Educação Escolar Quilombola.2019 - D.C.Sarmento

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO PROFISSIONAL


EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM SUSTENTABILIDADE
JUNTO A POVOS E TERRITÓRIOS TRADICIONAIS

UM MERGULHO NOS RIOS DO ESQUECIMENTO:

A INVISIBILIDADE DO ESTUDANTE QUILOMBOLA NO ESTADO DO PARÁ

DANIELE CONCEIÇÃO SARMENTO DE SOUSA

BRASÍLIA/DF
2019
DANIELE CONCEIÇÃO SARMENTO DE SOUSA

UM MERGULHO NOS RIOS DO ESQUECIMENTO:


A INVISIBILIDADE DO ESTUDANTE QUILOMBOLA NO ESTADO DO PARÁ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Desenvolvimento Sustentável, área de concentração
em Sustentabilidade Junto a Povos e Territórios
Tradicionais do Centro de Desenvolvimento Sustentável
da Universidade de Brasília – UnB, como parte dos
requisitos para obtenção do titulo de Mestre em
Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais.

Orientador: Profº Drº Carlos Alexandre Barboza Plinio


dos Santos.
Coorientadora: Profª Givânia Maria da Silva.

BRASÍLIA/DF
2019
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO PROFISSIONAL
EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM SUSTENTABILIDADE
JUNTO A POVOS E TERRITÓRIOS TRADICIONAIS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

UM MERGULHO NOS RIOS DO ESQUECIMENTO:


A INVISIBILIDADE DO ESTUDANTE QUILOMBOLA NO ESTADO DO PARÁ

DANIELE CONCEIÇÃO SARMENTO DE SOUSA

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________
Profº Drº. Carlos Alexandre Barboza Plinio dos Santos
Departamento de Antropologia (UNB)

_______________________________________________
Profª Drª Cristiane de Assis Portela
Departamento de História (UNB)

_______________________________________________
Profª Drª Zélia Amador de Deus (UFPA)

_______________________________________________
Profª Drª Stephanie Caroline Nasuti (UNB)
Centro de Desenvolvimento Sustentável
Sousa, Daniele Conceição Sarmento de.
Um mergulho nos rios do esquecimento: a invisibilidade do estudante quilombola no Estado
do Pará / Daniele Conceição Sarmento de Sousa. Brasília - DF, 2019. 97 f.

Dissertação de Mestrado - Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília.


Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais (MESPT)
Orientador: Profº. Drº Carlos Alexandre Barboza Plinio dos Santos
Coorientadora: Profª Givânia Maria da Silva.

1. Educação Escolar Quilombola. 2. Quilombos. 3. Estudante quilombola. 3. Invisibilidade.


4. Movimento Negro.
DEDICATÓRIA

A minha mãe, Darlinda Dias Sarmento, mulher quilombola e exemplo de educadora


e articuladora de saberes; e ao meu pai, Mauricio Pereira de Sousa, pelo apoio e exemplo de
pessoa humilde e caridosa com os seus e com os outros.
AGRADECIMENTOS

Quando se acredita na ancestralidade e se busca a verdadeira razão da existência, é


quando finalmente nos encontramos. Agora sei que se estou aqui é porque houve outras e
outros antes de mim que me trouxeram onde estou. Então, primeiramente agradeço a
ancestralidade pela força e pelo conhecimento que me inspirou, e pelo auxilio nesse
mergulho.
Agradeço aos comunitários e familiares do Quilombo de Bairro, berço dos meus
saberes. Em especial a minha tia Maria da Conceição Sarmento dos Santos, educadora,
articuladora de saberes e militante do movimento quilombola, figurar ímpar do quilombo. E
as minhas irmãs Rosa Helena Sarmento de Sousa e Maria Pascoa Sarmento de Sousa pelo
exemplo de seguidoras do legado na luta pelo território e pela educação.
Ao programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável, área de
concentração em Sustentabilidade Junto a Povos e Territórios Tradicionais do Centro de
Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília – UnB, pela acolhida e pela
oportunidade de reencontrar amigas-irmãs que foram fundamentais para o meu
desenvolvimento pessoal e espiritual. Pessoas que ficarão marcadas na minha trajetória para
todo o sempre.
Ao professor Carlos Alexandre B. P. Santos e a professora Givânia Maria da Silva
por aceitarem me orientar e pela paciência com minhas teimosias e dúvidas.
E finalmente ao meu esposo e companheiro Tarcisio E. Cassiano de Matos e a minha
filha Sofia Sousa Silva pelo apoio e compreensão com minha ausência nos períodos em que
estive cursando as disciplinas em Brasília, e pelos momentos em família que eu tive que
abdicar para concluir este trabalho.
E como na vida quando um ciclo se fecha é porque outro se inicia, não poderia deixar
de expressar aqui minha felicidade pelo fechamento desse ciclo e pelo novo ciclo que se inicia
com a chegada de mais um ser de luz em minha vida. Obrigada aos encantados e a
ancestralidade pelo presente já presente em mim!
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo evidenciar os processos históricos e sociais que
colaboraram e colaboram para a invisibilidade dos estudantes quilombolas no estado do Pará,
assim como verificar de que forma seu deu e está se dando o processo de implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola no referido Estado, e
sua relação com os anseios dos quilombolas por uma educação que valorize suas
especificidades. Para tanto, foram realizadas pesquisas bibliográficas, e documentais, assim
como foram feitas entrevistas semiestruturadas. Por fim, conclui-se que embora já exista um
quantitativo relevante de escolas quilombolas no estado do Pará, infelizmente essas escolas
ainda não possuem estrutura material e pedagógica para atender as crianças e jovens
quilombolas. E a valorização dos aspectos culturais e sociais para a formação dos quilombolas
ainda estão muito aquém do esperado. A educação escolar quilombola ainda não contempla
toda a educação básica.

PALAVRAS CHAVES: Educação Escolar Quilombola. Estudante quilombola.


Invisibilidade. Movimento Negro.

ABSTRACT

This paper aims to highlight the historical and social processes that collaborated and
contribute to the invisibility of quilombola students in the state of Pará, as well as to verify
how it gave and is taking place the process of implementation of the National Curriculum
Guidelines for Education. Quilombola School in that State, and its relationship with the
quilombola's yearnings for an education that values its specificities. To this end, bibliographic
and documentary searches were performed, as well as semi-structured interviews. Finally, it
can be concluded that although there is already a significant number of quilombola schools in
the state of Pará, unfortunately these schools do not have the material and pedagogical
structure to serve quilombola children and young people. And the appreciation of cultural and
social aspects for the formation of quilombolas is still far from expected. Quilombola school
education does not yet cover all basic education.

KEY-WORDS: Quilombola School Education. Quilombolas students. Invisibility. Black


Movement.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Escolas Quilombolas em atividade no Brasil..........................................................69


Figura 2 - Ficha de matricula da Rede Estadual de Ensino.....................................................77
Figura 3 - Estudantes quilombolas a caminho da escola (Quilombo Mangueiras-
Salvaterra).................................................................................................................................79
Figura 4 - Estudantes quilombolas a caminho da escola (Quilombo Ariramba-
Oriximiná).................................................................................................................................80
LISTA DE QUADROS.

Quadro 1 – Quantitativos de escravizados traficados no período de 1755-1820....................50


Quadro 2 – Mocambos na Amazônia Colonial.......................................................................53
Quadro 3 – Quilombos do Estado do Pará, por Região de Integração....................................54
Quadro 4 – Escolas Quilombolas em atividade no ano de 2014.............................................70
Quadro 5 – Estudantes que informaram residir em comunidades quilombolas em 2018 e
2019...........................................................................................................................................84
LISTA DE SIGLAS

ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.


CEB – Câmara de Educação Básica.
CEDENPA – Centro de Defesa e Estudo dos Negros do Pará.
CEJA – Coordenação de Educação de Jovens e Adultos.
CGERER – Coordenação Geral de Educação para as Relações Étnico-Raciais.
CNE – Conselho Nacional de Educação.
CONAE – Conferência Nacional de Educação.
CONAQ – Comunidades Negras Rurais Quilombolas.
COPIR – Coordenadoria de Educação para a Promoção da Igualdade Racial.
CP – Conselho Pleno.
DCNEEQ – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola.
DCNERER – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação para as Relações Étnico-
Raciais.
EDUCACENSO – Sistema Nacional do Censo Escolar.
EEQ – Educação Escolar Quilombola.
EJA – Educação de Jovens e Adultos.
FNB – Frente Negra Brasileira.
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
GED – Gratificação Especial de Direção.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.
MALUNGU – Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de
Quilombo do Pará.
MEC – Ministério da Educação.
MESPT – Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais.
MNU – Movimento Negro Unificado.
MUCDR – Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial.
NUPINQ – Núcleo de Apoio aos Povos Indígenas, Comunidades Negras e Remanescentes de
Quilombo.
OIT – Organização Internacional do Trabalho.
PAR – Plano de Ações Articuladas.
PNATE – Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar.
SEDUC – Secretaria de Estado de Educação.
SEI – Sistema Educacional Interativo.
SEPPIR – Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial.
SIGEP – Sistema Integrado de Gestão de Pessoas.
SIOPE – Sistema de Informações sobre Orçamento Público.
SOME – Sistema de Organização Modular de Ensino.
TEN – Teatro Experimental Negro.
UNB – Universidade de Brasília.
URE – Unidade Regional de Educação.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 14
Quem sou e de onde eu falo................................................................................. 14
O mergulho e os percursos pelos rios do esquecimento...................................... 21

1 UM BOCADINHO DE HISTÓRIA.....................................................................
27
1.1 O antes de hoje da educação para as relações étnico-raciais no Brasil e no
Pará.............................................................................................................................. 27
1.2 Um mergulho na histórica do Rio-Mar: que ventos, correntezas e canoas
nos trouxeram até aqui!............................................................................................... 37

2 DO QUILOMBO À EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA......................


58
2.1 Quilombo passado, quilombo presente...................................................... 60
2.2 A educação escolar quilombola.................................................................... 67

3 O ESTUDANTE QUILOMBOLA NO PARÁ: ORA VISIVEL... ORA


INVISIVEL................................................................................................................
75
3.1 A educação escolar quilombola no Pará....................................................... 75
3.2 É assim. Força, foco e fé!.............................................................................. 78

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................
92
Mergulhar é preciso!........................................................................................... 92
INTRODUÇÃO

“Você é aquela que ninguém sabe o que é, mas é tudo o que quer”. 1

Quem sou e de onde eu falo.

A partir do momento que compreendi que vivo num país em que a voz de negros,
índios, pobres e demais indivíduos socialmente marginalizados, os ditos “subalternos”,
sempre foi sufocada por um sistema opressor e desigual que não respeita a plurietnicidade do
povo brasileiro, assumi a postura de falar em primeira pessoa, de falar por mim e pelos meus
que não tiveram a oportunidade de adentrar os espaços de poder de fala, como a academia.
Portanto, antes de me ater às formalidades e estruturas exigidas pela academia, abro
aqui um espaço para falar quem sou, de onde falo e os motivos que me levaram a pensar essa
pesquisa, que estão fortemente ligados a minha trajetória de vida e na luta dos que vieram
antes de mim.
Eu sou uma mulher na descoberta de mim mesma, desvendando as etnias e as
mulheres que vivem em mim, buscando na força das minhas ancestrais, seguir na luta por
respeito e equidade em todos os campos da vida social.
Nunca parei para refletir mais profundamente sobre as minhas heranças étnicas. Falo
étnicas, no plural, porque só agora me dei conta da formação multiétnica do meu povo, da
minha comunidade.
Até pouco tempo, tudo que eu sabia sobre mim, ou tudo que me interessou saber sobre
mim, é que eu nasci na comunidade de Bairro Alto, uma comunidade formada no interior do
município de Salvaterra, por gente negra forra ou refugiada no período escravocrata, das mais
diversas fazendas de criação de gado, da região do Ararí, na Ilha do Marajó2, estado do Pará.
Desde pequena, ouvia as histórias contadas por minha mãe e por minhas tias de como
nossa família chegou à comunidade. Na época, eu ouvia tudo com muita atenção, embora
tenha esquecido alguns detalhes. Mas naquele tempo não nos identificávamos como

1
Frase feita para mim, por meu colega de curso Tiago Ferreira.
2
A Ilha do Marajó está situada no norte do Brasil, no norte do Estado do Pará, na embocadura do rio Amazonas,
nas proximidades da linha do Equador, que passa quase paralela a ela. Ocupa uma área de 49.606 km², sendo a
maior ilha flúvio-marítima do mundo. Seus limites são: ao norte, o oceano Atlântico, a leste a ao sul, o rio Pará
e, a oeste, uma série de canais. Entre a ilha e o continente fica a baia de Marajó, que é formada pela foz do rio
Pará (CRUZ, 1987, p. 45).
14
quilombolas, éramos apenas pessoas moradoras de uma comunidade negra rural. Então, ser
uma mulher quilombola é uma identificação recente para mim.
O processo de autoidentificação, enquanto comunidade quilombola iniciou com a
Constituição de 1988, porém, só alcançou os municípios do interior do estado do Pará, alguns
anos mais tarde, embora o Pará tenha muitos territórios quilombolas, resultante do período
escravocrata na região. A Ilha do Marajó recebeu uma grande quantidade de negros trazidos
de diferentes regiões do continente africano, para trabalhar como mão de obra escravizada.
Entretanto, aqui eles formaram seus espaços de resistência, aliando-se aos indígenas locais, e
criando os quilombos, ou mocambos, nos mais diversos municípios da Ilha. Na
contemporaneidade, somente no município de Salvaterra, já se autoidentificaram dezesseis
(16) quilombos, sendo o quilombo Bairro Alto um destes.
Ter sido criada no quilombo, acabou por me fazer criar um vínculo muito maior com a
família de minha mãe. Lembro-me das muitas vezes em que, junto com irmãs, irmãos, primas
e primos, ficávamos horas esquecidas ouvindo os relatos de minha tia Estelina sobre a
formação da nossa família, e como as mulheres que vieram antes de nós escreveram a nossa
história no tempo.
Ela começava nos contando que a nossas tataravós, Augusta Dias e Ana Teixeira,
foram mulheres negras escravizadas nas fazendas de gado do Marajó, que resistiram a um
sistema terrível, mas que conseguiram suas liberdades fugindo, mesmo sujeitas as mais
diversas represálias. E não fugiram sozinhas, trouxeram com elas seus filhos, inclusive
aqueles que eram fruto de abusos por parte de seus senhores.
Hoje repensando essa história, passei a perceber o quanto eu venho de uma linhagem
matriarcal. Olhando para todas essas mulheres, e lembrando cada detalhe que a minha tia
contava sobre elas, o quanto elas lutaram para criar e defender seus filhos, num período em
que as dificuldades eram tantas, especialmente para mulheres negras e mães solteiras. Me
orgulho delas, me vejo nelas, e agora consigo ver elas em mim.
Sempre achei interessante ver como minha mãe e minhas tias, sempre foram mulheres
fortes, determinadas, mesmo aquelas que optaram por atuar apenas como mãe e donas de
casa. Mas me orgulho principalmente daquelas que optaram por ir além, por ter independência
financeira e resolveram estudar e ter um emprego.
Tenho como referência principalmente minha mãe, Darlinda Dias Sarmento, e minha
tia Maria da Conceição. Minha tia dedicou-se a estudar e começou a trabalhar como

15
professora no quilombo quando tinha somente 16 anos de idade. Foi responsável pelo
letramento e formação escolar da maioria das pessoas lá. Além disso, minha tia casou, teve
muitos filhos, trabalhava como agricultora e pescadora, e ainda dispunha de tempo para a
militância em prol do quilombo, seja através da igreja, das associações comunitárias, e
atualmente na atuação política.
Minha mãe também se dedicou aos estudos, é professora aposentada do quilombo, e
exemplo de mulher, mãe e profissional da educação comprometida com a educação de seus
filhos, sobrinhos e demais crianças e jovens. Apesar de ela ter estudado somente até o 1º grau
do Ensino Básico, teve a oportunidade de lecionar para as séries iniciais do primeiro grau no
quilombo, contratada pela Secretaria de Educação do Estado. Trabalhou durante muitos anos,
até se aposentar, com turmas multisseriadas, em dois turnos seguidos, e até em turnos
intermediários. E também, sempre trabalhou como agricultora, junto com meu pai, Mauricio
Pereira de Sousa, que foi pescador durante muito tempo, mas atuou como enfermeiro no
quilombo, e sempre ajudou minha mãe na escola e na criação dos filhos.
Em meio a tantas peculiaridades e dificuldades, os meus pais sempre priorizaram a
educação dos seus filhos. Geralmente quando ingressávamos na escola, nós já sabíamos ler e
escrever. Nosso pai chegou até montar uma pequena biblioteca com livros doados por seus
professores, do curso de 2º grau, que ele, com muito esforço, conseguiu cursar e concluir.
Conheço muito pouco das heranças étnicas da minha família paterna. Meu pai é neto
de portugueses e franceses. Quando meu pai casou com a minha mãe, ele escolheu ficar
vivendo no quilombo, e serei eternamente grata a ele por isso, pois eu tive uma infância
maravilhosa como garota do quilombo.
Iniciei minha vida escolar na pequena escola do quilombo, aos seis anos de idade.
Estudei até a quinta série do ensino fundamental nessa escola. A partir da sexta série eu e os
outros adolescentes tivemos que ser transferidos para as escolas na sede do município, pois
nossa pequena escola não ofertava as séries seguintes. Para fazer o percurso até a sede do
município, passamos a utilizar o transporte escolar. Saindo da comunidade às 12 horas e
retornando por voltas das 19h30min. O ônibus que fazia o transporte estava sempre em
péssimas condições, e a estrada também não ajudava muito, principalmente no inverno, onde
os buracos, poças de lama, e atoleiros retardavam a viagem. E por inúmeras vezes, causaram
acidentes e até houve vezes que o restante do caminho teve que ser percorrido a pé.

16
Entretanto, foi cursando o ensino fundamental e médio, na sede da cidade, que tive a
oportunidade de conhecer adolescentes e jovens oriundos dos outros quilombos. Fui
percebendo que vivíamos realidades parecidas e tínhamos as mesmas dificuldades,
principalmente para acessar e educação, e concluir todas as etapas da educação básica. Para
cursar a universidade eu tive que morar na casa de uma irmã mais velha, em Soure. Eu
estudava somente nos meses de janeiro e fevereiro, julho e agosto, pois o curso era intervalar.
No final do ano de 2008 a Secretaria Executiva de Educação do Estado do Pará
(SEDUC-PA) promoveu o Concurso público C-130, para diversos cargos, eu me inscrevi e fui
aprovada para a vaga de assistente administrativo na regional (20ª URE-Região das Ilhas-
Marajó). Eu fui lotada para trabalhar na Escola Salomão Matos, na sede do município de
Salvaterra, então tive que me mudar do quilombo e ir morar com outra irmã.
Quando recebi a convocação para a minha posse, em fevereiro de 2009, eu já tinha
assinado um contrato de um ano com a Prefeitura Municipal de Salvaterra, para lecionar as
disciplinas Inglês e Artes na escola do meu quilombo. O que se tornou um desafio, pois eu
tinha que trabalhar na cidade pela manhã e ir para o quilombo a tarde, de moto, três vezes por
semana. Essa experiência foi desafiadora, mas enriquecedora também, pois pude colaborar de
forma muito mais ativa com os meus.
Durante esse ano, desenvolvi atividades de pesquisa sobre o quilombo, artesanato,
dança e teatro com os estudantes. Tudo direcionado para o resgate da nossa cultura.
Produzimos cestos artesanais, apresentamos a música Farinhada coreografada (carimbó de
composição do quilombola Mestre Damasceno), apresentamos uma peça produzida pela
turma sobre a história de Zumbi dos Palmares, entre outras atividades. Colocamos em prática
uma educação contextualizada, transversal e interdisciplinar, valorizando os saberes e fazeres
do meu povo, antes mesmo de conhecer as legislações sobre a educação para as relações
étnico-raciais vigentes no contexto nacional.
No final do ano de 2009, fui convidada pela então diretora da Escola E. E. M. Profº.
Ademar Nunes de Vasconcelos, para exercer a função de Secretária (GED-1). Eu aceitei o
convite, principalmente por conta do forte laço que eu já tinha estabelecido com a escola, por
ter cursado o Ensino Médio lá. Entretanto, para assumir esta responsabilidade tive que
solicitar remoção da Escola Salomão Matos, e não pude mais renovar contrato com a
Prefeitura do Município para o ano de 2010, deixando de lecionar no meu quilombo.

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Um dos principais desafios que tive que enfrentar, além da matricula de todos os
alunos da escola, foi a organização das turmas do Sistema Organizado Modular de Ensino
(SOME), que funcionava no quilombo de Mangueiras, zona rural do município, nos anos de
2004 a 2012, para ofertar o Ensino Médio, através de uma parceria do governo estadual com a
prefeitura municipal. O SOME caracteriza-se como uma forma alternativa para garantir a
oferta do ensino público, principalmente nas comunidades de mais difícil acesso.
Eu tive que ir pessoalmente ao quilombo de Mangueiras para fazer a matrícula dos
estudantes e recolher as documentações pendentes. Durante todo o período do funcionamento
deste sistema, não foi contratado nenhum coordenador, então toda a responsabilidade pelas
turmas ficou a cargo da secretaria da escola. E tomei esta responsabilidade para mim, mesmo
não tendo nenhum ganho extra para isso. Mas não me arrependi, pois, essa foi uma
oportunidade de ajudar um quilombo, e aos jovens quilombolas como eu, que desejavam
seguir seus estudos. A experiência me trouxe muito mais conhecimentos, principalmente
sobre as dificuldades e desafios de se ofertar o Ensino Médio para uma comunidade tão
distante da cidade, com todos os seus problemas sociais, e falta de estrutura, mas com um
povo muito acolhedor e que tinha muito a oferecer. Infelizmente no inicio do ano de 2013, a
SEDUC optou por deixar de ofertar o SOME em Mangueira, alegando que não havia
demanda.
No ano de 2015, a Secretaria Estadual de Educação, em parceria com o governo
federal, implantou outro sistema, o Projeto Saberes da EJA (Educação de Jovens e Adultos),
também voltado para ofertar o Ensino Básico nas comunidades rurais mais distantes, e que
também ficou na responsabilidade da Escola Ademar de Vasconcelos. Como novamente não
foi contratado nenhum técnico responsável pelo projeto, tomei a responsabilidade, fiquei na
organização e participei de todos os treinamentos e encontros de capacitação. Nesse projeto,
foram atendidas as vilas de Condeixa e Joanes e os quilombos de Mangueiras e Bairro Alto.
Mas esse Projeto funcionou somente por um ano, pois o governo não contratou mais professor
para ofertar a 2ª etapa, e os alunos ficaram sem concluir o Ensino Médio.
Como secretária da Escola Ademar de Vasconcelos, e membro do Conselho Escolar,
eu participei e tenho participado de vários eventos de promoção e capacitação voltados para a
educação. Fiz cursos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) como:
Programa Dinheiro Direto na Escola, Competências Básicas, SIOPE (Sistema de Informação

18
sobre Orçamentos Públicos), entre outros. Sou responsável, desde 2010, pela matrícula e
informação do censo escolar (Sistema Educacenso) dos estudantes e servidores da escola.
Nunca perdi meu vínculo com meu quilombo, ao contrário, eu estendi esse vínculo aos
outros quilombos. E trabalhando na escola pude conhecer mais a fundo as dificuldades
enfrentadas pelos jovens de comunidade tradicional para conseguir concluir seus estudos
básicos e ingressar em uma graduação.
No início do ano de 2017, fiquei sabendo através de minha irmã Maria Páscoa,
doutoranda da Universidade Federal do Pará, da existência do Mestrado Profissional em
Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais (MESPT), ofertado pelo Centro de
Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. E eu vi ali, uma oportunidade
única de cursar um mestrado que finalmente está comprometido com as questões de povos e
comunidades tradicionais.
Imediatamente eu me mobilizei na organização dos documentos necessários para a
inscrição, e na produção de um pré-projeto que pudesse fazer verdadeiramente a diferença na
vida dos jovens quilombolas do meu município. Como estou totalmente envolvida na questão
educacional, optei por abordar esse recorte de pesquisa, mergulhando na legislação nacional
que versa sobre a educação para as relações étnico-raciais, especialmente a Lei nº 10.639, de
09 de janeiro de 2003, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação para
as Relações Étnico-Raciais (DCNERER) e a Resolução do Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Básica n. 08, de 20 de novembro de 2012, que define as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (DCNEEQ).
Sofri bastante em cada fase do processo de classificação do mestrado, pois eu via a
cada fase, meu mais recente e inesperado sonho se tornando realidade. Quando finalmente
saiu o resultado final, eu quase não acreditei na minha aprovação. Depois veio toda a
expectativa para viajar e conhecer outro Estado, com clima e costumes bem diferentes do
meu.
Mesmo com tantas expectativas, nunca imaginei conhecer uma turma tão maravilhosa,
com pessoas tão diferentes e com situações tão similares as minhas. Os colegas do mestrado
vêm de diversos estados do Brasil, cada um com uma cultura, um sotaque e uma vastidão de
sabedoria, que eu nunca imaginei conhecer. Estamos juntos, quilombolas, indígenas,
geraizeiro, pescadores, extrativistas, advogado, procuradora, comunitários de terreiro de
candomblé, e muitas outras particularidades que não caberiam aqui.

