Sérgio Oliveira - O Massacre de Katyn
Sérgio Oliveira - O Massacre de Katyn
Sérgio Oliveira - O Massacre de Katyn
O Massacre de
Katyn
2ª Edição
1989
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Indíce
Introdução ..........................................................................................................................6
I — A Aliança Profana E Seus Antecedentes ..........................................................................8
II - “Fall Weiss” - A Polônia Destruída ................................................................................. 13
2. 1 — A Quinta Partilha Da Polônia ....................................................................................... 14
2. 2 — A “Feroz Amizade” Após A Destruição Da Polônia ...................................................... 16
III — Barbarossa ................................................................................................................ 18
3. 1 — Antecedentes ............................................................................................................... 18
3. 1. 1 — A União Soviética ................................................................................................. 18
3. 1. 2 — A Alemanha .......................................................................................................... 19
3. 2 — O Desencadeamento Da Operação.............................................................................. 21
IV — As Ações No Rumo De Moscou................................................................................... 23
4. 1 — A “Bolha De Sabão”...................................................................................................... 23
4. 2 — A “Estrada” De Moscou ............................................................................................... 24
4. 3 — O Desfecho ................................................................................................................... 26
V — O Grupo Centro: De Janeiro De 1942 A Abril De 1943................................................... 28
5. 1 — O Inverno De 1941/1942 ............................................................................................. 28
5. 2 — De Março A Dezembro De 1942 .................................................................................. 30
5. 3 — O Inverno E A Primavera De 1943................................................................................ 32
VI — A Descoberta Das Valas De Katyn............................................................................... 34
6. 1 — O Verão De 1942 .......................................................................................................... 34
6. 2 — O Inverno De 1942/1943 ............................................................................................. 36
6.3 — A Primavera De 1943 .................................................................................................... 36
VII — Voltando Atrás No Tempo......................................................................................... 38
VIII — Providências Imediatas À Descoberta Das Valas ....................................................... 42
IX — O “Massacre De Katyn” Perante O Tribunal De Nuremberg ......................................... 45
9. 1 — O Tribunal De Nuremberg............................................................................................ 45
9. 2 — O “Caso Katyn” ............................................................................................................. 47
X — Juntando As Peças Esparsas ........................................................................................ 58
10. 1 — Acontecimentos Posteriores A Nuremberg ............................................................... 58
10.2 — O Por Quê Do Massacre .............................................................................................. 58
10.3 — Como Teria Ocorrido O Massacre............................................................................... 60
Conclusão.......................................................................................................................... 63
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Bibliografia ........................................................................................................................ 65
Comissão Organizada Pelo Governo Alemão Para Inspecionar As Valas De Katyn ................ 67
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Introdução
No dia 13 de abril de 1943, o mundo foi surpreendido pela denúncia de mais uma den-
tre tantas atrocidades cometidas no curso da Segunda Guerra Mundial. As rádios e jornais
alemães, sob o incentivo de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Reich, informavam
que, nas proximidades da cidade russa de Smolensk, haviam sido descobertas inúmeras valas
comuns, onde a GRU (Glavnoye Razvedyvatel'noye Upravleniye = Direção Central do Serviço
Secreto) havia sepultado milhares de oficiais poloneses executados em massa pelos soviéticos.
Imediatamente após a divulgação da notícia, os soviéticos negaram qualquer participação no
difundido massacre, alegando que os oficiais poloneses estavam vivos quando da invasão ale-
mã e que, caso tenham sido assassinados, cabia aos alemães toda e qualquer responsabilida-
de.
O que aconteceu realmente com os oficiais poloneses enterrados nas valas de Katyn?
Até bem pouco tempo atrás, embora não existissem muitas dúvidas sobre a autoria do
fato, russos e alemães continuavam acusando-se reciprocamente. Neste trabalho de pesquisa
histórica, cujo teor final surgiu após exaustiva consulta de dezenas de obras sobre a Segunda
Guerra Mundial, procurou-se reunir, de forma imparcial, todas as informações relativas ao
massacre de Katyn, até hoje divulgadas. As raízes remotas do massacre estão localizadas na
“aliança profana”, isto é, no pacto de não-agressão firmado entre a Alemanha e a União Sovié-
tica, no agosto fatídico de 1939, quando Hitler e Stalin, através de seus plenipotenciários Ri-
bbentrop e Molotov, acertaram, secretamente, a quinta partilha da Polônia.
Mas passam, certamente, pela efervescência política subseqüente, pela indecisão de
Hitler de atacar a Inglaterra (Operação Leão Marinho) ou a União Soviética (Operação Barba-
rossa) e, com toda a certeza, pela avalanche dos exércitos alemães a leste, quando os blinda-
dos de Hitler passaram por Smolensk e chegaram às portas de Moscou. A região de Katyn es-
teve pois, sob o domínio tanto dos russos como dos alemães no período que antecedeu a des-
coberta das valas, pondo em dúvida a autoria do massacre. Smolensk foi conquistada pelos
alemães a 26 de julho de 1941, permanecendo em poder destes até a descoberta das valas,
em 13 de abril de 1943. (*)
Os alemães, em abril de 1943, logo após a descoberta dos milhares de corpos dos ofi-
ciais poloneses, mortos sem exceção com uma bala na nuca, atribuíram aos russos o terrível
massacre e a conseqüente tentativa de dar sumiço aos cadáveres. Uma comissão mista, com-
posta por 12 médicos, a pedido dos alemães, examinou detidamente o local e constatou que
as mortes tinham ocorrido nos meses de março e abril de 1940, o que inculpava os russos.
Estes se aprestaram em negar qualquer responsabilidade, alegando que os alemães ti-
nham “preparado o palco” antes da chegada da comissão internacional. Em setembro de 1943,
logo após a retomada de Smolensk, o Governo soviético realizou nova exumação, também
assistida por uma delegação internacional, que apontou a data provável do massacre como o
outono de 1941 (setembro/outubro), época em que a região de Katyn já se encontrava em
poder dos alemães.
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(*) Smolensk foi retomada pelos russos em 24 de setembro de 1943, pela Frente de Kalinine. A
libertação da cidade foi saudada em Moscou pelo canhão da vitória, arma somente acionada
em ocasiões especiais. A queda de Smolensk, em 1941, colocara a capital soviética em cheque;
agora, sua retomada significava que Moscou estava definitivamente fora de perigo.
Uma terceira investigação, realizada pelos próprios poloneses, no final da guerra, não
chegou a ser concluída. O delegado de acusação pública de Cracóvia, Dr. Roman Martini, que
tomara a responsabilidade de definir, finalmente, a autoria do massacre, foi assassinado em 12
de março de 1946, em sua residência de Cracóvia, por dois membros da Associação da Amiza-
de Russo-Polonesa. Em Nuremberg, os russos tentaram incluir o massacre de Katyn na pauta
de julgamentos. Passaram por terrível e vexatória experiência, vendo o feitiço voltar-se contra
o feiticeiro. As provas apresentadas “não foram suficientes”, na opinião do Tribunal, para de-
monstrar a culpabilidade dos acusados — no caso, os alemães. O “Caso Katyn” foi arquivado,
mesmo porque em Nuremberg só se apurava a verdade de acordo com a conveniência, isto é,
de conformidade com o interesse dos aliados.
Não obstante, Jackson, o juiz norte-americano no Tribunal de Nuremberg, dissera,
pouco antes da abertura dos trabalhos — conforme Heydecker & Leeb (1967, p. 78): “Os cri-
mes são crimes, seja quem for que os tenha cometido”. No libelo acusatório do famoso Tribu-
nal, a cláusula referente aos “crimes de guerra” dizia que “os acusados provocaram um imenso
derramamento de sangue, cometendo assassinatos em massa, torturas, trabalhos de escravos,
além de terem-se dedicado à exploração econômica”. Isto poderia ter acontecido, mas não era
menos verdade que, pelo menos no episódio de Katyn, uma grande dúvida pairara no ar. Re-
memorar e procurar a verdade sobre episódios não devidamente esclarecidos, como se dá
com o massacre de Katyn, é um dever dos historiadores contemporâneos. Este relato, longe
está de propor uma versão definitiva sobre o assunto.
A preocupação do autor foi tão-somente reunir a opinião contida em diversas obras,
colocando os interessados na historiografia da Segunda Guerra Mundial a par de um fato não
muito divulgado, mas que, pela monstruosidade que encerra, está a merecer um estudo mais
profundo, uma busca mais consistente da verdade. Através dos tempos a História tem sido
escrita no interesse dos poderosos ou dos vencedores das guerras, reduzindo os derrotados à
condição de culpados e responsáveis por todos os males. A Segunda Guerra Mundial é um
claro exemplo dessa prática que está a merecer reestudos isentos de tendências e versões
facciosas.
S.E. Castan deve ter enfrentado inúmeros problemas para editar e distribuir sua obra,
pioneira no Brasil, mas o fato desta encontrar-se em sua 26ª edição comprova que seu esforço
foi plenamente válido. O caso Katyn foi um claro exemplo de embuste por parte dos “vencedo-
res” da Segunda Guerra Mundial: um dentre tantos outros que o tempo e a coragem dos pes-
quisadores haverão de desmistificar.
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Para surpresa de muitos de seus generais, Adolf Hitler cumprira, até a crise dos Sude-
tos, resolvida através da Conferência de Munich, a promessa de resolver pacificamente as
reivindicações territoriais na Europa. Com efeito, a remilitarização da Renânia e o Anschluss
(Anexação da Áustria), apesar de terem gerado protestos, foram aceitos pela Liga das Nações,
e principalmente pela Inglaterra e pela França, como imposições da tão desejada “paz na Eu-
ropa”. Afinal de contas, era preciso reconhecer que o Tratado de Versalhes fora tremenda-
mente injusto para a Alemanha.
Todavia, embora desconhecendo as verdadeiras intenções do Führer alemão — ou não
querendo levar a sério as intenções contidas em “Mein Kampf” —, a crise de Munich teve um
significado de “basta” para Chamberlain e Daladier. Quando as reivindicações sobre Danzig e o
Corredor começaram a tomar forma, os governos da Inglaterra e da França compreenderam
que estavam às portas de uma guerra. Não lhes era dado contemporizar ou ceder, como ocor-
rera até então. Os governos desses dois países tinham um pacto com a Polônia e trataram de
informar Hitler de que, em caso de agressão àquele país, honrariam seus compromissos. Em
realidade, a Alemanha não agrediu à Polônia, mas revidou ao ataque. Para a Alemanha e para
seus dois principais oponentes na Europa, o apoio da União Soviética era de vital importância.
Para a Alemanha, significava o afastamento da possibilidade tão temida de uma guerra
em duas frentes. Neutralizada a União Soviética, através de um acordo, o Exército alemão po-
deria, após uma rápida vitória sobre a Polônia, roçar para a fronteira ocidental, detendo os
exércitos franceses e ingleses. Para esses dois países, o apoio soviético poderia arrefecer o
ímpeto do Führer, já que seus generais haveriam de pressionar no sentido de que não se repe-
tissem os erros estratégicos de 1914. As duas democracias ocidentais vinham discutindo, há
vários meses, em Moscou, a possibilidade da União Soviética a elas se unir, caso Hitler atacas-
se a Polônia.
Embora a Inglaterra e a França tivessem dado garantias unilaterais à Polônia, elas pró-
prias, no evento de uma guerra, jamais seriam capazes de fornecer útil auxílio militar àquele
país, ao contrário do que ocorria com a União Soviética. Por que a União Soviética, mesmo
sabendo que estava relacionada no índex de conquistas de Hitler, preferiu firmar um pacto
com a Alemanha, desprezando as ofertas das potências ocidentais? Em agosto de 1942, Stalin
revelou os seus motivos. O líder soviético disse estar convencido, na época, de que a Inglaterra
e a França não entrariam em guerra com a Alemanha por causa da Polônia. Além disso, quan-
do das tratativas de um possível pacto com as potências ocidentais, fora informado de que a
França dispunha de 100 divisões e a Inglaterra de 2, que poderiam, mais tarde, aumentar para
4.
Em contrapartida, se a União Soviética fosse obrigada a intervir na guerra, necessitaria
de 300 divisões, o que, segundo ele, não possuía na época. Ronald Seth autor de “Invasão”, diz
que o cinismo ostentado tanto por Hitler como por Stalin, em sua conclusão do pacto de não-
agressão de 23 de agosto de 1939, foi igualado somente por seu oportunismo. Por tudo isso,
muitos políticos e homens de Estado proclamaram, por muito tempo, sua incompreensão da
vontade de Stalin em concluir o referido tratado com seu arqui-inimigo nacional-socialista.
Não se sentiam satisfeitos com o fato de que as forças da União Soviética, que poderi-
am ser lançadas no tabuleiro da guerra, com esperanças de sucesso, eram insuficientes em
número, pobremente equipadas, fracamente treinadas e sem um corpo de oficiais capaz de
comandá-las em combate (isto em razão do expurgo realizado pelo próprio Stalin).
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Outros fatores contribuíram para que a União Soviética pendesse para a Alemanha em
agosto de 1939. Feiling, citado por Higgins (1969, p. 29), atribui a Neville Chamberlain o se-
guinte ponto de vista:
“Devo confessar que nutro a mais profunda desconfiança pela Rússia. Não acredito em
sua capacidade de manter uma ofensiva, mesmo que ela desejasse. De igual modo não confio
em seus métodos e motivos, que parece terem muito pouca conexão com nossas idéias de
liberdade e visarem tão-somente agarrar toda gente pelas orelhas. Além disso, ela é detestada
e suspeitada por muitos dos pequenos Estados, especialmente pela Polônia, Romênia e Fin-
lândia”.
A Inglaterra e a França, no curso das negociações com a União Soviética, jamais deram
atenção ao plano elaborado por sua possível aliada. Recusaram sistematicamente a discutir
questões concretas relativas à composição de forças unificadas que deveriam opor-se ao
agressor no caso de um ataque alemão à Polônia. Mas sobretudo recusaram-se categorica-
mente a responder à indagação do delegado soviético — Marechal Vorochilov, de saber se a
Inglaterra e a França garantiriam a passagem das tropas soviéticas através da Polônia e, possi-
velmente, da Romênia. Enquanto ingleses, franceses, russos e alemães tentavam chegar a um
acordo, o que se passava na Polônia, país alvo das preocupações internacionais?
