08 Coroado

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COROADO
DE INVASÃO A PORTAL DA ZONA LESTE
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PREFEITO MUNICIPAL DE MANAUS


Amazonino Mendes

VICE-PREFEITO MUNICIPAL DE MANAUS


Carlos Souza

DIRETORA-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA E ARTES


Lívia Mendes

VICE-DIRETOR-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA E ARTES


Renato Seyssel

DIRETOR DE LOGÍSTICA E FINANÇAS DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA E ARTES


Carlos Augusto Pereira da Silva

PRESIDENTE DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA CULTURAL


Thiago de Mello

SECRETÁRIO-EXECUTIVO
Jaime Pereira

Av. André Araújo, n.º 2767 Avenida André Araújo, 2767 – Aleixo
Aleixo CEP: 69060-000 – Manaus-AM
CEP: 69060-000 – Manaus-AM Telefone: 92-3215-3474/3470
Tel.: 92-3631-8560 Site: www.manaus.am.gov.br
E-mail: [email protected] E-mail: [email protected]
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Edvaldo Manoel dos Santos

COROADO
DE INVASÃO A PORTAL DA ZONA LESTE
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Copyright © 2010 Edvaldo Manoel dos Santos

COORDENAÇÃO EDITORIAL
Carlos Augusto Pereira da Silva
PROJETO GRÁFICO
Marcos Sena
([email protected])

CAPA
Marcicley Reggo
(Kintaw Design)

REVISÃO
Márcio Pinheiro dos Santos
FICHA CATALOGRÁFICA
Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287

S237c Santos, Edvaldo Manoel dos.

Coroado: de invasão a portal da Zona Leste. / Edvaldo


Manoel dos Santos. Manaus: Edições Muiraquitã, 2010.

64 p.
Série: Coleção Prêmios dos Bairros.

ISBN 978-85-99122-34-1

1. Bairros de Manaus 2. Comunidades urbanas I. Título


II. Série

CDD 307.38113
22. ed.
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O governador em gestão, Walter de Andrade,


percebendo o agravo do conflito e com receio de
um possível genocídio, desapropria as terras e as
doa aos invasores que no dia 12 de outubro de
1971 a batizam com o nome de Coroado, vila
fictícia, na qual a trama de Irmãos Coragem era
vivenciada.

Livro Coroado: de invasão a portal da Zona Leste,


Prêmio Literário Mário Ypiranga Monteiro.
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SUMÁRIO

Apresentação 9

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Acervo Iconográfico 49
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Apresentação

MINHAS PRIMEIRAS PALAVRAS manifestam a alegria


que nos invade por apoiar cada vez mais as iniciativas de
produção literária, por meio dos Prêmios Mário Ypiran-
ga Monteiro, criados com a finalidade de estimular os
artesãos da pesquisa e da palavra, assim como estreitar o
relacionamento dos habitantes com seus marcos refe-
renciais – os bairros.
Com efeito, estaremos movimentando a curiosidade
em torno de uma coleção histórica de nossa cidade, pro-
porcionando o aparecimento de novos autores na área
literária e, em consequência, seguindo com o programa
de formação de novos leitores.
Acredito ser essa política a principal ferramenta de
qualquer gestor público, de combate ao analfabetismo, à
exclusão social e de incentivo à melhoria da qualidade da
formação em todos os níveis, sem perder de vista a pos-
sibilidade de geração de emprego e renda no mercado
editorial e gráfico de Manaus, assim como na rede de
livrarias da cidade e na comunidade de escritores de lite-
ratura geral e de livros didáticos para todas as idades e
para todas as áreas.

Amazonino Mendes
Prefeito de Manaus

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Coroado: de invasão a portal da


Zona Leste

TUDO COMEÇOU POR VOLTA DE 1968, quando


chega a Manaus um pequeno grupo vindo do interior
do Estado com o objetivo de conseguir melhores
condições de vida. Inicialmente, o grupo era formado
pelos senhores: Zé Barouma, Argemiro, Alfredo,
Chime, Dedé e Ronaldo.
Por falta de moradia, eles procuram as terras per-
tencentes à Universidade do Amazonas (hoje Univer-
sidade Federal do Amazonas) e fixam moradias. Logo
é dado início ao processo de fabricação de carvão e
começa a degradação ambiental da área.
Numerosas famílias, procedentes do interior do
Estado e outras desalojadas das casas onde moravam
na “Cidade flutuante” (grupo de famílias que moravam
em casas flutuantes em frente à cidade de Manaus),
junta-se ao grupo.
O tempo passa. A invasão cresce, sem qualquer
tipo de estratégia ocupacional. Simplesmente as
famílias chegavam ao local, faziam a demarcação do
terreno, organizavam mutirões e roçavam a área
aproveitando as árvores derrubadas para construírem
suas casas.
A soberania da Universidade do Amazonas estava
ameaçada. Esta denúncia a invasão aos órgãos compe-
tentes, dando início a uma longa e dolorosa batalha na
luta pela posse das terras. Aproximadamente 250 famí-
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lias tiveram suas casas derrubadas. A polícia espalhou


pânico e desespero entre os invasores. Era a época da
repressão Militar, os inesquecíveis anos de chumbo da
Ditadura.
Oficiais da justiça protestam contra a ocupação
da área, declarando que esta pertence à Univer-
sidade do Amazonas, adquirida através de doação
feita pelo Governo Federal a essa Unidade de
Ensino Superior.
Apesar de inúmeras ameaças de despejo mediante
intervenção militar, da precária condição dos
invasores e da trágica situação em que se encontravam
os moradores, houve tolerância por parte das
autoridades em virtude do problema social no qual os
invasores se encontravam.
Eis que surgiu entre os invasores um humilde
marceneiro: João Corrêa Barbosa, homem de fibra,
que com muita determinação fincou suas estacas e
jurou perante seus companheiros que daquele pedaço
de chão só sairia morto. Esta atitude lhe rendeu a
alcunha de “João Coragem”, inspirada na novela da
Rede Globo, Irmãos Coragem, a qual estava em
exibição na época e retratava uma situação idêntica à
do povo daqui.
O governador em gestão, Walter de Andrade,
percebendo o agravo do conflito e com receio de um
possível genocídio, desapropria as terras e as doa aos
invasores que no dia 12 de outubro de 1971 a batizam
com o nome de Coroado, vila fictícia, na qual a trama
de Irmãos Coragem era vivenciada.
João Coragem e seus partidários fazem uma
grande festa em comemoração ao lugar defendido e
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finalmente conquistado com muita luta, garra e


principalmente, uma grande dose de sabedoria. A festa
é realizada com muita animação e euforia, movida ao
bom forró e a tradicional Caninha 61, para aumentar a
descontração.
Dada à conquista, o bairro percorreu um árduo e
doloroso caminho na luta por melhorias. Surgiu então
a primeira rua cujo nome, Presidente Médici, foi
atribuído em homenagem ao presidente que ficou
conhecido na história pela afirmação sincera: “O país
vai muito bem, mas o povo vai mal”.
Em seguida chegam os missionários e começam a
expandir o evangelho entre os moradores. Surge a
necessidade de se ter um lugar no qual a comunidade
pudesse cultuar a Deus. Entra em cena um humilde
homem que atendia pelo nome de Gilberto
Brandstaher, padre de nacionalidade austríaca que
veio de longe e trouxe na bagagem o testemunho de
Jesus Cristo: “Ide até os confins do mundo, batizai
todas as gentes”.
Este, juntamente com a comunidade, levanta a
primeira igreja e atribui a ela o nome de Sagrado
Coração de Jesus, no Coroado I, a qual passa a ajudar
na formação de uma nova cultura voltada a seguir os
caminhos abertos por Jesus Cristo, o verdadeiro filho
de Deus.
O trabalho de Gilberto Brandstaher foi o de con-
servar o povo plenamente pacífico com o objetivo de
conquistar seus direitos e sensibilizar as autoridades
competentes para a solução desse impasse social.
Em outubro de 1973 o padre Gilberto foi
transferido para outro centro pastoral, sendo
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substituído por três sacerdotes do Pontifício


