Altenhofen (2008)
Altenhofen (2008)
Altenhofen (2008)
CIéo V. ALTENHoFEN
*\ Universidade Federal do Rio Grande do Sul (L]FRGS)
Instituto de Letras
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Resumo: O presente estudo tem por objetivo descrever a rede de contatos lingüísticos que interligam as
dif'erentes lireas de variação do português rural falado por monolíngües e bilíngües da classe menos
escolarizada. no sul do Brasil. Tal recorte está condicionado pelo corpus analisado e que corresponde à
base de dados coletados em 275 localidades distribuídas pelos três estados (Rio Grande do Sul, Paraná e
\/ Santa Catarina). para a elaboração do ALERS (Atlas Lingüístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil).
Parte-se. para tanto. de uma tipologia de contatos lingüísticos que engloba, com base em Altenhofen
(1007). os conratos entre 1) português e línguas autóctones (indígenas); 2) portuguôs e línguas afro-
brasileiras: 3) português e línguas alóctones (de imigração); 4) português como língua alóctone em
contato com 1ínguas oliciais; 5) português e línguas co-oficiais em contato; 6) contatos lingüísticos de
Ír-onteira com países vizinhos; e 7) contatos entre falantes de variedades regionais do português. Através
da macroanálise das cartas lingüísticos do Atlas, para a qual se considera neste artigo os tipos 3), 6) e 7),
descreve-se a clinâmica dos contatos, no espaço geográfico e social, cousiderando as diferentes áreas
lingüísticas postuladas nos estudos anteriores de Mercer (1992), Koch (2000) e Altenhofen (2005), bem
como os fatores que influenciam esse processo e que incluem os movimentos migratórios, as relações de
troca entre os diferentes grupos de fala, condicionamentos do meio físico geográfica (barreiras naturais,
tipo de atividade predominante, vias de comunicação, isolamento e gtau de urbanização etc.), ou ainda
diferenças e semelhanças sócio-culturais das populações em contato.
distintos) tem sido, ao longo da história, tão saliente e salientada quanto a percepção das
variações diastráticas da língua, entre segmentos sociais distintos (p.ex. entre a plebe e a
elite letrada). Em outro sentido, poder-se-ia admitir que as sociedades tradicionais do
passado, caracterizadas pela topostáticat dos falantes, se encontravam muito mais
' Terno usado por Thun (1996) para designar a situação de falantes mais tiros à localldade ,rndi nl.:r:l-
I O outro lado em que Thun ridemr dir-ide 6131opia.
"
2
analisar, neste recorte, são, acima de tudo, variedades em contato. Com isso, abarca-se
afirma Coseriu (1982l. 16), ninguém fala "O português", "O espanhol", "O alemão"; "lo
que se habla es siempre alguna foma determinada del [português], del [alemán]."
comunidades de fala mais ou menos estáveis (por isso, mais topostáticas), que mantêm
ten:itorialidades próprias e separadas; e b) da existência de comunidades de fala com
forte mobilidade e interação entre os falantes (portanto, topodinâmicas), as quais
mantêm um intercurso permanente de elementos da língua, como no caso das áreas de
fronteira, ou de contextos mais urbanizados. Como enfatiza Thun (1996), no mundo
atual predomina a segunda situação, ou seja, de uma mobilidade tal,3 que tornou mais
dificil encontrar pessoas que "nascem, vivem e morrem" na mesma localidade,a como
3
"La mayoía de la gente es móvil o muy móvil. Lo afirman los censos y las tantas autobiografias que
esbozaron los informantes" (THUN 1996:211), referindo-se ao ADDU.
a
Esta dificuldade faz-se notar, por exemplo, na escolha dos informantes, em projetos como ALERS,
ALiB e ADDU. O critério tradicional, de que o informante seja nascido no lugar e não tenha viajado
muito, nem morado por muito tempo em outra localidade, nem sempre tem sido possível, dando lugar a
uma flexibilização do critério, p.ex. de que o informante tenha vrvido 3/t da sua vida na localidade. Cf.
também Altenhofen (2006).
i
i
falado no sul do Brasil entre si e com variedades de outras línguas, já que se trata, como
variante, mas sim toda uma variedade como distinta. Segundo Chambers & Trudgill
(1980: 104), podem-se identificar dois procedimentos de traçado de isoglossas, a saber.
i
a
AAAA
AAA
ooo
Modelo I- Uma linha pafticular separa a região onde ocoffe a forma L da fuea de
AAA
ligam falantes com traço A (linha B) e falantes com traço O (linha C). As
duas linhas formam uma heteroglossa.
