Tertulias Literarias
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Tertulias Literarias
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Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar a tertúlia literária como uma prática
inovadora para o trabalho com a leitura em sala de aula. Para isso serão retratados aspectos
de uma pesquisa realizada com alunos do 7º ano de uma escola pública estadual de São
Paulo, na qual puderam vivenciar e compartilhar a leitura de alguns clássicos da literatura
mundial. As tertúlias literárias estabelecem um lugar de exercício da leitura dialógica, pois
nelas os leitores vão discutir a obra, dialogar, trocar experiências, acionar e compartilhar
saberes já existentes, assim como aprender com o outro, priorizando sempre o diálogo, a
solidariedade e o respeito às diferenças.
Palavras-chave: tertúlia literária, escola pública, sala de aula, leitura dialógica.
Abstract: This article aims to present the literary lecture as an innovative practice for working
with reading in the classroom, it will present some aspects of a research carried out with
seventh grade students of a state public school in São Paulo in which they could experience
and share the reading of some classics world literature. The literary lecture establishes a place
of exercising the dialogical reading, because the readers will discuss the work, to dialogue, to
exchange experiences, to activate and to share already existing knowledge, as well as to learn
with other, always giving priority to the dialogue, the solidarity and the respect to differences.
Key-words: literary lecture, public school, classroom, literary dialogue.
Introdução
[…]
Torquato: E também a gente criou mais harmonia porque desde
o começo a tertúlia… tipo… era uma panelinha na nossa sala e
quando começou a tertúlia a gente foi se conhecendo e a sala foi se
unindo… começou a ter mais harmonia do que geralmente tem
na sala… nas salas geralmente tem muita panelinha e a tertúlia
ajudou a gente a se juntar mais… no começo… que foi Romeu e
Julieta às vezes eu não lia…[…] Mas a gente foi se desenvolvendo
passo a passo… a gente fez o trabalho do Pequeno Príncipe e foi
muito bom.
Nestas falas, é possível notar, inclusive, que alguns alunos que eram conside-
rados indisciplinados e desinteressados participaram das tertúlias, leram os livros,
compartilharam com os colegas as suas impressões.
Como não estão habituados a este modelo de atividade, é comum que em
suas primeiras experiências com a leitura dialógica os alunos aguardem sempre
uma sintetização do professor, ou que este diga qual a “interpretação correta”,
contudo, conforme vão se habituando e se reconhecendo como um sujeito com
possibilidades de agregar conhecimento ao grupo, isto passa a ser mais natural,
como se pode ver na leitura de um trecho de Romeu e Julieta apresentada por
Ferreira:
como se fosse morto… preso por ser banido… tipo… não sei se
deu pra entender.
Ferreira: Deu… eu não tinha pensado nisso.
[…]
Benko: Não entendi outra parte… essa que fala que cada um deve
cumprir seu dever…
Ferreira: Ele está ironizando a ordem do rei… Por que pra outros
mandam fazer um trabalho digno e pra ele deixam para encontrar
uma lista de nomes?
As Tertúlias Literárias
leitura dialógica, um espaço para falar, ser ouvido e ouvir o colega. Sua dinâmica
funciona, segundo Girotto e Mello (2012), do seguinte modo: primeiramente,
professor e alunos escolhem o livro para a leitura; depois a leitura é iniciada em
aula; posteriormente combina-se o número de páginas ou capítulos a serem lidos
até o próximo encontro (a leitura será realizada individualmente fora da sala de
aula); durante a leitura individual, as crianças elegem um trecho ou uma ideia
que tenha chamado sua atenção e separam-no para compartilhar com os demais
colegas no dia do encontro; no dia do encontro, sentam-se em círculo e ao iniciar
a dinâmica da tertúlia, aqueles que gostariam de falar no encontro levantam
a mão e o moderador, que pode ser o professor ou não, anota o pedido de fala;
respeitando a ordem que foi anotada, os leitores vão apresentando suas leituras
e comentários, explicam o motivo de terem escolhido aquela parte em específico
(o que lhes chamou a atenção), as suas dúvidas ou as relações que estabeleceram
com questões referentes à vida ou a outras leituras que já realizaram; os demais
colegas podem complementar o comentário, concordar ou discordar do que foi
dito. O fundamental é relacionar o trecho com problemáticas sociais, por exemplo,
que lhes sejam importantes.
