TCC Leticia Veersao
TCC Leticia Veersao
TCC Leticia Veersao
BRAVO, Taciane2
RESUMO: A pesquisa apresentada tem como tema o estudo da Justiça Restaurativa e sua
contribuição para o Direito de Família, principalmente ao se considerar como potencial
conciliador e pacificador da Justiça Restaurativa. Considerando a escassez de bibliografia
especifica que tratasse do tema, o estudo apresentado representa uma singela contribuição
sobre essa temática. A partir da pesquisa realizada, constatou-se que as práticas
restaurativas tem sido amplamente defendidas e apoiadas pelo Conselho Nacional de
Justiça – CNJ – como alternativas viáveis, tanto para desafogar o judiciário e a tendência
crescente a judicialização dos conflitos, quanto pelos efetivos resultados na pacificação dos
conflitos e restauração do convívio social envolvendo as partes e outras pessoas afetadas.
Na Justiça Restaurativa além da figura do ofensor e do ofendido, estão presentes também
representantes da comunidade, familiares e os facilitadores, que são os profissionais que
conduzem e auxiliam nos procedimentos restaurativos. São características diferenciadas e
ao mesmo tempo fatores inovadores do processo em satisfazer as pretensões das partes.
Outro aspecto igualmente importante, é que a Justiça Restaurativa não veio para competir
com as formas tradicionais de atuação do judiciário, mas, para contribuir onde seja possível
conforme o caso concreto a disposição das partes em participar.
1. INTRODUÇÃO
1
Pedagoga formada pelas Faculdades Bagozzi, Especialista em Psicopedagogia Institucional pela Pós-Graduação Itecne
Madalena Sofia, acadêmica do 10º período do curso de Direito do Centro Universitário Santa Cruz. E-mail:
[email protected]
2
Buscando responder a essa questão a primeira dificuldade foi a escassez de
bibliografia especifica sobre esse tema, visto que tradicionalmente a Justiça Restaurativa
teve seu início e maior presença no direito penal. Uma realidade que vem se transformando
com a expansão das práticas restaurativas para diferentes esferas do direito, e outras
instituições, como escolas e empresas. Uma expansão coerente, pois onde há pessoas,
haverá conflitos e a necessidade de restauração de vínculos e de pacificação.
A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica e análise exploratória. O percurso
desenvolvido buscou inicialmente nos manuais de direito civil e nos doutrinadores de maior
reconhecimento, identificar contribuições para desenvolvimento desse estudo. Em seguida
a pesquisa voltou-se aos livros e artigos que tratasse da temática ou que tivessem alguma
relação com a mesma. A pouca produção especifica no tema pesquisado, fez com o estudo
buscasse construir aproximações com a Justiça Restaurativa, o que de certa forma
justificou esse trabalho como um esforço singelo, mas inovador, ao tentar contribuir com
uma reflexão de aproximação entre Direito de Família, resolução de conflitos e Justiça
restaurativa.
O texto foi organizado em três seções, sendo a primeira a realização de um estudo
conceitual sobre justiça e um breve histórico da Justiça Restaurativa., com destaque para
a atuação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que colocou a expansão das práticas
restaurativas como política nacional do judiciário. A terceira seção tratou dos métodos e do
funcionamento da Justiça Restaurativa, seus princípios, objetivos e técnicas. Entre as
técnicas mais utilizadas, foi explicado o conceito de círculo da paz, sua descrição e
funcionamento. Na terceira e última seção o foco se dirigiu-se a aplicação da Justiça
Restaurativa no Judiciário, com recorte para o âmbito do Direito familiar, seguido das
conclusões desse estudo.
Antes de iniciar esse estudo, faz-se necessário buscar uma maior compreensão
sobre a ideia de justiça, a partir de algumas ponderações. O dicionário Abbagnano de
filosofia (2007) apresenta dois significados de justiça, o primeiro como aquela conduta que
se conforma a norma instituída em relação a vida social e civil, o que torna possível a
convivência humana. O segundo significado diz respeito às próprias normas e sua eficiência
em contribuir para a convivência humana e para as relações sociais. Na primeira concepção
de justiça o foco é o comportamento humano e o quanto esse comportamento se aproxima
ou se distancia da norma instituída. Na segunda concepção o foco é direcionado as próprias
normas e sua efetividade, eficiência e os valores que as embasam.
