A Conferencia de Belgrado

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9 788653 101008

ISBN 978-86-531-0100-8

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9 788653 101008
Jorge Santos Carvalho

A Conferência de Belgrado
(Set./1961), a Jugoslávia
e o Colonialismo Português

Nº 8903
Belgrado
2014.
Mojim profesorima
Andreju Mitroviću i Branku Petranoviću

Licenciado e mestre em História pela Universidade de Belgrado. Investi­


gador colaborador do CEIS20. Doutorando na Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra e bolseiro da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia.
(I)
Introdução

No primeiro decénio após a II Guerra Mundial, três das


grandes potências vencedoras dominaram a política externa jugos­
lava. Se, até 1948, as relações jugoslavo-soviéticas ocuparam um
lugar primacial, o conflito e a ruptura desse ano entre o PCJ e res­
tan­tes partidos comunistas do Cominform conduziram o governo
jugoslavo a procurar, nos EUA e no Reino Unido, a salvaguarda
político-militar para as ameaças externas e uma importante ajuda
económica1 para a reconstrução do país. Todavia, depois da morte
de Staline (Mar./53), as declarações de Belgrado (Jun./55) e de
Moscovo (Jun./56), assinadas por Kruchetchov e Tito, repuseram
uma equidistância que iria caracterizar, apesar de crises temporárias,
as ligações da Jugoslávia com estes países e seus blocos durante
a Guerra Fria, como restabeleceram o relacionamento da Liga dos
Comunistas da Jugoslávia com o Partido Comunista da URSS e a
maioria dos partidos comunistas mundiais.
Em meados de 1954, a recepção de uma primeira carta do
governo soviético propondo conversações com vista à normalização
das relações entre os dois estados e, nos dias seguintes, um convite
de Nehru para a visita oficial de Tito à Índia abriram um novo campo
para a diplomacia jugoslava. Coincidindo com as negociações
acerca do Território Livre de Trieste que chegaram — a seguir a
1
Calcula-se que, entre 1949 e 1961, o valor total da ajuda económica
dos EUA foi cerca de 2,4 mil milhões de dólares. Apesar da posição secundária
britânica na ajuda económica, a primeira visita oficial de Tito ao estrangeiro, após
1948, foi a Londres (16-21/Mar./53).

3
anos de conflitos e de soluções adiadas — ao Acordo de Londres
(Out./54), a abertura do processo de reconciliação com a URSS
iria permitir contrabalançar a dependência com um só bloco e, ao
mesmo tempo, o resultado de contactos diplomáticos, iniciados
logo a seguir à independência indiana (Ago./47), transformar-se-ia
na terceira alternativa da sua política externa. Como já havia um
convite da Birmânia (Set./53) e «a viagem aos países distantes
da Ásia significava também um certo ganho de tempo, enquanto
a situação não se esclarecia2», foi antecipada a data da partida
(Dez./54) e a escolha do lento meio de transporte, o navio-escola
Galeb (Gaivota), não foi por acaso3. Assim, esta visita de Tito foi um
«acontecimento decisivo, por um lado, no processo da formulação
da estratégia da política externa jugoslava e, por outro, da definição
inicial do quadro da futura actuação dos Estados fora dos blocos e
não-alinhados 4».
Após a independência da maior parte dos países asiáticos e
do fim da guerra da Coreia (Jul./53), esta «viagem de paz» seguiu-
-se à derrota do colonialismo francês na Indochina5 — a batalha
de Dien Bien Phu (Mar.-Mai./54) e o Acordo de Genebra (Jul./54)
— e precedeu a Conferência de Bandung (Abr./55). Uma situação
política que justificou as instruções recebidas, em fins de 1952,
pelos diplomatas jugoslavos para reforçarem os contactos com os
representantes dos estados asiáticos e africanos que tivessem uma
posição próxima no campo das relações internacionais. Entre eles,
pelas ligações económicas, salientavam-se os seguintes: Birmânia,
Ceilão, Etiópia, Índia, Indonésia, Líbano, Paquistão, Síria e Tailândia.
2
Dimitch Lhubodrag, «Na busca de alternativa. Um recorte da política
externa da Jugoslávia (1953-1955)», em sérvio (http://www.cpi.hr/download/links/
hr/7327.pdf, consultado em Dez./2011).
3
Nesta viagem de dois meses do navio-escola da armada jugoslava,
acompanhado de 2 contratorpedeiros e de um cargueiro, as visitas oficiais de
Tito decorreram na Índia (16/Dez./54-3/Jan./55 e 21-25/Jan./55), Birmânia (6-17/
Jan./55) e Egipto (5/Fev./55).
4
Dimitch Lhubodrag, ibidem.
5
Meses depois, começou a insurreição argelina (Nov./54) que contou com
um importante apoio político-militar jugoslavo.

4
Acrescente-se que, em 1953, a Jugoslávia tinha no estrangeiro 49
embaixadas, 5 missões especiais e 13 consulados-gerais.
Se as conversações com Nehru confirmaram as possibilidades de
atenuar o isolamento político na Europa e de desenvolver os contactos
políticos e económicos com os novos países recém-independentes,
foi Bandung que convenceu Tito, como o próprio afirmou mais
tarde, da importância do não-alinhamento6. Em Dezembro de 1955,
novamente no Galeb, visitou a Etiópia e o Egipto, onde se reuniu
com o imperador Selassié e o presidente Nasser.
No primeiro semestre de 1956, esta actividade diplomática
continuou — visitas a França, URSS (a primeira pós-1946) e
Roménia — e foi coroada, em Julho, pela realização do primeiro
«encontro multilateral de estadistas não-alinhados», em Brioni,
entre Tito, Nehru e Nasser, que foi considerado um passo importante
para a criação do Movimento dos Países Não-Alinhados7. Nesse
ano e nos seguintes, as crises internacionais no chamado «Terceiro
Mundo» — do Suez ao Congo, passando pela Argélia, Vietname e
Cuba — e um relacionamento constante com os dois blocos, apesar
de problemas políticos e económicos, foram acompanhados do
estabelecimento de ligações mais estreitas com os novos estados
asiáticos e africanos8, aos quais se juntaram os latino-americanos
após a visita de uma missão jugoslava (Jun.-Ago./59) a 12 países do
continente americano9. Nestes últimos, é de referir que, no caso de
6
Termo introduzido no vocabulário político por Nehru, em 1954, num
discurso proferido em Colombo.
7
Uma síntese: Boguetitch Dragan, A Nova Estratégia da Política Externa
da Jugoslávia 1956-1961, Belgrado, 2006. 384 p. (em sérvio).
8
Estabelecimento de relações diplomáticas com os recém-independentes
Marrocos (1957), Tunísia (1957) e Gana (1959).
9
Destes países (México, Costa-Rica, Honduras, Cuba, Haiti, Venezuela,
Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Argentina e Brasil), na Conferência de Belgrado
(Set./61), só um (Cuba) aceitou ser membro do Movimento dos Não-Alinhados
e três (Brasil, Equador e Bolívia) estiveram como observadores. Esta ausência,
em Belgrado, dos países latino-americanos esteve ligada, segundo informações de
algumas embaixadas jugoslavas, às pressões diplomáticas dos EUA. Por exemplo,
no caso brasileiro, numa declaração do embaixador dos EUA, o Brasil não devia
participar na Conferência de Belgrado, o que o presidente Jânio Quadros considerou

5
alguns deles, as relações diplomáticas com a Jugoslávia datavam já
do período entre as duas guerras mundiais.
Além das suas embaixadas e de diplomatas atentos, a polí­
tica externa jugoslava dependeu, nesta fase da constituição do
Movimento dos Países Não-Alinhados, das directivas de Tito e das
suas visitas a 14 países asiáticos e africanos10, entre 1959 e 1961,
que o consagraram como um dos seus principais líderes. A partir da
diplomacia, a Jugoslávia estabeleceu com muitos deles importantes
trocas comerciais. Contudo, neste período, sem nunca atingir 15%
do seu comércio exterior11.

Outro campo diplomático importante foi a ONU e, na XV


Sessão da Assembleia-Geral, em 1960, Tito encontrou-se com
Nehru, Nasser, Sukarno e Nkrumah. De uma moção conjunta ape­
lando a um recomeço das conversações entre os EUA e a URSS
— suspensas por causa do caso do avião-espião U-2 abatido sobre
território soviético (Mai./60) —, que mostrou uma unidade de

uma ingerência nos assuntos internos do Brasil, estando ligada à crise política
provocada pela sua posterior demissão e a tentativa de golpe de Estado (25/Ago./61).
Igualmente, em Brioni (30/Jul./61) Tito advertiu Chester Bowles, subsecretário do
Departamento de Estado, que este caso mostrava que os EUA estavam empenhados
em impedir a participação dos estados latino-americanos na cimeira. Vide. Boguetitch
Dragan, «Agravamento das relações jugoslavo-americanas depois da primeira
cimeira dos países não-alinhados em Belgrado», Istorija 20.veka, 2/2006, p.72-86
(em sérvio). Aqui, também é de mencionar as iniciativas de Agostinho da Silva,
então professor da Universidade de Baía (e fundador do seu Centro de Estudos
Afro--Orientais), junto do presidente brasileiro sobre a política não-alinhada. Vide,
Agostinho Pedro, «Agostinho da Silva: pressupostos, concepção e ação de uma
política externa do Brasil com relação à África» (http://www.afroasia.ufba.br/pdf/
afroasia n16 p9.pdf, consultado em Dez./2011). Política que não era desconhecida
por Jânio Quadros, pois tinha sido recebido por Tito durante a sua visita à Jugoslávia
(Jul./59), como foi recebido o seu enviado João Ribeiro Dantas (Abr./61).
10
Nestas duas viagens, no Galeb, Tito visitou: Indonésia, Birmânia, Índia,
Ceilão, Etiópia, Sudão e Egipto (Dez./58-Mar.59); Gana, Togo, Libéria, Guiné,
Mali, Marrocos, Tunísia e Egipto (14/Fev.-26/Abr./61).
11
Conforme os dados estatísticos (1960), os restantes 60% pertenciam aos
EUA, países europeus ocidentais, Canadá e Austrália e 27% à URSS, países do
leste europeu e China.

6
posições em relação aos conflitos entre as grandes potências, surgiu
então a ideia da realização de uma reunião dos seus dirigentes.
Meses depois, no Egipto (Abr./61), Tito apresentou uma proposta
para a sua convocação que foi aceite por Nasser. O local da primeira
conferência do movimento em Belgrado, as principais questões
dos debates e os critérios de admissão seriam aprovados na reunião
ministerial preparatória no Cairo (Jun./61).
Ali, foram aprovadas 5 questões (Desarmamento, Colonialismo,
Papel e Estruturas da ONU, A Alemanha e Berlim e Os Problemas
Económicos) para serem discutidas pelos representantes dos estados-
-membros e, quanto aos critérios de admissão, estes estados deviam
ter uma política externa independente «baseada na coexistência
de estados com diferentes sistemas políticos e sociais», apoiar os
«movimentos pela independência nacional» e não pertencerem
a nenhuma aliança militar surgida «no contexto do conflito das
grandes potências»12.

Após a reunião do Cairo que decorreu de 5 a 12 de Junho,


e perante os seus resultados e desacordos13, em 10 de Agosto, os
representantes diplomáticos jugoslavos nos países participantes

12
Todavia, além destes critérios mais conhecidos, outros permitiam algumas
excepções: caso esses estados tivessem um «acordo militar bilateral com uma
grande potência», ou fossem membros de um «pacto defensivo regional», esses
acordos ou pactos não deviam ter sido assinados «expressamente e no contexto do
conflito das grandes potências»; se um país permitiu bases militares estrangeiras
no seu território, essa «concessão não deveria ter sido dada no contexto do conflito
das grandes potências».
13
Os resultados obtidos (a realização da Conferência e a escolha de
Belgrado) foram considerados «uma vitória completa» pela delegação jugoslava.
Porém, a anterior posição da Índia contra a formação de um movimento e a
convocação da cimeira, acompanhada por uma atitude demasiado favorável em
relação à política exterior britânica, mais as propostas do Cairo ou de Havana
como alternativas à capital jugoslava, apresentadas pela Guiné e por Cuba, foram
indicadores de uma falta de coesão que confirmaram informações anteriores,
relatados na correspondência desse ano (e anteriores) das embaixadas jugoslavas
nesses países.

7
(excepto em cinco deles14) receberam instruções com vista a
consultações com os governos acerca das questões em discussão,
para uma aproximação de ideias e um maior sucesso da Conferência
de Belgrado. Assim, em primeiro lugar, esta teria de «contribuir
para o desanuviamento das tensões entre o Oriente e o Ocidente e
no mundo em geral». Igualmente, a análise dos problemas «deveria
ser realista e objectiva, quer dizer moderada e construtiva com o
objectivo de se dar apoio a todas as tendências e posições positivas»,
evitando as frases propagandísticas ou «um exagerado radicalismo
e extremismo» que só os afastaria das «reais possibilidades de uma
acção política construtiva». Contudo, sem intenções de ser um
terceiro bloco, esta cimeira não deveria «evitar a crítica aberta
às direcções e acções negativas nas relações internacionais»,
tomando posições precisas e claras «em todas as grandes questões
internacionais».
De 1 a 6 de Setembro desse ano, em Belgrado, realizou-se a
«Conferência de Belgrado dos Chefes de Estado ou de Governo
dos Países fora dos Blocos15», a primeira cimeira do Movimento
dos Países Não-Alinhados, com a participação de 25 estados-
-membros: Afeganistão, Arábia Saudita, Argélia, Birmânia, Cam­
bodja, Ceilão, Chipre, Congo, Cuba, Etiópia, Gana, Guiné, Iémen,
Índia, Indonésia, Iraque, Líbano, Mali, Marrocos, Nepal, Repú­
blica Árabe Unida, Somália, Sudão, Tunísia e Jugoslávia. Como
observadores, além de três países (Brasil, Equador e Bolívia),
também estiveram representantes de 38 movimentos de libertação,

14
De acordo com este documento, estas instruções não foram enviadas
para quatro deles (Arábia Saudita, Iémen, Nepal e Somália) por não haver relações
diplomáticas com esses países, nem para a « embaixada em Havana porque,
segundo a nossa opinião, não podemos esperar resultados favoráveis das consultas
políticas com o governo de Cuba por causa das posições deste governo em relação
à Conferência de Belgrado e à Jugoslávia». Contudo, não foram mencionados:
Argélia; Chipre; Congo; Tunísia. É de salientar ainda que os três últimos estados
e outros dois (Iémen e Líbano) não estiveram na reunião do Cairo. Dos países
observadores, esteve presente o Brasil.
15
Só na terceira conferência (Lusaca, Set./1970), surgiu a designação de
países não-alinhados.

8
partidos e organizações progressistas de todos os continentes.
Entre estes últimos, alguns dirigentes dos movimentos das colónias
portuguesas.

Resumindo, pode-se afirmar que, na weltpolitik jugoslava


destes anos do pós-guerra, há duas vertentes até meados dos anos 50
(as ligações com os dois blocos), surgindo uma outra que passou a
ocupar uma posição importante no período de 1956-61, ou seja, do
encontro de Brioni à Conferência de Belgrado. Igualmente, deve-
-se-lhes juntar uma quarta, esta relativa às relações com o movimento
comunista internacional, que a seguir ao interregno de 1948-55,
voltou a integrar o partido jugoslavo16.

Nesta nota introdutória, diga-se ainda que a apresentação da


política externa da Jugoslávia (1945-61) se reduziu à enumeração
dos principais acontecimentos e dos objectivos mais importantes da
diplomacia sob a direcção de Tito17.
Em relação ao importante acervo arquivístico (alguns milhares
de páginas de documentos) desta cimeira — contactos diplomáticos,

16
O PCJ era, em 1945, um dos partidos comunistas europeus mais
importantes, e Tito, juntamente com Dimitrov, um dos principais dirigentes
comunistas após Staline. Também, Belgrado foi a cidade escolhida para a primeira
sede do Cominform. Depois da ruptura de 1948-53, a Liga dos Comunistas da
Jugoslávia (designação a partir de 1952), restabeleceu as relações com o movimento
comunista internacional. Apesar das crises posteriores com os partidos soviético —
Hungria (1956) e 1959-60 — e chinês — revisionismo jugoslavo (1959-61) —,
essas relações mantiveram-se sem as consequências ocorridas no anterior período.
17
Quanto a uma avaliação dessa direcção (1945-80), pode-se citar: « A
política externa de Tito é um exemplo raro de relativa incursão autónoma e com
sucesso nas relações hierárquicas da ordem internacional e do domínio das
inevitáveis sujeições periféricas dos pequenos países aos interesses das potências
poderosas. O sucesso diplomático é flagrante porque a independência nas relações
internacionais foi realizada com um Estado no espaço balcânico proverbialmente
instável e na zona perigosa dos interesses indefinidos dos blocos. Trata-se de
uma invulgar diplomacia activa e com sucesso em particulares circunstâncias
históricas». Kulhitch Todor, Tito – estudo sociológico-histórico, Zrenhanin, 2004,
240p. (em sérvio).

9
preparativos, organização, sessões, conversações, publicações, etc.—
não há um fundo único, obrigando os investigadores a buscas por
possíveis fundos relacionados com os objectivos das suas pesquisas
e que se encontram, em Belgrado, no Arquivo da Jugoslávia (AJ) e
no Arquivo Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros
(ADMNE). Do mesmo modo, estes dois arquivos permitem, embora
com um número de documentos mais reduzido, o estudo das posições
jugoslavas a respeito do colonialismo português e suas relações com
partidos e movimentos que, em Portugal e nas colónias africanas,
lutavam contra o Estado Novo e pela independência nacional dos
seus países. Tendo em conta a especificidade documental — do
heurístico ao histórico —, optou-se por uma citação frequente dos
testemunhos (traduzidos) na exposição dos resultados hermenêuticos,
sem esquecer as cautelas metodológicas exigidas por tal escolha.
Quanto a outras fontes: após a integração do Arquivo Iosip Broz
Tito (2009) no AJ, o seu importante arquivo fotográfico ficou no Museu
da História da Jugoslávia; noticiários e documentários cinematográficos18
(Arquivo da Filmske Novosti); programas televisivos (Sector de Do­
cu­mentação da Rádio Televisão da Sérvia); arquivos sonoros (Radio­
difusão da Sérvia); imprensa (Biblioteca Nacional da Sérvia).

No campo da bibliografia, os estudos sobre este período da


história jugoslava não são numerosos e são mesmo inexistentes a
respeito do colonialismo português e sua importância na política
externa deste país19.

18
Segundo o diário Borba (9/Set./61), durante a Conferência de Belgrado,
foram filmados 117 000m (71 horas) de película (35mm) por 14 câmaras, dos quais
resultaram vários jornais de actualidades e documentários da Filmske Novosti. Um
deles teve versões nos 5 idiomas oficiais da Conferência.
19
As razões para esta situação podem estar na legislação (30 ou mais anos
para o direito ao acesso a documentos nos arquivos históricos), nas guerras e suas
consequências político-económicas na década dos anos 90. Também, surgiram com
o desaparecimento da Jugoslávia e a crise socioeconómica seguinte (e actual) outros
temas de investigação na historiografia da Sérvia. Uma prova dessa mudança: o
cinquentenário da Conferência de Belgrado reduziu-se, pode-se dizer, às cerimónias
políticas.

10
Uma nota acerca da tradução dos textos em sérvio-croata20: há
poucas emendas lexicais ou estilísticas; fez-se a transliteração dos
nomes; quando rara, a pontuação foi corrigida.

20
Conforme os censos (1961 e 1991), a Jugoslávia tinha 18,5 e 23,5
milhões de habitantes e, entre os seus 5 principais idiomas, o sérvio-croata era a
língua materna de 75% da população. Actualmente, há o sérvio, o croata, o bósnio
e o montenegrino.

11
( II )
A viagem africana de 1961

A visita de Tito a 8 países africanos iniciou-se no Gana,


em 28 de Fevereiro. Todavia, a viagem do Galeb começou duas
semanas antes, em Split —escoltado por 3 contratorpedeiros e um
cargueiro, com cerca de mil tripulantes e membros da delegação
— e a sua duração foi de 72 dias. Esta longa «viagem de paz»
do presidente jugoslavo terminou no Egipto, onde ficou decidida
a realização da primeira conferência do Movimento dos Países
Não-Alinhados.
Uma partida que coincidiu com a confirmação da morte do
desaparecido Patrice Lumumba e de grandes manifestações em
Belgrado, Zagreb e noutras cidades jugoslavas21. Igualmente, os
recentes acontecimentos do «Santa Maria» (21/Jan.-2/Fev.) e em
Angola (4-5/Fev.) tinham chamado as atenções internacionais para
a política e o colonialismo portugueses. Atenções que aumentaram,
durante a visita à Libéria (13-18/Mar.), com a insurreição e os
«milhares de mortos» no Norte de Angola nos dias seguintes à

21
Em Belgrado, os protestos de dezenas de milhares de manifestantes
terminaram junto à embaixada da Bélgica que foi assaltada e uma parte demolida
e incendiada. O governo belga protestou «com profunda indignação, porque não
podia compreender que a polícia tivesse sido tão pouco eficaz», como também
pelas acusações jugoslavas de ligações da Bélgica com o assassinato de Lumumba.
Já o embaixador dos EUA informou oficialmente (15/Fev.) que as autoridades
jugoslavas «protegeram eficazmente as representações americanas em Belgrado,
Zagreb e Saraíevo».

13
votação da resolução22 (15/Mar.), apresentada por este país africano,
no Conselho de Segurança da ONU, acerca da situação angolana.
Apesar de rejeitada pela abstenção de 6 dos seus 11 membros (a
sua aprovação exigia 7 «votos afirmativos»), esta resolução contou
com os votos favoráveis dos EUA23 e URSS. Nesses dias, o chefe
da diplomacia jugoslava, Kotcha Popovitch24, em Washington,
falou com Dean Rusk25 e outros diplomatas (Chester Bowles26
22
Recorde-se que a Assembleia-Geral já tinha aprovado duas resoluções
(15/Dez./60) acerca dos «territórios administrados por Portugal» (Resolução 1541 e
1542 ).
23
Numa «Informação acerca de Angola» (5/Abr./61), «o representante
dos EUA sublinhou como indispensável a necessidade de uma gradual, mas
sistemática e rápida melhoria da situação em Angola, alegando na anterior
resolução da ONU que obrigava Portugal a entregar um relatório sobre a
situação nas suas colónias, os preparativos do povo para a independência e de
colaborar com a ONU. // A demonstração americana de carácter anticolonial
no Conselho de Segurança teve uma recepção muito favorável entre os africanos
e surpreendeu os aliados ocidentais, embora isto tenha sido somente uma
concessão formal de carácter táctico. A reacção de Portugal à atitude dos EUA
no CS foi muito dura. Como seguinte protesto à atitude dos EUA, o governo
português organizou uma manifestação em frente do consulado americano em
Luanda durante a qual foram demolidos o edifício e automóveis.» (AJ, KPR,
I-5-a).
24
Konstantin Kotcha Popovitch (1908-92) – Estudante (Suíça e Paris),
tenente (reserva) de artilharia do exército jugoslavo, escritor, membro do PCJ,
oficial do exército republicano na Guerra Civil de Espanha (1937-39), combatente
da luta de libertação jugoslava (1941-45), general–coronel do exército popular
jugoslavo, chefe do Estado-Maior do EPJ (1948-53) e secretário federal dos
Negócios Estrangeiros (1953-63). Foi, ainda, Vice-Presidente da República (1966-
-67) e ocupou outras funções estatais e partidárias até 1972, quando se retirou da
vida política devido às mudanças políticas (demissão dos dirigentes «liberais») na
Sérvia impostas por Tito.
25
Dean Rusk (1909-94) – Secretário de Estado dos EUA (1961-69).
26
Chester Bowles (1901-86) – Político (subsecretário de Estado, 1961)
e diplomata (embaixador na Índia, 1951-53 e 1963-69). Nas conversações com
Popovitch (17/Mar./61), depois de terem discutido a situação no Congo, Bowles
disse, segundo as notas do embaixador jugoslavo, o seguinte: «consideravam
que os brancos são insensatos na USA (N.doT.:União Sul-Africana) e em Angola
e por isso esperavam conflitos. O embaixador da USA disse aos americanos que
deviam olhar para os seus assuntos e que não tinham nada a ver com estas

14
e George Kennan27) sobre os últimos acontecimentos em Angola,
Congo e na União Sul-Africana (USA).
As visitas aos países seguintes (Guiné, Mali e Marrocos)
decorreram também com a divulgação notícias de Angola28. No
último país, em Casablanca, realizou-se, duas semanas depois da
partida do Galeb, a I Conferência das Organizações Nacionalistas
das Colónias Portuguesas29, que mereceu as atenções da embaixada
jugoslava. A segunda passagem pela Argélia decorreu sem
incidentes30 e, durante a visita oficial à Tunísia (9-14/Abr.), outra
notícia, esta sobre o primeiro homem no espaço, Iuri Gagarin,
correu o mundo. Ali, além das conversações com Bourgiba, Tito

coisas. Bowles respondeu-lhe que tinham porque o povo da USA chamará os


EUA para os ajudar. A sua posição acerca de Angola não se mudará e é firme»
(AJ, KPR, I-5-a). Também, conhecia a situação em Moçambique através do
memorando que recebeu (Mai./61) de Eduardo Mondlane, que considerava uma
«moderate person with the potential for top leadership in Mozambique». (http://
www.cphrc.org/index.php/documents/ colonialwars/ mozambique/175-1961-
05-23-letter-about-eduardo-mondlane-from-chester-bowles-to-mcgeorge-
bundy, consultado em Dez./2011).
27
George Kennan (1904-2005) – Diplomata, politólogo e historiador.
Embaixador na URSS (1952) e na Jugoslávia (Mai./61-Jul./63). Poliglota (falava
português). Entre 1942 e 1943, esteve em Lisboa (conversações com o governo
português por causa das bases militares nos Açores).
28
As ligações rádio com Belgrado, através de um reforçado serviço de
comunicações (em pessoal e meios técnicos), permitiam essa permanente troca de
informações.
29
A primeira CONCP realizou-se de 18 a 20 de Abril. Dezenas de páginas
dos seus documentos encontram-se no ADMNE e AJ.
30
Devido ao apoio político e militar à FLN argelina, as relações franco-
-jugoslavas caracterizavam-se por inúmeros incidentes e protestos como, por
exemplo, com o caso de dois cargueiros jugoslavos, aprisionados em águas
internacionais pela marinha de guerra francesa, por carregamentos de armas para a
FLN (1957 e 1958). Num total de outros 8 barcos revistados, a inspecção do último
(Mar./61) coincidiu com a viagem do Galeb. Porém, mesmo após a independência
argelina (Jul./62), essas relações nunca foram muito amistosas entre De Gaulle e
Tito, talvez devido à condecoração francesa concedida, em 1944, ao general Draja
Mihailovitch, o chefe dos tchétniques sérvios. Vide Matveievitch Predag, «História
e mito — De Gaulle-Tito-Mihailovitch», em croata.(http://www.e-novine.com/
drustvo/40743-Povijest-mit.html, consultado em Dez./2011).

15
encontrou-se com Ferhat Abbas, presidente do Governo Provisório
argelino, reafirmando o direito do povo argelino à independência
e confirmando o comunicado conjunto assinado por ambos na
Jugoslávia (Jun./59). A caminho do Egipto, a última etapa desta
viagem (17-22 Abr.), soube-se da invasão de Cuba e da derrota dos
invasores na Praia de Gíron, terminando com as notícias do «putsch
dos generais» na Argélia.
Além dos aspectos políticos e dos resultados obtidos, esta
viagem conta com uma numerosa documentação que permite
saber factos e opiniões dos principais membros da delegação, de
Tito e dos seus anfitriões — entre eles, Nkrumah, Sékou Touré,
Modibo Keita e Nasser mereceram as maiores atenções —, assim
como dos preparativos (da organização aos custos), dos relatórios
(conversações e reuniões) e tantos outros pormenores desta viagem
que contribuiu para uma maior afirmação da Jugoslávia e do seu
presidente a nível internacional.
Cada um dos 8 países visitados tinha o seu «material prepa­
ratório da viagem» e de «informação política» a que se juntaram as
«notas das conversações», «comunicados conjuntos», «discursos,
saudações, entrevistas e declarações» e os «diversos». Como o
primeiro país desta viagem31, a preparação do programa da visita
ao Gana serviu de modelo para os restantes países, havendo a
sua adaptação ao grau de desenvolvimento das relações político-
-económicas com a Jugoslávia e às posições na política internacional
de cada um deles. Igualmente, o discurso de Tito (Vide Anexo-1)
no Parlamento ganês (2/Mar.) foi depois o paradigma para todos
os outros que proferiu nesta viagem. Por isso, mereceu uma grande
atenção de Tito e dos diplomatas com quem discutiu a sua elaboração
desde o seu manuscrito ao texto final. A documentação existente
permite acompanhar estas fases e intervenções em alguns rascunhos
cheios de cortes e emendas.
Um discurso que começou com as habituais saudações
protocolares, as referências aos laços de amizade entre os dois países,
31
A visita ao Gana tem cerca de 500 páginas de documentos (AJ, KPR-
I-2/13), sendo uma das mais bem documentadas.

