Disponibilidade Hídrica Futura - BH em MS
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RESUMO
Diversos estudos têm sido realizados visando estudar os efeitos das mudanças climáticas em corpos
hídricos e bacias hidrográficas. Entretanto, abordagens considerando as prospectivas futuras da
disponibilidade e segurança hídrica principalmente de corpos hídricos utilizados para abastecimento
de água de cidades ainda carecem de atenção. O conhecimento da disponibilidade hídrica é
fundamental para tomadas de decisão adequadas sobre os recursos hídricos da bacia e para
regularidade do abastecimento nas cidades. As mudanças climáticas têm especial importância em
virtude da interferência na variabilidade natural de disponibilidade de água. Assim, o presente
trabalho propõe a avaliação da disponibilidade hídrica atual e futura de uma bacia utilizada para
abastecimento de água da cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul nas condições atuais e sob
o efeito de mudanças climáticas (2019-2095). Para simular os processos hidrológicos da bacia, o
modelo HYMOD foi calibrado e validado com dados hidrometeorológicos observados no período de
2011 a 2018. Posteriormente, foi utilizado um conjunto de modelos de circulação geral como entrada
do modelo calibrado para gerar projeções de vazão no período de 2019 a 2095. As projeções para o
período de 2019 a 2095 apontaram pequenas alterações nos quantitativos anuais de precipitação e o
aumento da Q95 do córrego. Os resultados indicam o possível aumento da erosão hídrica e o risco de
inundações, evidenciando a necessidade de integrar as mudanças climáticas nos instrumentos de
planejamento e de garantir a continuidade das práticas de manejo conservacionistas na bacia.
ABSTRACT
Several studies have been carried out to study the effects of climate change on water bodies and river
basins. However, approaches considering the future prospects of water availability and water security,
especially of water bodies used as water supply to cities, still need attention. The knowledge of water
availability is essential for adequate decision-making on the basin's water resources and for regular
supply in cities. Climate change is of particular importance due to its interference in the natural
variability of water availability. Thus, this paper proposes the assessment of current and future water
availability of a basin used for water supply in the city of Campo Grande, Mato Grosso do Sul under
current conditions and under the effect of climate change (2019-2095). To simulate the hydrological
processes of the basin, the HYMOD model was calibrated and validated with hydrometeorological
data observed in the period from 2011 to 2018. Subsequently, a set of general circulation models was
used as input to the calibrated model to generate streamflow projections for the period from 2019 to
1) Afiliação: Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande
–MS, [email protected], [email protected], [email protected] e [email protected].
2) Afiliação: Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos – SP,
[email protected].
INTRODUÇÃO
O gerenciamento de recursos hídricos tem como objetivo solucionar os conflitos resultantes do
uso intensivo da água, decorrente do crescimento econômico e populacional, e preservar as funções
hidrológicas, biológicas e químicas dos ecossistemas, assim como garantir que esse recurso se
mantenha com oferta adequada (Cruz e Tucci, 2008). As mudanças climáticas podem impactar
diretamente essa dinâmica hídrica das bacias hidrográficas, implicando em alterações nos
quantitativos de precipitação e, consequentemente, de vazão disponível.
Assim, torna-se importante o conhecimento dos possíveis impactos das mudanças climáticas
quando se observa uma tendência contrária entre a disponibilidade hídrica e o consumo em grandes
cidades, como apresentado por Rodrigues et al. (2015). Os efeitos das mudanças climáticas já são
vivenciados mundialmente e as alterações causadas são evidentes e generalizadas, uma vez que as
mais diversas regiões do mundo enfrentam desafios de seca e escassez de água, como o norte da
China (Zhuang et al, 2018), leste da Espanha (Martin-Ortega et al, 2011) e sudeste do Brasil (Milano
et al, 2018).
