Textos Literários Textos Líricos - Poesia Trovadoresca
Textos Literários Textos Líricos - Poesia Trovadoresca
Textos Literários Textos Líricos - Poesia Trovadoresca
Textos Literários
O Género Lírico
Poesia Trovadoresca
O GÉNERO LÍRICO
O género lírico compreende as composições (textos) em que o sujeito poético exprime
sentimentos ou estados de espírito. O mundo exterior, quando presente, é absorvido pela interioridade
do sujeito poético e serve apenas para revelar o seu mundo interior.
Pode apresentar-se sob forma versificada - poesia integral - ou sob forma de prosa - prosa
poética - exprimindo, em ambos os casos, a emotividade do «eu» e contendo abundantes recursos
estilísticos.
A. Soneto
O soneto é um poema lírico de origem italiana. É um texto de estrutura fixa: tem 14 versos
decassílabos - versos de dez sílabas métricas - ordenados em quatro estrofes, sendo duas quadras e dois
tercetos. Predomina no soneto o decassílabo heroico, ou seja, com acento métrico na 6ª e 10ª sílabas,
mas também aparece o decassílabo sáfico, com acento na 4ª, 8ª e 10ª sílabas.
B. Canção
É um poema de carácter amoroso, concebido para ser cantado. Dependendo do assunto que aborda,
a canção recebe diferentes nomes: cantata (que aborda assuntos nobres e elevados); madrigal (que
apresenta um galanteio ou um pensamento fino e espirituoso)2.
C. Écloga
É uma canção bucólica (relativa à vida do campo, pastoril) em que se cantam os animais, os
campos, os pastores e as pastoras. O ambiente das cantigas é rústico e o estilo, simples. Serve-se da
redondilha maior (verso de sete sílabas métricas).
A écloga nasceu na Grécia, propagou-se por Roma com Virgílio e foi cultivada em Portugal nos
séculos XVI, XVII e XVIII.
D. Elegia
É uma composição que exprime a dor, a tristeza. É também de origem grega. Foi cultivada pelos
romanos e por poetas portugueses do século XVI.
E. Ode
É uma composição poética de intenção laudatória, isto é, em que se tecem louvores ao amor, aos
heróis e à alegria da existência.
É também de origem grega, foi cultivada em Roma por Horácio e adquiriu muita importância em
Portugal nos séculos XVI, XVII e XVIII.
F. Vilancete
Forma poética, musical, composta a partir dum mote3 curto (2 ou 3 versos) tirado, geralmente, de
uma canção popular. Ao mote segue-se uma glosa4 de sete versos em que o poeta comenta a ideia
proposta. O último verso do mote aparece repetido no último da glosa.
G. Cantiga
É uma composição lírica curta que integra um mote de quatro ou cinco versos, em que se expõe o
assunto por desenvolver na(s) glosa(s). O assunto da cantiga é sempre amoroso.
2
A canção moçambicana aborda também temas como a guerra, a morte, a solidão, a saudade, entre outros.
3
Mote: pensamento expresso em um ou mais versos para ser desenvolvido na glosa.
4
Glosa: composição poética em que cada estrofe acaba por um dos versos do mote.
2
H. Endechas
Composição lírica que exprime sentimentos de melancolia, de dor e de desencanto da vida. Socorre-
se de versos de 5 ou 6 sílabas agrupados em quadras. Cada quadra também se chama endecha, daí o
nome «endechas» no plural.
I. Esparsa
É um poema de fundo melancólico composto de versos de seis sílabas. A esparsa tem, no mínimo,
oito versos e, no máximo dezasseis. Aborda directamente o assunto.
FIGURAS DE ESTILO
Figuras de linguagem, também chamadas figuras de estilo, são recursos especiais de que se vale
quem fala ou escreve, para comunicar à expressão mais força e colorido, intensidade e beleza
(PACHOAL, s/d: 620)5. Podemos classificá-las em três tipos: (a) Figuras de palavras (ou trapos), (b)
Figuras de construção (ou de sintaxe) e (c) Figuras de pensamento. Por ora, atemo-nos a algumas
figuras de sintaxe e de pensamento.
Figuras de Sintaxe
a. Elipse é a omissão de um termo ou oração que facilmente podemos subentender no contexto. É
uma espécie de economia de palavras. Aqui só interessa a elipse como figura de estilo.
