Corpos Que Dançam
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4 authors, including:
Daiana Camargo
State University of Ponta Grossa
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Pesquisa continuada (Entre crianças, professores e contextos educativos: diferentes olhares para a Educação Infantil) View project
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I
Corpos que Dançam | 2022
DOI: 10.34640/universidademadeira2022diasneder
Propriedade
Universidade da Madeira (UMa)
Endereço
Caminho da Penteada, 9020-105 Funchal-Madeira-Portugal
ISBN: 978-989-8805-83-6
II
Corpos que Dançam | 2022
COORDENAÇÃO
Cristiane Pimentel NEDER1 | UEMG | GPELBA
Teresa NORTON DIAS | UMa | CEMRI – UAb
COMISSÃO EDITORIAL
REVISÃO DE TEXTOS
Guida Mendes | UMa-CIE
Teresa Norton Dias | UMa / CEMRI-UAb
1
Pesquisadora Produtividade da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG-PQ).
III
Corpos que Dançam | 2022
ÍNDICE
Prefácio
Cristiane Pimentel NEDER & Teresa NORTON DIAS ...................................................6
1.
Alexandra NORONHA & Fernando ZANETTI
Memórias e lutas da Dança no contexto escolar brasileiro: um caminho sinuoso a
percorrer.............................................................................................................................9
Isabel FIGUEIRA
A Dança Relacional: Falar de Dança ou das Dinâmicas Cinéticas e Afetivas de um
Corpo em Movimento? ....................................................................................................51
2.
Cláudia MARISA
O corpo entre o Simulacro e a Vida ................................................................................66
Sandra MEYER
Danças em Pandemia: uma experiência performada .....................................................108
Giselle RUZANY
Embodied inquiry for choreography in film ..................................................................124
3.
António LAGINHA
Águeda Sena (1927-2019). O Espírito de Combate ......................................................143
Irma CAPUTO
Hélio Oiticica: Dança e Parangolé Zaratustra, um bem-aventurado leviano ................158
IV
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EDITORIAL
***
To implement and develop the area of Performing Arts at a University is the desire of
all those who dedicate their lives, not only to performance practice, but also to its study,
with the will to help create a critical mass that systematically and sustainably equates
methods and thought that have been instituted for centuries.
We opened a call for contributions, to which researchers from different areas
responded, bringing together their interdisciplinary contributions, in common and
important aspects for the community that works and studies dance. To these contributions
we have added texts by members of the Editorial Board, who generously agreed to be
part of this project in an active and participatory way.
We are pleased to publish, at the University of Madeira/Portugal, in partnership with
the State University of Minas Gerais/Brazil, a compilation of texts that reflect the critical
position of the researcher on the theme of dance and the issues that involve those who
practice it. To all of those who agreed to participate in it, thank you very much.
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PREFÁCIO
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PREFACE
The proposal to bring together in a book contribution to the study of Dance was a
challenge launched at the beginning of this year, to the international community, from
the University of Madeira / Portugal and in collaboration with the State University of
Minas Gerais / Brazil, in an express desire that this artistic discipline gain space within
the academic community and, with it, create a broader place for discussion.
The contributions came from researchers from the United States of America, Portugal,
and Brazil, as well as members of the Editorial Committee and the Coordination of this
digital book.
In the first part Alexandra Noronha & Fernando Zanetti, Patrícia Taborda Galvão &
Daiana Camargo, Juliana dos Santos Pinto & Saionara Figueiredo Santos and Isabel
Figueira deal with the problems of dance education in Brazil, the questioning and
affirmation of dance professionals and the binomial of the kinetic body and/or movement;
A second part contains contributions by Cláudia Marisa, Ana Lígia Trindade & Patrícia
Mangan, Mônica Ribeiro & Cássio Hissa, Sandra Meyer and Giselle Ruzany on the
body/life relationship, reflections on dance research, contexts that discourage this artistic
discipline and solutions for choreographic creation. Finally, a third part contains varied
contributions by António Laginha, Irma Caputo, Cristiane Pimentel Neder and Teresa
Norton Dias.
Despite the geographic contours of the problems presented in this book, there is a
common thread that makes the realities pointed out and that thread is called DANCE.
The difficulties in teaching, in professionalization and in the profession are, probably,
along with the affirmation in the academic universe of the study of the arts, what most
concerns researchers, especially those who closely experience the problem, whether they
have already had experience as performers or as teachers, or whether they are currently
aware of the difficulty of developing research in the area. Encouraging and promoting
discussion around the themes pointed out is a real concern, which aims to contribute to
the affirmation of the area of Dance among people and entities with political decisions,
whether at the level of study, the daily exercise of the profession or to prevent the
intermittence from which it suffers.
With the contributions gathered in this book, in digital format, we hope to have achieved
an important set of texts that will help to promote the discussion and reflection that is
intended.
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1.
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Abstract: The present article is part of a cartography of Dance in the Brazilian school
context. It was intended to reflect on the previous and current legislation for Dance
education in Brazil, problematize the historical aspects of Dance in Brazilian education,
teacher training for Dance education, Law no. 13.278/16 and the Common National
Curriculum Base (BNCC) (Brasil, 2018). This investigation starts from the following
questions: Do we find a relationship of the historical context of Dance in schools with the
present day? Why did the documents, laws and curricula prior to the LDB 1996 neglect
the teaching of Dance? Why has Dance been discredited in Brazilian legislation in
relation to other artistic languages? The aim was to discuss the historical aspects of
dance in Brazilian education, teacher training for dance education, Law No.13.278/16
and the BNCC – Brazilian National Common Core Curriculum (Brasil, 2018). The
philosophers Michel Foucault and Gilles Deleuze were used as main references. The
1
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) ou Lei n.º 9.394/1996 define e regulariza a organização
da educação brasileira com base nos princípios da Constituição.
2
CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
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entre 2017 a 2019, bem como a análise de um arquivo de periódicos acadêmicos com
qualificação CAPES A1 e A2, nas áreas das Artes, da Educação e da Educação Física.
À noção de arquivo aliam-se as perspectivas de Foucault (2008). Desse modo, ao
cartografar o arquivo de periódicos acadêmicos, pesquisaram-se cerca de 1.000 textos,
tendo selecionado um conjunto de 121 artigos, no período de 13 anos (2010 a 2022), de
12 periódicos brasileiros dos campos da Arte, Educação e Educação Física, classificados
como A1 e A2 pelo sistema Qualis da CAPES na área da Educação – Educação &
Realidade, Educar em Revista, Educação e Pesquisa, Educação em Revista, Pró-posições
e Caderno CEDES; na área da Educação Física – Movimento; na área das Artes – ARS
(USP), Fundarte, EBA/UFMG, Urdimento e Repertório Teatro e Dança.
No conjunto desses arquivos, identificamos e analisamos as problematizações dos
autores na área da Arte/Dança, o processo de ensino coreográfico e as linhas da Dança,
como o improviso e performance. A seleção de artigos se pautou nos seguintes critérios:
i) periódico da Educação e da Educação Física que tivessem temática relacionada à Dança
e ii) revistas de Arte que abordassem temas ligados à Dança, ao processo coreográfico,
ao improviso e à performance.
Na perspectiva de Gilles Deleuze (2001), a cartografia baseia-se na separação das
linhas do dispositivo, ou seja, cartografar é descobrir novos territórios, em um processo
sinuoso. Já o dispositivo “é um emaranhado de linhas, um conjunto multilinear” (Deleuze,
2001, p. 1), que se unem, rompem-se, traçam processos em desequilíbrio, ou em outras
palavras, são as relações de força, os processos de subjetivação e os saberes envolvidos.
O arquivo, além de ser a memória do que pode ser dito, aponta a racionalidade, as
relações de poder e preserva um acontecimento. Dessa forma, Foucault (2008) destaca
que ao trabalhar com arquivo deve-se “[...] trabalhá-lo no interior e elaborá-lo” e
organizar “[...] no próprio tecido documental, unidades, conjuntos, séries, relações”
(Foucault, 2008, p. 7). Nesse sentido, as práticas discursivas são sistemas de enunciados,
e “o arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento
dos enunciados como acontecimentos singulares” (Foucault, 2008, p. 147).
Conforme Lemos e Oliveira (2017), a metodologia cartográfica pensada por Deleuze
e Guattari constroem territórios e linhas: “A cartografia propõe essa criação de conexões
e significação ao longo do desenvolvimento, mapeando pensamentos, técnicas, situações,
pessoas, lugares [...]” (Lemos & Oliveira, 2017, p. 42). Souza & Francisco (2016), por
sua vez, afirmam que as pesquisas cartográficas contribuem para desenvolver pesquisas
qualitativas e direcionam ao acompanhamento de processos e à produção da
subjetividade.
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[a]lém dos elementos comuns as demais artes, a dança possui sua própria bagagem de
conhecimentos, tradição, experiência, evolução histórica e princípios, que se podem
ver em funcionamento nas imagens criadas, nos métodos de estruturação aplicados
para forjar relações mútuas entre formas unilaterais de movimentos e estilos
desenvolvidos. (Laban, 1990, p. 109)
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A Constituição Federal de 1988, no art. 208, inciso II, assegura que é dever do Estado
a “[...] progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio”. A partir
dela, houve alterações no ensino brasileiro de maneira a que a Educação Básica fosse
universalizada à população brasileira (Brasil, 1988). Baseada nos princípios da
Constituição Federal de 1988, em 1996, as leis de ensino foram reformuladas.
O ensino de Arte, se torna componente curricular obrigatório, com a LDB 9.396/96.
No artigo 26, § 2º, define-se que “[o] ensino da arte, especialmente em suas expressões
regionais, constituirá componente curricular obrigatório da educação básica” (Brasil,
1996, s/n). Com base nessa lei, o ensino de Arte foi implementado na Educação Básica e
foram elaboradas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), o Referencial Curricular
Nacional para Educação Infantil (RCNEI) e os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais).
Como resultado, foram delimitadas as quatro linguagens da Arte: Dança, Música, Teatro
e Artes Visuais.
Nos PCN, incluiu-se a Dança como Atividades Rítmicas e Expressivas na disciplina
de Educação Física, desconsiderando os aspectos artísticos, históricos e sociais.
Strazzacappa e Morandi (2006) evidenciam, que “cursos de graduação em educação física
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dão enfoque restrito ao conteúdo da dança” (Strazzacapa & Morandi, 2006, p. 102), uma
vez que com “uma disciplina semestral os alunos não se sentem aptos a tratar desse
conhecimento na escola” (ibidem). Para Marques (2011), historicamente, a Dança nas
escolas está sob a responsabilidade de professores de Arte, Pedagogia ou Educação Física,
muitas vezes sem experiência ou reflexão sobre a área, de forma a que esta seja
escolarizada e descaracterizada enquanto arte.
Os PCN (Brasil, 1997) orientam, que na disciplina de Arte, a Dança seja trabalhada
com base na expressão, na comunicação humana, na manifestação coletiva, na produção
estética e cultural, na disciplina de Educação Física, como atividades rítmicas. Não
garantiram que o ensino de Dança fosse efetivado na Educação Básica, mas apontaram
uma direção.
A partir dos PCN e da LDB n.° 9.396/96, aumentam os cursos de licenciatura em Arte,
Música e Dança, em diversas regiões brasileiras, de forma expressiva para suprir a
demanda de profissionais da área, como proposta dos últimos governos federais do Brasil,
através do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (Reuni), por meio da criação de cursos superiores em diversas regiões brasileiras
(Vieira, 2019).
Os cursos de graduação em Dança ampliaram-se consideravelmente, nos últimos anos.
Atualmente, pertencem à área das Artes, com suas Diretrizes Curriculares regidas pelo
Ministério da Educação (MEC). No momento, há 54 cursos de graduação em Dança no
Brasil, dos quais 37 são cursos de licenciatura e 15 de bacharelato na modalidade
presencial, e dois cursos de licenciatura EaD, além de cerca de 140 especializações lato
sensu ensino EaD ou presencial, que abordam a linguagem da Dança (Brasil, 2022).
Os movimentos desenvolvidos pelas associações de pesquisa, a Federação de Arte-
Educadores do Brasil (Faeb), a Associação Brasileira de Educação Musical (Abem), a
Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (Abrace), a
Associação Nacional de Pesquisa em Artes Plásticas (Anpap) e a Associação Nacional de
Pesquisadores em Dança (Anda), desenham outro cenário na Educação Brasileira, no
ensino de Artes. Após essa movimentação, ocorreu a atualização da nomenclatura da área
de Educação Artística para Artes, em 2005, por meio do Parecer CNE/CEB n.° 22/2005
(Brasil, 2005). A Lei n.° 12.796/13 inclui o componente de Arte na Educação Infantil,
com a revisão do art. 26; a Lei n.° 12.287/10 promulga a promoção do desenvolvimento
cultural dos alunos; após a Medida Provisória n.° 746, de 2016, em que se deixou de fora
o ensino de Artes no ensino médio – redação dada pela Lei n.° 13.415, de 2017 (Brasil,
2017).
A Lei n.° 13.278/16 regulamenta o ensino de Arte na Educação Básica e a BNCC
(Brasil, 2018) é o documento curricular norteador de todas as etapas do ensino, básico no
Brasil. A partir desta lei, a Dança, a Música, o Teatro e as Artes Visuais tornaram-se, com
as suas especificidades, conteúdo curricular obrigatório.
Nas seções seguintes, versaremos a respeito da Lei n.° 13.278/16 e da BNCC (Brasil,
2018).
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Nesta seção, discutimos a Lei n.º 13.278 de 2 de maio de 2016, que altera o § 6º do art.
26 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que fixa as diretrizes e bases da educação
nacional, referente ao ensino de arte. Esse inciso inclui, de forma obrigatória, a disciplina
de Arte na Educação Básica, o ensino das linguagens das Artes Visuais, da Música, da
Dança e do Teatro, tendo cinco anos como prazo máximo de implementação.
No corpo dos textos de nosso arquivo, observamos uma maior discussão entre os
autores a respeito do ensino de Dança, nas escolas, nos anos de 2018 e 2019, após a
aprovação da Lei n.° 13.278/16 e da BNCC em 2017, que tornaram o ensino de Dança
obrigatório em toda Educação Básica, como uma linguagem na disciplina de Artes. Esse
acontecimento gerou novas problematizações: “O processo recente de inserção da dança
como componente curricular obrigatório no ensino de Arte na escola apresenta tensões
que evidenciam um desalinho entre os saberes da dança e os saberes escolares”
(Falkembach, 2019, p. 130).
Levando em consideração essa demanda, encontramos as seguintes discussões dos
autores sobre a lei: Os docentes estão preparados para ensinar dança nas escolas? Os
sistemas de ensino têm se organizado para a implementação dessa lei? Qual é o
profissional capacitado para ensinar dança nas escolas: o licenciado em Artes, Educação
Física, Pedagogia, Dança ou o Artista-docente (professor licenciado com práticas em
dança)?
A esse respeito, encontramos a seguinte colocação sobre a Dança e sua relação com os
currículos escolares: “[...] a inserção da dança no currículo representa ainda um claro
e grande desafio. Mesmo reconhecendo que o ensino de dança favorece discutir a
produção do conhecimento por meio do corpo [...]” (Batalha, 2017, p. 7, realces do
autor). De acordo com Cecília Batalha (2017), “[a] presença da dança no currículo escolar
não é algo constante, embora o ensino de arte seja garantido por lei, desde 1996, e a dança
esteja presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte como uma de suas
linguagens, desde 1997” (Batalha, 2017, p. 1). Em resumo, com a obrigatoriedade
aprovada pela da Lei n.° 13.278/16, em cinco anos, as instituições, em todos os sistemas
de ensino, precisariam implementar as mudanças necessárias, e garantir um número
suficiente de profissionais para atuarem no Ensino Básico.
Problematizando a proposta de ensino de Dança no contexto escolar, João Souza
(2013) evidencia que “[...] a dança ainda que constitua um campo específico de atuação
docente, se encontra vinculada a áreas que abrangem formas distintas de expressão
artística/corporal” (Souza, 2013, p. 8). Por esse ângulo, os profissionais que podem
ensiná-la são os licenciados em Dança, Educação Física, Artes e Pedagogia. No entanto,
questionamos: qual profissional está mais habilitado para lecionar Dança nas escolas? A
Dança exige um conhecimento mais complexo para que seu ensino seja significativo, mas
para muitos docentes a Dança caracteriza-se como algo distante de suas realidades
acadêmicas.
Marques (2018), em relação ao ensino de Arte/Dança, no Ensino Fundamental e na
Educação Infantil, ressalta que as diretrizes da BNCC (Brasil, 2018) retrocedem a Lei n.°
13.278/16 (Brasil, 2016), ao retirar a especificidade da Arte como área distinta com quatro
linguagens (Dança, Música, Teatro e Artes Visuais). Dessa maneira, a BNCC “abre
precedente para o retorno do(a) professor(a) de Arte polivalente, ao introduzir a temática
Artes Integradas” (Marques, 2018, p. 30, realce nosso).
Tendo em vista essas especificidades, as discussões de Alvarenga e Silva (2019)
apontam que a Lei n°. 13.278/16 consiste no resultado de lutas por melhorias, no decorrer
de 45 anos, a respeito do ensino de Arte, na Educação Básica. Reviu-se a polivalência e
definiram-se as quatro linguagens de Arte, exigindo formação específica com respaldo
legal para os docentes lecionarem conforme a sua graduação. Nesta perspectiva, esta lei
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poderá extinguir a polivalência em relação ao ensino e aos concursos públicos, mas exige
uma transformação na estrutura curricular da Educação Básica para o ensino das quatro
linguagens da Arte, no que diz respeito à ampliação de licenciaturas e contratação de
professores por áreas específicas (Alvarenga & Silva, 2019).
A fim de compreender os processos anteriores à Lei n.° 13.278/16, apresentamos os
processos de criação e modificação desta lei, que se inicia com o Projeto de Lei do Senado
– PLS n.° 3373, de 2006, posteriormente ao PL n.° 7.032/104, na Câmara dos Deputados,
no parecer de 2015 (Brasil, 2015b). Ainda se inseriu um apensado ao PL n.° 4, de 2011,
que dispunha sobre o ensino de Arte, na Educação Básica, que sugeria alteração do artigo
26 da LDB n.° 9.394/96, colocando “[…] as áreas de música, teatro e dança; artes visuais
(artes plásticas, fotografia, cinema e vídeo) e design; patrimônio artístico, cultural e
arquitetônico, como conteúdos a serem inseridos entre as diversas séries e níveis da
Educação Básica” (Brasil, 2010b, p. 14).
Os estudos de Alvarenga e Silva (2019) apontam, que ainda não temos professores
suficientes de Arte nas escolas, dificultando o ensino integral do sujeito. A BNCC (Brasil,
2018) incorpora o ensino das quatro linguagens das artes, mas, ao mesmo tempo, é
contraditória ao propor o ensino de Artes Integradas. Outra dificuldade elencada, está na
Emenda Constitucional n.° 95/2016, que congela os investimentos em Educação por 20
anos. Aprovada, tornou-se a Lei n.° 13.415/2017 e alterou a LDB n.° 9.394/96, que
institui o Ensino Médio, em período integral.
Todavia, conforme Alvarenga e Silva (2019), nos últimos anos ocorreu um
crescimento de cursos de Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, nas modalidades
presencial e à distância, também de Pós-Graduações. Os autores indicam algumas
possibilidades para a implementação dessa lei, como a “formação complementar nas
linguagens artísticas para professores que lecionam Arte” (Alvarenga & Silva, p. 1022-
1023) e a “ampliação dos cursos nas modalidades EaD e a criação de cursos
semipresenciais” (ibidem).
Além disso, sinalizam a necessidade de engajamento político e de mobilização dos
recursos financeiros para efetivar a Lei n.° 13.278/16, que corresponde a “uma demanda
da sociedade”. Afinal, o ensino de Arte e suas linguagens “representa uma forma de
humanização e de promoção contra-hegemonia” na escola (Alvarenga & Silva, op.cit., p.
1024). Portanto, para os autores, os profissionais das Artes Visuais, Música, Teatro e
Dança devem unir-se para mobilizarem o poder público, para que a Lei n.° 13.278/16 seja
efetivada, pois já se passaram cinco anos de sua implementação, em que se registaram
poucos avanços.
Sabemos que as instituições escolares, as leis e os currículos são campos de lutas e
disputas sociais, políticas e jogos de interesse do sistema capitalista. A dança percorre um
caminho sinuoso e com muitas exclusões na história da Educação Básica, pois dentre as
3
O Projeto de Lei do Senado (PLS) n.º 337, de 2006, de autoria do Senador Roberto Saturnino, aprovado
pelo Senado Federal e encaminhado à Câmara dos Deputados, previa a alteração dos parágrafos 2º e 6º do
art.º 26 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que fixa as diretrizes e bases da educação nacional
(LDB). Ao fazê-lo, o projeto determinava que o ensino de artes compreenderia obrigatoriamente a música,
as artes plásticas e as artes cênicas, que constituiriam componente curricular de todas as etapas e
modalidades da educação básica (Brasil, 2015, pp. 1-2).
4
Art. 1º. O §6º do art.º 26 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte
redação: “Art. 26 [...] § 6.º As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão
o componente curricular de que trata o §2.º deste artigo” (NR). Art. 2.º O prazo para que os sistemas de
ensino implantem as mudanças decorrentes desta Lei, incluída a necessária e adequada formação dos
respectivos professores em número suficiente para atuar na educação básica, é de cinco anos. Art. 3.º Esta
lei entra em vigor na data de sua publicação (Brasil, 2010b, p. 15).
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linguagens das Artes foi a última a ser contemplada, em leis e documentos norteadores,
como conteúdo.
O ensino de Artes deverá propiciar o desenvolvimento de suas especificidades e
expressões artísticas nas quatro linguagens (Dança, Teatro, Música e Artes Visuais), não
resumidas na ‘humanização’, tão pouco na ‘educação de qualidade’, expressões
empregues em muitos discursos, com o intuito de solucionar objetivos da Educação.
Assim sendo, os interesses do sistema capitalista e das diversas formas de
govermentabilização reforçam a formação do ‘corpo social’, corpo como metáfora do ser
humano, de modo que na biopolítica abordada por Foucault (2008b) são utilizadas nas
instituições para regularem as atividades humanas, o controle dos sujeitos que se inicia
no corpo. A disciplina imposta nos ambientes escolares normatiza os corpos dos
educandos, padroniza os gestos, os movimentos e os comportamentos, forma um corpo
útil e obediente, administra os conteúdos a serem ensinados, objetivando aumentar as
habilidades e as competências.
Nesta seção, discutimos a BNCC (Brasil, 2018), especificamente a área de Artes, nos
anos iniciais do Ensino Fundamental, além de identificarmos as problematizações de
autores sobre o ensino de Arte e Dança. Prevista no Plano Nacional de Educação (PNE),
o processo de construção do documento iniciou-se em 2015, conduzido pelo Ministério
da Educação e Cultura (MEC), Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação
(CONSED), União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e Conselhos
Nacional de Educação (CNE). Homologada em 20 de dezembro de 2017, a BNCC (Brasil,
2018) explicita competências e habilidades que os educandos da Educação Infantil, do
Ensino Fundamental e do Ensino Médio precisam desenvolver.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), para o contexto do Ensino Fundamental,
dispõe que o currículo de Arte deverá compreender quatro linguagens: Artes Visuais,
Dança, Música e Teatro. Desse modo, “a sensibilidade, a intuição, o pensamento, as
emoções e as subjetividades se manifestam como forma de expressão no processo de
aprendizagem da Arte” (Brasil, 2018, p. 193). A BNCC inclui outra unidade temática,
que são as Artes Integradas, as quais objetivam “explorar diferentes linguagens e suas
práticas, além do uso de ‘novas tecnologias de informação e comunicação” (Vieira, 2018,
p. 197).
Nessa ótica, a componente curricular de Arte deverá propiciar o respeito às diferenças
culturais e suas manifestações, promovendo o exercício de cidadania. Assim sendo, os
processos educativos, em arte, necessitam atingir a experiência e as vivências artísticas
como “prática social”, não apenas como “aquisição de códigos e técnicas” (Brasil, 2018,
p. 193). Além disso, os processos de criação dos educandos precisam ser intensificados e
compartilhados em produções artísticas e culturais, como: exposições, saraus,
espetáculos, performances, concertos, recitais, entre outros eventos. Neste sentido, o
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Ao encontro disso, Francisco Freitas (2018) afirma que o ensino de Dança nas escolas
prioriza a elaboração de trabalhos coreográficos para a apresentação nas datas festivas,
transformando os corpos dos sujeitos em depósitos de conhecimento. Ademais, questiona
o despreparo dos docentes no que concerne ao ensino de Dança. Para ele, há grande
demanda de profissionais de Dança no contexto escolar, ou seja, os cursos superiores não
oferecem todo o embasamento para as práticas pedagógicas. Os docentes devem utilizar
práticas educativas que considerem a bagagem cultural do corpo-pensar, ou seja,
experiências para a educação de um corpo que já vem com manifestações, desejos e
informações.
Destacamos a pertinência de trabalharmos com Danças Brasileiras, Danças Urbanas e
Performance, aproximando-nos do universo dos alunos, porque eles têm conhecimentos
prévios acerca da Dança. Ao experimentar as Danças Urbanas, por exemplo, trouxemos
para a classe escolar um estilo de Dança conhecido, do qual eles já possuíam certa
bagagem corporal. Essa experiência foi muito positiva: trocávamos experiências com
músicas e movimentos, um aprendia e ensinava a sua própria Dança, mas também eles
desejaram conhecer e aprender outros estilos.
De acordo com Freitas (2019), ocorreu um maior entendimento de que o corpo
atravessa diferentes domínios e de que, ao relacioná-los, “atinge-se o objetivo educativo
que busca o pleno desenvolvimento de uma pessoa, citado na Constituição Federal do
Brasil, mais conhecido sob o termo de Educação Integral” (Freitas, 2019, p. 300). Assim,
o ato de dançar interfere diretamente nos modos de pensar e agir, na formação de cada
aluno que passa a obter mais conhecimento do mundo e de si próprio.
Outros apontamentos são evidenciados por Larissa Marques (2018), que comenta
sobre os desafios encontrados para o ensino de Arte, especificamente para a Dança, ao
considerarmos a diversidade cultural brasileira. Para ela, é justamente por essa
diversidade que a proposta de uma BNCC apresenta fragilidades, levando em
consideração que a ação docente é restringida em prol de um modelo padrão de escola.
Além do mais, o documento retira a especificidade da Arte como uma área distinta e abre
precedente para o retorno do(a) professor(a) de Arte polivalente.
Nas palavras de Marques (2018),
Essa contribuição se aproxima das problematizações de Vieira (2019), que afirma que
a BNCC aponta apenas para o fazer como modo de construção, limitando-o e dissociando-
o do apreciar, contextualizar e criticar. O autor também identifica que o entendimento de
Artes na Educação Básica é abrangente e polivalente, pois a BNCC permite que a
polivalência seja efetivada ao propor o ensino de artes integradas, mas as linguagens das
artes devem ser consideradas com suas especificidades. Nesse sentido, Vieira (2019)
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sinaliza a impressão de que há uma tentativa de esvaziar o ensino de Arte do seu teor
crítico e reflexivo, para formar sujeitos dóceis e conformados.
A BNCC indica outra unidade temática, no âmbito da polivalência: as Artes Integradas
(Dança, Teatro, Artes Visuais e Música). Segundo Vieira (2019), as Artes Integradas são
o caminho para a polivalência, porque favorecem qualquer docente com Graduação na
área de Artes que, na Educação Básica, ensine conteúdos inerentes a uma das linguagens
artísticas. Em síntese, para Vieira (2019), em relação ao ensino de Arte/Dança, a Base
não considerou os conteúdos indispensáveis para o currículo dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Além disso, ao desconsiderar contextos sociais onde a Dança está inserida,
limitou seus objetos de conhecimento, dissociando sua prática do apreciar e do
contextualizar que são essenciais ao ensino, no contexto escolar. Assim, o autor destaca
uma contradição no documento: ora identifica que cada linguagem da Arte tem suas
singularidades e habilidades específicas, ora projeta todos os conhecimentos em Arte
numa única unidade (Artes Integradas), promovendo um retrocesso, como no contexto da
ditadura militar e da LDB de 1971 (Vieira, 2019). Por fim, Vieira (2019) indica que as
orientações na BNCC (2018) para Arte/Dança estão direcionadas a um modelo de
currículo unificado e ajustado ao conteúdo, à avaliação e à gestão.
O paradigma das Artes Integradas provoca desalinhos, entre a BNCC (BRASIL, 2018)
e a Lei n.° 13.278/16, uma vez que o ensino de Artes Visuais, Música, Teatro e Dança é
obrigatório na especificidade de cada linguagem. Na BNCC, em direção contrária, as
Artes Integradas consistem em outra unidade, juntamente da tecnologia e comunicação.
Esses aspectos têm a incumbência de dialogar entre si. Identificamos que a BNCC se
embasa no currículo sistematizado e o ensino de Arte e Dança continuam envoltos em
metodologias tradicionais. A Dança é incluída como processo de investigação, produção
artística e percepções corporais.
Deve-se considerar que a Dança possibilita o encontro com outras linguagens das
Artes, mas também as Artes Integradas são a junção das linguagens artísticas, que
ocorrem no processo final e, muitas vezes, simultaneamente. Bons exemplos de
profissionais que trabalham com artes integradas são os artistas de circo, de capoeira, de
danças urbanas, de Danças Indígenas, de Danças Populares e Folclóricas Brasileiras de
cunho dramático (Maracatu, Congada, Festa do Boi) e, entre outros, dos desfiles de
carnaval.
Apesar do aumento expressivo dos cursos de licenciatura em Dança, Música, Teatro e
Artes Visuais, nos últimos dez anos, nos sistemas públicos de ensino, encontramos grande
parte dos concursos sendo destinados aos licenciados em Artes e Pedagogia. Ou seja, a
contratação de profissionais especializados é um grande entrave nas escolas públicas. A
própria legislação é contraditória: o licenciado, em Dança, na legislação não é
reconhecido para lecionar no campo escolar, pois não existe a disciplina Dança no
currículo, mas quem está habilitado a lecionar Artes e suas linguagens no ensino formal
são o Pedagogo e o licenciado em Artes. Não obstante, uma parte das escolas particulares
as escolas de tempo integral vêem contratando profissionais especializados para ministrar
oficinas.
No período de 2011 a 2012, a docente Alexandra atuou na rede de Betim/MG em uma
instituição escolar como oficineira de dança na escola de tempo integral, no contraturno.
Essa oficina contemplava conteúdos específicos da Dança. Lecionou Danças Brasileiras,
Dança Afro-Brasileira, Danças Urbanas, Dança do Ventre e Performances. Como não
tínhamos a obrigação de produzir coreografias para as festividades escolares e concluir
determinados conteúdo, o ensino de dança fluía naturalmente, sem normatizações. Tivera
a oportunidade de fazer intercâmbio com outros profissionais de outras linguagens da
Arte e produzir projetos em conjunto. Tanto as formações com professores de danças de
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Considerações Finais
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contexto escolar, de modo a que o arquivo de revistas, bem como, o diário de bordo de
uma artista-docente nessa cartografia, retrata as memórias das lutas da dança, além de um
objeto de pesquisa, é reflexo e comprovação dessa influência de mais de 300 anos, assim,
como a polivalência no ensino de Artes, a valorização das Artes Visuais em detrimento
de outras linguagens artísticas, as práticas pedagógicas tecnicistas e a cópia do desenho,
como ferramenta principal da Arte na educação.
Diante dessa constatação, a Dança ocupou um lugar diferente em relação as outras
linguagens da arte. Apenas a partir da LDB de 1996 e dos PCN adentrou os currículos
escolares e se tornou conteúdo obrigatório somente através da Lei nº 13.278/16 e BNCC
(2018). Ressalvo, que as propostas da BNCC (2018), em toda Educação Básica,
apresentam fragilidades e contradições, pois o documento propõe trabalhar as
especificidades das linguagens das artes. Ao mesmo tempo, com as artes integradas,
retrocedemos no mínimo 30 anos. Em relação ao ensino de Dança, baseia-se nos
processos de investigação e produção artística, enfatiza as festividades sem valorizar seus
saberes próprios para atingir objetivos da educação: aprimorar competências e
habilidades, aprendizagem e socialização. Nessa concepção, Marques (2018) e Vieira
(2018) e Freitas (2019) e Vieira (2019) comentam que a BNCC abre precedentes para o
retorno da polivalência.
Em vista dos argumentos apresentados, as lutas pela integração da Dança na educação
brasileira, refletem as intenções dos padres jesuítas no início da colonização com a
catequização dos índios: formar corpos dóceis. Identificamos, nas explanações de autores
do arquivo, que nas aulas de Educação Física e Artes pouco se ensina Dança, porque a
ênfase está nos esportes e nas Artes Visuais, aspecto semelhante nas instituições em que
a professora Alexandra Noronha atuou como artista-docente e explanado no diário de
bordo.
Referências
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Daiana CAMARGO
Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR, Brasil
[email protected]
Abstract: Dancing is one of the human beings’ oldest ways of expressing themselves since
from the moment we are born our body is in constant movement. For this reason, we
discuss the contributions of dancing to the development of young children and the
possibilities of working with dance in schools. We seek to understand teachers’ and
children’s knowledge about dance in early childhood education and the use of
practice/experience with dance in that environment. The methodology included the use of
an online questionnaire, and the data was analyzed using the software Iramuteq. This
resource employs the ‘word cloud’ resource to represent graphically the words that
appear more often in the research participants’ answers. Our results pointed out that
teachers working in early childhood education do not recognize dancing as a teaching
practice. That is, they neither understand the work with dance and its possibilities in their
teaching environment, nor recognize its contributions and effectiveness in the children’s
holistic development. Therefore, we consider that there is still a long way to go to promote
the understanding of dancing in its entirety, so that it can be included in school practices
following the possibilities presented in this study.
Keywords: dancing, young children, teachers early childhood education
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Com isso, se faz necessário que desde bebê, a criança seja estimulada a mover-se,
porque o desenvolvimento do movimento como linguagem se dá a partir do nascimento
da criança até sua fase adulta.
Segundo Galvão (1995), Garanhani (2005), e Almeida (2016), Wallon diz em seus
estudos que a criança passa por cinco estágios de desenvolvimento e, nesses estágios, o
movimento é trabalhado de maneira específica, se desenvolvendo no decorrer dos anos.