Outra problemática relacionada às mudanças climáticas e ao balanço hídrico de uma bacia recai
sobre a ocorrência de inundações, que podem sofrer alterações na frequência, intensidade, extensão
espacial, duração e tempo dos eventos extremos, resultando em catástrofes sem precedentes (Didovets
et al., 2019). No Brasil, eventos intensos de chuvas que provocaram enchentes e deslizamentos de
terra foram responsáveis por 74% das mortes relacionadas a desastres naturais no período entre 1991
e 2010 (Debortoli et al., 2017).
Os principais problemas para controle de inundações e outros extremos climáticos estão
relacionados às tomadas de decisões equivocadas, fundamentadas pela concepção fragmentada do
problema e, sobretudo, na falta de planejamento e adequação do uso do solo, além de aplicação de
medidas de controle que não considera a totalidade da bacia ou sub-bacia hidrográfica em questão,
geralmente transferindo o problema para jusante.
A bacia hidrográfica do Córrego Guariroba é localizada no município de Campo Grande, capital
do Estado de Mato Grosso do Sul, e drena uma área de 362 km². O Córrego Guariroba integra o
sistema de abastecimento de água do município, sendo responsável por 34% do abastecimento (Águas
Guariroba, 2021) e correspondendo à principal fonte de captação superficial do sistema. Devido à sua
relevância, a bacia já foi objeto de estudos que abordam os processos hidrológicos como o de Sone
et al. (2019), que avaliaram o efeito das práticas de manejo conservacionistas executadas por
proprietários rurais localizadas na vazão do Córrego Guariroba, enquanto Valle Junior et al. (2019)
calcularam o Curve Number (CN) para a bacia através de dados de chuva e vazão e Altrão et al.
(2017) estudaram a produção de sedimentos e o efeito histerese na concentração de sedimentos da
bacia.
Observa-se que, apesar de sua importância, não existem estudos que integrem o componente de
mudanças climáticas no contexto da bacia hidrográfica em questão. Assim, utilizando-se de dados
hidrometeorológicos observados e modelagem hidrológica, esperamos que nossos resultados
demonstrem que as mudanças climáticas podem ocasionar impactos na disponibilidade hídrica da
bacia diante dos cenários avaliados, de modo que essas informações sejam úteis para orientar as
tomadas de decisão, os planos e estratégias quanto à gestão dos recursos hídricos.
XXIV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 2
METODOLOGIA
Área de estudo
A área de estudo consiste na bacia hidrográfica do Córrego Guariroba, localizada no município
de Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul. A bacia está inserida em área
predominantemente rural e sua extensão é de cerca de 362 km², com altitude variando desde 480
metros (foz) a 620 metros (nascente do Córrego Saltinho, afluente do Guariroba), conforme dados da
Prefeitura Municipal de Campo Grande (PMCG, 2011).
A classificação climática Köppen da região é de clima Aw, que caracteriza um clima
considerado tropical úmido com inverno seco (junho a setembro) e verão quente e chuvoso (dezembro
a março). Já a temperatura média anual da região é de 23,3 ºC (Valle Junior et al., 2019) e precipitação
anual média entre 1.400 mm (Valle Junior et al., 2019) e 1.500 mm (Sone et al., 2019). Quanto ao
tipo de solo, a bacia é predominantemente arenosa, porém, apresenta pequenas parcelas de solos com
textura média e argilosos (PMCG, 2008).
A bacia possui relevante importância no contexto municipal por responder por 34% do sistema
de abastecimento de água do município (Águas Guariroba, 2021), fornecendo uma vazão de
4.433 m³/h (PMCG, 2008). Por esse motivo, a bacia se insere em uma Área de Proteção Ambiental
(APA), a “APA dos Mananciais do Córrego Guariroba” e abriga áreas beneficiadas por práticas de
conservação de um programa de pagamentos por serviços ambientais chamado Manancial Vivo,
compostas por vegetação natural, plantio de eucalipto e pastagem.
Figura 1 - Localização geográfica da bacia hidrográfica do Córrego Guariroba.
Fonte: Autores.
