
reduzir a pó!
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Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
CAPÍTULO VIII
Era inevitável que Luana lutaria contra aquela ameaça e que faria tudo para que
não se realizasse. Reduzir seu orgulho a pó... Que esperança! Tocou os ombros e os
braços. Ainda doíam muito. Seu orgulho tinha sofrido um decréscimo a noite passada,
isso não podia negar.
— Luana, meu bem, machucou os braços? Já é a segunda vez hoje que vejo
você segurá-los.
A voz era ansiosa e fez com que Luana sorrisse para disfarçar. Ela e a avó
estavam no salão menor. A lareira estava acesa, já que tinha esfriado um pouco. O outono
não demoraria a chegar.
— Não, é claro que não — respondeu Luana. — Acho que peguei uma mania tola.
— Você não tem manias, querida.
A sra. Mortimer dirigiu o olhar para a porta. Seu olhar vibrou visivelmente e Luana
respirou fundo. Como é que seu odioso marido tinha conseguido ganhar a estima da avó
tão facilmente? Ela não disfarçava nada, pensou Luana, com o rosto virado para a janela
enquanto Kon entrava na sala. Ele usava calças cinzentas e uma camisa aberta no peito,
com as mangas viradas.
— Ah, Kon! — exclamou a sra. Mortimer, sorrindo. — Espero que tenha vindo nos
acompanhar no chá.
Ele se sentou no sofá e esticou as pernas em direção ao fogo com um ar de
contentamento.
— Se me quiserem, será um prazer.
Dirigiu um olhar à esposa, rígida em sua cadeira; podia ver somente seu perfil.
— Para vovó é sempre um prazer ter você, Kon — ela disse, provocando.
— Para nós duas, querida — comentou a avó com carinho.
— Para as duas? — A pergunta agora era dirigida à esposa.
— Mas é claro — ela respondeu com ironia.
Ele riu e mudou de assunto.
— Estive em Greatmoor Hall. Tem grandes possibilidades...
— Está sugerindo que vamos morar lá?
A pergunta veio de Luana que, antes do casamento, tinha sutilmente dito a Kon
que ele poderia morar lá ao invés de tirar Ardale Hall dela e da avó.
— É claro que não. Nunca se igualaria a este lugar. Estou pensando em restaurar
a casa e depois abri-la ao público.
— Que idéia ótima! Mas vai precisar de muita gente trabalhando.
— É difícil encontrar esse tipo de empregado por aqui?
— Não é fácil, Kon. Trabalho doméstico não é mais popular, já que especialmente
os jovens preferem as cidades, onde, além de promessas de bons salários, ainda têm
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diversões, como cinema, teatro — comentava a sra. Mortimer. — Quando meu marido e
eu viemos aqui pela primeira vez, conseguimos uma cozinheira a sessenta libras por ano,
além de seu sustento.
— Era bastante dinheiro na época.
Esse foi o comentário de Luana, não porque quisesse falar, mas porque a avó,
notando seu silêncio, tinha começado a olhar em direção a ela e a Kon, tentando
adivinhar se os dois tinham brigado. Por nada deste mundo queria preocupar a avó e,
quando Kon olhou para ela, sorriu de volta. Ele achou o fato engraçado e ela ficou louca
da vida por ter se preocupado.
No café da manhã ele tinha agido assim, como se nada tivesse acontecido. Tinha
até dito naturalmente: "Até mais tarde, Luana. Hoje não virei almoçar". Ele cuidava de
cada pedaço da fazenda quando ligado no trabalho. Luana queria guardar rancor da
presença dele lá mas, ao contrário, sentia orgulho de que Ardale Hall tivesse um dono tão
distinto.
— Se nós não conseguirmos empregados, não poderemos abri-la ao público —
disse Kon, ansioso.
Luana notou isso, mas o que realmente chamou sua atenção foi o uso da palavra
"nós". Tinha saído tão automaticamente que ela achou que ele nem tinha percebido que a
tinha usado.
— Talvez consiga algumas pessoas de confiança anunciando no jornal.
— É, farei isso.
Novamente mudou de assunto, mencionando as férias na Grécia. Ele já tinha dito
a Luana que escreveria à mãe, pedindo que colocasse mais uma cama no quarto da sra.
Mortimer, já que Luana tinha que dormir com ela algumas vezes, quando não passava
muito bem.
A sra. Mortimer era a mais entusiasmada.
— Será maravilhoso! Nunca estive na Grécia... na verdade, não conheço muitos
países. Só a França, a Áustria e a Espanha... Mas a Grécia! É tão diferente! E lá faz calor
e sol o tempo todo. Quando vamos, Kon? Quanto tempo vamos ficar? Preciso de algumas
roupas novas, Luana. Você tem que me levar a Manchester ou a Liverpool para fazer
compras.
Luana e Kon estavam em silêncio. Os dois se seguravam para não rir.
— Vovó... é muito longe... e, de qualquer maneira, eu mesma não tenho muita
vontade de ir. Kon está errado se espera que eu me decida assim tão rápido.
— Mas eu não perguntei se você queria ir.
Ela ficou vermelha à lembrança sutil de que era "ele" quem tomava as decisões.
Não podia retrucar, e Kon sabia disso. Ela olhou furiosa e ele continuou a encará-la, com
aquele olhar de dúvida.
— Não tem vontade de ir? — A avó balançou a cabeça, incrédula. — Mas por
quê, meu bem? Será maravilhoso conhecer o outro país de Kon. E vai nos apresentar a
mãe e a irmã, não vai? — Dirigiu o olhar a Kon. — De que parte da Grécia elas são? Você
me contou, mas eu não estava tão interessada quanto na hora em que você expressou o
desejo de...
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Ela parou na hora e Luana se virou para olhar Kon. Não tinha sido
suficientemente rápida, mas poderia jurar que a avó tinha parado por um sinal dele. Foi
então que disse, ainda olhando para o marido:
— Por que parou, vovó? O que foi que Kon disse que despertou seu interesse
pela Grécia?
A senhora disfarçou, pôs a mão na cabeça e disse:
— Já me esqueci, querida. Mas acho que não era nada importante.
Luana ainda encarava o marido. Os olhos dele brilhavam, como quem se diverte.
— E você, se lembra, Kon?
— Acho que não, querida. Como vovó dizia, não é nada importante.
— Não?
Luana virou-se para surpreender o olhar da avó, mas desistiu. Se houvesse
alguma conspiração entre os dois. ela saberia.
Kon e a sra. Mortimer continuaram a conversar sobre as férias, aliviados por
Luana não ter feito mais nenhuma objeção.
— Está tudo bem — ela disse a ele mais tarde, quando a avó já tinha ido se deitar
—, já que você deixa vovó tão feliz. Mas ela não está preparada para uma viagem
dessas.
— Vou falar com o médico, em sua próxima visita. Acho que pessoas idosas
devem viver normalmente... dentro do razoável. Por que deveria ficar aqui, se a viagem
não causar nenhum problema? Ficará muito desapontada agora, se formos sem ela.
— Você não deveria ter comentado com ela. Eu disse que não iria.
— Devagar, Luana. Pensei que tivesse aprendido uma lição, ontem à noite. Se eu
fosse você, pensaria duas vezes antes de me fazer perder a paciência. Não quer mais
manchas roxas, quer?
— Você é detestável!
— E você? Acho que já disse que é a garota mais rude e de maus modos que
conheci. Sinto ter que repetir, mas você é mesmo, Luana. E acho que vem tudo dessa sua
obsessão por orgulho. Como consegue ser assim é o que eu e sua avó não..
— Vovó? Você esteve conversando com ela a respeito do meu orgulho? Como
ousa?
— Ela está preocupada com isso. Diz que já chegou ao ponto da arrogância. E
como não há dúvida a respeito, resolvi livrar você desse orgulho. Não foi uma ameaça
feita numa hora de raiva, quando disse ontem à noite que o reduziria a pó. Na Grécia a
mulher tem uma certa humildade. É uma maneira atraente e amorosa...
Ele ficou em silêncio. Parecia muito distante e... "amorosa"... por que teria vindo
com uma palavra dessas?
A única coisa que conseguiu dizer, esquecendo a raiva que a ameaça causou e o
comentário a respeito de seus modos, foi:
— Kon... por que disse... quero dizer, usou a palavra "amorosa"?
Ele a olhou, procurando algo. Ela estava sentada na cadeira, com as mãos nos
joelhos. Sua cabeça ereta, daquela maneira superior... mas desta vez não era proposital,
porque estranhamente, desta vez, ela não se sentia superior. Ao contrário. Sentia algo
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— Não estou com ciúme — ela negou por fim. — Mas não consigo entender por
que ela considera tanto você. Eu... as vezes tenho a impressão de que existe algo... algo
entre vocês dois.