Instituto para Missões Estrangeiras – Pime: Padre
Mário Missiato, padre Gianangelo Montani e padre
Ilário Triulzi.
Eles, juntamente com um grupo de jovem da
comunidade, fizeram um levantamento para conhecer
as realidades do bairro.
Foi descoberto que o Coroado havia 1.723 casas
com um total de 9.791 moradores, sendo 4.918
homens e 4.973 mulheres. Apenas 1.885 estudavam.
Os que tinham mais de 15 anos pertenciam ao
Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral.
Em 1974, padre Mário Missiato veio morar no
bairro com o objetivo de prestar total assistência à
comunidade. Compartilhando das angustias e dos pro-
blemas daqueles que trabalham e sofrem por um
pedaço de pão e um cantinho para morar.
A comunidade aumenta. Chega gente dos mais
variados Estados e do interior do Amazonas. Forma-
se um aglomerado de cidadãos de diferentes
localidades, mas com único objetivo: o de ajudar a
crescer o bairro que os acolheu de braço abertos.
Com o crescimento da população, era neces-
sária a construção de uma nova casa de oração para
poder atender às necessidades dos moradores. Surge
assim, a segunda igreja, Divino Espírito Santo, no
Coroado II.
O bairro passa por várias transformações e ao
longo do tempo avança em busca do progresso,
abrindo caminhos na mata em direção não conhecida.
A invasão chega a terras alagadiças, onde
açaizeiros e buritizeiros tomam conta do lugar. O
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acesso é difícil, mas não impede a ação humana de se


apropriar e fixar moradia. Mesmo sem infra-estrutura
básica e recurso financeiro, as pequenas palafitas vão
surgindo para abrigar famílias humildes que se
apossavam do lugar.
Logo é construída a terceira igreja, Nossa Senhora
Mãe de Deus. Inaugurada no dia 23 de outubro de
1977, às 10 h da manhã com uma missa celebrada por
dom Milton Corrêa Pereira.
A comunidade inteira veio para a inauguração,
Coroado I, II e III juntos celebraram mais uma
conquista.
Durante a noite, um pequeno arraial em frente da
igreja foi organizado com o auxílio de motorzinho que
garantiu a luz para a realização da festa.
A igreja está situada à rua Hugo de Abreu, n.º 21,
no Coroado III, já que o bairro foi distribuído em
três grandes espaços, a partir desse processo his-
tórico, cunhado com as construções das três igrejas
católicas.
Com o crescimento do bairro, surge a Paróquia
do Divino Espírito Santo constituída de seis igrejas
espalhadas no Coroado I, II, III, Ouro Verde (Igreja
Santa Rita de Cássia), conjunto Tiradentes (Igreja
Santa Bárbara) e conjunto Petros (Igreja Santa
Efigênia).
A sede desta Paróquia está localizada na igreja
de mesmo nome, situada à rua: Mascarenhas de
Moraes, n.º 268, no Coroado II. A mesma possui
duas salas mortuárias, dois salões paroquiais, um
centro pastoral catequético e um social. Todo dia 3
de cada mês, em sua sede, acontece a tradicional
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Novena do Divino Espírito Santo, a qual reúne fieis


de todos os bairros de Manaus, que vêm pedir ou
agradecer ao Divino Espírito Santo as graças
alcançadas, dando seus testemunhos para todos os
presentes.
No ano de 1980 a paróquia começou a registrar os
batizados e casamentos. Estes até dezembro de 1979
eram realizados na paróquia Nossa Senhora de
Nazaré. Embora a paróquia do Divino Espírito Santo
tenha sido criada em 1976, ela começou a vigorar com
registro e documentação própria somente em janeiro
de 1980.
Uma marca registrada da Paróquia é o Fest Louve,
festival inteiramente dedicado aos jovens, cuja
finalidade é plantar o evangelho em cada coração antes
que surjam as barreiras do materialismo, da violência e
da malícia, impedindo que a palavra de Deus
frutifique.
Outro padre que teve grande destaque foi o Pe.
Mário, homem simples, mas com um grande espírito
de conquistador. Ele ensinou à comunidade que Deus
ama a todos, sem distinção. Analisou as necessidades
da comunidade, suas carências e seus valores. Deu
primazia ao evangelho.
Padre Mário visitou os carentes, indo descalço nas
áreas alagadiças, levar solidariedade. Passou fome ao
lado de seu povo, comeu o tradicional jaraqui com
baião-de-dois, nas palafitas. Distribuiu amor e a ajuda
espiritual a quem necessitava. Mostrou à comunidade
o caminho da bem-aventurança para a paz.
O mesmo foi um grande marco na história do
Coroado. Por tamanha contribuição, ainda hoje, a
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comunidade o lembra quando faz referência à igreja do


Divino Espírito Santo, no Coroado II, dizendo: “Eu
vou à igreja do padre Mário”. Ele viveu, testemunhou
e anunciou o evangelho no bairro e dificilmente será
esquecido, pois sua saga é passada de geração a
geração entre os moradores.
Em abril de 1978, o padre Mário Missiato,
completou cinco anos de permanência no Brasil e foi
a Itália de férias, permanecendo lá por um período de
aproximadamente um ano, devido a um curso que ele
faria em Roma, de atualização pastoral.
Em substituição do padre Mário, ficou a irmã
Terezinha de Oliveira, a qual levou em frente o
trabalho pelo Pe. Mário.
No final do mês de abril foi aprovado pelo
plenário da Câmara Municipal de Manaus, um
decreto que concedia ao missionário Mário Missiato,
o título de Cidadão de Manaus. Este requerimento
foi apresentado pelo deputado Samuel Peixoto, pelo
reconhecimento do trabalho que o padre Mário
realizou em beneficio de todo o povo do Coroado.
A entrega do título aconteceu no dia 3 de julho de
1978 no salão nobre Adriano Jorge na Câmara
Municipal de Manaus. Como o padre Mário estava
ausente, o prêmio foi entregue ao padre Pedro
Vignola.
Em agosto de 1979 regressou da Itália padre
Mário Missiato. De acordo com o superior da
congregação, ele foi novamente destinado a trabalhar
na paróquia do Divino Espírito Santo.
A ação missionária contou também com a partici-
pação feminina, na pessoa da irmã Imelda Zandonade,
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missionária nascida no Estado do Espírito Santo, a


qual contribuiu muito na anunciação do evangelho de
Jesus Cristo, com o objetivo de levar a mensagem de
salvação a todos os cristãos.
Imelda Zandonade, irmã pertencente à ordem das
Missionárias da Imaculada, trabalhou por vários anos
na criação das Comunidades de Base, preparando
lideranças cristãs para que futuramente possam a vir a
ajudar na comunidade.
Outra missionária que também teve fundamental
importância para a comunidade foi à irmã Terezinha
de Oliveira da Congregação das Missionárias da
Imaculada que ajudou a organização e aplicação de
cursos da Pastoral da Criança.
Através do trabalho missionário liderado por
Imelda Zandonade, nasceram vários grupos de base,
merecendo destaque o grupo São Paulo, liderado por
Maria da Conceição Ribeiro, ou melhor, dona Maria,
como fiou conhecida pelos moradores do bairro.
Na função de líder comunitária, dona Maria,
trabalhou diretamente com as crianças ajudando a
diminuir a mortalidade infantil, auxiliando as gestantes
para que elas se sintam bem e a criança se forme com
saúde e amor. Fez caridades, compartilhando o pouco
que tinha com o “irmão” que nada possuía.
Contudo, foi dentro do Grupo Eclesiástico, Fer-
mento na Massa, que dona Maria encontrou realização.
Ela seguiu os ensinamentos do Apóstolo João que
anunciava o evangelho de Jesus Cristo: “Eu vim para
que todos tenham vida e tenham em abundância”, e
através de muito sacrifício ajudou as crianças e famílias
do Coroado.
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Dona Maria fez caridades evangélicas mani-