Modelagem hidrológica
A modelagem hidrológica foi realizada por meio do modelo HYMOD por meio de condições
observadas (entre 2011 e 2018) e de cenários futuros (até 2095). Consiste em um modelo conceitual
e concentrado, empregado com êxito nos estudos de Gesualdo et al. (2019) e Parra et al. (2018), e
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requer como dados de entrada dois componentes hidrológicos: precipitação (mm) e evapotranspiração
(mm). Possui seis parâmetros calibráveis, sendo esses: capacidade máxima de armazenamento de
água no solo; variabilidade espacial da capacidade máxima de armazenamento de água no solo;
coeficiente que divide o fluxo em dois tanques (tanque de vazão “rápida” e tanque de vazão “lenta”);
número de tanques lineares de vazão rápida; e dois parâmetros que descrevem os tempos de detenção
nos respectivos tanques.
O modelo hidrológico HYMOD forneceu os quantitativos de precipitação, escoamento
superficial e evapotranspiração na área de estudo previstos para o período entre 2019 e 2095. Para a
calibração do modelo, foram utilizados os dados da série histórica de vazão registrada na bacia.
Os dados de vazão necessários para a calibração do modelo foram obtidos através do
levantamento limnimétrico do Córrego Guariroba que tem sido realizado desde setembro de 2011
pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Os dados de precipitação, necessários
como entrada no modelo, foram adquiridos a partir dos cinco pluviômetros localizados em diferentes
pontos na bacia (Figura 1) que também são monitorados desde setembro de 2011.
Os dados de vazão da bacia do Córrego Guariroba disponíveis consistiam nos anos de 2011 a
2018. Assim, utilizamos o período de março de 2012 a outubro de2018 para calibração do modelo,
sendo o período de setembro de 2011 a março de2012 (180 dias) utilizado como “warm up”, ou
aquecimento do modelo. O período de validação compreendeu os meses de outubro a dezembro de
2018, totalizando 87 dias.
A estimativa da evapotranspiração potencial foi calculada pela equação de Penman-Monteith
através do software ETo Calculator (FAO, 2009), no qual foram inseridos dados de temperatura
média, máxima e mínima; umidade relativa do ar média, máxima e mínima; ponto de orvalho médio
e velocidade média dos ventos.
Para a avaliação dos processos de calibração e validação do modelo utilizaremos a análise do
R2, a análise de viés (PBIAS) e o critério de eficiência de Kling-Gupta (KGE) (Gupta et al., 2009).
RESULTADOS
Desempenho do modelo
A Tabela 1 apresenta os resultados das métricas da avaliação do desempenho do modelo para
o período de calibração (2012-2018) e validação (2018).
Tabela 1 – Métricas de avaliação do desempenho do modelo.
Calibração Validação
Métricas Desempenho Desempenho
(2012-2018) (2018)
R2 0,45 Insatisfatório1 0,59 Satisfatório1
20,00 20,00
5,00 5,00
40,00 40,00
60,00 60,00
Precipitação (mm/dia)
4,00 4,00
80,00 80,00
Vazão (m³/s)
120,00 120,00
2,00 2,00
140,00 140,00
160,00 160,00
1,00 1,00
Precipitação Precipitação
180,00 Vazão observada 180,00
Vazão observada
Vazão simulada Vazão simulada
0,00 200,00 0,00 200,00
25/12/2018
06/10/2018
11/10/2018
16/10/2018
21/10/2018
26/10/2018
31/10/2018
05/11/2018
10/11/2018
15/11/2018
20/11/2018
25/11/2018
30/11/2018
05/12/2018
10/12/2018
15/12/2018
20/12/2018
30/12/2018
09/2013
06/2015
03/2012
06/2012
09/2012
12/2012
03/2013
06/2013
12/2013
03/2014
06/2014
09/2014
12/2014
03/2015
09/2015
12/2015
03/2016
06/2016
09/2016
12/2016
03/2017
06/2017
09/2017
12/2017
03/2018
06/2018
09/2018
Dias do período (2012-2018)
Dias do período (2018)
Figura 2 – Resultados do desempenho do modelo nos períodos de: (a) calibração e (b) validação.
