O Butim Da Guerra - Mestre Dos - Patrick O Brian
O Butim Da Guerra - Mestre Dos - Patrick O Brian
O Butim Da Guerra - Mestre Dos - Patrick O Brian
Sobre a obra:
Sobre nós:
O Butim da Guerra
série Mestre dos Mares
Mestre dos Mares
O Capitão
A Fragata Surprise
Expedição à Ilha Maurício
A Ilha da Desolação
O Butim da Guerra
O Ajudante de Cirurgião
Missão em Jônia
O Porto da Traição
O Lado Mais Distante do Mundo
O Outro Lado da Moeda
A Patente de Corso
Treze Salvas em Honra
A Escuna Noz-moscada
Clarissa Oakes, Clandestina a Bordo
Um Mar Escuro como o Vinho do Porto
O Comodoro
Almirante em Terra
Os Cem Dias
Azul na Mezena
O capitão Aubrey recebe nas Índias
Orientais holandesas a notícia de que foi
nomeado comandante de um excepcional
navio. Mas quando embarca junto com
Maturin rumo à Inglaterra, estoura a guerra
com os Estados Unidos.
Nota da edição espanhola
Minha querida:
Esta manhã recebi sua carinhosa carta das mãos do bondoso Yorke,
junto com as meias, que me vieram muito bem. Nada podia haver-me
produzido maior alegria que saber que os meninos e você estão bem e que
não se atormentaram ao saberem do que ocorreu aos botes e ao ouvir os
rumores que correram quando Grant chegou à Cidade do Cabo na lancha.
Diana foi muito amável e muito considerada ao escrever tão rápido. Eu a
julgara mal. Reconheço que tem um coração nobre e sempre a apreciarei por
isso. Já contei tudo a Stephen, que disse que não se surpreendia que ela
fizesse algo assim, porque era uma criatura bondosa que não guardava
rancor. Ele está muito animado, muito mais animado do que esteve durante
anos. Passou em terra uns dias esplêndidos — de acordo com seus gostos —,
tanto em Desolação como em Botany Bay e outros lugares de Nova Holanda
onde fizemos escala, e encheu o Leopard de animais realmente curiosos. Mas
o Leopard já não é meu. Na inspeção chegou-se à conclusão de que não
podia levar mais que uns poucos canhões de seis ou nove libras se não fosse
reconstruído, assim que será um simples transporte. Posto que me
designaram para a Acasta, regressarei à Inglaterra tão rápido como a Flèche
possa navegar, junto com Stephen, Babbington, Byron, os guarda-marinhas,
Bonden e Killick. Você riria se visse Killick cuidando de Stephen. Ele cuida
dele desde que o servente de Stephen — um imbecil — partiu em um dos
botes. Stephen não quer que cuidem dele, mas Killick está convencido de
que esse é seu dever e costura seus botões, lava e remenda suas duas
camisas e meia, passa ferro nas gravatas, escova o único paletó decente que
tem e o obriga a barbear-se pelo menos uma vez por semana porque o
repreende com seu habitual tom áspero, excedendo-se às vezes. Trata-o
como uma galinha a um pintinho díscolo. Logrou que fosse apresentável
para o jantar de Yorke hoje e o está fazendo uma peruca com fio ondeado ao
calor do fogo do fogão porque acredita que esse é o tipo de peruca que um
doutor deve usar. Talvez seja melhor que esse horrível capacete com pouco
cabelo que suportou tantas tormentas e se manchou com ovos rotos e mofo.
Yorke nos ofereceu uma janta estupenda: búfalo assado, um par de patos e
pastel de presunto. Ele e Stephen simpatizaram-se muito, tal como
esperava. A gente poderá dizer que Yorke não é um grande marinheiro, mas
é um homem muito bom e pode beber duas garrafas e permanecer sóbrio.
Ademais, tem como primeiro oficial um marinheiro excelente, o senhor
Warner, que faz navegar o barco a grande velocidade, quase tão rápido
como gostaria que percorresse as quinze mil milhas que nos separam.
Acredito que amanhã ao meio-dia faltarão por percorrer duzentas e
cinqüenta a menos, porque já perdemos de vista a costa e tomamos o
monção e Warner está sempre na coberta, arriando ou desdobrando a
bujarrona, molhando os joanetes e os sobrejoanetes e fazendo dançar as
vergas do pau traquete como se estivéssemos perseguindo um carregamento
de ouro. a Flèche é um barco com excelentes características para a
navegação, como muitas outras corvetas francesas de coberta corrida, mas
Warner tira mais partido delas do que eu podia imaginar. Provavelmente
convenceu Yorke a inclinar os mastros um pouco mais do que seria
conveniente, porém, é um marnheiro experiente e agora faz o barco
navegar a onze nós e uma braça. É uma lástima que ele e Stephen hajam
brigado, mas assim ocorreu. Discutiram antes da janta e, ademais, um animal
peludo que parece uma mistura de urso e macaco se comportou mal no
castelo de popa. Por outro lado, há uma norma que proíbe fumar em
qualquer lugar do barco exceto na cozinha e Warner a mencionou. A norma
é benéfica, mas ele deveria haver tido mais tato ao fazê-la respeitar. Não
obstante isso, ainda faltam milhares de milhas para percorrermos, e posto
que navegaremos sem dificuldade (isso espero) e todos estão de bom humor,
porque vamos de regresso à Inglaterra, não há dúvida de que chegarão a
simpatizar antes de que joguemos a âncora. Na janta me ocorreram frases
muito engenhosas, porque sua carta me fez o mesmo efeito que o vinho e
porque também havia vinho ali.
Em continuação escreveu seus repentes e depois prosseguiu:
Assim que Diana escreveu. Não me surpreende que haja obrado com
generosidade, pois essa é uma de suas qualidades e a mesquinhez não é um
de seus defeitos, mas é absurdo que me sinta tão satisfeito. Herapath disse
que ainda que Louisa Wogan se deitasse com outros homens seguia sendo
sua amiga e não recordo se foi ele ou eu quem disse que, em geral, as
mulheres não têm o mesmo conceito da amizade que os homens. Wogan se
parecia um pouco com Diana em muitas coisas, e talvez também nessa.
Quero convencer-me (eu convenço facilmente a mim mesmo) de que Diana
Villiers ainda sente por mim o afeto que se tem por um amigo e inclusive
certa ternura.
Apenas havia relações sociais na sala dos oficiais e a própia sala parecia
muito pequena comparada com a do Leopard, que era espaçosa e clara.
Warner era um simples oficial da Armada. Seu único objetivo na vida
parecia ser que a Flèche navegasse o mais rápido possível sem que se
rompessem os mastros e ainda que não fosse um desses primeiros oficiais que
tinham uma preocupação exagerada pela limpeza e que Stephen
considerava o açoite da Armada, não era uma companhia agradável, salvo
para aqueles que sabiam o que era uma bujarrona e conheciam as estrelas.
Não parecia desfrutar de nada e a preocupação com a pontualidade que
caracterizava os marinheiros se convertera quase em uma obsessão nele. Era
muito mais velho que os outros oficiais e, sempre com uma atitude severa,
controlava tudo o que se fazia na sala dos oficiais. Era alto, igual ao segundo
oficial e ao oficial de Infantaria de marinha, e posto que a Flèche fora
construída com uma separação entre as cobertas adequada para os
franceses, que eram todos uns atarracados, quando Stephen entrou pela
primeira vez na sala dos oficiais achou o lugar muito estreito, baixo e escuro
e viu em seu interior três figuras extraordinariamente altas com a cabeça
agachada e olhando seus relógios. Imediatamente depois, entrou outro
oficial que cheirava a tabaco, álcool e roupa suja. Era um homem mais alto
que os outros e inclinou ainda mais a cabeça sob os vaus. Então Warner
apresentou McLean, o cirurgião. O jovem McLean estava quase paralizado
por causa de sua timidez, e depois de dar um grunhido e fazer uma
estranha reverência quando Warner pronunciou seu nome, permaneceu
calado. Logo o tambor começou a soar e a sala se encheu rapidamente, e
quando já estavam todos presentes e seus respectivos serventes se
colocaram atrás de suas cadeiras, para o despenseiro sobrou apenas o espaço
para passar com o purê de ervilhas e a carne de porco salgada. O contador
havia sido o último a chegar e Warner lançara-lhe um eloqüente olhar e
depois, muito devagar, havia desviado a vista para seu relógio, que ainda
sustentava na mão, mas não houvera palavras duras, talvez em honra aos
convidados. Babbington e Byron haviam trazido consigo o sol, mas não sua
luz (a sala dos oficiais não tinha janelas), mas a alegria e o calor que dava e
que Stephen sempre havia visto associados às reuniões de marinheiros.
Encontraram um conhecido deles, o oficial de derrota, e agora, sentados no
final da mesa, riam e falavam com ele animadamente de suas recordações e
de antigos companheiros de tripulação e contavam anedotas e comparavam
as missões que haviam levado a cabo. Stephen se esforçou para inspirar
simpatia a McLean, que estava sentado ao seu lado, comendo com
voracidade e ruidosamente, mas até a metade da comida não obteve
nenhuma resposta. Então McLean, convencido de que o doutor Maturin
não o trataria com desprezo nem se burlaria dele, disse:
— Tenho seus livros.
Depois acrescentou algo que Stephen não pôde entender porque tinha
sotaque escocês e falava muito baixo devido a sentir vergonha. Mas ao julgar
por sua expressão, as palavras que havia dito eram bajuladoras, por isso
Stephen fez uma inclinação de cabeça e murmurou:
— O senhor é muito amável, senhor. Também é um naturalista?
