Caderno Completo-Alfabetização Teoria e Prática

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Alfabetização

Teoria e prática

Cláudia Maria Mendes Gontijo


Cleonara Maria Schwartz

Universidade Federal do Espírito Santo


Núcleo de Estudos em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo
Governo do Estado do Espirito Santo
Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo
Alfabetização: teoria e prática

Universidade Federal do Espírito Santo


Núcleo de Estudos em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo
Governo do Estado do Espirito Santo
Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Câmara Brasileira do Livro , SP. BR

Índices para catálogo sistemático:


1. Alfabetitização: teoria e prática
ALFABETIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA
Cláudia Maria Mendes Gontijo
Cleonara Maria Schwartz

Capa (imagem): Lays Cabral Mendes Gontijo (2000)


Revisão: Alina Bonella

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização
expressa de ambas as autoras.
Cláudia Maria Mendes Gontijo
Cleonara Maria Schwartz

Alfabetização
teoria e prática

Universidade Federal do Espírito Santo


Núcleo de Estudos em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo
Governo do Estado do Espirito Santo
Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo
Sobre as autoras

Cláudia Maria Mendes Gontijo é doutora em Educação pela Universidade


Estadual de Campinas, professora da Universidade Federal do Espírito Santo e
integrante da linha de pesquisa em Educação e Linguagens do Programa de
Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação. Suas principais obras
são: O processo de alfabetização: novas contribuições (Editora Martins
Fontes), Alfabetização: a criança e a linguagem escrita (Editora Autores
Associados) e A escrita infantil (Editora Cortez).

Cleonara Maria Schwartz é doutora em Educação pela Universidade de São


Paulo, professora da Universidade Federal do Espírito Santo e integrante da
linha de pesquisa Educação e Linguagens do Programa de Pós-Graduação em
Educação do Centro de Educação. Atualmente, coordena o Núcleo de
Pesquisa em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo (NEPALES).
Autora do livro A escola e a construção da subjetividade (Editora da UFES),
integrou a comissão organizadora do livro Desafios da Educação Básica: a
pesquisa em educação e colaborou em alguns livros com capítulos que tratam
da história do ensino da leitura no Espírito Santo.
Sumário

Introdução

Organização do espaço escolar e mediação pedagógica

Alfabetização

Os conhecimentos necessários à aprendizagem da linguagem escrita


1º Conhecimento: os sistemas de escrita
A história da escrita

2º conhecimento: história dos alfabetos


Escritas logográficas
Os silabários
O primeiro alfabeto

3º Conhecimento: nosso alfabeto

4º Conhecimento: distinção entre desenho e escrita

5º Conhecimento: as letras do nosso alfabeto


a) O nome das letras do alfabeto
b) Categorização gráfica das letras
c) Categorização funcional das letras
d) Direção dos movimentos ao escrever as letras

6º Conhecimento: compreensão da direção convencional da escrita

7º Conhecimento: símbolos utilizados na escrita

8º Conhecimento: compreender a finalidade de segmentação dos espaços


em branco
9º Conhecimento: relações entre sons e letras e letras e sons
Fonética
Fonologia
Classificações dos fonemas
Vogais e consoantes
Proposta de trabalho com as relações sons e letras e letras e sons
Variação linguística

O texto como unidade de ensino na alfabetização


O que entendemos por texto
A importância de se adotar o texto como unidade de ensino na
alfabetização
A prática da produção de texto

A leitura de textos

Leitura complementar

Referências
Introdução

Este caderno tem por finalidade subsidiar o trabalho de formação


desenvolvido com os professores que atuam nas redes estadual e municipais
de ensino do Espírito Santo. Esse trabalho é mais uma das importantes
iniciativas da Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo e do Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo
do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito. O trabalho de
formação congrega, em sua realização, pesquisadores titulados pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação da linha de pesquisa Educação e
Linguagens.
A partir da década de 1980, com a divulgação e adoção do
construtivismo de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, ocorreram mudanças no
modo como era concebida a aprendizagem da língua escrita. Partindo da
perspectiva piagetiana, no campo da Psicologia e da Psicolinguística moderna,
essas autoras apontaram que a aprendizagem da língua escrita não se realiza
por um processo mecânico de associação entre sons e letras e letras e sons,
mas as crianças, ao aprender a ler e a escrever, constroem hipóteses sobre
essas relações que se distinguem do modo como a língua escrita era ensinada.
Para entender as condições que propiciaram a adesão dos profissionais
e dos pesquisadores da educação à “nova” forma de pensar a alfabetização, é
preciso retomar a situação de ensino, nas décadas de 1970 e 1980. Nesse
período, a reprovação, na primeira série do ensino de primeiro grau, chegou,
no Brasil, a índices que foram considerados alarmantes (em torno de 50% das
crianças evadiam e/ou eram reprovadas no final dessa série). Esse fracasso
era justificado de diferentes maneiras: as crianças eram desinteressadas,
malnutridas, pobres, o ambiente em que viviam também era considerado pobre
de estímulos, etc. Essas explicações foram criticadas durante a década de
1980, pois colocavam a responsabilidade do fracasso escolar nas crianças, nas
suas famílias e no ambiente sociocultural em que viviam.
Como resposta ao reiterado fracasso escolar na alfabetização, na
década de 1990, são efetivadas mudanças que poderiam contribuir para a
solução desse problema. Conforme aponta Soares (2004), essas mudanças
foram de duas naturezas: político-pedagógica e conceitual. Dentre as
mudanças de natureza político-pedagógica, podemos citar a implantação do
sistema de ciclos em muitos municípios brasileiros, a progressão continuada,
integrada ao sistema de ciclos, que não previa a reprovação nos primeiros
anos do Ensino Fundamental.
Concomitantemente a essas mudanças, desenvolveu-se uma mudança
de natureza conceitual a respeito da aprendizagem da língua escrita que se
difundiu rapidamente no meio educacional, juntamente com o crescimento da
crença de que o construtivismo ajudaria a solucionar os problemas
educacionais ligados à alfabetização na América Latina. A perspectiva (ou
finalidade) de que a teoria de Ferreiro e Teberosky (1989) contribuiria para a
solução dos problemas de aprendizagem foi registrada pelas autoras na
introdução da obra Psicogênese da língua escrita da seguinte forma:

Para concluir esta introdução, assinalaremos, em curta síntese, que


nosso objetivo será mostrar nos fatos a pertinência da teoria
psicogenética de Piaget e das conceitualizações da psicolinguística
contemporânea, para compreender a natureza dos processos de
aquisição de conhecimento sobre a língua escrita, situando-nos
acima das disputas sobre os métodos de ensino, porém tendo como
fim último o de contribuir na solução dos problemas de
aprendizagem da lecto-escrita na América Latina, e o de evitar que o
sistema escolar continue produzindo futuros analfabetos
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1989, p. 32).

Talvez, no Brasil, as finalidades apontadas pelas autoras para as suas


teorizações tenham sido levadas demasiadamente a sério, porque, após quase
30 anos de divulgação e de disseminação dessa teoria, o problema do fracasso
escolar na alfabetização permanece sem solução. Convivemos, portanto, com
o desafio de garantir às crianças brasileiras oportunidades efetivas de
aprendizagem da leitura e da escrita.
Nessa direção, pensamos o trabalho de formação dos professores
alfabetizadores. Acreditamos que, de posse de conhecimentos específicos da
alfabetização, ou seja, sobre o que ensinar, como ensinar e para que ensinar,
poderemos contribuir significativamente para a melhoria do trabalho que
realizamos nas escolas e, consequentemente, para que as crianças possam se
apropriar da linguagem escrita. Acreditamos, dessa forma, que as crianças não
aprendem sozinhas e nem de forma espontânea. Para que elas se apropriem
dos conhecimentos e, em particular, da linguagem escrita, é necessária uma
mediação qualificada dos professores que, por sua vez, só é possível com a
existência de espaços para estudo, para troca de experiências, para
planejamento e para organização intencional e sistemática do trabalho a ser
realizado com as crianças na sala de aula.
Por meio do trabalho de formação, visamos a valorizar as experiências e
os saberes dos professores e, assim, promover a reflexão da prática educativa.
Nesse sentido, concebemos a formação como um espaçotempo privilegiado de
interlocução entre os profissionais que atuam na alfabetização. Por isso, a
metodologia de trabalho envolve a realização de oficinas, discussões,
produção de relatos e reflexões sobre as experiências com o trabalho com a
linguagem escrita nas salas de aula.
Organização do espaço escolar e mediação pedagógica

É comum pensarmos que apenas as relações das crianças com os


objetos produzem aprendizagem e, consequentemente, desenvolvimento. Essa
forma de pensamento está ancorada na teoria construtivista. Segundo essa
perspectiva, a construção do conhecimento se explica como resultado da
interação sujeito < > objeto.
Porém, sabemos, de acordo com a perspectiva histórico-cultural da
Psicologia, que o conhecimento é resultado da mediação entre os sujeitos e os
objetos. Dizer que o conhecimento é resultado da mediação é diferente de
dizer que ele é resultado da interação entre sujeito e o objeto. No caso da
interação, o elemento que produz o conhecimento é de natureza biológica. Já
na mediação, o elemento que produz o conhecimento é de natureza humana,
pois são as pessoas que realizam a mediação.
Então, é importante nos perguntarmos: por que é necessária a mediação
do outro, das pessoas, para que se produza o conhecimento? Essa pergunta
pode ser respondida da seguinte maneira: Porque os objetos criados pelos
seres humanos são portadores de significações, ou seja, conforme assinala
Pino (2005), daquilo que nós sabemos e podemos dizer a respeito delas. Os
objetos não falam, eles não dizem como podem ser usados, para que servem;
quem fala e quem diz somos nós, os seres humanos. Assim, somente nós
podemos realizar a mediação entre as crianças e os objetos culturais. Somente
por meio da nossa mediação, as crianças podem produzir e se apropriar dos
conhecimentos criados ao longo da história humana.
A linguagem escrita é de natureza cultural, porque foi criada pelos seres
humanos. Se a escrita é um objeto de natureza cultural, não é suficiente
manusear letras, livros, fichas de leitura, brinquedos, etc. para que as crianças
aprendam a ler e a escrever. É fundamental que a relação das crianças com a
linguagem escrita seja mediada por nós, professores. Desse modo, cada
suporte que comporta textos ou escritas não pode ser apenas inserido na sala
de aula. Precisamos conversar, explicar, ensinar para as crianças aquilo que
sabemos e podemos fazer com eles.
Assim, precisamos pensar a organização da sala de aula em função das
necessidades das crianças e da aprendizagem. A estrofe da letra da música
composta por Toquinho, intitulada É bom ser criança, ajuda-nos a refletir sobre
as necessidades das crianças:

É bom ser criança,


Isso às vezes nos convém.
Nós temos direitos
Que gente grande não tem.
Só brincar, brincar, brincar,
Sem pensar no boletim.
Bem que isso podia nunca mais ter fim.

As crianças têm direito de brincar, mas, às vezes, esse direito tem fim,
quando elas entram na escola para aprender a ler e a escrever. É possível
aprender brincando e é possível brincar e aprender. As brincadeiras realizadas
pelas crianças na sala de aula nos permitem conhecer a sua vida, como
compreendem o mundo e, também, contribuem para o desenvolvimento da
imaginação.
Por outro lado, as necessidades de aprendizagem estão diretamente
ligadas às respostas que damos a três questionamentos: o que ensinamos?
Como ensinamos? Para que ensinamos? Para respondermos a essas
questões, é importante que tenhamos um conceito de alfabetização que oriente
as nossas práticas.

Resumindo
A mediação pedagógica é essencial para a aprendizagem da linguagem
escrita. Ninguém aprende a ler e a escrever sozinho ou apenas interagindo
com materiais escritos.
A organização da sala de aula deve levar em conta, ao mesmo tempo, as
necessidades das crianças e as necessidades de aprendizagem da leitura e da
escrita.
Alfabetização

Em sentido amplo, a alfabetização “[...] é o processo de inserção no


mundo da linguagem escrita” (GONTIJO, 2002, p. 7). Esse conceito nos remete
à ideia de que a alfabetização se inicia muito antes de os indivíduos entrarem
para a escola, ou seja, aquelas pessoas que nascem em meio urbano ou em
meios onde as outras pessoas fazem uso da escrita e da leitura em diversas
situações sociais têm oportunidades de compreender as finalidades e os usos
sociais da escrita mesmo antes de serem matriculadas nas escolas e começar
a aprender a ler e a escrever.
Para as crianças ou pessoas em fase de alfabetização, a escrita é uma
forma especial de linguagem, pois o aprendizado da linguagem escrita
possibilita a apropriação de novas formas de expressão e de comunicação.

Foto 1: Criança manuseando livro Foto 2: Crianças lendo

Em termos etimológicos, a palavra alfabetização significa levar à


aquisição do alfabeto e, portanto, das habilidades de ler e de escrever. Dessa
forma, o significado etimológico dessa palavra pouco contribui para que
possamos construir um conceito de alfabetização que tenha em conta a
natureza complexa desse fenômeno. Aprender as letras do alfabeto é muito
importante, mas insuficiente para que um indivíduo ou grupo de indivíduos seja
considerado alfabetizado. Quantas vezes podemos observar crianças
pequenas desenhando as letras do alfabeto ou repetindo oralmente sua
sequência sem compreender o que é a escrita, os seus usos e finalidades.
Em termos pedagógicos, é muito importante termos um conceito de
alfabetização que abranja as suas diferentes dimensões que, por sua vez, se
constituem em eixos norteadores do trabalho de ensinoaprendizagem que
realizamos nas salas de aula. Desse modo, tendo em vista a natureza
complexa e multifacetada da alfabetização e a necessidade de construção de
um conceito que oriente a prática educativa, pensamos a alfabetização

[...] como uma prática sociocultural em que se desenvolve a formação


da consciência crítica, as capacidades de produção de textos orais e
escritos, a leitura, os conhecimentos sobre o sistema de escrita da
língua portuguesa, incluindo a compreensão das relações entre sons
e letras e letras e sons (GONTIJO, 2008).

A alfabetização, nas sociedades industrializadas, ocorre basicamente na


escola. Isso não significa, entretanto, que ela aconteça somente na escola.
Porém, independentemente do lugar em que ocorre, ela é concebida como
espaço e tempo de formação que propicia o exercício da cidadania e, portanto,
o desenvolvimento da criticidade por meio do trabalho de produção de textos e
de leitura. Desse modo, assim como Freire e Macedo (1990), pensamos em
uma alfabetização em que as crianças desenvolvam a criticidade, a
impaciência e a criatividade.

Resumindo
De acordo com o conceito de alfabetização adotado, ao trabalharmos com
as crianças na sala de aula, é necessário considerar as seguintes dimensões
desse processo:
a) o desenvolvimento da criticidade;
b) a produção de textos orais e escritos;
c) a leitura;
d) os conhecimentos sobre o sistema de escrita da língua portuguesa,
incluindo as relações entre sons e letras e letras e sons.
Os conhecimentos necessários à aprendizagem da linguagem escrita

Nesta parte, organizaremos os conhecimentos necessários à


aprendizagem da leitura e da escrita. O estudo desses conhecimentos é
essencial para que possamos planejar o trabalho na sala de aula.
Os conhecimentos sobre o sistema de escrita a serem ensinados na
fase inicial da alfabetização escolar são: os sistemas de escrita, a história dos
alfabetos, a distinção entre desenho e escrita, o nosso alfabeto, as letras do
nosso alfabeto (categorização gráfica das letras, categorização funcional das
letras, direção dos movimentos da escrita ao escrever as letras), a organização
da página escrita nos diversos gêneros textuais, os símbolos utilizados na
escrita, os espaços em branco na escrita, as relações entre letras e sons e
entre sons e letras.