Cada estágio que se inicia é preparado pelo estágio anterior. Desse modo, o movimento
precisa ser amplamente trabalhado, para que nos estágios posteriores, o desenvolvimento
aconteça de maneira gradativa.
Neste trabalho serão apresentados os três primeiros estágios, os quais abrangem a
idade das crianças que estão presentes na Educação Infantil, que são o alvo desta pesquisa.
O primeiro é o estágio impulsivo-emocional (0 a 1 ano), aqui “as reações da criança
são essencialmente reflexos” (Garanhani, 2005, p. 84), ou seja, os movimentos são
realizados para atender suas necessidades: o bebê utiliza os movimentos para expressar
seus desejos, emoções ou se algo não está bem. No início deste estágio os movimentos
acabam sendo involuntários e realizados de acordo com o momento de cada bebê - no
decorrer os movimentos vão se aprimorando e ficando mais elaborados. O ponto forte
deste estágio são as emoções, sendo que elas dão todo o embasamento para a realização
dos movimentos: “[…] é o movimento corporal que dá sustentação para o
desenvolvimento da afetividade e o desenvolvimento das funções mentais” (Garanhani,
2005, p. 85).
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Pelo corpo é possível que o ser humano descubra e expresse alegrias, tristezas,
angústias, medos e outros tantos sentimentos; a dança faz parte desse universo
expressivo, possibilitando o contato com uma forma de apreciação estética que
envolve o corpo em movimento. Ao dançar, a criança se expressa criativamente,
aumentando suas possibilidades de integração com o mundo. (Capri, 2015, p. 288)
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Após análise dos saberes que as professoras participantes dessa pesquisa possuem
sobre a dança na Educação Infantil foi extremamente importante compreender como esses
saberes são efetivados na prática. De acordo com Silva (2009): “Com o passar do tempo,
os professores vão incorporando certas habilidades sobre seu saber-fazer e saber-ser, ou
seja, é com a própria experiência que o aluno de outrora, o qual possuía apenas saberes
teóricos, aprende a ser professor.” (Silva, 2009, p. 25)
Desde a formação inicial, o professor adquire conhecimentos teóricos que servem
como suporte para sua ação quando adentra a escola. O professor utiliza o seu saber para
construir sua prática, se pouco eles sabem sobre a importância no desenvolvimento da
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criança pequena, pouco ele a usará para efetivar um objetivo pedagógico. É possível
perceber então, a necessidade de os professores buscarem por formação continuada, que
possa auxiliá-los a compreender a importância da dança, para que estes professores
possam possibilitar experiências significativas à criança pequena.
Para a compreensão de como se desenvolve a dança na instituição educativa, lançaram-
se questionamentos sobre as possibilidades de dança com os pequenos. A partir das
respostas das professoras1 que participaram da pesquisa, o software Iramuteq apresentou
os seguintes resultados (Figura 1):
1
Todos os participantes do estudo são mulheres, assim adotamos o termo no feminino ao abordarmos os
dados obtidos.
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alunas. Diante disso, se percebe a necessidade proporcionar momentos assim para o(a)s
professore(a)s, tanto em sua formação inicial, quanto em formação continuada.
Observando as demais respostas percebeu-se que algumas professoras compreendem
a efetivação da dança na educação infantil em apresentações culturais, nomeadamente,
em datas comemorativas. Ao indagarmos sobre como se efetivam as práticas de dança
com crianças da Educação Infantil, as participantes da pesquisa nos dizem:
Nas brincadeiras, nas apresentações culturais nas instituições, nos projetos internos,
nas mobilizações das aulas e nos momentos para dançar livremente, também,
momentos para se observar a criança, pois ela estará expressando, através da
linguagem corporal, aquilo que muitas vezes não consegue expressar verbalmente.
(Professora G)
São várias as oportunidades: desde uma coreografia ensaiada para uma apresentação,
como uma brincadeira cantada onde as crianças produzem movimentos. No cotidiano
da Educação Infantil a música e a dança estão presentes o tempo todo através do contar
e dramatizar histórias cantadas, brincadeiras de roda, sequências de ritmo, imitação de
movimentos, exercícios físicos com música, rotinas diárias, etc.. (Professora H)
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Diante disso percebe-se, que de modo geral, a dança nas datas comemorativas é
realizada com as crianças de maneira superficial nas escolas. Verificamos que passa o
tempo e seguem as mesmas práticas (danças para evento das mães, para a festa junina,
para o evento de Natal…) e consideramos que muitas crianças (e adultos) não sentem
vontade de ter contato com práticas dançantes por não vivenciarem momentos de prazer
e descobertas dançando.
Em contraponto, nas mesmas respostas (Professora G e Professora H), é possível
perceber que mesmo superficialmente as participantes da pesquisa acabam reconhecendo
o valor da dança no desenvolvimento da criança pequena. Suas falas trazem a dança como
linguagem, onde a criança se comunica, se expressa e constrói sua identidade e a dança
como prática artística que envolve a dramatização, ritmo e brincadeiras, até a construção
coreográfica mais complexa.
Após a análise das respostas foi possível identificar um dado de uma das professoras,
que se contradiz no questionamento, que indagava sobre as reflexões e práticas da
importância da dança no desenvolvimento da criança, na formação inicial das professoras,
a que a Professora I respondeu:
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É possível perceber que há uma contradição nas respostas da Professora I, que apesar
de não dar elementos de sua prática, reconhece as possibilidades, mas não descreve as
formas para a efetivação desse trabalho.
Quando questionadas sobre se percebem a prática da dança presente na escola e suas
formas de efetivação, também houve uma contradição nas respostas:
Sim, a dança está presente como um dos conteúdos do currículo da Educação Física
onde é trabalhado seus aspectos básicos através das atividades rítmicas e expressivas,
brinquedos cantados, brincadeiras rítmicas e musicais, danças circulares e danças
folclóricas e populares brasileiras. Também a dança é abordada em momentos
artísticos através produções coreográficas para apresentações. (Especialista A)
E, “Não. Somente como ensaios de festa junina ou Dia das Mães” (Especialista B). A
Especialista. A diz que compreende a dança presente nas práticas escolares, bem como
sua efetivação de forma bem ampla e diversificada. Já a Especialista B afirma em sua
fala, que não percebe a dança nas práticas escolares sem se desvincular das apresentações
em festividades. Essa contradição mostra haver muito o que se compreender e aprender
sobre a dança na Educação Infantil, que há formas de se inserir a dança na escola. Porém,
há falta de conhecimento, interesse e até mesmo investimento para que as professoras que
atuam com crianças pequenas compreendam a importância que a dança tem no
desenvolvimento da criança pequena, e suas possibilidades de trabalho.
Compreende-se assim, que mesmo de forma sucinta ou fragmentada, as professoras
reconheçam a importância da dança para o desenvolvimento da criança, não haja
conhecimento de como inseri-la, na prática pedagógica. A ausência ou fragilidade do
conhecimento e das práticas sobre dança, corpo e movimento tende a persistir na
instituição educativa, seja por desinteresse em buscar conhecer sobre o tema, ou até
mesmo por esse tema não estar tão presente em espaços de formação continuada.
Coreografando considerações
A partir dos estudos do referencial teórico delimitado para a pesquisa, foi possível
compreender tal contribuição. Porém, as indagações e reflexões sobre a prática de como
a dança na escola levou o olhar desta pesquisa a outras possibilidades, afinando o olhar
para a dança como elemento de cultura, como capacidade expressiva e lúdica e como uma
grande oportunidade para se efetivar um planejamento, partindo da interdisciplinaridade.
Nesse processo foi possível perceber o quanto a dança está diretamente ligada ao
desenvolvimento da criança e que a sua contribuição não está restrita somente ao
desenvolvimento motor, pelo contrário, a dança proporciona também desenvolvimento
cognitivo, pessoal e cultural.
A dança possibilita à criança momentos prazerosos e significativos, pois, que criança
que não gosta de se mover? Porém, é preciso pensar em práticas que envolvam a dança
de modo a que ela venha enlaçar as crianças, promovendo esse prazer, gerando nelas o
gosto por dançar e se mover. Um trabalho mais direcionado com dança é muito
importante. Proporcionar às crianças momentos nos quais possam dançar livremente é
de grande significância, sendo que nesse momento ela transmite uma linguagem que vem
de dentro para fora, expressando tudo o que está em seu interior, como sentimentos,
emoções, conhecimentos e experiências. Quando a criança dança, ela conhece seu corpo,
explora seus limites e suas habilidades, interage com o seu “eu” e com o “outro”, inclusive
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Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar as diversificadas técnicas aplicadas à
tradução da música Se Ela Dança eu Danço de MC Leozinho, sendo esta análise baseada
em três pilares: linguística, cinematografia e corporalidade. Estes pilares foram
escolhidos por englobarem expressão corporal e facial, figurino, edição e dança. Da
ascensão à Língua Brasileira de Sinais (Libras) nos diferentes e variados ramos artísticos
dispostos a ela com sua utilização pelos sujeitos surdos, acentuando, também, os
conhecimentos da área de produção multimídia para a realização dos vídeos. Para obter
as impressões e opiniões dos participantes deste estudo sobre o vídeo exposto, foi
realizada uma pesquisa de estudo de caso, questionando e analisando de forma qualitativa,
a opinião de estudantes surdos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Santa Catarina (IFSC) Campus Palhoça Bilíngue, acerca da influência da dança e edição
de vídeo neste projeto. Posteriormente, os dados foram descritos através de textos e
imagens retiradas do vídeo original, favorecendo e exemplificando a visualização e
entendimento dos entrevistados. E ao final, concluiu-se que o aprofundamento dos
quesitos retratados, como legenda, fundo, dança e expressão, são de suma importância
para que o público surdo se sinta atraído pela música em Libras.
Abstract: This article aims to analyse the different techniques applied to the translation
of the song Se Ela Dança eu Danço by MC Leozinho and was conceived in three themes:
linguistics, cinematography, and corporeality, which encompass subjects such as body
and facial expression, costumes, editing and dance. It gives rise to the Brazilian Sign
Language (Libras) in the different and varied artistic branches available to it with its use
by deaf subjects, also emphasizing the knowledge of the area of multimedia production
for the realization of the videos. To obtain the impressions and opinions of the
participants of this study about the exposed video, a case study research was carried out,
questioning and qualitatively analysing the opinion of deaf students from the Federal
Institute of Education, Science and Technology of Santa Catarina (IFSC) Campus
Palhoça Bilingual, about the influence of dance and video editing in this project.
Subsequently, the data were described through texts and images taken from the original
video, favouring, and exemplifying the visualization and understanding of the
interviewees. And in the end, it was concluded that the deepening of the issues portrayed,
such as caption, background, dance, and expression, is of paramount importance for the
deaf public to feel attracted to music in Libras.
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‘Se ela dança, eu danço, balancei no balanço […]’: Uma breve introdução
[...] os surdos, assim como os ouvintes, têm o direito de conhecer a música e expressar
sua musicalidade, cabendo, portanto, aos educadores e à família ampliar sua visão
educacional e lhes possibilitar o maior número de experiências prazerosas, que
contribuem com o seu desenvolvimento global. (Mourão & Silva, 2007. p. 169)
Para muitos, soa estranho perceber que surdos também frequentam e permanecem em
ambientes musicais. A diferença é que a percepção desses sujeitos é diferenciada: por
exemplo, é habitual, que para sentirem a música, os surdos coloquem a mão na caixa de
som ou apenas fiquem próximos de onde o som está sendo emitido para se atentarem,
devido aos sons graves, à vibração que é transmitida através das batidas (Castro, 2011).
“Uma das questões da exclusão das pessoas surdas neste contexto de vivência de sua
musicalidade é o fato de a sociedade ainda não compreender as inúmeras possibilidades
de vivenciá-la” (Paula & Pederiva, 2017, p. 538).
Deve ser levado em consideração também que a canção (música letrada) vai além do
som e da vibração transmitida e que existe uma mensagem que tem o poder de impacto
social e individual, de informar e oportunizar a possibilidade de mudanças na perspectiva
de ver o mundo. E apesar de já existirem pessoas sensibilizadas com essa causa, há muito
com o que contribuir e explorar dessa área que transcreve a música para a língua de sinais.
Há diversos conteúdos disponíveis, porém em seus processos de construção, os surdos
não são consultados em sua maioria, diminuindo a qualidade desses materiais. Visto que
a predominância de compreensão da identidade surda é caracterizada pelo visual, a
gravação e edição desses materiais deve ser considerada com mais cautela.
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Ainda há uma lacuna teórica e de pesquisa acadêmica sobre essa temática. Considero
os poucos estudos desenvolvidos, já que, ao fazer uma pesquisa no Google Acadêmico
pelos verbetes “música”, “libras”, “produção multimídia”, “edição”, excluindo patentes e
citações, possuem 32 resultados de artigos, e nos últimos cinco anos foram feitas 16 destas
pesquisas. Além disso, especificando ainda mais os verbetes de pesquisa não é possível
encontrar nenhum estudo que relaciona “música” e Libras no contexto desta região.
A partir do interesse na área de tecnologia e de Libras, desenvolvemos um projeto que os
conectam. O projeto Dance (em Libras) surgiu da ideia de se traduzir para a Libras três
músicas de estilos diferentes. A instalação consistia na ideia de que a pessoa podia
escolher entre estas três músicas e, a partir dessa escolha, o vídeo contendo a tradução
seria acionado e o interator poderia imitar.
O objetivo foi propor diferentes enquadramentos, danças, figurinos, cores, luzes e
elementos animados, que acompanham a melodia da música, a fim de explorar o visual
de maneira mais profunda. No que tange a escolha de sinais e a expressão corporal e facial
advinda da Libras, o trabalho foi realizado em conjunto com outros intérpretes de Libras.
Como entusiastas da dança, do audiovisual e Libras, o objetivo foi criar um material
acessível que reunisse esses elementos, pautados por um trabalho eficiente de tradução e
edição.
Das três músicas traduzidas do projeto, essa investigação se debruçou sobre a música
que pudemos explorar mais o aspecto da dança. A música é intitulada Se ela dança eu
danço, e é cantada pelo MC Leozinho. Tivemos a oportunidade de explorar a expressão
corporal e facial de maneira intensa, não só para efetivar a tradução (linguística), mas
também para propor a imersão através da dança e da incorporação da personagem inserida
na narrativa de ritmo brasileiro chamado Funk. O vídeo analisado pode ser acessado pelo
QR Code ou pelo link abaixo:
QR Code
Link : http://bit.do/VideoTCC
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‘[...] E vem comigo dançar […]’: o que a literatura fala do acesso à música pela
pessoa surda?
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[...] o ritmo, segundo Coimbra (2003) foi utilizado pelos povos primitivos como
elemento de ligação entre a dança e a palavra. Percebe-se nesta afirmação uma estreita
ligação que o ritmo poderia ter com o surdo uma vez que, até o presente momento,
uma das ligações mais fortes entre a palavra e a expressão dos sentimentos (papel
também ocupado pela dança), é a gesticulação, a linguagem de sinais. (Luiz, 2008, p.
65)
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‘Vem viver esse sonho, eu te proponho, até suponho […]’: o que as pessoas surdas
percebem da interpretação deste ritmo?
Este artigo parte do campo de pesquisa da Produção Multimídia Bilíngue, que procura
utilizar a concepção de pesquisa com o intuito de observar a reação do surdo em relação
à música.A metodologia escolhida é de natureza qualitativa que tende a repassar o que os
públicos eventuais para a investigação demandam (Creswell, op.cit, p. 185), com a
intenção de deixar os participantes em situação confortável para, de acordo com a reação
dos integrantes que aceitarem contribuir para a pesquisa, obter informações mais fiáveis.
Segundo Creswell (2008), “Os pesquisadores qualitativos buscam o envolvimento dos
participantes na coleta de dados e tentam estabelecer harmonia e credibilidade com as
pessoas no estudo” (Creswell, 2007, p. 187).
O tipo de estratégia utilizada é um estudo de caso, disposta a arquitetar através de uma
investigação heurística detalhada, propostas mais eficazes para a produção de futuros
vídeos de músicas em Libras:
Um dos utensílios utilizados por esse tipo de estudo é elaborar entrevistas (Gray,
2009). Assim, este estudo utilizou de estudos exploratórios e explicativos usando de
ferramentas de coleta de dados semiestruturados. A entrevista semiestruturada pode ser
definida como combinações de perguntas abertas e fechadas, onde o entrevistado tem a
liberdade de dissertar sobre o tema proposto. “O pesquisador deve seguir um conjunto de
questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de
uma conversa informal.” (Quaresma & Boni, 2005).
Esta pesquisa se concentrou em quatro pessoas surdas, entre 25 a 30 anos de idade,
estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina
(IFSC) Campus Palhoça Bilíngue, a fim de obter concepções e sugestões que possam
contribuir para aproximação de surdos com a música. A proposta é fazer com que quatro
pessoas surdas assistam à tradução da música Se ela dança, eu danço, de Mc Leozinho,
realizada previamente por nós. Após assistirem ao vídeo, os sujeitos responderam a
algumas perguntas, também roteirizadas previamente, a saber:
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2009). Nesta pesquisa foi enfatizado o “como” para se ficar a saber qual a melhor maneira
de se aplicar e trabalhar o visual.
Pudemos intervir no roteiro, a fim de extrair outras informações dos sujeitos,
obedecendo à proposta de entrevistas semiestruturadas e as identidades permaneceram
anônimas, tendo sido utilizados codinomes escolhidos pela pesquisadora: Fernando,
Carlos, Laura e Júlia.
Após responderem ao questionário, utilizamos a análise de conteúdo, com a iniciativa
de captar informações de estética na tradução de música em Libras ainda não consolidado.
“[…] uma estratégia de aproximação sucessiva ao objeto de estudo, de modo a observar
práticas, identificar valores, conhecer motivações e expectativas, partindo do
entendimento dos seus protagonistas acerca das mudanças mais significativas na sua
vida.” (Dantas, 2008, p. 4). Para os temas abordados, foi aplicada a técnica de repetição,
considerando os pontos de vista dos sujeitos acerca do vídeo. Através da coleta de dados
gravados e transcritos, percebem-se as reações relacionadas ao objeto de estudo e, assim,
sugere-se um processo para futuros materiais com o mesmo intuito. O termo de
consentimento livre e esclarecido também foi assinado por todos os entrevistados,
permitindo o uso dos dados apreendidos neste trabalho.
‘[...] botar a chapa quente p’ra gente dançar [...]”: - o que os entrevistados
disseram sobre a Tradução?
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Figura 1. Exemplo do movimento da esquerda para a direita durante o sinal de ‘contato visual’
A opinião gerada sobre esse teste é que, embora o ritmo da música seja funk e intenso,
a edição do vídeo da tradução da música precisa ser mais cautelosa, demonstrando mais
suavidade nas transições. Neste seguimento, Fernando menciona que é interessante esse
deslocamento da personagem, porque prende a atenção do olhar que é conduzido pelo
posicionamento diferenciado da edição, porém a transparência progressiva poderia
ocorrer mais lentamente acompanhando o ritmo (quando mais calmo).
Já Carlos, aponta que é necessário ser utilizado o efeito dissolver, que tem a função de
misturar dois vídeos diferentes de alguma forma, com mais clareza. Caso contrário, a
personalizada disposição aplicada da pessoa no vídeo, faz com que os olhos não consigam
acompanhar em muitos momentos, o que acarreta na perda de contexto.
Acerca do que acopla técnicas cinematográficas que influenciaram de maneira
positiva, a pergunta: “Qual a importância do cinema (luz, fotografia, figurino) na
tradução?” trouxe o tema ‘figurino’ através do Fernando, que em sua fala sugeriu essa
questão que quando utilizada com criatividade, é definido como arte - referente a
vestimenta, a pesquisa de Nóbrega (2017) infere que o figurino expressa sensações e
atribuições estéticas.
44
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Figura 2. Exemplo das animações usadas no fundo dos vídeos, utilizando Chroma Key 1
1
Chroma Key é um processo digital usado em edições de vídeo e foto, onde se utilizam imagens para recriar
fundos, produzindo assim, um efeito visual de primeiro plano e de pano de fundo.
45
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Figura 4. Exemplo do sinal “beijar” e a expressão facial utilizada para ressaltar seu significado
Essa imersão da narrativa vai ao encontro da teoria fundamentada, que fala sobre a
influência social da utilização de recursos teatrais para o surdo (Oliveira, 2014). A
exemplo disso, trazemos à tona o acontecimento de quando um dos entrevistados,
Fernando, questionado sobre o que mais chamou a atenção no vídeo, mencionou a
expressão corporal e facial, exemplificando com a cena representada pela imagem
anterior que é sinalizado a palavra ‘beijo’. “O que mais chamou a atenção, foi sua
expressão facial, muito legal […] prende a atenção [...] além da expressão corporal”. A
entrevistada Júlia concorda, rindo, com o comentário do colega e acrescenta falando “Eu
46
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também, seu jeito, seu charme”. Os outros entrevistados também citaram as expressões e
um deles mencionou que achou interessante a tradução.
Somada à corporalidade mencionada anteriormente, a dança teve perspectivas
positivas pelo olhar (literalmente) dos surdos entrevistados. Quando questionados,
responderam “Neste caso específico, a dança influenciou na qualidade da tradução?”
todos responderam que sim, além de o tema ser bastante citado, em várias respostas, ao
longo do questionário. Ocasionalmente, dança nem era o foco da pergunta, mas esse tema
voltava a ser mencionado: “Não tem expressão de tédio. Já ficamos atentos [...] O vídeo
contém dança e isto é diferente``, comentou Laura, que aproveitou para citar a influência
da dança quando o tema era sobre edição. Fernando concorda com essa afirmação. Outro
exemplo forte foi da Júlia que sentiu a noção de ritmo como essencial, posto que das cinco
perguntas feitas, em três delas citou a palavra ‘dança’. Além de simpatizar com as
respostas dos outros colegas, quando esse tema era abordado durante a entrevista,
menciona: “O jeito da dança, mostra o ritmo, gostei bastante”. Estas respostas,
principalmente essa última citação da entrevistada, vão ao encontro com Oliveira (2014),
que afirma que, no processo de assimilação de vibrações e ritmos, a aproximação do surdo
e a música pode ser conectada e auxiliada pela dança. Uma das entrevistadas afirma que
Libras e Dança combinam. Essa aproximação lê-se na citação de Masutti (2007 apud
Rigo, 2013), quando afirma que: “Língua de sinais é arte em movimento, é uma
coreografia circular, é uma poesia cuja tensão corporal inscreve os ritmos que
reaproximam os corpos das sensações da dança” (p. 11).
Carlos afirma, que apesar de que a dança pode auxiliar na qualidade da tradução é
necessária mais informação além da dela: “É essencial que tenha o máximo de
informações possíveis para emitir o ritmo”. E é por isso que consideramos que devem ser
debatidas variadas formas de transmitir essas informações, envolvendo linguística, artes
performáticas e cinematográficas.
Com o objetivo de possibilitar uma visualização do que foi mais comentado sobre os
indivíduos surdos durante a entrevista, foi elaborado um mapa de palavras dos elementos
mais citados, em que o tamanho das palavras é proporcional à quantidade de vezes que
foram mencionadas durante a entrevista:
Figura 5. Mapa de palavras personalizado dos elementos mais citadas durante as entrevistas realizadas
Com isso, à luz da literatura foi possível captar a percepção dos entrevistados com
respeito a música traduzida.
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‘Dançar, dançar, dançar… E vem viver esse sonho [...]’: algumas considerações
Referências
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49
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50
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Isabel FIGUEIRA
Universidade de Coimbra
Associação Portuguesa de Dança Movimento Terapia
[email protected]
Abstract: In order to think about dance and movement we propose some concepts or
“reading keys” that can be useful for i) an analysis of dance as performance and ii) a
further understanding of the social and individual role of what been understood as dance.
We complement the ideas of dance as tékhne or dance as poíesis with our idea of dance
as kinetic affective expression, which is to say, dance as a relational living experience. A
broader understanding of dance is proposed, not only as performative artistic expression,
but also as individual and community expression. This reflection is built upon the work
of Maxine Sheets-Johnstone, choreographer and philosopher who has reflected on
movement, articulating principles from biology, neuroscience, psychology, and kinetic
dynamics notation systems, emphasizing the relationship between body, movement and
intersubjectivity. We defend a perception of movement that takes in account the
entanglement of both the emotional and movement dynamics, thus understanding
movement as a kinetic-affective and relational unity.
51
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1
Quando o Laban Centre teve um edifício construído de raiz e passou a chamar-se Trinity Colledge,
reassumiu a sua vocação para o ensino exclusivo da dança, pelo que o mestrado de Dance Movement
Therapy, por ser da área clínica, foi integrado no Goldsmiths College, adotando o nome de Dance
Movement Psychotherapy.
52
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2
Descobertos em 1996 por Rizolatti, os neurónios espelhos tem sido a base de vários estudos posteriores
que procuram entender fenómenos de empatia e ressonância afetiva (cf. Ferrari & Gallese, 2007).
3
A palavra tem vários níveis de sentido, de que escolho destacar dois: a) “Esta palavra tekhné nomeia uma
forma de saber. Ela não significa o trabalho e a fabricação [...] ter em vista desde o início o que está em
jogo na produção de uma imagem e de uma obra. A obra pode ser também uma obra de ciência ou de
filosofia, de poesia ou de eloquência. Arte é tékhne, mas não técnica. O artista é tekhnites, mas não somente
técnico ou artesão” (Heidegger, 1967); b) “produzir, em grego, é tikto. A raiz desse verbo é comum à
palavra tékhne. Tékhne não significa, para os gregos, nem arte nem artesanato, mas um deixar-aparecer-
algo como isso ou aquilo, no âmbito do que já está em vigor. Os gregos pensam o tékhne, o produzir, a
partir do deixar aparecer” (Heidegger, 2001).
4
Encontramos hoje vários sentidos da palavra grega poíesis, de que destaco este – “Poíesis é um substantivo
que se forma do verbo grego poien. Este assinala no grego a ação de fazer diversififcada, mas sobretudo a
essência do agir, daí estar ligada à poíesis, no sentido que hoje consideramos criação. Esta pressupõe um
fazer surgir, um figurar algo a partir do nada, ou, no pensamento mítico, a partir da terra e mais tarde a
partir da physis [natureza]. Poíesis é, pois todo o agir criativo ou essencial.” (Castro, s.d., ensaio não
publicado).
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Numa dança, seja ela mais tékhne seja ela mais poíesis, mesmo quando se dança
sozinho, o(s) outro(s) está/ão sempre implícito(s), pois a dança não existe como existe
uma pedra (e ela é também átomos em movimento): a dança é um acontecer ligado a
determinada circunstância. Acontece e é moldada não apenas pela qualidade da execução,
mas também pelo contexto, pelo espaço em volta, o olhar e interesse do público, as
qualidades indefiníveis de um lugar e um momento específico, ou seja, de um momento
relacional. A dança, nesta perspetiva, pode ser entendida como um fenómeno, no sentido
da filosofia fenomenológica. Como fenómeno, não apenas técnica, não apenas espetáculo,
ela é também um acontecimento único e irrepetível entre sujeitos, pois todos participam
e determinam esse acontecer. A dança interliga o sujeito ao seu mundo e aos outros. A
dança é um fenómeno relacional e este é o terceiro conceito de dança que trago para a
nossa conversa – temos o conceito de dança enquanto tékhne, enquanto poíesis e, agora,
enquanto fenómeno afetivo e relacional. Há lugar para tudo isto, pois é apenas uma
questão de perspetiva. Podemos abordar a dança do ponto de vista da tékhne - do
professor, que tem de ensinar e de ser exigente em termos técnicos, que corrige e insiste
na necessidade de treino, disciplina, repetição exaustiva -, mas há também lugar para o
professor de expressão criativa, de dança enquanto improvisação lúdica e descoberta, que
trabalhe o lado poíesis/poético do movimento. Naturalmente, claro, as duas coisas
coincidem também, quer em quem ensina, coreografa ou dança. E há ainda a perspetiva
da dança que move e co-move, que afeta e interliga os corpos que dançam e os corpos
que são afetados e “movidos” por essa dança, numa experiência única no tempo
específico do acontecer da dança, uma vivência somático-sócio-emocional, interpessoal,
entre subjetividades que se influenciam mutuamente, portanto uma dança relacional,
intersubjetiva.
Pode acontecer que, por falta de uma formação adequada, por falha nas ofertas
formativas, se envie para a escola de ensino básico ou mesmo para jardins de infância -
onde a dimensão afetiva e relacional do movimento seria mais importante -, professores
que seguiram um ensino de dança formal e têm dificuldade em ajustar-se a níveis etários
em que a dança não pode ser tékhne; se for só isso, muito fica por desenvolver em termos
de exploração do potencial de movimento de cada um. Seja nas danças ensinadas em
contexto escolar, seja nas danças para a comunidade, seria desejável que os respetivos
técnicos/formadores tivessem uma formação que combinasse conhecimentos de
desenvolvimento da psicologia infantil, de técnicas de improvisação, de sistemas de
análise de movimento, o que lhes daria as bases para um trabalho coerente e consistente,
que efetivamente desenvolvesse, em cada um, a ideia de que a dança, afinal, está em todos
nós enquanto linguagem e modo de comunicação com o mundo e os outros. Pode também
acontecer que se caia no extremo, na ideia de que, se todos já sabem dançar, então é só
deixar as crianças moverem-se como quiserem. Perde-se assim, nesses anos iniciais, ou
no trabalho com grupos comunitários, a oportunidade de construir a consciência e a
experimentação progressiva de uma linguagem comunicacional, a linguagem cinética.
Como em todas as linguagens, a linguagem cinética, não verbal, tem também uma
certa gramática, cujos princípios básicos seria fundamental os educadores ou professores
de dança nas escolas conhecerem. Fornecer oportunidades para as nossas crianças
experienciarem ludicamente essa comunicação interpessoal não verbal - que pode, por
vezes, ganhar o aspeto de uma dança, ainda que seja mais do que isso -, seria um modo
de lhes fornecermos instrumentos que lhe seriam úteis, seja para uma melhor capacidade
de relacionamento com os outros, seja para um melhor entendimento do seu corpo e das
suas emoções. O professor de dança deveria ter boas bases pedagógicas, alicerçadas em
áreas fundamentais como: i) a psicologia do movimento, onde atualmente estão a surgir
novidades por influência da neurologia, nomeadamente das neurociências afetivas; ii) um
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sistema de análise de movimento e, por fim, iii) uma boa formação humanista, bem
assente na história na arte e da literatura, de modo a mobilizar referências que alimentem
a imagética infantil e enriqueçam o mundo interno de cada um, cujas imagens e metáforas
ajudam a transformar a dança, marcadamente tékhne, em dança com mais traços de
poíesis.
Há outros modos de pensar a dança e insistimos naquilo que consideramos ser a dança
relacional, que não é, certamente uma dança técnica nem uma dança espetáculo, mas uma
dança que surge da consciência e da vivência de trocas interpessoais, cada vez mais
necessária numa época em que as oportunidades de encontros criativos e genuínos com
outros são mais escassas, sobretudo na infância, na terceira idade ou em contextos de
maior isolamento social.
55
Corpos que Dançam | 2022
Esperamos que esteja claro que a Terapia por Dança Movimento ou a Psicoterapia por
Dança/Movimento, como agora preferimos chamar, tal como a praticamos, não se centra
na dança, mas num processo relacional psicoterapêutico. Implica um rigoroso treino,
baseado, entre várias outras coisas em: i) complexos conhecimentos de psicologia e
psicanálise com um bom conhecimento de; ii) psicopatologia, de; iii) análise de
movimento; e iv) de expressão multimodal, ou seja, interdisciplinar, assenta no próprio
processo de terapia pessoal do psicoterapeuta e num bom entendimento de processos e
dinâmicas de grupo. Insistimos nisso porque sabemos que ao lerem-se os exemplos dados
é fácil pensar-se “qualquer pessoa pode fazer isso”, o que é muito enganador.
Este tipo de processo terapêutico acontece exatamente na particularidade de uma
comunicação verbal e não verbal, delicada e fugaz, que só é possível num contexto
contentor, por alguém muito preparado nesta articulação entre verbal e não verbal, bem
preparado teoricamente, mas também através da sua própria terapia pessoal, para lidar
com processos inconscientes tais como transferências e contratransferências, de ataques,
resistências e regressões. E, naturalmente, bem supervisionado por um especialista ao
longo do processo. Insistimos nisso, porque sabemos que há, por vezes, a tentação de
atribuir grupos de expressão não verbal a pessoas sem preparação clínica e temos visto
coisas que não apenas não ajudam, como traumatizam ou, no mínimo, confundem os
pacientes. Esperamos ter deixado claro que a dança e a psicoterapia por movimento são
coisas distintas: a primeira pode ser compreendida na área da educação, das artes e da
cultura, mas só a última é da área clínica, com uma formação específica e distinta5. No
entanto, alguma coisa se pode aproveitar para pensarmos a dança num sentido mais
alargado.
Retiremos, dos parágrafos anteriores, o que nos interessa para este artigo – a ideia de
que o movimento vem do universo interno de cada um, moldado por emoções que
reverberam nos outros em redor, que é um acontecimento num AQUI e AGORA
específico de uma relação com o mundo ou outras pessoas. É um fenómeno. E é um
fenómeno relacional. Esse entendimento pode ajudar a conceber o ensino da dança ou, a
sua prática, como algo que não apenas prepara para um bom domínio de posturas e gestos,
que não apenas valoriza o aspeto exterior da performance, mas como uma oportunidade
de promover no sujeito inteligência cinética, expressiva e emocional, além de desenvolver
competências relacionais. Não querendo enveredar pela temática sobre o ensino da dança
nas nossas escolas, sobre o curriculum ou a formação de professores, preferimos
desenvolver o argumento em torno da ideia de corpo em movimento ou corpo animado
(capaz de movimento espontâneo e intencional), conceito caro a Maxine Sheets-
Johnstone (1930-), autora que convocamos por ser uma coreógrafa, filósofa, professora
universitária que, enraizada em referências da fenomenologia e da biologia, tem
desenvolvido reflexão sobre o movimento enquanto dimensão cinética-afetiva do sujeito.