McLean respondeu que sim. Quando era menino havia aberto um
maçarico-real grande que seu pai havia caçado com uma pedra e, a partir
desse dia, todos os animais que encontrava em seu caminho. Desfrutava
fazendo a dissecação dos animais e comparava seus órgãos e o interior de
seus corpos. Dera o nome a alguns daqueles animais, mas como os nomes
escoceses scoutie-allen, partan, clokie-doo e gowk não indicavam com precisão
suas características, havia acrescentado nomes conforme o sistema de
Linneo. Stephen fazia o mesmo com os animais que estudava, e ambos não
tardaram em começar a descrever em latim os estudos mais interessantes
que haviam realizado. McLean conhecia muito bem o latim, pois havia
estudado em Jena, e Stephen o entendia muito melhor nesse idioma. Ambos
falavam muito rápido e as poucas palavras que diziam em sua própia língua
eram: Ah! Sim! Oh! Estavam falando do intestino cego do Monodon
monocerus quando Stephen notou que a sua direita havia um grande silêncio
e quando olhou para ali viu um alegre sorriso nos rostos de Babbington e
Byron.
— Fizemos uma aposta no senhor, senhor — disse Babbington —.
Dissemos que o senhor falava latim melhor que um bispo e estes
companheiros não acreditavam.
— Dilke, tire a mesa — ordenou o senhor Warner muito incômodo por
tudo isso.
E quando trouxeram o execrável vinho do porto, disse:
— Brindemos ao Rei.
Stephen bendisse a Sua Majestade, tratou de reprimir uma
involuntária careta e depois meteu a mão no bolso para pegar um charuto
de Ambón, mas se recordou da proibição. Então disse:
— Quando esteja livre, senhor McLean, mostrarei alguns de meus
espécimes com muito gosto.
McLean se pôs de pé imediatamente e disse que se reuniria com o
doutor quando terminasse de fumar um cachimbo na cozinha,
pronunciando as últimas palavras enquanto olhava de soslaio para o senhor
Warner.
— Vai fumar na cozinha? — perguntou Stephen —. Irei com o senhor.
Vá na frente, por favor.
Depois pensou: “Estou me comportando como um imbecil. Tão logo
largo um vício e caio em outro. Que vontade tenho de fumar um charuto! E
acho que voltarei a tomar rapé”.
Na cozinha não foram bem acolhidos. Todos os marinheiros que
fumavam estavam ali e receberam aos oficiais com um profundo silêncio,
um silêncio que indicava desaprovação. Estavam acostumados a que seu
própio cirurgião estivesse na cozinha, ainda que isso não os agradasse muito
porque, como era lógico, sua presença os impedia de conversar livremente.
Sim, estavam acostumados a vê-lo ali. E ainda que nem sempre gostassem
das coisas às quais estavam habituados, detestavam aquelas às quais não
estavam habituados, e não estavam habituados a ver o novo doutor ali.
Ainda que os tripulantes do Leopard o tenham elogiado e realmente fosse tão
hábil com as pílulas como com a serra, os tripulantes da Flèche desejavam que
caísse morto nesse momento.
Com o tempo, o doutor Maturin se deu conta disso, mas por intuição,
não porque eles o houvessem manifestado com palavras nem com olhadas
de soslaio. Então jogou o charuto, que ainda não havia acabado de fumar, e
disse:
— Vamos, colega, vamos.
Esse foi o princípio de uma estreita relação entre colegas e também o
início da viagem mais agradável que Stephen fizera até então. Empurrados
pelo monção, navegaram placidamente pelo imenso mar calmo em direção
sudoeste com as nuvens como únicas companheiras. Durante muito tempo
não avistaram nenhum barco nem nenhuma ilha e só de vez em quando
viam algum pássaro, que era o único que lhes recordava a existência da
terra. Sua vida seguia a rotina da vida dos homens de mar, marcada por
badaladas a intervalos exatos e por ritos navais. Pela manhã cedo, com
muito ruído, limpavam as cobertas com pedra arenito e as secavam com
esfregões; guardavam as macas na coberta; realizavam os trabalhos do meio-
dia; fazia a cerimônia do meio-dia, na qual, desde o abarrotado castelo de
popa da Flèche, uma dúzia de sextantes se moviam em direção do sol e o
capitão Yorke dizia: “adiante, senhor Warner”; o contramestre e seus
ajudantes, tocando o apito, chamavam os homens para comer e beber
grogue; o tambor chamava os oficiais para comer; a tarde transcorria em
silêncio e depois se ouvia de novo o tambor chamando a todos a seus postos
e finalmente tocando recolher; desciam as macas e começava a guarda.
Todas essas coisas eram familiares para Stephen, mas o que não era familiar,
o que lhe causava tanto assombro que parecia uma ilusão, era que os fatos
imprevistos que costumavam perturbar a vida no mar não interrompiam
esses ritos: nem as repentinas tormentas nem a indesejável calma alteravam
o monótono transcurso dos dias. a Flèche sulcava o oceano, que parecia um
enorme círculo cujo contorno estava sempre à mesma distância, nem mais
perto nem mais longe, sem que a pertubassem o inimigo, as tempestades e os
delitos cometidos a bordo e parecia que seguiria navegando eternamente.
Para Stephen o passado já não existia e o futuro era incerto e tão distante
que não lhe parecia real. Os tripulantes do Leopard e da Flèche estavam
saudáveis e ainda que pudesse parecer estranho, mantinham-se assim com
a carne de vaca e a de porco conservadas em sal, as ervilhas secas, o
trabalho duro, o excesso de rum e dormir pouco e em uma atmosfera
carregada. Como consequência disso, os cirurgiões tinham pouco trabalho na
enfermaria, assim que a cada manhã depois do desjejum iam à bodega de
proa e ali classificavam e descreviam os inumeráveis espécimes procedentes
de Desolação e Nova Holanda e os comparavam com outros que conheciam
muito melhor, descobrindo às vezes assombrosas analogias entre eles.
Ocasionalmente, iam a um pequeno espaço que havia atrás das bitas, um
lugar que era o reino de McLean, e sob a potente luz de grandes faróis
dissecavam os animais em meio de um forte odor de álcool e outros
compostos preservativos, às vezes até altas horas da noite. McLean não era
um bebedor — pelo que o odor de álcool que costumava ter não era
indicativo de uma falta — mas era um fumante e, conforme confessou a
Stephen, sempre tinha fumado seu cachimbo ali, desafiando ao primeiro
oficial. McLean era um jovem muito formal que, apesar de ser filho de um
colono, à força de trabalho e perseverança havia logrado adquirir
conhecimentos de medicina suficientes para desempenhar o cargo de
cirurgião naval e amplos conhecimentos de anatomia, uma matéria que lhe
encantava. Era um admirável companheiro para levar a cabo esse tipo de
trabalho, pois tinha experiência, era consciencioso e preciso e dedicava
todos seus esforços a alcançar o objetivo que se havia proposto. Havia
estudado em Jena com o ilustre Oken e conhecia muito bem os ossos do
crânio de todos os vertebrados e sua relação com o desenrolo de cada um
deles. Sabia muito pouco de literatura, música e outras artes, mas como
cientista haveria sido um companheiro ideal se não houvesse se imbuído das
teorias metafísicas divulgadas pelos filósofos alemães, pois nem sequer o
respeito que sentia pelo doutor Maturin o impedia citá-las com frequência,
enquanto formava nuvens de fumaça. Considerando-lhe do ponto de vista
pessoal, era um companheiro desagradável, pois não se lavava, tinha maus
hábitos na mesa e era um ressentido. Quando averiguou que o doutor
Maturin era irlandês falou abertamente de sua antipatia pelos ingleses.
Chamou-lhes de tontos e disse que não sabiam o que era a limpeza nem
sabiam muitas coisas mais antes de que Hunter lhes ensinasse anatomia.
Acrescentou que era vergonhoso o modo em que se aproveitavam dos
outros reinos da união e que desprezavam quem tinha mais classe que eles.
Depois disse que não eram outra coisa que um bando de sacanas e que não
sabia aonde haveriam chegado sem os generais escoceses.
Stephen não gostava da forma que o Governo inglês tratava a Irlanda e
havia conspirado contra ele, mas sentia afeto por muitos ingleses e inglesas
e, ainda que ele mesmo criticasse a Inglaterra, incomodava-se quando os
outros o faziam.
— Equivoca-se senhor ao supor que os ingleses não têm generais,
McLean — disse —. Eles os têm, mas o certo é que a maioria dos que fizeram
alguma façanha, como por exemplo, lorde Wellington, são irlandeses. E o
mesmo ocorre com seus escritores. Mas voltemos a ocupar-nos desta foca
que tem um orifício no parietal e os colmilhos anômalos. Ao passo que vamos
não haveremos descrito nem a metade dos focídeos antes de chegar à
Cidade do Cabo… talvez nem antes de chegar à Inglaterra!… e estão se
decompondo com rapidez. Por favor, tenha cuidado com seu cachimbo,
senhor McLean. Não o apoie contra o frasco de álcool. Pense que se provoca
um incêndio se perderão irremediavelmente todos os espécimes que já
descrevemos.