É importante enfatizarmos que esses conhecimentos se referem a uma das


dimensões do conceito de alfabetização que orienta o nosso trabalho. Porém,
essas dimensões estão integradas às demais dimensões: leitura e produção de
textos orais e escritos.

1º Conhecimento: os sistemas de escrita

Segundo Cagliari (1989), há sistemas de escrita que representam o


significado das palavras (escritas ideográficas) e há aqueles que representam
os sons da língua, ou seja, sua “pauta sonora” (escrita fonográfica). Nosso
sistema de escrita (chamado “alfabético-ortográfico”) representa os “sons” da
fala ou os fonemas.
Os sistemas de escrita baseados nos significados são geralmente, “[...]
pictóricos, iconicamente motivados pelos significados que querem transmitir, e
dependem fortemente dos conhecimentos culturais em que operam”
(CAGLIARI, 1989, p. 115). A leitura desses tipos de sistema de escrita não
depende do conhecimento de uma língua específica e, portanto, os significados
produzidos por eles podem ser lidos por pessoas que usam diferentes línguas.
Um exemplo de escrita baseada nos significados é a ideográfica.
Atualmente, ainda convivemos com esse tipo de escrita. Os sinais de trânsito
podem ser citados como exemplo:

Cuidado Animais Animais Selvagens Bonde Aeroporto

Máquina Agrícola Ciclista Área Escolar Crianças

Um motorista que viaja para qualquer parte do mundo poderá ler os


sinais de trânsito, independentemente de conhecer uma determinada língua. O
que auxilia a leitura é o fato de os sinais de trânsito serem iconicamente
motivados, ou seja, os desenhos utilizados na produção dos símbolos
ideográficos remetem aos significados que desejam transmitir. Provavelmente,
uma pessoa que não conhece ou nunca viu um deles poderá significá-los de
outras maneiras. Por isso, dizemos que eles dependem dos conhecimentos do
leitor.
Os sistemas de escrita baseados nos significantes dependem
essencialmente dos elementos sonoros da língua para serem lidos. O nosso
sistema de escrita é fundamentado nos significantes, por isso os textos
produzidos com as letras do alfabeto só podem ser lidos por pessoas que o
conhecem.

A história da escrita

Segundo Cagliari (1989, p. 106), em linhas gerais, a história da escrita


pode ser caracterizada “[...] sem seguir uma linha de evolução cronológica de
nenhum sistema especificamente”, em três fases distintas: a fase pictográfica,
a fase ideográfica e a fase alfabética. “A fase pictográfica se distingue pela
escrita através de desenhos ou pictogramas. Estes aparecem em inscrições
antigas, mas podem ser vistos [...] mais recentemente nas histórias em
quadrinhos” (CAGLIARI, 1980, p. 107) sem escrita.
Os pictogramas também são exemplos da fase pictográfica. Segundo
Cagliari (1989, p. 108), eles “[...] não estão associados a um som, mas a
imagem do que se quer representar. Consistem em representações bem
simplificadas dos objetos da realidade”. A fase ideográfica

[...] se caracteriza pela escrita através de desenhos especiais


chamados ideogramas. Esses desenhos foram ao longo de sua
evolução perdendo alguns dos traços mais representativos das
figuras retratadas e tornaram-se uma simples convenção escrita. As
letras do nosso alfabeto vieram desse tipo de evolução (CAGLIARI,
1989, p. 108).

Esse tipo de escrita ainda está presente na sociedade atual: sinais de


trânsito, sistema numérico, inscrições em banheiros, etc.
A fase alfabética se caracteriza pelo uso de letras. Estas tiveram sua
origem nos ideogramas, mas perderam o valor ideográfico assumindo uma
nova função de escrita: a representação puramente dos sons da fala. O
ideograma perdeu seu valor pictórico e passou a ser simplesmente uma
representação fonética.
Podemos trabalhar com as crianças vários textos que usam as letras do
alfabeto e, também, outros textos para mostrar que, na comunicação humana,
usamos diversas formas de linguagens. Esse trabalho ajuda a criança a
compreender a ideia de símbolo. Segundo Lemle (1989), esse é um
conhecimento essencial para o aprendiz da leitura e da escrita. Dessa forma,
as crianças aprenderão que nos valemos de muitas linguagens que, por sua
vez, utilizam signos diferentes. Atualmente, em nossa sociedade, faz-se uso de
imagens que se juntam às palavras, ou as substituem, na tentativa de
estabelecer uma comunicação mais rápida e eficiente. Nesse contexto, é
importante aprofundar o estudo dessas várias possibilidades da linguagem e o
significado de cada uma delas em nossa época.
Na sala de aula

Podemos ensinar sobre os sistemas de escrita contando a história da escrita


para as crianças. Elas podem vivenciar situações interessantes que as ajudam
a entender que podem ler muitos textos ou construir sentidos mesmo antes de
conhecer os alfabetos que usamos em nossa sociedade.

Trabalhando com os livros didáticos utilizados nas salas de aula


1. Qual é o título do livro didático de alfabetização que você trabalha em sua
sala de aula?
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2. Quem é/são o/s autor/es e o/os ilustrador/es do livro didático?


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3. Procure, na internet ou em outras fontes informações, sobre o autor ou os


autores do livro. Registre-as no espaço abaixo.
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4. Qual é a editora que publicou o livro?


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5. O livro trabalha a história da escrita? Se o livro trabalha a história da escrita,
descreva em tópicos a proposta apresentada.
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6. Conforme o que foi estudado, você considera a proposta do livro apropriada?


Construa, em seu caderno, propostas que ajudem a melhorar o trabalho
sugerido no livro. Depois, desenvolva as atividades na sala de aula com as
crianças. Registre, em seu caderno, o desenvolvimento do trabalho.

2º conhecimento: história dos alfabetos

O trabalho com os sistemas de escrita é muito importante para que as


crianças compreendam a ideia de símbolo. Estudar a história dos alfabetos
também contribui para isso. Assim, entender como os seres humanos
chegaram a usar letras para escrever ajuda as crianças a compreenderem a
natureza cultural e histórica do alfabeto que usamos hoje em nossa sociedade.
Portanto, conheceremos a história dos alfabetos, pois esse conhecimento nos
ajudará a planejar o nosso trabalho.
De acordo com Cagliari (1999, p. 164), a “[...] escrita começou na
Suméria, por volta de 3.100 a.C. A Suméria era um país que existia onde se
localiza o Irã e o Iraque, numa região chamada Mesopotâmia, que quer dizer
entre rios. Os rios são o Tigre e o Eufrates”.

As primeiras escritas surgiram da necessidade que os povos antigos


tiveram “[...] de registrar informações e contar fatos” (ZATZ, 1991, p. 24). Dessa
forma, as primeiras escritas foram criadas com as funções de registro ou
mnemônica e de comunicação. As finalidades da escrita, ao longo da história,
foram ampliadas e diversificadas, mas, atualmente, ainda usamos a escrita
com essas duas funções.
A escrita cuneiforme, criada pelo povo sumério, é um exemplo de como
esse povo buscava realizar seus registros. De acordo com Higiounet (2003, p.
29), a palavra cuneiforme significa “forma de cunha”. Essa escrita tem a forma
exterior angulosa e era registrada em argila úmida, utilizando-se um junco
cortado obliquamente.

Figura 3: Escrita cuneiforme: inventada pelos Figura 4: Estilete utilizado pelos sumérios
Sumérios para escrever em argila úmida
Fonte: http://www.google.com.br Fonte:http://cmup.fc.up.pt

Saber o que essa escrita representa é muito difícil. Há muitas


especulações, mas nada conclusivo. Assim, quando os seres humanos
passaram a produzir o seu próprio alimento, por meio do plantio e da criação
de animais, e começaram a se organizar em grupos, a escrita se tornou
necessária e importante. “Era preciso, por exemplo, controlar os rebanhos e,
mais tarde, os produtos que iam do campo para a cidade e da cidade para o
campo” (ZATZ, 1999, p. 23). Dessa forma, de acordo com Teberosky (1996, p.
21), “[...] o domínio sobre o qual se aplica e a comunicação é o da transação
comercial de mercadorias, Mas o registro através da escrita produz como efeito
a necessidade de arquivar dados das listas registradas”. Vejamos a escrita que
se segue:

Figura 5: Tabuinha recordando a alocação de cerveja


Fonte: http://www.britishmuseum.org

Na argila, foram escritos pictogramas com um instrumento afiado. Ela foi


dividida em quadrados, cada um deles com um produto e uma quantidade.
Olson (1997) explica que o símbolo da cerveja é uma jarra sobre uma base
pontiaguda. Ela aparece no primeiro quadro ou “casa quadriculada”. A cerveja
era uma das bebidas mais populares na Mesopotâmia. As marcas
arredondadas expressam as quantidades. “A quantidade é representada por
duas formas: uma produzida pela extremidade de um estilete redondo, que
poderia representar ‘10’, a outra produzida pela aresta do estilete, que poderia
representar as unidades” (OLSON, 1997, p. 89). Esses escritos podem
representar o trabalho dos administradores de distribuição das rações ou a
circulação e armazenamento de mercadorias, ligando a escrita às atividades
comerciais, de controle de produtos, etc.
Conforme Kristeva (1988), apesar de a escrita cuneiforme não ter se
transformado em um sistema de escrita alfabética, ela é um exemplo
importante das escritas logográficas. Por outro lado, as tabuinhas de argila em
que os sumérios faziam as escrita cuneiforme podem ser consideradas os
“livros” mais velhos do mundo.
Escritas logográficas

Os sistemas baseados em palavras são denominados logográficos.


Vejamos exemplos desse tipo de escrita:

Figura 6: Escritas logográficas


Fonte: ZATZ, Lia. Aventura da escrita: história do desenho que virou letra. São Paulo: Moderna, 1991.

Como podem ser observados, os símbolos representam as palavras


homem, boi, sol e água. Esses símbolos mantêm ainda semelhanças com os
objetos cujas palavras representam. Imaginem, portanto, como é escrever
empregando símbolos icônicos para as palavras que usamos em nossa língua.

1. Vamos escolher sinais ou desenhos para representar as palavras da frase


abaixo:

A casa de Maria é amarela.

2. Agora, escrevam a frase que se segue usando os sinais inventados:

Maria gosta de brincar em casa.


3. O que aconteceu? Os símbolos inventados ajudaram a escrever a segunda
frase? Por quê?

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Os povos antigos tiveram a mesma dificuldade, ou seja, era necessário


criar muitos sinais para todas as palavras. Segundo Olson (1997, p. 95), “[...] os
dicionários modernos da língua chinesa, o melhor exemplo de uma escrita
logográfica [...] relacionam cerca de 50.000 caracteres”.
Na escrita suméria, por exemplo, a necessidade de escrever mais
palavras, sem aumentar a quantidade de símbolos, levou à utilização do que foi
denominado de gunu, ou seja, “[...] traços suplementares reforçando a idéia
expressa por um sinal: por exemplo: quatro pequenos traços acrescentados ao
desenho da palavra homem lhe darão o sentido de rei” (HIGOUNET, 2003, p.
32). Vejamos a escrita que se segue:
Figura 7: Uso do gunu
Fonte: HIGOUNET, Charles. História concisa da escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

Outro artifício criado foi o “agregado lógico” que consistia na


justaposição de dois sinais que representavam uma palavra nova. Vamos
observar o exemplo:

Figura 8: Agregado lógico


Fonte: HIGOUNET, Charles. História concisa da escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

Desse modo, os símbolos que representavam mulher e montanha juntos


passaram a significar escravo.
O povo sumério inventou ainda certos sinais que, colocados diante das
palavras, indicavam o seu significado.
Figura 9: Determinativo
Fonte: HIGOUNET, Charles. História concisa da escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

Dessa forma, segundo Olson (1997, p. 95), nesse tipo de escrita,


estavam envolvidos três princípios na formação dos caracteres ou de formação
gráfica:
a) “a facilidade de reconhecimento é aumentada pelo emprego das
representações icônicas do objeto”.
b) a economia, “[...] toma-se emprestado o signo de um objeto para representar
outra palavra, ou parte de uma palavra, devido às semelhanças dos sons (o
chamado princípio acrofônico ou fonográfico das cartas enigmáticas)”.
c) “a univocidade, distinguem-se os homófonos, palavras que soam da mesma
maneira, mas significam coisas diferentes, por meio de um determinativo não
verbalizado indicando a classe semântica a que a palavra pertence”.

Os silabários

O primeiro silabário que se tem notícia “[...] foi resultado da adaptação


de signos logográficos sumérios a uma língua semítica, o acadiano” (OLSON,
1997, p. 57). Assim, com o surgimento dos silabários, os símbolos passam a
representar unidades da fala, ou da linguagem. Além disso, antes, “[...] cada
pictograma tinha o nome da própria palavra que representava. Nos silabários,
os sons prevalecem sobre os significados na designação dos nomes dos
caracteres, ficando os significados num plano secundário” (CAGLIARI, 199, p.
166).
Desse modo, são criadas novas denominações para os símbolos
consonantais. Nas línguas semíticas, usavam-se apenas três símbolos para
representar as vogais (I, U, A). O significado das palavras era inferido a partir
do contexto.

O sistema consonantal dos semíticos durou milênios – só a escrita


egípcia durou 3 mil anos! É claro que os sistemas não usam apenas
um procedimento de representação. A própria escrita egípcia, que era
basicamente do tipo consonantal, utilizava também símbolos
ideográficos, determinativos semânticos e ideográficos (CAGLIARI,
1999, p. 167).

No século XI a.C., esse tipo de escrita já havia passado por várias


transformações e se fixado numa forma definitiva, com apenas 22 caracteres.

O primeiro alfabeto

Foi exatamente o povo fenício que criou o que podemos chamar de


alfabeto. Para chegar a isso, segundo Cagliari (1999, p. 169), os “[...] semitas
do Oriente Médio puseram em prática aquela idéia de formar uma escrita com
poucos caracteres e com formas gráficas de fácil desenho”. Com essa
finalidade, construíram uma lista de palavras, “[...] de tal modo que cada uma
delas começasse por um som diferente, tendo, no total, a representação de
todas as consoantes no início dessas palavras” (CAGLIARI, 1999, p. 169).
Vejamos, no quadro abaixo, algumas das letras, seus significados e sons
representados:
Letra Nome Significado Som

ʼāleph Boi ʼ

bēth Casa B

gīmel Camelo G

dāleth Porta D

hē Janela H

Quadro 1: Caracteres do alfabeto fenício

Depois de criados os caracteres (letras), seus nomes, significados e


sons que representam, surge o primeiro alfabeto, composto de símbolos que
representavam apenas consoantes. Esse sistema passou ainda a ser uma
escrita puramente fonética, pois as letras eram símbolos das unidades da
língua.
Por volta de 1.300 a.C., os gregos adequaram a escrita fenícia à língua
grega. Pela primeira vez, essa escrita foi adaptada a uma língua não semítica.