Nenhum polonês acreditava que o objetivo de Adolf Hitler fosse somente obter Danzig
e uma passagem internacional através do Corredor. Não havia o chefe de Estado alemão exigi-
do a princípio dos thecos apenas o território dos Sudetos, e depois destroçado totalmente a
Tchecoslováquia? — alegavam eles. Apesar dessa convicção, o governo polonês rejeitou a pro-
posta de ingleses e franceses no sentido de que fosse permitida, em caso de ataque alemão, a
passagem de tropas soviéticas por território polonês. Para estes, se a Alemanha representava
o purgatório, a União Soviética encarnava o inferno. Era preferível enfrentar Hitler do que
submeter-se a Stalin.
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É dado concluir, portanto, que Stalin, durante as tratativas diplomáticas que antecede-
ram a guerra, tinha um ponto de vista formado no que diz respeito ao alinhamento de sua
grande nação. A “aliança profana” ou a “feroz amizade”, como outros propõem, resultou mui-
to mais da vontade de Stalin do que da imperícia dos plenipotenciários ocidentais.
A assinatura a 23 de agosto de 1939, em Moscou, do pacto de não-agressão entre a
Alemanha e a União Soviética, deixou o mundo petrificado, principalmente por não ter a me-
nor idéia dos motivos que tinham conduzido a esta situação.
“A situação está agora muito mais clara. Parece que durante algum tempo a URSS es-
teve em entendimento com os dois campos. Parece ter chegado à conclusão de que a Alema-
nha está em forte posição e que inevitável mente invadirá a Polônia, e, nesse caso, se os sovié-
ticos fizerem um pacto com a Inglaterra e a França, ficarão comprometidos contra a Alemanha
antes que isso seja necessário. Pensamos que a URSS sabe que suas comunicações e equipa-
mentos ainda são fracos e que seu Estado-Maior e organização não estão ainda aparelhados
para uma grande guerra contra um inimigo forte, especialmente se tiverem que competir com
o Exército polonês em retirada”.
Esse protocolo tinha por título “Delimitação das Zonas de Influência no Leste da Euro-
pa” e estabelecia:
“No caso de uma mudança político-territorial nas regiões que pertencem aos Estados
bálticos (Finlândia, Estónia, Letônia e Lituânia) a fronteira norte da Lituânia formará a fronteira
das zonas de influência da Alemanha e da União Soviética. Para o caso de uma mudança nas
regiões que pertencem, na atualidade, à Polônia, as zonas de influência ficarão delimitadas
pela linha que segue aproximadamente os rios Narew, Vístula e San. A União Soviética insiste
no seu interesse pela Bessarábia. A Alemanha declara que não tem o menor interesse por es-
sas regiões''.
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Efetivamente, o segredo foi mantido até o mês de março de 1946, quando os defenso-
res alemães em Nuremberg, para desespero dos soviéticos, divulgaram o seu conteúdo. Para
os juristas internacionais, a verdade então revelada significava que uma das nações que se
arvorava em “juiz” era culpada de um crime de que pretendia inculpar os acusados: preparati-
vos para uma guerra de agressão. (Vide nota no final deste capítulo). Aliás, não seria este o
único motivo de embaraço para os soviéticos em Nuremberg. Quando se tratou de punir os
crimes chamados “de guerra”, o episódio de Katyn veio à tona como uma espada de Dâmocles,
pronta a se abater sobre a cabeça dos acusadores.
Os norte-americanos e os ingleses, desde a Conferência de Teerã, sabiam do que Stalin
era capaz. Muitos autores, dentre eles Heydecker & Leeb (1967, p. 70/71), aludem a uma cena
ocorrida no curso daquela Conferência entre os Três Grandes.
“Stalin levantou-se quando o banquete já estava prestes a findar. Àquela altura, já ti-
nha proposto, no mínimo, duas dúzias de brindes. Mas, tinha mais um a propor:
— Brindo — disse com voz opaca — para que a Justiça atue o mais rapidamente possí-
vel contra os criminosos de guerra alemães. O meu brinde é pela justiça de um pelotão de
execuções!
— Brindo pela nossa decisão de eliminá-los logo que sejam feitos prisioneiros e desejo
que sejam, pelo menos, cinqüenta mil.
Todos os presentes ficaram como que petrificados. Logo a seguir, um surdo barulho in-
terrompeu o silêncio que se tinha feito.
Churchill afastara sua cadeira e, com algum estardalhaço, pora-se em pé. E isto, se-
gundo Elliot Roosevelt, que relata a cena em foco, significava muito num homem tão indolente
como o premier britânico.
— Esse procedimento vai contra o conceito inglês de Justiça! — Gritou, com a cabeça
vermelha e a língua pesada pelo brandy.
— O povo britânico — disse com voz muito firme — nunca permitirá esse assassinato
em massa.
— Devem ser fuzilados cinqüenta mil! — insistiu Stalin e tornou a levantar o copo.
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— É evidente que temos que encontrar uma solução intermediária entre o seu ponto
de vista, senhor Stalin, e o do Primeiro Ministro Britânico. Digamos, por exemplo, que não
sejam cinqüenta mil, mas sim um número inferior... uns quarenta e nove mil e quinhentos os
criminosos de guerra alemães que devem ser fuzilados sumariamente”.
A cortina aos poucos levantada, com o transcorrer do tempo, mostrou que o brinde de
Stalin não era simples produto do álcool ingerido. Muito menos uma brincadeira de mau gos-
to...
Voltando à “aliança profana” em análise neste capítulo, convém lembrar que ela pro-
porcionou aos russos uma “peredysnka” (trégua) que lhes concedeu um precioso tempo de
preparação para a guerra que viria quase dois anos depois, e que o próprio Stalin reconhecia
como inevitável. Mas antes que a avalanche dos exércitos alemães despencasse sobre a União
Soviética, em junho de 1941, muitos outros acontecimentos iriam ocorrer, transformando
completamente a fisionomia política da Europa.
Muito embora Hitler tivesse tentado, após a derrota da Polônia, chegar a um acordo
com a Inglaterra e a França, não teve sucesso. Seus olhos que sempre estiveram voltados para
o leste europeu, conforme deixara expresso, claramente, em seu livro (“Mein Kampf”), tiveram
que fixar-se no ocidente, onde se viu forçado a empreender uma guerra indesejada.
Nota do Autor: A existência do Protocolo Secreto entre Hitler e Stalin, decidindo a sor-
te da Polônia e de vários países do leste europeu, foi negada por muitos autores por largo
tempo. Hoje, não pairam dúvidas sobre sua existência. Os próprios alemães denunci-aram sua
efetividade em Nuremberg, quando os aliados tentaram acusar o Estado alemão de ter reali-
zado “preparativos para uma guerra de agressão”.
O documento foi apresentado ao Tribunal pelo Dr. Alfred Seidl, defensor de Rudolf
Hess, no dia 25 de março de 1946, criando terríveis problemas para os russos e para seus alia-
dos, pois se realmente a Alemanha se preparara para uma “guerra de agressão”, um dos pre-
tensos “juizes” também o fizera. Em 1960, “A História da Grande Guerra Nacional da União
Soviética 1941-1945”, em seu tomo I, p. 176 e seguintes, admitiu, finalmente, a existência do
documento.
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“Escoam-se as últimas horas do mês de agosto de 1939. Dos Cárpatos ao Báltico, a noi-
te está fria e clara. As previsões meteorológicas são excelentes. A bruma formada nas planícies
se dissipará ao nascer do sol. O dia será calmo, ensolarado, altamente propício à aviação”.
Neutralizada a possibilidade de uma intervenção russa, Hitler deu as ordens finais para
o ataque à Polônia. O Dia D seria a madrugada de 1º de setembro de 1939. Antes da data fatí-
dica, a diplomacia alemã desenvolveu grande atividade no sentido de neutralizar a Inglaterra e
a França. O Führer fez um último e ingente esforço para restringir a luta entre a Alemanha e a
Polônia. O pacto de não-agressão entre soviéticos e alemães gerou na Inglaterra amarga frus-
tração. Na França ele produziu indescritível confusão. Mas, na Alemanha, em contrapartida, foi
prodigioso o alívio. Muitos que ainda duvidavam do gênio do Führer, tiveram seus temores
dissipados.
Agora, a guerra poderia acontecer, porque se dissipara o pesadelo das duas frentes. A
frágil Polônia seria rapidamente dominada e a Alemanha poderia voltar-se, com todo o seu
poderio, para o oeste, se as circunstâncias exigissem. O pacto entre a União Soviética e a Ale-
manha nacional-socialista era uma “aliança profana”, todos sabiam, porque o contrato estava
maculado em sua essência. Ele tinha em seu bojo a má-fé de ambos os signatários. Stalin o
assinara pelo proveito imediato que punha em caixa e pelo tempo que era concedido à União
Soviética. Hitler o assinara com a intenção de rasgá-lo na primeira oportunidade.
Seu objetivo a médio prazo — dizia ele a seus íntimos — não era retomar Danzig e
apagar o Corredor; nem mesmo destruir o Estado polonês:
Era conquistar as planícies russas, para assegurar o “espaço-vital” para o povo alemão.
Os sacrifícios impostos pela “feroz amizade” eram momentâneos.
Uma onda de fanatismo patriótico levantava o país. Por toda a parte encontravam-se
pessoas do povo a dizer que tinham medo de que seus políticos deixassem passar a ocasião de
dar uma lição aos alemães. Uma vez que Hitler queria o desaparecimento do Corredor, a Polô-
nia o suprimiria à sua maneira: retomando a Prússia Oriental, onde a dominação germânica
fora sempre uma usurpação. “Berlim está a 100 km da fronteira: será naquela cidade que se
decidirá o conflito e que se assinará a paz. Rumo a Berlim!” - exclamavam os mais exaltados.
Grupos de estudantes quebraram as vidraças da Embaixada da Alemanha, gritando: “A Berlim!
A Berlim! A Berlim, sem protelações!”
Em contraste com a onda de euforia bélica, o armamento polonês datava integralmen-
te da Primeira Guerra Mundial. A força aérea contava com 420 aparelhos, entre os quais os
únicos relativamente modernos eram uns poucos caças P-24. Ao lado de uma cavalaria ana-
crônica, a força blindada se reduzia a uma centena de velhos carros-de-combate. A artilharia
era inteiramente hipomóvel; o material de comunicações rudimentar, o mesmo ocorrendo
com o de D.C.A. (Defesa Contra Aeronaves). Praticamente era um exército sem motores. O que
significa dizer: era um exército sem condições de enfrentar a máquina de guerra alemã. Mas
tudo isso foi ignorado pela onda de euforia que inundou o país, principalmente depois que os
ingleses colocaram o Exército, a Força Aérea e a Marinha britânicos em defesa dos interesses
poloneses.
Cartier (1977, p. 17) emite uma interessante e objetiva opinião sobre as raízes do con-
flito bélico que iniciava:
“Apenas vinte anos haviam passado desde a ressurreição da Polônia. Se houvesse pre-
valecido a sabedoria inglesa, o Estado renascido das cinzas da História teria sido confinado em
seus limites geográficos e provido Danzig de simples direitos portuários.
O ardor francês e o romantismo associado à causa polonesa impulsionaram essa atitu-
de razoável, encheram a Polônia de minorias nacionais, estenderam-na sobre a Rússia Branca
e sobre a Ucrânia, abriram, como uma brecha através da Alemanha, o acesso ao mar, que to-
mou o nome de Corredor. A tese dos polonófilos era de que eles construíam, nas costas da
Germânia, uma grande potência eslava, tomando à Rússia bolchevista seu papel de aliada da
França”.
“Tudo o que empreendo é dirigido contra a Rússia; se o Ocidente é burro e cego de-
mais para entender isso, serei obrigado a me entender com a Rússia, vencer o Ocidente e de-
pois reunir minhas forças e me voltar contra União Soviética”.
III — Barbarossa
3. 1 — Antecedentes
3. 1. 1 — A União Soviética
A expansão da União Soviética a oeste, como se afirma geralmente e com razão, foi
deflagrada pela invasão alemã da Polônia. Mas alguns de seus objetivos já se tinham esboçado
antes, por exemplo em 1938, quando Moscou iniciou a luta diplomática pelas ilhas Aaland e,
no começo de março de 1939, quando exigiu algumas ilhas do golfo da Finlândia. Mas naquela
época, concordam os historiadores, o objetivo não era pôr fim à independência finlandesa e
sim garantir a segurança de Leningrado.
A partir do rompimento da Segunda Guerra Mundial, os soviéticos puseram à mostra
suas reais intenções para com os vizinhos. A Finlândia foi a primeira nação a preocupar-se. Já o
primeiro tratado germano-soviético e sobretudo o pacto de assistência mútua, com os quais o
Kremlin adquiriu bases militares na Estónia e na Letônia, serviram de advertência a Helsinki. A
5 de outubro de 1939, Molotov havia convidado a Finlândia a negociar “sobre questões políti-
cas concretas” e insinuado que aguardava uma resposta positiva num prazo de 24 horas. O
Governo finlandês resistiu, declarando que não seguiria o exemplo das repúblicas bálticas.
Tendo em seguida repelido as exigências russas, que incluíam o arrendamento da pe-
nínsula de Hango e uma faixa de terra em torno do lago Ládoga, o Primeiro-Ministro Almo
Cajander e o Presidente do Conselho, Marechal Cari Gustav Mannerheim, começaram a prepa-
rar-se para uma possível invasão por parte da União Soviética. Camufladamente, o exército
finlandês começou a ser mobilizado. Os três Estados escandinavos - Suécia, Dinamarca e Noru-
ega, manifestaram apoio ao Governo finlandês, reafirmando o desejo de manter com ele rela-
ções íntimas.
Molotov afirmou que, a 26 de novembro de 1939, a artilharia finlandesa abrira fogo
em Mainila, na península da Carélia, contra o território soviético. Exigia que as tropas finlande-
sas fossem retiradas numa extensão de 20 a 25 km da fronteira, o que significava o abandono
por parte da Finlândia de sua única linha de defesa fortificada. Como Cajander rejeitasse a
exigência soviética, o Kremlin denunciou ilegalmente o pacto de não-agressão vigente entre os
dois países vizinhos. Dois dias depois, a 30 de novembro, esquadrilhas soviéticas apareceram
sobre Helsinki e bombardearam o centro da cidade, sem que uma declaração de guerra prece-
desse o ataque. A Finlândia só tinha 3,5 milhões de habitantes, um exército de paz de três
divisões, 96 aviões equipados para combate e pouca artilharia, mas entregou-se com decisão à
defesa. Quase todos os povos fora da URSS, inclusive a Alemanha, sentiram viva simpatia pela
causa finlandesa, mas diminuta ajuda prática lhe foi concedida.