Ela o olhou e ele moveu as sobrancelhas num gesto de interrogação.
— Algo entre nós? Que espécie de fantasia inventou agora?
Ela balançou a cabeça.
— Não sei explicar. Esta tarde, por exemplo, por que vovó parou de falar tão de
repente quando falávamos sobre a Grécia?
— Parou de falar? Acho que não percebi.
— Ah, esqueça! — ela disse, resignada, e mudou para o assunto das férias. —
Não posso deixar vovó fazer uma viagem dessas.
— Já disse que vou falar com o médico. Resolveremos quando ele der seu
veredicto.
— Eu, por mim, não quero ir.
— Obstinação — ele a censurou — e orgulho. Como eu disse que vai, isso a feriu.
Entretanto, você vai mesmo, queira ou não.
Ela arregalou os olhos.
— Você acredita realmente que pode me fazer ir com você?
Ele suspirou e, pacientemente, tentou evitar maior hostilidade.
— Veremos, Luana, se posso fazer você ir ou não. Por agora, vamos encerrar o
assunto. Além do mais, nem sabemos se podemos levá-la conosco.
— E se não pudermos? Você não vai?
— Se ela puder ficar, então você e eu iremos.
— Você não manda em mim!
— Luana — disse, inflexível —, já disse para encerrarmos o assunto.
Luana foi a primeira a falar com o médico quando ele veio, em sua visita de rotina.
Kon estava no estábulo, cuidando do novo cavalo, Cadmus, um belo garanhão Palomino.
Tinha comprado de um escocês e, no dia anterior, quando chegou, a própria Luana,
amante de cavalos, tinha exclamado:
— Que beleza! Um verdadeiro gigante!
— Você aprovou, então! — disse Kon, satisfeito com o entusiasmo da mulher.
— É claro que aprovei! — Depois de uma pausa, o olhou. — Você se importa se
eu gostei ou não?
Ele sorriu com uma certa ironia à pergunta.
— Costumo tomar minhas próprias decisões em assuntos importantes como este,
mas estou contente por você ter aprovado... Agora podemos cavalgar juntos em vez de
você ir sozinha toda manhã. Começaremos amanhã.
Poderia não ter sido intencional, ela admitiu, mas as palavras dele soaram como
uma ordem e Luana disse que até preferia ir sozinha. Mas, para sua surpresa, ele
simplesmente se virou, sem responder, dando total atenção ao recém-chegado ao
estábulo.
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Ele desceu, parando ao lado de Luana. Ela o olhou, notando que estava de bom
humor. Seus cabelos castanhos e a pele bronzeada brilhavam com o sol. Algo mexeu com
ela por dentro. Algo que não era totalmente novo, mas que ela pôde perceber mais
claramente que antes. Um tanto confusa, evitou a pergunta que viria à sua mente. Mas
ela viria outra vez, mais forte, e exigiria uma resposta.
A viagem à Grécia foi arranjada. A avó estava mais excitada que uma criança e,
para surpresa dos dois, sem nenhum efeito danoso a sua saúde. Entretanto, Kon,
preocupado, ameaçou cancelar tudo se ela não encarasse as férias de maneira mais
calma.
— Eu prometo, Kon. Mas como é bom ter alguém para tratar de tudo, depois de
tantos anos de trabalho sozinha. É claro — ela acrescentou, notando a expressão da neta
— que minha querida Luana tem sido um anjo... especialmente depois que fiquei doente.
— Não estava pensando em nada que fiz... — Luana corrigiu — é só que não
acho que tivemos tantos problemas.
— Bem, talvez você esteja certa. Sim, nossa vida tem sido muito boa.
Luana concordou. Ela andava muito calma ultimamente e evitava o olhar de Kon...
para não ter que revelar o que finalmente teve que responder a si mesma. Lembrou-se
que tinha dito a Clea que nunca se apaixonaria sem que fosse recíproco. Bem, era
exatamente o que tinha acontecido.
A revelação tinha vindo como um choque, principalmente porque, durante dias,
tinha se recusado a encarar a pergunta, muito menos a resposta. Queria enganar a si
mesma, mas, finalmente, não pôde evitar.
Ela e Kon cavalgavam. Era cedo e o ar indicava a proximidade do outono. O
passeio era lindo, um dos mais agradáveis que Luana já tinha feito. Ela admitia isso
quando, sem querer, Starlight tropeçou num buraco de coelho, fazendo-a cair.
No mesmo instante Kon estava ali, levantando-a. Ela sentiu suas mãos fortes sob
os braços; sentiu a rigidez de seu corpo contra o dela, seu rosto tão perto que ela sentia
sua respiração enquanto a levantava. Não conseguiu decifrar se era ansiedade ou ironia o
que viu em seus olhos quando perguntou:
— Luana! Está bem?
Ela olhou, consciente da sensação que percorria seu corpo... resultado do
tombo... ou da proximidade de Kon? Poderia muito bem ter dito que estava bem e se
afastar dele, mas descobriu que aquele instinto era muito mais agradável, e ficou ali, perto
de Kon, aceitando o apoio confortável de seu braço em volta dela.
E nessa hora teve a resposta!
Tímida e tremendo mais forte, ela respondeu:
— Sinto-me bem. Acho que não quebrei nada.
— Graças a Deus! Você me assustou, menina.
— É... é mesmo?
Então era isso. Tinha acontecido a ela também. Desprezava os homens... achava
que nunca encontraria um que tivesse seus ideais. Eles não tinham autocontrole... Como
tinha acontecido? Ela nem mesmo tinha gostado de Kon... E sua autoridade, a declaração
que reduziria seu orgulho a pó? Deveria odiá-lo, não amá-lo!
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— É claro que sim! — Ele olhou ao redor. — Starlight estava ao lado de Cadmus;
os dois faziam o mesmo percurso. Não sabia daquele buraco? Achei que fazia este
caminho freqüentemente!
— Eu sabia deste... e dos outros buracos por aqui. Mas esqueci...
Ela ficou em silêncio. Na hora, estava pensando no marido, mas, é claro, não ia
dizer isso a ele.
— Consegue cavalgar de volta ou prefere andar?
Ele sorriu e Luana notou o alívio de sua expressão, agora. Era uma expressão
que ela não conseguia decifrar, mas que parecia uma profunda ansiedade.
— Ou talvez seja melhor que eu a carregue?
Ela pensou que seria ótimo ser carregada, mas, naquela posição, certamente
perderia muito de seu orgulho...
— Não, Kon, não é preciso. Acho que posso andar.
— Não quer mesmo cavalgar?
Ela balançou a cabeça. Estava trêmula e achou que um passeio a pé acalmaria
seus nervos.
Kon segurava seu braço e com a outra mão puxava os cavalos enquanto a
acompanhava até a casa. Andaram pelos campos e, no caminho, ela pensava que agora,
após perceber o que sentia por ele, estava mais ansiosa por viajar até Corfu, embora no
fundo temesse pela saúde da avó.
O médico tinha afirmado que a viagem seria até boa para a avó e Kon não
hesitaria em levá-la com eles.
— Em uma semana estaremos lá — a sra. Mortimer comentava uma noite ao
jantar, após terem feito algumas compras em Manches-ter. — Nunca pensei que viajaria
pelos ares em minha idade!
Luana olhou para o marido.
— Ela nunca viajou de avião antes.
— Não se preocupe, querida, estarei bem.
— Vovó será ótima companhia para nós, Luana.
Ela concordou. Mas seus olhos estavam sombrios, ao ver no olhar do marido
novamente aquela expressão estranha. A mesma de quando ela estava no barco,
preocupada com a avó. Naquela ocasião, Kon, ou o sr. Wyndham na época, parecia não
conseguir tirar os olhos dela. Tinha dito que ela era um enigma e seus olhos tinham
aquela expressão estranha.
— Não se preocupe, Luana — Kon disse mais tarde, quando, como de costume,
os dois se encontravam na sala de desenho.
Ele tinha colocado um disco na vitrola, servido drinques e colocado lenha na
lareira. A sala era aconchegante como poucas, e, embora Luana estivesse acostumada a
ela, tudo ali parecia diferente. Ela a apreciava com maior sensibilidade e seu olhar era
dirigido ao homem sentado do outro lado, embora a ele passasse despercebido.