Na tradição do pensamento filosófico é preciosa a contribuição de Aristóteles (2002),
para quem a ideia de justiça tem relação com equidade, não necessariamente com
igualdade em sentido geral. Equidade quer dizer, para esse filósofo, que os iguais deveriam
ser tratados iguais e os diferentes de maneira diferente, isso no sentido de alcançar maior
equilíbrio. Podemos relacionar essa ideia com a realidade da educação no ambiente
escolar, área em que a autora desse texto tem formação e experiência profissional. Um
professor que avalia alunos mais avançados e alunos com algum déficit da mesma forma,
agiu com igualdade, porém fui injusto com os alunos com déficits. Com base na concepção
de justiça de Aristóteles para ser realmente justo o professor deveria ter avaliado de
maneira diferente, os alunos em suas condições e diferenças. A ideia de equidade, estará
presente ao longo desse estudo, refletindo-se no esforço de compreender e apresentar o
potencial da Justiça Restaurativa.
No seu início, por volta do final da década de 1990 um dos autores que deram início
a discussão sobre Justiça Restaurativa é Tony Marshall apud Ferreira (2006), jurista norte
americano, para que quem trata-se de um processo em que as partes envolvidas na ofensa,
escolhem um caminho diferenciado para resolver o problema do conflito e suas
consequências. Nessa linha a Justiça Restaurativa vai além de uma visão apenas punitiva,
ou retributiva do direito propondo um novo olhar, uma verdadeira humanização em torno
das causas e consequências dos conflitos.
Existem aspectos éticos, sociais e inclusivos em torno da Justiça Restaurativa que
acabam por dar mais poder aos sujeitos envolvidos em situações conflituosos que chegam
ao judiciário. Esse empoderamento ocorre a partir do processo de resolução do conflito, no
qual os sujeitos participam ativamente da construção da solução, restauração de vínculos,
e na responsabilização consciente do agressor.
Por meio das práticas da Justiça Restaurativa, os participantes do processo
assumem um maior protagonismo, se tornam sujeitos, não ficam somente esperando uma
decisão da autoridade, mas contribuem para a construção dessa decisão e se reconhecem
nela como coautores. Esse é um aspecto fundamental para marcar a diferença entre a
Justiça Restaurativa e a resolução convencional mediante o processo tradicional do
judiciário. Existe um componente comunitário nos encaminhamentos da Justiça
Restaurativa que confere ainda mais legitimidade e eficácia as resoluções que são
construídas.
A partir das leituras realizadas vai se evidenciado que a Justiça Restaurativa
proporciona a humanização do judiciário, dando vez e voz, mas também poder aos
envolvidos. Não significa com isso se tratar de algo marginal ou revelia do judiciário, mesmo
porque, as decisões construídas no âmbito da Justiça Restaurativa passam pelos trâmites
do judiciário, com a escrita, formalização, homologação e publicização para os efeitos na
órbita judicial, uma vez que dentro esfera relacional e social já alcançou sua efetividade e
reconhecimento.
Existem autores como Brancher (2011) que localizam as origens da Justiça
Restaurativa entre as práticas ancestrais de povos indígenas de origem norte-americana.
Era muito comum que entre diferentes grupos étnicos de indígenas diversos problemas da
tribo fossem discutidos em rodas de conversas com a mediação dos mais velhos e sábios.
Faz muito sentido imaginar essa origem, visto que ainda hoje as comunidades indígenas
não só dos EUA, mas diversas outras espalhadas pelo mundo ainda mantenham suas
tradições de resolução de conflitos envolvendo toda a comunidade nesse processo.
Numa ponderação, a justiça dentro de um contexto assim descrito, passa a ser
construída socialmente com a participação coletiva. As próprias normas e leis dessas
comunidades, refletem suas vidas, seus valores e tradições. Não são o resultado de
decisões de legisladores, muitas vezes distantes e alheios de suas necessidades, como em
geral acontece nas sociedades não indígenas.
Considerando as diferenças culturais entre os povos e comunidades indígenas, é
muito frequente que os estudos antropológicos Carneiro, (1987), reconheçam como traço
comum, que as práticas da justiça adotadas por diversos povos originários, tendem a refletir
seus valores costumes, estando em consonância com suas vidas e tradições.
De fato, segundo Kay Pranis, as comunidades ancestrais e seus remanescentes tem
muito a ensinar sobre a relação com a natureza e com nossos semelhantes. Pranis é
considerada idealizadora dos processos circulares da Justiça Restaurativa, e em palestra
proferida na Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB - em 2019, os Círculos da Paz
a autora afirmou que esses círculos são muito semelhantes as rodas de conversas dos
indígenas, tendo com esses, uma relação ancestral, mas adaptados à realidade das
culturas urbanas.