16
ao colonialismo, à África e à Indochina. Entre outros temas, é
de sublinhar os seguintes: a situação no Congo (o assassinato
de Lumumba, o papel da Bélgica e a cumplicidade da ONU) e
em Angola; «a política sem escrúpulos de discriminação racial»
do governo da União Sul-Africana e «a sangrenta epopeia do
povo argelino»; a questão da luta contra o colonialismo e o
seu desaparecimento, avisando que «era ingénuo acreditar que
a liquidação do colonialismo dependia da boa vontade das
potências coloniais ou que elas dão alguma coisa a alguém, a
não ser quando são obrigadas, sob a pressão dos movimentos
de libertação e da opinião pública mundial, a retirar-se»; a
importância dos problemas económicos e das dificuldades de
desenvolvimento dos novos estados devido ao passado colonial
e ao actual comportamento dos países colonialistas; o perigo do
alargamento da Guerra Fria às regiões coloniais; comparação
da história jugoslava e a dos novos estados africanos; quanto ao
apoio jugoslavo « não houve nem um povo colonial a quem a
nova Jugoslávia não prestou total ajuda política e moral à sua
luta pela liberdade e independência. Também, no futuro, nós
continuaremos tal política».
Dirigindo-se, novamente, aos presentes, Tito retomou a
crise congolesa, acusando «os colonialistas belgas e os círculos
imperialistas no mundo» com os «seus representantes e diversos
usurpadores do tipo de Mobutu, Tchombé, Kalonji e outros
semelhantes» a que se juntaram «alguns órgãos e funcionários das
Nações Unidas e, antes de todos, o secretário-geral». Concluiu:
«Para eles, antes de tudo e sobretudo interessa-lhes o Congo belga
— um Congo submetido à dominação estrangeira, cuja riqueza os
colonialistas exploraram quase um século inteiro.»
Mas, voltando às referências sobre a insurreição em Angola,
há um documento32 com as notas estenográficas da discussão
sobre «as teses e os conceitos» para este discurso entre Vélheko
32
Meia-dúzia de páginas dactilografadas cheias de sublinhados, frases
riscadas e algumas notas nas margens. Embora sem data, é de supor que este
documento seja dos primeiros dias desta viagem.

17
Mitchunovitch33 e Leo Mates34 (Vide Anexo-2) — dois diplomatas
experientes, sendo um deles o secretário-geral do Gabinete do
Presidente da República — que comprova a sua importância no
contexto político internacional e mostra uma escolha de informações
e argumentos para analisar (e condenar) o colonialismo português.
Este é um dos exemplos mais citados, conjuntamente com os do
Congo, Argélia e do «apartheid» sul-africano, para salientar que
«o colonialismo e a situação interna­cional, ou seja, os problemas
entre as grandes potências e a Guerra Fria não são mais uma
questão separada». Assim, não se podia resolver «as relações
entre as grandes potências e conseguir a coexistência entre elas
sem a resolução da questão colonial».

Depois do regresso à Jugoslávia, Tito discursou, em Belgrado


(27/Abr.), falando da visita a «um decidido e grande continente onde
milhões de pessoas» tinham então possibilidades de respirar mais
livremente e de construir o seu futuro mais feliz, comparando o seu
«exuberante élan» com o entusiasmo jugoslavo, em 1945, a seguir
à libertação. Resumiu a crise política internacional (Vide Anexo-3)

33
Vélheko Mitchunovitch (Tsetinhe,1916-Belgrado,1982) – Membro
do PCJ e dirigente estudantil na Universidade de Belgrado(1935). Em 1941, no
Montenegro, foi um dos organizadores da resistência contra o ocupante italiano.
Combatente do Exército de Libertação Popular da Jugoslávia, após 1945, ocupou
importantes funções estatais e partidárias. Até 1952, no Ministério do Interior e, a
seguir, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Embaixador na URSS (1956-58 e
1969-71) e nos EUA (1962-67). Autor de «Anos de Moscovo, 1956-58 » e «Anos de
Moscovo, 1968-71» (várias edições estrangeiras).
34
Leo Mates (Osíiek,1911-Belgrado,1991) – Estudante e dirigente do
movimento estudantil na Universidade de Zagreb. Membro do PC jugoslavo, esteve
preso várias vezes entre 1933 e 1941. Durante a guerra (1941-45), combatente do
ELPJ. No pós-guerra, redactor-chefe da Tanjug e diplomata no Reino Unido. Entre
1954-58, embaixador nos EUA e representante da Jugoslávia na ONU. Secretário-
-geral do Gabinete do Presidente da República (1958-61) e, depois, secretário-
-adjunto dos Negócios Estrangeiros. Director do Instituto de Política e Economia
Internacionais de Belgrado e autor de várias obras sobre as relações internacionais
(«Não-Alinhamento», 1970; «As Relações Internacionais da Jugoslávia Socialista»,
1976; e «A Política das Grandes Potências e o Armamento», 1988).

18
e, sem mencionar números, descreveu as grandes dificuldades
económicas desses povos e a necessidade de apoios. Afirmou que
«o colonialismo é uma coisa ultrapassada e que é preciso liquidar
quanto antes em todas as suas formas», considerando-o «um
absurdo» que ameaçava acender uma «nova fogueira mundial».

19
( III )
As relações da Jugoslávia com Portugal e os
movimentos de libertação das suas colónias

O encerramento da legação jugoslava em Lisboa (Abr./48),


exigido pelo governo português35, e o corte das relações entre os PCP-
-PCJ36, após a mencionada ruptura no Cominform nesse mesmo ano,
somados a outros acontecimentos na década seguinte — o conflito
do Vaticano com a Jugoslávia, o apoio jugoslavo à Índia na questão
do «Estado Português da Índia», a ausência de qualquer contacto
por parte do PCP e outros — podem justificar este interregno nas
ligações (estatais ou partidárias) entre os dois países. Porém, a partir
dos fins da década dos anos 50, a situação política em Portugal e
nas suas colónias começou a aparecer com alguma frequência na
correspondência das embaixadas e das organizações políticas
jugoslavas. Informações essas que não seriam muito numerosas,
pois um político e diplomata, como Alex Bebler37, fez «duas ou três
35
Não houve um corte de relações diplomáticas, tendo sido mantidas,
como foi proposto pelo governo português, através das embaixadas dos dois países
em Paris até meados de 1974.
36
Sobre a sua duração (fins de 1948 a Dez./63) e as relações entre os dois
partidos, ver o nosso «Duas viagens de Álvaro Cunhal à Jugoslávia (Dez./47 e
Out./64)», in Vértice n.º 128, Mai./Jun. 2006.
37
Político e diplomata jugoslavo (1907-81). Estudante da Universidade
de Lhublhana (Direito), membro do PCJ, exilado político em França (1929), onde
continuou e terminou os estudos em Direito (Paris). Viveu, depois, na Bélgica,
URSS e outros países europeus. Em 1937, na Guerra Civil de Espanha, combatente
das Brigadas Internacionais, onde foi ferido duas vezes. Em 1938, regressou à
Jugoslávia e esteve preso durante um ano. Durante a II Guerra Mundial (1941-45),

21
observações acerca de Angola e Moçambique porque tinham muito
poucos dados» a seu respeito. Segundo ele (Out. 59), na «bibliografia38
encontra-se a explicação para como os portugueses conseguiram
limar as arestas dos movimentos de libertação nacional, porque
não praticam qualquer discriminação e misturam-se socialmente.
Há também bastantes matrimónios mistos. Esta gente é geralmente
unida. Isto parece uma das razões por que não há movimentos de
libertação nacional assim tão importantes e que lá os movimentos
quando começarem a expandir-se um pouco serão sociais 39».
Noutro documento (Nov./59), dividia-se ainda, «sob o aspecto
da força e sucesso da luta de libertação nacional», a chamada
«África Negra» em três regiões: a primeira ia do Senegal ao Congo;
uma segunda com menos sucesso (África Oriental britânica e África
do Sul); e a terceira com «os movimentos de libertação nacional
mais fracos» (colónias portuguesas de Angola e Moçambique,
Bechuanalândia, etc.).
Todavia, a leitura e o estudo destas informações permitem
acompanhar esse interesse crescente por uma maior recolha de
informações sobre o colonialismo português, mas igualmente a sua
discussão numa comissão, como a das relações internacionais da
LCJ e da ASPTJ40, que ocupou um lugar importante na condução

teve importantes funções político-militares na Eslovénia. Em fins de 1945, ministro-


-adjunto dos Negócios Estrangeiros. Nestas funções, participou nas conferências
e reuniões internacionais mais importantes. Como delegado jugoslavo, esteve nas
primeiras seis sessões da Assembleia-Geral da ONU e foi representante permanente
da Jugoslávia no Conselho de Segurança (1950-51). Em 1952, vice-ministro dos
Negócios Estrangeiros e, depois de 1954, embaixador em França, Indonésia e Índia.
Em 1963, juíz do Tribunal Constitucional da Jugoslávia e, em 1967, membro do
Conselho da Federação. Foi membro do CC PCJ/LCJ e da LC da Eslovénia.
38
Embora, não tenha citado nenhum autor ou as fontes das suas afirmações,
é de supor que, pelo menos, durante a sua estada nos EUA (ONU), teve conhecimento
da obra de Gilberto Freire e do seu luso-tropicalismo.
39
AJ, 142, F-37. O documento seguinte encontra-se também no AJ (507,
IX, s/a-79-132).
40
As sessões gravadas desta Comissão e as suas transcrições (dezenas de
páginas dactilografadas por reunião) — apresentação e discussão dos documentos
(relatórios de visitas, congressos, estudos, etc) antes distribuídos aos membros —

22
da política externa deste país. Contudo, acrescente-se, a longa
inexistência de contactos com a oposição política portuguesa41
impediu efectuá-los com a facilidade e alguma frequência que já
existiam, em 1960, com os movimentos angolanos (MPLA e UPA).
Assim, sabe-se que, na II Conferência dos Povos Africanos
(Tunis, Jan./60), um funcionário da ASPTJ42, Dimitríie Babitch43,
encontrou-se com os membros dos movimentos das colónias
portuguesas44 e, três meses passados, em Acra, voltou a falar com
Gilmore45 que lhe disse desejar visitar a Jugoslávia, «eventualmente
em Junho», antes da independência do Congo. Pediu-lhe, ainda,
para lhe mandarem «material da Jugoslávia para poder conhecer a
história da Jugoslávia e os actuais problemas», pois se interessava
muito pela experiência jugoslava «acerca de diversos problemas na
construção do país».
Quanto a Angola, haveria 500 000 refugiados46 no Congo e que
«o seu partido tinha organizações em quase todo o país, mas eram
ilegais. Estão orientados para a preparação da luta armada, porque

começaram em fins dos anos cinquenta e tiveram, durante três décadas, diferentes
periodicidades (semanais a bimensais) e presenças dos seus membros (20 a 40 por
sessão).
41
As datas das primeiras conversações foram as seguintes: FPLN (Fev./62);
PCP (Out./1964).
42
A Aliança Socialista do Povo Trabalhador da Jugoslávia tinha a seu
cargo as relações com a maioria das organizações, partidos e movimentos políticos
estrangeiros, excepto com os partidos comunistas que pertenciam à Liga dos
Comunistas da Jugoslávia.
43
Na ASPTJ, teve a seu cargo as relações com os movimentos de libertação
das colónias portuguesas, a FPLN e a ASP. Depois, diplomata, na embaixada na
Tanzânia (antes de 1974), e, mais tarde, embaixador, em Angola.
44
Além do citado Gilmore (o nome Holden Roberto só apareceu meses mais
tarde), estiveram, em Tunis, Lúcio Lara, Viriato Cruz, Hugo Meneses e Amílcar
Cabral. Todavia, não foram encontrados documentos sobre esses encontros, que são
mencionados noutros documentos posteriores.
45
«Nota da conversação com o secretário-geral do Partido Democrático
de Angola,Gilmore», 10/Abr./60 (AJ,507,IX,3/I-1).
46
Um número que, em 1961, oscilou noutros documentos entre os 30 000
e 600 000 refugiados.

23
dificilmente é possível de outra maneira 47conseguir seja o que for
dos portugueses».
Como além desta curta nota — a próxima menção a uma viagem
à Jugoslávia só apareceu, muitos meses depois48, numa proposta de
programa —, é de supor que as ligações, pelos traços documentais
encontrados, não foram muito frequentes em 1960. Contudo, a
recomendação para que essa visita não coincidisse «com a estada
de Mário Andrade» — um convite tinha sido feito, no Cairo, ao
presidente do MPLA (Mar./61) — apontava para uma maior atenção
para com essas relações. Dessas visitas, só a de Holden Roberto se
realizou em Agosto desse ano.
Embora com atraso49, o encontro e a «conferência de imprensa»
de dirigentes nacionalistas, em Londres (Dez./60), mereceram uma
«breve informação acerca dos movimentos nacionais das colónias
portuguesas em África» por parte da embaixada jugoslava, em
que se sublinhou a realização de uma próxima «conferência dos
representantes de todos os movimentos das colónias para a criação
do Comité Coordenador permanente.»

Neste documento (6 páginas) há referências ao texto publicado,


posteriormente, com críticas à resolução da ONU (Nov./60)
que pediu a Portugal um relatório «sobre a situação nos seus
“territórios ultramarinos”» sem exigir a garantia dos «direitos
humanos fundamentais para todos os habitantes desses territórios»,
ou «o direito dos povos desses territórios à autodeterminação
e independência». Além dessas e doutras reivindicações, como
47
Estes sublinhados vermelhos de esferográfica encontram-se noutra cópia
deste documento (AJ, 507,IX,144/XXVII-12).
48
Embora sem data ou assinatura, pelo texto, pode-se saber que era anterior
a Junho de 1961 e da autoria do mesmo funcionário. Durante esse mês, estava
marcada uma reunião, na ONU (Nova-Iorque), com Holden Roberto, tendo sido
sugerido um novo convite para que visitasse a Jugoslávia nesse Verão.
49
Um atraso encoberto por um «recentemente» e sem a data da sua
realização. Este anexo é de 8/Mar./61 e, possivelmente, da autoria do conselheiro
Milan Stoiakovitch que, em finais de 1974, será o primeiro embaixador jugoslavo
em Portugal.

24
a «amnistia para todos os presos políticos» e a retirada de
todos «efectivos militares e agentes da polícia política desses
territórios», os subscritores deste documento criticaram as ilusões
nas possibilidades de uma «libertação pacífica» (em Goa, havia
organizações que eram por meios não-violentos) nas condições de
um «governo fascista em Portugal» e a ausência da condenação da
política colonial portuguesa por parte da OTAN.

Após uma descrição político-económica das colónias


portuguesas em África, nas «observações gerais», uma delas é
relativa às «Actividades do PC de Portugal». Através de algumas
informações, cujas fontes não foram mencionadas, o PCP fazia
«alguma coisa pela organização dos africanos nos territórios
africanos, mas nisso tinha resultados bastante insignificantes».
Uma excepção: os resultados da sua actividade «entre, de resto,
um pequeno número de “assimilados” que se encontra[va]m por
diferentes motivos em Portugal». Sublinhe-se, ainda, que esta foi
uma das poucas referências a seu respeito na reduzida documentação
relativa a Portugal desses anos.

O «Santa Maria»

Antes da chegada do documento anterior a Belgrado,


os telegramas cifrados e o correio via mala diplomática sobre «a
acção do “Santa Maria”» aparecem na correspondência enviada
pelas embaixadas50 jugoslavas (Caracas e Rio de Janeiro) para
o seu ministério. Segundo o embaixador na Venezuela, Lazar
Udovitchki51, que foi contactado por diversos elementos do DRIL,

50
Em 1961, a designação de legação foi substituída por embaixada na
classificação das missões diplomáticas jugoslavas.
51
Lazar Udovitchki (Budapeste,1915-Belgrado,1997) – Estudante da
Universidade de Praga, membro do PCJ e combatente das Brigadas Internacionais
na Guerra Civil de Espanha (1937-39). Em França, preso nos campos de
concentração (1939-41) e membro da Resistência francesa (1941-43). Capturado,
em 1943, esteve até ao fim da guerra em prisões francesas e alemãs. Na Jugoslávia,
25
«a revolta» neste barco influenciou o «atear da luta de Angola,
particularmente, porque os revoltosos fizeram declarações que
tencionavam desembarcar em Angola». Os acontecimentos em
redor do 4 de Fevereiro mostraram que «Angola saiu do quadro da
questão interna de Portugal e tornou-se uma questão de carácter
internacional». Também, além dos preparativos e relatos da
«primeira grande acção [do DRIL que deveria] chamar a atenção
do mundo para a sua luta pelo derrubamento do regime fascista na
Península Ibérica», estas duas dezenas de documentos52 abrangem
posteriores reuniões do citado diplomata jugoslavo com alguns dos
seus dirigentes (excepto Henrique Galvão) da chamada «Operação
Dulcineia».

Houve, ainda, encontros de membros do Governo da República


Espanhola com os embaixadores jugoslavos no México e em França
por causa da «acção do “Santa Maria”» e das suas possíveis
consequências em Espanha. Assim, para Julio Just, porque a
oposição contra Salazar era particularmente forte — tanto entre os

após funções no governo da República Popular da Sérvia, ocupou diversos cargos


diplomáticos (Buenos Aires, Milão, Brasil) e foi embaixador na Venezuela e no
Uruguai. Posteriormente, membro e secretário do Conselho da Federação. Escreveu
Španija moje mladosti (A Espanha da minha juventude), Belgrado,1997.
52
Entre eles, uma «carta cifrada» de 4 páginas (Caracas, 29/Jan./61),
assinada por Udovitchki, com «os dados que lhe deu Julio Formoso, jornalista e
membro da direcção ilegal do DRIL» acerca da «tomada do barco». Noutra carta (2
pág.), enviada no dia seguinte, relativa a outra visita de Formoso com as seguintes
informações: as últimas notícias do «Santa Maria» eram que ia a caminho de um porto
brasileiro; o DRIL tinha relações «com Alvarez de Vayo e o presidente Barrio, mas
não com todo o governo» republicano espanhol; «a seguinte etapa da luta» (armas,
apoios e relações com a Jugoslávia); o comportamento do «embaixador cubano que
os recebia bem no início, mas que depois de repente lhes fechou a porta» devido às
instruções recebidas «após a conversação de Santiago Carrillo com Che Guevara,
onde Santiago os apresentou de forma difamatória»; o mesmo se passou com um
dirigente do PC da Venezuela; como na reunião do dia anterior, tinha falado da «difícil
situação material em que se encontravam 11 famílias dos participantes na acção do
barco», o embaixador jugoslavo escreveu para terminar que «lhe entreguei hoje a
minha contribuição pessoal e do colectivo da legação no valor de 2 000 bolivares
(N.do T.: 465 dólares)».(ADMNE, Portugal, F-108,1961).

26
estudantes e o exército, como na marinha de guerra —, «a passagem
de algumas (do total de 25) unidades para o lado do Delgado poderia
permitir a tomada do poder nas possessões portuguesas e depois o
desembarque em Portugal, o que também levantaria imediatamente
a Espanha 53». Mesmo, após cinco meses, havia «a probabilidade
de que o governo de Salazar caísse ainda antes do fim do ano o que
provocaria claramente um irresistível movimento contra Franco»,
prevendo-se, por isso, «a possibilidade da mudança do governo
republicano para Lisboa 54». Igualmente, por esses dias de Julho,
outro político republicano, exilado em França, José del Barrio disse
ao embaixador Tchernei: «A queda do regime de Salazar, mais cedo
ou mais tarde segura, irá ter, tendo em conta a situação em Espanha,
[...] imediatas repercussões ali. O regime de Franco sobreviverá ao
de Salazar só alguns dias ou semanas no máximo55».
Em Caracas, «o capitão Fernandes do barco “Santa
Maria”», que tinha regressado recentemente do Brasil, visitou o
embaixador Udovitchki para lhe falar, em nome do DRIL, de uma
«situação politicamente muito mais favorável do que antes da
tomada do barco» e apresentar o pedido para a realização do seu
congresso — «máximo 20 a 25 pessoas» e «dentro de 2 meses» —
na Jugoslávia 56. Uma escolha que consideraram a mais apropriada
53
Telegrama (Paris, 3/Fev./61) do embaixador Tchernei para Belgrado
acerca da visita, no dia anterior, do «vice-presidente do governo espanhol Just» e
da sua avaliação da «acção do “Santa Maria”», (ADMNE, idem).
54
Neste telegrama (22/Jul./61), além de diversas informações sobre a
situação política espanhola, Julio Just voltou a falar ao embaixador Tchernei dessas
possíveis mudanças em Portugal, embora sem mencionar as suas fontes ou explicar
a ausência dessas mudanças, (ADMNE, idem).
55
Embora este telegrama tenha a mesma data de o anterior, é possível que
as duas conversações não tenham ocorrido no mesmo dia, (ADMNE, idem).
56
Nesta «carta cifrada» (19/Jun./61), como noutros documentos, o nome
deste dirigente do DRIL, Jorge Sotomayor, nunca foi mencionado (ADMNE,
Portugal, F-108,1961). Também, não fez qualquer referência à saída de Henrique
Galvão, acusado de colonialista e traidor, em Maio, por muitos militantes do DRIL.
Ver: D.L.Raby, «O DRIL (1959-61). Experiência única na Oposição ao Estado
Novo», Penélope, n.º16, 1995, p.63-86(http://www.penelope.ics.ul.pt/pages/todo.
htm).

27
para a sua realização secreta e a guarda do seu arquivo. Como o
seu interlocutor lhe chamou a atenção para a próxima Conferência
de Belgrado, o próprio Fernandes (Sotomayor) propôs outra data
e referiu-se mesmo a Marrocos, «como segundo país», embora
considerasse a Jugoslávia muito mais indicada para esse fim. Porém,
a resposta a este pedido, dada dias depois, foi negativa 57.

Da «Abrilada» à viagem de Humberto Delgado a Belgrado

Entre os acontecimentos políticos portugueses da primeira


metade de 1961, encontra-se a tentativa falhada do golpe de Estado
em Portugal (11-13/Abr.), a chamada «Abrilada». De «fontes
seguras», poucos dias após essa tentativa, numa «carta cifrada»
(22/Abr./61) da embaixada jugoslava no Brasil, podia-se ler que
a missão de Afonso Arinos, ministro das Relações Exteriores, em
Portugal «foi de acordo com os EUA», coincidindo a sua chegada (6/
Abr.) com a do ministro francês Couve de Murville58. Igualmente,

57
(ADMNE, idem). O telegrama do SENE (30/Jun./61) diz: « Não se deve
dar resposta concreta acerca da realização do congresso no nosso país, porque não
temos dados suficientes acerca deles. Ao Fernandes dizer de maneira conveniente que
o congresso teria mais efeito caso fosse realizado mais perto do seu país.» Segundo
D.L.Raby (idem, p.77), «[...] Outra informação da PIDE fala de um congresso do DRIL
a realizar um pouco mais tarde em Belgrado, mas não temos qualquer confirmação
de outras fontes». Além da confirmação, pela comparação de fontes, a data da citada
«informação secreta» (6/Jun./61) revela que a PIDE sabia do congresso antes do
pedido ter sido apresentado pelo DRIL, em Caracas, ao embaixador jugoslavo.
58
Esta visita foi o assunto principal numa reunião, no Quai d’Orsay,
em que o diplomata jugoslavo recebeu, entre outras, as seguintes respostas do
seu interlocutor francês: «A situação interna em Portugal não os preocupava.
Consideram que Salazar tem a situação nas mãos. A última mudança no Governo
representa a eliminação dos elementos que eram por uma política “mais liberal”
nos territórios ultramarinos, em particular em Angola, mas não pelo abandono de
Angola e a concessão da independência. [...] Consideram que as discussões na ONU
acerca de Angola não contribuem para encontrar uma solução construtiva. Angola
é um assunto interno de Portugal. Esta é a opinião do MNE francês». Quanto à
visita de Couve de Murville «não teve algum significado maior. Retribuição de
visita». Telegrama (Paris, 17/Abr./61), ADMNE, idem.

28
conforme a política africana do novo presidente dos EUA, John
Kennedy, como o então «desenvolvimento em África [...favorecia]
os russos» e para um «verdadeiro, anticolonialismo [era] necessário
efectuar preparativos. Propuseram destituição de Salazar por junta
militar que segundo o modelo do De Gaulle prepararia a “solução”
de Angola, [...]. A acção seria provocada pelo Brasil, de forma a não
ter o selo americano.» O presidente Jânio Quadros teria aceitado esta
proposta estado-unidense «e o objectivo da viagem de Arinos foi o
contacto com os representantes da junta tendo à frente o ministro da
Defesa». Porém, acrescenta-se neste documento que «o embaixador
português no Brasil soube e informou pessoalmente Salazar, de
maneira que este tomou todas as medidas e imediatamente após
o regresso de Arinos substituiu todas as figuras-chave militares,
decretou a mobilização em Angola e reforçou o terror.»
Para terminar estas informações, no «caso da inevitabilidade
da libertação de Angola os americanos joga[va]m também na carta
do movimento UPA-aborígene e nos portugueses que est[avam]
de acordo com solução conforme o modelo da Libéria.» Quanto
a «Delgado e Galvão, inimigos pessoais de Salazar», estes não
representavam « factores» que contassem a sério «seja aqui, ou seja
nos EUA.»
Como foi o único documento59 encontrado sobre esta viagem
ou com referências a seu respeito, as numerosas perguntas que
podiam ter sido colocadas não são conhecidas. Relativamente à
ausência de comentários nesta «carta cifrada» pode ser explicada
pelo facto deste tipo de documento se cingir, habitualmente, a um
simples relato das informações, ficando as análises para as notas
ou relatórios enviados por correio diplomático. Perguntas essas que
poderiam ter sido um dos (possíveis) temas das reuniões havidas,
em Belgrado, com Humberto Delgado, embora a documentação
existente a seu respeito não o permite saber. Contudo, sabe-se que
esteve em finais de Setembro desse ano na capital jugoslava, mas
os poucos documentos relativos à sua estada (27Set./4Out.), como

59
(ADMNE, idem).

29
convidado da Liga Jugoslava da Paz60, não dão muitos dados acerca
do que fez e com quem falou. Não obstante, há o seu telegrama,
enviado da primeira estação ferroviária jugoslava na fronteira com
a Itália, para o MNE em Belgrado a comunicar a chegada pelas 23
horas dessa quarta-feira, onde seria esperado, segundo a decisão do
mesmo ministério, «pelo camarada Lhuba Iosifovitch da Liga da
Paz 61» como um convidado «sem particular tratamento, privado»
dessa organização. Após um pedido da embaixada da Índia sobre a
presença na Jugoslávia do «líder da oposição portuguesa» (4/Out.),
a sua partida para Marrocos por via aérea, na manhã desse dia, foi
confirmada. Às perguntas se Delgado se encontrou com alguns dos
dirigentes do SENE e da ASPTJ, «ou, talvez, até o tenha recebido o
Presidente da República», o diplomata jugoslavo (autor da «nota»
sobre este assunto) respondeu que nada sabia, mas quanto lhe era
conhecido não houve tais reuniões ou encontros.

Conversações com a UPA (Holden Roberto)

Voltando às relações com a UPA, em Nova-Iorque (20/


Abr./6162), um diplomata da missão jugoslava na ONU, Osman
Djikitch, encontrou-se com Holden Holden que lhe falou sobre a
situação no Congo, em Angola, da ONU e das suas próximas viagens
— Acra (convidado por Nkrumah), Libéria (reunião dos países dos
grupos de Casablanca e de Brazaville) e a Leopoldville — até ao
seu regresso, em fins de Maio, para organizar «uma espécie de
representação política de Angola junto da ONU segundo o exemplo
da representação do governo provisório da Argélia». Como não

60
Embora (ADMNE, idem) o seu arquivo não se encontre no AJ — onde
devia estar, pois esta organização já não existe há mais de uma dezena de anos —,
não está confirmado o seu desaparecimento.
61
ADMNE, F-108, Portugal (1961). Outros documentos (AJ, 507/IX,
10-V).
62
Nesse dia, em Casablanca, terminou a I CONCP.

30
houve qualquer referência à viagem à Jugoslávia, pode-se pressupor
que a citada proposta de programa foi posterior a este encontro.
Por esta nota, fica-se a saber que «Holden Roberto e Gilmore
são a mesma pessoa e o nome Gilmore serviu a Roberto» para
esconder a sua «identidade perante os portugueses». Também, que
«desde 1956, se encontrava na emigração», tinha passaporte tunisino
e era «presidente da União da População de Angola». No Congo,
contava com «o apoio de uma parte do governo em Leopoldville»,
pois o presidente Kasavubu era «contra a UPA e sua actividade do
território do Congo». Todavia, «não se podia opor directamente»
por causa da posição de «muitos do seu governo» e o apoio do povo
e do exército congoleses.
Quanto a Angola, além de 30 000 refugiados63 no vizinho
Congo, teriam «4-5000 combatentes, mas com fraco equipamento»
e um «território libertado de cerca de 400 quilómetros quadrados».
O principal problema era o armamento e as munições, pois a única
possibilidade de abastecimento que existia era através do Congo e
«todos os restantes caminhos e territórios fronteiriços não podiam
ter-se em conta», estando até as costas guardadas com a «ajuda de
unidades navais dos EUA».

Além da UPA, havia o «Movimento de Libertação de Angola»,


cujo líder Andrade vivia na emigração desde 194764 e, nessa altura,
estava em Conacri. Estes eram os únicos movimentos que actuavam
tanto no interior, como no exterior do país. Igualmente, o diplomata
jugoslavo anotou que «a tarefa principal de todo o movimento de
libertação e das forças em seu redor num dado momento consistia
no esforço de internacionalizar todos os problemas de Angola e a
luta do seu povo juntamente à realização da unidade dos movimentos
tanto no país como fora dele».