Dentro dela, havia uma sensação agradável de dor. Era maravilhoso amar... mas
Kon a amaria algum dia? Ela tinha sido tão arrogante | com ele, quase nunca mostrando
gratidão pelo que tinha feito por ela, uma vez no barco e depois enquanto esperava pela
sua recuperação. Mesmo agora, sabia que nunca conseguiria ter aquela humildade da
Projeto Revisoras 59
Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
qual ele tinha falado, e que, aparentemente, era inerente às mulheres gregas, e que Kon
considerava atraente. Não, ela, Luana, sempre possuiria alto grau de orgulho, e se Kon
resolvesse fazer do casamento deles um relacionamento normal, teria, então, que aceitá-
la assim... aceitar seu orgulho como parte dela.
Um relacionamento normal... Mais uma vez ela olhou aquele perfil atraente.
Austero, sim, mas fazia parte dele, assim como o orgulho fazia parte dela. Mas em horas
como aquela, em que estavam em perfeita harmonia, era fácil esquecer a austeridade
dele. Mas não o seu poder, sua força; emanavam dele como sempre, e assim
permaneceria. Ele sorriu para ela, esperando uma resposta para o que tinha acabado de
dizer.
— Não consigo deixar de me preocupar, Kon. Você sabe, se qual-guer coisa der
errado, nunca vamos nos perdoar.
— Temos a palavra do médico de que ela está bem. Temos que levá-la, Luana.
— É, eu sei disso... Acho que estou preocupada porque ela é tudo que eu já tive.
Kon a olhou com expressão de dúvida.
— E agora?
— Agora tenho um marido.
Luana o olhou. O que estava fazendo? Flertando? A idéia a chocou e ela levantou
a cabeça. Não se deixaria envolver tanto!
Os olhos do marido se abriram e ele franziu a testa pela mudança de expressão
dela.
— É — disse friamente —, você tem um marido.
Aquele tom de voz a magoava, mas ela não deixou transparecer. Ao contrário,
estava fria e sorridente ao tomar um gole de seu drinque. Um pouco mais tarde ele se
despediu:
— Vou para a cama, Luana. Boa noite.
Ele nem ao menos esperou para ver se ela também ia subir. Luana ficou ali,
sentada perto da lareira, sentindo-se perdida e solitária pela primeira vez em sua vida.
Somente mais tarde, em seu quarto, olhando-se no espelho, é que demonstrou
sua dor. Seus olhos se encheram de lágrimas ao lembrar da conversa dos dois. Kon
parecia tão distante dela... mas sua força -permanecia, e, no fundo, sabia que ele estava
esperando que ela deixasse um pouco aquela frieza de lado e demonstrasse uma certa
humildade.
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CAPÍTULO IX
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Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
Projeto Revisoras 62
Orgulho e paixão – Anne Hampson - Sabrina 114
que chamou mais a atenção de Luana e sua avó. Os mares Adriático e Jônico brilhavam
com os raios de sol. Do outro lado estava o estreito de Kérkira, separando a ilha da
Albânia do Centro da Grécia.
Kon fez o chofer parar, para que elas pudessem admirar o panorama de um ponto
bem situado.
— É incrível! — suspirou a sra. Mortimer. Luana e o marido trocaram sorrisos.
— Ela está tão feliz!
Luana estava grata ao marido pelo que ele estava proporcionando à avó, e
demonstrou isso. Era a primeira vez que Kon via gratidão em seu rosto e ele sorriu, um
tanto irônico. Parecia estar resistindo à tentação de comentar que ela tinha sido incapaz
de demonstrar o mesmo naquela noite em que a salvou de um naufrágio. Mas agora, só
porque estava proporcionando alguma felicidade à avó, Luana não escondia seu
contentamento e gratidão pelo que ele fazia.
— Você é uma menina estranha, Luana — ele disse, balançando a cabeça. —
Realmente uma menina estranha...
Ela corou e olhou ao longe. Sabia o que ele queria dizer e, de repente, pela
primeira vez na vida, desejou não ter nascido tão orgulhosa.
A casa, com amplos pátios dos dois lados, era cercada de gramados floridos com
cadeiras rústicas e portões de ferro batido. As paredes, na maioria, eram formadas por
grandes arcos.
A sra. Wyndham e a filha, Eugênia, saíram imediatamente ao ouvirem o carro.
Kon as apresentou. Não havia dúvida de que ele se sentiu orgulhoso ao apresentar a
esposa, e o coração dela bateu mais forte ao notar isso.
— Estamos encantadas em conhecê-las — disse a sra. Wyndham, uma mulher
alta e aristocrática como o filho, ao apertar a mão da sra. Mortimer e beijar Luana.
Kon abraçou e beijou a irmã e ela fez o mesmo com Luana. Seus olhos e cabelos
se pareciam muito com os do irmão, embora as feições e o tipo físico fossem distintos.
Eugênia era pequena, de rosto e lábios delicados. Depois de medir Luana com
admiração, olhou para o irmão; estava claro que o adorava.
— Vamos entrar — disse Kon, abraçando Eugênia. — Vovó, gostaria de ir ao seu
quarto descansar um pouco?
— É claro que não.
Ela estava mais bem-disposta que qualquer um deles; subiu as amplas escadas
do pátio que levava à casa. A temperatura era agradável, não muito quente.
A mobília da casa era completamente diferente da de Ardale Hall, embora com o
mesmo luxo. A sala de estar era muito bonita, e Luana percebeu que Kon já vinha de
família rica, bem antes de receber de herança as propriedades na Inglaterra.
A sra. Wyndham bateu palmas e uma empregada apareceu.
— Acho que vão querer se refrescar um pouco.
A criada conduziu a sra. Mortimer a seu quarto.
— Fiz como você pediu, Kon. Mandei preparar o quarto face sul para você e para
Luana.
— Obrigado, mãe.
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Ele olhou para Luana, os dois com cara de quem queria rir e não podia. Depois
ele se voltou para a mãe.
— Já levaram nossa bagagem?
— Davos levou tudo para cima. A sra. Mortimer vai ficar no quarto ao lado do de
vocês. Mandei colocar uma cama extra, que você pediu na carta, para que Luana possa
dormir com a avó se necessário.
Luana seguiu a moça até o quarto, sem olhar o marido. Mas ele as seguiu de
perto, e ela ouviu seu riso baixo, enquanto subiam as escadas.
— Vai ser difícil — brincou Luana, já no quarto, virando-se para o marido.
— Difícil? Por quê?
— Bem... se eu dormir no quarto de vovó o tempo todo... — ela parou, ficando
vermelha. — A empregada pode desconfiar de alguma coisa... E pode comentar com sua
mãe.
— Bem, isso não é muito provável. Entretanto — ele acrescentou, olhando para o
rosto dela com ar de gozação —, você pode arrumar a cama, se ficar preocupada...
Assim, ninguém vai perceber que você dormiu nela.
— É, acho que vou fazer isso... Farei isso toda manhã.
Enquanto falava, ela olhava ao redor. O quarto era lindo, grande e mobiliado com
madeira clara. Havia também uma penteadeira com banquinho de veludo e abajures de
cerâmica, combinando com o estilo da decoração. O carpete era areia e os tapetes ao
lado da cama, de um azul bem escuro.
A janela era alta e larga, e dava para uma sacada onde havia um canteiro de
flores do campo. De um lado do terraço, um enorme vaso enfeitava o ambiente com rosas
brancas.
— É um quarto adorável! — exclamou Luana, entusiasmada. — E a vista! Posso
ir até o terraço?
— É claro.
Kon abriu a porta de vidro e ela saiu. Ele veio atrás dela; Luana sentia sua
proximidade e sabia que o queixo dele estava exatamente sobre sua cabeça. Teve a
impressão de sentir seu cabelo mexer, mas não tinha certeza. Talvez fosse a respiração
dele. Estava tensa e excitada. Desejava sentir os braços de Kon em volta dela, conhecer
o contato do rosto dele com o seu. E ficou tentando adivinhar o que aconteceria se ela se
virasse, e o encarasse...
— A vista é... é maravilhosa! — ela disse baixinho. — Aquelas ali são oliveiras, ali
à beira da colina?
— Sim. Em Corfu se cultivam as maiores oliveiras de toda a Grécia.
— O mar é tão azul...
— Uma cor impressionante.
— As casas por aqui são... tão vivas, tão alegres. Deve ser uma vila muito bonita.
— Amanhã iremos até lá.
— Podemos ir a pé? — ela disse rapidamente, falando qualquer coisa que viesse
à sua cabeça.
Projeto Revisoras 64
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Ela queria muito que Kon a tocasse, mas uma vez mais o orgulho, aquele maldito
orgulho a impedia de se voltar e olhá-lo de frente. Não podia deixá-lo ver a necessidade
que sentia dele.
