Disponibilidade Hídrica Futura - BH em MS

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 9

XXIV SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HIDRÍCOS

DISPONIBILIDADE HÍDRICA FUTURA EM BACIA DE


ABASTECIMENTO PÚBLICO DE ÁGUA
Juliene Gonçalves de Almeida Garcia 1; Gabriela Chiquito Gesualdo 2; Thamiris Fontoura
de Araújo 1; Paulo Tarso Sanches de Oliveira 1 & Dulce B. B. Rodrigues 1

RESUMO

Diversos estudos têm sido realizados visando estudar os efeitos das mudanças climáticas em corpos
hídricos e bacias hidrográficas. Entretanto, abordagens considerando as prospectivas futuras da
disponibilidade e segurança hídrica principalmente de corpos hídricos utilizados para abastecimento
de água de cidades ainda carecem de atenção. O conhecimento da disponibilidade hídrica é
fundamental para tomadas de decisão adequadas sobre os recursos hídricos da bacia e para
regularidade do abastecimento nas cidades. As mudanças climáticas têm especial importância em
virtude da interferência na variabilidade natural de disponibilidade de água. Assim, o presente
trabalho propõe a avaliação da disponibilidade hídrica atual e futura de uma bacia utilizada para
abastecimento de água da cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul nas condições atuais e sob
o efeito de mudanças climáticas (2019-2095). Para simular os processos hidrológicos da bacia, o
modelo HYMOD foi calibrado e validado com dados hidrometeorológicos observados no período de
2011 a 2018. Posteriormente, foi utilizado um conjunto de modelos de circulação geral como entrada
do modelo calibrado para gerar projeções de vazão no período de 2019 a 2095. As projeções para o
período de 2019 a 2095 apontaram pequenas alterações nos quantitativos anuais de precipitação e o
aumento da Q95 do córrego. Os resultados indicam o possível aumento da erosão hídrica e o risco de
inundações, evidenciando a necessidade de integrar as mudanças climáticas nos instrumentos de
planejamento e de garantir a continuidade das práticas de manejo conservacionistas na bacia.

Palavras-Chave – Gestão de recursos hídricos, Segurança hídrica, Modelagem hidrológica.

ABSTRACT
Several studies have been carried out to study the effects of climate change on water bodies and river
basins. However, approaches considering the future prospects of water availability and water security,
especially of water bodies used as water supply to cities, still need attention. The knowledge of water
availability is essential for adequate decision-making on the basin's water resources and for regular
supply in cities. Climate change is of particular importance due to its interference in the natural
variability of water availability. Thus, this paper proposes the assessment of current and future water
availability of a basin used for water supply in the city of Campo Grande, Mato Grosso do Sul under
current conditions and under the effect of climate change (2019-2095). To simulate the hydrological
processes of the basin, the HYMOD model was calibrated and validated with hydrometeorological
data observed in the period from 2011 to 2018. Subsequently, a set of general circulation models was
used as input to the calibrated model to generate streamflow projections for the period from 2019 to

1) Afiliação: Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande
–MS, [email protected], [email protected], [email protected] e [email protected].
2) Afiliação: Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos – SP,
[email protected].

XXIV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 1


2095. Projections for the period 2019-2095 pointed to small changes in the annual precipitation
amounts and an increase in the baseflow (Q95). The results indicate a possible increase of erosion and
the risk of floods in the basin area, highlighting the need to integrate climate change into planning
instruments and ensure the continuity of conservation management practices within the basin.

Keywords – Water Resources Management, Water Securtity, Hydrologic Modelling.