19
Entre os muitos ganhos que eu tive em estar participando deste mestrado, foi poder
conhecer outras etnias, religiões e modos de viver. E também estou tendo a oportunidade de
me conhecer melhor, pois desde o primeiro dia no curso todos achavam que eu era indígena,
por conta de meus traços. Este questionamento foi tão intenso que no meu retorno eu resolvi
investigar um pouco mais sobre os meus antepassados.
Eu já sabia que viveram diversos povos indígenas no Marajó, mas infelizmente no
período da colonização esta população foi praticamente exterminada, e os poucos que
sobreviveram foram incorporados na sociedade branca colonizadora, outros se refugiaram nos
quilombos junto com os negros, gerando uma mistura muito forte na população.
Investigando junto aos mais velhos e mais velhas da minha família, eu descobri que eu
tive um tataravô, conhecido como Miguel Barro Alto (que deu o nome a comunidade), e que
apareceu na comunidade não se sabe de onde, sabe-se apenas que ele possuía características
indígenas bem marcantes, mas não sabemos a que etnia pertencia. Seus traços indígenas
foram passando através das gerações chegando até mim, meus irmãos e primos; e por sua vez
a minha filha, que possui características indígenas bem aparentes.
Outra descoberta, ou melhor, aprendizado, que eu tive neste mestrado, foi quanto as
minhas crenças religiosas. Eu fui criada em uma família católica apostólica romana. Esta foi a
religião trazida pelos colonizadores jesuítas, que catequizaram os indígenas e negros, e
sufocaram todas as outras crenças religiosas no Marajó. Mas embora essa religião tenha sido
fortemente imposta, algumas manifestações religiosas ainda sobreviveram, seja através do
sincretismo, do catolicismo popular, das crendices e benzeduras, do respeito às forças da
natureza, como os “encantados” e os espíritos protetores da natureza.
Eu nasci dia oito de dezembro, e sendo de família católica, minha mãe me batizou com
o nome de Daniele Conceição, pois este dia é consagrado a Nossa Senhora Imaculada
Conceição, que na evocação popular tradicional representa o arquétipo da maternidade, e no
conceito teológico, representa a castidade, pois acredita-se que Maria nasceu sem pecado
original. Então me criei e sou devota dela até hoje, sempre dedicando minhas orações e
pedidos a ela.
Conversando com um colega do mestrado que é “pai de santo” de terreiro de
candomblé, ele me apresentou outro mundo espiritual, e me falou sobre outra figura feminina,
que segundo ele tem muito haver comigo, a orixá Oxum. Essa orixá, por coincidência,
também é festejada no dia oito de dezembro, ela representa a feminilidade, a sensualidade, a

20
maternidade, a fecundidade, e tudo que é bom e belo, e é protetora das cabeceiras dos rios,
igarapés e cachoeiras.
Rio, água é o mundo que eu amo. Então, logo me encantei por Oxum. E para fechar o
ciclo das descobertas - ou aumenta-lo ainda mais - eu comecei a criar um forte laço de
amizade com uma de minhas colegas indígenas, e me vi revivendo com ela a figura de outra
espiritualidade, a crença no espirito da Iara, espirito protetor das cabeceiras de rios e igarapés.
A presença do espirito da Iara fez parte de grande parte da minha infância e
adolescência. A casa da minha família fica na frente de um braço de rio, e sempre ouvia das
pessoas mais velhas que lá habitavam as iaras ou “oraias”; e que a gente devia respeitar, não
fazer muito barulho quando tomava banho no igarapé, chamar palavrão, ou entrar no rio fora
de hora (depois das 18 horas). Eu ficava encantada quando ouvia os “causos” sobre a iara, que
ela é uma mulher muito linda, que enfeitiça os homens, e os leva para o fundo do rio,
especialmente aqueles que desrespeitassem a natureza. Eu desejei diversas vezes ser uma iara,
com meus cabelos longos e negros flutuando e mergulhando bem fundo no rio.
Não posso deixar de dizer o quanto estou maravilhada com tantas descobertas, e o
quanto cada uma dessas figuras femininas influenciaram e estão influenciando na minha
caminhada. Cada dia percebo uma característica de uma delas em mim, e tento conciliar a
presença simultânea desses femininos na minha vida. E agora eu não sou só a Daniele, eu sou
Conceição, Iara e Oxum. Aprendendo a viver a espiritualidade além das crenças religiosas e
dos preconceitos.
Assim sendo, marco aqui meu lugar, e lanço mão do meu poder de fala, enquanto
quilombola, mulher, militante e agora mestranda. E trago comigo a fala das minhas ancestrais,
e uno a elas as narrativas e a luta dos irmãos e irmãs que estiveram e estão na militância pela
causa negra, indígena e quilombola desde o momento que o primeiro colonizador opressor
pisou nesta terra chamada Brasil.

O mergulho e os percursos pelos rios do esquecimento

Os europeus expansionistas no século XVI criaram um sistema cujos valores e


objetivos visavam sua supremacia; e lhes permitiu criar mecanismos de dominação sobre
outros povos e nações (SILVA, 2011). A ideia de supremacia cultural e o conceito de

21
civilização3 foram criados pelos europeus para apresentar a sua cultura como a melhor, e,
portanto, o modelo a ser adotado ou imposto a todos os outros. Nas palavras de Norbert Elias
(1994),

Mas se examinamos a que realmente constitui a função geral do conceito de


civilização, e que qualidade comum leva todas essas varias atitudes e
atividades humanas a serem descritas como civilizadas, partimos de uma
descoberta muito simples: este conceito expressa a consciência que o
Ocidente tem de si mesmo. Poderíamos ate dizer: a consciência nacional. Ele
resume tudo em que a sociedade ocidental dos últimos dois ou três séculos se
julga superior a sociedades mais antigas ou a sociedades contemporâneas
"mais primitivas". Com essa palavra, a sociedade ocidental procura
descrever a que lhe constitui a caráter especial e aquilo de que se orgulha: a
nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, a desenvolvimento de
sua cultura cientifica ou visão do mundo, e muito mais (ELIAS, 1994, p.
23).

A crença na supremacia cultural e a necessidade de impor o seu jeito de ser e fazer, ou


seja, ‘civilizar’, foi a justificativa primordial do projeto colonizador europeu sobre outros
povos tidos como “incivilizados”.
Segundo Norbert Elias (1994), o projeto colonizador adotado pelas nações europeias e
imposto às demais nações por eles exploradas, é fruto das mudanças na estrutura da sociedade
e no comportamento ou “civilização dos costumes” europeus. O conceito de civilização
“inclui a função de dar expressão a uma tendência continuamente expansionista de grupos
colonizadores” (ELIAS, 1994, p.25).
O povo europeu condicionou o ser humano ao seu modo de ser, e desconsiderou
qualquer outra forma de ser, classificando os demais povos como primitivos e até desumanos.
E para evidenciar ainda mais sua supremacia o homem ocidental criou outro fenômeno
perverso que foi o racismo, fruto da ideia de raça como classificação entre seres humanos. “A
noção de raça como referencia a distintas categorias de seres humanos é um fenômeno da
modernidade, que remonta a meados do século XVI” (BANTON, 1977 apud ALMEIDA,
2018, p. 19). O sentido do termo raça não é estático, ele esta interligado aos fatos históricos
em que esta sendo utilizado. “Assim a história da raça ou das raças é a história da constituição
politica e econômica das sociedades contemporâneas” (ALMEIDA, 2018, p. 19).

3
O conceito de "civilização" refere-se a uma grande variedade de fatos: ao nível da tecnologia, ao tipo de
maneiras, ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos, as ideias religiosas e aos costumes. Pode se referir
ao tipo de habitações ou a maneira como homens e mulheres vivem juntos, a forma de punição determinada pelo
sistema judiciário ou ao modo como são preparados os a1imentos (ELIAS, 1994, p. 23).
22
E foi justamente os acontecimentos históricos, em especial a expansão econômica
mercantilista, a descoberta da existência de outros continentes e povos, que fez com que o
homem ocidental passasse a “refletir sobre a unidade e multiplicidade da existência humana”
(ALMEIDA, 2018, p. 19). E a partir dai se formou uma ideologia filosófica que garantiu ao
homem ocidental a supremacia humana. O homem europeu se tornou o homem universal, e,
portanto, o modelo a ser seguido ou imitado.
As mudanças comportamentais, ideológicas e estruturais da sociedade europeia
culminaram em um processo de reorganização do mundo que foi fundamental para a
efetivação do projeto civilizador que se espalhou pelo mundo levando a civilização para os
ditos incivilizados.
Além de considerar o europeu como homem universal, os intelectuais ocidentais
trataram que construir ferramentas que possibilitariam fazer comparações e classificações dos
grupos humanos tendo como parâmetro suas características físicas e culturais. “Assim a
classificação dos seres humanos serviria mais, do que para o conhecimento filosófico, como
uma das tecnologias do colonialismo europeu para a destruição de povos nas Américas, da
África, da Ásia e da Oceania” (ALMEIDA, 2018, p. 19).
A invenção das diferenças entre raças, que colocou o homem ocidental como superior,
foi a base para efetivação do racismo e a desculpa para a exploração desenfreada dos outros
povos. Segundo Silvio Almeida (2018) “o racismo é uma forma sistemática de discriminação
que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de praticas conscientes ou
inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do
grupo racial ao qual pertençam” (ALMEIDA, 2018, p. 19).
O racismo se manifesta através da discriminação racial e envolve todo um sistema em
que grupos raciais se relacionam em condições de subalternidade e privilégio, e isso é visível
na política, na economia e nas relações do dia a dia. Silvio Almeida (2018) classifica o
racismo em três concepções: individualista, institucional e estrutural.
Eu poderia falar neste trabalho sobre racismo institucional, até porque o foco aqui é a
forma como uma instituição (o governo do Estado/SEDUC) oferta ou deixa de ofertar a
educação formal para a população quilombola. Mas lendo Silvio Almeida eu pude entender
que tanto os comportamentos racistas individuais, quanto os processos institucionais são
frutos de uma sociedade que se estruturou sobre a ótica do racismo. Ou seja, se um individuo
ou instituição é racistas é porque a sociedade é racista. O racismo é estrutural!

23
Desta forma, a construção do estado brasileiro se deu na tentativa de uma
homogeneização cultural estruturada a partir da ótica do racismo. E para a efetivação desse
projeto hegemônico lançaram mão, desde o período da colonização até os dias de hoje, de
diversas estratégias para exterminar e mitigar dos os indivíduos que não se adequassem ao
padrão exigido. Sendo a educação umas das principais ferramentas usadas para a dominação e
difusão do pensamento eurocêntrico, e ainda desconsiderando e invisibilizando as culturas,
saberes e fazeres dos demais povos.
Então, pensar formas de quebrar a lógica eurocêntrica na produção e difusão do
conhecimento e abrir espaço para os demais pensamentos e conhecimentos, como o
afrocêntrico4 e indigenocêntrico e colocar esses conhecimentos em pé de igualdade, é um dos
desafios para os povos e comunidades tradicionais.
Portanto, o estudo ora proposto coaduna-se aos esforços de diversas/os intelectuais
comprometidas/os com uma educação escolar mais democrática no contexto brasileiro, que
tenha por escopo e filosofia a libertação de corpos e mentes das vítimas do sistema moderno-
colonial5. Uma educação que tenha o compromisso institucional de formar cidadãos críticos e
reflexivos, capazes de fazer, no devir, mas também no hoje, as transformações que o país
precisa para tornar-se mais equânime e menos inócuo no que concerne à distribuição de
direitos.
Nesse sentido, esta dissertação busca evidenciar os processos históricos e sociais que
colaboraram e colaboram para a invisibilidade dos estudantes quilombolas no estado do Pará,
assim como verificar de que forma seu deu e esta se dando o processo de implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola no referido Estado, e
sua relação com os anseios dos quilombolas por uma educação que valorize suas
especificidades.
Há a necessidade de evidenciar as diretrizes, por compreender que as políticas
públicas implementadas ao longo do século atual, e do passado, estiveram e estão eivadas
pelo ideário da igualdade, pois invisibilizavam as diferenças, marcadamente derivadas de

4
A cosmovisão afrocentrada emana dos estudos de Molefi Kete Asante, Ama Mazama, Abdias do Nascimento,
do Ipeafro e de Elisa Larkin do Nascimento, e significa pensar a territorialidade, ou seja, as referencias
socioculturais oriundas de África e de saberes baseados em costumes e modos de vida africanos.
Afrocentricidade remonta, igualmente, à ideia de que o ser humano se origina no continente africano.
5
Os nominados intelectuais decoloniais da América Latina, nomes como Walter Mignolo, Anibal Quijano,
Lander, Arturo Escobar, Catherine Walsh e outros, postulam a ideia que o sistema moderno-colonial encontra-se
na base da estrutura social vigente no mundo desde o século XV, quando da invasão do continente americano e
submissão de corpos e mentes de povos não-europeus a fim de servirem ao projeto moderno-colonial.
24
fatores histórico-sociais que sempre estiveram afetas às parcelas mais desfavorecidas da
população nacional, entre os quais se situam negros, indígenas e demais grupos nominados
tradicionais. Entre tais fatores, destaco a divisão social do trabalho, que relega a população
negra os piores postos e, portanto, as piores rendas; sistemas e políticas educacionais que
desprezam suas histórias, memórias e saberes e fazeres; sistemas culturais que desvalorizam
suas artes, modas, estéticas, comidas, lazeres e devoções, vistas na maioria das vezes como
“pitorescas” e “exóticas”. Enfim, políticas que desconsideram a diversidade étnico-racial do
Brasil. Entretanto, considero que as DCNERER e as DCNEEQ veiculam a necessidade de se
pensar tais diferenças, positivando-as, de forma que os grupos socialmente e etnicamente
diferenciados possam enxergar-se em tais políticas.
Assim sendo, foi proposto como objetivo geral desta pesquisa: evidenciar os processos
históricos e sociais que colaboraram e colaboram para a invisibilidade dos estudantes
quilombolas no estado do Pará, assim como verificar de que forma seu deu e esta se dando o
processo de implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Quilombola no referido Estado, e sua relação com os anseios dos quilombolas por uma
educação que valorize suas especificidades. Para atender o objetivo geral, eu estabeleci como
objetivos específicos: a) fazer um levantamento histórico da presença negra e formação dos
quilombos no Brasil e Pará; b) identificar e analisar os instrumentos usados pelo poder
público para invisibilizar os estudantes quilombolas; c) mapear a oferta da educação escolar
quilombola (EEQ) no Estado; e; d) refletir sobre o processo de invisibilização da população
negra e quilombola no âmbito educacional, assim como pensar estratégias que possam ajudar
na implementação da EEQ.
Este trabalho se configura em uma pesquisa bibliográfica, documental, de caráter
qualitativo. No momento da coleta de dados, foram usados instrumentos como: entrevista
semi-estruturada, pesquisa bibliografia e documental.
A fim de discorrer acerca da história da presença negra e quilombola no estado do
Pará, assim como, o histórico da educação formal ofertada aos negros e o alijamento dessa
população aos bancos escolares; do surgimento e atuação do Movimento Negro e quilombola
em busca da garantia de direitos, das conquistas no campo educacional, consultei as
bibliografias já disponíveis sobre o tema.
Para falar acerca da oferta da educação escolar quilombola no estado do Pará realizei
pesquisa documental por meio de consulta a site e órgãos governamentais e não

25
governamentais: Ministério da Educação (MEC); Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP); Conselho Nacional de Educação, Secretaria Especial de
Promoção de Políticas da Igualdade Racial (SEPPIR); Secretaria de Estado de Educação do
Estado do Pará (SEDUC-PA); Conselho Estadual de Educação; Coordenadoria de Educação
para a Promoção da Igualdade Racial (COPIR-SEDUC-PA); e Sistema Integrado de
Informações (SIGEP). E, paralelamente à pesquisa documental, fiz entrevistas
semiestruturadas com coordenadores e técnicos educacionais que trabalham com a educação
para as relações étnico-raciais Coordenação Geral de Educação para as Relações Étnico-
Raciais (CGERER/MEC) e COPIR-SEDUC/PA.
A sistematização dos dados coletados foi contínua durante o processo, partindo da
aplicação e análise dos instrumentos de pesquisa, até a conclusão.
Esta dissertação esta estruturada da seguinte forma: introdução, três capítulos, e as
considerações finais. Na introdução eu trouxe meu posicionamento político enquanto mulher
quilombola e militante, a motivação desta pesquisa, os objetivos, e o percurso metodológico.
No primeiro capítulo apresento a história da presença negra e quilombola no Brasil e
no estado do Pará, assim como a luta do Movimento Negro por politicas de reparação em
especial pela educação para as relações étnico-raciais, resgatando quem foram os principais
atores na construção desse processo. No segundo aborda-se o quilombo enquanto organização
político-social e étnica, e trata-se da sistematização da Educação Escolar Quilombola (EEQ)
no Brasil, enquanto uma política pública nacional pensada para atender este segmento étnico
da população brasileira. No último capitulo argumenta-se acerca da oferta e implementação da
Educação Escolar Quilombola no âmbito regional (estado do Pará), considerando os diversos
instrumentos que cooperam para a invisibilidade dos estudantes quilombolas e a negação de
direitos, enfatizando principalmente na atuação do Governo do estado do Pará, através da sua
Secretaria de Educação, frente à efetivação dessa política pública.
Nas considerações finais coloco minhas observações e reflexões sobre os entraves e
desafios enfrentados pelos estudantes quilombolas na luta pela efetivação de uma educação
escolar quilombola na forma como ela foi pensada. E ainda me coloco o desafio de pensar
estratégias que possam ajudar na implementação da EEQ.

26
1 UM BOCADINHO DE HISTÓRIA

1.1 O antes de hoje da educação para as relações étnicorraciais no Brasil e no Pará

O processo histórico de construção da identidade brasileira, assim como da maioria


dos países da América Latina - se não todos -, se deu através de uma violência etnocêntrica
que tinha como propósito invisibilizar todos os segmentos que não se adequassem ao modelo
hegemônico europeu (GROSFOGUEL, 2016). E dessa forma desconsiderou a participação e a
contribuição principalmente dos povos indígenas e negros na formação do povo brasileiro.
No projeto colonizador europeu, os habitantes nativos das colônias eram dominados
pela força, ou pela imposição de uma educação religiosa monoteísta, reforçada ainda pela
suposta missão cristã de ‘salvar almas’ (SILVA, 2011). Nesse processo de colonização a
educação teve um papel crucial, assumindo a função de difundir e solidificar a cultura
europeia. Assim, a educação foi usada como arma de dominação e destruição de todos e
quaisquer outros saberes e fazeres que não fossem os europeus.
No Brasil, os povos nativos (indígenas), sofreram desde o início da colonização, com
uma educação religiosa oferecida pelos missionários jesuítas, e posteriormente em escolas
públicas, onde eram obrigados a abandonar suas línguas, religiões e culturas. Segundo Alain
Fonseca (2012),
Nos tempos da colonização jesuítica no século XVII, os indígenas tiveram
sua primeira prova a ser superada. Muitos não resistiram à dura rotina de
orações e trabalhos forçados impostos pelos colonizadores portugueses. Para
piorar a situação, eles eram obrigados a escutar as missas, a se batizar e
ainda tinham que abandonar os seus milenares rituais, pois se fossem pegos
cultuando seus deuses seriam até mesmo torturados, tendo seus membros
dilacerados, ou a língua cortada, entre outras possíveis atrocidades
(FONSECA, 2012, p. 92).

Mas não foram somente os nativos brasileiros que sofreram com a dominação e
exploração europeia. Algum tempo depois foram os africanos arrancados de seu continente e
trazidos para o Brasil6, aonde vieram sofrer todo tipo de exploração como mão de obra
escrava. Estando na colônia na condição de escravo eles não tinham direito, pois não eram
sequer considerados seres humanos. Logo, eles não tinham direito a receber educação formal,
6
O Brasil foi, no continente Americano, a região que mais escravos africanos importou durante os mais de 300
anos de duração do tráfico transatlântico, entre os Séculos XVI e meados do XIX. Foram, segundo estimativas
mais recentes, em torno de quatro milhões de homens, mulheres e crianças, equivalente a mais de um terço de
todo aquele comércio (REIS, 2007, p. 81).
27
e os poucos que receberam, ela foi usada como forma de despertar neles reações negativas de
suas próprias imagens e o incentivo ao desejo da branquitude.
Na concepção de Maria Aparecida Bento a branquitude seria constituída por “Traços
da identidade racial do branco brasileiro a partir das ideias sobre branqueamento, um dos
temas mais recorrentes quando se estuda as relações raciais no Brasil” (BENTO, 2002, p. 25).
Ainda para esta autora,

No Brasil, o branqueamento é frequentemente considerado como um


problema do negro que, descontente e desconfortável com sua condição de
negro, procura identificar-se como branco, miscigenar-se com ele para diluir
suas características raciais [...]. Na verdade, quando se estuda o
branqueamento constata-se que foi um processo inventado e mantido pela
elite branca brasileira, embora apontado por essa mesma elite como um
problema do negro brasileiro. Considerando (ou quiçá inventando) seu grupo
como padrão de referência de toda uma espécie, a elite fez uma apropriação
simbólica crucial que vem fortalecendo a autoestima e o autoconceito do
grupo branco em detrimento dos demais, e essa apropriação acaba
legitimando sua supremacia econômica, política e social. O outro lado dessa
moeda é o investimento na construção de um imaginário extremamente
negativo sobre o negro, que solapa sua identidade racial, danifica sua
autoestima, culpa-o pela discriminação que sofre e, por fim, justifica as
desigualdades raciais (BENTO, 2002, p. 25-26).

A este respeito, no campo da branquitude, negros e indígenas foram tidos como


incivilizados. Um exemplo da recorrente associação entre educação e civilização adotada no
Brasil no século XIX foi o processo de escolarização em Minas Gerais, que estabelecia a
obrigatoriedade da instrução elementar de todas as crianças livres, do sexo masculino (e
incentivos para educação do sexo feminino), de 8 a 14 anos (FONSECA, 2011). Porém, como
bem destaca Fonseca, tal política educacional tinha na verdade o propósito de ‘civilizar’ a
população mineira, que em sua grande maioria era negra.

Na verdade, a obrigatoriedade da instrução elementar era parte de um projeto


cujo objetivo era disciplinar a população mineira, garantindo a sua inscrição
nos aportes civilizacionais tidos como indispensáveis para afirmação e
desenvolvimento da região. A relação entre educação e civilização foi
articulada com força no discurso das autoridades de todo o Império, mas
pode se dizer que tem um significado especifica no que tange à província de
Minas Gerais, e isto está relacionado com o perfil de sua população, cuja
principal característica era o predomínio absoluto dos negros em meio à sua
estrutura demográfica (FONSECA, 2011, p. 66).

Marcus Fonseca (2011) compreende que, “a educação era concebida como um


elemento fundamental na constituição de um povo civilizado, e esta não era uma característica

28
atribuída à população negra” (FONSECA, 2011, p. 72). Fonseca também ressalta que mesmo
a população negra sendo majoritária nas escolas mineiras ela não estava isenta de uma pratica
pedagógica racista, “ao contrário, tratava-se de espaços que materializavam, em termos
pedagógicos, a hierarquia e os preconceitos presentes em um mundo organizado a partir das
influências da escravidão” (FONSECA, 2011, p. 72).
E assim como Fonseca (2011), os estudos de Santos (2014), também apontam que no
século XIX, no Rio de Janeiro - em pleno regime escravista - crianças e jovens negros já eram
matriculados em escolas particulares de instrução primária:

Por exemplo, em 8 de abril de 1853, um professor autodeclarado preto,


Pretextato dos Passos e Silva, abriu em sua própria residência, na Rua das
Alfândegas, nº 313, Rio de Janeiro (na Corte), uma “escola de instrução
primaria para meninos de cor preta” (Silva apud Silva, 2000, p. 122). Porém,
esta escola não foi criada apenas em função da vontade do professor e do seu
compromisso ou vocação educacional. Importa destacar aqui é que essa
escola foi uma demanda das famílias dos alunos que a frequentavam (Silva,
2000, p. 123) ou, ainda, como afirmou a historiadora e educadora Adriana
Maria Paulo e Silva (2000, p. 145), o mais importante é o fato de a “...
experiência de Pretextato e de seus alunos ser um exemplo de luta pela
escolarização formal, por parte das pessoas ‘de cor’” (SANTOS, 2014, p.
44).

Porém, ao contrário de Minas (em que a oferta da educação formal era uma demanda
do Estado), no Rio de Janeiro ela era uma demanda das famílias negras, que já via na
educação um bem de valor, e principalmente uma forma de adquirir um mínimo de dignidade.
E essa reivindicação passou a ser uma das principais demandas do Movimento Negro na pós-
abolição.
A trajetória de luta dos negros durante e depois do período escravocrata - além da
formação dos quilombos - se deu através da organização de frentes de luta pela busca de seus
direitos de cidadania. A essas organizações foi atribuída a denominação de ‘movimentos
negros’. Os movimentos sociais se organizam de modo representativo, com o intuito de
atender as demandas e anseios da sociedade civil. E para melhor entender como isso acontece
nos movimentos negros, trago aqui o conceito de movimento negro, definido por Nei Lopes
(2004):
Nome genérico dado, no Brasil, ao conjunto de entidades privadas integradas
por afro-descendentes e empenhadas na luta pelos seus direitos de cidadania.
Numa visão mais restrita, a expressão diz respeito às organizações nascidas a
partir do final da década de 1960 e que se incluem dentro dessa
denominação. As diferenças entre estas e as organizações anteriores seriam,
entre outras, sua continuidade temporal e o fato de compartilharem uma
29
agenda internacional, graças, hoje, à popularização das viagens aéreas e do
progresso dos meios de comunicação, particularmente da Internet (LOPES,
2004, p. 455).