— Se você preferir, é claro que sim. Mas nesse caso não poderemos levar vovó.
— Puxa, quase me esquecia. Iremos de carro, então.
Achou que ele concordava. Kon não disse nada, mas deu uns passos para trás e,
depois de alguns segundos, Luana o seguiu. Ele estava parado no meio do quarto,
olhando para ela.
— Minhas roupas... — ela murmurou, evitando seu olhar. — Vou deixar tudo aqui,
não? Quero dizer, se puser no outro quarto a empregada pode achar que algo está
errado.
— Será melhor que fiquem aqui — ele concordou.
Luana olhou para ele um tanto sem jeito. Tinha certeza de que ele estava
segurando o riso. E, de repente, ela mesma começou a rir.
— É... uma situação esquisita, não?
— É. Bastante — ele respondeu, mas sem comentar por que, exatamente, tinha
vontade de rir.
Instintivamente, ela sabia que havia uma razão oculta sob aquela máscara
sorridente. Ele parecia muito observador, como se estivesse esperando algo acontecer...
Seu jeito a confundia tanto que Luana começou a sentir-se estranha e foi procurar refúgio
em sua dignidade. Foi isso que a fez mudar de assunto tão de repente e dizer:
— Vou desfazer as malas agora, se você não se importar.
Um estranho silêncio se seguiu a esta cena. Ele pareceu tomar fôlego antes de se
virar, apanhar sua própria mala e colocá-la na banqueta.
— Não... não me importo. Pode continuar. Não se prenda por mim.
Luana mordeu o lábio. O que tinha feito? Foi apanhar sua mala também, mas Kon
a alcançou antes. Colocou a mala dela na cama e abriu o fecho.
— Obrigada, Kon — ela disse, tirando um par de calças brancas. Colocou na
cama. — Qual armário quer que eu use?
— Pode escolher.
— Então fico com este aqui. Tanto faz.
Nunca em sua vida Luana tinha passado por uma situação na qual se sentisse tão
insegura. O que estava acontecendo com ela? Não havia dúvidas, ela não era mais
aquela mesma pessoa, tão arrogante, que tinha recusado a ajuda de Kon no dia em que
seu iate encalhou. Não era nem mesmo a mesma pessoa que tinha se casado com ele...
Era verdade. Ela era agora uma garota apaixonada. Uma garota que precisava do amor
do marido, que queria ser correspondida, mas não conseguia afastar totalmente seu
orgulho, não tinha coragem de demonstrar seu desejo por ele. E, além do mais, Kon
também não tinha dado nenhum sinal de que poderia se apaixonar por ela; portanto,
como poderia revelar seus sentimentos assim, sem mais nem menos? Mais do que tudo
isso, ainda existia sua dignidade: não seria sensato tomar a iniciativa. Seu orgulho nunca
desceria tanto!
— Acho melhor eu ir ver o que vovó está fazendo — disse, depois que terminou
de guardar as roupas.
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No fundo, estava tensa. E não era só isso, sentia o poder e a força dele mais
intensos do que nunca. Chocada, teve que aceitar o fato de que, se Kon tivesse desejado,
teria feito com ela exatamente o que quisesse. O ressentimento por ter que admitir aquilo
fez com que Luana erguesse a cabeça, embora soubesse que essa atitude poderia
afastá-la dele ainda mais.
Kon estava para pendurar um de seus casacos quando, abruptamente, olhou para
ela.
— Algo errado? — ele perguntou, mas sua voz tinha mudado. Estava frio, de
repente.
Ela devolveu o mesmo olhar frio.
— Não. Acabei de dizer que acho melhor ver o que vovó está fazendo. Talvez ela
precise de mim para ajudar a desfazer as malas.
Mas ele sabia que o motivo não era esse.
— Júlia foi com ela e deve estar ajudando com as malas.
— Mesmo assim, eu vou — Luana respondeu, decidida. — Eu... espero você na
hora do chá?
Mais uma vez ela falava por falar, lutando contra sua própria insegurança. O olhar
de Kon era metálico e sua voz saiu como uma pedra de gelo.
— Acho melhor — ele disse, e se virou para pendurar o casaco no armário.
Luana ficou parada um minuto, sua parte carinhosa relutando em deixá-lo, mas a
outra relutando em ceder, ainda presa ao orgulho. Saiu finalmente do quarto e fechou a
porta em silêncio.
A avó estava sentada à janela, admirando a vista, depois de Júlia arrumar tudo.
— Tem certeza de que não está cansada, vovó? — Luana sorriu afetuosamente.
— Não quer mesmo descansar por algumas horas? Acordo você mais tarde.
— Não, senhora. Não quero perder nada.
Luana riu.
— Acho você maravilhosa.
— Você sempre achou, minha menina querida. — Em seguida ficou em silêncio.
Luana teve a impressão de que a avó estava pensando em outra coisa.
— E Kon? — Ela olhou com curiosidade nos olhos de Luana. — Ele também é
maravilhoso?
A expressão de Luana mudou. Era como se uma nuvem cobrisse seus olhos.
— Por que me faz uma pergunta dessas, vovó?
— Por que a cada dia acho ele mais maravilhoso, enquanto você, Luana, parece
estar cega à bondade dele.
Luana sentiu um tremor. Não tinha dúvidas de que aquela pergunta era um tipo de
defesa.
— Foi um casamento por conveniência.
— E você presumiu que esse tipo de relacionamento ia durar anos e anos?
A resposta foi tão direta que Luana teve medo.
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— Eu... eu não... não sei. — Seu pensamento estava tão distante que ela se
recusou a encarar a avó.
— Eu acho que... — continuou a senhora, como se Luana não tivesse dito nada
— que Kon acharia muito bom se você desse a ele um pouco desse carinho que dá a
mim.
— O que você está dizendo é muito estranho, vovó.
Luana piscou forte, para remover as lágrimas que iam se juntar em seus olhos,
antes de encarar a sra. Mortimer.
— Você tem algum motivo especial para perguntar isso?
A sra. Mortimer abriu a boca e depois fechou de novo. Seu olhar se perdeu no
panorama lá fora.
— Nada em especial, meu bem. Mas ele é seu marido, você sabe.
— Não meu marido de verdade...
— Seu marido de verdade, sim. — interrompeu a avó. — Foi um casamento muito
lindo. Acho que foi o momento mais feliz de minha vida... a não ser o meu próprio, é claro.
— Você queria muito que eu me casasse com Kon, não?
— Você está cansada de saber que sim.
— Foi por causa da sua preocupação a respeito de nosso futuro...
Foi uma afirmação, mas ao mesmo tempo uma pergunta. A sra. Mortimer
respondeu, como se falasse a si mesma.
— Estava muito mais preocupada com o seu futuro que com o meu.
— E acho que ainda está.
— Quero que seja feliz, Luana. E quero ver isso antes de morrer, querida.
Luana se entristeceu com as palavras da avó.
— Não me deixe... — ela suplicou e começou a chorar, involuntariamente, mas
com veemência. — Eu... não quero que você me deixe... nunca!
— Não fale assim, minha criança. — Passou a mão na cabeça de Luana. —
Comigo, você nunca demonstra seu orgulho. Se ao menos...
— O que, vovó?
A avó pegou nas mãos da neta e olhou seus olhos, mais azuis que verdes, com
uma triste expressão.
— Esse seu orgulho... você se lembra de que uma vez eu lhe disse que, quando o
orgulho chega ao ponto da arrogância, você pode acabar se destruindo?
— Sim, lembro.
— E também falei que ele pode trazer inimigos em vez de amigos.
— Sim, falou.
Mais uma pausa e depois ela disse, com calma, mas em tom de aviso:
— Odiaria ver você fazer de seu marido um inimigo, Luana. Já disse que ele é
maravilhoso, e ele é bom também... — A sra. Mortimer balançou a cabeça, tentando
afastar aquele pensamento. Suspirou fundo e prosseguiu: — Bem... não é preciso ser
muito esperto para notar que Kon também tem sua parte um tanto dura, inflexível. Seu
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orgulho poderia despertar essa parte ruim que existe em Kon. Luana engoliu em seco. A
avó não sabia que ela já tinha experimentado aquela parte inflexível da personalidade do
marido.
— Kon também é orgulhoso — disse Luana em defesa própria —, e às vezes
perde a paciência comigo.
Ela falou baixo, sem arrogância. Era estranho, mas com a avó nunca conseguia
agir de outro modo, que não com delicadeza. Como ela mesma tinha dito, Luana sempre
tinha sido delicada com ela. Também a avó sempre tinha sido delicada e gentil com ela.