Antes de avançarmos convém refletir sobre os termos usados – sempre que se falar de
movimento, serão usadas palavras como cinestesia/quinestesia, cinestético/quinestésico
ou cinético/quinético6. O que é muito diferente de falar de fisicalidade ou mesmo de
5
Para saber em que consiste a formação em Dance Movement Therapy/Psychotherapy, profissão regulada
na europa, consultar o site da AEDMT (Associação Europeia de Dança Movimento Terapia) -
https://eadmt.com/education/training-standards-criteria
6
A etimologia destas palavras é grega, mas chegaram ao português já integradas no latim, onde eram
pronunciadas de duas maneiras, pelo que deram origem a duas fonologias e escritas, ambas corretas – tanto
se pode dizer cinético ou quinético, como se pode dizer cinestético e quinestético. Os dois vocábulos,
cinético e cinestético, têm a mesma raiz etimológica, cine, que significa movimento e deu origem à palavra
cinema (imagens em movimeno), pelo que a autora prefere, neste trabalho, manter a familiaridade
fonológica e escrever sempre cinético e cinestésico em vez de quinético e quinestético, ainda que estas
sejam igualmente válidas e mais próximas do inglês, onde se escreve kinestic e kinesthetic. Sendo a palavra
56
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motricidade. A visão sobre o corpo e o movimento está patente nos nomes que se têm
usado no ensino do movimento nos espaços escolares – entre “educação física” e
“motricidade” ou “movimento expressivo” subentendem-se distintos modos de
percecionar. Estas palavras trazem atrás de si um manto de perceção sobre o mundo, o
corpo humano, o movimento. “Educação física” remete-nos para grandes grupos de
ginástica sueca, em que o corpo humano era uma peça na totalidade de uma engrenagem,
diluía-se no conjunto dos ginastas sendo, ele também, uma máquina que deveria funcionar
bem, de modo quase mecânico – esticar, fletir, exercer força. O conceito de “motricidade”
vem trazer mais fluidez, altera a perceção mecanicista e quase estática para trazer a noção
de que o movimento está para lá da mecânica das articulações, músculos e tendões,
passando a ter uma compreensão mais global e integrada do corpo em movimento, a que
um outro conceito, o de “movimento expressivo” virá introduzir e reforçar uma tonalidade
pessoal, uma imagética. A educação absorveu tudo isto e acumula ainda estas diversas
camadas de significados, pelo que é importante explicitarmos os termos usados e a
perspetiva que adotamos, pois na verdade falamos de coisas muito diferentes ao falarmos
em dança, movimento, motricidade, expressão corporal, ou outras, sem nos darmos conta
do seu peso ideológico, das suas visões específicas de pessoa e mundo, ligadas,
implicitamente, a um certo modo de conceber a sociedade.
Podemos apreender, através de expressões como “ginástica sueca” e “improvisação
por movimento”, toda uma história do século XX - seja na perceção do corpo e do
movimento, seja na determinação de modos de organização da vida social, com mais ou
menos hierarquia, ordem e previsibilidade, seja nas expetativas sobre o comportamento
dos indivíduos, em relação a disciplina versus espontaneidade ou modos específicos de
interação em grupo. Podemos fazer o exercício de pensar o século passado à luz de
imagens de grandes grupos movendo-se. Comparemos, por exemplo, ginásios ou estádios
cheios de ginastas, bem disciplinados e coordenados, com movimentos diretos e rígidos,
como se vê em filmes e imagens de início do século e comparemo-las com imagens e
vídeos de flash mobs em ruas e centros comerciais, com movimentos mais soltos, menos
controlados e mais flexíveis, de final de século. O que nos dizem sobre certos modos de
pensar o corpo, individual e coletivo? Ou poderíamos, ainda, comparar os primeiros com
as danças circulares e “eco-dance happenings”. Estas comparações permitiriam refletir
sobre as diferenças e semelhanças destes grupos e poderiam levar a pensar sobre que
ideias implícitas os enquadraram, o que nos dizem sobre as mentalidades, os valores e as
expetativas sociais que sustentam estas diversas práticas.
Pensar-se o corpo e o movimento implica pensar-se o próprio ser humano e isso
implica, mesmo que não nos demos conta, adotar uma posição filosófica e política. Daí a
necessidade de darmos um passo atrás e pensarmos no que estamos a dizer – como
surgiram certos termos, em que contexto, com que objetivos, de que maneira determina
o que se espera de mim e dos outros. A disciplina e o rigor da ginástica sueca determinam
expetativas de um comportamento “certo” e “perfeito”, distinto das “atividades rítmicas
expressivas”, que agora temos nos curricula escolares. Mas não basta mudar os termos,
há que mudar a própria conceção do que é ser-se um corpo em movimento. Há que
continuar a formar professores e educadores comunitários, que sejam capazes de entender
o que fazer, quando e porque fazer, pois não se trata de descartar o que anteriormente se
fazia, mas de integrar e progredir, fornecendo, aos novos educadores e professores,
ferramentas para variadas abordagens.
cinesis equivalente a movimento, re cinético é a qualidade de tudo o que se move e cinestesia, bem como
o correspondente adjetivo, cinestésico, implica tudo o que é relativo ao conhecimento do próprio corpo
através dos sentidos e do movimento.
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Façamos um breve ponto da situação. Pensando sobre o que se pode entender por
dança, foi proposto que se considere a possibilidade de entender as danças, ou as práticas
de movimento, em função de dois modos de entender a dança - i) a Tékhne, enquanto
produção, um fazer-aparecer técnico ou mestria do corpo em movimento; ii) a Poíesis,
enquanto expressão estética, imagética, expressiva. O ideal será combinar ambas, mas há
que ter em conta a personalidade de bailarinos e coreógrafos e do que se pretende com
cada performance. Não há relação de hierarquia ou de valor entre tékhne e poiseis. Devem
ser entendidas de acordo com o estilo individual, as competências e preferências de cada
um e como o próprio contexto sócio-cultural, pois há épocas que dão mais realce a um ou
outro aspeto. Não são conceitos absolutos, são apenas chaves para se entender o corpo
em movimento e todos nós podemos evocar dançarinos mais capazes de um grande
domínio técnico e pouca “expressividade poiética” ou vice-versa. Esta proposta de se
pensar a dança numa perspetiva de Tékhne e/ou Poíesis, foi depois enriquecida, quando
avançámos para mais um conceito, o de dança relacional.
A ideia de dança relacional vem complementar esta polaridade entre Tékhne e Poíesis,
pois introduz o Outro na dança. Tékhne e Poíesis são produtos de um pensamento sobre
dança baseado na lógica aristotélico-cartesiana. São termos que dizem respeito apenas a
um sujeito, na sua relação com o seu corpo e o seu movimento, a sua mestria ou o seu
imaginário. Este modo de pensar a dança, moldado numa visão cartesiana e newtoniana
do espaço, contém sempre uma conceção solipsista do sujeito, ou seja, há um isolamento
das vivências individuais e da expressão corporal, que são entendidas apenas em relação
a um indivíduo, compreendido como um universo subjetivo fechado, ideia dominante no
7
Tradução da autora: “as emoções são uma coisa fluida e fenomenologicamente corporal que se move
através de nós e que nos move a mover-nos”. 7 (Sheets-Johnstone, citada por Eichhorn, 2016, p. 111).
8
Frase de Maxine Sheets-Johnstone em entrevista concedida a Eichhorn (2016, p. 101).
58
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cartesianismo e que hoje se questiona, mais à luz de novos sobre conhecimentos sobre
processos relacionais, intersubjetivos.
Em nossa opinião, os conceitos tékhne e poíesis, ainda que tenham ajudado a pensar
as artes durante muito tempo, dentro de uma tradição aristotélica, não são suficientes para
dar conta de processos intersubjetivos, seja na experiência de quem dança, seja de quem,
observando, também participa na dança. Estas duas perspetivas, com raízes históricas,
transmitem uma visão historicamente datada, que não tem em conta conhecimentos
científicos recentes, nomeadamente os contributos da física quântica, com a sua proposta
de um espaço que não é absoluto, mas relativo. O que coincide com a ideia que o espaço
não é algo que exista exterior ao sujeito, sendo antes criado pelo próprio corpo em
movimento, em que cada dança cria o seu próprio tempo e espaço. Hoje sabe-se que nos
movemos e somos movidos ao mesmo tempo, de que o sujeito não habita em cápsulas
fechadas, animado por emoções estanques, pelo contrário, as emoções são fluxos que o
percorrem e afetam outros em seu redor, o mesmo acontecendo aos seus movimentos, que
dão conta da sua emotividade através de dinâmicas de movimento. Introduzimos o
conceito de dança relacional, um conceito recente na área da Psicoterapia por Dança e
Movimento9, alicerçado na corrente da Psicanálise Relacional 10. Ainda que sem entrar
pela área das terapias, optámos por utilizar aqui o termo, neste exercício de pensamento
sobre dança, pois há que evoluir e integrar, não podemos continuar a falar de dança sem
acompanhar os conhecimentos do nosso tempo. Não vamos desenvolver a ideia de dança
relacional em relação a outros contextos ou outros autores, bastando usá-lo aqui como
complemento de tékhne e poíesis, as duas outras abordagens discursivas e valorativas
sobre a prática da dança.
Poderíamos desenvolver o conceito de dança relacional recorrendo a outros autores,
mas escolhemos, neste artigo, ter como referência o pensamento de Sheets-Johnstone que
sustenta, ao longo da sua densa obra, um pensamento riquíssimo sobre o corpo animado,
na sua dimensão cinético e afetiva. Propomos um entendimento do movimento que não
seja apenas, como numa definição tradicional, “a deslocação de um corpo de um lado
para outro”11 e questiona a perspetiva motórica, chegando mesmo a criticar o que chama,
quase ironicamente, de “motorologists”, ou motorólogos, os que enfatizavam o
comportamento e o movimento humano em termos de ações motóricas, mecanicistas,
descrevendo as funções de músculos e articulações como se assim fosse possível entender
o movimento e a dança, perdendo a dimensão da experiência cinética e propriocetiva12.
Concilia filosofia com estudos de biologia, pelo que frequentemente evoca Darwin e o
seu livro The Expression on Emotions in Man and Animals (1872), para afirmar que
9
A título de exemplo, consultar o texto Relational Dance Movement Psychotherapy. An new old idea
(Lykou, 2017).
10
A psicanálise relacional, que tem como um dos seus representantes Stephen Mitchell, constitui uma nova
corrente dentro da psicanálise, com especificidades que não cabe aqui desenvolver, sendo apenas de referir
que valoriza a relação e a intersubjetividade de um modo distinto das correntes de psicanálise que se
centram no conceito de libido.
11
“Movement is not a change in position, for movement has no position. Only objects have positions and,
when they move, they change position. Movement is the change itself, the dynamic happening (itálico
nosso) and needs to be phenomenologically analysed and properly understood as such” (Sheet-Johnstone,
2010, p. 121).
12
“Motorology talk deflects us from the realities the realities of kinesthesia and proprioception no less than
embodiment talk; that is, it too deflects us from the dynamics of movement itself and of the cognitional and
affective dynamics of movement itself and of the cognitional and affective dynamics the constitute the
synergies of meaningful movement that informs the live of animate beings. Motors, after all, do not have
feelings; they are incapable of affectivity. By the same token, they lack agency. […] Kinesthesia and
proprioception are foundational aspects of animation and as such require straightforward analysis and
study in their own right” (Sheets-Johnstone, 2012, p. 122).
59
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13
“O Movimento não acontece simplesmente no espaço e no tempo; o movimento cria o seu próprio espaço,
tempo e força, e é precisamente a criação do seu próprio espaço-tempo-força que dá a qualquer movimento
o seu carácter distinto” (Sheets-Johnstone, 2010, p. 121).
14
Aconselha-se a consulta dos trabalhos de Rudolf Laban e de Judith Kestenberg, para quem tenha interesse
em informar-se sobre esta área.
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15
Os neurónios-espelho, descobertos por Gallese, vieram comprovar que, no nosso corpo se ativam os
circuitos neuronais correspondentes àqueles que estão ativados no movimento de uma outra pessoa que
estamos a observar. O que significa que somos afetados somaticamentemente, a nível neurológico, pela
observação de outros corpos em movimento; as ações dos outros têm impacto no nosso próprio corpo, uma
vez que as está a reproduzir em termos neurológicos. Admitindo que os movimentos de outro podem
remeter para determinadas emoções, ou uma atitude emocional, pensa-se que isso acontece através dos
neurónios-espelho que em nós se ativam, possibilitando-nos entrar em sintonia com as emoções ou estado
emocional de outra pessoa. Logo, através de movimento, das nossas ações, estamos interligados, movemos
e somos movidos, isto é, co-movidos.
61
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When it moves us, we move in ways qualitatively congruent with the way(s) we are
moved to move; spatial, temporal, and energetic qualities of our movement carry us
forward in an on going kinetic form that is dynamically congruent with the form of our
outgoing feelings. Unified in a single dynamics, the two modes of experience happen
at once; simultaneity of affect and movement is made possible by a shared dynamics.
(Sheets-Johnstone, 1999b, p. 270)17
Conclusão
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Referências
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2.
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Resumo: Com este texto, pretendemos refletir o corpo no seu valor estético e suas
consequentes implicações na criação artística. Isto partindo do pressuposto que o corpo,
quando organiza o seu movimento de uma forma estruturada, é pensamento, e este pode
ser denominado de linguagem artística. A criação artística contemporânea, transformou-
se num estereótipo de idealização estética transversal a todos discursos performativos. A
representação já não se pauta pelo conceito da Beleza mas, antes, pela ilusão da
metamorfose e do enigma. Os novos símbolos da elaboração artística buscam as imagens
do corpo social/quotidiano. A contaminação é assumida: Os laboratórios de criação
artística alimentam-se das imagens do social, sendo o Corpo o elemento estruturante desta
nova corporeidade estética.
Abstract: This paper aims to analyse the aesthetical images of the body in everyday life
and its implications in artistic performing. Performing arts has become a stereotype of
the aesthetic idealization. The representation of the Body more than being the reflex of
the conventional aesthetical concept of Beauty, seeks the illusion of a permanent
metamorphosis. Thus, Performance Art takes on the scenic body as an artistic language,
with its inherent implications on everyday life. The new symbol of artistic elaboration
seeks images of the social body in everyday actions as matter for performance. This
influence is taken on: The artistic laboratories feed the images to the social body images
and vice versa. In this process, embodiment is the structuring element of this new aesthetic
behaviour.
Este texto pretende ser uma reflexão sobre a função do Corpo, enquanto dispositivo
artístico, numa sociedade em que a realidade é cada vez mais mediatizada e os espaços
relacionais teatralizados. Importa, pois, questionarmos qual o espaço que o fenómeno
performativo pode ocupar numa sociedade do/de espetáculo, e em que sentido a
representação do corpo se constrói como lugar de comunicação e de imaginário. As artes
cénicas, enquanto fenómeno espetacular, não são de fácil definição ou localização, sendo
a representação hoje entendida em sentido lato. O espetáculo passa, então, a ser um modo
de comportamento, uma aproximação à experiência. É aceite que o desenvolvimento da
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qualquer processo criativo/artístico. É num quadro rápido de mudança social que surge a
necessidade de compatibilizar funções que não se caracterizam por modelos previamente
definidos. Este facto torna indispensável que, cada vez mais, as pessoas transitem entre
vários papéis com diferentes implicações culturais. Como refere DiMaggio (1987), a
capacidade de manipular símbolos culturais está mais alargada: por um lado, pelas
exigências de uma sociedade altamente complexa que “obriga” a compatibilidade de
funções díspares; por outro lado, pelo alargamento da educação formal que vem
adquirindo cada vez mais importância sobre outros elementos tradicionais, como a
família. Será nesta dinâmica de esbatimento e reafirmação de fronteiras que a praxis
artística evolui. DiMaggio (1987) analisa este fenómeno através da expansão dos limites
sociais que se deslocam de uma cultura de status (pertença de uma classe dominante e de
elite) para sistemas e redes difusas (networks culturais), em que a pertença não se define
tanto por grupos sociais ou familiares, mas mais pela capacidade de manipular e organizar
símbolos culturais. Os networks culturais tornam-se cada vez mais importantes na
organização da vida social, à medida que a organização do trabalho obriga o indivíduo a
um maior número de papéis e, consequentemente, a um maior número de contactos
humanos. Neste sentido, as artes ocupam uma posição privilegiada na construção de
identidades. Os símbolos culturais (gostos estéticos) definem-se, assim, na interação
social e intergrupal onde são validados e legitimados. Neste contexto, a arte torna-se a
moeda comum cultural, servindo como base significativa para a interação pessoal e a
mobilização coletiva, facilitando a comunicação. Quanto maior for a rede de relações
sociais que um indivíduo vai construindo, maior é a variedade de referências culturais
que tem de possuir, desenvolvendo “gostos” pelas mais variadas formas culturais. A esta
pluralidade não é alheia uma crescente interação com o mercado económico, onde a
produção cultural/artística se integra na produção de mercadorias que, em geral,
respondem a necessidades de distribuição de um bem.
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passam, assim, a ter de estar disponíveis para uma nova realidade, em que as
manifestações culturais e artísticas ganham novos sentidos, construídos através da
constante abertura à comunicação que o artista deve ter com os seus receptores. A obra
artística torna-se um bem de consumo com uma mais-valia determinada. Este fenómeno
é indissociável da dissolução de uma comunidade estética de vanguarda artística,
correspondendo ao fim da importância reconhecida do papel interventivo da arte, tanto
do lado da criação como do lado da recepção. Na tentativa de colmatar esta situação,
surgem inúmeras propostas de integrar o espectador na obra, que oscilam entre uma hiper
espetaculariedade e um voyerismo exarcebado.
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Imagem e Representação
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estereótipos, não para o demonstrar, mas antes para mostrar todas as contradições que
existem na relação de tensão entre imagem e representação. Compete, pois, ao discurso
artístico, transformar, de uma maneira inconsciente, as imagens do corpo em
representação, de acordo com um princípio comum de idealização estética.
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Referências
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informação. Presença.
Santos, M. (1988). Questionamento à volta de três noções (a grande cultura, a cultura
popular, a cultura de massas). Análise Social, Vol. XXIV, 101 e 102.
Sarrazac. J.P. (2002). O Futuro do Drama. Campo das Letras.
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Patrícia MANGAN
Universidade La Salle – UNILASALLE
[email protected]
Abstract: The considerations raised about the profession and the professional dancer,
have the purpose of contextualization for study, which should be presumed, pointing to
configuration of some identity profiles that are forming, particularly with the
diversification in a context of globalization, in which the increase and the standardization
of precarious and temporary bonds on the market has modified the organization of work
and production in contemporary society. The study presented has indicated that the
dancer is a target of occupational ties, flexible and temporary. Professional dance
companies, which previously provided stable conditions to work in Brazil, they escaped
to new market dynamics.
Este estudo tem como propósito contextualizar acerca da profissão do(a) bailarino(a)
com intenção de iniciar investigação sobre sua atual identidade profissional. A pesquisa
em andamento, da qual emerge este trabalho, procura a compreensão da identidade
profissional do(a) bailarino(a) no Estado do Rio Grande do Sul, com ênfase em dois
aspectos definidos: formação e atuação do profissional bailarino. Visamos neste artigo
iniciar uma análise dos aspectos profissionais importantes para este projeto e para demais
pesquisadores da temática.
Inicialmente, parecem-nos pertinentes esclarecimentos acerca de determinados termos
como ocupação, ofício e profissão, sendo importante fazer uma ressalva sobre a oposição
entre profissão e ofício, destacando como surge a noção de “superioridade” das
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profissões. Por outro lado, também é interessante, para a análise da área da arte, o conceito
de vocação.
Claude Dubar (2005) afirma que antes da multiplicação das universidades no século
XIII, o trabalho era algo consagrado e todos os trabalhadores, sejam eles das artes liberais
(artistas, intelectuais) ou das artes mecânicas (artesãos, trabalhadores manuais). A
separação entre artes liberais e artes mecânicas ocorre com a expansão e fortalecimento
das universidades, gerando uma oposição entre profissões. A profissão passa a ser
associada ao espírito, ao intelectual, ao nobre (artes liberais) e o ofício surge associado à
mão, braços, prático (artes mecânicas) (Angelin, 2010).
Encontram-se na teoria da sociologia da profissão (e/ou do trabalho) duas vertentes
interessantes: autores que abordam o monopólio do conhecimento como essencial na
profissionalização (Parsons, 1939; Hughes, 1958; Freidson, 1998) e outros que defendem
o monopólio das práticas profissionais (Wilensky, 1964; Abbott, 1988; Schön, 2000).
Portanto, para Parsons (1939), seguidor da vertente acadêmica, é atribuição das
universidades o papel de legitimação e institucionalização do saber do profissional.
Freidson (1998) define a profissionalização como um processo pelo qual uma ocupação
organizada através da reivindicação de suas competências, da qualidade de seu trabalho
e dos beneficios que com isso proporciona à sociedade, obtém o direito exclusivo de
realizar um determinado tipo de trabalho e de controlar a formação e o acesso.
Por outro lado, Wilensky (1964), em sua vertente prática, afirma que para ser
reconhecida uma profissão devem ser contemplados os seguintes pré-requisitos: controle
sobre a formação, criação de uma associação profissional que defina as tarefas essenciais,
que gerencie os conflitos internos e os conflitos com outros grupos que desenvolvam
atividades semelhantes, proteção legal, e definição de código de ética.
Entretanto Freidson (1998) nos apresenta outro ponto de vista. Segundo ele, “qualquer
que seja a forma de definir “profissão” ela é, antes de tudo e principalmente, um tipo
específico de trabalho especializado” (Freidson, op.cit., p. 2). Algumas atividades não são
reconhecidas como trabalho, algumas vezes, porque não são formalmente
recompensadas, outras, porque não são realizadas em tempo integral. Em outras ocasiões
são atividades pagas e realizadas em tempo integral, mas informalmente, como economia
paralela. Freidson esclarece que,
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[…] a credencial utilizada para amparar sua reserva de mercado de trabalho é criada
por um programa de treinamento que se desenrola fora do mercado de trabalho, em
escolas associadas a universidades. O currículo de ensino é estabelecido, controlado e
transmitido por membros da profissão que agem como corpo docente em tempo
integral, atuando pouco ou nada no mercado de trabalho cotidiano. O corpo docente
serve como classe cognitiva da profissão. (Freidson, op.cit., p. 8)
[…] profissionais são aquelas pessoas que criam, expõem e aplicam aos assuntos
humanos o discurso de disciplinas, campos, corpos demarcados de conhecimento e
qualificação. Esse é seu trabalho, que não pode ser desempenhado sem instituições que
lhes garantam apoio econômico, poder e organização. (Freidson, p. 9)
No Brasil, Ghisleni (2010) afirma que o conceito do termo profissão “tem sido alvo de
reflexão com a elaboração da nova Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) de 2002”
Ghisleni (2010, p. 15). A autora esclarece, que segundo o CBO/2002, profissão é um
conjunto de regras de acesso, sancionado por um diploma de nível superior, possibilitando
o ingresso em determinados tipos de trabalho. É definido, portanto, pelo seu
conhecimento e competência escolar e não por suas competências no exercício de sua
atividade laboral:
Entretanto, em alguns casos, a CBO utiliza este termo para um conjunto de situações
de trabalho que não requer nível superior, como no caso dos técnicos de nível médio
(cursos profissionalizantes).
Percebe-se, portanto, a dificuldade em conceituar o termo “profissional” no atual
contexto sócio-histórico cultural, contudo, entende-se que ao procurar compreender o
processo pelo qual o indivíduo passa na socialização das relações de trabalho, na
construção da percepção de si mesmo como profissional, seja possível traduzir melhor o
que seja o profissional (Ghisleni, 2010, p. 15).
Na realidade, o termo profissão, no Brasil, “costuma ser utilizado no senso comum
para qualquer ocupação, sem a exigência de uma formação de nível superior” (Ghisleni,
2010, p. 15), independente se a atividade foi aprendida na escola ou, pela experiência, no
seu exercício. Investigamos, portanto, na continuidade deste artigo, diferentes aspectos
do mundo do trabalho contemporâneo no contexto da arte da dança.
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[...] o mercado capitalista, incerto e instável, utiliza o trabalho do artista como modelo
de trabalho flexível, uma vez que o artista--trabalhador dificilmente consegue se
manter apenas com o resultado de sua criação, precisando dedicar-se a formas
multifacetadas de trabalho: o auto-emprego, o freelancing, e as diversas formas
atípicas de trabalho – trabalho intermitente, trabalho a tempo parcial, multi-
assalariado. (2005 apud Arruda, 2010, p. 57)
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De acordo com Kronemberger (2016) acerca do contexto social deste grupo, Freidson,
Chamboredon e Menger (1986), afirmam, que para considerar a atividade artística uma
profissão, devemos ir além de uma definição que leve em conta apenas critérios
econômicos. Freidson, Chamboredon e Menger (1986) afirmam que esta definição esteve
por muito tempo dominante, a ponto de nos cegar sobre o alcance teórico da prática
contemporânea das artes. Para estes autores, devemos considerar a profissão como “um
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Pensar em artistas - sejam eles músicos, bailarinos, atores - como profissionais envolve
o conhecimento de certas especificidades destes ofícios que, conforme Simões (2016),
devem levar em consideração as diversas competências e qualidades exigidas pelo
trabalho não-alienado desempenhado pelo artista. Para a autora:
Este se movimenta entre dois mundos, sendo artista – criando, interpretando –, mas
também trabalhador – vendendo sua força de trabalho no mercado. Sua atividade não
pode ser definida como mero lazer, apesar de muitas vezes seguidamente prazerosa e
muitas vezes sem fins lucrativos, mas também escapa à categorização usual de trabalho
remunerado, pois nem sempre o critério econômico é suficiente para diferenciar o
amador do profissional. Aliar arte e profissão parece constituir um desafio e uma
ambiguidade, tanto para os analistas da matéria quanto para seus protagonistas
(Simões, 2016, p. 18).
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O autor conclui que em sua ênfase em habilidades observáveis, a música revela sua
essencial orientação de ofício: “fazer é mais importante do que saber” (Simões, 2016, p.
19). Analisando as considerações e conclusões apresentadas por Frederickson e Rooney
(1990) e Simões (2016), claramente reconhecemos situação semelhante com profissionais
bailarinos. Os(as) bailarinos(as), como os músicos, tem sua formação:
Entretanto, esse não é o caso no ensino formal de dança em que, como na música, se
procura colocar o seu estudo mais próximo das demais áreas acadêmicas, mas em linhas
gerais, segundo Simões (2016), o ensino musical continua dependendo de observação
direta e trabalho sob a batuta de um mestre, situação semelhante na dança.
Simões (2016) revela outra situação acerca dos profissionais músicos bastante
semelhante aos profissionais bailarinos(as): o perfil enquanto empreendedores dedicados
a carreiras freelance ou enquanto trabalhadores independentes de patrões ou instituições.
A autora menciona que:
1
“Wolfgang Amadeus Mozart foi um pioneiro. Em 1781, o músico deixou os serviços do Arcebispo de
Salzburg para tentar a sorte como músico e professor autônomo em Viena. Por 10 anos, Mozart conheceu
as alegrias e as tristezas da vida de profissional independente. Para facilitar a venda de suas peças, Mozart
ressaltava a flexibilidade das composições, que poderiam ser utilizados por diversas formações. Sempre
que iniciava uma composição ou preparava-se para apresentá-la em público, vinham à tona as questões:
como compor para este novo público dos concertos? O que fazer para agradá-los? Mozart morreu em 1791,
com 35 anos de idade, endividado, derrotado e marcado pela sensação de fracasso social e profissional”
(Elias, 1994 apud Bendassolli; Wood Jr., 2010). Por um lado, o sonho de liberdade de criação e de
autonomia profissional e, por outro, a necessidade de encantar a audiência e convencer consumidores a
comprar seus produtos foi denominado “paradoxo de Mozart” por Pedro F. Bandassolli e Thomaz Wood
Jr., em 2010.
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A autora esclarece que seus estudos acerca do trabalho artístico, baseados em autores
como Menger (2005), Segnini (2006) e Benhamou (2007), permitem afirmar que o
trabalho artístico é caracterizado pela flexibilidade e inserido em contexto de auto-
emprego, freelancing e diversas formas atípicas de trabalho (intermitência, tempo parcial,
multi-assalariado).
As transformações ocorridas desde os anos 1980, citadas por Bendassolli e Wood Jr.
(2010), trouxeram um contexto onde músicos, pintores, atores e outros profissionais da
arte compõem um campo hoje denominado como “indústrias criativas”. No final do
século XX, ganhou notoriedade o conceito de “indústrias criativas”, em reconhecimento
ao peso das atividades criativas (artistas em geral) na economia. A emergência do termo
indústrias criativas, segundo os autores, aponta para uma nova tentativa de articulação
entre os domínios da arte, da cultura, da tecnologia e dos negócios.
Neste contexto, Throsby (2001 apud Bendassolli & Wood Jr., 2010), define artista
como “indivíduo que domina competências artísticas, que cria ou dá expressão a trabalhos
de arte ou de conteúdo cultural (ou seja, de valor simbólico), que se percebe como artista
(identidade auto-atribuída), que é reconhecido por pares e público como tal e que é capaz
de viver com o produto de seu trabalho” (Throsby, 2001 apud Bendassolli & Wood Jr.,
2010, p. 263).
Bendassolli e Wood Jr. (2010) alertam, que, de um modo geral, predominam, nesse
mercado, empregos casuais e contingentes, caracterizados pela instabilidade e pela
descontinuidade, que ocorre devido às variações das condições de demanda, à forma de
produção (que comumente ocorre por projetos), às pressões por inovação, diferenciação
e singularidade e à natureza incerta do processo criativo. Desta forma, existe uma
tendência a prevalecerem relações de trabalho de curto prazo. Sendo que os artistas, em
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Uma espécie de ética do “eu por mim mesmo/a” é o que determina o funcionamento
do mercado de trabalho destes. Cada aspirante precisa ser aceito e ingressar
inicialmente numa companhia por uma espécie de audição determinada. Depois é
cotidianamente testado em aulas, ensaios que selecionam quem vai dançar os melhores
papéis, os papéis secundários, e, até mesmo, quem não vai dançar. Todos os dias,
portanto, uma competição. (Agostini, 2010, p. 5)
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mantê-lo sempre pronto para o trabalho. [...] Assim como é de extrema necessidade o
trabalho realizado coletivamente sob as orientações do coreógrafo, com o objetivo de
se aprender o movimento de determinada coreografia (ensaios). (Segnini & Lancman,
2011, p. 43)
Diante deste contexto Rannou e Roharik (apud Segnini & Lancman, 2011) afirmam
que a carreira do(a) bailarino(a) pode ser resumida em quatro grandes etapas:
Num estudo de caso realizado pela pesquisadora Neves (2013) com o Cisne Negro
Cia. de Dança, de São Paulo, SP (Brasil), foi identificado que “diferente da carreira de
músico erudito, na dança não há indícios significativos de herança cultural”:
As bailarinas, assim como os bailarinos, não costumam ter parentes que atuaram como
amadores ou profissionais no mundo coreográfico ou mesmo em outras artes. A
formação no balé clássico ou em estilos considerados menos consagrados se apresenta
como uma oportunidade para o ingresso e lançamento na esfera da cultura. (Neves,
2013, pp. 235-236)
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se, ou não, a esse universo artístico, abrindo mão de experiências de vida, como festas,
namoros, reuniões familiares, do mundo lá fora. Essa rotina do período de aprendizagem
é redimensionada no plano profissional. Normalmente, mais maduros e adultos, os(as)
bailarinos(as) passam a atuar um universo, embora igualmente competitivo, menos
conservador e mais artístico. Essa realidade se aplica principalmente às bailarinas. O
bailarino, por sua vez, geralmente entra em contato com o balé clássico mais tarde e
depois de já ter praticado outras modalidades de dança, tendo em sua formação, não
apenas nas aulas de balé clássico, mas adicionam à sua técnica outros estilos de dança
como o jazz, o hip-hop, entre outros.
Geralmente, nas companhias brasileiras, o(a) bailarino(a) movimenta-se na aula de
balé clássico para depois iniciarem os ensaios das coreografias a estrear. Este fato é,
inúmeras vezes, apontado pelos próprios profissionais da dança, como um contrassenso,
sendo considerado o mais lógico a Cia. realizar treinamento e criação coreográfica no
mesmo estilo e técnica de dança. Contudo Neves (2013) considera:
Por fim, pontualidade, disciplina, energia física e habilidade mental são qualidades que
dizem respeito ao ritmo desses profissionais que têm o corpo como seu instrumento de
trabalho. “Ser bailarino é dar o seu corpo em espetáculo o que supõe a aceitação de
exteriorizar-se e, portanto, de ter uma consciência satisfatória de si e da imagem que
fazem de si” (Bourdieu, 2002 apud Neves, 2013, p. 236). Ser bailarino(a) é, antes de tudo,
ter “uma necessidade enorme de existência e um meio de capacitá-la como estilo de vida”
(Neves, 2013 p. 237).
3. Mercado de Trabalho
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E o bailarino para continuar no ofício, segundo Neves (2010), tem que se desdobrar
para compensar, com retorno de bilheteria, os contratempos na obtenção de verbas que
dependem de leis de incentivo e da subvenção estatal que mantêm esses grupos.
Mesmo nas companhias patrocinadas pelo Estado, o bailarino enfrenta situação de
instabilidade (Neves, 2010, p. 136).
Essa realidade leva o(a) bailarino(a) a ter que recorrer à utilização máxima do corpo
para a sobrevivência no meio. Neves (2010) exemplifica esta situação com a Cisne Negro
Cia. de Dança, de São Paulo, que apresenta em média setenta espetáculos por ano e que,
em 2008, superou as expectativas com noventa e quatro apresentações.
Neves (2010) acredita que “as formas flexíveis de emprego e o espaço limitado de
ocupações estáveis que caracterizam o mercado contemporâneo da dança devem ser
problematizados de acordo com a formação e a qualificação profissional dos bailarinos”
(Neves, 2010, p. 139):
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apesar do aumento dos cursos superiores em dança, o(a) bailarino(a) parece ter
dificuldade para seguir um curso superior. Um dos fatores está no número de cursos de
bacharelado ser muito menor que os de licenciatura em dança, conforme Pereira e Souza
(2014). Outra possibilidade é que o estilo de vida destes artistas seja um obstáculo para a
frequência da universidade. Estes(as) bailarinos(as) estão normalmente envolvidos com
aulas, ensaios, temporadas e espetáculos, que podem impedir a regularidade de presença
na faculdade, o que acaba por desestimular a conclusão do curso. A situação financeira
destes(as) bailarinos(as) também pode ser motivo de afastamento do curso. Além de tudo
isto, ainda é possível que, mesmo nos cursos de bacharelado, haja possibilidade de
incompatibilidade entre os conteúdos dos cursos e a realidade dos(as) bailarinos(as) que,
por exemplo, trabalham em companhias “estáveis”. Enfim, Neves (2010) considera que:
“[...] boa parte do público destas instituições é constituída pelas bailarinas que no
momento da profissionalização abandonam o balé clássico e encontra na formação
acadêmica um meio de continuar a trabalhar com a dança” (Neves, 2010, p. 146).