Além de conceituar, Nei Lopes faz um breve resgate da trajetória do movimento negro
no Brasil.

Das confrarias à era getuliana: Alguns dos marcos iniciais do movimento


negro brasileiro estão nas confrarias e sociedades de auxilio mútuo
constituídas, ainda na época escravista, com a finalidade de propiciar a
alforria de seus membros. Após a abolição, talvez a mais importante entre
todas essas entidades tenha sido a Frente Negra Brasileira, fundada em São
Paulo em 1931. [...]

Reestruturação: Na segunda metade dos anos de 1970, livre do Estado Novo


mas ainda na vigência da ditadura instaurada em 1964,o movimento negro
começa a se reestruturar, de forma continua, em algumas das principais
cidades brasileiras. [...] O final da década vê nascerem, na cidade de São
Paulo, o Centro de Cultura e Arte negra, Cecan, e a Associação Casa de Arte
de Cultura Afro-brasileira, Acacab, fundados em 1977. E, no ano seguinte,
em que a cidade paulista de Araraquara sedia o Feconezu, Festival
Comunitário Negro Zumbi, nasce o MNU, movimento negro Unificado. A
partir daí, surgem, em todo o Brasil, inúmeras entidades, de vida efêmera ou
não, algumas delas verbalizadas nesta obra (LOPES, 2004, p. 455-456).

Neste sentido, é fundamental rememorar e reexaminar a trajetória do Movimento


Negro para que possamos entender como os negros se organizaram e estão se organizando
frente ao estado brasileiro, que sempre lhes negou o direito a cidadania.
Segundo Fernandes (1978), na pós-abolição, estados como São Paulo e Rio de Janeiro,
se tornaram centros de atuação das organizações negras, onde foi mais visível o surgimento de
mobilizações organizadas coletivamente. Inicialmente estas associações estavam mais ligadas
às áreas de lazer e recreações (clubes sociais, bailes, clubes de futebol), e contavam com a
publicação de pequenos folhetins, o que possibilitou a criação dos primeiros jornais negros. A
partir de então a imprensa negra se tornou a principal arma de protesto e propagação dos
anseios da população negra. E ajudou a alicerçar os caminhos para o nascimento de uma das
organizações mais fundamentais dos movimentos negros, no início da instauração da
República, que foi a Frente Negra Brasileira (FNB).
A FNB foi fundada em 1931, no estado de São Paulo, e desde o seu nascedouro, já
adotou como uma de suas principais bandeiras de luta a oferta da educação formal para o
povo negro, e o combate de práticas discriminatórias sofridas no ambiente escolar. Como bem
apregoa Santos (2014, p. 66), “Como a maioria das principais entidades negras brasileiras, a

30
Frente também se preocupou com a educação formal. Desse modo, tomou a educação um de
seus objetivos nucleares, condição necessária para a ascensão moral e o progresso material
dos negros. [...]”. Os ativistas da FNB fizeram história, pois,

Ao fincarem raízes nesse terreno, esses movimentos acabaram por acolher as


demandas de outros grupos não hegemônicos, propondo medidas exequíveis
com potência para a superação das assimetrias, dinamizadas por fundamento
de raça, classe, gênero ou outra variável. [...] (Idem, p. 70).

Já na década de 1940, se institui na cidade do Rio de Janeiro/RJ, o Teatro


Experimental do Negro (TEN), fundado por Abdias do Nascimento, que tinha como
principais objetivos discutir a formação global das pessoas negras, assim como resgatar e
valorizar a herança africana. Nas palavras de Abdias Nascimento,

[...] quando em 1944 fundei, no Rio de Janeiro, o Teatro Experimental do


Negro, o processo de libertação do negro uma vez mais retomou seu
caminho, recuperou suas forças e seu ritmo. O que é o TEN? Em termos dos
seus propósitos ele constitui uma organização complexa. Foi concebido
fundamentalmente como instrumento de redenção e resgate dos valores
negro-africanos, os quais existem oprimidos e/ou relegados a um plano
inferior no contexto da chamada cultura brasileira, onde a ênfase está nos
elementos de origem branco-europeia. Nosso Teatro seria um laboratório de
experimentação cultural e artística, cujo trabalho, ação e produção, explicita
e claramente, enfrentam a supremacia cultural elitista-arianizante das classes
dominantes (NASCIMENTO, 1980, p. 68).

Outro importante marco na luta do povo negro, conforme Amilcar Araujo Pereira
(2010), foi a realização de um ato publico, em julho de 1978, no estado de São Paulo. O ato
tinha como objetivo protestar contra o racismo sofrido pela população negra em pleno Regime
Militar. Esse movimento anti-racista ficou conhecido como Movimento Unificado Contra a
Discriminação Racial (MUCDR). Na liderança do ato estavam os militantes Milton Barbosa e
a Hamilton Cardoso. As articulações posteriores resultaram na criação do Movimento Negro
Unificado (MNU), que visava à realização de eventos políticos para lutar contra a opressão
racial, a violência, o desemprego e o subemprego e a marginalização da população negra.
Na entrevista feita por Amilcar Araujo Pereira (2010) com a ativista do Movimento
Negro Paraense, Zélia Amador de Deus, a entrevistada relatou a influência que a criação do
MUCDR causou sobre o movimento negro em todo o país, em especial no estado do Pará. Na
fala da entrevistada “a criação do MNUCDR acabou respingando pelo país inteiro essa
necessidade de se organizar e lutar contra a discriminação. Em seguida, eu já entrei de cabeça
e criamos o Cedenpa. Isso já é 1979, 80” (PEREIRA, 2010, p. 196).
31
Ao longo da década de 80 o debate sobre a questão racial ganhou ainda mais força,
com o apoio de intelectuais e pesquisadores. Que ajudaram na formulação de um conjunto de
propostas concretas e objetivas de combate ao racismo; o questionamento da suposta
democracia racial brasileira, e a ausência dos negros nos cursos de graduação superior. No
que tange a educação, eis uma parte do diagnóstico feito pelo MNU.

O processo de alienação da criança brasileira se faz, sobretudo através da


escola, onde se dá o reforço de um conjunto de ideias elitistas que distorce os
valores culturais e nega a participação dos oprimidos no processo histórico
brasileiro. Ora, um povo que não sabe do seu passado, um povo sem história
não pode visualizar os caminhos a empreender ao seu futuro. No caso da
criança negra, é justamente na escola que se dá a quebra de sua estrutura
psicológica, emocional e cultural através da internalização da ideologia do
branqueamento, do mito do brasileiro cordial e do mito da democracia racial.
No final desse processo se ela não reage, acaba por se envergonhar das suas
origens e da sua condição de negro. [...] A educação deve ser um
instrumento de libertação e não de alienação do povo. Portanto, devemos
lutar pela transformação não só da estrutura, como dos conteúdos do sistema
educacional brasileiro, exigindo a colocação, no mesmo nível da história
Europeia, a história da África, assim como a ênfase sobre a participação do
Negro e do Índio na formação sócio cultural do Brasil (MOVIMENTO
NEGRO UNIFICDO, mimeo apud SANTOS, 2014, p. 98).

Diante do diagnóstico que evidencia a escola como um espaço de alienação da criança,


de ocultamento da história dos oprimidos, e reprodutora do racismo, o MNU apresentou as
seguintes demandas no seu Programa de Ações:

- Cabe ao MNU denunciar e combater a publicação de livros didáticos para


crianças e adolescentes com conteúdos racistas.
- Realizar debates e cursos para professores e normalistas sobre o racismo na
Educação.
-Efetuar debates e atividades didáticas anti-racistas e anti-classistas com a
criança e o adolescente negro, na periferia, favelas, alagados, etc., visando
despertar sua consciência negra e critica para a história do Negro no Brasil,
na África e para a luta geral dos oprimidos.
- Contra a discriminação racial nas escolas. Por melhores condições de
ensino aos Negros.
- Pela participação dos Negros na elaboração dos currículos escolares em
todos os níveis e órgãos culturais.
- Pela inclusão da disciplina História da África nos currículos escolares.
- {...} (MOVIMENTO NEGRO UNIFICDO, mimeo apud SANTOS, 2014,
p. 98-99)

32
Logo, é imprescindível salientar que estas propostas também serviram como base do
processo de reivindicações apresentados na Assembleia Nacional Constituinte para a
elaboração da nova Constituição Federal de 1988.

A lista de reivindicações dos movimentos negros aos constituintes de 1987


tornou-se extensa, mas nem um pouco desnecessária, visto que os mais de
trezentos anos de escravidão, a permanência da discriminação racial e o
aprofundamento das desigualdades raciais, excluíram os negros como
sujeitos de direito. É por isso, conforme já sustentamos, que a educação está
no centro das proposições da população negra no que diz respeito à sua
inclusão na vida nacional. É ela que move a ação organizada de negros,
ontem e hoje, mudando de perspectiva de acordo com as injunções políticas
de cada época. (SANTOS, 2014, p. 111)

Outra importante reivindicação do Movimento Negro foi o reconhecimento jurídico


das comunidades quilombolas enquanto sujeitos de direitos. Tal reivindicação foi atendida na
Constituição Federal, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCTs) em seu
Artigo 68, que afirma, “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os
títulos respectivos” (BRASIL, 1988).
Porém, mesmo após a promulgação da nova Constituição, a questão racial ainda não
havia sido integralmente incluída na agenda política brasileira, somente no início do século
XXI esta questão passou a ser visualizada pelo Estado, mas sempre a partir de pressão dos
movimentos negros e de elaboração conceitual de setores da academia. E mais uma vez foi
necessária uma mobilização nacional do Movimento Negro para dar visibilidade a esta
demanda, com a realização da Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em
1995. A Marcha Zumbi foi um momento de reivindicações com apresentação de propostas de
políticas públicas voltadas para o povo negro, sugeridas diretamente ao governo federal.

Em face do exposto, pode-se dizer, sem exageros, que a Marcha Zumbi dos
Palmares” converteu-se em um divisor de aguas no combate ao racismo.
Com um escopo de propostas desenhado pelos movimentos negros
brasileiros, essa mobilização deixou descobertos os problemas que incidem
sobre a população negra, fazendo com que as reivindicações históricas
desses movimentos pudessem ser acolhidas nas esferas de decisão,
principalmente pelos parlamentares negros (SANTOS, 2014, p. 140).

33
A Marcha Zumbi foi um marco de conquistas para o povo negro, e revendo todo esse
processo histórico de combate ao racismo e a desconstrução do mito da democracia racial7,
até chegarmos à construção das políticas públicas e a efetivação de ações afirmativas para a
população negra, podemos perceber que foi necessária muita resistência e muita mobilização.
E, de acordo com Givânia Silva (2012), foi na Marcha que o movimento quilombola se
estruturou nacionalmente pela primeira vez.

Nesse contexto, as comunidades quilombolas que já vinham em processo de


organização, em vários estados, construindo suas próprias organizações
representativas, participaram ativamente da coordenação da Marcha Zumbi
300 anos, apoiadas pelas organizações negras, setores da Igreja Católica
ligados às lutas sociais e sindicatos, e realizaram o I Encontro Nacional. Foi
a primeira vez que o segmento das comunidades quilombolas se apresentou
como organização nacional, expondo uma pauta de reivindicação para o
Governo brasileiro, pelo cumprimento dos dispositivos constitucionais,
principalmente pela aplicação do Art. 68 do ADCT. (SILVA, 2012, p. 46)

Portanto, foi deste processo histórico, marcado pelas lutas por justiça social efetivadas
pelo Movimento Negro, que nasceu a Lei 10.639/2003, a qual teve como missão promover a
igualdade racial no Brasil, tendo como linha mestra a educação para diversidade étnico-racial.
Essa lei alterou a Lei nº 9.394 de 1996, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação
nacional, e incluiu os seguintes Artigos:

Art. 26 –A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e


particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinentes a História do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileira.
{...]
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia
Nacional da Consciência Negra’. [...] (BRASIL, 2013, p. 75-76)

7
O mito da democracia racial surgiu no Brasil na pós-abolição, segundo esta, pretos e brancos convivem
harmoniosamente, desfrutando iguais oportunidades de existência, sem nenhuma interferência, nesse jogo de
paridade social, das respectivas origens raciais ou étnicas (...)”. No entanto, “devemos compreender democracia
racial” como significando a metáfora perfeita para designar o racismo estilo brasileiro; não tão obvio como o
racismo dos Estados Unidos e nem legalizado com o apartheid da África do Sul, mas eficazmente
institucionalizado nos níveis oficiais do governo assim como difuso no tecido social, psicológico, econômico,
politico e cultural da sociedade do país” (NASCIMENTO, Abdias, 1978, p. 41 e 93).
34
Mas a efetivação de leis na federação brasileira muitas vezes sofre empecilhos - em
especial quando se trata de legislações e questões ligadas aos grupos historicamente
desfavorecidos - e com a lei nº 10.639/03 não foi diferente. Para que ela fosse devidamente
aplicada, foi necessário a criação de um Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-brasileira e Africana. Esse Plano foi constituído para orientar os sistemas e as
instituições a usar os procedimentos corretos para a aplicação da Lei, e seus objetivos
específicos são:
a) Cumprir e institucionalizar a implementação das Diretrizes Curriculares
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-brasileira e Africana, conjunto formado pelos textos da Lei nº
10.639/03, Resolução CNE/CP nº 01/2004, Parecer CNE/CP nº 03/2004, e
da Lei nº 11.645/08;
b) Desenvolver ações estratégicas no âmbito da política de formação de
professores (as), a fim de proporcionar o conhecimento e a valorização da
história dos povos africanos, da cultura afro-brasileira e da diversidade na
construção histórica e cultural do país;
c) Colaborar e construir com os sistemas de ensino, conselhos de educação,
coordenações pedagógicas, gestores (as) educacionais, professores e demais
segmentos afins, políticas públicas e processos pedagógicos para a
implementação das Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08;
d) Promover o desenvolvimento de pesquisas e produção de materiais
didáticos e paradidáticos que valorizem, nacional e regionalmente, a cultura
afro-brasileira e a diversidade; (BRASIL, 2013, p. 19).

Mesmo com a criação do Plano, com metas de curto e longo prazo, grande parte das
instituições de ensino ainda não conseguiram implementá-lo em sua completude, por vezes
sofrendo resistência por parte de gestores e professores, que ainda apresentam posturas
preconceituosas e racistas.
Com relação às comunidades negras rurais que atualmente se autoidentificam como
quilombolas, a efetivação da lei nº 10.639/03 deve levar em consideração as especificidades
de seus territórios. Pois, de acordo com Convenção nº 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 5.051, de 19/04/2004,

deverão ser adotadas medidas para garantir aos membros dos povos
tradicionais a possibilidade de adquirirem educação em todos os níveis, pelo
menos em condições de igualdade com o restante da comunidade nacional e
que os programas e os serviços de educação destinados aos povos
interessados deverão ser desenvolvidos e aplicados em cooperação com eles
a fim de responder às suas necessidades particulares, e deverão abranger a
35
sua história, seus conhecimentos e técnicas, seus sistemas de valores e todas
suas demais aspirações sociais, econômicas e culturais (art. 26 e 27, 1. da
Convenção nº 169 da OIT).

Considerando essas recomendações da OIT, assim como as demais legislações


específicas, as manifestações e contribuições de representantes das comunidades quilombolas,
organizações governamentais, pesquisadores e a sociedade civil, em 20 de novembro de 2012,
foi estabelecida as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na
Educação Básica, na forma da Resolução nº 08 do Conselho Nacional de Educação.
Assim sendo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Quilombola foram criadas para atender de forma especifica a população quilombola,
respeitando sua forma de fazer e repassar conhecimento, através de uma educação libertadora
e de valorização de seus saberes. Ficando a cargo do Ministério da Educação, através do
Plano de Ações Articuladas (PAR), a Educação Escolar Quilombola procura desenvolver as
ações para assegurar que os sistemas de ensino garantam o suporte de infraestrutura, formação
de professores e aquisição de materiais didáticos específicos, às escolas localizadas em
comunidades quilombolas (BRASIL, 2013).
Diga-se, que, hoje, uma educação para promoção da diversidade étnico-racial, é uma
exigência de grupos socialmente desfavorecidos, tais como: negros e negras, povos indígenas
e comunidades tradicionais, que vêm lutando há muitos anos, para o reconhecimento de que o
povo brasileiro é composto por muitos grupos humanos, resultado da contribuição de diversas
etnias e não somente de uma.
Sem dúvida, muito já foi feito, porém, ainda há muito que se fazer; principalmente
insistir na busca por práticas pedagógicas e processos educacionais que promovam a
igualdade racial e o combate ao racismo. E é também Nilma Gomes que nos aponta uma
situação crucial que ainda precisa ser superada, que é a estrutura curricular adotada na
formação dos professores.

Mesmo que as universidades públicas estejam passando por um momento de


reestruturação dos cursos de licenciatura e de pedagogia, em função das
diretrizes curriculares nacionais específicas de cada área, a diversidade
étnico-racial enquanto uma questão que deveria fazer parte da formação
docente continua ocupando lugar secundário. Esse lugar secundário se
expressa, inclusive, no texto legal das diretrizes especificas para a
licenciatura e a pedagogia (GOMES, 2011, p. 42).

36
Portanto, o desafio agora é “realizar uma mudança epistemológica, no campo da
formação de professores (as) no Brasil” (GOMES, 2011, p. 57); aí sim, talvez, a educação
para a diversidade étnico-racial possa nos ensinar os caminhos de um mundo mais igualitário,
multicultural e emancipatório.

1.2 Um mergulho na histórica do Rio-Mar: que ventos, correntezas e canoas nos


trouxeram até aqui?

Agora que já conhecemos um pouco da luta do Movimento Negro pelo direito a


educação formal, assim como suas conquistas materializadas em dispositivos legais, é
necessário nos aprofundarmos um pouco mais na história do estado do Pará, já que ele é o
foco principal desta pesquisa. Talvez assim, poderemos entender os motivos e caminhos que
sustentam a situação educacional atual do Estado, em especial a pouca visibilidade e atenção
dada a educação dos quilombolas.
Embora distante da capital brasileira, o estado do Pará não esteve alheio a tudo que
acontecia ao restante do país. As lutas e reivindicações dos indígenas e negros da região
Amazônica se somaram as demais, e hoje os anseios e conquistas, principalmente os inerentes
a legislação educacional são o foco da luta de cada dia.
Situado na Amazônia, o Pará é o segundo maior Estado da República Federativa do
Brasil, com uma área de 1.247.955,38 km2, e apresenta um contexto social, cultural e
ambiental bastante diversificado, possuindo, atualmente, população estimada em 8.272.724
habitantes (IBGE, 2010). O nome Pará provem da língua Tupi que significa “Rio-Mar”, que
era como os tupis chamavam o delta do rio Amazonas. No período da colonização passou a
ser chamado de Grão-Pará, ou seja, “Grande Rio”. A largura do rio Pará em alguns trechos é
tão extensa que não é possível enxergar a outra margem, por isso era facilmente comparado
ao mar.
A história oficial contada sobre o Pará, antes de tudo, é uma história de apagamento e
invisibilidade. Onde prevaleceu a versão do branco europeu, e, portanto, só a sua figura
mereceu lugar de destaque, assim sendo, subjugou e relegou às margens da história a presença
indígena e africana na construção da sociedade paraense. E é sobre esse processo de
apagamento e invisibilidade que eu estou me propondo a debater nesse trabalho.

37
O Pará, historicamente, sofreu as consequências da colonização, desde o século XVII
(1616), uma política que visava ocupar o espaço, as margens do rio Amazonas e seus
afluentes, através do sistema de sesmarias8, utilizando-se de mão de obra escrava indígena “a
partir da fundação de missões ou aldeamentos” (BEZERRA NETO, 2012, p. 21) e,
posteriormente, mão de obra africana.
A Amazônia como um todo, sempre foi vista pelo restante do país e do mundo com
uma região esquecida e atrasada, somente uma imensa floresta povoada por índios e caboclos
e muitos mistérios. Alimentou-se no imaginário popular essa ideia de imenso vazio
demográfico e atraso no desenvolvimento. Penso eu, que essa ideia teve força principalmente
porque a historiografia oficial, contada pelos historiadores e pesquisadores do passado,
sempre mostrou uma Amazônia estereotipada como uma região parada no tempo.
Hoje, já é possível encontrar estudos e pesquisas como Vicente Salles, Bezerra Neto,
Rosa Acevedo Marin, entre outros, que pesquisam e apresentam fatos da história da
Amazônia, que por muito tempo estiveram fora do alcance de todos. Estes estudos estão agora
ajudando a reconstruir a história da Amazônia.
Uma história que apresenta outros olhares sobre o que foi a colonização no Pará,
atentando principalmente para a perspectiva daqueles que a dita historiografia oficial por
muito tempo deixou à margem. E com isso fazer ouvir as vozes não somente dos nossos
antepassados indígenas e negros, mas também a todos os elementos da natureza: rios, ventos,
correntezas, a lama e a espiritualidade, que fizeram, alteraram e também construíram a
história do Pará.
Embora o sistema de colonização usado na Amazônia tenha sido semelhante ao
restante do empreendimento colonial nas Américas, aqui ele ocorreu de forma um tanto
diferente, primeiramente pela dificuldade de ocupar e se fixar na região, onde as condições
climáticas e os ambientes naturais tornaram esta empreitada demasiadamente difícil. Depois,
o sistema escravagista, que desde o início da colonização se caracterizou pelo uso intenso da
mão de obra indígena (negros da terra) e, posteriormente, pela escravização de uma massa
composta por escravos africanos, índios e demais homens e mulheres pobres de diversas

8
Consistia na doação de terras como capitanias hereditárias. “No que seria o Estado do Brasil a partilha se
processara entre a pequena nobreza, que carecia de amparo e na qual se fiava El Rei para salvar a terra dadivosa
do “Pão de Tinta” da cúbica desenfreada dos mercadores de Dieppe, Honfleur e Saint Malo”. “Na Amazônia,
como no Maranhão, a repartição obedecera ao mesmo sentido de colaboração solicitada, agora, porém a quantos
se vinham já distinguindo em feitos militares e capacidade governativa” (REIS, 1993, p. 26-27).
38
etnias. Fatores estes, que fizeram da Amazônia uma sociedade precocemente multiétnica e
multicultural.
O primeiro desafio enfrentado pelo colonizador foi desbravar o rio Amazonas com
toda a sua força e mistérios. Os estrangeiros nunca imaginaram o quanto seria difícil tentar
colonizar um Rio-Mar, tal como exposto a seguir:

Em fins do século XV, os espanhóis foram os primeiros europeus a pisarem


em terras da Amazônia brasileira e, principalmente, navegarem pelo curso
do rio Amazonas, na época batizado pelos conquistadores a serviço da
Espanha de Santa Maria de la Mar Dulce. Sob o comando do navegador
Vicente Pinzon, os exploradores espanhóis chegando ao delta do Amazonas,
principiaram a navegar pelo mesmo rio, somente recuando face o fenômeno
da pororoca que, colocando em grave risco as caravelas, fez com que Pinzon
e seus camaradas fossem obrigados a voltar ao mar, tomando o rumo do
litoral amapaense, no qual explorara o Oiapoque, após o que retornara à
Espanha (ALVES FILHO, et al., 2001, p. 12).

A Pororoca, palavra derivada da língua Tupi, significa “estrondo” e é um fenômeno


natural que acontece no rio Amazonas caracterizado pela formação de grandes e violentas
ondas, quando há encontro das águas do rio com o mar. Esse fenômeno sempre foi muito
respeitado pela população nativa, principalmente pelo grande barulho e pela força que as
águas trazem. Imaginem o medo que os espanhóis sentiram frente a esse fenômeno? Medo tal
que eles tiveram que retornar com suas naus o mais rápido possível para o mar. Enfrentar as
forças desta natureza desconhecida foi para eles somente o início do desafio. O rio foi o
primeiro defensor do território, foi um agente de atraso no processo de invasão. Quem foi que
disse que as águas não se defendem? Quem foi que disse que um rio não pode mudar,
interferir e ser agente da história?
Contra essa primeira tentativa de invasão o rio foi um ator de destaque, mas a
Amazônia também tinha outros guerreiros valentes dispostos a defender seu território. Os
povos nativos estrategicamente ocupando as margens do rio, não tornaram fácil o
desembarque dos invasores, e o ecossistema foi um fator de destaque.

Quando da chegada dos conquistadores europeus, a Região Amazônica com


mais de quatro milhões de quilômetros quadrados já constituía-se em dois
ambientes naturais: a terra-firme e a várzea. A área de terra-firme, ou seja, a
terra geralmente não inundada pelas águas fluviais, com altitude de 10 a 100
metros acima do nível do mar, abrange aproximadamente 98% da planície
amazônica. No ecossistema denominado Várzea, ou seja, região sujeita a
inundações fluviais anuais, encontra-se presente a planície aluvional o leito
maior dos rios amazônicos, cujas larguras mais comuns variam entre 15 e 50

39
km. A região ocupada pela várzea compreende aproximadamente 1,5% da
planície amazônica. Comparando os dois ambientes naturais, o ecossistema
da várzea favoreceu a concentração demográfica das populações indígenas
ao longo das margens do rio Amazonas, cujas aldeias eram caracterizadas
por grandes dimensões, contrastando com o povoamento mais rarefeito da
terra-firme (ALVES FILHO et al., 2001, p. 11).