Era recíproco. Se a avó tivesse sido fria e impessoal como Kon a maior parte do tempo,
então o orgulho de Luana também teria sido despertado.
— Ele perde a paciência com você? — perguntou a avó, incrédula.
Luana se arrependeu de ter comentado, mas agora tinha que explicar. E o fez,
sabendo de que lado a avó ficaria. Mas estava enganada.
— E você achou que poderia agir como antes? Estou espantada, Luana! Seu
marido seria ridicularizado se deixasse a esposa sair toda noite.
— Mas não ia ser toda noite! — ela respondeu, indignada. — Sabe muito bem
que não tenho o costume de sair à noite com freqüência.
— Muito bem, Luana. Entretanto, não é possível continuar a levar a mesma vida
de solteira. E não espere que eu desaprove o que ele fez. Você mereceu.
Ignorando aquela última frase, Luana perguntou:
— Ele não comentou a cena com você, comentou?
— Ele nunca faria isso. Mas, mas se tivesse feito, teria conseguido uma aliada.
Entenda bem isso, Luana.
A avó nunca tinha falado com Luana tão severamente. Parecia que ela também
tinha se deixado envolver por um amor materno por Kon.
Tomaram o chá da tarde no jardim de inverno. A louça era de porcelana chinesa
antiga, e a prataria, semelhante à de Ardale Hall, que Luana sempre acreditou ser da avó,
mas que, na verdade, pertencia à família de Kon.
— Conte-me a respeito do romance-relâmpago de vocês, Luana. Kon me contou
muito pouco, como você pode imaginar, já que não é muito comunicativo.
A sra. Wyndham sorriu para a nora e Luana sentiu seu calor. Não havia dúvidas
de que a mãe de Kon estava feliz com o casamento.
— Nós nos conhecemos quando Kon me salvou de... de um naufrágio.
Luana olhou para o marido, que estava conversando com a irmã. Ele sorriu de
volta, irônico.
— De um naufrágio?
Aparentemente Kon não tinha dito nada a respeito.
Luana hesitou, consciente do olhar de expectativa do marido; era claro que ele
estava interessado em saber como ela se sairia numa situação daquelas. Ela decidiu
surpreendê-lo, contando tudo exatamente como tinha acontecido.
— Acho que não fui muito grata a ele, mas Kon feriu meu orgulho quando me
chamou de srta. independente!
— Feriu?
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Todos riram daquilo. Pela expressão de Kon, parecia que ele tinha esquecido
completamente aquelas palavras. Agora, sabia que elas tinham feito Luana tratá-lo
daquela forma.
— Mas isso não é nada, querida. — A sra. Wyndham sorria para a nora, que
continuava rindo. — É exatamente o que Kon diria. Às vezes ele tem esse jeito superior,
mas no fundo não é nada disso. É uma pena que você não tenha entendido. Bem, agora
não importa. Afinal, tudo acabou bem. Vamos, conte-me mais.
Era difícil demais, especialmente porque Luana não tinha idéia do que Kon tinha
contado à mãe. Ela o olhou suplicante e ele veio em seu auxílio, declarando abertamente
que tinha se apaixonado por Luana desde o princípio. Ela, ouvindo aquelas palavras, se
perguntou como ele podia dizer aquelas mentiras e olhar a mãe nos olhos. A avó parecia
perdida em seus pensamentos, embora, aparentemente, participasse da conversa.
— Mas que romântico! — Eugênia disse afinal, com uma certa inveja e timidez. —
Acho que você tem muita sorte, Luana.
— Eugênia! — brincou o irmão —, essa não é a maneira mais diplomática de se
falar.
— Oh.,. — Ela tapou a boca. — Espero que Luana tenha entendido o que eu quis
dizer.
— É claro que sim, Eugênia.
Luana olhou mãe e filha, lembrando-se das palavras de Kon a respeito de
humildade. Se estava presente, não era perceptível. Mas Luana podia sentir essa
humildade por baixo da superfície. Apesar disso, havia algo de diferente que fazia as duas
atraentes, especialmente a sra. Wyndham, que era totalmente grega, enquanto Eugênia,
como o irmão, era meio inglesa.
O que impressionava Luana era a serenidade que pairava como uma aura sobre
sua sogra. Tinha cultura e orgulho... mas mantinha toda a sua feminilidade. Sim, em
primeiro lugar, era uma mulher: gentil, delicada e estranhamente sedutora. Parecia
emanar uma fragrância espiritual a todos que a rodeassem. Tinha uma juventude
espiritual que parecia conservar sua beleza além da eternidade. Seria algo que
transmitiria e deixaria como herança a seus descendentes.
Virando-se, Luana notou o olhar do marido, fixo no dela. Sabia que ele lia seus
pensamentos e a revelação veio como um relâmpago em sua mente: sabia exatamente
para quê Kon a tinha trazido ali!
Para ela ter contato com a mãe dele, descobrir sua beleza interior e aquele senso
de humildade que talvez fosse a base daquela beleza.
Ele tinha trazido Luana à Grécia para que ela aprendesse uma lição; para
embebê-la em algo desconhecido que emanava de sua mãe; era como se o silêncio dela
representasse mais de cem palavras juntas.
Mas pensar que ele queria que ela fosse como sua mãe fez com que Luana se
enfurecesse.
Novamente a arrogância. Como ousava colocar a mãe como um exemplo? Como
ousava usar aquele método sutil para fazer com que ela, sua esposa, se sentisse
diminuída? Seria parte do plano para reduzir seu orgulho a pó? O que estaria ele tentando
fazer com ela?
Seus olhos ficaram sombrios novamente, com aquela expressão de indignação. A
raiva estava expressa neles.
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Ela o olhou, como quem manda uma mensagem: sabia muito bem de suas
intenções... e isso a magoava terrivelmente.
Ele respirou fundo e, fossem lá quais fossem seus pensamentos, não eram nada
agradáveis.
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CAPÍTULO X
Luana e Kon iam passar o dia sozinhos, já que a sra. Mortimer tinha decidido não
acompanhá-los ao passeio turístico. A sra. Wyndham não tinha se sentido muito bem e
Eugênia tinha dito que preferia ficar também. Ao final, a sra. Mortimer acabou
concordando que o passeio seria muito longo para ela. Luana sabia muito bem que ela
tinha feito aquilo de propósito, para que ela e o marido pudessem ficar sozinhos o dia
todo.
— A idéia de sairmos sozinhos não parece agradar muito a você — foi o
comentário de Kon ao ir até o quarto apanhar seu casaco.
Seus sentimentos estavam confusos. Por um lado, estava ansiosa por aquele dia
sozinha com ele; mas, por outro, ainda estava ressentida pelo fato de Kon tê-la trazido à
Grécia somente para lhe dar uma lição.
— Não sei por que diz isso.
— Você nem ao menos consegue ser honesta.
— Honesta?
Impaciente, ele mordeu o lábio.
— Se está pronta, podemos ir.
Ele dirigiu até a vila, onde pararam por alguns minutos para Luana comprar uma
bolsa que tinha visto. Era um presente para Rosemary.
Depois, foram até a capital, Corfu, que tinha o mesmo nome da ilha toda, como
era costume nas capitais da Grécia. Foram até uma confeitaria, onde beberam tsintsibira.
— Parece cerveja! — exclamou Luana.
— Exatamente. Os ingleses a trouxeram para cá. Agora faz parte da vida em
Corfu, assim como os jogos de bola.
Ele sorriu para ela, que permaneceu impassível. Kon estava tentando evitar
hostilidades, mas Luana percebeu que a paciência dele estava chegando ao limite. Seria
melhor dizer logo o que pensava da decisão dele de levá-la à Grécia.
Mas, com o passar das horas, começou a esquecer sua raiva. O passeio era
agradável e Kon não se cansava de mostrar-lhe os lugares mais bonitos.
Chegaram a uma larga alameda, cheia de terraços.
— Este é um dos palácios mais bonitos — disse Kon. — As damas assistiam às
batalhas de seus cavalheiros dali.
— É uma pena que os palácios estejam mal conservados.
Kon concordou.
— Cada andar tem um proprietário diferente, portanto é difícil que cheguem a um
acordo comum quanto ao tipo de restauração.
— É uma pena.
— Espero que eles cheguem a uma decisão antes que os palácios caiam.
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Ele fez que sim e a olhou intensamente, como quem espera alguma coisa. Luana
sorriu e disse até logo. Olhou seu carro sair, tentando imaginar se ele estaria olhando
para ela pelo retrovisor. Mas Kon não olhou e ela também não.
— Deveria ter olhado... — ela murmurou; mas já era tarde demais. O carro tinha
desaparecido de vista.