INTRODUÇÃO
O gerenciamento de recursos hídricos tem como objetivo solucionar os conflitos resultantes do
uso intensivo da água, decorrente do crescimento econômico e populacional, e preservar as funções
hidrológicas, biológicas e químicas dos ecossistemas, assim como garantir que esse recurso se
mantenha com oferta adequada (Cruz e Tucci, 2008). As mudanças climáticas podem impactar
diretamente essa dinâmica hídrica das bacias hidrográficas, implicando em alterações nos
quantitativos de precipitação e, consequentemente, de vazão disponível.
Assim, torna-se importante o conhecimento dos possíveis impactos das mudanças climáticas
quando se observa uma tendência contrária entre a disponibilidade hídrica e o consumo em grandes
cidades, como apresentado por Rodrigues et al. (2015). Os efeitos das mudanças climáticas já são
vivenciados mundialmente e as alterações causadas são evidentes e generalizadas, uma vez que as
mais diversas regiões do mundo enfrentam desafios de seca e escassez de água, como o norte da
China (Zhuang et al, 2018), leste da Espanha (Martin-Ortega et al, 2011) e sudeste do Brasil (Milano
et al, 2018).
Outra problemática relacionada às mudanças climáticas e ao balanço hídrico de uma bacia recai
sobre a ocorrência de inundações, que podem sofrer alterações na frequência, intensidade, extensão
espacial, duração e tempo dos eventos extremos, resultando em catástrofes sem precedentes (Didovets
et al., 2019). No Brasil, eventos intensos de chuvas que provocaram enchentes e deslizamentos de
terra foram responsáveis por 74% das mortes relacionadas a desastres naturais no período entre 1991
e 2010 (Debortoli et al., 2017).
Os principais problemas para controle de inundações e outros extremos climáticos estão
relacionados às tomadas de decisões equivocadas, fundamentadas pela concepção fragmentada do
problema e, sobretudo, na falta de planejamento e adequação do uso do solo, além de aplicação de
medidas de controle que não considera a totalidade da bacia ou sub-bacia hidrográfica em questão,
geralmente transferindo o problema para jusante.
A bacia hidrográfica do Córrego Guariroba é localizada no município de Campo Grande, capital
do Estado de Mato Grosso do Sul, e drena uma área de 362 km². O Córrego Guariroba integra o
sistema de abastecimento de água do município, sendo responsável por 34% do abastecimento (Águas
Guariroba, 2021) e correspondendo à principal fonte de captação superficial do sistema. Devido à sua
relevância, a bacia já foi objeto de estudos que abordam os processos hidrológicos como o de Sone
et al. (2019), que avaliaram o efeito das práticas de manejo conservacionistas executadas por
proprietários rurais localizadas na vazão do Córrego Guariroba, enquanto Valle Junior et al. (2019)
calcularam o Curve Number (CN) para a bacia através de dados de chuva e vazão e Altrão et al.
(2017) estudaram a produção de sedimentos e o efeito histerese na concentração de sedimentos da
bacia.
Observa-se que, apesar de sua importância, não existem estudos que integrem o componente de
mudanças climáticas no contexto da bacia hidrográfica em questão. Assim, utilizando-se de dados
hidrometeorológicos observados e modelagem hidrológica, esperamos que nossos resultados
demonstrem que as mudanças climáticas podem ocasionar impactos na disponibilidade hídrica da
bacia diante dos cenários avaliados, de modo que essas informações sejam úteis para orientar as
tomadas de decisão, os planos e estratégias quanto à gestão dos recursos hídricos.
XXIV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 2
METODOLOGIA
Área de estudo
A área de estudo consiste na bacia hidrográfica do Córrego Guariroba, localizada no município
de Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul. A bacia está inserida em área
predominantemente rural e sua extensão é de cerca de 362 km², com altitude variando desde 480
metros (foz) a 620 metros (nascente do Córrego Saltinho, afluente do Guariroba), conforme dados da
Prefeitura Municipal de Campo Grande (PMCG, 2011).
A classificação climática Köppen da região é de clima Aw, que caracteriza um clima
considerado tropical úmido com inverno seco (junho a setembro) e verão quente e chuvoso (dezembro
a março). Já a temperatura média anual da região é de 23,3 ºC (Valle Junior et al., 2019) e precipitação
anual média entre 1.400 mm (Valle Junior et al., 2019) e 1.500 mm (Sone et al., 2019). Quanto ao
tipo de solo, a bacia é predominantemente arenosa, porém, apresenta pequenas parcelas de solos com
textura média e argilosos (PMCG, 2008).
A bacia possui relevante importância no contexto municipal por responder por 34% do sistema
de abastecimento de água do município (Águas Guariroba, 2021), fornecendo uma vazão de
4.433 m³/h (PMCG, 2008). Por esse motivo, a bacia se insere em uma Área de Proteção Ambiental
(APA), a “APA dos Mananciais do Córrego Guariroba” e abriga áreas beneficiadas por práticas de
conservação de um programa de pagamentos por serviços ambientais chamado Manancial Vivo,
compostas por vegetação natural, plantio de eucalipto e pastagem.
Figura 1 - Localização geográfica da bacia hidrográfica do Córrego Guariroba.