Muitos dos sinais silábicos do alfabeto semítico se ajustaram à língua


dos gregos e podiam ser usados diretamente para representá-la:
forma esses as consoantes. No entanto, ao contrário das línguas
semíticas, o grego, como o português ou o inglês, é um idioma indo-
europeu, no qual as diferenças vocálicas levam à diferenciação
léxica: ‘mala’ tem um sentido diferente de ‘mula’. Além disso, há
palavras que consistem só em vogais, outras que começam por
vogais, e não são raras as palavras com pares de vogais. Para
preencher a lacuna, seis caracteres semíticos, representando sons
desconhecidos dos gregos, foram usados como empréstimo para
representar esses sons vocálicos isolados (OLSON, 1999, p. 101).
Como apontam as teses de alguns estudiosos, o alfabeto latino, que deu
origem ao alfabeto usado atualmente, derivou-se do alfabeto grego ocidental.
Porém, alguns acreditam que essa derivação é indireta, pois o primeiro alfabeto
latino teria sua origem no alfabeto etrusco. Os etruscos, cuja língua é
desconhecida, dominaram a Península Itálica nos séculos VII e VI a.C.
Vejamos como eram formados os caracteres do alfabeto latino arcaico:

3º Conhecimento: nosso alfabeto

A palavra alfabeto, segundo o dicionário de Aurélio (1986, p. 82),


significa: “1. Disposição convencional das letras de uma língua. 2. O conjunto
dessas letras”. Atualmente, o nosso alfabeto é composto de 26 letras que,
combinadas, podem representar o que pensamos, falamos, sentimos e
imaginamos. Ele possui muitas variações e, por isso, podemos dizer que
existem muitos alfabetos que circulam em nossa sociedade.
As crianças que estão aprendendo a ler e a escrever precisam conhecer
os alfabetos de uso mais frequente em nossa sociedade. Por isso, mesmo que
elas sejam incentivadas a usar o alfabeto de forma maiúsculo para escrever,
não podemos deixar de mostrar, ensinar outros tipos de alfabeto.
Sabemos que, quando as crianças começam a aprendizagem da leitura
e da escrita, elas podem não ter as habilidades motoras necessárias à
atividade de escrever usando, por exemplo, a letra cursiva que possui traçados
difíceis de serem feitos. Desse modo, tendo em vista a necessidade de
aprender a escrever escrevendo, é importante que as crianças utilizem, para
escrever, um tipo de alfabeto que possui letras com traçado mais simples. O
alfabeto de forma maiúscula tem esse tipo de traçado. Entretanto, o fato de
elegermos uma letra para escrever não impede as crianças de terem acesso a
tipos de alfabeto de uso frequente em nossa sociedade. Para definirmos quais
são os alfabetos de uso frequente, basta abrir os jornais, as revistas e os livros
que circulam na sociedade e observar os tipos de alfabeto usados. Também a
letra cursiva é muito utilizada com finalidades específicas.
Nessa direção, é importante que nós tenhamos, nas salas de aula,
afixados em altura condizente com a estatura das crianças, pelo menos quatro
tipos de alfabeto: com letras de forma maiúscula e minúscula e com letra
cursiva maiúscula e minúscula. Mesmo que as crianças utilizem somente a
letra de forma maiúscula para escrever, elas poderão se familiarizar com os
diversos tipos de alfabeto, principalmente, em situações de leitura.

Produção de material didático

No próximo encontro, traremos materiais para construção de um cartaz


contendo os alfabetos.

4º Conhecimento: distinção entre desenho e escrita

Conhecer as diferenças entre desenho e escrita é muito importante para


as crianças que estão em fase inicial de alfabetização escolar. Segundo
Massini-Cagliari (1999), a diferença entre desenho e escrita reside no modo
como representam o mundo. Assim, os desenhos expressam o mundo de
forma direta e a escrita de forma indireta. Vejamos as fotografias que se
seguem:
Ao observarmos essas duas fotografias, dizemos que é um celular e um
telefone. Também as pessoas falantes de outras línguas dirão os nomes
desses objetos usando as palavras de sua língua. Se for um falante da língua
inglesa, dirá: celular ou phone. Assim, os desenhos representam diretamente
os objetos. Qualquer criança que conhece esses objetos também sabe o que
essas imagens ou fotografias representam. Observe, agora, o desenho abaixo.

Os desenhos, assim como as fotografias, representam diretamente os


objetos. Se conhecermos os tipos de telefones representados nos desenhos,
não será necessário muito esforço para reconhecermos e nomearmos esses
desenhos. Assim, os desenhos representam diretamente os objetos. Por isso,
eles são, segundo Vigotski (2001), simbolismos de primeira ordem.
Também as palavras faladas são símbolos dos objetos. Quando
queremos nos referir a um objeto, não precisamos mostrá-lo ou mostrar o seu
desenho. Por exemplo, se quisermos nos referir ao telefone, não é necessário
que mostremos o objeto ou o seu desenho. É suficiente pronunciarmos a
palavra telefone para que todos saibam qual é objeto mencionado. Por isso,
dizemos que as palavras faladas são símbolos dos objetos. Convencionamos
que a palavra telefone se refere aos objetos representados nas imagens acima.
Nesse sentido, as palavras faladas são símbolos convencionais e arbitrários
dos objetos.
A escrita, por sua vez, representa a linguagem ou as palavras faladas.
Portanto, dizemos que a escrita é um simbolismo de segunda ordem, porque
ela representa, indiretamente, os objetos. Vejamos o exemplo para
compreendermos melhor o que estamos dizendo.
[telefoni]
Telefone

Então, temos o desenho do objeto telefone. Em seguida, dentro do


balão, temos a palavra telefone [telefoni] registrada do modo como nós a
pronunciamos. O desenho e a palavra representam o objeto telefone de modos
diferentes, pois a palavra é simbólica, arbitrária e convencional. O desenho é
simbólico, mas não é convencional e nem arbitrário, porque reproduz as
características do objeto. Por fim, temos a escrita da palavra. A escrita
representa diretamente os sons que usamos para pronunciar a palavra
telefone. Certamente, quando ouvimos a palavra telefone, nos remetemos
imediatamente ao significado dessa palavra.
As crianças e nós, leitores, deparamos-nos cotidianamente com
desenhos “[...] ora representando objetos ou idéias do mundo, ora como escrita
representando a linguagem” (MASSINI-CAGLIARI, 1999, p. 12). As letras
também são desenhos, mas desenhos que representam a linguagem. Desse
modo, desenho e escrita são sistemas simbólicos, ou seja, eles nos permitem
pensar os objetos do mundo na ausência deles. Segundo Vigotski (2001), o
desenho é um simbolismo de primeira ordem, porque representa diretamente
os objetos do mundo, e a escrita é um simbolismo de segunda ordem, porque
representa unidades da linguagem oral.

5º Conhecimento: as letras do nosso alfabeto

O trabalho com os sistemas de escrita e com a história do alfabeto


ajudam as crianças a compreender a ideia de símbolo e, portanto, a natureza
dos sistemas simbólicos usados atualmente. Nesse sentido, outro
conhecimento importante é sobre as letras do alfabeto, que são unidades
gráficas que representam os sons vocálicos e consonantais que constituem as
palavras da nossa língua.

O nome das letras do alfabeto

O nosso alfabeto é composto de 26 letras. De acordo com as Normas


Ortográficas da Língua Portuguesa, as letras k, w e y, incorporadas ao nosso
alfabeto, são usadas nos seguintes casos especiais:

a) Em antropónimos/antropônimos originários de outras línguas e


seus derivados: Franklin, frankliniano; Kant, kantismo; Darwin,
darwinismo; Wagner, wagneriano; Byron, byroniano; Taylor, taylorista;
b) Em topónimos/topônimos originários de outras línguas e seus
derivados: Kwanza, Kuwait, kuwaitiano; Malawi, malawiano;
c) Em siglas, símbolos e mesmo em palavras adotadas como
unidades de medida de curso internacional: TWA, KLM; K-potássio
(de kalium), W-oeste (West); kg-quilograma, km-quilómetro, kW-
kilowatt, yd-jarda (yard); Watt .

Cada letra do nosso alfabeto tem o seu próprio nome. Entretanto, a


definição desses nomes não impede, conforme as normas ortográficas da
Língua Portuguesa, que as letras sejam designadas com outros nomes.

a A (á) j J (jota) s S (esse)


b B (bê) k K (capa ou cá) t T (tê)
c C (cê) l L (ele) u U (u)
d D (dê) m M (eme) v V (vê)
e E (é) n N (ene) w W (dáblio)
f F (efe) o O (ó) x X (xis)
g G (gê ou guê) p P (pê) y Y (ípsilon)
h H (agá) q Q (quê) z Z (zê)
i I (i) r R (erre)

Aprender os nomes das letras ajuda as crianças a conhecer os valores


sonoros que muitas delas possuem nas palavras. Por exemplo: quando
ensinamos o nome da letra B (bê), as crianças aprendem o som básico que
essa letra representa nas palavras cabelo, berço, bola, etc. O “[...] h inicial
emprega-se: a) Por força da etimologia: haver, hélice, hera, hoje, hora, homem,
humor. b) Em virtude de adoção convencional: hã?, hem?, hum!” (ACORDO
ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA).
Os antigos métodos de soletração tinham uma grande preocupação em
ensinar, primeiramente, os nomes das letras. Esse ensino era baseado na
repetição, ou seja, todos os dias, em algum momento da aula, o mestre fazia
com que as crianças repetissem em coro ou individualmente o nome das letras
na ordem em que aparecem no alfabeto. Outras vezes, a leitura das letras era
efetuada sem observar a ordem alfabética para verificar se as crianças haviam
memorizado seus nomes.
Obviamente, não pretendemos dar continuidade a esse tipo de prática.
Por isso, é muito importante que o ensino do nome das letras ocorra de forma
significativa para as crianças. Atualmente, muitos professores aproveitam o fato
de as crianças terem interesse em aprender a escrever os seus nomes próprios
para ensinar também os nomes das letras. Além disso, existem músicas, jogos
e brincadeiras que permitem que essa aprendizagem se desenvolva de forma
lúdica.

Categorização gráfica das letras

Segundo Cagliari (1999, p. 38), não é simples definir o que é letra.


Entretanto, “[...] dois aspectos cruciais envolvidos na definição de letra são o
gráfico e o funcional”. Trataremos, em primeiro lugar, da categorização gráfica
e, no próximo item, da categorização funcional.
As variações gráficas obedecem a padrões estéticos, mas são também
controladas pelo valor funcional das letras. Nesse sentido, é necessário que o
planejamento de atividades possibilite às crianças refletir sobre a categorização
gráfica das letras. Isto é, atividades que lhes permitam compreender que uma
letra tem desenhos diferentes. Tomemos a letra B e vejamos algumas de suas
formas.
B B B B B B b B B B

Desse modo, segundo Cagliari (1995), apesar das diferenças na forma


gráfica de uma mesma letra, ela tende a seguir o mesmo traçado, ou seja,
podemos observar alguns aspectos comuns nas diversas formas das letras. No
caso da letra b dos alfabetos minúsculos de forma, observamos uma haste e
uma forma arredondada. São esses traços comuns que nos permitem
reconhecer essa letra nos diferentes alfabetos.

Categorização funcional das letras

Apesar de as letras variarem graficamente, elas “[...] têm valores


funcionais fixados pela história das letras, pelo processo de adaptação a uma
determinada língua e, principalmente, pela ortografia das palavras” (CAGLIARI,
2002, p. 122). Nesse sentido, podemos dizer que o que define uma letra, do
ponto de vista funcional, é a ortografia.
De acordo com as normas ortográficas, as palavras devem ser escritas
observando uma sequência definida de letras. Isto é, ao escrever uma palavra,
não podemos usar qualquer letra ou em qualquer posição. Sendo assim, o que
determina que a letra b, independentemente da sua forma gráfica, seja
chamada de bê é o fato de essa letra representar, de acordo com a nossa
ortografia, o som /b/. Desse modo, a categorização funcional está ligada às
relações sons-letras e letras-sons que trataremos posteriormente.

Direção dos movimentos ao escrever as letras

Como sabemos, escrevemos da esquerda para a direita e de cima para


baixo. Entretanto, segundo Cagliari (1998), essa informação pode ter
implicações no modo como as crianças traçam as letras. Isto é, elas podem
traçar as letras que têm um desenho arredondado observando a direção da
escrita, o que produz escritas espelhadas. Por exemplo, ao tentar escrever a
letra S da esquerda para a direita, ela ficará invertida. O mesmo ocorre com a
letra C. Por isso, sempre que for oportuno, ou seja, sempre que forem
observadas escritas “espelhadas”, é importante mostrar para as crianças a
direção do traçado das letras.
Os aprendizes da leitura e da escrita precisam entender ainda sobre a
necessidade de cuidar da estética das letras. As formas gráficas das letras
podem mudar até o limite da convenção, ou seja, até onde as letras possam
ser reconhecidas e lidas. É importante, desse modo, ensinar as crianças a
traçar adequadamente as letras, respeitando seus padrões estéticos e mostrar,
apontando quando os traçados se afastam desses padrões.
Os antigos métodos de alfabetização concretizados nas cartilhas
privilegiavam o trabalho com esse aspecto, levando as crianças a realizar
inúmeras atividades como a que se segue:

Figura 10: Exercício de cartilha


Fonte: Cartilha Caminho Suave

O ensino do traçado das letras não leva à reedição de atividades como a


mostrada acima, pois, no início da alfabetização, privilegiamos o uso da letra
de forma maiúscula para escrever, e seu traçado deve ser mostrado sempre
que as crianças grafarem as letras com formatos que as afastam das
convenções definidas pela ortografia.
Planejamento de sequência didática

Organize, em seu caderno, uma sequência didática com a finalidade de ensinar


as letras do alfabeto. Após o planejamento, iremos realizar um painel na sala
de aula visando à troca de experiências.

6º Conhecimento: compreensão da direção convencional da escrita

Na língua portuguesa, de modo geral, escrevemos da direita para a


esquerda e de cima para baixo. Essas regras, segundo Zatz (1991, p. 40), “[...]
foram sendo estabelecidas aos poucos e de formas diferentes para as diversas
línguas. O objetivo de estabelecer regras foi sempre o de facilitar a tarefa de
escrever e de ler”. De acordo com a autora, os egípcios e os gregos escreviam
em várias direções. No entanto, com o tempo, os gregos “[...] estabeleceram a
regra de escrever e ler em linhas horizontais, de cima para baixo e da esquerda
para a direita, que é como nós escrevemos e lemos” (ZATZ, 1991, p. 40).
Assim, a direção da escrita é, também, um elemento diferenciador dos
sistemas de escrita. Ela é uma convenção, ou seja, segue padrões partilhados
por usuários de um determinado sistema e, também, foi sendo alterada ao
longo da história. Para nós, que lemos e escrevemos, os princípios que regem
a direção da escrita não trazem dificuldades, mas, para os aprendizes da
leitura e da escrita não é assim e, por isso mesmo, eles devem ser ensinados.
As crianças precisam compreender que, convencionalmente, escrevemos da
esquerda para a direita e de cima para baixo. No entanto, precisamos ensinar
ainda que a direção da escrita se altera de acordo com o gênero textual.
Desse modo, é importante que as crianças aprendam a direção
convencional da leitura e da escrita, mas é igualmente importante que elas
possam analisar outras disposições da escrita em trabalhos artísticos, em
tabelas e em outros gêneros. Vejamos, por exemplo, os seguintes poemas
concretos. A sua composição segue direções muito diferentes das
convencionais.
a) Poema concreto Giro, de Marcelo Moura, cuja diagramação “congela” o sentido de girar
(um substantivo (trans)formado em verbo, virtualmente):

b) Poema concreto de Wladimir Dias Pino, geometrizando a paisagem de aves em


“movimento” (estático na superfície do papel):
É necessário ainda que as crianças aprendam sobre a organização dos
textos em alguns suportes. Um dos primeiros suportes textuais que elas usam
na escola são os livros e os cadernos. Estes comportam uma multiplicidade de
gêneros textuais que podem ser escritos e lidos em diferentes direções.
Entretanto, grande parte dos textos escritos nos cadernos escolares ocupa a
frente e o verso das folhas. São escritos dentro das margens que são
indicadas, às vezes, com cor diferente das linhas, a partir da margem
esquerda. Aprender a fazer uso do caderno é muito importante para as
crianças, pois, enquanto não tivermos computadores para cada aluno na sala
de aula, ele, conforme assinala Toquinho, em sua música intitulada Caderno, é
um suporte que irá acompanhar as crianças em toda a sua vida escolar.