Para surpresa de todos, apesar da imensa superioridade em homens e armas, os rus-
sos não conseguiram bater os finlandeses com a facilidade esperada. As forças armadas do
pequeno país nórdico, contando com não mais de 200 mil combatentes, incluindo mulheres
(as Lottas), bateram-se com denodo, sob temperaturas de até 40 graus abaixo de zero, inflin-
gindo severas perdas ao inimigo. O exército finlandês recebeu reforços modestos: ao todo
11.500 voluntário procedentes de 26 países, o que representava um apoio modesto ante as 27
divisões soviéticos prontas para romper a Linha Mannerheim, no istmo da Carélia. Apesar das
consideráveis perdas soviéticas, Timoschenko, concentram três divisões e 150 carros-de-
combate numa estreita faixa de 8 km, conseguir abrir uma cunha em Summa, a 12 de fevereiro
de 1940. Começava a ruir o heróico esforço finlandês.
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Porém, antes de decidido o conflito, uma débil e frustrada ameaça de ajuda ao país
nórdico, por parte da França e da Inglaterra, iria selar a sorte dos poloneses que ainda se en-
contravam aprisionados em território soviético: o Governo francês sugeriu, e os ingleses após
terem aprovado chegaram mesmo a planejar um desembarque de remanescentes do Exército
polonês (que se encontravam refugiados na Inglaterra), nos portos soviéticos do Ártico. Intei-
rando-se dos detalhes dessa manobra, Stalin teria tomado uma drástica providência... A 12 de
março de 1940 terminava a Guerra de Inverno, que, segundo a propaganda soviética, repre-
sentara uma vitória de Stalin sobre a “pérfida Finlândia”, cujos “banqueiros e generais” haviam
tido a insolência de agredir a pacífica União Soviética.
4. A União Soviética sofreu 200 mil baixas, que admitiu, no decurso da breve campa-
nha de inverno contra a Finlândia, e fora obrigada a empregar
30% de sua Força Aérea.
Fosse ou não previsto pela Alemanha, o rápido controle soviético dos governos dos Es-
tados Bálticos entre 15 e 19 de junho de 1940, refletia a determinação de Moscou de tirar
vantagens, pelo menos, do período em que o Exército alemão esteve voltado para o Ocidente.
Os cumprimentos de Molotov pelos “esplêndidos êxitos” do Exército alemão, na França, de
modo algum amenizaram o choque quando em 23 de junho de 1940, os soviéticos exigiram a
imediata partilha da Romênia, não simplesmente da província da Bessarábia (previamente
destinada a URSS pelos acordos de 1939), mas também da província da Bucovina.
A ocupação do norte dessa província pelos soviéticos, colocou Hitler em sobressalto:
Tratava-se aqui da ocupação de uma base de operações ofensivas, onde Stalin concentrou
imediatamente suas melhores unidades de ataque. A tensão entre a Alemanha e a União Sovi-
ética se esboçava com crescente nitidez.
3. 1. 2 — A Alemanha
Derrotada a Polônia, Hitler tentou firmar a paz com as potências ocidentais. Seus olhos
sempre estiveram voltados para o leste europeu. Higgins (1969, p.63) relata trechos de um
desabafo do Führer: “Antes, eu queria trabalhar com a Inglaterra, mas ela rejeitou-me repeti-
damente. É verdade que nada existe pior do que uma briga em família, e, racialmente, os in-
gleses são de certa maneira nossos parentes (...) É lamentável que devemos estar empenhados
nesta luta de morte, enquanto nossos inimigos no leste podem reclinar-se e esperar até que a
Europa fique exausta. É por essa razão que não desejo destruir a Inglaterra e que jamais afa-
rei”. No dia 26 de março de 1940, a Inglaterra e a França firmaram um acordo a partir do qual
nenhum dos aliados poderia iniciar isoladamente negociações para um armistício.
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Dois dias antes da assinatura desse acordo, foi tomada uma decisão importante no la-
do alemão. O Almirante Raeder persistia em sua concepção de que os aliados continuavam
querendo privar a Alemanha do minério sueco. A ofensa à neutralidade holandesa pelo plane-
jado ataque a oeste, poderia — entendia ele — servir de pretexto à Inglaterra para medidas
contra o porto de Narvik (na também neutra Noruega), por onde o minério sueco era embar-
cado para a Alemanha. A operação “Exercício no Weser” devia, portanto, preceder ao ataque à
França.
No dia 9 de abril de 1940, os exércitos alemães, em rápida operação, invadem a Dina-
marca e a Noruega. Na Dinamarca foi rápida a intervenção, pois não houve maior resistência.
A ocupação da costa norueguesa ofereceu alguma dificuldade aos alemães, mormente em
razão das águas revoltas do mar Báltico. Apesar de encontrar alguma resistência em solo no-
rueguês, as tropas alemãs acabaram concretizando o “Exercício no Weser”. A tentativa inglesa
de expulsar os alemães da Noruega resultou em rotundo fracasso para o Governo de Churchill.
Com suas posições consolidadas no Báltico, Adolf Hitler resolveu romper o impasse na
fronteira Ocidental. O plano de ataque — sob o nome “Amarelo” — fora proposto pelo Gene-
ral Erich von Manstein e deveria desenvolver-se em duas fases:
1) tendo como ponto nevrálgico o sul de Namur, contra o Soma e a área em que o
mesmo desemboca;
“Somente em aliança com a Inglaterra, com a retaguarda protegida, seria possível co-
meçar uma nova invasão da União Soviética''.
Mas, os ingleses não quiseram chegar a nenhum acordo com a Alemanha. O estado de
guerra entre os dois países prosseguiu no mar e no ar, com Hitler se vendo obrigado a planejar
e adiar, indefinidamente, a invasão da Inglaterra. Enquanto isso, no leste, a tensão entre ale-
mães e soviéticos aumentava. O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha teve que
executar a tarefa ingrata de explicar aos soviéticos o envio de tropas à Romênia, sob a absurda
alegação de proteger os campos petrolíferos de Ploesti contra incursões britânicas. (Hitler, em
realidade, se adiantava aos russos). Sem se mostrar amável, Molotov recusou-se a admitir
qualquer ameaça britânica à Romênia, dizendo que a Inglaterra estava muito ocupada defen-
dendo a vida, sendo bastante improvável, senão impossível, sua intervenção nas remotas regi-
ões do baixo Danúbio (Balcãs). Os preparativos para a grande aventura à leste (Operação Bar-
barossa) estavam em pleno curso.
21
3. 2 — O Desencadeamento Da Operação
Este Grupo interceptou a hoje notória mensagem telegráfica de uma unidade subordi-
nada do Exército Vermelho a um quartel-general superior:
Higgins (1969, p. 131) diz que a resposta do quartel-general superior foi muito além de
qualquer das reações americanas em Pearl Harbor seis meses mais tarde, ao dizer:
“Vocês devem estar loucos. E por que a mensagem não está em código?”
Muitas bocas de fogo não puderam responder à artilharia alemã, simplesmente por-
que as unidades soviéticas, especialmente as da fronteira, não tinham controle sobre a distri-
buição de suas munições. Isso refletia a política de Stalin de evitar provocações a qualquer
preço. A primeira ordem de operações conhecida, do Exército Soviético, emitida quatro horas
depois do ataque alemão, foi quase do mesmo nível de passividade não provocadora. Proibiu-
se toda e qualquer travessia da fronteira alemã, mesmo na possibilidade de um contra-ataque.
Daí decorreu, sem sombra de dúvida, o estouro da “bolha de sabão”.
4. 1 — A “Bolha De Sabão”
4. 2 — A “Estrada” De Moscou
Hitler vacilava ainda em sua estratégia. Ora se inclinava pelo esforço principal ao norte,
onde pretendia tomar Leningrado, com a ajuda dos finlandeses; ora voltava os olhos para as
riquezas da Ucrânia, ao sul, entendendo que Rundstedt deveria receber todas as prioridades
em reforços. Todavia, era no centro, justamente na “estrada” que levava a Moscou que as
perspectivas se mostravam mais alvissareiras. Apesar disso, quando o Exército, cada vez mais
ansioso, insistia no ataque à capital soviética em vez da prematura aquisição do saque político
e econômico, tão sofregamente procurado por Hitler, o O.K.H. apresentou ao Führer o primei-
ro pedido de uma coleta pública de agasalhos de inverno.
Enfurecido, o ditador rejeitou a sugestão alegando que prometera ao povo alemão que
seus soldados estariam de volta antes do Natal. Entrementes, o debate estratégico entre Hitler
e o Alto Comando do Exército continuava ardendo. Não se chegava a um acordo com relação
ao centro de gravidade da campanha. Em 18 de agosto, Brauchitsch e Halder voltaram à carga
através de um memorando. Salientavam que o Exército necessitava de um mínimo de dois
meses para a tomada de Moscou e isto só seria possível se lhe desse ampla prioridade em
recursos sobre todos os outros empreendimentos.
Era essencial ação imediata para que se complementasse a operação de tomada de
Moscou antes do início das chuvas de outono, em outubro. Hitler colericamente rejeitou o
memorando. Segundo registros de Halder, o Führer declarou com bastante clareza: “O objeti-
vo principal que se deve atingir ainda antes do inverno não é a conquista de Moscou, e sim no
sul, a conquista da Criméia e da região industrial e carbonífera do Donets, assim como se deve
isolar as regiões de petróleo russo, no Cáucaso”. A 6 de setembro, voltando atrás, Hitler orde-
nou uma reestruturação das forças Panzer do Grupo Central, recompletando as lacunas em
pessoal e material. Agora, depois de uma perda de tempo que resultaria fatal, pendeu para o
propósito de lançar uma ofensiva decisiva contra as forças de Timoshenko, que tentavam im-
pedir o acesso à capital soviética.
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Hitler dispunha, como acabou por compreender, de limitado tempo antes que o inver-
no russo paralizasse a tudo e a todos. A situação russa parecia ir de mal a pior. Depois de inú-
meros debates durante a segunda quinzena de setembro, os governos britânico e norte-
americano concordaram em fornecer conjuntamente à União Soviética 400 aviões e 500 tan-
ques mensalmente, durante os noves meses seguintes. Enquanto isto, após Hitler ter cessado
em suas vacilações, o Grupo Centro arremetia de forma lenta, mas inexorável, no rumo de
Moscou. O General Yeremenko, no comando da Frente de Briansk a sudoeste de Moscou, im-
plorou permissão para retirar três exércitos ameaçados de cerco, antes que fossem captura-
dos.
No Stavka, em 3 de outubro, o general Shaposhnikov contemporizou. No dia seguinte,
a cidade de Briansk caiu e a grande investida de Guderian colheu a maior parte do Terceiro,
Décimo-Terceiro e Décimo-Quinto Exércitos russos. Infelizmente para os alemães, Guderian
defrontou-se pela primeira vez com os tanques T-34 de fabricação soviética, cujas fáceis ma-
nobras na lama provaram sua superioridade sobre o Mark IV alemão. Ao mesmo tempo, as
primeiras chuvas e granizos de outono tornaram as estradas impraticáveis. Apenas os veículos
de lagarta conseguiam, a custo, mover-se no lodaçal que tomou conta de tudo. Moscou ainda
estava um pouco distante, mas o Alto-Comando alemão acreditava piamente em sua tomada
antes do Natal.
Embora o General Zhukov fosse designado em 10 de outubro como substituto de Ti-
moshenko no comando da Frente Ocidental, com não menos de 40% do Exército Vermelho à
sua disposição, o Grupo de Exército de Bock já armara com sucesso outra gigantesca armadilha
em Vyasma que, com a de Briansk, acabou resultando na captura de 660.000 prisioneiros de
sete exércitos soviéticos. Foram apreendidos 5.500 canhões e 1.200 tanques. Poderia o Exérci-
to soviético suportar tamanha sangria? A esta altura, até mesmo o sempre cauteloso Halder
admitiu que “com comando razoavelmente bom e tempo moderadamente bom, será impossí-
vel não cercar Moscou antes do Natal”. Hitler, mais eufórico do que Halder, no início de outu-
bro proclamou publicamente que o Exército Vermelho fora abatido para “nunca mais se er-
guer” e que Moscou seria tomada num máximo de três a quatro semanas.
Os alemães já não eram os únicos a acreditar na tomada de Moscou, pois afinal poucos
exércitos — ou nenhum — jamais seriam capazes de suportar as perdas materiais de monta e
substituir os mais de três milhões de prisioneiros e outro tanto de mortos e feridos. O caos e a
desmoralização dos comandos subordinados na Frente Ocidental soviética estavam se alas-
trando rapidamente. Seus efeitos deletérios atingiam Moscou, afugentando a população e
obrigando, inclusive, a evacuação do corpo diplomático. Em 15 de outubro, as tropas alemãs
encontravam-se em Mozhaisk, distante 90 quilômetros de Moscou. A cidade entrou em pâni-
co.
Mais de meio milhão de civis abandonaram às pressas a cidade. Saque, queima de do-
cumentos e outros acontecimentos semelhantes, assinalaram a expectativa russa da iminente
perda de sua capital. De qualquer modo, o comando soviético não descurava das medidas de
defesa. Meio milhão de habitantes foram apressadamente requisitados para construir linhas
de defesa nas cercanias e no próprio interior da cidade. Mas, nem tudo apontava para o suces-
so do Exército alemão.
No começo de novembro, a chegada da geada na região de Moscou, assim como a
exaustão das forças invasoras, atoladas perto da capital, davam um novo alento aos soviéticos
e concediam-lhes um precioso tempo para reorganização e concentração de reforços. O cadá-
ver embalsamado de Lenin desapareceu de seu mausoléu na Praça Vermelha. Tropas discipli-
nares vasculhavam as ruas de Moscou, enforcando desertores e fuzilando amotinados. O
NKWD esvaziou as prisões a seu estilo. Já se podia ouvir o troar dos canhões alemães.
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4. 3 — O Desfecho
Richard Sorge, o mais importante espião soviético durante a Segunda Guerra Mundial,
se não foi o salvador de Moscou, pelo menos muito colaborou para isto. Ao tempo em que os
soviéticos enfrentavam os alemães, não podiam desguarnecer a Sibéria, cujo território era
ameaçado por um inimigo em potencial — o Japão. Foi através de Sorge que o Kremlin se certi-
ficou de que o Japão, tendo de decidir entre duas alternativas, preferira atacar os Estados Uni-
dos. O referido agente, que mantinha bons contatos com repartições do Governo japonês,
informou Moscou de que os nipônicos, tendo esgotado as possibilidades de um acordo com os
Estados Unidos, decidira atacar aquele país.