63
Como se mencionam 130 000 refugiados noutros documentos, coloca-se
a possibilidade de erro por parte do subscritor desta «Nota».
64
Holden Roberto enganou-se no ano da partida para Lisboa (1948), onde
se matriculou na Faculdade de Letras (Filologia Clássica). Em 1954, partiu para
Paris.

31
Então, no quadro da ONU, as acções pela liquidação do
colonialismo contavam com tempos e condições favoráveis, embora,
na opinião de Holden Roberto, deveriam ser cautelosos e ter em
conta que não se repetisse o caso do Congo. Receava que as acções
dos portugueses, apoiados pelo Ocidente e os EUA, não fizesse algo
semelhante ao que os belgas fizeram no Congo e, dessa maneira,
criarem uma situação ainda mais difícil. Por isso, era contra uma
excessiva actuação directa da ONU. Considerava que, nessa altura,
o mais importante era conseguir a formação de uma comissão de
inquérito para apresentar um relatório sobre Angola na XVI Sessão
da Assembleia-Geral. Paralelamente, insistir junto da ONU para
dar a maior ajuda possível aos refugiados angolanos «e começar a
solução deste difícil problema».

Outros temas abordados foram os contactos que teve com a


representação diplomática jugoslava na capital do Congo, antes do
seu encerramento por parte do governo jugoslavo, e as conversações
entre Kasavubu e Gizenga, sendo contra qualquer possibilidade de
que Mobutu fosse o comandante de todas as unidades militares dos
dois governos congoleses. Estas afirmações foram anotadas sem
quaisquer perguntas ao seu interlocutor por parte do diplomata
jugoslavo ou algum comentário seu acerca do que ouviu, viu e
anotou.

A CONCP

Quanto à primeira reunião dos movimentos independentistas


(sem a UPA), em Casablanca, a sua documentação (em francês),
editada pela CONCP, foi enviada para Belgrado65, tendo sido
precedida de um telegrama a seu respeito. Nele, foi considerada
65
Num telegrama para a embaixada em Rabat (21/Abr./61), o SENE
mandou contactar Mário de Andrade por causa do I CONCP. O citado boletim
impresso e outros documentos (cerca de 50 páginas de resoluções e notas) foram
enviados, nos primeiros dias de Maio, para Belgrado (ADMNE, Portugal, F-108,
1961).

32
«importante e com sucesso», realçando-se que «o tom da conferência»
foi dado pelos representantes de Angola, «que defendiam a linha
da condução da luta armada», e a recepção dos seus participantes
pelo rei Hassan II que «assim legalizou e reconheceu oficialmente a
actuação do secretariado permanente em Casablanca».
Segundo um boletim (uma centena de páginas, fotografias,
discursos, etc.), a sua organização foi uma iniciativa do MPLA, do
PAI(GC) e da Liga de Goa, e reuniu 13 delegados, representando
10 organizações de 6 países: Angola, Cabo-Verde, Guiné, Goa,
Moçambique e S.Tomé e Príncipe. Pelas resoluções aprovadas e
outros documentos ali apresentados sobre a situação política nas
colónias portuguesas e em Portugal (resolução «sur l’opposition
portugaise», um comunicado de imprensa pelo «Santa Maria» e
o memorando endereçado ao governo português66), os dirigentes
políticos e diplomatas jugoslavos passaram a ter (e a procurar) mais
informações sobre as lutas desses movimentos e partidos.

Igualmente, os contactos com estas organizações, como con­


vidadas da Conferência de Belgrado, aumentaram e deixaram mais
traços documentais67. Assim, em Conacri (21/Jun.), o embaixador
Ilíia Topaloski e Mário de Andrade «conversaram longamente
acerca de Angola» e, no seu telegrama para Belgrado, o primeiro
informou que, segundo o seu interlocutor, «Gilmore conseguiu,
com o apoio dos EUA e diversos “círculos oportunistas” de África,
organizar a luta armada. As armas recebeu-as de Burgiba, através
das tropas tunisinas que estiveram no Congo sob o mandato
da ONU, como também de Lumumba que deu total apoio à luta
anticolonial de Angola, não entrando nas diferenças ideológicas dos
dois movimentos». Apesar de não terem recebido esse armamento,
o MPLA tinha «destacamentos bem organizados» e com grande

66
A resolução foi aprovada na Conferência, enquanto os outros documentos
têm as seguintes datas: o comunicado (28/Jan./61); o memorando (1/Dez./60).
67
Por erro no seu arquivamento, estes documentos encontram-se em: Guiné,
F-33, 1961. Como deviam estar no F-101 (Angola, 1961), a pesquisa heurística
deve ter em conta estes possíveis erros na sua classificação e arquivamento.

33
disciplina. Foi feita uma proposta de cooperação entre os dois
movimentos, mas «Gilmore recusou essa orientação». Esperava
um reforço do apoio dos países africanos e outros e «nesse sentido
enviou cartas para Nasser, Keita, Ture, Nkrumah e outros. Escreverá68
também ao camarada Presidente».
Mário de Andrade interessou-se, continuou Topaloski, «pelas
nossas relações com o lager. Ele em contacto com os orientais69.
Contudo, em relação a nós mostrou uma posição correcta».
Acrescentou que ele tinha uma formação marxista e considerava
que «Estaline acabou, entre outras coisas, com qualquer tentativa
de desenvolvimento da teoria e que, depois de Lenine, não foi feita
uma profunda análise das mudanças histórico-sociais.»
Convidou-o a visitar a Jugoslávia que aceitou, reconhecendo
que não entendeu bem, no Cairo, o convite pessoal que lhe dirigiram.
Propôs 15 de Agosto para a sua chegada, «de forma a ficar para a
Conferência dos Não-Alinhados» e, da Jugoslávia, iria para Nova-
-Iorque, assistir à Assembleia-Geral da ONU.
Este telegrama termina com a recomendação para lhe ser pedido
um artigo acerca de Angola «que seria publicado no Borba».

Conversações com a UPA (Jonas Savimbi)

No mês seguinte, no Cairo (Jul./61), outro diplomata jugoslavo


teve uma reunião com Jonas Savimbi, que ali procurava «apoios do
governo da RAU 70 para as reivindicações políticas da UPA». Como
membro da sua direcção e encarregado da política externa, partia
nessa semana «com o mesmo objectivo para Deli». Ao contactar
68
Escreveu, em Agosto, essa carta. Contudo, antes de meados de Abril,
já tinha enviado um telegrama a Tito «pedindo apoio à luta do povo angolano»
(Portugal, F-108, 1961).
69
Além do frequente lager (campo ou grupo em alemão), os orientais,
como designação, aparecia mais ligado aos países europeus orientais. Como o autor
deste telegrama procurou ser o mais lacónico possível, esta terminologia podia
subentender as palavras em falta.
70
República Árabe Unida.

34
a embaixada indiana, foi-lhe recomendado que «seria bom que
também estabelecesse contacto com os jugoslavos», aos quais foi
comunicado o interesse de Savimbi pela realização desse encontro.
De acordo com a «Nota»71 deste diplomata, as suas perguntas
tiveram do dirigente da UPA as seguintes respostas:
Tinha 28 anos72, primeiramente inscreveu-se, na Suíça, em
Medicina, «mas, depois, abandonou o estudo de Medicina e dedicou-
-se às ciências políticas, em que se licenciou na Universidade de Berna.»
Vivia em Lausana e «abriu um escritório do movimento em Genebra».
Segundo ele, a situação em Angola caracterizava-se «por
um terror cada vez maior dos colonialistas», calculando-se que
tivessem sido mortos «mais de 40 mil angolanos, enquanto mais
de ½ milhão foi enviado para a União Sul-Africana73 e outros
países como mão-de-obra barata para as minas». Igualmente,
era impedida «por todos os meios» a escolarização da população
nativa, havendo até um «ensino para a população “civilizada”
e “não civilizada”. Em base de tal divisão do número total da
população autóctone (Angola tinha 4,5 milhões de habitantes, dos
quais 200 mil portugueses), somente 50 mil frequentavam a escola
primária, enquanto nas universidades em Portugal estudavam só 4
angolanos74». Além disso, acrescentou que para «reforçar as suas
71
«Nota acerca da conversação de R. Brzitch, conselheiro da embaixada,
com Jonas Savimbi, representante da União do Povo de Angola (UPA), 10 de Julho
de 1961», 4 pág., (AJ, 507-IX,3/II-5).
72
Afinal, em Julho, tinha só 26 anos, pois o seu aniversário era no dia 3 do
mês seguinte. Nesse ano, festejou-o em Belgrado.
73
Seriam angolanos ou moçambicanos? Erro do diplomata jugoslavo ou
mais uma informação que não mereceu qualquer crítica ou uma simples pergunta
acerca da sua veracidade.
74
Não há neste ou noutro documento uma referência à sua estada,
como estudante, em Portugal. Todavia, sabendo da recente fuga de uma centena
de estudantes de Portugal (Jun./61), pois ele próprio teve contactos com muitos
deles em Paris, este número coloca algumas perguntas acerca dos motivos que
levaram Savimbi a dar essas informações ao seu interlocutor jugoslavo. Também,
a possibilidade do seu interlocutor ter confundido este dado com os 4 licenciados
congolêses (que a Bélgica teria deixado no Congo quando da independência) é
menos provável.

35
posições perante um movimento de resistência cada vez mais forte,
o governo português apressava a imigração de portugueses em
Angola com o fim de modificar a estrutura nacional da população
nas cidades».
Sendo proibida «qualquer actividade política no país», entre
as forças políticas ilegais, a UPA, fundada em 1953, perdeu, após
um ano, os seus chefes que foram presos e mortos pelo poder
colonial. Contudo, os restantes fugiram para o Gana, Tunísia, Congo
e EUA, onde continuaram as suas actividades. No Congo, actuaram
ilegalmente até à independência, «quando Lumumba lhes deu total
apoio e permitiu a legalização» e a abertura de 20 delegações pelo
país. Todavia, com a chegada ao poder de Kasavubu, este proibiu
as actividades da UPA, mas foi obrigado a autorizá-las «sob a
pressão dos EUA, onde a UPA conseguiu obter um determinado
apoio», permitindo porém só a «legalização de 5 delegações [...]
em Leopoldville e outros lugares».
Em Angola, a UPA era o «movimento de resistência mais forte»
e os seus destacamentos de guerrilheiros contavam com «cerca de 20
mil homens», enquanto os «efectivos militares portugueses montavam
só a cerca de 16 mil soldados, mas dispunham de técnica militar muito
superior». Tinham pedido armamento à RAU, que aceitou concedê-
-lo, mas sem possibilidades de enviar «tal ajuda através Leopoldville».
Savimbi referiu-se ainda às seguintes operações militares que
recomeçariam no «período das chuvas», durante os meses de Setembro
a Junho, quando o estado das estradas e o nevoeiro dificultarão as
acções das tropas motorizadas e da aviação portuguesas.

No plano internacional, tinham: «o apoio da Libéria, Nigéria,


Gana e Tunísia, RAU, Togo, Mali Norte e FLN. Também, a União
[N.doT.: a UPA] tinha conseguido obter um valioso apoio nos
EUA e dos países da AL tem as melhores ligações com o Brasil.
O governo de Quadros prometeu que dará apoio à União e fará
pressão sobre Portugal. Na política externa do futuro governo
angolano, o Brasil deverá ocupar um lugar importante não só pela
sua orientação política, mas antes de tudo porque em Angola se

36
fala o português.» Por isso, Savimbi acrescentou que isso facilitaria
muito «na primeira fase da construção do país, [...] a vinda e o
trabalho dos especialistas brasileiros».
Embora, não tivessem nada contra «as boas relações com
a URSS, RP da China e restantes países do bloco oriental»,
consideravam que uma tal orientação daria argumentos a Portugal e
aos estados ocidentais para caracterizar a UPA como pró-comunista,
o que «teria inevitavelmente como consequência a falta de apoio e
ajuda ocidental». Naquela fase, tentavam «estabelecer as melhores
ligações com os EUA e outras principais potências do Ocidente.»
Depois da independência, procurariam «os seus verdadeiros
amigos» e tentariam estabelecer um «equilíbrio nas suas relações
com o Oriente e Ocidente».
Após mencionar as tentativas de negociação com o governo
português que não deram qualquer resultado, Savimbi referiu-se à
continuação de acções armadas em Angola e aos esforços para um
maior apoio internacional. Nesse sentido, Holden Roberto iria «dentro
de duas semanas» a Nova-Iorque. Como, «os EUA ajudam Portugal
indirectamente através da OTAN», o presidente da UPA ia explicar
«aos americanos que as armas que dão a Portugal eram utilizadas
para massacrar o povo em Angola», procurando a suspensão do
seu fornecimento, ou que essas «armas não ser[iam] usadas contra
Angola.» Igualmente, a sua viagem à Índia foi planeada com um
objectivo semelhante em relação ao Reino Unido.

O documento termina com as informações, dadas por Savimbi,


acerca do MPLA. Este movimento reunia um «pequeno grupo de
intelectuais e não tinha apoios em Angola». A sua sede estava em
Conacri e contava com o apoio da «Guiné, URSS, RP da China e
os restantes países do bloco oriental, como também o PC francês.»
O seu presidente, Mário de Andrade, «viveu 6 anos em França e
era membro clandestino do PC da França.» Sublinhou que a luta
armada era conduzida pela UPA e que entre os dois movimentos não
havia qualquer colaboração, embora estivesse prevista, em Setembro
desse ano, uma reunião conjunta sobre este assunto.

37
Referindo-se às actividades do MPLA no plano internacional, o
diplomata jugoslavo informou que uma delegação, chefiada por Mário
de Andrade, tinha estado «no terceiro Congresso de Solidariedade
Asiático-Africana, que se realizou no Cairo em Março desse ano».
O original deste documento confidencial mostra, como não
há qualquer comentário ou meros pontos de interrogação e de
exclamação nas margens das páginas, que foi arquivado sem merecer
qualquer crítica de quem a ele teve acesso. Todavia, como já foi dito,
havia um primeiro relato das informações, ficando a sua análise para
posteriores relatórios ou discussões. Porém, posteriormente, houve
dados errados que nunca foram emendados ou mesmo foram citados
diversas vezes.

38
( IV )
Uma delegação da UPA na Jugoslávia
e uma carta do MPLA (Ago./61)

Segundo a embaixada jugoslava na Tunísia, a delegação da


UPA chegaria a Belgrado «como convidada da Aliança Socialista»,
no dia 2 de Agosto, no avião vindo de Roma. Era constituída por
«Holden Roberto, presidente da União dos Povos de Angola [ e ]
Malheiro Savimbi, membro do Comité Executivo da União».
Durante os 5 dias da estadia na capital jugoslava, tiveram
conversações com dirigentes da ASPTJ e da Associação das
Organizações de Combatentes. Visitaram ainda Novi Sad e Stara
Pazova, e «através dos representantes do Poder Local» conheceram
o «desenvolvimento das comunas, serviços comunais e problemas
do cooperativismo nessa região75». Apesar deste programa tão
pouco reservado, a pedido dos visitantes, não foi publicada qualquer
notícia ou referência a seu respeito na imprensa jugoslava.

Em todas as reuniões, o presidente da UPA salientou que


o objectivo da visita à Jugoslávia era conhecer, principalmente,
a sua história durante e pós-II Guerra Mundial, pois «segundo as
suas palavras a luta do povo de Angola encontra[va]-se naquela
etapa em que, no passado, os povos da Jugoslávia superaram
gloriosamente». Por isso, como «o povo de Angola se encontrava
no começo da luta, sem suficiente experiência na condução da
guerra, quando era perfeitamente possível ocorrer erros», eles

Esta «Informação» da ASPTJ tem 5 páginas (AJ,507, IX,3/I-1-45).


75

39
consideravam que a experiência jugoslava tinha um «valor precioso
para eles». Também, realçaram que a «guerra em Angola não era
dirigida exclusivamente contra o regime colonial português, mas
contra uma aliança inteira que ajudava material e militarmente
Portugal a continuar a manter o regime colonial existente em
Angola». Embora, não estivessem seguros de uma completa vitória
militar, acreditavam na moral do povo que seria um forte apoio para
a sua luta. Afirmaram, depois, que em breve a insurreição armada
seria alargada ao centro e sul de Angola, sendo «questão de dias ou
de semanas» que tal acontecesse76.

Quanto aos seus aliados, as melhores ligações da UPA eram


com a Argélia e a Tunísia, mas tinham grandes dificuldades para «o
transporte das suas ajudas materiais e militares» porque as fronteiras
com Angola tinham sido fechadas pelo Catanga de Tschombé por
causa da «exportação de mercadorias por via ferroviária através
de Angola até ao porto de Lobito na costa do Atlântico» e mesmo
«no próprio Congo, nos últimos tempos, encontravam dificuldades
na passagem» de pessoal e armas por causa do encerramento das
fronteiras com Angola por Mobutu. Em relação aos outros vizinhos,
nada podiam esperar dos regimes da Rodésia do Norte e da União
Sul-Africana.
Porém, apesar das dificuldades do governo congolês, o centro
das actividades devia ficar no Congo, apesar de anteriores ofertas
de Nkrumah que recusaram para não perderem «o contacto com
a sua gente». Holden Roberto falou, depois, acerca de Lumumba
«como um dos seus amigos mais próximos», que ajudou o seu
movimento — «uma grande quantidade de armas foi adquirida no
Congo e transportada para Angola»— e os refugiados angolanos
76
Só dias antes, na Tunísia, Holden Roberto colocou mesmo «a questão
se Portugal poderá manter-se em Angola após 1962» numa conversa com
Zdravko Petchar, que a menciona no seu artigo «Violenta luta pela liberdade em
Angola», publicado no Borba (1Ago./2.ªpág.). O autor, então jornalista, foi depois
embaixador em vários países africanos e coleccionador de arte africana. Doou a
sua valiosa colecção à cidade de Belgrado (1974), que fundou o Museu de Arte
Africana (1977).

40
no Congo. Embora fosse «um verdadeiro revolucionário, sincero
e honesto homem», era um político pouco experiente para superar
a crise em que se encontrava o seu país. Como exemplo, contou
um pormenor do último encontro entre ambos na residência de
Lumumba. Acompanhado de Franz Fanon, «representante argelino
em Acra», aconselharam-no a deixar provisoriamente, durante um ou
dois anos, as suas funções de Estado, prevenindo-o dos preparativos
da conspiração contra ele e que seria melhor que nesse período,
«enquanto a situação no país não se acalmar, voltar novamente
para o partido e através dele actuar politicamente». Asseguraram-
-lhe que fosse quem fosse que formasse governo, esse governo seria
de curta duração e que a consolidação da política interna, de novo,
o colocaria em primeiro plano. Porém, «Lumumba não escutou o
conselho, mas sim levantou-se e saiu do escritório».
Devido ao futuro das suas actividades no Congo, acompanhava
«com grande interesse e também preocupação» a situação política
congolesa e, por isso, «recebeu com satisfação» a formação do novo
governo de Adoula.
Em relação ao «levantamento armado do povo de Angola e
organização do levantamento», em todas as reuniões, Holden
Roberto falou bastante pormenorizadamente das actividades da UPA,
desde o «apoio dos chefes tribais» e o seu «papel na mobilização
de combatentes como também na função de comissários políticos,
pois têm a maior autoridade nas massas» à organização militar no
território libertado no Norte de Angola e da ajuda argelina na fase
inicial da organização da guerrilha.
Nas conversações, Holden Roberto falou das relações entre a
UPA e o MPLA, dizendo que o «movimento do Andrade [era] uma
criação artificial, que não tinha apoio entre as massas e, sobretudo,
entre os combatentes angolanos.» Acrescentou, contudo, que já se
tinha encontrado duas vezes com Mário Andrade. A primeira foi na
conferência de Monróvia, em 1960, quando falaram da cooperação
e que lhe perguntou pelas forças que dispunha para que essa
cooperação fosse possível. «Então, Gilmore disse-lhe: “supúnhamos
que eu e você queríamos formar uma empresa comum e para isso

41
investiria 100 milhões e você nada. Seria possível que tal empresa
se mantivesse”.» Em seguida, afirmou que «a esta pergunta não
teve resposta de Andrade» e nada disse sobre o outro encontro.
Como «Gilmore exprimiu o desejo na ASPTJ que lhe fosse
dada a possibilidade» de um encontro com Tito, a quem «queria
expor os seus problemas e pedir conselhos», foi recebido (5/Ago.),
acompanhado por Jonas Savimbi, pelo presidente jugoslavo77.

A nota desta recepção, assinada por Dobrivoíe Viditch78,


começa por mencionar o interesse do anfitrião pelo «estado da luta
de libertação em Angola» e comunicou ao seu convidado que a
próxima «Conferência de Países fora dos Blocos dará apoio à luta
do povo angolano contra o colonialismo», tendo este respondido
que tinha 25 000 combatentes, que o movimento era forte no norte
do país, mas no sul, «em direcção da União SA79não tinha força».
Igualmente, falou acerca «do terror dos portugueses, dos 35 000
mortos, das muitas vítimas da população civil e de dezenas de
milhares de refugiados» angolanos no Congo. Acrescentou ainda
que não tinham armas e contou que «comprou ao Lumumba, que
era seu amigo, uma pequena quantidade de armas (cerca de 400
espingardas e metralhadoras)».
Depois, Tito «aconselhou-o a expandir a organização militar
por toda Angola, desenvolvendo no sul pelo menos actividade e
grupos de comandos». Quanto a armas, estava pronto a ajudar os
angolanos, mas «não sabia de que forma» essas armas podiam ser
entregues, «tendo em conta o regime em Leopoldville», e referiu-se
também às buscas nos navios mercantes jugoslavos pela marinha de
guerra francesa para impedir a ajuda à FLN argelina. Perguntou, em

77
AJ, KPR I-3-a/3-1.
78
Dobrivoíe Viditch (Tchatchak, Sérvia,1918-Belgrado,1992) - Político,
diplomata (embaixador na Birmânia, URSS e Reino Unido), combatente da II
Guerra Mundial e membro do PCJ (desde 1939). Entre 1961-65, presidente da
Comissão de Relações Internacionais da ASPTJ. Ocupou, depois, importantes
cargos estatais e partidários.
79
União Sul-Africana.

42
seguida, ao seu interlocutor se eram ajudados pelo Gana e outros
estados africanos, e se tinham relações com os países europeus
orientais.

Glimore (o nome de Holden Roberto não aparece neste


documento) respondeu que Nkrumah lhe tinha perguntado e dito o
mesmo, acrescentando que «tinham reparado como navios de guerra
americanos e britânicos patrulhavam as costas daquela parte do
Atlântico». Todavia, salientou que tudo muito dependeria do novo
governo congolês de Adoula80.

Estando de acordo com o que ouviu, Tito pediu-lhe a opinião


sobre a posição de Gizenga81 relativamente ao governo e que seria
importante se o general Lundula ocupasse as funções de chefia em
lugar de Mobutu que, conforme o subscritor desta nota, «o camarada
Presidente considerava um simples bandido e mercenário». A
resposta do dirigente da UPA exprimiu uma «certa dúvida» acerca da
possível aceitação de Gizenga em participar no governo de Adoula,
pois «não acreditava» no citado Mobutu.
Sobre a situação política africana, Tito «mencionou a sua
recente conversação com Chester Bowles e Kennan82» e que estes
diplomatas lhe asseguraram que os EUA «mudarão completamente

80
Cyrille Adoula (1921-78) - Primeiro-ministro congolês (2/Ago./61-30/
Jun./64).
81
Antoine Gizenga (1925-2008) - Ministro, em 1960, sob a presidência de
Patrice Lumumba. Após o assassinato de Lumumba (Jan./1961), como primeiro-
-ministro e seu governo, em Stanleyville (actual Kisangani), foi reconhecido por 21
países africanos, asiáticos e europeus. Preso ( Jan./62 a Nov./65). Viveu no exílio
entre 1965 e 1992. Primeiro-ministro (2006-08).
82
Referia-se à recente reunião (30/Jul.), em Brioni. Também, no seu
telegrama (31/Jul.) para o Departamento de Estado, Kennan informou que «a
maior diferença entre os EUA e a Jugoslávia se reflectia na questão das colónias.
Consideravam que a América deveria investir todos os seus esforços e influência
sobre Portugal e a França na questão do problema africano». Vide Dragan
Bisenitch, Mister X – George Kennan em Belgrado (1961-1963), Belgrado, 2011
(em sérvio).

43
a sua política em relação à África, começando no apoio económico
e outros às novas nações».
Referindo-se à próxima «conferência dos países fora dos blocos»,
Glimore exprimiu o desejo de enviar uma delegação da UPA, e «pediu
ao camarada Tito que nas decisões da Conferência se condenasse
Portugal e aconselhavam sanções económicas contra Portugal». Tito
informou-o «que tinha intenção no seu discurso de condenar Portugal
e propor medidas, segundo a Carta da ONU, caso continu[asse] com
a sua política de terror». Igualmente, exprimiu a sua convicção na
vitória final da luta de libertação dos povos de Angola.
Após dizer que continuaria a lutar até ao fim e que acreditava
na vitória, o presidente da UPA falou dos refugiados angolanos83,
«que vivem miseravelmente e passam fome» no Congo, e que só a
Cruz Vermelha Internacional dava uma pequena ajuda. Pediu, ainda,
bolsas de estudo «para a sua gente». Tito respondeu-lhe que os seus
pedidos seriam considerados e iriam ver o que podiam fazer para os
ajudar. A seguir aos agradecimentos do seu interlocutor, ofereceu «a
Glimore e Savambi84 que o acompanhava [...] canetas de ouro com
a sua assinatura gravada ao que ambos agradeceram».

A carta do MPLA.

Quanto ao MPLA, a visita à Jugoslávia, cujo convite foi entregue


meses85 antes ao seu presidente, acabou por não se realizar por «não
ter compreendido que lhe tinham feito um convite pessoal», como
disse ao embaixador jugoslavo na mencionada reunião em Conacri
(Jun./61). Então, essa visita ficou marcada para 15 de Agosto, ficando
ele depois, em Belgrado, para a Conferência.

83
Eram «cerca de 127 000», segundo outro documento relativo a esta
visita.
84
Simples erro ortográfico ou na transliteração de Savimbi em sérvio-
-croata.
No Cairo (Mar./61), por ocasião da III Conferência dos Povos
85

Africanos.

44
Contudo, tal não ocorreu e numa carta endereçada86 a Tito, após
saudar a próxima realização da «Conférence des pays non-alignés
à Belgrade» e as provas de solidariedade do presidente jugoslavo
pela luta do povo angolano pela independência, Mário de Andrade
apresentou três propostas à sua apreciação. Na primeira, os governos
dos países presentes na Conferência de Belgrado deveriam aprovar
acções conjuntas em relação dos «puissants alliés du Portugal qui
l’encouragent dans la poursuite de la guerre coloniale». A seguinte
considerava necessária uma posição comum na ONU, tendo em
vista o fim «de la guerre l’extermination» e a autodeterminação de
Angola. Na última, esperava da Conferência qualquer outro apoio à
justa luta angolana.
Considerando que estas propostas seriam aceites, o presidente
do MPLA solicitou «un entretien politique» a Tito numa data à sua
escolha.

86
Datada de 19 de Agosto e entregue na embaixada jugoslava em Conakri
(AJ, KPR-I-4-a, J:2).

45
(V)
Algumas notas acerca da Conferência

Conforme o censo de 1961, a Jugoslávia tinha 18,5 milhões


de habitantes e as suas principais cidades eram Belgrado (680 000
habitantes), Zagreb (585 000), Lhublhana (150 000) e Saraíevo (143 000).
As estadísticas (economia, emprego, educação, saúde e outras)
mostravam uma melhoria do nível de vida da população deste
país balcânico (unificado só em 1918), mas também as assimetrias
socioeconómicas (entre e dentro) das 6 repúblicas da federação
jugoslava.
Uma federação que surgiu após quatro anos de guerra e da
vitória final, em Maio de 1945, sobre os invasores do Eixo e os
seus numerosos «quislingues». Durante esses anos, surgiu, sob a
direcção do partido comunista, um exército e governo nas regiões
libertadas. A capital, Belgrado, foi libertada, em Outubro de 1944,
por esse exército jugoslavo, apoiado pelo exército soviético. Os
enormes danos materiais e perdas humanas87, mais a sua luta pela
vitória aliada deram, no pós-guerra dos anos quarenta, a este país

87
Segundo estudos recentes (Branko Plavitsa, Dragan Tsevetkovitch,
etc.), o total dos danos materiais elevou-se a 35,8 mil milhões de dólares (de 1938)
e as perdas humanas jugoslavas foram entre 960 000 e 1 100 000 mortos numa
população de cerca de 16 milhões de habitantes (1941). Quanto à I Grande Guerra
Mundial, o Reino da Sérvia teve 750 000 mortos numa população de 4,5 milhões
de habitantes e as reparações de guerra da Alemanha ascendiam (Conferência de
Londres, 1921) a 7,6 mil milhões de marcos-ouro. Todavia, por causa das crises
económicas da República de Weimar, da recusa do III Reich e da Guerra Fria, a
Alemanha acabou por pagar uma reduzida percentagem do total destas quantias.

