Antonio Candido - Quatro Esperas - Antonio Candido PDF
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Antonio Candido
PRIMEIRA: NA CIDADE.
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SEGUNDA: NA MURALHA.
TERCEIRA: NA FORTALEZA.
II Deserto dei Tartari (1940), de Dino Buzzatti5, conta a histria de (5) H traduo de Auro-
ra Fornoni Bernardini e
um jovem oficial, Giovanni Drogo, destacado ao sair da Escola Militar pa- Homero Freitas Andrade:
O Deserto dos Trtaros,
ra a Fortaleza Bastiani, situada na fronteira com um reino setentrional. Pa- Rio, Nova Fronteira,
1984.
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Incorporao Fortaleza
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Tentativa de desincorporao
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insolente. Drogo passara quatro anos no Forte e isto lhe dava um direito
tcito remoo. Mas acontece que tinha havido no regulamento certa
mudana de que no soubera e segundo a qual deveria ter feito requeri-
mento prvio, fato que os colegas interessados na prpria remoo lhe
haviam ocultado. Alm do mais, a sua folha trazia uma "advertncia" por
causa da morte acidental do Soldado Lazzari sob o seu comando. E embo-
ra estivesse prevista uma reduo considervel do contingente, o seu pe-
dido no satisfeito. Sentindo-se enganado pelos colegas, injustiado pe-
lo comando, Drogo mergulha na decepo.
No entanto, a leitura atenta mostra que no apenas esta a causa
da sua volta ao Forte. Logo que chegou cidade, sentiu que no pertencia
mais quele mundo da casa, da famlia, dos amigos, onde sua prpria me
tinha agora outros interesses. Mas se tudo lhe pareceu estranho, foi por-
que j estava preso ao Forte e manipulava inconscientemente o destino
para ficar nele, sob a ao convergente de uma fora externa, que o man-
dava de volta, e outra interna: o sentimento de no pertencer mais ao mun-
do originrio. A tentativa de desincorporao acaba portanto confirman-
do o seu vnculo irremedivel com a Fortaleza. Ele sobe de novo a serra
com melancolia e se recolhe espera intil.
At aqui passaram quatro anos de vida de Drogo e cerca de dois
teros do livro; daqui at o fim, isto , em pouco menos de um tero do
nmero de pginas, transcorrer o tempo de uma gerao. que os da-
dos essenciais esto lanados e s falta mostrar as suas combinaes finais.
de dos estrangeiros fica visvel a olho nu, mostrando que de fato a cons-
truo de uma estrada. Mas os trabalhos demoram muito, a expectativa
sempre a mesma e Drogo sente que agora o tempo corrosivo, arrui-
nando o Forte, envelhecendo os homens, arrastando tudo numa espcie
de fuga inexorvel. Sacudido entre um ritmo de progresso (a durao dos
trabalhos que no terminam) e um ritmo de regresso (a runa incessante
do lugar e dos homens), ele continua esperando o grande momento.
Assim passam quinze anos, registrados nalgumas linhas, antes de
acabar a construo da via pavimentada. Os morros e os campos so os
mesmos, mas o Forte est decado e os homens mudados. Drogo foi pro-
movido a Capito e a fase final comea por uma rplica do comeo: ns o
vemos subir a serra depois de uma licena, quarento, definitivamente
estranho na sua cidade, onde a me j morreu e os irmos no moram
mais. No comeo do livro o jovem Tenente Drogo, subindo a montanha
misteriosa, vira o Capito Ortiz do outro lado do precipcio e o chamara
com ansiedade juvenil. Agora, o Capito Drogo sobe cansado e do outro
lado chama-o do mesmo modo o jovem Tenente Moro. A recorrncia do
tempo marcada pela igualdade das situaes, expressa na rima toante
dos sobrenomes, que parecem igualar-se: Drogo-Moro. As geraes se subs-
tituem, o tempo corre, a Fortaleza continua espera do seu destino.
No captulo seguinte passaram mais dez anos, Drogo Major Sub-
Comandante, est com 54 anos, doente, acabado, sem foras para levan-
tar da cama. E ento acontece o inverossmil, que era todavia o esperado:
do deserto vm vindo fortes batalhes inimigos, com artilharia e tudo, em
marcha de guerra. Finalmente, depois de sculos, parece chegar o gran-de
momento. O Estado-Maior manda reforos, comea uma exaltante mo-
vimentao belicosa de vspera de combate, Drogo, quase invlido, se al-
voroa com a perspectiva do ideal realizado, mas o Comandante, Tenente-
Coronel Simeoni, fora-o a partir, porque precisa do seu velho quarto es-
paoso para alojar os oficiais da tropa de reforo que est chegando. De-
sesperado, trpego, com o corpo sobrando dentro do uniforme, ele faz
de volta a estrada do vale, descendo-a numa carruagem enquanto as tro-
pas sobem para o combate.
No caminho resolve dormir numa hospedaria, amargurado pela iro-
nia incrvel da sorte, que o fez perder a vida inteira na Fortaleza e ser pos-
to fora dela quando chegou a hora esperada. Este final de livro escrito
com firmeza leve, cheia de preciso e mistrio, manifestando a conver-
gncia dos grandes temas do romance: a Esperana, a Morte, o Tempo
que as modula e combina.
uma tarde encantadora de primavera, com perfume de flores, cu
macio e os morros cor de violeta perdendo-se na altura. Sentado no quar-
to pobre, Drogo est a ponto de romper no pranto por causa da sua vida
nula, coroada por essa desero forada, quando percebe que vai morrer.
Ento, compreende que a Morte era a grande aventura esperada, no ha-
vendo por que lamentar que tenha vindo assim, obscura, solitria, apa-
rentemente a mais insignificante e frustradora. O Tempo parece estacar,
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Definies
QUARTA: NA MARINHA.
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Encaminhamento
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Conseqncias
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na, e ento mandado de volta ao seu posto, agora com funo de co-
mando, a fim de preparar o provvel estado de guerra.
No entanto este no o verdadeiro fim do livro. Fiel ao tom geral
da narrativa, o narrador pra nessa suspenso inconcludente, que um
toque vago a mais; mas o leitor atento sabe que o desfecho estava dissi-
mulado numa frase casual a meia altura da narrativa, pouco antes de Aldo
aludir sua "detestvel histria": "(...) o vu de pesadelo que se ergue
para mim do rubro claro da minha ptria destruda". Guardemos por en-
quanto na lembrana a cor deste claro e verifiquemos que no enredo la-
tente do livro o cruzeiro ao Farguesto provocou entre os dois pases uma
guerra oculta por elipse, cujo desfecho foi a destruio de Orsenna, isto
, a catstrofe depois de trs sculos de expectativa. A expectativa que
era a lei da Fortaleza Bastiani em O Deserto dos Trtaros e da China por
trs da muralha de Kafka. Da nevoenta exposio do narrador emergiu
o vulto da destruio total (apenas sugerida num desvo do texto), como
o sentido emerge da aluso e da elipse.
Metforas e significados
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aros, aqui o ser est ligado aos outros, ao meio, histria. Aldo se incor-
pora a Orsenna, que existe o tempo todo como fora e limite dele pr-
prio. Graas a isto a longa espera desgua no risco assumido, que desfe- Novos Estudos
chou numa negao suprema, a destruio do Estado, obscuramente de- CEBRAP
sejada como possibilidade de pelo menos provocar um sinal de vida na N 26, maro de 1990
sociedade parada. pp. 49-76
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