Sou eu que vou seguir você


Do primeiro rabisco até o bê-á-bá
Em todos os desenhos coloridos vou estar
A casa, a montanha, duas nuvens no céu
E um sol a sorrir no papel [...]

Foto 3: Folhas do caderno de Luana – 1ª série do Ensino Fundamental


Acervo pessoal de Cláudia Maria Mendes Gontijo
Foto 4: Folhas do caderno de Luana – 1ª série do Ensino Fundamental
Acervo pessoal de Cláudia Maria Mendes Gontijo

Sendo assim, precisamos discutir com as crianças a direção da escrita e


como é a sua sequência nas folhas do caderno para a maioria dos textos
escolares. Na alfabetização, uma atividade que contribui para o aprendizado da
orientação convencional da escrita é a leitura em voz alta pelo professor ou
pela professora, assinalando, com o dedo ou com uma régua (no quadro), as
linhas dos textos que lê, para que os alunos observem a direção da leitura.
Nesse caso, as crianças têm um modelo que permite a observação da
relação existente entre o que se lê e o texto escrito. Progressivamente, elas
aprendem que os textos podem ocupar linhas inteiras ou parte delas, podem
ser organizados em colunas, etc.

7º Conhecimento: símbolos utilizados na escrita

As letras representam as consoantes e as vogais, ou seja,


os segmentos fonéticos. Porém, não usamos apenas letras para escrever um
texto. Utilizamos, ainda, sinais de pontuação que servem para orientar a
entoação e a prosódia. Assim, os sinais de pontuação, recursos específicos da
linguagem escrita, servem para marcar até mesmo os silêncios presentes na
oralidade. É verdade que não conseguem marcar as características da
oralidade de maneira precisa, mas ajudam bastante na leitura dos textos, isto
é, na construção de sentidos de um texto. A presença desses sinais na escrita
não passa despercebida aos olhos infantis que tendem a considerá-los letras
que ainda não conhecem. Por isso, é muito importante que apontemos para as
crianças esses sinais, esclarecendo a função que exercem no processo de
construção de sentidos do texto.
Para que possamos compreender a função dos sinais de pontuação no
trabalho de construção de sentidos do texto e, portanto, na leitura, observemos
as seguintes atividades.

1, Leia o texto que segue:

A importância da pontuação
Um homem rico estava muito mal, agonizando. Pediu papel e caneta.
Escreveu assim:
“Deixo meus bens à minha irmã não a meu sobr77inho
jamais será paga a conta do padeiro nada dou aos pobres."
Morreu antes de fazer a pontuação. A quem deixava ele a fortuna? Eram
quatro concorrentes: o sobrinho, a irmã, o padeiro e os descamisados da
cidade (Adaptado de VENTURA, Amaro; LEITE, Roberto Augusto Soares.
Comunição/Expressão em língua nacional – 5ª série. São Paulo: Nacional,
1973. p. 84).

2. Escolha um dos concorrentes à herança e se coloque no lugar dele para


pontuar o texto.
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3. Explique os motivos que o levou a pontuar da forma acima.
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4. Leia os textos que se seguem e observe como foram pontuados. Qual dos
possíveis herdeiros pontuou cada um dos textos?

1) Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a
conta do padeiro. Nada dou aos pobres. __________________

2) Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a
conta do padeiro. Nada dou aos pobres. __________________

3) Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a
conta do padeiro. Nada dou aos pobres. __________________

4) Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a
conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres. __________________

Além dos sinais de pontuação, segundo Cagliari (1998, p. 128), usamos


na escrita os acentos. Estes marcam “[...] variações da qualidade das vogais,
mostrando se são abertas ou fechadas”. Usamos ainda o til (~), que serve para
marcar a nasalidade da vogal A, porém nem toda nasalização dessa vogal é
indicada com esse sinal. Por exemplo: na palavra manga, o “n” funciona como
símbolo de nasalização do “a”
8º Conhecimento: compreender a finalidade de segmentação dos espaços
em branco

Tanto a fala como a escrita são produzidas em uma sequência linear,


porém essa linearidade ocorre de forma diferente na fala e na escrita. Na fala,
não existem, como na escrita, separações regulares entre as palavras, exceto
em situações marcadas pela entonação do falante. Nesse sentido, não
conseguimos distinguir na fala limites nitidamente marcados entre as palavras.
Já na escrita, a separação entre as unidades que denominamos
palavras são marcadas por espaços em branco. Isso não quer dizer, no
entanto, que as palavras sempre foram separadas dessa maneira. A
delimitação das palavras, na escrita, com espaços em branco, somente passou
a ser utilizada tardiamente. Conforme aponta Cagliari (2002. p. 116), “[...] até a
Idade Média, não havia num texto a preocupação com a separação das
palavras ou com a colocação de sinais de pontuação”.
Pelo fato de a separação das palavras ser uma convenção, as crianças
não podem compreender sozinhas o que significam os espaços em branco
colocados entre os conjuntos de letras que formam as palavras escritas. Por
isso, é importante chamarmos a sua atenção para essa característica da
escrita.

9º Conhecimento: relações entre sons e letras e letras e sons

Antes de iniciarmos o nosso trabalho com as relações sons-letras e


letras-sons, é necessário conhecer alguns conceitos que serão importantes no
contexto deste estudo. Começaremos pelas definições de Linguística, Fonética
e Fonologia. A Linguística

[...] é o estudo científico da linguagem. Está voltada para a explicação


de como a linguagem humana funciona e de como são as línguas em
particular, quer fazendo o trabalho descritivo previsto pelas teorias,
quer usando os conhecimentos adquiridos para beneficiar outras
ciências e artes que usam, de algum modo, a linguagem falada ou
escrita (CAGLIARI, 1989, p. 42).
Então, o objeto de estudo da Linguística é a linguagem e seu
funcionamento. Como qualquer outro ramo do conhecimento e dependendo do
ponto de vista que o linguista adota para observar, analisar e descrever a
linguagem, a Linguxística pode se dividir em Fonética, Fonologia, Morfologia,
Sintaxe, Semântica, Análise do Discurso, Pragmática, Sociolinguística,
Psicolinguística etc. A Fonética e a Fonologia são ramos da Linguística que nos
interessam especificamente neste item de estudo e trabalho.

Fonética

A Fonética “[...] estuda os sons da fala, preocupando-se com os


mecanismos de produção e audição [...] procura analisar e descrever a fala das
pessoas da maneira como ela ocorre nas mais variadas situações da vida”
(CAGLIARI, 1989, p. 42). Para descrever os sons da fala, a Fonética utiliza
outro alfabeto, com símbolos próprios – o Alfabeto Fonético Internacional (IPA).
Por exemplo, do ponto de vista da Fonética, os linguistas mostram, por
meio de descrições, que, em determinadas regiões do País, por exemplo, no
Espírito Santo, as palavras manteiga, bandeira, peixe são pronunciadas dos
seguintes modos:

[mãtega] manteiga
[bãdera] bandeira
[pe∫i] peixe

As palavras foram transcritas foneticamente, considerando os modos


como são faladas/pronunciadas. Esse é o tipo de descrição feita pela Fonética.
A Linguística utiliza símbolos próprios para tornar precisas as transcrições da
fala. Alguns dicionários trazem a transcrição fonética das palavras para indicar
como são pronunciadas numa determinada língua. Veja o verbete retirado do
Pequeno Dicionário Inglês-Português do Michaelis (1989, p. 179): “Lie [lai] s.
mentira, falsidade…”. Também alguns dicionários da Língua Portuguesa
trazem as transcrições fonéticas de algumas palavras para mostrar a sua
pronúncia “correta”: subsídio [subisidiu]; sintaxe [sĩtasi].
Assim, o que está escrito entre colchetes é um dos modos como as
palavras são pronunciadas, faladas; é, portanto, a transcrição fonética das
palavras.
Vamos observar, no quadro que se segue, os símbolos fonéticos. Ele foi
elaborado por Cagliari (1989) e contempla os símbolos aplicáveis à língua
portuguesa. Portanto, há outros símbolos que compõem o Alfabeto Fonético
Internacional não aplicáveis à nossa língua e, por isso, não aparecem no
quadro. Além disso, “[...] os sons foram arranjados segundo a maneira
tradicional com que a Fonética os classifica, seguindo os modos de articulação”
(CAGLIARI, 1989, p. 53). Ao final do quadro, são apresentados símbolos que
representam os ditongos ( u ), a nasalização ( ~ ), o acento ( ‫) ׳‬, o sussurro ( ◦ )
e a retroflexão (. ).
Quadro 2: Símbolos fonéticos
Fonte: CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & linguística. São Paulo: Scipione, 1989.

Leia com atenção o quadro e observe os modos de articulação dos sons


da nossa língua (1a coluna), o símbolo fonético correspondente a cada som (2a
coluna), as letras correspondentes na ortografia (3a coluna) e os exemplos
enumerados pelo autor (4a coluna), considerando a fala em vários dialetos
Fonologia

A Fonologia, por sua vez, analisa, por exemplo, em que contexto


linguístico as pronúncias das palavras, escritas anteriormente, ocorrem. Se
observarmos as palavras manteiga, bandeira e peixe, veremos que a pronúncia
[ e ] e não [ ei ] ocorre diante dos sons [ r ∫]. Além disso, os modos como são
pronunciadas, no Espírito Santo, não alteram os significados dessas palavras.
Todos compreendem o seu significado quando pronunciadas sem o som [ i ].
Vejamos, no entanto, o exemplo das palavras leito e peito. Ninguém pronuncia,
por exemplo, [letu] e [petu]. Essas pronúncias não ocorrem, porque os
significados dessas palavras são destruídos nessas pronúncias.
A Fonologia preocupa-se, então, em analisar essas ocorrências e
identificar em que contexto linguístico elas ocorrem. Segundo Cagliari (1989),
de acordo com a Linguística moderna, quando um som é usado para distinguir
palavras, é denominado fonema. Quando o som pode variar, é chamado
variante.
Na palavra bolo, por exemplo, nenhum dos sons pode variar, pois a
variação de qualquer som produziria a destruição do significado dessa palavra
ou a produção de outros significados. Veja o que ocorre com a mudança de
qualquer um dos sons da palavra:

[bolu]
[colu]
[bulu]
[botu]
[bola]

Como vimos, a variação de qualquer um dos seus sons provoca a


alteração do significado da palavra (como em colu e bola) ou a sua destruição
(como em bulu e botu). Cada som possui, dessa forma, valor distintivo na
palavra e, por isso, é chamado fonema. A Fonologia ocupa-se, portanto, em
estudar o valor distintivo que um som tem ou não em uma palavra.
Os conhecimentos acumulados, nos campos da Fonética e da
Fonologia, são muito importantes, porque contribuem para que possamos
compreender os erros1 cometidos pelas crianças, na escrita de palavras ou
orações, durante a fase inicial de alfabetização. Quando as crianças
descobrem que “[...] cada letra é símbolo de um som e cada som é simbolizado
por uma letra” (LEMLE, 1989, p. 16), a escrita é elaborada, a partir da análise
dos fonemas. No início desse processo, segundo Lemle (1989), elas acreditam
que existe correspondência biunívoca entre sons da fala e letras do alfabeto e,
por isso, escrevem como falam.
É comum observar as crianças escreverem DOCI (doce) BOLU (bolo)
CABELU (cabelo) BUNECA (boneca). Às vezes, consideramos essas escritas
absurdas, fruto de falta de atenção, etc. Entretanto, as palavras foram escritas
como são faladas, pronunciadas. Por isso, essas grafias não são absurdas ou
resultado de falta de atenção, mas da análise que elaboram da fala e, portanto,
da ideia inicial de que a escrita é uma transcrição da fala.

Classificações dos fonemas

Os fonemas podem ser classificados em vogais, consoantes e


semivogais. Abordaremos as vogais e as consoantes e discutiremos o
tratamento que elas têm recebido nas salas de aula de alfabetização.

Vogais e consoantes

Com a observação dos livros de Língua Portuguesa, usados nas


primeiras séries do Ensino Fundamental, é possível ver que as letras do
alfabeto são classificadas em vogais e consoantes. Nas antigas cartilhas de
alfabetização, primeiramente, eram ensinadas as vogais e, depois, as
consoantes consideradas fáceis.

1
É importante notar que os erros que ocorrem durante o processo de aprendizagem da leitura
e da escrita, na maioria das vezes, são resultado de reflexões que as crianças realizam sobre a
língua oral. Dessa forma, revelam a compreensão sobre as relações entre o oral e o escrito e
servem para indicar os tipos de intervenção necessários para que as crianças progridam rumo
ao domínio das convenções que regulam o sistema de escrita.
Entretanto, “[...] dividir as letras do alfabeto em vogais e consoantes só
faz sentido se essas letras remetem a sons que na fala podem ser classificados
em vogais e consoantes, segundo a descrição fonética” (CAGLIARI, 1989, p.
57). Isso significa que, na fala, “[...] vogais e consoantes são tipos diferentes de
modos de articulação” (CAGLIARI, 1989, p. 57) e que as letras representam
esses sons.

Vogais

Todos nós estudamos na escola as letras a, e, i, o, u. Atualmente,


ensinamos essas letras para as crianças de diferentes séries escolares. De
modo geral, são as primeiras letras ensinadas. Entretanto, muitos de nós não
aprendemos que essas letras servem para representar um conjunto de
fonemas denominado vogais em decorrência do modo como esses sons são
articulados. Para entendermos melhor o que estamos dizendo, vejamos o
quadro do sistema vocálico do Português do Brasil.

+ Orais - posterior + posterior + posterior


- arredondado - arredondado + arredondado
(anteriores)
+ alta I U
- alta E O
- baixa
+ baixa ε (pé) A (pó)
- Orais
(nasalizadas)
+ alta Ĩ ữ
- alta ẽ ố
+ baixa ầ
Quadro 3: “Sistema vocálico do português do Brasil, conforme o modelo de Quicoli (1990), com acréscimo
das vogais nasalizadas”
Fonte: SCLIAR-CABRAL, Leonor. Guia prático de alfabetização. São Paulo: Contexto, 2003. p. 9.
Desse modo, o quadro apresenta as 12 vogais que compõem o
Português Brasileiro. No entanto, segundo Cagliari (1989), as cartilhas de
alfabetização e os livros de Língua Portuguesa usados nas escolas ensinam
que as vogais do português são cinco (a, e, i, o, u). No sistema de escrita, o
alfabeto português é composto de 26 símbolos, dentre eles, cinco representam
as vogais. Porém, se tomarmos como referência a fala, percebemos que
existem, pelo menos, 12 vogais (vejamos, novamente, o Quadro 3).
O fato de o alfabeto ter apenas cinco letras para representar as vogais
pode não acarretar problemas para um adulto que sabe ler e escrever, mas é
extremamente complicado para as crianças aprendizes da leitura e da escrita,
principalmente se os professores não alertarem que um símbolo do alfabeto
(letras) pode representar mais de um som e uma letra pode ser lida de mais de
uma forma.
Exemplo: a letra A representa os sons [a] e [ã] como nas palavras
asa/anel e Ana/anjo. Observe que a mesma letra pode ser lida de diferentes
modos. Porém, as cartilhas usadas para ensinar a ler e a escrever
desconsideraram essa ocorrência. Na maioria das situações, trata a letra A
como se ela representasse e pudesse ser lida apenas como [a].