Exemplo: “As mãos eram pequenas e os dedos, finos e delicados.” [elipse do verbo eram].
d. Inversão consiste em alterar a ordem normal dos termos ou orações com o fim de lhes dar
destaque.
Exemplo: “Passarinho, desisti de ter.” (RUBEM BRAGA).
Figuras de Pensamento
a) Antítese consiste na aproximação de palavras ou expressões de sentido oposto. É um poderoso
recurso de estilo.
Exemplo: “As sempre-vivas morreram.” (DORA FERREIRA DA SILVA)
5
PACHOAL, Domingos, Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, São Paulo, Companhia Editora Nacional, s/d
3
b) Apóstrofe é a interrupção que faz o orador ou escritor para se dirigir a pessoas ou coisas
presentes ou ausentes, reais ou fictícias.
Exemplo: “...a seguir, leitor amigo, contarei a história tal como sucedeu...”
e) Hipérbole é uma afirmação exagerada. É uma deformação ela verdade que visa a um efeito
expressivo.
Exemplo: “Chorou rios de lágrimas”.
f) Ironia é a figura pela qual dizemos o contrário do que pensamos, quase sempre com intenção
sarcástica.
Exemplo: “Há́ recessão, há́ desemprego, há miséria, mas tudo está sob controle de geniais
economistas.” (EVANDRO LINS E SILVA).
POESIA TROVADORESCA
Abordar a poesia trovadoresca é também mencionar o trovadorismo, um movimento literário e
poético que surgiu na Idade Média no século XI. Foi o primeiro movimento literário da língua
portuguesa, pois dele surgiram as primeiras manifestações literárias. As cantigas são os principais
registros da época, tradicionalmente divididas em cantigas de amor, de amigo e de escárnio e
maldizer. O trovadorismo português teve o seu ponto mais alto entre os finais do século XII a meados
do século XIV.
Nessa época, as poesias eram feitas para serem cantadas ao som de instrumentos musicais, como a
flauta, a lira, a viola, o alaúde, daí o nome “cantigas”. O cantor dessas composições era chamado de
“jogral”, o autor delas era o “trovador” e o “menestrel”, era considerado superior ao jogral por ter mais
instrução e habilidade artística, pois sabia tocar e cantar.
No que tange à temática elas estavam relacionadas a determinados valores culturais e a certos tipos
de comportamento difundidos pela cavalaria feudal, que até então lutava nas Cruzadas no intuito de
resgatar a Terra Santa do domínio dos mouros. Percebe-se, portanto, que nas cantigas prevaleciam
distintos propósitos: havia aquelas em que se manifestavam juras de amor feitas à mulher do cavaleiro,
outras em que predominava o sofrimento de amor da jovem em razão de o namorado ter partido para as
Cruzadas, e ainda outras, em que a intenção era descrever, de forma irónica, os costumes da sociedade
portuguesa.
4
Refira-se que a poesia trovadoresca se apresenta em dois géneros essenciais: o lírico-amoroso
(cantigas de amor e de amigo) e o satírico (cantigas de maldizer e de escárnio), que passamos a
descrever:
A. Cantigas de Amigo
Tipo de poesia originária da Península Ibérica e, mais concretamente, do território galaico-
português, com uma forte influência das cantigas populares de Provença6. Neste tipo de cantigas, o
trovador 7 exprime os problemas amorosos e as ansiedades da humilde donzela apaixonada, enciumada
e inquieta com a falta de notícias do amigo ausente.
As cantigas de amigo são poemas simples, de conteúdo pobre, espontâneos e documentam a vida da
donzela no ambiente campestre e familiar. Destinavam-se a ser cantadas.
Em síntese, pode-se aferir que nas “cantigas de amigo”, a voz lírica é feminina. Tais cantigas tinham
como cenário a vida campesina ou nas aldeias, e geralmente exprimiam o sofrimento da mulher
separada de seu amado (também chamado de amigo), vivendo sempre ausente em virtude de guerras ou
viagens inexplicadas. O “eu lírico”, materializado pela voz feminina, sempre tinha um confidente com o
qual compartilhava seus sentimentos, representado pela figura da mãe, amigas ou os próprios elementos
da natureza, tais como pássaros, fontes, árvores ou o mar.