festando o amor ao próximo com ações concretas a
favor da sobrevivência e desenvolvimento das crianças
carentes. Lutou por melhores condições de vida, pela
comunhão da informação e do pão. Viveu com
renovado ardor missionário, testemunhando Jesus
Cristo, e integrou Fé e Vida.
Realizou vários trabalhos, especialmente com os
mais necessitados, sempre com a convicção de estar
a serviço da vida e da esperança. Através do grupo
eclesiástico, dona Maria, descobriu o potencial das
pessoas que ela visitava e acreditou que mesmo as
mais desfavorecidas de instrução, recursos sociais e
materiais, eram inteligentes, intuitivas e interessadas
em construir e crescer juntamente com a comu-
nidade.
Ainda hoje, dona Maria, já idosa, trabalha em prol
da comunidade, respeitando a dignidade das pessoas,
reconhecendo a qualidade de cada uma, levando-a
acreditar em seu próprio valor.
Quanto à irmã Imelda Zandonade, esta não faz
mais parte da comunidade do bairro. Como é missio-
nária, foi chamada a levar o evangelho de Jesus Cristo
à Guiné-Bissau, mas seu nome está registrado na
história da comunidade, pela realização de seu belo
trabalho missionário, juntamente com as irmãs: Rita e
Délia, missionárias que também dedicaram grande
parte de suas vidas no desenvolvimento dos
moradores e do bairro do Coroado.
Em 1979, surge em cena a professora Ruth dos
Santos, moradora antiga do bairro. A mesma
percebeu que grande parte das crianças que residiam
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ao redor de sua casa, passavam horas a perambular


pelas ruas devido à falta de um local onde elas
pudessem crescer sadias, com dignidade, respeito e
liberdade.
A partir daí, Ruth dos Santos, deu início a uma
humilde escolinha no fundo do quintal de sua própria
residência, localizada à rua Hugo de Abreu, no
Coroado III.
Ela improvisou tudo. Mandou fazer uma mesa e
dois grandes bancos de madeira, os quais
compuseram parte da pequena sala de aula ao ar livre.
Aos poucos a criançada veio chegando. A timidez era
visível nos olhares de cada criança que vinha compor
o quadro de alunos, mas o fato de todas serem
acolhidas, pela professora Ruth, como se fossem seus
verdadeiros filhos, levava a timidez para bem longe
daquele local onde reinava o aprendizado e a
felicidade.
Ruth dos Santos foi uma mulher desembaraçada e
comunicativa. Tinha muitos conhecimentos na cidade.
Foi usando seus conhecimentos que conseguiu através
do governador da época, José Lindoso, a merenda
escolar que seus alunos tanto necessitavam para um
melhor aprendizado.
Em 1980, devido o significativo aumento no
número de alunos, a escolinha é transferida para a
igreja Nossa Senhora Mãe de Deus, localizada em
frente a sua casa.
No ano 1984, o engenheiro Edvar Martins,
através do Projeto Promorar da Universidade do
Amazonas, doa o terreno para a construção da escola,
o qual localiza-se próximo a residência de Ruth. Surge
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então, a Escola Municipal Bem-te-vi, construída com


auxílio da Prefeitura, do governo do Estado e dos
moradores do bairro.
Após a sua inauguração, a Prefeitura pediu
“emprestada” a escola à professora Ruth dos Santos,
e até hoje continua desenvolvendo um trabalho de
educação que teve início com ela, a qual, sente-se
orgulhosa em ver em funcionamento a escola que
nasceu dentro do quintal de sua própria casa, e que
continua alfabetizando as crianças de sua comu-
nidade.
No bairro, existiram, e até hoje existem,
personagens marcantes, como característica própria
do povo brasileiro, que é guerreiro e não desiste
nunca dos desafios impostos desde a sua colonização.
Dentre as quais citamos a história de Margarida
Gomes de Souza, que em 1980, chega ao Coroado,
precisamente à rua Ouro Preto, n.º 651. Mulher
pobre, não alfabetizada, mas de grande coragem para
poder enfrentar os obstáculos da vida. A casa na qual
passou morar, era toda de madeira, cuja coloração a
chuva já havia tirado. O terreno era alagadiço, pois
faltavam condições financeiras para o aterro. Sem
opção para trabalhar de carteira assinada, Margarida,
optou em trabalhar na casa de uns amigos, os quais
trabalhavam no Instituto Nacional de Pesquisa da
Amazônia (Inpa).
Iniciou o trabalho como faxineira, fazendo todo o
serviço doméstico. Lá encontrou amigos de verdades,
os quais a ensinaram alguns caminhos para seguir em
frente. Sem medo de ser feliz, foi o que ela fez. Deu
duro, dias e noites. Criou oito filhos, mas sem a
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presença do marido, personagem que quase não fez


parte de sua vida.
No começo, tudo foi muito difícil. As telhas de
sua casa eram cheias de buracos. Em dias chuvosos,
panelas enfeitavam o chão da casa. A rua não era
asfaltada, assim existia muita poeira no verão e no
inverno, a lama era inevitável. Água encanada, só
buscando na escola Maria Arminda, por detrás de sua
casa. Saneamento básico, nem pensar. Eram realmente
tempos difíceis, mas nada a fazia desistir de lutar por
dias melhores.
Porém, nem tudo foi espinho na vida de
Margarida. Numa bela manhã, Carla, uma colega,
bateu em sua porta e pediu um grande favor à
Margarida. Ela queria um lugar para abrigar o seu
pai, Sr. Carlos, um sexagenário que não fazia mal a
ninguém, pois o marido de Carla não queria mais
que o sogro morasse embaixo do teto que consi-
derava seu.
Margarida, mulher de bom coração, imediata-
mente aceitou o pedido e o Sr. Carlos passou a
morar em sua casa. Logo, os dois se deram bem.
Margarida o tratava pelo apelido carinhoso de
“Vôzinho”. Ele ficava em casa reparando as
crianças, enquanto ela ia ao trabalho. Foi uma
companhia maravilhosa, pois Margarida tinha com
quem deixar as crianças. Na época, sete filhos
menores de idade.
O tempo passou. Carla conseguiu convencer o
marido e finalmente, ele aceitou o sogro como um
verdadeiro pai. As crianças cresceram e muita coisa
mudou para melhor.
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Os vizinhos ajudaram Margarida a aterrar o seu


quintal. Aos poucos a velha casa de madeira ia
sumindo, dando lugar a uma modesta casa de
alvenaria, no entanto, possuía um grande diferen-
cial: a limpeza, esta é com certeza a maior das suas
inúmeras qualidades. Tudo o que ela possuía dentro
de sua casa era bem arrumado. As panelas eram tão
areadas que serviam de espelhos para alguns
vizinhos, quando estes visitavam sua casa, e/ou,
iam pedir emprestado uma xícara de café ou de
açúcar.
Em 2000, Margarida, passou a trabalhar com
venda de amendoim, queijo e camarão nas noites de
Manaus. Os filhos passaram a ter fundamental
importância em sua vida. Uns a ajudavam na
preparação do material que seria vendido, o caçula,
Anderson, o acompanhava na venda. O filho mais
velho, Genésio, ficava em casa tomando conta dos
menores e da casa.
Hoje, Margarida continua morando no mesmo
endereço. Os filhos cresceram. A maioria já foi
embora de sua casa, mas ela continua venda de tira-
gosto na noite manauara, agora com a ajuda dos netos.
Remetendo-nos ao início da criação do bairro,
faz-se interessante sinalizar a presença de várias
lendas, as quais fizeram parte do dia-a-dia dos
moradores.
Havia muita mata e o local abrigava um número
mínimo de habitantes. Uma casa era levantada longe
da outra. Luz, só da lamparina, pois energia elétrica era
coisa dos mais empossados. O silêncio reinava na
comunidade. Um latido longínquo era ouvido na
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calada da noite, quebrando, por alguns segundos o