47
balcânico um lugar importante no contexto da política europeia e
das relações internacionais. Uma posição reforçada com o conflito
jugoslavo-soviético (1948-53) e uma intensa política exterior, nos
anos cinquenta, com os estados asiáticos e africanos.
Estes factos podem explicar — sublinhando, entre eles, a visita
de Tito a 8 estados africanos (1961) — a escolha de Belgrado, na
reunião ministerial do Cairo (Jun./61), para a realização da primeira
cimeira88 do Movimento dos Países Não-Alinhados. Quanto à sua
organização, o país anfitrião nomeou uma comissão que conseguiu
efectuar, em menos de três meses, um vasto programa de obras e
serviços. Conforme o seu relatório final89 acerca dos preparativos
efectuados, como através de tantos outros documentos, pode-
-se acompanhar ao pormenor os passos dados neste período. Um
acompanhamento que deve ser comparado com o que foi publicado
na imprensa diária e semanal, sem esquecer algumas publicações
quinzenais e mensais90. Uma comparação que permite avaliar melhor
as diferenças ou omissões entre as notícias e artigos dos órgãos
da comunicação social e os textos dos documentos confidenciais
estatais.

88
Nas comemorações do seu cinquentenário, em Belgrado, no quadro das
cerimónias oficiais, realizou-se uma exposição e o seu catálogo (em sérvio e inglês)
foi uma das poucas publicações sobre a Conferência. Nele, além da apresentação
da citada exposição (documentos, fotografias, delegações, etc), tem um texto
introdutório de Lhubodrag Dimitch sobre este período da história jugoslava e do
movimento dos países não-alinhados (http:// www.arhivyu.gov.rs /active/srlatin/
home/glavna navigacija/izlozbe/ izlozbe_arhiva / Nesvrstani_ prva_ konferencija.
html, consultado em Dezembro de 2011).
89
Este documento (25/Ago./61) de 31 páginas tem os seguintes capítulos:
«I) Organização do acolhimento, alojamento e alimentação dos chefes das
delegações; II) Salas de trabalho e da conferência; III) Actividades informativas e de
propaganda; IV) Serviços CTT; V) Sessões culturais, recreativas e desportivas; VI)
Decoração e arranjo da cidade; VII) Medidas de segurança; VIII) Financiamento
da conferência ».
90
Essa comparação foi feita pela leitura dos diários Politika e Borba, do
semanário Komunist e da revista quinzenal Medjunarodna Politika que foram
publicados, em Belgrado, nesse ano de 1961.

48
Dos preparativos em Belgrado à chegada das delegações

Retomando o referido relatório, este começa com a estadia dos


chefes e membros das delegações e o seu alojamento (serviços e
pessoal) em 33 vilas91 e outros edifícios estatais numa zona residencial
da cidade (Dedinhe). Outros delegados ficaram hospedados em 5
«hotéis de categoria A» e apartamentos perto da Assembleia Federal
Popular, onde decorreram todas as sessões da Conferência.
Cerca de 40 representantes de diversos movimentos e partidos,
personalidades e outros convidados de 16 países ficaram instalados
em apartamentos e hotéis, ficando a sua alimentação assegurada
nos próprios hotéis. Até 26 de Agosto, estavam acreditados 930
jornalistas, fotógrafos e operadores de câmara de agências noticiosas,
jornais, rádios e televisões, sendo 410 jugoslavos e os restantes
estrangeiros. Mais de metade dos jornalistas estrangeiros era de 5
países (EUA, RFA, Reino Unido, Itália e Holanda).
Também, «a decoração e o arranjo da cidade» transformou
Belgrado num estaleiro de centenas de pequenas e grandes obras, indo
da demolição de edifícios e barracas «num total de 600 habitações»
e a instalação dos seus moradores em novos apartamentos às
reconstruções de ruas, estradas e parques e à modernização de
serviços (transportes urbanos, telefones, telexes e outros). A lista
é longa, incluindo a aquisição de aviões civis e automóveis92 à
91
A sua lista refere a mudança temporária dos seus moradores (dirigentes
políticos, ministros, generais e familiares) e a necessidade de pequenas obras nessas
residências. Há, ainda, um regulamento pormenorizado para o pessoal, alimentação,
etc.
92
Numa destas compras, houve dificuldades e prazos de entrega que
obrigaram a comissão organizadora da Conferência a pedir ao embaixador jugoslavo
nos EUA uma resposta «ainda hoje se possível» (telegrama de 2/Ago./61) acerca da
possibilidade de «adquirir na fábrica ou doutra maneira e urgentemente expedir
por barco que vá directamente para a Jugoslávia, Itália ou Grécia» dez Cadillac,
modelo de 1961. Igualmente, se pedia «caso não for possível nos EUA, solicitar por
telefone à embaixada de Otava se eles podem e que nos informem o mais rápido
possível por causa do pagamento». Embora, não tenha sido encontrado qualquer
outro documento sobre este assunto, este prova, pelo menos, as disponibilidades e
orientações financeiras desta comissão.

49
decoração do aeroporto, ruas e edifícios, assim como a renovação de
hotéis, restaurantes, edifícios e residências estudantis para albergar
participantes e pessoal dos serviços de apoio da Conferência. Além
das obras na capital, outras foram feitas em duas outras cidades
(Novi Sad93 e Smederevo).
Em relação ao «financiamento da Conferência», a Jugoslávia
suportaria a maior parte dos seus custos (preparativos e sua
realização), excepto as despesas comuns com pessoal da ONU e da
RAU (tradutores, estenógrafos e outros), o aluguer de equipamento
para tradução simultânea e outras. Calculava-se (Jun./61) que o
total das despesas seria de 5 a 7 mil milhões de dinares (US$1=300
dinares), sendo este só parcialmente coberto pelas contribuições dos
estados participantes. Contudo, em meados de Agosto, o total passou
a 8,1 mil milhões (27 milhões de dólares).
Quanto ao tempo na capital jugoslava, entre os últimos dias
de Agosto e os primeiros de Setembro, as temperaturas médias
máximas oscilaram entre os 26 e 32 graus e as mínimas de 11 a
18 graus, a humidade andou pelos 50% e não choveu. Além dos
dias agradáveis, um cuidado programa de espectáculos culturais
e desportivos com o reforço «do divertimento e entretenimento»
nos cafés, bares e restaurantes belgradenses esperavam ainda os
participantes da cimeira.

Entretanto, no plano internacional, as guerras e as ameaças à


paz continuavam presentes em diversas partes do mundo: Argélia,
Congo, Angola, Laos, Vietname e Cuba. Depois da reunião do
Cairo, aos incidentes sangrentos de Bizerta94 seguiram-se a crise
93
Nesta cidade, situada nas margens do Danúbio e a 70 km de Belgrado,
foi oferecido pelo presidente Tito aos «ilustres convidados», no dia 4 de Setembro,
um «jantar íntimo na fortaleza de Petrovaradin e fogo de artifício». Quanto a
Smederevo, também no Danúbio, mas a 45 km a sul de Belgrado, recebeu a visita
de membros das delegações, como por exemplo, do MPLA.
94
Conflito armado franco-tunisino por causa da base naval francesa em
Bizerta (Jul.-Ago./61). Combates e bombardeamentos que provocaram 5000 mortos
(dados da Cruz Vermelha tunisina) ou 670 mortos (fontes francesas). Segundo o
exército francês, as suas baixas foram de 27 mortos e uma centena de feridos.

50
de Berlim95 e o anúncio soviético de novos ensaios nucleares que
marcaram os dias anteriores ao início da Conferência.

As sessões, os debates e as declarações da Conferência

A chegada das delegações ocorreu de 29 a 31 de Agosto e houve


as ausências, comunicadas dias antes, do presidente guineense,
Sékou Touré, e do rei saudita, Ibn Saud. A primeira sessão começou
às 10 horas do dia 1 de Setembro (sexta-feira) e, até 5 de Setembro,
houve duas sessões plenárias diárias, recepções e banquetes. No
dia 6, uma dezena de delegações prolongaram por alguns dias a sua
estadia para visitas a outras cidades e repúblicas jugoslavas.

De acordo com a proposta das cinco questões da Conferência,


nas sessões plenárias, os chefes das delegações apresentaram as suas
posições e, nos debates, as diferenças confirmaram a existência de
três grupos com soluções próprias para as mencionadas questões.
Assim: um grupo (Cuba, Guiné, Mali e, por vezes, Gana) exigiu
medidas mais radicais em relação ao colonialismo e neocolonialismo,
à política dos EUA desde o Médio Oriente a Cuba e à crise alemã
(Berlim e o reconhecimento da RDA); outro grupo (Índia, Birmânia,
Ceilão, Chipre, Etiópia, Líbano e Nepal) foi contrário a posições
duras nas relações com o «bloco ocidental», como evitou aprovar
propostas desse teor acerca do colonialismo e da crise entre Israel
e os países árabes, ou não apoiou a ingerência nos acordos entre
as grandes potências; o terceiro grupo reunia grande número dos
restantes países e teve uma actuação passiva com ausência de
posições claras na maior parte das discussões. Contudo, três estados
(Jugoslávia, RAU e Indonésia) podiam-se considerar excepções. O
primeiro, como país anfitrião, procurou manter alguma equidistância,

95
Após o insucesso das conversações Kruchetchov-Kennedy (Viena,
Jun./61), em meados de Agosto, a RDA encerrou todas as passagens fronteiriças
entre o sector soviético e os outros três sectores de Berlim com arame farpado e,
depois, com um muro.

51
embora tivesse tomado posições muito mais próximas do primeiro
grupo, enquanto os outros dois também não se enquadraram nesta
classificação, tanto pelo seu empenhamento, como pela sua grande
influência entre os estados recém-independentes. Igualmente,
eles foram com o Gana os principais apoiantes à formação de um
movimento que permitisse uma actividade constante e coesa no
campo das relações internacionais96.

A Conferência aprovou o primeiro documento programático


do movimento não-alinhado, que definindo os seus princípios e
objectivos, analisou ainda a situação mundial. Esta «Declaração de
Belgrado dos Chefes de Estado ou de Governo dos Países fora dos
Blocos» considerou que a coexistência pacífica era a única alternativa
para a Guerra Fria e, nela, se devia fundamentar a política externa
de todos os estados. Exigiu a liquidação imediata do colonialismo
e da violência contra os povos das colónias, mencionando «os
acontecimentos de Angola» e a integração dos «territórios de
Goa, Damão e Diu no [...] país de origem» (Vide Anexo-4). No
plano económico, devido às grandes diferenças entre os países
desenvolvidos e pouco desenvolvidos era necessário eliminar a
desigualdade económica, «herdada do colonialismo e imperialismo».
Destas questões, resultaram propostas à ONU para patrocinar duas
cimeiras internacionais, uma relativa ao desarmamento e outra ao
desenvolvimento económico.
Noutros dois documentos aprovados — a «declaração acerca
do perigo da guerra e o apelo pela paz» e uma carta endereçada
a Kennedy e Kruchetchov —, apelou-se aos dirigentes dos EUA e
da URSS para chegarem a um acordo por causa da ameaça de um
conflito mundial.
Quanto à Jugoslávia, no discurso proferido numa sessão de
debates (Vide Anexo-5), Tito referiu-se à «política reaccionária», ao

96
AJ, KPR, I-4-a. Este objectivo é citado num «Resumo das posições dos
países participantes em relação às principais questões internacionais», em que se
sublinha ainda o apoio de outros países (Argélia, Afeganistão, Cambodja, Ceilão,
Marrocos, Sudão e Tunísia).

52
«imperialismo», à «política de força» e às «forças reaccionárias e
fascistas», aos «desenfreados rufias militares do exército francês» e
à «selvajaria das forças armadas portuguesas» e aos «monstruosos
assassinos». Considerou «a militarização da Alemanha Ocidental»
como um novo fortalecimento das «forças reaccionárias e fascistas
que ficaram da máquina de guerra hitleriana». Estas e outras frases
acerca do colonialismo, da crise de Berlim e da questão alemã, da
ineficácia da ONU e do papel da OTAN provocaram uma crise
político-económica entre a Jugoslávia e o «bloco ocidental», que se
reflectiu, por algum tempo, nas ajudas financeiras e na suspensão da
cláusula de «nação mais favorecida» por parte do governo estado-
-unidense.

53
( VI )
O colonialismo, as delegações e a Conferência

A questão colonial ocupou um lugar importante nas intervenções


de todos representantes (excepto na de U Nu, o primeiro-ministro
da Birmânia), podendo-se realçar, como característica comum, a
condenação do colonialismo e um apoio à luta dos povos das colónias.
Por exemplo, nos discursos de Nasser, Abud e Sukarno houve uma
ampla análise das relações internacionais, em particular, entre
os países desenvolvidos e não desenvolvidos, sendo a questão da
liquidação definitiva do colonialismo considerada não só como uma
condição obrigatória para o seu futuro progresso, mas também para
o desenvolvimento da comunidade internacional. Nesse sentido, foi
confirmado esse apoio na declaração anticolonialista da Conferência
e salientada a reivindicação de curtos prazos (dois anos) para a
independência dos restantes territórios coloniais (Sukarno, Abud e
Hassan II). Relativamente aos esforços comuns e organizados para a
liquidação do colonialismo, estes foram exigidos por Nasser.

Entre os conflitos africanos mais citados — Argélia, o


«apartheid» e Bizerta —, Angola contou com «o total apoio à luta
de libertação do povo angolano» por parte da maioria dos oradores,
enquanto Bourguiba só a mencionou e U Nu nem isso fez. Destes
conflitos, o de Bizerta mereceu as últimas atenções da cimeira97 por
97
Num telegrama (6/Set.) para o Presidente do Conselho de Segurança da
ONU e aprovado na sessão do dia anterior da Conferência, Tito chamou a atenção
para este «novo grave incidente no território da Tunísia», em que «foram mortos
quatro e feridos vinte operários e outros cidadãos».

55
causa da violenta repressão da manifestação, ali ocorrida em 5 de
Setembro, pelo exército francês.

Pela documentação consultada, a presença das delegações do


MPLA (Mário de Andrade e Gentil Viana), da UPA (Holden Roberto,
Jonas Malheiros Savimbi, Johnny Pinnock e Eduardo Webber98),
da CONCP (Marcelino dos Santos) e da UDENAMO (Adelino
Gwambe99) encontra-se descrita com algum pormenor, assim
como as conversações que tiveram com dirigentes jugoslavos. Há
referências a Amílcar Cabral e Mário Ruivo, mas que só aparecem
em documentos posteriores, embora hajam outras na imprensa desse
mês. Em relação à correspondência (telegramas e cartas), recebida
pelo Secretariado da Conferência, encontra-se uma carta de um
estudante de Coimbra100.

98
O nome deste estudante aparece como Veber neste documento, sem
prenome. Estudava em Viena.
99
Nasceu, em 1940, na província de Inhambane. Trabalhou no Buzi
(Manica e Sofala), antes de se refugiar em Bulawayo (Rodésia do Sul). Dirigente da
UDENAMO, o primeiro movimento político disposto a lutar pela independência de
Moçambique e fundador da FRELIMO (Jun./62). Participou na I CONCP (Abr./61).
Opondo-se à eleição de Eduardo Mondlane para presidente da FRELIMO, foi
expulso da Tanzânia. Como dirigente do COREMO, regressou a Moçambique
(1975), foi preso e executado, possivelmente, dois ou três anos depois.
100
Texto manuscrito. O envelope não foi arquivado. «Coimbra, lundi 28
Août 1961.// Monsieur le Maréchal Tito, président de la Republique Yougoslave/
Excellence: // Je suis un humble étudiant de la veille université de Coimbra,// au
Portugal, et j’ai l’honneur et le plaisir de m’adresser à vous. // Au commencement
de la Conferénce des Pays neutralistes qui se // tiendra à Belgrade à partir le 1er
Septembre, je formule les // meilleurs voeux pour la bonne réussite de ses résultats.
// Le monde aura beaucoup à espérer de cette réunion historique. // Vive la Paix
et la compréhension entre les peuples! // Pour un veritable Humanisme! // Agréez,
Mr. Le Président, l’expréssion de mes sentiments les plus dévoués // Arnaldo da
Silva // Avenida Afonso Henriques, 26-1º // Coimbra/Portugal». Os sublinhados são
do Secretariado da Conferência, sendo esta uma das 63 cartas do estrangeiro (AJ,
KPR,I-4-9).

56
As delegações do PAIGC e da JCAP

Assim, começando por essas referências, segundo uma


«informação» da ASPTJ (Jan./72) sobre as relações com o PAIGC,
o seu secretário-geral «presenciou como observador a Conferência
de Belgrado dos países não-alinhados e, no Cairo, na II Cimeira
discursou em nome dos movimentos de libertação de África. Nessa
ocasião, num grupo de representantes dos movimentos de libertação,
conheceu também o presidente Tito»101. Há, porém, a menção do
seu nome ( «Kabril do PAIG») entre os presentes na recepção em
honra dos «representantes dos movimentos de libertação e partidos
progressistas» pela ASPTJ, cuja notícia foi publicada no diário
Borba (2/Set.).
Outro documento é da Junta Central de Acção Patriótica102,
endereçado à Conferência, e que Mário Ruivo enviou, através de
Amílcar Cabral, para Belgrado103. Nele, afirmava-se: « Dans cette
conjoncture critique, Salazar mène une action désespérée en Angola,
et aussi dans d’autres régions où sa domination coloniale est encore
maintenue. Il doit à tout prix réfuter l’accusation de ne representer

101
AJ, 142, 557.
102
FPLN, «Memorandum: La Politique Anticolonialiste des Democrates
Portugais et la Politique Coloniale du Gouvernement Salazar», Argel, sd (talvez de
1963). Nesta publicação, enviada ao embaixador jugoslavo em Argel, a referência
à entrega deste documento não menciona quando foi efectuada, e a sua data (25/
Ago./61) foi considerada como a do início da Conferência.
103
Como ministro dos Negócios Estrangeiros (Ago./75), disse ao
embaixador jugoslavo em Portugal: «(clandestinamente estive também em
Belgrado, em 1961, tive conversações no CC LCJ e na ASPTJ em nome da frente
antifascista portuguesa, em cujo nome enviei também uma mensagem à primeira
conferência dos não-alinhados em Belgrado, pela descolonização das colónias
portuguesas. Mais tarde, estive várias vezes na Jugoslávia)». (ADMNE, F-114,
Portugal,1975). Todavia, graças a uma entrevista que nos concedeu (Jul./2012),
foi possível confirmar e corrigir estes dados. Assim, ficou-se a saber da entrega
dessa «mensagem» por Amílcar Cabral e que a sua primeira viagem à Jugoslávia
foi só em 1962. As viagens seguintes estiveram ligadas aos seus contactos, como
funcionário da FAO, com institutos jugoslavos no campo das investigações
marítimas e pesqueiras.

57
qu’une minorité insignifiante de fauteurs de guerre fasciste et
colonialiste». Noutras ocasiões, continua este documento, o regime
esperava apelar para uma maioria, saída de eleições fraudulentas,
e continuar a confundir a opinião pública mundial e a desafiar a
condenação da ONU. Por isso, só: « Le renversement du régime
fasciste au Portugal signifie la fin de la guerre coloniale en Angola
et la libération de tous les peuples actuellement sous la domination
du régime de Salazar.»

Sob o título de «Por Portugal se expande a onda de terror de


Salazar», o texto integral deste documento foi publicado, no Borba
(24/Set.), com uma nota «que só chegou após o encerramento da
Conferência» e tinha sido enviado pela Junta de Acção Patriótica.
Este «apelo» é introduzido por um pequeno texto que justifica
mais o título e a fotografia de 6 «soldados de Salazar» sorridentes,
mostrando um deles uma cabeça de um angolano espetada na sua
baioneta104.

As delegações do MPLA e da UPA

Quanto às duas delegações angolanas, as «notas» e


«informações» relatam opiniões e actividades dos seus membros,
mencionam dados biográficos e têm as impressões que causaram aos
autores (anónimos)105 destes documentos. A chegada da delegação
do MPLA (e da CONCP) precedeu em alguns dias a da UPA, que
só chegou «no fim da Conferência», tendo chegado «Glimore e
Pinock um dia antes de Savimbi e de Veber». Os primeiros no dia 3,

104
Ocupam metade de 5 das 8 colunas da 6.ª página deste diário (formatoA2)
e a fotografia metade desse espaço, tendo uma nitidez suficiente para permitir
identificar estes soldados que «quiseram imortalizar o momento quando cortaram
a cabeça de um rebelde angolano». Uma referência: «esta fotografia foi feita este
ano de 1961, em Angola».
105
Este tipo de documentos era raramente assinado. Os seus autores,
funcionários da ASPTJ ou diplomatas, acompanharam os membros destas
delegações e foram seus tradutores.

58
possivelmente no avião da delegação do Congo, no qual, partiram
no dia 9 de Setembro. Os segundos tinham partido um dia antes,
respectivamente, para Genebra e Viena.

Nas duas semanas (30/Ago.-12/Set.), em Belgrado, Mário


de Andrade e Gentil Viana tiveram 4 reuniões com políticos
jugoslavos106 e contactaram diversos representantes de «movimentos
políticos de África, como também chefes e membros das delegações
estatais dos países africanos, asiáticos e latino-americanos». Além
dos contactos efectuados, na sua maioria, durante a Conferência
(1-6/Set.), tiveram conversações com membros da União das
Organizações de Combatentes, da União Cooperativa da Jugoslávia,
do Instituto de Investigação do Movimento Operário Internacional107
e da Reitoria da Universidade de Belgrado. Visitaram exposições,
museus, Smederevo e os arredores de Belgrado (uma cooperativa
agrícola e o monumento ao Soldado Desconhecido). Estiveram no
jornal Borba, que publicou um artigo sobre a sua visita e entregaram
ao Secretariado da Conferência um memorando e dois anexos108
(«O Desenvolvimento do Movimento Nacional em Angola» e o
«Programa e Estatutos do MPLA»).

106
Tiveram ainda breves encontros com Aleksandar Rankovitch e Svetozar
Vukmanovitch Tempo. Destas 6 reuniões, não foi encontrado qualquer nota acerca
dos assuntos discutidos e suas conclusões. Como esperavam ser recebidos, após
a Conferência, por Tito, foi-lhes explicado «que o camarada Presidente estava
ausente, pois se estivesse [em Belgrado] recebê-los-ia». Uma ausência confirmada
noutro documento relativo às suas conversações, na Eslovénia (9/Set.), com
Nkrumah que prolongou a sua estadia na Jugoslávia.
107
Destas 4 instituições, só a conferência neste Instituto (12/Set.) — sobre
«a luta de Angola pela sua libertação» por Mário de Andrade — mereceu uma
maior atenção (5.ª pág.), enquanto os temas discutidos nas restantes instituições
tiveram apenas breves descrições numa das «notas». Teve, ainda, uma pequena
notícia no Borba (13Set./2.ª pág.). No dia seguinte, o mesmo jornal publicou uma
entrevista: «Mário de Andrade/ Os colonialistas portugueses/ mataram cerca 50 000
angolanos» com a sua fotografia.
108
Estes documentos não foram encontrados.

59
Nos citados encontros com esses dirigentes – V. Vlahovitch109,
D. Viditch (2 vezes) e Predrag Aititch —, Mário de Andrade
atacou a UPA e pediu «ajuda política, financeira e material»,
assim como «conselhos militares para a Angola e a organização
do Movimento». Um deles, Viditch, achou que parecia ter «pouca
força» e era difícil ter «uma impressão certa» acerca do MPLA.
Segundo uma «Nota acerca das impressões da estadia de
Gilmore e de Andrade110», o presidente do MPLA teve contactos
com várias delegações, reunindo-se com membros das delegações
da Guiné, Gana, RAU e Argélia. Igualmente, através da ASPTJ, a
embaixada soviética procurou saber «onde estava alojado e que
desejariam entrar em contacto com ele». Quanto ao líder da UPA,

109
Vélheko Vlahovitch (1914-1975) – Nasceu em Kolachine (Montenegro)
e fez os seus estudos liceais em Podgoritsa e Belgrado (1932). Estudou Engenharia
Mecânica em Belgrado e Moscovo. Em meados dos anos trinta, foi um dos
dirigentes das lutas dos estudantes da Universidade de Belgrado (1935 e 1936).
Preso e expulso da Universidade, viveu em Praga vários meses. Em Janeiro de
1937, num grupo de 26 estudantes jugoslavos, chegou a Espanha para se alistar
nas Brigadas Internacionais. Como disse, em Espanha, começou «a fazer os
exames das grandes lições da História». Ferido gravemente em combate numa
perna (Fev./37), ocupou outras funções nas Brigadas Internacionais em Albacete,
Madrid e Barcelona. Em França, organizou o regresso à Jugoslávia de voluntários
que combateram pela República Espanhola e, em Paris, encontrou-se pela primeira
vez com Tito, tornando-se num dos seus colaboradores mais próximos. Partiu para
Moscovo (Out./39) como representante do PCJ na III Internacional (Comintern).
Após a invasão e ocupação da Jugoslávia (Abr./41), organizou a Rádio Jugoslávia
Livre que começou a partir a URSS as suas emissões (Nov./41). Em fins de
1944, regressou à Jugoslávia e assumiu a chefia da agitação e propaganda do
PCJ. Depois da Libertação, ocupou importantes cargos políticos (Assembleia
Popular, Ministério dos Negócios Estrangeiros, etc.) e partidários (LCJ e ASPTJ).
Publicou textos e estudos sobre a LCJ, o socialismo autogestionário jugoslavo e
o marxismo-leninismo. Participou nas conversações com delegações do PCP,
FPLN e dos movimentos independentistas das colónias portuguesas nos anos 60
e, possivelmente, em Dezembro de 1947, com Álvaro Cunhal. Por isso, recebia
cópias e tomava conhecimento de todos os documentos relacionados com a situação
política em Portugal e colónias.
110
Este documento sem data (e autor) seria um resumo (2 pág.), pois
não menciona muitos dados de outras notas sobre a visita das duas delegações
angolanas.

60
recusou falar com um jornalista soviético e teve um «grande número
de contactos», como por exemplo, com «Homero Jack, presidente
da organização contra o armamento nuclear dos EUA111», vários
«jornalistas do Ocidente» e o «presidente Nkrumah, como também
com a Nehru júnior». Contudo, por outro documento112, datado de
poucos dias depois, sabe-se que acabou por não ir ao encontro
marcado com esse membro importante da delegação indiana, como
teve contactos diários com o secretário do primeiro-ministro Adoula
e um jornalista congolês, reuniu-se com Adoula e Gizenga, foi
recebido por Nasser, deu três entrevistas e «foi fotografado por uma
jornalista da Suécia, Sra. Halstrom, na companhia de um inglês».
A seguir, o autor desta nota acrescentou: «Gilmore disse-nos
que na Assembleia se encontrou com Andrade, mas evitou falar
acerca do que conversaram», parecendo que, nas relações entre
eles, o último se encontrava na defensiva porque reconhecia a
força indiscutível da UPA e a sua influência no país, realçando
constantemente que «essa força foi criada em base da ajuda
americana». Ignorando o MPLA, Gilmore considerava que ele
não existia no país, apesar do que se ouvia no estrangeiro devido
à propaganda. Concluíndo esta informação, foi referido que este
dirigente tinha deixado até então uma melhor impressão, mostrado
um grande interesse pela realidade jugoslava e apresentou-se
como político mais capaz e melhor diplomata do que Mário de
Andrade. Conclusões justificadas — assim parece, pois outras não
aparecem na seguinte meia-dúzia de linhas finais deste documento
— por não ter estado no almoço para o qual fora convidado pela
ASPTJ, desculpando-se que, como não tinha sido informado a
tempo, já tinha um almoço marcado com uma delegação africana.

111
Homer A. Jack (1916-93). Figura importante da Igreja Unitariana dos
EUA e Canadá. Activista pela paz, desarmamento, igualdade racial e justiça social.
Conheceu, em Nova-Iorque, Holden Roberto e apresentou-o (Set./59) a John
Kennedy.
112
«A Delegação da UPA» (AJ,507,IX,3/II-4). Documento com 5 páginas
dactilografadas (cerca de 120 linhas de texto). Um apontamento com dezenas de
frases quase telegráficas e não assinado.

61
«Claramente, estava descontente com a presença de Gilmore na
Conferência. Alguns representantes africanos afirmaram que, até
por isso, também protestou.»
Noutro documento113, a questão do convite e da presença da
delegação da UPA foi explicada a Mário de Andrade como uma
decisão da Conferência e não só da Jugoslávia. Por sua vez, à
pergunta sobre a cooperação entre os dois movimentos angolanos,
ele respondeu ao seu interlocutor jugoslavo que o «MPLA apresentou
um projecto de cooperação e o mínimo do seu programa, mas a
UPA não tem programa, nem dá nenhuma proposta de cooperação,
excepto que deseja a integração do MPLA na UPA». Sublinhou
que o MPLA, sendo «um partido progressista, igualmente não
podia permitir a integração e a submissão a um partido político
como a UPA [...] que cooperava com o Ocidente». Afirmou,
depois, que Gilmore participou na conspiração contra Lumumba,
que era grande amigo de Kasavubu e Mobutu e, graças a eles e às
ajudas dos EUA e da Tunísia, não tinha «grandes dificuldades em
relação ao fornecimento de armas». Este era efectuado através do
contingente tunisino no quadro das forças militares da ONU no
Congo.
Referiu as reuniões com Adoula e Gizenga, tendo o primeiro
aconselhado a «unir-se com Gilmore e que nesse caso teria a sua
ajuda e apoio», enquanto o segundo lhe prometeu apoio ao MPLA
e que tentaria impedir a ajuda à UPA por parte do Congo. Devido
aos resultados dessas negociações, pensavam «transferir a sede do
MPLA de Conacri para o Congo, nalguma localidade próxima da
fronteira Congo-Angola»114.
113
«Nota acerca das conversações com a delegação que participou na
Conferência dos Países Não-Alinhados» (14/Set./61). O seu autor, um funcionário
diplomático (assinatura ilegível), foi também o tradutor (de francês) da delegação.
As suas 5 páginas têm a descrição mais pormenorizada (lugares, reuniões, nomes,
relações com UPA, delegações estrangeiras, instituições jugoslavas, situação em
Angola e a futura cooperação com a ASPTJ) desta que foi a primeira visita de uma
delegação do MPLA à Jugoslávia.
114
Uma transferência que ocorreu, em Outubro desse ano, mas para a capital
congolesa.