Atividade em dupla

Veja o exercício que se segue retirado de uma cartilha. Agora, procure analisá-
lo, considerando os seguintes aspectos:
a) Palavras utilizadas na composição do exercício.
b) Enunciado do exercício.
c) O tratamento dado a letra A.
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Assim, para que a criança compreenda as diferentes pronúncias da letra


A e, portanto, possa observar que ela representa diferentes sons, seria
necessário que o exercício possibilitasse a reflexão sobre os vários sons que a
letra representa.
Atividade em dupla

Vamos analisar outro exercício. Na análise, devem ser considerados os


mesmos aspectos listados na atividade anterior:

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Agora, reconstrua, no caderno, a atividade e escreva as intervenções que


podem ser feitas ao trabalhar com as crianças.
Cagliari (1989) diz que já perguntou às crianças se as palavras banho e
bala têm o mesmo A. Segundo o autor, elas ficam admiradas e respondem “[...]
que bala tem dois aa iguais, mas banho não tem nenhum a, tem [ з ]”. Vimos
crianças que, ao escrever a palavra caravana, sabiam exatamente quais letras
registrar para as sílabas ca, ra, na; mas não sabiam a representação do [ з ] na
sílaba van.
Os exemplos acima são suficientes para mostrar como, durante o
período inicial da alfabetização, é dado tratamento inadequado ao ensino das
letras do alfabeto. Leva-se em conta apenas o sistema de escrita e
desconsidera-se a fala. Desconhece-se, ainda, que a criança, a todo o tempo,
procura estabelecer relações entre a fala e a escrita.

Atividade de estudo e análise de livros didáticos de alfabetização

1. Tome como referência o livro didático de alfabetização utilizado nas escolas


do seu município e analise o trabalho proposto para o ensino das letras que
representam as vogais do português, seguindo as orientações que se
seguem:
a) Observe o livro e, depois, descreva como as vogais são apresentadas. Elas
são apresentadas em uma unidade ou estão diluídas ao longo do livro?
b) Como as vogais são definidas no livro?
c) Escreva, em tópicos, as sequências propostas para o ensino das vogais.
Faça uma apreciação dessas sequências, considerando os estudos
realizados. As atividades propostas permitem a compreensão das relações
entre as letras e os sons? Por quê?
d) Escolha uma das sequências de atividades propostas para ensinar as vogais
e reorganize-a adequadamente. Escreva as intervenções que devem ser
feitas ao trabalhar com as crianças.
e) Cada grupo irá compartilhar o trabalho construído com os colegas.

Consoantes
As vogais são produzidas pela passagem livre do ar pela boca.
Chamamos de consoante “[...] o fonema produzido graças aos obstáculos que
impedem a livre passagem do ar” (FARACO; MOURA, 1994, p. 31). As letras
do alfabeto português que representam as consoantes são: b, c, d, f, g, j, k, l,
m, n, p, q, r, s, t, v, w, y, x, z.
As consoantes podem ser sonoras ou surdas. As consoantes surdas são
produzidas sem vibração das cordas vocais. Experimente pronunciar as
consoantes / p / / t / e verá que não há vibração das cordas vocais. Em nossa
língua, as consoantes surdas são / p /, / t /, / k /, / f /, / s /. As demais
consoantes e as vogais são sonoras, isto é, há vibração das cordas vocais ao
serem pronunciadas.
Segundo Cagliari (1989, p. 62), uma das grandes preocupações dos
professores na escola “[...] é o fato de algumas crianças não distinguirem sons
surdos de sonoros, como por exemplo, [ p ] e [ b ], [ f ] e [ v ] etc., e, em
consequência, confundirem também a sua escrita”.
Essas trocas de letras na escrita ocorrem com frequência entre os pares
de consoantes surdas e sonoras, escritas em seguida:

Surdas Sonoras
/p/ /b/
/t/ /d/
/k/ /g/
/f/ /v/
/s/ /z/

Cagliari (1989, p. 62) coloca que as trocas consistem “[...] normalmente em


preferir as surdas (ou aquilo que a criança categoriza como surda) às sonoras”.
Por exemplo, ao invés de escrever gato, escreve cato. As crianças,
normalmente, ao falar a palavra gato no seu dia-a-dia não dizem cato. Então,
por que trocam as letras na escrita? Conforme o autor, se a criança não
conhece a escrita da palavra e tem que escrevê-la,

[...] resolve sua dúvida pronunciando-a. Acontece, porém, que


infelizmente é proibido falar em sala de aula, mesmo quando a aula é
de português... Então, sussurra as palavras ao escrever. O sussurro é
um tipo de fonação diferente da produção de sons surdos e sonoros.
Por sua própria natureza, um som sussurrado é mais semelhante a
um som surdo do que a um som sonoro, tanto é assim que muitos
lingüistas não usam tal distinção e chamam todas as realizações
surdas ou sussurradas simplesmente de surdas (CAGLIARI, 1989, p.
62-63).

Essa é uma explicação plausível e podemos considerá-la. Por isso, é


importante que as crianças possam pronunciar em voz alta os sons que
pretendem escrever para que realizem a distinção entre as consoantes surdas
e as sonoras.

Como as consoantes têm sido trabalhadas nos livros didáticos de


alfabetização

É necessário observar, ainda, como os autores de alguns livros didáticos


de alfabetização têm organizado o ensino das letras que representam as
consoantes. Nas antigas cartilhas, independentemente da sequência
estabelecida para o ensino, é possível observar uma tendência em estabelecer
uma regularidade entre sons e letras que existe apenas em poucos casos. Em
outras palavras, isso significa que grande parte das cartilhas (incluindo
algumas que passaram por modificações nos últimos tempos e passaram a se
chamar livros didáticos de alfabetização) apresenta uma regularidade baseada
na correspondência biunívoca entre som e letra. A letra representa um único
som e o som é representado por uma única letra.
Para ensinar essa regularidade, cerceiam a entrada das palavras e dos
textos na sala de aula. Por exemplo, ao aprender a letra C, as crianças devem
ler palavras em que essa letra aparece no início da sílaba, como em cabo, bico
e boca. Vejamos a imagem da página da cartilha a seguir:
Foto 3: Páginas de Cartilha
Fonte: Cartilha Caminho Suave

Conforme pode ser observado, é trabalhada a “família silábica” ca, co,


cu, a partir da palavra-chave cachorro. Todas as palavras apresentadas são
compostas com as sílabas estudadas. Além disso, as sílabas que e qui não são
apresentadas, porque não obedecem ao padrão consoante-vogal considerado
pela autora da cartilha fácil de ser aprendido. Essas sílabas somente serão
trabalhadas muito depois, acreditando-se que, dessa forma, a aprendizagem
será facilitada.
Porém, as consoantes, com exceção de alguns poucos casos, são
representadas por diferentes letras e as letras podem ser lidas de maneiras
diferentes, de acordo com as suas posições nas palavras. Desse modo,
existem irregularidades nas relações entre sons e letras e entre letras e sons
que precisamos apresentar para crianças para que compreendam o
funcionamento das relações.

Análise de livros didáticos de alfabetização

1. Analise um dos livros didáticos utilizados em seu município e procure


observar como as consoantes são trabalhadas.
a) Escreva, no espaço abaixo, como foi organizado o ensino das
consoantes. Qual é a sequência apresentada no livro?
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Proposta de trabalho com as relações sons e letras e letras e sons

Apresentaremos, agora, uma proposta de trabalho que leva em conta as


relações sons e letras e letras e sons. Após estudarmos a proposta, podemos
compará-la com a do livro didático de alfabetização analisado. Para sua
construção, procuramos nos basear no livro de autoria de Miriam Lemle,
intitulado Guia teórico do alfabetizador. Essa autora sugere um ensino que se
inicia pelas relações mais simples, ou seja, pelas letras e sons que possuem
correspondência biunívoca. Não há, de acordo com a proposta, uma
preocupação em ensinar as vogais separadamente das consoantes.
Assim, conforme a proposta, ensinaremos:

1º. Letras e sons que possuem relação biunívoca


2º. Letras que representam diferentes sons segundo a posição
3º. Sons que representam diferentes letras de acordo a posição
4º. Letras que representam sons idênticos em contextos idênticos

A proposta não apresenta os seguintes dígrafos: lh (ele-agá) e nh (ene-


agá), mas pensamos que poderá nos auxiliar na organização do trabalho na
sala de aula. Além disso, eles podem ser incorporados quando organizamos o
nosso trabalho.

1º. Letras e sons que possuem relação biunívoca

A partir de adaptações dos quadros apresentados no livro de Lemle


(1989), consideramos que as letras e sons que possuem correspondência
biunívoca estão descritas no Quadro 4:

Letras Sons
p /p/
b /b/
f /f/
v /v/
a /a/
Quadro 4: Correspondência biunívoca entre sons e letras

As primeiras letras e sons ensinados para as crianças possuem


correspondências biunívocas. Isto é, cada letra representa um único som e
cada som é representado por uma única letra. Nesse caso, as letras são lidas
de uma única maneira e os sons são escritos com apenas uma letra. Assim, as
letras e os sons considerados mais fáceis são aqueles que mantêm relação
biunívoca entre si.

Análise dos livros didáticos de alfabetização

1. Retomando a análise iniciada anteriormente:


a) Quais são as primeiras consoantes ensinadas? ____________________
b) A proposta apresentada neste caderno aponta para o ensino dessas
consoantes? Por quê? _________________________________
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2. Vivência de uma sequência didática envolvendo o ensino das primeiras


letras e sons. Após a vivência desse tipo de trabalho, realizaremos as
necessárias adaptações à realidade da nossa sala de aula e desenvolveremos
com as crianças. No próximo encontro, discutiremos sobre o desenvolvimento
do trabalho.

2º. Letras que representam diferentes sons segundo a posição

Após percebemos que as crianças aprenderam as letras e sons que


possuem correspondência biunívoca, podemos iniciar o ensino de letras que
representam diferentes sons de acordo com a posição. O quadro a seguir
apresenta as letras e sons que possuem esse tipo de relação:
Letra Fone (sons) Posição Exemplos
s [s] Início de palavra Sala,
[z] Intervocálico casa, duas horas
m [m] Antes de vogal mala, leme
(nasalidade da vogal Depois de vogal e campo, sombra
precedente) diante de p e b
n [n] Antes de vogal nada, navio
(nasalidade da vogal Depois da vogal ganso, tango
precedente)
l [l] Antes da vogal bola, lua
[u] Depois da vogal calma, salto
t [t] Antes de a, e, o, u Teto
[t∫] Antes da vogal i Tia
d [d] Antes de a, e, o, u Dado
[dʒ] Antes da vogal i Dia
[e] ou [ε] Não final dedo, pedra
[i] Final de palavra padre, doce
[o] ou [ó] Não final bolo, cova
[u] Final de palavra bolo, amigo
Quadro 5: Uma letra representando diferentes sons segundo a posição

É importante observar que o Quadro 5 apresenta os diferentes modos


como uma letra pode ser pronunciada de acordo com a sua posição na palavra.
É necessário notar ainda que esse quadro não esgota todas as possibilidades
de pronúncias das letras, mas nos auxilia a organizar o trabalho com as
crianças nas salas de aula de alfabetização.
O ensino das informações organizadas no quadro pode ser conduzido
sistematicamente, pois não são relações simples de serem aprendidas e
ensinadas. Para que estejamos em condições de ensinar essas relações,
vivenciaremos alguns trabalhos de pesquisa que nos ajudarão a compreendê-
las adequadamente.
Trabalho de pesquisa

1. Material necessário: jornais ou revistas velhas.


2. Vamos estudar a letra S
a) Que sons ela tem nas palavras sala e casa? ________________________
b) A letra S tem o mesmo som nessas palavras? _______________________
c) Agora, recorte, de jornais e revistas, palavras em que a letra s aparece na
mesma posição de sala e casa e cole no espaço abaixo.

SALA CASA

d) Consulte o Quadro 5 e escreva a regra que explica o uso da letra S nas


palavras acima.
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e) Agora, vamos realizar o mesmo trabalho com todas as letras que


aparecem no Quadro 5. Use seu caderno de registros.
3º. Sons que representam diferentes letras segundo a posição

No quadro a seguir, apresentamos os sons que representam diferentes


letras de acordo com a posição desta última na palavra. Desse modo, o quadro
nos ajuda a compreender as regras que explicam por que uma mesma letra
representa diferentes sons. Assim, o ensino dessas relações permite, por
exemplo, ao aprendiz da escrita compreender que, ao escrever o som [k],
podemos usar a letra c e o dígrafo qu (quê-u), pois a ortografia da língua
portuguesa define que, diante das vogais a, o, u, normalmente, escrevemos a
letra c, mas, diante das vogais e, i, escrevemos o dígrafo qu.

Fone (som)
Letra Posição Exemplos
[k] c Diante de a, o, u caneta, carrancudo

qu Diante de e, i queijo, quiabo

[g] g Diante de a, o, u gato, gota, agudo

gu Diante de e, i paguei, guitarra

[i] i Posição acentuada pino, libro

e Posição átona em final de norte, doce


palavra

[u] u Posição acentuada lua, Luana

o Posição átona em final de bolo, amigo


palavra

[R] rr Intervocálico carro

(r forte) R Outras posições rua, carta, honra

[ ∂w ] ão Posição acentuada portão, cantarão

am Posição átona cantaram

[ ku ] qu Diante de a, o, e, i aquário, quota, cinquenta,


equino

cu Outras frescura, piracuru

[ gu ] gu Diante de e, i aguenta, sagui

gu Outras água, agudo


Quadro 6: Um som representado por diferentes letras segundo a posição
Como apontamos, os quadros não esgotam, segundo Lemle (1989, p.
20), “[...] as informações sobre relações som-letra e letra-som previsíveis pela
posição, nem são verdadeiros para todos os falares do Brasil”. Ainda de acordo
com essa autora, muitos alunos, no período de alfabetização, questionam por
que não podem escrever como falam. Muitas vezes, os professores respondem
que é porque falamos errado. Entretanto,

Responder dizendo que as pessoas falam errado é um equívoco


lingüístico, um desrespeito humano e um erro político. Um equívoco
lingüístico, pois ignora o fato de que as unidades de som não são
afetadas pelo ambiente em que ocorrem, ou seja, sons vizinhos
afetam-se uns aos outros. Um desrespeito humano, pois humilha e
desvaloriza a pessoa que recebe a qualificação de que fala errado.
Um erro político, pois ao se rebaixar a auto-estima linguística de uma
pessoa ou de uma comunidade contribui-se para achatá-la,
amedrontá-la e torná-la passiva, inerme e incapaz de manifestar seus
anseios (LEMLE, 1989, p. 20-21).

Por isso, se o trabalho de alfabetização é organizado considerando a


necessidade de ensino das relações entre som-letra e letra-som, contribuímos
para que não se cometa com as crianças e com relação à sua comunidade o
equívoco, o desrespeito e o erro político apontados pela autora.

Atividade de pesquisa

1. Com o propósito de compreender as relações expostas no Quadro 6, vamos


realizar um trabalho em grupo. Cada grupo irá escolher, para desenvolver a
sua pesquisa e sistematização, uma das relações apresentadas no quadro.
2. Material necessário: jornais ou revistas velhas.
a) Que som seu grupo escolheu? ________________________________
b) Escolha duas palavras de uso comum na sua comunidade linguística em que
os sons aparecem nas posições indicadas no Quadro 2 e escreva-as no
espaço a seguir:
_______________________ __________________________

c) Procure, em jornais e revistas velhas, palavras em que os sons aparecem


nas mesmas posições das palavras escritas acima. Disponha as palavras em
colunas.

d) Retome o Quadro 6 e explique o uso das letras.