silêncio noturno.
Um ambiente perfeito para a lenda “Mulher de
branco” entrar em ação. Relatos de antigos moradores
revelam que nas semanas de lua cheia, após a meia-
noite, uma mulher de certa altura, boa aparência,
vestida toda de branco passeava pelas ruas como se
fosse uma guardiã a zelar pelo descanso da incipiente
comunidade.
Tal fato chamou a atenção dos moradores, pois a
“Mulher de branco” seguia seu caminho e não mexia
com ninguém. Alguns moradores chegaram a fazer
comparação entre a Mulher de branco e Nossa
Senhora; outros acreditavam que seria alguma alma
penada a vagar pelas ruas do bairro.
Contudo, nada ficou comprovado. Ninguém pôde
realmente desvendar o mistério que a “Mulher de
branco” escondia, mas a lenda ficou registrada na
memória dos primeiros moradores que no Coroado
fixaram moradas.
Outra lenda que agitou o bairro foi a do “Chupa-
chupa”. Muitas pessoas foram surpreendidas por seres
estranhos, vindos possivelmente, de outros planetas
com a finalidade de sugar a maior quantidade possível
de sangue no Coroado.
O “Chupa-chupa” era muito esperto, não dava
ponto sem nó. Fazia sua investida durante a noite
atacando somente as mulheres, cujos maridos
estivessem longe de casa.
Ao amanhecer, a notícia de que o Chupa-chupa
havia feito mais uma vítima, levava medo e
insegurança aos lares. Nenhuma mulher queria passar
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a noite sozinha, pois o “Chupa-chupa” estava


rondando a área e a qualquer noite ele poderia fazer
uma visita inesperada àquela que estivesse sem
companhia.
Os moradores afirmavam que na noite em que o
“Chupa-chupa” ia fazer a inesperada visita à casa de
uma futura cliente, uma forte luz brilhava no céu e
rapidamente desaparecia por detrás das matas. Era um
sinal. Nessa noite as mulheres casadas faziam de tudo
para que maridos não saíssem à caça de alimentos nas
matas adjacentes, mas como a sobrevivência dependia
do trabalho do marido, muitas mulheres passavam a
noite sem companhia.
O “Chupa-chupa” fazia a festa. Alguns moradores
levavam tempo a se perguntarem: “onde será que o
Chupa-chupa guarda tanto sangue?” “Será dentro
daquele objeto esquisito que parece com uma nave
espacial?” Até hoje, ninguém tem a resposta.
Com a chegada da urbanização, veio também o
barulho das pessoas, dos automóveis e outros. Há
quem acreditasse que esta foi a responsável pelo
desaparecimento das lendas, uma vez que não se ouviu
mais falar nelas. Mas uma coisa é certa, essas lendas
contribuíram muito para a história do bairro, uma vez
que fizeram parte do cotidiano dos moradores,
agitando, de uma maneira ou de outra a pacata vida da
comunidade.
Em 12 de janeiro de 1980, é fundado o
Conselho de Desenvolvimento Comunitário do
Coroado (CDCC), organização não-governamental,
voltada a trabalhar junto à comunidade, levando
assistência social e cultural a todos. O Conselho está
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à frente na luta pela solução de inúmeros problemas


apresentados pelos moradores. Sua sede está
localizada à rua Ouro Preto, n.º 533, no Coroado III,
a qual é palco para toda e qualquer atividade
ocorrida no bairro.
Ao longo dos anos, vários moradores já tiveram o
privilégio de assumir a presidência da casa, dentre os
quais: Calixto, Paulino, Raimundo Montelo, Edílson
Veras, Vilma Palheta, Francisco Ribeiro e o atual
presidente, André Falcão.
Um fato interessante durante as disputas pela
presidência do CDCC foi à eleição de 2004, quando
sete chapas concorreram à presidência. A disputa
ficou acirrada entre duas chapas: a de número seis,
representada pela irmã Junina, da igreja Assembléia
de Deus e a de número sete, encabeçada por
Francisco Ribeiro, o Chiquinho, representante da
classe jovem.
A eleição é marcada para o dia 31 de janeiro, um
domingo, dia que ficou marcado na memória da
comunidade, pois nunca houve um pleito tão
disputado, levando agitação ao bairro, fazendo com
que a disputa fosse comparada às eleições majoritárias
de Manaus.
Fim da votação. O nervosismo toma conta da
comunidade. Quem será que vai ficar à frente da maior
força comunitária do bairro? Será a irmã Junina ou
será o Chiquinho? Só a abertura das urnas é que nos
poderá tirar dessa ansiedade.
Um secretário do pleito, finalmente, faz o anúncio
da classificação geral. Para a alegria de uns e tristeza de
outros, o jovem Francisco Ribeiro, representante da
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chapa sete, é o novo presidente do bairro, ficando a


irmã Junina com a segunda colocação.
Francisco Ribeiro não resistiu à euforia da vitória
e passa mal, sofrendo um leve desmaio perante seus
correligionários.
Passado o susto, uma festa improvisada é
realizada. Era hora de descansar, pois não foi nada
fácil ganhar a eleição de uma classe unida e forte; os
irmãos da igreja Assembléia de Deus.
Começa a gloriosa gestão de Francisco Ribeiro.
Este investe no bairro colhendo as reivindicações da
comunidade, levando-as às autoridades competentes.
Francisco parece não medir esforços na luta por
melhorias para o bairro. Tudo o que ele quer é poder
ajudar o Coroado. Vai à televisão denunciar o
abandono no qual o bairro se encontra. E o resultado
vem logo em seguida, pois em menos de duas semanas
as máquinas da Prefeitura estavam no bairro
recuperando as ruas esburacadas pela ação das chuvas
ocorridas no inverno anterior.
O Coroado aos pouco vai mudando de cara.
Mutirões de limpeza são organizados freqüentemente.
Novas linhas urbanas de ônibus surgem como opção
para amenizar o sofrimento da comunidade na espera
por transporte coletivo. O bairro ganha uma agência
dos Correios, as escolas são reformadas e a segurança
pública é reforçada para poder levar tranqüilidade aos
moradores.
Juntamente com o deputado Sinésio Campos,
Francisco Ribeiro, dá entrada na papelada que
requer o pedido do título definitivo de propriedade
das terras conquistadas no início da invasão nos
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meados do ano 1968. A comunidade começa a se


reunir no CDCC em busca de algo concreto, uma
vez que o documento de posse das terras é o que
está faltando para que ela possa ser a verdadeira
dona das terras conquistadas no passado pelos seus
desbravadores.
Após uma longa negociação, o secretário de
Terras do Governo do Estado, George Tasso,
promove uma gigantesca reunião com os moradores
no CDCC, com o objetivo de resgatar a dívida social
que o governo tem com a comunidade, anunciando
para breve a entrega da documentação que dará em
definitivo o título das terras pelo próprio governador
Eduardo Braga.
Em junho de 2006, o título definitivo de proprie-
dade das terras é entregue aos moradores pelo
governador do Estado, Eduardo Braga. Finalmente é
dado desfecho ao episódio que começou há
exatamente 36 anos atrás, com um pequeno grupo de
famílias que, sem terras, ousaram invadir uma área
verde pertencente à Universidade do Amazonas, com
intuito de ali residir.
Sem saber, esses invasores, hoje moradores,
estavam construindo o Portal da Zona Leste de Manaus,
pois para adentrar essa zona, uma das maiores da
cidade, é necessário que se passe pelo bairro do
Coroado.
Retornando ao passado, em 1982, a dona de casa
Dilsen da Silva Alves, seguindo os passos de Ruth dos
Santos, dá início a mais uma humilde escolinha,
também no fundo do quintal de sua própria residência,
com o objetivo de oferecer às crianças carentes do
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Coroado, acesso à educação. Ela improvisa ao redor


dos coqueiros, aproveitando a sombra, uma sala de
aula ao ar livre, cujas cadeiras são pequenas caixas de
madeira que anteriormente, serviram de embalagem
para tomates, cebolas e cenouras, e agora são
transformadas em verdadeiros assentos para seus
primeiros alunos.
A escolinha agrada a molecada. Aos poucos o
número de alunos vai crescendo. dona Dilsen, como
ficou conhecida no bairro, sente na pele a satisfação
das crianças, com a descoberta de um novo mundo, o
mundo das letras.
Mas sem condição de proporcionar merenda
escolar às crianças, ela sai à rua pedindo de casa em
casa, e tudo o que recolhe: ovos, farinha, arroz,
feijão e enlatados, é transformado em uma saborosa
merenda, a qual irá aliviar a fome de seus
pequeninos alunos, pelo menos durante a hora que
eles estivessem em sua companhia aprendendo o be-
a-bá inicial.
Foi um momento difícil, mas o prazer de poder
contribuir na formação de crianças carentes lhe deu
forças para seguir com o projeto.
Dilsen da Silva Alves, por muitas vezes, pensou
que estivesse sozinha nesta luta. No entanto, Maria
Clara, professora da Universidade do Amazonas, que
virou uma grande amiga, deu-lhe muita força para
que a escolinha não desaparecesse de uma hora para
outra. Juntas, somaram forças e a escolinha se
desenvolveu.
Mais uma vez, o engenheiro Edvar Martins,
através do projeto Promorar da Universidade do
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Amazonas, comovido com a causa, doa o terreno para