Fonte: Autores.
Modelagem hidrológica
A modelagem hidrológica foi realizada por meio do modelo HYMOD por meio de condições
observadas (entre 2011 e 2018) e de cenários futuros (até 2095). Consiste em um modelo conceitual
e concentrado, empregado com êxito nos estudos de Gesualdo et al. (2019) e Parra et al. (2018), e
XXIV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 3
requer como dados de entrada dois componentes hidrológicos: precipitação (mm) e evapotranspiração
(mm). Possui seis parâmetros calibráveis, sendo esses: capacidade máxima de armazenamento de
água no solo; variabilidade espacial da capacidade máxima de armazenamento de água no solo;
coeficiente que divide o fluxo em dois tanques (tanque de vazão “rápida” e tanque de vazão “lenta”);
número de tanques lineares de vazão rápida; e dois parâmetros que descrevem os tempos de detenção
nos respectivos tanques.
O modelo hidrológico HYMOD forneceu os quantitativos de precipitação, escoamento
superficial e evapotranspiração na área de estudo previstos para o período entre 2019 e 2095. Para a
calibração do modelo, foram utilizados os dados da série histórica de vazão registrada na bacia.
Os dados de vazão necessários para a calibração do modelo foram obtidos através do
levantamento limnimétrico do Córrego Guariroba que tem sido realizado desde setembro de 2011
pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Os dados de precipitação, necessários
como entrada no modelo, foram adquiridos a partir dos cinco pluviômetros localizados em diferentes
pontos na bacia (Figura 1) que também são monitorados desde setembro de 2011.
Os dados de vazão da bacia do Córrego Guariroba disponíveis consistiam nos anos de 2011 a
2018. Assim, utilizamos o período de março de 2012 a outubro de2018 para calibração do modelo,
sendo o período de setembro de 2011 a março de2012 (180 dias) utilizado como “warm up”, ou
aquecimento do modelo. O período de validação compreendeu os meses de outubro a dezembro de
2018, totalizando 87 dias.
A estimativa da evapotranspiração potencial foi calculada pela equação de Penman-Monteith
através do software ETo Calculator (FAO, 2009), no qual foram inseridos dados de temperatura
média, máxima e mínima; umidade relativa do ar média, máxima e mínima; ponto de orvalho médio
e velocidade média dos ventos.
Para a avaliação dos processos de calibração e validação do modelo utilizaremos a análise do
R2, a análise de viés (PBIAS) e o critério de eficiência de Kling-Gupta (KGE) (Gupta et al., 2009).