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4º. Letras que representam sons idênticos em contextos idênticos

Apresentamos agora o último tipo de relação possível entre sons e


letras. De acordo com Lemle (1989, p. 23), é um tipo de relação mais difícil,
pois “[...] duas letras estão aptas a representar o mesmo som, no mesmo lugar,
e não em lugares diferentes”. Assim, essas relações são ensinadas
cuidadosamente.
Fone Contexto Letras Exemplos

[s] Intervocálico s mesa


z certeza
x exemplo
[s] Intervocálico diante de a, o, u ss russo
ç ruço
sc cresça

Intervocálico diante de e, i ss posseiro, assento


c roceiro, acento
sc asceta

Diante de a, o, u, precedido s balsa


por consoante ç alça

Diante de e, i, precedido por s persegue


consoante c percebe

Diante de consoante s espera, testa


x expectativa, texto

Fim da palavra s funis, mês, Taís


z atriz, vez, Beatriz

[š] Diante de vogal ch chuva, racha


x taxa

[ž] Diante das vogais a, e, i, o, u j jeito, janela

Diante de e, i g gente, bagageiro

[u] Fim de sílaba u céu, chapéu


l mel, papel

Zero Início de palavra zero ora, ovo


h hora, homem
Quadro 7: Letras que representam fones idênticos em contextos idênticos
Segundo Lemle (1989), ninguém escapa da insegurança ao escrever
palavras que não conhece, pois, quando mais de uma letra pode representar o
mesmo som em contextos idênticos, a questão é de ortografia. Nos casos
expostos no Quadro 4, a organização sistemática do ensino é fundamental.
Também é necessário o fornecimento às nossas crianças de respostas
corretas às suas perguntas.
Desse modo, se alguma criança nos questiona por que a palavra chinelo
é escrita com ch e a palavra xícara é escrita com x, precisamos ensinar e
mostrar que, nessa situação, as duas letras estão aptas a representar o som [∫],
mas a ortografia definiu que, na primeira palavra, o som é representado pelo
dígrafo ch e, na segunda, pela letra x. Por isso mesmo, devemos estar atentos
ao registro desse som, perguntar sempre que tivermos dúvidas ou mesmo
consultar o dicionário. Porém, se somos questionados pelas crianças sobre a
grafia do som em uma dessas palavras, precisamos responder imediatamente
ao questionamento, dizendo qual é a letra a ser usada. Pedir à criança para
pensar e descobrir qual letra deve ser usada, quando ela nunca escreveu ou
nem conhece a palavra, é um equívoco.

Trabalho em grupo

Considerando que, para conduzirmos o ensino dessas relações, precisamos


saber exatamente quais os contextos em que duas ou mais letras concorrem
na representação de um mesmo som, realizaremos atividades de pesquisa
com as letras do Quadro 4. A formadora responsável orientará a realização do
trabalho.

Desse modo, temos uma organização geral do ensino das relações entre
som-letra e letra-som. Acreditamos que poderemos conseguir melhores
resultados na alfabetização trabalhando essas relações integradamente ao
trabalho de produção de textos, de leitura e, ainda, tornando o lúdico parte
integrante das propostas.
A proposta de alfabetização trabalhada tem como unidade de ensino o
texto. Acentuamos que ela se difere das propostas em que o texto é apenas
pretexto para o ensino das unidades menores da língua (letras, sílabas e
palavras) e, também, compreende que o trabalho com as relações entre sons e
letras promove a reflexão sobre a língua que as crianças utilizam em seu
cotidiano.

Variação linguística

Trataremos, finalmente, de um último assunto para que possamos


construir atitudes positivas diante do modo como as crianças falam. Como já
comentado, às vezes, por falta de conhecimentos sobre o funcionamento da
linguagem, costumamos considerar que falamos errado e que somente a
escrita é correta. Esse é um grave equívoco, mesmo porque há grandes poetas
que escrevem seus poemas como se estivessem falando.

Aos poetas clássicos

Poetas niversitários,
Poetas da Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta componês.

Eu nasci aqui no mato,


Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá.
No verdô de minha idade,
Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro iscritô,
O famoso professô
Felisberto de Carvaio.

No premêro livro havia


Belas figuras na capa,
E no começo se lia:.
A pá — O dedo do Papa,
Papa, pia, dedo, dado,
Pua, o pote de melado,
Dá-me o dado, a fera é má
E tantas coisa bonita,
Qui i meu coração parpita
Quando eu pego a recordá.

Foi os livro de valô


Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo;
Mas, porém, esta leitura,
Me tiro da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
Bastante me protegeu;
Eu juro que foi Jesus deu
Sarvação a Felisberto.
[...]
(PATIVA DO ASSARÉ. Cante lá que eu canto cá. 6. ed. Petrópolis: Vozes,
1978. p. 17-20).

Os poetas podem fazer uso do que é denominado licença poética, ou


seja, na poesia, assim como nas comunicações cotidianas, há liberdade para
cometer desvios, no caso do texto escrito, à norma ortográfica. Esses desvios
permitem a aproximação dos textos escritos da linguagem falada. O recurso
utilizado pelo poeta Patativa do Assaré nos aproxima do falar cearense.
Se um dos objetivos da alfabetização é garantir que as crianças façam
uso de textos orais e escritos em diversas situações sociais, é preciso que a
escola fique aberta à pluralidade de discursos existentes na sociedade.
Segundo Travaglia (1996, p. 41), uma das dimensões dessa pluralidade são as
variedades linguísticas. Entretanto, de acordo com esse autor, apesar de
reconhecermos a existência dessas variedades, costumamos considerá-las
numa “[...] escala valorativa, às vezes, até moral, que leva a tachar os usos
característicos de cada variedade como certos ou errados, aceitáveis ou
inaceitáveis, pitorescos, cômicos, etc.”.
Dessa maneira, como disse Lemle (1989), estigmatizamos aqueles que:
trocam na fala o l pelo r como na palavra planeta/praneta, não pronunciam o
som i em palavras como salário/salaro, etc. Porém, conforme a autora, “[...] é
uma falha profissional compartilhar desses preconceitos e dar mostras de
assumir essa maneira de valorizar e desvalorizar as características das falas
das pessoas” (LEMLE, 1989, p. 35).
Queremos que as nossas crianças aprendam a fazer uso da linguagem
para se posicionarem diante das injustiças sociais e não alcançaremos tal
objetivo formativo se menosprezarmos os seus modos de dizer.
O texto como unidade de ensino na alfabetização

A concepção de alfabetização que adotamos articula quatro dimensões


muito importantes para o processo de apropriação da linguagem escrita: a
leitura, a produção de texto, o estudo sobre conhecimentos do sistema de
escrita, incluindo as relações sons e letras e letras e sons, e a formação da
consciência crítica. O eixo articulador dessas dimensões é o texto, seja na
modalidade oral, seja na escrita. O texto é, portanto, a unidade de ensino da
língua materna.
Sabemos que, na escola, o texto sempre foi utilizado no ensino da leitura
e da escrita. Ele sempre esteve presente nessa instituição. Portanto, o trabalho
com o texto não chega a ser uma novidade para o contexto escolar. No
entanto, a forma de conceber o que é texto nem sempre foi a mesma ao longo
dos tempos. A partir do desenvolvimento das pesquisas no campo da
linguagem, o conceito de texto foi sendo aprofundado e ampliado sob
diferentes enfoques teóricos e metodológicos, mas nem sempre esses estudos
levaram em consideração as complexas relações entre o texto, o seu autor e o
contexto sociocultural em que ele é ou foi produzido.
Alguns estudos elaborados, no campo da linguagem, por Geraldi (1993,
2001), por Koch (2003), por Koch e Elias (2006) e por Brandão (2003),
contribuem para a compreensão de que as diferentes formas de se conceber o
texto estão relacionadas com às diferentes formas de se compreender a
linguagem e o sujeito. Esses estudos permitem ainda observarmos que as
nossas concepções sobre esses elementos afetam a forma como nós,
professores, concebemos e organizamos o processo de ensinoaprendizagem
da leitura e da escrita.
Geraldi (2001), por exemplo, chama a atenção para o fato de que o
enfoque dado pelo professor aos conteúdos trabalhados na sala de aula, a
bibliografia adotada, a avaliação e as formas de relação com os alunos são
indicadores das suas opções teóricas e metodológicas. Dessa forma, conhecer
o que nos motiva a organizar o trabalho com o texto na escola pode ser
importante para compreendermos quais são as concepções que orientam, na
alfabetização, o trabalho com o texto. Por isso, vamos refletir um pouco sobre
as nossas concepções.

Dialogando com os nossos conhecimentos

Antes de continuarmos o nosso estudo, vamos refletir sobre o que


entendemos sobre texto, linguagem e sujeito e suas relações.

Atividade

a) Escreva, no espaço abaixo, o que você entende por texto, por linguagem
e por sujeito.

Linguagem:________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
Texto:_____________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
_____________________________________________________
Sujeito:____________________________________________________
__________________________________________________________
__________________________________________________________
_____________________________________________________
b) Descreva como você trabalha o texto (oral ou escrito) na sala de aula.

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c) Apresente, para o seu colega, a descrição de como você trabalha o


texto. Peça para ele mostrar a descrição feita por ele. Dialogue com o
seu colega sobre as diferenças, ou não, entre as formas como vocês
trabalham o texto.

Depois de termos refletido sobre as nossas próprias concepções e


prática, é importante conhecer também como alguns estudiosos do texto e da
metodologia de ensino da língua as explicam. O fragmento de texto a seguir,
transcrito do livro intitulado Desvendando os segredos do texto, de autoria de
Ingedore Koch, resume as posições dos autores mencionados. Leia-o com
atenção.
CONCEPÇÕES DE LÍNGUA, SUJEITO, TEXTO E SENTIDO

[...] é de suma importância retomar algumas questões básicas que, no momento, vêm
permeando os estudos sobre texto/discurso: a concepção de sujeito, de língua, de texto e de
(construção) de sentido.

Concepção de língua e de sujeito

A concepção de sujeito da linguagem varia de acordo com a concepção de língua que


se adote. Assim, à concepção de língua como representação do pensamento corresponde a de
sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações. Trata-se de um sujeito
visto como um ego que constrói uma representação mental e deseja que esta seja “captada”
pelo interlocutor da maneira como foi mentalizada.
Na verdade, porém, este ego não se acha isolado em seu mundo, mas é, sim, um
sujeito essencialmente histórico e social na medida em que se constrói em sociedade e com
isto adquire a habilidade de interagir. Daí decorre a noção de um sujeito social, interativo, mas
que detém o domínio de suas ações.
À concepção de língua como estrutura, por seu turno, corresponde a de sujeito
determinado, assujeitado pelo sistema, caracterizado por uma espécie de não consciência. O
princípio explicativo de todo e qualquer fenômeno e de todo e qualquer comportamento
individual repousa sobre a consideração do sistema, quer lingüístico, quer social. São três,
portanto, as posições clássicas com relação ao sujeito:

1. Predomínio, senão exclusividade, da consciência individual no uso da linguagem – o sujeito


da enunciação é responsável pelo sentido. A língua é um instrumento que se encontra à
disposição dos indivíduos, que o utilizam como se ele não tivesse história. Trata-se do
sujeito cartesiano, sujeito de consciência, dono de sua vontade e de suas palavras.
Interpretar é, portanto, descobrir a intenção do falante [...].

Uma característica importante desta concepção é que se acentua o predomínio da


consciência individual no uso da linguagem. O correlato político desta concepção seria a
ideologia liberal, segundo a qual os sujeitos é que fazem a história.

2. “Assujeitamento” – de acordo com esta concepção, como bem mostra Possenti (1993), o
indivíduo não é dono do seu discurso e de sua vontade: sua consciência, quando existe, é
produzida de fora e ele pode não saber o que faz e o que diz. Quem fala, na verdade, é um
sujeito anônimo, social, em relação ao qual o indivíduo que, em dado momento, ocupa o
papel de locutor é dependente, repetidor. Ele tem apenas a ilusão de ser a origem de seu
enunciado, ilusão necessária, de que a ideologia lança mão para fazê-lo pensar que é livre
para fazer e dizer o que deseja. Mas, na verdade, ele só diz e faz o que se exige que faça
e diga na posição em que se encontra. Isto é, ele está, de fato, inserido numa ideologia,
numa instituição da qual é apenas porta-voz: é um discurso anterior que fala através dele.
Os enunciados não têm origem, são em grande parte imemoriais, e os sentidos que
carregam são consequências dos discursos a que pertenceram e pertencem, e não do fato
de serem ditos por alguém em dada instância de enunciação [...].
3. Finalmente, à concepção de língua como lugar de interação corresponde a noção de
sujeito como entidade psicossocial, sublinhando-se o caráter ativo dos sujeitos na
produção mesma do social e da interação e defendendo a posição de que os sujeitos
(re)produzem o social na medida em que participam ativamente da definição da situação
na qual se acham engajados, e que são atores na atualização das imagens e das
representações sem as quais a comunicação não poderia existir. Como bem nos diz
Brandão (2001, p. 12), retomando as colocações de Bakhtin (1979):

[...] é um sujeito social, histórica e ideologicamente situado, que se constitui na interação com o outro. Eu sou na
medida em que interajo com o outro. É o outro que dá a medida do que sou. A identidade se constrói nessa relação
dinâmica com a alteridade.

O texto encena, dramatiza essa relação. Nele, o sujeito divide seu espaço com o outro porque nenhum discurso
provém de um sujeito adâmico que, num gesto inaugural, emerge a cada vez que fala/escreve como fonte única do seu
dizer [...].

Concepção de texto e de sentido

O próprio conceito de texto depende das concepções que se tenha de língua e de


sujeito. Na concepção de língua como representação do pensamento e de sujeito como senhor
absoluto de suas ações e de seu dizer, o texto é visto como um produto – lógico – do
pensamento (representação mental) do autor, nada mais cabendo ao leitor/ouvinte senão
“captar” essa representação mental, juntamente com as intenções (psicológicas) do produtor,
exercendo, pois, um papel essencialmente passivo.
Na concepção de língua como código – portanto, como mero instrumento de
comunicação – de sujeito como (pré)determinado pelo sistema, o texto é visto como simples
produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este,
para tanto, o conhecimento do código, já que o texto, uma vez codificado, é totalmente
explícito. Também nesta concepção o papel do “decodificador” é essencialmente passivo.
Já na concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como
atores/construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os
interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são
construídos. Desta forma há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais
variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto
sociocognitivo dos participantes da interação.
Adotando-se esta última concepção – de língua, de sujeito, de texto – a compreensão
deixa de ser entendida como simples “captação” de uma representação mental ou como a
decodificação de mensagem resultante de uma codificação de um emissor. Ela é, isto sim, uma
atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza,
evidentemente, com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua
forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes
(enciclopédia) e sua reconstrução no interior do evento comunicativo.
O sentido de um texto é, portanto, construído na interação texto-sujeitos (ou texto-co-
enunciadores) e não algo que preexista a essa interação. Também a coerência deixa de ser
vista como mera propriedade ou qualidade do texto, passando a dizer respeito ao modo como
os elementos presentes na superfície textual, aliados a todos os elementos do contexto
sociocognitivo mobilizados na interlocução, vêm a constituir, em virtude de uma construção dos
interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos [...].

(KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. 2. ed. São Paulo: Cortez,
2003)

Atividade

a) Após a leitura, compare as respostas dadas por você na Atividade 1 com


as informações do texto anterior.

b) Agora, registre, no espaço abaixo, quais são as concepções que têm


orientado a sua prática docente.
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c) Apresente ao seu colega as suas concepções e peça para ele expor as
dele para você. Em seguida, registre, no espaço abaixo, as concepções
de linguagem, de texto e de sujeito que fundamentam a prática docente
do seu colega.
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d) Elabore uma análise das suas concepções e das de seu colega,


explicitando
- no que elas são coincidentes;
- no que elas são diferentes.
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Resumindo
Os materiais didáticos que utilizamos e a forma como os exploramos no ensino
da leitura e da escrita na alfabetização estão relacionados com as nossas
concepções de linguagem/língua, de sujeito e de texto.