A 15 de outubro o Kremlin teve a certeza de que poderia remover tropas da Sibéria, re-
forçando a defesa de Moscou. Além do inestimável serviço prestado por Richard Sorge, há que
fazer referência a outro aliado de não menor valia: a lama, que cobriu as estradas não pavi-
mentadas de um lodo sem fundo, onde veículos e canhões afundavam até acima das rodas e
cavalos e soldados só podiam mover-se à custa de ingente esforço. O barro — segundo o rela-
to de participantes da campanha, pesava como chumbo. Os suprimentos custavam a chegar e
eram sempre insuficientes.
Graças à decisão japonesa de atacar ao sul, 21 das 34 unidades do Extremo Oriente es-
tavam agora diante de Moscou, reforçando a extrema linha de defesa soviética. Uma carga de
cavalaria de uma brigada mongólica, em Mussino, revelou a bravura e o fatalismo com que
lutavam. Por outro lado, as temperaturas desceram a mais de 20 graus abaixo de zero. Em
alguns dias, como a 27 de novembro, chegaram até 40 graus abaixo de zero. O Exército alemão
estava despreparado para enfrentar essa onda de frio. A falta de meios para enfrentar o con-
gelamento deteve os tanques, emperrou as armas automáticas e aparelhos de rádio. As caldei-
ras das locomotivas estouraram. As tropas necessitavam diariamente de 26 trens de abasteci-
mento e só chegavam de 8 a 10.
Milhares de cavalos morriam por falta de forragem. As tropas sofriam pesadas baixas
por enregelamento. A falta de previsão, por parte de Hitler, para uma campanha de inverno,
estava reduzindo ou mesmo anulando qualquer possibilidade de um avanço vitorioso sobre
Moscou. A 1º de dezembro de 1941, Bock declarou em telegrama ao Alto Comando do Exérci-
to que o prosseguimento do ataque lhe parecia, a esta altura, inviável e sem sentido, tanto
mais que se aproximava rapidamente o momento da exaustão total de suas tropas. Apesar do
alerta de quem convivia com as agruras do teatro de operações, Halder instou no sentido de
que se fizesse um último esforço antes de suspender a ofensiva.
Ele sabia que Hitler jamais autorizaria uma retirada para posições de inverno, como
pretendia o comandante do Grupo Centro, e, neste caso, era melhor que o Exército passasse o
inverno ao abrigo da capital tomada, do que tivesse que acantonar a descoberto, sob um tem-
po inclemente. Algumas tropas alemãs chegaram a tomar subúrbios da capital soviética. De
binóculos, muitos oficiais puderam ver as torres do Kremlin. Mas, isto foi o máximo a que pu-
deram chegar. A maré alemã chegara a seu ponto culminante.
A partir daí, pouco a pouco, os russos iriam recuperar o terreno perdido, mantendo
quase que invariavelmente a iniciativa. Nenhum dos objetivos fixados por Barbarossa puderam
ser atingidos. A linha geral Astracan-Arcângel estava muito distante. Nem mesmo a estrada de
ferro de Murmansk, ao norte, pela qual dentro de alguns meses os soviéticos receberiam, pelo
“empréstimo e arrendamento” americano, mais aviões, tanques e caminhões do que o Exérci-
to alemão do leste jamais possuíra, pudera ser interrompida com eficácia.
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V — O Grupo Centro:
De Janeiro De 1942 A Abril De 1943
5. 1 — O Inverno De 1941/1942
O ataque à União Soviética fracassara, pois o objetivo fixado por Hitler de derrotá-la
numa campanha rápida, antes do inverno, não fora conseguido. Todavia, o Führer acreditava
poder recuperar a iniciativa perdida até o fim do inverno. Teimava ele, reunido com seus gene-
rais em Wolfsschanze (“Toca do Lobo”), na Prússia Oriental, que os reveses do final de 1941
não passavam de crises transitórias provocadas muito menos pelo poderio bélico do inimigo
do que por falhas de organização ou por “apreciações falsas de comandantes dominados pelo
nervosismo e sem a decisão e a dureza nacional-socialista”.
O centro de gravidade da luta situava-se agora, nitidamente, no setor central em fren-
te a Moscou. Já no fim de novembro de 1941, o Alto-Comando soviético havia preparado uma
contra-ofensiva nessa frente. O plano fora examinado pelo Marechal Schaposchnikov, reelabo-
rado em base mais vasta e recomendado à instância superior. O Comitê Estatal para a Defesa
(GOKO) e o Stawka o aprovaram e ele se tornou a base das operações de inverno do Exército
Vermelho.
As melhores forças dessa grande ofensiva — 15 divisões de infantaria, 3 de cavalaria,
ao todo cerca de 400.000 homens com l.700 carros de combate e 1.500 aviões — vinham em
sua maioria da região além do Baikal e da Mongólia Exterior, onde se haviam tornado dispen-
sáveis em conseqüência da decisão japonesa de voltar-se contra os Estados Unidos, a Inglater-
ra e as índias Ocidentais Holandesas. Excetuadas algumas tropas enviadas a Leningrado, Stalin
concentrou-as nas proximidades de Moscou. As forças soviéticas compreendiam um total de
165 divisões, enquanto Bock e seu Grupo do Exército Centro dispunham de 68 divisões. As
tropas soviéticas haviam sido em boa parte renovadas, enquanto os alemães se encontravam
desgastados pelo esforço dispendido na tentativa de tomada de Moscou.
Os três grupos do Exército soviético deveriam atacar frontalmente as forças alemãs e
ao mesmo tempo, por dois lados, na ala sul através de Suchinitschi e na ala norte por Rshev.
Durante a segunda etapa da ofensiva, os russos pretendiam cortar as comunicações do adver-
sário na retaguarda, isto é, isolando a estrada de ferro na região de Smolensk. Como objetivo
derradeiro, o Stawka teria de dar um golpe direto em direção ao oeste, imprensando o que
restasse do Grupo do Exército Centro alemão em Vyasma. Voltando atrás em decisão anterior,
o Stawka decidiu engajar guerrilheiros nas operações por ele dirigidas. A esta altura, mesmo
sem a aprovação do órgão condutor da guerra, já atuavam na retaguarda alemã inúmeros
grupos de guerrilheiros, operando com diversos armamentos, a partir de bases localizadas em
florestas e pântanos pouco acessíveis.
Esses grupos eram formados, em grande parte, por fugitivos dos campos de prisionei-
ros, mas também por funcionários do Partido e membros do Komsomol. Stalin criou um Esta-
do-Maior Central das Guerrilhas (GShPD), sob o comando do General Klement E. Voroschilov,
cuja missão era planejar as ações, abastecer os grupos com mantimentos, meios de informa-
ção, armas e explosivos e coordenar suas relações, já que, até então, eram comuns as disputas
internas. A contra-ofensiva soviética na região de Moscou foi iniciada a 5 de dezembro de 1941
pelo Grupo do Exército de Kalinin, comandado por Koniev, em ambos os lados da represa da
bacia do Volga. Nos dias seguintes, foram desfechados os ataques lateriais previstos pelo
Stawka. As penetrações nas alas foram precedidas por vivo fogo de artilharia de todos os cali-
bres, especialmente as temidas salvas de foguetes.
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Bock expedira ordens no sentido de que se formasse uma linha defensiva, um pouco
atrás de onde se encontravam as tropas alemãs (Kursk-Orel-Medyn- Rshev) como “posição de
inverno”. Mas antes que se pudesse iniciar esse trabalho, aliás extremamente difícil sob tem-
peraturas de 20 a 30 graus abaixo de zero, quase três divisões do Exército alemão haviam sido
isoladas. Do conjunto da tropa comandada por Bock, apenas o 4º Exército, de Kluge, ainda
mantinha sua antiga posição. Quando Brauchitsch chegou à direção do Grupo Central (Bock),
em Smolensk, a 13 de dezembro de 1941, percebeu claramente que era necessário o recuo
para a linha de inverno. Mas o Alto-Comandante do Exército não ousou dar a ordem de retira-
da. Só vinte e quatro horas depois solicitou a decisão de Hitler. Para esse, porém, também foi
difícil resolver o problema.
3) até a chegada de novas tropas, dada a dificuldade dos transportes, passaria ainda
algum tempo.
Três dias após essa instrução, o Marechal-de-Campo Walther von Brauchitsch, grave-
mente doente do coração, afastou-se e Hitler assumiu o comando do Exército. Houve outras
alterações durante a campanha de inverno: o Marechal Fedor von Bock foi licenciado por mo-
tivos de saúde, entregando o comando do Grupo Centro a Günter von Kluge; por causa dos
atritos surgidos entre o novo comandante do Grupo Centro e o comandante dos tanques, o
General-de-Exército Heinz Guderian, este último acabou substituído por Rudolf Schmidt. O
General-de-Exército Erich Hoepner, que em vista da ameaça de penetração inimiga dera or-
dem a seu exército blindado de recuar para uma linha mais curta, foi expulso do Exército e
degradado.
Apesar das destituições e punições, os alemães continuaram cedendo terreno. A ofen-
siva soviética avançava sem parar. A frente alemã tornara-se extremamente frágil. Muitos
regimentos haviam sido reduzidos à força de batalhões. Uma divisão comunicou só dispor de
300 homens válidos. A população civil teve que ser utilizada para a limpeza das estradas seri-
amente prejudicadas pela neve incessante. Mas apesar dos desesperados esforços, o forneci-
mento de munições e víveres se tornou cada vez mais reduzido e eram poucas as novas forças
que chegavam à frente. Os transportes ferroviários foram praticamente paralizados e os voos
dependiam das condições atmosféricas. As florestas em torno dos entroncamentos ferroviá-
rios, como o de Briansk, Smolensk e Vyasma, estavam cheias de guerrilheiros que todas as
noites dinamitavam pontes, material rolante, postos e depósitos, colunas e centros de trans-
missão.
Perto de Minsk, um comando de guerrilheiros tentou desencadear uma revolta dos
prisioneiros de guerra engajados em trabalhos forçados. Mas membros do serviço de se-
gurança descobriram o plano e os conjurados e seus agentes acabaram na forca. Por largo
tempo, a ligação ferroviária entre Smolensk e Vyasma esteve interrompida pela ação dos guer-
rilheiros. Esperando o momento adequado, Schukov lançou um forte ataque contra o 4º Exér-
cito alemão. A 18 de janeiro de 1942, Golubiev à testa do 43º Exército abriu uma profunda
brecha que a custo foi fechada. Uma semana mais tarde, o 39º Exército, sob o comando de
Bersarin atingiu a zona noroeste de Vyasma, enquanto o I Corpo de Cavalaria de Guerra (Be-
lov) e o 5º Exército (Boldin) aproximaram-se perigosamente de Smolensk. Parecia ter chegado
o fim do Grupo de Exército Centro.
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Não tendo o Exército alemão conseguido atingir, no leste, nenhum dos objetivos fixa-
dos para o ano de 1941, iniciou-se o ano de 1942 sem que houvessem metas de longo alcance.
A 13 de fevereiro, a Divisão de Operações do Estado-Maior do Exército ordenou às suas unida-
des ações de alcance limitado. O Grupo Centro recebeu a missão de desfechar da região de
Rjyev urna ofensiva na direção de Ostachkov, destinada a restabelecer a coesão da frente. As
novas diretivas de guerra, aprovadas em abril, davam prioridade à economia de guerra. Apesar
das amargas experiências do outono e inverno anteriores, o Cáucaso continuou como área
prioritária, segundo a concepção de Hitler.
O Führer insistia na necessidade de reunir todas as forças disponíveis no setor sul, a
fim de aniquilar o inimigo antes do Don e, em seguida, conquistar as áreas petrolíferas e a
passagem do Cáucaso. A campanha ao sul conseguiu o êxito esperado por Hitler. Ele acredita-
va ter desgastado decisivamente as forças soviéticas, o que forçaria Stalin a reconhecer sua
derrota. Todavia, muito embora os soviéticos tivessem concentrado tropas no sul, com a in-
tenção de cortar o avanço alemão para o Cáucaso, para a Criméia e para os campos petrolífe-
ros de Baku, não concederam total descanso para o Grupo de Exércitos Centro.
As tropas de Kluge continuaram enfrentando problemas. Após meses de luta, haviam-
lhes escapado os remanescentes das unidades de cavalaria e de tropas aerotransportadas do
General Pavel A. Byelov, que no inverno tinham conseguido ocupar as pistas do aeródromo de
Smolensk. A 30 de julho, importantes forças soviéticas romperam a frente do 9º Exército e
chegaram até a linha férrea de Rjyev e Vyasma. Em meados de agosto, seguiram-se fortes con-
tra-ataques contra a ala sul do 3º Exército Panzer, comandado pelo General Reinhardt, após
um baldado esforço do 2º Exército Panzer (Schmidt) para isolar um arco de posições frontais
inimigas.
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Diante dos contínuos impasses e da certeza de que os alemães já não tinham como
impor uma derrota à União Soviética, diversos líderes alemães — dentre eles Ribbentrop e
Goebbels — tentaram convencer Hitler de suspender novas operações ofensivas no leste,
dando prioridade à estruturação de uma defesa no Ocidente, contra um iminente ataque da
Inglaterra e dos Estados Unidos. Apesar da pressão de alguns componentes de seu círculo ín-
timo, e das precisas informações que davam conta da intenção dos americanos de dar maior
importância à guerra com a Alemanha do que com o Japão, Hitler, depois de alguma hesitação,
decidiu continuar fiel à cruzada contra o bolchevismo. No fundo, não perdera as esperanças de
derrotar a União Soviética no final de 1942.
A par das tensões resultantes da luta travada no Cáucaso e da impossibilidade mani-
festa de tomar Leningrado, contra-ataques soviéticos mais sérios sobre o alongado e precário
saliente de Rzhev, nas proximidades de Moscou, acentuaram a ansiedade que se abatia sobre
o Alto-Comando alemão. Em 8 de agosto, o Marechal-de-Campo von Kluge pediu o livramento
de duas divisões Panzer, que se encontravam na reserva de seu setor, para com elas diminuir a
pressão soviética contra Rzhev. Hitler teimosamente recusou-se a atender, insistindo em re-
servar essas divisões para urna ofensiva futura contra Moscou, que nem sequer fora planeja-
da. Kluge saiu revoltado do Quartel-General de Hitler, dizendo que ele então deveria assumir a
responsabilidade pelo que poderia acontecer.