Stephen estava sempre muito ocupado e muito contente, apesar da
tristeza que havia na sala dos oficiais e dos defeitos de McLean, e
costumava passar as tardes tocando música com Jack e o capitão Yorke,
enquanto que o barco seguia navegando velozmente graças às constantes
trocas que Warner fazia. Amiúde comia também com eles, e escapava assim
da conversação dos oficiais, que só versava sobre assuntos navais, e de sua
comida, própia de espartanos. A diferença dos oficiais, que só viviam de seu
pagamento, Yorke tinha uma considerável fortuna e em sua mesa se servia
sempre comida boa e abundante. Quase diariamente convidava dois ou três
oficiais ou guarda-marinhas para comer, e um dia que haviam sido
convidados o primeiro oficial, o oficial de derrota e Forshaw, Stephen
decidiu caminhar pelo castelo de popa, depois de terminada a comida, para
que se dissipassem os vapores do vinho do porto, que havia brindado o
capitão, e se aclarasse a mente antes de reunir-se com McLean no fundo do
barco. O vento, que antes chegava pela alheta e era forte, havia amainado e
rolado para o sul e já não era muito fresco, e o sol, apesar do toldo, produzia
um terrível calor. Aquele era o dia de arrumar a roupa, e os tripulantes da
Flèche, sentados na parte da coberta anterior ao pau maior, costuravam e
remendavam em silêncio. Warner apenas havia acabado de dar um par de
voltas pelo barco observando a exárcia e palpando as braças quando deu
uma ordem. Os marinheiros, que estavam agrupados entre os canhões,
afastaram-se dali desordenadamente. Então o contramestre deu três
apitadas agudas e os marinheiros se colocaram seguindo uma ordem
estabelecida; depois deu outra apitada e se desdobraram as alas das velas. Os
botalós se curvaram, mas suportaram a pressão, e a velocidade aumentou
perceptivelmente de forma que o ar perdeu todo seu frescor. Stephen tirou
a jaqueta e a dobrou distraidamente, pensado na foca que tinha os colmilhos
anômalos, com quatro raízes. Se comprovasse que pertencia a uma espécie
diferente, o que parecia provável, daria-lhe o nome de McLean. Isso seria
bajulador para McLean, pois a fama valia mais que um posto em um barco
de linha e, ademais, serviria de compensação pelas ásperas respostas que
Stephen lhe havia dado ultimamente quando se excedia-se em suas críticas
aos ingleses. Como tantos outros escoceses que conhecia, McLean parecia
comportar-se assim porque se sentia inferior a eles e esse sentimento era o
que provocava sua repreensão. Era algo estranho, algo que nunca ocorreria a
um irlandês, ainda que a situação dos dois países… nesse momento caiu dos
bolsos de sua jaqueta uma cascata de objetos: moedas, uma caixa de rapé,
uma caixa de material seco e inflamável, um canivete, duas lancetas, uma
pequena caixa de charutos, um livro de Horácio de formato pequeno,
alguns pedaços de colofônio, vários ossinhos e dentes de mamíferos e um
pedaço de bolacha. Forshaw lhe ajudou a recolhê-los e lhe explicou a forma
adequada de dobrar a jaqueta, que era a forma como a dobravam os
marinheiros, aconselhou-lhe que evitasse enrrugá-la e deixá-la muito tempo
embaixo do sol e se ofereceu para levá-la para que Killick a pendurasse em
sua cabine. Naturalmente, a cabine estava abaixo, mas Forshaw, dando um
rodeio, começou a caminhar ao longo da borda, separado das cristas das
ondas só por uma lona escorregadia. Justo quando se jogou de um lado para
passar entre o traquete e uma de suas alas, resvalou e ficou situado em uma
posição tão perigosa que a senhora Forshaw teria empalidecido ao ver-lhe e
Stephen temeu por sua jaqueta, mas se agarrou a uma escota. Permaneceu
pendurado ali uns momentos, enquanto sorria para um amigo que estava na
cofa do traquete, e depois se afastou, passando entre as velas com a mesma
segurança com que um macaco passa entre as árvores do bosque onde
nasceu. E quando estava ali, balançando-se, tinha um aspecto
extraordinariamente formoso com seu elegante uniforme composto por
calções brancos, jaqueta azul e sapatos de fivelas prateadas, com seus dentes
reluzentes destacando-se em seu rosto moreno e seus cabelos flutuando ao
vento.
— Já viu, senhor, algo mais formoso? — inquiriu Warner com sua voz
escandalosa.
— Não com frequência — respondeu Stephen.
— Navegar a toda vela sob um brilhante sol sempre me há produzido
um grande regozijo — disse Warner rapidamente —. Havemos largado
todas as velas que o barco pode usar abertas.
— É assombroso ver tanto velame desdobrado, asseguro-lhe — disse
Stephen.
Com efeito, impressionava-lhe a formosura daquele conjunto no que
havia umas velas sobre as outras e umas atrás de outras e estavam esticadas,
inchadas, vivas. Também lhe impressionava ver o brilho de sua superfície e
as enormes figuras que se formavam ao projetar sua sombra e a da
intrincada rede de cabos. Porém, se bem havia visto com frequência barcos
que navegavam a toda vela com as sobrejoanetes e as alas desdobradas por
águas de uma intensa cor azul, nunca havia visto uma olhar no qual se
refletisse um desejo tão ardente, um desejo acompanhado de outros
sentimentos como a admiração, o afeto e a ternura.
Então pensou: “Pobre homem. A força do instinto é muito grande,
muito difícil de vencer inclusive por uma pessoa fleumática. Se é um
pederasta, como suponho, não me admira que sempre esteja triste. Quando
penso em todo o dano que me causou o desejo e em que destroçou meu
coração, e tendo em conta que esse desejo é tolerado pela sociedade e lhe
dão nomes muito formosos, assombra-me que os homens como ele não
terminem destruindo a si mesmos. É uma fatalidade sentir esse ardente
desejo e ter que permanecer encerrado em um barco, porque ninguém no
barco deve sabê-lo e há que evitar levantar suspeitas… Mas em um barco
tudo se sabe”.
Os tripulantes da Flèche não eram mais brilhantes que os de qualquer
outro barco, mas pelo que o doutor Maturin pôde observar, sabiam quase
tudo o que ocorria a bordo. Conheciam as inclinações de Warner, apesar
deste saber dominar-se perfeitamente. Sabiam que o capitão era bondoso,
indolente e despreocupado, que não tinha a ambição de destacar-se em sua
carreira profissional nem em nenhuma outra coisa, que lutaria como um
bom marinheiro se as circunstâncias exigissem (havia dado prova disso), mas
não tinha afã por entabuar combates. Sabiam que preferia um pequeno
navio a uma grande fragata e que apesar de que podia ter conseguido que o
enviassem ao Mediterrâneo, onde houvesse tido a possibilidade de ver as
ruínas gregas, estava contente de levar despachos para as índias e poder
deixar o governo do barco em mãos de seu excelente primeiro oficial.
Também sabiam que o contramestre e o carpinteiro lhe haviam engenhado
para trasladar uma grande quantidade de apetrechos a lugares isolados do
barco e que esses objetos desapareceriam enquanto a Flèche chegasse à
Cidade do Cabo, ainda que se perguntavam quem seria seu sócio. E sabiam
muitas outras coisas que não tinham nenhuma importância, como por
exemplo, que a viagem parecia pesada para os guarda-marinhas do Leopard.
Jack Aubrey era um capitão consciencioso. Pensava que era seu dever
educar os cadetes — a maioria dos quais lhe haviam sido confiados por
amigos e conhecidos — e não apenas convertê-los em oficiais que
conhecessem bem sua profissão mas também em homens que respeitassem
as regras sociais e os princípios morais. Durante a primeira parte da viagem
n o Leopard, delegara ao mestre e ao pastor para que os instruissem, mas
desde que ambos haviam partido, ele tivera muito pouco tempo livre para
ensinar-lhes. Contudo, nesta viagem tinha todos os dias livres e dedicava
muito mais tempo do que os guarda-marinhas desejavam a ajudar-lhes a
conhecer os Elements of Navigation (Elementos de náutica) de Robinson,
Epitome (Epítome) de Norie e Polite Education (Educação refinada) de Gregory.
Jack havia recebido muito poucos ensinamentos, tanto dos que se requerem
para uma educação refinada como de outro tipo, e ao ler o livro de Gregory,
também ele aprendia (entre outras coisas, aprendera a lista dos reis de
Israel). Sem dúvida, havia capitães conscienciosos no tempo das guerras
contra a Espanha, quando ele fizera-se ao mar pela primeira vez, mas os
capitães com os quais havia viajado só se ocupavam de pôr limites ao
consumo de álcool e às relações sexuais dos guarda-marinhas, uns limites
que variavam de um para outro. Somente em um dos primeiros barcos em
que havia navegado havia um mestre, um cavalheiro que passava suas
horas de vigília envolto nas brumas do álcool, assim que à parte do que havia
aprendido em terra, em um ou dois cursos na escola, onde lhe haviam
metido um pouco de latim na cabeça, seus conhecimentos literários eram
muito escassos. Mas havia adquirido conhecimentos de náutica, sem
dúvida, e com muita facilidade porque era um marinheiro nato, e logo
apaixonara-se pela matemática e esse amor, apesar de ser tardio, havia dado
frutos. Contudo, na Armada atual, mais desenvolvida desde o ponto de
vista social e científico, esses conhecimentos não eram suficientes e Jack
pensava que os guarda-marinhas deviam acrescentar aos ensinamentos de
Robinson uma boa dose dos de Gregory. Além de fazer-lhes ler The Present
State of Europe, Impartially Considerado (O estado atual da Europa considerado
imparcialmente), revisava os diários de bordo que tinham que escrever para
assegurar-se de que obteriam a aprovação dos mais severos examinadores de
um tribunal e presenciava as explicações que seu timoneiro lhes dava sobre
como fazer nós e ecaixar cabos. Era uma lástima que fossem indiferentes e
refratários a qualquer coisa exceto ao modo de fazer nós e encaixes, porque
ele tinha as melhores intenções. Em algumas missões acompanharam-no
guarda-marinhas que também amavam matemática e adoravam a
trigonometria esférica, pelo que era um prazer ensinar-lhes náutica, mas
agora a situação era diferente.