Cenários de mudanças climáticas


Os Modelos de Circulação Geral (General Circulation Models – GCMs) consistem na maior
ferramenta de informações acerca de mudanças climáticas sob diferentes cenários de emissões de
gases do efeito estufa. Predizem mais de 100 variáveis climatológicas e hidrológicas. Neste trabalho
utilizamos um conjunto de 17 GCMs, sendo estes: BCC-CSM 1.1, BCC-CSM 1.1 m, 15 CSIRO-
Mk3.6.0, FIO-ESM, GFDL-CM3, GFDL-ESM2G, GFDL-ESM2M, GISS-E2-H, GISS-E2-R,
HadGEM2-ES, IPSLCM5A-LR, IPSL-CM5A-MR, MIROC-ESM, MIROC-ESM-CHEM,
MIROC5, MRI-CGCM3 e NorESM1-M, para gerar projeções climáticas futuras para o todo o período
(2019-2095), considerando que a utilização do conjunto apresenta performance superior a de qualquer
um dos modelos quando utilizados individualmente (Dhakal et al., 2018; Glecker et al., 2008).
Os cenários utilizados, chamados Caminhos Representativos de Concentração (RCPs), foram
baseados no Quinto Relatório de Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC, 2014), e consistiram nos RCPs 4.5 e 8.5. Os RCPs são calculados com base no
número de reflexão de radiação solar, isto é, na capacidade de dissipar calor em cada um dos cenários.
A escala de projeções varia de 2.6 (cenário otimista) a 8.5 (cenário pessimista).
No cenário representado pelo RCP 4.5, espera-se que haja uma relativa estabilidade (4.5 W/m²
a 6.0 W/m²), sendo o aumento da radiação estabilizado antes do ano de 2100, devido à diminuição na
emissão de gases de efeito estufa. Já no cenário do RCP 8.5, o aumento no valor de radiação seria
maior que 8.5 W/m², caracterizando-se pelo aumento constante na taxa de radiação provocada pelo
crescimento na emissão de gases de efeito estufa em uma maior concentração.
XXIV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 4
Para avaliar os impactos das projeções desses cenários na disponibilidade hídrica da bacia,
utilizou-se o modelo HYMOD para gerar as vazões projetadas para o período de 2019 a 2095,
considerando dois períodos para análise, sendo denominados curto prazo (2019 a 2057) e longo prazo
(2058 a 2095).
Para a avaliação dos resultados obtidos das projeções dos cenários, foi utilizada a vazão de
referência Q95 (a vazão de permanência que é igualada ou superada em 95% do tempo) para
comparação com os dados atuais observados na bacia. A Q95 é a vazão de referência adotada pelo
órgão estadual de meio ambiente (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul – IMASUL)
para análise de disponibilidade hídrica dos corpos hídricos superficiais do Estado de Mato Grosso do
Sul, conforme a Resolução CERH/MS n. 025/2015.

RESULTADOS
Desempenho do modelo
A Tabela 1 apresenta os resultados das métricas da avaliação do desempenho do modelo para
o período de calibração (2012-2018) e validação (2018).
Tabela 1 – Métricas de avaliação do desempenho do modelo.
Calibração Validação
Métricas Desempenho Desempenho
(2012-2018) (2018)
R2 0,45 Insatisfatório1 0,59 Satisfatório1

PBIAS (%) 6,50 Satisfatório1 1,55 Satisfatório1

KGE 0,67 Satisfatório2 0,76 Satisfatório2


Nota: (1) Segundo Moriasi et al. (2007) e (2) segundo Gupta et al. (2009).

Nota-se que o desempenho do modelo se apresentou melhor no período de validação do que no


período de calibração. No período de calibração não houve o atendimento de todos os critérios de
desempenho recomendados por Moriasi et al. (2007) e Gupta et al. (2009), o que pode ter sido
ocasionado pelo fato do solo presente na área da bacia ser predominantemente arenoso e em
detrimento das falhas existentes na série histórica de vazão disponível.
A Figura 2 apresenta a comparação das vazões observadas e das vazões simuladas por meio do
modelo, juntamente aos quantitativos de precipitação no período. Verificou-se que em determinados
períodos a vazão simulada apresentou uma relativa resposta à precipitação incidente na bacia, isto é,
após os períodos de precipitações, houve acréscimos (picos) na vazão, porém, na maior parte do
tempo, subestima esses picos observados e superestima as vazões na maior parte do período (Figura
2). Em média, as vazões simuladas do período de calibração foram superestimadas em 5,47% em
relação às vazões observadas. No período de validação, as vazões foram subestimadas em -4,02%,
quando comparadas às vazões observadas.
Os quantitativos de vazão de base foram melhor simulados tanto no período de calibração como
no de validação, quando comparados aos picos de vazão. A bacia recebe contribuição na maior parte
de escoamento de base e os picos de escoamento superficial não são tão altos como os encontrados
por Rodrigues et al. (2015), condizendo com o solo arenoso da região. Há também uma vazão mínima
diária constante de aproximadamente 1,5 m³/s, que caracteriza corpos hídricos perenes, como é o caso
da hidrografia da bacia em estudo (Cavazzana et al., 2019).