O comandante do Grupo Centro acabou sendo incriminado da mesma maneira quan-
do, quinze dias depois, tal como previra, a situação se agravou. Halder interferiu no sentido de
que pelo menos a saliência de Rzhev-Vyasma, na frente central, que se achava demasiado ex-
posta, fosse eliminada, recuando-se para uma linha de defesa mais racional. Diante de Mans-
tein, que assistiu atônito, Hitler furiosamente respondeu ao seu chefe do Estado-Maior: “Você
sempre vem aqui com a mesma proposta, a de retirada”. Depois de mais algumas observações
contundentes sobre a qualidade de combate do soldado alemão, no front russo, Hitler conclu-
iu a diatribe declarando esperar que os “comandantes sejam tão decididos e duros quanto as
tropas combatentes”.
Relata Manstein que Halder, controlando os nervos com dificuldade, respondeu fria-
mente:
“Eu sou bastante decidido e duro, meu Führer, mas lá fora homens valentes e jovens
oficiais estão caindo aos milhares simplesmente porque seus comandantes não têm permissão
para tomar as únicas decisões razoáveis, porque estão com as mãos atadas”.
Durante essa crise, Hitler costumava trancar-se o dia inteiro em sua casamata sem sol,
saindo unicamente à noite quando não era obrigado a se defrontar com os generais que então
detestava. Nessa atmosfera, quando em 11 de setembro Halder se recusou terminantemente
a assinar uma ordem proibindo a retirada em quaisquer circunstâncias, mesmo táticas, o pró-
prio Hitler assinou-a. É evidente que Halder acabaria sendo substituído. Seu sucessor na chefia
do Estado-Maior, o Tenente-General Zeitzler, era enérgico e otimista, uma combinação ideal
para o Führer. A maioria dos oficiais considerava Kurt Zeitzler obtuso e bitolado. O Almirante
Canaris, chefe da Abwehr, assim se referiu a ele, certa feita: “Não precisamos de um gênio
como chefe de Estado-Maior, pois temos o Führer”.
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No setor Central não era menos grave a situação. O exército soviético, embora desfal-
cado pelo esforço concentrado em Stalingrado, continuava a ameaçar os salientes de Orei e
Smolensk, não dando tréguas ao 4º Exército e ao 2º Exército Blindado. No setor de Voronej, o
40º Exército soviético invade a retaguarda do 2º Exército Blindado alemão, e a 26 de janeiro se
apodera do entroncamento de estradas de Gortschetschnoie, a 80 km da retaguarda alemã.
Um novo ataque, oriundo do norte, se encarrega de seccionar, em Kastornoie, a única ligação
ferroviária que permite abastecer as tropas do General von Salmuth.
Os alemães se vêem obrigados a romper o cerco, desta vez permitido a custo por Hi-
tler. Lançadas precipitadamente para oeste, as divisões libertadas pelo abandono de Voronej
reabrem uma passagem estreita e perigosa. Salmuth forma suas tropas em uma coluna densa,
que se desloca como um bloco único e tão coeso quanto permitia o inimigo. A tropa é continu-
amente molestada pelos flancos. Deixa pelo caminho um rastro de armamentos, cadáveres
petrificados e veículos emperrados pelo frio e pela carência de combustível.
Nada se assemelhou tanto à retirada napoleônica quanto esta marcha forçada, com
um frio de 25º abaixo de zero, no meio de um vento ululante e do sibilar dos projetis soviéti-
cos. Após ter ladeado e cortejado o desastre total, os alemães acabaram salvos, embora tem-
porariamente, por uma trégua de certa forma inesperada: com a primavera veio o degelo e a
lama, paralisando todo e qualquer movimento de viaturas. Não muito longe da linha de frente,
em Katyn, uma localidade distante cerca de 12 km de Smolensk, o Regimento de Comunica-
ções 537, sob o comando do coronel Friedrich Ahrens, aproveitando o degelo da primavera,
acabou desvendando um segredo que iria estarrecer o mundo.
34
6. 1 — O Verão De 1942
“O verão de 1942 é o ponto culminante da guerra. Se o Japão recebe um golpe que o detém
em Midway, a Alemanha, por outro lado, conhece triunfos que voltam a dar a impressão de
sua invencibilidade. Mas as forças gigantescas que se elevam contra ela farão desses brilhantes
feitos de armas vitórias de Pirro”.
(Raymond Cartier)
6. 2 — O Inverno De 1942/1943
Logo depois, mais precisamente no dia 26 de abril, o Governo soviético negou peremp-
toriamente as acusações, declarando que o mundo jamais acreditaria em “notícias fascistas
infamantes e mentirosas”. No dia 18, confirmando os boatos que haviam se espalhado pelo
mundo, os judeus do Gueto de Varsóvia tinham se insurgido contra o poderoso Exército ale-
mão. E, ao contrário do que previra Hitler, oito dias depois ainda continuavam resistindo aos
tanques, à artilharia e às armas automáticas de von Stroop. Com isso, as atenções do mundo
se afastaram um pouco de Katyn, e só voltaram a fixar-se naquela pequena localidade no final
do mês, quando uma investigação dirigida pelo médico alemão Leonardo Conti, e que contou
com a participação de doze médicos da Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Itália, Croácia, Holanda,
Protetorado da Boêmia e Morávia, da Romênia, da Eslováquia, da Hungria e da Suíça, emitiu
um laudo com o resultado do que foi possível apurar.
A comissão era por demais isenta de comprometimentos com esta ou aquela lide. Ne-
nhuma dúvida pairou sobre o laudo emitido, mesmo porque várias autoridades polonesas dela
participaram com a plena anuência de Hitler. (A relação completa dos médicos que integraram
a referida comissão poderá ser consultada, encontrando-se inserida, em apêndice, no final
desta obra.).
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Como foi visto anteriormente, durante as demarches políticas que assinalaram o pre-
lúdio à invasão da Polônia, Hitler e Stalin haviam acordado os limites territoriais resultantes da
partilha do país. O acordo referente a partilha fazia parte de um protocolo secreto e foi manti-
do em segredo pelos governos da União Soviética e da Alemanha. A conseqüência disso foi
significativa para os remanescentes do derrotado Exército polonês. A Polônia foi invadida pelas
tropas alemãs em 1 de setembro de 1939, enquanto a intervenção russa só se deu em 17 de
setembro, ocasião em que o Exército polonês praticamente deixara de existir como força de
combate.
Apenas no primeiro grande cerco, realizado sobre o bolsão do Bzura, os alemães apri-
sionaram 19 divisões polonesas. No final da guerra, os alemães haviam aprisionado 694.000
integrantes das três armas, com predominância quase absoluta para tos componentes do
Exército. Tendo a Força Aérea polonesa sido destruída praticamente em terra, com o bombar-
deio alemão aos aeroportos, os aviadores poloneses, em sua quase totalidade, foram transla-
dados para a Inglaterra, onde iriam prestar relevantes serviços a R.A.F. (Royal Air Force).
De igual modo, os marinheiros poloneses, quando perceberam a inevitabilidade da
derrota, levaram suas belonaves para os portos britânicos. Alguns integrantes do Exército po-
lonês, incluindo inúmeros generais, seguiram o destino dos aviadores e dos marinheiros, mas
boa parte deles se refugiou a leste do Bug e do Narew, região surpreendentemente poupada
pela ofensiva alemã. Mal sabiam eles que aquela área fora reservada aos russos. Quando da
invasão começada em 17 de setembro, os soviéticos encontraram pouca ou quase nenhuma
resistência. Fizeram um total de 217.000 prisioneiros, os quais foram internados em território
russo. Inúmeros campos de prisioneiros, como os de Starobielsk e Kozielsk, haviam sido prepa-
rados para abrigá-los.
Do cativeiro em território soviético, esses milhares de prisioneiros mantiveram corres-
pondência com a Polônia, recebendo, de igual modo, cartas e encomendas de parte de seus
familiares. Muitos deles foram postos em liberdade antes do Natal de 1939, pois estabeleceu-
se uma troca de negociações, que acabou em reatamento de relações diplomáticas, entre
Moscou e o Governo polonês no exílio (em Londres).
Os poloneses, que possuíam listas completas dos homens que estavam em poder dos
soviéticos, conferiram a relação dos que haviam retornado à pátria e chegaram a conclusão de
que nem todos tinham sido postos em liberdade. Faltavam cerca de 11.000 ex-integrantes do
Exército polonês, dentre eles cerca de 7.000 oficiais. Algo de muito estranho ocorrera: desde o
mês de abril de 1940 nenhuma carta ou notícia dos desaparecidos chegara à Polônia, e já se
haviam passado mais de dezoito meses!
39
“Kot: Desejo mencionar os seguintes números: um total de 9.500 oficiais foram feitos
prisioneiros de guerra na Polônia e deportados para várias regiões da Rússia. Hoje contamos
somente com 2.500 oficiais em nosso Exército.
“Wyschinski: Senhor embaixador, o senhor deve ter em conta que desde o ano de
1939 houve grandes mudanças. Muitos foram postos em liberdade, outros encontraram um
lugar de trabalho e vários voltaram a suas casas”.
“Kot: Se um dos homens a que faço referência tivesse sido posto, realmente, em liber-
dade, não resta a mínima dúvida de que, imediatamente, ter-se-ia posto em contato conosco.
Esses homens não são garotos. Não podem permanecer ocultos. Se algum deles morreu, peço-
lhe que no-lo comunique. Não posso acreditar, de modo algum, que não se encontrem, ainda,
em território soviético”.
Heydecker & Leeb (1967, p. 316) afirmam que Wyschinski pôs termo à entrevista de-
pois de dar uma resposta evasiva, que de modo algum satisfez o embaixador polonês. No mês
seguinte, mais precisamente no dia 14 de novembro de 1941, Jan Kot conseguiu chegar até
Stalin e perguntar diretamente ao supremo mandatário soviético:
“(...) Kot: Senhor Presidente, já abusei muito do seu valioso tempo, mas se o senhor me permi-
te, há outro ponto sobre o qual desejaria falar”.
“Kot: Suponho, senhor Presidente da União Soviética, que o senhor é o autor de uma anistia
concedida aos cidadãos poloneses em território soviético. Permito-me perguntar-lhe se o seu
nobre gesto foi posto totalmente em prática?”
“Stalin: O senhor quer dizer, com essas palavras, que ainda há poloneses que não foram pos-
tos em liberdade?”
“Kot: Não voltamos a ter notícias de qualquer dos homens que estiveram internados no acam-
pamento de Starobielsk que foi, segundo tudo indica, dissolvido na primavera de
1940”.
“Stalin: Ordenarei as investigações que se fizerem necessárias. Mas, nestes casos, costumam
ocorrer as coisas mais incríveis”.
“Kot: Rogo-lhe, senhor Presidente, que ordene sejam postos em liberdade todos os oficiais
que ainda, por Í!Í ventura, se encontrem prisioneiros, pois eles são necessários ao nosso Exér-
cito. Temos provas fidedignas de que esses oficiais foram deportados”.
40
Kot: Temos todos os nomes, pois os comandantes dos acampamentos passavam, diariamente,
revista a todos os oficiais. Além disso, o N.K.W.D. possuía correspondências independentes
para cada um dos oficiais. Nem um único oficial do Estado-Maior do Exército, sob as ordens do
general Anders, deu sinal de vida”.
De acordo com o relato de Heydecker & Leeb (1967, p. 317), Joseph Stalin pegou o te-
lefone e ordenou que o pusessem em contato com a agência central do N.K.W.D. Tendo con-
seguido o contato desejado, Stalin perguntou se haviam sido postos em liberdade todos os
prisioneiros de guerra poloneses que se encontravam no território soviético. Exigiu que ligas-
sem para ele tão logo pudessem obter a informação desejada. Prosseguiu tratando de outros
assuntos com o embaixador polonês, até que veio a resposta do N.K.W.D. Jan Kot diz que Sta-
lin escutou em silêncio, sem demonstrar qualquer perturbação.
A ligação durou cerca de quatro minutos. Quando terminou, Stalin repôs tranquila-
mente o aparelho no gancho e disse:
— Tenho em meu poder a lista de uns quatro mil oficiais que foram deportados para
campos de prisioneiros e que na atualidade se encontram desaparecidos. Esta lista não é com-
pleta, pois só figuram nela os nomes daqueles que se pôde lembrar de memória. Ordenei que
se fizesse uma investigação na Polônia e o resultado foi negativo. Nenhum dos nossos oficiais
se encontra na Polônia e tão pouco nos campos de prisioneiros da Alemanha. É bastante pro-
vável que estes homens se encontrem aqui, visto que nenhum regressou.
Stalin não se perturbou. Respondeu de chofre:
— Pois, por exemplo, para a Mancharia. Sikorski não se deu por vencido:
— O normal seria que eles em chegando ao novo destino avisassem seus familiares...
Stalin informou que já procurara inteirar-se do paradeiro dos desaparecidos quando da visita
de Jan Kot. Acrescentou:
41
— Não resta a mínima dúvida de que todos os poloneses foram postos em liberdade
no inverno e primavera de 1940. É de acreditar que os não encontrados se encontram a cami-
nho dos seus respectivos lares.
Isto foi tudo o que conseguiram averiguar os dois generais poloneses, no início de de-
zembro de 1941. O Governo polonês no exílio — conforme diversas fontes consultadas — en-
tregou ao Kremlin quarenta e nove notas em que pediam explicações sobre o para-deiro dos
oficiais desaparecidos. Estas notas revelam que, em Londres, todos acreditavam que os seus
ex-companheiros ainda estavam vivos.
42
Como não poderia deixar de ser, apesar das atenções mundiais estarem voltadas para
os diversos campos de batalha, que iam do norte da África, à Europa e ao Pacífico, o episódio
de Katyn não passou desapercebido. Quase todo o mundo escutou horrorizado a notícia que
causou o efeito de uma bomba no Governo polonês no exílio, em Londres.
Churchill esquivou-se, mas procurou conseguir dos poloneses uma declaração que ino-
centasse o Kremlin. O Gabinete rechaçou essa solicitação, pelo menos até que se apurassem as
responsabilidades, e o conflito assumiu proporções ainda maiores, quando um avião que con-
duzia o general Wladyslaw Sikorski explodiu na pista do aeroporto de Gibraltar, matando todos
os passageiros, exceto o piloto. Entrementes, Goebbels reunira uma plêiade de técnicos em
medicina legal, criminalistas e jornalistas, para mostrar-lhes os corpos de Katyn.
Integravam à comissão médicos militares ingleses e americanos aprisionados, observadores
dos aliados do Eixo e de países neutros, como a Suécia, a Suíça, a Espanha, Portugal, Turquia e
Irlanda, além dos 12 membros oficiais. Dos contatos mantidos por Sikorski com o Governo
alemão resultou a inclusão de várias personalidades polonesas, que se apresentaram disfarça-
das, com pleno consentimento de Hitler.