— Senhor Forshaw, o que é seno? — perguntou.
— O seno, senhor — disse Forshaw falando com rapidez —, é quando
um traça uma linha desde o extremo de um arco perpendicular ao raio que
vai desde o centro até o outro extremo do arco.
— E qual é a relação com a corda desse arco?
O senhor Forshaw o olhou perplexo e depois percorreu com a vista a
cabine de trabalho que o capitão Yorke havia dado ao seu convidado, mas
não encontrou ajuda no gracioso mobiliário, nem na clarabóia, nem no
canhão de nove libras, que ocupava um grande espaço, nem no rosto
inexpressivo e repelente de Holles, seu companheiro, nem no romance que
tinha o título The Vicissitudes of Genteel Life (As vicissitudes da vida mundana), o
qual o fez pensar na vida a bordo da Flèche, que apesar de não ser mundana,
estava cheia de vicissitudes. Depois de uma longa pausa, ainda não havia
encontrado a resposta, mas disse que, indubtavelmente, a relação era muito
estreita.
— Bem, bem…! — disse Jack —. Pelo que vejo, tem que voltar a ler a
página dezessete. Mas não o mandei chamar para preguntar isso, não o
chamei com esse propósito. Em Pulo Batang havia muitas cartas para mim e
até agora não havia podido ler uma de sua mãe. Ela me roga
encarecidamente que o lembre que quando lavar os dentes deve escová-los
de cima abaixo e não somente de um lado para o outro. Entendeu, senhor
Forshaw?
Forshaw queria muito à sua mãe, mas nesse momento desejou que
tivesse perdido para sempre a capacidade de usar uma caneta.
— Sim, senhor — disse —. De cima para baixo, não só de um lado para
o outro.
— De que o senhor ri, senhor Holles? — inquiriu o capitão Aubrey.
— De nada, senhor.
— Agora que me recordo, hei recebido uma carta de seu tutor, senhor
Holles. Quer estar certo de que o senhor tem uma conduta moral e que não
se esquece de ler a Bíblia. Nenhum dos senhores se esquece de ler a Bíblia,
não é verdade?
— Oh, não, senhor!
— Alegra-me sabê-lo. Onde demônios iriam parar se esquecessem de ler
a Bíblia? Diga-me, senhor Holles, quem era Abraão?
Jack conhecia muito bem a parte da história sagrada que falava dele
porque a havia relido quando o almirante Drury havia feito referência a
Sodoma.
— Abraão, senhor… — disse Holles e sua cara pálida e cheia de
espinhas ficou de cor púrpura em algumas partes —. Bem, Abraão era…
Mas não se pôde ouvir mais nada, exceto a palavra “seno”.
— Senhor Peters?
O senhor Peters disse que estava convencido de que Abraão era um
homem muito bom e que talvez fosse um trigueiro porque todos diziam:
“Abraão e sua semente para sempre”.
— Senhor Forshaw?
— Abraão, senhor? — perguntou Forshaw, que havia recobrado o
ânimo tão rápido como sempre —. Não era mais que um judeu pecador.
Jack o olhou fixamente. Forshaw lhe estava gastando uma brincadeira?
Era provável, a julgar por aquela expressão ingênua.
— Bonden! — gritou.
Então entrou seu timoneiro, que estava esperando do lado de fora com
velas e pedaços de cordão para ensinar os cadetes a fazer tranças.
— Bonden, ate o senhor Forshaw ao canhão e faça um nó na ponta
desse cabo.
— Dias dourados, doutor, dias dourados — disse o oficial de derrota da
Flèche para Stephen Maturin.
Na distante África, agora a sotavento, desatara-se uma terrível
tormenta de poeira que havia formado um fino véu e através dele se
filtrava a luz do sol, que já se ocultava, dando cor ambarino ao límpido ar do
alto mar e verde jade às ondas. E uns momentos depois ia produzir-se uma
troca espetacular, porque o sol, ao desaparecer, tinje o céu de vermelho
escarlate e daria cor ametista às ondas. Stephen estava de pé no castelo de
popa, com as mãos atrás das costas, os lábios franzidos e os olhos muito
abertos, olhando por cima de uma cabilla por um ponto fixo, ainda que sem
ver nada, e de repente deixou escapar um som parecido a um assobio.
— Dizia que estes são dias dourados, doutor — disse o oficial de derrota
em voz mais alta, sorrindo-lhe.
— Sim que o são — disse Stephen, saindo de um sonho onde estava
com Diana Villiers, e se virou —. Esta luz a haveria pintado Claude se
houvesse navegado pelo mar alguma vez. Mas provavelmente o senhor fala
em sentido figurado, referindo-se a que os ventos são favoráveis, que o mar
está calmo e o barco avança com rapidez.
— Sim. Não toquei em uma escota nem em uma braça desde a guarda
de meia e os marinheiros hão trabalhado muito pouco, com excessão dos
serviolas e do timoneiro. Nunca havia navegado tão rápido. O barco
percorre pelo menos duzentas milhas de um meio-dia ao meio-dia do dia
seguinte. Dias dourados… Mas para ele provavelmente hoje seja um dia
espantoso.
As últimas palavras as disse assinalando com a cabeça para Forshaw,
que se aproximava da escotilha de proa lentamente, caminhando de forma
muito estranha e com o queixo trêmulo, enquanto seus companheiros lhe
sussurravam que resistisse e não deixasse que os c… cadetes da Flèche o
vissem assim, já que havia um grupo no corrimão de bombordo sorrindo
zombadoramente.
— Sempre encontramos nas desgraças dos outros aspectos que não nos
desagradam — disse Stephen —. Olhe o sorriso malicioso que têm esses
irrespeitosos guarda-marinhas. Pobre garoto! Colocarei-lhe um cataplasma
de linhaça moida e lhe darei um analgésico.
Fez uma pausa e continuou:
— Sim, estes são dias dourados, como o senhor bem diz, oficial de
derrota. E agora que o penso, não lembro ter passado dias tão agradáveis no
mar. Se não fosse pela saúde dos marsupiais, gostaria que nada mudasse.
— Tiram de menos o bosque, senhor?
— Tiram de menos a sujeira, quer dizer, a sujeira que eles mesmos
criam. Limpam a cabine onde estão encerrados duas vezes ao dia e tenho
razões para achar que também de noite em algumas ocasiões. Sei que um
barco de guerra não é um lugar adequado para uma manada de uombats e
que nele não se tolera a sujeira, mas lamento que seja assim e me sentirei
aliviado quando cheguarmos à Cidade do Cabo. Em Simonstown tenho um
grande amigo que mantém vários tamanduás, por dizê-lo assim, em
cativeiro, e vou confiar-lhe os marsupiais. Mas não é minha intenção criticar
A Flèche, que me parece uma embarcação muito…
Ia dizer “confortável”, mas ao ver na estreita coberta mais de cem
tripulantes que transportavam grande quantidade de tonéis vazios, disse
“bem governada”.
— Não tardaremos muito, doutor. Posso assegurar-lhe que o vento não
amainará, ainda que no oeste se veja essa mancha avermelhada… Inclusive
a coberta está vermelha agora…! Se meus cálculos não falham, amanhã
avistaremos terra.
— Entre!
A porta se abriu e apareceram três homens. O primeiro usava um
comprido abrigo escuro com muitos botões metálicos sem brilho que lhe
cobria completamente as pernas, as quais eram tão curtas que seu corpo
parecia um tronco nada mais. Era lampinho e tinha longos cabelos
cinzentos, a cara gorda, brilhante e pálida e os olhos umedecidos e com um
brilho que já era familiar para Jack. Os outros dois, delgados e vestidos de
preto, chamavam menos atenção, mas estavam tão loucos como ele. Jack
esperava que não o molestassem muito nem dissessem obscenidades.
— Boa tarde, senhor — disse o primeiro —. Sou Jahleel Brenton, do
Departamento da Marinha.
Jack conhecia muito bem a Jahleel Brenton, um distinto capitão de
navio da Armada Real e um homem muito religioso. Era amigo de Saumárez
e de outros almirantes e havia recebido recentemente o título de barão.
Havia nascido na América do Norte, daí seu curioso nome cristão.
— Boa tarde, cavalheiros — disse —. Sou John Aubrey, neto do Papa
de Roma.
Depois de uma breve pausa, o senhor Brenton disse:
— Não sabia que os papistas eram admitidos na Armada Real, senhor.
— Parece incrível, não é verdade, senhor? Além do mais, a metade dos
altos cargos do Almirantado são de jesuítas, mas não convém que se saiba.
Sente-se, por favor. Como está seu irmão Ned?
— Não tenho nenhum irmão que se chame Ned, senhor — respondeu
Brenton aborrecido —. Vinhemos aqui para fazer-lhe algumas perguntas
sobre o Leopard.
— Pergunte, amigo — disse Jack, rindo-se porque lhe ocorrera uma
frase engenhosa —. A única coisa que sei é que não podemos tirar as
manchas do leopardo. Ah, ah, ah! Isso está na Bíblia e não se pode discutir.
Fez uma pausa e depois continuou:
— O que acha do tigre? Não gostaria mais se falássemos do tigre?
Poderia contar-lhe muitos contos de tigres.
Um dos pacientes próximos de Jack que estava mais louco assomou a
cabeça pela porta entreaberta e disse:
— Olá, amigo!
Ao ver que o capitão estava acompanhado, retirou-se e então o mais
baixo dos homens vestidos de preto se aproximou do senhor Brenton e com
voz trêmula pelo medo lhe sussurrou:
— É Zeke Bates O Carniceiro.