a construção da escola cujo nome Coquinho foi dado
pelo fato da escolinha ter iniciado embaixo dos
coqueiros no quintal da casa de dona Dilsen da Silva
Alves.
Em 1987, na gestão do prefeito Manoel
Ribeiro, a escolinha passa a funcionar como creche,
abrigando inúmeras crianças carentes, enquanto
suas mães trabalhavam para ajudar na renda
familiar.
Em 23 de março de 1999, falece dona Dilsen da
Silva Alves, mulher de pouco estudo, de grande
coração e espírito de guerreira. Do pouco que
aprendeu, transmitiu às crianças através das aulas
ministradas no fundo do quintal de sua casa,
contribuindo para a formação de crianças com poucas
oportunidades e que hoje, muitas delas possuem
formação superior e se orgulham de ter participado
daquele aprendizado com dona Dilsen, a quem
dificilmente esquecerão.
No ano de 2000, a Creche Coquinho passa à
categoria de Centro Municipal Educacional Infantil
Dilsen da Silva Alves, em homenagem à sua
idealizadora, situada ainda no mesmo endereço, rua da
Paz, n.º 1, Coroado III.
Outro fato que cumpre destaque ao ano de
2000, foi à matéria realizada pelo Globo Repórter,
em edição especial, onde cita o surgimento do bairro
do Coroado na cidade de Manaus, sob forte
influência da novela Irmãos Coragem, de uma das
Redes de Televisão mais famosa do País, Rede
Globo. Esse documentário, com certeza, represen-
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tou muito para os moradores do bairro, que


orgulhosos, mobilizaram-se e juntos assistiram a
reportagem, com direito à comemoração.
Continuando o retrospecto, em 1982, o
governador José Lindoso, inicia o plano de melhorias
para o Coroado, com pavimentação e asfaltamento das
ruas, instalações de sistema de água e luz elétrica, o
que impulsionou o bairro rumo ao progresso
gradativamente.
Em 10 de março de 1988, um pequeno grupo
de moradores composto por: Gilson da Silva
Nunes, Jaide Gonzaga Vieira Sodré, Jaime Vieira
Sodré, Raimundo Pereira Montelo, Pedro Carlos
Nunes e Valdeci Alves da Silva, fundam o Grêmio
Recreativo Escola de Samba Mocidade do Coroado,
escola pertencente ao 1.º Grupo do Carnaval
Amazonense.
A partir daí, a comunidade uniu-se com o
objetivo de colocar a agremiação na passarela do
samba, na avenida Eduardo Ribeiro. Para isso,
conta com muita imaginação e criatividade,
transformando papelão e saco plástico de lixo em
belas fantasias, as quais iriam dar vida ao enredo
escolhido.
Passam-se vários e inesquecíveis carnavais e com
eles, vêm os amadurecimentos. Muitos chegam e
somam forças contribuindo para o engrandecimento
da escola, mas estava faltando alguém que realmente
gostasse de Carnaval e tivesse poder aquisitivo para
investir.
Entra em ação, Gláucio Coelho, um empresário
apaixonado por este tipo de festa. Ele assume a presi-
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dência da escola e no Carnaval de 1987 traz o primeiro


título para o Coroado, desta vez desfilando na nova
passarela do samba, o Sambódromo.
Passada a primeira conquista, Gláucio
Coelho, passa a investir profundamente na escola,
dando total apoio, com o objetivo de tirar a
Mocidade do Coroado do anonimato e colocá-la
em posição de destaque perante o Carnaval
amazonense.
Em 1988, a Mocidade do Coroado conquista o
segundo título consecutivo, fruto do trabalho encabe-
çado por Gláucio Coelho juntamente com a
comunidade.
A escola cresce. Abre-se caminho para uma
possível vaga no grupo de elite do Carnaval
amazonense, o Grupo Especial. Porém, o grupo de
elite não aceita o ingresso da escola, alegando que a
mesma ainda não está preparada para assumir tal
posição.
A Mocidade do Coroado fica decepcionada, mas
Gláucio Coelho anima a comunidade e promete
colocar a escola no grupo especial no Carnaval de
1990, após a conquista do tricampeonato. Mas para
isso, era preciso a participação de toda a comu-
nidade.
Começa a luta pelo tricampeonato. A comu-
nidade entra em ação. O enredo que será apresentado
no sambódromo é escolhido e a preparação do
espetáculo é minuciosamente trabalhada pelos
artistas locais.
Enfim, chega o Carnaval de 1989, a Mocidade
do Coroado faz uma bela apresentação e conquista
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o sonhado tricampeonato. Era a vez de Gláucio


Coelho agir. Ele vai à Associação do Grupo
Especial das Escolas de Samba de Manaus (Agesma)
e entra com pedido de participação no grupo,
através dos resultados obtidos no 1.º Grupo. O
pedido é aceito e a Mocidade do Coroado passa a
fazer parte da Agesma, composta pelas escolas de
samba: Mocidade Independente de Aparecida,
Balaku-Blaku, A Grande Família, Reino Unido da
Liberdade, Sem Compromisso, Vitória Régia e
Unidos da Alvorada.
Em 1990, Gláucio Coelho deixa a presidência da
escola, porém com um grande orgulho, afinal, foi ele o
homem que tirou a Mocidade do Coroado do 1.º
Grupo e a colocou no Grupo Especial.
A Mocidade do Coroado desfila vários anos no
Grupo Especial, mas não tem êxito, ficando sempre
longe do título.
No Carnaval de 2007, a Mocidade do Coroado
faz o encerramento do desfile do Grupo Especial de
Manaus, apresentando o enredo: “Parintins, de
janeiro a janeiro, alegria e arte o ano inteiro”. A
escola faz um belo desfile, empolgando a todos que
estavam presentes no Centro Cultural de Manaus,
Sambódromo.
Mas para a tristeza da escola, ela foi penalizada
devido o não cumprimento do regulamento, o qual
reza que a bateria tem que desfilar com no mínimo
200 ritmistas e cada ala com no mínimo 50
componentes. A escola desfilou com menos de 200
ritmistas na bateria e menos de 50 componentes em
duas alas.
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Assim, a Mocidade do Coroado foi à última


colocada, caiu para o 1.º Grupo, sendo substituída pela
escola de samba Presidente Vargas, vencedora do
grupo de acesso desse ano.
Agora, mais uma vez, a comunidade irá mostrar o
espírito de união, somando esforços para que em 2008
possa a vir conquistar o título do Carnaval no 1.º
Grupo e no próximo Carnaval, em 2009, desfilar
novamente no grupo especial.
Outrossim, cumpre sinalizar que em 19 de
março de 1999 é inaugurada a Associação dos
Idosos do Coroado, situada à rua Dom Bosco, n.º
230, no Coroado II. Este trabalho nasceu dentro
das instalações do CDCC na presidência de
Edílson Veras, através do senhor Nonato Carmim,
diretor para Assuntos Comunitários, o qual
notando a numerosa presença de idosos durante a
distribuição da sopa comunitária, o Sopão do
Coroado, que esse centro distribuía, sentiu a
necessidade de um local para alocar os idosos,
tirando-os da situação de abandono e ajudando-os
a encontrar satisfação dentro da própria faixa
etária, o da terceira idade.
Hoje, o senhor Nonato Carmim, é o presidente
da Associação, a qual abriga 52 idosos fixos, levando
uma vida saudável, desfrutando de atividades físicas
como hidroginástica, dança coreografada, vôlei,
dança de salão, taekwondo e melhor, tendo acesso à
verdadeira cidadania, sendo atuantes na busca pelos
seus direitos.
No tangente à educação, a alfabetização dos
idosos deixou os dirigentes surpresos. Eles não
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imaginavam que dentro de cada idoso ainda existisse