Contudo, é possível concluir que a universidade trouxe um efeito positivo ao mercado
de trabalho, para a dança. Primeiramente, os cursos no ensino superior contribuem para
validar a dança como profissão e, em segundo lugar, trouxeram um aumento de contratos
estáveis, possibilidade de renda fixa, qualificação acadêmica do(a) bailarino(a), que o(a)
liberta do “corpo” como principal suporte de trabalho, ampliação de redes de
sociabilidade e diminuição de instabilidade na profissão.
Este fenômeno, segundo Neves (2010) está associado ao hibridismo cultural que
caracteriza as artes contemporâneas e leva a uma reordenação do papel do(a) bailarino(a),
que para além de bailarino(a), deve tornar-se também docente e pesquisador para
continuar a ser bailarino(a).
Como afirmou Neves (2010) o(a) bailarino(a) acaba sobrevivendo “de cachê em cachê,
de projeto a projeto [...]” (Neves, 2010, p. 141). No Brasil, esta situação ocorre hoje com
toda a área das artes. Atores, músicos, bailarinos dependem de programas de incentivo à
cultura promovidos pelo Estado, nas esferas federal e estadual.
Entretanto, o campo cultural no Brasil tem historicamente, segundo Rubim (2013),
uma organização e uma institucionalização frágeis. Diversos fatores contribuem para esta
fragilidade, como o autoritarismo vigente em diversos momentos, a ausência de políticas
culturais e a própria complexidade do campo e dos agentes culturais. O panorama
começou a mudar em 2005, com a construção da Conferência Nacional de Cultura, do
Plano Nacional de Cultura e do Sistema Nacional de Cultura, que são marcos
emblemáticos no processo de mudança. A partir daí, o fomento à cultura começa a se
realizar de diversas formas, com um conjunto de mecanismos legais que podem ser
utilizados por cidadãos, entidades privadas, associações, grupos, etc., com o objetivo de
buscar recursos diversos para viabilizar uma produção cultural. O Ministério da Cultura
apoia projetos culturais por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91),
da Lei Rouanet, da Lei do Audiovisual (Lei nº 8.685/93) e também por editais para
projetos específicos, lançados periodicamente.
No que se refere às políticas específicas para as artes, a Fundação Nacional de Artes
(Funarte) é o órgão responsável, no âmbito do Governo Federal, pelo desenvolvimento
de políticas públicas de fomento às artes visuais, à música, ao teatro, à dança e ao circo.
Os principais objetivos da instituição, vinculada ao Ministério da Cultura, são o incentivo
à produção e à capacitação de artistas, o desenvolvimento da pesquisa, a preservação da
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[...] o percurso da Política Nacional das Artes foi violenta e bruscamente interrompido.
O processo atravessava um momento de transição: a entrega das propostas de
programas setoriais formulados pelos articuladores de cada linguagem e a
consolidação das reflexões sobre os eixos transversais em programas e ações
estruturantes. O próximo passo do planejamento seria a análise, aprimoramento e
validação desse material pelo corpo de servidores da Funarte e do MinC, pelos
Colegiados Setoriais e, como etapa final, pela sociedade civil, através de encontros
presenciais e consultas públicas. (Brasil, 2016)
Na realidade, foi em 2003 que foi criado um conjunto de políticas públicas inovadoras
no âmbito da cultura no país. Entretanto, segundo Gisele Nussbaumer e Isaura Botelho
(2017), editoras responsáveis pelo periódico “Políticas Culturais em Revista” da
Universidade Federal da Bahia, no que se refere às artes:
[...] não se tem os mesmos avanços que em outros setores. Houve uma ampliação do
investimento nas artes, a partir do uso crescente de editais; uma maior descentralização
dos recursos; e a criação de importantes instâncias de participação social, como os
Colegiados Setoriais, mas não se pode afirmar que essas iniciativas representem um
avanço significativo em termos de construção de políticas duradouras. (Nussbaumer
& Botelho, 2017, p. 1)
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ausência de políticas que permitam um horizonte de trabalho a médio e/ou longo prazo,
os eventos calendarizados2, espaços culturais independentes e grupos e coletivos
artísticos possuem dinâmicas instáveis que prejudicam a qualidade dos profissionais das
artes, assim como o resultado de suas atividades (Brasil, 2016).
2
Entende-se por eventos calendarizados as iniciativas organizadas por pessoas jurídicas, com temática
cultural específica ou diversificada, sob forma de bienais, colóquios, conferências, congressos, convenções,
encontros, feiras, festivais, fóruns, jornadas, mostras, painéis, salões, seminários, simpósios, e similares
(Brasil, 2016, p. 13).
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Considerações finais
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profissão no Brasil e que implica muitos sacrifícios. Uma profissão que tem como
ferramenta básica o próprio corpo e, por conta das restrições impostas pelo
envelhecimento deste corpo, se apresenta como uma carreira bastante concorrida e curta,
com recompensas materiais sem expressividade e tendo limitados os espaços que
garantem estabilidade de emprego. A submissão, a persistência e a disputa parecem ser
qualidades imprescindíveis para a permanência nessa profissão.
Como não há políticas públicas para as atividades de caráter continuado no campo da
cultura no país, e o padrão de fomento à cultura é focado em projetos, o(a) bailarino(a),
no Brasil, sobrevive “de cachê em cachê, de projeto a projeto”. Em outras palavras, o
bailarino é alvo de vínculos profissionais flexíveis e temporários. As companhias de
dança profissionais, que antes proporcionavam condições estáveis de trabalho no Brasil,
não escaparam às novas dinâmicas do mercado.
Referências
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Resumo: Este texto compartilha noções de pesquisa acadêmica a partir de breves notas
reflexivas. Artistas de dança elaboram suas obras por meio da experimentação que
encaminha a construção de conhecimentos e saberes em dança. A partir da liberdade
dessas práticas de pesquisa, objetivamos realizar uma releitura de alguns termos do léxico
da pesquisa acadêmica em dança. O ato de pensar a pesquisa, a pesquisa como criação, a
experiência dos sujeitos da pesquisa em dança, a construção de perguntas de pesquisa são
algumas das noções em foco neste exercício.
Abstract: This text shares notions of academic research with brief reflective notes. Dance
artists elaborate their work by means of experimentation that leads to the construction of
dance knowledge and know-how. Based on the freedom of these research practices we
intend to re-read some terms from the lexicon of academic research in dance. The act of
thinking about research, research as creation, the experience of dance research subjects,
the construction of research questions is some of the notions in focus in this exercise.
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Comentário A. Como distinguir teoria e prática ou, noutros termos, como conceber
teoria e prática como universos apartados? Poderá haver algo mais prático do que uma
ótima teoria? Será preciso sempre enfatizar que a teoria é originária do mundo que lhe
diz respeito? Ainda: como conceber uma prática distante da teoria? O que precisa ser
discutido é o que separa a teoria de um modelo teórico para fins analíticos. Uma teoria,
tal como pensamos, é um apurado exercício teórico originário do mundo sob leitura.
Ela nos serve para pensar o mundo em processo permanente de transformação. Por sua
vez, os modelos teóricos não têm a flexibilidade dos exercícios teóricos e uma leitura
crítica dos mesmos pode ser encontrada na obra de Ítalo Calvino (1990a).
3
O exercício de escrever notas acerca da pesquisa em dança é inspirado no livro Entrenotas: compreensões
de pesquisa (2013), de Cássio Eduardo Viana Hissa. Consideramos que o breve texto contido em uma nota
reflexiva pode desdobrar-se em pensamentos nossos e do leitor, dado o espaço vazio que deixa para ser
preenchido.
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Ação processual, afetiva e lacunar, pensar demanda cultivo - que advém de exercício
atento e continuado do sujeito. Pensar a pesquisa em dança demanda imersão no estudo
ininterrupto, na abertura para o mundo e para o que ele nos indaga. Escuta atenta e
sensível - afetiva. A referida atenção não é aquela da concentração excludente. Trata-se
de uma atenção descentrada, que pode nos levar a perceber outros possíveis que margeiam
conhecimentos acadêmicos. Esses outros se referem não apenas à singularidade das
escolhas de temas e recortes de pesquisa - alicerçadas nas trajetórias de vida dos sujeitos
de pesquisa. Eles se referem, também, à possibilidade de reinvenção de procedimentos
metodológicos, ao uso de abordagens teóricas quase sempre tomadas como originárias de
outros campos e espaços de conhecimento, à consideração do pensamento e da cena de
artistas como reflexão teórica sobre dança, entre outros, na elaboração da pesquisa no
campo das artes/dança.
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Comentário E. Não há uma relação entre sujeito e mundo. Mediada pelo contexto
social, há uma relação entre sujeitos que se dá no mundo. Há muitos que pensam o
mundo como exterior ao sujeito: contra ele, obstruindo os seus desejos, a sua arte, a
sua fala, o seu texto, a sua presença, as suas práticas, a sua paz, felicidade. Em parte,
nisso poderá haver sentido, pois entre os sujeitos há desigualdades e, em sociedades
pouco ou nada democráticas, poderá haver injustiças e desigualdades imensas.
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5
Na Universidade Federal de Minas Gerais, por exemplo, tivemos a recente titulação como doutor por
notório saber de quinze mestres da tradição e artistas (https://ufmg.br/comunicacao/assessoria-de-
imprensa/release/ufmg-promove-encontro-com-mestres-de-saberes-tradicionais-e-artistas-que-receberam-
titulo-de-notorio-saber>) e outras tantas solicitações que estão, atualmente, em processo de avaliação.
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Estudar: ler
escrevendo.
Com um caderno aberto e um lápis na mão.
Um livro no centro. Aberto,
Um branco na margem.
Aberto.
E também: escrever
lendo.
O oco da escrita,
Aberto,
Em meio a uma mesa cheia de livros.
Abertos. (Larrosa, 2003, p. 7)
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Reiteramos a afirmação de Larrosa (2003) que entrelaça escrita e leitura, “[...] uma
inquietando a outra apaixonando uma a outra” (Larrosa, 2003, p. 9), no cultivo do estudo.
Compreendemos a escrita, a leitura como práticas do corpo, saberes do corpo. Assim,
apaixonar-se pela escrita é também envolver-se corporalmente - intimamente - com a
artesania do texto feito de palavras. Leitura e escrita - seja com os olhos, as mãos, seja
com o tronco, as pernas, pés, cabeça, pele - é movimento que pode ser poético, criativo,
fecundo. O estudo como exercício de permanente leitura e escrita - que implicam
subsequentes releituras e reescritas - é o estudo da experimentação anteriormente
mencionada. Estuda-se não para cumprir e alcançar metas, mas, sim, pelo prazer da
aprendizagem criativa que orienta a construção da pesquisa.
Ao professor cabe o cultivo da pesquisa que alimenta a sala de aula e que, como nos
diz Hissa (2013), se faz também na sala de aula, na proximidade do convívio com os
estudantes.
6
Informação oral resultante da homenagem verbal proferida pelo Prof. Gilberto Medeiros Ribeiro em
reunião de gabinete da reitoria da UFMG, no dia 15 de janeiro de 2021, na ocasião da despedida do Prof.
Alfredo Gontijo de Oliveira da presidência da Fundep, fundação que faz o gerenciamento administrativo e
financeiro de projetos da UFMG, entre outros centros de pesquisa e ensino do Brasil.
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Ítalo Calvino (1990b) nos auxilia na compreensão de como pode operar a imaginação
na pesquisa, em/sobre, dança quando a compara a um repertório do “[...] potencial, do
hipotético, de tudo quanto não é, nem foi e talvez não seja, mas que poderia ter sido”
(Calvino, 1990b, p. 106). Desse modo, a inclusão da imaginação na genealogia da
pesquisa sublinha a incorporação do risco frente ao desconhecido, por sua vez, avesso às
assertivas previsões. Isso porque, quando a imaginação se faz presente, ela vem
acompanhada do devaneio criativo, do trânsito livre e aberto. Podemos pensar que o
devaneio nos pode desorientar. Ora, mas é ele mesmo, que também, nos pode levar a
outros lugares, ao inesperado, à surpresa/inovação, que uma pesquisa acadêmica promete.
Ao imaginar a pesquisa, imaginamos seus caminhos, imaginamos a memória da
pesquisa. Naturalmente esse gesto poético do pensamento - a imaginação - ancora na
direção da pesquisa para poder adensar questões e não se perder em um devaneio sem
rumo.
Comentário H. Dançar é pesquisar? Imagina-se o próximo passo, sem que ele ainda
exista, ao dançar? Já existe, pois já está imaginado. O corpo preparado se movimenta.
O movimento, em cena, é pensadosentido. É trabalhado antes e durante a cena.
Contudo, ao menor descuido, lá se vai o passo ao incerto. Mesmo sendo a cena
pesquisa? Sobretudo por ser e já se vê porquê: em um instante sem segundo, o corpo
pensasente, imagina e se acerta em improviso preciso. É mais texto que se adiciona ao
corpo e ao gesto, que se entregam ao risco, não apenas porque se é pesquisa em
compasso, mas porque dela, da pesquisa, são herdeiros. Aquele corpo-gesto em
movimento: herdeiro da pesquisa que se faz em cena. É para se pensar: só improvisa e
antevê, no ato da cena, quem pesquisa e faz do corpo o movimento que imagina.
7
Tradução livre dos autores. Texto no original: “Camerado, this is no book, / Who touches this touches a
man, / (Is it night? are we here together alone?) / It is I you hold and who holds you, / I spring from the
pages into your arms—decease calls me forth.” (Whitman, 1998).
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Pode parecer que as últimas perguntas sejam mesmo últimas e que podem substituir
com êxito, uma conclusão derradeira ou considerações finais a encerrar o texto. No
entanto, elas - as últimas perguntas - representam o que pensamos para a pesquisa em
artes, tanto como pensamos a pesquisa nos mais diversos campos do conhecimento e do
saber. Poderemos iniciar uma pesquisa com pergunta ou perguntas, mas nos causará
sempre estranheza iniciar uma investigação com respostas implícitas. Não é incomum,
pelo contrário. Já se saberá, assim, antecipadamente, quais caminhos a tomar na direção
do destino final, dos resultados, da conclusão. Vale essa espécie de jogo de cartas
marcadas? Contrariando a própria ideia de pesquisa e até mesmo de universidade, esse
tipo de jogo - o que já se sabe em que lugar vai se chegar, antes de se iniciar o caminho -
tem sido validado? Sim, estranhamente. Portanto, diante disso, pergunta-se: a pesquisa
não é aventura, não é risco? A pesquisa poderá prescindir da imaginação? Nesses termos,
como pensar a dispensabilidade da criatividade? Pesquisar é estar no conforto em vez de
estar experimentando o risco que faz aprender? É possível aprendemos sem nos
aventurarmos no mundo da pesquisa? Se o início da pesquisa se faz com perguntas, os
resultados nos darão respostas e o caminho para o fechamento ou para o ponto final? São
vários os modos de alcançar resultados de pesquisa. São diversas as possibilidades de
abordagem de problemas/perguntas de pesquisa. Como negligenciar a inevitável presença
das subjetividades - tanto na construção do problema de pesquisa, na elaboração de
perguntas, assim como no tratamento que se dá a eles - neste processo chamado pesquisa?
Como subtrair a presença do sujeito da leitura que ele mesmo faz do mundo? Diante disso,
estaríamos dispostos a aceitar - ou, no mínimo, considerar - que pesquisa alguma se
encerra com um ponto final? A pesquisa implica a abertura de janelas para o futuro que,
por sua vez, é futuro para a pesquisa. Portanto, será mais aceitável pensar as últimas
palavras de uma pesquisa como um conjunto de últimas perguntas que, por sua vez, vão
se acumulando enquanto se caminha.
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Referências
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Sandra MEYER
Universidade do Estado de Santa Catarina
Centro de Artes
[email protected]
Abstract: From the action performed Danças em Pandemia, the essay problematizes the
social mobility and social choreographies that emerged from ordinary life in the period
of quarantine, due to the Coronavirus pandemic. It draws attention to the geometric
scores and the resulting affects experienced to impose order and accentuated control. It
discusses the ethics of occupying places caused by the social distancing policies adopted
by governments, bringing to light some occurrences in dance that emerged in times of
authoritarianism, wars, and pandemics. They are dances that dislodge established
powers, and that arise in times of deceptive normality.
Em meio à retomada da vida cotidiana das cidades, na ocasião em que vários países se
preparavam para retomar uma sonhada “nova normalidade”, findo o período de quarentena
adotado pelos governos no Brasil em virtude da pandemia do Coronavírus1, encontrei no
artigo de Bruna Paiva, intitulado Novas coreografias sociais pós quarentena: a sociedade
(e a escola) reinventada? (2020) reflexões pertinentes acerca dos possíveis modos de se
estar num mundo transformado pela situação epidêmica.
1
Coronavírus (COVID-19) é uma doença infecciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2.
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John Waller, autor de A Time to Dance, a Time to Die: The Extraordinary Story of the
Dancing Plague of 1518 (2009), relata que em 1374 um estranho acontecimento causou
espanto na população de Aix-la-Chapelle (Aachen), na Alemanha. A Peste Negra
atormentava a população na época. Uma parcela de moradores da cidade foi acometida
por um surto nominado como coreomania, ou seja, uma espécie de compulsão
incontrolável por movimento, assemelhado a uma dança irregular, e que levou os
indivíduos dançantes a desmaiar de exaustão. Além da população de Aix-la-Chapellem
há relatos de que o surto se espalhou por outras regiões da Europa. Recebeu o nome de
Dança de São Vito, porque um grupo desses dançarinos fora de controle acabou
derrubando uma ponte sobre o rio Meuse, o que levou alguns a morrerem afogados
2
“Para tal, a coreografia teria que se tornar uma metatopografia. Lendo e ao mesmo tempo reescrevendo o
chão, reinscrevendo-se no chão, por via do chão, numa nova ética do lugar, um novo pisar que não recalque
e terraplane o terreno, mas que deixe o chão galgar o corpo, determinar os seus gestos, reorientando assim
todo o movimento, reinventado toda uma nova coreografia social, a topocoreopolítica” (Lepecki, 2012, p.
49).
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enquanto sobreviventes foram levados para a Igreja de São Vito. A Igreja Católica
especulou que se tratava de uma forma de possessão maligna ou de uma maldição.
Em 1518, em Estrasburgo, nova incidência de uma dança compulsiva ocorreu após
uma mulher chamada Frau Troffea começar a manifestar sua coreografia, vista como
insana. Vários dias depois ela ainda continuava a dançar. Em uma semana, cerca de 100
pessoas dançavam com ela. As autoridades estavam convencidas de que os aflitos só se
recuperariam se dançassem dia e noite. Assim, foram reservados espaços para eles
dançarem, músicos foram contratados para tocar flautas e tambores para mantê-los em
movimento. Com o passar do tempo, aqueles com corações fracos começaram a morrer.
De acordo com John Waller (2009), a miséria, a fome e as pragas atormentavam as
pessoas e por isso as manifestações poderiam ser resultantes de condições extremas de
estresse psicológico capaz de provocar um transe alucinado por meio de movimentos
corporais. Essa conclusão é contestada, segundo o autor, porque a diversidade de relatos
sobre o fenômeno da coreomania também ocorria em regiões que não padeciam das
mesmas condições. Uma das hipóteses é que os dançarinos teriam ingerido ergot, um
psicotrópico que cresce em talos de centeio. Mas, segundo Waller (2009) isso seria pouco
provável, pois o ergotismo normalmente interrompe o suprimento de sangue para as
extremidades, dificultando muito os movimentos. Uma das explicações do autor é que os
dançarinos estavam em estado de transe; caso contrário, eles seriam incapazes de dançar
por tanto tempo. Durante séculos, especialistas discutiram se a epidemia da dança era uma
doença real ou um fenômeno social. As evidências acabaram apontando que a epidemia
era uma espécie de contágio cultural, que atinge populações que passam por extrema
dificuldade, fazendo com que elas queiram dançar até a exaustão (Waller, 2009).
Figura 2. Gravura de Hendrik Hondius, 1642
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Epidemia_de_dança_de_1518
111
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a Europa nos últimos quatro anos. O solo refletia sua obsessão com o horror, a guerra e a
catástrofe. Ele descreve ao público do recital privado que dança seria esta: “Now I will
dance you the war, which you did not prevent and wich you are responsible” (Kirstein,
1975, p. 148)3.
O corpo de Nijinsky expunha visceralmente o dilaceramento de uma civilização pós-
guerra, bem como a frágil e conturbada condição do dançarino, anterior à internação em
uma instituição psiquiátrica que o afastaria definitivamente dos palcos e do convívio
social, até a sua morte, em 1950. Na primeira parte de seu diário ele descreve os
momentos que antecedem esta última dança: “[...] vou dançar quando tudo tiver se
acalmado, quero dançar porque sinto, e não porque estão me esperando” (Nijinsky, 1985,
p. 28). Sem os adornos, cenografia e aparato da arte total idealizada por Diaguilev no
período dos Ballets Russos, em um salão de um hotel, Nijinsky evoca uma dança nada
similar àquela que o tornou célebre nos grandes teatros europeus:
Dancei coisas assustadoras. Eles tiveram medo de mim, por isso acharam que eu queria
matá-los. Eu não queria matar ninguém. [...] o público não gostou de mim, pois quis ir
embora, então comecei a representar coisas engraçadas. Eu ria em minha dança. O
público também ria na dança. [..] eu quis continuar dançando, mas Deus me disse:
Chega. Então eu parei. (Nijinsky, 1985, p. 28)
3
Tradução da autora: “Agora, eu vou dançar a guerra, que você não impediu, mas é responsável.
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judeus. Nas memórias escritas durante seus últimos meses de prisão em Israel, antes
de sua execução por enforcamento por ser culpado de crimes contra o povo judeu,
Eichmann pinta um quadro aterrorizante do que chama de ‘a pior e mais violenta dança
da morte de todos os tempos.’ (Holmes, 2000)
4
Comunidade do povo. Tradução nossa.
5
Vento de orvalho e nova alegria. Tradução nossa.
6
Tradução da autora: “Ensaio da peça de dança: uma coisa vagamente à la Nietzsche, ruim, malfeita e
afetada. Eu censurei uma grande parte. Tudo é muito intelectual. Eu não gosto disso. Vestem nossos ideais,
mas não têm nada a ver conosco [...]”.
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Figura 4. À esquerda, a Volksgemeinschaft “popular”: Vent de rosée et nouvelle joie, de Rudolf von
Laban. Estádio Olímpico de Berlin, 1936. À direita, a Volksgemeinschaft “autoritária”: Jeunesse
Olympique, de Carl Diem, Hanns Niedecken-Gebhard. Estádio Olímpico de Berlim, 1936.
Dançar os restos
[…] mas só um amontoado de pedras sem passado nem restos. Seu desejo era dançar
“energizada” pelas “vidas arruinadas”, cansadas, despedaçadas, perseguidas, tais
como os marginais, as trabalhadoras do sexo, os prisioneiros ou outras figuras
miseráveis. Dançar, para ela, é fazer justiça com o próprio corpo, no ato de dar forma
e imagem para essas vidas que hoje nos habituamos a chamar de vidas precárias.
(Cordeiro, 2020, p. 5)
Gert assim descreve em sua autobiografia sua dança mortal, em que as forças vitais se
esvaem. O corpo cede à força gravitacional, não há mais como não ceder ante a iminência
da morte e da destruição. Um corpo que não suporta mais a condição a qual está exposto
e que anseia pelo fim do sofrimento:
Eu estou imóvel dentro de uma longa túnica preta sobre um pódio cruamente
iluminado. Meu corpo tensiona com lentidão, o combate começa, os punhos se apertam
cada vez mais fortemente, os ombros se curvam, o rosto se torce – efeito do sofrimento,
do tormento. Esse sofrimento se torna insuportável, a boca se abre longamente para
um grito mudo. Eu jogo a cabeça para trás, os ombros, os braços, as mãos e todo o
corpo se petrifica. Eu tento me defender. Absurdo. Eu fico imóvel durante alguns
segundos, uma coluna de sofrimento. Depois, a vida lentamente deixa o meu corpo, e
bem devagar o meu corpo relaxa. O sofrimento se acalma, a boca amolece, os ombros
caem, os braços ficam flácidos, as mãos. Eu sinto a rigidez dos espectadores na sala,
eu quero consolá-los, um reflexo de vida desliza no meu rosto, e de muito longe emerge
um sorriso. E então ele cede bruscamente, as bochechas relaxam, a cabeça cai
7
Considerada como uma dança abstrata, dança de expressão ou pantomima dançada, Morte foi criada por
Gert e filmada por Suse Byk, em 1925. Acesso disponível em: https://www.numeridanse.tv/en/dance-
videotheque/tanzerische-pantominen.
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rapidamente, uma cabeça de boneca. Fim. Foi. Estou morta. Silêncio de morte.
Ninguém ousa respirar na sala. Estou morta. (Gert apud Cordeiro, ibid)
Como observa Cordeiro (2020, p. 9), Gert definia a sua dança como grotesca, na
medida em que sintetizava a presença de extremos, em atos de resistência e revolução do
corpo frente à destruição do mundo pós-Primeira Guerra Mundial.
O som de suas vozes é poderoso e seus cantos são melodiosos. Quando finalmente se
consegue vê-los, são de uma grande beleza. Evitam a sujeira do chão ficando sempre
suspensos nos ares. Omama, que é quem os envia, torna-os capazes de voar com
velocidade graças a uma imagem de avião que lhe pertence. Essa imagem é muito
poderosa, carrega todos os xapiri em seu voo, apesar de serem tantos. Assim eles se
deslocam acima da floresta, além do céu e debaixo da terra (Kopenawa & Albert, 2015,
p. 132).
8
Porta-voz dos Yanomami, David Kopenawa apresenta ao mesmo tempo um testemunho autobiográfico,
um manifesto xamânico e um libelo contra a destruição da floresta Amazônica. Publicado originalmente
em francês em 2010, A queda do céu foi escrito a partir do relato de Kopenawa contado a Bruce Albert,
etnólogo-escritor.
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Eles evoluem em volta de nosso corpo estendido em seus espelhos e agitam imensas
lâminas de metal brilhante. Ficam nos observando, julgando nossa força e nossa
aparência. Quando completam o giro voltam ao seu ponto de partida, passando ao
nosso lado. Então, de repente, um deles se vira e nos golpeia nas costas com o gume
afiado de seu enorme facão. O golpe nos atinge sem que ele levante a arma. É o balanço
da lâmina amarrada em suas costas que nos machuca com violência. A dor é intensa e
nos faz cair desmaiados em seguida. Então os xapiri desaceleram o passo, param e,
imóveis, ficam nos observando. (Kopenawa & Albert, 2015, p. 133)
Mas de repente senti suas lâminas me atingindo com toda a força. Partiram-me o corpo
de um só golpe, no meio das costas! Sob o choque, lancei um longo gemido de dor.
Mas nem por isso pararam! Depois de me terem talhado em dois, cortaram-me a
cabeça. Então vacilei, e desabei em prantos. Meu pensamento estava desviado e eu
tinha ficado cego, como um cão morto no chão. Fiquei assim prostrado por muito
tempo, sem nenhuma sensação. Enquanto isso, os espíritos continuavam dançando ao
meu redor sem que eu percebesse nada. (Kopenawa & Albert, 2015, p. 134)
Em seu relato, Kopenawa conta ainda que tinha perdido a consciência, e foi a sua
imagem que eles desmembraram, enquanto a sua pele permanecia no chão:
Mais tarde, os xapiri vieram juntar novamente os pedaços de meu corpo que haviam
desmembrado. Porém recolocaram meu torso e a minha cabeça na parte de baixo de
meu corpo e, ao inverso, minha barriga e minhas pernas na parte de cima. É verdade!
Reconstruíram-me às avessas, colocando meu posterior onde era meu rosto e minha
boca onde era meu ânus! Depois, na junção das duas partes de meu corpo recolado,
puseram um largo cinturão de penas multicoloridas de pássaros hëima si e wisawisama
si. Também trocaram minhas entranhas por vísceras de espíritos, menores e de um
branco deslumbrante, enroladas com delicadeza e cobertas de penugem luminosa.
(Kopenawa & Albert, 2015, p. 135)
Kopenawa não cessa de afirmar em sua narrativa que, apesar de toda a sua beleza,
leveza e graça, vislumbrada em formas de alinhamentos e de círculos em uma simetria
espacial precisa e ordenada, a dança de apresentação dos xapiri é também apavorante e
dilacerante.
Figura 6. Apresentação dos pajés Yanomami na comunidade Demini
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Dança pandêmica
[…] cada figura continha um significado que claramente se referia ao rei: ‘poderoso
amor, ambicioso desejo, virtuoso desígnio, renome imortal, grandeza de coragem,
pena agradável, constância comprovada, verdade conhecida, feliz destino, amado de
todos, coroado de glória e poder supremo’. Ao que parece, o valor alegórico dessas
figuras seria potencializado pela dança, ou seja, pelo movimento gracioso, cadenciado
e harmônico que os doze nobres senhores fariam entre si e em relação à sala, de
9
Ballet de Monsieur le Duc de Vendôme (1610), também chamado Ballet d’Alcine, ou Ballet de Vendôme,
dá destaque ao tema da harmonia, ao qual se articula o tema da libertação protagonizada pelo rei em pessoa
(Couto, 2015, p. 163).
117
Corpos que Dançam | 2022
maneira a tornar a estes significados tanto mais inteligíveis quanto mais belas e
agradáveis fossem as ‘figuras em movimento’. (Couto, ibid)
A pesquisadora Susan Foster analisa algumas destas doze figuras geométricas que
orientam a disposição espacial e gestual do referido balé:
The condition of being loved by all (aime de tous) was represented by a set of lines
radiating from the central area. Ambitious desire (desir ambitieux) shows the
relentless, driving force of desire, while supreme power (pouvoir supresme) consists
of a large circle that encloses and is buttressed by a lattice of primary shapes. (Foster,
1986, p. 107)10
Couto (2015) chama a atenção para este tipo de elaboração coreográfica, chamada de
dança geométrica, que valoriza mais a disposição espacial dos bailarinos do que os passos
executados. Própria da Renascença, baseava-se na elaboração de formas geométricas, tais
como linhas, desenhos e letras no solo a partir do deslocamento dos dançarinos, a ser
assistida de cima para baixo para que as figuras se tornassem mais visíveis. Neste sentido,
a dança (e ainda mais a dança geométrica) seria uma metáfora da harmonia por emular o
movimento ordenado dos astros. Serviria para deleitar os sentidos, ao mesmo tempo em
que fortaleceria a imagem da ordem e o louvor ao rei, enfatizando os valores políticos e
sociais que estruturavam a sociedade da corte.
10
Tradução da autora: “A condição de ser amado por todos (aime de tous) é representada por uma série de
linhas que irradiam do centro da figura. Desejo ambicioso (desir ambitieux) mostra a implacável força
motriz do desejo, ao passo que poder supremo (pouvoir supresme) consiste em um largo círculo que encerra
e é sustentado por uma treliça de formas primárias.”
118
Corpos que Dançam | 2022
Figura 8. Estudo para composição de formas geométricas a partir dos padrões de chão do Ballet de
Monsieur de Vendôme
Na figura anterior consta o primeiro estudo que buscava criar uma certa isomorfia entre
os desenhos do Ballet de Monsieur de Vendôme e a performance a ser criada para ser
acionada na praça. Aos poucos as figuras foram ganhando outras formas, bem como
outros afetos. Seguem algumas imagens das geometrias dançadas pelo grupo de
performers.
Figura 9. À esquerda, performance da figura “Vergonha alheia”. À direita, gráfico da mesma figura
119
Corpos que Dançam | 2022
Figura 10. À esquerda, performance da figura “Desejo Impedido”. À direita, gráfico da mesma figura
Figura 11. À esquerda, performance da figura “Razão Perdida”. À direita, gráfico da mesma figura
Figura 12. À esquerda, performance da figura “Constância Comprovada”. À direita, gráfico da mesma
figura
120
Corpos que Dançam | 2022
A ideia de instrução (ou tarefa) estabelece um conjunto de ações objetivas para serem
cumpridas. As tarefas surgem com vigor no contexto da dança pós-moderna americana
com um olhar sobre movimentos do cotidiano, abandonando modos de introspecção e
formas narrativas próprias à dança moderna e ao teatro tradicional 15. As tarefas
modificam a noção de coreografia, que passa a ser resultante de um processo colaborativo
e não de algo criado exclusivamente pelo coreógrafo ou dançarino (Meyer, 2013).
Considerações finais
11
Direção coreográfica: Sandra Meyer; Diretor de fotografia: Phillippe Arruda; Fotógrafo drone: Cid Junks;
Montagem, cor e som: Alan Langdon; Equipe de apoio: Integrantes do Grupo de Estudos em Práticas
Artísticas, Políticas e Curatoriais, organizado pela artista e curadora Kamilla Nunes.
12
Participantes dançantes: Bruna Granucci; Caetano Gonçalves; Camilo Fernando Martins; Debora
Pazetto; Deise Lucy Montardo; Diana Gonçalves; Josiane Fonseca; Laura Rotter Schmidt; Luciana Moraes;
Juliana Hoffman; Kamilla Nunes; Kátia Veras; Karin Veras; Marco Aurélio Da Ros; Marisa Alina Solá;
Mônica Hoff; Patricia de Melo; Rodrigo Gonçalves; Silvia Zanatta Da Ros e Simone Bobsin.
13
A edição em vídeo de Danças em pandemia pode ser visualizada no seguinte link:
https://sitepublicacao.wixsite.com/agora/danças-em-pandêmia
14
Segundo Fabião (2008) um programa é um ativador de experiência. Longe de um exercício, prática
preparatória para uma futura ação, a experiência é a ação em si mesma.
15
Os trabalhos pioneiros de Anna Halprin, na década de 1960, são fundamentais para o entendimento do
conceito de tarefa na dança.