Tinha acabado de entrar em casa quando viu pela janela uma garota se
aproximando pelos campos.
— Aí vem Rosemary! — exclamou. — Agora posso dar a ela seu presente.
— Rosemary? — a avó perguntou, com voz um tanto cansada.
— Que bom, querida. Faz tempo que não a vê!
— É verdade.
A última vez tinha sido naquela noite terrível, quando Luana foi tão humilhada.
Desde aquela vez, nunca mais saiu; de um lado, por temer a Kon, e de outro, porque não
tinha coragem de aparecer em público depois do que tinha acontecido. Mas a razão
principal é que não tinha nenhuma vontade de sair sem o marido. Tinham recebido alguns
convites, e dali para a frente sairiam juntos. Kon tinha sugerido que eles oferecessem um
jantar e Luana e a avó concordaram, entusiasmadas.
— Vou ao meu quarto descansar. Você não se importa, não, querida?
A amiga tinha acabado de passar pelo portão.
— Não está se sentindo bem, vovó?
— Estou muito bem, mas cansada. Uma hora na cama me fará muito bem.
Luana observou-a ir, preocupada ao notar que seus passos não estavam tão
firmes quanto de costume. Foi até a porta, receber a amiga que chegava.
— Que bom ver você! — começou Luana, mas parou logo em seguida, notando a
expressão da amiga. — Algo errado?
Rosemary balançou a cabeça, num ato automático e sem sentido.
— Pensei em dar uma volta pelos campos e fazer uma visita a você.
Entraram na sala menor, onde uma madeira ainda queimava na lareira.
— Sinto-me tão infeliz, Luana... precisava falar com alguém. Tem certas coisas
que a gente não pode desabafar com a mãe...
Luana puxou uma cadeira perto do fogo e convidou-a para sentar.
— O que foi, Rosemary... David?
A amiga fez que sim. Luana tocou a sineta e pediu chá.
— Fui uma louca em me apaixonar por ele. Sei disso. Mas ele gostava de mim...
até que conheceu Clea. Eu pensei... pensei que...
— Ele falou em casamento?
— Não exatamente — foi a resposta franca. — Mas nós nos dávamos tão bem,
tínhamos tanto em comum...
Rosemary baixou os olhos e deu um suspiro.
— Não tenho coragem de ir a lugar nenhum, ultimamente. Eles estão sempre
juntos... David e Clea.
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terras. De alguma forma, meu pai ficou sabendo a respeito de Clea, e disse que se eu
fosse bom para ela o negócio seria feito.
— Então você transferiu seu interesse de Rosemary para ela...
— Fui obrigado. Meu pai corria o risco de perder uma fortuna. Achei que devia
isso a ele; mas tinha a intenção de deixá-la logo que o negócio saísse. Achei que se ela
estava planejando um jogo sujo comigo, não havia razão para que eu fizesse diferente
com ela.
Luana concordou.
— Mas você tem saído com Clea ultimamente, não?
— Não depois que o negócio foi feito.
— Rosemary pensa que sim. Por isso tem estado afastada. Contou-me que não
suporta ver você e Clea sempre juntos.
Luana falou francamente, certa de que Rosemary não se importaria que ela
contasse isso naquelas circunstâncias.
— Então é por isso que não a vejo ultimamente. Queria ligar para ela, mas parece
que não tem telefone. Teria que ir à casa dela, mas me sentia culpado demais pelo que fiz
a ela. Achei que não me perdoaria.
Luana sorriu para ele.
— Não deveria ter pensado assim.
— Você é um amor — ele disse. — Percebi isso desde a primeira vez que a vi.
Não sei bem por que, mas queria conhecê-la melhor. Clea ficou furiosa naquele dia... mas
você não deve se lembrar...
— Lembro muito bem.
Ela notou a mudança de sua expressão ao perceber que ele se lembrava do
incidente com Kon no hall. Ela tinha achado que David tinha se interessado pela sua
beleza, como todos os outros, mas estava enganada. E sentiu-se feliz por ele ter sido
diferente.
Nunca passou pela cabeça de Luana que Kon descobriria que ela tinha ido à festa
durante sua ausência; mas ele descobriu, e de uma maneira que Luana teve vontade de
matar quem tinha feito isso.
Foi alguns dias depois de sua volta de Essex, quando, inesperadamente, ele se
ofereceu para acompanhar Luana às compras em Bakewell.
— Preciso comprar algumas coisas na farmácia e algumas camisas também.
Saíram juntos. A sra. Mortimer ficou acenando da janela da sala.
— É bom quando alguém dirige — Luana disse, se espreguiçando. — Às vezes
fico cansada de dirigir o tempo todo.
— Mas acho que sua avó gosta que você a leve sempre.
— Ah, sim, é claro. Isso acontece desde que aprendi a dirigir.
Kon sugeriu que eles fossem primeiro à rua principal.
— Está bem.
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Pararam numa confeitaria e Luana não imaginava que encontraria Clea ali,
embora, mais tarde, tivesse se achado uma tola, pois aquela era uma das confeitarias
mais badaladas da cidade.
— Luana! — ela ouviu enquanto a garçonete os conduzia a uma mesa. — Mas
que bom ver você! Aproveitou bem a festa de terça-feira? Infelizmente não pude ir, mas
disseram que você esteve lá.
Os olhos de Clea fixavam os do bonito marido de Luana.
— Seu marido não dança? É chato quando se tem que ir sozinha todas as
vezes...
Luana passou reto por Clea. Kon, branco de raiva, apanhou uma cadeira e
sentou-se do lado oposto a ela.
— Então... — ele respirou fundo, com os olhos negros devorando os dela — você
me desafiou... no momento em que virei as costas. Espere até chegarmos em casa!
E, uma vez na privacidade do lar, com a sra. Mortimer do outro lado da casa,
longe o bastante para não ouvir uma palavra, Kon desabafou toda a sua fúria sobre a
esposa. Uma vez ele já tinha deixado Luana tremendo; agora, ela estava também
soluçando.
— Você não me deixou falar...
— Não há nada que eu queira ouvir! Orgulho! Não foi nada além de orgulho e
arrogância que inspiraram você a me desafiar! Você não ia receber ordens do que fazer
ou não! Foi isso, não foi?
Ele a sacudiu enquanto falava, depois soltou-a. Ela foi cair direto no sofá.
— Ainda curo esse seu orgulho! Nem que seja a última coisa que eu faça na vida!
— ele ameaçou, indo novamente na direção dela.
Kon estava possesso e ela entendia muito bem. Mas não perdoaria sua recusa
em ouvir o que ela tinha para dizer. Ele condenava sua atitude e culpava seu orgulho por
isso.
— Ainda vou reduzir esse orgulho a pó. Vou deixá-lo no chão, nem que tenha que
fazer isso por força!
Ela agora nem tentava falar; seus soluços a impediam, a engasgavam. Dirigiu-se
até a porta, sentindo medo mais do que tudo, medo que ele a pegasse e a trouxesse de
volta para a sala. Era um medo que nunca tinha sentido antes. E esse medo trouxe à sua
memória, nitidamente, as palavras da avó quando disse que seu orgulho poderia
despertar o lado ruim de Kon.
Não tinha sido o orgulho que tinha feito com que ela fosse à festa. Mas era isso
que ele achava, e então, como a avó tinha predito, tudo o que ele tinha de mal veio à
superfície.
À porta, ela virou o rosto, ainda tremendo e chorando, temendo vê-lo se
aproximar. Mas, ao contrário, ele a deixou ir para o quarto, onde chorou sem parar, como
se seu coração estivesse partido.
Ela e Kon estavam se dando tão bem... É verdade que ela tinha ficado zangada
ao descobrir a razão pela qual Kon a levara à Grécia; mas aquelas férias curtas acabaram
se transformando numa coisa tão boa, que ela acabou esquecendo toda sua mágoa e,
desde a volta deles, isso nunca mais a tinha incomodado. Estava fazendo uma tentativa
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sincera para fazer do casamento deles um sucesso. E rezava para que Kon, um dia,
aprendesse a amá-la também.
Mas ela nunca deixaria seu orgulho. Ainda fazia parte dela e Kon teria que aceitar
isso.
— Mas não foi orgulho que me obrigou a ir à festa.., — sussurrava para si mesma
mais de uma vez. — Se ele tivesse me deixado falar, teria entendido que não foi!
Mas foi o orgulho que a impediu de falar mais tarde, quando tudo já tinha se
acalmado, e o episódio tinha sido deixado como parte do passado.
Kon andava quieto, pensativo. Mas algumas vezes ele se aproximava um pouco
mais e, nessas ocasiões, ela poderia ter esclarecido tudo.