As práticas da Justiça Restaurativa tiveram um crescimento muito grande na última
década tornando-se uma proposta adaptada e aplicada em diversas realidades e
instituições, desde Associação de Bairros, a Igrejas, Escolas, Prisões e Empresas. O que
fez com as técnicas da Justiça Restaurativa alcançassem grande influência e notoriedade,
estando presentes em diversos os países mundo afora.
Os ótimos resultados alcançados no plano da resolução de tensões e conflitos nas
mais diversas áreas, fizeram com que a ONU a partir da Resolução n. 1999/26, de 28 de
julho de 2000 colocasse como recomendação oficial a todos os países-membro a adoção
das práticas restaurativas no âmbito de seus sistemas de justiça e assistência. Essa media
alcançou o mundo interior e diversos países desenvolveram programas de formação de
agentes da Justiça Restaurativa para aplicar e desenvolver suas práticas na infraestrutura
judicial.
No Brasil, será a partir de 2005 o marco temporal a indicar o surgimento e
intensificação da Justiça Restaurativa, principalmente nas Varas do Juizado da Infância e
Juventude no Rio Grande do Sul (CNJ, 2019). Nos diversos casos registrados, em que as
partes optaram pela resolução alternativa de seus conflitos, agressor e vítima, bem como
membros dos familiares e representantes da comunidade ingressam numa jornada de
restauração mediante as reuniões dos Círculos de Paz.
Um processo realizado com o auxílio dos facilitadores, pessoas qualificadas a
trabalharem com as técnicas da Justiça Restaurativa, funcionários do judiciário, técnicos e
voluntários debatem os fatos e a infração cometida se utilizando da comunicação não
violenta. Uma esfera de comunicação restauradora é criada de maneira a formar um
compromisso das dos envolvidos no processo na recuperação social do jovem infrator.
A Justiça Restaurativa não realiza a abolição do ordenamento jurídico, nem funciona
à sua margem, mas contribui com a política judiciária e as demandas sociais, na busca por
encontrar formas inovadoras de aplicar a legislação e alcançar a pacificação social. Nesse
sentido a Justiça Restaurativa possui elementos jurídicos, terapêuticos e socioeducativos
com potencial de alcançar maior efetividade no âmbito jurídico e social (BIANCHINI, 2012).
Na última década, a Justiça Restaurativa foi ganhando força, apoio e credibilidade
por todo o país. Seus resultados fizeram com que diversas experiências de Justiça
Restaurativa fossem realizadas em vários Estados da Federação. Os projetos e as ações
que vem sendo realizadas, levam em consideração os potenciais e desafios locais,
aspectos culturais e demandas, conforme os diferentes o perfil das instituições e as
demandas da comunidade. Em todo o país por meio das práticas restaurativas vão sendo
recriada outras possibilidades de socialização e convivência, mesmo diante dos desafios
que que o enfrentamento dos conflitos traz as pessoas, instituições e sociedades.
De maneira didática pode-se observar no quadro histórico as diversas iniciativas
legais no Brasil e no mundo sobre o desenvolvimento da Justiça Restaurativa:
Figura 1 – Quadro histórico da Justiça Restaurativa3
O inciso II deste artigo, por sua vez, afirma que as práticas restaurativas serão
coordenadas por facilitadores restaurativos capacitados em técnicas
autocompositivas e consensuais de solução de conflitos próprias da Justiça
Restaurativa, podendo ser servidor do tribunal, agente público, voluntário ou
indicado por entidades parceiras.4
3Elaborado por MENDONÇA & COUTO, 2015, citado por RAMOS, 2016, p. 33
4
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ – Resolução nº 225 de 31 de maio de 2016. Disponível em:
<https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=2289> – Acesso em setembro de 2021
Restaurativa. Os dados publicados no relatório5 do CNJ ainda detalham os tipos de
programas implantados, seu funcionamento, coordenação e gestão, além dos processos
de implantação, avaliação e de formação dos recursos humanos que atuam nas iniciativas.
A análise do relatório, permite concluir que no geral, os programas, projetos e ações
em Justiça Restaurativa são implementados, mantidos e coordenados pelo próprio Poder
Judiciário, sendo que em muitas regiões e realidades, dispõe de pessoal qualificado na área
e com tempo de dedicação para atuar. Em outras realidades, as iniciativas e projetos da
Justiça Restaurativa acaba tendo de compartilhar espaços com setores, como os Centro
Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania -CEJUSCs.