121
Corpos que Dançam | 2022
que desmotivaram um terço dos jovens brasileiros a não buscarem trabalho16. As mortes
decorrentes da doença, até o dia 01 de novembro de 2022, chegam a 688 mil pessoas17.
O declínio da saúde mental das populações é uma da heranças mais presentes desde o
início da pandemia do Covid-19, com sintomas de sofrimento psíquico, tais como
ansiedade, depressão, medo e estresse.
Quanto às artes do corpo - teatro, dança e performance, cujo compartilhamento de
artistas e seus públicos no mesmo espaço-tempo em um local presencial tem balizado
historicamente o trabalho de artistas e coletivos, elas precisaram elaborar processos de
deslocamento e de invenção de outros modos de estar junto, de trocar experiências,
conhecimento e afeto. A noção de virtualidade ganhou uma outra dimensão no período
pandêmico com a profusão de iniciativas de professores em aulas via plataforma digital.
Muitos/as artistas adotaram as mídias digitais como procedimento de criação, e não
somente de registro ou divulgação de sua produção. Esta recente produção, em diferentes
contextos e países, notadamente no campo da dança, mostrou um fôlego significativo ao
tencionar o entendimento do que seria estar presente em um evento performativo.
Por que, então, insistir na presença dos corpos em um mesmo espaço-tempo físico no
momento de tamanha incerteza quanto às possibilidades de convívio? Me fiz esta
pergunta algumas vezes antes de propor a realização da ação em uma praça da cidade de
Florianópolis ao Grupo de Estudos em Práticas Artísticas, Políticas e Curatoriais, coletivo
este participante da performance Danças em Pandemia. A decisão final de realizar a
proposta emergiu do próprio grupo. Um dos fatores que mais impulsionaram este
inadiável desejo de presença em plena pandemia foi a possibilidade de poder vivenciar,
após alguns meses de isolamento social, afetos alegres propiciados pela potência do
encontro.
Todos os cuidados foram tomados, no sentido de mantermos o afastamento
recomendado pelas autoridades sanitárias e o uso de máscaras num espaço aberto e amplo
que favorecia o distanciamento. O estar junto numa ação artística, fato que em um outro
tempo e contexto pareceria “normal”, converteu-se em um acontecimento singular para
todos/as/es. Aos poucos, as danças ainda tímidas de cada um/a foram se convertendo em
danças menos previsíveis. As figuras geométricas desenhadas no solo da praça com giz
de cera, em cores diferentes, orientaram a disposição dos participantes no espaço. Vale
ressaltar que o piso da praça apresentava já um fundo geométrico de cor cinza formado
por quadrados e círculos, como é possível observar nas fotografias. Círculos e linhas
formaram diagramas que foram transformados pelas sensações e afetos vividos pelo
grupo no momento da ação. A passagem pelos afetos escolhidos para a performance, ou
seja, da ética duvidosa para a raiva desenfreada, da vergonha alheia para o desamparo
total, do medo profundo à verdade falsa, da segurança ilusória à paciência esgotada e do
desejo impedido à razão perdida era realizada em uníssono pelo grupo, que ocupava junto
cada uma das “casas” do jogo de figuras.
A escolha do local não foi aleatória. A Praça Tancredo Neves, mais conhecida como
Praça dos Três Poderes, localizada entre os edifícios da Assembleia Legislativa e Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, sempre foi palco de grandes manifestações democráticas,
culturais, assembleias de trabalhadores e festas populares, como o carnaval. Neste
sentido, a dança epidêmica, ao ocupar a praça, propiciou um momento de respiro e de
insurgência em tempos de retorno incerto para uma desejada e talvez improvável
normalidade.
16
https://piaui.folha.uol.com.br/uma-geracao-de-bracos-cruzados/
17
https://g1.globo.com/saude/coronavirus/
122
Corpos que Dançam | 2022
Referências
123
Corpos que Dançam | 2022
Giselle RUZANY
The George Washington University Corcoran School of Arts and Design
[email protected]
Abstract: In this article, the author describes what embodied inquiry is and how to use
this method to choreograph in relationship to a topic one wishes to research. The author
reviews contributors to embodied knowledge in the field of psychology, dance
choreography, and education during the transition in the 1900s when film, as well as
research that recently started to use embodied inquiry was being developed. The author
describes how to place the embodied choreography in a site of choice, edit the film and
create a narrative based on the dance. The author argues that by giving voice to own
choreography that has been edited into a 2 to 4 minutes film, dancers are claiming their
rightful spot as embodied inquiry experts. The author gives different examples of
embodied digital storytelling films and expands on analysing its usefulness in research.
Finally, the author weaves in and out between being a dancer, a filmmaker, a storyteller,
a psychotherapist, and a researcher, reintegrating ideas that may be lost in the wisdom
within one’s collective implicit memory. Examples are given from autoethnography
processes conducted during the author's doctoral studies.
124
Corpos que Dançam | 2022
Before language and verbal communication, there was dance. With that statement, one
may erroneously conclude that, historically, dance is an ancient, outdated, and primitive
way of communication. Since the moment in time our civilization found verbal language,
one could argue that dance lost its purpose. Now, we have words to communicate more
effectively, so why dance? Many historians have stipulated that dance was used for rituals
to heal, pray, connect as a community and culture, share affinities with one another, and
court the other into a partnership. In all these purposes, new methods have outdone dance
with more effective practices: nowadays, we have medicine to heal, sacred texts to follow,
and words to worship the divine, language to connect and software apps to do the courting
for us. So why spend time with embodied inquiry for choreography in film? Isn’t our
contemporary world too evolved to still engage in the ancient practice of dance?
Maybe dance purposes was not to facilitate the automation of our society by
functioning as a tool. Maybe dance purpose is to be in a process of discovery of one’s
ever-changing lived experience. Dance might not have been valued due to its momentary
and ephemeral existence. For a long time, like a flower, it bloomed and blew in the wind
before anyone could capture into an object. Nevertheless, dance holds ancient wisdom. It
seems logical to conclude that even before there was proof of the existence of dance
through sculptures and ancient texts, dance was already part of human expression. Dance
might not leave traces in forms of artifacts, but it can change a person in space and time
for eternity. Thus, ancient dance exists in our embodied collective memory. Nevertheless,
because of its capacity to not leave a residue behind, which people can expose without an
embodied involvement (i.e., artifact), it has lost civilizations’ patronage.
It is only very recently that we have found ways to preserve dance, and that was with
the invention of film at the late 1800s. With the invention of film, we began to have
recordings of dance. As film became more accessible to the masses, dance entered a new
era. Films can document dance performances as well as record a dance as part of a film.
Today, one may search the web and find many dance films. Most dance films are old
documentation of performances or dances made for film as entertainment or instruction.
However, a question remains: Can dance still function as a conduit to researching ancient
preverbal wisdom? Mitchell Kossak (2018) speaks of art-based research as a
methodology that can provide a sense of meaning that cannot be articulated when using
verbal language alone. Thus, can dance assist our civilization in achieving a more accurate
form of phenomenological research?
In this article, I am interested in looking into film as a safe container for embodied
inquiry as a methodology for research. Allowing dance to be the main path for
information where thought is generated through movement. The movement then can be
the main motivation for verbal expression. Furthermore, considering that the virtual web
is increasingly the main form we communicate and connect, how can dancers use this
space to push our embodied art form to the forefront as an answer to the need for
embodied intelligence in our transition into a digital native society?
125
Corpos que Dançam | 2022
Recently, our civilization has become even more interdependent and intertwined with
technology. In 2020, the world faced a pandemic that forced many to isolate and
communicate only via video platforms. Our life experience has become accustomed to
using cameras and sharing the camera views of films and pictures online. Classes, artistic
endeavours, and business exchanges became, essentially, a virtual phenomenon. When
communication mainly became safe when virtual, an acceleration towards embracing
digital storytelling seemed inevitable. Pre-recorded classes became available, as much as
instructional and informational videos of all kinds. Dance, which is such an embodied
and communal experience, seemed to, in some aspects, rise to the occasion, but in others,
it just ended. Dancers that might have been on the verge of their breakthrough gave up
the whole profession. I personally know of many, not only College age students, but also
choreographers over 40, who decided to just change professions. Since I was already
exploring film, I somehow kept going through my research I was engage in my doctoral
studies.
In research, the use of film is defined as a post phenomenological methodology. The
idea is that to study the phenomenon of a human experience, one should consider
technology and the body as essential variables in research. In other words, post
phenomenology sees the human experience of our times embedded with technology and
lived body (Vacchelli, 2018). Embodied post phenomenological inquiry, described by
Elena Vacchelli (2018), is an embodied process that can become the source for digital
storytelling, where the story comes from embodied research into the topic in question. In
her research, she uses a post-feminist approach to research the embodied experiences of
migrants living now in England (Vacchelli, 2018). By diving into an artistic inquiry, the
stories of migration became grounded in what the body needed to express when it came
to the experience of choosing to live abroad.
In an autoethnographic research, I explored my experience as an intergenerational
migrant, creating an embodied choreography in film that contains a verbal narrative of
the experience of myself watching the dance in Choosing to live abroad (Ruzany, 2019).
In this film, there are at least three levels of discoveries. One is the internal movement
creation that I began to insert into my choreography. As the emotions of nostalgia and
feelings of marginalization were challenging to tap into, I titrated with movements of
ballet. This titration made it safe, where there was a combination of embodied inquiry
with known dance steps. The choreography became a quilt of past and present here-and-
now movements that were created for the purpose of exploring my experience of living
abroad. Second discovery was the act of filming, which holds three essential elements.
The first one is that even though I created the dance in the United States, it was filmed
while visiting where I grew up, in Rio de Janeiro, Brazil. Second, the cameras were being
held by my mom and my older son, creating an intergenerational and virtual audience.
And the third part was choosing to include murals painted more recently in the area where
I decided to make the dance installation. My third discovery was made once I was back
in the USA. I took my favourite images and compressed all the images into a 2 to 4
minutes film. This process allowed me to view the dance from an editor’s perspective,
where I created a narrative to describe the movements. By verbalizing what I saw in my
dance, I was engaging with a projective interpretation of the film about my movements.
In my private world, I began to understand how these movements resonated in my body
when I saw them, and with that, a story was verbalized. I called the act of creating a story
that came out of my dance as an embodied narrative. Later I learned that what I was doing
was very similar to what others called digital storytelling. So, I began to call this process
126
Corpos que Dançam | 2022
embodied digital storytelling. The words and thoughts came from an embodied
experience, choreographic installation, and film. Here are the words that came into
expression from the dance that was created while exploring my integrational migrant
status:
The transcript of the dance seems to capture the dance and the moment of its
exploration. It narrates the place, the filming, and the experience of the space. As the
choreographer, dancer, film editor, and narration composer, I developed compassion for
my process. The film felt honest, and the words felt transformative. The result of engaging
with creating an embodied inquiry for choreography in the movie was one of a sculptor.
In the end, I found myself with an artifact or a product to look upon and see where I was
that day (with that body, perception, and artistic and verbal response). By creating a
narrative from the film, my thoughts felt clear, and the experience of migration resonated
that many that watched it and reached out to me to let me know. As Einav Katan-Schmid
(2016) explains, “making implicit knowledge explicit adds meaning to a phenomenon”
(Katan-Schmid, 2016, p. 5). By receiving environmental support, I found a new sense of
belonging.
Recently, philosophes such as Lakoff & Johnson (1999) and Shay Welch (2022) are
recovering Maurice Merleau-Ponty’s (1965) lived body concept and reclaiming the body
127
Corpos que Dançam | 2022
Awake,
I must awake,
I feel the floor under me,
this land
this earth
this planet
I feel that air around me
I find myself jumping with abandon
I reach towards the sky
I’m here
I must measure my steps
I’m not sure where I’m going
I’m in a process of discovery
as they move through space
I don’t see myself
As one thing or another
but just the experience of this moment
in a post phenomenological experience, I am the experience
in the context of this space, I’m about to enter
I stand at its door
I feel the ancestral legacy under me and around me
and I feel my ancestor’s legacy dancing with it
the colour of my skin
my culture
128
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my language
my curly hair
everything is influencing my thoughts
my decisions, my choices
I am not that free
I am in context-bound
I am here
in this body
in this place
in this experience
I breathe
I feel
I am
That influences how I am with others
and how I research others
I will reach for knowledge (Ruzany, 2019)
129
Corpos que Dançam | 2022
130
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Revolutionary dancers influenced by Gestalt Therapy include Gabrielle Roth and Anna
Halprin. These dancers would find that experimenting with embodied inquiry was an
artistic process on itself.
Fritz Perls brought Gestalt and dance to the Esalen Institute in Big Sur, California.
Founded in 1962, Esalen was the home of many healing fields, including humanist, Zen,
Buddhist, phenomenological, embodied, and artistic experimental talks, and workshops.
Many psychotherapists would meet and share their techniques of relational embodiment
and open-mindedness. Here theatre, dance, music, psychotherapy, meditation, LSD, and
Marijuana could coexist and converge into knowledge. Gestalt Therapy was an essential
presence in Esalen and, to this day, is a place to study it. Fritz Perls valued experimental
and conscious dance and asked Gabrielle Roth (1941-2012) to teach dance at Esalen;
there, she developed the “Wave of the 5Rhythms,” a dance technique still used as a
healing experience. The five phases of movement begin as flow through the body, then
moves into a rhythmic staccato beat exploration, enter into even higher intensity through
a bit of chaos, then release into lyrical and stylistic expression, and end into stillness or
minimal movement. This whole wave creates a calmer mind, a sense of freedom, and
gratitude towards self, others, and the Universe. It is like a trance or a natural high that
transcends talking. Experimenting with embodiment from different perspectives fits
Gestalt Therapy theory as well as Roth’s studies in other ancient and indigenous cultures.
Also, in California, Anna Halprin (1920-2021), a pioneer of postmodern dance and in
the use of expressive arts for healing, would influence influential postmodern dance
pioneers. “I think what I was able to do was to allow them to be themselves,” Ms. Halprin
said.” (Seibert, 2017). From Ana Halprin’s deck, many would learn about using dance as
healing. “On the hillside in the shadow of Mount Tamalpais, north of San Francisco, amid
the redwood trees, lies what is arguably the most important outdoor deck in American
dance history” (Seibert, 2017). She rejected the techniques of classical ballet and modern
dance and integrated improvisation into her work, which the dance community viewed as
outrageous. She focused on dancers’ experiences, not their skills. In her vision, the body
was not supposed to follow a certain aesthetic but rather embrace its individuality.
Dancers weren’t supposed to imitate others but rather express their unique selves through
their own body shapes, abilities, and their limitations. They were taught to be true to their
selves and their intentions. She taught them how to move in response to earth and to see
the body as one phenomenon (Seibert, 2017). She created improvisation structures and
performed dances to heal cancer, which she was diagnosed with in 1971, the planet, and
the community.
Halprin’s students founded Judson Dance Theater in NYC, which challenged the
traditional rules of choreography by refusing to have a methodology or technique in their
process of making parts for the performance. And some of these dancers later joined
Fluxus, another dance/experimental art performance that launched a new wave of
interdisciplinary artists, including Yoko Ono, Lennon’s future wife. Here the idea of dance
as a place for free embodied expression would cross the boundaries of dance and become,
for a moment, equal collaborators with experimental musicians, postmodern visual artists,
and poets. The point was to embrace bodily freedom and resist tradition, dogma, and
systemic imprisonment (Biba, 2018). Few expected Halprin’s vision to stick, partly
because of the difficulty of teaching a practice that refuses methodology and system. But
it did.
From a different lineage Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950) created a methodology
called “Eurhythmics.” This system also connected the relationship of eyes, ears, and
memory to one’s kinaesthetic awareness and movement, which were called kinetic-
rhythmic-musical correlations (Strauss & Nadel, 2012). Again, another musician found
131
Corpos que Dançam | 2022
that movement expression helped take the musician to another level of artistic mastery
and synthesis of musical and rhythmic logic. Likewise, this pioneer of movement
embodiment would influence every influential dancer of the time and beyond, from ballet
to modern and musical theatre choreographers and teachers.
Music and dance were also used for artistic movement research by Isadora Duncan
(1877-1927). Duncan would dance to her mother’s piano as a child, would become a rebel
against fixed methodologies. She believed no one should have the same dance, but their
own movement that would arise from their own movement research. In her
autobiography, she would write about her experience moving from her solar plexus when
her original inspiration arrived. She believed in being moved by the music and
inspiration/impulse and would hold still for up to 45 minutes, sometimes awaiting her
body to begin the dance. Duncan became famous in Europe and Russia at a time when
members of high society were craving freedom from conventional clothes, ballet, and
theatre. Her lack of respect for any tradition must have been a breath of fresh air. But most
importantly, the idea of embodied dance meant to be listening to the body for inspiration
in relationship to music. This internal motivation for the dance is the somatic information
used in embodied inquiry for research.
Another leader in movement research and embodied inquiry that would influence both
Delsarte and Dalcroze was Rudolf von Laban (1879-1958). Influenced by ancient dance
and rituals as well as North African and Slavic dances, he would begin to codify his ideas
of movement notation and choreography by studying space, time, weight, and flow. Laban
codified the movement’s quality by observing the movement’s shape and intensity of
effort, contrasting fighting, and yielding with planes of movement. Laban was initially
cooperative with the pre-World War II socialist German government, but Nazi authorities
censored his choreography for the 1936 Olympics opening ceremony, and he
subsequently left Germany for England to eventually join Kurt Jooss at Dartington Hall,
in Devon. Laban studies are a foundation for many influential modern and postmodern
dancers, dance movement therapists, and choreographers.
In terms of embodied inquiry, Laban helps the choreographer not only have a language
to name the movement but also notice what is missing in the choreography. When it comes
to embodied inquiry, having Laban’s list of movement efforts can help the dancer push
their movement preferences and affinities to a larger window of possibilities. Laban
(1879-1958) would build on his principles and influence Kurt Jooss (1901-1979), who
would give him a home to continue his work when Laban was exiled. Later, Jooss would
influence Pina Bausch (1940-2009) who would bring to the world another level of
embodied inquiry. Pina’s work could be seen as an ethnographic work, where the
subjective and embodied expression of her dancers exposed the process of the work itself,
as well as her journey of overcoming her challenges in life reflected in the act of
choreography (Norton Dias, 2021). Pina would then influence Ohad Naharim, who would
create a language of embodiment, he called gaga (Perron, 2007).
From these early embodied researchers, I found myself being influenced by two
important embodied choreographers; I was exposed and had the pleasure to see Pina
Bausch with my own eyes when I lived in Rio de Janeiro where she went to work on Água
(2001), and later I was also able to go to Israel and take classes with Ohad Naharim. When
I watched both, I was in awe at the choreography of Pina Bausch (1940-2009) and Ohad
Naharim (1952- present). To me both exemplified what I felt dance could be: an
embodiment of the lived experience which can evoke strong emotions. Their work
touches on a collective implicit memory, where one recognizes a level of absurdity when
it comes to the human experience, and it is felt as a visceral phenomenon audience
member recognizes within themselves. Both influenced me in how I see dance and engage
132
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in embodied inquiry. Now when I watch films with their choreographies, it affects my
core, shifts my energy, and creates in me a deep desire to be honest with what is my lived
body experience by engaging in embodied inquiry for choreography.
Creating a safe place in a film by adapting the dance to a place that felt would support
the choreography was a creative adjustment during my virtual doctoral program during
the pandemic. Nevertheless, once that bridge was crossed, these short films allowed me
to hold that moment of embodied truth within the safety of the virtual realm. No one
would throw eggs and stones at my body, since that would only result in having the person
ruining their own computer. There was also a secondary discovery. It was that I could
choose what I wanted to share by editing out the parts that felt unsafe, not fully embodied,
or not fully captured by the camera. This editing power allowed the dance to be
transformed into a new medium or artistic expression as a film, as well as allowed me to
engage with the material from a director’s point of view. As I edited the film, I became
that provider and visionary. From this place as editor, I started to find safety and also my
voice.
I remember watching choreographies that used using storytelling, dialogue, and dance
comments in their dance pieces (e.g., Maurice Béjart, Bill T Jones, and Mark Morris) And
as I looked at my dance, I started trying to find words for what I saw in the edited film.
And by having time with the material, I found how to create a sacred temple where I could
explore my embodied truth with dance, film, and storytelling. The truth was what I saw
in the dance film. Here is an embodied narrative of a dance I engage with, in relationship
with my paternal grandmother:
1
Giselle Ruzany (GR) embodied digital storytelling (EDS) film transcript on the theme of ancestral loss.
133
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embodied understanding of what Maslow was trying to bring into our awareness, where
the physical needs of safety, belonging, self-esteem, and self-actualization had another
level of understanding, which seemed to feel like a transpersonal one.
The process that I approached the dance with my grandmother and later with other
ancestors was like this: first, I made the dance choreography by building one movement
at a time on a string. The first movement was based on my own experience, the next
movement in the perspective of my grandmother’s place, and the third, in relationship to
the relational space between us. For each string of three movements, I found new
information. What felt like in the present moment, what I wished it felt like, what
obstacles were present between us, and how could we have been without them. Creating
each movement from a felt sense, the dance once made was installed and adapted in the
hallway. Then filmed by using a tripod, I edited, and narrated. The creation of the dance
followed Gestalt Therapy concepts of dialog and the cycle of experience. Using Gestalt
concepts to create dances in film illuminated the process of the relational field in place
attachment.
Here is the breakdown in creating the choreography from an embodied inquiry:
1 - Put yourself now in the position of the subject of your choice; this could be an
ancestor like I did, or a place, or a tumour, or a child, or a socio-economical political
issue
2 - Repeat from this point of view
3 - Repeat from the point of view of the relational field, space, and environment
4 - Repeat from the point of view of an ideal situation
5 - Repeat from the point of view of the obstacles that blocks this possibility
6 - Repeat from the point of view of repair, healing, and gratitude
7 - String it all together and film it at least two or three times from different angles,
adapting to whole dance to the new location
Edit the film into two to four minutes and add the narrative by creating words for each
part of the film. Add any filters as a protection and safety exercise. Share with supportive
and artistic people. Write down your process and do many more!
In my dissertation, “embodied digital storytelling with ancestral legacy”, I found that
Gestalt was useful in creating an embodied dance dialogue with the dancer’s ancestor of
choice. Filming the dance in a specific space was a form to create environmental support
for that connection. Bringing an artifact owned by an ancestor or just the thought of their
existence created the conditions for a relational field and an embodied response that could
be recorded in film. The film then captured the embodied inquiry of one’s dance when
listening to the self, the other, and the relational field. These are three aspects present in
135
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contact that Gestalt Therapy emphasizes when it comes to creating a dialogue and
engaging with attachment repair (Greenberg & Malcolm, 2002). Here is an excerpt from
my dissertation with one of my dancer participants located in Brazil at that time.
TP’s film begins with a lot of energy and jumps, settling into arms crossed. As she
dances with abandon, she begins to speak about her grandmother never having protection
and TP wanting to provide that. Her movements are full-bodied, using the torso, arms,
and legs to explore the space. The film is complex with many different camera angles and
always with a double image as if she is dancing with another. As she gestures her arms
and measures her body and then gestures strongly outwards, she uses a “sewing”
metaphor of how measurements do not work perfectly in real life. The two images create
a polarity of gentle and vulnerable movement with a strong and confronting image in the
front. She is able to make that connection as part of her grandmother, as she hid her
vulnerability and showed up to others as a difficult person. She begins to open her arms
and reach, grasp, and pull, as she speaks about both of them looking for connection. As
the movement of confrontation moves from the image in front to the one on the back, she
speaks about shifting her perspective and finding a celebration of acceptance. She finishes
by speaking of a repair with her paternal grandmother, as the second image disappears,
and a photograph of her young grandmother appears next to her. Here is TP EDS transcript
(Ancestral secrets):
O que eu vejo e o que eu sinto são coisas diferentes (what I see and what I feel are
diferente things)
Eu sou um terreno sendo preparado para novas descobertas (I am a land, preparing
for new discoveries).
Eu te convido a dançar e descobri também (I invite you to dance and to also discover)
Eu desejo te proteger (I wish to protect you)
Eu sei que você não teve proteção (I know you did not have protection)
E a gente vai costurar os tempos (together we will sew time)
Tempos rasgados, história rasgada (ripped time, ripped history)
Hoje está se costurando com ontem (today is being sewed with yesterday)
Na costura tem moldes, modelos manequins medidas (in sewing, there is molds,
models and measurements)
Tudo muito certinho pra cai bem ajustado (everything perfectly cut, to fit well tailored)
Mas na vida real não existe molde certo (but in real life, there no perfect fit)
As medidas não servem para nada (the measurements serve for nothing)
Percebi na frente, uma atitude de confronto, de afronta (Noticed in front, an atitude of
confrontation and insult)
E no fundo um desamparo, uma fragilidade, uma suavidade (And deep inside, a
vulnerability and gentleness)
Eu vejo nós duas abrindo espaço (I see both of us opening a space)
E buscando conexão, fazendo contato (Looking for connection and making contact)
Quando a gente muda a perspectiva (when we change our perspective)
Coisas que incomodavam, diminuem (things that were annoying...minimize)
Isso abre o espaço para uma celebração (this, open a space for celebration)
P’ra uma aceitação (for acceptance)
Nessa costura do tempo, eu recebo e ofereço poeira de estrelas (sewing time, I receive
and offer star dust).
Entre a gente eu vejo e eu sou um pouco meu pai (between us I see and am a bit my
father). (Ruzany, 2021, p. 140)
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To see and hear all seven short embodied digital storytelling films with my research
participants’ ancestors, go to Embodied Digital Storytelling with ancestors (Ruzany,
2021).
These films are individual autoethnography embodied inquiry, where the dancer
choreographed in dialogue with an ancestor. In the narrative of the dance above, you can
hear the repair of misunderstandings and spirituality, even though the dance was done in
a very physical manner following the felt sensations of the body as the participant brought
her grandmother to the foreground. Here one can see in a dance transgenerational secrets
and trauma, as well as strength and resilience through the metaphor of the art of sewing.
All is felt in the body.
Similar themes across participants were found, including the fact that the research
conducted during COVID-19, and all dancers were dealing with isolation. During that
time, my dancers were having dialogues with their ancestors, who had survived the
Spanish flu of 1918. Furthermore, while they might have temporarily lost their jobs as
dancers, they danced with ancestors that survived the 1930’s depression. Many
participants found themselves reconnecting with these ancestors and better understanding
their traumas, and, therefore, their perspectives in life. With the dance, the participants
found the resilient story, the strength hidden behind the often-angry exterior. Most
interestingly, all dancers, who are usually very critical of their dancing bodies in film,
where only errors are illuminated, felt surprised that they loved the outcome. The films
were artistic, the dance well executed and completely free of their own judgment. I
believe this was achieved because the dance came from their own embodied inquiry. Also,
all participants that engaged in the embodied inquiry as a process to dialog with an
ancestor felt an unblocking of creativity, a connection to the ancestor and a sense of deep
resilience.
To create these dances through embodied inquiry, co-creating a safe virtual space was
paramount. Safe space is discussed in psychotherapy and dance/movement therapy as a
place without judgment and with healthy boundaries. This means to be present without
bringing your own cultural, religious, social, political, and economic bias. To create such
a space, a health provider often maintains supervision as a place to self-check and observe
own unconscious bias, countertransference, and, therefore, lack of presence. Being biased
is not seeing your blind spots and not realizing the difference of experience that another
is presenting from a different seat.
Being present as a witness and not as a critic is a challenging activity. When a therapist
engages in countertransference, it means that one does not see the other but someone from
their past, engaging with the other from a pre-programed experience. To understand one’s
unconscious bias, the easiest path is to listen to one’s own body. To maintain one’s
availability to the other, one must keep checking in, observing one’s sensations, emotions,
and ability to stay in the here and now. Carl Jung (1875-1961) and Carl Roger (1902-
1987) spoke of the importance of the creative self and the need to engage with one’s active
imagination as a way to know thyself through the arts. Jung explored how he felt under
the influence of unfinished businesses left by his parents and grandparents, and more
distant ancestors.
There are some similarities in what the psychological and choreographer aim: an
embodied and balanced self. The embodiment and acceptance of the self can provide a
fulfilling and satisfying life. In psychology, a client is in the process of getting to know
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the self in a safe space provided in by a relational therapeutic alliance. In Gestalt Therapy,
this safe place is provided so that the client can co-create experiments with the therapist
that will illuminate their relational experience. In Gestalt Therapy, the safe space is about
finding environmental support. How to be present to the here and now and bring to the
forefront and into figure what can be of support. These early psychotherapy body-oriented
experts would influence dance and psychology into returning to the body. Therefore,
when working with embodied inquiry for choreography, it is essential to be aware that
one might encounter a dancer’s implicit and nonverbal memory. Creating space for a safe
investigation without “flooding” the dancer becomes very important. By “flooding”, I
mean to overwhelm the dancer with information that freezes the dance instead of moving
into safe expression. If the expression is beyond one’s capacity, this could also be an issue.
Cautiously, as choreographers using embodied inquiry, it is important to understand that
authentic expression of one’s internal world needs to be titrated with a healthy dose of
external support and contact.
The body holds historical wounds which can reveal trauma and resilience, oppression
and inner strength, marginalization and belonging (Caldwell & Johnson, 2012, 2018).
Postmodern choreographers like Pina Bausch and Ohad Naharim have been living in the
margins of society, looking into the body not to heal, exercise, or entertain but to express
an embodied experience of one’s experience through an embodied artistic inquiry. Both
children of the World War II conflict endured boycotts and the transgenerational legacy
of war. Their dances evoke a visceral response from their audience. When one watches a
choreography from an embodied inquiry, there is no separation of mind and body, only
an embodied understanding of a collective felt sense. As Laura Ellingson (2017) explains
about qualitative and phenomenological research, “Traumatized body-selves resist the
body-mind dichotomy with embodied memories, visceral emotions, flashy responses”
(Ellingson, 2017, p. 74).
Embodied inquiry as movement research for choreography in film can capture the
internal motivations for the movements and the environment that the movement is in
dialogue with as a topic of study. Celeste Snowber (2016) wrote about the body’s
connection to the history of one’s environment: “The scars of the land are within our
bodies” (Snowber, 2016, p. 1276). In her book called Embodied Inquiry, Snowber wrote
about living fully from an embodied place where the breath was free and infused with
embodied experiences that could be captured into writing and artistic expression. She
defined longing as a threshold space filled with nuance and subtle messages of yearnings:
“I often wonder how long the plants and flora have been waiting for someone to dance
there” (Snowber, 2016, p. 1269).
Another researcher that describes the process of embodied inquiry is Todres (2007).
He used the concept of the felt sense coined by Eugene Gendlin (1982). By describing
how one can listen to one’s body, and name that sensation or felt sense, one can create a
narrative, or embodied language, to one’s embodied research. The intention is to include
what a participant in research chooses to say, which might be different from what the
body has to say. By using implicit and explicit knowledge, there is a chance for a more
holistic understanding of one’s multiplicity of perceptions. “Embodying the language,
languaging the body: each has its day in an ongoing process” (Todres, 2007, p. 34). To
create a choreography from an embodied inquiry, each movement must come from a felt
sense that gets to be expressed. Then the narrative will reveal what is present. Embodied
art-based research is the dancers’ job.
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Conclusion
References
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Snowber, C. (2016). Embodied inquiry: Writing, living and being through the body.
Springer.
Strauss, M., & Nadel, M.H. (2012). Looking at Contemporary Dance a Guide for the
Internet Age. Hightstown, N.J.: Princeton Book Co.
https://ebookcentral.proquest.com/lib/gwu/reader.action?docID=3015282&ppg=24
Todres, L. (2007). Embodied enquiry: Phenomenological touchstones for research,
psychotherapy, and spirituality. Springer.
Vacchelli, E. (2018). Embodied research in migration studies: Using creative and
participatory approaches. Policy Press.
Welch, S. (2022). Choreography as Embodied Critical Inquiry. Palgrave Macmillan.
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3.
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António LAGINHA2
CLEPUL/FLUL
Centro de Dança de Oeiras
[email protected]
Resumo: A bailarina e actriz Águeda Sena terá sido a coreógrafa portuguesa mais
importante e conhecida em Portugal, no século XX. Para o Ballet Gulbenkian, que,
indubitavelmente, foi a maior companhia de dança portuguesa do século vinte (com uma
projecção nacional e internacional que nenhuma atingiu até ao presente) criou obras
durante cerca de duas décadas. Para a (recém-criada) televisão portuguesa concebeu
muitas peças, incluindo uma série tendo por base o trabalho de escritores censurados.
Trabalhou muito em teatro musical (revista) e também em grupos “independentes” de
teatro e dança. A sua obra mais espectacular, intitulada Namban Matsuri, foi apresentada,
com enorme sucesso, para largos milhares de espectadores na Expo’70 em Osaka (Japão).
Da sua vida e do seu legado se trata neste estudo.
Abstract: Dancer and actress Águeda Sena have been the most important and well-
known Portuguese choreographer in Portugal in the 20th century. For the Gulbenkian
Ballet, which was undoubtedly the greatest Portuguese dance company of the 20th
century (with a national and international projection that none has reached to date) she
created works for two decades. For the (newly created) Portuguese television, she created
many plays, including a series based on the work of censored writers. She worked a lot
in musical theatre, and also in “independent” theatre and dance groups. Her most
spectacular work, entitled Namban Matsuri, was presented, with great success, to
thousands of spectators at Expo’70 in Osaka (Japan). This study deals with her life and
her legacy.
Águeda Sena, nascida em Lisboa a 16 de Junho de 1927, foi durante muitos anos a
coreógrafa nacional mais dançada no Ballet Gulbenkian (1961-2005) - a única companhia
portuguesa com actividade regular na época -, a par de criadores de cotação internacional,
quando a nossa dança, praticamente, se restringia àquele notável agrupamento artístico,
que atravessou com fulgor a segunda metade do século XX.
Em muitas coisas (Maria do Céu) Águeda (Camacho de) Sena (Faria de Vasconcelos)
1
Texto apresentado na VII Conferência Internacional Culturas Ibéricas e Eslavas em Intercâmbio e
Comparação: Interfaces em Estudos de Género, Secção: As Mulheres da História e as Histórias de
Mulheres, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, de 7 a 9 de Maio de 2013.
2
O autor escreve segundo as regras anteriores ao Acordo Ortográfico de 1990, o qual não foi ratificado por
todos os países de língua portuguesa.
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foi pioneira – “sempre quis fazer coisas diferentes, isso nasceu comigo” (Águeda Sena,
entrevista, Oeiras, 2013), afirmou, repetidamente, ao longo da sua vida – e foi também
uma feminista empenhada, cuja vida e obra falam por si.