XXIV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 5


(a) Período de Calibração (b) Período de Validação
6,00 0,00 6,00 0,00

20,00 20,00
5,00 5,00
40,00 40,00

60,00 60,00

Precipitação (mm/dia)
4,00 4,00
80,00 80,00
Vazão (m³/s)

3,00 100,00 3,00 100,00

120,00 120,00
2,00 2,00
140,00 140,00

160,00 160,00
1,00 1,00
Precipitação Precipitação
180,00 Vazão observada 180,00
Vazão observada
Vazão simulada Vazão simulada
0,00 200,00 0,00 200,00

25/12/2018
06/10/2018
11/10/2018
16/10/2018
21/10/2018
26/10/2018
31/10/2018
05/11/2018
10/11/2018
15/11/2018
20/11/2018
25/11/2018
30/11/2018
05/12/2018
10/12/2018
15/12/2018
20/12/2018

30/12/2018
09/2013

06/2015
03/2012
06/2012
09/2012
12/2012
03/2013
06/2013

12/2013
03/2014
06/2014
09/2014
12/2014
03/2015

09/2015
12/2015
03/2016
06/2016
09/2016
12/2016
03/2017
06/2017
09/2017
12/2017
03/2018
06/2018
09/2018
Dias do período (2012-2018)
Dias do período (2018)

Figura 2 – Resultados do desempenho do modelo nos períodos de: (a) calibração e (b) validação.

Respostas hidrológicas aos cenários de mudanças climáticas


Para avaliação dos resultados projetados para os cenários de mudanças climáticas, e
comparação com os dados atuais observados na bacia hidrográfica do Córrego Guariroba, foram
avaliadas as alterações nos quantitativos de:
• Precipitação anual (mm/ano);
• Vazão máxima diária (m³/s);
• Vazão de referência Q95 (m³/s).
Na Figura 3 estão apresentadas as precipitações anuais (mm) esperadas para o período de 2019
a 2095 e a média anual de precipitação observada no período de 2012 a 2018 obtida do monitoramento
dos cinco pluviômetros localizados na bacia. Observamos alterações menores que 1% nos
quantitativos anuais de precipitação em ambos os cenários, apresentando precipitações anuais, em
sua maioria, dentro da média de precipitação atualmente observada no município de Campo Grande.
Quanto às vazões máximas diárias esperadas, a Figura 3 apresenta os resultados para os dois
cenários no período 2019-2095 e do período observado de 2012-2018. Percebe-se um aumento
progressivo nas vazões máximas diárias do Córrego Guariroba até atingir certa estabilidade no RCP
4.5, e variações entre períodos mais baixos e mais altos a partir de 2057 no RCP 8.5.

1.600 4,00
Precipitação anual (mm)

Vazão máxima diária (m³/s)

1.550
1496,8 mm 3,00
1.500

1.450 2,00

1.400
1,00
1.350

1.300 0,00
2019 2029 2039 2049 2059 2069 2079 2089 2012 2022 2032 2042 2052 2062 2072 2082 2092

RCP 8.5 RCP 4.5 Média observada (2012-2018) RCP 8.5 RCP 4.5 Observada (2012-2018)

Figura 3 – Precipitação anual e vazão máxima diária projetada para o período de 2019 a 2095.

XXIV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 6


A Figura 4 apresenta as curvas de permanência do Córrego Guariroba projetadas para o RCP
4.5 e o RCP 8.5, separadas em curto prazo (2019-2057) e longo prazo (2058-2095), junto à curva de
permanência atual com base nos dados observados de 2011 a 2018.

RCP 4.5 RCP 8.5


16,00 16,00

14,00 14,00

12,00 12,00
Vazão (m³/s)

Vazão (m³/s)
9,47 m³/s
10,00 10,00 8,86 m³/s

8,00 8,00
8,22 m³/s
8,56 m³/s
6,00 6,00

4,00 4,00
4,42 m³/s 4,42 m³/s
2,00 2,00
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Probabilidade de excedência ou igualdade (%) Probabilidade de excedência ou igualdade (%)

RCP 4.5 - Longo Prazo RCP 4.5 - Curto Prazo Q95 observada RCP 8.5 - Longo Prazo RCP 8.5 - Curto Prazo Q95 observada

Figura 4 – Curva de permanência atual e projetada para o período de 2019 a 2095 nos cenários RCP 4.5 e do RCP 8.5.