Em relação às metodologias mais utilizadas da Justiça Restaurativa, estão os
círculos de construção da paz e comunicação não violenta, inspirados no modelo de Kay
Pranis, como já dito anteriormente. Um diferencial é que nessas iniciativas é comum a
presença de outras pessoas, além do autor e réu (ofensor e vítima). Membros da
comunidade, familiares e participam processo conferindo apoio e reconhecimento aos
acordos celebrados.
As áreas mais comuns de aplicação da Justiça Restaurativa são os conflitos
envolvendo infância e juventude e delitos na esfera criminal, mas cresce a cada dia seu uso
em situações de violência doméstica e ações voltadas ao direito de família.
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CNJ. MAPEAMENTO DOS PROGRAMAS DE Justiça Restaurativa. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/conteudo/arquivo/2019/06/8e6cf55c06c5593974bfb8803a8697f3.pdf - acesso em outubro de 2021
- Sistematizar e difundir a metodologia necessária à implantação da Justiça
Restaurativa no Sistema de Justiça da Infância e da Juventude, e nas demais políticas
públicas.
como centro da tutela jurídica, antes obscurecida pela primazia dos interesses
patrimoniais, nomeadamente durante a hegemonia do individualismo proprietário,
que determinou o conteúdo das grandes codificações. Com bastante lucidez, a
doutrina vem revelando esse aspecto pouco investigado dos fundamentos
tradicionais do direito de família, a saber, o predomínio da patrimonial, que
converte a pessoa humana em mero homo economicus
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Os dados do relatório e entrevista com a Juíza Jurema Carolina Gomes, da Comissão de Justiça
Restaurativa, integrante do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) estão disponíveis no site do CNJ -
https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/justica-restaurativa/justica-restaurativa-noticias/ - acesso em
novembro de 2021
Figura 2 – Áreas de aplicação das prárticas restaurativas
Fonte; CNJ, 20217
Ao observar o gráfico, na barra de número 7, pode-se ler que 40,9% das demadas
em relação aos conflitos de familia, estão sendo atendidos e resolvidos pela Justiça
Restaurativa, é dado expressivo considerando que a pesquisa foi ambito nacional com 32
Tribunais.
Considerando ainda que quando se coloca os conflitos de familia sob a ótica da
Justiça Restaurativa, vê-se que sua aplicação pode alcançar maior ampliação pelo seu
potencial resolutivo, dialogal e até pedagógico no sentido de contribuir para valorização
do diálogo, do respeito e da comunicação não violenta.
Os autores citados concordam que as demandas no ambito familiar requerer maior
cuidado e atenção. É preciso uma abordagem mais abrangente e interisciplinar em
condições de oferecer suporte psicologico, sensibilidade a acolhimento aos afetados pelo
conflito.
Durante o período em que a autora desse estudo realizou seus estágios no NPJ foi
possível observar que a oferta da Justiça Restaurativa poderia ter sido uma nova
possibilidade a ser oferecida a comunidade, um diferencial inovador e eficiente. Era
7
CNJ – Disponível: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/justica-restaurativa/justica-restaurativa-noticias/ -
acesso em novembro de 2021
visível, em muitas citações observadas durante o estágio, os limites dos procedimentos
convecionais que por vezes não eram capazes de solucionar as questões de forma
integral.
Cresce cada vez mais, a comprenssão sobre a necessidade de oferecer práticas
ou medidas que sejam restaurativas de modo a atender em sentido integral as partes em
conflito, especialmente quando a situação de conflito familiar repercute sobre outras
pessoas, sejam elas crianças ou idosos, como aliás, acontece com frequência do que se
gostaria de constatar. Desse modo, a Justiça Restarativa pode efetivamete contribui no
fortalecimento dos vinculos sociais, intersubjetivos e comunitarios.
Ao longo dessa pesquisa ficou evidente a dificuldade de encontrar farta bibliografia
que tratase do recorte temático desenvolvido, sobre a contribuição da Justiça Restaurativa
na resolução dos conflitos no ambito do direito de família. Uma dificuldade superada em
parte, com o esforço de aproximação, em apresentar a Justiça Restaurativa em seu
desenvolvimento, funcionamento e resultados inclusive pelo Conselho Nacional de
Justiça, ao implementar uma política nacional de valorização e amplicação das práticas
restaurativas em todo o judiciário.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
CARNEIRO DA CUNHA, História dos Índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras,
1992.staurativa/cultura-de-paz-na- pratica-da-justica> Acessado em junho de 2014.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª Ed. Revista atual e
ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2017.
LOBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2015
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 7 ed. rev., atual. e ampli.
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.