à vontade de aprender, e com essa descoberta,
foram em busca dos facilitadores para esse
aprendizado. Assim, é dado início à alfabetização
desse segmento. A surpresa veio. Todos os idosos
conseguiram assimilar os conteúdos ministrados e
em pouco tempo já estavam soletrando as primeiras
palavras e com satisfação ainda maior, a de poder
trocar as suas identidades, pois agora, sabiam
assinar os seus nomes.
No que concerne às manifestações folclóricas,
estas são grandes no Coroado. Todos os anos
acontecem o Festival Folclórico no CDCC, entre os
meses de junho e julho. O objetivo é levar
entretenimento à comunidade e principalmente
contribuir para que famílias carentes possam ajudar
na renda familiar com a venda de guloseimas durante
o festival.
As danças folclóricas são atrações especiais,
merecendo destaque às cirandas: Independente,
Unidos e Brotinhos do Coroado e as danças
regionais: Beija-flor, As Abelhinhas e As Abelhas do
Amazonas.
No dia 11 de janeiro de 1998, na rua Ouro Preto,
Coroado II, um pequeno grupo de cirandeiros, reuni-
ram-se em virtude de estarem descontentes com a má
administração dos grupos que participavam e resolve-
ram formar um novo grupo voltado para seriedade, e
acima de tudo com o compromisso de fortalecer a
cultura e o folclore dentro do bairro. Fundou-se então
a Associação Ciranda Unida do Coroado, Acuc, cujo
presidente é o senhor Ademilson de Souza Costa,
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Dedé, homem de personalidade forte que faz de tudo


para chegar aos seus objetivos.
As cores escolhidas para representar a associação
foram o azul, o branco e a prata, cores que dão vida à
ciranda, pois em Manaus ela é conhecida como a
ciranda azul e branco do Coroado, ou melhor, a
Unidos do Coroado.
No início o pequeno grupo de cirandeiros contou
com apoio de várias pessoas que já tinham experiência
em outras cirandas, mas as dificuldades não deixaram
de existir.
Os ensaios eram realizados nas dependências
do Conselho de Desenvolvimento Comunitário,
CDCC, aos sábados e domingos, problemas com o
som eram praxe, mas nada como uma boa dose de
paciência para amenizar o ocorrido. O CDCC
enchia de curiosos com o objetivo de participar dos
ensaios de umas das cirandas que no Festival
Folclórico iria representar o Coroado. A
comunidade dava apoio durante os ensaios das
danças.
Em 1998 a Acuc filiou-se à Associação dos
Grupos Folclóricos de Manaus – AGFM, e em 1999
passou a fazer parte da Liga Independente dos Grupos
Folclóricos do Amazonas – Ligfam.
No ano de 2001, a Ciranda Unidos do Coroado
conquistou seu primeiro título na Ligfam e em 2003, o
bicampeonato. Título que deu acesso a Unidos do
Coroado à categoria especial.
Em 2005, a Acuc conquistou o tricampeonato e
assim conseguiu vaga na Supercategoria, com o
brilhante trabalho de um dos seus brincantes,
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Alexandre Protázio, diretor de Indumentária, que


mostrou toda sua criatividade e levou para o Festival
Folclórico do Amazonas um figurino jamais visto
durante as apresentações das cirandas na cidade de
Manaus, provando assim que no Coroado existem
artistas de tamanha categoria.
No ano de 2006, a Unidos do Coroado, por pro-
blemas durante a sua apresentação, perdeu o título do
festival, ficando em segundo lugar.
Já em 2007, ela novamente não consegue trazer
o título para o Coroado, mas o título é conquistado
por outra ciranda também do bairro, a ciranda
Independente do Coroado. Assim o título de
campeã é comemorado pela comunidade, não
importando de quem foi a conquista, se foi a
Ciranda Unidos, Brotinhos ou Independente. Foi o
Coroado.
O objetivo da Unidos é a realização de um
trabalho social, buscando ajudar na melhoria da
comunidade, tirando muitos jovens da marginalidade e
da prostituição, ensinando o caminho para a obtenção
da felicidade e a auto-realização, uma vez que
juventude para é sinal de perigo para a comunidade a
qual pertence.
Em 17 de março de 2004, surgiu a Dança
Regional Abelhas da Amazônia – DRAA, formada
por um grupo de amigos amantes do folclore, os
quais sentiram a necessidade de fazer um trabalho
social voltado para crianças, adolescentes, jovens e
adultos da rua Flávio Costa, rua que no passado, foi
considerada a rua mais perigosa do Coroado I, em
relação à violência. Fato que deixou marcas nos
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moradores, pois muitos ficavam envergonhados em


citar o nome da rua na qual moravam, uma vez que
morar na rua Flávio Costa não era bom para a
imagem de nenhum morador.
Este trabalho cultural tem como base, pesquisar a
vida das abelhas. No princípio foi pesquisado e
orientado pelos coordenadores da dança e foi
direcionado pelo entomólogo, Márcio de Oliveira,
pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da
Amazônia – Inpa.
O objetivo da dança é trazer, em especial,
para os moradores da rua Flávio Costa, diversão
e cultura em forma de dança, com coreografia,
indumentárias e músicas próprias, ou seja,
preparadas pelos próprios moradores do
Coroado.
O presidente da dança é o senhor José Ribeiro,
homem de boa índole, guerreiro, sonhador, o qual
acreditou que através da dança poderia ajudar a
desfazer aquela imagem desagradável que os
próprios moradores de outras ruas do bairro,
tinham da rua Flávio Costa, deu certo, hoje os
moradores já citam com orgulho o nome da rua em
qual moram – Flávio Costa.
A Dança Regional Abelhas da Amazônia
disputou pela primeira vez no Festival Folclórico do
Amazonas na Categoria A no ano de sua fundação,
2004. Como era de se esperar, ela consegue seu
primeiro título.
No ano de 2005, a DRAA conseguiu mais um
título no Festival Folclórico do Amazonas, também na
Categoria A.
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Em 2006, ela passou para a Supercategoria, mas


ficou com o segundo lugar.
No ano de 2007, a dança capricha nos ensaios,
investe em criatividade e consegue o primeiro lugar na
Supercategoria. Título atribuído ao grande esforço dos
brincantes e principalmente do apoio dos artistas da
própria comunidade.
A dança tem como compositores o senhor José
Ribeiro, presidente da dança, Ray, Luzia, Reginaldo
Ortega, Jaime Sodré e José Souza, todos moradores do
Coroado.
Os moradores do bairro são os colaboradores da
dança, dão apoio nas costuras das indumentárias, na
arte plástica, o senhor Misael, é o responsável, mas
toda ajuda é bem recebida, pois sem o auxílio dos
moradores, a dança não teria tanto sucesso e já teria
deixado de existir.
A dança regional as Abelhinhas, nas cores amarelo
e preto, é outra dança do mesmo estilo que compete
com as Abelhas da Amazônia, mas tem um, porém,
ambas são do Coroado, diferenciadas apenas no tempo
de criação, sendo as Abelhinhas uma dança que tem 25
anos de fundação.
Um grande ícone da cultura local foi o senhor
Agostinho Godinho, nordestino que criou em
10/04/67, na cidade de Parintins, o Bumba Meu Boi
Douradinho, nas cores vermelho e branco.
No ano de 1968, o Boi Douradinho é
transferido para Manaus, primeiramente, para o
bairro da Compensa e, em 1969, em definitivo, para
o bairro do Coroado III, onde está localizado à rua
São Francisco n.º 1.
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O Boi Douradinho é uma manifestação