62
Ainda acerca dos seus contactos com uma «série de dirigentes
de movimentos políticos de África, como também com chefes e
membros das delegações estatais de países africanos, asiáticos e
latino-americanos», Mário de Andrade afirmou que todos os estados
africanos apoiavam o MPLA, excepto a Tunísia. Embora, tivesse
havido um breve encontro com Bourgiba, que até lhe disse para
ir a Tunis, estava seguro que não resultaria qualquer apoio dessa
viagem, porque sabia que o presidente tunisino ajudava a UPA e
«tinha relações muito amigáveis com os EUA».
Salientou, em seguida, a Argélia e as conversações, durante a
Conferência, com o presidente do GPRA115, B. Benkheda, que lhe
prometeu «total apoio», esperando, por isso, a suspensão de toda
a cooperação com a UPA por parte do governo provisório argelino.
Teve a seguir um «breve encontro com Nasser e conversou com
membros da delegação da RAU», ficando após Belgrado, segundo
disse, uns dias no Cairo para continuar as negociações e «esperavam
total apoio e ajuda da RAU».
Além destes encontros, Mário de Andrade contactou outras
delegações para pedir o seu apoio, na sessão da Assembleia-Geral
da ONU, quando a questão de Angola fosse discutida. Conseguiu de
todas elas esse apoio e — como, igualmente, prometeram «influenciar
os membros da OTAN a recusar a ajuda a Portugal devido aos seus
actos bárbaros em Angola» — tencionava ir a Nova-Iorque para
assistir a esse debate na ONU.
À pergunta do seu interlocutor sobre «quem organizou o
levantamento em Angola», Mário de Andrade respondeu-lhe que o
MPLA foi o único organizador que preparou e começou «o plano do
levantamento com o ataque à prisão de Luanda, na qual se encon­
travam muitos presos políticos, entre os quais dirigentes do MPLA,»
para os libertar e poderem continuar a organização e o alargamento
da luta. Segue-se um «contudo, devido aos acontecimentos no Congo
o plano não foi realizado da forma como estava previsto» e, mesmo
apesar disso, «a luta estendeu-se também a muitos outros lugares
Governo Provisório da República Argelina (Set./1958-Jul./1962). O seu
115

3.º Governo (Ago./61-Jul./62) foi presidido por Beniussef Benkheda.

63
(aldeias e plantações) no Norte de Angola». Disse, escreveu o diplomata
jugoslavo, que então não tinham muito território libertado por causa
dos portugueses atacarem com uma rapidez fulgurante os insurrectos
logo que aparecem e os põem em fuga. Noutros lugares continuam a
luta, mas como estão constantemente em movimento «ainda não tem
possibilidades de manter por muito tempo os lugares libertados».
O MPLA tinha então em Angola «cerca de dez mil homens
armados116 e organizados por grupos, pequenos ou grandes, enquanto
a UPA tinha cerca de 15 117mil». A divisão já existia, embora não fosse
tanto visível entre os combatentes. Estes guer­rilheiros do MPLA eram
comandados por Tomás Ferreira, ex-sargento do exército português.
Perto da fronteira com o Congo, encontrava-se o Comité Misto
formado por dirigentes políticos e militares, tendo os primeiros a
última palavra quando era preciso decidir «se a luta continua[va] ou se
interromp[ia]». Igualmente, existiam «em todo o território de Angola
organizações (secções) do MPLA», que trabalhavam na organização e
ligação dos grupos guerrilheiros. Realçou que «a luta irá durar muito
tempo e que será difícil se libertarem sem ajuda do exterior».

Este relatório anota para terminar: os agradecimentos dos dois


dirigentes do MPLA «pela recepção e atenção prestada durante
o sua estadia em Belgrado» e pela continuação da cooperação
com a ASPTJ; a reunião com Tito que só não se realizou, como
lhes foi explicado, «por o camarada Presidente estar ausente»; o
reconhecimento da importância da sua presença em Belgrado pelos

116
Todavia, segundo uma «Nota acerca conversação com Mário de
Andrade e Gentil Ferreira Viana», sem data, mas escrita nos seus primeiros dias em
Belgrado, o presidente do MPLA teria dito: «Não podia dar uma resposta exacta
acerca do número e força das forças insurrectas em Angola, salientando que era
muito difícil, tendo em conta que todo o povo de Angola estava contra Portugal e
que o povo aproveitava qualquer oportunidade para ajudar os insurrectos na luta
contra o exército português».
117
Sublinhados a lápis vermelho. Estes e outros números neste ou noutros
documentos muito raramente são comentados pelos autores, sucedendo o mesmo
com um simples ponto de interrogação ou de exclamação dos seus poucos leitores
autorizados nas margens das páginas.

64
seus inúmeros contactos com os participantes da Conferência, os
apoios obtidos ou prometidos na ONU e ajuda material, moral,
política, etc.; «abertamente, sublinharam que ficaram satisfeitos com
os discursos dos chefes das delegações, porque todos mencionaram
Angola e condenaram o colonialismo, em geral, e particularmente
o português. Também, exprimiram especial satisfação por a questão
de Angola estar na Declaração imediatamente após a Argélia.»

Em relação aos seus dados pessoais, conforme outra «nota»


citada, Mário de Andrade tinha nascido «perto de Luanda em Angola,
terminou o ensino secundário em Lisboa, e a Faculdade de Filosofia
(Literatura) em Paris118. Agia infantilmente e irreflectidamente, espírito
agitado, mas parece muito inteligente». Gentil Viana era natural de
Luanda, tinha terminado o ensino secundário e a Faculdade de Direito
em Lisboa. Ali, durante um ano, foi delegado do Ministério Público.
Era «muito culto, sagaz, inteligente e pessoa séria». Poucos dados para
quem foi o seu tradutor e os acompanhou durante duas semanas por
reuniões, visitas a museus e passeios pelos arredores belgradenses.
Embora, os anteriores documentos sejam relatos com algu­ma
falta de pormenores, e outros não foram encontrados, há o men­
cionado apontamento, «A Delegação da UPA», e duas «notas» dos
encontros de P. Aititch e V.Vlahovitch com Holden Roberto que os
completam e permitem prever as possíveis conclusões ou dúvidas a
que chegaram os dirigentes políticos jugoslavos com a comparação
do que ouviram dos dois líderes angolanos e dos membros das suas
delegações. Porém, uma decisão definitiva a favor do MPLA só
surgiu anos depois e foi, desde então até à independência de Angola,
o único movimento angolano apoiado pela Jugoslávia.

Aos dados biográficos de Holden Roberto e Jonas Savimbi,


juntaram-se as informações e as apreciações do funcionário jugoslavo119
que acompanhou os membros da delegação da UPA.

Apesar destes poucos dados biográficos, a sua profissão de engenheiro,


118

mencionada em documentos anteriores, foi emendada.


119
O seu nome não foi mencionado em nenhum documento,

65
Assim, «Gilmor (Holden). 36 anos de idade120. Casado, seis
filhos,» e vivia com a família em Leopoldville. «Não tinha estudado
nada formalmente», mas estava bem informado e preparado
politicamente, no quadro da sua orientação, para não entrar em
conflitos com a oposição e de fazer tudo pela libertação armada de
Angola. «Em que medida era sincero, caso se trate da oposição» não
podia julgar, mas acrescentou que caso algo podia significar, tanto
ele, como Pinnock sublinharam que «os contactos com a oposição
eram correctos e até amáveis». Contudo, «acerca das reais relações
com o movimento do Andrade, Gilmor não falou».
Anotou, em seguida, que o seu interlocutor «num momento de
sinceridade disse que admirava o povo da Jugoslávia socialista,
que estava preocupado somente com o seu trabalho pacífico e não
ameaçava ninguém». Por isso, esperava voltar novamente a Belgrado
para uma «estada de estudo».
Também, disse que «inicialmente, foi pacifista, mas que a lógica
das coisas o obrigou a decidir-se pela insurreição». Afirmou, a
propósito do discurso de Nehru, que era «incompreensível a conduta
da Índia em relação ao seu excessivo e ultrapassado pacifismo» e
deu o exemplo de que «a Índia ajudaria fraternalmente a libertação
de Angola, caso “apertasse” Portugal em Goa».
Quanto a Johnny Pinnock121, ele era «vice-presidente do mo­
vi­mento UPA, presidente da juventude de Angola. 24 anos, so­lte­iro.
Muito inteligente». Pensava que tinha havido uma guerra, que chegava
de palavras com a oposição e nas declarações de solida­riedade com
a luta do povo angolano. Embora exigissem que os tratassem por
«camarada», mesmo até por «tu», tratava Gilmore por «senhor» e era
uma espécie de seu secretário. Por vezes, ria-se de Gilmore por causa
das suas hesitações e, como ele dizia, das grandes declarações.

120
Idade errada, pois tinha 38 anos.
121
Johnny Eduardo Pinnock (1937-2000) – Dirigente da UPA/FLNA, em
1963, esteve, como convidado, no congresso da União da Juventude da Jugoslávia.
Primeiro-ministro do governo de transição (1975), regressou a Angola (1984),
director da empresa petrolífera angolana, membro do CC MPLA (1989), ministro
(1990), deputado, conselheiro presidencial e embaixador.

66
Considerava que a libertação de Angola seria muito difícil por
causa da sua posição geográfica e, sobretudo, porque aumentavam
os interesses de um grande número de países capitalistas (EUA,
Inglaterra, Alemanha Ocidental) e, por consequência, não tinham
apoio de nenhum país importante do Ocidente.
Tinha a impressão que o seu país foi abandonado e esquecido,
e pensava que acontecia o mesmo com a Argélia. Esperavam ajuda
e a insurreição já durava há seis meses e, praticamente, não tinham
ajudas. Dizia: «os próprios insurrectos fazem as espingardas e
as munições», enquanto os portugueses recebiam até bombas de
napalm. Disse depois: «Gostava muito do nosso país e gostaria
de voltar para estudar com mais tempo as nossas experiências e
realidades». Para todos eles, «o discurso do presidente Tito foi a
mais importante e a melhor expressão da vontade dos povos ainda
não libertados pela libertação e paz».

Como foi obrigado a estar mais com Holden e Pinnock, o


citado funcionário acrescentou que não acompanhou os contactos
dos outros dois membros da delegação e «para isso também
contribuiu o facto de estarem alojados em lugares diferentes».
Apesar disso, anotou, do que ouviu e viu, o seguinte: « Savimbi
vive na Suíça (Genebra), 26 anos de idade, solteiro. Fechado em
si mesmo e discreto. Estuda medicina e sociologia, muito letrado
e inteligente, teórico. Reservado nos contactos com todos, mesmo
até com os africanos.[...] Claramente nacionalista africano. Por
exemplo, diz que, quando os países africanos se libertarem, farão
uma bomba atómica! Perguntou-me quanto é o salário mais baixo
na Jugoslávia. Uma vez, em português, confrontou-se com Gilmore,
mas isso não durou muito».
Neste ou noutros documentos, não há qualquer referência aos
estudos ou à estada de Savimbi em Portugal. Relativamente à cimeira,
a sua opinião «não era particularmente boa», e repartia os pontos de
vista de Tito e de Nkrumah apresentados nos seus discursos.
Webber estudava em Viena e era o mais novo e talvez o menos
activo de todo grupo. Era tão reservado que se ficava com a impressão

67
de que era um pouco limitado. Estava mais ligado ao Savimbi do
que aos outros dois dirigentes.
Como não falava francês, a língua corrente de conversação,
tinha mais dificuldades de falar com ele. Todavia, perguntou-lhe,
em companhia de Savimbi, porque Djilas122 estava na cadeia, se
então estava em liberdade, acerca da sua actual actividade e o que
pensava do seu livro «A Nova Classe». Respondeu-lhe «que tinha
folheado o livro, mas que não era interessante, antes de tudo pelo
seu carácter pouco científico e panfletário, e não tinha tempo para
artigos jornalísticos tão grandes». Apesar da breve descrição,
estas perguntas e respostas reflectem a repercussão das discussões
ideológicas provocadas pela sua publicação em Nova-Iorque (1957)
e a prisão do seu autor.
Não sabia, concluiu, «a que grupo pertencia», mas não
concordava com as nacionalizações como solução e, em particular,
depois da independência de Angola. Acerca da Conferência pouco
falou, excepto que parecia estar de acordo com o discurso de Nehru
e as teses de Tito e Nkrumah.
No almoço123, oferecido por P. Aititch, o presidente da UPA
lamentou não ter assistido à cimeira desde o início e, por isso,
de ter perdido a possibilidade de contactar diversas delegações124.
Disse que, em Leopoldville, Adoula lhe prometeu «ajudar o seu
movimento e, particularmente, os refugiados angolanos». Quanto «à
associação com certos grupos nacionalistas [...], em particular, em
relação ao Movimento do De Andrade, as relações eram reservadas

122
Milovan Djilas (1911-1995) esteve preso entre fins de 1956 e início de
1958. Voltou a ser preso em 1962.
123
Neste almoço no Hotel Balkan, no centro de Belgrado e próximo da
Assembleia Federal Popular, a conversação decorreu em francês e P. Aititch
estava acompanhado por dois diplomatas jugoslavos, sendo um deles o tradutor
da delegação da UPA e autor deste texto (5 pág.) acerca dos 4 membros desta
delegação. Ali, estavam hospedados Savimbi e Webber, enquanto Holden Roberto e
J.Pinnock se encontravam no Hotel Palace, a uns 500 metros de distância.
124
«Gilmore, presidente da UPA, na conversação com Predag Aititch no
almoço:» (AJ,507,IX,3/II-3). Documento (2 pág.) sem data, mas possivelmente de
6 ou 7 de Setembro.

68
porque considerava que, de todo, este Movimento não existia no
país». Salientou ainda que a política colonial portuguesa estava
baseada «na liquidação gradual da população negra, entre a qual,
segundo as palavras de Gilmore, se encontravam os verdadeiros
patriotas. Além dos colonos, aos mulatos foram dados todos os
direitos e habilmente eram utilizados pelo poder colonial para fins
de espionagem e denúncia à polícia de apoiantes do movimento de
libertação». Houve casos de ofertas de cooperação, cuja maioria
recusaram e que, mais tarde, confirmaram ser de «gente muito
duvidosa, até de agentes ao serviço dos colonialistas». Tal situação
recomendava cautelas e considerava que nessas condições, em
Angola, não «existia um grande número de verdadeiros patriotas».

Referindo-se ao programa da UPA, realçou que o seu objectivo


principal era conquistar o mais breve possível a independência
nacional e a sua política não se orientava para «uma aproximação,
seja do Oriente ou do Ocidente, pois tal política significaria levar
a Guerra Fria para o território de Angola o que complicaria ainda
mais a situação já tão má no país». Perante o que ouviu, Aititch
concordou com as explicações do seu interlocutor e sublinhou
a necessidade da «unidade de todas as forças políticas para que
o povo angolano pudesse realizar os seus objectivos previstos».
Sugeriu que seria importante um acordo entre os dois movimentos
«na unidade e na condução de acções conjuntas», tendo respondido
Holden Roberto que «concordava totalmente com a sugestão», mas
acrescentou que «para que essa unidade fosse possível e real», seria
necessário verificar quais eram as forças de combate do MPLA.

Na reunião com V. Vlahovitch, no Comité Central da LCJ (7/


Set.) , Holden Roberto voltou a lamentar não ter podido acompanhar
125

125
Segundo esta «nota» (2 pág.), assinada por S. Lazarevitch, esta reunião
decorreu das 18 às 19 horas e, possivelmente, sem tradutor (Vlahovitch falava
francês e castelhano). Igualmente, além da menção do seu local que ficava próximo
da Assembleia Federal Popular, Vlahovitch representou a delegação jugoslava na
cimeira e não a LCJ.

69
desde o início a Conferência, mas que «estava muito satisfeito com os
seus resultados, e particularmente pela atenção que dedicou à questão
de Angola», como o seu grande apoio à luta do povo angolano. Não
comentou esses outros resultados, mas disse que representaria um
«grande apoio aos povos oprimidos» num mundo que era caracterizado
«pela divisão entre aqueles que dominam e aqueles que são oprimidos,
dos fortes e ricos de um lado e os atrasados e pobres doutro».
Em seguida, mencionou a sua visita a Belgrado, no mês
anterior, e o seu encontro com Tito, em que se falou da concessão de
apoios políticos e outros à UPA. O texto desta «nota» continua com
Holden Roberto a referir-se às suas intenções, na impossibilidade de
prolongar a sua estadia, de voltar à Jugoslávia, dentro de um ou dois
meses, para outra visita126 de uma «quinzena de dias para conhecer
melhor» as experiências jugoslavas que lhes pudessem ser úteis.
Por parte de Vlahovitch, foi salientado que, numa das reuniões
preparatórias da Conferência, se discutiu a ajuda à luta do povo
angolano e que Tito tinha colocado essa questão em primeiro
lugar. Esta ajuda podia ser não só política e diplomática, mas de
outro tipo. Porém, inicialmente, estas ajudas não seriam grandes,
embora pudessem aumentar com o desenvolvimento das relações.
Mencionou que a melhoria da situação no Congo facilitaria a sua
entrega, ficando os pormenores para a próxima visita de Holden
Roberto. Este concordou e realçou «que também eles esperavam
muito da estabilidade no Congo. Acrescentou que, em Belgrado,
teve conversações tanto com Adoula, como com Gizenga».
Perguntou, depois, ao seu interlocutor angolano se tinha
falado com «os representantes do outro movimento angolano».
Holden Roberto respondeu-lhe que sim, acrescentando que havia
desacordos, mas «que o problema da unidade se podia resolver
através do reforço da luta de libertação, salientando que quando
todos entrarem na luta, então poderá ser mais fácil falar acerca
da unidade e acções conjuntas». Perante esta resposta, Vlahovitch
replicou que desejavam cooperar «com todos os movimentos de
126
Uma viagem que nunca será efectuada, apesar de outra tentativa, em
1967, que foi adiada pela ASPTJ.

70
libertação na base da igualdade de direitos, mas sem ingerências nas
suas relações mútuas porque isso eram seus assuntos internos».

A CONCP e a UDENAMO

Como secretário-geral da CONCP, Marcelino dos Santos


subscreveu com Mário de Andrade, presidente desta organização,
uma «Message à la Conference des Chefs D’Etat ou de Gouvernement
des Pays Non Alignés» a saudar a sua realização em nome dos
povos das colónias portuguesas. Considerando que tinham iniciado
«la lutte pour la liquidation complete du colonialisme et de tous
les vestiges du colonialisme et l’imperialisme, et pour la conquete
de l’Independence Nationale127» e não podiam deixar de estar
preocupados pelos problemas postos pela corrida aos armamentos à
defesa da paz, também a luta dos povos das colónias portuguesas se
inscrevia na «ligne generale de la lutte des peuples du monde entier
vers le progres general de l’ humanite».
Por isso, a CONCP esperava que a Conferência soubesse tomar
as medidas necessárias para uma rápida liquidação do colonialismo e
prevenir todas as tentativas de neocolonialismo. Igualmente, devido
às condições «particulierement difficiles de la lutte des peuples des
Colonies portugaises», faziam um apelo a todos os Chefes de Estado
e de Governo, reunidos em Belgrado, para que eles: exprimissem
de maneira concreta a sua solidariedade por essa luta; tomassem
medidas conjuntas de boicote económico e diplomático a Portugal;
concedessem à CONCP uma ajuda material «susceptible d’ accelerer
la realisation des aspirations profondes et legitimes de nos peuples
à l’ Independence».
Para terminar esta mensagem, datada de 1 de Setembro,
transmitiram a todos os presentes, e aos povos que representavam,
«le salut fraternel des peuples des Colonies portugaises, ainsi que
nos sentiments personnels de sympathie et amitie».

Texto dactilografado em que os acentos são raros.


127

71
Dias depois (5/Set.), numa carta dirigida à ASPTJ, assinada por
Marcelino dos Santos, a CONCP comunicou a realização, em Rabat, em
22 desse mês, do primeiro congresso da «Union Generale des Etudiants
de L’Afrique Noire sous domination portugaise - UGEAN -».
Tendo em conta a sua importância e as «charges matérielles
lourdes» do congresso com as viagens dos estudantes que se
encontravam na Europa, na América e em África, a CONCP
tinha «l’honneur de demander à l’ALLIANCE SOCIALISTE DE
YOUGOSLAVIE» a quantia de 5 000 dirames (mil dólares) para
ajudar a realização deste Congresso.

Antes destes contactos, Marcelino dos Santos acompanhou Adelino


Gwambe num dos seus primeiros encontros em Belgrado. Segundo
o funcionário que o acompanhou mais de perto, «a sua actividade
foi muito fecunda — Memorando, reprodução em 200 exemplares,
documentos em português, envelopes cheios de brochuras acerca de
Moçambique. Não perdeu nem uma sessão, foi ao Centro da Imprensa,
entrou em ligação com os jornalistas. Regularmente encontrava-
-se e conferenciava com o Andrade. Reuniu-se com as delegações de
Cuba, Gana, Indonésia e RAU. Teve conversações com o camarada
Viktorovitch, etc.». Visitou ainda a Feira de Belgrado e «todas as noites
trabalhou até tarde, nunca quis sair à noite a nenhum lado».
Neste breve apontamento128 a seu respeito, ele era «perspicaz,
apto para se desembaraçar e metia-se em todo o lado. Muito astuto,
por vezes até insolente e pedia para o país “a solidariedade da
Jugoslávia para os povos africanos”». Onde quer que aparecesse,
tentava impor a sua personalidade, mesmo se tivesse de mostrar a
sua pior face. Pouco falava de si, do seu país e partido, mas afirmava
que existia um levantamento armado para a libertação da dominação
colonial de Portugal. Para terminar, fica-se a saber que «viajou com a

Texto de umas vinte linhas, não assinado (AJ, 142, 539). Apreciação
128

que se tornou, noutras posteriores visitas, muito mais favorável, considerando-o


como um «homem sério e realista», um dos «líderes nacionalistas africanos mais
conhecidos» e «o chefe ideológico da FRELIMO». Visitou a Jugoslávia mais três
vezes (Abr./65, Jun./66 e Mar./69).

72
delegação marroquina, e não apareceu na reunião com o camarada
Aititch, nem disse “adeus” a ninguém.»
No mencionado encontro (31/Ago.) com um dirigente jugoslavo,
Adelino Gwambe e Marcelino dos Santos «insistiram exclusivamente
na questão do neocolonialismo como o principal perigo, condenando
qualquer tentativa de obtenção da independência que não fosse “total”».
Por isso, este dirigente perguntou-lhes se a independência da Tanganica,
marcada para Dezembro desse ano, iria facilitar a sua luta, tendo em
conta o facto da sua fronteira com Moçambique, ao que «responderam
em geral negativamente, acusando Nierere, primeiro-ministro do
Tanganica, como uma arma dos colonialistas». Como conclusão final,
teve «impressão que o seu Movimento não é particularmente forte no
país e que a direcção deste movimento coloca o acento principal na sua
actividade internacional como o Andrade». No final da conversação,
«exprimiram o desejo de o presidente Tito os receber».

Num almoço (3/Set.), Adelino Gwambe disse ao seu anfitrião


da ASPTJ que na «Conferência, ele pessoalmente representava seis
milhões de moçambicanos. Salientou que o seu povo estava decidido
a persistir na sua luta até à vitória final contra o colonialismo.
Transmitiu as saudações do povo de Moçambique para o povo da
Jugoslávia e pessoalmente para o presidente Tito». Esta nota de
uma dezena de linhas termina com o seu pedido do «pagamento das
despesas da viagem», pois dizia que pediu «dinheiro emprestado
que t[inha] de restituir no regresso».

Além destas duas pequenas notas129, um comunicado130 da


UDENAMO foi distribuído na cimeira e, nas suas 6 páginas, há refe­
129
Boletins Informativos (n.º 5 e 6) da Comissão de Relações Internacionais
da ASPTJ, publicados durante a Conferência e «só para informação pessoal» (AJ,
KPR I-4-a, J:2).
130
Documento (Ago./61), assinado por A.C.Gwambe (Presidente) e
C.Z.Maalayeye (Secrerário-Geral) da CC da UDENAMO (AJ, KPR I-4-a). Foi
publicado no Borba (14Set./3.ª pág). O mesmo jornal já tinha publicado (8 Set./3.ª
pág.) um artigo sobre a UDENAMO com dados biográficos e uma fotografia de
Adelino Gwambe.

73
rências às lutas dos povos das colónias portuguesas pela in­de­pendência,
ao secular jugo colonial em Moçambique — a economia e política
nas mãos dos colonialistas, trabalho forçado, leis discriminatórias
e racistas, analfabetismo e a instrução quase reservada só para os
europeus —, à repressão policial e reforços militares a partir de 1959,
elevando-se, em 1961, os efectivos militares a 20 mil soldados em
Moçambique. Considerando que os poucos factos citados pertenciam
a um contexto global muito mais vasto, era necessário não reduzir a
luta pela independência a um «conflit entre le peuple du Mozambique
et le gouvernement colonial-fasciste du Portugal», porque esse
conflito era sim entre o povo moçambicano e «une coalition des forces
impérialistes». Bastava, para isso, «un bref regard sur l’économie du
Mozambique» para comprovar os interesses das empresas estrangeiras
«aussi bien portugaises qu’anglaises, sud-africaines, belges,
américaines, etc.» e o seu apoio à política colonial portuguesa. Como
exemplo, as declarações e a oferta da «somme de 607 049 livres» do
director da «Sena Sugar Estates» ao governo português. Paralelamente,
o mesmo governo fez acordos político-militares com a África do Sul e
a Federação das Rodésias e do Niassalândia, o ministro da Defesa sul-
africano visitou Portugal e, além doutros factos recentes, as potências
da OTAN eram «complices, conscients et volontaires, de Salazar».
Estes factos provavam assim que a luta do povo moçambicano
não era só uma luta contra o colonialismo português, mas também
contra uma coligação de forças imperialistas. Coligação essa que
se encontrava no Congo ex-belga, Angola e noutras regiões de
África. Depois, as manobras imperialistas para dividir as forças
patrióticas já começavam em Moçambique, procurando perpetuar o
colonialismo, «mais maintenant sous de nouvelles formes», ou seja,
sob aquilo que então se chamava neocolonialismo. Por isso, era
urgente: que os países independentes exprimissem «d’une manière
claire leur solidarité concrète»; que os Estados afro-asiáticos
tomassem medidas de boicote económico e diplomático contra
Portugal; e uma vigilância redobrada para «démasquer à temps les
manoeuvres impérialistes» com vista a instaurar o neocolonialismo
em Moçambique.

74
O comunicado da UDENAMO terminava com vários «il est
nécessaire», como a solidariedade, o envio de uma comissão de
inquérito a Moçambique e junto dos refugiados nos países vizinhos,
e todos esforços dos «pays frères d’Afrique et d’Asie, et tous les pays
épris de paix et de liberté» pela situação moçambicana. Igualmente,
os massacres de populações africanas — o de Mueda (Jun./60)
conseguiu chegar «à la connaissance de l’opinion mondiale»
— mostraram «le caractère barbare» do regime colonial em
Moçambique e a necessidade da luta de libertação por parte do povo
moçambicano. No último parágrafo, há um apelo à solidariedade
de todos os estados e forças anticolonialistas e anti-imperialistas do
mundo inteiro que será uma contribuição inestimável para a causa
da libertação e permitirá «une économie importante de sacrifices en
vies humaines.»

Outros dois documentos (dactilografados) — os Estatutos


(26 artigos) e o Programa (14 pontos) — foram as fontes deste
comunicado que neles se baseava e resumia.

75
( VII )
No decorrer das semanas e meses seguintes

Como, muitas vezes, o futuro tem respostas para as perguntas


do passado e os documentos assim o comprovam, prolongou-se a
pesquisa arquivística e fez-se uma escolha entre esses acontecimentos,
relatos e testemunhos dos meses seguintes à Conferência de Belgrado.
Estes confirmaram as mudanças em curso a nível mundial, sendo
algumas premonitórias para o então «Portugal do Minho a Timor».

Ainda em Setembro

Entretanto, coincidência ou não, no dia 6 desse mês, o governo


português revogava o seu «Estatuto dos Indígenas Portugueses das
Províncias da Guiné, Angola e Moçambique» (Mai./54). Quanto às
conclusões a que chegaram, nesse Setembro de 1961, os dirigentes
políticos jugoslavos em relação aos resultados da Conferência e às
medidas a tomar para um maior fortalecimento, aumento e coesão
do grupo de países — dos presentes aos ausentes em Belgrado —
ao redor de uma política não-alinhada, há um documento131 que
as sintetizou, dias depois, numa dezena de páginas. Já a posição
jugoslava relativa aos movimentos de libertação das colónias

«Acta da reunião do grupo das questões internacionais do CC, realizada


131

em 9 de Setembro de 1961, com a seguinte ordem do dia: 1. Considerações acerca


de questões ligadas à avaliação da Conferência de Belgrado e futuras tarefas a seu
respeito» (AJ, KPR, I-4-a/2). Os 6 membros deste grupo do CC LCJ fizeram parte
da delegação jugoslava.