O que entendemos por texto

Leia a tira de Laerte reproduzida a seguir.


Atividade

A partir da leitura da tira de Laerte, responda:


a) No que se baseia a metodologia de ensino do professor de Gregório?
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b) Você concorda com essa metodologia de ensino?


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c) Quais são os efeitos de uma prática como a do professor de Gregório
para a criança que está aprendendo a ler e a escrever?
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O conceito de alfabetização que orienta o nosso trabalho procura


transcender uma prática de ensino da leitura e da escrita que prioriza o estudo
apenas das unidades menores da língua. Para isso, toma como fundamento
uma noção de texto que busca abranger a complexidade que envolve as
práticas de linguagem produzidas pelos sujeitos na sociedade. Assim, a
concepção de texto que orienta esta proposta de alfabetização procura romper
com uma visão unilateral da linguagem que privilegia ora o produtor, também
denominado no campo da linguística de enunciador, de emissor ou de locutor,
ora o código.
Acreditamos que uma noção de texto que tenha esse propósito está
articulada a uma concepção de linguagem como atividade discursiva que se
efetiva na interação verbal. Logo, em sua essência, a linguagem é tida como
uma ação entre sujeitos, portanto, uma ação entre locutor e interlocutor. Dessa
forma, partimos do princípio de que é nesse processo de interação verbal que
os indivíduos, locutores e interlocutores, produzem sentidos. No processo de
interação verbal, o locutor e o interlocutor são sujeitos ativos, na medida em
que produzem enunciados e reagem a eles responsivamente, conforme a
compreensão que efetivam. A reação responsiva do interlocutor é imaginada
pelo locutor que a leva em conta no momento da produção de enunciados (de
criação de sentidos por meio da linguagem).
Um enunciado é a unidade real da comunicação verbal. Para
Bakhtin (1992), a linguagem só existe, na realidade, na forma
concreta dos enunciados de um indivíduo.

Locutores e interlocutores, nas interações verbais, agem uns sobre os


outros e ocupam cada um deles um lugar na rede de relações sociais das quais
fazem parte. Portanto, são sujeitos que têm uma história e que estão situados
em um contexto social e ideológico. É desse lugar que ocupam que eles
produzem e compreendem os sentidos produzidos.

(Disponível em: <http://www.prof2000.pt/users/donamaria/cartoons alunos.htm>. Acesso em: 10 nov. 2008.)

É possível que haja divergências entre as sentidos produzidos pelos


sujeitos nas diversas situações de interação verbal. Elas ocorrem devido às
diferentes posições que eles ocupam. Ou melhor, dependem do lugar do qual
cada um vê a situação na qual está inserido.
A linguagem se constitui no processo de interação que cria diálogos
entre os interlocutores. Diálogos que se diferenciam de acordo com o contexto
histórico e cultural dos interlocutores. Não há, portanto, um ato de linguagem
que se repete, visto que é nas interações verbais que são produzidos sentidos
diferenciados pelos interlocutores. A língua vai se constituindo nesses atos de
linguagem, nesses processos de interlocução, na medida em que os sujeitos,
locutores e interlocutores, lançam mão dos conhecimentos linguísticos e
extralinguísticos de que necessitam para produzir sentidos e selecionam
formas morfológicas, sintáticas, semânticas e estilísticas que lhes servem para
produzi-los.
[...] a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal
concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da
língua nem no psiquismo individual dos falantes (BAKHTIN,
1992, p. 124).

A noção de texto que orienta esta proposta de alfabetização leva em


conta a complexidade e a heterogeneidade do processo de construção de
sentidos pelos sujeitos. Nessa perspectiva, o texto é compreendido como uma
unidade de significação produzida em uma situação de enunciação. Nesse
sentido, os sujeitos que participam da enunciação, o lugar que eles ocupam na
enunciação, as intencionalidades desses sujeitos, o contexto do qual fazem
parte, as escolhas linguísticas e extralinguísticas por eles operadas para a
construção de significação são aspectos que interferem na produção de
sentidos.

(Disponível em: <http://clubedamafalda.blogspot.com/2006>.Acesso em: 12 nov. 2007.)

De acordo com Geraldi (1993), o texto é uma “proposta de


compreensão” do locutor para o interlocutor, seja ele ouvinte, seja ele leitor.
Conforme Kock (2003, p. 20), o texto é um “[...] evento dialógico, de interação
entre sujeitos sociais, contemporâneos ou não, co-presentes ou não, do
mesmo grupo social ou não, mas em diálogo constante”. Dessa forma, o texto,
no sentido, pode ser compreendido como o resultado da história sociocultural
do seu produtor e do seu leitor, considerando-o como um processo que se
efetiva sócio-históricA e culturamente.
Atividade
Observe as reproduções abaixo.

Há três coisas na vida que nunca


voltam atrás: a flecha lançada, a
palavra pronunciada e a
oportunidade perdida."
(Provérbio chinês)
(Ministério do Meio Ambiente)

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo


que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.
(Carlos Drummond de Andrade)

Biscoito

Amanteigado

Ingredientes: (Disponível em: <www.lpm-editores.com.br>. Acesso em: 15

nov. 2008.)

100 gramas de

açúcar

200 gramas de

manteiga

300 gramas de
farinha de trigo

Modo de Preparo

Misture bem todos

os ingredientes. Em

uma tigela faça

bolinhas ou outro

formato qualquer.

Coloque-as em um

tabuleiro untado.

Leve para assar em

forno quente.

Obs.: Os biscoitos

devem ficar

clarinhos.
Biscoito

Amanteigado

Ingredientes: (Disponível em: <www.lpm-editores.com.br>. Acesso em: 15

nov. 2008.)

100 gramas de

açúcar

200 gramas de

manteiga

300 gramas de

farinha de trigo

Modo de Preparo

Misture bem todos

os ingredientes. Em

uma tigela faça


74(Disponível em: <www.jfservice.com.br>. Acesso em: 15 nov. 208)

As imagens reproduzidas acima ilustram produções e ações humanas.

bolinhas ou outro
Sobre essas produções e ações, reflita:

formato qualquer.

Coloque-as em um
a) É possível identificar quem são os sujeitos que as produziram? E as
intenções desses sujeitos?
b) É possível identificar nessas produções ou ações algo que é dirigido a
um “outro”?
c) É possível identificar o contexto em que cada uma delas foi produzida?
d) Tomando por base esses questionamentos e os conteúdos abordados,
analise se as produções humanas dos quadros são textos. Analise
também se as ações humanas ilustradas envolvem situações de
produção de textos.

e) Registre, no espaço abaixo, a sua análise, fundamentando-a com o que


foi estudado.
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Resumindo
Texto é uma unidade de significação produzida pelos sujeitos em situações de
interação verbal.

A importância de se adotar o texto como unidade de ensino na


alfabetização

Após termos refletido sobre as concepções de linguagem, de texto e de


sujeito, é interessante discutirmos também a seguinte questão: por que é
importante adotar o texto como unidade básica de ensino no processo de
alfabetização?

Atividade

Registre no espaço abaixo a sua resposta para a questão acima.


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Converse com o seu colega sobre a opinião dele. É a mesma que a sua?
Registre no espaço abaixo as diferenças e/ou coincidências da opinião de seu
colega.
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Ultimamente, temos ouvido, com bastante reqüência, que as práticas


alfabetizadoras necessitam ultrapassar as antigas formas de ensinar a leitura e
a escrita que tomam por base apenas o ensino e a aprendizagem de unidades
menores, como letras, sílabas, palavras e frases descontextualizadas.
Um ensino desse tipo isola as unidades menores da língua para analisá-
las. Na verdade, trata-se de um modo de ensinar que desconsidera que essa
fragmentação da língua não ocorre na fala. Essa visão prepondera por não se
levar em conta que a criança, antes de entrar para a escola, já faz uso da
linguagem, pois, na vida, as crianças não se comunicam pronunciando
palavras e frases isoladas, mas, sim, produzindo textos.

(QUINO, Mafalda aprende a ler. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 42.)

Esse tipo de ensino que desconsidera que a criança já é produtora de


textos tem sido considerado ineficaz e favorece para que a cada ano haja um
aumento do número de crianças que passam pelas classes de alfabetização e
não conseguem produzir e compreender textos simples de circulação social.
Nesse sentido, Geraldi (2006) alerta que a presença do texto na sala de
aula é muito importante. É a adoção do texto como unidade básica de ensino e
aprendizagem que nos faz desistir de um ensino transmissor de um
conhecimento pronto e acabado e nos faz aproximar de um ensino em que a
aprendizagem se efetiva na experiência de produzir algo, dialogando com o
que nos foi disponibilizado por produções anteriores. Vejamos o que nos diz
Geraldi (1997, p. 21-22) sobre a importância do texto como unidade de ensino
aprendizagem:

[...] O reconhecimento de que podemos aprender palavras sem apreender seus


sentidos; a certeza de que a mera repetição não significa compreensão; e a
compreensão de que a formação não se resume à habilidade de manusear máquinas
e intrumentos, já que estes se alteram vertiginosamente na sociedade contemporânea,
levam a redefinir os objetivos educacionais: mais do que informações “armazenadas”
ao longo do processo de escolarização, importa saber correlacioná-las e extrair
conclusões a partir dessas correlações.

O texto (oral ou escrito) é precisamente o lugar das correlações: construído


materialmente com palavras (que portam significados), organiza estas palavras em
unidades maiores para construir informações cujo sentido/orientação somente é
compreensível na unidade global do texto. Este, por seu turno, dialoga com outros
textos sem os quais não existiria. Este continuum de textos que se relacionam entre si,
pelos mesmos temas de que tratam, pelos diferentes pontos de vista que os orientam,
pela sua coexistência numa mesma sociedade, constitui nossa herança cultural.

Conceber o texto como unidade de ensino /aprendizagem é entendê-lo como um lugar


de entrada para este diálogo com outros textos, que remetem a textos passados e que
farão surgir textos futuros. Conceber o aluno como produtor de textos é concebê-lo
como participante ativo deste diálogo contínuo: com textos e com leitores.

Como vemos, nessa passagem, o autor destaca que, na


contemporaneidade, um papel fundamental da escola é formar um sujeito que
saiba correlacionar informações e se posicionar criticamente em frente a elas.
Dessa forma, uma prática alfabetizadora que trabalhe as unidades menores da
língua isoladas do seu contexto e não favorece com isso que os alunos
explorem e reconstruam todas as possibilidades de sentidos dessas unidades
cerceia a oportunidade de construção e reconstrução de diálogos entre as
crianças e a produção da própria cultura. É no texto (oral ou escrito) que as
unidades menores da língua encontram seu significado mais pleno.

(Quino. Mafalda aprende a ler. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 40.)

“A própria questão da língua nacional na linguagem individual é, em seus


fundamentos, o problema do enunciado (porque só nele, no enunciado, a
língua nacional se materializa na forma individual)”
(BAKHTIN, 2003, p. 266).
Atividade

a) Liste no espaço abaixo os textos que comumente você trabalha na sua


sala de aula.

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b) Entreviste alguns professores alfabetizadores, perguntando quais são os


textos que eles usam na sala de aula. Liste esses textos.

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c) Compare as duas listas. O que você observa nelas?

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Resumindo
Quando as crianças aprendem que os seus enunciados orais e escritos podem
atingir outras pessoas tanto dentro como fora da escola e que as significações
produzidas nesses enunciados podem ser levadas a outros sujeitos que não
estão fisicamente presentes no momento da situação de interação verbal, elas
passam a compreender que o texto é um lugar em que as interações ocorrem e
aprendem que a língua é uma forma de ação social e histórica.

A prática da produção de texto

A concepção de linguagem que fundamenta a nossa proposta de


alfabetização está articulada a uma forma de conceber o que é produzir textos.
Partimos do princípio de que a produção de textos é uma atividade verbal que
os indivíduos realizam atendendo a demandas sociais, pois, em nossa vida
cotidiana, por exemplo, somos solicitados a emitir opiniões sobre algum
assunto, a defendê-las, a expor a nossa forma de ver, encarar, julgar fatos,
pessoas, etc. E fazemos isso oralmente em diferentes situações, como
conversas, diálogos, debates, discussões, entrevistas e, também, por escrito,
quando temos que comunicar ou solicitar algo para alguém por meio de um
bilhete, de um e-mail, de uma carta, de um requerimento.
Veja o que Cagliari (1998, p.198) nos diz sobre essa questão:

Na vida real, as pessoas não pronunciam palavras isoladas. Quando alguém se


põe a falar, sua intenção é dar uma informação completa, e isso acontece
através de um texto. Somente em circunstâncias especiais, num contexto
específico, as pessoas dizem palavras isoladas, mas sempre elas estão
inseridas num texto maior ou são esperadas como resultado de ações
ocorridas. Assim, se alguém fizer uma pergunta, posso responder dizendo
“Sim” ou “Não”. Esse tipo de resposta faz parte de um texto maior, que motivou
a resposta. Na verdade, o texto continua na resposta do interlocutor. Houve
apenas mudança de falante. Em outro contexto, se alguém grita por socorro, ou
dá uma ordem, tendo em vista a necessidade do momento, dizer apenas uma
palavra é o que basta, dada a situação. Normalmente, o que acontece é um
uso da linguagem que obriga o locutor e o ouvinte a produzirem um texto e não
palavras isoladas. O tamanho do texto varia. As pessoas falam o que acham
que precisam falar, organizando o conteúdo e o estilo do texto de acordo com a
sua vontade [...].
Dessa forma, a produção de texto é compreendida como uma prática de
linguagem, consciente, criativa, intencional, que os indivíduos realizam em
determinadas condições de produção visando a atender a seus próprios
propósitos e também aos de seus interlocutores. Sendo assim, entendemos a
produção de texto oral ou escrito como uma atividade discursiva e dialógica em
que os indivíduos produzem sentidos, tendo em vista as situações de interação
comunicativa nas quais estão inseridos.
Como pode ser notado, a nossa concepção de produção de texto atribui
extrema importância ao papel responsivo dos sujeitos no processo da produção
textual escrita ou oral, pois eles se inscrevem tanto no momento de produção
de sentido na leitura de um texto, como também no momento em que o texto
está sendo produzido. Portanto, a existência de um texto está condicionada a
ações de linguagem dos sujeitos nas situações de interação verbal. Assim, um
texto, seja oral, seja escrito, é tomado como produto de um sujeito que, de
alguma forma e com os recursos de que dispõem, busca provocar no
interlocutor uma atitude responsiva.
Sendo assim, a concepção de alfabetização que adotamos reconhece a
criança como um sujeito que é ativo em sua produção linguística e que já
realiza um trabalho constante com a linguagem e, portanto, com textos orais e
escritos. Esse trabalho com a linguagem resulta da exploração, consciente ou
não, dos recursos formais e expressivos que a língua coloca à sua disposição
nas situações de interação verbal.

[...] é preciso lembrar que a produção de textos na escola foge totalmente ao


sentido de uso da língua: os alunos escrevem para o professor (único leitor,
quando lê os textos). A situação de emprego da língua é, pois artificial. Afinal,
qual a graça em escrever um texto que não será lido por ninguém ou que será
lido apenas por uma pessoa (que por sinal corrigirá o texto e dará nota para
ele)? (GERALDI, 2002, p. 65).