1.600 4,00
Precipitação anual (mm)
1.550
1496,8 mm 3,00
1.500
1.450 2,00
1.400
1,00
1.350
1.300 0,00
2019 2029 2039 2049 2059 2069 2079 2089 2012 2022 2032 2042 2052 2062 2072 2082 2092
RCP 8.5 RCP 4.5 Média observada (2012-2018) RCP 8.5 RCP 4.5 Observada (2012-2018)
Figura 3 – Precipitação anual e vazão máxima diária projetada para o período de 2019 a 2095.
14,00 14,00
12,00 12,00
Vazão (m³/s)
Vazão (m³/s)
9,47 m³/s
10,00 10,00 8,86 m³/s
8,00 8,00
8,22 m³/s
8,56 m³/s
6,00 6,00
4,00 4,00
4,42 m³/s 4,42 m³/s
2,00 2,00
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Probabilidade de excedência ou igualdade (%) Probabilidade de excedência ou igualdade (%)
RCP 4.5 - Longo Prazo RCP 4.5 - Curto Prazo Q95 observada RCP 8.5 - Longo Prazo RCP 8.5 - Curto Prazo Q95 observada
Figura 4 – Curva de permanência atual e projetada para o período de 2019 a 2095 nos cenários RCP 4.5 e do RCP 8.5.
Vale ressaltar inicialmente que o modelo superestimou em 23,5% a Q95 atual do Córrego, sendo
aproximadamente 1 m³/s superior à Q95 obtida através da série histórica de vazão disponível. Esta
superestimativa pode ter sido refletida nas projeções futuras dos cenários. Assim, observa-se por meio
da Figura 4 que em ambos os cenários foram observados aumentos no valor da Q95 no curto prazo e
se tornando ainda maior no longo prazo.
DISCUSSÃO
Colman et al. (2018) estimaram o fator de erosividade (fator R) da bacia hidrográfica do
Córrego Guariroba em 9.038 MJ. mm.ha-1.h-1.ano-1, que foi considerado um alto fator de erosividade
do solo. Além disso, a perda de solo anual média da bacia foi estimada em 1.67 ton.ha-1.ano-1. Dessa
forma, considerando as projeções indicativas de crescimento nos quantitativos de vazão, advindo
possivelmente do aumento no escoamento rápido, é possível que haja aumento de processos erosivos
na área da bacia.
A ocorrência de processos erosivos favorece a ocorrência de efeitos negativos, uma vez que o
aumento da sedimentação no reservatório utilizado para o abastecimento de água da população de
Campo Grande eleva os custos inerentes ao tratamento da água para distribuição e consumo humano,
considerando o aumento da concentração de sólidos suspensos e sólidos dissolvidos na água, o que,
em um cenário pessimista, pode inviabilizar sua utilização como fonte de abastecimento.
Neste contexto, menciona-se que a bacia em estudo é contemplada por um programa de
pagamento por serviços ambientais (PSA), o Programa Manancial Vivo, que proporciona pagamentos
para proprietários rurais que contribuem para o aumento da infiltração de água no solo, diminuindo a
perda de solo e preservando a biodiversidade através de práticas de manejo conservacionistas (Sone
et al., 2019). Sone et al. (2019) constataram que houve aumento na vazão de base do Córrego
Guariroba devido às ações de conservação praticadas na bacia por meio do programa.
Assim, considerando que os proprietários rurais de terras localizadas na bacia têm aderido à
realização de práticas conservacionistas, principalmente em razão da existência do Programa
Manancial Vivo, espera-se que a contribuição destes seja continuada de maneira a diminuir os
impactos da erosão que pode ser impulsionada pelas mudanças climáticas esperadas para a área da
bacia.
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