O ambiente de várzea, as fortes chuvas, e a presença maciça dos nativos nas margens
do rio tornaram a investida dos colonizadores uma missão quase impossível. Como relatado
nas Crônicas do Padre Bettendorff, foram inúmeras as táticas de resistência dos indígenas e
da própria natureza, que não se deixavam dominar, obrigando os invasores a adaptarem-se e
respeitar as leis e o tempo do rio. Pois, do contrário, o fracasso da empreitada era eminente.

Estavam os índios Aruaquises em um rio particular, que também


desembocava no rio das Amazonas, e por este sítio contavam os da tropa 96
aldeias só desta nação. E o rio de água doce muito clara, e olhando para ella
o parece negra como o carvão, levando-a em alto toma côr de crystal. O sítio
é frio e mui saudável, e tanto que se conta por maravillha não adoecer da
tropa ninguém por este sertão, sustentando-se a gente mais de um mez de
maniçoba, que se faz da folha da mandioca pisada e cozida, sem outro
sustento, porque o rio pelo inverno é estéril de peixe, e como são tantos e os
índios lhe fazem tantas rêdes estreitas e outras armadilhas em logares
estreitos, o peixe que entra pelo rio nunca mais sahe destes laços; tem suas
vazantes e enchentes, como o mar largo, com estar mais de 400 leguas
distante delle. O gentio Aruaquis é trabalhador e mui impaciente de cativeiro
e sujeição; tanto, que se resolverem alguns, que tomarem em guerra os
portugueses, a tomar peçonha para morrerem por mais conveniência, do que
virem a ser escravos dos brancos (BETTENDORFF, 1910, p. 233).

Tal passagem se dá na tentativa de devassa dos índios Aruaquises do rio Negro,


afluente do rio Amazonas. Além das particularidades do clima e do rio, os aruaquises ainda
faziam armadilhas que represavam os peixes, impedindo que eles subissem para a área onde
os portugueses estavam acampados, obrigando os lusos a comer somente maniçoba por mais
de um mês. E caso um aruaquis fosse capturado ele preferia tomar veneno a virar escravo.
Outro exemplo foi a tentativa de dominar a ‘ilha grande de Joannes’, que compreende o que é
hoje a Ilha do Marajó. Fato este também relatado por Bettendorff,

Está a ilha de Joannes, que comprehende as ilhas dos Ingaybas e muitas


outras nações, atravessada em o rio das Amazonas, e quase de maior
grandeza de terras que todo o Reino de Portugal. Habitam-n’a sete nações,
cada uma de língua differente e de maneira que vivendo em a mesma ilha, no
meio do rio, se não entendem uns aos outros, tendo muitas vezes guerras
entre si. Os nomes das nações são: Joannes ou Sacacas, Aruans, Mapuázes,
Mamaianázes, Pauxis e Boccas, e com serem estas nações todas só seis dias
distante do Grampará e povoações dos Portugueses, nunca lhes puderam
40
fazer hostilidade alguma, porque conhecendo estes bárbaros que a amizade
com os Portuguezes se reduzia a um dissimulado captiveiro e o
conhecimento, que queriam de suas terras se reduzia a um claro
conhecimento de seus igarapés para serem assaltados com maior facilidade,
se resolveram a buscar por meio de suas artimanhas ajudando-os muito para
este efeito o sitio inexpugnável em que a natureza os poz, porque a maior
parte da ilha é de tabocas grossas, que lançam de si tanta quantidade de
espinhos tão rijos e fortes que não podem ser acommettidos das nações
circumvizinhas, e deste labyrintho confuso se ajudam para sua defesa
(BETTENDORFF, 1910, p. 90-91).

Apesar da ilha estar bem próxima de Belém, os portugueses tiveram as maiores


dificuldades em invadi-la, primeiro porque os nativos já eram sabedores dos intentos dos
portugueses, e para garantir sua liberdade fizeram até alianças entre si; e ainda a ilha contava
com a proteção natural de sua flora e diversos braços de rios.

Sua ilha é toda composta de um confuso e intrincado labyrintho de rios e


bosques e poços, aquelles com infinitas entradas e sahidas, e estes sem
entrada nem sahida nenhuma boa, onde não é possível cercar, nem achar,
nem seguir, nem ainda vêr os inimigos, estando elles ao mesmo tempo
debaixo da trincheira das arvores, apontando e empregando suas fréchas
(BETTENDORF, 1910, p. 136).

A tática de guerra dos ilhéus também era bastante eficaz. Contrariando as expectativas
dos colonizadores que se achavam superiores em tudo, inclusive na arte da guerra.

Porque este modo de guerra volante e invisível não tivesse estorva da casa,
mulheres e filhos, a primeira causa que fizeram esses bárbaros, tanto que se
resolveram a guerra com os Portugueses, foi desfazer e como desatar as
povoações em que viviam, dividindo as casas pela terra dentro a grandes
distancias, para que em qualquer perigo pudesse um avisar os outros, e
nunca serem acommettidos juntos, ficando desta sorte habitando toda a ilha
sem habitarem nenhuma parte dellla, servindo-lhes, porém, todos os bosques
de muros, e os rios de defesa, e as casas de atalaia, e cada Ingaiba de
sentinella, e as suas trombetas de rebate (BETTENDORF, 1910, p. 136).

Entre as artimanhas de defesa eles faziam uso de flechas envenenadas com um veneno
altamente mortal, que era motivo de grande medo dos portugueses, “porque usam estes
bárbaros de fréchas ervadas com peçonhas tão refinadas, que mesmo é ferirem a qualquer
contrario, ainda que seja muito levemente, que perder a vida [...]” (BETTENDORFF, 1910, p.
92).
Os indígenas da grande ilha se mostraram tão avessos à presença colonizadora, que
resistiram mais de vinte anos as diversas investidas missionárias e militares dos portugueses.
41
“Várias vezes se empenharam as forças de todo este Estado em destruir estes inimigos
domésticos” (BETTENDORFF, 1910, p. 92). O desejo de destruir os Ingaybas (os de língua
estranha) aumentava em cada investida frustrada. Aliás, eles eram considerados de língua
estranha porque não falavam nenhuma das línguas que os portugueses conheciam e nem
aceitavam falar o “Nheengatú, uma língua de origem tupi” (FONSECA, 2012, p. 98); usada
pelos missionários para se aproximar dos indígenas e catequizá-los.
Eles também atacavam os moradores das missões e nas fazendas vizinhas, “os quais
sahindo daquella ilha em canoas ligeiras, continuamente salteavam os moradores e índios
christãos” (BETTENDORFF, 1910, p. 91). Tais façanhas irritavam ainda mais os
portugueses, que se empenhavam ainda mais para subjugar os ditos ‘selvagens’. Como se a
selvageria não fosse uma das principais características do colonizador.
Faz-se necessário demonstrar que ao contrário do discurso colonizador, a Amazônia
não era um vazio demográfico. Aqui viviam diversas etnias indígenas, com os mais variados
costumes, fazeres e saberes - como relatou Bettendorff (1910), só na grande ilha de Joannes
viviam sete nações. De acordo com Armando Alves Filho, et al, “Entre os quais podemos
destacar alguns grupos, conforme a família linguística a que pertenciam: os Aruak, os Karib,
os Tupi, os Jê, os Katukina, os Pano, os Tukana, os Xiriana e os Tukuna.” (ALVES FILHO,
2001, p. 12). Na perspectiva deste autor,

No século XVI, por exemplo, na Amazônia brasileira havia um total de dois


milhões de índios, sendo que 950 mil viviam nas áreas de várzea, cuja
extensão territorial de 65 mil quilômetros quadrados compreendia uma
densidade demográfica de 14,6 habitantes por quilometro quadrado. Assim
sendo, quando os conquistadores europeus chegaram na Amazônia,
assombraram-se muitas vezes com a tamanha quantidade de pessoas que
aqui viviam, particularmente nas margens do rio Amazonas, em suas aldeias
consideradas pelos invasores como de grandes dimensões (ALVES FILHO,
et al., 2001, p. 12).

A ideologia colonizadora propositalmente se utilizou do discurso de que a região era


pouco povoada e atrasada, para justificar a necessidade de colonizar e povoar essas áreas.
Aliás, o mesmo discurso utilizado anos depois, e que ainda persiste no presente. O período da
União Ibérica (1580-1640), em que Portugal e Espanha formavam um governo único,
possibilitou a expansão portuguesa pelo vale amazônico. E, anos mais tarde, quando a União
Ibérica terminou, os lusitanos já haviam consolidado seu domínio sobre a região. Porém,

42
Portugal inicialmente não demonstrou interesse em povoar a região, estavam mais ocupados
com as outras capitanias (BEZERRA NETO, 2001).
Foi somente a partir da ameaça representada pela presença dos outros europeus
(franceses, ingleses, holandeses, irlandeses) invadindo e explorando a região, que a Coroa
Portuguesa atentou para a ocupação e recuperação do que considerava como sendo seu
território. Mas tinha a questão da distância que dificultava o acesso e a comunicação com as
capitanias mais antigas do Brasil. E, como na Amazônia nada se faz sem observar e obedecer
a natureza, desta vez foram os ventos e as correntes marítimas que determinaram o rumo da
história. Como bem lembra Cardoso,

A região conhecida como “Maranhão” possuía uma certa dificuldade de


acesso em relação ao resto do Brasil. Os portugueses já sabiam, há muito
tempo, que era mais fácil chegar ao Pará saindo de Portugal do que saindo de
Pernambuco ou da Bahia. É conhecida a história de uma grande expedição
de caça a índios, coordenada por Antonio Raposo Tavares. Saídos do Tietê
(São Paulo) em 1648, essa incrível jornada chegou a Belém em 1651.
Perdidos, famintos e cansados, optaram pelo caminho mais rápido e seguro
para voltar para casa. Foram até Portugal, para só então embarcar de volta a
São Paulo (CARDOSO, 2003, p. 40).

Neste período a Amazônia, entre outros nomes, era conhecida como Maranhão.
Território composto pelo o que é hoje a Amazônia Legal, mais parte do Maranhão, Ceará e
Piauí. Cardoso (2003) também relata a fala de um padre jesuíta sobre as dificuldades de se
viajar de Pernambuco para o Pará e Maranhão, dada à força dos ventos e a corrente marítima.
Pois, dizia o padre: “todos os ventos são em popa, e de lá não se navega para cá” sem que se
perca muito tempo (CARDOSO, 2003, p. 40). Como vimos a localização geográfica da
Amazônia, aliada as correntes marítimas e aos ventos, impedia que a região fosse dependente
das outras capitanias mais ao sul do Brasil.
Somada a necessidade de expulsar os outros europeus, e a proteção de futuras invasões
foi determinada de imediato a ocupação portuguesa na região. Para tanto, decidiram pela
criação de duas fortificações, uma na capitania do Maranhão e outra as margens da bacia do
rio Pará (desembocadura do rio Amazonas).
Partiram então os lusos, o comando de Caldeira Castello Branco, primeiramente para a
expulsão dos franceses, e retomada da cidade de São Luis do Maranhão. Seguindo mais
adiante foram ocupar as terras do rio Pará, combatendo ingleses e holandeses que já vinham a
bastante tempo realizando comércio com os nativos (GUZMAN; HULSMAN, 2016). E

43
finalmente fundaram, em 1616, a primeira cidade no Grão-Pará; a cidade de Santa Maria de
Belém do Grão-Pará.

Caldeira Castello Branco dispondo-se então, a executar o plano de


installação do poder christão no valle do Grande Rio, a 12 de Janeiro lançara
os fundamentos do fortin do Presepio, a cuja sombra se constituía o povoado
de Santa Maria de Belém (REIS, 1993, p. 6).

Até a escolha do lugar para a fundação da cidade de Belém dependeu das artimanhas
da natureza. O lugar foi escolhido estrategicamente no ponto de encontro entre o rio e o mar,
“A região funciona como uma porta de entrada para o grande rio Amazonas, mas também é
uma grande janela para o Atlântico. Ao mesmo tempo é uma cidade cercada de ilhotas, o que
facilitava sua defesa” (CARDOSO, 2003, p. 46). Anos mais tarde até surgiu algumas
sugestões de mudança da capitania, mas nenhum outro lugar oferecia as vantagens
estratégicas que Belém possuía. Diante desse cenário, em poucos anos as capitanias do Grão-
Pará e Maranhão se tornaram independentes das demais capitanias do Brasil, e passaram a
relacionar-se diretamente com Portugal.
Era a etnia Tupinambá que vivia no local onde foi fundada a cidade, e eles tinham uma
boa relação com os franceses, basicamente comercializando especiarias. A princípio também
firmaram uma relação amistosa com os portugueses. Entretanto, os portugueses na ganância
da colonização começaram a explorar os indígenas, o que logo gerou revolta.

Face aos abusos cometidos pelos portugueses contra os indígenas, tal como a
escravidão dos mesmos, os Tupinambás acharam melhor expulsar os
lusitanos da região, invadindo a cidade de Belém em 07 de janeiro de 1619,
comandados pelo cacique Guaimiaba (“Cabelo de velho”). Os colonos
refugiados no Forte do Presépio abriram fogo contra os indígenas, matando a
bala muitos índios, entre os quais “Cabelo de Velha”, fazendo com que os
Tupinambás fossem obrigados a bater em retirada, deixando Belém destruída
(ALVES FILHO, et al., 2001, p. 19).

Este episódio acabou de vez com qualquer possibilidade de relação amistosa entre os
portugueses e indígenas, iniciando a sequência de guerras “justas” contra os nativos que se
alastrou pelo vale amazônico durante todo o período colonial.
Como dito anteriormente, a região de várzea era a mais povoada, por ser rica em
recursos naturais básicos para a sobrevivência, e esse ecossistema se estendia por toda a
margem do Amazonas. E foi através do percurso do rio e de seus afluentes (Tocantins, Xingu,
Tapajós, Negro, Madeira e Branco) que se deu a ampliação do domínio português.

44
Fora na região de várzea que os conquistadores europeus fundaram suas
povoações e fortificações militares, contribuindo para a despovoação das
aldeias indígenas e substituindo-as por suas formas de povoamento
fortemente marcadas por duas vertentes: as missões e as fortificações
militares situadas nas margens dos rios. Seriam as missões religiosas ou
aldeamentos, lado a lado com as fortalezas lusas, que garantiam o
funcionamento do sistema colonial português na Amazônia, permitindo a
defesa do domínio do território (no caso das fortalezas) e a destribalização
dos índios [...] (ALVES FILHO, et al., 2001, p. 19).

O sistema colonial português se sustentou na Amazônia baseado principalmente no


comércio das drogas do sertão, aldeamento através das missões, e a construção de cidades
fortificadas. Desde os primeiros dias que os portugueses pisaram nas terras do rio-mar eles
perceberam que não sobreviveriam aqui sem a ajuda dos nativos. A péssima relação entre eles
e a dificuldade de adaptação neste novo mundo, também tornou a vida dos colonizadores um
inferno no paraíso.

Se acompanharmos as primeiras cartas enviadas a Portugal pelos primeiros


moradores, veremos que Belém necessitava das coisas mais básicas. Havia
poucos panos para a vestimenta de soldados, moradores e até religiosos.
Faltavam armas e munições para guarnecer o Forte do Presépio; mesmo a
alimentação cotidiana, por exemplo, dependia quase inteiramente dos índios
e começava a ficar escassa (CARDOSO, 2003, p. 51).

Observa-se que eles também não falavam nenhuma língua indígena. A saída foi
recorrer aos missionários. E a principal estratégia de aproximação dos religiosos foi aprender
as línguas indígenas, e posteriormente impor o uso de uma língua geral, o “Nheengatú”. O
uso da língua geral “Nheengatú” apesar de ter sido usada como estratégia de dominação pelo
colonizador, também possibilitou que algumas palavras indígenas se mantivessem na nossa
fala e fosse usada para nomear objetos, animais, lugares e pessoas; ate os dias de hoje.

O que sabemos é que os portugueses não conseguiram extinguir todas as


línguas indígenas. Além de dezenas delas sobreviverem ainda hoje, estamos
cercado por inúmeras palavras originárias de línguas nativas: acará, urubu,
açaí, Pacajá, Anapú, Camarapi, Canaticu, e por aí afora. Enfim, eles
precisavam identificar as localidades, os animais, os igarapés, os rios, os
peixes etc (FONSECA, 2012, p. 98).

Aprender o “Nheengatú” ajudou os missionários na aproximação com os nativos. O


uso desta língua foi uma das armas de convencimento, pois facilitava o dialogo e a pregação.
Como os missionários construíram esta melhor aproximação, ficou a cargo deles o “processo
45
de destribalização dos índios descidos para os aldeamentos, ou seja, os missionários dirigiam
o processo de desestruturação das sociedades indígenas, aculturando-o e modificando-lhes
suas formas tradicionais de vida” (ALVES FILHO, et al., 2001, p. 23).
Os descimentos eram as expedições promovidas pelos missionários ao longo do rio
amazonas com o intento de convencer os índios a abandonar suas aldeias e irem morar nas
aldeias missionárias. A pregação e a conversão através do batismo cristão eram suas armas de
convencimento, utilizavam inclusive da música e do teatro como ferramentas pedagógicas.
Como os missionários eram responsáveis pelo controle e exploração dos índios
descidos; e se diziam contra a escravidão dos mesmos; eles limitavam o acesso dos colonos, e
isso acabou gerando grandes desentendimentos. Então para conseguir a mão de obra de forma
legal (já que as leis portuguesas consideravam os indígenas como livres), e escapar do
controle dos religiosos, os colonos criaram as “Guerras Justas” e os “Resgates”. Ainda
assim, os conflitos eram diários, e a legislação era interpretada e aplicada de acordo com os
interesses de cada um; como relata Cristina Ribeiro (2003),

Os conflitos se evidenciavam de muitas maneiras: os padres brigavam entre


si, principalmente quando faziam a repartição das aldeias; os moradores
questionavam a todo instante a legislação, que sempre estava a favorecer os
religiosos, segundo eles; e os índios não se adequavam às normas. Estes
eram considerados inimigos do rei e, portanto, perseguidos e escravizados.
Por conta disso, fugiam, atacavam e destruíam pequenas vilas e povoados.
(RIBEIRO, 2003, p. 67).

Outro motivo de conflito entre os missionários e colonos era a divisão das terras. A
legislação definiu a divisão das terras através do sistema de sesmarias; que consistia na
doação de terras para apadrinhados do rei. A doação era provisória, ficando o beneficiário
obrigado a tornar as terras produtivas, e ao final de três anos ele recebia a posse definitiva.
Entretanto, queixavam-se os colonos, que os missionários eram os mais beneficiados. Como
de fato afirma José Alves Júnior (2003, p. 147), “as ordens religiosas foram generosamente
contempladas, constituindo grandes propriedades, onde se desenvolveram atividades
extrativistas, agrícolas e criatórias”.
Somente na Ilha do Marajó os religiosos eram os donos das maiores fazendas de
criação gado. A vegetação de campo possibilitou a criação em maior escala. As fazendas
ainda permanecem até hoje, e “após a expulsão das ordens religiosas, quando da segunda
metade do século XVIII, estas e outras propriedades fundiárias em sua maior parte foram
transferidas pela Coroa para a posse de particulares” (BEZERRA NETO, 2001, p. 41-42);
46
sendo um dos principais motivos dos conflitos agrários na região. Os atuais proprietários
avançam com suas cercas cada dia mais sobre os territórios tradicionais de quilombolas e
ribeirinhos; interferindo e impossibilitando a titulação de suas terras.
A perseguição aos nativos se deu de forma tão intensa, que em poucos anos vieram a
escassear nas imediações das cidades. Os colonos e missionários tinham que ir cada vez mais
longe, se embrenhando nos sertões do vale amazônico para conseguir capturá-los. Aliado as
diversas doenças europeias que assolavam a população, promoveu-se um amplo extermínio
aos indígenas, “não sendo exagero dizer que a sociedade colonial construída na Amazônia nas
margens dos seus rios, não fora apenas banhada pelas águas dos mesmos, banhou-se também
em verdadeiro mar de tormento e sofrimento para as populações indígenas [...]” (BEZERRA
NETO, 2001, p. 25).
Mas mesmo após mais de cem anos de invasão, a Coroa portuguesa ainda necessitava
consolidar sua dominação na região, dada a dificuldade em deslocar colonos portugueses para
a Amazônia. Depois de mais de um século de ocupação portuguesa na região Norte, nela só
existiam 9 povoações de brancos, parcamente habitadas e em franca decadência na sua
maioria. Eram as cidades de Belém e São Luís, e as povoações de Cumá, Icatu,Tapuitapera,
no Maranhão, Caeté, Cametá e Vigia no Pará, e Mocha, no Piauí” (D’ AZEVEDO, 1901).
O restante eram aldeias e mocambos, portanto, não eram considerados como
povoações. Aliás, no censo demográfico era contabilizada somente a população branca. Só a
partir dos estudos de Vicente Salles, que foi possível alcançar alguns dados sobre a
demografia dos negros, índios e mestiços da região. Ou seja, a invisibilização da população
africana, indígena e seus descendentes foi recorrente e proposital durante todo o período
colonial, e ainda nos dias atuais. Devemos observar que no histórico dos censos no Brasil as
categorias pretos, pardos, mestiço, etc aparecem nos dois primeiros Censos, de 1872 e 1890.
Entre os censos estatísticos, tais categorias desaparecem nos censos de 1900 e 1920, mas
retornam nos de 1940 e 1950. Permanecem nos censos de 1960 e 1980, entretanto retira-se o
quesito cor no censo de 1970, no contexto de ditadura militar. Para se ter uma noção, somente
a partir do censo demográfico de 2020 será colocado no questionário a opção de identificação
para quilombolas, e só então teremos dados oficiais mais precisos sobre a população
quilombola do país.
Então, a solução pensada pela coroa portuguesa, para sanar a questão da mão de obra,
da ocupação definitiva do território, e mais ainda, colocar a colônia portuguesa em pé de

47
igualdade com as demais potências colonizadoras (como a Inglaterra); foi colocar em prática
um projeto que ficou conhecido como ‘política pombalina’. Tal projeto consolidou-se
principalmente pela criação do Diretório Indígena, em 1757, e pela instalação da Companhia
do Comercio no estado do Grão-Pará e Maranhão, por Sebastião de Carvalho e Melo, o
Marquês de Pombal, em 1750. A implementação do projeto pombalino ficou a cargo do então
governante do Pará, Mendonça Furtado.
Uma das maiores dificuldades do reino de Portugal com relação à Amazônia era a
escassez de colonos brancos para ocupar e proteger a região. Para cá eram enviados a escória
da sociedade portuguesa, foras da lei e degredados, que na falta de homens melhores
acabavam se tornando colonos. Assim, a saída pensada por Pombal foi formular uma política
indigenista que consistia em transformar o índio em colono, e para tanto era necessário não
somente garantir-lhe a liberdade, mas principalmente reconhecê-lo como pessoa com direitos
e deveres naturais. O índio teria na teoria o direito de produzir nas suas terras, seria um
trabalhador a serviço da metrópole.
A implementação do Diretório Indígena, “foi o esforço mais sistematizado de
transformação do índio em colono, ou seja, da transformação da Amazônia em um espaço
ocidentalizado, capaz de responder às necessidades do projeto colonial português” (SOUZA
JUNIOR, 2003, p. 183). Em tal Diretório repercutia os efeitos da lei de 1755 que determinava
a proibição definitiva da escravização dos indígenas; e passou a regular questões, como:
religião, comercio, titulação de terras e também a educação.
O ensino da língua portuguesa para os indígenas passou a ser obrigatória. E para isso,
afirma Fonseca (2012, p. 98), “foi necessária a criação de escolas de primeiras letras. Os
meninos aprenderam a ler, escrever e contar. As meninas a prenderam a tecer, fazer renda e
fiar. Além disso, cada indígena recebeu um nome e sobrenome português"
O objetivo da catequização indígena, assim como do diretório de Pombal, foi a
“civilização” dos índios. Civilizar consistia em libertar os índios da situação de’ selvageria’, e
‘vícios’ em que viviam, passando a adotar os costumes e o modo português de ser. Neste
sentido, a imposição da educação cristã foi fundamental no processo de civilização.
Além dos direitos recebidos e da nova educação, para que o indígena passasse e se
reconhecer como português era preciso que ele se sentisse diferente dos demais sujeitos
escravizados com quem dividia as agruras do dia a dia. Até porque na “Amazônia Colonial o
conjunto de indivíduos despossuídos – índios forros, índios escravos, negros forros, negros

48
escravos, homens brancos pobres, mestiços – era genericamente denominado de “pretos” ou
“negros”” (SOUZA JUNIOR, 2001, p. 44). Estes termos de caráter pejorativo eram usados
para discriminar essas minorias. Mas as opressões que eles viviam acabaram por gerar uma
identidade de interesses e a força necessária para resistir ao sistema escravocrata.
As estratégias de resistência coletiva minavam o projeto colonial, por isso os
portugueses tinham total necessidade de destruir estas identidades, fazendo com que o índio
deixasse de se ver como “negro” ou “preto”, e foi assim que ficou determinado no estatuto do
diretório que os diretores das vilas e povoados,

[...] não consentirão [...] daqui por diante, que pessoa alguma chame de
Negros aos Índios, nem que eles mesmos usem entre si deste nome como até
agora praticam, para que compreendendo eles, que lhes não compete a vileza
do mesmo nome, possam conceber aquelas nobres ideias, que naturalmente
infundem aos homens a estimação, e a honra (SOUZA JUNIOR, 2001, p.
44).