O senhor Bates não pôde resistir e depois de uns momentos sua
corpulenta figura passou através da porta entreaberta. Avançou até a cama
de Jack dando longos passos com um dedo apoiado sobre os lábios, pegou
uma faca de carniceiro envolto em um lenço e ensinou para Jack como
devia barbear os pêlos do antebraço. Depois voltou a pôr o dedo debaixo do
nariz, deu uma piscada maliciosa para Jack e saiu silenciosamente do quarto.
O outro homem vestido de preto olhou ao seu redor, mas como não viu
nenhuma escarradeira, aproximou-se da janela e lançou ao jardim um
escarro mesclado com suco de tabaco.
— Ouça, senhor! — gritou Jack, que se incomodava enormemente com
esse costume —. Pegue essa maldita porção de tabaco da boca e atire-a pela
janela, ouviu? Agora feche a janela, sente-se e diga-me que quer saber do
tigre.
O homem foi silenciosamente até a cadeira. O senhor Brenton secou o
rosto brilhante e disse:
— Não é o Tiger mas Leopard que nos interessa, capitão Aubrey. Esta
porta tem chave? — disse enquanto olhava a maçaneta, que se movia muito
devagar.
— O senhor não espera que eu vá ficar aqui fechado com os senhores,
não é verdade? — disse Jack com um olhar perspicaz —. Não, não tem
chave.
— Senhor Winslow — disse Brenton —, ponha essa cadeira contra a
porta e sente-se nela. Bem, senhor, se afirma que em vinte e cinco de março
do ano passado, quando o senhor estava ao comando do Leopard, um navio
da Armada Real, disparou contra o bergantim norte-americano Alice B.
Saivyer. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
— O confesso tudo — disse Jack —. Troquei as bandeiras, dormi fora de
meu barco, falsifiquei o rol, não fiz os informes trimestrais, permiti estivar
tonéis que haveria que jogar pela borda e voei o Alice B. Sawyer disparando-
lhe sem parar com as duas baterias. Peço clemência a este honorável
tribunal.
— Anote isso — disse Brenton, dirigindo-se a um de seus ajudantes —.
Capitão Aubrey, reconhece estes documentos?
— Certamente que sim — disse Jack em um tom tranqüilo —. Um é
minha nomeação e os outros… deixe-me dar-lhes uma espiada.
Pareciam muito com os envelopes que o almirante Drury lhe pedira
que levasse para a Inglaterra e à conta dos víveres de seu barco, que ele
mesmo havia feito. O mais baixo dos homens vestidos de preto aproximou-se
dele com o monte de papéis e Jack, que havia observado que antes ele
estava escrevendo, arrebatou-lhe o caderno das mãos e leu:
“O prisioneiro, aparentemente bêbado, declara que é o capitão Aubrey,
afirma que é católico romano e faz a mesma afirmação com respeito aos altos
cargos do Almirantado britânico. Admite que o Leopard disparou contra o
Alice B. Sawyer com as duas baterias”.
A porta se estremeceu, golpeou a cadeira de Winslow e este caiu ao
solo dando um grito. Então se abriu do todo e entrou o senhor Bulwer, oficial
da Armada Real.
— Bulwer! — exclamou Jack —.Alegro-me muito de ver-te.
Cavalheiros, peço que me desculpem, mas tenho que terminar uma carta.
— Não tão depressa, capitão Aubrey, não tão depressa — disse o
senhor Brenton —. Tenho um monte de perguntas que fazer-lhe ainda.
Então se voltou para Bulwer e lhe disse:
— O senhor pode esperar lá fora, senhor.
Jack havia feito um movimento brusco para apertar a mão de Bulwer e
o braço lhe doía muito. Ficou de mal humor ao recordar que ainda era um
convalescente e pensou que aqueles loucos eram muito pesados, que não
tinham a graça e a perspicácia de Bates O Carniceiro. Achava que sir Jahleel
Brenton não tinha nem comparação com o imperador de México e aquele
jogo lhe parecia muito chato e estava cansado dele.
— Senhor Bates! — gritou —. Amigo Zeke! Irmão Zeke!
Imediatamente o louco assomou a cabeça pela porta. Tinha a cara
avermelhada por causa da tensão, uma expressão furiosa, os olhos brilhantes
e os lábios separados por uma branca linha de saliva.
— Senhor Bates, por favor, acompanhe estes senhores à porta.
Indique-lhes como chegar aonde se encontra a senhora Kavanagh. Ela lhes
dará uma agradável poção quente.
Haviam feito Louisa Wogan passar para a sala de espera. Era a primeira
vez que uma visita do doutor Maturin não passeava pelos corredores da
Asclepia com inteira liberdade, como era o usual. Mas a porta havia ficado
aberta e os moradores da Asclepia haviam ido para a sala de espera para vê-
la. Agora estavam ali, rindo alegremente, o imperador do México e um par
de milionários. Mas eram loucos com boa educação e quando a senhora
Wogan correu para Stephen e, pegando-lhe as mãos, exclamou: “Doutor
Maturin, quanto me alegro de ver-lhe!” Saíram silenciosamente, com um
dedo apoiado nos lábios.
— Como o senhor está? — continuou ela —. Não mudou em nada.
Tampouco ela havia mudado. Seguia sendo tão bonita como sempre,
com seu cabelo preto, seus olhos azuis, sua limpa pele e sua agilidade
comparável à de um garoto. Usava a pele de ratão-do-banhado que Stephen
lhe prezenteara na ilha Desolação, perto do pólo sul, e lhe caía muito bem.
— Tampouco a senhora mudou, minha amiga— disse ele —. Bem, com
excessão de que sua pele está mais rosada, provavelmente pelo ar de sua
terra e a boa alimentação. Diga-me, pôde suportar a viagem sem
dificuldade?
Stephen a havia visto pela última vez quando estava em avançado
estado de gestação e temia que lhe houvesse ocorrido algo a seu filho.
— Muito bem, obrigada. A menina nasceu durante uma horrível
tempestade, enquanto dávamos solavancos de um lado para o outro em
frente ao cabo de Hornos. Os marinheiros estavam horrorizados e ficaram no
convés apesar de que o tempo era espantoso, mas Herapath fez tudo muito
bem. Depois a viagem foi muito agradável e desde Rio de Janeiro navegamos
a grande velocidade e a menina se portou muito bem. Quando nasceu já
tinha longos cachos negros!
— E o senhor Herapath?
— Está muito bem, mas não se atrevia a vir ver-lhe e ficou em casa
com Caroline. Mas venha comigo, não podemos falar aqui. Depois o trarei de
volta. Deixam-lhe sair, verdade?
Stephen assentiu com a cabeça.
— Então diga a alguém para que traga seu abrigo — continuou —. Lá
fora faz um frio espantoso e o vento é cortante.
— Não tenho abrigo. Seremos trocados dentro de pouco, assim que não
valia à pena comprá-lo para tão curto tempo. Ademais, o frio não me afeta.
O capitão Aubrey me há encarregado que lhe apresente seus respeitos e que
lhe diga que sente muito não haver podido apresentar-se pessoalmente.
— Ah, o capitão…! — disse a senhora Wogan.
Por seu tom, Stephen compreendeu que ela só tinha ido visitar ao
doutor Maturin. Então pensou que as condições em que a senhora Wogan
havia estado prisioneira no Leopard talvez não haviam permitido que
percebesse a amizade íntima que existia entre eles. Mas ela retificou
imediatamente e perguntou cortesmente como estava o capitão Aubrey e
lhe desejou uma pronta recuperação.
Ao chegar ao vestíbu-lo da entrada, o porteiro saiu de sua casinha para
abrir-lhes a porta. Era um índio alto e gordo que vestia à européia, uma das
poucas caras que não eram sorridentes na Asclepia. Parecia uma estátua,
pois nunca falava nem sua expressão grave mudava. Stephen o
cumprimentou amavelmente com um “Uf!”, porém, como sempre, não
obteve resposta nem notou nenhuma mudança em sua expressão. Contudo,
pela primeira vez viu a alavanca com que se controlava a abertura da porta
e pensou que aquele sistema era muito simples mas que talvez bastasse para
manter os loucos encerrados.
A primavera havia chegado a Boston, uma primavera que era
realmente virulenta. Ao atravessar o terreno comunal, Maturin e Wogan
sentiram o vento gelado que soprava desde Cambridge e arrastava pedaços
de folhas verdes que se depositavam sobre o barro quase gelado e ainda que
não notassem, todos os norte-americanos que cruzaram com eles no
caminho, quer fossem índios, negros ou brancos, tinham resfriados muito
fortes. Estavam imersos em um mar de lembranças: sua viagem, os cachecóis
e as meias que ela lhe havia tecido, a batalha, o desespero porque o barco
estava a ponto de afundar, o refúgio na fria ilha Desolação, as peles de foca,
a sorte de ter por fim calor e alimentos, a chegada do baleeiro norte-
americano no qual Wogan e Herapath haviam escapado… Ela perguntou
pelo senhor Byron e também pelo senhor Babbington e seu querido cachorro.