De acordo com Dahms (1968, vol. II, p. 209), foram contados 4143 cadáveres, esti-
mando-se haver mais uns 600 em duas outras valas que não puderam ser abertas devido ao
calor crescente e às moscas que enxameavam o local. Heydecker & Leeb (1967, p. 319) dizem
que “colocados uns em cima dos outros, por operários russos que receberam a missão de abrir
as valas e remover os corpos, os cadáveres formaram até doze camadas, sendo contados
4183”. Davidson (1970, p. 81) aponta a cifra de 4500 cadáveres.
3) As árvores que foram plantadas sobre as valas, como demonstrou uma análise mi-
croscópica, lá haviam sido colocadas em 1940;
6) Todas, sem exceção, foram mortas com tiros de pistola na nuca, à beira das valas.
(*) O estado físico dos cadáveres, a descalcificação dos crânios e mais uma série de circunstân-
cias, comprovam inequivocamente a época da morte.
44
Segundo Dahms (1968, Vol. II, p. 208), “cada um dos observadores de maior senso crí-
tico discerniu claramente quem era responsável por essas execuções”. A segunda investigação
foi realizada por iniciativa dos soviéticos, logo após a reconquista da região de Smolensk. Os
dados obtidos por essa comissão diferiram grandemente daqueles divulgados anteriormente.
3) Estes fuzilamentos em massa foram executados por uma unidade militar alemã que
se ocultava por trás do nome chave de “Stab dês Baubataillons 537”, comandada pelo tenente-
coronel Ahrens e os seus colaboradores, os tenentes Rex e Hot.
Os poloneses, com anuência dos soviéticos, realizaram, por sua vez, uma terceira in-
vestigação quando findou a guerra. Esta investigação foi chefiada pelo delegado de acusação
pública de Cracóvia — doutor Roman Martini, e contou com a participação de três dos ex-
trabalhadores da Organização Todt, que haviam tomado conhecimento das valas no verão de
1942. Este simples fato desmentia o laudo da comissão formada sob os auspícios da União
Soviética, que afirmava terem sido os corpos transportados para Katyn na primavera de 1943.
Martini descobriu, inclusive, os nomes dos agentes da G.R.U. que tinham intervido naquela
ação.
O chefe do grupo de extermínio tinha sido um homem chamado Burjanow. Infelizmen-
te, Martini não conseguiu concluir suas averiguações. Em 12 de março de 1946, quando o Jul-
gamento de Nuremberg se encontrava em pleno andamento, foi assassinado em sua residên-
cia de Cracóvia. Os assassinos foram prontamente identificados: tratavam-se de dois membros
da Associação de Amizade Russo-Polonesa. O assassinato de Roman Martini impediu que a
defesa dos acusados alemães, em Nuremberg, dispusesse do importante depoimento dessa
testemunha.
45
IX — O “Massacre De Katyn”
Perante O Tribunal De Nuremberg
9. 1 — O Tribunal De Nuremberg
O espetáculo dos líderes alemães depostos, tendo suas vidas submetidas a julgamento,
proporcionou ao mundo imediato do pós-guerra um dos assuntos de maior interesse. Nurem-
berg não foi o primeiro procedimento judicial dessa espécie na História da Humanidade, pois
outros já haviam sido responsabilizados por infringirem as regras da guerra. O Julgamento de
Nuremberg, no entanto, realizou-se em escala sem precedentes, e logo tornou-se claro que os
crimes com que o Tribunal estava lidando eram de magnitude incomparável.
Com a simples apresentação de provas testemunhais, de pouca ou nenhuma credibili-
dade, desfilou pelo Tribunal uma lista de monstruosidades que teriam sido cometidas pela
Alemanha no curso da guerra. Robert Jackson, o Juiz Adjunto da Suprema Corte dos Estados
Unidos, ao sintetizar o libelo acusatório, afirmou: “Nenhum meio-século testemunhou “massa-
cres” em tal escala... O terror da Torquemada se eclipsa diante da Inquisição Nazista”.
Entre os “massacres” a que aludia Jackson, incluía-se, por insistência dos russos, o de
Katyn. Durante muitos meses de 1945 e 1946 o julgamento dos grandes criminosos de guerra,
em Nuremberg, fascinou o mundo inteiro. Havia um irresistível quê de drama intenso no espe-
táculo desses homens, até bem pouco governantes da maior parte da Europa e senhores de
vida e morte de milhões. As pessoas mais ponderadas viam no julgamento bem mais do que a
simples sensação do momento.
Tinham escutado falar na escalada de crimes cometidos com tal sangue frio que a
mente civilizada só a muito custo concebia a sua efetivação, mesmo depois de cinco anos de
guerra. Kahn (1973, p. 9) assevera que “um tribunal internacional, comprometido com regras
rígidas de evidência elaboradas por sistemas jurídicos nacionais, durante séculos de experiên-
cia e requinte crescentes, certamente distinguiria a verdade indiscutível do boato infundado, e
avaliaria com exatidão a culpa das pessoas, individualmente.
Ao fazer isso, ele iniciaria uma nova era no desenvolvimento da justiça penal internaci-
onal e, assim, promoveria a causa que todos desejavam: o estabelecimento de um sistema de
lei e ordem entre as nações”. Na verdade, eram grandes esperanças. Tão grandes que não
puderam ser inteiramente cumpridas. Os fatos principais revelados ou confirmados no decor-
rer do Julgamento formam agora parte do acervo comum do conhecimento histórico e os ar-
quivos de Nuremberg, à disposição dos possíveis interessados, são uma fonte adequada para
os estudos eruditos dos detalhes, ou para tentativas de reinterpretação de fatos não de todo
esclarecidos.
A história que se pode contar tem agora tanto interesse humano como na época des-
pertaram os relatórios. Há, porém, uma diferença fundamental: hoje, esse interesse está des-
pido da carga emocional que acompanhava os contemporâneos dos eventos então desenrola-
dos. Hoje, tendo-se dissipado a atmosfera carregada de dramaticidade que cercou aqueles
acontecimentos, torna-se mais fácil analisar os fatos e chegar a uma compreensão mais pro-
funda das motivações e reações dos homens que ocuparam o palco de Nuremberg.
A cadeia de acontecimentos que desembocaram no Julgamento iniciou-se no outono
de 1941, quando se tornou público que os alemães estavam “executando sistematicamente os
reféns inocentes na França”, em represália aos ataques às forças alemãs de ocupação. A 25 de
outubro, o Presidente Roosevelt denunciou vigorosamente essa ilegalidade, e advertiu os res-
ponsáveis pelo estabelecimento dessas medidas no sentido de que seriam um dia punidos.
Winston Churchill, falando na Câmara dos Comuns, associou imediatamente seu Governo à
declaração do Presidente dos Estados Unidos.
46
Pouco mais tarde, o Governo da União Soviética lançou um protesto diplomático sobre
as “atrocidades infligidas aos prisioneiros de guerra e civis russos”, onde declarava que o Go-
verno de Hitler seria considerado responsável pelos crimes “cometidos pelas tropas alemãs”.
(Crimes como o massacre de Katyn). Os governos da Inglaterra e dos Estados Unidos, ao decla-
rarem, a 7 de outubro de 1942, a disposição de criar a “Comissão das Nações Unidas para Cri-
mes de Guerra”, deram passo importante no sentido de organização do futuro Tribunal. À
“Comissão” caberia, precipuamente, identificar os responsáveis por crimes conhecidos, reco-
lher e avaliar provas, enfim, iniciar a composição dos autos que serviriam de base a um futuro
julgamento dos criminosos de guerra.
A declaração dos dois Governos, em caráter preventivo, visava desestimular a perpe-
tuação de novas atrocidades, garantindo que “nenhum algoz” ficaria impune. Outro aconteci-
mento não menos importante foi uma declaração, assinada por Roosevelt, Churchill e Stalin,
após uma conferência de Ministros do Exterior, realizada de 19 a 30 de outubro de 1942, em
Moscou. Essa “Declaração de Moscou” é particularmente digna de nota, por ter sido a primei-
ra declaração básica de política, feita conjuntamente pelas três grandes potências. De acordo
com esses documentos, “os criminosos de guerra seriam divididos em dois grupos: “grandes” e
“pequenos” criminosos.
Quanto ao primeiro grupo, seriam incluídos os oficiais alemães e membros do Partido
Nacional-Socialista, com envolvimento em “atrocidades, massacres ou execuções”. No que diz
respeito ao segundo grupo, a declaração ficou deliberadamente vaga. Deveria haver um jul-
gamento formal dos principais criminosos de guerra? Esta pergunta ganhou relevância, desde
o início, principalmente porque a opinião pública estava nitidamente dividida. Para alguns, o
princípio da legalidade estrita era o único digno de nações democráticas. Outros achavam que
os papéis desempenhados pelas principais personalidades do Terceiro Reich já eram do conhe-
cimento geral; portanto, parecia desnecessário e até mesmo hipócrita passar pelo palavrório
forense para estabelecer sua culpa.
Seria mais fácil proceder como pretendia Stalin: fuzilá-los assim que fossem presos, ou,
no máximo, julgá-los sumariamente no local. Churchill tinha ainda bem viva na memória a
proposta de Joseph Stalin para que se fuzilasse, sumariamente, um número próximo a 50.000
alemães! Se a Inglaterra se debatia por um julgamento formal, baseado no direito, o mesmo
ocorria com os principais interessados: significativamente, onde os brados por uma justiça
improvisada se faziam ouvir com mais insistência era na Alemanha, pois muitas das acusações
poderiam ser contestadas.
Uma vez abandonado o Plano Morgenthau (que pretendia, basicamente, arrasar a
Alemanha, não deixando pedra sobre pedra), o Governo dos Estados Unidos passou a favore-
cer firmemente um julgamento justo perante um tribunal internacional, como o único meio de
assegurar os efeitos morais que todos desejavam. Uma questão crucial se apresentou logo de
início: dever-se-ia incluir “crimes contra a paz” nas acusações?
Os delegados franceses (Juiz Robert Falco e o Professor André Gros), achavam que não,
pois entendiam que, mesmo que as guerras de agressão fossem ilegais, os peritos do Direito
Internacional não concordavam com isso, entendendo que se erro houve, este não foi cometi-
do por indivíduos mas por um Estado. Ainda não havia nenhuma regra jurídica reconhecida
que tornasse alguém pessoalmente responsável, por mais lamentável que esta posição pudes-
se ser.
Os russos não estavam preocupados com tais considerações legais, mas estipularam
uma condição: qualquer definição de crime deveria ser explicitamente restrita aos atos agres-
sivos cometidos pelos alemães e seus aliados. Não é de surpreender que os russos consideras-
sem vital este ponto, considerando a própria história de agressões do Kremlin contra a Polônia
e a Finlândia. A aceitação dos aliados pela inclusão desta cláusula livraria os soviéticos, no fu-
turo, de aborrecimentos em outras questões delicadas, como no caso específico do massacre
47
9. 2 — O “Caso Katyn”
Julian Líder, na obra acima citada, diz que “o homem tem um 'senso de território' que
se manifesta por um profundo apego emocional a uma determinada área e, devido a estas
necessidades instintivas e funcionais, desenvolveu a tendência de lutar por seu território”,
(p.18). O mesmo autor acrescenta: “A luta por uma base física suficiente para safistazer às
necessidades humanas pode tomar a forma de guerra. (...) A guerra pode preencher duas fina-
lidades: proporcionar ao vencedor o espaço e os recursos necessários e ao mesmo tempo re-
duzir o efetivo humano, compatibilizando-o com os recursos disponíveis.
(...) Em sua forma clássica, a situação geopolítica de um Estado é definida como o es-
paço indispensável para uma nação viver próspera e seguramente. (...) A guerra neste esque-
ma é uma manifestação ou uma forma de luta por melhores condições geopolíticas. (...) A luta
por espaço equivale à luta pela vida, e a área terrestre de uma nação é a indicação de seu po-
der e vitalidade”, (p. 24/25).
Esses princípios certamente foram ignorados pelos responsáveis pelo Tratado de Ver-
salhes. Ao contrário deles, o futuro Führer alemão, Adolf Hitler, não os ignorava... Em Nurem-
berg, de certa forma com mais gravidade até, repetiram-se as injustiças de Versalhes. Embora
o “Plano Morgenthau” (que previa não deixar pedra sobre pedra na Alemanha vencida) fosse
deixado de lado, tal como ficara estabelecido na Conferência de Teerã, os principais líderes
alemães foram condenados à morte pelo crime de terem levado sua pátria à guerra. Alegou-se
que “atrocidades” e “massacres” haviam sido cometidos com a aprovação da cúpula alemã.
Testemunhas desfilaram aos montes, trazidas pelos “juizes” das quatro potências res-
ponsáveis pelo Julgamento. Testemunhas como o búlgaro Dr. Marko Antonow Markov, que
depôs no caso Katyn. No meio de tantas acusações, os russos acreditaram que o massacre de
Katyn seria facilmente absorvido pelos desalentados alemães, livrando-os de uma difícil situa-
ção perante os poloneses e a opinião pública mundial. O acusador soviético em Nuremberg,
coronel J.W. Pokrowsky, expôs a discussão do caso:
“Vou tratar agora de um dos atos de crueldade que foram cometidos pelos hitlerianos
com membros do Exército polonês. Depreende-se do libelo de acusação que uma das princi-
pais ações criminosas foi a execução em massa de prisioneiros de guerra poloneses, execução
que se realizou nos bosques de Katyn, localidade situada nas proximidades de Smolensk, por
parte dos invasores germano-fascistas”. A seguir, Pokrowski apresentou uma minuta do laudo
de investigações da Comissão organizada pelos soviéticos quando da retomada da região de
Smolensk, e cujo teor foi visto anteriormente.
Resumidamente, é interessante recordar que o laudo apontava um total de onze mil
mortos, tendos os obtidos ocorrido no outono de 1941 (setembro/dezembro). O responsável
direto pelo massacre teria sido o Regimento de Comunicações 537, comandado pelo Coronel
Friedrich Ahrens. Otto Stahmer, o advogado de defesa de Hermann Goering, arrolou como
testemunha de defesa justamente o acusado direto pelo massacre — o coronel Friedrich Ah-
rens.
“Ahrens: Sim”.
“Stahmer: Descobriu o senhor ao chegar a Katyn que na floresta existia uma vala?”