cartografadas pelo Atlas, lembrando que estas aparecem primordialmente em sua forma,
digamos, bruta, ou seja, como *uput ponto-símbolo. Um segundo procedimento
adotado para a análise das cartas lingüísticas consiste na elaboração de cartas
sintéticas, através das quais se somam ocorrências de mais de uma carta lingüística ou
lema6 em um único mapa. Em suma, através da cartograÍia das variantes lingüísticas
referentes a determinadavanárvel, procura-se delimitar a abrangência espacial de cada
' Apesar da distinção entre carta, mapa e ainda cartogratna, à qual chamam a atenção Teles & Ribeiro
(2006: 209), e que se faz na ítrea da geografia, utilizam-se para os fins deste artigo os dois termos ruapa e
L'arl.l com o mesmo sentido.
o
O item do questionário que é cartografado e que figura como tírulo da legenda do mapa.
a
5
um único informante por ponto (em muitos casos também um casal de informantes) - e
no conjunto dos informantes dos 275 pontos pesquisados (v. p.ex. LEÃO;
ALTENHOFEN & KLASSMANN 2003), que se dividem em três grupos:
Tipo de.ponf.o de
inquérito' eorrf or.rne o
bilingüi*mo (ÀLER§)
Ponto bilíngüe com 84
l5 157o 44 55Va )1 26,3270
informante bilíngüe (30,55'lo )
Ponto bilíngüe com r23
62 62Va 24 307o 37 38,957a
informante monolíngüe t44,73Vc I
Ponto monolíngüe com 68
23 23Vc t2 l5Vc 33 34,7 470
(24,73Yo)
informante monolíngüe
?75
Tolal de pontos 10s 80 95
tlCI$7r)
i: ,:.':::=l TOTAL
AIemão ItêliáÉô Polonês Úcnániano C)utras bilínsües
PR 2 8 3 I t5
SC 11 21 4 0 2 44
RS o t2 3 0 I 25
Reriãr 2E 41 I 3 4 84
Por outro lado, não se pode perder de vista a função complementar que deve
existir entre as análises estatística e cartográfica, devido sobretudo ao papel da
contexto/ambiente considerado.
Esquema A Esquema B
x { Y
x x {
Y x x
x X x
x
um, no cenário brasileiro, e para, além disso, propiciar uma visão do conjunto de
situações presentes no país. Estas situações dão o seguinte quadro apontado pela
literatura (cf. OLIVEIR A 2003: 1):
c) línguas afro-brasileiras:7
d) fenômenos de fronteira (portunhol, "dialetos portugueses do Uruguai" - cf.
Reconhecem-se, deste modo, pelo menos seis tipos de contato lingüístico, que
1) português como língua alóctone em contato com línguas oficiais (p.ex. com
guarani e e,spa.nhol, no Paraguai, e espanhol no Uruguai);
5) português e línguas co-oficiais em contaÍo (p.ex. Tukano' Nheengatu e
imigração. Contudo, difere até hoje seu status político, apesar de alguns indicativos de
mudanças, como no projeto do Livro das Línguas Brasileiras, em discussão no âmbito
7 Acepção que vem se tornando corrente, em uma série de discussões, como no caso do I Fór-um
Internacional da Diversidade Lingüística, realizado emjulho de 2007, na UFRGS, em Porto Alegre.
I
Respeitando, p.ex., a ordem cronológica em que aparecem e subdividindo o contato com línguas oficiais
(sralrrs desigual) ou co-oficiais (mesmo srdlus político-instirucional).
e
Na verdade, "o Estado não agtu da mesma maneira, não lhes concedeu [aos cidadãos falantes de 1ín,euas
alóctones ou de imigraçãol direitos culturais e lingüísticos''. acenando acima de tudo para a cc.ntinuidade
da política integracionista (OLI\IEIR\ 100-i: 9 ).