B. Cantigas de Amor
Originárias de Provença, sul da França, as cantigas de amor transmitiam a paixão avassaladora do
trovador que se considerava vassalo8 da sua dama, à qual votava um amor superior, nem sempre real.
São cantigas artificiosas, aristocráticas, com feições mais eruditas do que as cantigas de amigo.
Destinavam-se igualmente a ser cantadas.
Nas “cantigas de amor”, a voz lírica é masculina e expõe uma experiência passional, recheada de
conflitos, como a diferença social (muitas vezes a mulher amada é inacessível por ser de estirpe alta,
enquanto o enamorado é um fidalgo decadente, por exemplo), o amor platónico, a inutilidade das
súplicas de amor.
O amante vive sempre em estado de sofrimento, também chamado de coita, visto que não é
correspondido. Ainda assim dedica à mulher amada (senhor) fidelidade, respeito e submissão. Nesse
cenário, a mulher é tida como um ser inatingível, à qual o cavaleiro deseja servir como vassalo.
6
Região localizada a Sul de França.
7
Trovador: poeta lírico peninsular dos séculos XII e XIII.
8
No sistema feudal, indivíduo que, mediante juramento de fé e fidelidade a um suberano, dele se tornava dependente, rendendo-
lhe preito e tributo.
5
EXEMPLOS DE CANTIGAS
TEXTO A TEXTO B TEXTO C
TEXTO D
Vós, que por Pero Tinhoso preguntades, se queredes
dele saber novas certas per min, poi-las non sabedes,
achar-lh’-edes tres sinaes per que o conhosceredes;
mais esto que vos eu digo non vo-lo sabia nengiu:
aquel é Pero Tinhoso que traz o toutiço niu
e traz o cáncer no pisso e o alvaraz no cuu.
Amor é fogo que arde sem se ver Pede o desejo, Dama, que vos veja
Amor é fogo que arde sem se ver, Pede o desejo, Dama, que vos veja;
é ferida que dói, e não se sente; Não entende o que pede; está enganado.
é um contentamento descontente, É este amor tão fino e tão delgado,
é dor que desatina sem doer. Que, quem o tem, não sabe o que deseja.
É um não querer mais que bem querer; Não há cousa, a qual natural seja,
é um andar solitário entre a gente; Que não queira perpétuo o seu estado;
é nunca contentar-se de contente; Não quer logo o desejo o desejado,
é um cuidar que ganha em se perder. Por que não falte nunca onde sobeja.
É querer estar preso por vontade; Mas este puro afeito em mim se dana;
é servir a quem vence, o vencedor; Que, como a grave pedra tem por arte
é ter com quem nos mata, lealdade. O centro desejar da Natureza,
Mas como causar pode seu favor Assi o pensamento, pela parte
nos corações humanos amizade, Que vai tomar de mim, terrestre, humana,
se tão contrário a si é o mesmo Amor? Foi, Senhora, pedir esta baixeza.
A Délia Destino
Quem disse à estrela o caminho
Cuidas tu que a rosa chora, Que ela há-de seguir no céu?
Que é tamanha a sua dor, A fabricar o seu ninho
Quando, já passada a aurora, Como é que a ave aprendeu?
O Sol, ardente de amor, Quem diz à planta «Floresce!»
Com seus beijos a devora? E ao mudo verme que tece
- Feche virgíneo pudor Sua mortalha de seda
O que inda é botão agora Os fios quem lhos enreda?
E amanhã há-de ser flor;
Mas ela é rosa nesta hora, Ensinou alguém à abelha
Rosa no aroma e na cor. Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
- Para amanhã o prazer O seu mel há-de ir pedir?
Deixe o que amanhã viver. Que eras tu meu ser, querida,
Hoje, Délia, é nossa a vida; Teus olhos a minha vida,
Amanhã... o que há-de ser? Teu amor todo o meu bem...
A hora de amor perdida Ai!, não mo disse ninguém.
Quem sabe se há-de volver?