77
portuguesas só aparece bem definida em alguns relatórios e notas dos
anos seguintes, verificando-se o mesmo nas relações com a oposição
antifascista portuguesa (FPLN, PCP e ASP/PSP).
Esta citada acta tem duas partes, começando com um «verificou-
-se o seguinte:» de 16 alíneas sobre factos e consequências da
cimeira, e termina com uma dezena de conclusões.
Nos primeiros dias, as reservas iniciais do «Pravda», os ataques
às posições jugoslavas em jornais estado-unidenses e «a anterior
atitude de constante oposição» da imprensa indiana desapareceram e
«o eco da Conferência de Belgrado e a publicidade, que lhe foi dada
na imprensa mundial, foram maiores do que se pressupunha virem a
ser». Mais, «o efeito positivo e o peso objectivo da CB ultrapassou
todas as expectativas», como mostraram as mensagens enviadas por
Kruchetchov, Kennedy e outros.
Apesar dos sucessos — a Jugoslávia apresentou a sua
realização no Cairo, convocou e organizou uma cimeira «com
carácter mundial, uma reunião não regional» em Belgrado — e do
«enorme acontecimento, [...] a política de não-alinhamento, como
fenómeno mundial, ainda não se tinha afirmado definitivamente».
Para isso, bastava ver a actividade de Sukarno, apoiado pela China
e alguns pequenos estados africanos e asiáticos, para a convocação
de um segundo Bandung e o retorno ao regionalismo que, em
Belgrado, não ousou apresentar, mas tal ameaça existia. Embora,
tenha vencido a concepção jugoslava, era necessário continuar, no
plano ideológico, a luta política pela sua afirmação, «aproveitando
a atmosfera extraordinariamente favorável que surgiu após a CB
entre uma vintena de países (com a excepção da Índia)».
Além disso, a Índia procurou aproveitar «a CB como uma opor­tu­
nidade para melhorar as suas posições em relação aos blocos e, no início,
frontalmente, conduziu uma campanha» contra as propostas jugoslavas,
continuou com tais posições no comité da conferência, mas todas essas
combinações fracassaram e ao seu redor não surgiu nenhuma fracção.
Porém, numa fracção pareciam mais os árabes (sete estados árabes) que
se manifestaram «sobretudo em relação a Israel e na questão alemã»,
bloqueando os trabalhos a respeito destas duas questões.

78
Apesar da «afirmação da política de não-alinhamento como
uma política com futuro», recomendou-se que não se podia ter
pretensões a que tudo fosse compreendido e aceite de acordo com
os pontos de vista jugoslavos. Por isso, era necessário «examinar
a situação, momento e tarefas ideológico-políticas para o futuro
trabalho no campo não-alinhado, junto a uma eventual acção nos
blocos, até mesmo no campo chinês (por causa das suas pretensões
nos PAA132, os chineses anteciparam-se aos russos com a sua atitude
positiva)».
Verificou-se, também, que aumentou fortemente o interesse
na Jugoslávia pela política internacional e a necessidade de uma
«elaboração mais profunda de certos problemas (colonialismo
e outros) e da concepção de coexistência». Igualmente, seria
conveniente examinar a actividade dos serviços de propaganda e de
imprensa.

No plano diplomático, as embaixadas jugoslavas iam receber


instruções acerca da CB do seu Secretariado de Estado dos Negócios
Estrangeiros, e realizou-se uma reunião com embaixadores sobre
este assunto. Ao mesmo tempo, o SENE analisava o caminho para a
liquidação da participação jugoslava «no Pacto Balcânico133, que já
há anos não tinha raison d’etre».
Conforme o décimo ponto deste documento, «seria vantajoso
e necessário um esforço particular junto dos americanos com
o objectivo de uma correcta interpretação da nossa política».
Propunham-se contactos nesse sentido com o embaixador Kennan e,
paralelamente, o embaixador jugoslavo nos EUA, Marko Nikezitch,
faria o mesmo junto do Departamento de Estado. No caso da URSS,
embora esses contactos fossem mais frequentes, continuariam a
nível de embaixadores. Além da Conferência de Belgrado, era
preciso comunicar ao governo soviético que, perante uma «política

Países africanos e americanos (N.doT.).


132

Foi assinado, em Ancara (Fev./53), pela Turquia, Grécia e Jugoslávia e


133

abrangia a cooperação política, económica e militar.

79
de posições de força (testes nucleares, Berlim, etc.)», não podia
continuar a contar com o seu apoio.

Relativamente aos países não-alinhados, era preciso mais


cooperação, contactos e informação. Alguns deles estavam pouco
informados acerca da Jugoslávia anterior à CB. Igualmente, com
a Índia devia-se aproveitar todas as possibilidades para novas
negociações. Tendo em conta as conversações com os países
observadores da América Latina, a seguinte actividade diplomática
nessa região deveria tomar «em consideração que a doutrina de
Monroe foi enterrada, o que representava uma nova situação».
Do mesmo modo, outra qualidade era possível «nas relações
com os movimentos de libertação nacional, com alguns partidos
sociais-democratas (Japão, socialistas e forças de esquerda em
Itália, etc.), como com alguns partidos comunistas (PC de Itália,
PC da Bélgica e outros)».
Apesar das posições do «lager»134, «a CB iria ter importantes
repercussões tanto nos partidos dentro como fora do lager». Uma
possibilidade indiciada na reunião de V.Vlahovitch com Mário
Alicata, dirigente comunista italiano, em que, em relação a este
partido, «a CB dava possibilidades a uma futura diferenciação
e abria um largo espaço para a acção na política interna do
PCI».
Quanto à importância da CB no país, ela «foi grande e positiva.
Antes da abertura da CB houve comentários acerca dos gastos com
a organização da Conferência, mas tais histórias desapareceram. A
satisfação das pessoas pela CB foi grande». Conforme esta última
alínea, «aumentou, extraordinariamente, o interesse pelas palestras
sobre a política externa 135, os nossos pontos de vista e, em geral,
pela problemática internacional».

134
Campo ou grupo em alemão. Nesses anos, esta palavra designava o
«bloco socialista» na terminologia política jugoslava.
135
Segundo o Politika (28Set./5.ªpág.), houve só «na Croácia, mais de
meio milhão de pessoas nas palestras sobre a Conferência de Belgrado» com
documentários e filmes da «Filmske Novosti».

80
Em base do que foi exposto, a comissão propôs uma dezena de
conclusões, começando pela necessidade de análises e avaliações da
CB, da situação internacional e de uma saída para a tensão política
mundial. A sua aprovação deveria ser feita ao mais alto nível político
(presidências da LCJ e ASPTJ), e seguida de reuniões e debates pelas
repúblicas jugoslavas.

Em cooperação com o SENE, recomendou-se uma informação


imediata dos jornalistas e publicistas sobre as avaliações (básicas
ou de princípio) da CB, chamando a atenção para não se acentuar
(em conferências, na imprensa e publicismo, nos contactos dos
diplomatas jugoslavos, etc) «as divergências na CB e ter em
consideração a posição objectiva dos governos e dos países e
o sucesso real, objectivo e completo da CB». Também, se devia
formar um grupo de publicistas para apresentarem «determinados
problemas actuais (coexistência, colonialismo, etc.) em revistas
e jornais. [...] Na preparação destes artigos, organizar as
necessárias anteriores conversas e discussões». Neste plano, foi
proposta a publicação de materiais da CB nas línguas nacionais e
estrangeiras, como as Declarações, os discursos de Tito e outros
livros acerca da Conferência (documentos e fotografias, «artigos
positivos acerca CB, publicados na imprensa nacional e mundial»
e memorandos).

Retomando o exposto em alíneas anteriores, foi recomendado:


ter em consideração as posições a tomar perante «a política
soviética e do Ocidente, e a futura cooperação com os participantes
da CB»; examinar as relações com «certos partidos comunistas,
movimentos de libertação nacional e anticolonialistas, e alguns
partidos sociais-democratas — à luz da repercussão da CB»;
fazer uma análise das possibilidades de apresentar, nas próximas
reuniões internacionais, as concepções políticas jugoslavas; adiar
a publicação do artigo (resposta ao ataque anti-jugoslavo no
projecto do programa do PC soviético) para depois do Congresso
desse partido.

81
Para terminar, este grupo do CCLCJ aprovou «reunir-se,
regularmente, às quintas-feiras» e enviou este documento a uma
dezena de dirigentes políticos (Tito, Rankovitch, K. Popovitch e
outros). Como foi um dos primeiros deste período da política externa
jugoslava e pelos seus subscritores, as suas páginas são uma síntese
da participação jugoslava na formação do Movimento dos Países
Não-Alinhados, registando os principais passos dados e propostos
pela diplomacia jugoslava nesse ano de 1961.

Em fins de Setembro

Entre os 25 estados que participaram na Conferência de


Belgrado, eram poucos aqueles que não tinham sido colónias ou
vivido sem guerras no século XX, havendo até um deles (Argélia)
a lutar pela independência e outro (Congo) já em guerra civil, uma
das primeiras do neocolonialismo em África. Não admira, portanto,
que o anticolonialismo fosse aceite por unanimidade e apoiado por
todos. Todavia, diga-se, um apoio com diferenças suficientes para
serem notadas nas sessões e conversas de bastidores que ocorreram,
durante esses dias de Setembro, na capital jugoslava.

Nos próximos meses, Angola continuou a merecer as atenções


jugoslavas e mantiveram-se as relações com a CONCP. Como foi
referido, um representante da UEJ foi convidado para assistir, em
Rabat (22-26/Set.), ao I Congresso da União Geral dos Estudantes da
África Negra sob a dominação colonial portuguesa (UGEAN). Duas
semanas após a Conferência de Belgrado, outras informações sobre
as colónias portuguesas foram recolhidas por Ivan Ivekovitch136 que

136
Nasceu em Zagreb. Terminou o ensino secundário em Paris, licenciatura
em Direito (Belgrado/1965) e doutoramento em Ciências Políticas (Zagreb/1981).
Dirigente e funcionário da UEJ, ASPTJ e diplomata (1981/91). Embaixador na
Tanzânia e no Egipto. Jornalista e autor de artigos e livros (relações internacionais,
África e Médio-Oriente). Depois de 1992, professor na Universidade Americana do
Cairo.

82
as apresentou num relatório137 sobre este «congresso que durou 5 dias
com a participação de 31 estudantes das colónias portuguesas, 13
representantes estrangeiros oficiais [de 12 associações nacionais
e organizações internacionais de estudantes] e um certo número
de estudantes marroquinos». Igualmente, entregou «ao comité
provisório a ajuda da UEJ (200 dólares e uma máquina de
escrever)».
A UGEAN teria, no máximo, uma centena de filiados, dispersos
por diversos países da Europa e da África, «enquanto o seu número
total se elevava a cerca de 300 e a sua maioria encontrava-se no
próprio Portugal». Apesar destes números modestos, o autor do
relatório considerou que já tinha alcançado uma «forte afirmação
internacional, e os seus representantes compareciam em muitas
reuniões estudantis. Também, não se devia subestimar o papel
moral e político que esta organização podia desempenhar no plano
interno como catalisador de diferentes correntes nos movimentos
nacionalistas destes países».

Nas suas observações acerca do Congresso, o dirigente estudantil


jugoslavo relatou algumas conversas e factos das sessões, mas sem
mencionar factos e nomes, excepto o de «D.Graca»138, o presidente
eleito. Anotou, por exemplo: «Foi interessante a posição de muitos
delegados acerca da luta armada, que se manifestou nas conversas
privadas. Eles defendem a tese de que, como elite intelectual, como
futuros dirigentes dos seus povos têm, como primeiro obrigação
moral, de estudar e de terminar os seus estudos. Como exemplo

137
(AJ, 142, F-539). Este documento (10 páginas) tem o relatório do
congresso com uma dezena de pontos (UGEAN, moções, comissões e discussões
do Congresso, relações com o movimento internacional estudantil e observações) e
um anexo (a situação política em Portugal e suas colónias, relações dos movimentos
nacionalistas com a Jugoslávia). O original deste relatório e outros documentos
(bolsas de estudo, viagens, etc) sobre as relações UEJ-UGEAN encontram-se no
mesmo Arquivo (AJ, 145, F-46).
138
Acerca de Desidério da Graça (ou Costa noutros documentos, sendo
este o seu último apelido) acrescentou que «a personalidade do presidente [...] era
particularmente apropriada porque ele era protestante de Angola».

83
característico, citaremos que numa reunião de uma comissão
discutiram seis horas sobre diversas formas de luta, analisando-as
até aos mais pequenos pormenores, mas ninguém mencionou a luta
armada!»; houve sessões do Congresso sem quórum, em que «a
relação dos delegados presentes e dos observadores estrangeiros
foi, por vezes, até favorável para os estrangeiros.»; estes últimos
mostraram, na sessão final, «muito mais iniciativas, propondo e
fazendo emendas, enquanto a maioria dos anfitriões se contentava
em levantar o braço».
Ainda, achou que os dirigentes eleitos para o Comité Executivo
«eram todos jovens e pessoas novas a quem faltava experiência
política» e que seria interessante mencionar que «no novo CE, quase
todos eram negros, enquanto no comité provisório139 eram todos
mestiços».
Apesar dos contactos terem sido «muito sinceros e cordiais» e
os delegados terem mostrado «grande interesse por formas concretas
de cooperação» com a UEJ, nada escreveu sobre eles ou fez qualquer
referência à fuga140 de Portugal (Jun./61) de muitos dos presentes.
Uma falta de informações confirmada por «algumas observações
acerca do Congresso» em que considerou que «se podia dizer que
os delegados mostraram em certa medida uma falta de alguma
experiência política e organizativa, o que era compreensível tendo
em conta as possibilidades específicas nas quais se encontrava a
África, e sobretudo os territórios sob a dominação portuguesa». Por

139
Um dos seus membros tinha estado no seminário sobre a paz
(Dubrovnik/1960), organizado anualmente pela UEJ. Foi o primeiro contacto
entre as duas associações estudantis. Estes contactos continuaram através de Luís
de Almeida e José Carlos Horta, residentes na RFA, com o envio de documentos
(Jan.61): um panfleto anticolonialista (Lisboa, Nov./60); protesto pela destituição
da direcção da Casa dos Estudantes do Império (Dez./60).
140
Esta fuga de uma centena de estudantes para França não foi mencionada
em nenhum documento anterior, nem o autor deste relatório sabia do acontecimento
— embora, a notícia tivesse sido publicada em jornais franceses—, ou ficou a saber
após ter falado, seguramente, com alguns deles, tendo em conta que, desses 31
estudantes presentes em Rabat, muitos tinham participado nessa fuga. Também, não
fez qualquer referência ao movimento associativo estudantil em Portugal.

84
isso, segundo ele, «o seu trabalho» nas três comissões do Congresso
foi feito pelos representantes de três associações africanas, entre as
quais, a dos estudantes marroquinos (UNEM).

Até final desse ano

Quase dois meses após a Conferência, a Jugoslávia festejou a


atribuição do Prémio Nobel de Literatura a Ivo Andritch141, o autor
da «Ponte sobre o Drina» e da «Crónica de Travnik».
Também, nesse mês de Outubro, em Bruxelas, realizou-se a 50.ª
Reunião da União Interparlamentar. A delegação jugoslava, chefiada
por V. Vlahovitch, teve conversações com «democratas portugueses»
— os nomes não foram mencionados — acerca duma «acção de
apoio aos presos» políticos e do abaixo-assinado internacional pela
sua libertação. Falaram, ainda, da situação política em Espanha e
dos «acontecimentos em Angola». Segundo este documento — a
acta da reunião da Comissão das Relações Internacionais da LCJ
e da ASPTJ, efectuada em Belgrado (14/Out.) —, Vlahovitch
informou que «relativamente ao PC de Espanha, [eles tinham] uma
posição muito crítica. Consideravam-no oportunista porque não
se orientava para a luta armada. Estimam mais Andrade do que
Gilmore, o qual consideram um homem dos americanos somente
por causa de que viveu na América. Gilmore fez a insurreição.
Andrade não tem unidades armadas. A coisa parece estar no facto
de que Andrade é membro do PC de Portugal e o grupo em redor de
Andrade era contra a insurreição». Como não foram encontradas142
as «notas magnetofónicas» desta reunião, ficam as suposições e os
factos anotados numa dezena de linhas desta breve acta.
141
(Travnik,1892-Belgrado,1975). Escritor e diplomata. As páginas do seu
«Portugal país verde (fragmento de um relato de viagem)» foram escritas depois
de uma viagem a Lisboa, quando esteve na legação em Madrid (1928), e terminam
com um «sede felizes e calmos: encontrai-vos em Portugal». Vide nosso «Portugal
em dois escritores jugoslavos», História, n.º 65, Lisboa 1984.
142
Uma das raras reuniões desta Comissão sem referência à sua gravação e
respectiva transcrição (AJ, 507, IX, s/a-103).

85
Até ao fim do ano, além de Angola, Goa (Damão e Diu eram
pouco mencionados) ocupou um lugar importante na política
mundial. As semanas anteriores dos preparativos para «o seminário
sobre as colónias portuguesas do Conselho da Índia para a África»,
em Nova Deli e Bombaim (20-23/Out.), mereceram as atenções
da diplomacia jugoslava e, como convidados, um seu observador
presenciou as sessões dessa reunião internacional143. Entre os seus
participantes, estavam representantes das colónias portuguesas
(Gentil Viana, Marcelino dos Santos, Jonas Savimbi e outros) e
líderes africanos de países não independentes. Um terceiro grupo
era constituído, sobretudo, por diplomatas de «20 países que
se destacaram na luta contra o colonialismo», sendo formado
por «todos os países árabes, alguns africanos, depois o Brasil,
URSS, EUA, Alemanha O. (a pedido explícito do seu embaixador)
e Jugoslávia». A oposição (anticolonialista) portuguesa esteve
representada por Manuel Sertório que, como «secretário do Comité
da Frente Democrática dos Portugueses no exílio», em São Paulo,
falou com o convidado jugoslavo no seminário e pediu «ajuda
material, política e moral»144.
143
Como o seu relatório deste seminário não foi encontrado, estes dados
são anteriores ao início do seminário. Igualmente, não tivemos acesso às fontes
existentes nos arquivos indianos.
144
Este telegrama (Deli, 9/Nov./61) foi enviado pelo SENE para informação
da embaixada no Brasil que, em 11/Dez./61, respondeu o seguinte: «Manuel
Sertorio, vosso 433621, é representante de um dos muitos grupos de emigrantes
políticos no Brasil. Ele é socialista, anticolonialista, mas pessoa de gabinete e
muito reservado, o que o conduz frequentemente a conflitos. Poder-se-á dar-lhe
ajuda, especialmente pela linha anticolonialista mas sem alguma ilusão acerca da
sua importância ou papel. Barichitch», (ADMNE, Portugal, F-108, 1961). Embora
pareça estar bem informado, o subscritor é um embaixador com três meses no Brasil,
que, em fins de Outubro, informou que «Galvão ficou encantado com recepção e
as conversações em Belgrado» e, então, estava «em Marrocos, em contacto com
a oposição e a emigração política portuguesas». Uma confusão que lhe mereceu
a seguinte resposta (9/Nov.) do seu vice-secretário, Leo Mates: « Incompreensível
vosso 346 porque Galvão não esteve na Jugoslávia. Na realidade, somente Delgado
esteve alguns dias convidado pela Liga da Paz antes da partida para Marrocos.
Delgado informou por carta a Liga de que Galvão impede a sua actividade com as
suas acções e declarações. Mates». Na sua resposta, Barichitch reconheceu o seu

86
Na primeira metade de Dezembro, o embaixador jugoslavo
foi informado regularmente pelo governo indiano da sua iminente
«intervenção militar»145, e, no dia 18, das operações vitoriosas das
forças armadas e do fim do «Estado Português da Índia». Também,
nesses dias e seguintes, essas informações abrangeram as reacções
políticas das «grandes potências» e das actividades diplomáticas
indianas. O Reino Unido, através do seu embaixador, exprimiu
a Nehru a «insatisfação e preocupação» por essa decisão, mas
sublinhou que só «exprimiu a opinião do governo e que não se
tratava de pressões». Quanto aos EUA, pelo seu embaixador John
K.Galbraith, teriam dito que «embora aprovem a acção, realçaram
todo o tempo as suas dificuldades com os aliados da OTAN». Porém,
a Índia estava segura que não haveria qualquer contramedida,
«porque Goa era uma questão da manutenção do colonialismo e
não da defesa dos membros da OTAN».
Em relação à «libertação de Goa», os meios políticos de Nova
Deli consideravam que «terá importantes consequências nos países
africanos ainda não libertados, principalmente nas possessões
portuguesas», apesar de se reconhecer que «a tarefa indiana fora de
longe mais fácil», pois os africanos deparavam-se com colonialistas
bem armados.
Além de um atento acompanhamento da política do governo
indiano, durante o último trimestre desse ano, a embaixada jugoslava
procurou ouvir outras opiniões sobre a importância do seminário

erro, mas justificou-se que «pensávamos no camarada Delgado». Contudo, graças


e este erro, soube-se desta carta que deveria estar no arquivo (talvez, desaparecido)
da citada Liga da Paz.
145
Em 9 desse mês, segundo V.H. Coelho, secretário-adjunto do MNE, como
acreditava «cada vez menos na disposição de Portugal se retirar pacificamente»,
só restava à Índia decidir-se por acções militares. Parecia «que a Índia não teria
problemas com os EUA». Também, «as obrigações da OTAN em relação a
Portugal não abrangiam a Ásia». Estava seguro que «países como a Itália, Grécia,
Bélgica opor-se-iam a apoios a P. por Goa». O único que «poderia apoiar, em
certa medida, P. seria a GB». Além da Grã-Bretanha, mesmo o Paquistão não daria
abertamente qualquer apoio por causa da sua «posição em África» (ADMNE, Índia,
F-35, 1961).

87
sobre «os problemas das colónias portuguesas». Não obstante uma
apreciação negativa — a organização deste seminário por uma «filial
americana» e financiada pelos EUA, serviu para a Índia «se mostrar
como um grande combatente contra o colonialismo», porque o
colonialismo português era mais fácil de atacar do que o britânico146
—, só dois meses passados com a invasão do exército indiano e o fim
do «Estado Português da Índia», houve outras que consideraram,
entre diversas razões políticas nacionais e internacionais147, a grande
influência que teve este seminário sobre Nehru na sua decisão por
uma «intervenção militar em Goa148». Decisão essa que surgiu da

146
Esta opinião de K.N.Gichoya (secretário-geral da Associação dos
Estudantes Africanos na Índia e estudante da colónia britânica do Quénia) era
semelhante às anteriores críticas do embaixador jugoslavo, Duchan Kveder, em
relação ao anticolonialismo do governo indiano e de Nehru. Por exemplo, no seu
telegrama (Nova Deli, 30/Mai./61) sobre uma reunião do Partido do Congresso,
pode-se ler: « Nestes últimos anos, Nehru não tinha feito uma crítica tão dura à GB
(N.do.T: Grã-Bretanha) como agora em relação ao apoio da GB a Portugal. Assim,
mostrou que também se pode criticar a GB, embora em parte alguma mencionou
que a própria GB tem os seus pecados colonialistas.»; « [...] Ele dirigiu a principal
dureza e a maior parte do discurso contra o minúsculo Portugal, apresentando-o
quase como o principal mal da situação actual, chamando às suas acções em Angola
“matanças” e à sua forma de colonialismo como o “mais sanguinário e tenebroso
na história”. Assim, o fogo aponta-se para um alvo relativamente insignificante,
enquanto que a Índia passa como a lutadora, a protectora dos desprotegidos e, na
verdade, mal tocou num dos mais importantes. » (ADMNE, Índia, F-116, 1961).
147
Neste telegrama (23/Dez./61) da embaixada jugoslava, essas razões
nacionais foram as seguintes: «insatisfação geral pela indecisão do governo para
ajustar contas com as colónias portuguesas»; «a grande pressão de todos partidos»;
«a situação pré-eleitoral apressou a decisão»; e «a Índia na impossibilidade de
resolver uma série de outras questões abertas como Cachemira, litígio indo-chinês,
revolta das tribus Naga, o governo foi para a liquidação do problema mais fácil».
Entre as razões internacionais, mencionaram: «a presença dos portugueses no
território indiano, as potências ocidentais podiam utilizar sempre como meio de
pressão sobre a Índia»; «era preciso mostrar uma certa firmeza aos chineses e
demonstrar determinação na salvaguarda do território nacional»; «demonstrar
aos países africanos que a Ìndia era consequente no anticolonialismo [...] e, assim,
recuperar o prestígio perdido no Cairo e Belgrado», (ADMNE, Índia, F-35,1961).
148
Ibidem.

88
sua reunião, segundo Mário de Andrade149, com os dirigentes da
CONCP.

Embora os traços documentais dessas razões e decisões devam


estar nos arquivos indianos, não foi possível encontrar qualquer
referência arquivística ou bibliográfica acerca desta questão150.
Contudo, nesse Dezembro de 1961, além das mudanças ocorridas
na situação política internacional, já sete anos tinham passado sobre
a integração das últimas possessões francesas (Pondichéry, Karikal,
Yanaon e Mahé) na União Indiana (1/Nov./54). Recusando um acordo
semelhante, o governo de Salazar acreditava (ou parecia acreditar)
que o pacifismo de Nehru e o apoio do Reino Unido e dos EUA151
impediriam qualquer solução militar indiana para este conflito.
Uma posição semelhante das chefias militares foi comprovada
pelo brigadeiro Martins Beirão, o comandante militar do Estado
Português da Índia, quando «esteve em Lisboa entre fins de Agosto
e meados de Outubro de 1961, tentando convencer as autoridades
militares da inevitabilidade da invasão de Goa e da necessidade de
reforçar o armamento de que se dispunha152».

149
Vide http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/09/08/da-«lumpen-
aristocracia»-a-luta-pela-independencia-55/, consultado em Jan./ 2012. Nesta longa
entrevista, Mário de Andrade mencionou Gentil Viana e Marcelino dos Santos como
sendo os dirigentes da CONCP nessa reunião.
150
Também, não foi mencionada na conferência internacional «Goa 1961
and Beyond», organizada pela Universidade de Goa (Dez./2011).
151
Sobre este apoio: António Correia de Lima, O Fim dos Séculos — Goa,
Damão e Diu, Bertrand Editora, 1997. Assim: «O Plano Sentinela já existia desde a
ameaça de invasão, em 1956, pela União Indiana. Só que naquela altura a política
internacional era outra, o potencial bélico português em Goa era outro, e contava-
-se com o apoio da esquadra americana instalada em Karachi. Porque os americanos
estavam a nosso favor. Por isso, era preciso resistir durante uns dias [...]» para
permitir a chegada da esquadra. Ora, em fins de 1961, o autor comenta: [...] com
a política internacional virada contra nós, sem o apoio dos americanos, o Plano
Sentinela tornou-se a prova cabal da incompetência do nosso Alto Comando».
152
Sobre este depoimento e outros (Vassalo e Silva, Teotónio Pereira,
Adriano Moreira, etc.), ver: Mário Matos e Lemos, «Goa, o Princípio do Fim do
Império. Alguns Documentos», Estudos do Século XX, n.º3-2003, p.271-287.

89
Em fins desse ano, as informações da embaixada no Congo
diziam que a insurreição em Angola estava na defensiva, o que o
MPLA reconheceu, enquanto a UPA falava de acções militares e,
nesse sentido, fazia comunicados. Entre os dois movimentos não
havia qualquer cooperação e até se dizia que «a gente do Holden
desarmou e matou 25 milicianos do MPLA». Além de reconhecer
que era «difícil conseguir uma imagem clara acerca da influência
e da organização de ambos os movimentos», o diplomata jugoslavo
informou, baseando-se «em dados dos centros daqui e dos
refugiados», que nas cidades angolanas «a situação era normal, o
comércio regular» e os portugueses matavam «sem piedade todos
aqueles que eram suspeitos». Resumindo as diferenças e os apoios
internacionais aos dois movimentos, descreveu como «bastante
difícil o estado material» dos cerca de 160 mil refugiados angolanos
na provincia de Leopoldville e, respondendo a uma pergunta do
SENE, terminou o seu telegrama com a resposta seguinte: « Acerca
NETO, não temos novos dados excepto de que continua na prisão.
Para a sua libertação dever-se-ia coordenar a acção com outros
movimentos anticolonialistas.153»

Em Fevereiro do ano seguinte

Os primeiros contactos mais directos com a situação política


portuguesa foram restabelecidos, após 1948 e um longo interregno
nas relações jugoslavo-portuguesas (estatais ou partidárias), com
a mencionada viagem de Humberto Delgado a Belgrado (Set./61).
Todavia, a falta de documentos acerca da sua estadia na capital
jugoslava só foi atenuada, em 1962, pela documentação relativa
a uma reunião do general Humberto Delgado com o embaixador
jugoslavo no Brasil154 (30/Jan.) e à seguinte visita de Mário Ruivo
(16-21/Fev.).

Telegrama (5/Jan./62) com 40 linhas (ADMNE, Angola, F-107, 1962).