Daí surgiu também a necessidade de dar nomes portugueses aos indígenas e permitir o
casamento com os brancos, fatos estes que fizeram com que a maioria dos nomes indígenas e
as etnias fossem desaparecendo ao longo dos anos. Mas o Diretório acabou tornando a vida do
indígena ainda mais difícil, acelerando o processo de destruição de sua forma de viver,
intensificando a escravização, e provocando o esvaziamento dos aldeamentos, rebeliões, fugas
e formação de mocambos (quilombos). Já a criação da Companhia do Comercio no Estado do
Grão- Pará e Maranhão foi necessária para a regulamentação definitiva do tráfico de escravos
diretamente com as praças africanas.
Como explanado até aqui, sabe-se que exploração da mão de obra indígena na
Amazônia colonial, foi predominante praticada na maior parte região, com relação a
exploração da mão de obra africana. A historiografia oficial fundamentava este fato alegando
que a economia era baseada no extrativismo, e as condições geográficas e ambientais não
contribuíam para a implementação do sistema de plantation. Há ainda o fato da obtenção da
mão de obra africana ser demasiadamente onerosa.

Dessa forma, apesar da metrópole portuguesa haver tentado introduzir o


escravo negro na Amazônia, os fatores citados, aliados ao preço elevado pelo
qual o escravo negro era vendido no mercado, fizeram com que, durante o
período colonial, o trabalho compulsório do índio tenha superado, em muito,
o do africano na região (ALVES FILHO, 2001, p. 27).

49
Entretanto, autores como Vicente Salles e Bezerra Neto, trazem uma leitura mais
profunda sobre as formas e condições em que se estabelece a escravidão na Capitania do
Grão-Pará. Os estudos destes autores apresentam contrapontos frente a historiografia que
renegou por muito tempo a contribuição dos africanos na formação da sociedade paraense.
Seus estudos trazem temas “relativos ao tráfico negreiro e ao tráfico interprovincial, bem
como os que dizem respeito às origens, composição étnica e evolução demográfica da
população escrava no Grão-Pará” (BEZERRA NETO, 2001, p. 23).
Bezerra Neto atenta principalmente para o fato de a economia não se baseava somente
na exploração das drogas do sertão, mas também na criação e plantação de diversas culturas,
com finalidade de mercado; e para tal era utilizada tanto a mão de obra indígena quanto a
africana. Assim,

Ainda que motivados pela exploração das chamadas drogas do sertão, os


colonos e autoridades metropolitanas portuguesas, em suas conquistas do
vale amazônico, não haviam descuidado do fomento da colonização através
do cultivo dos diversos tipos de lavouras e fazendas, particularmente em
terras situadas na capitania paraense. Inclusive, mesmo que recorrendo ao
uso generalizado dos trabalhadores indígenas aldeados e escravizados, já
desde os primeiros momentos os colonos e as autoridades coloniais
reclamavam à Coroa pela introdução de escravos africanos na parte
setentrional da América Portuguesa. (BEZERRA NETO, 2001, p. 25).

Embora pouco se saiba sobre os primeiros africanos na Amazônia, alguns estudos


apontam que a introdução deles aqui ocorreu a partir de meados do século XVII, foi obra
principalmente dos ingleses interessados em se apossar desta região (BEZERRA NETO,
2012).
Depois do sucesso das campanhas que expulsaram os ingleses e demais estrangeiros
que já vinham se apossando da região, os portugueses tomaram posse de suas benfeitorias, e
também passaram a ansiar pela introdução de mão de obra africana. Os colonos necessitavam
desesperadamente de mão de obra para tocar suas propriedades; pois além da grande
mortandade dos indígenas, eles ainda enfrentavam a resistência dos missionários que eram
avessos a ideia da escravização dos nativos.
Percebe-se que, mesmo em pouca quantidade, a escravidão de africanos na Amazônia
ia ocorrendo em algumas partes, principalmente nas áreas dedicadas “a lavoura de gêneros
exportáveis: cana-de-açúcar, arroz, tabaco, algodão e cacau” (SALLES, 1971, p. 27) e nas
fazendas de criação. Em alguns estudos já foi possível elencar alguns números que

50
comprovam este fato, antes da efetiva criação de um trafico regular entre a África e esta
capitania,

Na verdade, embora os dados existentes sobre o tráfico de escravos africanos


na Amazônia, entre fins do século XVII e a primeira metade do século
XVIII, sejam bastante escassos, é possível elencar alguns algarismos. Kátia
Mattoso, por exemplo, diz-nos que os escravos africanos importados e
desembarcados no Maranhão, através do assento, durante o período
compreendido entre os anos de 1692 e 1721, totalizavam 1.208 negros,
sendo que 145 importados em 1692, 145 em 1693, 218 em 1698, 200 em
1702, 200 em 1708, 150 em 1718 e 150 em 1721 (BEZERRA NETO, 2001,
p. 22-23).

Entretanto, a maior quantidade desses africanos escravizados ficava na Capitania de


Maranhão, fazendo com que a Capitania do Grão-Pará estivesse em constante escassez de
mão de obra e cada vez mais dependente da escravização dos indígenas. Então, Mendonça
Furtado avalia a necessidade de se criar uma companhia de comercio para alavancar a
situação econômica da capitania do Grão-Pará. “A companhia, entre outras vantagens, teria a
introdução da escravatura africana, que forneceria braços necessários aos trabalhos da
agricultura, permitindo ao mesmo tempo o cumprimento rigoroso das leis sobre a liberdade
dos índios” (SALLES, 1971, p. 35).
O capital para a criação da companhia contou com as economias dos próprios
moradores e com a ajuda da contrapartida da metrópole. “E de fato, ali se fez a integralização
do capital e a 6 de junho de 1755 foi finalmente organizada a Companhia Geral do Comercio
Grão-Pará e Maranhão, destinada a incrementar o tráfico, cujo monopólio lhe fora
assegurado” (SALLES, 1971, p. 35).

Durante a vigência do monopólio comercial do trafico pela Companhia


Geral de Comercio, entre os anos de 1755-1778, foram introduzidos na
Amazônia Portuguesa um numero de escravos possivelmente superior aos
25.365 africanos desembarcados nos portos de Belém e São Luis pelos
navios da companhia. Segundo Manuel Nunes Dias, 14.749 escravos negros
foram enviados para o Grão-Pará, enquanto o Maranhão havia recebido
10.616 cativos, ainda que cerca de 1/3 do total de africanos ingressos no
porto da capital paraense fossem vendidos para Mato Grosso, tornando-se
Belém não somente um centro receptor de trabalhadores escravos negros,
como o seu principal redistribuidor na Região Amazônica e capitanias
limítrofes (BEZERRA NETO, 2001, p. 28).

51
Bezerra Neto (2001, p. 111) com o auxílio dos dados coletados nos estudos de Salles
(1997), Dias (1970) e Vergolino-Henry (1990), montou o quadro a baixo para demonstrar o
quantitativo de escravizados traficados entre África e o Grão-Pará, nos anos de 1755 a 1820.

Quadro 1 – Quantitativos de escravizados traficados no período de 1755-1820


Período Numero de escravos
1755-1778* 14.749/9.832
1778-1792 7.606
1792-1820 30.717
TOTAL*9 53.072/48.155
Fonte: Bezerra Neto (2001, p. 111).

Estes estudos nos mostram que houve sim a introdução de uma grande quantidade de
africanos na Amazônia ainda na vigência e da Companhia e mesmo depois de sua extinção.
Porém não só isso, eles nos mostram que os africanos marcaram aqui sua presença. Seu
legado esta vivo e visível na pele e na cultura do povo paraense. Nossa musica, nossa dança,
nossa culinária, nosso modo de falar, de aprender e ensinar esta eternamente implicada pela
presença e ancestralidade africana.
Mas mesmo com a criação da companhia e o tráfico regular e expressivo de africanos,
a escravidão indígena na Amazônia continuou a existir, e a criação do Diretório Indígena, que
na teoria deveria coibir a escravidão indígena e substituí-la pela escravidão africana, na
prática permaneceu ocorrendo da mesma forma, ou ainda pior. O tratamento desumano
dispensado aos africanos e indígenas acabou revelando uma identidade de interesses comuns,
em especial o desejo de liberdade.

A coexistência da escravidão indígena e africana na Amazônia, visível


principalmente na realização de obras públicas, como a construção de
fortificações militares, permitiu a índios e negros a construção de uma
consciência de explorados, a partir da vivencia, por um longo período, de
experiência comuns de exploração e opressão, que os levaram a desenvolver
uma identidade de interesses (ALVES JUNIOR, 2003, p. 182).

9
*Considerando o numero de escravos africanos ingressos no Grão-Pará, durante o período da vigência da
Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778), da seguinte forma: 14.749 e, portanto, o total de
53.072 africanos incluindo todos os cativos importados através do porto de Belém no período em tela; já os
números 9.832 e, respectivamente, 48.155 sofrem a dedução dos cativos reexportados para o Mato Grosso, na
época (BEZERRA NETO, 2001, p. 111).
52
Logo, surgiram diversas formas de resistência, e uma delas era a fuga e a formação
dos mocambos. Assim, índios e africanos se rebelaram contra o sistema escravista de diversas
formas, tais como: suicidando-se, recusando-se ao trabalho e empreendendo fugas e
aquilombando-se (SOUZA, 2016; SALLES, 1971), refugiando-se no interior do território
amazônico e formando os chamados mocambos ou quilombos que Salles (1971) informa,
foram importantes para a formação e povoação deste amplo território.
Sobre os primeiros quilombos ainda temos poucos dados, mas Vicente Salles (1971)
conseguiu identificar nos estudos de Baena (1969) dados mais precisos sobre os quilombos
formados a partir do governo Mendonça Furtado, e que se encontravam nas proximidades de
Belém.

Os mocambos eram os seguintes: um no igarapé de Una [...]; outro


localizado nas veredas do rio Mauari (Maguari) nas proximidades da
povoação de Benfica [...]; o terceiro, tido como o mais considerável, se
localizava no rio Anajás, na Ilha do Marajó e se compunha não apenas de
escravos, mas também de soldados desertores e de criminosos foragidos.
Declara-se ainda que havia 4 outros mocambos no rio dos Macacos, um dos
quais nas terras de Andre Correa Picanço e outro nas de José Furtado de
Mendonça, juiz ordinário da vila de Chaves. Dizia-se, finalmente, na
representação, que todos eles estavam combinados entre si (BAENA, 1969
apud SALLES, 1971, p. 206).

Fato diversas vezes salientado por esses e outros vários estudiosos do processo de
formação dos mocambos no Pará é justamente as alianças interétnicas nestes espaços e a
criação de redes de comunicação e de apoio; pois como estavam interligados, recebiam e
transmitiam noticias. E foi desta forma, com ligações com os mocambos próximos da Guiana
Francesa que ficaram sabendo da Revolução Francesa e da Revolução do Haiti, que com seus
ideais de liberdade, igualdade e fraternidade passam a estimular a luta por liberdade na
Amazônia. Estas alianças interétnicas e redes de comunicação e apoio se refletiram inclusive
em ações de resistência coletiva, como foi na Cabanagem10.
Porém, a intensa participação dos negros na Cabanagem, não foi somente um ato de
rebeldia comum, foi muito além; pois, o “negro começou a adotar formas superiores de luta a
partir do momento em que identificou o conceito de liberdade, ou supressão do senhor, como

10
A Cabanagem – revolução popular que, durante alguns anos, abalou a vida social e econômica da Amazônia –
foi segundo Nelson Werneck Sodré, um dos movimentos mais profundos, mais sérios e mais característicos da
fase da Regência. Handelmann afirma que foi a maior guerra civil que o Império ate então teve de sustentar e
ressaltou também o caráter de luta de classes – “a guerra dos sem terra contra os proprietários”. A população
atendeu em massa ao chamado das armas (SALLES, 1971, p. 259).
53
decorrência de luta política” (SALLES, 1971, p. 265). E este despertar se multiplicou nas
inúmeras lutas travadas na pós-abolição, por direitos fundamentais, em especial pela
educação, e mais atualmente pela educação escolar quilombola nos moldes que respeitem sua
formação, seu modo de ser e fazer.
Foi principalmente a partir do século XVIII que se formaram a maior parte dos
quilombos, pois a desestabilização político econômica, e a decadência dos engenhos de cana
de açúcar, facilitaram a fuga em massa de escravizados para os mocambos (SALLES, 1971).
Bezerra Neto (2012), com o auxílio dos estudos de Gomes (2006), também organizou o
quadro 2 abaixo, para demonstrar a presença dos mocambos na Amazônia Colonial, de acordo
com sua localização, tipo e quantidade.

Quadro 2 – Mocambos na Amazônia Colonial


Localização Mocambos de Mocambos de Mocambos de Total
Negros* Negros e Índios***
Índios**
Amapá 18 04 01 23
Baixo Amazônas 15 01 05 21
Ilha de Marajó 11 04 04 19
Baixo Tocantins 09 02 02 13
Belém 07 01 03 11
Rio Negro/Amazonas 05 --- 06 11
Nordeste Paraense 04 --- --- 04
Costa Oriental 03 --- 02 05
Xingú 01 01 01 03
Outras Localidades 10 03 09 22
*Os referidos mocambos foram quantificados por Gomes entre os anos de 1734 e 1816;
**Os referidos mocambos foram quantificados por Gomes entre os anos de 1762 e 1801;
***Os referidos mocambos foram quantificados por Gomes entre os anos de de1752 e 1809.
Fonte: Bezerra Neto, 2001, p. 124.

Nestes estudos foi possível elencar a presença dos mocambos dos anos de 1734 a
1818, porém esta presença permaneceu até os dias de hoje. E mesmo com as investidas
militares para destruir estes espaços durante este e outros períodos, os quilombos resistiam e
ainda resistem. Alguns tiveram por estratégia se dividir em espaços menores ou se afastar dos
aglomerados urbanos, mas permaneceram resistindo no seio da floresta e nas margens dos
rios. Ainda que muitos anos depois tenham sito denominados de povoados ou comunidades
negras rurais. Fato este que esta sendo corrigido pela autodeterminação assegurada a partir da
Constituição Federal de 1988, tomando como referente os direitos garantidos no Artigo 68
dos ADCT, e assim estão passando a reivindicar o reconhecimento como comunidades
quilombolas.

54
Com os direitos adquiridos pelos quilombolas na nova constituinte, a ação de
organização política pela reivindicação territorial quilombola no Estado ficou a cargo
inicialmente do Centro de Defesa e Estudo dos Negros no Pará – CEDENPA. O CEDENPA
foi fundado pelo movimento negro em Belém, em 1980, e a partir do estado do Pará, vem
contribuindo no processo de superação do racismo, preconceito e discriminação, que
produzem a desigualdades sócio raciais, de gênero e outras, prejudicando, sobretudo, a
população negra e indígena, em todos os aspectos da sociedade brasileira (CEDENPA, 2019).
Posteriormente com a organização e autonomia do movimento quilombola foi criada a
Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do
Pará (MALUNGU). A Malungu foi oficialmente fundada enquanto entidade sem fins
lucrativos e econômicos em 2004, porém a organização estadual dos quilombolas já havia
sido articulada em caráter provisório desde 1999 (MALUNGU, 2019).
Então, todos estes fatos (e muitos outros que não foi possível elencar aqui) faz que
hoje, registre-se no Pará a existência de 256 comunidades quilombolas (PALMARES, 2018),
embora a Malungu aponte a existência de mais de 300 quilombos espalhados por este imenso
Estado. A Malungu “estima a existência de 355 CRQ, incluídas as que já possuem títulos de
domínio coletivo, as que estão com processos de regularização junto ao ITERPA e as que
estão identificadas” (PARÁ, 2018).
No ano de 2018 foi feito um estudo denominado Atlas das Comunidades Quilombolas
do Estado do Pará realizado pelo Núcleo de Apoio aos Povos Indígenas, Comunidades Negras
e Remanescentes de Quilombos (NUPINQ), onde apresenta os 355 quilombos, presentes em
pelo menos 55 dos 144 municípios paraenses, distribuídos em 9 (nove) Regiões de Integração
de acordo com o quadro 3, abaixo:

Quadro 3 - Quilombos do estado do Pará, por Região de Integração.


REGIÃO MUNICÍPIOS Nº DE QUILOMBOS
Breu Branco 01
LAGO DE TUCURUI (1)
Sub Total 01
Pacajá 01
XINGÚ (2) Porto de Moz 05
Sub Total 06
Ananindeua 01
METROPOLITANA (2) Belém 02
Sub Total 03
Augusto Corrêa 02
Bonito 03
RIO CAETÉ (6)
Bragança 01
Cachoeira do Piriá 08
55
Santa Luzia do Pará 06
Tracuateua 03
Sub Total 31
Inhangapí 07
Santa Izabel 08
São Miguel do Guamá 06
GUAMÁ (6) São Domingos do Capim 05
Igarapé Açú 01
Colares 02
Sub Total 29
Alenquer 01
Almerim 06
Monte Alegre 02
Óbitos 14
BAIXO AMAZONAS (7)
Oriximiná 29
Santarém 11
Prainha 01
Sub Total 64
Abaetetuba 18
Acará 25
Baião 17
Cametá 30
TOCANTINS (8) Limoeiro do Ajuru 01
Mocajuba 09
Moju 22
Oeiras 20
Sub Total 142
Bujarú 01
Capitão Poço 01
Concordia do Pará 12
Garrafão do Norte 02
Ipixuna do Pará 05
Irituia 13
RIO CAPIM (9) Ourém 01
Tomé-Açú 01
Bujarú 01
Sub Total 36
Anajás 01
Bagre 06
Cachoeira do Ararí 01
Curralinho 01
Gurupá 11
MARAJÓ (9)
Muaná 05
Ponta de Pedras 03
Portel 01
Salvaterra 13
Sub Total 43
TOTAL GERAL 355
Fonte: NUPINQ, 2018.

Então, de acordo com esses dados o Pará é o quarto Estado com o maior número de
comunidades quilombolas do Brasil. Contrariando todas as afirmações equivocadas de que a

56
presença africana foi insignificante e não deixou sua marca nos campos e florestas deste vasto
território.
Agora que já conhecemos um pouco a história do Pará e da relevante presença africana
e quilombola na região; é fundamental também conhecermos mais profundamente sobre a
legislação que versa sobre os direitos dos quilombolas e entendermos como essa legislação
está sendo aplicada ou não; que ferramentas ainda são usadas para invisibilizar ou negar a
presença dos quilombolas nos espaços formais de educação. E talvez assim poder apontar
erros e acertos, e as melhorias que queremos.

57
2 DO QUILOMBO À EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA

No Brasil, além das mazelas sofridas durante o período escravocrata, as práticas


racistas invisibilizantes se alastraram no pós-abolição, e a crescente população negra passou a
ser considerada um problema para a elite brasileira que tratou de criar estratégia para reverter
esta situação, criando teorias como da branquitude e o mito da democracia racial. Tais teorias
tentaram passar uma imagem positiva das relações raciais no Brasil, porém na prática só
serviram para manter os privilégios da elite branca e potencializar a reprodução do racismo
(BENTO, 2002). E as consequências para a população negra foram as piores possíveis.
Não é a toa que a população negra é a parcela da população brasileira menos
alfabetizada, e que menos tem acesso a educação superior. Não é a toa que é a que recebe os
piores salários, e que trabalha nas funções mais degradantes e informais. Não é por acaso que
constitui o maior contingente carcerário, e também os mais assassinados tanto na cidade
quanto no campo.
E quando analisamos a situação da população quilombola percebe-se que, até a
Constituição de 1988, a mesma sequer era reconhecida como sujeitos de direitos. Logo, essa
invisibilidade, perpetuada por séculos pelo Estado brasileiro, transformou os quilombolas
naquilo que Givania Silva chamou de “sujeitos de direitos presentes/ausentes perante as ações
do Estado” (SILVA, 2016, p. 61). E a autora continua:

Esses fatos fizeram com que os quilombos sofressem perdas tanto do ponto
de vista material quanto imaterial, tais como: deslocamentos de seus
territórios, deturpação dos bens herdados material e imaterialmente,
cemitérios, sítios arqueológicos, territórios usurpados, conhecimentos
tradicionais aliciados sem que pudessem recorrer às leis. Isso contribui para
que os quilombos pertencessem a um mundo presente/visível/invisível
(SILVA, 2016, p. 61).

Ou seja, os quilombolas existem e resistem a séculos espalhados pelo território


nacional, mas nunca foram enxergados pelo Estado como sujeitos de direitos e por isso estão
em constante ameaça de sofrer perdas, principalmente o direito ao território por eles ocupado.
Pois, mesmo após a promulgação da Constituição de 1988, e os direitos garantidos pela
Convenção 169 da Organização do Trabalho (OIT), infelizmente os quilombos ainda fazem
parte de um presente visível/invisível.
Ressalto que essa invisibilidade também é fruto de um processo histórico ligado
principalmente a questão fundiária brasileira. Pois, como já exposto anteriormente, a forma
58
pensada pelo Reino de Portugal para ocupar as terras brasileiras foi através da divisão em
Capitanias Hereditárias e adoção das Sesmarias como forma de melhor aproveitamento das
terras doadas. Essas práticas de perpetuaram por todo o período colonial, só sendo extinto este
regime de posse em 1822 por força de Proclamação da Independência do Brasil.
Quando em 1823 ocorreu a Assembleia Geral Constituinte Legislativa do Império do
Brasil, José Bonifácio sugeriu no 10º Artigo que, “todos os homens forros de cor que não
tiverem ofício ou modo certo de vida receberão do Estado pequena sesmaria de terra para
cultivarem; receberão dele, outrossim, os socorros para se estabelecerem, cujo valor irão
pagando com o andar do tempo”. Porém, essa Assembleia foi dissolvida por D. Pedro I e José
Bonifácio foi enviado para exilio em Portugal. Se este artigo tivesse sido aprovado a história
dos africanos e seus descendentes seria outra, talvez como muito menos entraves (BRASIL,
2011).
O que acabou vigorando mesmo foi a Lei de Terras, Lei nº 601 promulgada em 1850 e
instituiu o Registro Eclesiástico das Terras, e as terras que haviam sido adquiridas por
concessão ou por sesmarias foram legalizadas. Assim a Lei de Terras,

Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas
por titulo de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como
por simples titulo de posse mansa e pacifica; e determina que, medidas e
demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a titulo oneroso, assim para
empresas particulares, como para o estabelecimento de colonias de
nacionaes e de extrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonisação
extrangeira na forma que se declara D. Pedro II, por Graça de Deus e
Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor
Perpetuo do Brasil (BRASIL, 2011, p. 10).

A Lei de Terras também determinou que as terras só pudessem ser adquiridas através
de compra e venda, ignorando outras formas de relação e ocupação da terra já existente e
comumente praticada pelos povos tradicionais. Assim dificultou a aquisição de terras pela
maior parte da população em especial os ex-escravizados, pois afirmava:

Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não
seja o de compra. Exceptuam-se as terras situadas nos limites do Imperio
com paizes estrangeiros em uma zona de 10 leguas, as quaes poderão ser
concedidas gratuitamente. Os que se apossarem de terras devolutas ou de
alheias, e nellas derribarem mattos ou lhes puzerem fogo, serão obrigados a
despejo, com perda de bemfeitorias, e de mais soffrerão a pena de dous a
seis mezes do prisão e multa de 100$, além da satisfação do damno causado.
Esta pena, porém, não terá logar nos actos possessorios entre heréos
confinante” (BRASIL, 2011, p. 10).
59
Segundo Plinio dos Santos (2018, p. 92) “após essa lei, inúmeros proprietários de
imóveis rurais demarcaram para si grandes extensões de terra, ficando o pequeno posseiro,
geralmente, à margem desse processo de regularização fundiária”. Desde então, o Brasil e
palco de inúmeros conflitos fundiários entre o Estado, grandes e pequenos proprietários e as
comunidades tradicionais.
Mesmo após a abolição da escravatura pela Lei Aurea em 1888, o direito a terra
continuou sendo negado à população negra. Aliás, a nova legislação não apontou qualquer
medida de reparação, integração ou inclusão social para a massa recém liberta. Deixando-os a
mercê de seus antigos proprietários ou obrigando-os a vagarem pelas diversas regiões do país
em busca de terras devolutas.
Quanto aos que já viviam nos quilombos, eles permaneceram em suas terras vivendo a
sua maneira e construindo suas estratégias de resistência. Pois, os conflitos fundiários e os
avanços dos grandes latifundiários eram constantes. Segundo Plinio dos Santos (2018), no
inicio do século XX, já no advento das Constituições de 1934 e 1946, que passaram a garantir
os direitos de segunda geração (direitos sociais, econômicos e culturais), “centenas de
comunidades negras rurais foram expulsas de suas tradicionais terras e/ou as tiveram
invadidas como consequência da continuidade das formas coloniais de dominação no que
tange as formas de exploração e de ocupação da terra” (PLINIO SANTOS, 2018, p. 96).