Figura 1. Águeda Sena num ensaio do bailado “Da vida e da morte de uma mulher só”, do coreógrafo
Carlos Trincheiras, Ballet Gulbenkian, 1980.
Apesar de ter sido muito conhecida como bailarina (nos anos 60 tanto trabalhou no
agrupamento de dança da Gulbenkian como participou nas revistas de maior sucesso
popular que Lisboa viu, ao lado dos grandes actores da época) o seu êxito como
coreógrafa foi, provavelmente, ainda mais significativo para o desenvolvimento da Dança
em Portugal.
Até ao aparecimento de Olga Roriz (Viana do Castelo, 1955-) – actualmente a
coreógrafa portuguesa mais conhecida dentro e fora das nossas fronteiras, a par de Vera
Mantero (Lisboa, 1966) – Águeda Sena foi, sem qualquer sombra de dúvida, a criadora
de dança mais produtiva e admirada da sua época. Num meio, então, marcadamente
masculino, refira-se, conquistou um lugar cimeiro rivalizando, inclusivamente, com o seu
marido, o bailarino e coreógrafo Fernando Lima. Até meados da década de 70 o seu
trabalho foi, temporada após temporada, apreciado tanto no Grande Auditório da
Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), como em digressões do Grupo Gulbenkian de
Bailado (GGB) no país e no estrangeiro.
A sua peça de maior fôlego – provavelmente a sua obra-prima – foi o grandioso evento
multidisciplinar intitulado Namban Matsuri (Festival dos Bárbaros do Sul, numa tradução
livre) apresentado na Expo’70 de Osaka, no Japão. O espectacular trabalho (de
colaboração com Carlos Avilez) quando ainda a tecnologia nem tinha entrado na
linguagem “terpsicoreana”, foi visto por largos milhares de espectadores e considerado o
melhor evento apresentado na Exposição Mundial em 1970, num universo de 79 países
participantes. Curiosamente, montado, dançado e apreciado no estrangeiro, esse
deslumbrante e monumental trabalho, nunca foi reproduzido em solo pátrio. E tal, como
à frente se mencionará, não terá acontecido por acaso. Acabou por ser uma espécie de
fado lusitano enredado na via-sacra, que era, particularmente para uma artista interventiva
e insatisfeita, ser português (criativa e transgressora) na época da ditadura.
Oriunda de uma família muito sui generis – o seu pai foi um pedagogo de fama
internacional e a mãe, “uma mulher culta e de fibra originária da Bolívia” (Águeda Sena,
entrevista, Oeiras, 2013) – desde cedo conviveu com artistas e escritores que pertenciam
à nata da cultura nacional. E não só. Águeda esteve, desde criança, sempre premiável às
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artes e, por tal, não foi de estranhar que a sua educação tivesse sido muito abrangente e
se estendesse, inclusivamente, ao estudo da Medicina. Já artista feita, ao trabalhar na
novíssima Rádio Televisão Portuguesa (RTP) (logo na sua primeira emissão a 7 de Março
de 1957), a sua imagem de bailarina acabou por se impor num universo mais alargado e
a sua carreira ampliada para o campo da criação tendo, mesmo, feito questão de produzir
danças sobre obras de poetas pouco conhecidos. Alguns deles tidos, mesmo, como
“malditos” e vigorosamente banidos, pela ditadura salazarista.
Dotada de um sentido humano muito apurado – o projecto Pássaro Azul (de
colaboração com a poetisa Fernanda de Castro) é prova dessa afirmação - as suas
preocupações sociais e ecológicas já então eram evidentes, tanto a nível da representação
teatral como da encenação, plasmadas respectivamente nas peças A Navalha na Carne
(1977) e O Gigante Verde (1989).
Entre os seus pares nem todos serão unânimes nos aspectos relativos à sua forte e
desigual personalidade, mas no que toca aos seus dotes criativos e à qualidade das suas
obras, a maioria estará de acordo com a afirmação da grande “ballerina” portuguesa Isabel
Santa Rosa: “A Águeda Sena sempre foi uma artista muito à frente do seu tempo.” (Isabel
Santa Rosa, entrevista, Lisboa, 1989).
O conhecido encenador e director teatral, Carlos Avilez, não deixa de afirmar que
muito do sucesso de algumas das suas mais emblemáticas – e premiadas – encenações no
Teatro Experimental de Cascais (TEC), se deveu à arrojada maneira como Águeda fazia
“movimentar” os actores em cena (Carlos Avilez, conversa pessoal, Cascais, 2012). O
actor João Vasco, co-director daquela companhia, complementa essa ideia de uma forma
sintética:
Gostaria muito de ter dinheiro para fazer (apenas) um livro de fotografias sobre quase
três décadas de uma incrível colaboração entre a Águeda Sena e o TEC, mais
precisamente entre 1966 e 1995. Depois disso ainda foi professora da Escola
Profissional do Teatro Experimental de Cascais, entre Setembro de 1998 e Janeiro de
2000. Apesar de alguns atritos que a Águeda sempre provocava – por exemplo, saiu
inesperadamente da nossa escola – temos grande nostalgia por esses tempos em que
trabalhámos juntos. Embora tivesse um carácter algo instável e de nem sempre ter sido
fácil trabalhar com ela, se pudesse voltar para trás não hesitaria em convidá-la de novo
para o TEC, pois o seu trabalho foi sempre da maior qualidade. (João Vasco, entrevista,
Cascais, 2012)
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Família Incomum
Duas vincadas linhas de força sempre parecem ter acompanhado a vida e obra de Maria
do Céu Águeda Camacho de Sena Faria de Vasconcelos: uma forte e profunda admiração
pelos progenitores – António d’Azevedo Sena Belo Faria de Vasconcelos (1880-1939) e
a sua mulher, a boliviana Nazária Celsa Camacho Quiroga Faria de Vasconcelos, nascida
em 1895 e falecida em 1995 – e um inato inconformismo (algo desusado para a sua época)
aliado a uma imaginação verdadeiramente transbordante.
Quando Águeda referia as suas “raízes” e falava fervorosamente da sua meninice e
adolescência – desde a infância à idade adulta passando pela iniciação ao mundo das artes
e das letras – quase tudo passava pela forte influência dos seus progenitores. Ela
asseverava que a sua casa era “um lar constantemente impregnado de amor. Uma casa
muito feliz” (Águeda Sena, entrevista, Oeiras, 2013). Os pais adoravam-se e esse
sentimento perpassava pelo ambiente familiar. Tudo parecia perfeito na relação deles,
apesar da enorme diferença de idades. Ele era muito alegre e aplicava em casa os seus
conhecimentos de pedagogia. Ela era uma mulher muito prática e desejosa de realizar
coisas. Para um casal nessas condições eles passaram a fase do deslumbramento – ela por
ele – a da paixão – um pelo outro – mas não chegaram a uma (normal) terceira etapa de
questionamento, o que acontece em todos os casamentos com tão grande diferença de
idades. Ele morreu relativamente novo, com quase 60 anos, e ela a 10 dias de fazer 100.
Do pai, 16 anos mais velho que a mãe, nascido em Castelo Branco e oriundo de uma
antiga família beirã de tradição profundamente católica, recebeu uma cuidada educação,
baseada em conceitos pedagógicos ímpares, uma alargada cultura artística e humanística
e uma sólida postura moral, aliada a um espírito livre e desvinculado. O seu irmão
Gonçalo Manuel (Coimbra, 1924-2011) também dançava com ela. Coisa estranha para
uma criança do sexo masculino nos anos 30 do séc. XX. Certamente, na casa de ambos,
conhecia-se o “espírito” duncaniano3. Não teria rigorosamente esse enquadramento – que
tinha algo com o que décadas depois viria a ser chamado de “movimento hippie” –, mas
era um modelo conhecido (por via de fotos) da casa de Isadora Duncan, com todos a
dançar livremente por salas e jardins vestidos de túnicas gregas. Porém, a semente da
criatividade e do humanismo na educação dos filhos de Faria de Vasconcelos, estava
3
Referência à bailarina norte-americana, Isadora Duncan (1877-1927).
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sempre presente. A mãe, Celsa, tinha sido aluna do pai em La Paz. Era considerada uma
das melhores alunas da Bolívia, filha de pessoas de posses, que se apaixonou pelo
professor com quem se casou e veio para a Europa, sem nunca mais ter voltado à sua terra
natal.
Segundo Águeda:
Era uma pessoa muito recta, muito carinhosa com os familiares, mas muito austera
com os outros. Vi-a algumas vezes com as lágrimas a correr dos olhos com saudades
dos seus e da sua terra…, mas sempre disfarçou as suas fraquezas. Coxeava um pouco,
mas nunca dava o braço a torcer perante tal dificuldade. Morreu velhinha, no hospital
sempre muito segura de si e sem nunca dar parte fraca. Foi enterrada em Lisboa longe
da sua terra natal. Chamava–me Cielito e também louquita… pero genial”. (Águeda
Sena, entrevista, Oeiras, 2013)
4
António de Oliveira Salazar (1889-1970) foi um ditador nacionalista português. Além de chefiar diversos
ministérios, foi presidente do Conselho de Ministros do governo ditatorial do Estado Novo e professor
catedrático de Economia Política, Ciência das Finanças e Economia Social da Universidade de Coimbra.
Em 1940, foi-lhe conferido o grau honoris causa pela Universidade de Oxford. (António de Oliveira
Salazar, 2020)
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Maria do Céu iniciou a sua formação em dança aos quatro anos, no método de Jacques
Dalcroze, introduzido em Portugal pela professora grega radicada em Portugal, Sosso
Dukas-Schau. Pisou o palco, pela primeira vez, em 1932 no Teatro Nacional de S. Carlos,
justamente num recital de Madame Schau.
Completou a 4ª classe com 8 anos, com uma autorização do Ministro da Educação de
então, e, por tal, andou sempre dois anos adiantada em relação aos seus amigos e colegas.
Após uma interrupção de alguns anos, por ter estudado em colégios de religiosas, Águeda
retomou a dança aos 12 anos quando frequentava o liceu feminino Filipa de Lencastre.
Nunca parou de dançar e, naquele tempo, até dançava às escondidas, “escandalizando” as
freiras e as colegas. Porém algumas gostavam mesmo de a ver dançar, designadamente, a
Soror Valente, que até a acompanhava nos seus bailados improvisados! Iniciou-se, com
grande determinação, como refere a mãe (Camacho, notas pessoais, 1975), na dança
clássica com a professora Margarida de Abreu (1915-2006) no citado estabelecimento de
ensino, a qual, posteriormente, a levou para o Conservatório. No ano de 1942 ingressou,
com 15 anos, no estúdio daquela mestra que, em 1944, viria a servir de base a um grupo
semi-amador mas conceituado, o Círculo de Iniciação Coreográfica (CIC) e no qual se
manteve cerca de uma década. No grupo “começou a tomar consciência da sua vocação”
ainda que o “meio não lhe fosse favorável”. Muito pelo contrário, teve mesmo que “lutar
em duas frentes” de um lado os preconceitos familiares e do meio social (que não
distinguiam uma bailarina clássica de uma bailarina “vulgar”) e do outro, a falta de
estímulo social do ambiente em que se trabalhava e onde teve que suportar períodos de
“hostilidade e desânimo” (Camacho, notas pessoais, 1975).
Anos depois, quando passou para o Liceu Pedro Nunes – por vontade do pai por ser
um estabelecimento misto – conheceu aquele que viria a ser o seu primeiro marido e pai
do filho Gonçalo, Fernando Lima. “Ele era um dos meus (muitos) apaixonados. Apesar
de sermos colegas de escola e de dança, no início não lhe dei muita atenção, se bem que
algumas das minhas colegas o adorassem”, referiu a artista. (Águeda Sena, entrevista,
Oeiras, 2013). Participou, como intérprete (inicialmente com o nome de Maria do Céu
Vasconcelos) em diversos espectáculos de escola e do corpo de baile do CIC,
designadamente nas Tardes Literárias (Teatro S. Luiz, em 1947) e, posteriormente, em
espectáculos de ópera no Teatro Nacional de S. Carlos e no Coliseu dos Recreios. Foi
assistente da sua professora no ensino das classes infantis de bailado do seu estúdio
particular, entre 1947 e 1948, tendo seguido, em simultâneo, os cursos de Dança e de
Teatro no Conservatório Nacional. Aí estudou com conhecidos professores,
designadamente Margarida de Abreu (dança), Alves da Cunha e Maria Matos (Teatro) e
teve lições particulares de violino com o professor Gonçalves Pereira.
No dia 27 de Janeiro de 1948, criou o seu primeiro papel na obra de Margarida de
Abreu Quadros duma Exposição, apresentada no Teatro de S. Carlos. Juntamente com
Fernando Lima e Anna Maria (posteriormente a bailarina adoptou o nome artístico de
Anna Mascolo), Águeda desde logo se revelou um dos nomes mais promissores do CIC,
tendo dançado alguns dos papéis solísticos do reportório do grupo, designadamente em
Chopiniana (Les Sylphides), Arraial na Ribeira, Baba Yaga, Polaca Heróica e,
sobretudo, em Tito e Berenice, em que interpretou um dos papéis titulares. Terminou o
curso do Conservatório – com provas de Dança Clássica, Carácter, Plástica e Composição
Individual –, com média final de 17 valores, em 1948. De seguida, prestou exame público
no Teatro Nacional D. Maria II, com um solo de sua autoria na prova de composição
(Prelúdio, para a música de piano de Rachmaninov), tendo-lhe sido, seguidamente,
concedida a Carteira Profissional de Actriz/Bailarina.
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“Fui a primeira aluna da Margarida a ir para fora do país sozinha. Paris era o centro do
mundo da dança e eu queria ir conhecer o que lá se fazia” (Águeda Sena, entrevista,
Oeiras, 2013). Incentivada pela sua mestra para se aperfeiçoar no estrangeiro foi estudar
com alguns dos grandes mestres parisienses. Fez repetidas viagens à cidade-luz, na
qualidade de bolseira do Instituto de Alta Cultura (entre 1948 e 1953), tendo estudado
dança clássica com as famosas Olga Preobrajenska, Mme Rousanne e, sobretudo, com
Lubov Egorova. Naquela cidade teve também os primeiros contactos com a dança
moderna ao estudar com Loeonard Lenwood, bailarino principal e professor da
companhia da bailarina antropóloga e coreógrafa norte-americana Katherine Dunham,
então em digressão pela Europa.
Seguidamente frequentou, também em Paris, o Curso de Pedagogia da Sorbonne
(1948-50), um curso nocturno de História de Arte, no Museu do Louvre, durante o ano de
1949, e estabeleceu contactos com grandes artistas do teatro francês, designadamente
Jean-Louis Barreault e Jean Villar. Dançou a Valsa e o Prelúdio das Sylphides em 1950,
no Teatro Alhambra, em Paris, num espectáculo dirigido por Jean Guélis, e em 1952 o
solo Les Mains, da sua autoria, (uma remontagem de Prelúdio) como solista na
Companhia Galas de Danse, da “estrela” francesa da Ópera de Paris, Lycette Darsonval.
Nessa altura deslocou-se expressamente ao sul de França para conhecer pessoalmente
Pablo Picasso, que foi procurar na sua própria casa. Um encontro algo inusitado,
“efémero, mas marcante”, nas palavras da artista.
Em 1952, de regresso a Lisboa e juntamente com Fernando Lima e Anna Mascolo,
participou nas Tardes de Ballet, no Teatro Monumental, às 18.30, sob a direcção conjunta
de Margarida de Abreu e Fernando Lima, em criações assinadas por estes e por ela
própria. Depois de várias estadas em França tomou contacto com a “escola inglesa” tendo
frequentado um curso de Verão, em 1953, para Professores de Ballet na Escola do
Saddler's Wells, em Londres, cidade onde também trabalhou com alguns mestres de
nomeada, mormente Cleo Nordi e Ana Northcote. No ano lectivo seguinte entrou para
aquele conhecido estabelecimento de ensino onde frequentou as classes de nível
“profissionalizante” e teve contactos artísticos e pessoais com grandes nomes da dança
inglesa, designadamente Ninette de Vallois, Frederick Ashton, Arnold Askell, e Nadia
Nerina, que se tornou sua amiga e, anos mais trade, veio a ser madrinha do seu primeiro
filho. No início do ano lectivo de 1953-54, Águeda adoeceu gravemente com tuberculose
tendo sido internada em alguns hospitais londrinos, designadamente num sanatório muito
conhecido, o Royal Brompton Hospital, onde permaneceu seis meses antes de regressar
a Lisboa, em Maio de 1955, para convalescer em casa, junto do mar.
Segundo ela própria, a sua primeira e grande paixão foi um rico (playboy) tunisino
chamado Pietro Gali – que conheceu na faculdade de Ciências de Paris e que morreu
prematuramente num desastre com um pequeno avião que se despenhou no mar perto de
Cascais numa das suas visitas a Portugal – mas foi, num difícil período de convalescença,
que desposou Fernando Lima, em 16 de Julho de 1955, tendo vivido juntos até Março de
1962.
Depois de recuperada, Águeda Sena recomeçou a dançar ao lado do marido na “super-
fantasia musical” de Vasco Morgado, Melodias de Lisboa, e, posteriormente, no grupo
dirigido por ambos, chamado Ballet-Concerto, em cujo reportório constavam, além de
peças de Fernando Lima e da veterana Margarida de Abreu, também uma obra de Águeda,
Em Nossas Torres de Marfim (música de Stravinski).
Com o grupo, “Danças e Cantares de Portugal/Bailados Portugueses de Fernando
Lima" dançou depois, como primeira figura, diversas obras entre as quais A Severa
(música de Fernando de Carvalho, 1956), no Teatro Monumental, no Casino do Estoril e
numa posterior digressão europeia, que durou quase dois anos. No teatro de Annecy, na
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Alta Sabóia, em França, durante mais de uma semana, o grupo fez a primeira parte de
uma série de espectáculos diários com a famosa Edith Piaf, de quem Águeda sempre
guardou uma memória muito particular:
Era uma mulher pequena e franzina e com uma testa enorme, pois o cabelo começava
quase a meio da cabeça. Era tão feia quanto expressiva. Uma figura muito singular que
se não esquece. Uma noite foi-nos pedido para ir “aguentando o público” pois a Piaf
estava atrasada para o show. Aceitámos de bom grado, mas, ao fim de algumas danças,
começámos a ser vaiados porque o público já estava cansado de ver dança e esperar
pela cantora. Acabámos por sair de cena e, logo de seguida, a dona do teatro do Casino
veio ao palco informar a audiência que a senhora tinha tido um pequeno acidente, mas
que estava quase a chegar. Ao ver o caso mal parado ainda perguntou se, em
alternativa, queriam o dinheiro dos bilhetes de volta ou ver o ballet outra vez. No meio
daquela confusão lá regressámos ao palco tensos e sem nenhuma vontade de dançar.
Apesar de toda essa inusitada espera, o público acabou por nos receber com muitos
aplausos. Entretanto, Edith Piaf chegou, visivelmente bêbeda e, provavelmente,
também drogada e, meio cambaleante, deu início ao espectáculo. Disse alguns
impropérios e, de seguida, cantou durante quase duas horas pondo os bailarinos (nos
bastidores) e o público na plateia a chorar.... Era, realmente, uma vedeta de
primeiríssima grandeza. (Águeda Sena, entrevista, Oeiras, 2013)
Juntamente com Fernando Lima, após o regresso deste do estrangeiro (porque ela
regressou antes do fim da digressão), participou na revista Melodias de Sempre, no Teatro
Monumental, em 1956, e em duas peças de teatro, protagonizadas por Laura Alves e Artur
Semedo. Entre os anos de 1955 e 1958, ambos colaboram regularmente com Vasco
Morgado dançando e coreografando para o teatro ligeiro, nomeadamente a peça O Fado
com uma certa regularidade. Um dos elencos desse “número” contou mesmo com
Águeda, na Severa, Fernando, no Marialva e Laura Alves (em travesti), no papel
masculino de Custódia.
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Fernanda de Castro, directora dos Parques Infantis lisboetas, Águeda Sena, encarregou-
se, durante dois anos e meio, do ensino da dança. Resumindo um pouco a sua actividade
pedagógica no Pássaro Azul, a professora testemunhou que “a Fernanda puxava muito
por mim artisticamente. Às vezes dizia até às pessoas para me cumprimentarem porque
eu era uma artista importante. Mas, na verdade, eu não ligava nada a essas coisas”
(Águeda Sena, entrevista, Cascais, 2013).
Na temporada de 1961/62 dançou no Grupo de Bailados Portugueses Verde Gaio, sob
a direcção de Margarida de Abreu e Fernando Lima – onde interpretou o papel titular de
Severa, no bailado homónimo (um remake do Fado) então com música do compositor
Jaime da Silva, Filho – tendo, seguidamente passado para o Grupo Experimental de
Ballet, grupo com o qual voltaria a dançar também, em 1964.
Em 1963, participou no projecto Teatro de Câmara António Ferro – fundado pela sua
viúva, a citada poetisa Fernanda de Castro – em que puseram em cena apenas uma peça
dele, que tinha morrido, em 1956: “Lembro-me de ser um indivíduo muito divertido e
muito ditador no trato” (Águeda Sena, entrevista, Cascais, 2013).
De 1964 a 1966, Águeda coreografou para o Ballet Teatro, companhia fundada e
dirigida por si, após uma tumultuosa saída da Gulbenkian, em solidariedade com Norman
Dixon que fora despedido por Madalena Perdigão – tendo Inês Guerreiro como Directora
Associada. O grupo estreou-se no Cinema Império com o espectáculo Macbeth,
Homenagem a William Shakespeare, de colaboração (na parte coreográfica) com Dixon,
antigo director artístico do Grupo Experimental de Ballet (GEB). Depois de uma
digressão pelas províncias portuguesas, o grupo voltou a apresentar-se em Lisboa no
Cinema Tivoli e no Teatro da Estufa Fria. Cada vez mais absorvida com a coreografia e
o ensino da dança, foi, progressivamente, iniciando uma carreira de actriz que adiara ao
deixar o Conservatório, então, ciente da urgência da sua carreira de intérprete e criadora.
Águeda terminou a sua carreira de bailarina em 1965 – aos 38 anos - devido a um
acidente de viação em que partiu um joelho, quando estava grávida da filha, Águeda Faria
de Vasconcelos de Almeida Gil, que nasceu em 1964. Então casada com um médico de
Cascais, Josias Ferreira Gil, confessou que deixara os palcos porque “não quis descer de
cavalo para burro e deixei de dançar em público quando tinham de mim uma boa
recordação.” (Águeda Sena, entrevista, Cascais, 2013).
Em Outubro de 1966, Águeda registou um enorme sucesso ao coreografar a luxuosa e
emblemática revista à portuguesa Esta Lisboa que eu Amo, estreada no Teatro
Monumental.
O crítico Goulart Nogueira fez, mesmo, na Revista Flama de 7 de Outubro de 1966,
uma afirmação algo inesperada: “A principal vedeta deste espectáculo, aquilo que
constitui uma revelação e inovação feita por portugueses em espectáculos deste género,
é a coreografia de Águeda Sena” (Nogueira, 1966, s/p).
No mês seguinte, assinale-se, iniciou uma longa e frutuosa colaboração com o
encenador Carlos Avilez, no Teatro Experimental de Cascais (TEC), coreografando A
Maluquinha de Arroios, de André Brun.
No último dia do ano de 1966, o “ballet” de Águeda Sena apresentou uma peça – para
“crianças de todas as idades” – Parque Infantil, em associação com Francisco Nicholson
e Armado Cortês, no “moderno e confortável Teatro Villaret” (Parque Infantil, 1966).
Até fins da década de oitenta, a coreógrafa envolveu-se com crescente intensidade no
teatro, na parte da movimentação de algumas encenações em que, pontualmente, também
actuou como actriz. Anos mais tarde foi marcante a sua interpretação da prostituta Neusa
Suely na “chocante” peça do brasileiro Plínio Marcos, Navalha na Carne, estreada no
Cinema Quarteto, em Lisboa, em Outubro de 1977, que alguma tinta fez correr nos jornais
da época.
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e Águeda Sena (bailarinos, actores e cantores), a coreógrafa não tirou grandes dividendos
da sua inventiva e espectacularidade e até da própria originalidade da proposta.
Naban Matsuri, obra de dança-teatro que, por iniciativa de Avilez, reuniu no elenco
portugueses e japoneses, foi eleita pela imprensa japonesa como o melhor entre todos os
espectáculos apresentados pelos 79 países participantes, na Expo'70. Nele participaram,
pela parte portuguesa, elementos do Grupo Gulbenkian de Bailado, do Grupo de Bailados
Portugueses Verde Gaio, mais de três dezenas de actores do Teatro Experimental de
Cascais, cantores do Orfeão Académico de Coimbra e outros artistas convidados, num
total de 198 participantes.
Segundo a bailarina Bernardete Pessanha (1928-2015), terá sido “uma peça
monumental, única, em que se juntaram centenas de artistas portugueses e nipónicos e
espantou todos quantos tiveram oportunidade de assistir a esse singular evento, num
espaço do tipo estádio e com acções dispersas por várias zonas e em diversos níveis
visuais”. Os bailarinos, cantores e actores portugueses, que entraram no evento ficaram,
desde logo, um pouco espantados como aquela espécie de confusão organizada pela
coreógrafa, num espaço imenso, divididos por vários grupos, em vários palcos, em que
nada parecia fazer muito sentido para eles, mas, a verdade é que a visão e os objectivos
da grande coreógrafa resultaram em absoluto e teve um enorme impacto nas multidões,
que tiverem o privilégio de experienciar tal acontecimento (Laginha, 1998, p. 201).
Era um trabalho para ser visto de longe, com uma enorme profusão de adereços
gigantes que se deslocavam em várias frentes. Foi um inteligente espectáculo alegórico
que movimentava massas de artistas, desde logo, concebido para milhares de pessoas
e que resultou num deslumbramento para os olhos espantados do público oriental.
Tratou-se de um daqueles “fenómenos” de movimento e representação que, então, só
poderiam ter nascido na cabeça da Águeda. Uma mulher que inventou uma dança para
aquele não-teatro. E um teatro que alimentava uma coisa que parecia dança.
(Bernardete Pessanha, entrevista, Lisboa, 1990)
Inspirada nos famosos biombos pintados no Japão depois da chegada dos primeiros
europeus àquele país oriental, a performance também deixou uma marca indelével em
todos quantos nela participaram. Tal como nas pinturas em que se podem ver cenas de
Portugueses no Japão, Avilez juntou em palco dois mundos, o ocidental e o oriental, numa
peça em que a integração das diversas formas artísticas se efectuou com a maior das
harmonias. Naban Matsuri, que se estreou no dia 24 de Agosto de 1970, não teve mais
que seis representações, no Japão. O butô japonês5 e, sobretudo, um certo misticismo
oriental, a que Águeda Sena voltaria, alguns anos depois, no bailado Amargo, só muito
mais tarde (pela década de oitenta fora) viria a fascinar muitos criadores europeus e norte-
americanos. Essa estética vanguardista japonesa não parece ter encontrado adeptos da
nossa dança, como também não tiveram grande eco as influências de raiz africana,
historicamente, mais próximas da cultura portuguesa:
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A estrela da produção era a bailarina Isabel Santa Rosa – artista principal do GGB -
que tinha uma intervenção ao lado de uma famosa bailarina japonesa. A verdadeira co-
produção, porém, só se inciou na segunda parte do evento com os bailarinos japoneses a
retratarem o Japão antes dos contactos com o Leste. Depois mostrou-se a chegada dos
portugueses a Tanegashima, as primeiras trocas comerciais, a introdução da espingarda e
os primeiros esforços de cristianização e a primeira missão diplomática japonesa à Europa
composta por quatro jovens aristocratas, finalizando o evento com a reafirmação da
duradoura amizade Luso-Nipónica” (Laginha, 1998, p. 202).
Apesar do sucesso além-fronteiras e de toda a espectacularidade da proposta, a
coreógrafa não tirou grandes dividendos desse êxito. O matutino Diário Popular, num
artigo não assinado de 16 de Agosto de 1970 6, antecipou, mesmo, o destino da obra (já
com morte anunciada) através das seguintes palavras: “500 figurantes lusos e nipónicos
estarão em cena no momento culminante do espectáculo principal (Namban Matsuri), que
não será exibido no nosso país por falta de recinto apropriado”.
Contudo, o sucesso da peça in loco e o entusiasmo pessoal de Águeda Sena terão
levado a coreógrafa, de volta a Lisboa, a embarcar em algumas tentativas para montar
uma versão de Namban Matsuri (ainda que reduzida), em Lisboa. Gorado esse objectivo,
ficou com a ideia de que o poder político e artístico da época não “viram com bons olhos
um projecto com aquela pujança” até porque, mesmo antes de ele ter acontecido já se
fazia constar que não havia em Portugal um espaço adequado, o que era um perfeito
disparate. (Águeda Sena, entrevista, Cascais, 2010).
Depois da chamada “experiência japonesa”, Águeda Sena passou a colaborar
regularmente com o TEC e o seu director e encenador principal, Carlos Avilez, tendo
aparecido, no final de 1970, como actriz e coreógrafa da obra Breve sumário da história
de Deus, de Gil Vicente (que foi antecedida no programa pela peça Sotoba Komachi, de
Yukio Mishima, trazida do Japão), encenada por Avilez.
6
Título do artigo: Portugal estará presente na grande feira de Osaka com um grande espectáculo de teatro,
bailado e folclore, p. 21
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Os anos derradeiros
Durante os anos 1970 e 1980, Águeda Sena começou e envolver-se, ainda com maior
intensidade, nos caminhos teatrais e, em 1971, colaborou intensamente na montagem da
peça Ivone Princesa da Borgonha, que recebeu o Prémio da Imprensa nesse ano para a
melhor peça e encenação. No final desse ano – a 2 de Dezembro – dirigiu um espectáculo
duplo com Acto Sem Palavras (Beckett) e Sinfonia dos Salmos (Stravinsky), no TEC.
Voltou a colaborar com Carlos Avilez, em Fuenteovejuna (1973), Cerimonial para um
Combate (1975), A Ópera dos Três Vinténs (1976), O Que é Que Aconteceu na Terra dos
Procópios (1980), Onde Vaz, Luís? (1981), Portugal, Anos 40 (1982), Jedermann, Auto
da Moralidade da Morte do Homem Rico (1983), Galileu Galilei (1986) e a A Dama das
Camélias (1995).
Em 1972, resolveu fazer uma pausa e, como bolseira da Fundação Calouste
Gulbenkian, em Copenhaga (Dinamarca), encenou uma peça no Durhan-Baden Group,
com o qual ganhou um prémio para teatro infantil. No ano seguinte regressou a Lisboa,
antes de partir para Angola, a fim de leccionar no Clube de Teatro de Luanda.
Em Outubro de 1975, uns meses depois do 25 de Abril, coreografou para o já muito
depauperado Grupo de Bailados Portugueses Verde Gaio, Ritual para uma Criança que
vai Nascer, com música de Fernando Lopes-Graça. Em 1977 regressou à sua casa de
sempre, a Fundação Calouste Gulbenkian, para coreografar A Valsa Mais Triste (com
música de Gustav Mahler, inspirada no poema Baile Finlandês de Bertolt Brecht (1898-
1956), uma peça em que a coreógrafa usou, com alguma frequência, um método muito
pouco comum em companhias de dança de raiz clássica na época: a improvisação com os
artistas-bailarinos. Porém, devido a complicações de montagem durante a criação e,
mesmo, a ligeiros “atritos” entre artistas, a coreógrafa não assistiu à estreia do bailado. O
próprio Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, também não terá ficado
muito satisfeito com o resultado, porém, o público assistiu com a tranquilidade que
sempre reinava no Grande Auditório daquela instituição, a uma obra “com um instinto
algo revolucionário, muito ao gosto daqueles tempos, que muito agradou à maioria dos
artistas que nela participaram”. (Bernardete Pessanha, entrevista, Lisboa, 1990).
Posteriormente, Águeda voltaria a coreografar na República Democrática Alemã, em
Macau – em 1980 foi convidada pelo Instituto Cultural de Macau para dar seminários de
Dinâmica Educativa para professores, grupos chineses de teatro e jovens dos liceus luso-
chineses – e, na Dinamarca.
No ano de 1981 criou a Associação Cultural e Artística de Investigação – Teatro
Espaço – onde formou mais de duas centenas de profissionais da área do espectáculo e
recebeu um prémio (da crítica) por um ciclo constituído por cinco farsas contemporâneas
brasileiras, bem como as peças Cidade Rei, O Gigante Verde e Que Vergonha D. Berta,
de dramaturgos portugueses, em que além de ter a cargo a encenação e a coreografia,
também participou como actriz.
No ano de 1982, pela mão de Carlos Trincheiras – que fora seu assistente na realização
do bailado A Valsa Mais Triste – voltou a pisar o palco do Grande Auditório da Fundação
Calouste Gulbenkian, como actriz convidada, na peça Da Vida e da Morte de uma Mulher
Só, da autoria daquele coreógrafo e seu amigo de longa data. Dois anos depois, a convite
do Instituto Cultural de Macau, voltou à China para, durante quatro meses, realizar mais
seminários de dinâmica educativa com professores do ensino secundário, grupos de teatro
chineses e um grupo do Liceu Luso-chinês daquela cidade, finalizando com a produção e
encenação de um espectáculo sobre Gil Vicente, intitulado A Riqueza e a Justiça.
Em Fevereiro de 1989 estreou, numa modesta sala de uma sociedade na Rua da Fé, O
Gigante Verde, de Manuel Grangeio Crespo (1939-1983). Foi uma peça muito especial
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para a sua carreira por ter encenado um texto de um autor com quem tinha mantido uma
relação amorosa:
Entre 1989 e 1994 Águeda Sena ocupou o lugar de Professora Coordenadora da Escola
Superior de Teatro e Cinema, do Instituto Politécnico de Lisboa.
Entrou em vários filmes, mas o seu trabalho principal para cinema foi, em 1998, uma
participação, como actriz, no filme Tráfico do realizador João Botelho.
A partir do ano 2000 empenhou-se bastante na edição, mas sobretudo, na encenação
de obras de seu pai, tendo lavado à cena a peça O Espírito de Combate, em 2004, no
auditório da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA).