Vale ressaltar inicialmente que o modelo superestimou em 23,5% a Q95 atual do Córrego, sendo
aproximadamente 1 m³/s superior à Q95 obtida através da série histórica de vazão disponível. Esta
superestimativa pode ter sido refletida nas projeções futuras dos cenários. Assim, observa-se por meio
da Figura 4 que em ambos os cenários foram observados aumentos no valor da Q95 no curto prazo e
se tornando ainda maior no longo prazo.

DISCUSSÃO
Colman et al. (2018) estimaram o fator de erosividade (fator R) da bacia hidrográfica do
Córrego Guariroba em 9.038 MJ. mm.ha-1.h-1.ano-1, que foi considerado um alto fator de erosividade
do solo. Além disso, a perda de solo anual média da bacia foi estimada em 1.67 ton.ha-1.ano-1. Dessa
forma, considerando as projeções indicativas de crescimento nos quantitativos de vazão, advindo
possivelmente do aumento no escoamento rápido, é possível que haja aumento de processos erosivos
na área da bacia.
A ocorrência de processos erosivos favorece a ocorrência de efeitos negativos, uma vez que o
aumento da sedimentação no reservatório utilizado para o abastecimento de água da população de
Campo Grande eleva os custos inerentes ao tratamento da água para distribuição e consumo humano,
considerando o aumento da concentração de sólidos suspensos e sólidos dissolvidos na água, o que,
em um cenário pessimista, pode inviabilizar sua utilização como fonte de abastecimento.
Neste contexto, menciona-se que a bacia em estudo é contemplada por um programa de
pagamento por serviços ambientais (PSA), o Programa Manancial Vivo, que proporciona pagamentos
para proprietários rurais que contribuem para o aumento da infiltração de água no solo, diminuindo a
perda de solo e preservando a biodiversidade através de práticas de manejo conservacionistas (Sone
et al., 2019). Sone et al. (2019) constataram que houve aumento na vazão de base do Córrego
Guariroba devido às ações de conservação praticadas na bacia por meio do programa.
Assim, considerando que os proprietários rurais de terras localizadas na bacia têm aderido à
realização de práticas conservacionistas, principalmente em razão da existência do Programa
Manancial Vivo, espera-se que a contribuição destes seja continuada de maneira a diminuir os
impactos da erosão que pode ser impulsionada pelas mudanças climáticas esperadas para a área da
bacia.

XXIV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 7


Além desta problemática, o aumento de vazão esperado na área da bacia pode causar outros
impactos, pois caso o canal não possua capacidade suficiente para abrigar este escoamento, é possível
que haja a ocorrência de inundações. Como a ocupação da bacia é predominantemente rural, pode
haver danos nas atividades de agricultura e criação animal, impactando também na qualidade da água
dos corpos hídricos que compõem a bacia.
Considerando o exposto, evidencia-se a necessidade de integrar o componente de mudanças
climáticas nos instrumentos de planejamento que contemplam a bacia em estudo, tais como o Plano
Estadual de Recursos Hídricos, o Plano Diretor Municipal e, principalmente, o Plano de Bacia
Hidrográfica.
O presente trabalho buscou fornecer um panorama sobre os possíveis impactos das mudanças
climáticas na disponibilidade hídrica de uma bacia utilizada para abastecimento humano,
quantificando como a bacia pode ser afetada pelas mudanças climáticas em termos de quantidade de
água, bem como os riscos relacionados a eventos extremos. Vale ressaltar a necessidade de melhorias
na calibração do modelo hidrológico, que já foi utilizado com êxito em diversos estudos, como o de
Gesualdo et al. (2019), Parra et al. (2018) e Gong et al. (2013).