2.1 Quilombo passado, quilombo presente...

Para Reis e Gomes (1996) a palavra quilombo tem origem africana e “derivaria de
kilombo, sociedade iniciática de jovens guerreiros mbundu, adotada pelos invasores jaga (ou
imbangala), formados por gente de vários grupos étnicos desenraizada de suas comunidades”.
No contexto brasileiro esse termo amplia as definições africanas e agrega outros significados,
passando a definir as organizações sociais e territoriais adotadas por distintos grupos sociais
frente ao sistema escravocrata e racista brasileiro. Essas formas de organização também foram
denominadas como mocambos, terras de preto, terras de santo, comunidades negras rurais,
entre outros.
Diversos pesquisadores, tais como Moura (1981); Bastide e Fernandes (1955); Salles
(1971); Bezerra Neto (2012), afirmam que a contestação dos negros escravizados frente ao
sistema escravocrata, desde o período colonial, se desenvolveu nas mais variadas formas, seja
60
pelo afrouxamento no trabalho ou na recusa em fazê-lo, assim como no ataque contra seus
senhores, a fuga e a formação de quilombos, como nos relata Clóvis Moura,

As relações escravistas também produziam movimentos de reação que se


vinculavam a dinâmica de uma sociedade de capilaridade social quase
inexistente, como costumavam ser as sociedades de castas. Os diversos
escalões, os variados degraus de reação contra o status do escravo defluíam
em uma constelação de desajustes na economia escravista. Do ponto de vista
do próprio escravo essas reações iam desde os suicídios, fugas individuais ou
coletivas, até a formação de quilombos, às guerrilhas, às insurreições
citadinas e sua participação em movimentos organizados por outras classes e
camadas sociais. O escravo, desta forma, solapava nas suas bases as relações
escravistas, criando uma galáxia de desajustes desconhecida pelos dirigentes
políticos da época (MOURA, 1981, p. 14).

Embora pouco discutido até recentemente na história, os quilombos foram uma das
mais fortes organizações de oposição ao escravismo. Porém, a visão que se propagou sobre os
quilombos é de que são lugares isolados nas matas habitados por negros fugidos. Essa visão
foi incutida no senso comum ao longo da história porque foi desta forma que o Conselho
Ultramarino português em 02 de dezembro de 1740 apresentou a definição de quilombo,
como: “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda
que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles” (MOURA, 1981, P. 16).
Segundo Moura,

De acordo com essa definição da Metrópole, o Brasil se converteu,


praticamente, em um conjunto de quilombos, uns maiores, outros menores,
mas todos significativos para a compreensão da nossa história social. O
quilombo conforme definição acima, por isto mesmo, não foi fenômeno
espontâneo. Pelo contrário [...] pontilhou todo o território brasileiro durante
o período em que a escravidão existiu. Esses quilombos tinham vários
tamanhos e se estruturavam de acordo com o seu número de habitantes. Os
pequenos quilombos possuíam uma estrutura muito simples: eram grupos
armados. As lideranças, por isto, surgiam no próprio ato da fuga e da sua
organização. Os grandes, porém, já eram muito mais complexos. O de
Palmares chegou a ter cerca de vinte mil habitantes e o de Campo Grande,
em Minas Gerais, cerca de dez mil ou mais. Igual número tinha o Ambrósio,
também naquele Estado (MOURA, 1981, p. 16-18).

Este conceito de quilombo enquanto lugar de escravos fugidos se perpetuou por todo o
século XVIII até a década de 1930, quando os estudiosos e intelectuais como Roger Bastide e
Clovis Moura passaram a se interessar em conhecer e compreender os quilombos, tendo como
referencia principalmente o quilombo de Palmares, em Alagoas (RATTS, 2006).

61
Já a partir da década de 1970, surgem novos estudos sobre a temática racial e um novo
olhar sobre os quilombos. Esses estudos passaram a considerar a existência dos quilombos
como algo no presente, que resistiu ao tempo e as opressões. Passaram, então, a pesquisar a
existência de comunidades do campo que apresentavam majoritariamente a presença negra,
assim denominadas “terras de preto” ou “terras de santo”.
No campo intelectual o termo quilombo adquire uma conotação mais ideológica. Entre
os principais idealizadores desse novo olhar estão os intelectuais Abdias Nascimento, Lélia
Gonzales, Beatriz Nascimento e Joel Rufino dos Santos (RATTS, 2006).
Para Abdias Nascimento, o conceito de quilombo vai muito além do quilombo
histórico, lugar de memória da resistência negra. O autor faz uma resignificação do termo, e
nos apresenta o quilombismo. O quilombismo é uma referência simbólica, um conteúdo
político do movimento negro:

O quilombismo se estruturava em formas associativas que tanto podiam estar


localizadas no seio de florestas de difícil acesso que facilitava sua defesa e
sua organização econômico-social própria, como também assumiram
modelos de organizações permitidas ou toleradas, freqüentemente com
ostensivas finalidades religiosas (católicas), recreativas, beneficentes,
esportivas, culturais ou de auxílio mútuo. Não importam as aparências e os
objetivos declarados: fundamentalmente, todas elas preencheram uma
importante função social para a comunidade negra, desempenhando um
papel relevante na sustentação da comunidade africana. Genuínos focos de
resistência física e cultural. Objetivamente, essa rede de associações,
irmandades, confrarias, clubes, grêmios, terreiros, centros, tendas, afochés,
escolas de samba, gafieiras foram e são os quilombos legalizados pela
sociedade dominante; do outro lado da lei se erguem os quilombos revelados
que conhecemos. Porém tanto os permitidos quanto os "ilegais" foram uma
unidade, uma única afirmação humana, étnica e cultural, a um tempo
integrando uma prática de libertação e assumindo o comando da própria
história. A este complexo de significações, a esta praxis afrobrasileira, eu
denomino de quilombismo (NASCIMENTO, 2009, p. 203).

Abdias apresenta o quilombismo como uma consciência de luta político-social, que vai
se atualizando, se adequando ao momento histórico vivido e as demandas que a sociedade vai
impondo. Ele chega a constatação de que o exemplo quilombista ajudou a moldar as
organizações e os movimentos negros ao longo das décadas. Como já explanado no primeiro
capitulo, os movimentos negros foram responsáveis por diversas vitórias ao longo dos anos,
principalmente com relação às batalhas travadas em prol de seus direitos, como: direito a
terra, ao território, as identidades étnico-raciais e a educação.

62
Nos trabalhos de construção da Constituição de 1988 foi fundamental a presença dos
movimentos sociais, pastorais da terra, parlamentares e o movimento negro, pois, foi somente
com muita pressão desses movimentos que finalmente os quilombos foram reconhecidos
juridicamente, através do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT/CF88). Tal artigo foi regulamentado pelo decreto nº 4.887/200311. Além de
regulamentar os procedimentos para regularização dos territórios quilombolas, o referido
decreto estabeleceu de forma mais explicita a autodefiniçao como critério para reivindicar a
regularização, quem são as comunidades quilombolas e os respectivos territórios.

Art. 2º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para


os fins deste Decreto, os grupos etnicorraciais, segundo critérios de auto-
atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais
específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a
resistência à opressão histórica sofrida. Vide ADIN nº 3.239
§ 1º Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das
comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria
comunidade.
§ 2º São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos
quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social,
econômica e cultural.
§ 3º Para a medição e demarcação das terras, serão levados em
consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das
comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada
apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.

A luta pelo direito a terra sempre foi fundamental para os quilombolas. Até porque, a
terra para os quilombolas tem um significado e um valor muito diferente do que julgam os
grandes latifundiários e até mesmo o meio jurídico. Para os quilombolas a terra é muito mais
que um objeto de valor monetário, a terra é um lugar de vivencias, de memória, do culto a
ancestralidade, ela é a provedora e a mantedora de uma rede de significados e relações
materiais e imateriais.
Aliás, quando se pensa a questão quilombola é necessário considerar que para essa
população terra e território possuem significados distintos. O território quilombola vai além
da noção de espaço controlado pelo Estado/Nação, ele se constitui como um espaço de
vivencia de um grupo, que de forma coletiva foi delimitado e existe a partir das ações desse

11
Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das
terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
63
grupo de pessoas que se reconhecem com a mesma ascendência étnica, e que também revela
relações de poder (RAFFESTIN, 1993/1980; RATTS, 2004).
No Parecer 16 de 2012 do CEB/CNE, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Escolar Quilombola, a relatora Nilma Lima Gomes, faz um destaque sobre a
questão da terra e território para os quilombolas. A relatora afirma que

A terra, para os quilombolas, tem valor diferente daquele dado pelos grandes
proprietários. Ela representa o sustento e é, ao mesmo tempo, um resgate da
memória dos antepassados, onde realizam tradições, criam e recriam valores,
lutam para garantir o direito de ser diferente sem ser desigual. Portanto, a
terra não é percebida apenas como objeto em si mesmo, de trabalho e de
propriedade individual, uma vez que está relacionada com a dignidade, a
ancestralidade e a uma dimensão coletiva. Há que se considerar, portanto, as
distinções entre terra e território quando pensamos a questão quilombola. O
território diz respeito a um espaço vivido e de profundas significações para a
existência e a sustentabilidade do grupo de parentes próximos e distantes que
se reconhecem como um coletivo por terem vivido ali por gerações e
gerações e por terem transformado o espaço em um lugar. Um lugar com um
nome, uma referência forte no imaginário do grupo, construindo noções de
pertencimento (BRASIL, 2012, p. 16).

Assim também é necessário ressaltar que a territorialidade esta intrinsicamente ligado


à construção e manutenção da identidade quilombola, posto que, a identidade quilombola está
baseada na luta pela terra, na vivência, no culto a ancestralidade, memória, saberes e fazeres
próprios. “A construção da identidade e as diferentes formas de organização e luta (seja ela
politica, seja ela cotidiana) fazem parte da noção de pertencimento e laços grupais construídos
pelos quilombolas” (BRASIL, 2012).
Quanto ao direito a educação, percebe-se que esse também sempre foi um direito
negado a população quilombola, resultado desse processo histórico de desigualdade e racismo
que se consolidou sobre o povo negro no Brasil. Mas assim como o direito a terra e a
identidade, a educação passou a ser compreendida como uma das principais bandeiras de luta
do Movimento Negro e Quilombola. Nas palavras de Nilma Gomes (2011),

Estes grupos partilham da concepção de que a escola é uma das instituições


sociais responsáveis pela construção de representações positivas dos afro-
brasileiros e por uma educação que tenha o respeito à diversidade como
parte de uma formação cidadã. Acreditam que a escola, sobretudo a publica,
exerce papel fundamental na construção de uma educação para a diversidade
(GOMES, 2011, p. 41).

Cientes do papel da educação e da escola como espaços importantes na construção de


conhecimentos sobre si e sobre os outros, e ainda como meio de superar os preconceitos e
64
discriminações raciais que sempre marginalizaram a população negra, o Movimento Negro
sempre teve como pauta central a escolarização dessa população. Todavia, a educação que os
ativistas do movimento buscavam não era da forma como estava posta pelo Estado, a
educação que eles exigiam era uma educação para a diversidade. E uma educação para a
diversidade é inserir na escola a consciência política e histórica de que a sociedade brasileira é
formada por diversas etnias, e que todas essas etnias tiveram e tem papel fundamental nessa
formação.
Assim sendo, o Movimento Negro passa a debater cada vez mais sobre o direito a
educação como uma ferramenta de fortalecimento da identidade negra e na construção da
igualdade racial. Mas para que isso fosse possível seria necessário pensar formas de combater
a exclusão étnica-racial. E é a partir dai que surge a busca por ações afirmativas. Segundo
Oliven (2007), o termo “ações afirmativas”, refere-se a um conjunto de políticas públicas para
proteger minorias e grupos que, em uma determinada sociedade, tenham sido discriminados
no passado. A ação afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que impeçam o
acesso de certos grupos ao mercado de trabalho, universidades e posições de liderança.
(OLIVEN, 2007, p. 30).
Embora as propostas de ações afirmativas no espaço legislativo brasileiro tenham se
iniciado com Abdias do Nascimento na década de 80, foi somente vinte anos mais tarde, já
nos anos 2000, por ocasião da participação brasileira na III Conferência Mundial de Combate
ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatada, realizada em 2001
na África do Sul, que o debate a cerca da criação de politicas publicas de ações afirmativas
voltou a ganhar destaque, e o governo brasileiro finalmente se comprometeu na criação de
politicas publicas voltadas para a reparação histórica com os grupos discriminados.
Inicialmente essas ações estavam voltadas para a criação de cotas para ingresso de
estudantes negros à instituições estaduais e federais de educação superior. O próximo passo
foi a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas de
todo o país. Assim, finalmente a educação das relações étnico-raciais foi estabelecida pela
força da lei nº 10.639/2003, que alterou a Lei nº 9.394/1996. Assim, a educação das relações
étnico-raciais traz um novo marco na história da educação brasileira. E de acordo com
Petronilha Silva (2011),

A educação das relações étnico-raciais tem por alvo a formação de cidadãos,


mulheres e homens empenhados em promover condições de igualdade no

65
exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver,
pensar, próprios aos diferentes pertencimentos étnico-raciais e sociais. Em
outras palavras, persegue o objetivo precípuo de desencadear aprendizagens
e ensinamentos em que se efetive participação no espaço publico. Isto é, em
que se formem homens e mulheres comprometidos com a discussão de
questões de interesse geral, sendo capazes de reconhecer e valorizar visões
de mundo, experiências históricas, contribuições dos diferentes povos que
tem formado a nação, bem como de negociar prioridades, coordenando
diferentes interesses, propósitos, desejos, além de propor políticas que
contemplem afetivamente a todos (SILVA, 2011, p. 12-13).

A obrigatoriedade do ensino da educação das relações étnico-raciais estende-se


também as escolas das comunidades quilombolas, e como principio deve levar em
consideração as especificidades de seus territórios. Por isso houve a necessidade da
formulação da Resolução nº 08/2012-CNE, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Escolar Quilombola. Ela foi criada, observando os princípios constitucionais,
a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica, e em seu Artigo 1º,
define que a Educação Escolar Quilombola:

Organiza precipuamente o ensino ministrado nas instituições educacionais


fundamentando-se, informando-se e alimentando-se: da memória coletiva;
das línguas reminiscentes; dos marcos civilizatórios; das práticas culturais;
das tecnologias e formas de produção do trabalho; dos acervos e repertórios
orais; dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o
patrimônio cultural das comunidades quilombolas de todo o país; da
territorialidade. Compreende a Educação Básica em suas etapas e
modalidades (BRASIL, 2012, p. 3).

Portanto, implementar a educação escolar quilombola na Educação Básica, é garantir o


fortalecimento educacional e social dos estudantes quilombolas, visando o desenvolvimento
de uma educação adequada a sua realidade, e a permanência da história e cultura afro-
brasileira e africana no currículo da escola, pois:

A escola tem o dever, a partir dos valores especificadamente pedagógicos


que orientem sua pratica, de ampliar e aprofundar no aluno o seu processo de
aquisição de conhecimento. O que se propõe é o respeito às matrizes
culturais a partir das quais se constrói a identidade dos alunos, com a atenção
voltada para tudo aquilo que vá resgatar suas origens e sua história [...],
como condição de afirmação de sua dignidade enquanto pessoa, e da
especificidade da herança cultural que ele carrega, como parte da infinita
diversidade que constitui a riqueza do ser humano (MOURA, 2006, p. 268).

Contribuindo, ademais, para a elevação do ensino, ampliando o acesso e permanência,


diminuindo os índices de evasão e repetência, com possibilidade de sucesso a outros níveis de
66
ensino, e ao mercado de trabalho. Assim como, trabalhar a valorização e autoestima do
estudante quilombola, e proporcionando o autorreconhecimento de sua identidade étnica.

2.2 A Educação Escolar Quil1ombola

Como exposto anteriormente, a educação escolar quilombola foi regulamentada com a


criação das Diretrizes Curriculares Nacionais especificas em 2012, fruto da reivindicação dos
movimentos quilombolas, já o final do século XX. Cabendo destaque a Coordenação
Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), entidade
representativa fundada em 1996, por militantes quilombolas, com o propósito de mobilizar as
comunidades quilombolas de todo o país em defesa de seus direitos.
Segundo Givânia Silva (2012) foi por ocasião da Marcha 300 anos imortalidade de
Zumbi dos Palmares, realizada em 1995, em Brasília, que aconteceu o I Encontro Nacional
das Comunidades Quilombolas. Neste encontro os quilombolas de diversos estados no Brasil
produziram um documento onde apresentaram suas reivindicações pelo reconhecimento de
seus direitos, inclusive a necessidade de receber uma educação diferenciada, atendendo as
especificidades das comunidades quilombolas. A autora disponibilizou um trecho do
documento.

1.Reivindicamos que o governo federal implemente um programa de


educação 1º e 2º graus especialmente adaptado à realidade das
comunidades negras rurais quilombolas, com elaboração de material
didático especifico e a formação e aperfeiçoamento de professores; 2.
Extensão do programa que garanta o salário base nacional de educação
para os professores leigos das comunidades negras; 3. Implementação de
cursos de alfabetização para adultos nas comunidades negras
quilombolas (CARTA DO I ENCONTRO NACIONAL DE
QUILOMBOS, Brasilia, 1995 apud SILVA, 2012, p. 45).

Nesse trecho os quilombolas não só exigem o direito a educação básica, mas a uma
educação diferenciada que considere suas especificidades, evidenciando a sua compreensão
de que a educação escolar nos moldes que se apresentava não contemplava a identidade
quilombola.
Entretanto, somente a partir das eleições presidenciais de 2002, o Governo se mostrou
mais aberto a debater questões de combate ao racismo e a criação de ações afirmativas. E a
interlocução do governo com os movimentos negros e quilombolas possibilitou a formulação

67
de políticas públicas fundamentais para as comunidades quilombolas, como a criação da
Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o Programa Brasil
Quilombola, o Decreto nº 4.887/03, e a Resolução nº 08/2012-CNE.
Neste contexto, em 2001, ocorreu em Brasília a Conferencia Nacional de Educação
(CONAE), onde diversas entidades debateram de forma mais ampla a diversidade no campo
da politica educacional. E como fruto deste debate a CONAE produziu um documento com
diversas demandas educacionais, em especial para a educação das relações étnico-raciais e a
educação escolar quilombola. Entre as recomendações, o documento final da CONAE
(BRASIL, 2010) orienta que, em relação à educação escolar quilombola, os governos federal,
estadual e municipal, deverão:

a) Garantir a elaboração de uma legislação específica para a educação


quilombola, com a participação do movimento negro quilombola,
assegurando o direito à preservação de suas manifestações culturais e à
sustentabilidade de seu território tradicional. b) Assegurar que a alimentação
e a infraestrutura escolar quilombola respeitem a cultura alimentar do grupo,
observando o cuidado com o meio ambiente e a geografia local. c) Promover
a formação específica e diferenciada (inicial e continuada) aos/às
profissionais das escolas quilombolas, propiciando a elaboração de materiais
didático-pedagógicos contextualizados com a identidade étnico-racial do
grupo. d) Garantir a participação de representantes quilombolas na
composição dos conselhos referentes à educação, nos três entes federados. e)
Instituir um programa específico de licenciatura para quilombolas, para
garantir a valorização e a preservação cultural dessas comunidades étnicas. f)
Garantir aos professores/as quilombolas a sua formação em serviço e,
quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização g)
Instituir o Plano Nacional de Educação Quilombola, visando à valorização
plena das culturas das comunidades quilombolas, a afirmação e manutenção
de sua diversidade étnica. h) Assegurar que a atividade docente nas escolas
quilombolas seja exercida preferencialmente por professores/as oriundos/as
das comunidades quilombolas (BRASIL, 2011, p. 7-8).

Sendo assim, o Estado reconhece a necessidade de repensar a educação escolar para a


população quilombola, e se propõe o desafio de garantir através de uma legislação especifica,
que leve em consideração a participação dos quilombolas, a especificidade, os valores, as
práticas culturais e os conhecimentos produzidos pelos quilombolas ao longo de sua história.
Então, principalmente a partir de 2009 ocorreram diversos seminários nacionais e
regionais e audiências publicas para subsidiar o processo democrático de construção das
Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar Quilombola. Esses seminários e audiências
públicas aconteciam com a participação efetivas dos quilombolas, com o objetivo de pensar as

68
bases necessárias para a construção das Diretrizes, focando na área da gestão publica e nas
necessidades da educação quilombola, como: construção de escolas, alimentação e transporte
escolar, formação de professores, formas de avaliação e de ensinar e aprender e o
financiamento (BRASIL, 2011).
Dessa forma, finalmente a Educação Escolar Quilombola foi incluída como
modalidade de ensino na Educação Básica pelo Parecer CNE/CEB 07/2010 e na Resolução
CNE/CEB 04/2010 que instituem as Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica. E
fundamentado no Parecer CNE/CEB nº 16/2012 foi homologada a Resolução nº 08 em 20 de
novembro de 2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Quilombola na Educação Básica. Tais Diretrizes têm como objetivos:

Orientar os sistemas de ensino e as escolas de Educação Básica da União,


dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na elaboração,
desenvolvimento e avaliação de seus projetos educativos; orientar os
processos de construção de instrumentos normativos dos sistemas de ensino
visando garantir a Educação Escolar Quilombola nas diferentes etapas e
modalidades, da Educação Básica, sendo respeitadas as suas especificidades;
assegurar que as escolas quilombolas e as escolas que atendem estudantes
oriundos dos territórios quilombolas considerem as práticas socioculturais,
políticas e econômicas das comunidades quilombolas, bem como os seus
processos próprios de ensino-aprendizagem e as suas formas de produção e
de conhecimento tecnológico; assegurar que o modelo de organização e
gestão das escolas quilombolas e das escolas que atendem estudantes
oriundos desses territórios considerem o direito de consulta e a participação
da comunidade e suas lideranças, conforme o disposto na Convenção 169 da
OIT; fortalecer o regime de colaboração entre os sistemas de ensino da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na oferta da
Educação Escolar Quilombola; zelar pela garantia do direito à Educação
Escolar Quilombola às comunidades quilombolas rurais e urbanas,
respeitando a história, o território, a memória, a ancestralidade e os
conhecimentos tradicionais; subsidiar a abordagem da temática quilombola
em todas as etapas da Educação Básica, pública e privada, compreendida
como parte integrante da cultura e do patrimônio afro-brasileiro, cujo
conhecimento é imprescindível para a compreensão da história, da cultura e
da realidade brasileira (BRASIL, 2012).

É valido ressaltar que a educação escolar quilombola foi pensada para atender a
população quilombola de preferencia em estabelecimentos de ensino localizados dentro dos
quilombos, ou o mais próximo possível. Garantindo ao estudante o acesso aos conhecimentos
tradicionais e a seus modos de ser e fazer.

destina-se ao atendimento das populações quilombolas rurais e urbanas em


suas mais variadas formas de produção cultural, social, política e econômica;

69
deve ser ofertada por estabelecimentos de ensino localizados em
comunidades reconhecidas pelos órgãos públicos responsáveis como
quilombolas, rurais e urbanas, bem como por estabelecimentos de ensino
próximos a essas comunidades e que recebem parte significativa dos
estudantes oriundos dos territórios quilombolas; deve garantir aos estudantes
o direito de se apropriar dos conhecimentos tradicionais e das suas formas de
produção de modo a contribuir para o seu reconhecimento, valorização e
continuidade; deve ser implementada como política pública educacional e
estabelecer interface com a política já existente para os povos do campo e
indígenas, reconhecidos os seus pontos de intersecção política, histórica,
social, educacional e econômica, sem perder a especificidade (BRASIL,
2012).

As Diretrizes definem ainda que cabe a União, aos Estados e Municípios e aos
sistemas de ensino garantir: “apoio técnico-pedagógico aos estudantes, professores e gestores
em atuação nas escolas quilombolas; recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, culturais
e literários que atendam às especificidades das comunidades quilombolas” e “a construção de
propostas de Educação Escolar Quilombola contextualizadas” (BRASIL, 2012).
Porém, muitas vezes as politicas públicas e seus programas não são aplicados da forma
como deveria. E muito do que foi estipulado pelas Diretrizes ainda enfrentam diversas
dificuldades para serem efetivadas. Mesmo sendo uma exigência a sua regulamentação e
implementação, a realidade na maioria dos Estados é de descaso e precariedade, levando em
consideração a grande quantidade de quilombos que não possuem escolas, e quando as possui,
é com estrutura mínima e de péssima qualidade12O próprio Ministério da Educação reconhece
que a educação ofertada para a população quilombola ainda é de baixa qualidade.
E o site do Ministério ainda esta desatualizado, apresentando somente dados até ano de
2007, isto é:

Estudos realizados sobre a situação dessas localidades demonstram que as


unidades educacionais estão longe das residências dos alunos e as condições
de estrutura são precárias, geralmente construídas de palha ou de pau-a-
pique. Há escassez de água potável e as instalações sanitárias são
inadequadas. [...] A maioria dos professores não é capacitada adequadamente
e o número é insuficiente para atender à demanda. Em muitos casos, uma
professora ministra aulas para turmas multisseriadas. Poucas comunidades
têm unidade educacional com o ensino fundamental completo (MEC, 2019).