Girotto e Mello (2012, p. 78) destacam que “[…] em uma tertúlia prioriza-
se a compreensão e o entendimento, que vai sendo ampliado na medida em que
as discussões são orientadas por meio de uma dinâmica dialógica”. O professor
deve incentivar o diálogo e a valorização dos argumentos, criando um ambiente
de respeito.
Do proposto para realização das tertúlias na experiência relatada nesta
pesquisa não foi possível escolher o livro coletivamente porque a escola não
dispunha de exemplares para todos e nem sempre havia a inscrição para falar
no começo do encontro, pois os alunos, por não estarem habituados a este tipo
de atividade, iam comentando segundo lhes parecesse mais conveniente ou então
decidiam no decorrer da tertúlia se iriam falar ou não. Isto não significa que
a atividade não tenha dado certo, pelo contrário, todos os princípios da leitura
dialógica e os objetivos da tertúlia literária foram garantidos e vivenciados.
No trecho a seguir, destaca-se uma das muitas avaliações realizadas pelos
alunos sobre a participação nas tertúlias literárias.
Considerações Finais
Freire (2006), escutar o aluno é a verdadeira maneira de falar com eles, enquanto
simplesmente falar para eles seria uma forma de não ouvi-los.
A pesquisa, bem como a experiência, com as tertúlias literárias proporcionou
a desconstrução das imagens preconcebidas sobre os clássicos e a literatura,
embora ainda seja um livro mais complexo do que aqueles que estavam habitu-
ados a ler, é algo prazeroso, passou a constituir-se como um lugar no qual eu me
encontro e com o qual posso dialogar.
Durante os encontros e as leituras realizadas, percebeu-se que os temas
tratados foram se deslocando dos sentimentos pessoais para as questões mais
sociais. Essas transformações demonstraram um amadurecimento desses
meninos e meninas, pois a leitura dialógica foi, inclusive, um lugar de desco-
bertas, de empoderamento, de reconhecimento e valorização de seus saberes e
histórias de vida.
Este tipo de leitura estabelece uma nova relação entre leitor e obra, segundo
a qual o texto só ganha vida quando existe um leitor que lhe atribui significado,
permitindo-lhe criar relações de distorção, invenção e deslocamento (CHARTIER,
1999). Ou seja, longe da censura, os alunos puderam relacionar-se com os livros,
acionando seus saberes para poder verificar o que na obra dialogava com suas
vidas e, juntos, construírem outros saberes e conhecerem-se como seres que vivem
e analisam a vida.
Consequentemente, é possível trabalhar com a leitura dialógica em uma
sala na qual muitos alunos possuem dificuldade de leitura e escrita, pois
o que se observou foi que isso não se concretiza como uma barreira, pelo
contrário, os alunos sentiram-se arrebatados pela literatura, encorajados e
instigados a ler para poder compartilhar suas impressões com os demais
colegas. Durante seus relatos costumavam associar a experiência com
diversão, pois consideravam que a tertúlia era uma maneira de aprender e
realizar a leitura de obras – que até então acreditavam serem inapropriadas
a eles – mas de uma maneira prazerosa e isso se deu, principalmente, porque
podiam dialogar, dividir sentimentos, pensamentos e opiniões. Alguns desses
meninos e meninas chegaram a comentar que, a princípio, acreditavam que
seria apenas mais uma obrigação escolar, chata e sem sentido, porém, com o
passar dos encontros, começaram a se sentir atraídos pelas leituras e apren-
deram a importância de respeitar a fala e a opinião do colega, assim como
descobriram que também possuíam capacidade de compartilhar saberes.
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