REFERÊNCIAS
ÁGUAS GUARIROBA S.A. (2021). Água. Disponível em:
<https://www.aguasguariroba.com.br/agua/>. Acesso em: 04 jun 2021.
ALTRÃO, A.C. et al (2017). Produção de sedimentos e efeito histerese na concentração de
sedimentos. XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, Florianópolis/SC.
CAVAZZANA, G.H. et al. (2019). Surface-groundwater interaction in unconfined
sedimentary aquifer system in the Brazil’s tropical wt region. Revista Brasileira de Recursos
Hídricos, v. 24, e8.
COLMAN, C.B. et al (2018). Different approaches to estimate the sediment yield in a tropical
watershed. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, Porto Alegre, v. 23, e47.
CRUZ, J.C. TUCCI, C.E.M (2008). Estimativa da Disponibilidade Hídrica Através da Curva
de Permanência. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v. 13, n. 1, pp. 111-124.
DEBORTOLI, N.S. et al. (2017). An index of Brazil’s vulnerability to expected increases in
natural flash flooding and landslide disasters in the context of climate change. Natural Hazards, 86,
pp. 557-582.
DIDOVETS, I., et al. (2019). Climate change impact on regional floods in the Carpathian
region. Journal of Hydrology: Regional Studies, 22.
FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION – FAO (2009). ETo Calculator. Land and
Water Digital Media Series, n° 36. FAO, Rome, Italy., 2009.
GESUALDO, G. C. et al (2019). Assessing water security in the São Paulo metropolitan
region under projected climate change. Hydrology and Earth System Sciences, 23(12), pp. 4955-
4968.
GONG, W. et al. (2013). Estimating epistemic and aleatory uncertainties during hydrologic
modeling: An information theoretic approach, Water Resour. Res., 49, pp. 2253–2273.
GUPTA, H.V. et al. (2009). Decomposition of the mean squared error and NSE performance
criteria: Implications for improving hydrological modelling. Journal of Hydrology, 377(1), pp. 80–
91.
GUPTA, H. V. et al. (1999). Status of automatic calibration for hydrologic models:
comparison with multilevel expert calibration. n. April, pp. 135–143.
XXIV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 8
INTERNATIONAL PANEL ON CLIMATE CHANGE (IPCC). (2014). Climate Change
2014: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. Part B: Regional Aspects.
MARTIN-ORTEGA, J. et al. (2011). The costs of drought: the 2007/2008 case of Barcelona.
Water Policy, 14 (3), pp. 549-560.
MILANO, M. et al (2018). Water Supply Basins of São Paulo Metropolitan Region: Hydro-
Climatic Characteristics of the 2013-2015 Water Crisis. Natural Hazards, v. 10.
MORIASI, D.N. et al. (2007). Model Evaluation Guidelines for Systematic Quantification of
Accuracy in Watershed Simulations. American Society of Agricultural and Biological Engineers, v.
50, pp. 885-900.
NASH, J. E.; SUTCLIFFE, J. V (1970). River flow forecasting through conceptual models
part I — A discussion of principles. Journal of Hydrology, v. 10, n. 3, pp. 282–290.
PARRA, V. et al. (2018). Identifying advantages and drawbacks of two hydrological models
based on a sensitivity analysis: a study in two Chilean watersheds. Hydrological Sciences Journal,
63(12), pp. 1831-1843.
POOL, S. et al. (2018). Evaluating model performance: towards a non-parametric variant of
the Kling-Gupta efficiency. Hydrological Sciences Journal, v. 63, n. 13–14, pp. 1941–1953.
PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO GRANDE – PMCG. (2008). Programa
Manancial Vivo: Aspectos conceituais, metodológicos e resultados obtidos entre os anos de 2009 -
2011. Volume I. PMCG; Águas Guariroba S.A: Campo Grande, MS.
PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO GRANDE – PMCG. (2011). Plano de Manejo da
Área de Proteção Ambiental dos Mananciais do Córrego Guariroba – APA do Guariroba.
SEMADUR/PMCG: Campo Grande, MS.
RODRIGUES, D. B. B. et al. (2015). Assessing uncertainties in surface water security: An
empirical multimodel approach. Water Resources Research, 51(11), pp. 9013–9028.
SONE, J. S. et al. (2019). Water provisioning improvement through payment for ecosystem
services. Science of the Total Environment, 655, pp. 1197-1206.
VALLE JUNIOR, L. C. G. et al. (2019). Initial Abstraction Ratio and Curve Number
Estimation Using Rainfall and Runoff Data from a Tropical Watershed. Revista Brasileira de
Recursos Hídricos, 24(5).
ZHUANG, X. W. et al. (2018). Analyzing climate change impacts on water resources under
uncertainty using an integrated simulation-optimization approach. Journal of Hydrology, 556, pp.
523-538.

XXIV Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos (ISSN 2318-0358) 9

Você também pode gostar