Ele talvez tivesse até chegado ao ponto de se desculpar por não tê-la ouvido na
época. E também teria sido obrigado a aceitar a verdade: ela não tinha agido sob a
influência do orgulho.
Mas Luana não falou. Estava machucada e também resignada. Kon nunca a
amaria, sabia disso agora. Se ele tivesse a mínima afeição por ela, nunca poderia tê-la
magoado da maneira que fez. E, se não havia afeição, como poderia haver amor?
Com a avó, ele era charmoso, atento e gentil.
— Estou aproveitando a vida como nunca! — ela confiou a Luana um dia. — É tão
bom ter a atenção de um homem. Você reparou na maneira como ele me trouxe uma
banqueta para meus pés ontem à noite? E ele coloca sempre uma almofada em minhas
costas e me serve alguma bebida.
Luana balançou a cabeça fazendo que sim, mas com o pensamento distante. Ela
mesma tinha feito isso para a avó muitas vezes, mas ela parecia ter esquecido.
— Como vocês dois estão se dando?
A pergunta despertou Luana.
— O que quer dizer?
— Eu já disse a você, querida, que queria vê-la feliz antes que eu...
— Eu sou feliz, vovó.
— Não tanto quanto poderia ser. — prosseguiu: — Não sou cega, Luana.
— Eu não estou entendendo...
— Você entendeu muito bem. — Ela falava com delicadeza, mas com um certo
tom de censura na voz. — Você está apaixonada por ele, mas é orgulhosa demais para
tomar a iniciativa, não é?
Luana apertou as mãos e ficou branca.
— Kon não me ama. Por que, então, eu deveria tomar qualquer tipo de iniciativa?
Luana se virou, sentindo a presença do marido. Ele estava parado no hall do
salão. O que teria ouvido?
Ele se aproximou e dirigiu a palavra à sra. Mortimer. Luana, após alguns
momentos, levantou-se e deixou-os juntos.
Ela parou, pensativa, depois
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CAPÍTULO XI
Mais de uma semana já tinha se passado depois daquele horrível incidente. Kon
foi ao encontro de Luana quando ela voltava de seu passeio matinal a cavalo. Usava
roupas de montaria, os cabelos presos, e estava corada de cavalgar. Ele a olhou de cima
a baixo com um olhar duro e depois disse, em voz baixa:
— Venha até a sala de desenho, Luana. Tenho algo a dizer a você.
Ela sentiu um frio pela espinha. Instintivamente sabia que ia ouvir algo
desagradável. Mas quando o marido terminou de falar, ficou ali parada, olhando para ele,
espantada.
— Você vai... me deixar? — ela falou por fim, com as pernas bambas, como se
fosse desmaiar a qualquer momento.
— É a decisão a que cheguei depois de pensar muito. Nosso tipo de casamento
nunca poderia dar certo. Nunca seria bem-sucedido...
— Mas por que você não pensou nisso antes? — Seu rosto tinha perdido a cor.
Ela estava pálida e se sentia mal.
— Minha preocupação na época era com você e sua avó. O casamento parecia
ser a melhor resposta para todos os nossos problemas. Entretanto, eu disse a você que
um relacionamento como o nosso não me faria completamente feliz; e agora acho que
não é nem mesmo tolerável.
Ela o olhava um tanto confusa. Ele olhava através da janela. Parecia absorto pela
paisagem lá fora.
— Mas na época você disse que ficaria contente.
Por um momento, ele não respondeu. Luana teve a sensação de que ele não
esperava que ela se lembrasse disso.
— Cometi um erro. Não estou contente. É uma situação muito pouco natural, e
você mesma vai acabar achando que é intolerável com o passar do tempo.
Ele a olhou nos olhos.
— Nós dois acabaremos encontrando alguém. Quando essa ocasião chegar,
seremos sensatos e pediremos anulação do nosso casamento. Assim, poderemos ser
livres para nos casarmos. Enquanto isso, esta casa é sua integralmente... a casa da
fazenda, as terras, tudo. Vou passar tudo para o seu nome...
— Não — ela interrompeu, numa voz quase inaudível.
Sua garganta estava seca e doía. Mas seu orgulho outra vez fez com que ela
dissesse que só moraria na casa enquanto a avó vivesse; depois iria embora.
— Discutiremos isso quando a hora chegar — ele respondeu bruscamente.
Depois de uma pequena pausa ele prosseguiu: — Estou planejando partir no final da
semana.
— No... final da semana?
Ela não podia aceitar. Isso não podia estar acontecendo, ela tentava se enganar.
Era só um terrível pesadelo do qual logo acordaria.
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Mas o homem ali parado era mais do que real. Seu poder e força estavam mais
presentes do que nunca... Era como se ele estivesse esperando que ela agisse de uma
determinada maneira... Mas de que maneira? Havia somente um jeito de agir numa
situação daquelas: seria se agarrar com unhas e dentes ao seu orgulho. Ele nunca
deveria saber quanto estava fazendo ela sofrer; não poderia imaginar que estava partindo
seu coração.
Tinha falado com ela de uma maneira tão insensível a respeito de os dois
encontrarem alguém... Bem, talvez ele pudesse encontrar alguém, mas ela, nunca...
Seus lábios tremiam e ela se afastou. Saiu rápido da sala e somente quando
estava no hall é que se lembrou da avó. Estava tão absorvida em sua própria tristeza que
na verdade tinha se esquecido de quanto a avó sofreria com a partida de Kon de Ardale
Hall. Depois de um minuto de hesitação, Luana voltou a entrar na sala.
Kon estava parado à janela, olhando para o jardim. Ele se virou para encará-la...
com um olhar de esperança, talvez...
— Vovó... — ela disse bruscamente. — Já pensou em como ela vai se sentir?
Kon ficou em silêncio... um profundo silêncio... Então, ele também estava
preocupado com vovó, pensou. E deveria estar mesmo, já que a tinha mimado daquela
forma. Mas, em vez de demonstrar qualquer arrependimento, ele surpreendeu Luana,
dizendo da maneira mais indiferente possível:
— Ela ficará bem. Por falar nisso, já contei a ela que vou partir, e ela concorda
comigo que é a melhor coisa a fazer.
Luana franziu as sobrancelhas.
— Vovó não se importa com sua partida? — ela perguntou, confusa.
— Ela é sensível o suficiente para entender a situação. Sabe muito bem que esse
nosso tipo de vida é completamente irreal e que o melhor a fazer é pôr um ponto final
nisso tudo.
Luana balançou a cabeça, incrédula, quase que se esquecendo de seu próprio
sofrimento... ou, ao menos, deixando-o de lado.
— Vovó põe você num pedestal, Kon. Eu simplesmente não posso acreditar que
ela esteja aceitando tudo tão calmamente quanto você diz.
Ele se mostrou indiferente.
— Pergunte você mesma — ele disse e voltou a olhar pela janela.
Luana saiu atrás da avó imediatamente. Kon estava certo. Ela tinha aceitado tudo
calma e filosoficamente.
— Ele é jovem e forte — a avó disse com ternura. — Era de se esperar que não
tolerasse esse tipo de casamento.
— Ele sabia o que estava fazendo no dia em que assumiu tudo — Luana falou
com raiva. — Ele não está honrando as promessas que fez.
— Se não me engano, ele não fez nenhuma promessa; você é quem as assumiu.
Luana não disse nada e a sra. Mortimer, olhando-a fixamente nos olhos,
prosseguiu:
— Sou da opinião, Luana, de que quando Kon se casou com você, ele tinha mais
do que certeza de que o casamento se tomaria normal com o tempo.
Ela olhava a avó. Depois disse:
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CAPÍTULO XII
Kon tinha dito que partiria no sábado de manhã, e que iria para sua casa no sul
da Inglaterra. Para Luana, os últimos dias tinham sido insuportáveis. Pensava no que sua
vida seria quando ele tivesse partido... para sempre.
Kon parecia tão calmo em relação a tudo... Ele certamente não se magoaria nem
um pouco. E isto, pensou Luana, seria muito natural para ele. Ficou imaginando o que
seus amigos comentariam a respeito do súbito rompimento do casamento.
— Já era de se esperar... Com aquele orgulho! Nenhum homem seria capaz de
agüentar isso.
— Ela olha os homens de cima para baixo... como sempre fez. Mas um marido
não aceitaria ser visto como um ser inferior.
— Foi bem feito. Ela não teve senão o que merecia.
Mas, para sua própria surpresa, Luana não estava ligando muito para isso. Não
se importava com o que as pessoas dissessem. E esta admissão registrava a incrível
confirmação de que seu orgulho, como Kon tinha querido, estava praticamente reduzido a
pó. Estava onde deveria estar: no chão!