Durante a sua carreira recebeu diversos prémios, designadamente o Prémio da
Imprensa – Melhor Coreógrafo – em 1962 e 1967 e o de Melhor Espectáculo da Expo-
70, em Osaka (Japão) com Naban Matsuri, em 1970, além das Medalhas de Mérito
Municipal, Grau Ouro, do Concelho de Oeiras a 7 de Junho 1990, de Comendadora da
Ordem do Infante Dom Henrique, a 10 de Junho 1994 e o título de Cidadão Honorário de
Cascais – a 7 de Junho de 1996. Em Maio de 2005 – juntamente com o ex-marido
Fernando Lima – foi homenageada pela SPA recebendo, entre 44 individualidades acima
dos 70 anos, a Medalha de Honra da SPA (na área da Dança).
Uns tempos, antes de ficar bastante debilitada pela falta de visão, Águeda viveu dois
anos em Oeiras, tendo voltado a Cascais, onde veio a falecer. Já longe da sua meninice
lembrava, com nostalgia, que nunca conseguiu ter uma casa como a dos seus pais, “porque
nela tudo era perene e nas suas tudo era de… passagem” (Águeda Sena, entrevista,
Cascais, 2013).
Aos 90 anos ainda se recusava a parar de pensar na Arte e na Vida e de fazer planos,
“pois… parar é morrer e só morremos quando desistimos de viver” (Águeda Sena,
entrevista, Cascais, 2013), citando o poeta António Maria Lisboa, que muito admirava.
Referências
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Irma CAPUTO
Pós-doutoranda do Programa de Pós-graduação
em Estudos da Linguagem da PUC – Rio, Faperj Nota 10
[email protected]
Resumo: Esse artigo visa explorar a relação entre artes plásticas e dança, partindo
especialmente do trabalho do artista Hélio Oiticica (26.07.1937 – 22.03.1980)
desenvolvido entre os anos 1960 e 1970. Será particularmente explorada a trajetória do
artista, em termos de busca de movimento e estudo de projeção espacial, com a introdução
de elementos rítmicos, primeiro na superfície plana do quadro e depois em elementos
instalativos, até chegar aos Parangolés, no âmbito do que ele definia arte-ambiental. A
trajetória será desenvolvida através das obras consideradas essenciais, como pressupostos
dos Parangolés. A proposição dos Parangolés será investigada, visando entender o papel
da dança na proposta estético-vivencial do artista e buscando entender suas referências e
o impacto não só em termos de quebra de paradigma estético, mas em termos de rupturas
sociais que a incorporação desses paradigmas acarreta.
Abstract: This article aims to explore the relationship between plastic arts and dance,
starting especially from the work of the artist Hélio Oiticica (26.07.1937 – 22.03.1980)
developed between the 1960s and 1970s. It will be particularly considered the insertion
of rhythmic elements, first on the flat surface of the painting and then in installation, until
the Parangolés within what he defined as environmental art. The trajectory will be
developed through the works considered essential for the creation of the Parangolés. The
Parangolés project will finally be investigated in order to understand the role of dance
in the artist's aesthetic-experiential proposal and seeking to understand its references
and the impact not only in terms of breaking the aesthetic paradigm, but also in terms of
social ruptures that the incorporation of these paradigms entails.
Se é verdade que a história se repete, também é verdade que a história pode tomar
novos rumos, à luz de novas leituras de fatos históricos. Uma parte do processo de
releitura e reelaboração da história se dá pela abertura de espaços, antes negados, a obras,
artistas e produções culturais, que por serem incómodas em dados momentos, sofreram
persecuções, isolamento e alienação. A persecução e a marginalidade à qual foram
relegadas essas obras, todavia, é índice diretamente proporcional, do poder de
transformação que esses mesmos trabalhos trazem. A história da proposição artística dos
Parangolés (1965) - um trabalho de arte ambiental, capas assimétricas de vários materiais
feitas para serem vestidas e dançadas, projetando-se no ar de maneira distinta e sendo
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vividas por quem as vestia e por quem gozava da atmosfera criada pelas peças dançadas
- é uma história marcada pelos rechaços do jet set mundano da arte, incompreensões da
história recente e resgates.
Em 1965, apenas um ano depois dos militares no Brasil terem tomado o poder às forças
com um golpe de estado, a tensão social é forte e o protesto, através de manifestações
artísticas e culturais lideradas por jovens, conquista seus espaços. Augusto Boal,
dramaturgo de destaque da contestação pela agregação através da arte e pela reivindicação
de um espaço de expressão livre, propunha um espetáculo recorrente com o grupo do
Teatro de Arena, do Rio de Janeiro, chamado Opinião, que unia, feito colagem,
experiências artísticas diversas de música, canção, leitura e encenação, todas
vanguardistas. Em 1965, foi organizada no Museu de Arte Moderna (MAM), do Rio de
Janeiro, uma exposição cujo nome remetia exatamente ao espetáculo proposto por Boal,
Opinião 65. O nome evocava a ideia de arte e crítica e isso era corroborado pelos artistas
presentes, pelo conjunto de obras de vanguardas, longe daquilo que até então havia sido
exposto nos salões de arte e que, embora Hélio Oiticica rejeitasse enquanto expressão da
burguesia rançosa incapaz de criar mudanças, ocupava naquele momento, ou pelo menos
tentava ocupar junto com uma coletividade que era parte central da sua obra, os passistas
da escola de samba.
Havia uma burguesia faminta de falar de arte nova e de alguma maneira “consumi-la”,
que mostrou, porém, na hora mais importante, a sua incapacidade de lidar com um novo,
não laqueado, que se desdobrava fora das vitrines da contemplação. No dia da abertura
da exposição Opinião 65, o artista Hélio Oiticica, ao chegar com os bailarinos de samba
da Mangueira vestidos com os parangolés e armados de instrumentos musicais para a
vivência da obra - dançar ao som da bateria vestidos com os Parangolés - foram expulsos
do museu, recriando a proposição no externo, nos jardins do MAM, depois de um
memorável discurso de Oiticica sobre o cunho racista daquela atitude, a qual revelava
muito mais que um rechaço de ordem estética1. Não é casual que Wally Salomão (2015),
poeta e amigo de Oiticica, no livro Hélio Oiticica: qual é o parangolé intitule o capítulo
em que fala da exposição Opinião 65 “Armou o maior barraco no MAM”, pois a reação
do artista foi de dura crítica ao novo com sabor a mofo, representado pela etiqueta do
mundo da arte de exposição. Salomão contextualiza o clima de efervescência política
dessa exposição dessa forma:
No ano seguinte [ao golpe militar de 1964], os jovens artistas plásticos fazem a
exposição Opinião 65 idealizada pelo marchand Jean Boghici com a colaboração da
crítica de arte Ceres Franco, residente na França. Pretendiam explorar uma nova
imagem, uma tendência figurativa que era o dernier cri. E Jean Boghici, autor da ideia
da mostra, reuniu os artistas brasileiros aos que Ceres, xará da deusa latina da
agricultura, juntou numa colheita de artistas de Paris ou ali sediados. Era uma ousadia
pois a Bienal de São Paulo já sofria as tesouradas da censura militar. [...] Convite, terno
e gravata eram obrigatórios. Mulheres empiriquetadas com seus cabelos esculturas de
laquê. [...] Ameno vernissage de obras corrosivas, o protocolo sendo cumprido à risca.
‘Exposição de ruptura...estética cômoda...tradição plástica caduca...socialização da
obra de arte’, tais figuras incendiarias extraídas da apresentação de Ceres Franco
1
“Ele então fez um discurso no qual criticava o diretor e a equipe da instituição, alegando que aquela
censura tinha pouco a ver com o aspecto antiestético de sua obra, mas se baseava fundamentalmente na
intolerância social e racial; em outras palavras, em virtude das tensões entre as duas classes sociais ali
presentes.” (Ricupero et al., 2020, p. 42).
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Hélio Oiticica fazia parte da programação, mas a retórica “fauve” era aceite até não
superar os limites das etiquetas, da influência das quais a esquerda radical chique não era
isenta. O ingresso de Hélio Oiticica com os estandartes e os bailarinos vestidos com os
parangolés foi barrado. O artista viu nisso muito mais que uma quebra de paradigma
estético, viu o Brasil retrógrado, racista e elitista se expressando e, no fundo, a recusa de
um paradigma estético acarretava também, a recusa dos corpos que faziam parte daquele
novo paradigma, os corpos negros, dos trabalhadores proletários explorados e das
periferias colocadas à margem do mundo da arte.
A proposição com dança e profusão de uma energia vital dionisíaca, usando uma
adjetivação que o próprio autor associava à sua produção, tomou lugar no externo do
museu. A arte brasileira contemporânea estava sendo sacudida desde as fundamentas.
Wally Salomão (2015) e Guy Brett (1995)2 reconstroem uma linha histórica
interessante, traçando uma conexão com esse primeiro evento, de 1965 e a bienal de São
Paulo, de 1994. Nessa ocasião, Luciano Figueiredo, artista e curador responsável pelo
projeto Hélio Oiticica, reproduziu uma situação similar à de 1965, pois passistas com
Parangolés entraram na sala destinada à exposição de Malevich, uma das inspirações de
Oiticica, especialmente na primeira fase artística de busca formal e cromática. A intenção
era, de alguma maneira, criticar a pouca importância atribuída a Hélio Oiticica e Lygia
Clark, destinando-lhe um espaço físico secundário no âmbito da exposição (Salomão, op.
cit., p. 54) e irrompendo assim com a experiência vivencial dos Parangolés nas salas da
bienal. Um repórter do Jornal do Brasil, nessa ocasião, fotografa o curador holandês da
sala de Malevich, Wim Bereen, enquanto manda embora os bailarinos “gritando aos
dançarinos para sair com um tipo de gesto que o proprietário de um restaurante usa para
expulsar mendigos de sua porta” (Brett 1995 apud Spricigo, 2013, para.25). Em 1965,
assim como em 1994, alguns corpos envolvidos em algumas experiências de arte, hoje
em dia definida relacional, incomodaram.
Recorrendo os momentos chave da história da arte brasileira, lembra-se a emblemática
semana de arte moderna de 1922 e percebe-se que o impulso para a modernidade é
marcado por rechaços. A tal propósito é nota a crítica híspida de Monteiro Lobato (1917)
aos quadros de Anita Malfatti - sucessivamente ícone da semana de arte moderna -
expostos na individual de 1917, fruto, segundo o literato, de uma mente paranóica,
distorcedora do cânone e de um suposto conceito de belo, que se aninharia nas obras de
autores, como Rafael em Itália, Rebrandt na Holanda e Rodin em França.
No âmbito da história da arte de além-mar lembra-se Le salon des refusées (1893) onde
foram expostos a maioria dos impressionistas recusados pela Academia de Belas Artes
do salão oficial, ou ainda voltando às Américas, o ready-made Fonte (1917) de Marcel
Duchamp, recusado pela Associação dos Artistas Independentes, de Nova York. Todos
esses casos e essas obras apontam para criações, que por se colocarem fora dos parâmetros
e padrões estéticos consagrados, desafiam o cânone propondo e criando para além dele.
O tratamento destinado à arte ambiental dos Parangolés de Oiticica, porém, além de
apontar para o choque entre cânone e vanguarda, aponta para algo mais profundo: não era
só o conceito das capas dançantes, feitas para serem vividas, que estava sendo recusado,
mas exatamente os corpos envolvidos na experiência artística. O que aumenta a carga
política da obra, de fato, o potencial político dispara-se por si só: os próprios parâmetros,
sobre os quais a obra-experiência se constrói, são subversivos para aquela época, pois,
2
Confrontar bibliografia Spricigio, 2013.
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As produções plásticas de Hélio Oiticica, até chegar aos Parangolés, parecem ser
explorações necessárias de cores, espaço, relações geométricas, construção do ritmo na
matéria. Na sua pesquisa de linguagem colocam-se questões a partir da matéria, numa
indagação que culmina na desmaterialização do objeto e na criação de uma experiência
artística completamente envolvente e vivencial. É essa a concepção com a qual é
apresentada a trajetória dos trabalhos de Hélio Oiticica na exposição de 2020, Hélio
Oiticica: a dança na minha experiência, isto é, a progressiva saída da superfície do
quadro para projetar a geometria e a exploração das cores fora do plano, até chegar aos
corpos e às dobras dos Parangolés.
Os construtivistas e o movimento de De Stijl (primeiras décadas do século XX) têm
tido grande importância para as explorações do movimento neoconcreto brasileiro (1959)
e do Grupo Frente (1956), dos quais Oiticica faz parte e esse último, particularmente
chefiado pelo próprio mestre de Oiticica, Ivan Serpa. A ideia da busca da percepção pura,
de uma transcendência da emoção através de uma pintura não figurativa, que explorasse
as relações espaciais e cromáticas, era um dos engajamentos primários de Hélio Oiticica
na época de participação do Grupo Frente. Através das explorações dos novos limites da
pintura era colocada em xeque também a existência do próprio objeto pictórico e sua
validade como prática de expressão artística, chegando, em uma fase intermédia da
161
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3
Oiticica define como “Nova objetividade” o estado brasileiro “da arte atual”, isto é, da época em que o
texto foi escrito - 1967 - este como outros do artista encontram-se reunidos na coletânea escolhida e
organizada por Lygia Pape, Luciano Figueiredo e Waly Salomão sob o nome “Aspiro ao grande labirinto”
(1986).
4
Grifos do autor. Onde foi colocado o símbolo “/” marca-se o parágrafo sinalizado pelo próprio autor em
destaque. Muitos desses textos aparecem datilografados ou ainda escritos à caneta e são acessíveis online
pelo arquivo digital do projeto Hélio Oiticica.
5
Imagens de outros quadros do conjunto Metaesquemas. Disponíveis em:
http://legacy.icnetworks.org/extranet/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=Detalhe&pesquisa=simples&
CD_Verbete=4358.
162
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engrenagem do movimento, em que as cores escuras preto e laranja em cima de uma base
clara operam no nível do contraste e, ainda, não há, como será observado sucessivamente,
escalas cromáticas de uma mesma cor (ton sur ton). Na figura 2., os elementos
geométricos na superfície branca são retângulos, que embora planos e compostos por
lados retos, por causa do comprimento assimétrico de base e altura do perímetro, criam
discrepâncias na justaposição de cada figura, o que confere, a final, novamente,
movimento. A geometria férrea dos retângulos, aparentemente inabalável na construção
linear e a relação entre as duas cores mais básicas, o preto e o branco, desintegram o seu
geometrismo perfeito, inserindo movimento e irregularidade, isto é introduzindo o ritmo.
Mas a geometria plana não consegue responder à necessidade de exploração da interação
espaço, obra, fruidor. Assim a partir dos anos 60 Oiticica projeta as geometrias dos
Metaesquemas no ar. Elementos de madeiras pendurados no teto, tendencialmente de
tonalidades de amarelo e vermelho, insinuam-se no espaço físico, adentram-se, infiltram-
se com suas irregularidades côncavas e convexas, podendo ajeitar-se de diferentes formas
e podendo, assim, ser vistos de diferentes perspectivas. Oiticica considerara-se um dos
primeiros artistas a sair da superfície achatada da tela para tentar resolver os problemas
formais no ambiente: “existe em 72 algum pintor importante q haja assumido o
experimental no canvas-moldura na aspiração mural ambiental espacial/ não conheço”
(Oiticica, 1972, paras.4-5).
163
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Agora, nessa fase de arte na situação, de arte antiarte, de ‘arte pós-moderna’, dá-se o
inverso: os valores propriamente plásticos tendem a ser absorvidos na plasticidade das
estruturas perceptivas e situacionais. É fenômeno psicológico perfeitamente
destrinchado o fato de a plasticidade perceptiva aumentar sob a influência das emoções
e dos estados de afetividade. Os artistas vanguardeiros de hoje não fogem dessa
influência, como os clássicos do modernismo, e muito menos a procuram,
deliberadamente como o faziam os subjetivos românticos do ‘expressionismo abstrato’
ou ‘lírico’. Não é a expressividade em si que interessa à vanguarda de agora (Pedrosa,
op. cit., pp. 355-356).
É a confirmação de que a arte abstrata, está deixando espaço para outras investigações,
que partem de um conceito participativo, primeiro tímido com obras que se aproximam
das instalações (na época o uso deste termo ainda não estava consolidado), depois
completo com a o Programa Ambiental Parangolés.
Destaca-se que Oiticica sente a necessidade de apontar para o fato que essas criações
não podem ser consideradas uma saída do quadro em direção da escultura, ou ainda, como
um caminho de volta para a arte figurativa-representacional, mas que nascem do desejo
de “fundar uma nova condição estrutural do objeto que já não admite essas categorias”
(Oiticica, 1965, agosto 20). Entende-se que se funda um novo momento da arte brasileira
contemporânea, em direção a um abandono gradual das especificidades dos meios e das
formas expressivas, para, através de novas formas sensíveis, estimular novas formas de
“receber” a arte, ou melhor, de interagir com ela. Maurice Merleau-Ponty, bastante citado
nas infinitas anotações de Hélio Oiticica, estava colocando, a partir da década de 1940,
novas questões no âmbito da fenomenologia: começa-se a entender que não há imanência6
no conhecimento do mundo, pois ele está sempre sendo recriado pelo contato com as
coisas mesmas, os corpos, os ambientes em que estão inseridos e a situação na qual se
encontra o sujeito observador. O sujeito pode sentir e, a partir desse sentir, elaborar
conhecimento, a impressão e a sensação, sempre consideradas enganadoras e
6 Com o termo imanência se faz referência, nesse trecho, a um conhecimento que se resolve unicamente no
eu individual e na consciência. Para as diversas definições filosóficas do termo consultar o Dicionário de
Filosofia de Nicola Abbagnano (Fontes, 2007). Ao longo do artigo o termo vai aparecer em citações de
Oiticica, que, todavia, vai usá-lo com um valor diferente, entendido como o movimento contrário à
transcendência.
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Figura 7. Penetrável, 1960, Homenagem a Mário Pedrosa Figura 8. B11, Bólide Caixas, 1964
Hélio Oiticica, Reprodução fotográfica Cláudio Oiticica Hélio Oiticica, Reprodução fotográfica
Cláudio Oiticica
Com essas obras, a interação torna-se factual. O tempo de interação torna-se tanto do
participante, quanto da própria obra, que dura enquanto se interage com ela8. Os
Penetráveis investigam cor e espaço como as obras anteriores, a grande diferença é que,
funcionando como cabines com portas que abrem em direções e lateralidades diferentes,
permitem a passagem do fruidor, que não só cria a sua própria espacialidade, como,
podendo atravessá-la ou fechar-se nela, encontra-se completamente envolvido pela cor.
A passagem da contemplação para interação é alcançada. Para o olhar contemporâneo, o
elemento interativo pode parecer algo normalizado, mas naquele momento romper com
sacralização do objeto artístico, tanto para o que seria considerado arte, quanto para o
lugar de exposição e tipo de interação, constituía uma mudança radical, especialmente
pelo que concerne a democratização da produção artística, não mais considerada assunto
para especialistas. Releve-se também que os anos 60 e 70, no Brasil, são anos de ditatura
e, embora a tortura militar passasse pelo corpo, em termos sociais e culturais, entenda-se
públicos, tudo o que era referente ao corpo era negado, abafado, pois os corpos falam a
verdade da opressão e da repressão. Um corpo disciplinado que não escuta suas verdades
é um corpo controlado. A ideia de chamar o cidadão para ouvir a forma como ele está no
mundo a partir da interação com um não-objeto artístico9 é absolutamente radical. Os
Bólides assumem, por essa razão - aumentar a possibilidade de manuseio - dimensões
menores, também porque eles trabalham de forma mais exacerbada em um nível
multissensorial. Trata-se (Figura 8.) de pequenos elementos de madeira, parecidos a
mobílias, sempre em escalas cromáticas da mesma cor; dessa vez, o participante é
convidado a explorar, abrir possíveis portas, gavetas à vista ou escondidas, interagindo
com o que foi neles guardado: conchas, cheiros, areia, fotografias. O sentido da vista que
flerta com uma arte de cunho representativo-mimético deixa espaço ao tátil, ao olfato e a
tudo que do cruzamento desses sentidos decorre. Em algumas dessas obras, espelhos
encaixados funcionam como elemento agregador do espaço externo numa fusão entre a
8
Partindo desse pressuposto entende-se também o porquê da crítica quando as obras de Hélio Oiticica ou
Lygia Clark são colocadas em baixo de uma teca. Obviamente, há critérios de conservação, mas a
museologização desses trabalhos, a impossibilidade de manuseá-los, determina sua morte.
9
As criações artísticas no âmbito do movimento neoconcreto são chamadas de não-objeto.
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Visando a ressaltar o caráter operatório dos Bólides, que fazem a passagem das
‘estruturas transcendentais imanentes’ para ‘estruturas comportamento-corpo’,
Oiticica caracteriza-os como ‘transobjetos’, ressaltando, inclusive, que a proposta é a
mesma dos Parangolés. Neles importa o signo e não o objeto como obra, pois a
participação (explorar, manipular, descobrir) é a atividade constitutiva (Favaretto,
2017, p. 37).
Como sublinha Favaretto (2017) o projeto dos Parangolés, que constituem para Hélio
Oiticica muito mais que a produção de capas coloridas em materiais diversos para serem
vestidas e dançadas, são um verdadeiro projeto vivencial através do qual criar mudanças
na sociedade, mudanças que se dão pelos afetos - afeições do corpo pela dança e por
outras subjetividades envolvidas na arte ambiental. Através do envolvimento total do
corpo, a vivência da embriaguez dionisíaca, isto é, da arte para além das estruturas, que
se dá por uma dança desintelectualizada, o Samba, as pessoas (propositor, participadores,
que vestiam os parangolés e os que estavam presentes no lugar) conseguiriam alcançar a
vivência da arte total, apagando qualquer tipo de diferença entre arte e vida, as duas coisas
viriam a coincidir. Sentimento romântico este que Oiticica compartilha com um dos
autores que ele cita com mais frequência: Nietzsche. A dança é o instrumento que Hélio
Oiticica encontra para continuar a sua pesquisa de projeção de cores no espaço e criação
de ambientes vivenciais: o corpo é uma nova tela, só que com as complexidades
carregadas pela subjetividade dançante (vivente) vestida com os Parangolés e inserida
dentro de um ambiente onde se choca e relaciona com outras subjetividades.
O termo Parangolé, como relata detalhadamente Waly Salomão (2015), era uma
palavra da gíria da urbanidade carioca inserida frequentemente na expressão “Qual é o
Parangolé?”:
[...] era uma expressão muito usada quando cheguei da Bahia para viver no Rio de
Janeiro, e significava, entre outros sentidos mais secretos: ‘O que é que há?’, ‘O que é
que está rolando?’, ‘Qual é parada?’ ou ‘Como vão as coisas?’. Somente para marcar
a plasticidade dinâmica da língua: alguém indagar ‘E as coisas’ na gíria carioca de
então não significava preocupações físicas, alquímicas ou filosóficas, mas muito
simplesmente uma interrogação sobre o que hoje atende pela poética alusiva de
‘fumaça-mãe’, ‘pau-podre’, ou seja, designa o mesmo que é ótimo oriundo da língua
quimbundo dos bantos angolanos: maconha (Cannabis Sativa) (Salomão, op. cit., p.
30).
Relata-se também que o momento epifânico houve quando Hélio Oiticica viu um
mendigo na rua com o seu conjunto de bugigangas e farrapos-lonas esticados num
estandarte e a escrita parangolé. O mendigo com o seu parangolé representava o que
Hélio Oiticica valorizava como elemento poético urbano, os marginais na resistência para
a vida, uma resistência, que embora dura, é muitas vezes mais autêntica e mais alegre do
167
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Antes de mais nada é preciso esclarecer que o meu interesse pela dança, pelo ritmo, no
meu caso particular o sambar, me veio de uma necessidade vital de
desintelectualização de desinibição intelectual, da necessidade de uma livre expressão,
já que me sentia ameaçado na minha expressão de uma excessiva intelectualização
(Oiticica, op. cit. p. 72).
A busca formal abandona a matéria e nem pode se chamar mais de busca formal, mas
sim de pesquisa artístico-vivencial, encontrando no popular, na negritude brasileira, no
arquivo de conhecimento perseguido ao longo do tempo - o samba - a resposta mais
genuína para a realização do Programa Parangolé. O encontro com o Samba começa em
1964, por intermediação do amigo artista Jackson Ribeiro que vivia no morro da
Mangueira. O encontro com o morro, com a escola de Samba é para Oiticica como um
renascer, um abandono do excesso de estruturas de uma arte, que Nietzsche definiria
apolínea, que abafa o elã para o universal, toda concentrada na execução de técnicas para
o alcance de formas sublimes11. Assim, Hélio Oiticica afirma com força o poder
arrebatador da dança como forma expressiva, em combinação relacional com os
parangolés e o entorno:
A dança é por excelência a busca do ato expressivo direto, da imanência desse ato; não
a dança de balé, que é excessivamente intelectualizada pela inserção de uma
‘coreografia’ e que busca a transcendência desse ato, mas a dança “dionisíaca”, que
nasce do ritmo interior do coletivo, que se extrema como característica de grupos
populares, nações etc. A improvisação reina aqui no lugar da coreografia organizada;
em verdade, quanto mais livre a improvisação, melhor; há como que uma imersão no
ritmo, uma identificação vital completa do gesto, do ato com o ritmo uma fluência
onde o intelecto permanece como que obscurecido por uma força mítica interna
10
Lembra-se de um dos Bólides (n° 18, B-33, 1965) realizado em homenagem a Cara de Cavalo, um
traficante amigo de Oiticica, que foi brutalmente assassinado pela polícia com 62 tiros no corpo. Cara de
Cavalo, pelo menos, segundo Oiticica, teria morrido rebelando-se à bruta força opressora. Foi-lhe também
dedicada, três anos mais tarde, a bandeira-poema Seja marginal, seja herói com a estampa do corpo morto
do amigo. Essa mesma bandeira, em 1969, foi levantada por Caetano Veloso e Gilberto Gil durante um
show e foi a razão oficial do exílio proclamado pela ditatura militar.
11
“Assim, o apolíneo nos arranca da universalidade dionisíaca e nos encanta para os indivíduos: neles
encadeia o nosso sentimento de compaixão através deles satisfaz o nosso senso de beleza sedento de grandes
e sublimes formas; faz desfilar ante nós imagens de vida e nos incita a aprender como o pensamento o cerne
vital nelas contido. Com a força descomunal da imagem, do conceito, do ensinamento ético, da excitação
simpática, o apolíneo arrasta o homem para fora de sua auto-aniquilação orgiástica e o engana, passando
por sobre a universalidade da ocorrência dionisíaca, a fim de leva-lo à ilusão de que ele vê uma única
imagem do mundo, por exemplo, Tristão e Isolda, e que, através da música, apenas há de vê-la melhor e
mais intimamente” (Nietzsche op. cit., p. 127).
168
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O ritmo interior do qual fala Hélio Oiticica é o mesmo ritmo que tenta inserir nos
Metaesquemas da idade juvenil, quebrando a rígida geometria da superfície plana. A
improvisação do samba remete à organicidade da arquitetura e da vivência do morro,
naturalmente desencadeada. O retorno a uma força mítica interior, que se alcançaria
através do ato de dançar, por sua vez, remete ao próprio Dionísio, pois, dionisíaca definia
a sua arte.
Oiticica enxerga o termo “dionisíaco” conforme a visão nitzscheana, exposta no livro
sobre o nascimento da tragédia grega. De fato, pode-se ir mais longe no tempo bebendo
diretamente dessas referências gregas e romanas. Dionísio, Baco para os romanos, era
conhecido pelos rituais iniciáticos e propiciatórios a ele dedicados, em que as bacanais,
mulheres devotas do deus dançavam de maneira concitada. Nas suas danças deveria
emergir a força bruta vital, uma pulsão que se manifestava no corpo e que se expandia
com seus movimentos, inebriando o espaço ao redor. O raciocínio, o pensamento
apolíneo, lógico, sistemático era o antípoda do fluxo dionisíaco. Esses rituais iniciáticos
com danças, ficaram uma tradição muito enraizada no Sul da Itália — lembra-se, a tal
propósito, que na Vila dos Mistérios de Pompeia (II sec. a.C.-79 a.C.) um fresco inteiro
representa os mistérios de iniciação dionisíaca. Os antigos rituais bacanais deram origem
a muitas outras danças da família das Tarantellas, como por exemplo a Pizzica. Trata-se
de danças populares, agitadas, sem coreografia, que combinam passos e eram praticadas
pelos camponeses como forma de diversão e resistência ao trabalho oprimente feito no
campo em prol da nobreza latifundiária. Essas danças, reprovadas pela licenciosidade do
apelo às forças mais instintivas, eram justificadas como uma maneira de expulsar o
veneno decorrente de picadas de aranha. A ligação com o dionisíaco e com as danças
menos “disciplinadas por códigos”, vistas como forma de libertação, de exorcização do
mal e de iniciação à vida, encontra a sua peculiar elaboração tropical com Hélio Oiticica,
bebendo do terreno ancestral trazido pelos africanos escravizados e que o fizeram reviver
na batida do samba.
A dança não coreografada e popular - dionisíaca - representa a libertação total do corpo
das amarras da sociedade que o educa sensível e esteticamente para oprimi-lo e controlá-
lo. Quantas danças não são consideradas danças por não se encaixarem no vocabulário de
movimentos, passos e sequências que segundo o cânone estético são susceptíveis de
apreciação? Quantas criações artísticas não são fruídas porque não há pessoas capazes de
receber objetos-obras que não se encaixem nas formas sensíveis às quais estamos
acostumados?
Os participantes da vivência Parangolés dançavam samba, sem coreografia, mas
obviamente com passos típicos dessa dança que poderiam, modularmente, ser
combinados em sequências diferenciadas, todas as vezes novas e improvisadas. Para
Oiticica o improviso era fundamental para a desintelectualização da dança, para que se
livrasse da busca apolínea da forma sublime, transcendente, que representava a sua
trajetória com o progressivo abandono do quadro e da perfeição formal geométrica.
169
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Pensando em Merce Cunningham e no uso que ele faz nas suas coreografias em
patchworks de movimentos heterogêneos e de procedências diversas (Gil, 2002, p. 65)
pode-se ver que até nas abordagens mais experimentais, a questão do ensaio é colocada
como condição para se alcançar, ainda na experimentação, uma forma de naturalidade
dos movimentos para que esses possam transmitir uma certa energia (Cunningham 1951
apud Gil, op. cit.). Isto é bastante peculiar e fala-nos sobre a organização epistemológica
dos saberes e conhecimento do mundo dos séculos XX e XXI, que ainda afunda suas
raízes em visões organizacionais das linguagens expressivas (não importa quais) e da
recepção como desencadeamento de estratégias perceptivas sempre iguais para processar
coisas que estamos acostumados a “consumir”. Mas para que as estratégias perceptivas
“habituais” funcionem é necessário que as coisas abordadas se encaixem em paradigmas
e em forma de linguagens organizadas, já compartilhadas pelos receptores. Embora a
dança não seja uma linguagem stricto sensu, no sentido de possibilidade de disseção em
elementos discretos (Sparshott 1995 apud Gil, op. cit.), existem inúmeros vocabulários
de gestos e movimentos decorrentes das danças institucionalizadas e que moldam o gosto
do público, assim como coagem, sem exercer um poder evidente, as formas sensíveis nas
quais se cria. Isso poderia ser entendido melhor checando os botequins de vendas dos
espetáculos excessivamente experimentais. O que se problematizar é, que até mesmo na
experimentação, é difícil se libertar dos condicionamentos que dirigem a forma de criar e
também de receber. Cunningham era um grande experimentador e inovador da dança,
mas é peculiar que ensaiar para criar danças em patchworks, serviria para “testar” a
possibilidade de que aquela combinação de movimentos resultasse natural.
170
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José Gil (2002) acrescenta que para ele Cunningham estaria, de alguma maneira,
através da incorporação desses movimentos “atípicos” na dança, colocando a mesma
questão que os ready-made de Duchamp, isto é, como esses elementos insólitos para arte,
depois de um tempo passam por um processo de “canonização”, tornando-se repertório.
Pode-se dizer que a operação de Oiticica diverge sobre um ponto essencial: ele parece
não estar fomentando um tipo de provocação baseada em trazer algo de muito inusitado
para chocar e ver se colocado em outro contexto, em exposição, pode começar a ser
considerado arte. Diferentemente, Oiticica parece afirmar que no cotidiano, na
urbanidade, nos elementos marginalizados, na cultura popular, nos corpos dos passistas,
combinados em contextos e situações diversas, reside a possibilidade de fazer arte em
forma de vida. Ele não faz arte com coisas que não considera já em si uma forma de
vivência artística. Duvida-se, por exemplo, que Duchamp considerasse A fonte (1917),
alias mictório, carregada de um verdadeiro valor, além daquilo que lhe é atribuído no
âmbito puramente conceitual. Assim, provavelmente, um gesto incorporado por
Cunningham em alguma sequência de dança, poderia não ser considerado interessante
por si só ou como algo a ser investigado se tomado singularmente. Pensa-se, pelo
contrário, que para Oiticica o Samba em si, embora nos Parangolés ele estivesse inserido
em um contexto relacional, já constituiria uma obra andante. Oiticica, portanto,
considerando alguns elementos como portadores de valor artístico, criativo e vital,
engloba-os no Projeto Parangolés da forma mais livre possível: sem ensaio e sem
coreografia. Assim ele descreve o potencial do samba como elemento de criação que se
dá pelo corpo, sempre renovado, sempre diverso. Ainda assim, a perpetua
transformabilidade do movimento, não remete à uma sua efemeridade, pois suas
características expressivas fixam-se:
A experiência da dança (o samba) deu-me portanto a exata idéia do que seja a criação
pelo ato corporal, a contínua transformabilidade. De outro lado, porém, revelou-me o
que chamo de ‘estar’ das coisas, ou seja, a expressão estática dos objetos, sua
imanência expressiva que é aqui o gesto da imanência do ato corporal expressivo, que
se transforma sem cessar (Oiticica, op. cit., p. 75).