Não desperdices, querida, Como a abelha corre ao prado,
A duvidar e a sofrer Como no céu gira a estrela,
O que é mal gasto da vida Como a todo o ente o seu fado
Quando o não gasta o prazer. Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino.
in 'Folhas Caídas' Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.
in 'Folhas Caídas'
7
FERNANDO PESSOA (1888 - 1935)
RUI DE NORONHA
(Lourenço Marques, 28 de Outubro de 1909 - Lourenço Marques, 25 de Dezembro de 1943)
8
NOEMIA DE SOUSA
(Catembe, 1926 - Cascais, 2003)
Deixa passar o meu povo com Marian e Robeson vigiando pelo olho luminoso
do rádio
Noite morna de Moçambique - let my people go,
e sons longínquos de marimbas chegam até mim oh let my people go.
- certos e constantes -
vindos nem eu sei donde. E enquanto me vierem do Harlem
Em minha casa de madeira e zinco, vozes de lamentação
abro o rádio e deixo-me embalar... e meus vultos familiares me visitarem
Mas as vozes da América remexem-me a alma e os em longas noites de insônia,
nervos. não poderei deixar-me embalar pela música fútil
E Robeson e Maria cantam para mim das valsas de Strauss.
spirituals negros do Harlem. Escreverei, escreverei,
Let my people go com Robeson e Marian gritando comigo:
- oh deixa passar o meu povo, Let my people go,
deixa passar o meu povo -, OH DEIXA PASSAR O MEU POVO.
dizem.
E eu abro os olhos e já não posso dormir.
Dentro de mim soam-me Anderson e Paul
e não são doces vozes de embalo. Se me quiseres conhecer
Let my people go.
Se me quiseres conhecer,
Nervosamente, Estuda com olhos de bem ver
sento-me à mesa e escrevo... Esse pedaço de pau preto
(Dentro de mim, Que um desconhecido irmão maconde
oh let my people go...) De mãos inspiradas
deixa passar o meu povo. Talhou e trabalhou em terras distantes lá do norte.
Ah! Essa sou eu:
E já não sou mais que instrumento órbitas vazias no desespero de possuir a vida
do meu sangue em turbilhão boca rasgada em ferida de angustia,
com Marian me ajudando mãos enormes, espalmadas,
com sua voz profunda - minha Irmã. erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
corpo tatuado feridas visíveis e invisíveis
Escrevo... pelos duros chicotes da escravatura…
Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar. torturada e magnífica
Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado altiva e mística,
e revoltas, dores, humilhações, africa da cabeça aos pés,
tatuando de negro o virgem papel branco. – Ah, essa sou eu!
E Paulo, que não conheço Se quiseres compreender-me
mas é do mesmo sangue e da mesma seiva amada de Vem debruçar-te sobre a minha alma de africa,
Moçambique, Nos gemidos dos negros no cais
e misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças, Nos batuques frenéticos dos muchopes
algodoais, e meu inesquecível companheiro branco, Na rebeldia dos machanganas
e Zé - meu irmão - e Saul, Na estranha melodia se evolando
e tu, Amigo de doce olhar azul, Duma canção nativa noite dentro
pegando na minha mão e me obrigando a escrever E nada mais me perguntes,
com o fel que me vem da revolta. Se é que me queres conhecer…
Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro, Que não sou mais que um búzio de carne
enquanto escrevo, noite adiante, Onde a revolta de africa congelou
Seu grito inchado de esperança.
9
JOSÉ CRAVEIRINHA
(Lourenço Marques, 28 de Maio de 1922 - Maputo, 6 de Fevereiro de 2003)
RUI KNOPFLI
(Inhambane, 10 de Agosto de 1932 - Lisboa, 25 de Dezembro de 1997)
Princípio do dia Testamento
sim mamã
é preciso
é preciso plantar
a nova árvore
da Independência Nacional.
11
SÉRGIO VIEIRA
(Tete, 1941)
e sobre ti,
com a tristeza de manhã de
Fevereiro,
com a esperança do Sol que
nasce,
com a força imensa da vida
que cresce no ventre da
mulher,
sobre ti,
desce a confiança do partido e do
povo.
A ti,
reivindicamos a purificação e
vingança
que o nosso sentido de justiça
exige,
queremos um fogo ainda maior
que ao marulhar das ondas do
Índico
12
ARMANDO GUEBUZA
(Nampula, 1943)
Moçambique, 1977
14
JOÃO MAIMONA - ANGOLANO
(Quibocolo, município de Maquela do Zombo, na província de Uíge, 1955)
15
ODETE SEMEDO - GUINEENSE
16