cultural de origem nordestina. Ele participou de
vários festivais folclóricos de Manaus, primei-
ramente, na categoria de Garrote, onde obteve
muito êxito. Depois, passou para a categoria de
Bumbá, também sendo aclamado como o melhor
na categoria, chegando finalmente na posição de
não ter adversários para com ele concorrer, o que
o fez participar dos festivais como atração
especial.
Em 1991, o senhor Agostinho Godinho uniu-se
ao senhor Carlos Magno e juntos fundaram a
Associação dos Grupos Folclóricos de Manaus –
AGFM e a Associação dos Grupos Folclóricos do
Amazonas – Agfam.
Hoje, aos 40 anos de tradição, o Bumba Meu
Boi Douradinho continua levando diversão e alegria
aos moradores do Coroado, ensinando a todos os
seus brincantes a verdadeira essência da vida e
estimulando a comunidade a viver sempre em
harmonia.
Outra importante fonte cultural é a Dança
Nordestina Filhos de Maria Bonita fundada em
30/03/2002 por Marilene Meireles, Raimunda
Natividade, Dona Maria Freitas e Antônio Carlos,
tendo como presidente o senhor Jorge de Castro
Freitas.
Tudo começou quando os fundadores foram
assistir a um ensaio de uma dança nordestina no
bairro de Betânia, mas (in)felizmente o ensaio não
aconteceu. Ao regressar ao Coroado, a equipe pensou
em criar a sua própria manifestação folclórica,
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contudo, o grupo ficou dividido. Uns queriam a


formação de uma dança nordestina, enquanto outros
optavam pela formação de uma Tribo, ou seja, um
Cacetinho.
A equipe então entra em acordo e decide na
formação de uma dança nordestina. Nasce a Dança
Nordestina. Surge outro impasse, a escolha de seu
nome. Várias danças nordestinas já existiam em
Manaus, porém todas com nomes masculinos. O
grupo, para fugir da mesmice, decide colocar o
nome de “Maria Bonita”, mas alguma coisa estava
faltando ao nome, algo que destacasse Maria
Bonita.
Durante o primeiro ensaio, a equipe de
fundadores juntamente com o presidente,
notando um expressivo número de crianças,
descobre, finalmente, aquilo que estava faltando
para realçar o nome de sua dança. Surge em
definitivo, a Dança Nordestina “Filhos de Maria
Bonita”.
No ano de 2002, a dança nordestina participa do
Festival Folclórico de Manaus, na Categoria A, onde é
consagrada campeã.
No ano de 2005, volta a competir, porém na
Categoria Especial levando novamente o primeiro
lugar. Em 2006, consegue mais um título na Categoria
Especial e em 2007, conquista o 4.º título, na
Supercategoria, mostrando que o Coroado, ou melhor,
o Portal da Zona Leste, tem cultura e raça, representada
pela sua população.
Em 2003, é criada uma associação cultural dentro
da própria dança: A Associação Cultural Filhos de
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Maria Bonita, cujo objetivo é resgatar as crianças e


jovens do mundo ocioso das drogas, atitude que fez da
associação uma referência para grande parte dos
jovens do Coroado.
Outra presença que se destacou dentro do bairro
foi o do Sr. Floriano dos Santos, morador antigo do
Coroado, nordestino, parteiro e rezador. Dedicou sua
vida a fazer caridades à comunidade, utilizando o dom
que Deus lhe deu.
Na profissão de parteiro, ajudou no nascimento
de inúmeras crianças, pois no início da criação do
Coroado, esta profissão era escassa e o senhor
Floriano era considerado um parteiro, de mão cheia,
pelas moradoras.
Como rezador, seu Floriano, aliviou os
sofrimentos de vários moradores que o procuravam
com a finalidade de obter ajuda durante alguns
momentos difíceis vividos por eles.
Seu Floriano era devoto do Espírito Santo. No
mês de maio, ele fazia festa para homenageá-lo. Eram
nove dias de festejos.
No primeiro dia, o mastro madeira retirada da
mata era decorado com frutas e hasteado ao meio de
muita euforia e salvas de fogos de artifícios, marcando
o início da festa.
A novena era realizada às 18 h, mantendo sempre
a tradição herdada de seu pai quando este ainda se
encontrava no Nordeste.
No último dia, um almoço era oferecido à
comunidade. À tardinha, o mastro era derrubado
com a mesma euforia que fora hasteado. À noite,
a procissão, em honra ao Espírito Santo, percorria
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algumas ruas do bairro, marcando o fim do


festejo.
Em 9 de julho de 2000, morre o senhor Floriano
dos Santos, mas a tradicional Festa do Divino Espírito
Santo continua viva. Ruth dos Santos, outra persona-
lidade marcante no bairro, filha de seu Floriano,
assumiu a liderança e a cada maio que passa a festa é
registrada, mostrando à comunidade que uma tradição
familiar não se acaba com o falecimento de um ente
querido.
Mais um personagem ganhou destaque, foi senhor
Francisco Pimentel, um acreano que aos meados de
1968, chegou ao Coroado. Homem de pouca
instrução, conhecido pelo epíteto de Pimentel. Tinha
uma grande missão na vida: ajudar o próximo, o irmão
carente.
O senhor Pimentel morava à rua São Sebastião,
n.º 4, no Coroado III. Tinha um dom que ele afirmava
ter nascido com ele: o dom de rezar.
No início, Seu Pimentel, ia às casas dos enfermos
e prestava solidariedade através de orações. Mas com a
chegada da velhice, os enfermos é que iam à procura
dele.
O pequeno banco de madeira, pintado de
tinta na cor azul, o qual era parceiro do senhor
Pimentel, ainda hoje é guardado por seus filhos.
Este banco era onde os clientes de Francisco
Pimentel sentavam durante as sessões de
consultas realizadas em sua própria residência.
Nele já sentaram várias personalidades como, por
exemplo, o governador Gilberto Mestrinho e
esposa, o delegado do Coroado – Guataçara – e
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doutores graduados em medicina, todos vieram


buscar ajuda na pessoa de um simples homem – o
rezador Pimentel – como ele era conhecido no
bairro.
O senhor Pimentel teve seis filhos, mas
infelizmente nenhum teve a mesma sina que a sua.
Um pequeno galho de arruda ou simplesmente um
ramo qualquer de uma planta, era o suficiente para
que ele pudesse trabalhar sossegado. Crianças,
jovens e adultos, não importava a idade, todos
eram bem-vindos ao seu aconchego. A casa estava
sempre cheia. O movimento era intenso. Crianças
com quebranto, jovens com dores de cabeça,
adultos com braços torcidos e muito mais, tudo era
destinado ao senhor Pimentel, o famoso curan-
deiro do Coroado.
Um fato curioso aconteceu na vida do senhor
Pimentel. Em julho de 2007, ele adoeceu e foi
internado no hospital João Lúcio, na Zona Leste.
Como era uma pessoa conhecidíssima na comunidade,
sua internação logo caiu na boca do povo. Todos
queriam saber notícias sua.
Mas, ocorreu um boato que ele havia morrido.
Imediatamente a notícia se espalhou no Coroado.
Uma multidão de moradores formou-se em frente
de sua casa, mas para surpresa de todos, era apenas
um alarme falso. O septuagenário continuava
internado.
Passado-se alguns dias, novamente é anunciado
o seu falecimento. O povo corre em direção a casa
do curandeiro, todavia, mais uma vez era um boato

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falso. Criou-se um dilema em relação à saúde do


benzedeiro.
Em 10 de julho de 2007 foi anunciada a morte
de Francisco Pimentel, desta vez a coisa foi
verídica. A multidão encheu a casa que durante
décadas foi local de busca de paz espiritual, com a
finalidade de prestar as últimas homenagens àquele
que dedicou sua vida em prol das pessoas que
necessitavam de sua ajuda.
O Coroado perdeu um grande homem, mas seu
legado ficou na memória daqueles que de uma forma
ou de outra utilizaram seu dom para conseguir
melhoras em dias de momentos difíceis.
Com a chegada do desenvolvimento e suas
mudanças no contexto histórico, o bairro foi
dividido em três etapas: Coroado I, Coroado II e
Coroado III, conforme anteriormente relatado.
Mas, em 1995, foi criada a Lei 287, de 23 de
maio, que delimita os bairros de Manaus, pondo
fim na distinção entre Coroado I, II e III,
passando a existir apenas o bairro do Coroado
(unificado).
Nele, merece destaque a avenida Beira-Rio e
Beira-Mar, que o dividem por um canal. Este recebe
água de duas nascentes: uma localizada dentro do
Inpa (Instituto Nacional de Pesquisa do Amazonas)
e outra da Ufam (Universidade Federal do
Amazonas). O canal, outrora com água límpida,
hoje se encontra poluído com dejetos que uma parte
da população do próprio bairro ainda insiste em
jogar no local.