Nessa direção, o ensino da produção de texto na escola só faz sentido


para as crianças quando elas são levadas a compreender que todo texto é
dirigido para outro sujeito e que elas também são sujeitos do dizer (seja na
forma oral, seja na forma escrita), pois o que dizem na produção de texto só
ganha sentido numa situação específica de comunicação (PÉCORA, 1992).
Isso nos leva a considerar a importância de a escola propiciar um ensino de
produção de textos que envolva as crianças em práticas interativas e reflexivas
de uso da linguagem oral e escrita.
Por isso, acreditamos ser importante que o ensino da produção de texto
na escola contemple um interlocutor real para o texto do aluno e que ensine a
criança a construir a imagem desse interlocutor para que ela tenha condições
de fazer uso dos recursos linguísticos e extralinguísticos de que precisa para
produzir no outro um efeito de sentido. Sobre esses aspectos, Geraldi (1993)
pontua que o processo de produção de qualquer texto oral ou escrito leva em
consideração algumas condições como: a) ter o que dizer; b) ter uma razão
para dizer o que se tem a dizer; c) ter para quem dizer; d) constituir-se como
sujeito que diz o que diz e para quem diz; e) escolher as estratégias para
realizar (a), (b), (c) e (d).
Infelizmente, algumas práticas de produção de texto e alguns materiais
didáticos têm desconsiderado essas condições de produção textual e o caráter
dialógico da linguagem por não levar as crianças a se preocuparem com as
estratégias do dizer, tendo em vista um interlocutor específico.

Atividade
a) Entreviste dois professores alfabetizadores e peça-lhes que apresentem
duas atividades de produção de textos que realizam na sala de aula.
b) Registre no espaço abaixo essas atividades.
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c) Analise se essas atividades deixam claro para os alunos as condições
de produção do texto.
d) Caso não deixem, reestruture as atividades de forma que elas
contemplem as condições de produção textual.

As condições de produção textual abordadas anteriormente reforçam a


importância de, na alfabetização, as crianças, mesmos aquelas que ainda não
se apropriaram dos conhecimentos do sistema de escrita, serem desafiadas a
produzir textos tanto orais como escritos, para que possam ir aprendendo
desde cedo que os produzimos porque temos algo a partilhar com alguém por
alguma finalidade. Para isso, o professor pode planejar diversas situações de
uso da linguagem oral e escrita para serem realizadas com as crianças de
modo que elas encontrem, nessas situações, interlocutores com quem possam,
efetivamente, colocar-se em dialogia e vivenciar práticas de produção de textos
orais e escritos que estejam articuladas às diferentes necessidades e
interesses que fazem parte da sua condição de existência.
Assim, acreditamos que, mesmo quando as crianças ainda não
conhecem todas as letras e os sons que elas representam e também não
tenham um vasto vocabulário, elas conseguem, cada uma à sua maneira,
produzir sentidos na fala ou na escrita, simplesmente, por serem encorajadas a
demonstrar tudo o que já conseguem fazer em algumas situações de interação
verbal.
Nesse processo, o papel do professor como mediador das mais diversas
razões para a produção de textos orais e escritos é fundamental, pois contribui
para que as crianças aprendam desde cedo a lidar com as diferenças entre a
construção de sentidos pela fala e pela escrita. Dessa forma, as crianças
começam a aprender o funcionamento da linguagem oral e da linguagem
escrita.

Resumindo
Produzir textos é produzir significados pelo uso da língua na sua dimensão
linguística e discursiva. As crianças, mesmo antes de entrar para a escola, já
são produtoras de textos orais. Por isso, para elas, é mais difícil aprender a ler
e a escrever somente manuseando letras, sílabas, frases ou palavras.
A leitura de textos

Leia o texto a seguir de Monteiro Lobato.

A cigarra e a formiga boa

Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé dum formigueiro. Só parava quando
cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos, arrepiados, passavam o dia
cochilando nas tocas. A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros,
deliberou socorrer-se de alguém. Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o
formigueiro. Bateu _ tique, tique, tique... Aparece uma formiga, friorenta, embrulhada num xalinho de
paina.
— Que quer? — perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
— Venho em busca de um agasalho. O mau tempo não cessa e eu...
A formiga olhou-a de alto a baixo.
— E o que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?
A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois de um acesso de tosse:
— Eu cantava, bem sabe...
— Ah! ... exclamou a formiga recordando-se. Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós
labutávamos para encher as tulhas?
— Isso mesmo, era eu...
— Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos
proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como
vizinha tão gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.
(Monteiro Lobato)

Agora, leia as seguintes atividades de interpretação relacionadas com esse


texto.
Interpretação de texto 1

1) Qual o título do texto?


2) Quem é o autor do texto?
3) Em que lugar a cigarra ficava chiando?
4) Identifique e transcreva do quarto parágrafo do texto o que a cigarra foi
buscar no formigueiro.

Interpretação de texto 2

1) Quem narra a história?


2) Em qual estação do ano a cigarra cantava próxima ao formigueiro?
3) Para que a formiga interrompeu a fala da cigarra no terceiro parágrafo?
4) O que você achou da atitude da formiga quando acolheu a cigarra?

Interpretação de texto 3

1) Por que a cigarra pediu alimento para a formiga e não para outro animal?
2) Se você estivesse no lugar da cigarra, faria a mesma coisa?
3) Se alguma pessoa bate à sua porta para pedir ajuda, como você reage?

a) Em dupla, analise as atividades, levando em conta as seguintes


questões:

• Qual a atividade de interpretação que prioriza apenas a compreensão da


mensagem do texto e a identificação dos conteúdos do texto?
• Qual a atividade que explora fundamentalmente estratégias cognitivas
como antecipação, inferência, crítica, etc.?
• Qual a atividade que trabalha os efeitos de sentido produzidos no leitor?

b) A partir das reflexões efetivadas, qual a concepção de texto subjacente a


cada uma dessas atividades? Justifique a sua resposta.
c) Em sua opinião, qual dessas atividades contribui para que as crianças se
constituam leitoras críticas que saibam interrogar o texto, apreciar valores
estéticos, afetivos, éticos e políticos e não apenas leitoras decodificadoras de
sinais gráficos, de fonemas ou de informações do texto? Justifique a sua
resposta.

As abordagens de leitura

Como pode ser notado com essas atividades, há diferentes formas de se


abordar a leitura e a compreensão de um texto. Em uma delas se exige, para
responder aos questionamentos que se seguem ao texto, apenas a capacidade
de o leitor identificar informações explícitas no texto. O leitor necessita
basicamente de saber decodificar palavras para localizar e reproduzi-las nas
atividades denominadas de interpretação de texto.
Esse tipo de atividade torna o ensino da leitura uma tarefa que leva o
aluno apenas a mapear uma informação gráfica contida em uma pergunta para,
posteriormente, localizar a sua repetição no texto. Assim, acredita-se que, para
ler, o leitor deve aprender somente a fazer uma relação entre signos
linguísticos e unidades sonoras presentes no texto escrito. Esse tipo de
abordagem prioriza a decifração do código lingüístico relacionado com o seu
significado por meio de atividades que exploram a grafia para a apreensão de
informações contidas no texto.
Nesse caso, a leitura de um texto é vista como uma habilidade de
aprendizado particular em que o aluno realiza um processo linear de
compreensão do que está escrito, por isso as atividades exploram apenas a
dimensão individual do leitor. A leitura torna-se um processo centrado apenas
no texto. É o que comumente se convencionou chamar de abordagem
conteudística de leitura. Ler é compreendido como um ato de decodificação de
informações.
Contrariamente à abordagem conteudística, há estudos que defendem a
ideia de que a leitura é uma atividade de compreensão de informações
presentes no texto. Para a sua compreensão, acredita-se que o leitor utiliza
esquemas cognitivos, conhecimentos prévios e as circunstâncias em que o
texto foi produzido para apreender as ideias. Essa abordagem é denominada
de cognitivista. O foco da leitura centra-se no leitor que é visto como um sujeito
ativo que atua sobre as informações do texto, o que amplia a compreensão da
leitura, pois não subestima a capacidade ativa do leitor.
Nesse caso, o foco da leitura secundariza o texto e prioriza o
desenvolvimento de capacidades, por exemplo, ativar conhecimentos de
mundo, antecipar informações, construir hipóteses, comparar informações,
produzir inferências, levando em conta elementos linguísticos presentes no
texto. Nessa abordagem, acredita-se que a leitura é um processo de
construção de sentidos que envolve várias estratégias cognitivas, como
percepção, inferências, memória, etc., necessárias à compreensão do texto.
Essa abordagem avança no sentido em que o leitor é levado a
transcender as informações apresentadas no texto ao ser instigado a trazer o
seu conhecimento de mundo para elaborar a sua compreensão do texto. No
entanto, embora abarque uma participação ativa e criativa do leitor, o texto
ainda é visto como o único caminho que o leitor deve perseguir para construir
sentidos.
Há, portanto, outra abordagem de leitura, denominada de discursiva, que
defende que a compreensão de um texto não se encerra nele mesmo, nem
somente nas capacidades cognitivas do leitor. Nessa terceira abordagem, a
leitura é concebida como um processo complexo de construção de sentidos
que demanda, além dos conhecimentos linguísticos que o leitor possui, outros
conhecimentos que interagem para a produção de sentidos do texto.
Considera-se que há uma inter-relação entre os conhecimentos linguísticos e a
bagagem cultural do leitor do texto.
Logo, o sentido do texto não está circunscrito apenas a ele e nem
tampouco a seu leitor, mas, sobretudo, à interação dialógica entre texto e
sujeitos. O leitor, nessa abordagem, aciona seus conhecimentos prévios,
fazendo interação entre seus conhecimentos linguísticos, textuais e sociais.
Portanto, na abordagem discursiva, parte-se do princípio de que o leitor
interage com o texto, dialogando com ele, tendo em vista os objetivos da
leitura.
Nessa, perspectiva, o texto é trabalhado a partir de atividades que levam
o aluno a refletir sobre os efeitos de sentido produzidos sobre o leitor. As
atividades de leitura, nesse caso, possibilitam que o aluno explore as
condições de produção textual, a relação do tema abordado e dos discursos
materializados em outros textos, as dimensões éticas, estéticas, políticas, as
imagens que contribuem para a constituição do sentido do texto e a discussão
crítica.

Atividade

a) Analise uma atividade de leitura do livro didático que você utiliza na sua
sala de aula. Fundamente a sua análise com as considerações
apresentadas sobre as abordagens de leitura.
b) Escolha uma atividade de leitura que prioriza a decifração do código
lingüístico ou que enfatiza apenas a compreensão de informações
presentes no texto e reestrure-a segundo os princípios da abordagem
discursiva.

Resumindo
A leitura pode ser trabalhada na escola sob diferentes enfoques teóricos. A

formação do leitor é perpassada pela relação entre esses enfoques e as

práticas de leitura.
LEITURA COMPLEMENTAR

Gêneros do discurso e tipos de texto


Nas mais diversas situações do cotidiano, convivemos com uma
diversidade de textos verbais, imagéticos, híbridos que foram produzidos por
vários sujeitos em situações e contextos bem diferentes uns dos outros.
Observamos também que esses textos têm finalidades específicas associadas
às intenções do seu produtor e ao contexto de produção. Por exemplo, se a
finalidade é orientar alguém para fazer algo, o produtor constrói um texto que
apresenta as orientações seqüenciadas ao seu interlocutor sobre o que deve
ser efetuado para que ele obtenha êxito em suas ações. Se o objetivo for
defender uma posição na qual o sujeito acredita piamente, o texto será
organizado em torno de pontos de vistas e argumentos. Se a intenção for
contar algo que aconteceu com ele, o sujeito poderá produzir um texto
narrando o que aconteceu, com quem foi, quando e onde. Veja o fragmento de
texto abaixo, reproduzido de Bakhtin (2003, p. 261-262):

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da


linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso
sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro,
não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-
se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos
pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses
enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido
campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja,
pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas,
acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos
– o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão
indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente
determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação.
Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados,
os quais denominamos gêneros do discurso.

De acordo com o pensamento de Bakhtin, quando interagimos com os


indivíduos por meio da linguagem, produzimos unidades de significações
(enunciados) que são sempre contextualizadas, circunscritas a situações
específicas e repletas de intencionalidades. Esses enunciados, em diversas
situações, repetem conteúdo, forma composicional, estilo de linguagem,
constituindo formas relativamente estáveis denominadas por Bakhtin (2003) de
gêneros do discurso.
Os gêneros do discurso são, portanto, criações humanas para atender
às necessidades das interações verbais. Eles constituem as unidades
discursivas das interações verbais. Segundo Bakhtin (2003, p. 274),

[...] o discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de


determinados falantes, sujeitos do discurso. O discurso sempre está fundido
em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e
fora dessa forma não pode existir.

Para Bakhtin (2003), o enunciado é a produção de discurso. De acordo


com Marcuschi (2003, p. 24), nessa perspectiva, discurso é entendido como
aquilo que “[...] um texto produz ao se manifestar em alguma instância
discursiva”. E texto é “[...] uma entidade concreta realizada materialmente e
corporificada em algum gênero textual” [...] (p. 24). O discurso se realiza nos
textos “[...] os textos realizam discursos em situações institucionais, sociais e
ideológicas” (p. 24).
Quando os indivíduos utilizam a fala ou a escrita por meio de atividade
de leitura e de produção de textos, estão lidando com gêneros discursivos ou
textuais que se caracterizam pelos seus conteúdos e pelos meios linguísticos
que eles utilizam. Portanto, um texto não é um conjunto de palavras
justapostas umas as outras. É uma unidade linguística de significação
circunscrita a um contexto social, ideológico e dialógico. Um contexto que é
perpassado pelos enunciados de um autor e por todos os outros enunciados
que o compoem, formando um “tecido” de fios dialógico e ideológico.
Desse modo, segundo Brandão (2003, p. 38-39), o gênero envolve uma
dimensão discursiva e uma materialidade linguística “[...] que se manifesta em
diferentes formas de textualização”. Assim, é importante ressaltar a diferença
entre gênero discursivo ou textual e tipo textual.
Marcuschi (2003) reconhece tipo textual como sequências textuais que
se definem pela natureza linguística de sua composição (modalidade, aspectos
sintáticos, lexicais, tempos verbais, relações lógicas, estilo, organização do
conteúdo, etc.). Os tipos textuais, tipos de textos, ou, ainda, aspecto tipológico,
sequências tipológicas são categorias conhecidas como narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção.

Os tipos textuais constituem modos discursivos organizados no formato de


sequências estruturais sistemáticas que entram na composição de um gênero
textual. Tipo e gênero não formam uma dicotomia, mas se complementam na
produção textual (Marcuschi, 2003, p. 5).

Os tipos textuais se realizam nos gêneros. Em um mesmo gênero,


podem ocorrer vários tipos textuais. Um texto, de acordo com Marcuschi (2005,
p. 25), “[...] é em geral tipologicamente variado (heterogêneo)”. Veja o seguinte
exemplo dado por Koch e Elias (2006, p. 120):

Esse gênero textual é constituido por diferentes tipos textuais. Nele


notamos as sequências descritivas nos fragmentos “troco esposa 25/45
anos/cozinha/varre/passa/excelente estado” e “esposa procura família que
valorize/entenda necessidades e ajude a limpar a casa”; sequencias
argumentativas nos trechos “para fazer parte da experiência televisiva que está
mudando o mundo inteiro...” e “e você poderá ver se em Troca de Esposas
todas as quartas-feiras às 22 h” e, ainda, sequências injuntivas como, por
exemplo, “participe! www.peopleandartsbrasil.com/” e “swingers abstenham-
se”.
Essas distinções conceituais são significativas, pois levam a refletir
sobre a importância de um trabalho de ensino da leitura e da escrita que
priorize não só a diversidade de gêneros textuais, mas também os diferentes
tipos textuais. Assim, é possível fazer com que as crianças compreendam, nas
formas do gênero, diversificadas formas de organização da textualidade.

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