153

«Visitou-me general Delgado chefe da oposição Portugal. Agradeceu


154

recepção na RPFJ e pediu ajuda de 100 000 dólares. Este era o objectivo principal

90
Segundo a Nota da ASPTJ, este dirigente da «Junta Patriótica
Central de Portugal» vivia em Roma, onde trabalhava como
funcionário da FAO, «o que lhe permitia, como dizia, viagens
a diversos países europeus»155. Nas suas conversações com «os
camaradas Viditch e Aititch, Ruivo falou: 1. acerca da situação
em Portugal, criação, carácter, força e tarefas da Junta; 2. acerca
da ajuda da Jugoslávia às actividades da Junta». Conforme este
documento, começou por falar da «queda da República Portuguesa»
e da chegada ao poder de Salazar que instaurou um «fascismo
camuflado com certas formas da democracia como são as eleições
que se falsificam constantemente e etc., não chamando a atenção para
si da opinião pública mundial como Hitler e Mussolini». Estes três
«[...] trouxeram o Franco com o qual, desde então, constantemente
Salazar colabora[va] o mais estreitamente». Quanto ao movimento
antifascista que foi forte, em 1945, com grandes manifestações contra
Salazar, não conseguiu derrubar a sua ditadura, «porque os EUA o
tomaram como um apoio para a manutenção das suas bases nas
costas do Atlântico. Por isso, em Portugal, continua[va] a manter-
-se uma ditadura fascista sem liberdade de imprensa, associativismo
sindical e etc.». Contudo, como as eleições foram tão falsificadas, a
oposição nem apresentou nas últimas os seus candidatos.

da sua visita. Contou que organizou a recente revolta militar em Portugal, que
teve pela primeira vez mortos e foi a primeira tentativa séria contra Salazar. Falou
do descontentamento no exército, que está contra a guerra em Angola. Gastou
todos os recursos nesta revolta e precisa de reunir pelo menos três vezes mais
dinheiro para uma nova revolta. Pediu que tal pedido se mantenha em segredo,
pois os seus liberais acusá-lo-iam de pedir dinheiro aos comunistas e, também,
não poderia aceitar algumas condições em relação a nós depois desta ajuda.»
(ADMNE,Portugal, F-115, 1962). A resposta do SENE foi «que não se deveria dar
ajuda monetária». Vide nosso «As Relações Jugoslavo-Portuguesas (1941-1974)
— Colectânea de Documentos», IUC, Coimbra, 2012.
155
(AJ,507-IX,10/V),«Nota acerca da conversação dos camaradas Dobrivoíe
Viditich e Predag Aititch com Mário Ruivo (José Fernandes) representante da Junta
de Acção Patriótica (N.doT.: Junta Central de Acção Patriótica) de Portugal» (6
pag.).

91
Referiu-se, em seguida, aos enormes custos militares para
a manutenção das colónias (Angola, Goa, Moçambique) que
conduziram o país a um estado muito difícil, cuja economia era aliás
atrasada. Exemplificando, descreveu com alguns dados estatísticos a
«fase inicial» da industrialização em Portugal, a agricultura baseada
na pequena propriedade e a repartição dos rendimentos das colónias
por «um grupo de pessoas muito reduzido».
Tudo isto conduziu a uma «insatisfação geral de vastas
camadas do povo, entre as quais também as médias, por exemplo,
os comerciantes, cuja situação se agravava com a diminuição do
poder de compra do povo e etc.».
À crise interna juntou-se a externa (isolamento na ONU por
ocasião da votação acerca de Angola e de Goa). «Na conservação
de Salazar, esta[vam] interessados o capital inglês, americano e
belga e, nos últimos tempos, a Alemanha Ocidental da[va] ajuda
económica (através de Israel) que, em geral, se utiliza[va] no reforço
do potencial militar».
Apesar destes apoios, as condições para o derrubamento de
Salazar tinham amadurecido e acrescentou: «É absolutamente
possível que, muito em breve, também os americanos comecem
com a substituição das suas ditaduras, uma por uma, por governos
democráticos. Por isso, é um dever das forças democráticas e
antifascistas de aproveitar as condições existentes para a formação
de um governo o mais democrático possível e a abertura de um
caminho que conduzisse a mudanças na estrutura do sistema».
Concluíu que este era «o objectivo e a essência das actividades» da
Junta Patriótica Central.

Depois falou da Junta, fundada em 1960, e das «forças demo­


cráticas» que a constituem e da sua organização em Portugal e no
estrangeiro. Igualmente, colaboravam com o general Humberto
Delgado e tinham «conversações com ele para disciplinadamente
se juntar ao movimento. Como anterior candidato para presidente
da República e personalidade distinta podia ser muito útil à
Junta. Considera[vam] o Galvão um aventureiro, homem capaz

92
para acções, como foi a do «Santa Maria», que [eram] boas para
chamar as atenções da opinião pública democrática mundial para
a ditadura de Salazar, mas elas não [eram] suficientes e é muito
mais importante uma luta continuada e organizada. Continuarão a
apoiá-lo quando for vantajoso e a criticá-lo quando efectuar acções
imprudentes».
Achava, ainda, que o maior sucesso da Junta foi que conseguiu
reunir todas as forças antifascistas e, em contraste com a Espanha,
a oposição estava unida contra Salazar. Entre essas forças, o Partido
Comunista era a força mais organizada e o seu secretário-geral era
«um homem muito dinâmico, quase sempre se encontra[va] em
Portugal e [era] capaz de encontrar uma ampla plataforma para a
cooperação de amplas forças democráticas na luta contra Salazar».
Nos últimos tempos, reforçava-se a organização dos socialistas de
esquerda, de quem Ruivo era membro. A Igreja Católica, através
de um bispo, oferecia resistência a Salazar. No exército, existia um
certo apoio, em particular, através dos estudantes «que estavam
provisoriamente no exército como oficiais».

No campo dos apoios externos, tinham relações com os mo­


vi­mentos de libertação das colónias portuguesas, os quais, por seu
lado, ajudavam com as sua luta o desenvolvimento do movimento
democrático em Portugal. Em Itália, França, Brasil e Venezuela foram
criados comités de solidariedade com os antifascistas de Portugal.
A Junta colaborava «com Andrade que considerava como
patriota e activo no território de toda Angola, enquanto com Gil­
more, cujo movimento de recente data, não colaboravam. Deixou a
impressão que considerava Gilmore como um homem americano e
que os americanos preparavam terreno para substituir Portugal em
Angola».

Consideravam muito importante o apoio da Jugoslávia pela


grande reputação da sua política em geral e, em particular, em
relação aos movimentos de libertação em África. Além disso, era
um apoio especialmente importante porque lhes permitia «reunir as

93
mais amplas forças democráticas e diversas convicções políticas e
ideológicas na luta contra Salazar».
No campo da ajuda jugoslava à JPC, Mário Ruivo colocou a
questão se poderiam ajudá-los no equipamento de uma estação de
rádio156, em Marrocos, e disse que o governo marroquino já tinha
concordado com a Junta a sua instalação no seu território.

Segundo estes dirigentes da ASPTJ, a sua resposta foi a seguinte:


« tendo em conta a luta que também tivemos contra o governo
fascista antes da guerra e contra a ocupação fascista, e pela nossa
política de princípios, temos total compreensão e simpatia pela
sua luta e podem contar com o nosso apoio. Quanto a respeito da
cooperação, em geral, só agora nos conhecemos e estabelecemos os
primeiros contactos e é necessário empenhar-se mutuamente para
que ela se torne ainda mais eficaz». Quanto ao pedido da estação de
rádio, em breve, dariam uma resposta157. Todavia, podiam «enviar
material que seria convenientemente transmitido nas emissões da
Rádio Belgrado».
Para terminar, uma referência ao próprio Mário Ruivo: «Deixou
uma impressão muito sólida e deu muitos argumentos convincentes
acerca das actividades da Junta. Mostrou-nos documentação da sua
imprensa que faz lembrar a nossa imprensa clandestina antes da
guerra. Especialmente, sublinhou, em relação à estação de rádio,
que através dela redigiriam melhor a imprensa, comentários e etc.,
e que a estação de rádio seria ouvida amplamente em Portugal».

156
Na citada entrevista (Jul./2012), falou-nos deste pedido, da política externa
jugoslava e dos primeiros contactos com a ASPTJ. Também, não se esqueceu do
frio e da neve que havia em Belgrado. Nesse mês, antes da sua chegada, um nevão
cobriu as ruas belgradenses com 80 cm de neve.
157
Após a recepção do orçamento do seu custo, cerca de 175 mil dólares, foi
dada uma resposta negativa a este pedido. Contudo, a abertura da sede da FPLN,
em Argel (início de 1963), permitiu ali o começo das emissões da Rádio Voz da
Liberdade através dos emissores da rádio argelina. Os contactos com a embaixada
jugoslava conduziram, em 1964, às visitas de delegações da FPLN e do PCP à
Jugoslávia.

94
Angola e o exército de Humberto Delgado
(Mar./62)

Através da embaixada em Leopoldville, o comunicado —


versão em francês (24/Fev.) — da conferência de imprensa de Marcos
Cassanga, realizada nessa cidade, chegou à Comissão de Relações
Internacionais (LCJ e ASPTJ) em Belgrado. Nessas quatro páginas,
o Chefe do Estado-Maior do Exército de Libertação Nacional de
Angola (a ala militar da UPA) denunciou como falso o comunicado
de imprensa da UPA acerca da morte do comandante João Baptista,
ocorrida em Fevereiro e atribuída «aux portugais», e acusou a UPA
e Holden Roberto158 do seu assassinato, que tinha sido confirmado,
recentemente, por uma testemunha ocular.
Considerando que a luta armada, iniciada no Norte de Angola,
era uma luta fratricida em que cerca de «8000 (huit milles) angolais
furent sauvagement massacrés par les éléments tribalistes de l’U.P.A.,
stupidement armés et indisciplinés en extreme», acusou Holden Roberto
desses 11 meses de luta entre angolanos em que foi apoiado «par quelques
pays que ignorent sa personalité, son caracter tribal, son manque de
maturité politique et son ignorance totale sur les problèmes de l’Angola».
Segundo ele, tal engano foi possível porque conseguiu apresentar-se como
um líder angolano quando «en vérité il n’est pas angolais, il n’a jamais
eté en Angola, ne parle pas le portugais, la langue la plus répandue dans
les villes du pays qu’il aspire gouverner.» Denunciando outro caso dessa
luta, confirma o assassinato do comandante (Tomás) Ferreira e dos 21
membros da coluna do MPLA que «ont été sauvagement pendus» por
esses mesmos elementos da UPA.
158
Acerca desta acusação, um mês depois, segundo um telegrama da
embaixada jugoslava (Leopoldville, 24/Mar./62), «na conversação com Holden foi
também abordado o caso do membro do Estado-Maior, Batista. Ele afirma que foi
inventado que o mataram os seus homens. Além disso, também verificámos aqui o
caso junto a funcionários congolêses que têm ligações com angolanos. Eles afirmaram
que a campanha contra Holden foi organizada por alguns partidários de Andrade.
Na verdade, consideram que no momento quando se efectuam tentativas para a
unificação das várias correntes da resistência em Angola aparecem as provocações
que aumentam o fosso entre a UPA e o MPLA.», ADMNE (Angola, F-107, 1962).

95
Outras acusações referem-se: à prática de uma política de
intimidação contra os angolanos exilados no Congo; ao armamento
dado pela Tunísia que, conforme Holden Roberto, custou milhões
de francos e apresentou falsos documentos dessa compra que
estavam na posse do Estado-Maior; aos apelos constantes de ajuda
financeira por parte do povo angolano e de estados estrangeiros
para o pagamento dessas pretensas despesas e de outras compras
de armamento, quando esse dinheiro acabava «dans les coffres
personnels de Holden».
Este comunicado termina com um alerta à opinião pública e um
apelo aos países afro-asiáticos para a condenação da luta fratricida
desencadeada por Holden Roberto e os seus comparsas no interior
de Angola, apelando ainda a todas organizações e movimentos
nacionalistas angolanos um apoio ao Exército de Libertação
Nacional e à criação de uma FLNA para que o povo angolano se
liberte da «domination et de l’exploitation esclavagiste portugaise
et des traitres dirigeants de l’U.P.A.».

Noutra embaixada jugoslava, em Itália, «a princesa Maria


Pia - De Sas Coburgo- Broganca in-Blaise (filha do último rei de
Portugal) que foi encaminhada e recomendada pela embaixada
indiana em Roma pediu, novamente, um visto para o general Del
Gado159 que chegaria à Jugoslávia na primeira metade de Abril».
Numa breve reunião, disse ainda que em Portugal se preparava uma
insurreição que «começaria, ao mesmo tempo, no interior com um
ataque do exterior que preparava o Del Gado» e, por isso, pedia que
lhe permitissem um contacto com alguma personalidade importante
para apresentar a questão da «ajuda em armas, que espera com
certeza». Tinha 3 a 5 mil homens organizados e o «citado exército foi
recrutado, na maior parte, em Goa», pois a Índia estava interessada
«em os libertar, o que não pode fazer enquanto, em Portugal,
governar Salazar».
159
Os erros ortográficos podem ser do subscritor do telegrama ou do
funcionário da cifra. Mesmo a transliteração seria Delgadu ou Delgado. E o anterior
apelido só podia ser Sakse Koburgo-Bragansa.

96
A resposta a Humberto Delgado (Abr./62)

Seguindo as instruções de Belgrado, uma semana depois


(4/Abr.), numa reunião na embaixada indiana, foram pedidas
informações acerca do que passava, quem era Maria Pia, se o assunto
era sério ou não, se ela os contactou e quem fazia parte do exército
de Delgado. O diplomata indiano confirmou que a conheciam bem,
que «a Maria Pia estava ao corrente das actividades de Del Gado»
e tudo o que ela lhes tinha dito, como a viu no aeroporto à espera
do general. Porém, já não sabia quem fazia parte do citado exército,
«mas sabia que Salazar inventava todas as dificuldades possíveis
para retirar as tropas antes deslocadas em Goa. Desculpa-se com a
falta de barcos, de meios materiais e etc.; ao mesmo tempo, propôs
à Índia a troca dos indianos que vivem no território de Portugal
(há cerca de 10 mil, mas não percebi onde viviam) pelos soldados
em Goa». O diplomata jugoslavo anotou ainda que o governo
indiano recusou tal proposta e soube que a Maria Pia era casada
com um general italiano dos carabineiros e, «nas acções do Del
Gado, não participava por ideais e pela coroa, mas sim por causa
das enormes propriedades que tinha em Portugal». Para terminar,
escreveu o seguinte «comentário: o mais claro da conversação foi
que, seguramente, a Índia vê o Del Gado como o futuro presidente
de Portugal. Duas-três vezes me repetiu as frequentes, turbulentas e
dramáticas mudanças nesses países. Igualmente, se notou que não
era verdadeiro aquilo que a Maria Pia nos disse acerca do exército
do Del Gado».
A resposta negativa do SENE a estes pedidos foi enviada
(18/Abr.) para as embaixadas em Roma e no Rio de Janeiro,
considerando que «tal ajuda está fora de questão» e, caso fossem
contactados pelos interessados, foi recomendado: «façam saber que
olhamos com simpatia os movimentos progressistas e de libertação
no mundo, mas que não podemos entrar em tais acordos160».

160
Nestes telegramas (ADMNE, Portugal, F-115, 1962) não aparece
qualquer referência à revolta de Beja na última noite de 1961.

97
Em Maio

Na sua visita a quatro países latino-americanos (Mai./62),


Kotcha Popovitch encontrou-se com João Ribeiro Dantas — ministro
das Relações Exteriores depois da demissão de Afonso Arinos —
e voltaram a falar do colonialismo português como no seu citado
encontro em Belgrado (Abr./61). Segundo o relatório desta viagem,
«[...] os brasileiros salientaram que a sua posição é logicamente
anticolonialista. Todavia, tentaram atenuar com as suas exposições
a gravidade do problema de Angola e doutras colónias portuguesas.
Sublinharam que nos últimos tempos o governo português mudou
a sua posição estritamente colonialista e aspirava a soluções
semelhantes àquelas que aplicaram os britânicos e os franceses
nas suas colónias, pelo que Portugal procurará assegurar as suas
posições económicas como já o fizeram anteriormente a Grã-
-Bretanha e a França. Em particular, Portugal pensava incorporar
as actuais colónias no MCE (N.doT.:Mercado Comum Europeu).
Embora se tenha chegado a uma certa evolução na posição do
governo português, contudo, coloca-se a questão se haverá tempo
para encontrarem uma solução pacífica e construtiva. A tomada de
posições mais suaves na relação à questão das colónias portuguesas
poderia ajudar Portugal na descoberta e realização da resolução de
tal problema.»

Em relação à exposição do seu interlocutor, Kotcha Popovitch


salientou: «que lhe pareciam injustificados os argumentos do
governo português. Era um facto que o governo português se tornou
mais conciliador precisamente após as pressões na própria Angola,
em toda a África e na ONU. Se Portugal não tem possibilidades de
manter, em condições de independência, as suas posições económicas
em Angola e noutros países, tanto menos é justificado que isso lhes
imponha pela força. Nós temos uma visão muito negativa da política
de Portugal e perguntamo-nos se tal regime pode tratar de todo este
ou outros problemas de forma mais realista.»

98
( VIII )
Algumas notas finais

Outros meses passaram e as ligações com os dois movimentos


angolanos foram mantidas através de algumas embaixadas jugoslavas
em países africanos. Numa «Informação acerca de Angola», sem
data, mas com uma referência ao período «depois de mais de ano
e meio após o dia do início da insurreição armada», considera-se
que a hostilidade aumentou entre eles — entre vários exemplos, as
citadas acusações de Marcos Cassanga — com consequências muito
negativas para a insurreição. Esta estava reduzida à parte norte e a
acções esporádicas no centro de Angola, sendo exagerados os totais
dos efectivos militares por eles apontados.
Neste documento, justificam-se161 e recomendam-se as relações
com o MPLA e a UPA. Quanto a uma «eventual concessão de
ajudas», considerava-se que «junto a bolsas de estudo, por agora,
só ter em conta o envio de ajuda humanitária através da Cruz
Vermelha para refugiados e feridos». Uma posição que só a partir
de 1965 se alterou, passando o MPLA a ser o único movimento
angolano a receber (directamente) não só essa ajuda, mas também
armamento. Relativamente ao PAIGC e à FRELIMO, estes foram os
únicos movimentos dos seus respectivos países que receberam ajuda

«Não seria pertinente orientar-se somente para o MPLA, apesar de ele


161

ser mais progressista e favorável à cooperação connosco. É um facto que a UPA


tem a posição mais forte no movimento angolano pelo que se deveria manter, tendo
em conta a sua actual orientação, certos contactos» (AJ, 507, IX, 3/III-4). Neste
documento, é referida a presença, em Leopoldville, de Agostinho Neto e a sua
apresentação ao embaixador jugoslavo por Mário de Andrade.

99
jugoslava. Todavia, o MPLA acabou por vir a ser o mais apoiado e o
único que, a partir de 1970, passou a ter a sua representação oficial
na capital jugoslava.

Foram precisos treze anos — sem aquela «économie importante


de sacrifices en vies humaines» do comunicado da UDENAMO
— para que as consequências das guerras pela independência em
Angola, Guiné e Moçambique se tornassem fatais para o Estado
Novo, pois o premonitório e rápido fim do Estado Português da
Índia pouco abalou, no plano político-militar, a sua política colonial
ou o apoio das forças armadas.
Parafraseando as citadas afirmações do embaixador jugoslavo
na Venezuela acerca dos acontecimentos (Fev./61) que fizeram sair
Angola do «quadro da questão interna de Portugal» e se tornar
numa «questão de carácter internacional», também com o início
das insurreições armadas na Guiné (Jan./63) e em Moçambique
(Set./64) ocorreu o mesmo com essas colónias portuguesas. Uma
«internacionalização» que muito contribuíu para as importantes
mudanças políticas em Portugal (Abr./74) e, depois das indepen­
dências de Moçambique e de Angola, na África Austral.

A existência de um valioso acervo arquivístico, em Belgrado,


permite o estudo deste primeiro ano (e seguintes) do período final
do colonialismo português, reunindo uma grande quantidade de
documentos sobre a política internacional (as relações EUA-URSS,
o anticolonialismo, conflitos mundiais, a formação do movimento
dos países não-alinhados, etc.), a política externa jugoslava (acti­
vidades diplomáticas, Tito, a Conferência de Belgrado, etc.) e o
relacionamento da Jugoslávia com os movimentos de libertação das
colónias portuguesas e a oposição antifascista portuguesa. Aqui, é de
salientar a documentação acerca dos contactos entre membros desses
movimentos e das organizações políticas jugoslavas que passou a
integrar a história desses países após algumas décadas de espera
e desconhecimento. Igualmente, o processo da descolonização,
iniciado com o 25 de Abril, conta com numerosas referências

100
documentais acerca dos seguintes temas: relações jugoslavo-
-portuguesas; posições das grandes potências, de países não-
-alinhados, europeus e americanos; contactos com o PAIGC, MPLA
e FRELIMO; a situação política portuguesa; as independências das
colónias portuguesas.
Na escolha e apresentação dos acontecimentos principais dos
temas enumerados, procurou-se explicar a política externa jugoslava
e os passos que conduziram à primeira cimeira dos países não-
-alinhados em Belgrado, sem esquecer as ligações da Jugoslávia
com as citadas organizações políticas portuguesas e os movimentos
independentistas das colónias africanas.

Quanto à sua importância, pode-se mencionar o agradecimento


de um dirigente socialista (Jorge Campinos) — num almoço oferecido,
durante a primeira visita a Portugal (Jun./74) de uma delegação oficial
jugoslava, em nome da direcção do seu partido —, quando disse:
«Obrigado a vós pela ajuda que deram aos movimentos de libertação,
porque a sua luta ajudou objectivamente as mudanças democráticas
em Portugal».

Também, por fim, este segmento (pouco conhecido) de um todo


arquivístico, repartido por muitos arquivos mundiais, deverá ocupar
o seu lugar na investigação e no estudo deste período da História do
Século XX dos mencionados países.

101
ANEXOS

Anexo-1

No texto final do discurso no Parlamento ganês, Tito riscou as


referências à ONU (texto sublinhado).

«Um exemplo muito perigoso destas tendências reaccionárias,


que ainda hoje actuam no continente africano, é também a política
sem escrúpulos de opressão conduzida pelos colonialistas em
Angola. Estes colonialistas mantêm nas suas possessões coloniais
ainda hoje um sistema esclavagista, que representa um claro insulto
para toda a humanidade. Proclamando as suas possessões coloniais
partes integrantes da metrópole, os colonialistas portugueses,
como que consideram que ainda vivemos na época do tráfico de
escravos, negam publicamente aos povos coloniais não só o direito
à autodeterminação, mas também em geral o direito ao homem de
uma existência digna. Com isso, eles espezinham brutalmente os
princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas. Todavia, a
alguns países ocidentais, conduzidos por mesquinhos interesses, não
incomodou proporem o representante de tal governo para membro
do Conselho de Segurança, no que não tiveram sucesso devido à
enérgica oposição dos países independentes.»

(AJ, 837, KPR–I-4-a, J2)

103
Anexo-2

Discussão de temas (com texto sublinhado) para o discurso de


Tito no Parlamento ganês (Mar./61).

«Vélheko Mitchunovitch – Em particular, é preciso mencionar


Portugal, onde quer que isso seja possível, porque ele é uma vergonha
e maldição para todos. Tem um colonialismo que se fundamenta
no tráfico de escravos, que mantém um sistema esclavagista, que
representa uma ofensa para as NU (N.doT.: Nações Unidas) e toda
a humanidade. Não podemos descarregar tanto a bílis no De Gaulle
(talvez na Guiné e Marrocos), pelo que se deve bater em Portugal.
Acaba de promulgar um decreto em que Angola é uma província
portuguesa.
Leo Mates – Não podemos evitar nem a União Sul-Africana.
V.M – Ainda falaremos, depois. Mas, não temos relações com
Portugal.
L.M – Sim, deve-se acentuar Portugal, porque até o
candidataram para membro do Conselho de Segurança, o que foi
uma insolência.
V.M- [Depois da referência à morte de Lumumba e o protesto
mundial de milhões de pessoas...] no caso do Congo, as NU actuaram
contra a Carta da ONU e contra as suas decisões. Ninguém declarou
guerra às NU. Aqui trata-se da violação da Carta. As NU tiveram
um papel positivo no Sinai e no Líbano.
LM – Quando se tratar da afirmação da política fora dos
blocos, deve-se realçar que isto é, no fundo, a afirmação dos ex-
-países colonizados, pelo que, no fim, se mostra que eles não são só
anticolonialistas. Os países fora dos blocos são ex-colónias e são
parte integrante da realidade política do mundo actual. Este será
também aquele elemento optimista no discurso. Não são mais só
objectos na política exterior, mas sim titulares de uma concepção
progressista de política exterior no mundo».

(AJ, 837, KPR–I-4-a, J2)

104
Anexo-3

Discurso de Tito, em Belgrado (27/Abr./61), após o regresso da


visita oficial a 8 países africanos.

«Durante o tempo da nossa estadia nesses países, preocupou-


-nos bastante aquilo que se passou no Congo: todas aquelas coisas
terríveis que aconteceram e que ali ainda continuam a acontecer.
Preocuparam-nos também os acontecimentos em redor de Cuba,
preocupou-nos a situação relativa ao Laos, como também aquilo
que ocorre na Argélia. Estes são focos muito perigosos dos quais
cada um pode separadamente empurrar o mundo para a catástrofe.
Compreende-se, na viagem nós soubemos da indignação do povo no
nosso país em relação aos acontecimentos no Congo e o assassinato
do presidente do governo Lumumba. [...]»
«Durante estas visitas, vimos, entre todo o resto, uma coisa
que nos inquieta um pouco. Juntamente à solidariedade africana,
que é uma enorme força e um importante factor, notámos que de
fora existem tentativas por parte de algumas potências coloniais
de provocar divisões entre a chamada África negra e branca, o que
sem dúvida, caso tal o consigam, provocará enormes danos à luta
dos povos africanos pela total liquidação do colonialismo.»

(AJ, 837, KPR I-4-a J2)

105
Anexo-4

Referências a Portugal na Declaração da Conferência


(Set./61).

«Os países participantes chamaram a atenção da Conferência


com bastante preocupação para os acontecimentos de Angola e as
intoleráveis medidas de repressão exercidas contra o povo angolano
e eles exigem que seja posto fim imediatamente a todo derramamento
de sangue em Angola; todos os países pacíficos, particularmente os
Estados membros das Nações Unidas, desejam ajudar o povo angolano
a constituir sem atraso um Estado livre e independente. [...]».
«Os participantes na Conferência consideram também que
os territórios de Goa, Damão e Diu que Portugal detém como sua
possessão colonial na República da Índia têm de ser integrados no
país de origem».

(AJ, 837, KPR–I-4-a)

106
Anexo-5

Algumas diferenças entre o rascunho manuscrito (texto entre


parênteses rectos) e o discurso de Tito pronunciado na Conferência
de Belgrado (3/Set./61).

«A selvajaria das forças armadas portuguesas contra a


população desarmada em Angola provoca indignação por todo o
mundo. [Em geral, dezenas de milhares de mulheres, crianças e pessoas
mortas parecem em nada tocar o coração dos cruéis colonialistas]
Já foram mortas dezenas de milhares de pessoas, mulheres e
crianças, mas sobre isto passam calmamente tanto os colonialistas
portugueses, como, infelizmente, [e, infelizmente, aquelas potências
que por determinadas contas olham benevolentemente para tais
bestialidades.] aquelas potências que perante elas, devido a certas
contas suas, manifestam benevolência e, assim, assumem sobre si
parte da pesada responsabilidade. Mas milhões de pessoas não só
em África e Ásia, mas em todo o mundo, [isto não pode deixá-los
indiferentes.] não podem ficar indiferentes perante isto. Ao povo
angolano é preciso dar todo o apoio na sua luta pela independência
[Ao povo angolano é preciso dar todo o apoio na sua luta pela
independência.] e o direito de ser senhor do seu país. Nós devemos
exigir energicamente, não só aqui, mas principalmente através
das Nações Unidas que num mais curto prazo seja dada total
independência à Angola. A secular escravatura deve acabar quanto
antes. Caso contrário, tal secular vergonha cairá sobre as gerações
do século XX.»

(AJ, 837, KPR–I-4-a, J2)

107
FONTES E BIBLIOGRAFIA

I ) FONTES

Arquivo da Jugoslávia (AJ).