8
contatos do português como língua alóctone em contato com uma língua oficial. É o
uma de suas atribuições também. Nesses contextos, o português ocupa uma posição
marginal, de língua minoritária e inoficial, da mesma maneira como de modo geral as
de intercurso (de elementos) das línguas entre um lado e outro dos limites de cada país,
embora considerando as alterações de fronteira, como no caso dos limites fixados pelos
tratados de Madri (1750) e de Santo Ildefonso (1,111), entre o Rio Grande do Sul e o
ser utilizadas nas diversas instituições públicas e privadas do município (cf. www.ipol.org.br).
descrição já mais avançada desse português falado especificamente na parte sul do país
através de dados do ALERS, que no entanto refletem apenas o "português rural falado
pela classe menos escolarizada, incluindo falantes monolíngües e bilíngües", como se
verá a seguir.
antropologia.
de um único "falar", o "falar sulino", como ele denomina o português falado do Rio
Grande do Sul a São Paulo e Mato Grosso, e parte de Goiás e Minas Gerais. Pode-se,
por outro lado, reconhecer nessa relativa invariância traços comuns que se aplicam ao
português brasileiro de modo geral, ressalvados alguns comportamentos desviantes,
p.ex. de falantes bilíngües de uma língua de imigração, cuja aquisição do português
recebeu uma influência particular da escrita. Alguns exemplos que demonstram essa
QSL 477 [fon.]r. (galinh)ei(ro) (mapa 118 - QSL 162.d [Íon.]), (t)ou(ro)
(mapa 141- QSL 187.c [fon.]).
O certo é que a grande maioria dos mapas do ALERS mostra uma grande
variação do português, que toma difícil aceitar a idéia de um único "falar". No mínimo,
como se verá a seguir, se distinguem duas grandes arealizações que demarcam os
Uma primeira conclusão, trazida à luz com os novos mapas e análises feitas
com base nos dados do ALERS, é a de que, em um plano mais amplo, se confirmam as
Merçer (1992). O que se constata, através de uma série de comparações entre os mapas,
são delimitações em dois planos de abstração, um mais amplo e outro mais específico.
do sul para o norte/noroeste. Ambas as áreas (ou variedades) aparecem separadas por
uma zona de transição que Koch (2000) denomina de Leqwe Catarinense e que oscila
mais para o sul ou para o norLe. conforrne as variantes e os grupos sociais em contato.
Porto Alegre/Viamão, passando pelos Campos de Cima da Sera, razáo por que algumas
variantes do norle chegam a, se difundir até parte do nordeste do Rio Grande do Sul,
como mostram as isolexias de primavera (mapa 035, QSL 063 - reverberação), carpir
(mapa 107, QSL 146 - capinar) e funda (mapa 303, QSL 514 - estilingrze), embora às
indicam o avanço de uma variante do norte pelo lado oposto, até a região das Missões,
no Rio Grande do Sul. É o caso das variantes orvalho, em oposição à fotma rio-
grandense sereno (mapa 032 - QSL 059), e dieta, uma variante de quarentena,
empregada com mais freqüência nas áreas bilíngües (mapa 259 - QSL 421 - puerpério).
Essa corrente ocolre em um momento posterior, no séc. XVIII, em parte também como
prolongamento das rotas migratórias mais próximas do litoral e dos Campos de Lajes.
migração de gaúchos pelo oeste,1l até o sudoeste do Paraná, reflete, em uma série de
mapas, o avanço da variedade do português sul-riograndense, ressaltando ainda que há,
entre esses migrantes, muitos bilíngúes descendentes de lmigrantes alemães, italianos e
poloneses do Rio Grande do Sul.
novos dados. Um desses dados é a arealização de Schmier (mapa 357 - QSL 608 -
chimia, em anexo), um empréstimo do Hunsrückisch (língua de imigração alemã) para
designar a "pasta de frutas para passar no pão". Curiosamente, a variante chimia serve
" Esta -igração recente de gaúchos foi tema inclusive de uma série recente da televi:ão RBS. que
recebeu o título sugestivo de "A conquista do Oeste" e que segue até áreas do -\;re : .\li,: R.il \:-so.
t3
para indicar de modo muito nítido a área de projeção recente da variedade gaúcha na
variações internas que veremos no plano mais específico e a difusão maior ou menor
pelas três coffentes (em ordem cronológica de ocupação, respectivamente leste, centro e
045 QSL 074 m.anclta.ç na Lua var. Nossa Senhora (...) var. Sdo Jorge (...)
(etn.)
120 QSL 16s mangual mangua/mangual c amb al/c amb ão. v ar o/v ar ão
232 QSL 354 furúnculo furúnculo licenço (...) (PR norte também
tumor)
302 QSL 5r 3 bolinlta de gude bolita, bolinha de gude bolinha de vidro, bnrquirtltct
(RS leste) (...),c'lica (SC Vale do Itajaít
303 QSL s 14 estilingue bodoque (rfzrnda no RS fiotda (SC centro e le:1t,. esi)!,'.::t.
leste e nordeste) t PR i:L.,te . r;:'-; PR ..r.