12
Baseio minhas afirmações nas conversas e entrevistas que fiz com pessoas quilombolas de diversos estados e
municípios do país, assim como em pesquisas nos sites governamentais, como por exemplo do Ministério da
Educação.
70
Na maioria dos órgãos e sites as informações e dados oficiais sobre escolas e alunos
quilombolas ainda são muito escassos e desatualizados (MEC, INEP, EDUCACENSO,
SEDUC). Consegui coletar dados no Censo Data Escola, realizado pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira (INEP)13, mas somente do ano de 2014, no
momento o site encontra-se em reformulação, acredito eu, que seja no aguardo dos dados do
censo escolar de 2018.
Segundo o Censo Data Escola Brasil, até o ano de 2014 existia 2.248 escolas
quilombolas espalhadas pelo território brasileiro. Como veremos na Figura 1 abaixo.

Figura 1: Escolas Quilombolas em atividade no Brasil.

Fonte: INEP, 2014

Analisando o mapa acima é possível identificar os Estados que possuem a maior


quantidade de escolas quilombolas, com destaque para Maranhão, Bahia, Pará e Minas
Gerais. Tal fato pode se explicar pela grande quantidade de comunidades quilombolas que
existem nestes Estados. Pois, segundo a fundação Palmares, atualmente já se auto-
identificaram enquanto comunidades quilombolas nestes estados: Maranhão (699), Bahia
(747), Pará (256), e Minas Gerais (328) (PALMARES, 2018).
No mapa também é possível observar os Estados que não possuem nenhuma escola
quilombola, sendo eles: Acre, Roraima e Distrito Federal14. Haja vista que ate o presente
momento não há nenhuma informação oficial de comunidades desses Estados que tenham se
autoidentificado como comunidade quilombola, e não há solicitação de certificação na FCP.

13
Disponível em: www.inep.gov.br
14
A área que corresponde ao Distrito Federal se sobrepõe ao quilombo de Cavalcante (GO).
71
No Censo Data Escola Brasil, também foi possível coletar informação mais precisa
sobre: quantidade de escolas quilombolas por Estado, os níveis de ensino ofertado, a
localização das escolas, e a dependência administrativa. Como podemos observar no quadro
4 a seguir.

Quadro 4 - Escolas Quilombolas em atividade no ano de 2014.


ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO MÉDIO TOTAL
ESTADO RURAL URBANA MUNICIPAL ESTADUAL RURAL URBANA MUNICIPAL ESTADUAL
AC 0 0 0 0 0 0 0 0 0
AL 38 3 41 0 1 0 0 1 42
AM 9 0 9 0 0 0 0 0 9
AP 28 0 8 20 6 0 0 6 34
BA 443 17 457 3 5 12 4 13 477
CE 27 0 27 0 0 0 0 0 27
DF 0 0 0 0 0 0 0 0 0
ES 21 2 23 0 0 0 0 0 23
GO 40 5 39 6 1 0 0 1 46
MA 663 3 666 0 12 1 0 13 679
MG 151 17 145 23 8 6 0 14 182
MS 4 2 4 2 1 0 0 1 7
MT 31 2 28 5 4 1 0 5 38
PA 298 0 298 0 0 0 0 0 298
PB 22 2 23 1 0 0 0 0 24
PE 86 4 87 3 1 2 0 3 93
PI 70 1 71 0 0 2 0 2 73
PR 3 4 4 3 2 1 0 3 10
RJ 19 8 27 0 1 0 1 0 28
RN 14 0 14 0 0 0 0 0 14
RO 3 0 2 1 0 0 0 0 3
RR 0 0 0 0 0 0 0 0 0
RS 45 5 48 2 1 0 1 0 51
SC 4 0 4 0 0 0 0 0 4
SE 29 2 26 5 2 0 0 2 33
SP 20 1 18 3 1 0 0 1 22
TO 21 7 22 6 0 3 0 3 31
TOTAL 2.089 85 2.091 83 46 28 6 68 2.248
Fonte: INEP, 2014 Org.: Autora

No quadro atual é possível observar que existe de forma desproporcional um número


muito maior de escolas quilombolas que ofertam o Ensino Fundamental (2.174), frente as que

72
ofertam no Ensino Médio (74). Assim como, a grande maioria esta localizada no espaço rural
(2.135), e depende administrativamente do governo municipal (2.097).
A presença de grande quantidade de escolas quilombolas no espaço rural pode ser
explicada pelo fato de que a maioria dos quilombos foram formados nestes espaços de difícil
acesso, o mais longe possível do aglomerado urbano. Quanto a grande maioria de escolas
ofertando somente o Ensino Fundamental, deve-se ao fato de que no Brasil as escolas que
funcionam nas comunidades rurais recebem estrutura para ofertar somente até o 6º ano do
Ensino Fundamental, com casos raros de oferta até o 9º ano; forçando a transferência destes
alunos para escolas polos ou nucleadas em outras comunidades ou na sede da cidade.
A dependência administrativa majoritariamente do governo municipal deve-se ao fato
de que no sistema educacional brasileiro, de acordo com o versa a Lei de Diretrizes e Bases
(Lei nº 9.349/96), a oferta do Ensino Fundamental é prioritariamente responsabilidade dos
municípios, e aos Estados cabe ofertar com prioridade o Ensino Médio15.
Quanto à estrutura das escolas quilombolas, os dados coletados no censo escolar de
2014, revelam a ausência de boas condições de espaço físico, em média possuem de duas a
três salas de aula, funcionando em regime multisseriado, sem energia elétrica, água potável e
saneamento básico (INEP, 2014).
Em se tratando do Ensino Médio a precariedade na oferta é preocupante, com Estados
que não possuem sequer uma escola ofertando esta modalidade de ensino, sendo eles:
Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rondônia e Santa
Catarina. E outros Estados operando com no máximo três escolas dessa modalidade e nível de
ensino, que são: Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande
do Sul, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
Desta forma os jovens estudantes que desejam continuar seus estudos acabam
desistindo de estudar, seja porque as escolas no espaço urbano não estão adequadas a sua
realidade, ou o acesso a essas escolas se torna inviável por conta da distância, do transporte
escolar inadequado, ou por diversas situações de preconceito e racismo que ele venha sofrer.

15
Art. 10 - Os Estados incumbir-se-ão de: VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o
ensino médio a todos que o demandarem, respeitado o disposto no art. 38 desta Lei; (Redação dada pela Lei nº
12.061, de 2009); Art. 11 - Os Municípios incumbir-se-ão de: V - oferecer a educação infantil em creches e pré-
escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente
quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos
percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino (Lei nº
9.349/96.).
73
Outro agravante, identificado por mim, enquanto responsável pela informação do
Censo escolar da Escola Estadual de Ensino Médio Profº Ademar Nunes de Vasconcelos que
recebe uma grande quantidade de estudantes oriundos de comunidades quilombolas é a
ausência de um campo na ficha de coleta do censo escolar para informar os estudantes
quilombolas que estão cursando o Ensino Médio em escolas que não estão no território. Vejo
isso como uma forma de invisibilização destes indivíduos por parte do Estado brasileiro,
negando a eles direitos a recursos específicos, como: a alimentação escolar, o transporte
adequado, e material didático, sem falar na descaracterização da identidade do mesmo.
Eu estive no Ministério da Educação em junho de 2018 e tive a oportunidade de
entrevistar a professora Maria Auxiliadora Lopes, que na oportunidade atuava na SECADI, e
apontou que a partir do censo escolar de 2018 seria colocada na ficha de cadastro do estudante
a opção de identificação como quilombola. Mas isso não ocorreu em 2018, e provavelmente
não acontecera em 2019, pois com a mudança de governo a partir da eleição presidencial de
2018, está Secretaria foi extinta, e sem ela muitas demandas do povo negro e quilombola
deixaram de receber a devida atenção. Pois, já é notado que este governo não tem qualquer
compromisso com as demandas do povo negro e não pretende tomar qualquer medida de
reparação com esta parcela da população brasileira, que sofreu e sofre até hoje com as
mazelas geradas por nossa história escravocrata.

74
3 O ESTUDANTE QUILOMBOLA NO PARÁ: ORA VISÍVEL... ORA INVISÍVEL

3.1 A educação escolar quilombola no Pará.

A luta do Movimento Negro por direitos em especial a educação formal e a introdução


da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar foi uma constante na pós-abolição, e
no Pará não foi diferente. O Movimento Negro criou no Estado diversas estratégias e
mobilizações articuladas com o restante do país. Foi o que relatou Amilton Sá Barreto,
ativista no Movimento Negro paraense e técnico educacional da educação para as relações
étnico-raciais.

Então nos adentramos aos anos 80 do século passado de forma muito


organizada e fortalecida em todas as regiões do país. Nós tínhamos os
encontros de negro do norte e nordeste que eram uma porta para a
organização política desses movimentos. No ano de 87 este encontro
aconteceu aqui em Belém, e aqui foi demandada a temática a ser discutida
no próximo encontro que foi na cidade de Recife, que foi exatamente no
centenário da abolição, e o tema desse encontro foi acerca da educação. Ai,
já se sinaliza a necessidade de se institucionalizar a inclusão de conteúdos
sobre a história e cultura afro-brasileira no âmbito do currículo (Entrevista
com Amilton Sá Barreto, em 16 de abril de 2019).

Entretanto, no estado do Pará independente disso, o Movimento Negro,


particularmente o CEDENPA, já vinha atuando com projetos educacionais nas secretarias e
nos sistemas estaduais e municipais de ensino. Embora esses projetos fossem desenvolvidos
com alunos, eles foram uma experiência que mostrou a necessidade de trabalhar com
professores.

Porque não adiantava nos estarmos ali trabalhando com os alunos e os


professores continuavam ainda com suas cabeças racistas, preconceituosas,
né? Então, nos precisávamos para além da inclusão de conteúdos no âmbito
do currículo, formar esses professores. E de formas nos podíamos fazer isso?
Isso tinha que ser institucional (Entrevista com Amilton Sá Barreto, em 16
de abril de 2019).

A partir daí o Movimento Negro passou a lutar pela criação de espaço nos sistemas
estadual e municipal de ensino. Alcançando êxito com a criação, dentro de Secretaria de
Estado de Educação do Pará (SEDUC), de um setor para tratar especificadamente da
educação para relações étnico-raciais, que inicialmente funcionou como Sessão Técnico-

75
pedagógico de Relações Raciais, e posteriormente foi transformada na Coordenadoria de
Educação para a Promoção da Igualdade Racial (COPIR).

E aí que a gente chega a SEDUC em 2000, não foi fácil, nos tivemos que
costurar com senadores e deputados em Brasília, precisou costurar com
deputados aqui na ALEPA, pra chegarmos ao governo, para chegarmos a
secretaria de estado de educação. E nesse inteire nos acessamos o então
secretário de promoção social, e pactuamos a criação desse espaço, até então
denominado Sessão técnico-pedagógico de relações raciais. Então o
Movimento Negro botou o sistema na parede, e é agora! É claro que nós
tínhamos todo um diagnóstico do nosso trabalho em educação ao longo dos
anos 80 e 90. A COPIR começa a funcionar com uma pessoa, lembro-me
que quando me apresentei - que eu fui indicado pelo Movimento Negro pra
impulsionar este espaço - me deram uma mesa redonda e uma cadeira e
disseram: toma! Então não foi uma preocupação do estado, o estado não
quis, o Movimento Negro pressionou para que acontecesse essa politica, que
isso se tornasse uma politica, que o estado tivesse esse comprometimento
(Entrevista com Amilton Sá Barreto, em 16 de abril de 2019).

Embora enfrentando adversidades e atuando em espaços e estratégias pontuais, a


iniciativa do Movimento Negro paraense foi pioneira de demandas na luta por educação.

Então eu tive o insight de realizar um seminário onde fosse discutida a


temática com professores, e que a partir desse seminário os professores
contribuíssem, sinalizassem o que a SEDUC tinha de fazer, o que nós
tínhamos de fazer para iniciar este trabalho de implementação dos conteúdos
de história e cultura afro-brasileira no âmbito do currículo. E nós realizamos
o seminário com 500 professores no auditório da Escola Souza Franco,
produzimos um relatório, esse relatório existe, nesse relatório a gente tem
um quadro do que foi discutido, do que foi demandado, o que os professores
achavam que precisavam na escola para o trato dessa questão. E a partir dai
eu tive uma sinalização de qual era o nosso caminho, isso porque nos não
tínhamos nenhuma orientação em nível de Ministério da Educação, nada, era
uma questão eminentemente do Estado, e nem tinha nenhuma outra
secretaria de Estado, nem mesmo a Bahia com uma proposta como esta
(Entrevista com Amilton Sá Barreto, em 16 de abril de 2019).

Essa experiência inicial mostrou os rumos que o Movimento Negro precisava seguir e
pressionar a Secretaria de Estado de Educação para efetivação de suas demandas.

E, eu então entendi que o nosso caminho, as nossas atribuições era formação


continuada, era proposição e revisão de materiais didáticos, dotar as
bibliotecas de material didático para subsidiar o trabalho dos professores,
assessorar os professores nas escolas, sem contar com os trabalhos de
conscientização (Entrevista com Amilton Sá Barreto, em 16 de abril de
2019).

76
Nesse advento, também impulsionado pelo Movimento Negro paraense, foi
sancionada a alteração da LDB com a Lei nº 10.639. O Conselho Nacional de Educação
através da Resolução nº 01/2004 elabora as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-raciais. O que fortaleceu ainda mais os trabalhos já desenvolvidos no
estado do Pará.
A partir de então a COPIR passou a desenvolve diversos projetos de promoção da
educação para diversidade ético-racial nos municípios do estado do Pará. Fazendo formação
continuada de gestores, técnicos e professores, além de auxiliar as escolas nos processos de
implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação para as Relações
Étnico-raciais (COPIR, 2018).
Entretanto, até então, não havia sido criado algo especifico para a população
quilombola. Somente em 2012 a educação escolar quilombola foi regulamentada com a
criação das Diretrizes Curriculares Nacionais. O trato com a questão quilombola no Pará só
teve mais visibilidade a partir da criação do Programa Raízes, um programa criado pelo
governo federal (também fruto da pressão do Movimento Negro), para atender indígenas e
quilombolas.

O Programa Raízes também impulsiona o trabalho da Copir, atribuindo à


Seduc a responsabilidade com a educação escolar quilombola no estado do
Pará. Inicialmente isso começa com a disponibilização de recursos. Mas pra
você ver como o racismo institucional é tão forte que quando nós estávamos
no processo de atuação aqui ainda como Sessão Técnico-pedagógica, esse
recurso já tinha chegado aqui na Secretaria e nós não sabíamos da existência
desse recurso. Nem eles próprios sabiam o que fazer com esse recurso, e
nem ligavam isso a nós. Através do Movimento Negro e das relações com o
programa a gente toma conhecimento disso e começa a correr atrás, dizendo
não! esse dinheiro é nosso! a gente vai começar a fazer jus ao objetivo desse
dinheiro, e isso é de responsabilidade – ai na época nós já éramos COPIR – é
de responsabilidade da COPIR, e a gente vai trabalhar (Entrevista com
Amilton Sá Barreto, em 16 de abril de 2019).

Então a COPIR passou a atuar em parceria com o Programa Raízes, fazendo


levantamento de comunidades quilombolas, escolhendo as comunidades onde os trabalhos
deveriam ser desenvolvidos, fazendo formação de professores e dialogando com as lideranças
das comunidades.
Atualmente a COPIR desenvolve diversos projetos de promoção da educação para
diversidade ético-racial nos municípios do estado do Pará. Fazendo formação continuada de
gestores, técnicos e professores, além de auxiliar as escolas nos processos de implementação
77
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação para as Relações Étnico-raciais
(COPIR, 2018).

3.2 É assim. Força, foco e fé!

Mas mesmo com toda a mobilização e conquistas do Movimento Negro, quando se


analisa a situação educacional dos estudantes quilombolas do estado do Pará, veremos que
ainda estamos deixando muito a desejar. Os governos municipal e estadual ainda encontram
dificuldades em ofertar todos os níveis da Educação Básica em todo o seu território,
principalmente nas regiões mais distantes e de difícil acesso, sendo os territórios tradicionais
os mais prejudicados.
Segundo o estudo do Atlas das Comunidades Quilombolas do Estado do Pará
realizado através de um censo domiciliar parcial, realizado em 105 quilombos de 17
municípios do Estado.

As Prefeitura Municipais, responsáveis pela garantia do acesso e pela


qualidade do ensino fundamental nos municípios paraenses – compete ao
governo do Estado a responsabilidade pela implantação do ensino médio –
que, na sua maioria, não disponibilizam sequer recursos suficientes para a
manutenção da estrutura física das escolas ou para a garantia da merenda e
do transporte escolar, valorizam menos ainda os aspectos sociais e culturais
da formação de crianças e adolescente (PARÁ, 2018, p. 35).

De acordo com esse estudo, a estrutura oferecida pelos municípios para atender as
comunidades quilombolas ainda é demasiadamente precária, e a preocupação com os aspectos
sociais e culturais na formação da educação básica desses indivíduos esta longe de alcançar os
objetivos esperados.
Nos dados apresentados anteriormente no Quadro 4, o estado do Pará até o ano de
2014 contava com 298 escolas quilombolas, todas localizadas no espaço rural. Entretanto, o
que mais chama a atenção, é que todas essas escolas são de Ensino Fundamental e com
dependência administrativa do governo municipal. Ou seja, a rede estadual de ensino não
possui nenhuma escola quilombola sobre sua jurisdição, e ainda enfrenta dificuldade para
identificar os estudantes quilombolas que cursam o Ensino Médio em escolas fora do
território, devido à imprecisão e ineficiência das informações coletas no ato da matricula. O

78
que dificulta na elaboração orçamentária e de projetos, além de impossibilitar o recebimento
de recursos específicos, do Governo Federal, para escolas e estudantes quilombolas.
Como a rede estadual de educação não possui nenhuma escola quilombola, e ela é
responsável por ofertar o Ensino Médio; geralmente quando os estudantes concluem o Ensino
Fundamental, eles precisam ser matriculados em escolas de Ensino Médio que estão
localizadas na cidade (zona urbana), mas essas escolas não estão pedagogicamente preparadas
para receber estes estudantes, que acabam ficando como sendo somente mais um em meio a
tantos outros.
Na tentativa de dar visibilidade a esses estudantes, em 2014 a COPIR sugeriu ao
sistema informatizado da SEDUC-PA (a rede estadual possui um banco de dados
informatizado, o SIGEP) que disponibilizasse um campo na ficha de matricula para
identificação dos estudantes quilombolas. Porém, a questão apresentada possui falhas que
podem levar a diversas problemáticas.

Figura 2: Ficha de matricula da Rede Estadual de Ensino.

Fonte: SIGEP/SEDUC, 2018.

79
A opção de identificação para o estudante quilombola apresentada nesta ficha (Figura
2) apresentada acima e no sistema informatizado, está assim: ‘Morador de Comunidade
Quilombola? Sim/Não; Qual?’. Essa questão é defeituosa, não somente por não identificar
etnicamente o estudante, mas também por implicar na dificuldade de identificação do
estudante quilombola que não se encontra morando na comunidade no momento da matricula.

Mesmo para os estudantes que respondem que moram no quilombo, quando esta
informação é repassada para o banco de dados (SIGEP), pode ocorrer outro problema, pois
este banco de dados está desatualizado é só apresenta os nomes de alguns quilombos. E o
matriculador (que esta alimentando o sistema com os dados do estudante) é obrigado a
desconsiderar a informação de que o estudante é residente em tal quilombo (que não está
informado na base de dados do sistema), para poder conseguir finalizar a matricula. E temos
novamente um apagamento identitário, e mais ainda a imprecisão quanto ao quantitativo de
estudantes quilombolas que estudam na rede estadual de ensino.

Quanto aos estudantes quilombolas que não moram mais no quilombo, tal pergunta
gera mais invisibilidade. Muitos estudantes quilombolas precisam deixar seus quilombos para
morar na cidade, por diversos motivos principalmente por problemas agrários enfrentados por
todo o Estado. Ainda é muito comum fazendeiros e mineradores se apropriarem dos territórios
quilombolas que ainda não foram titulados, ocupando principalmente as áreas de cultivo, caça
e pesca; provocando levas de êxodo para as cidades.

Então, se estes quilombolas estão morando na cidade, logicamente que eles vão
apresentar o ato da matricula um comprovante de residência de seu endereço atual. Logo, a
pergunta que esta sendo feita na ficha de matricula vai imediatamente desqualificar este
estudante como quilombola. Ou seja, é um estudante quilombola que não pode se identificar
como tal, porque uma simples pergunta mal formulada causa a sua invisibilidade. E
condiciona o quilombola ao fato de morar no quilombo.

Esta pergunta ainda gera outra problemática, visto que, se o filho do fazendeiro ou
minerador, que se apropriou e esta morando em uma parte do território quilombola, for se
matricular em uma escola da rede estadual ele provavelmente vai responder no ato da
matricula que ele é morador do quilombo (e seu comprovante de residência prova isso). Logo,
80
para os dados gerais de matricula da rede estadual este estudante será considerado
quilombola. O que gera uma apropriação de identidade e de direitos.

Mas os problemas não param por aí, pois, para os estudantes que permanecem no
quilombo e precisam completar seus estudos nas escolas da cidade, há a necessidade de
transporte. A saída é a oferta de transporte escolar (ônibus ou barco). O transporte escolar é
financiado pelo Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE)16, uma parceria
entre o governo federal, estadual e municipal.

O ideal seria a padronização da frota com transportes do programa Caminho da


Escola17. Porém, ainda são poucos os ônibus e barcos de frota própria dos municípios, e para
sanar esta necessidade são feitos contratos com empresas ou pessoas particulares. Entretanto,
os ônibus e barcos destas empresas não estão adequados para transportar estudantes; são de
péssima qualidade, e não atendem a qualquer norma de segurança, o que gera diversos
acidentes e falhas no atendimento.

E ainda tem a questão das estradas e vicinais que ligam as comunidades a cidade, pois,
geralmente são estradas de piçarra, que no verão tem muita poeira, e no inverno amazônico se
tornam intrafegáveis por conta da lama e dos buracos formados pelas fortes chuvas. Em
alguns municípios, como Salvaterra, os alunos chegam a ficar dois meses sem conseguir
chegar até as escolas, comprometendo o seu aprendizado.

16
O Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE) consiste na transferência automática de
recursos financeiros para custear despesas com manutenção, seguros, licenciamento, impostos e taxas, pneus,
câmaras, serviços de mecânica em freio, suspensão, câmbio, motor, elétrica e funilaria, recuperação de assentos,
combustível e lubrificantes do veículo ou, no que couber, da embarcação utilizada para o transporte de alunos da
educação básica pública residentes em área rural. Serve, também, para o pagamento de serviços contratados
junto a terceiros para o transporte escolar. (http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/pnate)
17
O programa Caminho da Escola objetiva renovar, padronizar e ampliar a frota de veículos escolares das redes
municipal, do DF e estadual de educação básica pública. Voltado a estudantes residentes, prioritariamente, em
áreas rurais e ribeirinhas, o programa oferece ônibus, lanchas e bicicletas fabricados especialmente para o tráfego
nestas regiões, sempre visando à segurança e à qualidade do transporte.
(http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/caminho-da-escola/sobre-o-plano-ou-programa-suple/sobre-o-
caminho-da-escola)
81
Figura 3: Estudantes quilombolas a caminho da escola (Quilombo Mangueiras-Salvaterra).

Autoria: Laurin Delfino, 2019.

A imagem (Figura 3) acima foi registrada por estudantes quilombolas no inverno do


mês de março deste ano de 2019 a caminho da escola na zona urbana. Nesse inverno o rio
transbordou e inundou grande parte da estrada, mas mesmo assim os estudantes enfrentaram
as aguas e os perigos para chegar ate a escola – depois de algumas semanas eles não puderam
fazer mais isso e ficaram dois meses sem ir para a escola.
Esses estudantes saem do quilombo de Mangueiras, no município de Salvaterra,
andam em média 3 km a pé até as margens do rio Mangueiras, onde são atravessados por
pequenas embarcações (conhecidas como rabetas – o pagamento pela travessia é feito pelos
próprios familiares, pois a prefeitura, que é responsável pelo transporte escolar, não se
comprometeu em pagar o transporte aquático) para poder pegar o transporte escolar na outra
margem do rio e prosseguir viagem por mais 15 km até a sede do município onde cursam o
Ensino Médio na Escola Estadual de Ensino Médio Profº. Ademar Nunes de Vasconcelos.
Outro agravante é o tempo gasto no percurso. Em alguns casos os estudantes precisam
sair com ate três horas de antecedência de sua casa para poder chegar a tempo de assistir as
aulas, e depois mais horas de retorno para casa; o que é desgastante e afeta diretamente o
rendimento e aproveitamento do ensino-aprendizado do estudante.

82
Figura 4: Estudantes quilombolas a caminho da escola (Quilombo Ariramba-Oriximiná).

Autoria: Fernanda Frazão, 2019.

A imagem acima (Figura 4) foi retirada de uma publicação feita agora em junho de
2019, pela revista Rede Brasil Atual18. A matéria denuncia a precariedade na oferta da
educação básica para os estudantes quilombolas de Ariramba, no município de Oriximiná.
Segundo os moradores de Ariramba, os estudantes ficam por até seis horas em um barco para
chegar à escola mais próxima para cursar o ensino fundamental. E para cursar o Ensino Médio
eles são obrigados a se mudar para a cidade de Oriximiná, mas nem todas as famílias têm
condições de arcar com esses gastos. Na reportagem foi recolhido o depoimento da estudante
quilombola Eudicéia Oliveira Pereira, que relatou sua jornada diária enquanto estudante: “Eu
e os meus irmãos acordávamos ás 3 horas e chegávamos em casa às 20 horas”.
Por conta do longo percurso de ida para a escola e retorno para casa - como no caso
dos estudantes de Ariramba - os estudantes ficam mais de dez horas sem receber qualquer
alimentação, se sustentam apenas com a refeição que fizeram antes de sair de casa. A escola
oferta a merenda, que não é suficiente para atender um mês todo, e que muitas vezes se
constitui em um suco com biscoito. Quando por lei o estudante quilombola tem direito a
receber a alimentação escolar, que atenda não somente sua necessidade nutricional, mais
também respeitando seus hábitos alimentares.