Arquivo Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros (ADMNE).
Museu da História da Jugoslávia (arquivo fotográfico).
Arquivo da Filmske Novosti (noticiários e documentários cinema­tográficos).
Sector de Documentação da Rádio Televisão da Sérvia (programas
televisivos).
Radiodifusão da Sérvia (arquivos sonoros).
Biblioteca Nacional da Sérvia (diários Politika e Borba, semanário Komunist
e da revista quinzenal Medjunarodna Politika, Belgrado,1961).
(http://www.cphrc.org/index.php/documents/colonialwars/mozambique/175-
1961-05-23-letter-about-eduardo-mondlane-from-chester-bowles-to-
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110
SIGLAS

ADMNE — Arquivo Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros


AJ — Arquivo da Jugoslávia
ASPTJ — Aliança Socialista do Povo Trabalhador da Jugoslávia
CONCP — Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias
Portuguesas
CC LCJ — Comité Central da Liga dos Comunistas da Jugoslávia
COREMO — Comité Revolucionário de Moçambique
CB — Conferência de Belgrado
DRIL — Directório Revolucionário Ibérico de Libertação
FRELIMO — Frente de Libertação de Moçambique
FPLN — Frente Patriótica de Libertação Nacional
JCAP — Junta Central de Acção Patriótica
MPLA — Movimento Popular de Libertação de Angola
PAIGC — Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde
PCJ — Partido Comunista da Jugoslávia
PCP — Partido Comunista Português
RAU — República Árabe Unida
SENE — Secretariado de Estado dos Negócios Estrangeiros
UDENAMO —União Democrática Nacional de Moçambique
UEJ — União dos Estudantes da Jugoslávia
UGEAN — Congresso da União Geral dos Estudantes da África Negra
(sob a dominação colonial portuguesa)
UPA — União da População de Angola

111
índice onomástico

Abbas, Ferhat, 16
Abud, Sardar M., 55
Adoula, Cyrille, 41, 43, 61, 62, 68, 70
Agostinho, Pedro, 6
Aititch Predrag ( Ajtić P.), 60, 65, 68, 69, 73, 91
Alicata, Mário, 80
Almeida, Luís de, 84
Andrade, Mário de, 24, 32, 33, 34, 37, 38, 41, 45, 56, 59, 60, 61, 62,
63, 64, 65, 71, 89, 99
Andritch, Ivo, (Andrić I.), 85
Arinos, Afonso, 28, 29, 98
Arquivo Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, 10
ASPTJ, 22, 23, 30, 39, 42, 57, 58, 60, 61, 62, 64, 70, 72, 73, 81, 82,
85, 91, 94, 95
Babitch, Dimitríie, (Babić,Dimitrije), 23
Baptista, João, 95
Barrio, José del, 26, 27
Bebler, Alex,21
Beirão, Martins, 89
Benkheda, Iusef, 63
Boguetitch Dragan (Bogetić,D.) 5, 6
Borba, 10, 34, 40, 48, 57, 58, 59, 74
Bourguiba, Habib, 15,33,55, 63
Bowles, Chester B., 6, 14, 43
Bragança, Maria Pia de, 96, 97
Brzitch, R. (Brzić), 35

113
Cabral, Amílcar, 23, 56, 57
Cassanga, Marcos, 95, 99
Carrillo, Santiago, 26
Campinos, Jorge, 101
Guevara, Ernesto Che, 26
Coelho, V.H., 87
Cominform, 3, 9, 21
CONCP, 15, 30, 32, 56, 58, 71, 72, 82, 89
Cruz Vermelha Internacional, 44
Cruz, Viriato, 23
Cunhal, Álvaro, 21, 60
Dantas, João Ribeiro, 6, 98
De Gaulle, Charles, 15, 29, 104
Delgado, Humberto, 27, 28, 29, 30, 86, 87, 90, 92, 95, 96, 97
Dimitch, Lhubodrag (Dimić, Ljubodrag), 4, 48
Dimitrov, Gueorgui M., 9
Djilas, Milovan, 68
Djikitch, Osman, 30
DRIL, 25, 26, 27, 28
Estaline, Iosif V., 3, 9, 34
Franco, Francisco, 27, 91
FRELIMO, 56, 72, 99, 101
Freire, Gilberto, 22
Gagarin, Iuri, 15
Galbraith, John K., 87
Galvão, Henrique, 26, 27, 29, 86, 92
Exército de Libertação Popular da Jugoslávia, 18
Faculdade de Direito em Lisboa, 65
Fanon, Franz, 41
Ferreira, Tomás, 64
Filmske Novosti, 10
Gichoya, K.N., 88
Gilmore, José (Holden Roberto), 23, 31, 33, 34, 41, 42, 60, 61, 62,
66, 67, 68, 69, 85, 93
Gizenga, Antoine, 32, 43, 61, 62, 70

114
GPRA, 63
Graça, Desidério da, 83
Gwambe, Adelino, 56, 72, 73, 74
Hassan II, 33, 55
Holden, Roberto, 23, 24, 30, 31, 32, 37, 39, 40, 41, 43, 56, 61, 65,
68, 69, 70, 95, 96
Homer, A. Jack, 61
Horta, José Carlos, 84
Ivekovitch, Ivan, (Iveković I.), 82
Iosifovitch, Lhuba, (Josifović, Ljuba), 30
JCAP, 57, 94
Just, Julio, 26, 27
Kasavubu, Joseph, 31, 32, 36, 62
Kalonji, Albert, 17
Keita, Modibo, 16, 34
Kennan, George, 15, 43, 79
Kennedy, John, 29, 51, 52, 61, 78
Komunist, 48
Kruchetchov, Nikita S., 3, 51, 52, 78
Kulhitch, Todor (Kuljić, T.), 9
Kveder, Duchan (Kveder, Dušan), 88
Lara, Lúcio, 23
Lemos, Mário Matos e,89
Lenine, Vladimir U.,34
Liga da Paz, 30, 86, 87
Liga dos Comunistas da Jugoslávia, 3, 9, 22, 23, 57, 60, 69, 77, 81,
85, 95
Lima, António Correia de, 89
Lumumba, Patrice, 13, 17, 33, 36, 40, 41, 42, 43, 62, 104, 105
Maalayeye, C.Z., 73
Mates, Leo, 18, 86, 104
Matveievitch, Predag (Matvejević P.), 15
Medjunarodna Politika, 48
Meneses, Hugo, 23
Mihailovitch, Draja, (Mihailović Draža), 15

115
Mitchunovitch Velhéko (Mičunović, Veljko), 18, 104
Mobutu, J.D.., 17, 32, 40, 43, 62
Mondlane, Eduardo, 15, 56
MPLA, 23, 24, 33, 37, 38, 39, 41, 44, 45, 50, 56, 58, 59, 60, 61, 62,
63, 64, 65, 66, 69, 90, 95, 99, 100, 101
Museu da História da Jugoslávia, 10
Murville, M. Couve de, 28
Não-Alinhados (Movimento dos Países), 5, 6, 8, 13, 34, 48, 62, 82
Nasser, Gamal A., 5, 6, 7, 16, 34, 55, 61, 63
Nehru, Djavaharlal, 3, 5, 6, 61, 66, 68, 87, 88, 89
Nikezitch, Marko, (Nikezić M.), 79
Nkrumah, Nkrumah, 6, 16, 30, 34, 40, 43, 59, 61, 67, 68
ONU, 6, 7, 14, 17, 18, 22, 24, 28, 30, 32, 33, 34, 44, 45, 50, 52, 53,
55, 58, 62, 63, 65, 92, 98, 103, 104
OTAN, 25, 37, 53, 63, 74, 87
PAIGC, 57, 99, 101
Partido Comunista da URSS, 3
PCP, 21, 23, 25, 60, 78, 94
Petchar, Zdravko (Pečar Z.), 40
Pinnock, Johnny, 56, 66
Plavitsa, Branko, (Plavica, B.), 47
Politika, 48, 80
Popovitch, Konstantin Kotcha (Popović, K. Koča), 14, 82, 98
Quadros, Jânio, 5, 6, 29
Raby, Dawn L., 27, 28
Rankovitch, Aleksandar (Ranković,A.), 59
Ruivo, Mário, 56, 57, 90, 94
Rusk, David Dean, 14
Salazar, A.O., 26, 27, 28, 29, 57, 58, 74, 89, 91, 92, 93, 94, 96, 97
Santos, Marcelino dos, 56, 71, 72, 73, 86, 89
Saud, Ibn, 51
Savimbi, Jonas, 34, 35, 36, 37, 39, 42, 44, 56, 58, 65, 67, 68, 86
Selassié, Haile, 5
SENE, 28, 30, 32, 79, 81, 86, 90, 91, 97
Sertório, Manuel, 86

116
Silva, Agostinho da, 6
Sotomayor, Jorge, 27, 28
Stoiakovitch, Milan, (Stojaković M.), 24
Sukarno, 6, 55, 78
Tchernei, Darko (Černej, D.), 27
Tchombé, Moisés, 17, 40
Tempo, Svetozar Vukmanovitch (S. Vukmanović T.), 59
Tito, Iosip Broz, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 34, 42,
43, 44, 45, 48, 50, 52, 55, 56, 57, 59, 60, 64, 67, 68, 70, 73, 81,
82, 100, 103, 104, 105, 107
Topaloski, Ilíia, (Topaloski Ilija), 33
Touré, Sékou, 16, 34, 51
Tsevetkovitch, Dragan, (Cvetković, D.), 47
U Nu, 55
UDENAMO, 56, 71, 73, 74, 75, 100
Udovitchki, Lazar (Udovički, L.), 25,26, 27
UGEAN, 72, 82, 83
UNEM, 85
Universidade de Belgrado, 18, 59, 60
UPA, 23, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43, 44, 56, 58,
60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 68, 69, 70, 90, 95, 99
Vayo, Alvarez de, 26
Viana, Gentil F., 56, 59, 65, 86, 89
Viditch Dobrivoíe, (Vidić, Dobrivoje), 42, 60, 91
Viktorovitch (Viktorović), 72
Vlahovitch, Vélheko (Vlahović, Veljko), 60, 65, 69, 70, 80, 85
Webber, Eduardo, 56

117
índice toponímico

Acra, 23, 30, 41


Afeganistão, 8, 52
África, 6, 17, 22, 24, 25, 29, 33, 44, 57, 59, 63, 72, 74, 82, 83, 84, 86,
87, 93, 98, 100, 105, 107
África do Sul, 22, 74
Albacete, 60
Alemanha, 7, 47, 53, 67, 86, 92
Ancara, 79
Angola, 13, 14, 15, 17, 22, 23, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36,
37, 39, 40, 41, 42, 44, 45, 50, 52, 55, 57, 58, 59, 60, 62, 63, 64,
65, 66, 67, 68, 69, 70, 74, 77, 82, 83, 85, 86, 88, 90, 91, 92, 93,
95, 96, 98, 99, 100, 103, 104, 106, 107
Arábia Saudita, 8
Argel, 57, 94
Argélia, 5, 8, 15, 16, 18, 30, 40, 50, 52, 55, 60, 63, 65, 67, 82, 105
Argentina, 5
Austrália, 6
Bandung, 4, 5, 78
Barcelona, 60
Beja, 97
Bélgica, 13, 17, 21, 36, 80, 87
Belgrado, 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 13, 15, 18, 25, 26, 27, 28, 29, 30,
32, 33, 35, 39, 40, 42, 43, 44, 45, 47, 48, 49, 50, 52, 57, 59, 60,
63, 64, 66, 68, 70, 71, 72, 77, 78, 79, 80, 82, 85, 86, 88, 90, 94,
95, 97, 98, 100, 101, 105, 107
Berlim, 7, 51, 53, 80

119
Birmânia, 4, 6, 8, 42, 51, 55
Bizerta, 50, 55
Bolívia, 5, 8
Bombaim, 86
Brasil, 5, 6, 8, 26, 27, 28, 29, 36, 37, 86, 90, 93
Brazaville, 30
Brioni, 5, 6, 9, 43
Bruxelas, 85
Buenos Aires, 26
Bulawayo, 56
Cabo-Verde, 33
Cachemira, 88
Cairo, 7, 8, 24, 34, 38, 44, 48, 50, 57, 63, 78, 82, 88
Cambodja, 8, 52
Canadá, 6, 61
Caracas, 25, 26, 27, 28
Casablanca, 15, 30, 32, 33
Ceilão, 4, 6, 8, 51, 52
China, 6, 37, 78
Chipre, 8, 51
Coimbra, 2, 56, 91
Colômbia, 5
Conacri, 31, 33, 37, 44, 62
Congo, 5, 8, 14, 15, 17, 18, 22, 23, 30, 31, 32, 33, 36, 40, 41, 42, 44,
50, 59, 62, 63, 64, 70, 74, 82, 90, 96, 104, 105
Coreia, 4
Costa-Rica, 5
Cuba, 5, 7, 8, 16, 50, 51, 72, 105
Damão, 52, 86, 89, 106
Danúbio, 50
Diu, 52, 86, 89, 106
Egipto, 4, 5, 6, 7, 13, 16, 82
Equador, 5, 8
Eslovénia, 22, 59
Espanha, 14, 21, 25, 26, 27, 60, 85, 93

120
Etiópia, 4, 5, 6, 8, 51
EUA, 3, 5, 6, 13, 14, 15, 18, 22, 28, 29, 31, 32, 33, 36, 37, 43, 49, 51,
52, 61, 62, 63, 67, 79, 86, 87, 88, 89, 91, 100
França, 5, 21, 22, 25, 26, 27, 37, 43, 60, 84, 93, 98
Federação das Rodésias e da Niassalândia, 74
Gana, 5, 6, 8, 13, 16, 36, 43, 51, 52, 60, 72
Genebra, 4, 35, 59, 67
Goa, 25, 33, 52, 66, 86, 87, 88, 89, 92, 96, 97, 106
Grã-Bretanha, 87, 88, 98
Grécia, 49, 79, 87
Guiné, 6, 7, 8, 15, 33, 37, 51, 60, 77, 100, 104
Haiti, 5
Havana, 7, 8
Honduras, 5
Hungria, 9
Iémen, 8
Índia, 3, 4, 6, 7, 8, 14, 21, 22, 30, 37, 51, 66, 78, 80, 86, 87, 88, 89,
96, 97, 100, 106
Indochina, 4, 17
Indonésia, 4, 6, 8, 22, 51, 72
Inhambane, 56
Iraque, 8
Israel, 51, 78, 92
Itália, 30, 49, 80, 87, 93, 96
Jugoslávia, 1, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24,
25, 26, 27, 28, 30, 31, 34, 39, 43, 44, 47, 49, 50, 51, 52, 53, 57,
59, 60, 62, 65, 66, 67, 70, 72, 73, 78, 79, 80, 83, 85, 86, 91, 93,
94, 96, 100, 101
Karachi, 89
Karikal, 89
Kisangani, 43
Laos, 50, 105
Lausana, 35
Leopoldville, 30, 31, 36, 42, 66, 68, 90, 95, 99
Lhublhana (Ljubljana), 47

121
Líbano, 4, 8, 51, 104
Libéria, 6, 13, 29, 30, 36
Lisboa, 15, 21, 27, 31, 65, 84, 85, 89
Lobito, 40
Londres, 3, 4, 24, 47
Luanda, 14, 63, 65
Lusaca, 8
Madrid, 60, 85
Mahé, 89
Mali, 6, 8, 15, 36, 51
Marrocos, 5, 6, 8, 15, 28, 30, 52, 86, 94, 104
México, 5, 26
Milão, 26
Moçambique, 15, 22, 33, 56, 72, 73, 74, 75, 77, 92, 100
Monróvia, 41
Moscovo, 3, 18, 60
Nepal, 8, 51
Nova Deli, 86, 87, 88
Nova-Iorque, 24, 30, 34, 37, 61, 63, 68
Novi Sad, 39, 50
Paquistão, 4, 87
Paris, 14, 21, 27, 28, 31, 35, 60, 65, 82
Peru, 5
Pondichéry, 89
Portugal, 10, 14, 21, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 32, 33, 34, 35, 37, 40,
43, 44, 45, 56, 57, 58, 60, 63, 64, 66, 67, 71, 73, 74, 75, 77,
83, 84, 85, 86, 87, 88, 90, 91, 92, 93, 94, 96, 97, 98, 100, 101,
104, 106
Praga, 25, 60
Quai d’Orsay, 28
Rabat, 32, 72, 82, 84
RAU, 34, 36, 50, 51, 60, 63, 72
Reino Unido, 3, 18, 37, 42, 49, 87, 89
República Árabe Unida, 8, 34
RFA, 49, 84

122
Rio de Janeiro, 25, 97
S.Tomé e Príncipe, 33
São Paulo, 86
Saraíevo (Sarajevo), 13, 47
Senegal, 22
Síria, 4
Smederevo, 50, 59
Somália, 8
Split, 13
Stara Pazova, 39
Sudão, 6, 8, 52
Suécia, 61
Suíça, 14, 35, 67
Tailândia, 4
Tanzânia, 23, 56, 82
Timor, 77
Trieste, 3
Tunis, 23, 63
Tunísia, 5, 6, 8, 15, 36, 39, 40, 52, 55, 62, 63, 96
Turquia, 79
União Sul-Africana, 14, 15, 35, 40, 42, 104
URSS, 4, 5, 6, 14, 15, 18, 21, 37, 42, 52, 60, 79, 86, 100
Uruguai, 26
Venezuela, 5, 25, 26, 93, 100
Viena, 51, 56, 59, 67
Vietname, 5, 50
Washington, 14
Yanaon, 89
Zagreb, 13, 18, 47, 82

123
Rezime

Tekst ‘’Beogradska konferencija (septembar 1961), Jugoslavija


i portugalski kolonijalizam’’ nastao je kao rezultat istraživačkog rada
obavljenog u Arhivu Jugoslavije i Diplomatskom arhivu ministarstva
spoljnih poslova čija je dragocena građa dozvoljavala proučavanje
kako ove prve tako i sledećih godina krajnjeg perioda portugalskog
kolonijalizma (1961 – 1975). U njima se nalaze hiljade dokumenata
o medjunarodnoj politici (odnosi SAD – SSSR, antikolonijalizam,
svetski sukobi, osnivanje pokreta nesvrstanih zemalja, itd), o
jugoslovenskoj spoljnoj politici (diplomatska aktivnost, Tito,
beogradska konferencija i dr), i o odnosima koje je Jugoslavija
imala sa pokretima za oslobođenje iz portugalskih kolonija kao i
sa portugalskom antifašističkom opozicijom. Među njima se ističe
dokumentacija o prvim kontaktima između članova ovih pokreta i
jugoslovenskih političkih organizacija, koja je tokom više decenija
bila nepoznata. Takođe se, u mnogobrojnim dokumentima, pominje
i proces dekolonizacije koji je započet državnim udarom 25. aprila
1974, u vezi sledećih tema: jugoslovensko-portugalski odnosi;
stavovi velikih sila, nesvrstanih, evropskih i američkih zemalja;
kontakti sa pokretima PAIGC, MPLA i FRELIMO; portugalska
politička situacija i nezavisnost bivših portugalskih kolonija.
Izbor i predstavljanje glavnih događaja iz navedenih tema
podeljenih u 8 poglavlja, omogućio je da se objasni jugoslovenska
spoljna politika i koraci koji su doveli do prvog samita nesvrstanih
zemalja u Beogradu, kao i prve veze koje je Jugoslavija uspostavila
sa pokretima za nezavisnost iz afričkih kolonija i sa portugalskim
antifašističkim organizacijama.

125
Kako je čitanje ovih izvora i navedene bibliografije na
srpsko-hrvatskom nepristupačno čitaocima ovog teksta pisanog
na portugalskom jeziku, na prvim stranicama je dat uvod u
jugoslovensku spoljnu politiku posle 1945, opis Titovog ‘’afričkog
putovanja 1961’’ , i njegove zvanične posete u 8 afričkih zemalja od
februara do aprila. Što se tiče ‘’odnosa Jugoslavije s Portugalom i
pokretima u njegovim kolonijama’’, dokumentacija koja se odnosi
na 1961. omogućava nam da navedemo otmicu putničkog broda
‘’Santa Maria’’, početak kolonijalnog rata u Angoli (februar – mart)
i da saznamo detalje počev od pružene spoljne pomoći SAD i Brazila
u pokušaju državnog udara, aprila meseca, koji je izveo portugalski
ministar odbrane zbog protivljenja vojnom rešenju Salazarove
kolonijalne politike pa do posete Beogradu, krajem septembra,
generala Umberta Delgada, opozicionog kandidata na predsednički
izborima 1958. i kasnijeg izbeglice u Brazilu.
Tokom tih meseci održana je Konferencija nacionalističkih
organizacija portugalskih kolonija (CONCP) u Kazablanci u aprilu,
a obavljeno je i više razgovora sa Holdenom Robertom i Jonasom
Savimbijem, vođama Saveza stanovništava Angole (UPA), koji su
boravili u Jugoslaviji u avgustu kada ih je primio i predsednik Tito.
Pošto je na ministarskom sastanku u Kairu, održanom juna 1961,
doneta odluka o izboru Beograda, počelo se sa pripremama za
realizaciju prvog skupa budućeg pokreta nesvrstanih zemalja od 1. do
5. septembra. Konferenciji je prisustvovalo 25 država članica, 3 države
posmatrači i 38 predstavnika iz oslobodilačkih pokreta i progresivnih
partija i organizacija sa svih kontinenata. Među njima su se nalazile i
neke vođe pokreta za nezavisnost iz portugalskih kolonija.
Što se same organizacije tiče, Beograd je za manje od 3
meseca bio pretvoren u gradilište u koje je izvedeno stotinak većih
i manjih radova (investicije, gradska infrastrukura i dr). Sredinom
avgusta ukupna vrednost troškova je dostigla iznos od 8,1 milijardi
dinara, tj. 27 miliona dolara. Što se tiče troškova same konferencije,
Jugoslavija je podnela najveći deo troškova za pripreme i realizaciju
konferencije, jer su oni samo delimično bili pokriveni doprinosima
zemalja učesnica.

126
U petom poglavlju, o ‘’ konferencijskim sednicama, debatama
i deklaracijama’’ dat je prikaz ne samo rada i učesnika konferencije,
već i drugi događaji koji su se odigrali tih dana u Beogradu, o
posetama Novom Sadu i Smederevu o čemu je izveštavalo skoro
hiljadu novinara, fotografa i kamermana novinskih agencija, radija i
televizije, od čega je više od polovine bilo iz inostranstva.
U sledećem poglavlju pod nazivom ‘’Kolonijalizam, delegacije
i konferencija’’, kolonijalno pitanje zauzima značajno mesto, kako
u debatama, tako i po osudi kolonijalizma i pomoći borbi naroda
iz kolonija što je istaknuto u deklaraciji skupa, gde se navode
‘’događaji u Angoli’’ i integracija ‘’teritorija Goa, Damao i Diu u
[...] zemlje porekla’’. Istovremeno, obavljeni razgovori s nekim od
9 članova delegacija oslobodilačkih pokreta iz portugalskih kolonija
dobro su dokumentovani.
Od poslednja dva poglavlja, u jednom se iznose neka dešavanja
koja su se dogodila ‘’tokom sledeći sedmica i meseci’’, gde se
ističe kraj takozvane portugalske države u Indiji, decembra iste
godine, kako je i bilo zahtevano na Beogradskoj konferenciji i njena
integracija u Indiju, zatim poseta jednog predstavnika portugalske
antifašističke organizacije (JCAP) i razgovori koje je u februaru
vodio u SSRNJ, rat u Angoli i, vezano s tim, optužba za masakr
koji je UPA, marta 1962, izvršila nad gerilcima MPLA i na kraju,
odgovor koji je Koča Popović dao brazilskom ministru spoljnih
poslova prilikom svoje posete Brazilu, maja 1962: ‘’ako Portugal
nema mogućnosti da u uslovima nezavisnosti održi svoje ekonomske
pozicije u Angoli i drugim zemljama, utoliko je manje opravdano da
im se one nameću silom’’. Zaključio je da Jugoslavija ima ‘’veoma
negativno gledanje na politiku Portugala’’ i upitao se ‘’da li taj režim
uopšte može prilaziti realističnije tim i drugim problemima’’.

U drugom poglavlju, pod nazivom ‘’nekoliko završnih


reči’’, spominju se kasniji odnosi Jugoslavije sa MPLA i UPA
(kasnije FNLA), iskazi jugoslovenskog ambasadora u Venecueli o
događajima (februara 1961), koji su doveli do toga da Angola izađe
iz ‘’okvira portugalskog unutrašnjeg pitanja’’ i da sada ima „karakter

127
međunarodnog pitanja’’, kao što se isto dogodilo sa Gvinejom Bisao
posle početka oružane pobune januara 1963, i s Mozambikom, u
septembru 1964. Ova „internacionalizacija’’ je umnogome doprinela
važnim političkim promenama u Portugaliji, u aprilu 1974, a
kasnije, posle sticanja nezavisnosti Mozambika i Angole, i u drugim
zemljama na jugu Afrike.
Što se tiče važnosti pomoći koju je Jugoslavija pružila, citiraju
se reči zahvalnosti jednog portugalskog političara koje je izrekao
prilikom prve zvanične posete jedne jugoslovenske delegacije, u
junu 1974: „Hvala vam za pomoć koju ste pružili oslobodilačkim
pokretima, jer je njihova borba objektivo pomogla demokratske
promene u Portugaliji’’.
Zbog toga smatramo da bi ova navedena i malo poznata arhivska
zbirka, trebalo da zauzme svoje mesto u istraživanju i proučavanju
ovog perioda istorije XX veka gore spomenutih zemalja.

Autor, Žorž Santuš Karvalju (Jorge Santos Carvalho), diplo­mi­


rao je i magistrirao istoriju na Univerzitetu u Beogradu. Trenutno je
doktorant Univerziteta u Kuimbri sa disertacijom o jugoslovensko-
portugalskim odnosima 1974 – 1975.
U Beogradu je objavio sledeće radove:
«Prilike među jugoslovenskim izbeglicama u Portugaliji (1941
– 45)», Istorija XX veka, br. 2, Beograd, 1986, str. 93 – 129;
«Jugoslovensko poslanstvo i portugalska antifašistička
opozicija (1945 – 48)», Tokovi istorije, Beograd 2003, str. 14 – 54.

128
SUMÁRIO

A Conferência de Belgrado (Set./1961),


a Jugoslávia e o Colonialismo Português

I ) Introdução.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
II ) A viagem africana de 1961.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
III ) As relações da Jugoslávia com Portugal e os
movimentos de libertação das suas colónias.. . . . . . . . . . . . . 21
O «Santa Maria».. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Da «Abrilada» à viagem de Humberto Delgado a Belgrado. . 28
Conversações com a UPA (Holden Roberto).. . . . . . . . . . . . 30
A CONCP.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Conversações com a UPA (Jonas Savimbi). . . . . . . . . . . . . . 34
IV ) Uma delegação da UPA na Jugoslávia e uma carta do
MPLA (Ago./61). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
A carta do MPLA.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
V ) Algumas notas acerca da Conferência. . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Dos preparativos em Belgrado à chegada das delegações.. . 49
As sessões, os debates e as declarações da Conferência. . . . 51
VI ) O colonialismo, as delegações e a Conferência.. . . . . . . . . . 55
As delegações do PAIGC e da JCAP. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
As delegações do MPLA e da UPA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
A CONCP e a UDENAMO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
VII ) No decorrer das semanas e meses seguintes.. . . . . . . . . . . . 77

129
Ainda em Setembro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Em fins de Setembro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
Até final desse ano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Em Fevereiro do ano seguinte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
Angola e o exército de Humberto Delgado (Mar./62). . . . . . 95
A resposta a Humberto Delgado (Abr./62) . . . . . . . . . . . . . . 97
Em Maio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
VIII ) Algumas notas finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

A N E X O S. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Anexo-1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
Anexo-2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
Anexo-3. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Anexo-4. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
Anexo-5. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

Fontes e Bibliografija. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109


Siglas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
índice onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
índice toponímico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Rezime (Resumo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

130
« Hoje às 10 horas começa a Conferência dos Países fora dos blocos»
«Tito abrirá a Conferência »
POLITIKA, 1/Set./1961

131
« Hoje, em Belgrado, começa a Conferência de Chefes // de Estado e de
Governo dos Países fora dos Blocos »
BORBA, 1/Set./1961

132
« Aleksandar Rankovitch ofereceu uma recepção em honra // dos
representantes dos movimentos de libertação e partidos progressistas »
BORBA, 3/Set./1961

133
« O povo de Moçambique sauda a
Conferência de Belgrado —
declarou o presidente da União
Nacional Democrática de
Moçambique Adelino Gwambe »
BORBA, 8/Set./1961

134
« Mário de Andrade » // « Os colonizadores portugueses // mataram
cerca de 50 000 angolanos »
BORBA, 10/Set./1961

135
« Das mensagens para a Conferência de Belgrado»
« Em Portugal expande-se onda de terror salazarista » // — Afirma-se no
apelo da Junta da Acção
Democrática» // // « Crime em Angola » (fotografia)
BORBA, 24/Set./1961

136
« Os princípios da coexistência pacífica — a única possibilidade alternativa
para a catástrofe nuclear mundial »
KOMUNIST, 7/Set./1961

137
Os Chefes de Estado e de Governo na Conferência de Belgrado
(fotografia)
Izdavač
Udruženje za društvenu istoriju
Čigoja štampa

Za izdavače
Milan Ristović
Žarko Čigoja

Priprema i štampa

[email protected]

ISBN 978-86-531-0100-8
CIP - Каталогизација у публикацији
Народна библиотека Србије, Београд

327(497.1)"1961/1975"
325.3(469)"1961/1975"
323(469)"1961/1975"

CARVALHO, Jorge Santos, 1943-


A Conferência de Belgrado (Set./1961), a
Jugoslávia e o colonialismo Português / Jorge
Santos Carvalho. - Beograd : Udruženje za
drutvenu istoriju : Čigoja štampa, 2014
(Beograd : Čigoja štampa). - 140 str. :
ilustr. ; 20 cm

Tiraž 100. - Anexos: str. 103-107. - Siglas:


str. 111. - Napmene i bibliografske reference
uz tekst. - Fontes e Bibliografija: str.
109-110. - Registri. - Rezime.

ISBN 978-86-531-0100-8

a) Међународни односи - Југославија -


1961-1075 b) Колонијализам - Португалија -
1961-1975 c) Португалија - Политичке
прилике - 1961-1975
COBISS.SR-ID 210789900

140

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