Desgraçadamente, ao cachorro lhe haviam comido os nativos das ilhas
Tonga, mas lhe haviam trocado por uma donzela. Depois perguntou o que
havia corrido com a cigana e sua filhinha e com Peggy. A cigana havia
encontrado o seu esposo em Botany Bay e a outra um monte de amantes,
porque havia escassez de mulheres ali. Enquanto conversavam, Stephen
observou que a senhora Wogan lhe falava sem reservas. Falava-lhe como a
um velho amigo, com a mesma confiança e a mesma sinceridade que no
Leopard ou inclusive mais, como se os laços de amizade entre eles se
houvessem estreitado com o tempo. Isso o comprazia, porque
verdadeiramente simpatizava com Wogan, admirava sua coragem, gostava
de sua conversa e lhe parecia uma companhia agradável. Contudo, estava
surpreendido disso, pois Wogan era uma espiã, ainda que não muito boa, e
ele a havia “enchido até o topo”, como diziam os marinheiros, de falsa
informação que podia ter um efeito letal, e seu estratagema, conforme tinha
entendido, havia tido bons resultados: o descrédito e a morte de numerosos
espiões. Apesar de tudo isso, ela estava ali ao seu lado, agarrada ao seu braço,
aparentemente sem ressentimento. Mais tarde, em parte pelo que ela
deixou escapar e em parte pelo que não disse, Stephen chegou à conclusão
de que o considerava inocente. Talvez pensasse que ele havia sido um
simples instrumento nas mãos de Jack Aubrey, um homem que seguia os
passos de Maquiavel ou talvez Herapath, tão débil e indeciso, nunca lhe
havia dito que aqueles documentos haviam chegado em suas mãos através
de Stephen Maturin.
— Cuidado! — gritou ela, afastando-lhe das rodas de uma carruagem
—. Tem que ter cuidado, meu amigo, e tratar de ir sempre pela calçada.
Voltaram a falar de sua permanência em Desolação e daquele
importante período de tempo no qual o baleeiro se preparava para zarpar.
Ela, tão alegre como então e com toda sinceridade lhe contou que
preparativos havia feito para ir embora.
— Estive a ponto de dizer-lhe — disse —. Estava segura de que ao
senhor não se importaria porque era irlandês, um defensor da liberdade e
amigo dos estados Unidos. Não imaginou quando lhe mostrei as calças de
marinheiro que havia conseguido? Teria me ajudado se soubesse?
— Acho que sim, minha amiga.
— Estava segura — disse ela, apertando-lhe o braço —. Quando disse a
Herapath, armou um escândalo. Falou-me de honra e nessas coisas, sabe?
Sobretudo o preocupava dever dinheiro ao senhor. Eu sabia que os nortistas
adoravam o dólar, mas nunca achei que alguém pudesse armar tanta
confusão por uma pequena quantidade de dinheiro. No sul as coisas são
muito diferentes, sem dúvida. Tive que gritar como uma verdureira para
fazê-lo mudar de opinião. Oh, Meu Deus!
Ao recordar o ocorrido, começou a rir com aquela riso contagioso que
Stephen gostava tanto e a gente que ia pela rua se voltava para ela sorrindo.
Fez uma pausa, riu de novo uns instantes e depois disse:
— Não me disse que conhecia Diana Villiers.
— A senhora não me perguntou — disse Stephen —. Ao que parece,
também a conhece.
— Claro que sim! — disse a senhora Wogan —. A conheço desde faz
séculos. Somos amigas íntimas e a quero muito. Estivemos juntas em
Londres. Como o senhor provavelmente saberá, é a amante de Harry
Johnson, a quem conheço muito bem porque nós dois somos de Maryland.
Chegarão a Boston na quarta-feira. Gostaria que conhecesse Harry Johnson.
Ele também gosta das aves. Quando logrei regressar aos Estados Unidos, falei
do senhor e Diana exclamou: “Mas se esse é meu amigo Maturin!”. E Harry
Johnson disse: “Deve de ser o mesmo Maturin que publicou um estudo
sobre os alcatrazes”. Chamam-se alcatrazes, verdade?
Passaram em frente ao hotel O'Reilly e dois oficiais britânicos que
conheciam Stephen o olharam com evidente inveja. Eles o
cumprimentaram e a senhora Wogan lhes sorriu.
— Pobrezinhos — disse a senhora Wogan —. É horrível ser um
prisioneiro. Direi para a senhora Adams que os convide para sua casa.
— A senhora não desgosta dos ingleses mas do seu governo, verdade?
— Isso mesmo — respondeu a senhora Wogan —. Ainda que, sem
dúvida, odeie alguns ingleses, o que realmente detesto é seu governo, e me
atrevo a assegurar que ao senhor lhe ocorre o mesmo. Sabe que enforcaram
Charles Pole, aquele meu amigo do Ministério de assuntos Exteriores de
quem lhe falei faz tempo? Foi um ato covarde e desprezível… Poderiam tê-
lo matado com um tiro. Já chegamos.
Então o conduziu por uma rua cheia de barro onde se alçavam
pequenas casas de tijolo e um monte de cachorros magros farejavam pelas
valas das margens.
— Não é verdade que vivemos em um lugar miserável? Isto é o melhor
que o pobre Herapath pode ter por hora.
O pobre Herapath estava esperando por eles em uma habitação com
muito poucos móveis, de aspecto quase tão miserável como a rua e cheia de
fumaça. Cumprimentou Stephen com uma mistura de vergonha e afeto,
sem atrever-se a estender-lhe sua mão e então Stephen lhe apertou. Parecia
haver envelhecido desde que se haviam separado na ilha Desolação e
estava tão pálido que Stephen supunha que havia voltado a fumar ópio.
Mas era o mesmo Herapath de antes e quando Louisa foi buscar a menina,
mostrou a Stephen sua tradução de uma obra de Li Po com tanto orgulho
que lhe recordou os dias em que falavam na enfermaria do Leopard.
A menina era um exemplar comum de sua espécie. Provavelmente era
tranqüila no fundo, mas agora estava furiosa porque não lhe haviam dado
de comer. E enquanto seus pais discutiam sobre esse assunto, como era
lógico, alçando a voz muito acima de seu volume normal, gritava com todas
suas forças. Stephen observou seu rosto avermelhado e como se refletiam
nele a tristeza e a raiva, às vezes uma depois da outra e às vezes mescladas,
e se censurou haver desejado que não nascesse nunca. Observou que
Herapath era menos desajeitado para pegar a menina nos braços e que ela
lhe prestava mais atenção ao seu pai que à sua mãe. Por fim, depois das
usuais bajulações, que disse quase gritando, levaram a menina e Herapath
disse:
— Doutor Maturin, estou muito envergonhado por haver-me partido
sem pagar minha dívida.
— Nada disso — disse Stephen —. Apropiei-me de seus pertences e
vendi seus uniformes para Byron, que estava desnudo e tinha mais ou
menos seu tamanho. Saí ganhando.
— Alegra-me sabê-lo. Afligia-me a consciência porque depois de tantas
atenções…
— Diga-me, Herapath, emprega todo seu tempo traduzindo a Li Po?
Esperava que estudasse medicina quando regressasse. Realmente o senhor
tem dotes para a medicina.
— Estudaria se tivesse os meios para fazê-lo. Na verdade, hei lido a
Galeno e todos os livros de medicina que hei podido conseguir. Mas espero
que quando se publique minha tradução, os ganhos que obtenha me
permitam voltar para Harvard e graduar-me como médico. Tenho muitas
esperanças, porque Louisa tem um amigo sulista, um amigo de infância, que
se há associado com um editor da Filadélfia e, pelo que há dito, acho que
tudo sairá bem. É provável que o livro se publique em formato um quarto no
ano que vem e se a demanda for bastante grande, será feita depois uma
edição em formato de um oitavo. Enquanto isso vivemos graças à ajuda
econômica que recebo de meu bondoso pai, mas se ele…
Então Herapath se interrompeu, tossiu e depois continuou: — Meu pai
me encarregou de lhe apresentar seus respeitos e espera que lhe dê a honra
de comer com ele amanhã.
— Com muito gosto irei visitar-lhe — disse Stephen, pondo-se de pé
porque a senhora Wogan havia regressado, seguida de dois negrinhos e uma
negra suja e bagunçada que trazia em uma bandeja a chaleira e xícaras
sebosas.
— Espero que goste — disse a senhora Wogan, olhando ansiosa para a
chaleira —. Sally prepara melhor o xarope de menta que o café.
Uma vez Stephen havia se perdido em uma ilha rochosa do Atlântico
Sul e a única coisa que tinha para beber era água de chuva quente que
havia nos buracos cheios de guano. Essa água era mais desagradável que o
chá da senhora Wogan, mas só um pouquinho nada mais. Seu sabor amargo
o acompanhou durante todo o dia, ainda que ele havia tratado de contrapô-
lo comendo montes de pedaços de uma substância amorfa e cinza que
diziam que era bolo de milho, um doce típico do sul.
Percebeu isso no outro dia pela manhã, ao despertar. E ainda
recordava daquele estranho sabor de resina mesclada com melaço e lodo
quando Herapath chegou ao Asclepia para buscá-lo.
— Acha, senhor que deveria apresentar meus respeitos capitão
Aubrey, senhor? — perguntou com tom preocupado.
— Não — respondeu Stephen —. Pensará que é seu dever enforcar-
lhe por ter escapado do Leopard e se excitará muito e isso pode ser muito
prejudicial para ele, já que ainda está muito débil. Precisamente, acabo de
pedir ao doutor Choate que não permita que receba visitas, sobretudo desses
homens do Departamento da Marinha que no outro dia lhe desgostaram
tanto.
O Departamento da Marinha havia desgostado a Jack, mas não muito,
não tanto como a vitória em frente à desembocadura do rio Demerara. Não
tanto como lhe desgostava o que via de suas janelas, das quais uma dava
para o porto e outra para o ancoradouro dos barcos de guerra norte-
americanos. Mas ali não ocorriam muitas coisas, pois todos os mercantes
estavam amarrados no cais, às vezes muito fortemente, e só o que havia em
movimento eram algumas embarcações pequenas e barcos pesqueiros.