18
Disponível em: https://www.geledes.org.br/sem-escola-quilombo-ariramba-segue-na-luta-por-educacao-
libertadora. Acessado em 20 de julho de 2019.

83
Buscando sanar tais dificuldades a Secretaria de Estado de Educação, impulsionada
pela sociedade civil, em especial o Movimento Negro, envida esforços, desde 2012,
realizando fóruns, conferências estaduais e municipais, que culminaram na adequação dos
planos de educação que servirão como instrumento para a melhoria da educação no Estado e
nos municípios (SEDUC-PA, 2018),
No sentido de buscar atender normativas nacionais acerca das demandas de povos e
comunidades tradicionais em relação à oferta de educação diferenciada, o governo do estado
do Pará, através do novo Plano Estadual de Educação (PEE), postula como uma de suas
estratégias;

elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove)


anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último
ano de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de
menor escolaridade no País e dos 25% (vinte cinco por cento) mais pobres, e
igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PARÁ, 2015).

Entretanto, os estudos apresentados no Atlas das Comunidades Quilombolas do


Estado do Pará (PARÁ, 2018) revelaram que na faixa etária de 15 a 18 anos, “os jovens
pesquisados (2016 pessoas), 29% dos homens e 20% das mulheres não possuem ensino
fundamental completo. Quando observamos a faixa etária exclusiva de 14 anos [...]: apenas
11% dos homens e 9,7% das mulheres completaram este grau na idade esperada” (PARÁ,
2018, p. 38).
Em se tratando do Ensino Médio, a situação permanece na mesma, “além da baixa
frequência a essa modalidade, considerando os jovens de 18 a 24 anos, [...], 11,2% dos
homens e 12,5% das mulheres concluíram este grau. [...] do total de jovens entre 18 e 24 anos
(3.992) 989 não concluíram o ensino médio” (PARÁ, 2018, p. 38).
Assim, vemos o desafio do governo do Estado não somente em ofertar a educação
básica para esta população, como ainda ofertá-la na idade certa, já que o ideal seria que o
estudante completasse o ensino fundamental até os 14 anos, e o ensino médio até os 17 anos.
Na visita que fiz a COPIR, em abril deste ano, fui informada pelos técnicos do setor
que na luta por oferta de educação básica para a população quilombola, há alguns anos atrás
foi feito o levantamento de demandas para a construção de 26 escolas quilombolas em
diversos territórios do Estado. Os municípios a serem atendidos seriam: Acará, Abaetetuba,
Bagre, Cametá, Baião, Gurupá, Mocajuba, Santarém, Mojú, Salvaterra, Alenquer, Óbidos,
84
Oriximiná, Stª Isabel do Pará e Concordia do Pará (informação verbal feita por técnicos da
COPIR em 2019).
No total seriam atendidos em media 4.270 estudantes quilombolas em 29 quilombos;
com a oferta de Ensino Fundamental e Médio, nas modalidades: SOME, Regular e Modular.
Na descrição consta a construção de escolas com duas a quatro salas de aula, alojamento de
professores, biblioteca especializada e laboratórios. Tal proposta chegou a ser apresentada
para inclusão no orçamento da Secretaria de Estado de Educação, mas não foi dado
andamento e até hoje nenhuma escola foi construída (informação verbal feita por técnicos da
COPIR em 2019).
Também me foi apresentada uma proposta mais atualizada (esta no PETA - Plano de
Trabalho Anual – 2019) para construção de 04 escolas quilombolas de Ensino Fundamental e
Médio nos municípios de Óbitos, Santarém, Abaetetuba e Baião. Num orçamento total de R$
12.000.000,00 (doze milhões de reais), que seriam empregados na construção das escolas e
aquisição de equipamentos para funcionamento (informação verbal feita por técnicos da
COPIR em 2019).
Nas entrevistas com técnicos da COPIR, pude perceber uma grande vontade de
trabalhar na melhora da educação para relações étnico-raciais. Porém, devido a precariedade
da estrutura oferecida pela SEDUC, e a demanda do Estado que é muito grande, muitas
iniciativas estão sendo minadas, deixando de atender de forma apropriada as escolas, e
consequentemente gerando lacunas na educação.

A Copir tem pessoas muito comprometidas, mas somos 10 pessoas para dar
conta de projetos aqui e diante de todos esses embaraços burocráticos do
Estado. E o Estado (instituição) não compreende o próprio Estado que tem
na geografia. A gente se propõe a atender de Foro, eu estava em Faro, e na
mesma semana em outro extremo, em Conceição do Araguaia, né? Onde o
Estado tem pouca capilaridade nesses municípios, é quase que ausente
(Entrevista com Tony Vilhena, em 28 de dezembro de 2018).

Questionados nos momentos de entrevista quantos as deficiências da pergunta na ficha


de matricula, os técnicos da COPIR afirmaram que já estavam atentos a este fato, e que farão
solicitação junto ao sistema informatizado da SEDUC, para atualização da pergunta na ficha
de matricula e inclusão dos nomes de todos os quilombos no sistema. A pergunta sugerida
seria: “Você é quilombola? Oriundo de qual Comunidade?”. Desta forma haverá a

85
identificação étnica do estudante e a sua comunidade de origem, independente de ele residir
no quilombo ou não.
Assim sendo, também teremos dados mais precisos e reais do quantitativo de
estudantes quilombolas, ajudando a construir propostas orçamentárias e projetos para melhor
atender este publico que cresce a cada dia mais invisível nas escolas e fora das escolas do
Estado.
Através de requerimento (porque estes dados não estão disponíveis para o publico em
geral, nem mesmo para os gestores escolares) eu consegui ter acesso aos dados atuais
coletados no Banco de dados do SIGEP, dispostos no quadro 5 (abaixo) sobre os estudantes
que informaram residir em comunidades quilombolas de 2018 e 2019 apresentam os seguintes
quantitativos por município, nível de ensino e modalidade.

Quadro 5: Estudantes que informaram residir em comunidades quilombolas em 2018 e 2019.


2018 2019
MUNICIPIO FUND MEDIO FUND MEDIO
BRAGANÇA 07 0 05 01
CACHOEIRA DO PIRIÁ 0 22 07 33
TRACUATEUA 0 02 0 04
BAIÃO 0 382 0 446
CAMETÁ 0 15 0 33
MOCAJUBA 0 55 0 72
ABAETETUBA 226 182 401 192
ACARÁ 0 0 0 01
BARCARENA 0 0 0 01
IGARAPÉ-MIRI 0 01 0 02
MOJU 09 74 11 184
SANTAREM 01 41 02 66
ALÉNQUER 0 42 0 52
MONTE ALEGRE 0 03 0 02
PRAINHA 0 0 0 01
CURUÁ 0 01 0 03
OBIDOS 0 13 0 54
ORIXIMINA 0 153 0 178
CASTANHAL 02 02 02 01
CURUÇÁ 0 01 0 01
INHANGAPÍ 06 03 18 07
SÃO DOMINGOS DO CAPIM 0 01 0 0
SÃO MIGUEL DO GUAMÁ 0 01 0 01
IGARAPÉ-AÇÚ 20 04 22 11
BUJARU 0 01 0 01
CONCORDIA DO PARÁ 0 102 0 110
SANTA IZABEL DO PARÁ 0 31 0 50

86
SÃO CAETANO DE ODIVELAS 0 0 0 01
TOMÉ-AÇÚ 0 01 0 01
VIGIA 01 01 01 0
BAGRE 0 01 0 01
GURUPÁ 0 30 0 72
BONITO 0 01 0 0
CAPANEMA 01 0 01 0
OUREM 41 16 31 24
SANTA LUZIA DO PARÁ 0 04 0 07
BREU BRANCO 0 01 0 03
NOVO REPARTIMENTO 0 01 0 02
TUCURUI 0 03 0 09
CAPITÃO POÇO 0 0 0 01
GARRAFÃO DO NORTE 0 16 0 15
IRITUIA 79 06 66 08
BELÉM 07 15 06 22
ANANINDEUA 13 18 13 23
BENEVIDES 0 01 0 03
MARITUBA 0 0 0 02
CACHOEIRA DO ARARI 01 13 05 17
MUANÁ 0 02 0 01
PONTA DE PEDRAS 0 17 0 02
SALVATERRA 0 140 0 167
SOURE 0 04 0 02
TOTAL 414 1.423 591 1.890
TOTAL: 1.837 TOTAL: 2.481
Fonte: SIGEP/SEDUC. Organização: Autora.

Mesmo sabendo que a pergunta que gerou esses dados está muito aquém do esperado
para se chegar a um quantitativo mais realista e aproximado dos estudantes quilombolas que
estudam na rede estadual de ensino; através deles já é possível visualizar a presença destes
indivíduos pulverizados nos mais diversos municípios do Estado.
Também questionei com os técnicos da COPIR se estes dados são usados de alguma
forma pelo governo para criar politicas publicas ou pensar estratégias para melhor atender
esse público. E obtive a seguinte resposta.

Não, a gente não faz o cruzamento, em nenhuma política, não é usado. Esses
alunos não são comunicados para o FNDE como alunos quilombolas, porque
como o Estado (a rede estadual de ensino) não tem escola quilombola, eles
são alunos quilombolas, mas não reconhecidos no atendimento dos recursos
da política pública como aluno quilombola. Eles são alunos do quilombo,
mas não são... dentro da linguagem técnica burocrática dos programas de
atendimento eles não são alunos quilombolas, porque o Estado não
reconhece assim... e isso gera perda de receita... é uma perda... a primeira

87
perda que tem é política, que tem haver com reconhecimento, com a
cidadania, com os direitos. A segunda perda é uma perda econômica para o
próprio Estado que ai gera também uma fragilidade no atendimento que
essas comunidades mereceriam (Entrevista com Tony Vilhena, em 28 de
dezembro de 2018).

Assim, é visível o descaso e desconsideração do estado paraense com a população


quilombola. E como vimos até aqui são vários os artifícios que o racismo institucional utiliza
para descaracterizar e negar direitos aos quilombolas. E mesmo quando se propõe a atender
este público é sempre com muitas limitações e em ações bem pontuais e rarefeitas.
Quando apresento a falta de informações e dados sobre os estudantes quilombolas do
estado Pará, assim como a precariedade na oferta da educação básica a presença/ausência dos
quilombolas se torna visível e evidencia as tramas do racismo que insistem em tramitar em
nossas instituições.
Na oportunidade do acontecimento do II Seminário Internacional América Latina:
Politicas e conflitos contemporâneos, em 2017, o técnico em gestão publica da COPIR, Tony
Vilhena, e a professora e pesquisadora Giovana dos Anjos Ferreira apresentaram um artigo
intitulado “Educação para a Territorialidade: uma análise dos Projetos Pedagógicos da
Secretaria de Estado de Educação do Pará”. Em seu artigo, Tony Vilhena e Giovana Ferreira
trazem na introdução três situações testemunhadas por eles nas suas andanças pelo Estado que
evidenciam a necessidade de se refletir as práticas invisibilizantes, racistas e negadoras de
direito que ainda se abatem sobre a população quilombola. Selecionei duas situações do artigo
para ilustrar tais práticas.
A primeira aconteceu em 2015, no Fórum de Alimentação Escolar Quilombola de
Oriximiná, na ocasião as lideranças quilombolas reivindicavam a reformulação do cardápio e
que a Prefeitura passasse a comprar os produtos diretamente das famílias quilombolas. E
como resposta a nutricionista da Secretaria Municipal de Educação declarou chorando que
estava sendo ameaçada de morte por fornecedores viciados, porque segundo ela já havia
proposto a alteração do modus operandi da aquisição dos produtos, o que desagradou os
antigos fornecedores (VILHENA; FERREIRA, 2017).
Infelizmente esta situação de Oriximiná é comum a muitos municípios do Estado,
onde algumas empresas já estão acostumadas a ganhar licitações mal feitas, muitas vezes em
acordo com os próprios prefeitos e vereadores municipais. E ainda as prefeituras não

88
conseguem atingir o mínimo de 30% de compra de produtos para a alimentação escolar
diretamente da agricultura familiar conforme previsto na Lei nº 11. 947/2009.
Além disso, a alimentação ofertada é de baixa qualidade, insuficiente para atender os
estudantes pelo período de um mês, não esta adequada aos hábitos alimentares regionais e
ainda predomina o consumo de produtos industrializados e ultra processados.
A segunda situação aconteceu em 2016 no município de São Miguel do Guamá,
quando a Câmara Municipal realizou uma audiência publica para tratar das politicas públicas
implementadas nos quilombos do município. Na oportunidade uma senhora do quilombo do
Canta Galo denunciou os ataques de fazendeiros que destroem a flora local e poluem igarapés
muitas vezes contando com a inoperância do Estado e fazendo ameaças públicas. E também
relatou que um fazendeiro havia fechado a estrada por onde passava o transporte escolar das
crianças do quilombo, obrigando-os a caminhar por mais de seis quilômetros para pegar o
ônibus. Diante de tal denuncia, para surpresa de todos os presentes, o prefeito que estava no
local disse que iria conversar com o tal fazendeiro já que eles eram amigos. “Desta forma, um
direito básico, o de ir e vir, que estava associado ao direito da educação das crianças, ficaria
pendente ao acordo de “amigos”, não garantido conforme o legislado e sem a participação
direta e autônoma das maiores interessadas na questão: as famílias quilombolas” (VILHENA;
FERREIRA, 2017, p. 1288).
Nesse relato, infelizmente comum ao cotidiano dos estudantes quilombolas, vimos
novamente a total falta de respeito e reconhecimento dos quilombolas enquanto sujeitos de
direito. Para a maioria dos gestores municipais este público é visto somente como curral
eleitoral, onde só se fazem presentes em período de campanha e com promessas eleitoreiras.
Quando deveriam se posicionar como gestores, aproveitam para mostrar seus mandos e
desmandos com acordo entre amigos.
Diante de tais situações, onde princípios legais básicos são negados e relegados pelo
Estado, como politicas públicas educacionais podem contemplar as populações tradicionais?
Quantos mergulhos ainda são necessários para trazer à tona e evidenciar as mazelas e
necessidades da população quilombola?
Além da oferta do transporte escolar precário, outras formas da rede estadual de ensino
de atender os estudantes quilombolas, sem precisar desloca-los de seus quilombos, é através
de projetos como o SOME (Sistema de Organização Modular de Ensino) e o Projeto Saberes
da EJA.

89
O Projeto do SOME vem há mais de trinta anos atendendo estudantes da zona rural do
Estado (ribeirinhos, quilombolas), em cerca de 98 municípios (SEDUC-PA, 2018). Porém,
este sistema enfrenta muitas adversidades. O ideal seria contratar professores dos próprios
quilombos, mas isto nunca ocorre. Geralmente são contratados professores da capital (Belém).
As moradias ofertadas para estes professores são deveras precárias ou inexistentes, obrigando
os mesmos a morar com alguma família do quilombo, ou a abandonar o trabalho em algumas
semanas. As escolas da rede municipal que ofertam as salas para as aulas, também em muitos
casos estão completamente deterioradas ou se configuram em barracões e palafitas rústicas. A
falta de merenda é uma constante, além dos parcos materiais e livros didáticos.
Já o Projeto Saberes da EJA, foi um convenio celebrado pela Resolução nº 48/2012 do
FNDE, que teve como executor a Coordenação de Educação de Jovens e Adultos (CEJA). O
projeto visava formar jovens e adultos acima de 15 anos que não tivessem concluído o ensino
fundamental e médio. O publico alvo eram principalmente “egressos do Programa Brasil
Alfabetizado, as populações do campo, as comunidades quilombolas, os povos indígenas e as
pessoas que cumprem pena em unidades prisionais” (MEC/FNDE, 2012, grifo nosso).
Assim como o SOME, o Saberes da EJA, também funcionou em módulos, com
circuito formado por quatro comunidades e com aulas diárias. No município de Oriximiná
foram atendidas 12 comunidades quilombolas, formando 250 estudantes quilombolas. Já em
Salvaterra foi atendida duas comunidades quilombolas, porém somente a turma do quilombo
de Bairro Alto concluiu, porque no ano seguinte não foram contratados professores para
ministrar as aulas e as turmas foram fechadas.
Mas até nestas duas formas de atendimento, esses indivíduos sempre foram sub-
registrados, porque mesmo estudando em uma escola no quilombo as suas matriculas
eram/são vinculadas as escolas sede de cada município. Ou seja, permanecemos na situação
de estudante quilombola que não é visualizado pelo sistema como quilombola, logo não
recebem qualquer recurso diferenciado destinado a eles. É um ciclo vicioso que se repete: é
um ser que não é, é um ter direito sem ter direito.
Entretanto, a situação pode piorar, atualmente a rede estadual de ensino está num
processo de desmonte do SOME para implementar um novo projeto o Sistema Educacional
Interativo (SEI). O SEI é um modelo copiado do estado do Amazonas, que visa ofertar a
educação básica para os estudantes do campo através de aulas mediadas por tecnologia (aulas
on-line) com professores sediados em Belém (SEDUC-PA, 2019). Porém, o programa não

90
oferece qualquer interação com a realidade social e cultural do estudante. Com aulas
padronizadas e verticalizadas, onde a realidade regional e cultural do estudante estará
totalmente fora da sala de aula.
Sei que ainda é cedo para tirar conclusões, mas já possível vislumbrar que mais uma
vez os estudantes quilombolas serão sub-registrados e invisibilizados por um sistema que só
visa aumentar índices educacionais a qualquer preço sem ouvir ou atentar para as reais
demandas e especificidades do povo quilombola e demais populações do campo.

91
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mergulhar é preciso!

Quando iniciei esta pesquisa não imaginei que eu teria que mergulhar tão fundo para
entender o que se passou e o que se passa como meu povo. Aí me peguei pensando nesse
mergulho e em tudo que desvendei até aqui. Coisas que até então me incomodavam, mas que
eu não sabia explicar ou entender. Foi necessário ler e escutar muitos livros e pessoas para
poder navegar de forma mais serena por esses rios do esquecimento.
E afinal entender, por que foi e é necessário mergulhar?
É necessário mergulhar por esse rio-mar do esquecimento para trazer à tona tudo o que
foi escondido e jogado na lama da história. É necessário que venha à tona para que todos
vejam e jamais se esqueçam da história colonizadora e racista que forjou a nação brasileira.
É necessário que se compreenda que a ideia de nação hegemônica e miscigenada é
uma falácia. É necessário que se saiba que a invisibilização e o extermínio do negro na
sociedade brasileira sempre foi um projeto de Estado. A negação e a precariedade no
atendimento de direitos básicos, como a educação, a saúde, a propriedade e a vida é uma
constante.
Minha pesquisa me fez refletir sobre a raiz de todos os males da população negra que é
o racismo nas suas mais variadas formas e facetas. Permitiu-me compreender que o racismo é
um como um câncer instalado na veia da população brasileira, e que foi um mau construído
com propósitos claros de submissão de uma parcela especifica de pessoas.
Se a secretaria de educação não consegue sequer enxergar a presença dos estudantes
quilombolas do seu Estado é porque a sociedade paraense se estruturou sobre a ótica do
racismo. Consciente ou inconsciente esta instituição segue reproduzindo práticas racistas que
foram se formando ao longo da história. E uma dessas práticas é desconsiderar a existência
dessa população e a obrigatoriedade de ofertar uma educação diferenciada para esse público.
Assim sendo, concluo este trabalho ciente de que apesar da criação e implementação
da educação escolar quilombola ainda ser relativamente recente, já é considerável o numero
de escolas quilombolas existentes no estado do Pará. Porém, o quantitativo relevante de
escolas quilombolas não revela de que forma e em que condições a educação escolar
quilombola esta sendo desenvolvida nesses espaços. O que se apurou nos dados apresentados
é que essas escolas ainda não estão devidamente estruturadas e equipadas para atender as

92
especificidades dos quilombolas. Os prédios escolares são em sua maioria mal estruturados e
não disponibilizam de recursos materiais e humanos suficientes para atender as práticas
pedagógicas. Sem contar que a valorização dos aspectos culturais e sociais para a formação
dos quilombolas ainda estão muito aquém do esperado.
O fato dessas escolas até o momento ofertarem somente o Ensino Fundamental e sob
responsabilidade da rede municipal de ensino, revela um descaso da rede estadual que já
deveria está ofertando o Ensino Médio para esse público. A falta da existência de escolas
quilombolas que ofertem o Ensino Médio acaba por obrigar os estudantes quilombolas,
quando passam para o Ensino Médio, a procurar matrícula em escolas fora do quilombo,
geralmente nas grandes cidades longe de suas comunidades, expondo-os a situações perigosas
(pelo uso de transporte escolar inadequado, pelo longo percurso em estradas degradadas, ou
ainda, pela obrigação de ter que morar em outro espaço totalmente diferente de seu modo de
viver); assim como, expondo-os a situações de racismo e preconceitos dentro de escolas que
não estão preparadas para atender esses indivíduos respeitando seu modo de ser e aprender.
O subregistro (matricula) de estudantes quilombolas em escolas fora do quilombo
também gera inúmeras lacunas e situações de invisibilidade e descaracterização étnica. Ainda
acaba por negar o direito de receber uma educação diferenciada e contextualizada com sua
realidade. Nega também o direito de ter acesso a recursos próprios como a alimentação
escolar e material didático-pedagógico específico.
Desta forma, após este longo mergulho pelos rios do esquecimento desse imenso
Estado, desvendando as mazelas e precariedades impostas aos estudantes quilombolas, assim
como analisando as raízes históricas que nos trouxeram essas águas tão turvas e tortuosas, não
me faltam elementos para dizer o quanto o Estado paraense ainda esta sendo negligente e
perverso no atendimento a educação básica do público quilombola.
Acompanhar a oferta da educação básica, em especial da educação escolar quilombola
no Pará, serviu como uma lupa de observação do que esta sendo feito, como esta sendo feito,
e o que ainda precisa ser feito para que essa modalidade de ensino possa render os frutos para
o qual foi idealizada. Espero que o resultado desta pesquisa possa ser um instrumento de luta
para que o movimento negro quilombola possa estar fortemente embasado, para cobrar de
todas as esferas do governo o devido cumprimento dos seus direitos.
Quanto a pensar estratégias que possam colaborar com a implementação da EEQ, eu
sugiro o imediato comprimento das exigências das DCNEEQ com a construção de escolas

93
quilombolas que ofertem o Ensino Médio dentro dos territórios, atendendo todas as
especificidades. E mais ainda, que todas as escolas da rede estadual sejam preparadas e
estruturadas para receber não só estudantes quilombolas, mas todas as demais etnias, criando
estratégias de visibilidade e respeito a todos os segmentos da sociedade paraense.
Fico também com as sugestões do técnico em gestão publica da COPIR, Tony
Vilhena, e da professora Giovana Ferreira, de que a SEDUC precisa criar uma “estrutura
específica para atender à educação escolar quilombola, sob a coordenação de um/a professor/a
quilombola, composta por uma equipe com expertise na temática” (VILHENA; FERREIRA,
2017, p. 1299).

Esta Coordenação de Educação Escolar Quilombola poderá ter


representações nas Unidades Regionais de Educação – URE - que
apresentem existência de quilombo. Esta Coordenação também poderá
agregar os projetos e receber as reivindicações das organizações
quilombolas, além de estabelecer relações e articulações com as
Coordenadorias Municipais de Educação Quilombola das Secretarias
Municipais, com outros órgãos públicos locais que executam políticas
públicas para quilombolas e com o Mec (VILHENA; FERREIRA, 2017, p.
1299).

Também há a necessidade de que a Malungu, enquanto movimento social quilombola


possa compor uma Coordenação de Educação.

Pois, caso persista este vácuo organizativo, a Malungu poderá ter


dificuldades para empoderar-se no cenário, enfrentando dificuldades para
realizar com eficiência o monitoramento das políticas públicas, sem
dispersão ou alheamento. A Malungu também pode reivindicar
imediatamente à SEDUC a participação na elaboração, execução e avaliação
dos projetos de educação quilombola (VILHENA; FERREIRA, 2017, p.
1299).

Até porque, como vimos até aqui, o Movimento Negro e demais entidades criadas no
pós-abolição foram fundamentais na luta contra o racismo e pela valorização da identidade
negra. Sem a pressão dos movimentos sociais nenhuma política pública é criada ou
implementada nestes rios do esquecimento.
Acredito que tais sugestões possam ajudar na implementação da educação escolar
quilombola, visto que, se as condições estruturais e pedagógicas são melhoradas elas podem
se tornar eficientes e proporcionar uma prática educacional de acordo com o previsto nas
Diretrizes. E mais, estando a escola comprometida com práticas pedagógicas emancipatórias e
eficientes, a educação de fato pode colaborar para o fortalecimento dos quilombolas,
94
garantindo o esclarecimento necessário e a permanência e resistência dos quilombolas na luta
por seus direitos, e manutenção do seu modo de ser e viver.

95
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Sílvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento,
2018.

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