171
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Se a dança e o ritmo são elementos cabais, entende-se também porque Oiticica está
convencido de que o que ele faz é música (Ibidem)12, pois coloca um ambiente inteiro
ressoando como um conjunto orquestral na batida de um som. Nisso converge mais uma
vez, e percebe-se que Oiticica não estava a jejum dessas leituras, com a visão nietzscheana
sobre a articulação da tragédia, na qual se criava um conjunto participativo, em que a
ideia de público era diluída em uma compenetração total com o representando. Assim
escreve Nietsche sobre a compenetração entre público e coro:
Mas cumpre ter sempre presente no espírito que o público da tragédia ática
reencontrava a si mesmo no coro da orquestra e que, no fundo, não se dava nenhuma
contraposição entre o público e coro: pois tudo era somente um grande e sublime coro
de sátiros bailando e cantando ou daqueles que se faziam representar através desses
sátiros. (Nietzsche, 1992, p. 58)
12
Depois do samba sua grande descoberta é o rock de Jimmy Hendrix.
13
À busca do suprasensorial 10/1967. Disponível
em:http://legacy.icnetworks.org/extranet/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=documentos&cod=481&t
ipo=2 O aparecimento do suprasensorial 12/1967. Disponível em:
http://legacy.icnetworks.org/extranet/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=documentos&cod=481&tipo
=2 O segundo texto encontra-se também na seleção do livro Aspiro ao grande labirinto (1986).
172
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busca de cor e materialidades que foram explorados nos Núcleos e nos Bólides. Com os
Parangolés como sistema de vivência, o pensar e o fazer da obra não são mais momentos
distintos, mas sim convergentes, propiciando uma nova escuta de si, dos corpos, que
redefinem um sentir fora da coação dos preceitos sociais, da educação perceptiva à qual
a existência em uma coletividade com valores e estruturas dominantes os obriga.
O Parangolé, portanto, é uma desobediência às regras estéticas, mas que traz rupturas
políticas e sociais, não só porque se rescreve uma nova forma de sentir através de novas
formas de criar e de se relacionar, mas pelo que essa reescrita de regras diz sobre a
inadequação dessas proposições artísticas às normas de uniformização e canonização:
trazem a proposta de uma linguagem expressiva não necessariamente linear, composta
por diversos códigos emaranhados. Uma arte, que para ser e estar não precisa de um artista
gênio, mas precisa de corpos que se juntam coletivamente, criando energia no entorno.
Os corpos que dançam os parangolés representam também inscrições coletivas históricas
fortes: são corpos que vêm do morro, corpos negros, que têm feito emergir com o
engajamento corporal direto na obra os grandes problemas raciais que afligiam o Brasil
da época e que, ainda hoje permanecem irresolvidos. José Gil afirma que cada bailarino
traz no seu próprio corpo inscrições sensoriais e existenciais que ficam como um
inconsciente do corpo, ao mesmo tempo, que há acontecimentos e coisas que não chegam
a inscrever-se, deixando um vazio, “uma sequência sinestésica nunca estimulada” (Gil,
op. cit., p. 88) e que sendo paralisada, bloqueia muitas outras. O experimento criativo dos
parangolés dançados pelos passistas da Estação Primeira de Mangueira parece assumir
para a sociedade que os recebe no MAM, na verdade que os rechaça e expulsa da
exposição Opinião 65, a função de um evento da história que a burguesia brasileira, por
conveniência, não inscreveu no corpo coletivo e que tentou apagar ou minimizar, não lhe
dando a possibilidade “de se tornar movimento”, exatamente como uma sequência
sinestésica paralisada. A dança dos parangolés pelos corpos da Estação Primeira de
Mangueira atua, portanto, como aquele movimento adormecido, que não foi escrito no
corpo social coletivo, por escolha e estratégia política de uma sociedade racista e elitista,
e que chega de repente para sacudir o corpo e desentravar outros movimentos possíveis
que o tinham como pressuposto. “A imanência total do ato da dança” assim como a
definia Oiticica, traz consigo a imanência, os significados profundos, que cada
subjetividade dançante representa.
Observações finais
O projeto Parangolé e o uso da dança como base de uma forma expressiva corporal
autêntica, remetem ao fato que o corpo, sendo o primeiro elemento oprimido pelas
linguagens discursivas e expressivas, quais elementos de síntese das coerções exercitadas
na sociedade, também é o primeiro dispositivo que precisa ser liberado. Os corpos gozam
da possibilidade do movimento, além do sopro e da voz para articular a linguagem verbal,
portanto, é exatamente a partir do movimento - livre, dionisíaco, não coreografado - que
podem explorar novas formas de estar no mundo que não passam pela organização das
linguagens. Essas novas formas de estar no mundo podem ser construídas onde se criam
fissuras, espaços, para se rescrever, na carne e no sentir, porque é aí onde as linguagens
disciplinadoras podem falhar, novos sentires podem ativar novas epistemologias que
173
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possam se servir de outras formas expressivas de abordagem do mundo. Para que esse
movimento aconteça é preciso que os corpos estejam abertos, predispostos.
Por mais que a linguagem verbal, na sua forma escrita, chegue a ser experimental,
sempre será necessária uma linearidade mínima para que a experimentação possa ter
sentido enquanto linguagem, pois faz parte das regras da linearidade dos signos verbais e
de sua articulação. Nas artes plásticas, também pode se experimentar de muitas formas,
mas tanto a body art que passa pelo corpo quanto a instalação interativa (formas mais
próximas à arte de Oiticica) recolocam o fruidor em uma situação de engajamento parcial.
Pois, na body art é o corpo do artista que está sujeito a mutações e intervenções e na
instalação, algo que já foi pensado está lá para eventualmente suscitar uma reação.
Permanece uma forma de “olhar para”, olhar para o corpo do artista modificado e olhar
para uma instalação para eventualmente ser estimulado a fazer alguma coisa. Uma obra
como os Parangolés faz com que quem os veste tenha que se engajar de forma completa
e total, pois do seu engajamento corpóreo e emocional dependerá como o parangolé se
desdobrará no espaço; desse engajamento corpóreo, em primeira pessoa, depende a
existência da obra. Nisso parece residir o diferencial da proposta relacional de Oiticica
dos anos ‘60, e também de Lygia Clark, pois, sem um corpo para além do artista, as obras
cessam de existir, simplesmente não duram e sem duração não há existência. Um
Parangolé pendurado num cabide, descontextualizado do ambiente-vivencial, poderia ser
apenas um casaco extravagante.
Acredita-se que esse tipo de engajamento corporal ativo - que está longe de um
happening, onde muitas vezes as pessoas recebem instruções sobre o que fazer ou é
simplesmente suficiente estar presente para que aconteça - deixe claro o fato de que não
pode haver mais revolução pela arte se essa não será capaz de envolver corpos individuais,
na forma agregada de coletividades. Mostrou-se também um princípio importante, se a
opressão se dá pelo corpo e pela educação senciente que ele recebe, a libertação só pode
passar por ele, por novas formas de afetá-lo (estéticas rebeldes), capazes de despertar
novas sensibilidades (novas epistemologias). Cada artista deveria, talvez, tornar cada
fruidor da sua obra, um Zaratustra, pronto a dançar, pronto a voar, pronto a rescrever
novos signos no corpo coletivo a partir da força criativa do seu próprio corpo.
Referências
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Lista de imagens
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Figura 9. Parangolé P15, Capa 11, Incorporo a Revolta. Hélio Oiticica. Fonte:
Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022.
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra12915/parangole-p15-
capa-11-incorporo-a-revolta. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
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Resumo: Partindo do trailer do filme Pina, de Wim Wenders (2011) e do teaser lançado
is it DANCE, is it THEATRE, or is it just, LIFE, LOVE, FREEDOM, STRUGGLE,
LONGING, JOY, DESPAIR, REUNION, BEAUTY, STRENGH (Wenders, 2011),
mergulhámos numa reflexão do campo da Dança, de que a já icónica frase Dance, dance...
otherwise we are lost, referida por Pina Bausch (1999) por ocasião da aceitação do título
de Doutor Honoris Causa na Discipline delle Arti, Musica e Spettacolo da Universidade
de Bolonha , Itália, em 1999, também faz parte. Às palavras e testemunhos, de quem com
Pina Bausch trabalhou, sucedem-se movimentos protagonizados pelos próprios, agora
eternizados através da tela. Trata-se efetivamente de um tributo do cineasta Wim Wenders
e do coletivo artístico do Tanztheater Wuppertal Pina Bausch. A particularidade do 3D
não se apresenta, neste texto, como objeto de reflexão, mas sim a mensagem perpetuada
através desta partilha compilada de peças e outros trabalhos de Pina Bausch (1940-2009)
e testemunhos do coletivo artístico que consigo trabalhava.
Abstract: Starting from the trailer of the film Pina, by Wim Wenders (2011) and the teaser
released is it DANCE, is it THEATRE, or is it just, LIFE, LOVE, FREEDOM,
STRUGGLE, LONGING, JOY, DESPAIR, REUNION, BEAUTY, STRENGH (Wenders,
2011), we plunged into a reflection of the Dance field, of which the already iconic phrase
Dance, dance... otherwise we are lost, mentioned by Pina Bausch (1999) on the occasion
of the acceptance of the title of Doctor Honoris Causa in the Discipline delle Arti, Musica
e Spettacolo of the University of Bologna, Italy, in 1999, is also part of it. The words and
testimonies of those who worked with Pina Bausch are followed by movements performed
by the artists themselves, now eternalised on canvas. This is effectively a tribute by the
filmmaker Wim Wenders and the artistic collective of the Tanztheater Wuppertal Pina
Bausch. The particularity of 3D is not presented, in this text, as an object of reflection,
but rather the message perpetuated through this shared compilation of pieces and other
works by Pina Bausch (1940-2009) and testimonials from the artistic collective that
worked with her.
1
Pesquisadora Produtividade da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG-PQ).
177
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Dançar é mais do que movimentar o corpo. É elevar-se a alma para outros hemisférios;
é deixar a música tomar-nos e levar-nos. É se desprender do chão, no sentido mais amplo
de se desprender, não apenas do corpo. É acompanhar um ritmo e ser o ritmo em si.
Dançar é construir passos, gestos como se o corpo todo sorrisse envolvido na poesia de
cada melodia. Dançar é saber que o corpo existe, é tomar consciência de cada pedaço de
si, é tornarmo-nos íntimos de nós mesmos e saber que o corpo não foi feito apenas para
o trabalho, mas para o prazer. Dançar é um ato dionisíaco, onde o corpo se estende para
um território além da razão. A dança é uma arte em que o corpo é emprestado à sonoridade
dentro e fora de cada um(a).
Sendo apaixonadas por música, dança e cinema escolhemos o filme sobre o legado
social e artístico de Pina Bausch, do realizador Wim Wenders (2011) para analisar e falar
de dança performática, na sétima arte. Um filme que homenageia Pina Bausch (Philippine
Bausch, 27 de julho de 1940, Solingen/Alemanha - 30 de junho de 2009,
Wuppertal/Alemanha) e o seu coletivo artístico (1973-2009).
Bausch (1940-2009) teve uma carreira completa e diversificada: foi coreógrafa,
bailarina, pedagoga e diretora. Era conhecida por contar estórias enquanto dançava. A
maioria das suas coreografias foram baseadas na trajetória de seus bailarinos e bailarinas
e criadas, colaborativamente, entre eles e ela.
Entre as temáticas favoritas de Bausch (1940-2009) estava a interação entre o feminino
e o masculino, construindo uma linguagem corporal andrógina. O corpo para Bausch
(1940-2009) é um corpo sem territórios de gênero, de pátria, porque é um território de
artista e da arte, que é abrangente e plural. O filme é em linguagem documental, retratando
Pina Bausch através da sua obra e do testemunho dos que com ela trabalharam,
contribuindo para a sua relevância internacional na dança. Foi lançado em fevereiro de
2011, na Europa e em março de 2012, no Brasil, promovendo-a já depois da sua morte2.
2
Este documentário foi pensado e projetado por Pina Bausch e Wim Wenders, tendo a sua precoce morte
alterado o rumo do projeto inicial, que Wim Wenders concluiu. De relevar o facto de ser um filme preparado
para ser visto em 3D. Há ainda uma publicação em livro sobre o filme (Wenders & Wenders, 2012).
178
Corpos que Dançam | 2022
porque a vida é saber que o corpo é regido pela mente, pela razão e pelas emoções, que o
corpo arquitetado no útero já se movimenta antes de vir ao mundo, que a dança nasce
connosco e que nós renascemos sempre quando dançamos ou tomamos consciência de
tudo o que o corpo pode manifestar. Que dançar é até sentir a respiração em cada parte
do nosso corpo em que o ar nos leva a flexionar os órgãos, que o ar enche os pulmões e
que para dançar colocamos em cada respiração, vida. A dança é vida, porque desde o
momento em que nascemos nos movimentamos e expressamos em cada gesto, nossos
desejos. O trailer mostra o bailarino escalando uma montanha e ao chegar ao topo dança
e todo seu corpo é felicidade; ele se entrega ao vento e o vento movimenta seus cabelos,
um dos seus pés estão afastados do chão, num meio voo com os braços estendidos para o
universo, expondo todo seu esplendor nos gestos.
Depois, a cena de um homem beijando a mulher no pescoço, envolvendo o corpo, se
tocando, depois girando juntos, dançando e ao mesmo tempo se amando. A palavra é:
“AMOR” (LOVE), ou seja, a dança também é amor, com o corpo nosso e com o corpo do
outro. É colocar sentimento em cada gesto e tomar consciência do nosso corpo e do corpo
do outro. Dançar é acasalar-se, num certo sentido. Assim, como muitos dos animais
dançam antes de se acasalarem, nós, seres humanos, nos tocamos, beijamos, temos a troca
de energias, somos atraídos um pelo outro, pelo olhar, pelo cheiro, pelo calor do corpo,
pela volúpia e a dança é o conjunto de todas estas emoções, mesmo que não façamos sexo
ao dançar, mas nos envolvemos com a beleza do mundo e dos outros. A dança é a entrega
da alma às diversas formas de beleza, como o amor.
Depois a palavra, “LIBERDADE” (FREEDOM). Quando dançamos nos sentimos
livres, artistas completamente, divorciados de qualquer sistema, podemos nos jogar no ar,
ter a sensação de voar; mostra um bailarino invadindo o espaço do ar com seu corpo, se
soltando ao saltar, estando completamente liberto de amarras, tanto físicas, quanto
psicológicas. A dança nos liberta, nos dá a sensação de sermos pássaros, de nos
desprendermos de qualquer amarra, de ficarmos leves para sermos levados pela vontade
do corpo, pela vontade de nos encontrarmos soltando a alma do próprio corpo, sendo
conduzidos pela leveza como um espírito, nossa essência quebra todas as fronteiras e sai
de si mesmo para entrar num vazio onde nada nos aprisiona. Um bailarino é livre até
numa cadeia, porque em matéria ele pode-se encontrar lá, mas em mente estar em
qualquer lugar - seu corpo se estende além da matéria.
E a palavra “LUTA” (STRUGGLE). Percebemos, que quando os orientais e seus
discípulos de artes marciais pelo mundo lutam, o corpo tem movimentos fortes, mas
também se expressa, tanto no Kung-fu, como no Karatê, Judô e outras artes marciais. O
corpo lutando tem uma experiência similar a voar: os movimentos são de defesa e de
ataque. Lutar é ensaiar o corpo para o imprevisto. É demonstrar nos movimentos os vários
guerreiros que possuímos e que o corpo se pode transformar numa arma de combate, que
o corpo se pode transformar em tudo que sonhar, desde que a mente acompanhe a sua
metamorfose.
Depois “ANSEIO” (LONGING) e vemos uma bailarina carregando nas costas um
outro bailarino. O seu corpo se alonga e o corpo de ambos são a extensão do outro.
Quando dançamos temos um desejo intenso, uma angústia de irmos além do esperado. É
carregar o mundo nas nossas costas sem sentir, absorver o peso de cada ser de uma
maneira que não nos pese, mas nos integre, nos faça maiores do que somos. Quando
dançamos ampliamos os nossos corpos e estendemos os nossos limites.
E “ALEGRIA” (JOY): vemos um exercício de dança com cadeiras, treinando como
saltar e como se entregar, sem medo das alturas. É a completa alegria de poder brincar
com o corpo e os espaços vazios. Poder ser um ioiô, brinquedo infantil feito com uma
179
Corpos que Dançam | 2022
roldana e um fio, que se enrola e desenrola e faz o disco subir e descer. A alegria de fazer
o corpo subir e descer, de ser um brinquedo de nós mesmos.
E depois a palavra “DESESPERO” (DESPAIR), que pode ser interpretada, também,
como se despedaçar. É completamente cair, dar uma queda. Quando dançamos
aprendemos a cair, a dar uma queda. A sermos possuídos pelo desespero de encontrar o
chão e nos despedaçarmos sem nos desfazermos. É um jogo de poder, onde somos
tombados, mas, porém, não aniquilados. Somos jogados por vontade própria: o desespero
faz com que o corpo se suicide por alguns momentos. É um arrebatamento. Somos
vencidos pelo cansaço da alma e do corpo, que nos leva ao desespero, ao se despedaçar.
Quando dançamos nos desintegramos e ao mesmo nos encontramos. Nossos pedaços
caem no chão, para se refazer, depois então. É um abandono de si mesmo para a força
maior da dança e da arte.
E a palavra “REUNIÃO” (REUNION), que é sermos abraçados um pelo outro, não
apenas pelos braços, mas afagados pela proteção de um ser com o outro, que pode ser
pelos braços, pelo olhar, pelo toque das mãos; é reunir-se com o outro, nas suas várias
formas. Reunir-se com as nossas metades ou até nossos opostos, mas estarmos integrados
em alguém ou em alguma coisa. Reunir pele com pele, olhar com olhar, sentimento com
sentimento: é juntar aquilo que nos faz encontrarmo-nos e o encontro é uma extensão da
vontade de se abraçar com as partes que possamos conjugar com o outro.
“BELEZA” (BEAUTY) aparece um casal de jovens dançando e a moça apoia o corpo
dela nele, jogando o peso dela todo nas suas mãos e ele vai segurando-a enquanto ambos
dançam: é uma dança de uma simetria que é composta com passos que vão e voltam e ele
não a deixa cair no chão, embora o espectador tenha a sensação de que ela vai cair. Há
uma beleza no corpo, no jogo de sedução, na relação de entrega e confiança, em que o
corpo da bailarina é conduzido e gingado ao mesmo tempo, numa queda que não
acontece, não pelo menos de cair, mas talvez no abandono do ser, que sendo tão leve o
outro a jogue de um lado para o outro, sem que nos dê a sensação de peso, mas de uma
leveza enorme, como se a bailarina fosse uma pluma, fosse papel de celofane,
conduzindo-a como se o seu corpo dependesse do seu apoio. É uma cena bonita de entrega
e de leveza.
Depois a palavra “FORÇA” (STRENGTH), que mostra a bailarina flexionando o braço,
mostrando os seus músculos, num sinal de força, de resistência. De o corpo tendo
consciência do seu poder através da energia colocada em cada movimento de superação.
Quando ela exercita os músculos mostra-se a fazer força. O seu rosto e todo o corpo
trazem a força interna do seu ser, porque não são apenas músculos, mostrando sua
capacidade de suportar algo, mas todo seu corpo, trazendo sua força para fora
transparecendo no seu rosto, exteriorizando não apenas a sua “massa muscular” (qual
homem que se encontra atrás de si, numa colagem física quase irrepreensível), mas a sua
força de ser mente e corpo. Seu equilíbrio em suportar os pesos não apenas tangíveis.
Por fim, uma frase já icónica assinada por Pina Bausch3: “Dancem, dancem... ou então
estamos perdidos” (Dance, dance... otherwise we are lost). Esta frase sintetiza,
3
Esta frase foi dita a Pina Bausch por uma criança no seio de uma comunidade cigana na Grécia, que
enquanto todos dançavam, procurava convencer Bausch (1940-2009), de como era importante fazê-lo,
também. Este momento foi partilhado por Pina Bausch (1999) no discurso de aceitação do título de Doutor
Honoris Causa na Discipline delle Arti, Musica e Spettacolo da Universidade de Bolonha, Itália, em 1999:
“Signore e signori, vorrei cominciare con una storia. Una volta, in Grecia, sono andata a visitare alcune
famiglie di zingari. Ci siamo seduti insieme e abbiamo parlato; ad un certo punto tutti hanno cominciato a
ballare ed io dovevo partecipare. Avevo una gran paura e la sensazione di non essere in grado. Allora è
venuta da me una ragazzina, forse sui dodici anni, e mi ha pregato ripetutamente di danzare assieme a loro.
Diceva: “Dance, dance, otherwise we are lost.”” Balla, balla, altrimenti siamo perduti (Bausch apud
Morselli, 1999, pp. 1-5).
180
Corpos que Dançam | 2022
igualmente, a importância que a dança tinha para Bausch (1940-2009) de que a dança era
seu tudo para se proteger de um mundo cheio de problemas, de mazelas, de decepções,
tornando o ato de dançar uma válvula de escape, uma fuga para algum paraíso perdido,
uma entrada ao Jardim de Éden. Dançar é aquilo que nos permite sobreviver a todo o
caos. É aquilo que nos humaniza mais, como todas as artes. É aquilo que nos leva a
encontrarmo-nos com a nossa verdadeira essência. Dançar é estar possuído pela felicidade
e sem a dança não temos o gosto de passar para o lado em que nos podemos “soltar do
sistema”. Quando dançamos nosso corpo se torna poesia. A dança muda a forma de ver a
vida. Nos alegramos quando dançamos, entrando num estágio de deixar a alma sorrir. O
corpo corre atrás de sonoridades das nossas melhores essências.
Falamos neste artigo do caráter diferenciador do trabalho de Pina Bausch. Percebam
por este trailer do filme de Wenders (2011), que o que Bausch (1940-2009) criava não
eram apenas espetáculos de dança: apostava em novas revelações do corpo quando
conjugado com as suas emoções. Pina Bausch era uma investigadora, uma pesquisadora
das dimensões do corpo e da dança e não apenas mais uma bailarina e sabia que a dança
se podia expandir para outras artes e para outras funções. Deste processo nos dão nota os
elementos do seu coletivo artístico, através dos testemunhos singularmente partilhados.
Observava o cotidiano e a realidade das pessoas e, através deste ato, construía estórias.
Seus pais tinham um restaurante que facilitava esta observação com as pessoas que
frequentavam o local. Poderiam ser meros desconhecidos ou não, mas como qualquer
outra pessoa tinham uma vida para retratar, uma estória para contar. Bausch (1940-2009)
conseguia expandir a dança para o teatro e romper a quarta parede de apenas fazer arte,
indo além do teatro sentido, além do teatro físico. Teve influência de seus mestres e
artistas que conheceu durante seus aprendizados, principalmente em Nova York, muitos
deles coreógrafos com práticas experimentais e alternativas (ex: Paul Sanasardo e Paul
Taylor).
Em 1973, Pina Bausch (1940-2009) é convidada pelo Intendente Geral do Wuppertal
Bühnen, Arno Wüstenhöfer, para dirigir o Wuppertal Ballet, que ela renomeia como
Tanztheater Wuppertal a que mais tarde é associado o seu próprio nome, Pina Bausch,
fundando um novo método de criação coreográfica, em que questiona o(a)s bailarino(a)s,
cruzando com ideias e memórias até atingir o objetivo4, que resulta num espetáculo que
traz o cotidiano a palco: cabelos soltos, saltos altos, corridas, cadeiras espalhadas pelos
espaço e um cenário sempre relacionado com a natureza.
Conhecendo as ciências do audiovisual diríamos que os espetáculos de teatro-dança
que Pina Bausch (1940-2009) criou são semelhantes aos movimentos do Cinema Novo
no Brasil, do Neorrealismo Italiano, em Itália, da Nouvelle Vague e do Cinema de
Vanguarda, em França e outros, que romperam com o cinema clássico e fizeram um
cinema moderno, onde não queriam romantizar a realidade, mas mostrar a vida como ela
é. Pina Bausch (1940-2009) foi pioneira no método, como cineastas de movimentos
modernos o foram.
Bausch não procurou que a dança fosse uma arte onde as pessoas estão engessadas
num padrão, mas ao contrário, procurou que a dança fosse uma arte onde as pessoas
possam criar as suas identidades ao dançarem e expor os seus sentimentos e emoções de
uma forma ampla, em que o corpo seja porta-voz dos seus desejos.
No teatro-dança da Pina Bausch (1940-2009), o corpo é desafiado a encontrar novas
soluções de manifestação. Torna-se um conteúdo e não apenas uma forma, uma narrativa
de resistência e de revolução, fazendo do ser dançante um palco de si mesmo, mostrando
4
A esta metodologia designou Teresa Norton Dias por “metodologia colaborativa por incitação” (Norton-
Dias, 2021, p. 19).
181
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a beleza de se revelar e não apenas dançar, afastando-se da mera técnica que formata a
arte. Bausch (1940-2009) busca que o corpo e as emoções sejam uma unidade.
O coletivo artístico, que integrava com os bailarinos-atores e as bailarinas-atrizes, era
intérprete deste seu método. Aqueles que o compunham, como a sua designação indica,
eram artistas que tinham um talento expandido além da dança, que conseguiam alcançar
as outras artes e ciências como o teatro, a música, a poesia, a antropologia e a psicologia
e tudo aquilo que fosse relacionado com o universo humano e com seus desdobramentos.
Cada papel de cada bailarino-ator ou bailarina-atriz, nos seus espetáculos, eram definidos
segundo seus corpos e experiências pessoais (Norton-Dias, 2021). Então, ela não buscava
os talentos apenas por conhecimento na dança, mas por suas trajetórias e sua linguagem
corporal não verbal. Bausch (1940-2009) conseguia, não apenas absorver o que cada
um(a) sabia dançar, mas o que o corpo de cada um(a) trazia na sua memória genética,
histórica, poética, pessoal e filosófica. Afinal, não temos apenas cicatrizes deixadas
quando machucamos de forma externa o corpo, mas carregamos várias marcas ao longo
da nossa existência. Bausch (1940-2009) conseguia ir além do que o ser humano
apresentava materialmente apenas: não era um corpo, mas um livro ou parte dele.
Na sua metodologia não havia solistas ou hierarquias entre estrelas maiores ou
menores. Todos eram iguais na criação do espetáculo. Esta quebra de hierarquias é
inclusiva, um socialismo pragmático, artístico, de que ela conseguia obter bons resultados
porque tirava de cada um(a) o seu melhor, sabendo que cada um(a) tem uma riqueza
diferente do(a) outro(a), que não pode ser comparada, mas valorizada na sua diferença.
Notas finais
Tratámos neste texto do sentido e das emoções que a obra de Pina Bausch (1940-2009),
reunida em filme por Wim Wenders (2011), dois anos após a sua morte, proporciona ao
espectador. Deixámo-nos levar pelo intercalar de testemunhos com partes de
emblemáticas peças, que marcaram a carreira artística de Pina Bausch e do coletivo
artístico do Tanztheater de Wuppertal (ex: Sagração da Primavera (1975), Café Müller
(1978) e Kontakthof nas 3 versões (1978; 2000; 2008) e Vollmond (2006)). Estes
testemunhos têm a particularidade de o(a)s bailarino(a)s apenas aparecerem na imagem,
exprimindo-se apenas com o olhar no infinito e quase nenhum movimento facial,
ouvindo-se a sua voz em off, na sua maioria, no seu idioma natal, conferindo ao elenco
caracter intercultural, pelo conjunto da diversidade de línguas, cultura e costumes faladas
e partilhados, e forma transcultural ao resultado conseguido.
A cada testemunho, segue-se ou antecipa-se, um momento protagonizado pelo(a)
bailarino(a). De salientar ainda, a forte componente exterior, com presenças na natureza
e na cidade de Wuppertal, a cidade, que apesar de todas as contrariedades, deu vida ao
projeto de Pina Bausch (1940-2009).
Pelo conjunto de signos apontados por Wenders (2011) nesta sua obra 3D (peças,
momentos e testemunhos) chegámos a um conjunto de aspetos significativos da obra de
Pina Bausch: refletimos sobre vida, amor, liberdade, lutas, desespero e contentamento em
gestos que transmitem isso mesmo e que Wenders (2011) imortalizou: is it DANCE, is it
THEATRE, or is it just, LIFE, LOVE, FREEDOM, STRUGGLE, LONGING, JOY,
DESPAIR, REUNION, BEAUTY, STRENGH (Wenders, 2011).
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Referências
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Resumo: Trata-se, neste artigo, de um aspeto que liga a coreógrafa alemã, Pina Bausch
(1940-2009) e o escritor, português, José Saramago (1922-2010): apresentar a vontade de
duas artistas do coletivo Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, em propor a Pina Bausch,
na sua condição de cocriadoras, integrar frases de José Saramago em cenas de peças em
criação. Esta participação no processo criativo acontece porque ele é colaborativo e
participado, não obstante a assinatura única e agregadora, da coreógrafa. É destas
propostas e da importância de se dar espaço à palavra num espetáculo de Dança, que trata
o presente texto.
Abstract: This article deals with an aspect that links the German choreographer Pina
Bausch (1940-2009) and the Portuguese writer José Saramago (1922-2010): to present
the will of two artists of the Tanztheater Wuppertal Pina Bausch collective to propose to
Pina Bausch, in their condition of co-creators, to integrate sentences by José Saramago
in scenes of pieces in creation. This participation in the creative process happens because
it is collaborative and participatory, despite the unique and aggregative signature of the
choreographer. It is about these proposals and the importance of giving space to the word
in a Dance performance, that this text is about.
1
Texto no original: „Die Menschen hören nicht auf zu klatschen. Aber die Bühne bleibt leer. Dies ist der
letzte Beifall für Pina Bausch von dem Ort aus, von dem aus sie in die Welt gegangen ist: das Wuppertaler
Opernhaus.“ (Schwarzer, 2010).
2
Peça encomendada a Pina Bausch pela Expo’98 (última grande exposição do século XX, em Lisboa e que
resulta de uma ‘residência artística’ naquela cidade, em setembro de 1997. Estreou em
Wuppertal/Alemanha, em abril de 1998 e apresentou-se em Lisboa, em maio do mesmo ano. (Norton-Dias,
2021).
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3
Ideia contestada por alguns, por considerarem que a necessidade de um registo escrito para o caso de
terem de recuperar as propostas semanas depois de as fazerem nada tem de democrático, mas de imperativo
na forma de colaborar/trabalhar.
4
Metodologia que Teresa Norton Dias designa de “metodologia colaborativa por incitação” (Norton-Dias,
2021, p. 19).
5
Nem em programa ou folha de sala.
185
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podemos adiantar, que frases enigmáticas como as escolhidas pelas coautoras fazem
sentido no todo agregado pela criadora, já de si em tudo desafiante ao olhar de quem
atentamente assiste ao seu trabalho.
É interessante que uma atriz como Mechthild Großmann6 (1948-) e uma bailarina-
atriz, como Nazareth Panadero (1955-), tenham escolhido palavras de José Saramago,
para incluir nas suas contribuições, durante o processo de construção de três peças do
vasto repertório de Pina Bausch. As frases, autênticas, constituem propostas para a sua
atuação aceites pela coreógrafa.
Vejamos então do que falamos:
6
Nas palavras de Mechthild Großmann, com tradução livre da autora: “Só que com ela não havia texto nem
enquadramento. Muitas vezes eu já tinha pensado em algo de antemão - e depois simplesmente tirava
alguma deixa dela para realizá-lo. Se ela dizia “lua cheia” ou “saudade” ou “macieira” - as palavras-chave
surgiam sempre. [...] Todos os textos que falo nas peças de teatro de Pina eu própria inventei ou montei. Só
não estou no programa.” (Großmann apud Schwarzer, 2010). Texto no original: „Nur: Bei ihr gab es weder
Text noch Rahmenhandlung. Oft hatte ich mir schon vorher etwas überlegt – und dann einfach irgendein
Stichwort von ihr zum Anlass genommen, das vorzutragen. Wenn sie „Vollmond“ sagte oder „Sehnsucht“
oder „Apfelbaum“ – die Stichworte kamen jedes Mal vor. [...] Alle Texte, die ich in Pinas Stücken spreche,
habe ich mir selber ausgedacht oder zusammengesucht. Ich stehe nur nicht im Programm.“ (Großmann
apud Schwarzer, 2010)
7
Texto no original: “Nem eu posso fazer-te todas as perguntas, nem tu podes dar-me todas as respostas”
(Saramago, 2019b, p. 448).
8
Texto no original: “[…] às vezes a um morto há-de apetecer estar sentado […]” (Saramago, 2019a, p.
324).
9
Texto no original: “Nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe.” (Saramago, 2018,
p. 12).
186
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p. 448); “[…] às vezes a um morto há-de apetecer estar sentado […]” (Saramago, 2019a
[1984], p. 324); “Nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe.”
(Saramago, 2018 [2000], p. 12), muito perto de um “Teatro do Absurdo” defendido por
Martin Esslin como um esforço para expressar o sensato do:
No contexto dos trabalhos de Pina Bausch, as palavras escolhidas são diretas: cortam
a dinâmica do movimento que impera na produção e acontecem. São frases ditas, histórias
contadas, não representadas e ao modo do teatro épico de Bertolt Brecht, em nome
próprio, com a necessária força incutida às palavras, num distanciamento do texto e de si.
Não seria, portanto, invulgar que Bausch pedisse: “Não cante como um cantor, não aja
como um ator, não dance como um bailarino.”10 (Großmann apud Schwarzer, 2010).
Entre muitos outros aspetos, relevantes para a compreensão do uso da palavra no ato
performativo, Erika Fischer-Lichte (2019), na sua obra sobre estética do performativo é
clara ao defender, tal como defendemos para a posição da palavra nas obras de Bausch,
que “[…] o acto de falar contém em si uma força capaz de mudar o mundo e de produzir
transformações.” (Fischer-Lichte, 2019, p. 40). É como se ali a atenção do espetador se
prendesse em novos conteúdos, que a visualidade e a sonoridade lhe trazem, além de uma
nova atitude corporal, que a projeção de voz exige, abrandando o ritmo do movimento,
assumindo novas e momentâneas poses. Fischer-Lichte (2019) traz-nos à discussão a
conceção de performance pelo(a) intérprete, de volta do conceito de embodiment,
registando a sua subjetividade e diferença relativamente ao uso da língua, que “[…]
representa um sistema de signos quase ideal, no qual […] os significados podem exprimir-
se de modo «puro», não falsificado, [enquanto que] o corpo humano [se] apresenta como
10
Texto no original: „Bloß nicht singen wie ein Sänger, bloß nicht spielen wie ein Schauspieler, bloß nicht
tanzen wie ein Tänzer“ (Großmann apud Schwarzer, 2010).
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Notas finais
11
Estas três instituições têm sede na cidade de Wuppertal/Alemanha.
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Referências
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