Tirando os intervalos ocupados pela comida, a atenção médica e a
limpeza do quarto, passava o dia olhando pelo telescópio. Olhava com
especial atenção para as potentes fragatas norte-americanas e as conhecia
muito bem e inclusive conhecia a muitos dos oficiais e dos marinheiros que
as tripulavam, sem contar com os oficiais da Constitution que havia
conhecido durante a viagem e que vinham visitá-lo. Eram três: a President,
com quarenta e quatro canhões de vinte e quatro libras, a Congress, com
trinta e oito canhões, e, sem dúvida, a Constitution, que agora estava
desarmada. E só tinha que virar-se e apoiar o telescópio sobre o parapeito da
outra janela para ver em alto mar os joanetes da esquadra que fazia o
bloqueio. Às vezes uma fragata, a Aeolus ou a Belvidera ou a Shannon,
chegava até o ancoradouro exterior para fazer um reconhecimento e o seu
coração batia com tanta força que tinha que prender a respiração para
evitar que o telescópio se movesse porque pensava que a fragata poderia
fazer um ataque surpresa ou seus homens poderiam desembarcar para
tomar as fortalezas por detrás.
Estavam fazendo muitos reparos na Constitution. Jack não podia
vangloriar-se de que isso apenas era devido aos danos que a Java lhe
causara, mas estava certo de que ela havia contribuído para fazê-los
necessários e de que a Constitution não estaria preparada para lutar até
dentro de vários meses. Em troca, a President e a Congress estavam sendo
prepardas para que se fizessem ao mar rapidamente e ele observava todos os
movimentos. Viu como lhes puseram uma exárcia nova, como trocaram as
trincas do gurupés da President com grande habilidade em uma só tarde e
como os marinheiros faziam práticas no alto da exárcia. Viu subir a bordo os
víveres, centenas e centenas de tonéis, a água e também a pólvora, que
sacaram de uma pequena embarcação de uma coberta. Estavam situadas
em um lado do ancoradouro, talvez esperando apenas o vento do sudoeste
e que a maré baixasse, pois então a esquadra que fazia o bloqueio se afastaria
para o noroeste e isso lhes permitiria sair para o Atlântico.
Quando estava já bastante tempo olhando o castelo de popa da
President com o telescópio para averiguar o calibre de suas caronadas, ouviu
uns vivas no distante porto. Deu a volta imediatamente, com bastante
agilidade, posto que cada dia sua força aumentava um pouco mais, e viu
outra fragata norte-americana entrando no porto só com as gáveas e a
bujarrona desdobradas. Havia esquivado de alguma maneira a esquadra que
fazia o bloqueio, apesar de que o vento soprava do sudeste e era moderado.
Talvez a esquadra estava tripulada por loucos de atar. Mas esse não era
momento de fazer recriminações. Colocou bem o telescópio e se concentrou
em olhar a fragata.
Era uma fragata de trinta e oito canhões e pelo seu modo de entrar se
notava que navegava com facilidade. Tinha trinta e quatro canhões longos
de dezoito libras nos costados, dois no castelo e dois no castelo de popa e
ademais vinte e quatro caronadas de trinta libras. A coberta estava em
perfeita ordem e os cabos adujados à flamenca. Era a Chesapeake. Enquanto
observava seu castelo de popa viu um oficial levantar a buzina e antes de
que ele ouvisse a ordem, desapareceram a bujarrona e as gáveas
simultaneamente. A fragata se moveu descrevendo uma longa curva contra
a corrente e chegou ao lugar onde devia atracar quando já quase não tinha
velocidade. Nesse momento, sua barcaça caiu na água por estibordo e logo o
barqueiro saltou para ela e o capitão foi transportado para terra. Nenhum
dos barcos em que havia navegado haveria feito melhor as coisas, nem
sequer na época em que o velho Jarvie estava ao comando da frota do canal
da Mancha. A única falha que havia encontrado era que três altos guarda-
marinhas estavam apoiados na borda despreocupadamente, mascando
tabaco e cuspindo o suco pelo costado.
— Vai comer agora, senhor? — perguntou Mary Sullivan —. É que
Bridey veio duas vezes e o senhor estava olhando os barcos. Vai deixar que
se esfrie o bacalhau? Bem, bem, faz bem comer quando ainda está quente.
Aqui está. E nosso querido doutor comerá na cidade, certo?
A suspeita não havia se afastado de sua mente por toda a noite nem
por toda a manhã e quase se confirmou quando Stephen atravessava a
pequena cidade para comparecer ao encontro com Johnson. Viu Louisa
Wogan do outro lado da rua principal andando em direção oposta. Havia
olhado para ela porque vira os homens olhando-a quando passavam ao seu
lado e reconheceu entre seus admiradores a dois tenentes da Armada Real
que haviam sido capturados, curiosamente chamados Caín e Abel. Ela o viu
uns momentos depois e lhe lançou um olhar estranho, difícil de qualificar,
mas em seu rosto se refletiam a preocupação, o medo e o rancor. Então
entrou precipitadamente na loja mais próxima, uma tabacaria.
“Obrigado, querida”, pensou Stephen e lhe enviou um beijo com a mão
e seguiu caminhando. Ia a umas trinta jardas dos marinheiros e observou
que cumprimentavam alegremente seus conhecidos agitando os bastões no
ar. Em frente ao hotel Franchón havia carruagens de diversos tipos que
recolhiam ou deixavam pessoas e outras que estavam estacionadas. Um
pouco antes de Stephen passar na frente de uma destas últimas, saiu dela
Pontet-Canet e, olhando ao seu redor com os olhos exorbitantes, começou a
chamar aos gritos por um médico. Ao ver Stephen, correu para ele gritando:
— Rápido, doutor Maturin! A dama desmaiou! Aqui, na carroça!
Sangue, sangue!
Pegou Stephen pelo braço e o fez avançar apressadamente pela porta
aberta. Imediatamente saíram mais dois homens da carruagem e dois do
vestíbulo do hotel e lhe rodearam e começaram a empurrar-lhe. Enquanto
isso, Pontet-Canet seguia gritando:
— Rápido! Venha logo! Rápido, rápido!
Depois murmuraram em francês: “O outro braço… Dá-lhe uma
porretada… Pegue-lhe pelo pescoço… Empurra-lhe dentro…”.
Stephen tratou de retroceder com todas suas forças e caiu ao solo e
enquanto se esforçava para afastar braços e pernas gritava:
— Detenham aos ladrões! Detenham aos ladrões! Detenham aos
ladrões! Caín e Abel, socorram-me!
Derrubou um dos homens e o mordeu até que desse um horrível grito.
Lograram alçar-lhe, mas já era muito tarde. Ao redor deles havia uma
multidão de pessoas gritando e Caín e Abel davam cacetadas a torta e a
direita. E ele não parava de gritar:
— Detenham aos ladrões! Detenham aos ladrões!
Pontet-Canet esqueceu quase todo o inglês e, com um tom pouco
convincente, disse que Stephen é que era o ladrão. A multidão estava se
encolerizando. Então os franceses entraram muito rapidamente no carro e
este se afastou com grande estrondo perseguido por gritos furiosos.
— Está ferido, senhor? — perguntou Abel, ajudando-lhe a pôr-se de
pé.
— Eles o roubaram, senhor? — perguntou Caín, sacudindo-lhe a
poeira.
— Estou bem, obrigado — respondeu Stephen —. Por favor, empreste-
me um alfinete. Esses rufiães me romperam a jaqueta.
— Alegro-me de ter partido meu bastão na cabeça do gordo — disse
Caín.
— Quanto me alegro de ver-lhe! — exclamou Johnson quando Stephen
entrou.
Stephen estava pálido e tremia de raiva, mas tinha a mente lúcida e
decidiu representar o papel de cidadão agravado.
— Senhor Johnson, quero apresentar uma queixa formal sobre um fato
sumamente grave — disse —. Acabo de ser atacado nesta rua, em frente a
este hotel, em frente ao seu hotel, senhor, por um bando de rufiães, de
rufiães franceses dirigidos por Pontet-Canet. Tentaram sequestrar-me,
tentaram meter-me à força em uma carruagem. Amanhã pela manhã
apresentarei a mesma queixa ao delegado britânico encarregado da troca dos
prisioneiros de guerra. Exijo a proteção a que têm direito os oficiais
prisioneiros conforme as leis de seu país e conforme o estipulado pelas
normas internacionais com relação à segurança das pessoas. Exijo que
Pontet-Canet seja processado e que seus homens sejam identificados e
castigados. E quando tiver falado com o delegado britânico, apresentaremos
a mesma demanda ante as mais altas hierarquias do país.
Johnson disse que estava muito preocupado e rogou ao doutor Maturin
que se sentasse no sofá e bebesse um copo de conhaque ou, ao menos, de
água. Assegurou que lamentava muito que houvesse ocorrido aquele
incidente e que entregaria um protesto ao chefe dos franceses.
Seguiu representando o papel de quem recebe uma queixa de um
cidadão agravado e esteve bastante tempo falando da situação em geral,
falando sem dizer nada com a facilidade com que o fazem os políticos. Disse
que esses procedimentos eram cruéis e deploráveis… a guerra tinha
consequências desastrosas… todos desejavam a paz, uma paz duradoura…
Stephen o observava enquanto falava e ainda que pudesse controlar a raiva
que lhe produzia aquele fluxo de palavras sem sentido e a que sentia pelo
ataque frustado, não podia controlar seu olhar. Olhava-o fixamente, sem
pestanejar e com seus claros olhos muito abertos, igual a um réptil, e ele se
pôs tão nervoso que abandonou seu papel. Terminou o discurso com uma
apressada conclusão, levantou-se, deu duas ou três voltas pelo quarto, abriu
a janela e disse aos trabalhadores que estavam na sacada que fizessem
menos ruído e depois, quando já havia recuperado a calma, continuou
falando em um tom muito diferente. Disse para Stephen que agora lhe
falava em confiança, de homem para homem. Pediu que compreendesse
que se encontrava em uma posição delicada, pois não era mais do que um
dente de uma roda de engrenagem em uma enorme máquina e, por isso,
não podia fazer outra coisa além de protestar aos que estavam acima dele,
pelo fato de estar em tempo de guerra, estimavam conveniente dar mais
liberdade aos espiões franceses, mais do que ele considerava congruente
com a soberania nacional. E estava certo de que lhe responderiam que o
faziam para que, em reciprocidade, fosse dada a mesma liberdade aos
espiões norte-americanos nos territórios governados pelos franceses.