49
“Ahrens: Pouco depois da minha chegada à região, os meus soldados chamaram-me a atenção
sobre o fato de que por cima de um monte existia uma simples cruz de madeira de abeto. Vi a
cruz. Durante todo o ano de 1942 os meus soldados e diversos moradores da região insistiram
em que ali, no bosque de Katyn, se tinham realizado fuzilamentos em massa. No inverno do
ano de 1943, em janeiro ou fevereiro, vi casualmente um lobo naquele bosque. Em companhia
de um caçador experimentado segui os rastros do animal e descobrimos que tinha estado a
raspar com as garras o montículo onde se levantava a cruz. Mandei que examinassem os ossos
que ali descobrimos e os médicos disseram que se tratava de restos humanos”.
“Ahrens: Não me lembro dos pormenores. Limitei-me a dar conta do meu descobrimento aos
meus superiores. Lembro-me que um dia apareceu o professor doutor Butz, que me informou
que recebera ordens para realizar umas escavações na floresta, onde estava localizada uma
companhia de minha unidade”.
“Stahmer: O professor doutor Butz o informou acerca dos resultados das escavações?”
“Ahrens: Entregou-me uma espécie de “diário”, onde apareciam anotados muitos dados e que
ele não podia ler, porque desconhecia a língua polonesa; examinei o “diário”. Lembro-me que
as anotações tinham sido feitas por um oficial, em março de 1940, e diziam, no fim, que ele e
seus companheiros temiam um fim dos mais terríveis”.
“Stahmer: Afirmam que no mês de março de 1943 transportaram em camionetas grande nú-
mero de cadáveres para Katyn e que foram enterrados nas florestas. Sabe o senhor qualquer
coisa a respeito?”
“Kransbühler: Falou o senhor em alguma ocasião, com os habitantes do lugar a cerca do que
puderam observar no ano de 1940?”
“Ahrens: Sim, desde o princípio do ano de 1943 vi via próximo do meu Estado-Maior um casal
russo. Foi por ele que soube que na primavera de 1940 tinham chegado à estação de Gnes-
dowo vagões ferroviários com mais de duzentos poloneses fardados. Tinham ouvido muitos
gritos e também muitos tiros”.
“Ahrens: O casal disse que durante vários dias chegaram poloneses à estação de Gnesdowo.
Sempre se repetiam os gritos e os tiros, vindos do bosque de Katyn”.
“Ahrens: Sim, perguntei-o porque estava interessado em sabê-lo. Era uma casa de construção
muito curiosa. Tinha um cinema e um campo de tiro próprios. Disseram-me que pertencera a
G.R.U., um órgão subordinado ao N.K.W.D.”.
50
“Ahrens: Não me recordo do número exato, mas além das grandes valas junto ao bosque, ha-
viam outras menores nas proximidades do palacete de Dnjepr. Nessas valas, segundo pôde ser
apurado, haviam esqueletos tanto de homens como de mulheres”.
A seguir, Ahrens foi submetido a interrogatório por parte do acusador soviético L.N.
Smirnow:
“Ahrens: Não”.
“Smirnow: Isto quer dizer que o senhor não sabe o que pôde ter acontecido em setembro ou
novembro de 1941 no bosque de Katyn?”
“Smirnow: Vou citar-lhe os nomes de vários oficiais da Wehrmacht. Por favor, responda se
estes oficiais pertenciam à unidade sob seu comando: tenente Rex?”
“Smirnow: Estava adido a esta unidade antes de o senhor ter sido destinado a Katyn?”
“Smirnow: Vou recordar-lhe o nome de outros praças: Suboficial Rose, soldado Giesecke, sar-
gento Krimmenski, sargento Lummert, um cozinheiro chamado Gustav. Faziam todos eles par-
te da sua unidade?” “
“Ahrens: Sim”.
“Smirnow: E não sabe o senhor o que fizeram estes homens durante os meses de setembro,
outubro e novembro de 1941?”
“Ahrens: Como eu não estava lá, não posso sabê-lo com certeza”.
“Smirnow: Foi informado de que a Comissão Estatal o considera como um dos responsáveis
pelos crimes cometidos em Katyn?”
“Nikitschenko: Não estava ò senhor pessoalmente presente quando o professor Butz desco-
briu o “diário” e outros documentos que foram encontrados?”.
51
“Ahrens: Não”.
“Nikitschenko: De modo que o senhor não pode assegurar que os documentos foram encon-
trados nas valas?”
“Ahrens: Não”.
Outra testemunha ouvida pelo Tribunal foi o ex-tenente Reinhard von Eichborn, do
Regimento de Comunicações 537, arrolado pelo doutor Stahmer:
“Stahmer: Senhor testemunha, sabe quem habitou naquele palacete, antes dele ter sido ocu-
pado pelos alemães? Sabe a quem pertenceu?
“Eichborn: Nossa unidade recebeu uma cópia do laudo. Tenho certeza de que, segundo a opi-
nião dos médicos, as mortes ocorreram durante os meses de março e abril de 1940”.
“Eichborn: Não me recordo bem, mas creio que ha viam doze assinaturas”.
A testemunha seguinte, apresentada pela defesa, foi o general Eugen Oberhäuser, che-
fe de Comunicações do Grupo de Exércitos Centrais e superior imediato do coronel Friedrich
Ahrens:
“Oberhäuser: Suponhamos que cada um dos oficiais tinha uma pistola. Isto significaria um
total de cento e cinqüenta”.
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“Smirnow: Por que diz o senhor que com cento e cinqüenta pistolas não se pode realizar uma
execução em massa?”
“Oberhäuser: Porque o Regimento de Comunicações 537 sempre esteve muito dividido. Ele
cobria a zona de Wolodow até Witbsk, e por isso, é difícil que cento e cinqüenta pistolas fos-
sem concentradas num mesmo lugar. Em Katyn nunca houve uma guarnição superior a 50
homens, e, destes, não mais do que 10 eram oficiais”.
“Stahmer (voltando a perguntar): O Regimento cobria uma zona muito ampla. Que distância?”
“Stahmer: O senhor disse que os oficiais portavam pistolas Walther ou Mauser. Correto?”
“Oberhäuser: Correto”.
“Oberhäuser: Não”.
A seguir, o Ministério Público russo apresentou as suas testemunhas, iniciando pelo as-
trónomo Boris Bazilewsky, que durante a ocupação alemã foi vice-presidente da Câmara de
Smolensk:
“Smirnow: Há quantos anos o senhor residia na cidade de Smolensk, antes dela ser ocupada
pelos alemães?
“Smirnow: Poderia dizer-se que os alemães consideravam Menschagin como homem de confi-
ança e que até lhe podiam ter feito confidências secretas?”
“Bazilewsky: Com respeito aos prisioneiros de guerra poloneses, Menschagin disse-me que os
alemães tinham decidido exterminá-los.”
“Smirnow: Tornou a falar, mais tarde, com Menschagin acerca dos prisioneiros poloneses?”
“Bazilewsky: Duas semanas mais tarde voltei a tocar no assunto. Perguntei-lhe o que tinha
acontecido com os prisioneiros de guerra poloneses. Menschagin a princípio hesitou e depois
disse: o caso dos poloneses é assunto liquidado”.
“Smirnow: Disse-lhe Menschagin por que motivo tinham sido fuzilados os prisioneiros de guer-
ra poloneses?”
“Stahmer: Senhor testemunha, se não me engano, o senhor esteve lendo as respostas antes
de ser interrogado pelo acusador soviético, doutor Smirnow. É isto verdade?”
“Stahmer: Mas dava a impressão de que o senhor lia as respostas. Como é que explica que o
intérprete já tivesse em seu poder a tradução de suas respostas?”
Fez-se tumulto na sala de sessões, com os soviéticos impedindo que Stahmer prosse-
guisse o contra-interrogatório. Mais tarde, com instruções de parte do Juiz Presidente para
que Stahmer não voltasse a insistir no fato de que as respostas da testemunha haviam sido
adrede preparadas, reabriu-se a sessão:
“Bazilewsky: As margens do Dnjepr são muito compridas, por isso não posso precisar a que
palacete o senhor se refere?”
“Stahmer: De modo que não sabia o senhor que na floresta de Katyn existia uma casa de re-
pouso, sanatório ou coisa parecida, da G.R.U.?”
54
“Bazilewsky: Sabia-o muito bem, como aliás ocorria com todos os habitantes de Smolensk”.
“Bazilewsky: Pessoalmente nunca estive naquela casa. Nela só podiam entrar os familiares dos
agentes empregados no Ministério do Interior. Outras pessoas não podiam e não conseguiam
autorização para entrar lá”.
“Stahmer: Menschagin foi castigado, quando da libertação de Smolensk, por ter colaborado
com os alemães?”
“Markov: Estivemos duas vezes nos bosques de Katyn, nas manhãs de 29 e 30 de abril”.
“Smirnow”: Confirmou o senhor à Comissão que os cadáveres havia três anos que tinham sido
enterrados?”
55
“Markov”: Segundo a minha opinião, os cadáveres tinham sido enterrados havia menos de
três anos. O cadáver que examinei pessoalmente havia um ou dois anos, no máximo, que tinha
sido enterrado”.
“Smirnow: É costume na medicina legal búlgara, que um exame seja dividido em duas partes:
descrição e ditame?”
“Markov: Sim”.
“Markov: O documento assinado por mim só contém a descrição e não a opinião ou ditame.
Pelos documentos que puseram à nossa disposição despreendia-se claramente que queriam
que nós certificássemos que os cadáveres estavam lá enterrados há mais de três anos, e isto
podia ser deduzido claramente dos documentos que submeteram à nossa disposição no pala-
cete”.
“Smirnow: Quando assinou o documento sabia, sem dúvida de espécie alguma, que os assas-
sínios de Katyn não tinham sido cometidos antes do último trimestre do ano de 1941 e que
também se devia excluir o ano de 1940?”
“Markov: Sim, sabia-o e por esse motivo não permiti que figurassem no documento dados
referente à opinião final”.
“Stahmer: O documento não somente foi assinado pelo senhor, mas também por outros onze
cientistas, alguns deles de fama mundial. Figura dentre eles, por exemplo, o doutor Naville,
representante da Suíça, um país neutral. Acha que todos se acovardaram e por isso assinaram
o laudo?”
“Markov: Não sei o motivo pelo qual os outros assinaram o documento. Mas julgo que todos o
fizeram nas mesmas circunstâncias que eu”.
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É interessante abrir aqui um parêntese sobre este ponto do depoimento de Marko An-
tonow Markov. No dia 17 de janeiro de 1947, três meses depois de ter acabado o Julgamento
de Nuremberg, foi interrogado o médico suíço, doutor Francis Naville, pelo Grande Conselho
do Cantão de Genebra, com relação a sua participação no episódio de Katyn. Na opinião do
Conselho, Naville, que integrou a Comissão voluntariamente, procedeu sempre “de acordo
com o que exigia sua profissão”. E o Presidente do Conselho disse textualmente — conforme
Heydecker & Leeb (1967, p. 326): “No caso em que Markov fosse realmente obrigado a pres-
tar uma declaração, resta saber se esta pressão foi exercida sobre ele por baionetas alemãs ou
soviéticas”.
“Stahmer: No seu relatório diz o senhor que o cadáver que foi examinado por si conservava a
farda. De inverno ou de verão?”
“Markov: Alguns desses papéis foram encontrados pelos médicos que realizaram as autóp-
sias”.
Os russos não tiveram melhor sorte com outra de suas testemunhas — o professor Ilji-
tsch Prosorowsky:
“Smirnow: O senhor, enquanto efetuava a autópsia dos cadáveres, achou projetis ou cartu-
chos de balas?”
“Prosorowsky: Os oficiais poloneses tinham sido assassinados com um tiro na nuca. Sim, en-
contramos ambas as coisas: projetis e cartuchos durante as escavações. Esta munição tinha
gravada a palavra “Greco”.
“Stahmer: Senhor Presidente, permita-me anexar uma prova aos autos. Tenho nas
mãos uma cópia do Tratado de Rapallo e notas de embarque da fábrica Genschow, de Durlach,
responsável pela produção e distribuição dos projetis “Greco”. Foram exportados para os paí-
ses bálticos e para a União Soviética cerca de 10 milhões desses cartuchos durante o ano de
1939”.
Apesar da insistência dos russos, o episódio de Katyn não constou no libelo acusatório
final de Nuremberg. As provas não eram apenas inconsistentes. Elas apontavam perigosamen-
te noutra direção. Ninguém em Nuremberg duvidava de que a prova contra os alemães fosse
dúbia ou falsa, inclusive porque os poloneses tinham feito uma cuidadosa investigação sobre o
massacre. A respeito do assunto publicaram um panfleto em Londres, dizendo que tanto eles
quanto os oficiais do Serviço Secreto norte-americano e inglês tudo revelariam no devido tem-
po.
De acordo com os poloneses, os russos e não os alemães haviam cometido o crime na
floresta de Katyn. Entendiam os poloneses que muitas pessoas no Tribunal, inclusive os pro-
motores soviéticos, sabiam disso. Os membros do Ministério Público norte-americano e inglês
viram-se num embaraçoso dilema. Nem o Tribunal de Nuremberg nem, como antes ficara con-
vencionado, os líderes dos Aliados Ocidentais, poderiam aceitar acusações contra os russos.
O máximo que se conseguiu, para salvar as aparências, foi excluir o episódio de Katyn
do veredito final... Algumas mentiras chegaram a ser grosseiras. Por exemplo: quando da entre
vista dos generais Wladyslaw Sikorski e Wladyslaw Anders com Joseph Stalin, em 3 de dezem-
bro de 1941, este último dissera que todos os poloneses em poder da união soviética haviam
sido postos em liberdade no inverno e primavera de 1940. Mais tarde, quando do laudo da
Comissão de Investigação organizada pelos soviéticos, para exame das vítimas de Katyn (outu-
bro de 1943), a declaração de que muitos prisioneiros poloneses ainda se encontravam
“construindo estradas” na união soviética, em setembro de 1941, entrava em total contradi-
ção com o que afirmara Stalin aos generais Sikorski e Anders.
58
— O fato de que os soviéticos não chegassem a formular uma acusação concreta con-
tra os alemães, não significará talvez um pleno reconhecimento da sua própria culpa? — per-
guntou Daniel J. Flood ao antigo acusador em Nuremberg, Robert Kempner. — Pelo menos
trata-se de uma situação muito curiosa — respondeu Kempner. Admiramos profundamente
Stahmer, que obrigou os soviéticos a renunciar a uma acusação no caso de Katyn. Constituiu
este fato uma absoluta vitória da defesa.
