História Da Regência

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História da regência

Benan Vick Borba

No estudo da tradição ocidental europeia escrita, algo que se aproxima da arte da regência
musical tem seus primeiros indícios no que diz respeito à quironomia, remontando ao século V
depois de Cristo. Com o desenvolvimento dos grupos vocais primitivos religiosos surgiu a
necessidade de uma figura centralizadora e que coordenasse o coro, se dando esse fenômeno
antes ainda das primeiras aparições de escrita musical, que só viria a ter suas primeiras aparições
no século VIII. Há interpretações de hieroglifos egípcios que sugerem uma prática de regência já
nos séculos anteriores ao nascimento de Cristo, e possíveis relações que os Hebreus poderiam ter
desenvolvido com essas práticas, já que se encontram representações de quironomia em
impressões de Bíblias Hebraicas. Mas para além dessas interrelações históricas, fato é que a
quironomia consistia em gestos manuais que indicavam direções simples da melodia ou do ritmo,
sendo que a transmissão desse conhecimento musical e de repertório, à época ainda fazia parte de
uma tradição oral e que aos poucos se aliava ao desenvolvimento da escrita musical.

Um aspecto interessante que observo, é que desde os registros musicais mais rudimentares
até as complexas partituras que temos hoje, o trabalho do regente de coral consiste em, além de
ser um referencial e organizador do grupo, de conceber e moldar a sonoridade de um coro para
além do material escrito, ou seja, de idealizar a massa sonora a ser produzida, e conhecer dos
mecanismos mais minuciosos que colaborarão para a produção e/ou interpretação do som
desejado, nesse caso, a fisiologia da voz humana. Ao se propor a trabalhar músicas da Renascença
ou do Barroco atualmente por exemplo, é necessário partir de pesquisas históricas, onde é preciso
se estender a professor de canto, de forma a transmitir noções sobre a respiração, impostação da
voz e da fisiologia vocal, articulações vocais, entonação e pronúncia dos idiomas dos repertórios de
cada época e região das quais se utiliza. (FERNANDES, 2009)

Em relação à música instrumental dessa mesma tradição europeia ocidental, que tomava
corpo gradativamente a partir do século XVI, com o baixo contínuo caindo em desuso para as
formações de concerto, a figura do regente orquestral vai se desenvolvendo na medida do
crescimento desses grupos. A partir da segunda metade do século XVIII e com o decorrer do XIX, as
orquestras tomam grandes proporções com o advento do Romantismo e a figura do regente passa
a ser de suma importância, fazendo os compositores e condutores a emergirem com suas
personalidades vigorantes e virtuosas para criar novas sonoridades com as formações orquestrais.
Com essa demanda, o leque gestual e cênico precisara ser expandido, bem como a riqueza de
notação com indicações de dinâmica, expressão e ritmo.

Como já citado, por vezes o condutor musical necessita atuar como professor, mas vale
ressaltar também que as funções de compositor e arranjador estão muitas vezes atreladas ao
regente (sendo um condutor compositor ou não da peça que rege, no sentido de que mesmo a
recriação é uma criação a partir da sonoridade que se imaginou). Sendo assim pode-se notar esse
ofício multidisciplinar ocorre desde os ensaios, com as devidas correções de notas e execução do
grupo, à precisão do gesto em comunicar a ideia musical já pensada previamente, a partir da leitura
de uma partitura escrita que por sua vez também teve o processo de tradução prévio de uma ideia.
E desde Palestrina, por exemplo, regendo coros em suas missas e mais adiante Bach com suas
cantatas, Mozart com suas óperas, sinfonias e concertos, esse processo é realizado com suas
exigências gradativamente aumentando ao longo dos tempos e exigindo cada vez mais do regente,
de acordo com a complexificação do repertório e quantidade dos grupos musicais e corais.

Quando no apogeu dessas atuações do século XIX, a figura do maestro passa a ter
interpretações controversas para parte dos músicos que deveriam estar sob condução, no que se
refere ao autoritarismo e imposição sobre o grupo orquestral, o que pode se perceber refletido nos
dizeres do grande compositor e condutor da época, Richard Wagner, quando cita que “o diretor,
não sendo nem imperador nem rei, deve se considerar como tal e dirigir” (apud LAGO, 2002). Esse
tipo de percepção, atrelada a possíveis episódios de vaidade e estrelismo de alguns regentes levou
ao questionamento de se haveria real necessidade dessa figura para conduzir uma orquestra, o que
estimulou experiências como a de Persimfans, na Rússia em 1922. Em pleno arraigamento da URSS,
um grupo de quase noventa músicos se organizam, provavelmente tomados pelo espírito de
igualitarismo, e se subdividem em lideranças nas seções da orquestra, que anteriormente fora
conduzida por Sergei Koussevitzky. Se posicionavam de forma que conseguissem manter contato
visual nos ensaios, e todos tinham direito a comentários sobre os assuntos de interpretação. Os
sinais necessários a todo o grupo ficavam por conta do spalla e músicos se revezavam um a um na
posição de ouvinte para ter suas percepções do todo. Influentes compositores como Otto
Klemperer e Darius Milhaud relatam as boas impressões que tiveram ao presenciarem
performances e ensaios dessa orquestra, afirmando a boa sonoridade do grupo sem a presença de
um maestro, mas com a ressalva de que o feito era um grande desafio vencido pela orquestra de
Persimfans, que contava com profundo estímulo ideológico e político (LAGO, 2002). O projeto
existiu por 10 anos, tendo outros grupos ainda de lá para cá com esse viés, que nos deixam a
pergunta: é necessário a figura do regente?

Para além dos eventuais exageros egóicos de parte dos maestros e por outro lado, das
desafiadoras experiências autocráticas de orquestra, a função do regente se faz de suma
importância, pois, como ressalva Harlod Schonberg (apud LAGO, 2002), “A notação é uma arte
inexata, por mais que os compositores se esforcem por aperfeiçoá-la”. Tanto mais se tratando de
complexas composições que necessitam de um referencial para mudança de andamento, qualidade
tímbrica do conjunto, e demais resoluções de problemas que músicos preocupados execução de
seus próprios instrumentos não têm como gerenciarem, principalmente quando se trata de
modular a performance ao longo da execução com pós correções de dinâmica e extração da
expressão musical como um todo.

Trazendo um ponto central para concluir, toda tradução é uma adaptação empobrecedora
da criação original e o som, a música, são entidades vivas e têm a matéria e o tempo como matéria
prima. No caso de se ir mais além pensando na regência, o material humano é a parte crucial desse
ofício, que se realiza baseada na qualidade de comunicações e faz do regente alguém que deve
buscar o equilíbrio da mente e do coração, para com profundo e árduo trabalho mental, extrair
sublimes expressões da arte musical.

Referências bibliográficas:
LAGO, S. A arte da regência: História, técnica e maestros. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2002.

FERNANDES, Angelo José. O Regente e a construção da sonoridade coral: uma metodologia de preparo
vocal para coros. Orientadora: Adriana Giarola Kayama. 2009. Dissertação (Doutorado) - Curso de Música do
Instituto de Artes, UNICAMP.

ZULETA, Luis Torres. Canticum Novum: Bogotá, Colômbia, 2003. Disponível em: <La Quironimia del Canto
Gregoriano- Canticum Novum (angelfire.com)>

Chironomy in the Ancient World (archive.org)

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