— Contudo — disse —, posso proteger os agentes secretos que
trabalham para mim, disso pode estar seguro, assim que, para seu própio
bem, peço que me permita recrutar-lhe como conselheiro…
Chamaram na porta e perguntou:
— Que foi?
— A carruagem está na porta, senhor — disse um criado —, e o senhor
Michael Herapath ainda está esperando.
— Não posso receber-lhe agora — disse Johnson, regressando a sua
escrivaninha e colhendo um monte de provas de granel —. Dê-lhe isto e
diga que o receberei depois de amanhã. Não, espere, darei eu mesmo
quando saia.
A porta se fechou e ele continuou:
— Sim, recrutar-lhe como conselheiro, digamos, para os assuntos de
Catalunha. Bastará um breve informe, um simples aide-mémoire sobre a
situação e a história da região, o suficiente para satisfazer ao secretário. Não
vou insistir em que me responda agora porque está perturbado e
provavelmente muito irritado, mas lhe rogo que pense bem e me dê a
resposta quando eu regressar, depois de amanhã. Entretanto garanto que
não se repetirá o incidente desta manhã. E agora, se me permite, chamarei
um carro para o senhor… Porém, agora que o penso, Herapath está lá
embaixo e se o senhor preferir, pode regressar com ele. Indubtavelmente, o
senhor não pode voltar andando sozinho depois deste desagradável
acontecimento.
A menos que Michael Herapath fosse um hipócrita excepcional, não
sabia nada do assunto, e Stephen conhecia ao jovem a tempo suficiente
para saber que não era excepcional em nada, salvo no conhecimento de
obras eruditas. Ao longo do caminho, Herapath lhe falou com alegria da
mudança de opinião de seu pai com respeito à enviar-lhe para a escola de
medicina, mudança que atribuía ao bondoso doutor Maturin, e também de
seus estudos futuros. E lhe falou com verdadeiro entusiasmo de seu livro e
lhe mostrou as provas de granel, elogiou os caracteres, olhou
carinhosamente a página com o título e se deteve várias vezes em meio da
apressada multidão para ler algumas passagens.
— Escute este fragmento traduzido, senhor. Atrevo-me a dizer que
não lhe parecerá de todo mau:
Queridíssimo Stephen:
Eu lhe ouvi falar e esperava que viesse ver-me, mas não veio. Que
significa isso? Eu lhe ofendi? Não lhe dei uma resposta clara porque fomos
interrompidos e talvez pense que rechacei sua proposta. Mas não a
rechacei, Stephen. Casarei-me contigo quando quizer… E desejo isso! Sinto
uma grande honra, Stephen, querido. Não deveria haver-te rechaçado na
Índia… Isso me partiu o coração… Mas agora, ainda que lamentavelmente
seja como sou, sou toda sua.
Diana
P. S. Esse indecente vai levar a sua amante ao campo domingo. Vem e
passaremos o dia juntos. Dê minhas lembranças ao primo Jack.
Jack:
Tive que matar dois franceses aqui. Há outros franceses embaixo e não
posso sair… Tentaram matar-me esta manhã. Tenho que tirar Diana daqui
custe o que custar e alguns papéis, e também quero sair, se for possível.
Wogan não é de confiança, mas não diga isso para Herapath, e a Asclepia
não é segura. Choate poderia encontrar um refúgio para Diana, ou talvez o
padre Costello, que vai nos casar. Não sou dono de mim mesmo. Faça o que
puder, Jack. O porteiro poderia ajudar-nos.
Senhor:
Posto que a Chesapeake parece estar pronta para fazer-se ao mar, peço
que me faça o favor de entabuar um combate lado a lado com a Shannon
para ver o que depara o destino aos nossos respectivos países. Devo
desculpar-me por dar-lhe detalhes sobre nossa fragata e nossa posição a um
oficial de seu gabarito e lhe asseguro, senhor, que não o faço porque duvide
que o senhor esteja disposto a enfrentar-se comigo, senão para que não
pense, com razão, que poderíamos receber ajuda.
Depois de haver dedicado grande atenção ao comodoro Rodgers,
depois de haver mandado todas nossas fragatas exceto a Tenedos e a Shannon
para tal distância que não poderiam ajudar-nos em uma batalha nas
imediações dos cabos e depois de haver enviado para Boston várias
mensagens verbais nas quais pedíamos que lutasse conosco, esquivasse da
luta e se foi aproveitando a primeira oportunidade que teve, quando o
vento do leste nos obrigou a manter-nos muito longe da costa, e nos
decepcionou. Talvez desejasse ter mais garantias de que lutaria conosco em
boa combate. Por isso quero dar-lhe detalhes ao senhor e lhe juro por minha
honra que cumprirei tudo o que prometo nesta carta, seja qual for o esforço
necessário para isso.
A Shannon tem vinte e quatro canhões nos costados e uma pequena
canhoneira. No convés principal estão os canhões de dezoito libras e no
castelo de popa e no castelo estão as caronadas de trinta e duas libras. Tem
trezentos tripulantes, entre marinheiros e grumetes, e estes últimos formam
um nutrido grupo. Ademais, se encontram a bordo outros trinta homens,
um grupo de marinheiros, grumetes e passageiros procedentes dos barcos
capturados. Faço esta descrição tão minuciosa porque em vários jornais de
Boston apareceu a notícia de que tinha cento e cinqüenta tripulantes
adicionais que procediam da Hogue, o que não é verdade. A Hogue está
reabastecendo em Halifax na atualidade e com relação a todas as demais
embarcações, ordenarei-lhes ir-se longe para que não possam participar em
nosso combate. Enfrentarei o senhor quando lhe pareça conveniente na
zona que se estende desde seis ou dez léguas ao leste do cabo Cod até oito
ou dez léguas ao leste do cabo Ann, junto ao banco de arrecifes Cashe, nos
43° de latitude N, ou em qualquer zona que o senhor escolha ao sul da ilha
Nantucket, longe do arrecife, ou ao sul do banco de areia de Saint George.
Se o senhor confia em mim e se faz ao mar, queria que me fornecesse
um código de sinais para comunicar-lhe que se detivesse em caso de
avistarmos ou nos encontremos com um barco amigo, com o fim de que
esperasse até que eu ordenasse a esse barco que se afastasse. Ou se preferir,
poderíamos navegar juntos com bandeira branca até um lugar no qual o
senhor creia que não há risco de encontrar-nos com barcos da Armada Real
e ao chegar lá arriaríamos as bandeiras e romperíamos as hostilidades.
Espero que compreenda que minha proposição é vantajosa para o
senhor, senhor, pois a Chesapeake não pode sair para o alto mar sozinha sem
correr o perigo de ser destruída pelos numerosos navios da Armada Real que
sulcam os mares e que têm uma potência superior à sua, e no caso de um
enfrentamento com eles, apesar de seu arrojo, todos seus esforços para
resistir serão inúteis. Queria que não achasse que busco um enfrentamento
com a Chesapeake movido pela vaidade nem que penso que o senhor acederá
à minha proposição pela ambição de conseguir a fama; acho que nossos
motivos são mais nobres. Penso que meu combate com o senhor terá um bom
resultado e que ao sustetá-lo presto um grande serviço ao meu país, o que
talvez lhe pareça um cumprimento. Por outro lado, acredito que o senhor
também está convencido de que ganhará e que sabe que a pequena Armada
de seu país só poderá compensar aos cidadãos pela interrupção do comércio
que não pode proteger se conseguir repetidos triunfos lutando o bom
combate. Desejaria que me respondesse imediatamente, por favor, já que se
nos estão esgotando os víveres e a água e não posso permanecer aqui muito
tempo.
Seu servidor,
Philip Broke, capitão da Shannon,
fragata de Sua Majestade o rei britânico.
A bordo da Shannon
Em frente de Boston.
Meu Amor:
Espero e confio em que nos enfrentaremos com a Chesapeake antes de
que acabe o dia. Não poderia pedir nada melhor, querida. Isso diminuirá a
tristeza que sinto desde faz tanto tempo.
Caso morra, esta carta será portadora do imenso carinho que sinto por
você e pelas crianças. E quero que saiba que nenhum homem poderia
morrer mais feliz que eu.
Seu amante esposo, John Aubrey.
região.
{15} Tory é o nome do antigo partido de tendência conservadora do Reino
Unido, que reunia a aristocracia britânica
{16} Caronada: canhão curto e de pouca espessura, muito leve e de alma
lisa, sem munhões, de fácil manobra, movendo-se sobre um ferrolho abaixo
de seu centro, empregando projéteis ocos e cheios, usado na marinha e
flancos de fortificações, e muito em voga até a guerra da Criméia. Deriva
seu nome de Carron, na Escócia, onde se fabricaram as primeiras caronadas
ou carronadas.
{17} Rainha de maio: A jovem que era eleita rainha da festa que se celebrava
antigamente no primeiro dia de maio. Era coroada com flores.
{18} Jardim: chama-se assim a latrina nos barcos.
{19} Pílula azul: Antigo preparado farmaceutico entre cujos componentes se