Até o mês de novembro de 1952 — conforme Heydecker & Leeb (1967, p. 327) — o
Comitê americano interrogou grande número de testemunhas, muitas das quais quiseram
conservar o anonimato e fizeram as suas declarações com as cabeças envolvidas com sacos.
Robert H. Jackson, o Procurador-Geral americano no Julgamento de Nuremberg, declarou pe-
rante a Comissão:
— Eu odiava os alemães, mas tive de reconhecer que naquele caso diziam a verdade.
Os oficiais poloneses foram realmente mortos na primavera de 1940.
Esta declaração que van Fliet prestou, imediatamente depois do seu regresso aos Es-
tados Unidos, foi mantida em segredo pelo Serviço Secreto com medo que a União Soviética se
negasse a participar na guerra contra o Japão. Em 12 de fevereiro de 1953, o Comitê publicou
um relatório de 2.364 páginas sobre o resultado de suas investigações. Neste relatório a União
Soviética é apontada como responsável do assassínio de 4.500 oficiais poloneses. Todos os
países membros das Nações Unidas receberam uma cópia, mas desde aquela data a opinião
pública mundial não tornou a ouvir nenhum comentário a respeito do assunto.
Teriam os russos cometido o massacre sem uma razão de ser, matando os oficiais po-
loneses sem qualquer motivo, ou teriam agido premidos por alguma circunstância?
Procedeu-se uma busca exaustiva, já que a maioria dos autores que se reportam à Segunda
Guerra Mundial, embora aludindo ao episódio Katyn, omitem os motivos que levaram os sovi-
éticos a cometer tal crime. Não há uma prova concludente sobre o por quê ou por quês dessa
ignomínia. Dentre algumas especulações aventadas, parece que a apresentada por Higgins
(1969), Bryant (1957), Derry (1959) e Zawodny (1962) é a que apresenta maior consistência.
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Convém recordar que no dia 30 de novembro de 1939, data em que a União Soviética
invadiu a Finlândia, estava em pleno vigor o Pacto assinado por Molotov e Ribbentrop, em 25
de agosto de 1939, dias antes do ataque alemão à Polônia. Em razão desse Pacto, a União So-
viética, que se aliara à Alemanha para destruir a Polônia, embora mantendo relações diplomá-
ticas com as potências ocidentais (França e Inglaterra), era vista por estas com profunda des-
confiança. Para que lado se inclinaria o Kremlin, afinal de contas? A União Soviética se mante-
ria alinhada a Hitler, que estava em guerra com a França e a Inglaterra, ou se voltaria para o
Ocidente, rompendo com os alemães?
A Sociedade das Nações ainda tinha um pouco de vida. Amputada da Alemanha, da Itá-
lia e do Japão, viúva dos Estados Unidos desde o nascimento, continuava a funcionar, à mar-
gem do seu belo lago suíço e da imensa guerra que começava. Acusa imediatamente a União
Soviética pela agressão à Finlândia, mas esgotada pelo seu primeiro gesto enérgico, fenece e
morre. Até mesmo o povo alemão se solidariza com a Finlândia. Muitos alemães se apresen-
tam como voluntários. Querem ajudar no esforço finlandês, mas o Governo alemão abafa as
manifestações de solidariedade à nação agredida. A aliança germano-soviética é, ainda, por
demais indispensável a Hitler. A França e a Inglaterra têm as mãos mais livres. Sentiram violen-
tamente a traição de Stalin por ter este preferido unir-se a Hitler do que a seus governos.
Acreditam que a Alemanha escape aos seus bloqueios, graças às reservas de matérias-
primas russas. Para a França e para a Inglaterra, ajudar a Finlândia é enfraquecer a União Sovi-
ética. É solapar Hitler, portanto. Uma consideração de ordem estratégica reforça as simpatias
ocidentais pelos heróicos combatentes do círculo polar: a ajuda à Finlândia pode fornecer aos
Aliados um pretexto para se estabelecerem na Escandinávia. Ocupar a Suécia seria privar a
Alemanha de minério de ferro insubstituível.
Ocupar a Noruega seria tornar o bloqueio intransponível. Nos estados-maiores da
França e principalmente da Inglaterra nascem projetos grandiosos. A Alemanha só se conserva
de pé porque se apoia na União Soviética; o conflito da Finlândia demonstra a debilidade do
poderio militar soviético. Os agentes do Kremlin informaram seu Governo de que os Aliados
estavam convictos de que, derrotando a União Soviética, a Alemanha, por sua vez, cairia.
Doumenc — o novo chefe do Estado-Maior do Exército francês planeja bombardear os
campos petrolíferos de Baku, para estancar o fluxo de combustível que abastece a Alemanha.
Propõe que se organize a insurreição dos povos do Cáucaso e que se ataque o porto de Mur-
mansk e a região de Petsamo. Todos esses planos são imediatamente transmitidos ao Kremlin
pela eficiente rede de agentes soviéticos. As esperanças dos alemães e os receios dos soviéti-
cos referentes às reações dos ocidentais aos embaraços da União Soviética na Finlândia foram
ainda mais acentuados a partir de 20 de janeiro de 1940, quando Winston Churchill declarou
pelo rádio que os finlandeses “haviam demonstrado ao mundo inteiro a incapacidade do Exér-
cito e Força Aérea dos russos”.
Na mesma semana, o Izvestia (jornal do Governo soviético) respondeu, pintando o Sr.
Churchill como “o maior inimigo da União Soviética”, ao passo que o Pravda (jornal do Partido
Comunista) passou a prevenir os imperialistas anglo-franceses “contra quaisquer planos para
estender a guerra de maneira sumamente perigosa”. Ao mesmo tempo, temendo indispor-se
com as duas facções a um só tempo, Stalin preocupou-se em lembrar aos alemães que a União
Soviética vinha prestando “enorme serviço” ao Reich, vendendo-lhe material que de outro
modo não poderia obter. Stalin reafirmou que, embora a política dos soviéticos houvesse feito
inimigos, a pressão anglo-francesa jamais o impediria de continuar abastecendo a Alemanha. O
Governo francês, sob forte pressão interna, acabou dando substância às acusações do Pravda,
sugerindo a Londres, não só uma ação contra Narvik, como pretendia Churchill, como também
o emprego de forças polonesas contra as bases soviéticas do Ártico, com a finalidade de ajudar
a Finlândia.
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É muito possível, de acordo com os autores citados no início deste item, que a ordem
da Polícia Secreta Soviética, datada, segundo eles, de 12 de fevereiro de 1940, para que elimi-
nassem os oficiais poloneses em suas mãos, tivesse sido dada sob o ímpeto da ameaça de um
ataque polonês a Mursmank e Petsamo. Privando o Exército polonês de um substancial núme-
ro de oficiais, este ficaria acéfalo de comando, impedindo que um grande número de unidades
fossem reconstituídas. Além disso, os russos trataram de precaver-se contra uma possível re-
volta dos prisioneiros, quando se inteirassem de que compatriotas seus agiam em território
soviético.
Não é muito difícil a esta altura, reunindo as inúmeras informações esparsas, reconsti-
tuir os fatos que culminaram com a morte dos oficiais poloneses. O Kremlin, ante a iminência
de um ataque anglo-francês no Ártico, com a participação de efetivos poloneses, foi posto em
sobressalto. Havia na União Soviética, disseminados por inúmeros campos, elevados contin-
gentes de prisioneiros de guerra poloneses. Muitos deles haviam sido libertados no final de
1939 e janeiro de 1940 (na maioria praças), mas restavam, ainda, cerca de 7.000 oficiais confi-
nados nos campos de Starobielsk e Kosielsk, além de 4.000 praças em outros campos.
No dia 12 de fevereiro de 1940, o Governo soviético determinou ao N.K.W.D. que li-
bertasse todos os praças ainda mantidos prisioneiros e desse cabo dos oficiais. Uma operação
dessa natureza, embora comum no Governo de Stalin, que, como todos sabem, procedera
uma “limpeza” no seu próprio quadro de oficiais, demandava tempo e preparação. Não é fácil
dar cabo à vida de 7.000 homens, disfarçando tanto quanto possível a ação. Era preciso, antes
de tudo, escolher um local apropriado: devia ser próximo dos campos de prisioneiros, servido
por ramal ferroviário e livre de vistas inconvenientes. Os encarregados da operação não tive-
ram muitas dificuldades em selecionar o local. O palacete de Dnjepr já se mostrara útil em
outras oportunidades e preenchia os requisitos necessários. (*).
1) Os prisioneiros seriam conduzidos de trem, num total de 200 por dia, desde os cam-
pos até a estação de Gnesdowo, pois se fossem desembarcados em Smolensk acabariam cha-
mando a atenção. (Gnesdowo era a primeira estação depois de Smolensk, ficando tão próxima
de Katyn quanto a outra. E tinha a vantagem de situar-se num lugarejo pouco habitado).
5) Deveriam ser abertas grandes valas, junto ao bosque. Os prisioneiros seriam condu-
zidos para a borda das valas e, ali, fuzilados com um tiro de pistola, na nuca.
Presume-se que tenham sido estas as providências tomadas pela G.R.U., a fim de exe-
cutar a missão que lhe fora confiada. Muitos cadáveres dentre aqueles que foram autopsiados
pela Comissão de médicos organizada pelos alemães, em abril de 1943, apresentavam lesões
nas nádegas e parte posterior das coxas, provocadas por cutiladas de baioneta. Outros, tinham
o maxilar fraturado à força de coronhadas.
Isto é facilmente explicável pela natural reação das vítimas, quando se inteiravam, fi-
nalmente, do que as aguardava. Estas lesões demonstram que os algozes portavam armas de
maior porte (rifles), não as utilizando para o fuzilamento porque elas produzem um estampido
mais forte do que o das pistolas. Não interessava aos executores da macabra missão que as
vítimas mantidas no palacete, no aguardo de sua vez, fossem alertadas para o fim que elas
próprias teriam. Se isto ocorresse, certamente se tornaria mais difícil o trabalho dos algozes.
Os homens da G.R.U. eram perfecionistas, aprimorando sempre as lições apreendidas durante
o expurgo stalinista.
(*) O coronel Friedrich Ahrens encontrou, convém recordar, pequenas covas nas imediações
da construção, com esqueletos humanos de ambos os sexos.
Em que local da União Soviética foram sepultados os restantes 2.500 oficiais polone-
ses?
Por que os russos afirmaram que as valas de Katyn abrigavam 11.000 corpos?
Simplesmente porque, justificando a existência ali de apenas 4.500 vítimas, ainda teri-
am de dar conta das 6.500 restantes! Afirmando falsamente que em Katyn haviam 11.000 ca-
dáveres, as famílias dos restantes 6.500 desaparecidos deixariam de pedir informações sobre o
paradeiro daqueles infelizes. Além disso, a Polônia e o mundo elegeriam os alemães como
culpados.
63
Conclusão
J.F.C. Fuller, autor de uma obra clássica, diz que, “como no exercício da medicina, a
conduta da guerra é uma arte”. Mas, se a arte da cura se tornou uma ciência, a conduta da
guerra continua no mesmo estágio da fase dos alquimistas; pior ainda, retrocedeu no século
atual à sua forma mais bárbara de destruição e carnificina. Katyn é um dos muitos “crimes”
imputados aos alemães que começa a tomar outro rumo. Quando já se havia concluído este
trabalho, teve-se a satisfação de ler na 26ª edição da obra de S.E. Castan, “Holocausto Judeu
ou Alemão?”, a reprodução de uma nota publicada na Folha de São Paulo, com o título “URSS
reconhece massacre na Segunda Guerra”.
De acordo com a referida nota, a Rádio Moscou sugeriu em 29 de maio de 1988, “que
as autoridades soviéticas poderão reconhecer que a N.K.W.D. (atual K.G.B.) assassinou milha-
res de oficiais poloneses capturados pelos soviéticos, durante a Segunda Guerra Mundial,
desmistificando a versão oficial de que o massacre fora efetuado pelos nazistas”. Espera-se
que este reconhecimento seja o ponto de partida para outras tantas desmistificações que se
fazem necessárias a bem da verdade e do resgate moral do grande povo alemão. Arthur Scho-
penhauer apregoa que “a verdade tem longa vida...” É porém uma lástima que às vezes leve
tanto tempo para ser revelada...
65
Bibliografia
1. Bezimenski, L. - O Militarismo Alemão Com/Sem Hitler. 2 Vol. Rio De Janeiro, Saga 1967.
3. Bryant, Arthur. - The Turn Of The Tide, 1939-1943. Londres, Collins, 1957.
4. Cartier, Raymond. - A Segunda Guerra Mundial. 2 Vol. Rio De Janeiro, Primor 1977.
5. Castan, S.E. - Holocausto Judeu Ou Alemão? 26. Ed. Porto Alegre, Revisão, 1988.
6. Dahms. Hellmuth Günther. - A Segunda Guerra Mundial. 2 Vol. Rio De Janeiro, Bruguera,
1968.
7. Davidson, Eugene. - A Alemanha No Banco Dos Réus. 2 Vol. Rio De Janeiro, Civilização Brasi-
leira, 1970.
8. Delarue, Jacques - História Da Gestapo. 3. Ed. Rio De Janeiro/São Paulo, Record, S.D.
9. Derry, T.K. - History Of The Second World War: The Campaign In Norway. Londres, H.M.S.O.,
1959.
12. Goutard, A. - A Guerra Das Ocasiões Perdidas. Rio De Janeiro, Bibliex, 1967.
13. Heydecker, Joe J. & Leeb, Johannes. - O Julgamento De Nuremberg. 6. Ed. Lisboa, Ibis,
1967.
15. Kahn, Leo. - Julgamento Em Nuremberg — Epílogo Da Tragédia. Rio De Janeiro, Renes,
1973.
16. Langer, Walter C. - O Relatório Secreto Da II Guerra Mundial. Rio De Janeiro, Artenova,
1973.
17. Manvell, Roger & Fraenkel, Heinrich. - Dowtor Goeòòefc. Rio De Janeiro, Record, S.D.
21. Seth, Ronald. Invasão — Operação Barbarossa. Rio De Janeiro, Dinal, 1966.
66
26. Zawodny, J.A. - Death In The Forest. Paris, Notre Dame/Imprensa Da Universidade De No-
tre Dame, 1962.
67
A Comissão foi coordenada pelo Dr. Leonardo Conti e contou, ainda, com elevado nú-
mero de observadores, como o tenente-coronel norte-americano John H. van Fleet Jr. e mem-
bros do Governo polonês no exílio.
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