Na noite anterior à partida dele ela estava de um lado para outro, sentindo-se
exatamente como alguém que ia perder os sentidos.
Não conseguia chorar. Todo o sofrimento estava congelado dentro dela. Tinha
congelado suas lágrimas e anulado seus pensamentos e sentidos.
Ouvia os sons no quarto ao lado. Ele estaria fazendo as malas?
Seus lábios começaram a tremer sem parar e um grande temor passou pelo seu
corpo e deixou seu coração batendo de maneira tão violenta que o peito chegava a doer.
A esta hora, no dia seguinte, o quarto estaria vazio...
Ela o ouviu mexendo outra vez e, com passos fortes e vagarosos, chegou até a
porta de comunicação entre os dois quartos. Passou a mão pelo rosto para remover o
suor da testa.
Seu orgulho estava quase no chão... quase, mas não totalmente. Somente uma
coisa... uma coisa conseguiria deixá-lo ali.
Ela bateu na porta timidamente e esperou. O movimento parou e houve um
silêncio. Ela levantou a mão trêmula e bateu outra vez.
Kon abriu a porta. Ele ainda estava totalmente vestido, assim como ela, apesar de
já passar muito da meia-noite.
— Sim, Luana? — Sua voz era tão doce...
Os olhos negros a encaravam friamente, mas ela pôde sentir a tensão dentro
deles.
Sentiu seu poder e sua força envolvendo-a mais uma vez. E foi esse poder e essa
força que a fizeram entrar em seu quarto, enquanto ele deu um passo para o lado.
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Uma vez lá ela se virou e o encarou. Mesmo agora, Luana ainda lutava, como
contra a morte, para guardar um pouquinho de orgulho.
O marido esperou quieto e imóvel, olhando para os olhos dela.
— Kon...
— Sim, Luana?
— Eu... nós... quero dizer... Vovó acha que... que se... se nós tivéssemos tido uma
vida... normal, você... você não ia querer me... me deixar.
Num gesto delicado, ele levantou o rosto dela com a mão.
— Vamos deixar vovó fora disto? — ele sugeriu.
Ela apertou as mãos.
— Você vai ficar comigo, Kon? — A frase saiu afinal, com um grande suspiro.
E ela deixou sair tudo aquilo que estava reprimido em sua garganta. Começou a
chorar sem parar.
— Eu faço qualquer coisa que você quiser... qualquer coisa que você disser... mas
não me deixe, Kon. Por favor, fique comigo, eu suplico, porque eu não conseguiria viver
sem você...
Ela parou e, colocando o rosto entre as mãos, começou a chorar
descontroladamente.
— Eu... eu sei que você não consegue me amar, mas eu serei uma esposa de
verdade para você...
— Luana!
Ele a abraçou e também estava trêmulo, assim como ela, e a segurava tão forte
que parecia que nunca mais a soltaria.
— Minha querida, adorada, como foi difícil...
Ele mesmo parou, como se não conseguisse falar, como se as palavras fugissem.
Luana, espantada em meio às lágrimas, olhou para ele, incrédula, com o coração
disparando. Quase não conseguia falar.
— Você disse... disse... adorada...
Mas ele não respondeu. Apertou o seu corpo contra o dele e procurou seus
lábios. E, por momentos, aquele silêncio os levou a mundos de delírio, até que finalmente
Kon falou:
— Foi tão difícil, meu amor...
Ele parou ao vê-la arregalar os olhos.
— Sim, meu amor, foi à primeira vista mesmo, desde o princípio.
— Desde o princípio?
— Eu me casei com você porque a amava — ele disse simplesmente, sorrindo ao
ver a expressão de espanto dela.
— Você me amava desde o começo?
Ela sacudiu a cabeça.
— Não, não é possível. Eu fui tão... tão má!
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— Não vou discutir quanto a isso — ele respondeu em tom irônico —, entretanto,
me apaixonei por você... não pelo que estava na superfície — ele acrescentou —, embora
não vá dizer que não me atraísse, é claro. Mas sabia que por dentro havia uma pessoa
maravilhosa. Soube disso desde a primeira vez que a vi falando sobre sua avó... no
barco, lembra?
— Sim, eu me lembro. Estava terrivelmente preocupada com ela.
— E demonstrou nesses seus lindos olhos...
Ele parou para beijar os olhos dela.
— Sabia que ali estava uma garota para mim. Luana estava se lembrando de
alguma coisa.
— Então, quando você disse à sua mãe que se apaixonou por mim desde o
começo, era verdade?
— É claro.
— Pensei que fosse só para que ela ficasse contente. Mas fiquei imaginando
como você podia dizer aquilo olhando-a nos olhos, como fez.
Kon não disse nada a respeito e, depois de alguns instantes, Luana perguntou se
ela estava certa ou não ao perceber que ele a tinha levado a Corfu somente para que ela
aprendesse com sua mãe.
— Eu não diria exatamente aprender, querida — ele esclareceu. — Eu, na
verdade, queria que você visse a beleza interior dela. É uma beleza que muitas mulheres
gregas possuem. Uma vez eu mencionei a você aquela humildade. Você não deve achar
nunca que humildade é algo de que se deva envergonhar, Luana. É uma virtude que
demonstra afeição.
— Você já usou essa palavra... afeição... antes...
Os olhos negros de Kon fixavam os dela com adoração e, incapaz de resistir, ele
se curvou e a beijou, com muito mais amor agora, mas de uma maneira suave e fraternal.
— Kon... — ela murmurou quando ele a soltou um pouco.
— Querida...
— Vovó deve ter estado a par de tudo, não?
Ela estava lembrando da sugestão da avó, de que Kon gostaria de um pouco de
carinho por parte da esposa.
— Ela também sabia que você me amava, o tempo todo, não sabia?
— Sim, querida. Quando ela estava no hospital nós conversamos... depois de
sabermos quem nós dois éramos. Disse a ela que amava você e que sabia que você
nunca se casaria comigo... não da maneira comum, porque você me detestava por causa
do péssimo começo de tudo.
— Mas foi imperdoável de minha parte não ter sido grata a você por tudo o que
tinha feito. Estou tão envergonhada de mim mesma...
— O que aconteceu àquele seu orgulho, meu amor? — foi a única coisa que ele
pôde dizer.
— Está no chão... foi reduzido a pó!
Ele riu dela, e Luana sentiu quanto o amava! E quanto se orgulhava dele, e
sempre se orgulharia!
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FIM
SABRINA 115
VERÃO VIOLENTO
Violet Winspear
"Um dia você terá de enfrentar o demônio", a madre superiora tinha avisado, "e
precisará de todas as suas forças para expulsá-lo." Deitada em sua cama, na casa de
praia de Zonar Mavrakis, Iris apertava a cruz em seu pescoço, tentando exorcizar os
pensamentos proibidos. Mas a lembrança daquele grego fascinante e autoritário voltava:
Zonar segurando sua nuca, roçando a pele do. seu pescoço com lábios ardentes... Não,
íris não podia cair em tentação! Quando aquele verão terminasse, ela teria de retornar ao
convento, fazer seus votos, tornar-se para sempre uma freira, longe da vaidade, dos
prazeres... e do amor.
SABRINA 116
PROMESSAS DE AMOR
Jan MacLean
Lana podia permitir que sua mãe escolhesse seu colégio, suas roupas... mas
nunca seu marido. O coração lhe dizia que só sua intuição de mulher a faria reconhecer a
companheiro, o homem para partilhar o amor e a vida. E esse homem era Heath
Markland, que sua mãe odiava. Era uma decisão difícil, mas Lana armou-se de coragem
e fugiu com, Heath. Eles seriam felizes, Heath tinha prometido. Foi então que a mãe de
Lana surgiu com revelações terríveis a respeito do caráter dele. E agora? Será que ela
devia duvidar da própria mãe? Ou era Heath que mentia ao jurar que era um homem
honesto... e que a amava?
SABRINA 117
"Você tem medo de amar, Latira?", Dan perguntou com um sorriso cínico. A
pergunta a confundiu. Ela tinha mesmo um grande medo de amar, mas não queria que
ele soubesse. O que Loura mais temia na vida era experimentar uma paixão intensa,
devastadora. Mas agora... Lembrou do beijo trocado com Dan na escuridão, do cheiro da
primavera no ar e ficou arrepiada. Inútil negar: estava irremediavelmente apaixonada, e
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por Dan Harland, o homem errado. Estava perdida também, ia ser destruída por ele.
Porque a única coisa que interessava àquele homem frio era a fortuna de Laura!
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