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Em 25 de setembro de 1988, morre João


Corrêa Barbosa, o “João Coragem”, um dos
grandes líderes da luta pela posse da terra. No
entanto, ele nos deixa o Coroado, bairro que
ainda hoje, luta por dias melhores. Seu nome,
com certeza, ficará guardado na memória
daqueles que, atualmente, vivem do legado
deixado por um humilde marceneiro que só
queria um pedaço de chão para morar e construir
a sua história, dividindo o que há de melhor com
sua comunidade, sempre em favor do coletivo,
mostrando às autoridades competentes, que
pobre também é digno e possui sabedoria e garra,
podendo contribuir para uma sociedade melhor.
Atualmente, o Coroado possui: 19 escolas
com Ensino Infantil, Fundamental e Médio, duas
delegacias de polícia, um Serviço de Pronto-
Atendimento, seis casas do Médico da Família, um
Jornal Comunitário, uma Minivila Olímpica, duas
feiras, sete linhas de transporte urbano entre
outros serviços.
Com tudo isso, a comunidade encontra-se
feliz, mas sabe que ainda há muito a ser
conquistado, para isso não mede esforços, continua
lutando para fazer o seu melhor e poder apresentar
para a cidade de Manaus uma bela história, desde a
sua fundação.
Destarte, é, sem dúvida, que com muita
satisfação, a comunidade do Coroado orgulha-se em
sair da denominação de uma pequena invasão e hoje
ser o Portal da Zona Leste, abrigando aproxima-
damente 44.000 habitantes que vêm ao longo dos
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anos, procurando edificar e estruturar o bairro,


mesmo que na maioria das vezes isso não seja uma
tarefa fácil, mas a certeza do possível vem fazendo
a diferença nos corações de quem ama o bairro em
que habita.

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Acervo Iconográfico
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Igreja Católica Sagrado Coração de Jesus – primeira igreja construída sob o


comando do padre austríaco Gilberto Brandstaher – missionário que ajudou na
expansão do Evangelho entre os primeiros moradores. Localização: Rua Presidente
Médici – Coroado I.

Igreja Católica Divino Espírito Santo – segunda igreja construída no bairro. O padre
italiano Mário Missiato não mediu esforços pára vê-la dignamente edificada, fato
que faz o povo do Coroado a chamar de igreja do Padre Mário. Localização: Rua
Mascarenhas de Moraes, 268, Coroado II.

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Igreja Católica Nossa Senhora Mãe de Deus – terceira igreja cuja missa inaugural foi
celebrada por dom Milton Corrêa Pereira em 23 de outubro de 1977 às 10h da
manhã. O padre italiano Maurício é o grande responsável pela moderna estrutura
na qual a igreja se encontra. Localização: Rua Hugo de Abreu, 21, Coroado III.

Maria da Conceição Ribeiro – dona Maria – líder comunitária –, mulher cujo


objetivo é compartilhar o pouco que tem com o “irmão” que nada possui.

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Professora Ruth dos Santos – moradora antiga do bairro. Acreditou em seu


potencial e com muitos contratempos conseguiu realizar um grande sonho – levar
as primeiras lições as crianças que viviam a perambular pelas ruas do bairro.

Escola Municipal Bem-te-vi – surgida dentro do quintal da Prof. Ruth. Hoje, com
sede própria, graças a doação do eng. Edvar Martins está localizada a rua Hugo de
Abreu, no Coroado III, próxima a casa da Prof. Ruth.

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Margarida Gomes de Souza – mulher pobre, não alfabetizada. Conseguiu com


muito trabalho criar os sete filhos sem a presença do companheiro. Hoje vive da
venda de tira-gosto na noite manauara com a ajuda dos netos.

Conselho de Desenvolvimento Comunitário do Coroado – CDCC. Organização Não-


Governamental voltada a trabalhar junto à comunidade levando assistência social e
cultural a todos. Representa o coração do Coroado.

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Raimundo Montelo – teve o privilégio de assumir a presidência do CDCC. Durante


sua gestão a comunidade conheceu o grande amor que ele sente pelo bairro.
Pessoa simples, de pouca escolaridade, mas com um grande objetivo: contribuir
para o progresso do Coroado.

Vilma Palheta – defendeu o Coroado durante o tempo em que conseguiu chegar à


presidência do CDCC. Mulher simples, corajosa e humana. Lutou por dias melhores
na comunidade que era considerada uma das mais violentas de Manaus.

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Francisco Ribeiro – Chiquinho – representante da classe jovem. Conseguiu chegar à


presidência do CDCC após longa e difícil luta travada com a irmã da Assembléia de
Deus – a irmã Junina.

CMEI Dilsem da Silva Alves – escola que foi batizada com o nome da mulher que
revolucionou a educação no Coroado. Provando que querer é poder, ela começou no
quintal de sua casa, embaixo dos coqueiros, uma humilde escolinha e após passar a creche,
hoje, é Centro Municipal de Educação Infantil. Localização: Rua da Paz, 1, Coroado III.

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GRES Mocidade Independente do Coroado – fundada em 10 de março de 1988, por


um pequeno grupo de moradores do qual fazia parte: Gilson da Silva Nunes, Jaide
Gonzaga Vieira Sodré, Jaime Vieira Sodré, Raimundo Montelo, Pedro Carlos Nunes
e Valdeci Alves da Silva.

Sede da Associação dos Idosos do Coroado. Inaugurada em 19 de março de 1999,


tendo como diretor para assuntos comunitários o senhor Nonato Carmim – o
Cachorrão – nome pelo qual é conhecido na comunidade. Localização – Rua Dom
Bosco, 230, Coroado II.

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Ademilson de Souza Costa – o


Dedé – presidente da
Associação Ciranda Unidos do
Coroado. Fundada em 11 de
janeiro de 1998.

Alexandre Protázio – artista


plástico e diretor de
Indumentária da Ciranda
Unidos do Coroado.

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José Ribeiro e esposa – presidente da Dança Regional Abelhas da Amazônia.


Fundada em 17 de março de 2004.

Ícone da cultura local. Senhora Maria de Matos Godinho e esposo – Agostinho Laís
Godinho – nordestino que criou em 10/04/67, na cidade de Parintins, o Bumba Meu
Boi Douradinho.
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Jorge de Castro Freitas


e esposa – presidente
da Dança Nordestina
Filhos de Maria Bonita
– fundada em
30/03/2002 por
Marilene Meireles,
Raimunda Natividade,
dona Maria Freitas e
Antônio Carlos.

Avenida Beira-Mar – marca a divisa entre o Coroado II e o Coroado III.

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Ponte que liga a avenida Beira (Coroado III) à avenida Beira-Mar (Coroado II).

11º DP do Coroado, Av. Beira-Rio, s/n – tem como objetivo levar tranqüilidade à
comunidade.

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SPA do Coroado – atende a comunidade e adjacências.

Terminal dos ônibus 515/Coroado e Interbairros II.

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PRÊMIO LITERÁRIO MÁRIO YPIRANGA


MONTEIRO 2007

Aguinaldo Nascimento Figueiredo Hamilton de Oliveira Leão


Bairro de Santa Luzia Bairro da Colônia Oliveira Machado

Alvanice Lopes da Silva Janciney Araújo de Oliveira


Bairro de Puraquequara Bairro da Alvorada

Carla Deniza Negreiro Cardoso João Ferreira de Santana Neto


Bairro de Cachoeirinha Bairro do Japiim

Carlos Tiago dos Santos Motta Ramos


Bairro de Petrópolis Bairro da Betânia

Cláudia Fernandes Brito de Moraes Roberto Bessa


Bairro de Novo Israel Bairro de Aparecida

Cláudio Amazonas Valderes Vieira de Souza


Bairro de Educandos Bairro de Santo Antônio

Daniel de Oliveira Virginia Allan


Bairro de Presidente Vargas Bairro de São Geraldo

Edvaldo Manoel dos Santos Walney Freitas de Figueiredo


Bairro do Coroado Bairro da Compensa

Ellza Souza
Bairro de São Raimundo
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Esta obra integra as Edições Muiraquitã do Conselho Municipal

de Cultura e foi vencedora do Prêmio Literário Mário Ypiranga

Monteiro, em Garamond 11/16 e impressa em agosto de 2010,

pela Grafisa.

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